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Martín-Baró problematiza teorias que fazem uma leitura puramente psicológica dessa questão,

como as que apontam para um suposto caráter essencial dos povos “subdesenvolvidos”, que
seriam por natureza mais místicos e propensos à manipulação religiosa. Para ele, é impossível ler
uma realidade psicossocial sem considerar as estruturas sociais profundas nas quais os
indivíduos estão imersos. Ele sugere que o fatalismo não deve ser tratado simplesmente como
uma “síndrome” pessoal, mas que, sobretudo, seria melhor pensá-lo como um correlato psíquico
dessas estruturas. Se as pessoas assumem uma atitude fatalista é porque a estrutura social
induz ao fatalismo. A violência constante que vivemos, e o impedimento, na base da força bruta
ou da coerção económica, de qualquer movimento de transformação social, é o que faz parecer
que qualquer esforço em direção a uma mudança profunda é inútil.

O fatalismo compreende a vida como algo dado, não como um processo histórico. A deflação da
consciência histórica manifesta-se como uma forma de “presentismo”, uma experiência com o
tempo que não atenta às memórias do passado, nem a expetativas sobre o futuro – as coisas são
como são, e assim serão para sempre.

Mas o fatalismo é, ele próprio, uma produção histórica, um resultado histórico e contingente da
história social. Não se trata de uma causa da passividade, como se houvesse uma predisposição
natural dos pobres à opressão que sofrem. Ao contrário, o fatalismo opera como uma
justificação ideológica da inação, ao mesmo tempo que a reproduz.

violência acaba por ser internalizada pelo oprimido, “ancorada” na sua musculatura como uma
tensão reprimida e permanente e afeta diretamente a sua saúde física e mental. O fatalismo não
deixa de ser uma estratégia para lidar individualmente com uma realidade que parece imutável,
mas é também uma fonte de dor e sofrimento.

Uma sugestão frequente que fazia é a investigação e difusão das memórias de lutas contra a
opressão. Essa é uma forma de enfrentar o “presentismo”, esse tempo congelado, empobrecido,
sem a memória dos que lutaram antes de nós e sem perspetivas de um futuro diferente. O
trabalho com memória, ao nos informar sobre estratégias que serviram bem aos processos de
libertação no passado, pode também ampliar o nosso imaginário e nos informar sobre outros
mundos possíveis para o futuro

Mais que traçar um diagnóstico da sociedade, Martín-Baró preocupava-se sobretudo em discutir


as possibilidades da libertação pelas organizações populares: pelos sindicatos, comunidades,
movimentos sociais, e organizações políticas revolucionárias. O que precisamos, aponta, é de
um fazer científico enraizado no terreno concreto das lutas e da ação coletiva militante.
Destacava a importância da organização para que as classes oprimidas possam superar o
individualismo e assim representar os seus próprios interesses no espaço público.

Uma das suas contribuições mais originais foi o debate sobre as “virtudes” das classes
populares. Em Acción e Ideología, talvez a sua obra mais importante, dedica um capítulo para
discutir a cooperação e a solidariedade.

As análises e as teorias de Martín-Baró, ainda que direcionadas imediatamente à realidade


salvadorenha, dizem muito também sobre o nosso contexto atual. As suas recomendações de
intervenção e investigação científica podem servir de inspiração tanto para o trabalho intelectual
na academia quanto para o trabalho de organização política e construção estratégica do poder
coletivo capaz de transformar a realidade presente. A produção de uma ciência libertadora, que
articule pensamento crítico rigoroso com prática emancipatória popular, longe de ser uma
proposta do passado, mantém-se urgente em todo lugar onde haja opressão.

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