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Introdução ao Eclesiastes
[1]
Palavra do Pregador, filho de Davi, rei de Jerusalém: [2] Vaidade de vaidades, diz o Pregador;
vaidade de vaidades, tudo é vaidade. Eclesiastes 1.1–2.
Sermão pregado na IPB Rio Preto em 23/09/2012, às 9h.
Introdução
1 Esta é a segunda vez que eu prego sobre o livro de Eclesiastes.
1.1 A primeira ocasião foi na Igreja Presbiteriana Central do Gama, nos anos 2004 e
2005. Muitos daqueles primeiros sermões foram filmados e gravados, mas,
infelizmente, devido a um problema em meu computador, eu perdi a maior parte
dos esboços, anotações, áudios e vídeos.
1.2 Com exceção de algumas meditações sobre os capítulos 1, 5, 8, 9 e 12, tudo o
mais se foi.
O livro de Eclesiastes inicia apontando para seu autor e tema, da seguinte forma:
1
GOLDEN, William. O Tipo é Para Ser Lido. [Preleção apresentada em 1959, na Conferência Sobre Tipografia
Contemporânea na Associação dos Diretores Tipográficos de Nova York]. In: BIERUT, Michael et al. (Org.).
Textos Clássicos do Design Gráfico. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010, p. 123. A empolgação com
discussões teológicas e técnicas foi tão grande que a primeira versão deste sermão continha mais de sete
páginas só com dados críticos e introdutórios.
1 A primeira coisa que Eclesiastes nos ensina é que Deus fala conosco por meio do
filho de Davi. Vejamos como ele faz isso. Primeiro, apresenta-se o título do livro:
“Palavra do Pregador” (v. 1).
1.1 O termo traduzido por “Pregador” é קהלת, qhlt ou Qohelet (Coélet). É difícil
sabermos ao certo o que esta palavra significa porque apenas o autor de
Eclesiastes a utiliza — ela não é encontrada em nenhum outro lugar da Bíblia.2
2.1 Quem é ele? O debate sobre esta questão é acirrado e complexo. Para
simplificar, a discussão se resume a duas proposições:
2
ARNOLD, Bill T.; BEYER, Bryan E. Descobrindo o Antigo Testamento. São Paulo: Cultura Cristã, 2001, p. 326.
3
Cf. EATON, Michael A. Eclesiastes. In: CARSON, D. A. et al. (Ed.). Comentário Bíblico Vida Nova. São Paulo:
2009, p. 920; CERESKO, Anthony R. A Sabedoria no Antigo Testamento: Espiritualidade Libertadora. São Paulo:
Paulus, 2004, p. 100-101. ([Coleção] Bíblia e Sociologia).
4
Na Bíblia Almeida Século 21 (A21) e Nova Tradução na Linguagem de Hoje (NTLH).
5
Na Bíblia Nova Versão Internacional (NVI).
6
Uma paráfrase não é uma tradução formal, mas uma tradução livre, uma espécie de leitura atualizada de um
texto, sem muita preocupação de fidelidade ao texto original. Por isso, apesar de serem boas de ler, nem
sempre as paráfrases são confiáveis.
7
PETERSON, Eugene H. A Mensagem: Bíblia em Linguagem Contemporânea. São Paulo: Vida, 2011, p. 905.
Grifo nosso.
2.1.2 Daí surgiu outra perspectiva, ligando Eclesiastes 1.1 ao rei Ezequias.9
Outros defendem que o texto não se refere nem a um nem a outro e
sugerem teorias diversas: A possibilidade de diversos autores; de dois
autores diferentes; de um editor que compilou as palavras de um sábio
anônimo e de um único autor que criou um personagem literário.10
3 O que Deus nos diz aqui? Quem fala conosco em Eclesiastes é “filho de Davi, rei de
Jerusalém” (v. 1). A intenção do Espírito Santo é simplesmente registrar que este
Pregador provém da linhagem davídica.
3.1 Dito de outro modo, o ensino de Eclesiastes tem ligação com a aliança divina
firmada com Davi em 2Samuel 7.7-16.11
3.3 Mais do que qualquer outro, Eclesiastes está vinculado com o mais
proeminente herdeiro do trono davídico, o nosso Senhor Jesus Cristo.
3.3.2 Coélet reúne a assembleia? Jesus reúne e edifica a igreja (Mc 3.13-18;
Mt 16.18-19).
11
As palavras “aliança” e “pacto” não constam neste livro. CF. VAN GRONINGEN, Gerard. Criação e
Consumação: O Reino, a Aliança e o Mediador. São Paulo: Cultura Cristã, 2008, p. 395. v 3. Uma nota
introdutória da A21 explica que em Eclesiastes “o nome de aliança com Deus nunca é empregado” (p. 678).
Ainda assim, aspectos importantes das alianças da criação e redenção aparecem no texto. Se nosso Senhor
permitir, mostrarei e explicarei estas evidências nos próximos sermões.
1 Em Eclesiastes Deus nos instrui e fortalece para que lidemos com a vaidade da
vida. O v. 2 contém: “Vaidade de vaidades, diz o Pregador; vaidade de vaidades, tudo
é vaidade”.
1.1 Neste livro de Eclesiastes, a palavra “vaidade” ocorre 35 vezes na Bíblia Almeida
Revista e Atualizada (ARA), 33 vezes no singular e duas vezes em sua forma
plural. Os estudiosos falam de 37 ocorrências no original hebraico.12
1.2 Ademais, a declaração “vaidade de vaidades” inicia e fecha o livro (1.2; 12.8),
sinalizando que este é o seu tema ou ideia principal.
1.3 O autor de Eclesiastes aponta diversas vezes para o livro de Gênesis. Neste v.
2 nós encontramos o primeiro apontamento, uma vez que podemos ler da
seguinte forma: “Abel de Abel, tudo é Abel”.
1.3.1 Saibamos que a palavra hebraica ֶהבֶל, hebel, traduzida por “vaidade”, é
literalmente o nome do filho mais novo de Adão e Eva, registrado em
Gênesis 4.2.
12
CERESKO, op. cit., p. 106 e VAN GRONINGEN, op. cit., p. 388, registram 37 ocorrências. Para Greidanus, o
termo “vaidade” pode ser encontrado 38 vezes em Eclesiastes; cf. GREIDANUS, Sidney. Preaching Christ from
Ecclesiastes: Foundations for Expository Sermons. Grand Rapids: William B. Eerdmans Publishing Company,
2010, p. 31; e-book Kindle; posição 406 de 5268.
13
BARKER, Kenneth. (Org.). Bíblia de Estudo NVI (BENVI). São Paulo, Vida, 2003, nota 4.2, p. 12; BÍBLIA DE
1
ESTUDO DE GENEBRA. 1ed. (BEG ). São Paulo; Barueri: Cultura Cristã; Sociedade Bíblica do Brasil, 1999,
nota 4.2, p. 15; BÍBLIA DE ESTUDO NTLH. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2005, nota de estudo 4.2, p. 17;
KIDNER, Derek. Gênesis: Introdução e Comentário. 1ed. Reimpressão 1991. São Paulo: Mundo Cristão; Vida
Nova, 1979, p. 70; YOUNGBLOOD, Ronald F.; BRUCE, F. F.; HARRISON, R. K. (Ed.). Dicionário Ilustrado da
Bíblia. São Paulo: Vida Nova, 2004, p. 3.
14
SCHÖKEL, Luís Alonso. Bíblia do Peregrino. São Paulo: Paulus, 2002, nota 1.2, p. 1489.
15
EATON, op. cit., p. 922.
2.2.1 Você já pensou nisso? Dizer para Eva, aquela mãe de Gênesis 4, que seu
filho mais velho matou seu filho caçula... Isso é grotesco, choca, assusta
e machuca por dentro. Algumas coisas nos atordoam e parecem sem
sentido. Este é o tema de Eclesiastes.
2.2.2 Algumas coisas se mostram ilógicas e, portanto, incompreensíveis; não
apenas difíceis, mas virtualmente impossíveis de explicar. É assim que
enxergamos o que nos envolve; nós enxergamos, mas não nos
conformamos; nós enxergamos, mas nem sempre compreendemos e
muito menos conseguimos explicar.
2.2.2.1 Somos tomados de assalto por indignação, perplexidade e uma
sensação de ausência de sentido.
2.2.2.2 Então prosseguimos em nossa caminhada, apegando-nos a
uma coisa e outra, tentando encontrar segurança aqui e ali,
mas no fim das contas, tudo escorre por entre nossos dedos.
3 É sobre isso que fala o Eclesiastes — a vida marcada por Abel, configurada por
“vaidade”. Como disse alguém que captou a ideia do texto bíblico:
Um pouquinho de fumaça, uma rajada de vento, um simples sopro — nada que se possa
pegar com as mãos, a coisa mais próxima do zero. Isto é a vaidade de que trata este livro.16
“Vaidade”, na maioria dos contextos em Eclesiastes, significa que nem uma coisa boa no
mundo bom de Deus pode, em si mesma, dar-nos a chave da vida, ou fornecer o que é o
summum bonum, o fim principal de toda vida, do amor e do trabalho. Deus reservou a
resposta e a chave da vida para si mesmo e a compartilha somente com aqueles que se
achegam a ele. Somente indo a ele podemos encontrar a integração e significado das coisas
[...]. Sem a perspectiva e o sentido que Deus oferece àqueles que vão a ele, um vácuo
16
KIDNER, Derek. A Mensagem de Eclesiastes. 2ed. São Paulo: ABU Editora, 1998, p. 10. (A Bíblia Fala Hoje).
Grifo [em negrito nosso] nosso; grifo [em itálico] do autor.
17
HARRINGTON, Wilfrid J. Chave Para a Bíblia: A Revelação, a Promessa, a Realização. São Paulo: Paulinas,
1985, p. 327. (Biblioteca de Estudos Bíblicos). Grifo nosso.
4.1 Isso significa que, ainda que seja um livro altamente filosófico, Eclesiastes não é
uma obra de Filosofia.19 A Bíblia não se presta a este fim. Ela é a Palavra
inspirada, infalível e inerrante de Deus ― a revelação do evangelho para
salvação de toda pessoa que crer em Cristo como seu Senhor e Salvador.
Então Deus fala conosco por meio do “filho de Davi”, ajudando-nos a lidar com uma
vida passageira e aparentemente sem sentido. Deus nos mostra a vida sem
glitter, o vazio por detrás das coisas e a necessidade de andarmos com ele
mesmo estando exaustos e confusos. D ITO ISTO, É HORA DE CONCLUIR.
Concluindo
1 O que temos aqui?
1.1 Eclesiastes reafirma o ensino do restante da Bíblia: Deus fala e reina a partir de
Sião, o monte santo de Jerusalém, por meio de seu Mediador, o “filho de
Davi” descrito em Apocalipse 14.1 e 22.16.
1.2 Deus garante a palavra firmada em Isaías 33.6: “Haverá, ó Sião, estabilidade nos
teus tempos, abundância de salvação, sabedoria e conhecimento; o temor do
SENHOR será o teu tesouro”.
18
KAISER, Walter. Documentos do Antigo Testamento: Sua Relevância e Confiabilidade. São Paulo: Cultura
Cristã, 2007, p. 195.
19
Cf. LÍNDEZ, op. cit., p. 17: “Alguns chamaram Qohelet filósofo. Creio que em sentido rigoroso não é
adequada essa qualificação. Melhor seria chamá-lo pensador”. Grifos do autor. Mesmo assim, é necessário
cuidado para não atribuir peso exagerado a este ponto, uma vez que a função do escrito bíblico de sabedoria
é produzir verdadeira piedade e não mero saber filosófico. Cf. OSBORNE, Grant R. A Espiral Hermenêutica:
Uma Nova Abordagem à Interpretação Bíblica. São Paulo: Vida Nova, 2009, p. 310, “a sabedoria é em especial
um padrão teológico de pensamento que aplica a sabedoria de Deus às questões práticas da vida” (grifo
nosso). Isso resulta na definição de “uma ‘compreensão sapiencial da realidade’”, ou seja, santidade
decorrente de uma cosmovisão bíblica.
Há quem leia Eclesiastes, por exemplo, com os óculos da filosofia existencialista, sugerindo que neste livro o
autor afirma que a vida não possui qualquer sentido, ou seja, tudo é absurdo. FOX, M. V. Qohelet and His
Contradictions. Decatur, GA: The Almond Press, 1989, p. 13–14, sugere um paralelo entre o Pregador e o
filósofo existencialista Albert Camus.
20
HENLEY, W. E. Of the Nothingness of Things — Das Coisas Reduzidas a Nada —, apud EATON, Michael A.
Eclesiastes. In: EATON, Michael A.; CARR, G. Lloyd. Eclesiastes e Cantares: Introdução e Comentário. São
Paulo: Vida Nova; Mundo Cristão, 1989, p. 13. (Série Cultura Bíblica)