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GEOGRAFIA

2 ANO - GEOGRAFIA
PROF. ELIZEU CARDOSO
PROF. ELIZEU CARDOSO

2 Globalização: espaço,
CAPÍTULO

tempo e técnicas
Globalização, tempo e espaço
Globalização é uma expressão geográfica, um substantivo derivado da palavra
globo. Ao estudar a globalização, antes de tudo, precisamos levar em consideração
que se trata de um fenômeno essencialmente geográfico e que remodela o planeta
ao promover a integração dos lugares, estreitando as relações econômicas e sociais.
A globalização proporcionou a aproximação entre diversas culturas, assim como a
integração das economias e dos mercados mundiais, caracterizando-se por ser um
processo múltiplo. Diante desse dinamismo, um dos efeitos desse processo, que tem
na revolução tecnológica o grande diferencial no século XXI, é uma espécie de aniqui-
lamento do espaço pelo tempo, como descreveu o geógrafo britânico David Harvey.
Fonte: HARVEY, D.
A condição pós-
moderna. São Paulo: Para refletir e argumentar
Loyola, 2007. p. 220.

1500 - 1840 A compressão do tempo e do espaço


Observe o esquema a seguir, publicado no livro A condição
pós-moderna, do geógrafo britânico David Harvey, e leia a letra
da música “Parabolicamará”, de Gilberto Gil.
Parabolicamará
Antes mundo era pequeno
Porque Terra era grande
A melhor média de velocidade das carruagens e dos
barcos a vela era de 16 km/h Hoje mundo é muito grande
1850 - 1930 Porque Terra é pequena
Do tamanho da antena parabolicamará
Ê, volta do mundo, camará
Ê, ê, mundo dá volta, camará

As locomotivas a vapor alcançavam em média 100


Antes longe era distante
km/h; os barcos a vapor 57 km/h Perto, só quando dava
Anos 1950 Quando muito, ali defronte
E o horizonte acabava
Aviões a propulsão: 480-640 km/h Hoje lá trás dos montes, den de casa, camará
Anos 1960 Ê, volta do mundo, camará
MOZART COUTO

Ê,ê, mundo dá volta, camará


Jatos de passageiros: 800-1100 km/h
[...]
PARABOLICAMARÁ. Intérprete: Gilberto Gil. In: PARABOLICAMARÁ. Rio de Janeiro: Warner, 1992. Faixa 2.
Disponível em: https://gilbertogil.com.br/producoes/detalhes/parabolicamara/. Acesso em: 24 jun. 2020.

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Não escreva no livro Consultar as Orientações para o Professor.

1. Qual é a relação que Harvey faz entre o desenvolvimento tecnológico dos transportes e
a sensação de encolhimento do mundo?
2. Na canção, Gilberto Gil traça uma comparação entre o passado e o presente. Quais são
as mudanças ocorridas entre esses dois tempos?
3. Em sua opinião, o esquema e a letra de música chegam a conclusões semelhantes ou
diferentes? Componha argumentos para defender suas ideias, selecionando evidências
nos próprios materiais.
4. O esquema de Harvey termina na década de 1960. Elabore, em seu caderno, a conti-
nuação dele, acrescentando os dias atuais e alguns exemplos de meios de transporte
velozes atualmente.

O espaço geográfico e a
globalização
O espaço geográfico se caracteriza pela interação entre a natureza e a socie-
dade em um território. Ele é a síntese da integração entre esses dois elementos,
aquilo que está em nosso entorno, seja de forma natural, seja de forma artificial.
Na atualidade, há uma intensa transformação da natureza.

MAILA FACCHINI/SHUTERSTOCK.COM TALES AZZI/PULSAR IMAGENS

» A dinâmica da vida no espaço geográfico. Porto » Rodovia dos Imigrantes (SP), 2020. O espaço
Alegre (RS), 2020. geográfico em foco: a inseparável convivência entre o
natural e o artificial.

O espaço geográfico é composto de várias escalas e dimensões espaciais: o


local, o regional e o mundial. O espaço local é o próprio lugar, ponto de identi-
dade das pessoas e que representa uma singularidade própria. Já o espaço global

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refere-se a tudo aquilo que é partilhado e internacionalizado, que está ou que pode
ser acessado na maioria dos lugares do mundo. A internet, por exemplo, faz parte
desse espaço global, assim como as organizações internacionais.
A globalização tem acelerado os fluxos e estreitado cada vez mais a relação
entre o local e o global. Sobretudo no contexto em que vivemos, essas duas escalas
têm relações cada vez mais interdependentes. Apesar de os lugares apresenta-
rem características próprias (como as pessoas que ali habitam, sua história, suas
construções, suas paisagens e sua natureza), eles também são constituídos de
informações, produtos, pessoas, fluxos de energia, água e dinheiro, por exemplo,
que vêm de outros lugares, por vezes bem distantes.
Tanto o espaço local como o global (portanto, o espaço geográfico como
um todo) são constituídos pelas ações humanas. Isso ocorre em uma relação
de transformação da natureza, afinal, é a superfície terrestre que dá suporte à
vida. Portanto, quando falamos de espaço geográfico, falamos da vida humana
acontecendo no planeta. Vale notar que o planeta é diferente do espaço geo-
gráfico, pois existe há muito mais tempo e pode continuar existindo sem a
presença humana.
Vivemos um tempo em que o elevado desenvolvimento tecnológico e científico
possibilita interligar todos os lugares em uma rede mundial, que permite a difusão
instantânea da informação e da tecnologia, impactando cada local de maneira
distinta. Isso é o que vamos ver a seguir.
EDUARDO ANIZELLI/FOLHAPRESS

» Grupo de
quadrilha e
artistas de
Caruaru (PE)
apresentam-se
em festa junina na
Avenida Paulista,
São Paulo (SP),
2017. Nesse
evento, uma
tradição nacional
se encontrou
com o território
globalizado da
mais importante
avenida
paulistana.

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Os impactos das TDIC
Você sabe o que são as Tecnologias Digitais de Informação e
Comunicação (TDIC)? Vamos pensar sobre isso. É impossível pensar
o mundo globalizado de hoje sem levar em conta a internet, já que
ela favorece ainda mais a percepção de compressão do espaço e do
tempo e está presente em todas as esferas da vida. Seria a internet
apenas um instrumento que usamos para ler notícias, fazer compras,
conversar com pessoas, jogar, assistir filmes etc. ou ela também nos
instrumentaliza?
Nos anos 1980, o filósofo checo-brasileiro Vilém Flusser
(1920-1991) escreveu o livro Filosofia da caixa preta. Anterior à
popularização da internet, Flusser antecipou situações que vivemos
atualmente. O que o filósofo afirmou sobre os aparelhos fotográ-
ficos vale hoje para os celulares com câmera: qualquer um pode
apertar um botão e tirar fotos, mas isso não quer dizer que todos
são fotógrafos. Ao contrário, Flusser considera que as pessoas,
em sua maioria, são o que ele chama de funcionários, figuras que
apertam botões de forma mecânica e repetitiva. Temos os apare-
lhos, mas somos nós que viramos robôs e somos dominados pelas » Atualmente, com a
máquinas. É como se os aparelhos definissem o que devemos fazer popularização dos celulares
– fotografar sem parar – e não o contrário. com câmeras, fotografar
passou a ser um ato mecânico
Vários pensadores atuais se ocupam dos mesmos temas que e repetido inúmeras vezes
inquietaram Flusser, mas incluem em suas reflexões a internet e ao longo de um dia. Pessoas
as redes sociais. O que significa fotografam durante show,
fotografar repetitivamente e
compartilhar essas imagens na
internet? No livro Sociedade da
transparência, o filósofo sul-co-
reano Byung-Chul Han aborda a
exposição da intimidade na inter-
net. Usuários de redes sociais
compartilham o que fazem ao
longo do dia e postam fotos de
dentro de casa, tornando pública
sua vida privada. Esse ato gera
a ideia de que são imagens da
vida como ela de fato é, como se
TETRA IMAGES RF/GETTY IMAGES

as pessoas se mostrassem na
internet de forma transparente
e verdadeira. Para Byung-Chul
Han, no entanto, é uma ilusão.

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Afinal, os usuários só postam o que querem mostrar, o que normal-
mente corresponde aos momentos considerados felizes.
Além disso, o hábito de expor a vida cotidiana nas redes sociais
tem outro efeito, que é disponibilizar muitas informações pes-
soais. Compartilhar o destino da viagem, o restaurante favorito e
o produto comprado transforma as redes sociais em uma espécie
de prisão digital, pois somos vigiados e vigiamos as vidas alheias
a todo momento.
Jonathan Crary, outro filósofo da atualidade, também faz um
diagnóstico da vida na era digital. Para ele, estamos vivendo em uma
sociedade que reduz as horas de sono e de descanso. Hoje em dia,
muitas coisas funcionam 24 horas por dia, sete dias por semana. Os
sites, por exemplo, são assim graças às máquinas que não são desli-
gadas e não param de trabalhar.
O problema, para Crary, é que o mundo atual está levando as
pessoas a também não parar de trabalhar e a dormir cada vez menos.
Com a internet, é possível continuar trabalhando em casa, aumen-
tando a jornada laboral. Mesmo quando não trabalham, o descanso e
o sono são furtados, pois Crary entende que usar o celular para jogar
ou trocar mensagens reduz os momentos de ócio, de repouso. O resul-
» Por serem nativos tado é pessoas cada vez mais cansadas e sem tempo para sonhos e
digitais, crianças
normalmente utilizam reflexões que demandam momentos de mais tranquilidade.
aparelhos eletrônicos com No texto a seguir, o filósofo alemão Christoph Türcke faz uma
desenvoltura. O excesso de reflexão sobre o excesso de horas dedicadas aos aparelhos digitais,
uso, porém, pode levar a
problemas como a falta de citando como um dos efeitos disso o transtorno do déficit de atenção
concentração. Fotografia com hiperatividade (TDAH) em crianças.
de 2019.
[...] São crianças que não conseguem
se concentrar em nada, nem se demo-
rar em algo, nem construir uma amizade,
nem persistir em uma atividade coletiva,
crianças que não concluem nada que come-
çam. Elas são impelidas por uma agitação
motora constante, não acham nenhum
refúgio, nenhuma válvula de escape, e se
transformam em estorvos constantes para
escola, família e colegas. Não obstante, há
um meio muito eficiente para deixá-las
quietas. “Quando crianças que não podem
SYDA PRODUCTIONS/SHUTERSTOCK.COM

ficar quietas, que movem os olhos para


a direita e para a esquerda, procurando
alguma coisa e evadindo-se, sentam-se
diante de um computador, seus olhos tor-
nam-se claros e fixos”, escreve o terapeuta

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infantil Wolfgang Bergmann. Elas se movimentam nos jogos e contatos
on-line “com uma segurança de que não dispõem na chamada ‘primeira
realidade’, no dia a dia de sua vida”. [...]
TÜRCKE, C. Cultura do déficit de atenção por Christoph Türcke. Serrote, n. 19, mar. 2015.
Disponível em: https://www.revistaserrote.com.br/2015/06/cultura-do-deficit-de-atencao/.
Acesso em: 30 jun. 2020.

Mas será que a internet e os aparelhos que usamos hoje só trou- Dialogando
xeram consequências ruins para nossas vidas? Certamente não. O
 Converse com seus co-
importante, todavia, é entender que a internet e as máquinas transfor-
legas sobre quanto tem-
maram profundamente a forma de pensar e de viver. Nos anos 1950, po vocês passam nos
por exemplo, as pessoas tinham subjetividade e comportamentos celulares e se vocês se
muito diferentes dos que temos atualmente. Para saber notícias, por enquadrariam de algu-
exemplo, era preciso ouvir o rádio ou esperar o jornal do dia seguinte. ma forma na crítica que
Ninguém conseguia se comunicar com quem estava longe se estivesse o autor está realizando
andando de ônibus, porque só existia o telefone fixo. O ritmo de vida em relação à dependên-
cia da tecnologia.
e o tempo de atividades ligadas à informação e à comunicação era
muito mais lento.
O cérebro e os olhos de alguém que fica o dia inteiro olhando para
o celular são afetados de maneira diversa do que o de alguém que não
tinha acesso a tantas telas. O corpo, a percepção do tempo, o cansaço
de alguém que vive no mundo atual hiperconectado são muito dife-
rentes dos de alguém que não vivia na era dos celulares e da internet.
O modo de ver o mundo e como o corpo se comporta está diretamente
ligado às tecnologias do nosso próprio tempo.

ANDRÉ DAHMER

» Tirinha de André Dahmer, 2011. Na tirinha, uma crítica sobre hábitos


contemporâneos: um homem faz um comentário sobre a internet, um espaço em
que muitas pessoas se conectam, mas deixa de se comunicar com a pessoa que
ocupa a mesma sala que ele.

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As novas sociabilidades
na era digital
Com a popularização da internet, tornou-se muito comum o uso
do termo redes sociais. O que pode passar despercebido é que o ser
humano já se relacionava em redes sociais “off-line” antes da era
digital. Espaços de sociabilidade como festas, cerimônias religiosas,
grupos de estudo, viagens, palestras etc. eram – e ainda são – opor-
tunidades de encontro. O que a internet inaugurou foi a possibilidade
de estar em contato mesmo sem a presença física. Mais do que isso,
ela rompeu fronteiras. Por exemplo, um brasileiro pode conversar com
um japonês sem precisar dar a volta ao planeta.
A internet permite, portanto, configurações novas, próprias do
mundo globalizado. A supressão da distância física operada pelo
» Jovem kalapalo usando mundo virtual possibilita a formação de um espaço comum com
notebook, aldeia Aiha, Parque
Indígena do Xingu (MT), 2018. pessoas de diversas nacionalidades. Esse novo arranjo, no entanto,
O acesso às tecnologias da não significou o fim das comunidades locais, mas certamente mudou
informação e da comunicação
sua dinâmica. Um exemplo disso ocorre com algumas populações indí-
disponibiliza novos recursos
para as populações indígenas genas no Brasil. Muitas vivem em terras indígenas, mas não significa
divulgarem sua cultura. que estejam isoladas e não utilizem meios
tecnológicos para se comunicar. Ao contrá-
rio, há povos indígenas que empregam esses
recursos para difundir seus costumes e lutar
por seus direitos.
Desse modo, a interação entre essas
comunidades e a internet se dá em uma via de
mão dupla. Se, por um lado, elas fazem uso da
rede, utilizando-a em seu benefício, por outro,
a internet também as modifica, uma vez que
acabam sofrendo influências decorrentes
desse intercâmbio.
FABIO COLOMBINI

A internet não destruiu o mundo que existia


antes dela, mas criou um mundo virtual que
transformou profundamente o mundo real. Há
quem diga, inclusive, que a separação entre o que é real e o que é virtual
Dica é impossível de ser feita. Segundo o filósofo francês Jean Baudrillard,
(1929-2007), estaríamos vivendo uma hiper-realidade. Nela, não con-
Site da Rádio Yandê, formada
por indígenas de diferentes
seguimos mais separar o virtual do real, uma vez que o virtual se tornou
etnias. o próprio real. Para Baudrillard, não separamos mais essas duas esferas
YANDÊ. Disponível em: https:// e somos muito mais guiados pelo virtual do que pelo real.
radioyande.com/. Acesso em:
18 jun. 2020.
Um exemplo de sua afirmação pode ser percebido na busca por
cirurgias plásticas, que aumentou com a cultura da selfie. A Sociedade

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Brasileira de Cirurgia Plástica afirma que, de
2009 a 2019, a procura por cirurgia plástica
aumentou entre os jovens de 13 a 18 anos,
público que usa intensamente a internet. Esses
jovens buscam com frequência cirurgias no
rosto porque querem resultados melhores em
suas selfies. Este fato mostra como o mundo

OLEKSII DIDOK/SHUTERSTOCK.COM
virtual leva a mudanças no mundo real. Pessoas
que não se sentiam insatisfeitas ao se olhar no
espelho agora querem modificar o rosto ou o
corpo porque não se satisfazem com o que suas
fotos mostram.
A busca pela intervenção estética parte da insatisfação com a » Jovem fazendo selfie. Nos
dias atuais, a cultura da
própria imagem, mas também do desejo de pertencer a um certo selfie, principalmente aquela
grupo. Um exemplo disso são os perfis de influenciadores digi- com imagens que destacam
tais que promovem um estilo de vida fitness, expondo fotos de o rosto, pode levar a uma
insatisfação exacerbada
seus corpos bem definidos e relatando sua rotina de exercícios e em relação ao que se vê na
de alimentação. Muitos de seus seguidores desejam ter a mesma fotografia (2019).
aparência, mas, se não conseguem, podem buscar a solução em
procedimentos estéticos.
Mesmo quem não segue influenciadores fitness está exposto ao
Dialogando
sofrimento no mundo virtual. Ao ver a vida alheia e achar que todos
são felizes, há mais chances de desenvolver depressão. Em 2019, um  Você já parou para refle-
estudo realizado pela University College London, instituição universitá- tir por que tiramos sel-
ria da Inglaterra, constatou que o uso de redes sociais pode aumentar fies e usamos filtros para
corrigir o que considera-
os casos de depressão entre adolescentes e jovens, principalmente
mos serem imperfeições
meninas. As causas são privação de sono, assédio on-line e autoestima no rosto? Converse com
baixa. Além de alterações físicas – ficar sem dormir para navegar na os colegas sobre isso.
internet deixa as pessoas mais propensas à depressão –, o uso de
redes sociais pode aumentar a chance de exposição ao cyberbullying e
ao distúrbio da autoimagem. O cyberbullying é o bullying praticado na
internet. Usuários são xingados ou ameaçados, às vezes, por perfis
falsos. Já o distúrbio da autoimagem prejudica a autoestima dos
jovens, que se sentem feios ou infelizes vendo a vida dos outros, que
nas redes sociais parece perfeita. Essa sensação pode piorar quando
jovens recebem poucas curtidas em suas postagens, pois eles não se
sentem aceitos pelo que são.
Mas será que é possível usar as redes sociais sem tanto sofri-
mento? Os pesquisadores da University College London afirmam que
os pais dos adolescentes e jovens devem estimulá-los a fazer ativida-
des físicas e a dormir um número adequado de horas, pois isso reduz o
impacto do uso da internet na saúde. Além disso, os pais devem ficar

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atentos aos sites que os filhos acessam para saber se o conteúdo é
apropriado à idade dos internautas, mas essa tarefa não deve ficar só
na mão dos pais: ela é de todos.
Quando falamos de vida em sociedade, em coletivo e em comu-
nidade, os termos nos levam a pensar na forma como agimos e
nos comportamos. Partilhar espaços com mais pessoas requer
uma moral comum, isto é, um conjunto de valores e regras que
determinam o que pode e o que não pode ser feito, como devemos
nos relacionar com os outros e como os problemas devem
ser resolvidos.
O mundo virtual também é espaço de convivência. Sendo assim,
é preciso pensar nos princípios que regem a convivência on-line.
Existem, por exemplo, algumas leis criadas para punir crimes virtu-
ais. Além dessas leis, podemos pensar em um conjunto de atitudes
que todos os usuários podem ter, como não usar perfis, verdadeiros
ou falsos, para desqualificar ou ameaçar pessoas, não expor fotos
de pessoas sem a autorização delas e verificar se as notícias são
verdadeiras para não propagar mentiras. Essas são algumas atitudes
que podem promover melhoras no convívio virtual.

BARBARAMARINI/ISTOCKPHOTO/GETTY IMAGES

» Nos dias atuais o cyberbullying


é um problema que deve ser
combatido em todas as esferas
da vida, especialmente no
ambiente escolar.

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Reflexões sobre culturas
e identidades no mundo
globalizado
Todos conhecem a palavra cultura e entendem quando alguém fala que conhe-
ceu uma cultura nova ou que um país tem uma cultura rica. Mas será que é fácil
definir cultura? É uma palavra com muitos significados. Por exemplo, quando
alguém estudou muito, é comum dizerem que ela “tem cultura”. Já a cultura de
um país diz respeito a um conjunto que engloba práticas religiosas, artísticas e
políticas, língua etc. Nesse segundo sentido, todas as pessoas têm cultura, já que » Eventos
cada uma delas cresceu em um determinado país. esportivos
As culturas de cada país, no entanto, não são grandes conjuntos fechados e imu- mundiais,
como a Copa
táveis. A história do Brasil nos mostra isso, uma vez que a cultura brasileira é o fruto do Mundo,
do encontro de diferentes povos, como indígenas, europeus, africanos e asiáticos. Por mobilizam
isso, talvez seja impossível pensar a cultura de um determinado lugar de forma pura, praticamente
todo o planeta
como se ela não sofresse alterações. No entanto, quando pensamos em cultura falamos em torno de uma
também de tradições que se mantêm vivas e atravessam muitos séculos. Ou seja, competição.
cultura é troca, transformação e alteração, mas é também permanência e repetição. Na fotografia,
torcedores de
A complexidade da palavra cultura não para por aí, ainda mais em um mundo vários países
globalizado (uma de suas dimensões é a globalização cultural). A televisão e a inter- se reúnem para
net permitem que a cultura seja pensada também como um conjunto de hábitos assistir a uma
partida da Copa
do mundo inteiro. Quantas séries disponibilizadas em plataformas de streaming do Mundo da
são assistidas por pessoas de vários países? Rússia, em Sochi
(Rússia), 2018.
NELEN/SHUTERSTOCK.COM

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Sociólogos afirmam com frequência que a cultura mundial globalizada pode
enfraquecer a cultura local. No Brasil, os cinemas costumam manter em cartaz
muitos filmes estrangeiros, levando os cineastas brasileiros a lutar para que os
filmes nacionais também sejam exibidos. De novo, encontramos duas definições
de cultura antagônicas. Cultura é aquilo que é universal e dominante e ao mesmo
tempo é o particular e o exclusivo.

» Público e renda dos títulos exibidos nos cinemas no Brasil (2019)


Participação Participação Títulos
Títulos Público Renda (R$)
de público de renda exibidos

Brasileiros 24 077 751 328 160 966,00 13,7% 11,8% 249

Estrangeiros 152 355 417 2 462 180 836,00 86,4% 88,2% 434
Fonte: AGÊNCIA NACIONAL DO CINEMA. Informe de mercado: distribuição em salas (2019). Brasília, DF, 2020.
p. 7. Disponível em: https://oca.ancine.gov.br/sites/default/files/repositorio/pdf/distribuicao_2019.pdf.
Acesso em: 30 jun. 2020.

Dialogando

1. Você costuma assistir com mais frequência Dica


a filmes brasileiros ou estrangeiros? Seus
Documentário que mostra a
hábitos coincidem com os dados da tabela vida dos moradores da cidade
acima sobre a participação de público nos de Toritama (PE), conhecida
cinemas no Brasil? como “a capital dos jeans”.
2. Converse com seus colegas e reflitam se os ESTOU me guardando para
dados demonstrados pela tabela impactam quando o carnaval chegar.
Direção: Marcelo Gomes.
na cultura brasileira. Brasil: REC Produtores, Misti
3. Troquem ideias sobre as relações entre glo- Filmes e Carnaval Filmes,
balização, cultura e os dados da tabela. 2019. Vídeo (86 min).

Muitos filósofos falaram da oposição entre natureza e cultura. A cultura seria


semelhante à civilização, um processo em que o ser humano transforma o mundo
obtendo resultados que não são naturais. Uma maçã pode ser achada em um
pomar, mas um chiclete já é a natureza transformada. Essa concepção hoje é con-
testada. Um chiclete é feito a partir do petróleo refinado – ele vem, portanto, da
natureza. Outra palavra que costuma ser contraposta a cultura é barbárie. Essa
oposição foi questionada no século XX: com a Segunda Guerra Mundial, intelectuais
começaram a pensar que a cultura não é algo que se opõe a barbárie, mas que
está vinculada a ela. Afinal, a ciência faz parte da cultura. As descobertas científicas
de Einstein, por exemplo, foram utilizadas para construir a bomba atômica, uma
arma poderosa que matou muita gente e gerou diversos impactos no ambiente.
O desenvolvimento da cultura levou à barbárie.

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Também no século XX a cultura passou a significar entretenimento. Com o
cinema, o rádio e a televisão – veículos de produções feitas para as massas – a
cultura passou a ser associada a produtos que não eram obras de arte. Nesse
caso, muitas vezes o termo usado é indústria cultural. Essa distinção separa as
obras pensadas só para entreter o público das obras capazes de fazer pensar. Uma
novela serviria apenas para as pessoas se distraírem; já uma pintura no museu
faria o público refletir seriamente. Mas será que é sempre assim? Uma novela que
fale sobre o racismo pode levar as pessoas a se indignarem com a discriminação
racial. A música feita para dançar pode ser também uma música que denuncia o
machismo, a desigualdade social etc.
DU ZUPPANI/PULSAR IMAGENS

» Fachada do
Podemos também pensar em outro modo de nos relacionar com a cultura. cinema Guarany,
município de
Por exemplo, existiria alguma relação entre a cultura e aquilo que somos, isto é, a Triunfo (PE),
cultura está relacionada à identidade? O que é, afinal, a identidade? 2017. O cinema é
Identidade é um termo usado frequentemente por sociólogos para pensar uma expressão
cultural recente,
diversos fenômenos, como a história e a memória de um país, a dinâmica das surgida no fim
torcidas de times de futebol, a moda, as gírias, os diversos movimentos políticos, do século XIX.
os chamados grupos minoritários etc. Todos esses fenômenos envolvem grupos
que se identificam com símbolos, afirmações e lugares.
Pensemos na história recente do Brasil: praticamente todo brasileiro entende
que “7 a 1” diz respeito ao placar da semifinal da Copa do Mundo de 2014, em
que o Brasil perdeu da Alemanha. Por mais que os brasileiros sejam diferen-
tes entre si, uma piada ou brincadeira sobre esse evento é compreendida por

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Dialogando todos; a experiência e a lembrança compartilhada criam uma iden-
tidade comum. A identidade existe também em acessórios, músicas
 Você se considera parte
de algum grupo? Se sim, e hábitos que definem um grupo. Alguém que se diz roqueiro não é
de qual? O que define a igual a todos os roqueiros, mas compartilha um universo de objetos,
identidade dele? referências e afinidades com outros que gostam desse gênero
musical.
A identidade tem a ver com
pensamentos, objetos e símbolos
que permitem a alguém se sentir
parte de um grupo. Ela estabelece
em que aspectos um indivíduo é
igual ao seu grupo. Todavia, uma
identidade só se estabelece por
oposição a outros grupos, ou
seja, a partir das diferenças.
Se a identidade de um grupo

ENGELKE/ULLSTEIN BILD/GETTY IMAGES


só se define em relação a outro,
é possível dizer que o conceito
de identidade é relacional. Não
existe a identidade das mulheres,
por exemplo, sozinha, sem que
» Fãs de grupo essa identidade seja pensada em
de rock em relação aos homens. Esse exemplo nos permite pensar nos debates sobre a iden-
show em Berlim tidade de grupos sociais.
(Alemanha),
2012. As As mulheres, os negros, os indígenas e os imigrantes, por exemplo, são grupos
roupas, o que têm sua identidade definida na relação com outros. Muitos deles se forma-
cabelo e os ram e criaram uma identidade para lutar por direitos que não têm. Por isso, eles
acessórios
trazem afirmam com frequência que não são tratados como homens, brancos e europeus.
identidade a O movimento negro, por exemplo, denuncia que os negros sofrem muito mais vio-
um grupo de lência que os brancos. No caso desse grupo, o que forma inicialmente a identidade
roqueiros e,
ao mesmo, não é um pensamento ou um tipo de roupa comum, mas a cor da pele, muitas
tornam-se vezes ligada a uma ancestralidade – no Brasil, os negros são descendentes de
elementos de africanos e há violências e injustiças contra negros que perpassam várias gerações.
diferenciação
em relação a Apesar de haver muitas definições e discussões, ainda assim podemos estabele-
outros grupos. cer características comuns sobre a cultura e a identidade, presentes em todas elas:
• A cultura e a identidade estão sempre ligadas a práticas humanas. Uma tra-
dição antiga como o casamento e as gírias de um grupo inventadas há pouco
tempo são, ambos, realizados por seres humanos.
• Elas nunca se restringem ao que tem materialidade ou ao que é abstrato.
A pipoca pode fazer parte da cultura e da identidade, as ideias também.
• A cultura e a identidade estão sempre ligadas à coletividade, ou seja, só é
possível pensar em cultura e identidade se houver pessoas convivendo.

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A partir dessas características, podemos concluir que cultura e identidade estão
sempre relacionadas à vida coletiva. Um vilarejo, uma grande metrópole ou mesmo
o mundo inteiro: todos são espaços em que as pessoas vivem juntas. O que elas
partilham não é apenas um espaço físico, mas um conjunto muito mais amplo de
elementos que fornece a elas um sentimento de pertencimento. Se pensarmos
que todo idioma faz parte de uma cultura, entenderemos que, graças à cultura, as
pessoas se comunicam. Entender o que o outro expressa por meio de palavras passa
por um processo de identificação – o outro fala uma língua que não é estranha.

» Grupo de jongo
da comunidade
quilombola
Boa Esperança,
Presidente
Kennedy (ES),
2019. A cultura
e a identidade
estão sempre
presentes nas
manifestações
LUCIANA WHITAKER/PULSAR IMAGENS

da vida coletiva.

No entanto, não existem, entre os seres humanos, só processos de identifica-


ção. Há grupos que não são reconhecidos em determinada cultura. A cor da pele,
o tipo de discurso, as práticas de certo grupo podem excluir algumas pessoas, que
passam a se unir para se contrapor àquilo que não as representa. Uma cultura
de um grupo oprimido, que não se identifica com um grupo opressor, é a afirma-
ção de um espaço ao qual esse grupo pertence, e também uma declaração de
não pertencimento à cultura dominante (a cultura do grupo opressor). Por isso, a
cultura e a identidade, sempre ligadas às práticas humanas e a espaços coletivos,
são portadoras de conceitos opostos: o todo e a parte, a inclusão e a exclusão, a
identidade e a diferença, a comunicação e o desentendimento.
Para entender a identidade e a cultura é preciso perceber, portanto, que ambas
são processos, não conceitos estáticos, cuja complexidade é ligada a todos esses
conceitos. Além disso, uma vez que a própria vida coletiva vai se transformando – a
globalização é um exemplo de transformação –, também a cultura e a identidade
passam a ser repensadas e redefinidas.

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