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FRONER, Y.-A. Conservação Preventiva e Patrimônio Arqueológico e Etnográfico Ética, Conceitos e Critérios.
FRONER, Y.-A. Conservação Preventiva e Patrimônio Arqueológico e Etnográfico Ética, Conceitos e Critérios.
Yacy-Ara Froner*
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FRONER, Y.-A. Conservação preventiva e patrimonio arqueologico e etnográfico: ética, conceitos e critérios. Rev. do Museu
de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 5: 291-301, 1995.
Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico N acio perdidas na burocracia, por sua vez, nem sempre
nal; a formulação de legislações voltadas aos bens são bem empregadas, agravando a situação dos
patrim oniais m óveis e imóveis; a fundação de edifícios e dos acervos, os quais vêm sendo des
museus e casas históricas; a formação de profissi truídos, pela falta de cuidados elementares.
onais que se dedicam à pesquisa, à veiculação e à Contudo, o contexto atual não é decorrente da
conservação de bens patrimoniais móveis e im ó política atual, mas da evolução de uma série de
veis; todos esses caminhos confirmam esta hipó fatores convergentes, existentes desde muito antes
tese. das fundação de Serviço do Patrimônio Histórico
No entanto, o papel do Estado como agente e Artístico Nacional e que se agravaram no Estado
gerenciador do patrimônio cultural tem se mostrado Novo, nos governos militares, na breve era Collor...
bastante insatisfatório. Grande parte dos m onu Nas próprias palavras de Rodrigo M ello Fran
m entos h istó ric o s to m b a d o s p e lo g o v e rn o , co de Andrade, a criação do Serviço nasceu à vista
literalmente caem no chão por falta de manutenção; de ocorrências penosas. “Assistíamos, impassíveis,
inúmeros sítios arqueológicos não são investigados utilizando m eios que logo se revelaram inope
por falta de financiam ento; inúm eros artefatos rantes, a destruição e evasão dos monumentos e
indígenas coletados são destruídos em áreas de das peças mais caras à tradição e à arte do país. ”
depósito; museus de pequeno, médio e grande porte (Andrade, 1987: 7).
sobrevivem com o podem , diante dos escassos Não é nossa intenção criticar o SPHAN, mas
recursos repassados; as leis que incentivam a pre perceber que, gradativamente, o mau gerenciamen
servação da memória, quando não desaparecem to de nosso patrimônio cultural tem significado a
entre um govemo e outro, raramente são cumpridas. perda massiva de nossos olhos, nossos espelhos,
O resultado desta política centralizadora, má nossos espíritos - que se traduzem no nosso pas
administrada pelo estado, é a perda quantitativa e sado material - e que os meios pelos quais ainda
qualitativa de nossos bens patrimoniais, fruto da gerenciam os nossos acervos, perm acem inope
ignorância, da falta de pessoal especializado, da rantes.
falta de verbas e da própria burocracia imposta, no “A perda quantitativa e qualitativa destas
que se refere à manutenção da cultura material. fontes têm gerado lacunas irreparáveis, dificul
Ao contrário de outros países, o Brasil pouco tando a compreensão e composição deste passado
incentiva a participação da sociedade no processo recente. Os elem entos que com põem este jogo,
de gerenciamento e preservação do patrimônio; muitas vezes, parecem estilhaços de um conjunto
desse modo, a iniciativa privada raramente investe que não se arma. ” (Froner, 1994: 20).
em áreas culturais, fazendo com que o estado seja Se por um lado, a destruição de nossos acervos
o único mantenedor de nossa “cultura material”. evidencia a decadência da atividade pública no
Poucas fundações não governamentais - como gerenciam ento do patrim ônio público, também
a VITAE, a Fundação Roberto Marinho, a Hõechst, demonstra uma falta de preparo para ingressar no
o Instituto Cultural Itaú - têm apoiado e incenti mundo high tech, inaugurado pela era da inform a
vado iniciativas referentes à preservação da cultura tização e pela especialização das áreas de conhe
e da arte. Assim, o custo bruto da manutenção de cimento que envolvem a cultura material.
no ssos m useus, casas h istó ric a s, ce n tro s de Assim, para além de tantas questões políticas
pesquisa, arquivos, bibliotecas é determinado pelas e em meio a tantas questões teórico conceituais;
p re fe itu ra s , g o v e rn o s fe d e ra is e e s ta d u a is, linhas de pensam ento e de pesquisa; acirrados
universidades federais e estaduais. debates acadêmicos e epistemólógicos; diante da
As verbas destinadas, algumas vezes insufi cultura material e dos próprios artefatos resgatados
cientes, outras vezes atrasadas e outras tantas vezes - estudados ou não, expostos ou não, guardados
ou não - , surge um a outra questão de caráter
prático, ainda que permeada pela intenção ética:
(1) Não pretendemos criticar o papel do estado sob o ponto Como conservar os vestígios do passado ?
de vista de conceitos neoliberais, mas apontar os limites da Esta indagação percorre dois níveis: o conceito
administração pública no gerenciamento do patrimônio pú
e a matéria.
blico. O estado, uma vez que é sustentado pelos impostos,
teria por obrigação cuidar, acima de tudo, da saúde e da edu
Apesar de compreendermos a vida relativa de
cação de seu povo. qualquer m aterial - a perenidade - , a idéia de
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conservação tem como objetivo a busca do pro lidade dos objetos e quando incorretos, ao invés
longamento da vida útil de uma bem material, em de preservar, podem acarretar graves danos, geral
relação a dois fatores: o caráter insubstituível dos mente irreversíveis.
objetos culturais e sua “vulnerabilidade cultural” M anter a integridade do objeto é questão
através dos tempos. Assim, a conservação de um básica nos procedimentos de intervenção, desse
edifício, de um artefato ou de uma obra de arte, modo é indiscutivelmente necessário dominar con
perpassa por vários níveis de estudo, entrelaçados ceitos aplicados da química, da física e da biolo
entre si, apesar de especializados em sua área de gia, na eleição dos procedimentos de conservação
estudo: e restauro.
Se por um lado, não podemos perder a per
• as pesquisas realizadas por áreas de co
cepção de que é impossível reconstituir o objeto
nhecimento específico, seja a história da arte,
em sua materialidade original, devemos buscar es
h istó ria da arq u itetu ra, a arq u e o lo g ia, a
tabilizar os processos de alteração e degradação
etnologia, a antropologia, toda e qualquer dis
de um objeto, procurando m odificar o mínim o
ciplina que resgate as informações contidas
possível as características de seus materiais cons
nas obras, transformando-as em conceitos e
titutivos.
idéias;
Devemos perceber a imensa dificuldade de
• a documentação científica, que controla,
praticar um respeito rigoroso à integridade do
cataloga e mantém organizadas as informações
objeto - tanto na sua preservação material quanto
mínimas necessárias à identificação das obras;
em relação ao seu significado - , mas buscar esta
• o processo de m usealização, que ao
prática a todo custo, para que, através de critérios,
mesmo tempo possibilita a extroversão e o
ética, bom senso e conhecimento científico, pos
gerenciamento dos bens patrimoniais;
samos atuar de uma forma mais consciente diante
• a área de conservação e restauro, res
dos problemas materiais de nossa cultura m ateri
ponsável pela preservação material dos acer
al.
vos.
A elucidação dos mecanismos de alteração,
N este sentido, mais uma vez deparamos com tanto referente aos grandes fatores (ambiente ex
um a legislação pouco voltada para o reconhe terno), quanto aos detalhes específicos e relevan
cimento das profissões que lidam com a cultura tes de cada combinação e unidade material, possi
m aterial. M useólogos, arquivistas e docum en bilita a exploração científica dos materiais. A cons
talistas, há pouco tem po atrás não tinham sua ciência profunda dos mecanismos e dos materiais
profissão reconhecida. Ainda hoje, arqueólogos, condiciona nossa capacidade de com preender a
etnólogos e restauradores não são reconhecidos matéria e as razões pelas quais esse ou aquele tra
formalmente. tamento é ou não confiável. As inform ações po
A ssim, se por um lado, cada vez mais tom a dem nos ajudar a dirigir determinadas situações e,
se necessária uma especialização nessas áreas de desse modo, propor métodos de controle e inter
conhecimento, a falta de regulamentação profis venção mais controlados.
sional gera, em um outro sentido, a permanência Toda ação é política. Também a ação de con
de profissionais não qualificados no mercado de servação e restauro encontra-se circunscrita na es
trabalho e o desestímulo daqueles que buscam uma fera política. Nesse sentido, é indispensável com
formação mais especializada. preender e difinir os limites e as extensões de nos
No que tange a área de conservação e restauro, sos domínios, para que possamos atuar, cada vez
a ação de profissionais não qualificados implica, mais, de forma consciente na preservação da cul
muitas vezes, em procedimentos inadequados que tura material. Nos escreve Torraca, em um artigo
produzem efeitos imediatos, os quais descarac sobre os métodos científicos aplicados em obras
terizam o sentido original das obras e artefatos, de arte:
quando não significa a introdução de elementos
quím icos e orgânicos que aceleram os processos “Os cientistas são facilm ente conduzidos
de degradação das obras. a considerar a conservação como um domínio
É necessário entender que os processos de subdesenvolvido, do ponto de vista científico.
restauração envolvem a ação direta na m ateria Em conseqüência têm a tendência de trans
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a abertura de buracos no solo ou abaixar-se para Duarte, Roger Bastide, Rondon, se propuseram a
recolher objetos) que pode ser em pregada em construir centros de estudos voltados para o ge
benefício da Antropologia, da H istória ou do renciamento efetivo de nossos acervos e que, ape
divertim ento.(Spaulding apud Funari, 1988: 13). sar de todas deficiências, ainda procuram preser
A academia brasileira, herdeira direta dos câ var, estudar e expor os fragmentos de nossa me
nones europeus, parece querer m anter o status quo mória.
da arqueologia enquanto disciplina auxiliar. Esta Nesse momento, cabe questionar a validade
abordagem exclui, portanto, a Arqueologia das do resgate e coleta massiva de objetos, os quais,
ciências sociais e enquadra seu campo de atuação depois de coletados - estudados ou não - , acabam
como uma prática de cam po...(Funari, 1988: 7). consumidos em ambientes inadequados propícios
Por outro lado, conhecim ento é poder e o ao ataque biológico, saque e destruição.
conhecim ento gerado pela arqueologia brasileira A questão da conservação dos objetos ar
sofreu e ainda sofre o controle geral do estado, seja queológicos depois do processo de escavação apre
pela intervenção direta - com o a fundação do senta um duplo problema: a quantidade conside
PRONAPA no regime militar - , seja pelo controle rável de documentos a conservar e a justificação
financeiro dos projetos de pesquisa. científica de sua manutenção. Nesse momento, é
Nesse mesmo sentido, a história conturbada indispensável criar um ambiente estável, protegi
do M useu de Arqueologia e Etnologia da Univer do ao máximo contra os elementos que danificam
sidade de São Paulo, o qual reúne um dos maiores as obras.
acervos arqueológico e etnográfico, aponta para a Assim, devemos com preender que ao extrair
influência da política estatal no gerenciamento de um objeto do solo, este passa abruptamente de um
nossos centros de pesquisa. Os problemas gerados regim e de destruição lenta para um regim e de
pela fusão mal planejada de vários institutos da destruição rápida. A sensibilidade desse objeto ao
USP, até hoje vêm sendo sentidos pela “cultura novo ambiente dependerá tanto do tipo de local de
m aterial” abandonada nos depósitos, ainda não onde foi extraído como do tipo de local onde será
reunificada fisicamente (Funari, 1994). acondicionado.
P or sua vez, apesar da riq u ez a indígena Da m esm a forma, objetos etnográficos são
brasileira, estamos longe de criar um Museu do extremam ente sensíveis devido sua com posição
H omem Americano ou um M useu do índio, do orgânica.
porte de museus franceses, alemães e americanos, N ão ex iste nen h u m m a teria l, n atu ra l ou
como é o caso do M usée de l ’Homme em Paris, ou sintético, que não se degrade com o passar do
o M useu de Etnologia de Stuttgard, que “em menos Tempo.
de vin te anos chegou a se ssen ta m il peças, Contudo, o processo de envelhecim ento de
convencido de que o impacto europeu sobre as pende do meio e da resistência do m aterial ao m es
sociedades tradicionais modificaria sua essência mo. Toda degradação é irreversível, pois a obra não
de tal m odo que elas se tornariam irreconhe- voltará ao estado original. Porém, ela pode ser es
cíveis,, (Schumann & Hartmann, 1992). tacionada e controlada.
Se por um lado, todo discurso acadêm ico Qualquer material, mesmo que possua todas
im posto nas obras de Silvio Romero, Fernando as propriedades físicas e quím icas para durar
A zevedo, Sérgio Buarque de Holanda, Gilberto séculos, sofre influências que prejudicam sua
Freire, Darcy Ribeiro, Raimundo Faoro, Caio Prado durabilidade. Essas influências são classificadas
Jr., N elson W erneck Sodré, C arlos G uilherm e como:
Motta, Antonio Cândido, Alfredo Bosi, M arilena
1. agentes internos, que provêm da ma
Chauí, Ulpiano Bezerra de M enezes, entre outros,
téria-prim a e dos métodos de confecção;
procura valorizar a formação cultural do Brasil a
2. agentes externos, que ocorrem a partir
partir do resgate de nossos documentos e m onu
do uso e dependem do meio ambiente, da guar
mentos, por outro, a ação efetiva voltada para a
da, do manuseio, dos materiais constitutivos
preservação real destas fontes, tem sido pouco
e das intervenções.
valorizada.
P o u q u íssim o s h o m e n s, co m o M á rio de Sendo assim, qualquer form ulação de uma
Andrade, Rodrigo Mello Franco de Andrade, Paulo política de gerenciamento do patrim ônio arqueo
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percebendo-o globalmente, tanto em seus aspectos acurados, ao mesmo tempo que descarta métodos
materiais quanto conceituais. de intervenção mais drásticos e caros.
U ltim am en te, M éxico, C h ile, A rgentina, Por sua vez, os critérios da Conservação Pre
Colôm bia, Peru, Venezuela, Equador, países de ventiva têm sofrido uma série de ajustes, em fun
considerável produção arqueológica na América ção das especificidades do materiais existentes nos
Latina, têm se preocupado com os parâmetros da bens patrimoniais, móveis e imóveis, e das áreas
conservação preventiva, como mecanismo de pre nas quais estes objetos encontram-se lotados. A s
servação de seu patrimônio cultural. Nestes paí sim, os critérios adotados em países de clim a tro
ses, existe uma tendência acentuada de transfor pical não devem ser os mesmos daqueles adotados
mar a área de conservação em uma área am alga em clim a temperado: a realidade é distinta; os
mada à arqueologia. Solamente el esfuerzo de un parâmetros são distintos; os mecanismos são dis
equipo profesional mutidisciplinario, real, y no tintos, portanto, a maneira de controlar cada con
tan sólo en el papel, a sí como un planteamiento texto também é diferente.
de la filo so fía de excavación y m useos podrán No entanto, não cabe ao conservador perseguir
contribuir en form a fundam ental a incrementar os ideais da Conservação Preventiva como se fos
nuestros conocimientos y a posibilitar la preser sem dogmas ou leis, mas procurar, a partir destes
vación y optimización de los recursos arqueoló parâmetros, desenvolver uma consciência da mate
gicos. rialidade e da vulnerabilidade dos objetos entre os
Por sua vez, a área de conservação e restauro vários especialistas, de modo a encontrar aliados,
tem priorizado a conservação preventiva em relação e não opositores, nos projetos preservacionistas.
às técnicas de intervenção direta, como uma ma Adaptar-se à realidade das verbas, do espaço
neira de proteger a integridade material dos obje e dos materiais que temos por obrigação cuidar,
tos. não é tarefa das mais fáceis. No entanto, a partir
P reserv a çã o é a u tiliza ç ã o de todas as do momento que conhecemos conscientem ente e
técnicas científicas disponíveis para assegurar a tecnicamente nossos problemas é que poderemos
manutenção dos artefatos, coleções artísticas e encontrar soluções compatíveis com a nossa reali
históricas, de acordo com os critérios que buscam dade. Caminhar um passo na direção do ideal, é
as melhores condições para um acondicionamento uma passo a mais que damos para nos aproxim ar
adequado. (XV III Congresso A nual da ABPC, mos de situações mais adequadas.
1988).
C om o a m e d icin a p rev e n tiv a, a ação da Os critérios da C onservação Preventiva
Conservação Preventiva intenciona controlar os
agentes de degradação - internos ou externos - , Fundamentalmente, a conservação pode ser
com o intuito de prevenir, estacionar ou retardar a definida como uma operação que visa prolongar a
deterioração dos objetos. Assim, do mesmo modo vida de um objeto, prevenindo pelo maior tempo
que a partir de medidas de saneamento básico, possível sua deterioração natural ou circunstancial.
vacinação e controle a medicina previne o apa Porém, vários enunciados podem ser feitos com
recim ento de certas doenças; a Conservação Pre relação à Conservação Preventiva:
ventiva se propõe a atuar no ambiente externo, atra “Todas as técnicas que tendem a preservar e
vés do controle de fatores como luz, temperatura, controlar as possíveis causas ou agentes de dete
umidade, ataques biológicos e manuseio - ele rioro, que provocam a ação do meio ambiente e o
mentos diretamente responsáveis pelos danos ime homem, com o fim de assegurar sua permanência
diatos dos materiais constitutivos de obras e arte no tempo, para o desfrute das futuras gerações”
fatos - , prevenindo o aparecimento ou atuaçãos dos “Todas aquelas medidas que tendem a deter
m ecanism os que contribuam à degradação dos ou evitar a deterioração, mediante o controle dos
objetos. elementos am bientais, sejam do tipo natural ou
Se em um p rim eiro m om ento, a ação da social. E uma tarefa m ultidisciplinar que abarca
Conservação Preventiva implica em certos custos, desde o momento de planificação de um edifício
a longo prazo, resulta em econom ia quantitativa e (museu ou centro de estudo), até seu posterior
qualitativa, uma vez que preserva a integridade ma funcionamento. Este trabalho se vê diretam ente
terial dos artefatos, possibilitando estudos mais relacionado com a capacitação de pessoal em
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diferentes níveis, desde os trabalhadores de lim queológicas e etnográficas: excesso de U.R. com
peza, guardas, custódios, documentalistas, museó- bina a ação hidratante e corrosiva; carência pro
grafos, etnólogos, arqueólogos até aqueles níveis move a desidratação e diferença de contração; a
de direção e também a população em geral.” mudança dos coeficientes de U.R. promove um
‘Todas as ações que busquem evitar e diminuir câmbio dimensional dos materiais higroscópicos,
a degradação precoce de bens culturais, concebidas ocasionando um esforço físico muitas vezes m ai
interdisciplinarmente e trabalhadas multidiscipli- or do que o suportável pelo objeto.
narmente, tendo em conta o edifício e a coleção, Coeficientes muito altos de umidade provo
maximizando recursos humanos e econômicos.” cam a corrosão dos objetos metálicos, atacando
“A metodologia que estabelece sistemas e es também as superfícies dos vidros - tom ando-os
tratégias não interventivas, orientadas para a pro baços e esbranquiçados - devido ao seu alto teor
teção dos bens culturais” . alcalino. Os sais higroscópicos de alguns objetos
Todos estes conceitos, retirados de um exer tratados, em pedra e cerâmica, podem formar cris
cício orientado elaborado durante o “I Curso de tais de maior volume (M gS 04 - M g S 0 4. 6H20 ).
Conservación Preventiva: Colleciones dei Museu Além do mais, a umidade é base para o cresci
y Su M edio A m biente”, reproduzem a visão da mento de microrganismos e proliferação de insetos.
Conservação Preventiva de mais de vinte e cinco
especialistas, de arquitetos a diretores de museus, Temperaturas
de dez países latino-americanos. Realizado a partir
de esforços conjuntos entre The Getty Conser- Extremamente nocivas são as temperaturas
vation Institute - EUA - e o INAH - México - , muito altas, pois reduzem o coeficiente de umidade
este foi o primeiro curso dessa natureza direcionado do ar e secam ex c essiv am en te os m a te ria is
à A m érica Latina, dem onstrando que pouco a higroscópicos. Temperaturas muito baixas também
pouco esta disciplina tem tomado corpo em nossos são nocivas, como no caso da “peste do estanho”
países. - a pulverização dos objetos confeccionados em
Neste mesmo sentido, revistas como a APOYO, estanho - que ataca a uma temperatura de 13°C.
coordenada por Amparo R. de Torres e Ann Seibert Nas áreas com temperaturas muito baixas, a
e subsidiadas pelo Sm ithsonian Institute, têm neve e o gelo podem provocar danos em objetos
publicado textos voltados para a preservação do arqueológicos, devido ao desgaste e pela concentra
patrimônio cultural latino-americano. ção de umidade nas superfícies.
Cabe perguntar, quais são os parâmetros da
Conservação Preventiva e com que ela se preocupa?
Poluição
M últiplas são as preocupações da Conserva
ção Preventiva e os elementos degeneradores da
Desde o século XDC, os danos causados pela
matéria, com os quais temos que lidar, atuam de
poluição vêm se tomando evidentes: o C 0 2e o S 0 3,
forma associada, estando longe de ser completa
liberados pelas indústrias e pelos carros, associa
mente controlados. Cada vez mais a química, a
dos à umidade do ar, provocam compostos ácidos.
física, a engenharia, a meteorologia atuam como
Os poluentes atmosféricos atuam muito mais
d isc ip lin as aplicad as à conservação de bens
do que podem os realm ente “enxergar” : alguns
culturais, o que nos abre um leque de possibilidades
componentes do ar podem modificar as estruturas
diante da interdisciplinaridade.
internas, promovendo inclusive reações químicas.
Várias são as origens dos danos em obras de
Os poluentes mais ativos são os compostos
arte, como também os métodos de controle per
de enxofre, o dióxido de enxofre ( S 0 2) e o anidrido
tinentes. A seguir, decreveremos suscintamente al
sulfúrico ( S 0 3), gases sulfurosos produzidos pela
guns parâmetros, para dar uma idéia do universo
combustão do carbono - característico dos grandes
de atuação desta área de conhecimento.
centros urbanos e locais de trân sito intenso.
Através da umidade (H20 ) transforma-se em ácido
Umidade do ar sulfúrico (H2S 0 4) , acidificando e corroendo vários
elementos.
A umidade do ar é um dos fatores mais im As impurezas sólidas e gasosas têm efeitos
portantes no processo de degradação de obras ar prejudiciais sobre os objetos: o pó, a terra, a
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fuligem, o pólen e outros corpos podem aderir-se modificar seu estado sólido para um estado líquido
às superfícies dos materiais, provocando reações de acordo com sua temperatura de transição vítrea.
químicas e concentrando os gases e a umidade do
ambiente. Ataque biológico
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arquitetura têm por obrigação orientar essas e reservas técnicas, subm etendo-a a um a frag
disciplinas na execução acurada, voltada para a mentação possível diante de circunstâncias inós
preservação da cultura material, de suas tarefas. pitas.
Não é intenção posicionar-se em níveis distin Não vale a pena retirar de uma tribo um bastão
tos perante essas matérias - acima ou abaixo - , ritual, para vê-lo consumido por cupins.
mas perceber que a fusão dos conhecimentos; o Não vale a pena restaurar uma ânfora de bronze
respeito mútuo pelos critérios de cada disciplina; de três mil anos, se destruímos seu núcleo metálico
a busca de caminhos mais seguros, só tendem a e com ele carregamos inscrições, desenhos e inci
incrementar o desenvolvimento de nossas ações. sões.
Assim, quando deixarmos de ser imediatistas Torna-se extrem am ente com plicado exigir
e vaidosos, pensando apenas em nosso objeto de uma consciência preservacionista com o parte da
estudo, exposição ou restauração, e pararmos para cidadania, se os próprios agentes responsáveis
pensar que este pequeno objeto deve perm acer pelos acervos - secretários de cultura; coordena
cognicível para as gerações futuras, então teremos dores do patrim ônio; diretores de museus; mu-
com preendido o real sentido da integridade da seólogos; pesquisadores; restauradores; educado
cultura material - enquanto conceito e matéria. res - não assum em esta postura de form a ética e
Não vale a pena destruir um objeto de duzentos prática.
anos, para expô-lo de maneira inadequada por cinco A cultura material, sob o ponto de vista de seu
dias. caráter integral - material e imaterial - , só tem uma
Não vale a pena retirar do solo um a urna chance diante deste mundo em acelerada transfor
intacta de mil anos, para esquecê-la em laboratórios mação: nosso sincero respeito.
FRONER, Y.-A. Preventive Conservation and Archaeological & Ethnographic Patrimony: ethics,
concepts and criterious. Rev. do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 5: 291-301,
1995.
Referências bibliográficas
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FRONER, Y.-A. Conservação preventiva e patrimônio arqueológico e etnográfico: ética, conceitos e critérios. Rev. do Museu
de A rqueologia e Etnologia, São Paulo, 5: 291-301, 1995.
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