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23/06/2020 17h08
Os frequentadores do bar Stonewall Inn, em Nova York, nos EUA, se rebelaram contra as
constantes batidas policiais no bar — resultando em uma batalha que durou duas noites e deu
origem à organização da primeira parada do orgulho LGBTI, realizada no dia 1 de julho de 1970
nos Estados Unidos. É nessa data então que, hoje, é celebrado o Dia Mundial do Orgulho LGBT.
As marchas pelo orgulho LGBT+ são realizadas no final de junho para relembrar as revoltas de
Stonewall.
Levante do Ferro’s Bar — O Stonewall brasileiro
Pouco mais de uma década da rebelião de Stonewall, em 1983, uma revolta semelhante
aconteceu no Brasil, na cidade de São Paulo: o levante ao Ferro’s Bar, protagonizado por lésbicas
e apoiado por grupos feministas.
Localizado próximo à avenida 9 de Julho, no centro da capital paulista, o bar era um ponto de
encontro de mulheres lésbicas da década de 60 a 90. Antes, era frequentado por militantes
comunistas, no entanto, após o golpe, passou a ser um importante local para os encontros
LGBTs na cidade.
Assim como nos EUA, as incursões policiais eram recorrentes e as frequentadoras eram
expulsas do bar, mas sempre voltavam para o ocupar o espaço. Outra medida autoritária
daquela época era o confisco e a proibição de panfletos que tratavam da luta LGBT na cidade.
O material mais distribuído — e consequemente impedido de vender– era o jornal Chana com
Chana, dirigido ao público feminino lésbico. Publicado pelo Grupo Lésbico Feminista e,
posteriormente, pelo Grupo de Ação Lésbico-Feminista – GALF, o periódico existiu de 1981 a
1987. Em 1988, o GALF iniciou a publicação do jornal Um Outro Olhar, que se tornou uma revista
em 1995, ano em que cessou de circular.
Depois de muito tempo resistindo às expulsões violentas e à proibição dos materiais, no dia 19
de agosto de 1983, as militantes resolveram dar um basta na discriminação. Elas se
organizaram com outros grupos LGBT, feministas e figuras políticas da época.
E sabe quem estava lá dando uma força? O então deputado Eduardo Suplicy e a parlamentar
Irede Cardoso, dentre outros.
Diante das frequentadoras, polícia, imprensa e militância, elas leram o manifesto contra a
repressão e pelos direitos das mulheres lésbicas. Segundo Miriam Martinho, na publicação “
“Quando o preconceito fecha as portas, lute para abrí-las”, a Folha de São Paulo fez inesperada
reportagem positiva sobre o evento, destoando do tom em geral fortemente preconceituoso
empregado para quaisquer notícias sobre lésbicas na época.
VOCÊ SABIA QUE COLEGAS SUAS, SERES HUMANOS COMO VOCÊ, SÃO POSTAS PARA FORA DE
NOSSO MEIO COMO SERES LEPROSOS?
VEJA, POR EXEMPLO, O QUE ACONTECEU NA NOITE DO SÁBADO PASSADO, DIA 23 DE JULHO,
SÓ PORQUE UMAS MENINAS ESTAVAM VENDENDO SEU BOLETIM O CHANACOMCHANA, NUM
CERTO BAR QUE CONHECEMOS, O DONO DO BAR E OS SEGURANÇAS QUERIAM EXPULSÁ-LAS
À FORÇA SÓ PORQUE O BOLETIM FALA DAS NOSSAS VIDAS CLARAMENTE, SEM VERGONHA
OU MEDO E ATÉ COM MUITO ORGULHO. E É SÓ POR ISSO MESMO, JÁ QUE, NO MESMO DIA, O
EXÉRCITO DA SALVAÇÃO ESTAVA VENDENDO SEU JORNAL PARA NOS LIVRAR DO “PECADO” E
NINGUÉM O INCOMODOU.
NESSA NOITE, QUISERAM EXPULSAR AS COLEGAS, MAS NÓS NÃO DEIXAMOS E ELAS
FICARAM, JANTARAM E PAGARAM A CONTA COMO SEMPRE COSTUMAM FAZER, POIS, PRA
UNS E OUTROS, EMBORA NÃO PASSEMOS DE CÃES SARNENTOS, NOSSO DINHEIRO NÃO
TRANSMITE NOSSA DOENÇA. E ELES SABEM FAZER BOM USO DELE, NA COMPRA DO CARRO
ZERO KM, NO ESTUDO DO FILHO NO EXTERIOR, ETC. QUEREMOS TER OS MESMOS DIREITOS
DAS OUTRAS PESSOAS, NÃO SÓ SEUS DEVERES.
GUARDE E PENSE COM CALMA. EM CASA. REFLITA, FAÇA UMA AUTO-ANÁLISE, SE POSSÍVEL
RELEIA ESTE TEXTO COM BASTANTE ATENÇÃO E, SE VOCÊ NÃO SE IMPORTA CONSIGO
MESMA, JOGUE FORA E FAÇA DE CONTA QUE NADA LEU.
CASO CONTRÁRIO NOS PROCURE. NOSSO ENDEREÇO É RUA AURORA, 736, APTO 10,
PARTICIPE NA LUTA CONTRA O PRECONCEITO QUE NOS DISCRIMINA, POIS TODA MANEIRA DE
AMOR VALE A PENA.
GRUPO AÇÃO LÉSBICA FEMINISTA CX.POSTAL 62,618, CEP 01000, SP JULHO DE 1983
(texto digitalizado do folheto original distribuído no Ferro’s Bar– acervo Rede de Informação Um
Outro Olhar, contido na publicação “Quando o preconceito fecha as portas, lute para abrí-las”, de
Miriam Martinho)