Você está na página 1de 18

Seminário Internacional Desfazendo Gênero

14 a 16 de agosto de 2013, Natal (RN)


Grupo de Trabalho: Compreensão, (Des) Construção do Gênero e Novas
Construções Identitárias

A IMPRENSA GAY NO BRASIL: UM REFORÇO DO COMPORTAMENTO


HETERONORMATIVO E PRODUÇÃO DE CORPOS ABJETOS.

Murillo Nascimento Nonato


Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia
Resumo

Nesse estudo intencionamos mostrar a função dos meios de comunicação


voltados para o público LGBT no Brasil como aparato que possibilita a
repetição e reprodução das normas garantindo eficácia dos atos performativos
e da heternormatividade, mantendo as identidades hegemônicas privilegiadas,
estabilizando-as e padronizando-as.
Palavras-chave: Imprensa LGBT; Heteronormatividade; Corpos abjetos
Abstract
In this research we intend to show the Media related to LGBTs in Brazil as a
display wich enables the repetition and reproduction of the standards ensuring
the effectivity of the performative acts and heteronormativity that maintains the
hegemonic identities with privileges, making them stable and standardized.

Keywords: LGBT press; Heteronormativity; Abject bodies

Introdução
A imprensa direcionada ao público LGBT, desde seu surgimento com o
Snob em 1960 até as publicações contemporâneas, abarcam um leque de
assuntos que variavam de comportamento à militância. Nos anos 1990, o
segmento sofreu com alterações designadas pelo surgimento de um novo
conceito: o dinheiro rosa. Esse conceito surgiu por consequência dos
investimentos de empresários ambiciosos que buscavam nesse novo e
inexplorado mercado de consumo dos gays heteronormativos de classe média,
mais uma forma de aumentar sua lucratividade. A exploração desse mercado,
no entanto, não veio acompanhada de real intenção de aceitação do público
homossexual na sociedade. Eles buscavam a padronização do modelo
homossexual. Um modelo útil, criação de sujeitos economicamente viáveis.
Nesse contexto, a Imprensa Gay sofria com os custoso onerosos da produção
de revistas desse segmento e vislumbraram na internet um caminho mais fácil
e lucrativo de produção ancorada principalmente na pornografia.

Ainda na primeira geração do jornalismo na web as produções se


limitavam a migração do conteúdo do impresso para a rede sem a adaptação
para o formato. A experiência foi infrutífera. Após a restruturação, respeitando
as especificidades e regras do novo formato, beneficiando-se do menor custo
no investimento para a produção na internet e redução de gastos com equipe e
crescente aumento do interesse pela pornografia, a produção de conteúdo
voltado para os LGBT na web se tornou promissor e lucrativo, contrastando
com as estruturas frágeis e custosas dos jornais e revistas.

No entanto, desde o impresso à web, essas publicações privilegiam um


determinado grupo de homossexuais, formado por homens brancos de classe
média: o gay heteronormativo. A heteronormatividade se configura enquanto as
padronizações sociais que engessam os comportamentos dos gêneros, sua
sexualidade e sua subjetividade para que criem a noção de coerência da
heterossexualidade. Publicações voltadas tanto para lésbicas quanto para
travestis e transexuais são raras até hoje.

Nesse estudo intencionamos mostrar a função dos meios de


comunicação voltados para o público LGBT no Brasil como um instrumento de
apoio desse aparato que possibilita a repetição e reprodução das normas
garantindo eficácia dos atos performativos mantendo as identidades
privilegiadas, estabilizando-as, traçando a linearidade entre os gêneros, as
sexualidades e desejo. Um reforço da heteronormatividade, dos binarismos.
Oportunamente cunhada de Imprensa Gay por pesquisadores com a intenção
de abarcar as publicações voltadas para as diversidades identidades, a história
mostra a centralidade na representação do homossexual masculino, branco,
bem sucedido financeiramente e com alto nível de escolaridade. Dessa
imprensa, em sua maioria, os corpos abjetos são desprivilegiados, expulsos,
negados, reinscritos na marginalidade e deslegitimados.Os estudos pretendem
compreender de que forma esses veículos trabalharam para manter os sujeitos
sexuais estáveis e normalizados.

A Imprensa Gay Brasileira

Como mostra Veloso e Santos (2009), o surgimento do homossexual


representado pela imprensa é anterior ao aparecimento de uma imprensa
especializada ou segmentada do ramo. Ou seja, anterior ao surgimento da
Imprensa Gay.

Os autores apontam para as primeiras aparições da figura gay na


imprensa brasileira já em 1904. Cartunistas desenhavam homens femininos de
forma caricata na tentativa de produzir humor. A revista humorística O Malho,
por exemplo, em uma de suas edições exibiu uma charge junto a um poema
intitulado Fresca Theoria em que satirizavam homens que se reuniam na Praça
Tiradentes em busca de relações sexuais no local. Em 1914, foi publicado
também o conto homoerótico O Menino de Gouveia, pela revista Rio Nu.

No Brasil, a Imprensa Gay teve seu surgimento na década de 1960. As


publicações eram produzidas por homossexuais e mantinham foco no grupo.
Eles refletiam a ideologia sobre a homossexualidade do período. Segundo
Flávia Péret (2011), o tema era abordado, sobretudo por meio das sátiras de
figuras públicas ou divulgando fatos policiais envolvendo homossexuais.

A primeira publicação abertamente homossexual no Brasil denominava-


se O Snob. O periódico reunia informações sobre a vida de badalações e
festas, eventos criados pelos grupos gays que vivam e se organizam naquela
época no Rio de Janeiro.

O periódico foi criado por Agildo Guimarães, no Rio de Janeiro, em


1963. Guimarães criou o jornal por não ter ficado contente com o resultado de
um concurso de beleza que era realizada pela Turma Okay (grupo de
homossexuais brasileiro fundado em 1961). Da indignação surgiu um
jornalzinho para protestar contra a escolha da vencedora do concurso, assim
nasce O Snob.

Péret (2011) conta que a publicação era realizada de forma bastante


simples e artesanal. Com folha de papel ofício, datilografado frente e verso,
mimeografado, Agildo Guimarães dava vida a sua pequena publicação que era
distribuída na Cinelândia e em Copacabana. Péret (2011) diz ainda que com o
passar do tempo o jornal ganhou respeitabilidade dentro da comunidade LGBT
carioca, transformando-se em uma mini revista, mais elaborada, contendo
capa, número aproximado de trinta páginas, era colorida e tinha até mesmo
alguns anúncios. Dentro da publicação podia se conferir artigos de fofoca,
notícias, reportagens, poemas, contos, crônicas, poesia, palavras cruzadas,
textos sobre beleza e moda, entre outros.
Por ser o primeiro jornal voltado para o público causou grande impacto
e seu estilo debochado tornou-se parâmetro para publicações futuras como
Força, O Mito, O Show, Mais, O Pelicano, Chic, Cinelândia à Noite, Darling,
Baby, O Babado, entre outros citados na pesquisa de James Green.

Entre as décadas 1960 e 1970, grupos de militantes no Brasil passaram


a incorporar ideais dos movimentos contraculturais que se impunham aos
comportamentos sociais estabelecidos. Influenciado por esse movimento está a
revolta de Stonewall. Em 1969 era ilegal ter um estabelecimento público que
reunisse homossexuais na cidade de Nova York, no entanto, no dia 28 de
junho daquele ano, cansados da repressão protagonizada pela polícia da
cidade, os LGBTs e todos os que frequentavam o bar Stonewall Inn, localizado
no bairro Greenwich Village, decidiram não mais se calar diante da violência
motivada pelo ódio homossexual. O bar situava-se em área de difícil acesso e
caracterizava-se como um gueto. O Estabelecimento abrigava também muitos
grupos dejovens cuja política era definida pelo nascente movimento contra a
guerra do Vietnã, ideologias de esquerda, do feminismo e do movimento dos
direitos civis dos negros. Espelhados pelas lutas desses grupos sociais, os
homossexuais estavam preparados para resistir à opressão naquela noite. Os
manifestantes enfrentaram a polícia munidos de pedras e garrafas, ganharam
as ruas e sustentaram o embate físico por quatro dias confrontando à
truculência do Estado.

Esse confronto ocorrido em Stonewall marcou o movimento


gay tanto nos Estados Unido quanto no mundo em geral. A
data que ocorreu tal conflito, 28 de junho de 1969 se tornou o
dia do Orgulho Gay, a data mais importante do calendário para
esse movimento. A partir de então, o movimento homossexual
passou a ser um movimento identitário, e com adefesa de
plataforma política, fugindo do seu âmbito puramente sexual.
(NASCIMENTO,2011,pg. 15)

Nesse período há também uma profusão de ideologias políticas e


democráticas, as quais surgem contrapondo a Ditadura Militar. Para Lima
(2010, p. 1), o período propiciou o surgimento de um novo modelo de imprensa
que:

foi criada por jornalistas que rejeitavam a primazia do discurso


ideológico-militar. Estavam mais voltados, segundo Kucinski, à
crítica dos costumes e à ruptura cultural, “tinham suas raízes
nos movimentos de contracultura norte-americanos e, através
deles, no orientalismo, no anarquismo e no existencialismo de
Jean-Paul Sartre.” (KUCINSKI, 1991:xiv-xv) Investiam
principalmente contrao autoritarismo na esfera dos costumes e
no alegado moralismo da classe média. Introduziram no Brasil
temáticas da contracultura.

Dentro desse contexto surge em 1978, o Lampião da Esquina, o primeiro


jornal gay de circulação nacional, que era destinado a tratar da questão do
direito dos grupos marginalizados, como mulheres e negros e principalmente
dos homossexuais no Brasil.

O nome Lampião fazia referência direta ao cangaceiro e tinha por intuito,


como relata Péret (2011), também de aludir à questão da luz, iluminação,
claridade, de levar os indivíduos a novas reflexões. Ainda segundo Péret
(2011), o jornal diferenciava-se pelo caráter político que tinha. Ao contrário das
publicações da década de 1960, que eram vendidas de forma clandestina, esse
jornal era comercializado nas bancas das grandes cidades. O Lampião ampliou
a perspectiva da discussão sobre a homossexualidade e abraçou a militância,
aproveitando a onda da redemocratização e do fim da censura prévia. No
primeiro editorial assim justificavam sua existência:

A idéia de publicar um jornal que, dentro da chamada imprensa


alternativa, desse ênfase aos assuntos que esta considera
„nãoprioritários‟ (...), mas um jornal homossexual, para quê?
(...) nossa resposta é a seguinte: é preciso dizer não ao gueto
e, em conseqüência, sair dele (...) e uma minoria, é elementar
nos dias de hoje, precisa de voz (...) Para isso, estaremos
mensalmente nas bancas do país, falando da atualidade e
procurando esclarecer sobre a experiência homossexual em
todos os campos da sociedade e da criatividade humana.
(LAMPIÃO,p.2, 1978)

Segundo Lima (2007), o jornal era publicado em formato tabloide, era


impresso em preto e branco. Em seu conteúdo havia entrevistas com
indivíduos não necessariamente homossexuais, havia nele publicações de
críticas cinematográficas, de contos, reportagens, notícias. Lima (2007) aponta
ainda que havia enorme destaque para a sessão de carta de leitores. O espaço
se tornou meio de dar visibilidade a comunidade LGBT. Na publicação havia
também sempre textos que repudiavam atos de preconceito contra
homossexuais bem como publicações ácidas e ataques diretos contra aqueles
que mantinham comportamento de ódio de forma declarada ou velada aos
LGBT.

O Lampião coincidiu com o boom da pornografia no país. No final de sua


vida, O Lampião, publicação engajada, militante, política e crítica, passou a
publicar basicamente pornografia para tentar sobreviver. Lima (2007), atribui
esse surto pelo interesse à pornografia ao fim da distensão política, da
repressão, da censura e da demanda reprimida por pornografia. Assim Lima (p.
4, 2007), descreve o fim do Lampião e o início de uma nova era na Imprensa
Gay:

Já nos números finais, o jornal começou a publicar fotos


eróticas, o que antes evitava. Com essa transferência do
enfoque, Lampião perdeu a credibilidade, já que com
apornografia a indústria cultural produzia melhor e mais barato.
Emboratenha durado pouco, o jornal marcou a imprensa
brasileira pelo seu vanguardismo nasposições defendidas.A
partir daí, a imprensa homossexual brasileira foi tomada pelo
pornográfico. Dezenas de publicações surgiram explorando o
nu masculino. Primeiramente, disfarçadas em revistas como
Naturismo, que pregava a vida saudável e o fisiculturismo;
aprimorou-se, depois, em publicações específicas,
especialmente em São Paulo. Surgiram as revistasGato, Alone
Gay, Young Pornogay, entre outros títulos. Mesmo revistas
não-gays, comoRose, chegaram a publicar, na seção de
cartas, uma coluna dedicada aos anúncios homossexuais,
reeditando o Correio Elegante,de Celso Curi. Embora
impregnados de pornografia, alguns desses periódicos
traziamartigos que buscavam discutir questões ligadas à
homossexualidade.

A década de 1990 trouxe novos rumos para a Imprensa Gay no Brasil.


No período de pânico em torno da AIDS, a identidade homossexual foi se
alterando e novas formas de vivenciar e experienciar as sexualidades foram
surgindo. Essas mudanças foram acompanhadas do surgimento de um
mercado especificamente gay e heteronormativo, apropriando-se do dinheiro
rosa.

O dinheiro rosa e a Imprensa Gay


Junto à militância gay impulsionada por movimentos como os
contraculturais, o levante de Stonewall, desse desenvolvimento do movimento
homossexual organizado, surgiu também um conceito novo: o dinheiro rosa.

Segundo Ribeiro (2010) passou a surgir intervenções do capitalismo


dentro dos espaços conquistados pelas lésbicas, travestis, transexuais e gays.
Entre as décadas de 1970 e 1980 passam a surgir os “bairros gays, lugares
onde a maioria da população é gay e onde se pratica uma forma de vida
padronizada e aburguesada (RIBEIRO, p. 57, 2010), destacam-se Castro, em
São Fransciso, Madri, na Espanha, entre outros. Nesse período o público
LGBT passa a ser visto como um grupo consumidor em potencial na visão das
empresas. São criadas vários produtos para esse público como cruzeiros,
hotéis, saunas, produtos culturais como livros, filmes, a pornografia é investida
com muita força, a moda é associada ao grupo. Todo um aparato para fisgar os
consumidores gays, criando até o “estilo de vida gay”.

Esse mercado possibilitou uma sensação falsa de aceitação por parte de


alguns grupos. No entanto, essa sensação existe por que é criado um universo
em que alguns homossexuais são protegidos, em certa medida, pelo volume de
sua conta bancária. E, ainda assim, essa sensação de aceitação é tolerada
apenas quando seu comportamento se aproxima do heteronormativo. Existe a
exigência do perfil hegemônico do branco, masculino, viril, com alto poder
aquisitivo e “discreto”. “O poder de consumo gay surge como forma de
diferenciar-se de todas as possibilidades de gênero praticadas na sociedade. É
a maneira capitalista de administrar o mundo tirando proveito disso”, aponta
Ribeiro (p.60, 2010)

A matéria da versão on line da revista Istoé intitulada, O Poderoso


Mercado Gay, alega que em 2007 a Parada do Orgulho Gay ultrapassou em
termos de lucratividade a Formula 1 na cidade de São Paulo e contém falas
como a de Caio Luiz de Carvalho, presidente da SPTuris, sobre o evento, que
diz:" (Os LGBTs) São pessoas que chegam com uma semana de antecedência
e permanecem na cidade até o final do evento. Fora transporte e hospedagem,
gastam no comércio local de R$ 180 a R$ 200 milhões". Para o presidente "os
gays são os clientes que todo mundo quer: gastam muito e ficam bastante
tempo." Na matéria ainda explicita o enorme investimento financeiro de
empresas privadas como a da Bank ofAmerica, MasterCard, Pepsi, Delta
Airlines,e outras marcas poderosas em paradas como as da cidade de São
Franciso como é citado na matéria.

Outras frases citadas na matéria da Isto é, como a de Francisco de Assis


Fernandes, diretor da American Life, que lançou o primeiro seguro para casais
gays, evidencia que as marcas vêm o público gay em termos mercadológicos e
que não significa alteração no comportamento ou diminuição de preconceito
dessas empresas: "Claro que quando surgiu a idéia do Vida Freedon, tivemos
medo de ficar conhecidos como a seguradora dos gays. Mas isso é bobagem.
Vimos que, ao comunicar nosso produto dentro da comunidade, quem é de fora
nem fica sabendo”. O diretor da empresa realça dessa forma até mesmo o
interesse da marca que esses serviços voltados para o segmento LGBT não
sejam de conhecimento público, formando um gueto gay no mercado
financeiro.

Segundo Ribeiro (2010), o segmento homossexual no mercado


financeiro tem crescido estatisticamente e economicamente. Esse processo
teve implicações dentro da militância, comportamento, consumo e, claro, na
produção de conteúdo nas revistas voltadas pára o segmento.

Em 1995, dentro desse novo contexto, surge a Sui Generes. Produzida


pela SG Press, passou a dialogar com esse novo estilo e comportamento
gerado pelo boom do mercado gay e alcançar também a militância. É
considerada a publicação mais relevante lançado após o Lampião da Esquina.
Seu diferencial era a tentativa de atrair também o púbico heterossexual. A
revista abarcava uma gama de assuntos que variavam de moda à militância,
possuía uma tiragem média de 30 mil exemplares e funcionou até 2000.

A revista passou por problemas financeiros e a solução pensada para o


problema foi o lançamento da revista Homens em 1997. Homens era uma
revista erótica de pouco conteúdo jornalístico.

Dois anos após, surge a publicação G Maganize. Ela veio trazendo em


suas edições o nu masculino, informações gerais e assuntos voltados para a
militância. Foi a primeira a trazer nu de famosos. A revista tem por missão
cobrir fatos voltados para a militância LGBT, casos de homofobia e sobre o
universo gay de consumo. Devido a uma crise vivenciada pela empresa, foi
vendida para o grupo Ultra Friends International, dos EUA. Após a venda a
publicação sofreu uma drástica alteração na sua política editorial. Do meio
termo que se pretendia permear entre o erotismo e a militância, acabou por
virar menos informativa e essencialmente erótica.

A Imprensa Gay no Brasil mergulha novamente em fase de


reestruturação influenciados pela nova maneira de consumo imposta pelo
capitalismo. Como mostra Perét (2011) surgem propostas editorais “ancoradas
no que o publicitário Pedro Sampaio chama de „militância de mercado‟. Pare
ele essa „militância‟ está focada em três pontos: o que os gays consomem,
como eles se comportam e quem são seus ícones”.

Dentro dessa lógica surge a revista de relativo sucesso no meio gay,a


Junior.Com uma tiragem de 30 mil cópias. Ela foi lançada em 2007. A princípio
a publicação era trimestral, depois a periodicidade foi diminuindo e aumentando
o número de tiragens. Como mostra Perét (2010), a publicação idealizada por
André Fischer mostra já no seu primeiro editorial a intenção clara de ser uma
revista mercadológica e com uma visão clara do tipo de homossexual que
pretendia representar. Ela se propunha serabertamente gay, mas sem se
comprometer com a militância, seria erótica com homens da estética padrão de
beleza e ligada aos valores de mercado.

A migração para a rede

As publicações do gênero se mostraram instáveis durante a sua


trajetória. Manter jornais ou revistas para esse público se provou oneroso e o
retorno não supria os gastos. Os investidores acabaram enxergando no
surgimento da internet o filão para o ramo e recuperação da frágil estrutura
financeira da Imprensa Gay. Para ilustrar o cenário, temos o portal Mix Brasil, o
primeiro portal gay da América Latina, A Capa, Athos GLS e Mundo Mais.

Primeiro as empresas abriram “filiais” nas redes, iniciativa que


logo fracassou, visto que criar uma revista online requer , mais
do que uma simples mudança de suporte, uma reestruturação
na maneira de produzir, veicular e distribuir informações. Em
média, os custos para desenvolver e manter um site no ar eram
70% menores que os investimentos feitos para colocar uma
revista nas bancas. Além disso, sites e portais trabalham com
equipes menores o que reduz gastos com salário (PÉRET,
2011, p. 99).

Esse período coincidiu com a expansão da indústria pornográfica que se


tornava altamente lucrativa. A internet auxiliou na promoção desse evento. É
uma tendência nesses sites/portais terem textos concisos e misturarem
conteúdo jornalístico com forte apelo erótico.

O Brasil é pioneira em vários aspectos. Entre eles está, em 1993, a


criação do Mix Brasil, o primeiro portal gay da América Latina. Enquanto era o
único portal gay produzindo para esse espaço chegou a alcançar 300 milhões
de visualizações. O portal pertence ao grupo Mix Brasil.

Como explica Perét (2011), a internet possibilitou que várias ONGs,


grupos e ativistas se apropriassem do ciberespaço. Ela cita o exemplo do
Grupo Gay da Bahia que publica boletins periódicos sobre os atos de violência
homofobica ocorridos pelo país, dos vários grupos de defesa dos direitos LGBT
que criaram sites para recolher assinaturas e defender a causa. Apesar disso,
a autora aponta que a grande fatia é destinada a pornografia. Com a internet a
indústria pornografia passou a lucrar em cifras imensuráveis.

Perét (2011) aponta que seria um erro acreditar que os sites voltados
para o publico gay, ao priorizar pornografia e ao erotismo perderia seu caráter
de militância. Para ela há ações de mobilizações em torno de assuntos de
interesse do grupo. Nesse ponto a autora parece estar correta.

Resumida a história da Imprensa Gay desde seus primeiros textos


impressos de forma mais rudimentar até seus mais novos formatos na rede, é
interessante observar algumas questões. O termo, popularizado e muito
utilizado pelos teóricos, tem a intenção de abarcar as publicações voltadas
para as diversas identidades: a do homossexual masculino, feminino, travestis,
transexuais, entre outras. No entanto, o termo evidencia o caráter político e a
limitação dessas publicações. Desde o surgimento dessa imprensa é
privilegiado um determinado grupo. Nas publicações, o foco está na
representação do homossexual masculino, sobretudo homem branco, bem
sucedido e com alto nível educacional, justificando ainda que de forma
inconsciente a denominação Imprensa Gay. O fato não se dá por acaso. As
publicações voltadas para esse grupo ainda mais especifico traçam novas
necessidades capitalistas e realçam uma nova estrutura social: a
heteronormatividade.

Michael Warner foi o responsável por definir o conceito de


heteronormatividade em 1991. Como aponta Miscolki (2012), o nome vem
esclarecer a luz da teoria ideias do trabalho de Foucault a cerca dos
dispositivos de sexualidade. A heternormatividade se configura enquanto as
padronizações sociais que engessam os comportamentos dos gêneros, sua
sexualidade e sua subjetividade para que criem a noção de coerência da
heterossexualidade (e de desvio das que fogem dos seus limites) e a torne
privilegiada frente as outras formas de comportamento.
A heteronormatividade expressa às expectativas, as demandas
e as obrigações sociais que derivam do pressuposto da
heterossexualidade como natural e, portanto, fundamento da
sociedade.[...] A heteronormatividade é mais que o aperçu de
que a heterossexualidade é compulsória. Como um conjunto de
prescrições que fundamenta processos sociais de regulação e
controle, a heterossexualidade marca aquelas até que não se
relacionam com pessoas do mesmo sexo. (MISCOLKI, p. 5,
2012)

Por heterossexualidade compulsória entende-se a obrigação social em


ser heterossexual. Nas novas configurações da sociedade, esse dispositivo de
poder é suplantado ou convive com esse outro que tolera (não as aceita)
algumas sexualidades desviantes economicamente viáveis, oprimindo
fortemente as que não são desejáveis e economicamente viáveis, ainda assim,
subjuga tais comportamentos a lógica do comportamento heterossexual
criando as dicotomias do ativo e passivo no universo homossexual, por
exemplo, e as históricas divisões de papéis sociais. A heternormatividade
organiza todas as formas de comportamento em torno do modelo dito coerente
e natural da heterossexualidade.

Segundo Gilmaro Nogueira (2013), na heteronormatividade os sujeitos


se organizam seguindo o modelo heterossexual seja o indivíduo heterossexual
ou não. Dessa forma, a heterossexualidade se evidência não apenas como
uma orientação sexual, e sim como um modelo político que organiza a vida dos
indivíduos. O modelo surge a partir da nossa sociedade de consumo em que o
homossexual (descrito acima) é visto como consumidor em potencial. Esse
homossexual consumidor aumentou extraordinariamente o seu poder de
compra e consolidou “um mercado de serviços específicos para o público gay,
ampla redede conceitos produtos e tendências (que) passou a orientar e a
fazer parte do cotidiano dos gays de classe média que vivam nas grandes
cidades” (GILMARO, 2013).

Essa reprodução se adequa também a crítica sobre a performatividade:


“[...] a crítica genealógica de Butler relativamente à categoria do sujeito se
ajusta a sua noção de que as identidades “generificadas” e sexuadas são
performativas” (Sillah, p. 22, 2012). Ou como explicam Miscolki e Pelúcio
(2007), “A performatividade, denuncia que os na reiteração de normas que são
anteriores ao agente e que, sendo permanentemente reiteradas, materializam
aquilo que nomeiam”.
A representação atribuiu significação aquilo que somos, pois através
dela se reflete, como no espelho, o eu, evidencia aquilo que sou ou que não
sou. A representação funciona também como um mecanismo de poder. Ela
enquadra as possibilidades de corpos que são aceitos e limitam, na sociedade,
o espaço dos corpos relegados à abjeção para a marginalidade. Compreendido
isso, podemos pensar que o homossexual estampado nas capas e dentro das
revistas e sites contemporâneos e o comportamento homossexual buscado
nelas, são produzidos e tem por consequência (ou finalidade) fazer com que
seus consumidores se conectem com o modelo ali representado e dessa forma
façam a reprodução.
Principalmente com a produção de revistas a partir da década de 90 e os
sites voltados para os LGBT, o segmento mostrou seu desejo em apostar no
erotismo de corpos esculturais, masculinos, respeitando um padrão de beleza
hegemônico. O homossexual, sempre o indivíduo do sexo masculino, era
incitado a consumir e se comportar de acordo com o padrão dominante do
homossexual masculino. Um corpo heterossexualizado, heternormativo.
A exemplo da G Maganize, vê-se o culto exacerbado ao corpo. Na
publicação predominam-se as fotografias de nudez em que o modelo é sempre
jovem, malhado e viril. O jornalismo se deteriora entre as páginas de nudez de
jogadores de futebol, modelos de passarela e famosos.
A Junior segue o mesmo modelo de publicação. Ela, como as revistas e
sites criados a partir da década de 90, citadas anteriormente, impulsionam um
modelo do homossexual desejado pelo mercado. Representam um estilo de
vida caro, de gays ricos que cultuam os corpos sarados, corpos brancos.
Entre as publicações na rede, o mesmo padrão. A essência da linha
editorial se repete no A Capa, Mundo Mais, Pheeno e tantos outros.
Na Imprensa Gay, principalmente a contemporânea, há uma nítida
rejeição ao feminino. Nela não é representado o homossexual que no seu
comportamento, na sua forma de vestir e falar, de se expressar, traduzam
elementos que são associados à feminilidade.
Desse modelo editorial, bastante comercial, a idade é fundamental. A
jovialidade está intrinsecamente ligada à identidade do homossexual que o
mercado quer criar. São esses que, afinal de contas, tem maior potencial
enquanto consumidores. Portanto, a velhice não está associada à
homossexualidade nas revistas, sites e jornais. A associação direta é feita com
a vitalidade, energia, jovialidade.
O corpo negro, quando não é hipersexualizado, é marginalizado. O
corpo branco se sobrepõe àqueles de pigmentação negra. Há uma série de
corpos que são rejeitados por essa representação, como o do gordos, pobres,
deficientes, exageradamente magros, deformados e etc. Nada que fuja a lei, a
norma.
Por prezar pela manutenção de um comportamento próximo as
exigências do comportamento heterossexual, através da imposição da
heteronormatividade, as identidades restantes foram excluídas e relegadas à
invisibilidade. Nesse processo, foram negligenciados os homossexuais
masculinos não heternormativos, lésbicas, travestis e transexuais.

A Imprensa Lésbica e a Imprensa Trans


Excluídos ao longo da história, publicações voltadas tanto para lésbicas
quanto paratravestis e transexuais são raras. Esses se encontram fora do
debate político, da história e da discussão acadêmica.
Jornal das Senhoras, em 1852, veio a ser o primeiro periódico criado por
iniciativa feminina. A publicação lutava pelo direito das mulheres de irem á
escola e de se emanciparem politicamente e financeiramente. Outros vieram,
como o Belo Sexo, a Família, todos com o mesmo intuito de militar pela causa
das mulheres.
De orientação marxista, no período posterior a inserção da mulher no
mercado de trabalho, surgiram jornais como Brasil Mulher, Nós Mulheres e etc.
Esses jornais, como aponta Perét (2011) estavam mais preocupados com a
revolução e menos interessadas em mudanças de costume. A disparidade de
interesses levou ao atrito entre as mulheres heterossexuais e as mulheres
lésbicas.
Como mostra Péret (p. 72, 2011):
partir da cisão criada, o movimento lésbico se desprendeu do
movimento feminista tradicional, passaram a integrar grupos
ligados exclusivamente a questão lésbica. Ao se distanciarem
do feminismo tradicional, elas apostavam em novas estratégias
políticas de luta e representação e representação, criando
espaços próprios de representação e reivindicação de direitos.

Foi lançado em 1981, o primeiro veículo de comunicação


exclusivamente destinado ao público lésbico. O Chana com Chana, surgiu a
partir de um convite do Lampião para o grupo Somos a fim de produzirem uma
matéria sobre lesbianismo. Esse convite motivou algumas militantes a criarem
o Grupo Lésbico Feminista O jornal era produzido em formato de fanzine, feito
artesanalmente e distribuído entre um pequeno grupo de lésbicas em São
Paulo. A realização dessa publicação foi um marco simbólico importante na luta
pela visibilidade lésbica.
Como conta Péret (2011), esse jornal protagonizou uma rebelião
importante para a comunidade LGBT. O jornal que era distribuído em várias
partes de São Paulo. Um deles era o Ferro‟s Bar. O local se configurava como
um ponto de encontro de lésbicas, mas a direção do estabelecimento proibiu
que as militantes distribuíssem ali o seu material. As militantes, em um
episódio, foram retiradas do local a força. Indignadas com a reação dos
proprietários do bar, as militantes reagiram, sendo apoiadas pelos
frequentadores que acharam paradoxal a resistência de um estabelecimento
em receber material produzido pela militância lésbica, quando o próprio era
sustentado com o dinheiro dessas. O episódio terminou com a intervenção
policial.
Posteriormente houve uma intervenção no local. Lésbicas, gays e
ativistas de outros movimentos se juntaram para protestar no Ferro‟s Bar. No
fim, as lésbicas ganharam repercussão de seus atos na mídia e o direito de
distribuírem seu jornal.
Apesar do “barulho” causado pelas publicações do Chana com Chana, a
imprensa lésbica, no geral, obteve pouco destaque. Mercadologicamente não
era viável. Outras publicações foram realizadas, mas de pouca expressão: Um
Outro Olhar, Xereca, Boletim Ponto G, Lesbetária, D’Ellas, entre outros.
Travestis e transexuais historicamente são os mais violados fisicamente,
verbalmente e que mais sofrem com a negação dos seus direitos e com a
invisibilidade. O grupo desafia a dicotomia social masculino/feminino imposta
para as noções de gênero através de sua simples existência. Seu modo de
vestir e se comportar elucidam o caráter construído das identidades (incluindo
a heterossexual).
Por causar conflitos nessa concepção, garante seu lugar na rebeldia e
incontinência social sofrendo constantes sanções. Em uma sociedade
conservadora como a brasileira, filhos homens não se tornam mulheres ou
homens femininos (e vice-versa). Como a discordância com o padrão
heteronormativo atualmente gera sanções mais radicais e maior intolerância,
travestis e transexuais são com maior incidência expulsos de casa, sofrem com
maior evasão escolar motivada pelo preconceito nesse ambiente e, por
consequência, amargam à margem da sociedade, sobrevivendo em sua
maioria através de subempregos.

Apesar da nítida necessidade de debater o tema e do impulso na luta


contra a violência que recaí sobre o grupo, são poucas as experiências ou
tentativas de veículos exclusivamente direcionados a esse público. No Brasil
ainda não houve nenhum. Ao passo que quando retratados pela mídia
tradicional, sofrem nova forma de violência com a distorção e estigmatização
da sua imagem com coberturas demasiadamente sensacionalistas.

Bibliografia

BENTO, Berenice. A diferença que faz a diferença: corpo e subjetividade


na transexualidade. Minas Gerais: Revista Bagoas, 2006.

BENTO, Berenice. PELÚCIO, Larissa. Despatologização do gênero:a


politização das identidades abjetas.Estudos Feministas, Florianópolis, 20(2):
256, maio-agosto/2012.

BENTO, Berenice. Quando o gênero se desloca da sexualidade:


homossexualidade entre transexuais. In: GROSSI, Miriam Pilar; Schwade,
Elisete. Política e Cotidiano: estudos antropológicos sobre gênero, família e
sexualidade.Floriapolis: Nova Letra, 2006.

BUTLER, Judith. Problemas de Gênero – feminismo e subversão da


identidade. 4ª edição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012.

COLLING, Leandro (Org.). Stonewall 40 + o que no Brail? 1ªedição.


Salvador: EDUFBA, 2011.

CUNHA, Lilia. O poderoso mercado gay Em: <


http://www.istoedinheiro.com.br/noticias/5534_O+PODEROSO+MERCADO+G
AY> Acesso em:
25 de juno de 2013.

LIMA, Marcus. Breve histórico da Imprensa homossexual no Brasil. Em <


http://www.bocc.ubi.pt/pag/lima-marcus-assis-IMPRENSA-HOMOSSEXUAL-
BRASIL.pdf>. Acesso em 25 de junho de 2013.

MISKOLCI, Richard.A Teoria Queer e a questão das diferenças: por uma


analítica da normalização.

MISKOLCI, Richard; PELÍCIO, Larissa. Fora do sujeito e fora do


lugar:reflexões sobre performatividadea partir de uma etnografia entre
travestis. Gênero.Niterói, v. 7, n. 2, p. 257-269, 1. sem. 2007.

NOGUEIRA, M. Qual a diferença entre homofobia, heterossexualidade


compulsória e heteronormatividade? Em:
<http://www.ibahia.com/a/blogs/sexualidade/2013/03/18/qual-adiferenca-entre-
homofobia-heterossexualidade-compulsoria-e-heteronormatividade/>. Acesso
em:25 de março de 2013.

PÉRET, F. A imprensa gay no Brasil. São Paulo: Publifolha, 2011.

RIBEIRO. R. A TV fora do armário: A identidade gay nos programas e


telejornais brasileiros.São Paulo: Edições GLS, 2010.
SILIH, Sara. Judith Butler e a Teoria Queer. Belo Horizonte: Autêntica
Editora, 2012.

Você também pode gostar