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Para tal empreitada o recurso metodológico utilizado foi a leitura e seleção de reportagens
jornalísticas do período. Destaco o uso de reportagens retiradas do Correio Braziliense, um
tradicional jornal de Brasília, em circulação desde abril de 1960 e representante da grande
mídia, o periódico no período analisado apresentava um discurso conservador. Outro jornal
utilizado foi o mensal O Lampião da Esquina, que foi publicado entre os anos de 1978 e
1981, tendo um total de 41 edições incluindo a número 0 e as edições extras. O Lampião foi
uma importante ferramenta de crítica à ditadura Militar e peça fundamental para a formação
do Movimento LGBTQI+ no Brasil. Em auxílio às fontes foi utilizado como material
bibliográfico os livros, Além do Carnaval: A homossexualidade masculina no Brasil do
século XX, do autor James N. Green, Ditadura e Homossexualidades: repressão, resistência
e a busca pela verdade, também de James N. Green e organizado por Renan Quinalha, entre
outros textos.
O autor norte-americano George Chauncey foi pioneiro nesse campo recuperando em seu
estudo os modos de sociabilidade e a apropriação dos espaços LGBTQI+ na cidade de Nova
York, entre fins do século XIX e o início da II Guerra Mundial. O autor destaca que marcados
pela desqualificação os homossexuais foram forçados a viver sua sexualidade de forma
clandestina, se apropriando de espaços públicos como esquinas, calçadas, parques e banheiros
públicos. Esses espaços vistos pela sociedade como antros de promiscuidade, violência e etc
para além da satisfação sexual possibilitaram o compartilhamento de experiências e a
consolidação de uma identidade comum à pessoa LGBTQI+. Para Chauncey (1994) a partir
dessas redes de sociabilidade que foram construídas a céu aberto se possibilitou a conquista
de espaços como bares, boates, saunas, restaurantes, cafés, etc, e a criação de instituições
próprias como bailes, concursos de beleza LGBTQI+, livrarias, jornais, revistas, dentre
outros.
Dentro desse debate ainda se pode destacar as contribuições de Isadora Lins França (2006)
discute a usabilidade do conceito “gueto gay” para se referir aos locais de sociabilidade
LGBTQI+ na segunda metade do século XX. O termo “gueto” é utilizado desde o século XVI
e era utilizado para indicar os locais onde residiam os judeus que viviam na Itália, com o
advento da II Guerra Mundial a expressão ganhou novos significados e uma carga ainda mais
pejorativa, sendo associado ao extermínio de populações. Existe no Brasil um intenso debate
acerca do uso do termo para se referir aos espaços de sociabilidade LGBTQI+, não entrarei
nesse mérito, o que cabe ressaltar é que essa palavra foi ressignificada pela população
LGBTQI+ e foi amplamente utilizado para se designar a locais de interesse deste público.
França (2006) destacam que o termo “gueto” deu lugar a um circuito mais expandido,
diversificado e comercial. Nos de 1960 com a criação de mercados específicos para a
população LGBTQI+, como bares exclusivos, boates, agências de turismo e etc, surge a
chamada “gay culture”, e que se consolida por meio da cidade, que opera na lógica liberal
capitalista. Desse modo a população homossexual, masculina, branca e de classe média foi
inserida na sociedade sem rótulos e sem preconceitos a moda capitalista, por meio do
consumo.
O Golpe Civil-Militar que solapou a democracia no Brasil em 1964 impediu que o movimento
LGBTQI+ se desenvolvesse como ocorreu em outros locais pelo mundo na mesma época.
Conforme argumentam os autores Green e Quinalha (2014), o controle dos corpos e das
sexualidades dissidentes, eram um dos principais objetivos do regime militar, pois estes
representavam uma real ameaça ao regime. Dessa forma, a censura e a perseguição
sistemática a tudo que o regime considerava subversivo, a moral pública e os bons costumes,
largamente praticada. Com a chegada dos anos 1970 o regime militar começou a mostrar seus
primeiros sinais de fragilidade, como o avanço do Movimento Democrático Brasileiro (MDB)
nas eleições estaduais e federais de 1974, o que forçou Ernesto Beckmann Geisel a mudar sua
estratégia de controle político e posteriormente anunciar a abertura política que seria
conduzida pelo regime militar, tal projeto acabaria por reconduzir o país a um governo civil.
(GREEN, James, 2019. p. 403).
Diante do que foi exposto pode-se concluir que a sociabilidade LGBTQI+ sempre se deu de
forma marginal. Em seu princípio estas interações aconteciam em locais a céu aberto de pouca
iluminação e em horários de pouco movimento. Ao deslocarem os espaços de sociabilidade
para locais privados como bares, saunas, boates, a marginalização continuou, porém, houve
uma segmentação do perfil do público conforme a renda e a classe social.
Nas buscas feitas no site da Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional, foram encontradas
um total de 157 menções a New Aquarius no jornal Correio Braziliense, entre meados da
década de 70 e 1986. A primeira menção a boate aconteceu em 1976, ainda sob o nome
Aquarius, em um anúncio de um musical que estava sendo apresentado no local. Os musicais
inspirados na Broadway e marcos da cultura pop como o filme Guerra nas Estrelas, que foi
adaptado pela boate e se tornou um grande sucesso na época, eram importantes atrações do
local. Além dos espetáculos, concursos e festas, a boate também foi palco de intervenções
propostas pelo grupo Beijo Livre. A New Aquarius marcou gerações, funcionando até 1998
quando fechou as portas.
Outra boate que era ponto de encontro de LGBTQI+ na capital federal era a discoteca The
Fox, que foi inaugurada em 1978. Assim como a concorrente New Aquarius, a The Fox
apresentava ao público espetáculos com travestis. Por ausência de fontes não pode afirmar
muitas coisas sobre a boate. Ao realizar uma busca na Hemeroteca Digital foram encontradas
70 menções ao local, no Correio Braziliense entre os anos de 1978 e 1981. Ao refazer essa
busca no jornal O Lampião da Esquina, a boate é mencionada apenas na edição de setembro
de 1979 no caderno designado Roteiro, onde apresentava locais para a sociedade LGBTQI+
em várias cidades do Brasil. A boate é descrita por Alexandre Ribondi como sendo “pequena,
sem grandes pretensões, mas tem uma clientela agradável, que gosta muito de dançar e se
mostrar bonita”. A ausência de menções à boate nos periódicos citados faz crer que ela fechou
suas portas ainda em 1981.
Para além das boates a socialização entre LGBTQI+ também aconteciam em salas escuras de
cinemas pornográficos, que se popularizaram na década de 1980. O Cine Ritz abriu suas
portas no Conic em 1986, e foi a primeira sala do Distrito Federal a atender exclusivamente o
público adulto. Além da exibição de filmes pornográficos, o cinema apresentava
performances de sexo explicito e apresentações de striptease. O local recebia um público
diverso, mas o gênero masculino era quase dominante entre os frequentadores. A
sociabilidade no Cine Ritz era compartilhada entre homens heterossexuais, homens
homossexuais, travestis e prostitutas.
Considerações Finais
Este artigo tinha por objetivo apresentar os principais locais onde essa interação acontecia no
período em que houve o afrouxamento da ditadura militar com o processo de abertura política
que se iniciou no governo do general Ernesto Geisel. E a partir do conceito de centralidade
criado por João Victor Sanches Patrício apresentar a principal centralidade do lazer e
sociabilidade LGBTQI+. O Setor de Diversões Sul, popularmente conhecido como CONIC
acabou se tornando o foco deste trabalho por se tratar do mais importante centro de boêmia da
Capital Federal, no recorte temporal demarcado (1978-1986). A utilização do conceito de
centralidade, cunhado pelo autor João Victor Sanches Patrício, foi especialmente decisivo
para o enfoque dado ao SD-S, visto que segundo o autor, um espaço de centralidade é
caracterizado pela “movimentação de variados fluxos que têm esses locais por destino, não
refletindo uma dominação exclusiva da população gay masculina sobre esses espaços”. O SD-
S é por excelência uma centralidade de lazer e sociabilidade LGBTQI+, com seus bares,
boates, discotecas, saunas, cinemas e etc. Esse outras palavras o SD-S é um espaço de
permanência conflituosa e múltipla em relação a outros tipos sociais.
Fontes
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