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CADERNOS DA VOVÓ: RESGATE DA MEMÓRIA E DAS
TRADIÇÕES CULTURAIS REGIONAIS ATRAVÉS DE RECEITAS
DE FAMÍLIA

AUTORAS
ANA MARIA ABDUL AHAD
KÊNIA CRISTINA MACHADO LEAL INNOCENTE
LEILA MARIA SUHADOLNIK OLIVEIRA DE PÁDUA ANDRADE





APRESENTAÇÃO

A identidade de um povo revela-se através de suas diversas


manifestações culturais, as quais constituem o seu cerne principal. Dentre
estas, se destaca o patrimônio agroalimentar, que é repassado de uma
geração à outra por meio da história oral e escrita, pois é a lembrança dos
saberes e fazeres que os anciãos trazem de seus antepassados e que
mantém as tradições culinárias vivas. A alimentação é um relevante ato
social que representa os hábitos e costumes do cotidiano das sociedades
e, além disso, simboliza a cultura e a história local.
Passos é uma cidade mineira, cuja gastronomia típica, em
determinados aspectos, ainda permanece conservada, mesmo tendo
sofrido algumas poucas alterações devido as influências da
industrialização, daí a importância de se fomentar a preservação da
culinária local.
Este livro visa resgatar a memória e a cultura regional, pois elenca
receitas tradicionais das famílias mineiras, a fim de que não se percam
com o tempo e que sejam um legado para a posterioridade. Sendo assim,
traz um panorama sobre a origem desta cozinha local e as influências que
grupos étnicos exerceram sobre os costumes alimentares regionais. Em
seguida, identifica os ingredientes da terra e as receitas típicas, e observa
que alguns hábitos alimentares caíram em desuso, contudo, outros ainda
perduram no dia a dia das famílias tradicionais.
Portanto, convidamos você, leitor, a conhecer esse importante bem
cultural imaterial, que é a alimentação regional mineira, e esperamos
salvaguardá-lo para o deleite das próximas gerações.
Boa leitura!





PREFÁCIO

O conteúdo deste livro acompanha a tendência mundial de valorização


da cultura regional frente ao avanço da globalização que unifica e massifica
todas as expressões humanas. O movimento globalizador transforma o mundo
em uma grande aldeia rotulando saberes, ações e expressões culturais e
artísticas e vão se perdendo as peculiaridades de cada povo. É importante que
as universidades incentivem a pesquisa sobre essas realidades regionais para
que sejam valorizadas e preservadas.
O livro levanta questões teóricas sobre a alimentação, uma das maiores
expressões culturais, aprofundando sobre a mineiridade e suas
características. Inúmeros autores ressaltam, em seus estudos, a importância
do círculo familiar, das rodas de conversa, do forno e do fogão, das prosas ao
redor da mesa farta, da cortesia e do acolhimento do povo mineiro. São
expressões culturais que distinguem o mineiro no plano nacional e o insere
neste movimento de urgente preservação.O desejo é que esta pesquisa sirva
de estimulo e fonte de pesquisa para outros projetos com foco na cozinha
mineira.
A cidade de Passos situa-se no universo do sudoeste mineiro que está
vivendo um recente desenvolvimento do turismo atrDYpVGRFKDPDGR³0DUGH
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Serra da Canastra com todo o seu apelo ao turismo regional. As comidas e
bebidas locais tem sido um chamativo pelo seu sabor e peculiaridade. O cheiro
das quitandas recém saídas do forno, o assado de porco, o frango caipira, o
bolinho de milho, a pamonha, não podem ser suplantados pela comida
industrializada, a ponto de perder irremediavelmente a essência do povo
mineiro. Por isto, este estudo é de importância ímpar, pois além de reviver
estudos sobre cultura alimentação e cozinha regional, valoriza, registra e
preserva receitas tradicionais e as deliciosas lembranças cultivadas por


mulheres frequentadoras do programa Unabem ± Universidade aberta para
maturidade ± um programa de atividades para idosos.
As universidades e, especialmente, os cursos que trabalham com a
temática cultural tem este compromisso de incentivar o estudo das culturas
locais e regionais, analisar os resultados destas pesquisas e publicá-las, a fim
de que cada vez mais se tenha consciência da importância das manifestações
populares e de sua preservação.

Leila Maria Suhadolnik Oliveira de Pádua Andrade


Coordenadora da Unabem



ÍNDICE

INTRODUÇÃO 07
1. ALIMENTAÇÃO E MEMÓRIA: ATO 08
SOCIOCULTURAL
2. COZINHA REGIONAL 10
2.1 Cozinha Regional Mineira 14
3. PASSOS: HISTÓRIA E CULTURA 21
3.1 Receitas Tradicionais das Famílias de Passos 26
CONSIDERAÇÕES FINAIS 44
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 48
AGRADECIMENTOS 50





INTRODUÇÃO

Este estudo é fruto de uma pesquisa voluntária intitulada de ''As


principais comidas típicas de Passos e região: importante patrimônio cultural
imaterial'', realizado no ano de 2016, em que se coletaram dados empíricos
com as alunas de um programa social voltado para terceira idade, conhecido
como Universidade Aberta para a Maturidade (UNABEM).
Constatou-se, no transcorrer do estudo, a real importância de resgatar e
preservar hábitos alimentares tradicionais para que estes não se percam com
o tempo. Visto que o alimento é um importante vetor de identidade cultural,
torna-se essencial o fomento de ações que exaltam e aprofundam o
conhecimento dos saberes e fazeres da comunidade.
Devido a esta constatação, surgiu a ideia de organizar um caderno de
receitas típicas com a colaboração das alunas da Unabem, com intuito de
realizar um intercâmbio de informações sobre a temática, proporcionando
assim, a difusão da culinária regional, a valorização das raízes culturais locais,
a averiguação dos ''ingredientes da terra'' e a identificação de pratos
tradicionais.
Este estudo de resgate da memória do patrimônio agroalimentar da
população pertencente à microrregião do município mineiro de Passos foi
desenvolvido da seguinte forma: primeiramente recorreu-se a pesquisa
bibliográfica para elaborar um referencial teórico que abordou a complexidade
da culinária regional e sua relação com a memória, tradição e identidade
cultural de um povo. Em seguida, contextualizaram-se historicamente os
períodos em que ocorreram o desenvolvimento da gastronomia típica local. E,
por fim, apresentou-se a análise dos resultados da pesquisa de campo em que
foram inseridos os relatos pessoais das entrevistadas juntamente com suas
receitas tradicionais.

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1. ALIMENTAÇÃO E MEMÓRIA: ATO SOCIOCULTURAL

O ato de se alimentar é uma das necessidades mais vitais para o ser


humano. Cascudo (2004, p.17) explana que ''toda a existência humana
decorre do binômio Estômago e Sexo'', pois é por meio destes que ocorre a
socialização dos corpos.

O estômago é contemporâneo, funcional ao primeiro momento extrauterino.


Acompanha a vida, mantendo-a na sua permanência fisiológica. O sexo
pode ser adiado, transferido, sublimado em outras atividades absorventes e
compensadoras. O estômago não. É dominador, imperioso, inadiável
(CASCUDO, 2004, p. 17).

Além de ser indispensável, a alimentação, segundo Santos (2005), é


também um importante ato social, devido a inerente carga simbólica que esta
possui. Sendo assim, toda comida simboliza a história, cultura e a identidade
de uma comunidade. Fatores ambientais, sociais, históricos de todas as
sociedades influenciaram determinados pratos.

Mas a alimentação refere-se a um conjunto de substâncias que uma pessoa


ou um grupo costuma ingerir, implicando a produção e o consumo, técnicas
e formas de aprovisionamento, de transformação e de ingestão de
alimentos. Deste modo, a alimentação vai além do biológico, relacionando-
se com o social e o cultural (MACIEL, 2004, p. 26).

Da Mata (1986, p.55) afirma que ''comida se refere a algo costumeiro e


sadio, alguma coisa que ajuda a estabelecer uma identidade, definindo, por
isso mesmo, um grupo, uma classe ou pessoa.'' Gilberto Freyre, em sua obra
''Açúcar'', complementa:
Pois a verdade parece ser realmente esta: a das nossas preferências de
paladar serem condicionadas, nas suas expressões específicas, pelas
sociedades a que pertencemos, pelas culturas de que participamos, pelas
ecologias em que vivemos os anos decisivos da nossa existência (2007, p.
34).

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Partindo desta premissa, torna-se possível afirmar que os pratos típicos
de um povo, e as características da alimentação em si, são importantes
patrimônios culturais e imateriais. De acordo com a UNESCO:

Patrimônio é o legado que recebemos do passado, vivemos no presente e


transmitimos às futuras gerações. Nosso patrimônio cultural e natural é fonte
insubstituível de vida e inspiração, nossa pedra de toque, nosso ponto de
referência, nossa identidade (2017, n.p.).

É muito pertinente ressaltar que a UNESCO não só considera os


aspectos físicos do patrimônio, mas também reconhece como tal as tradições,
o folclore, a história oral e a própria culinária como elementos imateriais que
constituem a cultura de um povo.
Sendo assim, o patrimônio alimentar é uma manifestação cultural que
perdura através dos tempos por meio da memória coletiva de todas as
sociedades. Conforme Le Goff (1996, p.476), ''a memória é um elemento
essencial do que se costuma chamar identidade, individual ou coletiva, cuja
busca é uma das atividades fundamentais dos indivíduos e das sociedades de
hoje''. Além disso, Le Goff complementa discorrendo que ''a memória onde
cresce a história, que por sua vez a alimenta, procura salvar o passado para
servir ao presente e ao futuro''(1996, p.477). Essa faculdade de conservar e
lembrar-se de tradições alimentares pode ser relatada através da história oral
ou por meio de documentos históricos escritos, como por exemplo, os
cadernos de receitas, que eram passados de mãe para filha.
Essa transmissão de bens culturais imateriais de uma geração para
outra só é possível quando se permite ao ancião expressar seus
conhecimentos sobre a sua visão de mundo e da comunidade em que está
inserido. Segundo Silva:

Na cultura oral o conhecimento tem que ser produzido em voz alta, se não
ele logo desaparece; é preciso despender uma grande energia para dizer
repetidas vezes o que é aprendido arduamente através dos tempos. Como
conhecimento valioso à sociedade tem, então, em alta conta àqueles
anciões e anciãs, sábios que se especializam em conservá-lo, conhecendo
e podendo contar as histórias de tempos remotos (2006, p. 13).

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O historiador, Eric Hobsbawn, em seu célebre livro ''A era dos extremos'',
descreve a morte da memória histórica:

A destruição do passado ± ou melhor, dos mecanismos sociais que vinculam


nossa experiência pessoal à das gerações passadas ± é um dos fenômenos
mais característicos e lúgubres do final do século XX. Quase todos jovens
de hoje crescem numa espécie de um presente contínuo, sem qualquer
relação orgânica com o passado público da época em que vivem (1995, p.
13).

Tendo em vista que as tradições culinárias são resultantes do processo


histórico, e, para que estas se perdurem com o tempo, é fundamental resgatar
as lembranças esquecidas para evitar a perda progressiva da memória e o
descaso com o passado que impera na atualidade. Surge daí a necessidade
de incentivar as ações que fomentem a preservação do patrimônio alimentar,
fortalecendo assim, a identidade cultural através da documentação e
divulgação do conhecimento adquirido.

2. COZINHA REGIONAL

A valorização do regionalismo vem se despontando nos últimos tempos


como um fenômeno global que deve ser estudado. Dentre suas vertentes, a
culinária merece destaque, pois se tornou uma tendência para os amantes
desta arte, que visam aprimorar suas habilidades básicas, e para os
pesquisadores que almejam aprofundar neste assunto devido ao
reconhecimento de que a comida regional carrega em si história com raízes
no passado e representa a identidade cultural de um povo. Vários estudos
sobre esta temática vêm sendo realizados no âmbito acadêmico, pois esta foi
eleita, dentre outras, como ferramenta propícia para se refletir sobre as
sociedades e sociabilidades.
Tendo em vista que, segundo De Morais (2011), as evidências deste
novo panorama podem ser claramente demonstradas por meio da proliferação
de restaurantes, programas televisivos, livros, festas e festivais focados em

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comidas típicas regionais, os quais se tornaram produtos inerentes à um
movimento no qual a alimentação também se transformou inclusive em uma
referência na construção de roteiros turísticos. Isso se deve à percepção de
que o prato típico é vetor de identidades, ou seja, por meio da culinária
regional, há o entendimento da possibilidade do acesso à cultura de forma
mais ampliada através deste saber e fazer, o qual possui uma abrangência
que abarca inúmeros fatores como o ambiental, o antropológico, o religioso,
dentre outros.

Pelo viés do comentário histórico e dos argumentos naturalistas e


providencialistas ± diversidade e bondade naturais do solo e do clima,
suculência e variedade dos produtos, qualidade dos homens e dos savoir-
faire, as cozinhas regionais enraízam-se em localidades e paisagens
habitadas pelo tempo, constroem-se culturalmente no passado, na
eternidade do solo e de sua memória (FLANDRIN; MONTANARI,1998, p.
814).

É de fato que, a tradição, com toda a sua carga simbólica, é seguramente


o elemento de maior expressão e o mais citado da culinária regional, pois esta
se traduz nos pratos que fazem parte da gastronomia local e estão
relacionados com a história de seu povo. Sendo assim, são pratos tradicionais
e históricos e, devido a isto, aproximam, quem os consomem da cultura da
região em seus diversos prismas de observação.

É porque as tradições [...] não aparecem já completamente formadas na


origem, mas são criadas, modeladas, definidas, progressivamente pela
passagem do tempo e os contatos entre culturas que, segundo os
momentos, se cruzam ou se enfrentam, se sobrepõem ou se misturam [...]
Cada ''tradição'' é filha da história ± e a história nunca é imóvel (FLANDRIN;
MONTANARI, 1998, p.868).

Constatou-se que as origens do ressurgimento do regionalismo


remontam no final do século XIX, especificamente na França, que já vinha
desenvolvendo sua cultura gastronômica, e paralelamente, despontava no
cenário mundial a revolução industrial, a qual ditava novos padrões de
existência e inaugurava uma nova era tecnológica que iria influenciar e

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determinar mudanças drásticas na forma de se alimentar. Flandrin e Montanari
discorrem sobre esta fase:

Desde o último terço do século XIX o progresso das técnicas industriais e


agrícolas, o desenvolvimento das trocas comerciais, a rápida expansão das
comunicações e mobilidade, a influência crescente do modo de vida urbano,
acentuam o sentimento de desagregação das comunas rurais e suscitam
um imenso interesse pelas etnologias regionais. No prolongamento da
concepção romântica do local como conservatório da sensibilidade do
passado constrói-se um sistema de representações que transforma as
cozinhas regionais na encarnação das tradições da terra e da solidariedade
camponesa, dos costumes familiares e religiosos, a expressão da nostalgia
de um ''outrora'' anterior à revolução industrial e à urbanização (1998, p.
814).

Sendo assim, com o risco de perda de tradições e de receitas preciosas


que essa nova época trouxe, despertou em seus contemporâneos o desejo de
resgatar esta memória que estava se perdendo. Flandrin e Montanari
ressaltam que ''através dessa função memorial, as cozinhas regionais assim
reconstruídas permitem à modernidade urbana reatar com suas ligações
provinciais, com o prato consagrado pela lembrança'' (1998, p. 815).
Conforme De Morais (2011), esse fenômeno da valorização do
regionalismo se reforçou mais ainda devido a intensificação do processo de
globalização, cujo início é datado a partir do final da década de 1970, e gerou
diversas consequências como a tensão entre um presente cada vez mais veloz
e a urgência de se firmar uma continuidade entre o passado e o futuro,
tornando-se assim mais evidente a dialética da tradição com a inovação. Isto
é, com a aceleração do tempo e a compressão do espaço, onde as distâncias
ficam mais curtas, o mundo se torna menor e se converte numa aldeia global,
então, neste sentido, o deslocamento para outros lugares se torna mais fácil,
possibilitando assim o contato com diversas culturas. Esse encontro com o
''outro'' desperta o interesse de conhecer suas manifestações culturais como
objetos, comemorações, comidas denominadas típicas de cada região, dentre
outras. Daí conclui-se que o ressurgimento do regionalismo e a globalização
estão interligados.

ϭϮ

Espero assim trazer um pouco mais de felicidade para os momentos, hoje
fugazes, em que parentes e amigos se reúnem em torno da mesa. Privilégio
dos que ainda se prendem ainda ao sentimento familiar de unidade e
afeição, infelizmente em declínio nas grandes cidades sob a tirania da
máquina, da velocidade e do lucro (CHRISTO, 1978, p.15).

O reconhecimento do valor do regionalismo no Brasil surgiu com a sua


modernização e industrialização e vem passando pelo mesmo processo de
globalização que influencia diretamente em suas expressões culturais. Com
esta nova conjuntura, o país multicultural que detém a maior biodiversidade do
planeta, começa a ter suas peculiaridades exaltadas e divulgadas mundo
afora.
Visto que, a base da formação do Brasil, conforme Cascudo (2004),
contou com a participação de três povos: os indígenas, nativos da terra; os
colonizadores portugueses e os escravos africanos. E foi justamente na junção
destes três elementos que resultou na singular e diversificada culinária
regional brasileira. E assim, de norte a sul deste país continental se encontra
uma variedade de pratos típicos com características próprias de cada região.

A verdade, porém, é que a cozinha brasileira, importante como é, sob o


aspecto de conjunto nacional de cozinhas regionais ± a amazônica, a
maranhense, a sertaneja, a cearense, a pernambucana, a baiana, a mineira,
a fluminense, a gaúcha ±, vai além como conjunto cultural: é a parte hoje
mais rica de um conjunto transnacional de cultura, isto é, o luso-tropical. [....]
A base lusitana da cozinha brasileira é comum às demais cozinhas luso-
tropicais, com diferentes ecologias e configurações culturais tropicais ± a
oriental, a africana, a ameríndia --, condicionando diferentes expressões de
simbioses nesse setor (FREYRE, 2007, p. 42).

Conforme De Morais (2011), atualmente, com a repercussão deste novo


cenário globalizado, está ocorrendo uma ampla valorização da culinária de
diversas regiões brasileiras, e em determinados casos, se elevando ao status
de patrimônio. Um dos exemplos é a Resolução n° 34 de 1985 em que o
governo de Minas Gerais elaborou um projeto cujo objetivo era a difusão,
preservação e a valorização da culinária típica mineira como bem cultural.
Sendo que, no âmbito Federal, também há políticas públicas voltadas para o
enaltecimento da culinária como manifestação cultural como o Programa

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Nacional do Patrimônio Imaterial (PNPI), o qual foi instituído o Registro de
Bens Culturais de Natureza Imaterial através do Decreto n. 3.551, de 4 de
agosto de 2000, que desde seu início já conta com 15 registros de
manifestações culturais, dentre estas, três são referentes ao saber-fazer
culinário: o Ofício das Paneleiras de Goiabeiras (ES), o Ofício das Baianas do
Acarajé (BA), e recentemente, o Modo Artesanal de fazer Queijo de Minas,
nas regiões do Serro e das serras da Canastra e do Salitre (MG).

Inserir a alimentação no universo das relações sociais e a culinária na


organização social (no sentido de elaboração de sistemas para organizar e
classificar o mundo) pode se constituir no primeiro passo para reflexão sobre
as culinárias regionais como monumentos de uma cultura e, portanto,
passíveis de serem percebidas e reconhecidas como patrimônio ± entendido
como um dos aspectos de produção e gerenciamento do universo das
coisas materiais (MENESES, 1992, p. 16).

Desta maneira, as ações governamentais voltadas para o


reconhecimento da culinária como bem cultural, possibilitam a elaboração de
políticas que visam preservar e divulgar expressões regionais, e também
permitem a compreensão da cultura alimentar como veículo de transmissão
de tradições e formadora de uma identidade regional autêntica. Para melhor
entendimento da cozinha regional, o enfoque deste estudo voltou-se para a
análise das comidas típicas da cidade do sudoeste mineiro e seu entorno,
denominada Passos.

2.1 Cozinha Regional Mineira

Dentre as várias regiões brasileiras, uma das que mais se destaca no


cenário gastronômico é Minas Gerais. As raízes da culinária tradicional típica
mineira, segundo Abdala (2007) se originaram em dois períodos distintos da
história os quais deixaram marcas profundas na vida econômica, social,
política e cultural em Minas Gerais: o primeiro período ficou conhecido como
o ''ciclo do ouro'', cujo apogeu foi no século XVIII, em que descobriu-se metais
e pedras preciosas na região. O segundo período, que se iniciou no final do
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século XVIII e perdurou até o começo do século XX, é caracterizado pelos
desdobramentos do declínio das minas, em que houve a ''ruralização'' e a
concentração da vida social e econômica nas fazendas.
Visto que, o contexto histórico do primeiro período foi pautado no ciclo
do ouro devido a descoberta de jazidas deste metal precioso pelos
bandeirantes paulistas. Lopes discorre sobre este momento:

As minas estão descobertas. Inaugura-se um novo tempo. São tempos de


riqueza, são tempos de pobreza, são tempos de tirania, são tempos de
rebeldia. E assim foram as Minas Gerais desde o começo. O rei havia
prometido a propriedade ao ''inventor da mina rica'' e os paulistas, ''animosa
gente'', aí chegaram primeiro. Mas é que, também atendendo o apelo do
distante monarca, foram chegando portugueses, baianos e pernambucanos.
Reinóis e patrícios adversários, emboabas, no dizer da língua tomada dos
índios emprestada. Os paulistas que viam nesse afluxo de gente uma
ameaça àquilo que representava, além de coroamento dos seus esforços, a
própria solução de urgência para a pobreza dos paulistas (1985, p. 41).

Desde o princípio da extração aurífera, a alimentação do povo mineiro


foi marcada pela precariedade, e este fato é que determinou decisivamente o
modo de viver do povo dessa região. Para tanto, buscou-se alternativas de
subsistência como a caça, a pesca e a coleta, ocorreu também o
aproveitamento das roças abandonadas pelos índios e bandeirantes e do
cultivo das hortas e criações de galinhas e porcos nos quintais, sendo esta
última uma herança portuguesa.

Os primeiros a erigirem roças e lavouras em torno das lavras foram os


senhores com numerosos escravos e vasto cabedal, motivados pela
carência dos gêneros e pelos elevados preços. [...] As sobras eram
negociadas, e ao que tudo indica, plantavam-se legumes, mandioca, milho,
batatas doces já habituais na alimentação de bandeirantes e índios desde
os primeiros tempos. Boxer analisa que, ao lado da lavoura, desenvolvia-se
a criação de aves e porcos, cujo excesso também era vendido para consumo
da cidade (BOXER apud ABDALA, 2007, p.71).

Por conseguinte, estas conjunturas levaram a predominância do


alimento nativo sobre o importado devido à escassez e os preços exorbitantes.
Além disto, as técnicas de conservação também desempenhavam uma função
muito relevante naquela época, pois carnes salgadas, secas ou conservadas

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na sua própria gordura, farinha de mandioca e de milho eram importantes
fontes energéticas do dia a dia dos comensais e dos viajantes. O Feijão
Tropeiro, que é a mistura de feijão, farinha, torresmo, foi inventado para
alimentar os viajantes tropeiros que abasteciam a Capitania das Minas Gerais
com mercadorias. Segundo Abdala (2007) a paçoca e a farofa são exemplos
de conservação, pois esses pratos não perecíveis eram a base de alimentação
dos tropeiros e foram também dos bandeirantes. Cascudo (2004), grande
estudioso da alimentação brasileira, considerou que a farinha de mandioca era
o pão nacional.
Para suprir a demanda, adotou-se a ''cultura de quintal'', importada de
Portugal, onde se extraía a subsistência dos habitantes das Minas Gerais.
Neste cenário quem reinava soberano era o porco, que desempenhou e ainda
desempenha o papel de protagonista da culinária mineira. Este animal
domesticado, que foi trazido pelos portugueses, era alimentado com as sobras
e restos de comidas, e deste se aproveitava todas as partes, desde sua carne
até sua banha. A galinha, ave exótica para indígenas que não a conheciam,
também foi levada para colônia e teve um destaque merecido na cozinha
mineira. Esta era destinada aos doentes e as mulheres de resguardo,
enquanto o frango era mais consumido pela população em geral. Já a carne
de gado era rara, e as que chegavam ao mercado local, oriundas do Norte de
Minas e Bahia, apresentavam características modificadas pelas técnicas de
conservação e eram conhecidas como carne de sol ou serenada, a qual era
salgada e deixada no sereno para desidratar. Também vinha o charque do sul
do Brasil trazido pelos tropeiros.
Desponta neste momento, conforme Abdala (2007), um jeito único de se
fazer comida nesta região mineira, a qual será caracterizada pela mescla de
culturas: lusitana que introduz os queijos, doces de ovos, açúcar, leite, bolos,
manjares e outras iguarias originárias dos conventos medievais; africana com
suas pimentas, seus feijões, quiabos, bananas e inhames; ameríndia com uma
base alimentar composta pelo uso predominante do milho, ingrediente que foi

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muito utilizado para preparar doces, quitandas e pratos salgados, portanto
estava presente em todas as refeições. Além disso, esse grão servia de
alimentação dos animais dos quintais. Conforme Cascudo (2004, p.111), ''a
convergência e fusão das culinárias indígena, africana e portuguesa levaram
ao brasileiro o complexo alimentar do milho que a industrialização tornou
permanente. Junho, mês de São João é mês de milho, da humilde pipoca ao
bolo artístico.''
Uma vez que, alguns pratos de origem indígena com a base de milho e
mandioca como o escaldado, farofas, pirão, paçocas, foram os primeiros a
serem preparados nestas terras mineiras. Abdala (2007, p.74) salienta que ''a
característica da paçoca é ser pilada. A receita mais simples consiste de carne
assada ou frita socada com farinha de mandioca [...]. No caso de Minas, a
variação poderia ser a utilização de farinha de milho.'' A quitanda conhecida
como cobu ou ''pau-a-pique'' também tem suas raízes nativas, pois os índios
tinham o hábito de assar uma massa de milho enrolada na folha de bananeira.
Há relatos que neste período havia pouca utilização de sal, devido ao seu alto
valor e por ser originário de lugares longínquos. Os que mais sentiam essa
ausência eram os portugueses que estavam acostumados a usar o sal como
tempero, ao contrário dos indígenas e dos negros.
Vale ressaltar que, com a vinda dos negros para exercerem o trabalho
escravo nas minas, a culinária recebeu mais uma influência determinante, pois
estes, ao chegarem ao Brasil, foram obrigados a se adaptarem aos alimentos
fornecidos pela terra, entretanto, em suas bagagens, trouxeram o tempero, o
modo de preparar algumas receitas e ingredientes provenientes da África, os
quais se aclimataram muito bem na região como o feijão andu, o quiabo, o
leite de coco, o dendê, a pimenta, o café, a banana, dentre outros. Segundo
Mascarin:

A contribuição africana com diferentes tipos de alimentos, tais como azeite-


de-dendê, pimenta malagueta, entre tantos outros, enriqueceram o sabor
dos pratos. As negras nas cozinhas preparavam pratos ao costume
português, incluíam conhecimentos que aprendiam com a culinária indígena

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e utilizavam técnicas de cozinha adquiridas na África. Esses conhecimentos
culinários na longa duração passaram a fazer parte da cozinha brasileira
(2015, p. 63).

A farinha de milho misturada com água quente era a base das refeições
desses cativos. Tal prato foi denominado de angu de fubá, cuja palavra,
segundo Abdala (2007), é de origem africana e o mesmo era responsável por
fornecer sustância aos trabalhadores braçais.

Os cativos eram os que mais sofriam com a alimentação. No almoço e na


ceia, davam aos escravos farinha de milho misturada com água quente, o
angu, no qual punham um naco de toucinho. No jantar, feijão-preto com
toucinho, que também comiam com farinha. Aliás, a farinha de milho
substituía pão, e a cachaça ajudava a esquecer o cansaço (FREIXA;
CHAVES, 2008, p. 190).

Outro ingrediente que ocupou um papel de destaque na alimentação dos


escravos foi o nutritivo feijão. Contudo, nos períodos pré-coloniais, o indígena
já o conhecia juntamente com as favas e os consumia esporadicamente, mas
não era sua iguaria predileta, em contrapartida não resistia a saborosa
mandioca e seus derivados. No entanto, não só o nativo brasileiro fazia o uso
desta leguminosa, pois muitas outras etnias da América Central e do Sul
usavam diferentes espécies de frijoles (feijões), os quais o africano também
cultivava e consumia em sua terra natal. Os portugueses, do outro lado do
oceano, tinham verdadeira adoração pelas favas e feijões em seus cozidos,
mas uma espécie completamente diferente da nativa brasileira, denominada
faséolo, um feijão antigo e medieval europeu. Cascudo (2004) afirma que o
uso das favas pelo português colaborou para facilitar sua adaptação ao feijão
americano, transformando-se até em um ato prazeroso.

A cunhã, tomada pelo português como esposa, encontrou no feijão as


qualidades necessárias para complementar à refeição, dava a estes
primeiros brasileiros, logo depois da desmama o caldo de feijão e a mastigá-
lo com qualquer carne, na forma do cozido que o português amava repetir
no Brasil. Refeição certamente acompanhada da farinha da mandioca,
mostrando assim o governo do binômio farinha e feijão desde os primórdios
da colonização (CASCUDO, 2004, p. 147).

ϭϴ

Essa predileção pelo feijão com farinha, no contexto da região
mineradora, se manteve nos hábitos alimentares dos habitantes das gerais, e
foi desta mistura de ingredientes que nasceu um prato muito apreciado
chamado tutu à mineira, que utiliza a técnica portuguesa de cozimento, com
acréscimos de alho e toucinho e finalizando com a farinha de mandioca
indígena.
Tendo em vista que, essa culinária híbrida, na qual o indígena foi mestre
por excelência em ensinar como sobreviver nos trópicos utilizando os
alimentos da terra, e devido a isso, os mesmos contribuíram decisivamente
para o desenvolvimento da colonização, e, consequentemente, foram
introduzidos no cardápio nacional; os negros adaptaram os pratos originários
da África com os elementos nativos; e por fim, a presença portuguesa
consagrou definitivamente a composição dos pratos nacionais adicionando
técnicas e fazendo uso de seus ingredientes tradicionais. A ementa lusitana
introduziu a fritura, valorizou o sal e revelou o açúcar aos nativos e negros,
conquistando a todos, pois os escravos, tropeiros, romeiros e sertanejos
consumiam rapadura com farinha como provimento essencial de suas
jornadas. Segundo Abdala (2007), inaugura-se nas Minas Gerais a sobremesa
e a que vai predominar no século do ouro são as compotas de frutas tropicais
colhidas nos quintais, devido a precariedade de gêneros alimentícios deste
período.
Para Abdala (2007) era comum a utilização de muitos vegetais na
alimentação portuguesa, então foi por isso que os colonizadores implantaram
as hortas na colônia mineira e trouxeram inúmeras variedades de plantas
como a famosa couve manteiga, alface, cenoura, hortelã, trigo, arroz, dentre
outras. E as frutas trazidas foram a laranja, limão, cidra, marmelo, figo, manga
e várias outras que enriqueceram a biodiversidade brasileira. Os temperos
trazidos da metrópole foram o alho, a cebola, o coentro, o alecrim, o vinagre,
o louro e as especiarias do oriente. O bacalhau era consumido pelas mesas
abastadas, pois era um produto importado e muito caro.

ϭϵ

Havia a predominância do alimento cozido e o uso de todas as sobras
no cotidiano das cozinhas mineiras, pois, de acordo com Abdala:

Nas casas, no dia a dia, a lógica da economia de tempos difíceis impôs os


alimentos cozidos e o aproveitamento de tudo, inclusive das sobras. O que
o homem não aproveitava servia de alimentação dos animais domésticos.
[...] O ''mexido'', uma mistura de tudo que sobrou, era comido na primeira
refeição da manhã, antes da saída para a lida, ou no jantar. Misturavam-se
arroz, feijão, carne, farinha, legumes e, às vezes, acrescentava-se um ovo.
A pimentinha não podia faltar. Este prato tornou-se hábito de quem viveu em
tempos difíceis, e perdura ainda hoje, sobretudo em fazendas e no interior
de Minas Gerais. Os pratos do cotidiano eram basicamente cozidos, como
o angu, o mexido, o frango com quiabo, o feijão, o tutu, só para citar alguns
conhecidos. O lombo, a leitoa e a galinha assados eram pratos de festa, de
domingo, de visitas (2007, p. 77).

De modo que, essa oposição entre cozido e assado é elucidada por Lévi-
Strauss (1968, p.400-401, apud ABDALA, 2007, p. 77) em que ''o cozido evoca
a conservação integral do alimento e seu suco, ao passo que o assado é
acompanhado de perda. Esse é aristocrata, marca o ponto culminante do
banquete, o outro é popular, econômico, evoca a cozinha caseira, íntima.''
Logo, de maneira geral, a cozinha do século XVIII foi responsável pela
origem dos pratos que se conhecem hoje. No século XIX, época do declínio
da extração do ouro, em que a sociedade mineira abandonou as cidades para
viver no campo, houve poucas alterações no cardápio típico, exceto pela
fartura que marcou esses novos tempos nas fazendas e ampliou o receituário,
mas sem acrescentar muitas novidades ao cardápio do período anterior,
conforme Abdala (2007). As poucas modificações foram a maior
disponibilidade do arroz que neste momento começa a fazer dupla com o feijão
e se tornam, consequentemente, símbolos da culinária nacional e que
perduram até hoje.
Com a criação de gado, começa haver abundância de leite, o qual serão
produzidos seus derivados como o queijo artesanal, a manteiga, a coalhada
que irão incrementar as receitas de quitandas mineiras. A carne de vaca se
tornou mais comum nas mesas, dando origem a famosa ''vaca atolada'', prato
feito com costela bovina e mandioca. Outro produto que veio para ficar e caiu

ϮϬ

no gosto dos mineiros foi o café coado no bule feito no fogão à lenha, que a
partir deste momento torna-se presente nos seus hábitos, o consumindo
acompanhado de quitandas.
Para Friero (1982) apud Abdala (2007) a definição de quitandas, que
consta no livro Feijão, Angu e Couve, é toda pastelaria caseira que eram
servidas com chá à noite ou na merenda da tarde. O café veio substituir ou
acompanhar o chá conforme ocorria sua expansão no território mineiro. As
principais quitandas eram biscoitos de polvilho assados ou fritos, brevidades,
roscas, sequilhos, bolos, broinhas de fubá e de amendoim e as mães-bentas
e o pão de queijo. Já Câmara Cascudo (2004) discorre que os bolos,
brevidades e beilhós (bolinho frito) foram trazidos pelos portugueses ao Brasil.
Porém, como na colônia não foi possível cultivar a farinha trigo devido ao
clima, e era um produto caro e de difícil acesso, os colonos foram obrigados a
se adaptarem e substituí-la pela goma de mandioca e pelo milho, adaptação
que deu origem a inúmeras receitas originais da terra. Abdala (2007) ressalta
que essa pastelaria caseira era própria dos períodos de fartura, e não de
carência, ou seja, para preparação de quitandas era necessário os excedentes
e não as sobras. Daí chega-se à conclusão que essas receitas começaram a
ser colocadas em prática a partir do momento em que há o declínio da
extração de ouro e, devido a isto, o centro da economia mineira começa a girar
em torno das fazendas.

3. PASSOS: HISTÓRIA E CULTURA

Passos é um município brasileiro localizado no interior da região


sudoeste do estado de Minas Gerais, que, segundo os dados do IBGE (2017),
possui uma população estimada em 114.458 habitantes, a qual demonstra um
elevado Índice de Desenvolvimento Humano (IDHM) avaliado em 0,756 devido
a contribuição da dimensão Longevidade, apresentando uma expectativa de
vida ao nascer de aproximadamente 78,15 anos. A cidade tem um clima

Ϯϭ

tropical de altitude e a vegetação, na sua fase original ou nativa, era
predominantemente composta pelo domínio do Cerrado.
Seu contexto histórico se inicia a partir do começo do século XVIII, com
a descoberta de ouro pelos bandeirantes nos "Sertões de Jacuy'', cuja região
situa-se na fronteira com o estado de São Paulo, onde o Rio Sapucaí
desembocava no Rio Jeticahy, posteriormente denominado pelos
conquistadores de Rio Grande. No entanto, antes desta invasão das bandeiras
paulistas, a terra era habitada por indígenas da etnia dos Caiapós.

Os bandeirantes queriam as terras dos índios para procurar ouro. Mas os


índios não queriam deixar a terra porque viviam dela. Esse conflito se
transformou numa perseguição geral aos nativos. [....]. Os Caiapós não
tinham armas para competir com as espingardas, as escopetas e as
espadas dos bandeirantes. Tiveram que fugir. Foram também contaminados
por doenças dos brancos. Em poucos anos, aqui na nossa região não existia
mais Caiapós (GRILO, 1990, p. 16).

Além das tribos indígenas, os paulistas se depararam também com


comunidades quilombolas que se refugiavam nos Sertões de Jacuy para
escaparem da opressão das minas de ouro que estavam no auge, em pleno
funcionamento. O governo se sentiu ameaçado e deu a ordem a Bartolomeu
Bueno do Prado para que destruísse todos os Quilombos que encontrasse. A
missão foi comprida, acarretando assim na destruição dos mesmos.
Todavia, a questão da descoberta do ouro em Jacuy despertou os
interesses tanto dos paulistas quanto das autoridades mineiras. Ambos
reivindicavam o direito de explorar as minas devido à proximidade das duas
províncias, pois o local disputado se encontrava na fronteira. Mas, com o
passar do tempo, verificou-se que esta área não tinha uma grande quantidade
de metal precioso, resultando no abandono da mesma. O que restou foram as
poucas taperas de faiscadores junto ao córrego Bonsucesso o qual deu origem
a uma povoação que se transformaria futuramente no município de Passos.
Grilo discorre sobre os primeiros povoadores desta região:

ϮϮ

É impossível saber quem eram. Viviam aí, no meio do mato, procurando
ouro nos ribeirões [...]. No começo não tinha criação alguma, a não ser um
ou outro cachorro que acompanhavam seus donos. Depois vieram as
galinhas. Mais tarde os porcos. Semeavam algum feijão. Plantava alguma
mandioca e um pouco de milho. Mas passavam o dia todo procurando ouro.
Nesses primeiros anos não havia mulheres nas faisqueiras. Só mais tarde é
que vieram. Algumas eram negras fugidas dos quilombos da redondeza.
Depois vieram outras, em geral mulatas, acompanhando novos faiscadores
(1990, p. 32-33).

Assim, o povoado foi se formando por meio da fixação de faiscadores


com suas taperas. Ao redor da Faisqueira do Bonsucesso, haviam vários
caminhos abertos que ligavam a outras províncias e era comum a passagem
de tropeiros e aventureiros que vinham para Minas tentar a sorte na esperança
de se encontrar ouro.

A vida era sempre a mesma rotina, lenta e calma. Só havia novidade quando
chegava um faiscador novo; ou quando passava algum tropeiro ou
aventureiro, rumo ao Desemboque. Aí sempre paravam, para dar água aos
animais, contar e ouvir as novidades, saber dos caminhos à frente. Em geral
se comia alguma coisa. O tropeiro quase sempre comia toucinho. O morador
cozinhava mandioca. Comiam com farinha socada no pilãozinho de madeira.
O pilão, aliás, era um dos objetos indispensáveis. Depois, o tropeiro seguia
viagem e a vida voltava ao que era (GRILO, 1990, p. 34).

Nessas idas e vindas, certo dia apareceu um mascate português nesta


região que vinha do caminho do Desemboque, rumo a Goiás. Esse reinol,
conhecido por Seu Antônio, gostou muito da terra e resolveu se estabelecer
definitivamente ''por estas bandas''. Sua primeira iniciativa foi montar uma
venda anexada a sua tapera para abastecer e fornecer pouso aos que
transitavam nesta área. Este fato ocorreu aproximadamente entre os anos de
1770 a 1780 e é a partir daí que surge ao lado desse comércio o primeiro
templo cristão do povoado, denominado Capelinha do Santo Antônio, passo
importante para o crescimento de um arraial colonial.

Na rota do ouro, na busca pelas catas nos leitos dos rios e ribeirões, foram
surgindo os arraiais. Uma das primeiras indicações de colonização
permanente era a construção de uma capela, de pau a pique ou de troncos
de palmeira e reboco. A capela era normalmente a primeira construção a
ganhar telhas. As vendas brotavam por toda parte. A reunião dos arraiais
mineiros vizinhos formou as atuais cidades, encarapitadas em morros e
colinas (DIAS, 2012, p. 37).
Ϯϯ

Entretanto, a partir de meados até o final do século XVIII, começou a
ocorrer a escassez do ouro a qual acarretou a decadência da mineração. De
acordo com Dias (2012, p.54) ''a população de Minas, colonizada a partir de
seu centro, viu-se forçada a buscar outros lugares e outras formas de ganhar
a vida''. Nas principais áreas da mineração não era possível desenvolver
novas atividades devido à má qualidade do solo. Os habitantes, em sua
maioria, abandonaram esta região, em busca de terras e pastos mais férteis
no sul da província, para praticarem a pecuária e agricultura, e assim a
economia mineira se ruralizou.

A mudança da população para o sul indicava profunda alteração das funções


e da economia de Minas Gerais, após a década de 1760. O declínio de Vila
Rica e a ascensão do sul refletiam a queda do papel dominante da
mineração e a crescente importância das atividades agrícolas e pastoris
(MAXWELL, 1995, p. 110-112).

Então, segundo Grilo (1990), após o declínio do ciclo do ouro, muitos se


dispersaram em busca de terras para apossar de sesmarias abandonadas ou
de parentes distantes ou comprá-las. Foi dessa maneira que homens
abastados se afazendaram nas terras que circundavam a Faisqueira de
Bonsucesso e a transformou em Arraial do Senhor dos Passos. Os grandes
proprietários rurais foram para esta localidade atraídos pela qualidade do
pasto conhecido como ''capim gordura'', excelente para a criação de gado.
Juntamente com suas famílias, esses latifundiários trouxeram também os seus
escravos, mudando assim as relações de poder no âmbito do trabalho da
população local. O que antes era uma economia de subsistência baseada na
troca e na camaradagem, neste momento, tanto a exploração da terra como
também da mão de obra será algo corriqueiro neste cenário regional.
No século XIX, devido a abundância de gêneros alimentícios nas
fazendas como: leite e seus derivados, ovos, milho, carnes, dentre outros, a
culinária mineira vai atingir todo o seu esplendor com os seus quitutes,

Ϯϰ

quitandas e doces deliciosos. Dias narra com detalhes a comida típica das
roças:

Na Fazenda Correnteza, como era tradição na época, e seria por muito


tempo nas fazendas mineiras, a cozinha era o domínio das mulheres. Era lá
que a Francisca e as mucamas assavam os biscoitos e broas de milho,
preparavam as carnes de porco conservadas em banha, cozinhavam o arroz
e o feijão gordo, o angu, os legumes ± como as abóboras variadas, cará,
inhame, mandioca, batata. [...] As sobras viravam sopas, engrossadas com
fubá e servidas no jantar, a mesa era posta ao cair da tarde. Também faziam
os doces onde se destacavam as compotas de frutas, em enormes tachos,
mexidos em fogo brando com colheres de pau, por tempos infinitos. As
compotas eram guardadas na cristaleira da sala de jantar, em vasilhas
transparentes (2012, p. 89-90).

Em suas andanças pela colônia portuguesa, no início do século XIX,


Saint-Hilaire fez o seguinte relato:

Até então viajara na província do Rio de Janeiro, na margem esquerda do


Rio Preto, achava-me na de Minas Gerais. Não pude sem comoção
contemplar novamente essa terra hospitaleira, onde já passara quinze
meses, e onde recebera tantas provas de atenção e bondade (1937, p. 50).

Essa famosa hospitalidade e gentileza dos mineiros, as quais se refere


Saint-Hilaire, provavelmente se devem ao hábito e ao prazer que os mesmos
têm de servir comida farta aos viajantes, tropeiros e qualquer visita que estão
de passagem em suas casas. Para Dias (2012), a culinária sempre foi um forte
traço cultural dos mineiros, sendo que a sala de jantar a todo o momento
esteve próxima à cozinha, a qual era considerada um espaço privilegiado nas
fazendas e até mesmo nas casas mineiras dos séculos XVIII e XIX, tradição
que se manteve pelo século XX e perdura ainda nos dias atuais.
Além desta arte de receber, há outros costumes que estão arraigados
na cultura mineira, dentre estes, se destaca o hábito de confeccionar cadernos
de receitas de família os quais são repassados das mães para as filhas, tema
este que será tratado a seguir.

Ϯϱ

3.1 Receitas Tradicionais das Famílias de Passos

Uma forma de se manter a cultura é repassá-la para as próximas


gerações e assim era feito com as diversas expressões mineiras, dentre elas,
a arte da culinária, que no decorrer do tempo, se transformou em uma tradição
a qual ainda perdura através das receitas típicas de família.

Em compensação, através das receitas ± algumas delas, segredos de


família ±, é uma arte que resiste ao seu modo ao tempo, repetindo-se ou
recriando-se, com a constância das suas excelências e até de suas sutilezas
de sabor; afirmando-se, por essa repetição ou por essa recriação. Numa
velha receita de doce ou de bolo há uma vida, uma constância, uma
capacidade de vir vencendo o tempo sem vir transigindo com as modas nem
capitulando, senão em pormenores, ante as inovações, que faltam às
receitas de outros gêneros. As receitas médicas, por exemplo. Uma receita
médica de há um século é quase sempre um arcaísmo. Uma receita de bolo
do tempo do padre Lopes Gama ou de doce dos dias de Machado de Assis
que se tenha tornado um bolo ou um doce clássico ± como o sequilho do
padre ou o doce de coco do romancista ± continua atual, moderna, em dia
com o paladar, se não humano, brasileiro (FREYRE, 2007, p. 32).

A cozinha mineira deixou de legado a todos, suas receitas


extraordinárias, as quais são capazes de aguçar os paladares mais exigentes.
Para Christo (1978, p. 15) '' em Minas, há costumes caseiros que trazem o
gosto das broas de pretas velhas. Um é o das mães passarem às filhas as
receitas de família, carinhosamente guardadas em grossos cadernos que se
perdem, não raro, na gordura do uso e na lida do tempo''.
Visto que, Passos é um município mineiro, logo, sua realidade não é
diferente, pois se encontra nesta localidade a tradição das mães repassarem
receitas de família para as filhas. Esta constatação foi alcançada por meio de
entrevistas com as alunas da Unabem com o objetivo de coletar os hábitos
alimentares da região e também para se resgatar os que já caíram em desuso,
com o intuito de catalogá-los em um caderno de receitas, os quais serão
apresentados a seguir.

Ϯϲ

Quitandas
Quando uma visita chega a uma casa mineira no meio da tarde, esta é
a hora do anfitrião receber os que estão de passagem da melhor forma
possível, então são ofertados aos mesmos, aquele cafezinho preto passado
na hora acompanhado de pão de queijo, roscas, broas, sequilhos e as mais
variadas preparações feitas para agradar quem as degusta.

Quitanda é toda variedade servida nos lanches: bolos, bolinhos, biscoitos,


docinhos e quanto mais. Também podem ser servidas como acessórios a
sobremesas das principais refeições. A palavra é de origem africana
(quimbundo) e significa, naquele continente, o tabuleiro de expor
mercadorias para venda nas feiras, inclusive verduras e legumes. Na África,
passou também a designar as feiras. Introduzida no Brasil, aplicou-se às
lojinhas típicas de vender verduras naturalmente expostas em tabuleiros.
Em Minas Gerais, além desta concepção, aplicou-se às comedorias ligeiras,
em sua maioria de origem africana, mas muito desenvolvida aqui pelo gênio
culinário das pretas velhas em colaboração com as sinhás-donas
(CHRISTO, 1978, p. 38).

A aluna da Unabem, Nadir Ferreira Godinho, 65 anos, nascida no


município mineiro de Pratápolis, forneceu duas receitas de quitandas,
''Marmota'' e ''Rosca de Canela'' e escreveu o seguinte relato pessoal:

Lembro-me quando minha mãe entrava para a cozinha para preparar suas
deliciosas receitas, que reunia toda a família para degustar as maravilhas
feita pela mão de fada da minha mãe, que usava o fogão de lenha. Eu e
meus irmãos adorávamos sentar envolta da mesa para ver a minha mãe
preparar seus quitutes. Quando mamãe ia preparar a marmota, era uma
risada só, pois não sabíamos o que era marmota, depois de assada, que
delícia. Servia a marmota com um delicioso chá de figo.

MARMOTA
INGREDIENTES MODO DE PREPARO
1 1/2 copo de polvilho Bata tudo na mão ou no liquidificador. Levar para
1/2 copo de água assar em uma assadeira redonda em forno bem
1/2 copo de óleo quente. Não precisa untar a forma.
2 ovos
Sal a gosto
1 copo de queijo

Ϯϳ

ROSCA DE CANELA
INGREDIENTES MODO DE PREPARO
1 copo de leite Misture todos os ingredientes em uma
1 colher de sopa de canela tigela, exceto a farinha. Em seguida vá
1 1/2 copo de açúcar acrescentar a farinha de trigo e sovar
1/2 copo de óleo bastante. Depois deixe descansar até
1 pitada de sal dobrar de tamanho e por fim, enrole a
2 colheres de sopa de fermento rosca e coloque para assar em forno
biológico médio.
1 kg de farinha de trigo

A aluna Fé Aparecida Figueira Escher, 87 anos, nascida em Passos


relatou que sua mãe produzia diversos tipos de quitandas:

Minha mãe fazia rosca de batata doce roxa, rosca rainha, tareco de
torresmo, biscoitão de polvilho, bolos de fubá e de milho [...].

TARECO
INGREDIENTES MODO DE PREPARO
1/2 prato de torresmo frito a Bater as gemas e misturar com o torresmo
gosto moído na peça fina da máquina de moer sem
1/2 prato de açúcar cristal dente. Acrescentar o açúcar, o sal e o polvilho
1 prato de polvilho azedo e sovar bem. Fazer bolinhas e achatá-las.
12 gemas Levar ao forno até corar.
1 colher de café de sal

A aluna Nair da Silveira Formágio, 73 anos, nascida em Passos relatou:

Forrozinho, bolo de Fubá, pudins, biscoitos, são as coisas que aprendi com
mamãe. A receita caseira que hoje não se faz mais é o bolo de fubá assado
na caçarola no fogão de lenha com uma forma de brasa colocada em cima,
e tem muitas outras receitas que não se fazem mais.

Ϯϴ

FORROZINHO
INGREDIENTES MODO DE PREPARO
5 gemas Misture todos os ingredientes e amasse
2 xícaras de chá de leite até ao ponto de abrir com o rolo. Depois
8 xícaras de farinha de trigo misture uma lata de doce de leite com
2 tabletes de fermento biológico coco ralado e espalhe em cima da massa
(2 colheres de sopa) aberta e enrole como rocambole. Corte os
3 colheres de sopa de açúcar tubinhos iguais o forrozinho e coloque
1 colher de café de sal para assar em forno médio.

BROA DE FUBÁ CANJICA


INGREDIENTES MODO DE PREPARO
2 copos de requeijão de Ferver a água, leite, óleo, açúcar e sal. Em
água seguida despejar esse líquido numa tigela e
2 copos de leite mistura com a farinha e o fubá e deixar esfriar.
1 copo de óleo Amassar com os ovos até o ponto de enrolar as
3 copos de farinha de trigo broas. Colocar para assar em forno médio.
2 copos de fubá canjica
1 1/2 de açúcar
1 pitada de sal
Ovos até dar o ponto de
enrolar

A aluna Mary Claere Moragas Puglia, 70 anos, nascida em Itaú de Minas:

Quero falar um pouco de minha mãe: Madalena Rimoli Moragas, italiana,


adorava um fogão e receber a família e amigos nos fins de semana. No
sábado era dia de fornear, família grande, fazia quitanda pra semana
seguinte. No domingo, após a missa, íamos pro fogão, era dia de macarrão
feito com massa fresca, frango caipira [...].

Ϯϵ

PAU A PIQUE
INGREDIENTES MODO DE PREPARO
2 xícaras de chá de fubá Coloque todos os ingredientes numa
480 ml de água panela, menos os ovos. Leve ao fogo alto
1 xícara de manteiga e cozinhe, mexendo sempre, até formar
1 xícara de leite um angu grosso. Deixe esfriar. Junte os
1 xícara de açúcar ovos um a um e vá batendo até a massa
1 pitada de sal ficar homogênea. No meio de cada
1 colher de erva-doce retângulo de folha de bananeira coloque
4 ovos uma colher de sopa da massa e enrole no
Para embrulhar: 80 retângulos sentido do comprimento sem apertar.
de 6 x 12 cm de folhas de Coloque numa assadeira e leve ao forno
bananeira passadas em água pré-aquecido à 180°. Deixar assar por
fervente. cerca de 30 minutos ou até as folhas
ficarem douradas. Rende 80 unidades

Aluna: Divina Maria Oliveira Dias, 71 anos, nascida em Alpinópolis


(Ventania):

Eu fui criada na fazenda com o meu pai, minha mãe e meus seis irmãos.
Tive uma infância e adolescência muito feliz e com muita fartura. Minha mãe
fazia muitas quitandas no forno à lenha, mas de tudo o que ela quitandava,
o que eu mais amava era o pão de queijo que ela fazia e tinha um gostinho
de amor de mãe que até hoje eu me lembro com saudades.

ϯϬ

PÃO DE QUEIJO DA DIVINA MÃE
INGREDIENTES MODO DE PREPARO
1 kg de polvilho azedo Em uma vasilha bem grande coloque o
1 colher de sopa de sal polvilho e sove bastante, acrescente o
1 1/2 copo de leite morno para leite morno e sove mais um pouco. Faça
sovar um buraco no centro da vasilha e despeje
1 1/2 copo de óleo muito quente o leite fervido com o óleo e faça um
para escaldar anguzinho e sove mais. Coloque os ovos
1/2 copo de leite para fazer um e mexa bastante, misture o queijo ralado
anguzinho no centro do polvilho e vai colocando leite até a massa
4 ovos caipira amolecer. Para enrolar é necessário untar
500 g de queijo ralado (meia as mãos com óleo. Leve ao forno pré-
cura) aquecido a uma temperatura de 260°.
Rende aproximadamente 60 unidades.

Aluna: Dalva do Carmo Santos, 72 anos, nascida em Conceição


Aparecida - MG:

Minha mãe tinha pensão e eu ajudava na limpeza da casa que era muito
grande, ia no armazém comprar alguma coisa que faltava e colhia também
feijão. Minha mãe preparava a refeição, almoço e janta, e fazia muitos doces
e quitandas deliciosas. O fogão era à lenha [...].

ϯϭ

BREVIDADE
INGREDIENTES MODO DE PREPARO
1/2 Kg de polvilho Sovar bem o polvilho, a parte, bata os ovos inteiros
2 1/2 de açúcar com açúcar na mão ou na batedeira até dobrar de
8 ovos caipira ou mais tamanho e adquirir uma cor mais esbranquiçada.
Em seguida, adicione os ovos batidos no polvilho e
amasse bem esta mistura. Unte uma forma redonda
com buraco no meio e deixe assar em forno quente
por 50 minutos.

Aluna: Zélia Maria da Silva, 72 anos, nascida em Passos - MG.

Estas bolachinhas, quando nós éramos crianças, comíamos muito. Eu


sempre tive vontade de aprender, então aprendi a receita com minha mãe e
até hoje adoro fazer.

BOLACHINHAS DE NATA
INGREDIENTES MODO DE PREPARO
1 ovo Misture todos os ingredientes e vá adicionando
1 xícara de nata farinha de trigo até dar o ponto de enrolar. Fazer
5 colheres de sopa de trancinhas e assar em forno médio.
açúcar
1 colher de sal
amoníaco
1 colherinha de baunilha
Farinha de trigo

ϯϮ

BOLO NA BRASA (BORORÓ)
INGREDIENTES MODO DE PREPARO
3 xícaras de fubá Em uma travessa, misture bem os ovos,
1 xícara de farinha de trigo coalhada, óleo e a erva-doce. Adicione o
2 xícaras de açúcar açúcar, fubá e farinha e bata bem até a
4 ovos massa ficar bem misturada. Coloque a
1/2 colher de chá de erva- massa dentro de uma panela de ferro forrada
doce com folha de bananeira. A panela é colocada
1 xícara de óleo na taipa do fogão de lenha e coberta com
1 xícara de coalhada uma chapa de aço com brasa em cima. O
1 colher rasa de sopa de bolo fica pronto em 20 minutos. O segredo do
bicarbonato bolo está na temperatura da brasa, tanto a
debaixo como a de cima.

Aluna: Marta Gomes de Oliveira, 70 anos, nascida em São José da


Barra.

O que eu me lembro da minha mãe é ela fazendo angu doce, canjica, arroz
doce, paçoca de amendoim, paçoca de carne seca, tudo socado no pilão.
Antes só usava rapadura para adoçar as coisas, não existia açúcar refinado.
Café com rapadura era muito bom. O que fazia os bolos crescerem era o
bicarbonato, pois não usava fermento químico. Antes fazia bolo de fubá
assado na caçarola com brasa por cima. Não usava a palavra bolo e sim
bororó.

ϯϯ

BISCOITO DE POLVILHO FRITO
INGREDIENTES MODO DE PREPARO
4 copos de Colocar o polvilho em uma bacia. Colocar óleo e o leite
polvilho em panela para ferver. Despejar essa mistura sobre o
1 copo de leite polvilho e mexer até esfriar. Acrescentar o ovo e sal e
1 copo de óleo amassar até a massa atingir o ponto de enrolar. Se a
1 ovo massa estiver dura, colocar mais um pouco de leite.
1 pitada de sal Colocar para fritar em óleo frio para não espirrar.

Aluna: Ione Quintino Pereira, 63 anos, nascida em Passos -MG.

Minha mãe gostava de fazer doces como o de goiabada que ela guardava
em caixas de madeira e a gente comia o ano inteiro. Ela também fazia um
doce de queijo que ficava delicioso, mas infelizmente não aprendemos esta
receita.

PAMONHA ASSADA
INGREDIENTES MODO DE PREPARO
6 espigas de milho verde (mole) Bater o milho com os ovos no
1 prato raso de sobremesa de liquidificador até ficar bem fino. Colocar
açúcar em uma tigela o milho batido, açúcar,
1 prato de sobremesa cheio de manteiga derretida, canela, noz moscada,
queijo ralado (queijo mais sal, queijo com um pouco de leite. A
fresco) massa é mais mole e a forma deve ser
5 ovos inteiros caipira untada com óleo.
6 colheres de sopa de manteiga
de leite
1 colher de chá de canela em pó
1 colher de chá de noz moscada
ralada bem fina
1 colher de chá de sal

ϯϰ

1 colher de sopa de fermento
químico ou bicarbonato

Quitutes

As refeições essenciais do dia a dia, responsáveis por dar sustância aos


que dela se alimentam são o almoço e o jantar. É fato que a mesa mineira é
uma das mais nutritivas e saborosas do Brasil, pois a variedade e requinte de
seus pratos são expressões consumadas da boa arte culinária no país.

Ela foi supinamente farta na multiplicidade dos pratos, embora pouco


condimentada (salvo no que diz respeito à malagueta, aliás usada nos
Andes como remédio ideal contra os males gástricos, em particular no
tratamento das úlceras). As especiarias, que na Europa aprendeu a usar
com o Oriente, se reduzem em Minas à pimenta-do-reino parcimoniosa, ao
louro obrigatório, à cebola e ao alho com o devido respeito, e sobretudo ao
cheiro verde e à salsa de efeitos ornamentais inclusive. A mostarda, por
exemplo, é discretíssima e, ainda assim, reservada aos molhos para carnes.
[...] a mesa com suas dez a quinze iguarias em jogo aberto e franco,
permitindo libertariamente todas as combinações do paladar aos convivas,
puro jogo de imaginações individuais em surprendências deliciosas. Há os
pratos constantes, feijão com arroz, que substituíram o pão europeu,
símbolo genial do despreconceito racial, que no Caribe sintomaticamente
denominam moros con cristianos, num ecumenismo que vem dos tempos
coloniais (CHRISTO, 1978, p. 154-155).

A seguir serão apresentadas as receitas de pratos salgados das alunas


da Unabem:
Aluna: Maria Salomé de Ávila, 68 anos, nascida em Guapé-MG.

Eu era uma menina muito danada, pois tudo que minha mãe fazia eu queria
aprender. Daí aprendi tudo que ela fazia como o queijo, linguiça, polvilho e
tudo mais [...].

ϯϱ

PAÇOCA DE CARNE-SECA
INGREDIENTES MODO DE PREPARO
1 kg de carne Picar a carne em pedaços pequenos, salgá-la e
fraudinha colocar no sol e no sereno por três dias. Depois retire
1 kg farinha de milho o excesso sal da carne e frite em gordura quente.
Pimenta e sal a Colocar a carne em pilão com bastante tempero e
gosto adicionar a farinha de milho. Socar até virar uma
paçoca.

Aluna: Maria Augusta Andrade Queiroz, 71 anos, Passos-MG.

Minha infância foi muito feliz, brincava de boneca, de casinha, fazia


comidinha etc. Em casa, na fazenda, era fogão de lenha. Quando matava
um porco, gostava de ajudar minha mãe a fazer a carne em posta para
guardar na banha, que por sinal era uma delícia!

CARNE DE PORCO NA LATA


INGREDIENTES MODO DE PREPARO
2 kg de carne de porco Temperar a carne de porco em postas e depois
Banha de porco refogá-la com alho, cebola. Em seguida, adicionar
Tempero a gosto água e cozinhar em fogo brando. Deixar secar toda
água e dar uma fritadinha. Guardar a carne dentro
de uma lata e cobri-la com banha de porco.

Aluna: Conceição Silva, 81 anos, nascida em Fazenda Macaúba


(Capitólio - MG).

Fui criada na fazenda e meu serviço era costurar, tirar leite da vaca. Eu tinha
que levantar cinco horas da manhã para dar conta do meu serviço. Eu
lembro da minha mãe cozinhando cada coisa gostosa, e coisas que nunca
mais comi como broto de abóbora refogada (cambuquira), umbigo de
banana, cururu, ora pro nóbis [...]

ϯϲ

CARNE CHEIA
INGREDIENTES MODO DE PREPARO
3 Kg de pernil do lombo Corte a carne de porco em um pedaço de 15 cm,
Alho tempere e deixa curtir o tempero até no outro dia.
Sal e pimenta a gosto Faça um buraco no meio da peça. Reserve a carne
Toucinho retirada deste buraco para o recheio. Moer esta
carne reservada, adicionar um pouco de toucinho
em pequenos pedaços para que este recheio não
fique seco, tempere com sal, pimenta e alho. Em
seguida coloque esta carne moída dentro do
buraco da peça e costure a abertura do pedaço de
carne. Coloque um pouco de banha de porco na
panela para esquentar, em seguida ponha o
pedaço de carne para fritar um pouco e depois
adicione água para cozinhar. A hora que secar bem
a água, deixe a peça apertar (fritar) mais um pouco
para dourar. Conservar imersa na banha de porco.

Aluna: Penha Aparecida de Castro, 74 anos, nascida em Passos-MG.

Na minha casa quem falava mais alto era o fogão de lenha, onde a minha
mãe fazia muitas receitas gostosas, saudáveis e ricas em vitaminas que nos
fortalecia. Minha mãe fazia um guisado de carne com legumes que até hoje
faço para os filhos e netos.

ϯϳ

GUISADO
INGREDIENTES MODO DE PREPARO
1 kg de carne serenada Salgar um quilo de carne com 30 g de sal,
(seca no varal) espalhando uniformemente. Deixe a carne
Legumes (batata, descansar por cinco horas e depois pendure ao sol
cenoura, chuchu) por mais três horas. Em seguida pendure a carne
Folhas de Taioba no varal para passar duas noites no sereno. Depois
Couve bem picadinha deste processo, cortar a carne em tirinhas, refogar
Tempero a gosto com alho, cebola, e os temperos que gostar. Após
refogar a carne, adicione os legumes, a couve e
colocar um pouco de água para cozinhar. Por fim,
pôr uma colher de fubá para engrossar o molhinho
e cobrir o guisado com folhas de taioba picada.

Aluna: Maria Helena R. Alves, 67 anos, nascida em São João Batista do


Glória.

Vivi no sítio até os dez anos com minha vó paterna e aprendi a culinária com
ela. A comida que ela fazia era simples feita com os ingredientes de lá,
colhidos e preparados na hora.

ANGÚ DE MILHO VERDE


INGREDIENTES MODO DE PREPARO
2 copos de milho verde Ralar o milho ou retirar os grãos do sabugo e
1 1/2 copo de água (+ colocar no liquidificador e bater com um copo de
ou -) água na potência mais alta até ficar fino e depois
Alho e cebola coar. Colocar para refogar na manteiga o alho e a
picadinhos a gosto cebola, em seguida colocar o milho batido e mexer
Sal a gosto com uma colher até cozinhar bem. Decorar com
Cheiro verde cheiro verde.

ϯϴ

Doces

Para coroar a rica culinária mineira, suas refeições são encerradas com
os doces divinos e tradicionais, que desde os tempos do ciclo do ouro, vêm
proporcionando um prazer inigualável aos que destes provam. No princípio da
colonização, as compotas de frutas da terra e os doces feitos nos tachos de
cobre eram produzidos por motivo de conservação, assim poderiam ser
consumidos durante o ano inteiro; hoje se tornou um item obrigatório no
cardápio das gerais, e são sempre acompanhados pelo queijo fresco, para
deleite dos apreciadores da arte do açúcar.

Ai, os doces! Aqui os continentes se misturam e remontamos às coisas mais


antigas, inclusive de índios e bandeirantes, de escravos e senhores, tudo
traduzido em simplicidade mineira. Em 1749, o pé-de-moleque se chamava
alcomonia. Mas pamonha, curau, canjica já existiam e ficaram. Furrundum,
nas fronteiras para o lado de São Paulo, é o doce de cidra ralado, mas
também quer dizer briga e confusão. Entretanto, há uma íntima correlação
entre os sentimentos bons e os doces da sobremesa na maioria dos casos.
Os europeus reagem ao açúcar. Câmara Cascudo (História da Alimentação
no Brasil, São Paulo, 1968, 2 v.) conta que antigamente empregávamos o
açúcar em maior quantidade. [.....] Outra observação do grande
antropologista, de inteira aplicação a Minas: ³A praxe era fazer: fiz com
minhas mãos! Doce comprado não presta. Indispensável a destinação certa
e não a indeterminação humilhante e anônima, o direito de qualquer pessoa
comprar e vender. [....] Doces queridos como membros da família´. E era
possível, em Minas, passar o ano sem repetir sobremesas (CHRISTO, 1978,
p. 94).

Os índios que cá viviam apenas conheciam o mel e o utilizavam na sua


alimentação, mas os que trouxeram a arte da doçaria e confeitaria foram os
portugueses que também foram influenciados pelos árabes devido a invasão
moura na península ibérica. Então houve a junção da técnica lusitana mais o
uso da enorme variedade de frutas tropicais nativas e as que se aclimataram
bem ao Brasil como a manga, o coco e a cana, todas essas plantas oriundas
da Ásia; resultando assim, na esplendorosa doçaria brasileira. O autor do livro
''Açúcar'', Gilberto Freyre, salienta que:

Pode-se afirmar que, talvez por insuficiência árabe reforçada pelo contato
com os trópicos orientais, a cozinha portuguesa que se transmitiu ao Brasil
ϯϵ

foi uma cozinha muito chegada ao açúcar; e, dentro dela, a doçaria ou a
confeitaria que os brasileiros herdaram dos portugueses, e aqui vêm
desenvolvendo, foi, desde os inícios dessa transmissão de valores, uma
doçaria ou confeitaria açucaradíssima (2007, p. 44).

A seguir serão apresentadas as receitas tradicionais de doces das


alunas da Unabem.
Aluna: Conceição Silva, 81 anos, nascida em Capitólio - MG.

Eu me lembro da minha mãe fazendo compotas das frutas que davam no


nosso pomar na roça, tinha cidra, laranja da terra, goiaba, limão, marmelo.
Mamãe fazia os doces no tacho e alguns ela cristalizava para encher os
cartuchos para dar de prenda nas quermesses da igrejinha da cidade.

GELEIA DE MOCOTÓ
INGREDIENTES MODO DE PREPARO
2 Kg de mocotó Cozinhar o mocotó até dissolver dos ossos. Deixar
1 rapadura esfriar e depois coar na peneira juntamente com o
400 g de açúcar leite para ''lavar'' o mocotó. Em seguida, pegar a
queimado para inteirar sobra da peneira, colocar no liquidificador e bater
3 litros de leite para com o mesmo leite. Colocar em um tacho o mocotó
lavar com leite e deixar ferver um pouco e adicionar a
Cravo e canela a gosto rapadura picada e o açúcar e deixar ir apurando e
mexendo o tempo todo com uma colher de pau. O
ponto é a hora que estiver desgrudando do tacho.
Tirar do fogo e bater forte para dar ponto de
enformar. Por fim, untar a forma com manteiga e
despejar a geleia e no outro dia já pode
desinformar.

Aluna: Luzia Oliveira Farche, 71 anos, nascida em Itaú - MG.

Na minha casa minha mãe era bem prendada na cozinha. Ela fazia
pamonha, goiabada, doce de leite, pé de moleque, arroz doce e eu aprendi
com ela.

ϰϬ

PÉ-DE-MOLEQUE
INGREDIENTES MODO DE PREPARO
3 litros de leite Torre o amendoim, tire a pele e passe na máquina
1 kg de açúcar de moer carne. Leve o leite e o açúcar no fogo,
1 kg de amendoim quando estiver fazendo o puxa na vasilha com
torrado e moído água, desliga o fogo e coloca o amendoim e bata
1 pitadinha de até começar a açucarar. Em seguida colocar numa
bicarbonato para não assadeira o doce e quando esfriar corte em
deixar o leite talhar pedaços.

Aluna: Regina Célia Negrão Santos, 69 anos, Passos ± MG.

Minha infância foi de muitas coisas gostosas. Goiabada, compotas de


laranja da terra, limão, etc. Detalhe: minha mãe, minhas tias, todas eram
exímias cozinheiras. Cresci com tudo isso, inclusive pamonha, canjicada,
pernil [...].

BALA DE MEL
INGREDIENTES MODO DE PREPARO
2 litros de leite Coloque no tacho os ingredientes (menos a
3 copos (americanos) manteiga), inclusive o bicarbonato para o leite não
de açúcar cristal talhar. Quando começar a ferver, ponha um pires
1 pitada de bicarbonato (prato pequeno) dentro do tacho para não
1 xícara de mel derramar. Nesta fase, ferva mais ou menos duas
1 colher de manteiga horas em fogo baixo. Começando a engrossar,
retire o prato e mexa sem parar até o ponto de bala
dura (pingue um pouco dela numa xícara com
água). Desligue o fogo e despeje a bala em um
prato fundo untado com manteiga e faça as
bolinhas e embrulhe-as em papel celofane
transparente. Obs. Se na hora que esfriar, estiver
muito dura, coloque 20 segundos no micro-ondas.

ϰϭ

Aluna: Stela Maria Araujo Amorim, 69 anos, Cabo Verde-MG.

Tudo que minha mãe fazia era muito gostoso, mas os doces eram feitos para
vender. Nós raspávamos os tachos com colheres e ficávamos muito felizes
[...].'

CAJUZINHO
INGREDIENTES MODO DE PREPARO
1/2 kg de amendoim Coloque no tacho o açúcar e as gemas e leve ao
triturado fogo e mexa até que o fundo do tacho esteja
1/2 kg de açúcar aparecendo. Acrescente o amendoim, mexendo
12 gemas até despregar. Despejar em uma travessa, deixa
1 colher de sopa rasa esfriar e logo enrolar em forma de caju, passe no
de manteiga açúcar refinado e de o acabamento com cravo ou
amendoim.

Aluna: Francisca Concebida Cardoso, 77 anos, nascida em Passos- MG.

Esta receita me lembra muito a minha saudosa mãe que tinha na horta um
pé de figo e quando chegava no mês de dezembro, época de colher a fruta,
era uma festa, pois mamãe fazia um tacho bem grande de figo em calda e
também cristalizava alguns.

ϰϮ

DOCE DE FIGO
INGREDIENTES MODO DE PREPARO
1 kg de figo Limpar o figo com areia limpa bem fina. Colocar
1 prato fundo de açúcar dentro de um saco branco em recipiente com água
bem cheio e esfregar bem até que fique bem lisinho. Limpe e
Água o quanto basta raspe com a faca os cabos e corte em cruz sem
Cravo da índia deixar soltar as partes. Em um tacho de cobre,
coloque as frutas e água suficiente para cozer. A
parte, faça uma calda com 2 1/2 copos de água e
açúcar, deixe ferver até o açúcar dissolver e
reserve. Depois de cozido, deixar esfriar os figos
cobertos com um pano sem deixar entrar ar. Após
esfriar, escorrer os figos e colocá-los na calda e
ferver um pouco, desligar o fogo e deixar
descansar. Repetir esse processo por mais duas
vezes.

Aluna: Lazara Vita da Silva, 70 anos, nascida em Passos-MG.

Quando era pequena, eu ficava prestando atenção na minha mãe. Ela


cozinhava no fogão de lenha, frango caipira com quiabo, angu, e o doce que
ela fazia muito era o de cidra que toda a família gostava muito. Eu sempre
ajudava ela fazer esse doce.

ϰϯ

DOCE DE CIDRA
INGREDIENTES MODO DE PREPARO
1 prato raso de cidra Ralar a cidra e depois colocá-la em um saco branco
ralada junto com um punhado de sal em uma bacia com
1 prato raso de açúcar água até cobrir o saco e depois ir trocando a água
Cravo e canela em pau por três dias. No terceiro dia levar em água corrente
e ir esfregando até sair o amargor da fruta. A parte,
fazer a calda do açúcar. Juntar a cidra e levar ao
fogo, mexendo sempre até aparecer o fundo do
tacho. Adicionar a canela e o cravo, a gosto.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após a pesquisa de campo, aplicada para coletar as receitas que


compõe este projeto, constatou-se a autenticidade do embasamento teórico,
pois todas as afirmativas do estudo bibliográfico foram comprovadas através
do relato escrito e oral das alunas do programa social voltado para terceira
idade. A primeira constatação foi que a cozinha mineira, desde seus
primórdios, era e ainda é majoritariamente uma arte feminina, salvo algumas
exceções. Em todos os relatos, as alunas citam que aprenderam a cozinhar
com suas mães ou avós, então daí se comprova que as receitas são
repassadas de uma geração à outra, perpetuando assim, a tradição culinária.
Além disso, observou-se que a maioria das entrevistadas têm origens rurais,
validando desta maneira o pressuposto de que o declínio da extração do ouro
causou a dispersão de boa parte da população mineira para o campo,
inaugurando uma nova fase da culinária típica do estado. Outro fato
interessante é a possibilidade de resgatar, através das memórias da amostra
elegida, ingredientes e receitas os quais já caíram em desuso, mas, por outro
lado, é também preocupante saber que dentre as receitas mencionadas,

ϰϰ

algumas não foram anotadas e, consequentemente, foram esquecidas para
sempre.
Em relação aos ingredientes: o milho, o polvilho, o feijão, a carne de
porco, os derivados do leite e os ovos reinam soberanos na cozinha típica de
Minas. Os acompanhamentos dos pratos principais são conhecidos como
''misturas'', geralmente são folhas e legumes refogados, como a couve,
almeirão, chuchu, abóbora, quiabo, jiló, dentre outros. Antigamente se comia
muito a taioba, serralha, cururu, beldroega, ora pro nóbis, broto de abóbora
(cambuquira), umbigo de bananeira, macaúba e atualmente são poucos da
nova geração que os conhece.
No que tange as quitandas, boa parte das alunas disseram que comiam
''bororó'' conhecido também como bolo na brasa, feito em uma panela de ferro
no fogão à lenha com brasas em cima e embaixo. O famoso bolinho de fubá
enrolado na folha da bananeira, pau a pique, foi também frequentemente
citado como memória afetiva da infância. Já os doces de antes eram feitos
com doce de leite puro, as caldas de açúcar com as gemas eram a base das
mais variadas receitas de guloseimas, mas agora se usa muito o leite
condensado industrializado. Muitas frutas eram encontradas facilmente na
região, no entanto, estão cada vez mais raras ou até mesmo desapareceram,
tais como o marmelo, a laranja da terra, cidra, figo.
Um dos entraves encontrados durante o percurso investigativo, o qual é
pertinente ser apontado, está relacionado às medidas dos ingredientes das
receitas, pois, antigamente, além das mesmas serem transmitidas através da
escrita, eram também repassadas pela forma oral. Daí o motivo da não
padronização das proporções que compõem as preparações deste caderno,
fato, é este, resultante da dificuldade de se coletar dados precisos acerca
desta constatação. Tendo em vista que, todas as entrevistadas fizeram o
seguinte relato ao afirmarem que aprenderam com suas mães a elaborarem
RVSUDWRV³SRUUXPR´RXVHMDQHVWHFRQWH[WRQmRhá uma medida exata dos
elementos que os compõem, e sim uma sensibilidade apurada acrescida de

ϰϱ

um toque de intuição para que a alquimia do sabor se faça presente. Para elas,
o que vale neste quesito é a percepção, o olhar sobre a iguaria que está se
preparando, para saber qual a quantidade necessária de cada componente
como também o ponto certo da receita.
Em suma, o século XVIII, influenciado pelas três etnias que compõe a
base da formação da região: indígena, portuguesa e africana, foi responsável
pela origem de diversos pratos típicos que são preparados até hoje. A
decadência da mineração e a transição para o campo deixou marcas
inconfundíveis na identidade do povo das gerais, pois suas raízes rurais
promoveram o florescimento de uma de suas características mais pungentes,
que é a afamada hospitalidade mineira, pautada na abundância dos gêneros
alimentícios os quais eram ofertados aos que estavam de passagem, com
intuito de agradar e demonstrar cordialidade. Neste período, a culinária se
reinventa e amplia seu receituário devido a fartura encontrada nas roças. A
partir deste momento, a cozinha se tornará o recinto principal da casa, na qual
haverá o estreitamento dos vínculos e a consolidação das relações sociais.
Logo, este espaço culinário torna-se palco, onde, ao pé de um fogão à lenha,
o núcleo familiar e as visitas se reúnem para prosear, contar os famosos
''causos'' e anedotas das antigas fazendas.
Hoje, mesmo com toda a modernidade, a culinária típica mineira com
suas fabulosas receitas ainda resiste e se expande, alcançando todos espaços
dentre e fora do estado. Há ainda muitos pratos tradicionais que perduram nos
dias atuais, contudo, alguns estão se perdendo devido ao menosprezo
dominante para com o passado, a presença cada vez mais marcante da
mulher no mercado de trabalho, que gera a falta de tempo para produção de
uma alimentação caseira mais saudável e artesanal e, por fim, a invasão de
comidas instantâneas industrializadas nos lares brasileiros. Daí é que vem a
relevância deste estudo, cuja proposta se pautou no levantamento e na
catalogação de receitas de família para compor um caderno de resgate das
memórias, partindo da premissa de que o estado de Minas Gerais possui uma

ϰϲ

diversidade cultural muito grande, que se manifesta em diversas formas,
dentre elas, se destaca sua rica culinária, composta por inúmeros pratos
típicos os quais merecem ser reconhecidos como patrimônio imaterial e
preservados para posterioridade, e dessa maneira, contribuir com novas ideias
e projetos a serem socializados com a comunidade em geral.

ϰϳ

REFERÊNCIAS

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ϰϵ

AGRADECIMENTOS

Ao PAPq/UEMG Programa Institucional de Apoio à Pesquisa da Universidade


do Estado de Minas Gerais e às alunas do Unabem, que, gentilmente,
cederam suas receitas de família e colaboraram com esta publicação.

SOBRE AS AUTORAS

Kênia Cristina Machado Leal Innocente é aluna do Curso de História e


bolsista PAPq/2017. Contato: keniacmleal@gmail.com.
Ana Maria Abdul Ahad é professora mestra e orientadora desta pesquisa,
docente da Universidade do Estado de Minas Gerais ± UEMG ± Unidade
Passos / MG, nos Cursos de História, Pedagogia, Letras, Física e Matemática.
Contato: ana.ahad@uemg,br.
Leila Maria Suhadolnik Oliveira de Pádua Andrade é professora
especialista, coordenadora da Unabem e coorientadora desta pesquisa,
docente da Universidade do Estado de Minas Gerais ± UEMG ± Unidade
Passos / MG, no Curso de História e Design de Moda. Contato:
leila.andrade@uemg.br.

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