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BOLLON, Patrice. A Moral da Máscara:merveilleux, zazous, dândis, punks, etc. Rio de Janeiro. Rocco.

1993

● “Sempre existiram indivíduos - nem sempre jovens e ainda menos


necessariamente “marginais” - que se expressassem e se afirmassem através de
um estilo, simples pose de traje ou então um modo de vida global em ruptura
com as normas, aceitas por sua época, da “elegância”, do “bom gosto” e da
“respeitabilidade”. Homens - e certamente mulheres também - que pretendem
com sua aparência contestar um estado de coisa, uma escala de valores, uma
hierarquia de gostos, uma moral, hábitos, comportamentos, uma visão de
mundo ou um projeto, tais como são refletidos pelo traje dominante, pelo estilo
obrigatório ou pela referência estética comum da sociedade em que vivem.
Enfim, homens que são, querem ser ou se imaginam “outros”, diferentes,
estranhos, singulares e pretendem mostrá-lo com o que se vê em primeiro lugar,
a aparência.” (p.11)
“Como sempre é mais fácil ser original acompanhado, por efeito de imitação ou
encontro espontâneo do “espírito de época”, na maioria das vezes veremos
agrupamentos, formais ou informais, conscientes ou não, vivendo juntos numa mesma
distância de regras: “movimentos”, às vezes quase “tribos”, ou então simples “estados
de espíritos” reconhecidos por aqueles que o compartilham. Portanto, em todos os
casos, são pequenos domínios por intermédio dos quais uns reconfortam os outros em
sua diferença com o todo “normal” dos burgueses, a grande febre romântica, os
grisântres ou os bonnets-de-coton: o mundo daqueles para quem o adereço é
obrigatoriamente fútil, as aparências invariavelmente enganadoras e as regras feitas
para serem cumpridas.” (p.12)
“Então, nesse desejo de vida total que se expressa paradoxalmente por essa
formas tênues e superficiais que são as aparências, uma voz tenta nos sussurrar uma
verdade surpreendente: nada é mais fútil do que nossos esforços para tornar tudo sério,
útil e racional; nada mais sério do que o fútil…” (p.14)

PRIMEIRA PARTE: FIGURAS DE ESTILO


“Os muscadins queriam aparecer ou até ser “aristocratas”? Mas ninguém
pensava em oprimi-los por isso. Ninguém se preocupava mais com nada, exceto
consigo mesmo. Tudo ia por água abaixo; e isso para eles era um bom sinal. “As
liberdades só prosperam num corpo social doente: tolerância e impotência são
sinônimos” escreveu Cioran em Histoire et Utopie: mais do que monarquistas ou
mesmo “contra-revolucionários”, no sentido exato do termo - isto é, no sentido de
uma posição clara, definida por um motivo exterior ao qual eles teriam “reagido”, ou
mesmo trazido um projeto alternativo - , aqueles janotas eram realmente, no íntimo,
libertários passivos, libertinos da política, que viam na bancarrota do poder, de
qualquer poder, a ocasião para uma liberdade ampliada.” (p.51)
“Ação simbólica, arma da ironia, poder inconsciente da aparência, fenômeno de
interregno, revolta anti-social, moralidade hedonista e função de “reflexo”: todos os
traços que acabamos de abordar a propósito dos muscadins atravessam o conjunto dos
movimentos de estilo e de aparência que analisaremos neste livro. A respeito dos
zazous, e dos punks, voltaremos a falar sobre a luta simbólica, a ironia e a
anti-sociabilidade que impulsionam esses movimentos. A estreita imbricação entre
estilo e essência da sociedade fornecerá o pano de fundo e a perspectiva de nossas
análises do Romantismo e do Zoot-Suit da “era do swing”.”. (p.52)

“(...) A verdade é que justamente por esses movimentos são ambíguos de ponta
a ponta, e por um lado inacabados, constituindo, de um certo modo, NADA, em todo
o caso nada de claro e definitivamente formulado, é que eles podem desempenhar um
papel desses na dialética social.” (p.159)

“(..) que aparência pode refletir, traduzir ou simplesmente veicular ideias fortes,
agudas complexas, sutis, espantosas; que ela expressa o provoca, em certos casos, uma
revolta radical, inédita, definitiva, e que ela seja mesmo a única poder fazê-lo - foi o
que vimos efetivamente ao longo das nossas análises dos “movimentos de estilo”, que
fizeram da aparência ao mesmo tempo sua meta e o seu modo de funcionamento.
Último recurso de um discurso social impossibilitado de vir à tona por outro caminho,
esses movimentos se carregam de um “indizível”, cujas palavras não bastariam para
representar inteiramente, pois ele se situa além ou aquém de todas as categorias
habituais, estéticas e morais, do discurso aceito e representa no momento, como o
constatamos, uma espécie de “virtualidade do sentido”, de sentido em levitação, como
eternamente em devir, que somente aparência, com suas ambiguidades, e graças a
estas, permite entender ou pelo menos abordá-lo. (p.164)

"Os estilos são projeções simbólicas, fantasmas sociais que não descrevem
verdadeiramente a realidade, mas a imaginam, a reinventam com suas cores. São
ficções que contamos aos outros e a nós mesmos, representações que, mais do que
uma "realidade", se referem umas às outras: verdadeiras "mentiras" no sentido Willian
da palavra." (P.233)
"Cada estilo representa uma hipótese, uma direção, uma tendência,
desenvolvidas logicamente: e essa última palavra que é importante aqui: quaisquer
que sejam as premissas de um estilo, qualquer que seja o seu ponto de partida, o que
importa em primeiro lugar é que esses estilos, essas máscaras, sejam levados ao auge,
em suas lógicas, Em suas construções - aos seus últimos limites." (P.226)
"Aparência funciona como "Paraíso Artificial", onde as dificuldades do real,
como por milagre, são abolidas." (P.230)
"Como vimos continuamente, a característica dos movimentos de estilo, sua
originalidade, é realmente o fato de elas anteciparem, de eles prefigurarem, muitas
vezes, as evoluções mais importantes da Sociedade." (P.231)
"(...) Esses movimentos aparecem como uma espécie de "passarelas" , Como
peças que faltam no quebra-cabeça social , e por isso elementos importantes, vitais da
dinâmica social: eles atuam como pesquisadores, explorando os possíveis conteúdos
numa situação dada para escolher a única "solução" válida." (P.232)

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