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RESUMO
Tema: na atualidade, a gagueira pode apresentar definições distintas de acordo com a abordagem
defendida pelos autores para fundamentar tal distúrbio. O trabalho tem como objetivo discutir tais
abordagens na terapia do caso em questão, aplicando suas técnicas terapêuticas e adequando-as
conforme o contexto em questão e a aceitação do indivíduo para com as atividades, promovendo o
desenvolvimento dos objetivos, procedimentos e técnicas utilizados na terapêutica para a gagueira.
Procedimentos: estudo longitudinal de um paciente de 14 anos, atendido em dois momentos: entre
2005/2006, ano em que recebeu alta com indicação de monitoramento, e 2008/2009 época em que
retorna ao atendimento devido à recidiva. No estudo, são consideradas as diferentes abordagens:
psicolinguística da fluência, neurolinguística e motora da gagueira, vertente contextualizada e aborda-
gem fenomenológica da gagueira. Resultados: na evolução, observou-se a diminuição considerável
da gagueira e dos movimentos compensatórios, bem como, comportamento e postura adequados e
uma melhor socialização. Conclusão: o estudo das abordagens consideradas na terapia propiciou
a realização do atendimento que atingiu os objetivos propostos. Além disso, o paciente contribuiu no
direcionamento da terapia conforme sua aceitação e aplicação em sua vida, revelando, dessa forma,
quais condutas foram mais efetivas e puderam contribuir de forma mais direta com a sua qualidade
de vida e sua evolução.
O propósito da terapia se dá em ressignificar Aos dois anos e seis meses realizou atendi-
a imagem que o indivíduo tem de si como sujeito mento fonoaudiológico devido a dificuldades na
falante, pois o mesmo pode vir a apresentar uma fala. Segundo relato da mãe, falou corretamente
das seguintes situações: 1) O sujeito é visto como aos cinco anos e no ano seguinte apresentou os
gago somente pelos outros, assim sendo, a cons- primeiros sinais de disfluência.
ciência do sujeito sobre a própria gagueira é baixa, Na anamnese realizada na época, a mãe
sendo imperceptível para o mesmo; 2) O indivíduo mencionou que o paciente apresentava comporta-
se vê e é visto gago, tendo plena consciência da mento disciplinado, prestativo, de temperamento
sua disfluência; 3) Somente o indivíduo se percebe calmo e distraído. Relacionava-se bem com todos os
como sendo gago, havendo uma distorção da auto- familiares e com colegas de escola. Referiu, ainda,
imagem e supervalorização da fluência. Para traba- que o menino era um bom aluno e não apresentou
lhar com a auto-imagem do sujeito gago objetiva- dificuldades de leitura e escrita, porém destacou o
se conhecer os recursos utilizados para evitar a histórico de gagueira na família (tio do paciente) e
gagueira e as suas tentativas de falar bem sensibi- de intercorrências na escola (pai do paciente). No
lizando o paciente para que perceba a tensão reali- mesmo momento, a mãe informou a ocorrência de
zada, promovendo assim, a consciência corporal5. um quadro de otites de repetição, bem como a reali-
Por fim, a abordagem fenomenológica da zação de adenotonsilectomia.
fluência não propõe uma definição para a gagueira, Após a da entrevista inicial o paciente realizou
pois cada indivíduo terá uma descrição particular avaliação fonoaudiológica em que foram descar-
para a materialização da mesma, manifestada tados intercorrências de ordem fonológica e de
em seu corpo, porém afetando sua visão sobre aprendizado.
si, sobre seu problema e sobre o mundo4. Para J. realizou avaliação do Processamento Audi-
isso, é necessário que o terapeuta descreva o que tivo Central (PA(C)) revelando alterações nos
percebe, em relação aos movimentos musculares, subperfis de organização de saída, decodificação
à tensão, à velocidade, ao ritmo de fala, à coorde- e integração.
nação do fluxo de ar. Ao perceber-se como sujeito A terapia fonoaudiólogica, nesse primeiro
gago as impressões, os sentimentos e a aceitação momento, teve enfoque nos aspectos de correção
que o mesmo possui em relação à gagueira devem da postura, respiração, movimentos compensató-
ser considerados. A terapia terá como objetivo rios realizados durante a gagueira e exercícios de
a “desconstrução da gagueira”, promovendo o articulação.
controle do tônus muscular, realizando um trabalho Neste período foi observado redução dos movi-
de conscientização da gagueira, relacionando-a às mentos compensatórios e o início de um processo
emoções, ao nível de interferência que ocorre na de socialização do paciente, em que fora relatada
fluência e às reações do sujeito diante da patologia5. sua participação em grupo de jovens, realizando
O presente trabalho objetivou a discussão das leituras com redução da disfluência e participando
abordagens apresentadas na condução do caso em ativamente das atividades, uma vez que o mesmo
questão. apresentava traços de inibição e isolamento em
conseqüência da sua gagueira.
APRESENTAÇÃO DO CASO Em função de realizar atendimento em um dos
locais da clínica escola o paciente passou a ser
J. O. iniciou o atendimento aos 9 anos de idade atendido por uma nova estagiária no início do ano
quando estava na 4ª série do Ensino Fundamental, de 2006.
no primeiro semestre de 2005. Segundo informa- A partir desse momento a terapia fonoaudioló-
ções coletadas do seu prontuário, J. apresentou gica passou a ser realizada enfatizando o transtorno
atraso no desenvolvimento da linguagem, pronun- do PA(C) apresentado por J., (além da manutenção
ciando as primeiras palavras somente aos dois da terapia para a gagueira. Após aproximadamente
anos de idade. Realizou acompanhamento neuro- seis meses realizou-se nova avaliação do PA(C)
lógico devido a este atraso. No exame de Eletro- constatando-se que o funcionamento auditivo
encefalografia (EEG) realizado em 04/12/1998 em central encontrava-se nos padrões de normalidade
sono normal (3º estágio), constatou-se em vigília, para a idade.
ritmo de base lento nas áreas posteriores do Ao final do semestre de 2006 foi prescrita uma
encéfalo. Iniciou tratamento com carbamazepina, indicação de monitoramento, em que o paciente
durante aproximadamente um ano e seis meses. deveria apresentar-se na clínica quinzenalmente.
Após este período realizou novos exames de EEG Para o início do ano de 2007 foi indicado um encontro
em 09/05/2000 e 31/05/2000 não apresentando por mês com objetivo de evitar recidivas, porém o
anormalidades. mesmo não retornou a esses atendimentos.
descartou-se os aspectos subjetivos trazidos pelo será definido a partir dos critérios estabelecidos por
paciente já que o motivo que faz com que o paciente ambos.
procure um atendimento profissional é a busca pela Ao terapeuta é importante realizar uma escuta
qualidade de vida, neste caso, gerada a partir da atenta e sem antecipações do que será dito pelo
melhora da fluência. Contudo, é evidente que a sujeito, pois, somente desta forma, será possível
integração das abordagens propostas combinadas identificar a demanda (necessidade) de seu
ao desejo do paciente contribuíram para a evolução paciente para, a partir deste ponto, definir estraté-
do mesmo. gias. J. poucas vezes expressou seus sentimentos
Em virtude do resultado apresentado na última em relação à gagueira, porém deixou claro os obje-
avaliação do PA(C) propõe-se, para a continuidade tivos pelos quais buscou a terapia fonoaudiológica
do tratamento, a realização do treinamento auditivo e seu desejo de melhorar. Por meio da vivência das
das habilidades de resolução temporal para a orelha atividades realizadas mostrou seu interesse em
momentos determinados. Diante disso, destaca-se
esquerda10. O processamento auditivo temporal
a relevância da observação das necessidades para
refere-se à percepção de eventos acústicos no
direcionamento da terapia.
domínio do tempo, sendo uma habilidade relevante
para a fala inserida no PA(C) que envolve outras
habilidades e refere-se à eficiência e a efetividade CONCLUSÃO
com que o sistema nervoso central organiza a infor-
mação auditiva. A resolução temporal, por sua vez, O presente estudo objetivou a discussão das
é uma das habilidades do processamento auditivo abordagens apresentadas no atendimento de um
temporal, definida como a percepção de um curto paciente com gagueira.
intervalo de tempo (2 a 3 milissegundos) em que Durante o processo, o paciente referiu maior
o indivíduo pode discriminar dois sinais auditivos23. adaptação às atividades propostas pelas aborda-
Conforme dados colhidos do prontuário do gens neurolinguística e motora da gagueira e psico-
paciente, a terapia anterior (2005/2006) focou-se lingüística da fluência por serem mais objetivas.
no treinamento das habilidades do PA(C) alte- Convém ressaltar que os aspectos subjetivos,
radas: decodificação, integração e organização de considerados ao longo do processo, foram de
saída, sendo estas relacionadas à maturação e aos grande relevância para a evolução terapêutica. Foi
aspectos mais gerais e não aos aspectos especí- instaurado um espaço terapêutico que permitiu ao
paciente direcionar a terapia conforme a aceitação
ficos do processamento auditivo temporal.
e aplicação prática em seu dia-a-dia, revelando por
De acordo com a evolução no atendimento, foi meio dos resultados as condutas mais efetivas, ou
sugerido um período de monitoramento, inicial- seja, aquelas que contribuíram mais diretamente
mente com encontros quinzenais, passando a perí- com a melhora em sua qualidade de vida.
odos mensais, porém o paciente não retornou. Ao fonoaudiólogo cabe identificar não só a
A terapia para indivíduos que gaguejam deve queixa apresentada pelo paciente, mas também
ser formulada a partir das necessidades apresen- sua demanda, pois desta forma a direção do trata-
tadas pelo paciente, na qual, terapeuta e paciente mento toma outros rumos e pode ser rediscutida a
buscarão o mesmo objetivo e o tempo de terapia qualquer momento, em função de novas demandas.
ABSTRACT
Background: stuttering may currently have different definitions according to the approach advocated
by the authors to substantiate such a disorder. The paper aims to discuss such approaches in the
therapy of the case, applying its therapeutic techniques and adapting them according to the context
at issue and take the individual to activities, promoting the development of goals, procedures and
techniques used in the stuttering therapy. Procedures: a longitudinal study of a patient being 14 year
old, met on two occasions: in 2005-2006, the year he was discharged with an indication for monitoring,
and 2008/2009 season in returning to treatment due to relapse. In the study, the different approaches
considered were: psycholinguistics fluency, stuttering and motor neurolinguistics, contextual and
phenomenological aspects of stuttering. Results: in the evolution, there was a considerable decrease
in stuttering and compensatory movements, as well as appropriate behavior and attitude and
improved socialization. Conclusion: the study on the approaches considered in the therapy enabled
the performance of the service that hit the targets. In addition, the patient contributed for directing the
therapy as per the acceptance and application in his life, revealed by the results of more effective
behaviors, contributing to the quality of life and evolution.
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http://dx.doi.org/10.1590/S1516-18462011005000132
RECEBIDO EM: 01/02/2010
ACEITO EM: 27/05/2011