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TAYNÁ BARROS COLARES

Investigação do efeito terapêutico da estimulação transcraniana por corrente contínua


(ETCC) de forma bi-hemisférica para tratamento da gagueira.

Linha de pesquisa: neurociências e comportamento


1. Introdução

A linguagem e a fala são fundamentais para a espécie humana, sendo uma capacidade intrínseca

e distintiva da espécie. Através da comunicação, indivíduos conseguem expressar pensamentos,

sentimentos, necessidades e ideias, desenvolvendo cultura e coordenando atividades sociais.

Essas capacidades cognitivas únicas são essenciais para nossa evolução, adaptação e progresso

como espécie.

A fluência da fala é capacidade de se comunicar de maneira contínua e fluida. Como uma

dimensão fundamental da linguagem, desempenha um papel indispensável para a comunicação

efetiva. Entretanto, para algumas pessoas, a fluência pode se tornar um grande desafio devido

à gagueira, um distúrbio complexo e multifatorial da fluência.

De acordo com a versão mais atual da OMS, a gagueira é caracterizada por uma frequência

anormal de fala, acompanhada ou não de grande quantidade de restrições no fluxo natural do

discurso. A frequência é cerca de 1% da população mundial. Há sintomas comuns entre pessoas

com gagueira, como a repetição de sons, sílabas ou letras, pausas ou prorrogações durante a

fala.

Em média, 5% das crianças entre dois e quatro anos de idade apresentam gagueira, denominada

de gagueira de desenvolvimento. (Mansson, 2000). Desse conjunto, cerca de 80% a 90%

recuperam a fluência, tornando esses episódios não duradouros. Estudos apontam que isso

ocorre por consequência da maturação de redes neurais e pouca capacidade de articulação

Blomgren (2013), esse transtorno de fala é quatro vezes mais comum em homens adultos do

que mulheres (Ambrose et al.).

A gagueira é um distúrbio da fluência da fala complexo e multifatorial, e sua causa exata ainda

não é completamente compreendida. No entanto, pesquisas sugerem que a gagueira é

influenciada por uma combinação de fatores genéticos, neurológicos, motores, linguísticos e


emocionais. Quanto a fatores genéticos, estudos apontam que a gagueira pode ter um fator

genético associado a maior probabilidade de seu desenvolvimento, embora não seja a única

causa (Kraft, 2010). Sobre fatores neurológicos, tem sido associada a diferenças estruturais

cerebrais, baseado em estudos de neuroimagem que mostram diferenças em áreas cerebrais

envolvidas na produção de fala e controle motor (Namasivayam et al., 2020). Quanto a fatores

motores, a gagueira pode ser influenciada por dificuldades no controle motor da fala. Que inclui

a descoordenação dos músculos envolvidos na produção da fala, alterando a velocidade e o

ritmo da fala, como também a dificuldade de iniciar ou manter o fluxo da fala de maneira

esperada (Chang et al., 2011). É importante ressaltar que a gagueira é uma condição altamente

variável, e a combinação e interação desses fatores em cada indivíduo podem ser diferentes. O

entendimento dos mecanismos subjacentes à gagueira ainda está em desenvolvimento, e

pesquisas adicionais são necessárias para uma compreensão completa e precisa dessa condição.

O estudo da gagueira envolveu diferentes teorias e abordagens a partir do século XIX. O modelo

de sistemas pré-motor a ser utilizado de forma dupla foi apresentado por Alm (2004). Em outro

estudo realizado em 2013, Alm mostrou que os gagos possuem um limiar de ativação motora

do hemisfério direito maior que as pessoas fluentes. A consequência disso geraria erros na

produção motora da fala, o que posteriormente se tornou uma importante teoria para ajudar a

elucidar gagueira. Há trabalhos de fMRI e magnetoencefalografia que encontraram diferenças

na ativação do córtex auditivo, como também de diferenças estruturais no cerebelo de pessoas

que possuam gagueira (Sandak e Fiez, 2020). Essas áreas estão envolvidas na manutenção

temporal do movimento, o que explicaria a melhora da fluência temporária em canto e nos casos

de leitura com metrônomo. São necessários mais estudos para estabelecer melhor a relação

entre essas áreas e disfluências. De fato, a relação cérebro-fluência proposta acima tem sido

explorada recentemente (Yada, 2022, Karsan, 2022). De forma especial, foi objeto de análise

de forma inédita no Brasil, mas em pequena escala (Medeiros, 2021). Nesse estudo, foi
encontrado melhora da fluência em pessoas que gagueiam, uma semana após a intervenção,

depois de estimulação transcraniana por corrente contínua (ETCC). Dessa forma, esse projeto

se propõe a usar a metodologia de estimulação bi- hemisférica em uma maior amostra e testar

se os efeitos benéficos encontrados em Medeiros (2021) se mantêm, o que corroboraria o

potencial terapêutico da montagem para a gagueira.

2. Justificativa

A gagueira é um distúrbio da fala que afeta a comunicação e a qualidade de vida de diversos

indivíduos em todo o mundo. Embora diversas abordagens terapêuticas tenham sido

desenvolvidas para o seu tratamento ainda existe uma necessidade latente de tratamentos cada

vez mais eficazes. Nesse contexto, a investigação de novas estratégias terapêuticas é de extrema

importância para o aprimoramento da abordagem clínica e por consequência, melhora de

resultados.

Para esse estudo, será usada a estimulação transcraniana por corrente contínua (ETCC) é uma

técnica não invasiva, segura, que envolve a aplicação de corrente elétrica de baixa intensidade

sobre o couro cabeludo através de eletrodos, a aplicação modula a atividade cerebral na área

onde foi aplicada, no caso, em regiões associadas à fluência de fala. A técnica tem sido

amplamente estudada e aplicada em distúrbios da linguagem, especialmente em aplicações em

pacientes afásicos, cuja o distúrbio da linguagem foi causado por danos cerebrais, como AVC

(Marangolo, et. al) e fluência de fala, incluindo a gagueira, com estudos preliminares que

sugerem a estimulação pode modular a atividade cerebral e melhorar a fluência de fala

(Chesters, et. al). No entanto, a aplicação para a gagueira ainda é incipiente e carece de

investigações científicas mais aprofundadas.


Em suma, a realização do estudo baseia-se na necessidade de ampliar as opções de abordagem

terapêuticas disponíveis para pacientes com gagueira. A investigação da ETCC com abordagem

bi-hemisférica também visa contribuir para a compreensão dos mecanismos neurofisiológicos

subjacentes à gagueira e direcionar o desenvolvimento e aprimoramento de novas abordagens

terapêuticas.

3. Objetivo geral

3.1.1 Avaliar o impacto terapêutico da ETCC bi-hemisférica na redução dos sintomas e melhora

da fluência em indivíduos com gagueira.

3.2 Objetivos específicos

3.2.1 Investigar os efeitos da ETCC bi-hemisférica na fluência de fala em indivíduos com

gagueira, utilizando medidas objetivas e subjetivas de fluência

3.2.2 Avaliar e comparar os resultados do protocolo experimental com o grupo controle, que

receberá estimulação placebo, a fim de estabelecer critérios científicos quanto a eficácia

3.2.3 Caracterizar o nível de gagueira dos participantes antes e depois dos experimentos.

3.2.4 Avaliar diferentes fatores de fluência de acordo com critérios do Índice de Severidade da

Gagueira – 3 (Stuttering Severity Index, SSI – 3), como número de sílabas, tempo de disfuência

e trejeitos físicos, antes e após a estimulação

3.2.5 Analisar outros aspectos associados a gagueira, como ansiedade e percepção da própria

fluência.

4. Materiais e métodos
4.1 Participantes

A amostra da pesquisa será composta por 30 indivíduos diagnosticados com gagueira,

distribuídos em dois grupos – estimulação real ou sham (estimulação fictícia) –, cada um

compreendendo 15 participantes. O diagnóstico da gagueira será realizado por uma equipe de

fonoterapeutas. Os participantes serão recrutados através de divulgação em redes sociais e

distribuição de panfletos dentro e fora da universidade.

4.2 Garantias Éticas aos Participantes

Todos os participantes receberão cópias integrais do Termo de Consentimento Livre e

Esclarecido (TCLE), elaborado em conformidade com as Diretrizes da Resolução CNS

466/2012, previamente aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade de

Brasília. Após a leitura e assinatura do TCLE, os participantes consentirão voluntariamente em

participar da pesquisa. Durante todo o estudo, os participantes serão assistidos pelos

pesquisadores, e terão a liberdade de cessar sua participação a qualquer momento, sem nenhum

ônus, bastando comunicar sua decisão aos pesquisadores.

4.3 Critérios de Inclusão e Exclusão

A amostra da pesquisa será constituída por 30 indivíduos diagnosticados com gagueira, sendo

o diagnóstico realizado por uma equipe de fonoaudiologia. Serão excluídos indivíduos com

quaisquer outros transtornos de fala, compreensão ou comunicação que não seja gagueira, bem

como problemas perceptuais, transtornos neurológicos ou psiquiátricos, uso de medicação que

afete o Sistema Nervoso Central e quaisquer contraindicações ao ETCC (histórico de

convulsões, implantes metálicos na cabeça ou uso de medicamentos que afetem o limiar de

convulsão).

4.4 Procedimento
Após a formação dos grupos, os participantes serão convocados a comparecer ao Departamento

de Ciências Fisiológicas no Instituto de Biologia, situado no campus Darcy Ribeiro da

Universidade de Brasília. O estudo compreenderá uma intervenção experimental e atendimento

fonoterápico. Cada participante realizará as tarefas em dias e horários agendados, totalizando

cinco dias consecutivos com sessões de aproximadamente uma hora. Durante essas sessões, os

participantes executarão atividades geradoras de melhora temporária na fluência, como a leitura

acompanhada de metrônomo, enquanto serão submetidos a ETCC (real ou sham) por 20

minutos.

O ETCC será aplicado de forma bi-hemisférica, utilizando eletrodos de tamanho 5x7,

compostos de borracha condutora e embebidos em solução salina, de acordo com o sistema 10-

10 de posicionamento de EEG. Durante as sessões, as vozes e imagens dos participantes serão

gravadas para permitir uma análise mais detalhada dos efeitos do procedimento.

O atendimento fonoterápico e a intervenção experimental ocorrerão também no Departamento

de Ciências Fisiológicas, ao longo de nove encontros. Serão realizadas duas avaliações prévias

para medir o nível inicial de gagueira de cada participante e preenchimento formulários. A

intervenção com ETCC para cada participante será realizada diariamente durante cinco dias

consecutivos, com acompanhamento uma semana e seis semanas após a intervenção. Os

participantes serão alocados aleatoriamente nos dois grupos experimentais, de forma duplo-

cego, em que nem a fonoterapeuta nem o participante saberão em qual grupo foram alocados.

4.5 Avaliações

Para mensurar a severidade da gagueira antes e após o experimento, será utilizado o Stuttering

Severity Instrument – IV (SSI-IV; Riley, 2009). A percepção do participante sobre o próprio

transtorno será avaliada por meio de uma versão traduzida para o português do Overall

Assessment of the Speaker’s Experience of Stuttering (OASES; Yaruss and Quesal, 2006), e os
níveis de ansiedade dos participantes serão avaliados utilizando o Inventário Beck de Ansiedade

(BAI; Beck et al., 1988). Esses três testes serão aplicados durante entrevista prévia às

atividades, bem como nas semanas de acompanhamento. Além disso, ao início, durante e ao

final de cada sessão, utilizaremos escalas padronizadas para acompanhar a evolução da

mudança na fluência, mensurando a porcentagem de sílabas disfluentes apresentadas pelos

participantes.

Figura 1: Esquema ilustrando a sequência dos encontros, o momento em que ocorreram e os dados coletados ao

longo do experimento. %SD, sílabas disfluentes.

5. Viabilidade

5.1 Viabilidade ética: O projeto deve ser conduzido de acordo com princípios éticos,

assegurando a proteção dos direitos e o bem-estar dos participantes envolvidos. O projeto de

pesquisa foi previamente aprovado no pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da

Universidade de Brasília.
5.2 Viabilidade técnica: O projeto necessita do equipamento de Estimulação Transcraniana por

Corrente Contínua (ETCC), equipamento já disponível no laboratório de neurociências e

comportamento. Outros objetos como câmera de gravação, sala para aplicação do experimento,

entre outros serão adquiridos durante o andamento do projeto

5. Cronograma

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