Você está na página 1de 28

CEFAC

CENTRO DE ESPECIALIZAÇÃO EM FONOAUDIOLOGIA CLÍNICA


MOTRICIDADE ORAL

A MASTIGAÇÃO EM PACIENTES PORTADORES DE


PARALISIA CEREBRAL
UMA ABORDAGEM FONOAUDIOLÓGICA

PATRÍCIA FARIA GUIMARÃES

SÃO PAULO
1999
CEFAC
CENTRO DE ESPECIALIZAÇÃO EM FONOAUDIOLOGIA CLÍNICA
MOTRICIDADE ORAL

A MASTIGAÇÃO EM PACIENTES PORTADORES DE


PARALISIA CEREBRAL
Uma abordagem fonoaudiológica

PATRÍCIA FARIA GUIMARÃES

SÃO PAULO
1999

1
RESUMO

O objetivo desta pesquisa teórica é verificar como é realizado o trabalho de

motricidade oral, mais especificamente a função mastigatória, em pacientes

portadores de paralisia cerebral.

A mastigação é considerada uma função aprendida, passível de

modificação, onde o fonoaudiólogo vê possibilidades de intervenção.

Um dos aspectos destacados por essa pesquisa é observar que a

abordagem da motricidade oral nesses pacientes tem como objetivo final a

adequação da fala e não a melhora da função.

Este trabalho busca dar uma visão mais específica sobre a mastigação aos

profissionais que atuam nessa área, destacando a importância da mesma para

todo o aparato oral.

2
SUMMARY

The objective of this paper is to examine the process of oral motricity,

specifically the mastigation function, in patients with cerebral palsy.

Mastigation is considered a learned function and therefore can be modified,

allowing the possibility of intervention by a speech therapist.

One aspect highlighted by this research, is the observation that the

intervention into the oral motricity of cerebral palsy patients, has as final objective

the speech adequation, and not the improvement of the mastigation function.

This paper aims to give the professionals active in the area, a more specific

view of the mastigation process, emphasizing its importance to the whole oral

apparatus.

3
Para meus pais, Glauce e Luiz Antonio,

e meus irmãos, Giselle e Glauco

4
SUMÁRIO

1. Introdução................................................................................................6

2. Discussão Teórica....................................................................................8

3. Considerações Finais.............................................................................23

4. Referências Bibliográficas......................................................................25

5
1 - INTRODUÇÃO

O objetivo desta pesquisa teórica é observar como é desenvolvido o

trabalho de motricidade oral nos pacientes portadores de paralisia cerebral.

Tentando fazer um recorte dentro desse tema central, procuro verificar

especificamente, a função mastigatória. Opto, assim, pela ênfase à perspectiva

motora no trabalho terapêutico.

O que ocorre com o paciente portador de paralisia cerebral? Como é

realizado o trabalho com a mastigação? Sendo uma função aprendida, há

possibilidades de modificação?

Devido à multiplicidade do quadro clínico apresentado por esses pacientes,

acredita-se que somente uma equipe especializada, formada por diversos

profissionais, é que poderá traçar o prognóstico e tratamento adequados para

cada caso.

Nas últimas décadas tem sido grande o número de trabalhos sobre

linguagem e cognição dos pacientes portadores de paralisia cerebral

(Lacerda,1987; Braga, 1995; Frazão,1996 ). Porém, discutir esse tema não é meu

objetivo.

Gostaria apenas de explicitar que na prática não excluo os vários elementos

que fazem parte da terapia fonoaudiológica, como o trabalho com a linguagem, a

família e outros profissionais.

Na primeira parte da pesquisa, apresento a conceituação de paralisia

cerebral, sua etiologia e diagnóstico. Num segundo momento, coloco o trabalho

fonoaudiológico com a mastigação.


6
Espero que esta pesquisa contribua para que cada vez mais os

profissionais que trabalham com esses pacientes reflitam sobre sua prática e que

isso transpareça no fazer terapêutico.

7
2 – DISCUSSÃO TEÓRICA

Na primeira parte deste capítulo, apresento um breve histórico a respeito da

definição de paralisia cerebral, sua etiologia e diagnóstico. Na segunda parte,

enfocarei o processo terapêutico relacionado à mastigação.

Histórico

Segundo Tabith (1989), a primeira descrição de paralisia cerebral foi

apresentada na metade do século XIX por John Little como sendo uma nova

enfermidade caracterizada por rigidez muscular e ocasionada por vários fatores

que acarretam asfixia do recém-nascido, dando-lhe o nome de Síndrome de Little.

Somente no século XX, passam a existir preocupações voltadas para as

formas de tratamento de um grupo de crianças que apresentava as alterações

semelhantes à descrita por Little. Winthrop Phelps generalizou o termo Paralisia

Cerebral para diferenciá-lo do termo Paralisia Infantil, causada pelo vírus da

poliomelite e que causava paralisias flácidas ( Piovesana,1998 ). Cria-se assim o

termo Paralisia Cerebral.

Schwartzman (1993) coloca que o termo é utilizado para se referir a um

grupo heterogêneo de pacientes que apresentavam, em comum, um prejuízo

motor decorrente de uma condição não progressiva, adquirida antes dos dois

primeiros anos de vida.

Apesar do termo ser aceito e utilizado universalmente, muitas tentativas têm

sido feitas no sentido de se mudar a nomenclatura, talvez para uma denominação

mais apropriada e menos sujeita a interpretações errôneas.

8
O prejuízo motor deve estar presente, mas não é o único parâmetro. É

encontrada uma proporção significativa de pacientes que apresentam, associado

ao defeito motor, prejuízos intelectuais, sensitivos, visuais, auditivos e/ou outros.

Porém, o prejuízo motor deve ser o mais importante.

Schwartzman (1993) ainda refere que nos pacientes onde o grau de

acometimento motor e intelectual for igualmente severo, deverão ser formulados

outros diagnósticos, tais como o de Encefalopatia Crônica Não Progressiva.

Na literatura há um número significativo de definições de paralisia cerebral.

Crickmay (1974) observa que existem coincidências gerais entre elas. O

termo “paralisia cerebral” é reconhecido como uma expressão geral que abarca

uma variedade de transtornos específicos. Todos esses transtornos possuem em

comum a característica de obedecerem a uma lesão dos centros motores do

cérebro e se manifestarem por uma perda do controle motor.

A definição do Little Club, segundo Schwartzman (1993), é bastante

utilizada: “paralisia cerebral é uma desordem do movimento e da postura,

persistente, porém variável, surgida nos primeiros anos de vida pela interferência

no desenvolvimento do sistema nervoso central, causada por uma desordem

cerebral não progressiva”. (p.4)

Na área terapêutica, o Método Neuroevolutivo de Bobath é o mais utilizado

no atendimento às crianças portadoras de paralisia cerebral. Sendo assim, coloco

aqui a definição de Bobath (1979):”Paralisia Cerebral é o resultado de uma lesão

ou mau desenvolvimento do cérebro, de caráter não progressivo, e existindo

desde a infância. A deficiência motora se expressa em padrões anormais de

postura e movimentos, associados com um tônus postural anormal. A lesão que


9
atinge o cérebro quando ainda é imaturo interfere com o desenvolvimento motor

normal da criança”.(p.11)

Para Piovesana (1998), a definição mais atualizada é: um grupo não

progressivo, mas freqüentemente mutável, de distúrbio motor (tônus e postura),

secundário a lesão do cérebro em desenvolvimento. O evento pode ocorrer no

período pré, peri ou pós-natal.

Etiologia

Quanto à etiologia da paralisia cerebral, Marques, Oliveira e Santos (1998)

destacam que durante muito tempo estudiosos acreditavam ser apenas a asfixia

durante o parto a principal causa da paralisia cerebral; porém como vários casos

não se encaixavam nessa categoria, concentraram-se novos estudos que

comprovam origens multifatoriais.

Cabral (1994) relata que os estudos do genoma humano revelam um

número crescente de doenças gênicas que cursam com quadro de paralisia

cerebral, independente de insulto hipóxico gestacional e neonatal.

Destaca ainda que a diminuição de partos traumáticos não tem reduzido de

forma significativa a ocorrência de casos de paralisia cerebral, não podendo ser

atribuído simplesmente aos insultos hipóxicos sua ocorrência.

Segundo Piovesana (1998), que realiza estudos neuropatológicos e por

imagem no intuito de compreender vários quadros clínicos, a etiologia da paralisia

cerebral tem sido muito pesquisada, porém nos estudos prospectivos mais

rigorosos a definição da causa não tem ultrapassado a taxa de 48%.

10
Kubam & Leviton, citados em Piovesana (1998), procuram determinar os

fatores de risco para paralisia cerebral:

- antes da gestação: história materna de abortos espontâneos prévios e/ou

natimortos; ciclos menstruais longos e irregulares; intervalo curto (menor que 3

meses) ou muito longo ( maior que 3 anos) da gestação anterior e história

familiar de paralisia cerebral, doença genética ou malformativa.

- durante a gestação: classe sócio-cultural inferior; malformação congênita;

gestação gemelar; apresentação fetal anômala; doença crônica materna como:

hipertensão arterial sistêmica, distúrbios endocrinológicos com reposição

hormonal.

- durante o período perinatal: detecção de corionite (infecção das

membranas coriônicas) associada a prematuridade e amnionite; deslocamento

prévio da placenta; encefalopatia hipóxico-isquêmica.

Os trabalhos atuais procuram estudar os aspectos clínicos e

neuropatológicos de acordo com o momento, real ou suposto, que a lesão

ocorreu.

Origem Pré-natal: as causas que podem levar a anormalidades no

desenvolvimento do sistema nervoso central (SNC), ocorrendo no período pré-

natal, dependendo da fisiopatologia, divide-se em quatro categorias básicas:

- Genética: síndromes

- Vascular :acidente vascular cerebral isquêmico ou hemorrágico

- Infecciosa: toxoplasmose congênita, rubéola, citomegalovírus, herpes

simples, sífilis, HIV e outras

- Outras: tóxico- metabólica, traumática, irradiação, entre outras


11
Origem Perinatal: a presença de corionite juntamente com a prematuridade

e a leucomalácia periventricular (LPV).

Destaca que a prematuridade é importante fator de risco para a ocorrência

de hemorragias intracranianas, enfarto hemorrágico e LPV que aumentam com a

diminuição da idade gestacional.

As infecções do SNC e os traumas cranioencefálicos são outras causas

importantes.

Origem Pós-natal: lesões adquiridas do SNC até os dois anos de vida.

Geralmente o quadro clínico resultante das seqüelas é mais grave, como nas

meningoencefalites adquiridas, lesões por afogamento, traumas

cranioencefálicos, acidentes vasculares cerebrais e outros.

Passarei a comentar os diversos casos que englobam a expressão

“paralisia cerebral”.

Segundo a área cerebral predominantemente afetada, teremos quadros

neurológicos distintos ou superpostos. Existem três tipos principais de paralisia

cerebral descritos por Bobath (1979) que abordo a seguir:

A criança espástica – mostra hipertonia de caráter permanente que pode

ser ou espástica ou plástica. O grau de espasticidade varia de acordo com sua

excitabilidade e a força do estímulo a que ela está sujeita a qualquer momento. Se

a espasticidade é grave a criança é mais ou menos fixada em algumas posturas

típicas devido aos severos graus de co-contração das partes envolvidas,

especialmente em torno das articulações proximais. A espasticidade é de

distribuição e alterações típicas de um modo previsível, em função da atividade

12
reflexa tônica. Os movimentos são restritos em amplitude e requerem excessivos

esforços.

De acordo com a localização do comprometimento motor, a paralisia

cerebral espástica divide-se em subtipos clínicos:

- diplegia espástica ou paraplegia: as extremidades inferiores são mais

gravemente atingidas que as superiores. Esta condição é de distribuição bem

simétrica. A fala e a articulação não são afetadas e o controle de cabeça é

geralmente bom. Quando os braços estão apenas levemente envolvidos, estas

crianças são usualmente classificadas como “paraplégicas”. Dificilmente observa-

se comprometimento da coordenação dos movimentos dos olhos.

- quadriplegia espástica: o corpo todo está comprometido; a distribuição é

assimétrica, um lado sendo mais envolvido que outro e os membros superiores

sendo mais afetados que os inferiores. São casos referidos como “dupla

hemiplegia”.

Como as partes superiores são as mais afetadas, o controle da cabeça

geralmente não é bom, e a fala e a articulação são mais ou menos severamente

envolvidos.

Quando a espasticidade é grave, a criança é incapaz e imóvel.

Qualquer esforço para se mover produzirá reações associadas e assim resultará

em adicional aumento da espasticidade, acentuando a postura anormal.

- hemiplegia espástica: nestes casos há assimetria dos padrões posturais e dos

movimentos que aparecem cedo na criança, assim o diagnóstico precoce não é

difícil. A mão afetada está bem fechada e o bebê não a abre. Não chuta com a

perna afetada e a cabeça é usualmente virada para o lado oposto ao afetado. Ele
13
não passa pelos estágios de desenvolvimento simétrico do bebê normal, que

inicia-se em torno das dezesseis semanas quando desaparecem os últimos

vestígios da influência do reflexo tônico postural.

A criança atetóide – apresenta tônus muscular instável e flutuante, porém a

amplitude das flutuações pode variar nos casos individuais. O tônus postural

destas crianças é deficiente e não podem, assim, manter uma posição estável. Há

insuficiente fixação postural devido à falta de co-contração, isto é, contrações

simultâneas de agonistas e antagonistas, que orientam e suportam os

seguimentos em movimento. A graduação de atividade antagônica durante um

movimento é pobre, e a contração de um grupo de músculos levará a uma

completa relaxação pela inibição recíproca de seus antagonistas. Os grupos

alongados não se firmam e assim não graduam o movimento pretendido. Em

conseqüência disto, os movimentos são espasmódicos e extremos nos seus

limites com pobre controle entre aqueles limites.

Em função da falta de co-contração e os extremos limites do

movimento, tendo como base um baixo tônus postural, há uma hipermobilidade de

todas as articulações.

As flutuações do tônus muscular são súbitas e se manifestam em

alguns dos movimentos involuntários vistos em todos os casos do grupo atetóide.

A criança atáxica – são raros os casos de ataxia pura, ou seja, ela vem

sempre associada à espasticidade, atetose ou hipotonia. A criança apresenta

tônus postural baixo combinado com alteração da inervação recíproca, com falta

de co-contração, levando a uma dificuldade para se manter numa postura contra a

gravidade. Seu andar é instável e com a base de sustentação alargada. Tem,


14
ainda, dificuldade tanto para iniciar um movimento, quanto para terminá-lo; sendo

que seus movimentos são incoordenados e lentos.

Diagnóstico

Lacerda ( 1987) aponta que apesar de se tentar caracterizar cada tipo de

paralisia cerebral, o que é diagnosticado com maior freqüência são os tipos

mistos, quando a criança combina características dos vários quadros, embora

tenha predominância maior de um deles. Essas crianças, de acordo com o grau de

incapacidade que apresentam, podem ser classificadas em leves, moderadas e

severas.

Bobath (1978) considera o diagnóstico difícil, principalmente em crianças

com menos de seis meses de idade. As crianças com paralisia cerebral atingem

seus marcos mais tarde do que as crianças sem comprometimento, e isto

independe da inteligência e grau de comportamento.

Podem existir poucas alterações nas atividades da criança durante o

primeiro ano de vida – em casos graves mesmo por dezoito meses de vida –

enquanto que, em circunstâncias normais, esse é o tempo no qual ocorrem as

maiores mudanças. Além disso, somado aos retardos na maturação , mais cedo

ou mais tarde, dependendo da gravidade do caso individual, ocorre um desvio do

desenvolvimento normal, visto no aparecimento de atividades motoras anormais.

Isso é evidente quando a criança se torna mais ativa, isto é, quando ela tenta se

sentar, usar suas mãos e braços, empurrar-se para levantar, ou quando tenta

andar, apesar de suas dificuldades físicas.

15
Muitos dos padrões essenciais e fundamentais do desenvolvimento motor,

que surgem numa criança normal, em certas etapas do crescimento, como um

preparo para atividades futuras mais complexas, estão ausentes. O

desenvolvimento da criança é, assim, não somente retardado, mas desordenado e

prejudicado, como resultado de lesão.

Ferraretto, Ferreira, Ignácio, Prado, Pinto, Moura e Rizzo (1990) apontam a

necessidade de um diagnóstico precoce, bem como tratamento, sendo para isso

necessário conhecer a doença, suas causas e a identificação dos sinais de alerta

nos primeiros meses de vida.

As crianças com história e gestação de risco, trabalho de parto difícil ou

sofrimento fetal devem ser seguidas periodicamente por profissionais atentos aos

primeiros sinais de alerta que indicam que algo não vai bem com o bebê. Estas

crianças geralmente movimentam-se pouco, têm dificuldade para sugar o seio

materno, apresentam as mãos permanentemente fechadas, os reflexos primitivos,

como o de Moro, apresentam-se hiperativos e permanecem além do tempo

previsto para o seu desaparecimento. O desenvolvimento neuropsicomotor é

atrasado, a criança não apresenta o controle cervical dentro dos primeiros três

meses de idade. Seu contato com o meio ambiente é muito pobre, apresenta

dificuldade de buscar os sons e dificuldade de seguir os objetos com a visão.

Crises convulsivas são mais freqüentes que na população normal.

Lacerda (1987) afirma a necessidade de se conhecer com maior

profundidade o desenvolvimento normal, pois o que se designava como “suspeita”

era sempre um desvio dos padrões normais de desenvolvimento.

16
Neste capítulo tive a intenção de explicitar os aspectos mais objetivos

relacionados ao indivíduo portador de paralisia cerebral.

Passarei a enfocar o processo terapêutico relacionado à mastigação.

A mastigação no processo terapêutico

A mastigação é considerada a função mais importante do sistema

estomatognático e vem sendo muito estudada por profissionais que atuam nesta

área.

Segundo Marchesan (1994), as funções respiratória e mastigatória têm

ocupado atualmente o centro das preocupações por fazerem parte das matrizes

ósseas oronasofaringeanas que estimulam um crescimento facial mais adequado.

Neste sentido, acredita-se no caráter positivo que o trabalho com a mastigação

exerce sobre o aparato oral.

Essa função apresenta, ainda, características importantes onde o

fonoaudiólogo vê possibilitado o seu trabalho. Destacando algumas delas: é uma

função aprendida, passível de modificação, com necessidade de se manter

atuante, responsável pelo desenvolvimento, equilíbrio e manutenção do sistema

estomatognático.

Em pacientes portadores de paralisia cerebral, Tabith (1989) refere que o

envolvimento das áreas motoras do cérebro determina um atraso no

desenvolvimento motor na área dos órgãos fonoarticulatórios. É freqüente a

presença de reflexos, nesta área, em idades que deveriam ter desaparecido. A

persistência destes reflexos, agora patológicos, impedem a utilização adequada

17
destes órgãos na alimentação e desenvolvimento de atividades musculares mais

elaboradas.

Estarão alteradas funções como a sucção, mastigação e deglutição.

Crickmay (1974) afirma que a criança suga e morde como resposta reflexa

frente a um estímulo e depois voluntariamente. Seguindo o desenvolvimento

normal a criança com paralisia cerebral é ajudada a inibir estes reflexos para a

instalação do reflexo de mastigação, que é mais maduro. O mesmo que na criança

normal, o ato de mastigar sólidos por si só contribui para reforçar a inibição dos

reflexos anteriores e mais primitivos.

Limongi (1989) enfatiza que o principal objetivo da terapia fonoaudiológica é

proporcionar à criança paralítica-cerebral a realização de ações, as mais próximas

possíveis dos padrões normais de desenvolvimento.

Para conseguir resultados efetivos em seu trabalho com os órgãos

fonoarticulatórios o terapeuta deve estar ciente que é necessário um bom controle

de cabeça por parte de criança, que por sua vez depende do controle postural-

corporal. Estes aspectos serão enfocados pelo fisioterapeuta e terapeuta-

ocupacional.

O fonoaudiólogo irá ajudar a criança a se adaptar a uma postura que irá

inibir os reflexos patológicos presentes. Irá inibir os reflexos na medida em que se

relacionar mais diretamente ao aparelho fonador.

A atenção do terapeuta deve estar constantemente voltada ao controle

geral da postura da criança para que, uma vez sentida a perda da normalização

do tono e a atuação de algum reflexo patológico, possa readaptá-la à postura

inibitória.
18
Marujo (1998) considera que o posicionamento adequado promove uma

boa base de alinhamento corporal para um melhor funcionamento sensório-motor

durante a alimentação. Este alinhamento é caracterizado por alongamento de

pescoço, com flexão neutra da cabeça, uma depressão estável da cintura

escapular, alongamento simétrico do tronco, posição neutra da pélvis simétrico e

estável, uma estabilidade de quadril e uma posição estável e simétrica dos pés.

Se o posicionamento adequado com bom alinhamento do corpo não é alcançado

devido à deformidades físicas severas ou equipamento inapropriado , o controle

motor funcional fino durante a alimentação não pode ser esperado.

Para os autores pesquisados o trabalho com a mastigação deve ser logo

estimulado.

Crickmay (1974) refere que a melhor maneira de estabelecer hábitos de

mastigação voluntários consiste em assegurar que se dêem a criança alimentos

sólidos em sua dieta cotidiana.

Segundo Marujo (1998), a modificação do funcionamento oro-motor durante

a alimentação pode ser feita através da introdução de diferentes texturas de

alimentos, na escolha de utensílios e na apresentação da própria comida.

A mesma autora refere, ainda, que líquidos e purês são mais difíceis para

portadores de distúrbios neuro-motores. Líquidos como iogurte são mais fáceis

porque oferecem mais informações sensoriais e por isso são mais facilmente

controlados. A introdução precoce de sólidos ( 5 a 6 meses de idade ) é

extremamente importante para estimular e favorecer a normalização da

sensibilidade oro-tátil e assim facilitar os movimentos do “morder-mastigar”.

19
Mueller (1980) considera que para o desenvolvimento da mastigação o

melhor é colocar com a mão o alimento entre os dentes no lado da boca, ajudando

a criança a fechá-la usando o controle de mandíbula. Para estimular a mordida

tocar o alimento nos lados do dente antes de colocá-lo entre os mesmos e ajudar

a criança a fechar a boca firmemente com o controle mandibular.

Uma vez que a criança tenha mordido, a mandíbula deve permanecer

fechada e aqui novamente é importante o controle mandibular, segurando-se

continuamente com firme pressão com o dedo médio, o que leva aos movimentos

de mastigação; não se deve movimentar a mandíbula da criança ou tentar fazer

movimentos de abrir e fechar a boca como se estivesse mordendo e não aplicar

pressões intermitentes, pois isso reforçaria os padrões anormais.

Limongi (1989), em seu trabalho com mastigação, faz com que a criança

adquira, primeiramente, movimentos mandibulares e de lateralização de língua,

com o auxílio de mordedor de borracha. É iniciado, então, o trabalho com

alimentos mais moles, aumentando-se aos poucos a consistência até chegar aos

mais duros.

O primeiro passo é a colocação de pequenos pedaços sobre os molares.

Após esta etapa, passa-se a colocá-los sobre a língua, que deverá lateralizá-los

dirigindo-se aos dentes; a seguir serão introduzidos lateralmente na região

vestibular, cabendo à língua retirá-los e conduzi-los à trituração.

O ato de morder o alimento nesta fase já está sendo trabalhado. A fase do

arrancar pedaços de alimento com os dentes irá favorecer muito a oclusão dental

e a força nos masseteres, a partir da região posterior e anteriorizando cada vez

mais esta atividade.


20
A autora conclui que da maneira descrita é possível trabalhar a seqüência

de passos da função mastigatória: morder o alimento, recolhê-lo com a língua

dirigindo-o para a região dos dentes posteriores; através de movimentos nos

sentidos vertical e lateral da mandíbula o alimento será triturado; novamente a

língua o recolhe, agora iniciando os movimentos da deglutição.

Deve ser lembrado que cada criança irá realizar os movimentos

componentes desta função de acordo com o grau de comprometimento que

possui.

Os autores citados abordam o trabalho com mastigação como sendo um

meio de adequação da fala.

Como enfatiza Marujo (1998), básico para uso de uma fala eficiente e

inteligível para a comunicação é o desenvolvimento de sistemas bem organizados

do controle motor oral e respiratório-fonoarticulatório.

Através de avaliações diretas o terapeuta não somente analisará o nível de

funcionamento, mas também tentará modificar o “imput” sensorial e motor para

que possa obter informações que sugiram o potencial do futuro desenvolvimento

da “pré-fala”.

Acrescenta que a compreensão da avaliação da “pré-fala” é conduzida para

obter, entre outras, informações dos movimentos individuais das partes que

compõem o mecanismo oral da criança durante a alimentação e a produção do

som.

Crickmay (1974) observa que na fala o homem é obrigado a empenhar

órgãos e grupos musculares cuja função básica é servir a outros fins, como

sucção, deglutição e mastigação, cujos movimentos são relativamente lentos e


21
primitivos. Na fala articulada, é necessário manipular estes órgãos com maior

rapidez e com uma precisão muito maior que a requerida no desempenho de suas

funções básicas.

O terapeuta deve ajudar o paciente a executar os movimentos mais finos da

mandíbula ( necessários para a fala ), a partir dos movimento mais grosseiros que

se requerem para a mastigação.

Mueller (1980) acrescenta que um padrão satisfatório de alimentação é

essencial para a futura fala.

Em uma abordagem mais ampla Tanigute (1998) aponta que a mastigação

irá propiciar movimentos precisos e coordenados, que serão necessários para a

deglutição fisiológica normal e a fala. Porém, destaca que o ato mastigatório é

essencial na prevenção dos distúrbios miofuncionais; ele dará continuidade à

estimulação da musculatura orofacial, iniciada com a sucção. Será responsável,

também, pelo desenvolvimento dos ossos maxilares, manutenção dos arcos

dentários, estabilidade da oclusão e pelo equilíbrio muscular e funcional.

Não podemos deixar de considerar que a função mastigatória tem uma

evolução gradativa, dependendo de padrões de crescimento, desenvolvimento e

amadurecimento do complexo crânio-facial, sistema nervoso central e erupção dos

primeiros dentes.

Estes aspectos devem ser considerados durante a avaliação do paciente,

ajudando a definir as ações em relação ao tratamento.

Esta foi uma breve visão do trabalho realizado com pacientes portadores de

paralisia cerebral.

22
3- CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa teórica teve como objetivo verificar o trabalho de mastigação

realizado com os pacientes portadores de paralisia cerebral.

Esta função é considerada uma das mais importantes do sistema

estomatognático, uma vez que favorece o crescimento e desenvolvimento crânio-

facial de maneira harmoniosa.

O fonoaudiólogo irá trabalhar com o intuito de inibir reflexos patológicos

presentes.

Para o estabelecimento de hábitos de mastigação os trabalhos apontam a

necessidade da introdução de alimentos sólidos o mais precocemente possível,

bem como a introdução de diferentes texturas de alimentos. O ato de mastigar

sólidos por si só contribui para a inibição de reflexos anteriores e mais primitivos,

fazendo que a criança com paralisia cerebral realize ações, as mais próximas

possíveis dos padrões normais de desenvolvimento.

Observou-se que no tratamento fonoaudiológico é dada grande ênfase a

melhora da postura global do indivíduo durante a alimentação. Sem essa condição

haverá dificuldades em desenvolver um trabalho e conseguir avanços satisfatórios

que melhorem a qualidade de vida do paciente.

Uma dúvida que surgiu durante a pesquisa foi: Qual é o objetivo do

terapeuta quando trabalha com a função mastigatória?

Observou-se nos autores pesquisados uma preocupação com o “como”, “de

que maneira” alimentar uma criança com paralisia cerebral e, principalmente, “com

23
que finalidade”. Foi observado que, na maioria dos casos, a mastigação é utilizada

com o intuito de melhorar outra função, que é a fala.

Quero destacar a importância de se desenvolver um trabalho com

mastigação onde o terapeuta esteja consciente de que a mesma é importante para

o crescimento, desenvolvimento e manutenção do sistema estomatognático.

Bianchini (1998) descreve que enquanto o homem primitivo necessitava

utilizar seu sistema mastigatório em sua capacidade máxima, frente ao tipo de

alimento que ingeria e como ferramenta ou arma de ataque e defesa em suas

lutas; o mesmo não acontece com o homem moderno. Além de utilizá-lo apenas

para sua alimentação, os alimentos passam agora por fases de preparação,

apresentando-se freqüentemente de forma pastosa ou mais amolecidos,

dispensando cada vez mais a ação de uma mastigação eficiente.

Destaca que usando cada vez menos a mastigação, provavelmente

continuaremos a promover uma crescente modificação anatomofisiológica,

aumentando as possibilidades de adaptações e de perturbações em todo o

sistema.

O fonoaudiólogo que aprofundar seus conhecimentos sobre anatomia e

fisiologia encontrará mais de um sentido para o trabalho com a mastigação.

Acredito que o profissional se beneficiará quando tiver clareza de sua atuação e

possibilidades de sua prática.

24
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BIANCHINI, E.M.G. – Mastigação e ATM: avaliação e terapia. In:

MARCHESAN,I.Q.- Fundamentos em fonoaudiologia: aspectos clínicos da

motricidade oral. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan, 1998. p.37-49.

BOBATH, B. & BOBATH, K.- Desenvolvimento motor nos diferentes tipos de

paralisia cerebral. São Paulo, Editora Manole, 1978. 123p.

BOBATH, K.- A deficiência motora em pacientes com paralisia cerebral. São

Paulo, Editora Manole, 1979. 94p.

BRAGA, L.W.- Cognição e paralisia cerebral: Piaget e Vigotsky em questão.

Salvador, SarahLetras, 1995. 137p.

CABRAL, A.C.V. – Paralisia cerebral: aspectos atuais. Femina 22 (1):74-5, 1994.

CRICKMAY, M.C.- Logopedia y el enfoque Bobath en parálisis cerebral.

Buenos Aires, Editorial Médica Panamericana, 1974.158p.

FERRARETTO, I.; FERREIRA, A.; IGNÁCIO, A.; PRADO, A.E.O.; PINTO, M.C.F.;

MOURA, M.J.; RIZZO, A.M.P.- Ações integradas na reabilitação de crianças

portadoras de paralisia cerebral. In: KUDO, A.M.; MARCONDES, E.; LINS,

L.; MORIYAMA, L.T.; GUIMARÃES, M.L.L.G.; JULIANI, R.C.T.P.; PIERRI,


25
S.A.- Fisioterapia, fonoaudiologia e terapia ocupacional em pediatria .

São Paulo, Sarvier,1990. 373p.

FINNIE, N.A.- O manuseio em casa da criança com paralisia cerebral. São

Paulo, Editora Manole, 1980.351p.

FRAZÃO, Y.S.- Paralisia cerebral na clínica fonoaudiológica: primeiras

questões sobre linguagem. São Paulo, 1996. [ Tese – Mestrado – Pontifícia

Universidade Católica]

LACERDA, E.T.- Reflexões sobre a terapia fonoaudiológica da criança

paralítico-cerebral. São Paulo, 1987.[ Tese – Mestrado – Pontifícia

Universidade Católica]

LIMONGI, S.C.O. – Avaliação e terapia fonoaudiológica do paralítico cerebral. In:

TABITH JR.- Foniatria: disfonias, fissuras labiopalatais e paralisia

cerebral. São Paulo, Cortez Editora, 1989. p.77-117.

MARQUES, L.P.;OLIVEIRA, L.A.; SANTOS, N.A.S. – Integração de paralisados

cerebrais: um estudo. Temas sobre Desenvolvimento, 7 (40):16-23, 1998.

MARCHESAN,I.Q. – O trabalho fonoaudiológico nas alterações do sistema

estomatognático. In: MARCHESAN, I.Q.; BOLAFFI,C.;GOMES, I.C.D.;

ZORZI,J.L.- Tópicos em fonoaudiologia. São Paulo, Lovise, 1994. p.86-96.


26
MARUJO, V.L.M.B. – Fonoaudiologia em paralisia cerebral. In: SOUZA, A.M.C. &

FERRARETTO, I.- Paralisia cerebral: aspectos práticos. São Paulo,

Frôntis Editorial, 1998. p.265-99.

MUELLER, H. – Alimentação. In: FINNIE, N.A.- O manuseio em casa da criança

com paralisia cerebral. São Paulo, Editora Manole, 1980. p.131-53.

PIOVESANA, A.M.S. – Paralisia cerebral: contribuição do estudo por imagem. In:

SOUZA, A.M.C. & FERRARETTO, I.- Paralisia cerebral: aspectos práticos.

São Paulo, Frôntis Editorial, 1998. p.9-45.

SCHWARTZMAN, J.S. – Paralisia cerebral. Temas sobre Desenvolvimento, 3

(13):4-21, 1993.

TABITH JR., A. Foniatria: disfonias, fissuras labiopalatais, paralisia cerebral.

São Paulo, Cortez Editora, 1989. 207p.

TANIGUTE, C.C.- Desenvolvimento das funções estomatognáticas. In:

MARCHESAN,I.Q.- Fundamentos em fonoaudiologia: aspectos clínicos da

motricidade oral. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan, 1998. p.1-6.

27

Você também pode gostar