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Marchesan IQ, Krakauer LH.

A importância do trabalho respiratório na terapia


miofuncional. In: Marchesan IQ, Bolaffi C, Gomes ICD, Zorzi JL. Tópicos em
Fonoaudiologia vol. II. São Paulo: Lovise; 1995. p.155-160

A IMPORTÂNCIA DO TRABALHO RESPIRATÓRIO NA TERAPIA


MIOFUNCIONAL

Dra. Irene Queiroz Marchesan


Diretora do CEFAC – Saúde e Educação
Titulação: Doutor em Educação pela UNICAMP Universidade de Campinas
Endereço: Rua Cayowaá, 664 CEP 05018-000 São Paulo – SP Brasil.
Telefone: 55- 11 – 3868.0818
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Durante muitos anos, o trabalho fonoaudiológico ligado ao sistema


sensório-motor-oral, restringiu-se basicamente à função da deglutição.
Hoje em dia, observamos que outras duas funções do sistema
estomatognático, a respiração e a mastigação, são extremamente importantes
para o crescimento e desenvolvimento do mesmo. A deglutição atípica, seria
muitas vezes, decorrência de um mau funcionamento dessas duas outras funções.
Neste artigo, nos restringiremos a falar somente da respiração, mais
especificamente da respiração oral.
Temos recebido na clínica fonoaudiológica um grande número de pacientes
que chegam encaminhados por ortodontistas, com queixa de deglutição atípica.
Na maioria das vezes, este quadro é acompanhado de respiração oral. Na
verdade, a maioria dos pacientes apresenta uma respiração oronasal (oral mais
nasal).
Perguntamos-nos, por que esse contingente enorme de respiradores orais?
As causas podem ser muitas e citaremos algumas:
• Problemas orgânicos como: rinites, sinusites, hipertrofia de amídalas
faríngea ou palatinas.
• Hipotonia de musculatura elevadora de mandíbula, por causa da
alimentação pastosa, levando à boca aberta com língua mal posicionada.
• Apenas postura viciosa: o paciente (criança ou adulto) simplesmente
permanece de boca aberta, sem muitas vezes perceber isso, não existindo
nenhum empecilho mecânico ou funcional para a respiração nasal.

Em geral, o indivíduo respirador oral, pode apresentar vários sintomas


característicos do quadro hoje chamado: síndrome do respirador oral.

São eles:

• Alterações Craniofaciais e Dentárias


o Crescimento craniofacial predominantemente vertical
o Ângulo goníaco aumentado – face longa
o Palato ogival ou inclinado
o Dimensões faciais estreitas
o Hipodesenvolvimento dos maxilares
o Narinas estreitas ou inclinadas
o Microrrinia com menor espaço na cavidade nasal
o Desvio de septo
o Classe II, over jet, mordida cruzada ou aberta.
o Protrusão dos incisivos superiores

• Alterações dos Órgãos Fonoarticulatórios


o Hipotrofia, hipotonia e hipofunção dos músculos elevadores da
mandíbula
o Alteração de tônus com hipofunção dos lábios e bochechas
o Lábio superior retraído ou curto, e inferior evertido ou interposto
entre dentes
o Lábios secos e rachados com alteração de cor
o Gengivas hipertrofiadas com alteração de cor e freqüentes
sangramentos
o Anteriorização da língua ou elevação do dorso para regular o fluxo
de ar
o Propriocepção oral bastante alterada

• Alterações Corporais
o Deformidades toráxicas
o Musculatura abdominal flácida ou distendida
o Olheiras com assimetria de posicionamento dos olhos, olhar cansado
o Cabeça mal posicionada em relação ao pescoço, trazendo
alterações para a coluna no intuito de compensar este mal
posicionamento
o Ombros caídos para frente comprimindo o tórax
o Alteração da membrana timpânica, diminuição da audição
o Assimetria facial visível, principalmente em bucinador
o Indivíduo muito magro, às vezes obeso e sem cor

• Alterações das Funções Orais


o Mastigação ineficiente levando à problemas digestivos e engasgos
pela incoordenação da respiração com a mastigação
o Deglutição atípica com ruído, projeção anterior de língua, contração
exagerada de orbicular, movimentos compensatórios de cabeça.
o Fala imprecisa, trancada, com excesso de saliva, sem sonorização
pelas otites freqüentes, com alto índice de ceceio anterior ou lateral.
o Voz rouca ou anasalada

• Outras Alterações Possíveis


o Sinusites freqüentes, otites de repetição aumento das amídalas
faríngea e palatinas.
o Halitose e diminuição da percepção do paladar e olfato.
o Maior incidência de cáries.
o Alteração do sono, ronco, baba noturna, insônia, expressão facial
vaga.
o Redução do apetite, alterações gástricas, sede constante, engasgos,
palidez, inapetência, perda de peso com menor desenvolvimento
físico ou obesidade.
o Menor rendimento físico, incoordenação global, com cansaço
freqüente.
o Agitação, ansiedade, impaciência, impulsividade, desânimo.
o Dificuldades de atenção e concentração, gerando dificuldades
escolares.

É importante ressaltar que não necessariamente todos esses sintomas


devam estar presentes para se diagnosticar o quadro de síndrome do respirador
oral.

Por que tanta importância à questão respiratória?

Quando somos bebê, não respiramos pela boca pelo fato da cavidade oral
ser pequena e a língua ocupá-la por inteiro. Quando um bebê está resfriado, ele
em geral fica muito irritado, pois a possibilidade de respirar pela boca é
praticamente inexistente. Ao longo do nosso crescimento, aprendemos que a boca
é também um canal para respirarmos, sendo útil quando se torna impossível a
respiração nasal.
Quando respiramos pelo nariz (juntamente com o funcionamento adequado
de outras funções) há estímulo de crescimento e desenvolvimento facial pela ação
da musculatura que estimula os ossos de modo correto.
Se existe respiração oral, essa estimulação pode se dar de um modo
inadequado, favorecendo um crescimento e desenvolvimento desarmônico.
É lógico que não podemos nos esquecer da carga genética que representa
70 a 80%. Se o indivíduo já tem características para ser classe III e respirar pela
boca, irá acentuar este padrão. O que se pode fazer através do trabalho
fonoaudiológico e ortodôntico é corrigir a respiração e tentar redirecionar o
crescimento, diminuindo ao máximo a possibilidade do prognatismo.
Ao tratarmos de crianças respiradoras orais (4 a 5 anos), sem
características genéticas desfavoráveis e que não tenham problemas orgânicos
que impeçam a respiração nasal, o trabalho fonoaudiológico acontece de uma
forma mais facilitada, pois ao darmos condição de postura correta de lábios e de
língua, e com a manutenção dessa condição, facilitaremos o crescimento a
acontecer mais harmonicamente.
Em relação aos pacientes alérgicos, a fonoterapia visa dar condições de
respiração nasal, quando ele não está em crise. Com esse procedimento, ou seja,
maior uso do nariz quando possível costuma ocorrer uma diminuição das crises,
pois o ar ao passar pelo nariz, é submetido aos processos de limpeza,
aquecimento e umidificação.
Devemos deixar claro, e a família tem que estar informada sobre isso, que a
fonoterapia não irá curar a alergia, mas sim dar melhores condições ao indivíduo
para respirar fora das crises.
O trabalho com o respirador oral não é limitado à fonoaudiologia. Muito pelo
contrário, normalmente temos um otorrinolaringologista e um ortodontista
acompanhando o caso.
Se o paciente chega ao consultório de fonoaudiologia sem uma avaliação
otorrinolaringológica, é nossa obrigação solicitá-la para sabermos se a causa
dessa respiração oral é orgânica ou não. Se for orgânica, dependendo do grau de
comprometimento, muitas vezes não há como começar a fonoterapia. Primeiro
será necessário fazer um tratamento medicamentoso ou mesmo cirúrgico, para
depois iniciarmos a fonoterapia, visando a instalação ou reinstalação da
respiração nasal.
Quanto ao ortodontista, já dissemos, que a respiração oral pode trazer uma
alteração na oclusão e/ou crescimento facial.
A partir de uma documentação ortodôntica, pode-se avaliar o que é
necessário para cada paciente. Outras vezes, faz-se somente um
acompanhamento ortodôntico associado ao trabalho fonoaudiológico no intuito de
recuperação da respiração nasal e isto pode ser suficiente para que o paciente
resolva o problema.
Não podemos nos esquecer que também existem os respiradores orais
adultos. Encontramos dois tipos:
• Os que se tornam respiradores orais na fase adulta
• Os que já eram respiradores orais desde a infância e que só procuraram
tratamento na fase adulta

Quanto ao primeiro tipo, encontramos problemas ao nível muscular e não


ósseo, uma vez que o crescimento facial já havia quando se tornaram
respiradores orais, 90% da face cresce até 13/14 anos e o restante até os 20
anos.
O sucesso terapêutico nesses casos é maior, pois como só tínhamos
alterações ao nível muscular e não ósseo, as mudanças costumam ocorrer mais
rapidamente.
Quanto ao segundo tipo, temos que observar qual aparatologia irá ser
usada, e também, deixar claro que o sucesso na fonoterapia pode não ser de
100%, uma vez que o crescimento craniofacial já terminou e os músculos estão
acomodados sobre as bases ósseas.
O paciente deve estar consciente, antes do início do trabalho
fonoaudiológico, de que algumas alterações podem não ser resolvidas e que
nosso trabalho se restringirá à parte muscular.
Voltando a falar das características dos respiradores orais, podem se
desenvolver problemas associados, tais como:
• Imprecisão articulatória – por hipotonia de língua fazendo com que não
haja articulação correta dos fonemas na fala espontânea, apesar do
paciente conseguir articular corretamente cada fonema isolado.
• Ceceio anterior – pode ser também causado pela hipotonia de língua
associado a uma mordida aberta anterior, comum no respirador oral.
• Ceceio lateral – pela hipotonia de língua, esta se espalha na cavidade oral,
interpondo-se na parte posterior das arcadas dentárias.
• Deglutição atípica – como conseqüência da má postura dos órgãos
fonoarticulatórios e da baixa tonicidade dos mesmos, ou mesmo pela
mordida aberta anterior.
• Mastigação atípica – por hipotonia dos músculos elevadores e por
incoordenação da respiração com a mastigação/deglutição.

Gostaríamos de finalizar este artigo alertando aos profissionais que trabalham


com o sistema sensório-motor-oral, que a deglutição pode não ser o ponto
principal, mas sim pode vir como decorrência do mau funcionamento de outras
funções como a respiração e a própria mastigação.
Trabalhando de forma correta tanto a respiração quanto a mastigação, a
deglutição pode por si só, adequar-se, sem termos que ficar apenas no treino de
“língua na papila”. É importante ainda ressaltarmos, que o trabalho em paralelo
com a tonicidade de língua, lábios, bochechas e musculatura elevadora de
mandíbula deve ser feito, caso haja necessidade.
Em 1870, o autor George Catlin escreve em Londres um livro cujo título
Shut Your Mouth and Save Your Life (Feche sua Boca e Salve sua Vida), hoje
poderíamos plagiá-lo e dizer: “Sem uma boca fechada não há respiração nasal e
sem respiração nasal, devido a todas as alterações que daí advém, não há vida
que seja de boa qualidade”.

Referências Bibliográficas

01. ARONSON, S.L. – Respiratory Function in Relation to Facial Morphology and


the Dentition, in British Journal Orthodontic – Vol 6/1979/59-71.
02. DOUGLAS, C.R. – Tratado de Fisiologia Aplicada às Ciências da Saúde. Robe
Editorial, São Paulo, 1994.
03. ENLOW, D.H. – Crescimento Facial 3ª Edição. Editora Artes Médicas, São
Paulo, 1993.
04. MARCHESAN, I.Q. – O Trabalho Fonoaudiológico nas Alterações do Sistema
Estomatognático In: Tópicos em Fonoaudiologia. Editora Lovise, São Paulo, 1993.
05. SMITH, R. M. – The Relantionship Between Nasal Obstruction and Craniofacial
Growth. In: Pediatric Clinics of North America. Vol. 36/n6/December 1989.
06. WARREN, D. W. et al – The Relantionship Between Nasal Airway Size and
Nasal Oral Breathing. In American Orthodontic Dentofacial Orthopedics. April
1988/289-292.

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