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Artigo de Fonoaudiologia

Avaliação e Terapia Fonoaudiológica com


Respiradores Bucais
Evaluation and Speech Therapy on Mouth Breathers

Resumo gia, poluição ou na vida cotidiana levan-


Atualmente os casos com diagnóstico do ao estresse.
de respiração bucal tem aumentado Em respiradores bucais, muitas vezes,
consideravelmente e as causas podem ser a disfunção muscular pode ser responsa-
inúmeras. O objetivo desse trabalho foi o bilizada pelas alterações entre forma e
Adriana Rahal Lilian Huberman
de descrever a avaliação e a terapia função, pois observamos que as altera-
Krakauer fonoaudiológica com indivíduos que ções da musculatura facial ficam bastan-
apresentam esta patologia. Na avaliação te evidenciadas. A postura labial, por
descreveu-se tópicos que devem ser exemplo, tende a estar alterada. Em ge-
observados pelos profissionais que atuam ral, o lábio superior não cobre os 2/3 su-
com este tipo de patologia, e na terapia periores dos incisivos centrais (Kahn,
sugeriu-se algumas abordagens para a 2000) e o inferior é evertido.
melhora do quadro. Na clínica fonoaudiológica, o que mais
encontramos como causa da respiração bu-
INTRODUÇÃO cal são: alergias (principalmente rinite alér-
Atualmente temos encontrado um gica), hipofuncionalidade da musculatu-
grande número de pessoas, principalmente ra elevadora de mandíbula, impossibilitan-
crianças, que apresentam respiração bu- do postura adequada de língua e lábios,
cal. Podemos verificar este fato, não só nos podendo levar à respiração bucal. Uma
pacientes que procuram algum tipo de outra hipótese que seria a causa de boca
atendimento para tentar melhorar a res- entreaberta ou aberta, seria em relação ao
piração, mas também pelas pessoas que freio da língua. Crianças que têm a inser-
observamos no nosso dia a dia. O que será ção do freio de língua anteriorizado, cos-
que pode estar favorecendo este grande tumam manter a língua no soalho da boca,
número de pessoas com respiração bucal? facilitando a postura de boca aberta, po-
Será que houve aumento no número de dendo induzir à respiração bucal.
casos ou na procura por tratamento? Hi-
poteticamente podemos pensar no tipo de REVISÃO DE LITERATURA
alimentos ingeridos atualmente, em aler- Diversos autores da área fonoaudio-

Palavras-chave: Adriana Rahal*


Lilian Huberman Krakauer**
Respiração bucal; Fo-
noaudiologia; Tera- * Fonoaudióloga Clínica e Professora do CEFAC; Especialista em Motricidade Oral pelo CFFa; Mestranda na Área de
pia; Avaliação; Postu- Fisiopatologia Experimental da USP.
ra corporal. ** Fonoaudióloga Clínica do CEFAC; Especialista em Motricidade Oral; Mestre em Distúrbios da Comunicação pela
PUC-SP.

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lógica, odontológica, médica e fisio-
terápica, fazem referência às altera-
ções causadas por uma respiração
inadequada.
Já no início do século, Angle fez uma
análise sobre as conseqüências da res-
piração bucal.
ANGLE1 observou que a respira-
ção bucal seria a causa mais potente
e constante de maloclusão, entre to-
das as demais causas, com atuação
mais efetiva entre 3 e 14 anos de ida-
de. Para Angle, a respiração bucal
seria indiretamente operante sobre os
dentes, o que desencadearia um de-
senvolvimento assimétrico dos mús-
culos, ossos do nariz e maxilares, e FIGURA 1 - ROCABADO SEATON, M. CABEZA y CUELLO – Tratamiento Articular – Inter-
Médica Editorial, 1979.
desequilíbrio funcional dos lábios lín-
gua e bochechas. Este autor relacio-
na como fatores etiológicos da respi- um delicado equilíbrio deste sobre a
ração bucal mais encontrados: a in- coluna cervical, que deve ser mantido
flamação da mucosa que recobre a ca- para um funcionamento normal.
vidade nasal; a hipertrofia das amíg- A cabeça mantém sua posição ortos-
dalas palatinas e da amígdala tática através de um complexo mecanis-
faríngea; a má formação do septo na- mo muscular. Os poderosos músculos do
sal; as variações relativas à normali- pescoço e da escápula são os que man-
dade dos cornetos. Angle fez, no mes- têm a cabeça e o corpo eretos. O equilí-
mo artigo, as seguintes considerações brio da cabeça depende da região poste-
sobre respiração bucal: rior, dos músculos cervicais e
“Das mais variadas causas das suboccipitais, que relacionam o crânio
maloclusões, a respiração bucal é a mais com a coluna vertebral e cintura
potente, constante, e variada em seus escapular. A parte mais baixa depende dos
resultados... causando desenvolvimen- músculos mastigatórios e da musculatu-
to assimétrico dos músculos, como dos ra supra e infrahioidea.
ossos do nariz, maxila e mandíbula, e O autor enfatizou que a análise do FIGURA 2 - Rolf, I.P. Rolfing – A
uma desorganização das funções Sistema Estomatognático não pode se- Integração das Estruturas Humanas –
MARTINS FONTES, 1990.
exercidas pelos lábios, bochechas e lín- parar-se de sua relação com as estrutu-
gua... Os efeitos da respiração bucal são ras da cabeça e do pescoço, que devem
sempre manifestados na face. O nariz é ser avaliadas em conjunto e ter tratamen- os problemas posturais?
pequeno, curto, com as asas retas; as to integral (fig. 1). Nossa preocupação não é com o tra-
bochechas ficam pálidas e baixas; a boca Em geral, o diagnóstico fonoaudi- balho específico de postura e sim em
fica constantemente aberta; o lábio su- ológico não inclui a avaliação da pos- analisar o paciente como um todo. Na
perior é curto; a mandíbula fica posici- tura corporal do indivíduo. Isto ocorre maioria das vezes, o trabalho com a ins-
onada para trás e tem falta de desenvol- por que o fonoaudiólogo não foi pre- talação da respiração nasal leva o paci-
vimento, sendo geralmente menor que parado para este tipo de avaliação ou ente a uma melhora postural, sem que
o normal em seu comprimento, prova- imagina que apenas o fisioterapeuta tenha ocorrido um trabalho específico
velmente devido a pressões não equili- pode realizá-la. nesta área. Entendemos como funda-
bradas dos músculos”. Desenvolvendo um trabalho clínico mental a correta avaliação. Esta poderá
ROCABADO-SEATON4 discutiu a nesta área, pudemos constatar que a aná- diferenciar se o paciente em questão
importância da relação entre crânio, lise da postura corporal é fundamental para deve ser enviado a um fisioterapeuta ou
coluna cervical e Sistema Estomatog- que a avaliação fonoaudiológica torne-se pode ser trabalhado apenas pelo
nático. Disse que a estabilidade da completa e, desta maneira, o diagnóstico fonoaudiólogo.
posição ereta do crânio (ortostática) é mais preciso. Mas será que o O que observar durante a avaliação
muito importante, uma vez que existe fonoaudiólogo é capaz de avaliar e tratar fonoaudiológica? (KRAKAUER 3 )

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• Com o paciente em pé, devemos mentos paradoxais do tórax não em crise, e dar possibilidade de
observá-lo nos planos Frontal, Sagi- - De dia: respiração ruidosa, respi- respiração nasal.
tal e Dorsal. ração bucal, rinorréia crônica, dor de A terapia inicia-se pelo processo de
• Nos planos Frontal e Dorsal de- cabeça pela manhã, distúrbio de com- conscientização do paciente, isto é,
vemos observar se há simetria dos portamento, distúrbio de aprendizagem, mostrar como acontece a respiração
ombros, escápulas, cotovelos, linha da dormir excessivamente durante o dia. nasal, nos seus processos de limpeza,
cintura, linha do quadril, joelhos e pés Os casos de apnéia obstrutiva do umidificação e aquecimento, além da
• No plano Sagital devemos anali- sono em crianças, em geral, aconte- anatomia do sistema respiratório. Ex-
sar a postura da cabeça: anterior/eixo/ cem devido ao aumento das tonsilas plicamos também a problemática que
posterior. É importante ressaltar que palatinas e tonsila faríngea. O diag- o paciente está apresentando, a neces-
estar no eixo significa que a orelha deve nóstico deve ser feito por um otorri- sidade de se realizar a terapia e as
estar em linha com o meio do ombro. nolaringologista, e este deverá deter- possíveis modificações durante o de-
• Ainda no plano Sagital, devemos minar se o tratamento será medica- correr da mesma.
observar se há anteriorização dos om- mentoso ou cirúrgico. Esta conscientização pode ser fei-
bros. Deve-se tomar cuidado, pois cer- • Fala: desenvolvimento e inteli- ta através de atlas de anatomia, pran-
tos indivíduos apresentam-se “no gibilidade. É bastante comum encon- chas anatômicas e até com figuras
eixo” mas com os ombros anteriori- trarmos imprecisão articulatória em captadas na Internet.
zados (fig. 2.). respiradores bucais, devido à má pos- Após a conscientização, trabalha-
Como observar as características tura de língua e hipofuncionalidade da se com o aumento da propriocepção.
posturais? musculatura estomatognática. Iniciamos com limpeza nasal, para dar
• Através de exame clínico, foto- • Alimentação. possibilidade de respiração. Dentre
grafias e filmagens, lembrando que o • Hábitos orais. outros utilizamos:
indivíduo deverá estar em uma posi- No exame, devemos ainda observar: • Massagem com o dedo indica-
ção pré determinada, sem encostar na • Morfologia da face: proporciona- dor nas laterais do nariz, um lado de
parede, não cruzar pés e mãos e os lidade entre os terços da face e sime- cada vez;
pés devem permanecer paralelos. É tria entre o lado direito e esquerdo; • Assoar o nariz, um lado de cada
fundamental que o examinador não • Tonicidade e mobilidade de lín- vez;
“arrume” a postura do indivíduo, para gua, lábios e bochechas; • Avaliação da aeração nasal com
não modificar a sua postura normal. • Espelho de Glatzel: antes e após Espelho de Glatzel.
• Uma das possibilidades para se assoar o nariz, pois queremos verificar Quando o paciente já tem condi-
fotografar é a utilização de um painel se há maior saída de ar após assoar o ções de manter a respiração nasal, por
quadriculado (10cm x 10cm), que de- nariz; pelo menos 5 minutos iniciamos no-
verá ser colocado atrás do paciente. • Postura de lábios e língua: no vas etapas na terapia. A terapia terá
• É importante que as filmagens e repouso e na deglutição; estratégias individuais, de acordo com
fotografias sejam padronizadas (dis- • Mastigação: boca aberta, coorde- cada paciente, tipo de face, tipo de
tância, posição, iluminação e fundo). nação deglutição/respiração/mastiga- oclusão, o que irá determinar as es-
O que mais devemos observar e ção, tipo de movimento mastigatório; tratégias a serem utilizadas.
perguntar durante a nossa avaliação? • É importante observar se há pre- Às vezes, faz-se necessário o tra-
• História ortodôntica: se usa ou sença de salivação excessiva, que é balho com outras funções estoma-
já usou aparelho, qual o motivo: O in- característica bastante comum em res-
teresse em verificarmos a história or- piradores bucais, devido à baixa pro-
todôntica se dá pelo fato de podermos priocepção, o que faz com que deglu-
levantar hipóteses sobre a forma e a tam menos vezes (fig. 3)
função; Após avaliarmos todos os itens que
• Saúde geral: com maior ênfase à relacionamos acima, discutiremos a
saúde respiratória; terapia.
• Sono: ronco, baba e ressonar; O trabalho visa proporcionar ao
• Muitas crianças que apresentam paciente condições de manter a res-
respiração bucal, têm apresentado sin- piração nasal, mesmo que seja alér-
tomas de apnéia obstrutiva do sono. gico. O paciente alérgico poderá man-
É importante sabermos alguns sinto- ter-se com respiração nasal quando FIGURA 3 - Observar neste paciente:
mas que ocorrem em casos de apnéia: não estiver na crise. O papel do fo- Lábio superior não cobre os 2/3 superiores
dos incisivos superiores; Lábio inferior
- À noite, sintomas mais severos: noaudiólogo é fazer com que estes evertido (pode-se ver a mucosa interna
ronco, enurese, sonambulismo, movi- pacientes percebam quando estão ou do lábio inferior); Assimetria da face.

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trabalho muscular e a adequação das
funções estomatognáticas (figs. 4-7).
Fotografamos posições de lábios
selados e entreabertos na avaliação e
a cada reavaliação, para obtermos
melhor comparação.
É importante estar atento na ma-
neira como nos comunicamos com o
paciente. De uma maneira geral, o pa-
4 5 ciente respirador bucal tem baixa auto-
FIGURA 4, 5 - 29/11/1999 - 10 anos e 11 meses. 4) Lábios selados; 5) Lábios estima. Desta forma, é interessante
entreabertos.
trabalharmos somente com reforços
positivos, estimulando-o a cada me-
lhora, mesmo que seja uma pequena
mudança.
A participação ativa e passiva da
família é fundamental para a evolu-
ção do processo terapêutico. Há mo-
mentos que os pais devem ser ati-
vos, falando e ajudando no trata-
mento. Em outros, devem ser passi-
vos, apenas relatando os fatos ob-
6 7
servados.
FIGURA 6, 7 - 29/03/2000 - 11 anos e 3 meses. 6) Lábios selados; 7) Lábios
entreabertos.
Enfim, a terapia com respiração
bucal requer muita observação, cons-
tognáticas, isto é, mastigação, deglu- Colocaremos como exemplo as fo- cientização e responsabilidade, por
tição e fala. Muitas vezes essas fun- tos de uma menina com respiração parte do terapeuta, paciente e famí-
ções se reorganizam a partir da me- bucal, a qual está em trabalho fonoau- lia. Deste modo, podemos construir
lhora do padrão respiratório, sem diológico há 12 sessões, onde uma terapia de sucesso, devolvendo
que haja necessidade de um traba- enfatizou-se a melhora do padrão res- ao paciente a capacidade de respirar
lho específico. piratório. As etapas seguintes visam o pelo nariz.

Abstract
Speech pathologists working with to describes several issues that should Key-words: Chronic mouth breath-
patients with oral motor disorders be considered when assessing patients ing; Speech pathologist assessment;
frequently encounter children and with chronic mouth breather. This Oral motor assessment and treatment;
adolescents with chronic mouth article will also introduce a treatment Body posture and breathing.
breathing. This article suggests an plan that has been very effective in
approach to evaluating and treating treating those patients and reverting the
those patients. An attempt was made habit with many secondary benefits.

REFERÊNCIAS

1 - ANGLE, E. H. Treatment of maloc- [S.l.]: Thomson Learning, 2000. 4 - ROCABADO-SEATON, M. Cabeza y


clusion of the teeth. 7th ed. 3 - KRAKAUER, L. H. Relação entre res- cuello: tratamiento articular. Buenos
Philadelphia: White Dental, 1907. piração bucal e alterações posturais Aires: Inter-Médica, 1979.
2 - KAHN, A . Craniofacial Anomalies. A em crianças: uma análise descritiva. 5 - ROLF, I. P. Rolfing. A Integração das
Beginner’s Guide for Speech- Tese de Mestrado em Distúrbios da estruturas humanas. São Paulo:
Language Pathologists. Singular. Comunicação pela PUC-SP, 1997. Martins Fontes, 1990.

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