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Marchesan IQ. Alterações da fala e da respiração e suas relações com a aprendizagem.

In: 6º Simpósio Nacional sobre Distúrbios de Aprendizagem: Encontro Paulista de


Fonoaudiologia, Psicopedagogia e Psicologia. São Paulo: Futuro Congressos e
Eventos; 2002. p.105-115

Alterações da fala e da respiração e suas relações com a aprendizagem

Dra. Irene Queiroz Marchesan


Diretora do CEFAC – Saúde e Educação
Titulação: Doutor em Educação pela UNICAMP Universidade de Campinas
Endereço: Rua Cayowaá, 664 CEP 05018-000 São Paulo – SP Brasil.
Telefone: 55- 11 – 3868.0818
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A fala e a respiração são funções realizadas pelos sistemas estomatognático e respiratório


respectivamente. Os fonoaudiólogos entendem a fala como a representação motora da
linguagem. O estudo da fala, como articulação dos sons, é realizado pela Fonética e o estudo
da aquisição dos fones de uma língua é pertinente à Fonologia. Neste texto pretendemos
diferenciar os problemas que causam alterações da fala, o que é a respiração oral, e também
evidenciar como alterações da fala e da respiração podem interferir na aprendizagem
escolar.

1. RESPIRAÇÃO

A medicina, a odontologia, a fonoaudiologia e a fisioterapia estudam, avaliam e


trabalham com o problema da respiração oral.
Isto ocorre porque ao parar de respirar pelo nariz e começar a respirar pela boca
(respiração oral), ou pelo nariz e boca ao mesmo tempo (respiração oronasal), muitas
alterações anatômicas e funcionais podem surgir. Dentre estas alterações algumas são
bastante visíveis, como as assimetrias faciais e os problemas posturais, e outras menos
perceptíveis visualmente, como as alterações oclusais (Marchesan e Krakauer, 1995).
Sempre que olhamos para alguém respirando inadequadamente é fundamental
investigar o que está levando este indivíduo a respirar de forma errada. Em alguns casos a
causa da respiração inadequada ainda está presente e em outros, apesar da causa já ter
sido solucionada a respiração oral tornou-se um hábito.

As queixas mais comuns trazidas pelos pacientes que respiram pela boca, referem-se
a falta de ar ou insuficiência respiratória, cansaço rápido nas atividades físicas, dor nas
costas ou musculatura do pescoço (Farah e Tanaka, 1997), diminuição de olfato e ou
paladar, halitose, boca seca, acordar muito durante a noite engasgado, dormir mal, sono
durante o dia, olheiras, espirrar saliva ao falar, dificuldade de realizar exercícios físicos como
correr, jogar bola, etc. (Marchesan, 1998). As alterações mais comuns de ex-respiradores
orais são, em geral, problemas oclusais, posturais e de má função dos órgãos fono
articulatórios (Subtelny, 1980 e Mc Namara, 1981).
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Como se pode perceber pelos itens levantados anteriormente, vários deles podem
interferir na atenção do indivíduo. Imaginem uma criança que respira pela boca, e por esta
razão, dorme mal todas as noites. No dia seguinte, quando a professora pede silêncio
durante suas aulas, aquela criança que dormiu mal durante a noite, e agora tem que ficar
quietinha prestando atenção começa a cochilar na sala de aula.
Como aprender com sono? Como prestar atenção quando seu nariz está entupido
constantemente? Como se organizar para aprender quando se espirra com freqüência?

A partir de nossa experiência clínica e da literatura existente, classificamos as queixas


e as alterações encontradas no respirador oral, com o intuito de facilitar a identificação deste
indivíduo.

I - Alterações Crânio Faciais e Dentárias:


- crescimento crânio facial predominantemente vertical
- ângulo goníaco aumentado
- palato ogival
- dimensões faciais estreitadas
- hipo desenvolvimento dos maxilares
- narinas estreitas e/ou inclinadas
- menor espaço na cavidade nasal
- desvio de septo
- Classe II, over jet, mordida cruzada e ou aberta
- freqüente protrusão dos incisivos superiores

II - Alterações dos Órgãos Fono Articulatórios:


- hipotrofia, hipotonia e hipofunção dos músculos elevadores da mandíbula
- alteração de tônus com hipofunção dos lábios e bochechas
- alteração do tônus da musculatura supra-hióidea
- lábio superior retraído ou curto e inferior evertido ou interposto entre dentes
- lábios secos e rachados com alteração de cor
- gengivas hipertrofiadas com alteração de cor e freqüentes sangramentos
- anteriorização da língua ou elevação de seu dorso para regular o fluxo de ar
- propriocepção oral alterada
- face assimétrica, visível principalmente em bucinador

III - Alterações Corporais:


- deformidades torácicas
- musculatura abdominal flácida e distendida
- olheiras com assimetria de posicionamento dos olhos, olhar cansado
- cabeça mal posicionada em relação ao pescoço trazendo alterações para a coluna no
intuito de compensar este mal posicionamento
- ombros rodados para a frente comprimindo o tórax
- indivíduo sem cor, muito magro em geral, embora também se encontrem obesos

IV - Alterações das Funções Orais:


- mastigação ineficiente levando a problemas digestivos e engasgos pela incoordenação da
respiração com a mastigação

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- deglutição atípica com ruído, projeção anterior da língua, contração exagerada de orbicular,
movimentos de cabeça
- fala imprecisa com articulação trancada e excesso de saliva; fala sem uso do traço de
sonoridade pelas otites freqüentes com alto índice de ceceio anterior ou lateral
- voz com hiper ou hiponasalidade, ou rouca

V - Outras Alterações Possíveis:


- sinusites freqüentes, otites de repetição
- aumento das amídalas faríngea e palatinas
- halitose e diminuição da percepção do paladar e olfato
- maior incidência de cáries
- alteração do sono, ronco, baba noturna, insônia, expressão facial vaga
- redução do apetite, alterações gástricas, sede constante, engasgos, palidez, inapetência,
perda de peso com menor desenvolvimento físico ou obesidade
- menor rendimento físico, incoordenação global, com cansaço freqüente
- agitação, ansiedade, impaciência, impulsividade, desânimo
- dificuldades de atenção e concentração, gerando dificuldades escolares
- alteração da membrana timpânica, diminuição da audição

Ao listarmos as alterações possíveis de serem encontradas no respirador oral,


podemos perceber o porque de tantos profissionais trabalhando com este tipo de problema.
É fundamental que todos os profissionais da área da saúde e também os da área da
educação, principalmente aqueles que lidam com crianças, conheçam não só as
características do respirador oral como também as conseqüências desta problemática. O
ideal seria o trabalho preventivo realizado por todos, inclusive com orientações sistemáticas
para as escolas. Vale lembrar, que nem todas estas alterações estarão presentes em um
mesmo indivíduo, e que serão mais graves e em maior quantidade na medida em que o
atendimento for tardio ou que existirem predisposições genéticas para que elas se
desenvolvam.

As causas de uma respiração oral podem ser decorrentes de obstruções na parte


anterior do nariz, na faringe ou em ambas. Estas obstruções podem ser mecânicas, como um
desvio de septo, ou ao aumento das tonsilas faríngeas (amídalas palatinas ou adenóide)
(Bacon e Dubois, 1977), assim como podem ser de origem funcional como nos quadros
alérgicos com hipertrofia de mucosa (Kimmelman, 1989 e Smith e Gonzalez, 1989). Além do
exame clínico, observamos que o melhor exame complementar para se avaliar a faringe é a
nasofibroscopia. Com este exame temos uma idéia bastante clara das obstruções
mecânicas.

Apesar das características anteriormente citadas do respirador oral, vamos agora


enumerar as alterações mais freqüentes, e que podem ajudar a identificar o problema
rapidamente. Os sinais e as queixas mais comuns são: olheiras/cara triste, olhar perdido ou
sem brilho, saliva em excesso ao falar, halitose, diminuição do olfato ou paladar, queixas de
dor de ouvido freqüentes, dor nas costas, ronco e baba noturna, sono agitado, sonolência
durante o dia, boca seca ao acordar, alterações vocais e menor rendimento físico e ou
escolar. O menor rendimento escolar no respirador oral, não é por problemas intelectuais,
mas sim porque o sono não tendo sido reparador, faz com que a atenção e concentração
diurna fique menor, dificultando o aprendizado. O menor rendimento físico, acontece porque

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o respirador oral tem uma oxigenação diminuída preferindo, portanto atividades que não
exijam grandes esforços físicos.

Podemos também dividir os respiradores orais, em alérgicos e não alérgicos. Os


respiradores orais, por hábito, por tônus alterado ou por alterações anatômicas, sempre
serão mais fáceis de serem tratados do que os alérgicos, seja por asma, rinite ou sinusite,
não importando há quanto tempo ele é alérgico e a quantos tratamentos já se submeteu.

Afinal porque temos tantas alergias hoje em dia?

O desenvolvimento urbano e industrial moderno produz manifestações alérgicas


respiratórias como asmas, rinites, sinusites, e otites; oculares como a conjuntivite; cutâneas
como urticárias, eczemas e as alergias de contato; e ainda as gastrointestinais como cólicas,
náuseas, vômitos além das diarréias. As causas prováveis das manifestações alérgicas são a
quebra do equilíbrio ecológico associado com o aumento da poluição ambiental. Outras
possíveis causas seriam o estresse da vida moderna e consumo inapropriado e não
controlado de medicamentos, além do uso abusivo de preservativos, conservantes,
agrotóxicos e corantes. Estatisticamente de cada 100 pessoas, 20 são portadoras de algum
tipo de alergia. A asma é a doença crônica mais comum em crianças e gestantes. O número
de doenças alérgicas profissionais (respiratórias e cutâneas) está aumentando, às vezes
causando doenças alérgicas como asma, rinite, eczemas e doenças de auto-agressão
(Principato, 1991 e Saadia, 1981).

Como pudemos observar as causas das alergias variam e nem sempre são fáceis de
serem identificadas assim como tratadas.

O fonoaudiólogo recebe crianças encaminhadas pelas escolas com dificuldades de


aprendizado. As causas destas dificuldades são inúmeras. Dentre elas, podemos citar a
respiração oral, a qual leva o indivíduo a um quadro maior de desatenção e como
conseqüência a um menor rendimento escolar. Esta causa não é muito discutida e, portanto
não se dá muita atenção aos respiradores orais dentro de uma sala de aula. É claro que nem
sempre o fato de respirar pela boca vai levar diretamente a um problema escolar. Esta é
apenas uma das possibilidades a ser considerada pelos professores e pelos pais. Como
dissemos anteriormente, o dormir mal, sempre dificulta o aprendizado e no caso dos
respiradores orais o dormir mal pode ser uma constante em suas vidas. Os quadros alérgicos
também fazem com que a atenção fique diminuída, os pacientes relatam que se sentem
como se estivessem permanentemente meios dopados. Olhar para a face de um respirador
oral seja ele alérgico ou não, é como olhar para alguém que parece estar sempre cansado.
Isto sem falarmos das dificuldades de alimentação que este indivíduo tem. Comer acaba
sendo um desafio para quem tem suas narinas permanentemente obstruídas ou para quem
tem um problema oclusal, o qual muitas vezes surgiu em decorrência da má respiração.
Quem come mal por não poder respirar direito, come pouco, come rápido, não tem bom
aproveitamento do alimento ingerido e portanto ocorrem interferências significativas no seu
desenvolvimento global. Alguns problemas de relacionamento entre os colegas também são
comuns, afinal o respirador oral quase sempre é um mal desportista, muitas vezes parece
não compreender o que os colegas estão falando, pois é difícil manter a atenção durante as
salvas de espirro e, ainda, pela face em geral possuir tônus diminuído, aparenta muitas
vezes ser deficiente mental, o que acaba levando a que seus colegas o discriminem. Ser
respirador oral dentro de uma escola não é exatamente fácil para as crianças. Elas suportam

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todos os problemas causados pela respiração oral e ainda as conseqüências destes
problemas.

Fica evidenciado assim, a importância do diagnóstico e tratamento precoce. Também


podemos perceber a necessidade e a importância dos muitos profissionais que estão
envolvidos no tratamento. Os médicos reabilitando forma e função, os dentistas reabilitando
forma levando a uma melhor função, os fonoaudiólogos reabilitando função, os
fisioterapeutas adequando as posturas corporais, (Hellsing, e L’Estrange, 1987) e até
psicólogos são necessários quando existirem problemas de ordem emocional. Claro que não
é, sempre, necessário toda esta equipe. No entanto, é importante que todos estes
profissionais saibam o que cada um pode fazer para ajudar o respirador oral, e quais são os
limites de seu trabalho para possibilitar um resultado final melhor a cada paciente.

Esta equipe é a de tratamento, mas a equipe mais importante é a constituída pelos


professores, pois se eles estiverem bem informados e souberem identificar os problemas
causados pela respiração oral, assim como suas conseqüências, poderão identificar dentre
seus alunos aqueles que necessitam de atendimento. Desta forma estarão prevenindo e
resolvendo esta problemática tão comum nos dias de hoje.

2 – FALA

A fala é o ato motor que expressa a linguagem. É um processo complexo que envolve
o sistema neuromuscular. Isto significa que a fala depende da integridade da área de Broca,
do córtex motor suplementar, do córtex motor primário, dos tratos piramidal e extra piramidal,
dos núcleos sub-corticais, do tronco cerebral, do cerebelo e dos nervos encefálicos e
espinais. O sistema nervoso, composto por todas estas estruturas, comanda os músculos
que por sua vez produzem os sons isolados ou em seqüência. O volume do fluxo e a pressão
do ar, além da ressonância, também são fundamentais para a produção da fala. Finalizando,
ainda estão envolvidos na produção da fala, os lábios, a língua, as bochechas, o palato mole,
os dentes, a mandíbula, a faringe, a laringe e os músculos da respiração.
Tudo isto é para iniciar dizendo, que sabemos muito bem, que sem linguagem não há
fala, mas que sem todas as estruturas anteriormente citadas, não há fala, e que podemos
estudar a fala independente da linguagem. Em geral nas alterações motoras da fala
encontramos problemas com a respiração, a fonação, a ressonância, a prosódia e com a
articulação dos fones.

A Fonética estuda os sons da língua em sua realização concreta, independente de sua


função lingüística. A Fonética estuda, analisa e classifica a produção e percepção dos sons
da fala. A Fonologia por sua vez é a ciência que estuda os sons da língua do ponto de vista
de sua função no sistema de comunicação lingüística. Seria a parte da gramática a qual dá
conta do conhecimento que os falantes têm dos sons e padrões de sons de sua língua
(Callou e Leite, 1990).

Antigamente as alterações da fala eram classificadas em dislalias quando causadas


por problemas ambientais ou emocionais, disartrias e dispraxias quando existiam problemas
neurológicos e disglossias quando os problemas eram causados por alterações anatômicas.
Esta classificação não era a melhor possível. Para exemplificar, as fissuras lábio
palatinas, por exemplo, eram colocadas dentro das disglossias cujo termo quer dizer
alterações na língua. O único problema, é que o fissurado não tem alteração na língua, mas

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sim fundamentalmente no lábio superior, na maxila e no palato. Por último, tudo que não
tinha causa neurológica evidente, ou não apresentava alteração anatômica, era colocado nas
dislalias que quer dizer alteração da fala. Neste tipo de classificação ficava difícil diferenciar
as alterações de fala de origem fonológica, ou seja, por problemas de linguagem, onde o que
deve ser trabalhado é a linguagem, das alterações de fala, por exemplo, de origem oclusal,
onde o trabalho é muito mais de ordem fonética. Neste último caso o terapeuta vai organizar
melhor o ponto de colocação do fone alterado.
Segundo Zorzi (1998), as alterações de fala podem ser mais bem compreendidas se
as classificarmos como distúrbios fonológicos, distúrbios neurogênicos e alterações músculo-
esqueletais.

Os distúrbios neurogênicos correspondem aos distúrbios de fala resultantes de


problemas neurológicos que afetam a programação ou a execução neuromuscular. Englobam
as dispraxias e as disartrias. As causas dos distúrbios neurogênicos podem ser: vascular,
infecciosa, traumática, tóxica, anoxia, metabólica, ideopática, neoplasia, degenerativa ou
desmielinizante. Pacientes portadores de alterações neurológicas como a esclerose lateral
amiotrófica (ELA) vão ter alterações motoras graves em sua fala, chegando até a anartria,
embora não apresentem em nenhum momento, alterações da linguagem. Pacientes com
doença de Parkinson, também vão apresentar alterações de fala e vocais, mas não de
linguagem de uma forma geral. Existem, no entanto, outras alterações de origem neurológica
que podem apresentar além da alteração motora da fala, uma alteração de linguagem, como
nos casos de alterações de origem vascular, exemplo acidente vascular cerebral, onde
encontramos disartrias associadas à perdas da expressão oral e ou da recepção da
linguagem (Mysak, 1984, Murdoch, 1998).

Os distúrbios fonológicos são as dificuldades encontradas na fala que dizem respeito


ao domínio do padrão fonêmico da língua, na ausência de alterações orgânicas detectáveis.
São os erros encontrados na articulação, os quais formam padrões baseados no traço
distintivo ou processos fonológicos. O alvo do tratamento é eliminar os processos fonológicos
influindo na reorganização cognitiva, ao invés de restringir-se ao nível articulatório. O
tratamento, portanto é direcionado para treinar traços, reorganizar regras e eliminar
processos fonológicos (Yavas, Hernandorena e Lamprecht, 1992).

As alterações músculo-esqueletais correspondem aos distúrbios causados por


problemas na musculatura, ossos ou cartilagens envolvidas na produção da fala. As causas
das alterações de fala de origem muscular podem ser por: paresias, fibroses, atrofia
muscular, perda da mobilidade, fasciculações, alterações de tamanho ou forma. As
alterações de fala de origem esqueletal podem ser por: alterações nos ossos ou na
conformação da face. A ausência de dentes, as próteses, as má-oclusões, por exemplo,
podem afetar enormemente a fala, assim como em alguns casos neurológicos, sem nenhuma
alteração de linguagem presente. Os sons mais afetados nas alterações músculo-
esqueletais, em geral pelas más condições das estruturas orais, são as fricativos alveolares
[s] e [z].

Após esta breve explicação sobre as possíveis causas das alterações de fala e sua
classificação, gostaríamos de comentar que, independente da causa que levou ou está
levando a uma alteração articulatória, quais são os problemas mais comuns de quem fala
errado, e como isto poderia estar influenciando na aprendizagem, mesmo quando o problema
é apenas de origem músculo-esqueletal.

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São muitos os fatos associados com as alterações de fala. Poderíamos citar alguns
sentimentos ou reações comuns por parte de quem ouve aquele que fala apresentando
inadequações: impaciência, rejeição, gozação, imitação, dificuldade de compreensão
gerando confusão, embaraços e pena dentre outros. Por sua vez quem fala errado, também
apresenta sentimentos ou reações que podem gerar alterações no convívio social como:
ansiedade, auto-estima baixa, exclusão, desconforto, insegurança e frustração.
Evidentemente se alguns destes sentimentos estão presentes no indivíduo que fala
errado, ou se algumas das reações citadas estão presentes em quem convive com quem fala
errado, pode-se gerar uma dificuldade de aprendizado pela simples razão da exclusão, que
muitas vezes não é explicitada dentro do grupo.
Conversar com adultos que sempre falaram errado, e que foram excluídos, ou se auto-
excluíram dos grupos a quem pertenciam, pode nos dar uma idéia mais precisa do que é
falar errado, mesmo quando a alteração é pequena para nossos ouvidos. Relatos destes
pacientes nos mostram a importância da correção o mais precoce possível. Dificuldades de
encontrarem emprego, não por falta de competência, mas acima de tudo pela sensação de
serem menos, já é um bom ponto de partida para que prestemos a máxima atenção, mesmo
nos pequenos desvios encontrados na fala. Muitas vezes estamos acostumados a nos
preocupar apenas com as omissões ou substituições, pois estas parecem ser mais
perceptíveis dos que as distorções e imprecisões articulatórias. Mas, são as distorções e
imprecisões que mais afastam o sujeito do seu meio. Quando existe uma omissão ou
substituição em geral é mais simples a resolução do problema, mas quando aparecem sons
distorcidos, é um sinal de que o indivíduo percebeu que o som não estava sendo produzido
adequadamente, tentou uma aproximação do correto, sendo que provavelmente seu esforço
foi grande, no entanto, por mais que tentasse não conseguiu atingir a produção correta do
som. As imprecisões são piores, pois elas não atingem um som ou uma categoria de sons,
em geral elas prejudicam a fala como um todo. Independente de como é a alteração
encontrada, a correção deve ser realizada o mais precocemente possível, para que padrões
não sejam fixados, dificultando não só a correção e instalação de um novo padrão, mas
acima de tudo, dificultando a automatização da maneira correta de falar.

Uma frase ouvida em uma de nossas sessões de terapia dita por um garoto de 12
anos com um pequeno distúrbio neuromotor, o qual atingiu duramente sua fala sem nenhuma
alteração em sua linguagem, pode sintetizar e representar muito melhor o que estamos
querendo dizer, ao invés de inúmeras explicações sobre as dificuldades as quais, quem fala
errado, encontra na escola.
João explicando para mim em resposta à minha pergunta do por que a cada dia que
passava ele estava falando menos, e pior, respondeu: “... eu estou falando, mas meus
amigos não estão me entendendo, então eu chamo a professora, mas às vezes, ela também
não me entende, então se eu estiver no meio da turma eu não consigo colocar a minha
opinião e é por isso, que eu me fecho no meu mundo.”
Para terminar, gostaríamos de colocar que problemas aparentemente menores, como
“apenas respirar pela boca” ou “apenas falar meio enrolado”, podem levar a grandes
problemas na escola ou na vida futura, portanto é de nossa responsabilidade como agentes
da saúde e da educação, estarmos bem informados, não só dos grandes problemas que
causam dificuldades de aprendizagem, mas também, dos pequenos, os quais apesar de
menores, podem deixar grandes seqüelas.

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REFERÊNCIAS

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