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Marchesan IQ. A equipe de trabalho no respirador oral.

In: Krakauer HL, Francesco R,


Marchesan IQ. (Org). Respiração Oral. Coleção CEFAC. São José dos Campos. Ed.
Pulso. 2003. p.163-7

A EQUIPE DE TRABALHO NO RESPIRADOR ORAL

Dra. Irene Queiroz Marchesan


Diretora do CEFAC – Centro de Especialização em Fonoaudiologia Clínica
Titulação: Doutor em Educação pela UNICAMP Universidade de Campinas
Endereço: Rua Cayowaá, 664 CEP 05018-000 São Paulo – SP Brasil.
Telefone: 55- 11 – 36751677
E-mail: irene@cefac.br
www.cefac.br

Trabalhar em equipe, este é o sonho de todos os profissionais que atendem


pacientes que tenham alterações em várias áreas, como conseqüência da doença
que portam. Assim é, com o indivíduo que respira pela boca, ou pela boca e nariz
ao mesmo tempo (respiração oronasal).
Todos nós já conhecemos exaustivamente as conseqüências de se respirar
pela via inadequada. Podemos encontrar alterações: craniofaciais e dentárias; dos
órgãos fonoarticulatórios; das funções orofacias; corporais e outras mais(1-3).
Se existem tantas alterações já podemos imaginar que o trabalho só terá
sucesso quando este paciente estiver sendo tratado por uma equipe de fato. Mas
o que é ser tratado por uma equipe? Quem deve comandar esta equipe? Quem
trata primeiro? Seria uma equipe interdisciplinar, multidisciplinar, pluridisciplinar ou
transdisciplinar? Muitos nomes poucas explicações, ou explicações confusas, e
assim tem sido o dia a dia de quem trabalha em equipes. Podemos não ter muito
claro as diferenças do que são exatamente as equipes multi, inter, pluri ou
transdisciplinares, mas não temos nenhuma dúvida de que os respiradores orais
precisam de tratamento em equipe. Sendo assim vamos iniciar este capítulo
tentando compreender um pouco as diferenças entre os nomes dados às equipes
multi, inter, pluri ou transdisciplinares que, independente do nome, procuram de
alguma forma o trabalho conjunto para melhores resultados nos tratamentos.
Como são, quatro diferentes formas de agrupamento de uma equipe, iniciei
minha busca pelo dicionário, na tentativa de compreender melhor o que cada um
destes nomes significa.
Buscando no Houaiss(4) encontrei as seguintes definições para os termos
abaixo:
Interdisciplinar
1 que estabelece relações entre duas ou mais disciplinas ou ramos de conhecimento
2 que é comum a duas ou mais disciplinas

Multidisciplinar
que contém, envolve, distribui-se por várias disciplinas e pesquisas
Ex: congresso multidisciplinar

Pluridisciplinar
que diz respeito a várias disciplinas ou ramos de pesquisa; multidisciplinar;
interdisciplinar

Transdisciplinar
Não consta no Houaiss

Uma vez que não encontrei este último termo no dicionário procurei saber o que
era o prefixo “trans-” e encontrei a seguinte definição.

da prep. lat. trans 'além de, para lá de; depois de';


1) 'situação ou ação além de': transalpino, transatlântico, transfundir, transgredir etc.; 2)
'travessia, transposição': transmigrar, transpassar/trapassar/traspassar/trespassar,
transportar etc.; 3) 'transferência, cessão': traduzir, transcrever, transferir, transplantar
etc.; 4) 'mudança, transformação': transfigurar, transformar, transmudar etc.; 5)
'negação': transcurar; o V.O. consigna para mais de 800 termos com este prefixo.

Após a consulta ao dicionário busquei alguns autores(5-6) que tratassem do


assunto e acabei por encontrar as seguintes definições:
Interdisciplinar: interação ou síntese entre disciplinas. Desta interação aparece
uma nova linguagem comum a todos.
Multidisciplinar: aproximar diferentes disciplinas, às vezes sem relação aparente
entre elas.
Pluridisciplinar: justapor disciplinas que sejam da mesma área de conhecimento.
Não há a preocupação com a síntese.
Estes primeiros autores consultados, também não falavam em
transdisciplinaridade. Alargando minha busca, encontrei a seguinte definição da
palavra transdisciplinar a qual transcrevo na íntegra.

“Por transdisciplinaridade, entende-se antes de tudo, ao se pôr em relevo o prefixo


trans (que, além da acepção de “através” ou de "passar por" encerra os sentidos
de "para além", "passagem", "transição", "mudança", "transformação", etc.),
aquelas situações do conhecimento que conduzem à transmutação ou ao
traspassamento das disciplinas, às custas de suas aproximações e freqüentações.
Pois, além de sugerir a idéia de movimento, da freqüentação das disciplinas e da
quebra de barreiras, a transdisciplinaridade permite pensar o cruzamento de
especialidades, o trabalho nas interfaces, a superação das fronteiras, a migração
de um conceito de um campo de saber para outro, além da própria unificação do
conhecimento. Vale dizer que não se trata do caso da divisão de um mesmo
objeto entre (inter) disciplinas diferentes (multi) que o recortariam e trabalhariam
seus diferentes aspectos segundo pontos de vista diversos, cada qual
resguardando suas fronteiras e ficando, em maior ou menor grau, intocadas.
Trata-se, antes, de uma interação dinâmica, contemplando processos de auto-
regulação e de retro-alimentação, e não de uma integração ou anexação pura e
simples. O "transdisciplinar" visa à unificação ou articulação, respeitando, todavia
a diversidade” (7)

A partir da elucidação fornecida pelo dicionário, e também a partir das


definições dos autores consultados, procurei fazer algumas considerações para
tentar compreender que tipo de equipe seria de fato melhor, para tratar do
respirador oral.

O termo interdisciplinar pode ser aplicado a um grupo de profissionais que


trabalham em conjunto já que a interdisciplinaridade estabelece relações entre
disciplinas ou ramos de conhecimento. Neste caso é necessário que todos da
equipe tenham um bom repertório de informações sobre as possíveis alterações
do respirador oral. Portanto, um conjunto de conhecimento deveria ser comum ao
médico, ao fonoaudiólogo, ao dentista, ao fisioterapeuta, ao psicólogo, enfim por
todos que estão envolvidos para tratar deste problema. A interação ou síntese
existente entre estes profissionais, para atender o respirador oral, propiciaria um
novo nível no discurso de todos os profissionais envolvidos na questão. A
interação entre os diferentes profissionais e a linguagem comum que se
estabelece entre eles pode ser simples, quando usada apenas para poder haver
troca de conhecimento, ou ser mais complexa quando houvesse integração de
conceitos.

O termo multidisciplinar também pode ser aplicado a uma equipe, mas teria
um conceito um pouco diferente do anterior. O objetivo da equipe multidisciplinar
seria o de aproximar diferentes disciplinas às vezes sem aparente relação entre
elas como se faz em congressos multidisciplinares onde cada profissional fala um
pouco de sua profissão contribuindo desta forma com o conhecimento do outro. O
respirador oral seria trabalhado por diferentes profissionais segundo o ponto de
vista de cada um, não havendo de fato a possibilidade de trocas reais, pois o limite
de cada um seria onde começaria o trabalho do outro. Apesar de haver uma
aproximação das diferentes disciplinas, o respeito pelo que é considerado do outro
é mantido, ficando desta forma, cada profissão resguardada.

Pluridisciplinar seria a superposição ou justaposição de várias disciplinas ou


ramos de pesquisa que sejam da mesma área de conhecimento. Não há a
preocupação com a síntese. Talvez este termo não se aplicaria a equipes de
trabalho no atendimento ao paciente, mas sim estaria se referindo mais a uma
forma de unir conhecimentos.

Retomo as palavras do autor que tão bem definiu a transdiciplinaridade


para comentar este termo. “Transdisciplinar, consiste, por um lado, em acolher as
diferentes modalidades de conhecimento em sua enorme riqueza e diversidade,
num esforço por recolher, integrar, emaranhar e ampliar as visões
compartimentalizadas criadas pelos cientistas, tecnólogos, intelectuais e artistas
em seus diversos campos de atuação, especialmente ao pensarem o novo ou o
inédito e intuírem o futuro. Por outro lado, visa promover, através de sua ação
indutora e catalisadora, a aproximação das disciplinas, a quebra das barreiras e o
trabalho nas interfaces, ao reconhecer o direito de o não-especialista ou o
especialista em sua matéria opinar sobre outras especialidades e matérias
alheias, em vista de sua interação, trespassamento, renovação e fecundação
mútua” (7).

A equipe ideal e a real. Quão distantes está a equipe ideal na prática


clínica? Muitas vezes queremos o ideal, mas realizamos o real. O real para cada
um de nós pode ser aquilo que é possível fazer, ou aquilo que sabemos fazer, ou
ainda aquilo que imaginamos que é o certo, pois só conhecemos esta maneira de
fazer e entendemos que é ela que é a certa.

Pelo que lemos até agora o ideal seria a equipe transdisciplinar, afinal só
nesta maneira de atuar é que nós teríamos a possibilidade de acolher as
diferentes modalidades de conhecimento em sua enorme riqueza e diversidade,
poderíamos ampliar de verdade nossa visão deixando de ser
compartimentalizados em nosso pequeno mundo, teríamos a verdadeira
aproximação das disciplinas com a quebra das barreiras. Mas... ,isto significa que
todos que fazem parte de uma equipe transdisciplinar, têm que antes de mais
nada, baixar a guarda e lembrar que todos aprendemos com o outro e que todos
podemos ser professores e alunos ao mesmo tempo, na mesma situação.
Lembrar que quem já sabe tudo não pode aprender porque não tem espaço para
mais nada. Para existir o transdisciplinar todos precisaríamos aprender a ouvir o
outro, e achar que o outro tem algo a dizer. Para isto precisaríamos que as
hierarquias desaparecessem, que as carreiras chamadas de maior prestígio
deixassem de ser “de maior” e passassem a ser “somente de prestígio”, pois afinal
todas as carreiras têm seu prestigio próprio. O quantificador, mais e menos,
impossibilita o trabalho transdisciplinar.

Poderíamos dizer neste exato momento, que estamos trabalhando no


imaginário, afinal este é o sonho que não existe. Não existe até porque não
permitimos que exista, uma vez que de antemão achamos que isto é impossível
de acontecer. Diminuir egos, deixar de tanta humildade, valorizar a si e ao outro
pode ser um bom começo, para que de verdade, os pacientes possam ser vistos e
compreendidos por uma equipe.

Hoje, independente do nome que a equipe tenha o que podemos observar


é que o paciente é recortado e visto isoladamente por muitos profissionais que de
maneira geral nem se conhecem e nunca se falam, mas o paciente esteve em
todos, e passou por todos os diagnósticos, e teve todas as orientações. Quem
juntou as informações? a equipe? Não, o paciente, que mudo, cego e surdo, a
todos ouviu, por todos foi visto, e passa, sozinho, a cortar e recortar todas as
informações obtidas num trabalho de colagem resolvendo ele mesmo o que deve
ou não fazer, e a “equipe” sorri satisfeita porque (pensa que) cumpriu seu papel.
Referências

1. Marchesan IQ, Krakauer LH. A importância do trabalho respiratório na


terapia miofuncional. In: Marchesan IQ, Bolaffi C, Gomes ICD, Zorzi JL.
Tópicos em Fonoaudiologia II. São Paulo: Lovise; 1995. p.155-60
2. Marchesan IQ. Avaliação e terapia dos problemas da respiração. In:
Marchesan IQ. Fundamentos em Fonoaudiologia – Aspectos clínicos da
Motricidade Oral. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1998. p.23-36
3. Krakauer LH, Rahal A. Avaliação e Terapia fonoaudiológica com
Respiradores Bucais. In: Marchesan IQ, Zorzi JL. Tópicos em
Fonoaudiologia. Rio de Janeiro: Revinter; 2003. p.261-7
4. Houaiss dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva;
2001.Interdisciplinar; p. Multidisciplinar p. Pluridisciplinar; p. 1633, 1977,
2241
5. Michaud G. La pluridisciplinarité. Paris: OECD; 1972.
6. Jantsch E. Interdisciplinaridade: os sonhos e a realidade. Rev Tempo Bras
1995; 121:29-42
7. Domingues I, Oliveira AG, Paula e Silva EM, Capuzzo H, Beirão PSL.
Transdisciplinaridade: descondicionando o olhar sobre o conhecimento.
Rev Fac Ed UFMG [online] 1999: 109-16. Disponível em:
http://www.ufmg.br/ieat/artig/artigos.htm.

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