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OSNI BEZERRA
A POLÍCIA E A VIOLÊNCIA:
representações sobre a PMMA na década de 80 do século XX.
São Luís
2013
OSNI BEZERRA
A POLÍCIA E A VIOLÊNCIA:
representações sobre a PMMA na década de 80 do século XX
São Luís
2013
Bezerra, Osni de Moraes.
67 f
A POLÍCIA E A VIOLÊNCIA:
representações sobre a PMMA na década de 80 do século XX
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________________________________
Prof. Ms. Yuri Costa
(orientador)
Universidade Estadual do Maranhão
__________________________________________________________________
1º examinador(a)
___________________________________________________________________
2º examinador(a)
Ao melhor produzido por mim até hoje, meu
filho querido Otto Dourado Bezerra, à minha
companheira de todas as horas e fonte de
inspiração, Marinilze Dourado, e aos nossos
futuros projetos.
AGRADECIMENTOS
As pesquisas sobre os corpos de polícia ganharam força nos anos de 1970, estimuladas pelos
mais variados campos teórico-metodológicos em História, que se debruçaram sobre o tema.
Trata-se de uma época marcada por lutas sociais, desafios de ordem política, bem como pela
adequação às mudanças de regimes políticos. O presente estudo se propõe a trabalhar o tema
das polícias, em especial da Polícia Militar do Maranhão, e o propalado aumento da violência
nos anos de 1980. Estabelece como foco principal o estudo dos discursos que foram
construídos sobre a imagem desta instituição, PMMA, na década de 80 do século XX. A
pesquisa tem, em específico, a pretensão de analisar a relação desta corporação com os
problemas da violência e da criminalidade, “refletidos” nos artigos e reportagens publicadas
no jornal O Imparcial.
Research on the police forces gained strength in the 1970s, stimulated by the various
theoretical and methodological fields in history, who have studied the subject. This is a time
marked by social struggles, challenges political, as well as the adaptation to changes in
political regimes. This study proposes to work the subject of the police, especially the
Military Police of Maranhão, and the vaunted increase in violence in 1980. Sets as its main
focus the study of the speeches that were built on the image of this institution, PMMA, in the
80s of XX century. Research has, in particular, the claim to analyze the relationship of this
corporation with the problems of violence and crime, "reflected" in articles and reports
published in the newspaper The Impartial.
1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 9
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 60
APÊNDICES ........................................................................................................................... 65
9
1 INTRODUÇÃO
tendo em vista o foco dado nessas obras às análises dos discursos e a suas “validações”, bem
como a sua legitimação através do Estado, com destaque, por interessar mais detidamente a
esta pesquisa, às instituições de manutenção da ordem pública.
Destacam-se nessas obras elementos referentes às políticas públicas e aos sistemas
de justiça envolvidos no processo de combate à criminalidade, importantes norteadores para a
construção deste trabalho. Outros textos, tais como Polícia e Sociedade: gestão de segurança
pública, violência e controle social, de Ivone Freire Costa, e Considerações sobre a história
da polícia, de Claudia Mauch, apresentaram-se fundamentais para compor e delinear os
caminhos a serem percorridos no texto, oferecendo o suporte teórico e um olhar mais aguçado
para observar os documentos utilizados e as questões a serem discutidas.
Quanto à organização do trabalho, destaco que o primeiro capítulo, que tem como
título GENEALOGIA DA POLÍCIA E DO SISTEMA DE POLICIAMENTO, realiza um breve
histórico da Polícia, sua origem institucional no Brasil e no Maranhão. Analisa também a
instituição PMMA dando ênfase a sua atuação na década de 1980. Utilizei para isso,
predominantemente, entrevistas com policiais, além dos discursos das autoridades da época,
encontrados nas chamadas Mensagens dos Governadores.
No segundo capítulo, intitulado POLÍCIA, CRIME E VIOLÊNCIA NOS ANOS
1980, trabalharei com o já mencionado jornal O Imparcial, adentrando na questão da
violência e seu propalado aumento na década de 80 do século XX. O suposto aumento de
crimes violentos é constantemente mencionado por autores como Arriaga (1999), Bercovich
(1999), Dellasoppa (1999), que trabalham com a noção de “década perdida”. Mesmo que tal
expressão tenha sido cunhada tendo como base aspectos econômicos, entendo que, nos
discursos e representações aqui estudados, ele se adéqua ao tema desta pesquisa, até mesmo
porque a economia de um país é geralmente vista como “termômetro” que pode indicar e
revelar, mesmo com limitações, o porquê de determinadas sociedades registrarem altos
índices de violência em períodos de crise econômica.
Farei também uso das análises de autores como Cecília Pires (1985), Teresa
Caldeira (2000), José Piquet Carneiro (1999) e Roberto Bricenõ-León (1999), que igualmente
partem da ideia de que houve uma elevação da violência nos anos 1980, atrelando-a a
diversos indicadores, tais como pobreza, desemprego, subemprego, economia, desigualdade
social e até mesmo ao processo de redemocratização do Brasil, ou melhor, a “relutância” do
processo para se redemocratizar o país. Por relutância refiro-me à transição do sistema
político ditatorial, que, mesmo com seu fim, ainda perdurou (e perdura) através de alguns
12
narrativas. Os campos das análises sociais, políticas e econômicas não se fecham em si, mas
apresentam fronteiras muito próximas, e para darmos conta desse entendimento se deve
observar e levar em conta a intrincada relação dessas experiências e perspectivas humanas
(BARROS, 2008, p. 114-115).
A chamada História Cultural contribuiu sobremaneira para a realização deste
estudo, concedendo a percepção da cultura como uma totalidade de experiências sociais, onde
a prática humana sempre se renova, cria-se e se recria, oferecendo novos sentidos às
atividades de homens e mulheres inseridos na sociedade. Nas últimas décadas do século XX,
parte da historiografia deixou de ver a cultura como algo normalmente fechado, limitado e
específico de grupos particulares, passando a atentar cada vez mais para uma abrangência
maior da noção de cultura na vida das pessoas, entendendo o indivíduo como um ser que já
nasce dentro de um mundo cheio de símbolos, e estes passam a serem produtores de cultura
através de gestos, linguagens e os mais variados modos de se expressar (BARROS, 2004, p.
57).
Assim, ao perceber diversos e variados discursos criados acerca da Polícia Militar
e dos supostos objetivos de manutenção da ordem, observo que os seguimentos sociais aqui
trabalhados se valem de suas posições estratégicas para legitimar as suas ações e opiniões e
assim imporem suas visões de mundo a outros agentes sociais envolvidos nessa trama.
A metodologia utilizada neste trabalho, portanto, tem como foco a tentativa de
interpretação dos discursos através das fontes em estudo, para assim observar a instituição
PMMA como um “todo”: seu funcionamento, sua organização, sua atuação, onde atua e como
direciona suas operações. E como já observado, usando os textos pesquisados para analisar as
interpretações “internas” e “externas” acerca da corporação, mas principalmente embasado
nas fontes documentais já citadas.
Importante destacar que nos primeiros anos da década de 1960 se iniciaram
trabalhos que priorizaram a História da Polícia. Porém, somente na década de 1970 é que tais
obras ganharam um maior impulso, quase sempre abordando as mesmas peculiaridades:
enfoques sobre o monopólio da polícia em relação à legitimação da violência por parte de
seus integrantes, no que tange o combate ao crime (MAUCH, 2007, p. 108).
A historiografia maranhense dispõe de uma acanhada reserva de trabalhos acerca
da Policia Militar. A pesquisadora Regina Faria recentemente abordou o tema através de seu
trabalho, Em nome da ordem: a constituição de aparatos policiais no universo luso-brasileiro
(séculos XVIII e XIX). Porém, trata-se de campo ainda a ser estudado, carente de mais
pesquisas.
15
Nessa acepção, o trabalho tem como intuito contribuir para os estudos sobre a
Polícia Militar do Maranhão, suas relações com a sociedade, além de, quem sabe, ajudar
futuras pesquisas que abordem temas relacionados à manutenção da ordem pública e do
controle da vida social.
16
vivido no período. Nessa perspectiva, foram criados grupos voluntários de aldeões para tentar
proteger as estradas que ligavam as localidades, visando assim oferecer segurança aos
comerciantes e viajantes, constantemente vitimados pelo banditismo local.
A insegurança no período medieval era permanente, havendo a incapacidade e a
indisciplina dos grupos formados, prejudicando suas intenções de impedir as ações dos
chamados “maus feitores”. Com o advento dos Estados-Nação e a centralização dos aparatos
públicos, inclusive da figura do policial, ocorreu uma transformação da justiça, que a
princípio exercia caráter quase exclusivamente privado, tornando-se a partir de então uma
responsabilidade e uma prerrogativa do Estado.
É no bojo da constituição do Estado absolutista, e a seguir do Estado-Nação que a
violência vai perdendo espaço nas sociabilidades cotidiana do mundo ocidental,
permitindo a restrição progressiva de seu uso pelos indivíduos e tornando-a
prerrogativa exclusiva de certas organizações do aparato estatal. A demanda por
segurança acaba por adquirir novo caráter potencializando uma dimensão pública
jamais detectada nas sociedades tradicionais. (SAPORI, 2007, p. 26-27).
1
Compartilha-se aqui o conceito de Estado tal como formulado por Sapori, para quem este deve ser entendido
como organização política que se insere em um determinado território, capaz de acionar os meios de violência
para assegurar um domínio e a pacificação interna (SAPORI, 2007, p.21).
18
extraída dos corpos de primeira linha do exército, tendo como objetivo principal o combate
aos índios e quilombos que preocuparam as elites locais. Esse seguimento social (elites), no
Brasil do XIX, era predominantemente composto por grandes proprietários rurais, que
detinham o controle político e social local, quase sempre visando seus interesses em
detrimento da população em geral. A criação de um órgão repressivo de governo estava
ligada, portanto, à dominação política de grandes proprietários rurais no cenário brasileiro
(COTTA, 2006; FERNANDES apud PEREIRA, 2009).
Isso posto, entendo que a gênese do aparelho repressor (no caso aqui a Polícia
Militar) tem sua construção histórica associada ao próprio desenvolvimento do que hoje
conhecemos como Estado, tendo esta instituição como objetivo principal o controle social, ou
seja, dominar a população em geral e alcançar a tão almejada “ordem e paz pública”.
A Polícia Militar do Maranhão foi criada pela Lei provincial nº 21, de 17 de junho
de 1836, e denominada à época de Corpo de Policia da Província do Maranhão, sendo
inicialmente composta por 412 praças, um estado maior e quatro companhias de infantaria.
Segundo Vieira Filho, em sua síntese histórica sobre a Polícia Militar do
Maranhão, o mencionado corpo de polícia se converteu na gênese da atual Polícia Militar do
Estado. O autor informa ainda haver nesse período um considerável “quadro de perturbação
da ordem no interior da província” (VIEIRA FILHO, 1975, p.16), perturbações essas
preocupantes ao seguimento branco (homens livres) da sociedade do século XIX. Havia,
naquele momento, um medo crescente de revoltas populares e escravas como as ocorridas
durante o período da Regência em todo o Brasil (ABRANTES, 2002, p.18-19).
Com o surgimento da Lei nº 21, foram extintas as antigas Companhias de Guardas
Municipais permanentes das cidades. A substituição das Guardas Municipais pelo Corpo de
Polícia veio atender uma necessidade das elites do XIX, sobretudo de proprietários rurais, que
enfrentavam sérios problemas com quilombos, índios, ciganos e ladrões de gado, que “davam
trabalho às autoridades públicas”. A composição de um aparato de polícia provincial foi,
portanto, mais um mecanismo encontrado para reprimir as ações dos chamados perturbadores
da tranquilidade pública (VIEIRA FILHO, 1975, p. 13).
Na primeira metade do século XIX, o Maranhão passou por um intenso número de
conflitos, tais como a Setembrada (1831) e a mais conhecida de todas as revoltas populares no
Estado, a Balaiada (1838-1843). Regina Faria, em sua analise sobre a montagem dos aparatos
20
policiais no Maranhão, afirma que entre 1830 e 1850 tais aparatos foram criados com a
finalidade de combater os quilombos de escravizados fugidos, que “conturbavam a ordem e o
sossego público da Província” (FARIA, 2007, p. 165).
A função de uma corporação policial na primeira metade do século XIX era
predominantemente desempenhar o patrulhamento, as rondas e as diligências tanto na capital
como no interior da Província. Seus quadros eram formados por “todos aqueles aptos a
exercer tal função”, mas havia a preferência por oficiais do exército, que usufruiriam de todas
as prerrogativas de seus postos e patentes anteriores (artigo 5° da Lei n° 21 de 1836) ao
adentrarem nas fileiras do Corpo de Polícia2 (VIEIRA FILHO, 1975, p 17).
O Corpo de Polícia da Província do Maranhão realizava patrulhas periódicas,
sendo estas feitas pelos praças (soldados), sempre orientadas por um comandante e realizadas
a todo memento do dia e da noite nas ruas das cidades, com a finalidade de manter a ordem.
Segundo Regina Faria:
construindo-se outras áreas, como o 8° Batalhão de Trânsito (8° BPM), o Quartel do 1° BPM
(atual Academia de 1993) etc. (SOUZA, 2006, p.138).
Entendo que os gestores acima mencionados restringiram suas ações à
reestruturação física da PM, pois não contribuíram muito no que tange a políticas públicas de
segurança, pouco fazendo nesse sentido. A caracterização da omissão das autoridades em
relação à segurança pública pode ser percebida nos discursos dos governadores, registrados
nas chamadas Mensagens dirigidas à Assembleia Legislativa do Estado, onde sequer alguns
fazem referência à Polícia Militar dentro em suas ações de governo para a área de segurança.
Ainda durante o governo de Nunes Freire foi implementada a Lei estadual nº
3.602, de 4 de dezembro 1974, a chamada Lei de Organização Básica da Polícia Militar do
Maranhão, onde consta a necessidade do aumento do efetivo da corporação, aumento este
proposto pelo então governador. Entretanto, o documento perpetua uma discrepância descrita
pelo próprio governador em seu relatório à Assembleia, referente à competição desigual em
relação ao mercado de trabalho civil, sendo a este, oferecido melhores salários e condições de
trabalho que a Polícia Militar do Maranhão (FREIRE, 1979, p. 264-265).
No tocante aos salários e condições de trabalho, pode-se observar a fala do
Soldado PM 010/83 AROUCHE, ao dizer em entrevista:
3
Sobre esse tema, cf. PEREIRA, Luciana Baroni. Mulheres fardadas: a participação feminina na polícia militar
do Maranhão. Monografia. 2009, UEMA.
24
Passagem em 19794, entre outras que fizeram parte do cenário político durante do governo
de João Castelo (COSTA, 1997, p. 13).
Reforçando as informações apresentadas por Wagner Cabral, o CBPM/64 ELIAS,
já reformado, conta em entrevista que:
4
De acordo com Machado (2009, p. 10), a Greve da Meia Passagem no ano de 1979 pode ser entendida como
“uma série de manifestações pela cidade durante o mês de setembro, encabeçada por estudantes universitários
e reforçada por secundaristas, que saíram às ruas em protesto contra o aumento nas tarifas dos transportes
coletivos urbanos”.
5
Segundo João Castelo, o projeto ITALUÍS é inegavelmente a obra mais significativa de seu governo. Deverá
ele resolver definitivamente o velho problema do abastecimento de água da Capital maranhense (CASTELO,
1980, p. 9).
25
discorre sobre o Sistema Estadual de Justiça e Segurança Publica 6. Segundo Wagner Cabral
da Costa, o governador em referência, também sob a influência da oligarquia Sarney, ajudou a
consolidar a hegemonia deste grupo dentro do processo eleitoral maranhense para o governo
do Estado (COSTA, 1997, p. 11).
Luís Rocha, em mensagem à Assembleia em 1985, assim como os outros
governadores, promete, com o discurso do “novo”, realizações em sua administração:
Estou certo de que 1985 será o grande ano da minha administração. Com a criação
de novas condições internas e o estabelecimento de uma nova mentalidade a nível
nacional, contando com o entusiasmo e o decidido apoio da opinião pública, o
Maranhão certamente verá acelerado o irreversível processo em que estamos
empenhados (ROCHA, 1985, p. 6).
em que se encontrava a Segurança Pública de nosso Estado no período pesquisado, pois tanto
Cafeteira quanto Luís Rocha deixaram de relatar o que estava acontecendo com a Polícia
Militar, suas necessidades, seus problemas de estrutura, sua falta de contingente e a demanda
por uma reciclagem dos soldados em serviço.
Outro aspecto relevante é o tratamento dispensado aos soldados em treinamentos,
que aparecem como uma das reclamações constantes dos egressos na PMMA e, como já
mencionado, é aqui trabalhada como indicador da violência pesquisada. Na declaração de um
sargento reformado que preferiu não se identificar, cria-se uma pequena noção de tais
tratamentos.
O Brasil nos anos de 1980 passa por grandes transformações políticas, sobretudo a
partir da implantação da nova carta constitucional, que objetivou trazer ao país a tão sonhada
redemocratização através dos “direitos fundamentais do homem cidadão”, direitos
vilipendiados pela retrógada postura política ditatorial anterior a tal processo. A chamada
Constituição Cidadã trouxe em seu bojo direitos básicos do ser humano, como a vida, a
liberdade e a integridade física e social, garantias essas, que foram usurpadas durante o
período de “chumbo”.
[...] a cada vinte minutos uma pessoa é roubada no Rio de Janeiro e em São Paulo a
cada quinze minutos, nos primeiros meses do ano de 1984. Em Porto Alegre, no
mesmo período ocorreram 81 homicídios, 1500 furtos e quinze assaltos por semana
a motorista de taxis. Em São Paulo, em 1983, os números foram aterradores: dois
mil assassinatos, seiscentas agências de banco assaltadas, mais de cem mil assaltos à
mão armada, 88 mil casos de roubos (PIRES, 1985, p.5).
Pela primeira vez em sua história, o Brasil tem multidões concentradas em vastas
regiões – morros, alagados, várzeas ou mesmo planícies, - marcadas pela pobreza
homogênea. Nos anos 80 a sociedade brasileira conheceu também, pela primeira
vez, um fenômeno que ficaria conhecido como violência urbana: o início de uma
escalada de crescimento do número de homicídios, sem precedentes na história do
país (MARICATO, 2000, p. 23).
retomada democrática veio a “lenta e gradual melhoria nos indicadores sociais”. Ainda
segundo o mesmo autor, ocorreu neste período um “retrocesso da pobreza no Brasil, assim
como um regresso da miséria de forma geral”, que foram percebidos através dos avanços nos
indicadores de educação, saúde e melhorias no saneamento básico. Mas como se pode
observar essa é uma análise dissonante das demais, que vislumbraram o período como sendo
uma época de extremada violência (SAPORI, 2007, p. 96).
Para ilustrar a preocupação com a escalada da violência e criminalidade,
interessante destacar o texto escrito e veiculado n‟O Imparcial do dia 31 de agosto de 1980:
Todos os textos até aqui expostos se direcionam para uma vertente comum, o
aumento assustador nos índices de criminalidade e violência. Indicam, ainda, uma
preocupação real com a reflexão sobre o direcionamento da escalada de violenta e do crime
nas grandes cidades, principalmente nas capitais do Brasil. Neste interim, emerge o
questionamento: será possível afirmar que no Maranhão, e mais precisamente em São Luís,
essa onda de violência e crimes chegaram a patamares mais elevados do que nos decênios
anteriores?
Os discursos produzidos através da análise documental realizada a partir das
páginas d‟O Imparcial nos fizeram perceber que a onda de criminalidade e violência que
assolava os grandes centros urbanos brasileiros também estava sendo motivo de preocupação
no cenário midiático do Maranhão, especialmente no referido periódico.
Artigos como o publicado no dia 6 de abril de 1984 demonstram claramente a
preocupação com o referido tema:
De repente São Luís virou a capital do medo. A cada dia que passa aumenta a onda
de assaltos e outras modalidades de crimes contra o patrimônio e, em cada cidadão,
vê-se o retrato do pavor, visto que os bandidos que circulam pelas ruas da cidade
não tem o menor escrúpulo em matar [...] (SÃO LUÍS, 1984, p. 8).
Todos os dias o jornal O Imparcial divulgava notícias que tinham como enfoque
principal a “onda de violência” que, segundo esses registros, “assombrava a sociedade
ludovicense”. O mesmo artigo acima citado segue descrevendo como o elevado índice de
criminalidade deixou a sociedade em pânico “como nunca houvera acontecido antes”, e que o
Estado do Maranhão estava vivendo uma “situação caótica” (SÃO LUÍS..., 1984, p. 8).
O aumento demográfico em São Luís tornou-se, nesse momento, pauta de
discussão, pois se associou o crescente número de crimes violentos à “explosão
populacional”. O crescimento populacional, segundo O Imparcial, ocasionaria uma queda nas
oportunidades de empregos, deixando sem perspectiva o jovem maranhense, que
consequentemente cairia na criminalidade, alimentando ainda mais o “famigerado ciclo da
marginalização” (A RAIZ..., 20.10.1983, p. 10).
A Igreja Católica também entrou na discussão, alegando que as origens da
violência nas grandes cidades tinham causas bem mais profundas. Divulga, através de sua
34
assessoria de imprensa, notas com registro de seu repúdio à forma com que as autoridades
iriam “combater a violência nos grandes centros urbanos, apenas com o emprego da força”
(IGREJA..., 1980, p. 2).
A Igreja aborda ainda a questão da violência no campo, categorizando esta como a
“mãe” de todas as violências, já que expulsa os agricultores e os pequenos proprietários, que
vilipendiados de suas terras, vão juntos engrossar as estatísticas de desempregados nas
grandes cidades, ainda que estas não possuam mínimas condições de os integrarem a tais
centros urbanos (IGREJA, 1980, p. 2). Ainda no concernente à Igreja Católica, reporta-se
causas mais profundas, colocando em evidência seu posicionamento, trazendo à tona questões
de âmbito social, econômico e político que estavam sendo postas em debate naquele período.
Segundo Jorge Machado, em “O que se passou em São Luís? representações
sobre a greve da meia passagem em 1979”, o posicionamento da Igreja Católica estava de
acordo com as necessidades intrínsecas ao homem, bem como que a situação de injustiça,
miséria e desigualdade social deveriam ser transformadas à luz da fé, conforme “os ventos da
Teologia da Libertação7” (MACHADO, 2009, p. 29).
Outra problemática em pauta nas discussões da época e também divulgada pelo O
Imparcial consistiu no caso dos meninos de rua, que “infestavam as praças e ruas dos centros
urbanos”. Em São Luís esse problema era visível, não se diferenciando das demais capitais
brasileiras. Corrobora para tal feito matéria publicada no dia 18 de março de 1984, intitulada
“Meninos de rua hoje, bandidos de amanhã”, já vislumbrando, em um futuro próximo, tais
crianças, tidas naquele momento como “inoportunas”, “pedinchões” e “chatas”, como
bandidos de alta periculosidade, “agravando ainda mais a violência na cidade” (MENINOS,
1984, p. 9).
Formava-se assim o cenário das representações sobre a criminalidade e sobre o
elevado índice de violência em São Luís, problemas diretamente relacionados com o avanço
gradual de drogas como a maconha e cocaína. Acerca de tal problemática, reportagens
divulgadas pelo jornal O Imparcial questionavam “de onde vem e como está chegando a
poderosa cocaína?”. Todos os dias o periódico noticiava apreensões de enormes quantidades
de drogas e prisões de traficantes, colocando em debate estes problemas (MACONHA, 1987,
p. 2-6; COCAÍNA, 1987, p. 2; POLÍCIA, 1987, p. 4).
7
Segundo Machado, foi a partir do Concílio do Vaticano II, reunião das autoridades eclesiais católicas no início
da década de 60, evidenciou-se uma abertura maior da Igreja diante de um contexto desfavorável oprimido
quase toda a América Latina. A Teologia da Libertação surge, portanto, “num momento sui generis, emergindo
de uma prática de fé diante da realidade de pobreza do continente” (MACHADO, 2009, p.30).
35
A tal ponto chegou esse estado de coisas, que a violência dos maus tem que ser
combatida com a violência dos bons, criando-se então a necessária embora maléfica,
deturpada e espúria figura da violência preventiva (...). E em todas as cidades do
país vão surgindo as “residências fortalezas” onde os homens de bem, por trás de
“olhos mágicos”, correntes, barras de aço e artefatos eletrônicos, armas brancas e de
fogo se enclausuram e se aprisionam [...] (A RAIZ, 1983, p. 2).
O Imparcial, passavam quase que imperiosamente pela corporação PMMA. Por isso mesmo,
compreendo que é possível analisar tais fenômenos observando as mensagens explícitas e
implícitas do periódico. Significa, ainda, enfatizar de maneira mais crítica as posturas (ações)
da instituição Polícia Militar dentro desse contexto.
Na análise dos discursos sobre a PMMA realizada no próximo capítulo,
construídos nas paginas de O Imparcial, pode-se observar a imagem negativa produzida sobre
a Polícia Militar, constantemente ligada ao contexto da criminalidade e violência urbana,
inclusive, por conta dos inúmeros crimes que envolviam a própria PM e que eram publicados
diariamente neste periódico. As notas, publicações, artigos, manchetes, notícias e reportagens,
produzidas todos os dias e que tinham como alvo central a PM, estavam inerentemente ligadas
aos referidos fenômenos. E praticamente quase todos os textos dos quais a PM fazia parte,
encontrou-se medidas, propostas, sugestões e soluções que visavam não somente com
referência ao período de suas publicações, mas também se preocupavam com a situação
futura, sempre limitadas às ações da corporação Polícia Militar, apresentando o problema de
maneira crítica e parcial.
Nesse sentido, o articulista José Machado publicou no O Imparcial do dia 28 de
janeiro de 1981 artigo elaborando uma possível solução para conter o avanço da criminalidade
no Município de São Luís. Afirmou como medida a ser tomada o policiamento ostensivo,
analogicamente ao resultado vitorioso em outras cidades que passavam pelos mesmos
problemas. Segundo o articulista, o Secretário de Segurança Pública, Raimundo Marques, já
compartilhava dessa estratégia de ação: viam-se viaturas militares em ronda e policiais
militares em patrulhas a pé nas ruas, porém estariam sendo colocados em locais equivocados e
distribuídos de forma errônea. Quanto aos policiais civis, segundo Machado, “eram
invisíveis”, ou seja, não se percebia a presença destes em tais políticas de segurança (DIA-A-
DIA, 1981, p.4).
Em outro artigo, publicado também em 1981, percebe-se a mesma preocupação e
na mesma vertente. Ali é registrado que a Polícia Militar “aparece, mas sempre nas „rondas‟ e,
muitas das vezes, quando os assaltos e assassinatos já aconteceram”. Segue esclarecendo a
inabilidade da PM, já que “raras vezes” é capaz de apreender os autores dos crimes. Diz ainda
o artigo que “é preciso saber discernir policiamento preventivo do policiamento que corre
atrás do bandido após o crime” (COMBATE, 1981, p. 3).
A preocupação com a segurança pública não estava limitava apenas à opinião dos
articulistas de jornais, mas semelhantemente preocupava diversos estudiosos, pesquisadores e
interessados nesta questão. Inúmeros trabalhos foram realizados neste sentido, estudos estes
38
que diariamente eram publicadas n‟O Imparcial atribuindo culpa a Polícia Militar por toda
onda de violência que assolava a população do Maranhão. Enfatizando tal situação temos a
matéria do dia 4 de abril de 1986, acusando a PM de ser “inoperante”. Por outro lado, as
críticas destiladas pelo periódico em raras ocasiões, ou quase nenhuma, questionavam as
políticas de segurança pública de forma mais ampla e muito menos as autoridades
responsáveis por sua idealização e execução (MAIS UMA VEZ, 1986, p. 3; VIOLÊNCIA,
1984, p. 2).
Segundo Amêndola, todos os órgãos sociais devem ter suas responsabilidades
frente ao contexto de violência, a ineficiência destes, como já referido acima, acarreta em
“sobrecarga” do trabalho policial no combate à criminalidade. O policiamento preventivo
seria a solução primordial na luta contra a criminalidade, porém uma das melhores de lograr
êxito se faz através de alianças entre os diversos órgãos responsáveis pelo setor de segurança,
englobando as esferas federais, estaduais e, principalmente, a esfera municipal.
Uma destas entidades seria mais abastada de condições e capacidades de reverter
o quadro favorável à criminalidade, segundo Amêndola, trata-se dos municípios.
Brasil. Valendo-se do pensamento desenvolvido por Hélio Bicudo, as polícias nos moldes
atuais, compartimentalizadas em polícia militar e civil, não atenderiam mais as necessidades
sociais referentes à segurança pública (SOARES, 2006, p.102; BICUDO, 2000, p.91).
Trata-se de um modelo esgotado e que fora montado nos anos da ditadura militar,
para a segurança do Estado, na linha da ideologia da segurança nacional, segundo a
qual quem não é amigo é inimigo, e como tal deve ser tratado, linha de atuação que
qualificou, naquele período da nossa história, a atuação da nossa polícia (BICUDO,
2000, p. 91).
analisar e propor ações que possam encontrar soluções para estes problemas sociais (SILVA,
2006, p. 47-48).
Nesse sentido, propostas objetivando combater a violência e a criminalidade vem
sendo implantadas desde o fim da década de 1980, colaborando significativamente com maior
ou menor intensidade, para o enfrentamento da violência e do crime. Já pude destacar como
todas essas proposições passam, inevitavelmente, pelo papel desempenhado pela Polícia
Militar e por sua atuação junto à sociedade.
Os problemas advindos dos fenômenos da violência e da criminalidade são
complicados demais para serem deixados apenas sob responsabilidade das polícias. Contudo,
como já demonstrado pelos autores utilizados neste trabalho, estes fenômenos são frutos de
diversos fatores e oriundos das mais variadas mazelas sociais que afligem nossa nação. “A
sociedade entende que é muito arriscado dar carta branca a um grupo organizado e armado,
como as polícias, e, por isso, impõe restrições à própria discrição em suas ações. E isto é o
que conhecemos como “estado de direito” (PANDOLFI, 1999, p. 119).
O autor Beato Filho, em sua obra Políticas públicas de segurança e a questão
policial, afirma ser o crime “coisa muito séria” para ficar apenas nas mãos das autoridades
policiais e do poder judiciário, pois tais fenômenos, segundo ele, estão inseridos em
dimensões que perpassam o trabalho policial, que necessita a cooperação das mais variadas
instâncias tuteladas pelo Estado e, principalmente, daquelas que possuem força atuante dentro
da sociedade. Para o autor, o responsável por tal dinâmica é o Estado, detentor do poder de
mobilizar as organizações que atuam nas esferas da educação, saúde, planejamento urbano,
assistência social e, é claro, da segurança pública (BEATO FILHO, 1999, p. 25). No próximo
capítulo analisaremos de forma mais detida a imagem da Polícia Militar do Maranhão nas
páginas d’O Imparcial.
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Nesse aspecto, temos o disposto por Yuri Costa: “Por vezes, as notícias divulgadas em
periódicos se apresentam bastante parciais e tendenciosas, na medida em que são tratadas
como uma espécie de „produto‟ a ser comercializado e, assim, tornadas „atraentes‟” (COSTA,
2004, p. 84).
Os discursos oficiais tendem a exercer, sobre os demais discursos, uma série de
pressões coercitivas, principalmente àqueles possuidores de grande alcance de público, tendo
em vista que se apoiam em uma “verdade” oficiosa, podendo ser de mecanismos midiáticos
ou do próprio Estado, ganhando assim um “estatuto de verdade” (FOUCAULT, 2003, p. 17-
18). Ainda sob a ótica de Foucault, podem ser percebidas as intenções discursivas de quem
veicula as notícias, tanto das autoridades, como das pessoas que produzem as informações que
saem nos noticiários. Então se observa, a partir desse ponto, as diferentes matizes dos
discursos que tentam legitimar suas opiniões (estratégias) e, consequentemente, impor seu
poder de convencimento sobre as pessoas. Parte-se do princípio de que as reportagens d‟O
Imparcial seguem essa mesma lógica, legitimando suas opiniões sobre os demais e
“induzindo” seus leitores a determinadas representações.
No tocante ao noticiado por O Imparcial e pelos gestores do Estado, através de
mensagens direcionada à Assembleia, observarei as tentativas de legitimação os discursos
veiculados como mecanismos de comunicação de massa. Utilizo, para tal, as notícias d‟O
Imparcial e, assim, analiso questões relacionadas à violência e à criminalidade em São Luís,
averiguando a produção de uma imagem depreciativa da corporação PMMA.
No dia 18.03.1980, um dos articulistas de O Imparcial, Jose Carlos Sousa Silva,
publicou texto demonstrando claramente sua preocupação com o aumento da criminalidade e
da violência, intitulado: Em São Luís, a criminalidade vem assumindo, ultimamente, uma
posição assustadora (CRIMINALIDADE, 18.03.1980, p. 4). Notícias como furtos, estupros e
homicídios eram publicadas constantemente nas paginas do jornal. Tais matérias,
repetidamente publicadas, são entremeadas de reportagens aguçadas pelas “estratégias da
fala” de seus produtores, indicando que a criminalidade e a violência estão associadas ao
cotidiano de São Luís naquele período.
Já o então governador João Castelo, em mensagem à Assembleia naquele mesmo
ano, afirmou, através da SEGUP (Secretaria de Segurança Publica), que seu objetivo se
ancorava em “promover a segurança coletiva e diminuir os índices de criminalidade do
Estado”, discorrendo ainda sobre a promessa de ser sua gestão responsável pela
disponibilização, à referida Secretaria, de “todos os recursos”, tanto material como financeiro.
O mesmo prossegue afirmando:
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Teresa Caldeira, a violência e o crime não existem isoladamente na sociedade brasileira, “mas
sim num tenso diálogo com a consolidação democrática” (2000, p.45).
As práticas policiais vinculadas à ditadura militar deixaram no imaginário social
uma imagem negativa das polícias, principalmente da PM. Aliado a tais fatores, temos o
crescente número de reportagens de crimes cometidos por policiais apresentados
reiteradamente à população, causando uma sensação ainda maior de insegurança.
Nesse período, segundo Francis Albert Cotta, em Breve histórico da Policia
Militar de Minas Gerais, as polícias militares foram acusadas de serem violentas e
ineficientes, fazendo, assim, “sua ligação com a estrutura de poder do período anterior”
(ditadura) (COTTA, 2006, p. 137). Mas, segundo Caldeira (2000), tanto a violência estatal
como a civil podem ter outras explicações que não somente as de as atrelar à ditadura,
considerando outros aspectos, como o demonstrado pela referida autora em sua obra Cidades
de muros: crimes, segregação e cidadania em São Paulo:
pretenda travar aqui uma “cruzada” em favor de partes específicas, mas, antes, contribuir na
medida do possível para o entendimento do fenômeno da violência na década de 1980.
Na primeira metade da década de 80 do século passado, O Imparcial noticia caso
de grande repercussão no seio da sociedade ludovicense. Destaca suposto envolvimento de
policiais em crimes sexuais contra crianças e adolescentes recolhidos de uma festa no bairro
de Fátima, e que, portanto, estavam sob a responsabilidade da DSPM (Divisão de Segurança e
Proteção ao Menor), órgão da Secretaria de Segurança Pública do Maranhão. O crime teria
sido cometido por comissários desta unidade (ESCANDALO, 1982, p. 2).
A tortura, como sabido, era instrumento usual nos interrogatório das polícias do
período ditatorial, configurando-se em recorrente tema das manchetes estampadas nas páginas
de O Imparcial na década de 1980. As notícias destacam serem tais práticas ainda
corriqueiras. Afirmações como essa contribuíam para reforçar a imagem debilitada e
corrompida da polícia frente à sociedade, principalmente da PM, que estava em contato direto
com a população (JOVEM, 23.03.1981, p. 2; POLÍCIA, 17.01.1982, p. 3).
A destacada “sensação de insegurança” foi acentuada pelo O Imparcial no ano de
1983, quando bastante propalada a suposta existência de um “esquadrão da morte” no
Maranhão. Os integrantes desse esquadrão seriam agentes da segurança pública. A suspeita da
existência de tal grupo de extermínio surgiu após o aparecimento de inúmeros corpos,
executados por disparos de arma de fogo, em lugares ermos (ESQUADRÃO, 3.12.1983, p.6).
Em entrevista publicada no dia 3 de dezembro de 1983 ao jornal aqui pesquisado,
o Coordenador Geral de Segurança Pública, coronel João Ribeiro Silva Junior, comenta
acerca de tais fatos. Nega, entretanto, qualquer possibilidade da participação de policiais ou
mesmo a existência de grupo de extermínio.
As notícias sobre violência eram recorrentes e dentre as mais publicadas se
destacavam denúncias de torturas cometidas pela polícia nas delegacias de São Luís,
principalmente na Delegacia de Roubos e Furtos, onde, segundo diferentes matérias, era local
onde se cometia tal abuso com maior frequência (POLÍCIA, 22.05.1984, p. 2).
Com maior visibilidade foi destacado um caso de tortura, ganhando várias páginas
de O Imparcial, Trata-se o caso da morte de José de Ribamar Messias, conhecido como
“Coletor”, assassinado dentro das dependências da Delegacia de Roubos e Furtos. O então
delegado titular, Luís Moura, informou que seriam investigadas as “causas da morte” da
vítima, bem como seria instaurado um IP (Inquérito Policial) para apurar as causalidades do
fato. Os exames cadavéricos emitidos pelo IML (Instituto Médico Legal) confirmaram que a
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causa da morte da vitima teria sido “hemorragia interna e poli traumatismo, ou seja, morte por
espancamentos” (POLÍCIA, 14.09.1984, p. 9).
O fragmento a seguir informa a preocupação com tais torturas:
Continuam crescendo em São Luís as denúncias de torturas contra pessoas que são
detidas apenas como suspeitas por agentes da Secretaria de Segurança. Os comandos
não tomam nenhuma providencia para punir os culpados (POLÍCIA, 13.07.1984, p.
2).
8
Sobre determinação superior e prisão militar ver o RDE (Regulamento Disciplinar do Exército), norma que
regula a PMMA.
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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
debruçaram sobre o tema, utilizados na pesquisa, foi possível observar que no Maranhão e
especificamente em São Luís, a insegurança, o medo e a suposta “crescente onda de crimes
violentos” não eram exclusividade maranhense, mas algo que se encontrava em outras
localidades. Ou seja, em São Luís a situação não era diferente de outros lugares do Brasil e do
mundo.
Dentro desse quadro de insegurança gerado pela criminalidade e a violência,
muito se discutia acerca de possíveis soluções, medidas e propostas para combater tais
fenômenos, soluções estas apresentadas através das reflexões dos autores em suas obras.
Lembrando que, todas essas proposições inevitavelmente passavam com maior ou menor
intensidade pelas ações da Polícia Militar. Havia a defesa de medidas como o policiamento
comunitário ou o policiamento ostensivo-preventivo, que vislumbravam a eficácia e
fundamentavam algumas propostas que, por mais que não pudessem acabar com a
criminalidade, ao menos diminuiriam a escalada de violência.
No último momento deste trabalho, analisou-se outro modelo de discurso
disponível sobre a Polícia Militar do Maranhão na década de 80 do século XX, discursos
estes, que em algumas ocasiões coadunavam-se com as falas dos governadores e em outras às
contestava. Procurou-se, especificamente, analisar as representações “produzidas”,
“fabricadas”, n‟O Imparcial acerca da PM, através de seus artigos, notas, imagens,
publicações e reportagens, divulgados diariamente no jornal maranhense. E a “imagem”
encontrada acima de tudo foi a mais depreciativa e negativa possível.
As reportagens diárias e constantes d‟O Imparcial sobre a Polícia Militar a
apresentava como instituição desonesta, inoperante, inerte, corrupta e atrelada a quase todo
tipo de crimes que assolava o Estado do Maranhão naquele período. O que se vitrinizava
diariamente nas manchetes do periódico era que a população vivia muito mais amedrontada
do que protegida, pois quem deveria servir e “proteger” (a polícia) não estava cumprindo com
suas obrigações. Creio, que tal insegurança aumentava ainda mais, quando eram noticiadas
reportagens onde os autores dos crimes eram agentes de segurança pública, contribuindo de
forma sensível para a construção de uma representação negativa da Polícia Militar.
O que se observou, no entanto, foi que a “péssima” atuação das polícias e, em
específico, da PM, provém de “reportagens-mercadoria”, que “fabricam opiniões” devido à
amplificação de fenômenos diversos a afligir toda e qualquer sociedade. Encobre a atuação de
políticas incompetentes, desordenadas e ineficientes das autoridades responsáveis, que não
agiam com rigor no sentido de punir os maus policiais e fornecer as condições necessárias
para os bons profissionais exercerem e cumprirem suas funções.
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Ficou claro dentro desse panorama que a maior parte das reclamações e críticas
referentes à segurança recaía sobre as polícias, e mais detidamente sobre a PM, que é
responsável pelo policiamento preventivo e ostensivo. Mas no que tange às políticas de
governo para área de segurança quase nada se questionava, não se observando que o trabalho
da PM estava inserido dentro de um contexto mais geral de políticas, bem como que o
malogro destas ações repercutia erroneamente no trabalho desempenhado pela instituição.
Sendo assim, o trabalho centralizou suas preocupações no estudo das polícias, no
caso, da Polícia Militar do Maranhão, e sua relação com a violência e criminalidade.
Procurou-se, ainda, analisar as imagens e estratégias (discursos) construídas sobre esta
instituição no Maranhão na década de 1980 pelo jornal pesquisado. Partiu-se, então, do
entendimento que o periódico construiu representações sobre a corporação, por conta de seu
alcance midiático entre a população, ou seja, devido a seu poder amplificador de criar
generalizações coletivas, através de “reportagens-mercadoria” e de suas notas, artigos e
reportagens.
Pretendeu-se, ainda, tentar desvincular a ideia de que a PM naquele conjunto de
circunstâncias era apenas o “braço armado do Estado” e “detentora exclusiva” das ações
violentas. O que deve ser observado, por fim, é que a corporação também faz parte da
sociedade, nela adquirindo sua forma, compartilhando de todas as transformações e problemas
que afligem a sociedade de modo geral, no caso especifico dos fenômenos trabalhados na
pesquisa, da violência e da criminalidade que fazem parte do cotidiano social.
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REFERÊNCIAS
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ENTREVISTAS
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MENINOS DE RUA hoje, bandidos amanhã. O Imparcial. São Luís, 18 mar. 1984, p. 8.
O IMPARCIAL promoverá debate sobre violência. O Imparcial. São Luís, 28 jul. 1985, p. 3.
POLÍCIA CIVIL pode ser extinta. O Imparcial. São Luís, 07 jul. 1989, p. 8
POLÍCIA faz operação e apreende maldita cocaína que invade São Luís. O Imparcial. São
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POLÍCIA militar não contribui com a civil. O Imparcial. São Luís, 30 nov. 1983, p. 8.
SETE agentes demitidos por tortura na SEGUP. O Imparcial. São Luís. Polícia, 1981, p. 24.
VIANA vence o caos, o medo e o terror: pistoleiros já saíram da cidade. O Imparcial. São
Luís, 28 mar. 1987, p. 8.
APÊNDICES