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GROISMAN
A ARTE DE
PERDOAR
TERAPIA SISTÊMICA BREVE
NO CASAMENTO
E NA INFIDELIDADE
RIO DE JANEIRO
2013
( $
'Húdeo-
PESQUISAS
PREFÁCIO
Avaliando, Atualizando e
Acrescentando
Moisés Groisman
s
I
SUMÁRIO
1 Eu e o Perdão 9
2 0 Primeiro Contato 17
3 O Modelo Sistêmico-Vivencial 25
4 Exercícios Sistêmico-Vivenciais 63
5 Exercícios Sistémico-Racionais 77
Referências 194
1
EU E O PERDÃO
E u me perguntei por que, aos setenta e dois anos, resolvi escre
ver um livro sobre o perdão.
Algumas respostas objetivas: porque seria sobre um tema
pouco explorado na literatura sistêmica; porque seria a concreti
zação de um curso sobre esse mesmo tema que havia realizado; e
porque estaria aproveitando a oportunidade de, vinte anos depois,
fazer um a revisão e atualização do modelo sistêmico-vivencial de
terapia familiar breve que criei em 1992.
Nenhuma delas me satisfez. Foi quando - eureca! - resolvi
olhar para qual era a etapa do ciclo de vida que estava atravessan
do nos meus diferentes núcleos (segmentos) familiares: ascendên
cia, conjugal, descendência.
Desses, o da ascendência, particularmente, me chamava a
atenção. Do meu pai, falecido há vinte e dois anos atrás, eu havia
me despedido no livro Família, trama e terapia (2006), enquanto
que m inha mãe, com noventa e oito anos, estava caminhando se
renamente para, um dia, morrer.
Teria algum acerto de contas a fazer com ela? Precisaria per
doá-la por algum comportamento em relação a mim? Afinal, fui
o primeiro filho, o mais velho de três, e sabemos que o mais velho
11
sofre geralmente com a inexperiência dos pais, o que se acresce
do fato de que a m inha mãe, após o casamento, foi m orar longe da
sua família (parte estava no Rio de Janeiro, quatro irmãos, e parte
em Recife - onde ela nasceu -, os pais e mais dois irmãos), em
Campos, onde residia a família do meu pai.
Imaginem, há setenta e dois anos atrás, ela, com vinte e seis
anos, morando num a cidade do interior, sem o apoio da sua rede
familiar. Tanto meu pai quanto m inha mãe eram os caçulas das
suas respectivas famílias, o que lhes emprestava características pe
culiares.
M inha mãe também era a mais jovem das cunhadas, o que a
colocava num a posição de certa inferioridade e, em função da for
mação intelectual que recebeu na metrópole (passou alguns anos
com uma das irmãs no Rio de Janeiro) não conseguia estabelecer
com as mulheres da família do meu pai, e mesmo com a pequena
comunidade judia, um diálogo que lhe agradasse. Dedicava-se à
casa, a cuidar dos filhos e a sair com meu pai nos fins de semana.
Meu pai era o imigrante típico, trabalhando primeiramente
como prestamista (vendia roupas, de bicicleta, nas casas dos fre
gueses), depois como sócio do irmão mais velho num a loja de te
cidos, A Razoável, onde ficava a postos de segunda a sábado até a
hora do almoço, incluindo os domingos pela manhã.
Assim, m inha mãe sentia-se sozinha, amparando-se em mim,
tornando-m e seu confidente nos momentos difíceis com o meu
pai. Contam ex-vizinhos de nossa prim eira casa em Campos - re
encontrei-os muitos anos depois - que eu chorava constantemen
te, principalmente à noite. Até hoje, tenho meu sono leve, superfi
cial, acordando com qualquer barulho.
Imagino: eu chorava de um lado e ela do outro.
A ügação com a m inha mãe sofreu um primeiro corte quan
do me colocaram no colégio com três anos e meio, acredito que
por ela estar grávida do meu irmão, para ir me acostumando a
12
ficar longe dela. Naquela época, não havia creches nem maternal,
jardim, alfabetização. Entrava-se direto no prim ário para a alfabe
tização. Passei para o ginásio com dez e terminei o científico com
16 anos. A lembrança que tenho é a de um garoto assustado que
não queria ficar no colégio. Um dia, cheguei a casa todo cagado:
m inha mãe contava que eu tinha pedido para ir ao banheiro e a
professora não deixou. Eu era o mais novo da turma.
M inha mãe sempre foi uma pessoa assustada e, como não
convivi com meus avós maternos, não sei quem transmitiu esse
sentimento de medo para ela; ou, talvez pelo fato de ser a caçula,
desamparada pela família, mostrava-se insegura diante das adver
sidades.
Quando adulto, já médico, acompanhando m inha mãe em ci
rurgias ou acidentes, ela chamava pela mãe. Será que passei a ser o
substituto da sua mãe, m inha avó, que veio de Recife para ajudá-la
quando nasci?
Continuei assustado e fui procurar, sem perceber, resolver
meus medos fazendo medicina e me especializando em psiquia
tria para assim tratar dos sustos ou dos terrores alheios.
Na medida em que me deparo com o medo do outro, transfi
ro, localizo meu medo nele. Atendendo, então, famílias ou casais,
alargo a possibilidade de espalhar meus temores entre os diferen
tes personagens que os compõem.
E por que me detenho na questão do medo, de ser uma pessoa
assustada, preocupada com algo que possa acontecer a qualquer
mom ento ou de, diante de alguma adversidade, considerar que
esta seja irreversível ou não tenha algum tipo de solução?
E por que me detenho na questão do meu medo latente, básico?
Atribuo à m inha mãe a existência desse medo em mim. Ló
gico que sei, racionalmente, devido a m inha ideologia sistêmica,
que meu pai se omitiu ao não amortecer a influência dela sobre
mim.
13
Não só não amorteceu como também permitiu que ela se tor
nasse a presença mais influente em m inha vida. Ele figurava como
um modelo de perseverança e de trabalho.
Percebi que, hoje, eu continuava como uma vítima da minha
mãe ao acusá-la como responsável por eu ser uma pessoa m edro
sa, o que me impedia, muitas vezes, de trilhar novos caminhos de
vido à preocupação de que eles não funcionariam a contento, não
agradariam a ela, ou poderiam me tornar uma pessoa diferente, de
alguma maneira, dela.
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Apesar de parecer fantástico, imaginário, muitas pessoas fi
cam aguardando no presente que os personagens desse passado
(vivos ou mortos) se arrependam do que cometeram ou pratica
ram para poderem seguir em frente; que esse passado seja rees
crito de outra maneira; que personagens atuais supram as carên
cias do passado.
Se continuarmos a acusar, no presente, aqueles do passado,
não evoluímos, permanecemos congelados na infância ou na ado
lescência, ou esperamos que figuras substitutas do presente solu
cionem esses conflitos do passado. Caso não os resolvam, o que
é esperado - ninguém salva ninguém, como já mostrei (1986) e
afirmei (2006) - , isso implicará em questões relacionais no pre
sente, pois essas figuras do presente serão acusadas de desamor e
desproteção.
O ser adulto é aquele que perdoa o passado e assume sua par
cela de responsabilidade nas relações que estabelece no presente.
Esse posicionamento geralmente não se dá, o que leva o sistema a
produzir um bode expiatório, depositário das questões da família
ou do casal.
Quando é numa família, a sintomatologia aparece em um dos
filhos: criança ou adolescente (encobrindo questões dos irmãos e,
principalmente, dos pais, o casal); quando é num casal, aparece
mascarada das mais diferentes patologias (emocionais ou físicas)
em um dos seus membros, que traz um comprometimento emo
cional mais acentuado do que o outro em função de sua história
familiar.
Com essa afirmação não estou excluindo que exista uma pa
tologia com o seu devido diagnóstico naquele(a) que a apresenta,
mas sim afirmando que sua sintomatologia não é exclusivamente
individual (genética ou hereditária). Ela é decorrente das intera
ções familiares ou conjugais do presente reforçadas por marcas do
passado.
15
Para empreendermos a viagem de um possível perdão (meu
e de vocês), será necessário que iniciemos de algum ponto que
chamei de ponto zero.
E qual foi o ponto zero que elegi? Aquele que se revela através
do primeiro telefonema de algum membro da família (geralmen
te, a mãe) ou do casal (geralmente, a parceira ou esposa), feito a
um terapeuta familiar de orientação sistêmica.
Esse marco é significativo porque engloba, no processo tera
pêutico, tanto a família quanto o terapeuta, com os conflitos re
lativos a um e a outro, nas diferentes etapas de vida que cada um
está atravessando. O terapeuta, durante um a terapia familiar ou
conjugal, vivência, recorda, imagina (de acordo com a sua idade,
fase da vida) o que é, foi, ou será sua vida conjugal e familiar.
2
O PRIMEIRO CONTATO
Q uando alguém lhe telefona é im portante lembrar, apesar de
parecer redundante, que esse alguém pertence a alguma família
ou casal. Esse alguém (adulto) é o representante de:
a) Uma família de procriação ou nuclear, devido ao nascimen
to de um ou mais filhos resultantes de um casamento ou uma
união estável;
b) Uma família recasada;
c) Uma família de progenitor único;
d) Uma família uniparental;
e) Uma família com filhos adotivos;
f ) Uma família homoparental (de primeiro ou segundo casamento);
g) Ou de um casal hetero ou homossexual que está em crise; de
primeiro ou segundo casamento (recasamento).
10
Um prim eiro telefonema já embute uma série de questões e
não se resume apenas a uma simples marcação de uma entrevista
ou consulta. Aquele ou aquela que entra em contato com você é
um emissário, um a voz de um sistema familiar, seja essa voz per
tencente a um a família ou a um casal.
Para entenderem melhor o que é um sistema, vou recorrer
à definição de Hall e Fagen, citada por Watzlawick (1981): é um
conjunto de objetos com as relações entre os objetos e entre os
atributos, em que os objetos são os componentes ou partes do
sistema, os atributos são as propriedades dos objetos e as relações
dão coesão ao sistema todo.
Ao considerarmos que a família se organiza dentro de um sis
tema de forças no qual cada indivíduo exerce uma função, ou seja,
tem uma determinada potência dentro desse sistema, concluímos
que nenhum indivíduo está fora desse conjunto e, consequente
mente, imune aos estímulos familiares que recebe.
Esses estímulos serão maiores ou menores dependendo da
etapa do ciclo de vida familiar que aquele indivíduo está atraves
sando com a sua família. Quando um filho nasce, seja de parto da
parceira ou de barriga de aluguel, ou adotado, ele inaugura uma
família, que vai ter um desenvolvimento através do tempo evolu
tivo da mesma.
Esse filho vai promovendo o crescimento dessa família e com
isso determinando suas etapas: a família na infância, na adoles
cência, no lançamento dos filhos para a vida adulta, depois o casal
outra vez sozinho, o casal na terceira idade, um dos membros do
casal falece, o outro falece e, agora, os filhos se defrontam com a
sua orfandade, sem os pais originais.
Ao mesmo tempo o(s) filho(s) não sofre(m) a influência ape
nas da família onde nasce(m) e de suas consequentes etapas de
desenvolvimento, mas também das respectivas famílias de origem
de seus pais. Assim, o filho está girando, salvo orfandade de um
20
ou de ambos os pais (mesmo assim seus fantasmas estão presen
tes), desde quando nasceu, em no m ínim o três gerações, ou até em
quatro gerações: filhos, pais, avós e bisavós.
Dessá maneira, precisamos delinear (colocar, encaixar, enten
der) o indivíduo na família tanto no sentido horizontal - a família
nuclear ou de procriação - quanto no sentido vertical: as famílias
de origem dos respectivos pais, com os avós e bisavós se existirem,
ou fantasmáticos, através de experiências ou relatos transmitidos
pelos avós e pais.
Essa ideologia precisa estar assentada na mente do terapeuta
para que ele, ao atender um telefonema, lide de um a forma sistê
mica com aquele ou aquela que lhe ligou, ou seja: considere que
aquele indivíduo pertence a um contexto familiar, não sendo um
indivíduo isolado, apenas com um a patologia e um tratam ento
específico.
É importante que, no contato telefônico inicial, o terapeuta
faça para si um minigenograma (árvore genealógica familiar), de
modo que já evidencie, desde o primeiro instante, que todos es
tão envolvidos na questão apresentada por um deles e, ao mesmo
tempo, fique de posse de informações que vão lhe ajudar na abor
dagem da família na prim eira entrevista.
Quando se trata de uma criança ou adolescente com proble
mas, é geralmente a mãe quem entra em contato, apesar de em
alguns casos caber ao pai essa tarefa. Q uando se trata de crise
conjugal, também é normalmente a esposa ou companheira quem
telefona para a marcação da consulta.
Na feitura do minigenograma, é importante perguntar sobre: a
constituição da família, se têm filhos e, em caso afirmativo, quan
tos; as respectivas famílias de origem; acrescido de informações
resumidas da sintomatologia do paciente referido.
O paciente referido ou identificado é aquele que apresenta a
sintomatologia em função da qual a família procura tratamento.
21
A designação referido ou identificado já traduz a perspectiva
sistêmica, na medida em que o considera como um a manifestação
daquela organização que demonstra que essa organização está
disfuncional, com questões em outros segmentos ou subsistemas,
necessitando de um outro tipo de funcionamento.
Quando realizar o minigenograma, o terapeuta vai saber: se
aqueles pais são casados ou divorciados, se os filhos são casados,
solteiros e com quem moram: pais, pai ou mãe, ou se com algum
dos avós, ou, ainda, se os avós vivem junto com eles ou próximos,
participando da educação do neto.
Essa informação familiar vai servir como indicação para quem
vai ser chamado para a prim eira sessão. Por exemplo, o envolvi
mento dos avós ou de um dos avós pode ser tão intenso que ele já
deverá ser convocado para a prim eira sessão.
O fato de estar usando a terminologia primeira sessão, ao invés
de primeira entrevista, revela que considero que o primeiro conta
to com a família não é ingênuo ou amador. O terapeuta não deve se
colocar apenas em uma posição expectante, como aquele que ouve
e pergunta o necessário para saber o que está acontecendo.
Nessa prim eira sessão, já fará intervenções que o ajudarão a
localizar o foco sistêmico (Groisman, Lobo e Cavour, 2013, I aed.
1996) e estabelecer, no final da sessão, se possível, o projeto tera
pêutico. Esse projeto terapêutico inclui o núm ero de sessões, sua
filmagem, o preço, a presença da família nuclear e da família de
origem e a existência de um a equipe terapêutica.
Nos últimos três anos, fiz uma pequena modificação: ao invés
da entrevista telefônica, que é realizada apenas com um dos inte
grantes da família, passei a fazer uma entrevista de triagem com
toda a família ou o casal (quando se trata de uma questão conju
gal). Por que essa mudança?
Tenho a oportunidade de um contato inicial pessoal que pode
estabelecer um prim eiro vínculo entre o terapeuta, o processo
22
lerapêutico e a família ou o casal; são muitas as informações a
serem dadas por telefone para o interlocutor absorver e informar
ao restante da família; e posso fazer um diagnóstico mais acurado
da patologia apresentada pelo paciente referido. Avaliar se ele tem
necessidade de um acompanhamento psiquiátrico paralelo à tera
pia familiar e em qual dos programas da Núcleo a família se inclui:
terapia unifamiliar ou conjugal sistêmica breve, terapia individual
sistêmica breve, grupoterapia multifamiliar ou multiconjugal sis
têmica breve, ou grupoterapia individual sistêmica breve.
Todas essas modalidades terapêuticas têm como base o
modelo sistêmico-vivencial, que foi inicialmente desenvolvido
para ser aplicado na terapia unifamiliar e uniconjugal breve.
23
3
O MODELO
SISTÊMICO-VI VENCI AL
1
E s s e modelo, de m inha autoria, criado em 1992, cujos prim ei
ros resultados, juntam ente com a sua fundamentação teórica, sur
giram no livro Histórias dramáticas (2013, Ia ed. 1996), consoli
dou-se com o correr dos anos. Atendeu até o momento, dezembro
de 2012, quatrocentos clientes, entre famílias, casais e indivíduos,
em suas diferentes modalidades terapêuticas, conseguindo m an
ter o índice de sucesso (70%) apontado em 1996 como superior ao
de desistências e fracasso terapêutico.
Ele, que é o único modelo genuinam ente brasileiro de tera
pia familiar e de terapia familiar breve, caracteriza-se pelas se
guintes particularidades:
I. Número de sessões;
II. Identificação do foco sistêmico;
III. Caracterização da matriz familiar de cada um dos com
ponentes do sistema;
IV. Descoberta da missão familiar do paciente referido;
V. Uso do tempo terapêutico;
VI. Participação das famílias de origem;
VII. Participação dos filhos;
VIII. Integração de técnicas terapêuticas.
27
O que representa cada um desses ingredientes?
28
As três últimas, de baixo impacto, serviriam para ajustes finos
na organização familiar, de modo que a própria família aprendes
se a se tornar seu próprio terapeuta.
Ao demarcar um tempo para a terapia, o terapeuta sinaliza
para a família que ela tem um prazo definido para encontrar - aju
dada por ele - uma solução para o(s) seu(s) problema(s). Pressio
na o sistema e se pressiona (também ele pertencente a um sistema
familiar do qual veio e a outro que criou ou não) a fim de achar
(propor) uma saída para a questão apresentada pela família.
A saída proposta nunca será a mesma esperada pela família,
ou seja, a cura apenas do paciente referido. Ela implicará num a
reorganização do sistema, de modo a evitar que ele se torne es
tático. Como diz W hitaker (1989, 1990), um a família saudável é
aquela na qual existe uma rotação constante do bode expiatório (o
paciente referido), impedindo que sua estrutura torne-se rígida,
sem um a flexibilização de papéis dos seus componentes.
O paciente referido surge num a família ou num casal em fun
ção de que não houve ou não conseguiram - os membros daquele
sistema, sejam os pais associados ao(s) filho(s), na família, ou o
casal - im prim ir um a nova configuração a esse sistema.
A necessidade de uma outra configuração pode ser devida a
vários fatores:
2»
b) Atualização do casal
É importante que os cônjuges reformulem seu padrão relacional
em função do crescimento dos filhos - com a consequente saída
deles de casa - para então se reencontrarem, em outro momento
de vida, sozinhos, de novo.
Aliás, não deveria haver nenhum a reformulação, pois o casal
deveria m anter - mesmo com a formação da família - intacta a
sua unidade, cultivando-a permanentemente, evitando que ela se
dissolva na estrutura familiar.
c) Divórcio ou separação
Em função da intercorrência do divórcio ou da separação
produz-se uma ruptura na unidade familiar, levando à dissolução
daquela família. Daí a necessidade de não só os cônjuges promo
verem todos os trâmites legais necessários relativos ao divórcio
(formalização, partilha de bens) como também a criação de duas
novas famílias uniparentais ou duas novas unidades familiares
(pai e filhos e mãe e filhos).
30
haver um intervalo trimestral, a partir da sexta sessão, ele passou
a ser de nove sessões mensais seguidas, sem interrupção.
Por que essa mudança? Várias razões, expostas a seguir, sem
ordem de prioridade:
31
Transpondo essa situação para a área terapêutica, os clientes,
de um a maneira geral, estão imersos num a cultura de terapia de
longo prazo, ou sem prazo definido, e de ausência de objetivo te
rapêutico. Essa modalidade de atuação alimenta a dependência do
cliente ao terapeuta e vice-versa, criando a expectativa em ambos
de que haverá um milagre a qualquer momento, não havendo ne
cessidade de esforço de ambas as partes: para o terapeuta voltar a
ficar sozinho enfrentando o vazio da sua agenda, e o cliente fazer
face, sem muletas, à sua vida.
Então, o paciente e o terapeuta acostumados a essa rotina te
rapêutica vão reagir diante de um a proposta diferente: breve, de
tempo demarcado, com um projeto terapêutico, que não pretende
estimular a dependência dos envolvidos no projeto.
O tema da dependência é central no relacionamento humano.
Como disse Andolfi (1984), poderíamos restringir o trabalho psi-
coterápico ao eixo união-separação. Esse eixo está relacionado ao
quanto cada um dos filhos (na família nuclear) conseguiu se sepa
rar emocionalmente dos seus pais, e estes deles; ao mesmo tempo,
o mesmo processo aconteceu com estes pais (em suas respectivas
famílias de origem) em relação aos seus pais, e com estes em rela
ção aos respectivos pais, e assim sucessivamente.
Se o terapeuta procura - em qualquer tipo de terapia - ofere
cer ao seu cliente um caminho independente ou libertador e, ao
mesmo tempo, o faz numa terapia sem prazo definido, está lhe
passando uma dupla mensagem: transfere da família para o vín
culo terapêutico essa dependência.
A terapia familiar breve, no modelo sistêmico-vivencial, pro
põe não estimular a dependência, na medida em que delimita o
número de sessões e estabelece um objetivo a alcançar, passando a
mensagem para o cliente de que ele tem aquele prazo para fazer as
modificações necessárias.
Mesmo sendo uma terapia breve ela tem como um de seus
fundamentos teóricos o de propor a individualização de cada um
32
dos com ponentes da família, principalm ente do paciente referido
- que é a expressão m áxim a da simbiose familiar.
32
dos com ponentes da família, principalm ente do paciente referido
- que é a expressão m áxim a d a sim biose familiar.
SS
A identificação do foco sistêmico permite ao terapeuta tornar
a terapia mais qualitativa (atingindo o alvo do objetivo pretendi
do) do que quantitativa (número de sessões). Não é o volume de
intervenções verbais e não-verbais que vai dim inuir ou eliminar a
sintomatologia do paciente referido e a consequente crise familiar
subjacente, mas, sim, as intervenções qualitativas que atingem o
alvo, o cerne da questão, o nó de onde se irradia a crise, expressa
por um dos membros do sistema.
Assim, na medida em que localizamos o que está estrangulan
do a família impedindo o seu desenvolvimento, é possível abreviar
o tratamento. Para que isso seja possível, é necessário que o tera
peuta aceite - faça parte da sua ideologia - que o indivíduo é fun
damentalmente relacional, pertencendo e sofrendo as influências
que atravessam o contexto familiar.
Esse contexto compreende o presente e o passado geracional
que vão formar uma cruz que atravessa cada um dos componentes
da família (Groisman, 2012).
O eixo vertical dessa cruz, que corresponde ao passado,
diz respeito à nossa herança geracional: cultura, raça, religião,
crenças, valores e experiências vividas com a família de origem
(registradas na matriz familiar); e o eixo horizontal corresponde
às nossas relações atuais: afetivas, profissionais e sociais.
Os impactos do presente potencializam, estimulam o passado
que está incrustado em nossa matriz familiar, fazendo com que
reajamos em função dessa interseção.
A nossa reação é individual, mas determinada pela família:
seguindo ou reagindo ao que aprendemos e vivemos com ela. Não
há a menor dúvida de que existe uma patologia que está assen
tada num indivíduo - que comporta um diagnóstico psiquiátri
co - mas, se o terapeuta permanecer apenas no indivíduo ou no
seu diagnóstico, que é uma atitude estática, vai perder a noção do
todo: o que está gerando aquele paciente referido (diagnóstico re-
34
lacional ou dinâmico), seja num a família ou em um dos membros
do casal.
Não há a intenção de afirmar que um a terapia familiar breve,
usando o modelo proposto, vai dar conta de todas as questões fa
miliares, mas a de atender a família no que ela está mais necessita
da: a sintomatologia do paciente referido que é, como já foi dito, o
sinal de uma crise familiar.
Para resolver essa crise haverá a necessidade de promover
uma mudança na organização familiar, em seu equilíbrio (home-
ostase), que não está mais lhe atendendo, já que gerou um pacien
te referido.
O terapeuta conseguindo - e a família aceitando - uma nova
homeostase, haverá a rotação do bode expiatório, surgindo então
outras questões familiares, seja em outro filho ou, principalmente,
no casal.
Em relação a outro filho, finalizando a terapia, o casal, agora
instrumentado pelo processo terapêutico, terá condições de sozi
nho lidar com a situação que lhe for apresentada.
Como a terapia é também aprendizagem, a família - em de
corrência do processo ao qual se submeteu - tom ar-se-á seu pró
prio terapeuta, de m odo a cuidar de outras questões que surgirem
e demais crises em outras etapas do ciclo de vida familiar. É uma
pretensão ambiciosa, mas que procura rom per com a dependência:
terapeuta-indivíduo-casal-família.
Ao mesmo tempo, sabemos que nenhum a terapia prolongada
conseguirá dar conta ou imunizar o indivíduo das diferentes ques
tões que ele vai enfrentar no seu desenvolvimento, seja em relação
à sua família de origem ou à sua família nuclear (se a constituiu).
SB
III. M atriz fam iliar ou descobrindo as marcas que ficaram
(estão) impressas em você (nós), fruto de experiências fa
m iliares (objetivas) positivas e negativas
36
lia nuclear) que, por sua vez, tiveram suas matrizes impressas em
suas respectivas famílias de origem - será marcada também pela
missão que cada um dos filhos recebe ao nascer de seus pais ou de
seu(sua) avô(ó), dependendo do grau de proximidade ou influên
cia desses sobre o pai ou a mãe. Essa missão é fruto de expectativas
deles - e de gerações anteriores - que não puderam ser realizadas.
Identidade familiar - comum a todos os integrantes da família
nuclear - na medida em que eles recebem através dos pais: influ
ências religiosas, raciais, culturais que se traduzem em crenças e
valores que atravessam gerações.
O conceito de matriz confunde-se com o de self, identidade,
personalidade, eu etc. Acredito que é mais abrangente porque
introduz a importância da família em sua constituição e define
como serão as nossas reações e escolhas, de qualquer natureza,
no futuro. De acordo com as marcas passadas impressas em nossa
matriz, elas vão nos levar em diferentes direções, dependendo da
etapa do ciclo de vida que estivermos atravessando, seja na família
de origem e/ou na família que, porventura, viermos a constituir.
Como somos seres relacionais vamos sofrer o impacto e o
estímulo dos personagens com os quais estamos convivendo na
família original, na relação conjugal, com os filhos (se houver),
ou no meio social e profissional.
Os impactos do presente potencializam, estimulam o passa
do - que está incrustado em nossa matriz familiar - fazendo com
que reajamos em função dessa interseção. Dessa forma, a nossa
reação não é individual, mas familiar, seguindo ou reagindo (que é
a outra face da moeda) ao que aprendemos e vivemos com a nossa
família.
Não existe o indivíduo - como dizia W hitaker (1990) - como
personagem único, original. Cada um de nós é um caleidoscópio
familiar - fragmentos estilhaçados de diferentes personagens fa
miliares da geração atual e passada, mesmo sem conhecê-los,
S7
que foram transm itidos pelas relações que tivemos com nossos
pais e avós, que tam bém receberam a influência de gerações
anteriores, e assim sucessivamente - , constituindo um entrela
çamento, um a cadeia familiar interminável que repercutirá no
presente em cada um dos componentes daquela família.
No desenvolvimento e na constituição da matriz familiar é
fundamental o conceito desenvolvido por Bowen (1978) que se
refere à individualização da massa familiar. Em que consiste essa
ideia e como ela se articula com o conceito de matriz familiar?
Bowen, que foi um dos pioneiros da terapia familiar, destacou-
-se no cenário terapêutico quando estabeleceu as bases do corpo
teórico do seu pensamento, que foi revolucionário e inovador. Até
o surgimento de suas ideias, considerava-se que o ego, a identida
de, se configurava a partir de um jogo de identificação (projeção
e introjeçâo) do indivíduo com os seus pais, ou seja, havia um
movimento a partir dele.
Com Bowen, surgiu o conceito de massa indiferenciada do eu
familiar, que m uda radicalmente o entendimento do desenvolvi
mento emocional do indivíduo, na medida em que ele se inicia a
partir da família.
Como se dá esse processo? O casal, ou progenitor único, atra
vés de um casamento, união ou uma relação extemporânea, tem
ou adota o primeiro filho. A partir desse, constitui-se uma família,
formando esse conjunto a massa indiferenciada do eu familiar à
qual vão se agregar os outros filhos (se houver).
Essa massa é constituída pelo pai, pela mãe ou por um deles
(família de progenitor único) - com os respectivos graus de dife
renciação (individualização) que alcançaram em suas correspon
dentes famílias de origem - e pelo filho que nasceu ou foi adotado
que, por sua vez, vai começar, paulatinamente, numa interação
contínua, a se destacar, a se diferenciar dessa massa. Tanto o filho
quanto os pais - que um dia também nasceram de um determina-
38
do tipo de família - vão alcançar ou alcançaram um determinado
grau de individualização em relação à sua família.
Todo o processo de diferenciação ou individualização (sepa
ração emocional) dessa massa familiar, com o respectivo grau que
o indivíduo consegue atingir no entrechoque contínuo com a sua
família, instala-se em sua matriz. Assim, nas relações que estabe
lecemos no presente, a matriz vai se manifestar com todas as suas
marcas (positivas e negativas), a missão que recebemos e o grau de
diferenciação existente.
O conceito de matriz familiar revoluciona o campo da psi
coterapia ao caracterizar que o indivíduo traz marcas do passa
do que são ir removíveis. Daí resulta que não existe mudança em
sua identidade ou personalidade através do processo terapêutico
(qualquer que ele seja). O que é possível é um conhecimento de
suas marcas - e da missão existente - para, a partir delas, conse
guir controlá-las a fim de evitar que se apoderem dele, determ i
nando suas reações e seu consequente comportamento nas rela
ções que estabelecer no presente.
SB
direcionando com quem aquele filho fará aliança nos triângulos
que se formam na família nuclear e com as respectivas famílias de
origem dos pais.
Cada um dos pais veio de uma respectiva família de origem com
a qual aprendeu e desenvolveu um tipo de funcionamento. Esse fun
cionamento - repetindo ou reagindo, num maior ou menor grau,
ao padrão familiar - vai depender de em qual posição (induído ou
exduído) do triângulo original eles (os pais) estavam situados. Dessa
maneira, cada um deles, em função de suas triangulações anteriores,
vai tentar cooptar - quando constituir sua família nuclear - um ou
mais filhos para estabelecer uma aliança, na qual um terceiro (um
outro filho, o cônjuge) estará excluído.
A noção de triângulo é fundamental para entendermos a dinâ
mica familiar. Ela foi desenvolvida por Bowen (1978), que ampliou
as ideias de Freud, na medida em que não ficou restrito ao triân
gulo original (pai, mãe e filho), demonstrando que havia diferentes
tipos de triângulos intra e intergeracionais que se ligam entre si
formando os triângulos interconexos - constituindo um a malha de
sustentação da organização familiar.
O funcionamento da família e, consequentemente, de toda a
sociedade é determinado pela estruturação triangular na qual, in
variavelmente, existem dois aliados e um excluído. Esse excluído
vai procurar em outro aliado uma compensação para a sua exclu
são formando um novo triângulo - conectado ao prim eiro - no
qual ele está incluído e onde haverá, por conseguinte, um excluí
do, que poderá ser um dos incluídos originais.
Na medida em que identificamos o triângulo original - no
qual está inserido o paciente referido - , geralmente formado pelo
pai, mãe e ele, ou avô(ó), mãe (pai) e ele, é possível abreviar o tra
tamento. O terapeuta, ao mobilizar triângulos mais ou menos rí
gidos - através de intervenções verbais, dramáticas e tarefas (pres
crições) - , procurando a formação de novos triângulos, imprime
40
um movimento ao sistema para levá-lo a uma nova homeostase e
dinâmica familiar.
Em função, como dissemos anteriormente, da posição do
filho nos triângulos (com quem está associado ou não), sua
missão poderá sobrecarregá-lo ou não. Por exemplo, um filho
homem mais velho aliado à mãe pode ser, num a situação de di
vórcio, ou pela perda prem atura do pai, colocado no lugar do
genitor. No caso, esse filho, que recebeu o nome do avô paterno
e teria a missão de substituí-lo junto ao pai, do qual sempre foi
dependente, passa, então, a fazer um a trajetória mais familiar do
que individual.
A missão que recebemos é inserida em nossa matriz familiar
e vai pautar decisões e escolhas em nossa vida futura. Ela é prove
niente de uma linha geracional vertical que vai refletir em qual vai
ser a nossa função, horizontalmente, em nossa família.
Como disse Andolfi (1984) em relação à função - que ela não
deveria se sobrepor ao indivíduo de modo que ele não se trans
formasse numa função - , o mesmo se aplica à missão familiar, de
modo que ela não deve dominar o indivíduo, comprometendo sua
trajetória individual.
Ela é também importante para ajudar o terapeuta a descobrir
- através do genograma - qual é a missão do paciente referido, a
necessidade que ele representa para aquele sistema familiar.
No funcionamento relacional do ser humano precisamos -
como um a máquina ou um motor - estar articulados em movi
mentos maiores ou menores com as diferentes peças de um mes
mo sistema: se uma peça estiver funcionando deficientemente as
outras conectadas a ela terão que compensar sua falta exercendo
uma maior atividade.
Dessa forma, o paciente referido (o que não está funcionando
adequadamente) protege os demais membros do sistema ao evitar
que surjam seus problemas, fazendo com que eles se sintam mais
41
potentes, podendo até ter seu rendimento melhorado. É o cresci
mento do sadio à custa do doente, como dizia Palazolli (1978).
Esse movimento que acabamos de descrever se dá no sentido
horizontal - entre os irmãos, ou no casal - e no sentido vertical
- representando necessidades (situações não resolvidas) de gera
ções anteriores que estão cristalizadas no paciente referido.
Resultamos da confluência do passado com o presente, da mis
são com a função, uma potencializando a outra, num movimento
de vaivém que leva o indivíduo a um hipo ou hiperfuncionamento,
ou seja, colocando-o mais a serviço da família ou de si mesmo.
Nosso funcionamento é individual, mas sua determinação é fa
miliar. Por quê? Vocês perguntariam.
Somos um ponto dentro de um caleidoscópio familiar, no
qual vamos aumentar ou diminuir nossa representatividade - na
família e no m undo externo - de acordo com um a série de fatores:
42
tal pós-divórcio, progenitor único, recasada, homoparental
masculina ou feminina (primeira ou segunda união)?
g) Qual era a idade - e a posição na escala filial - dos pais, ou
do pai, ou da mãe, ao nascermos?
h) Qual era o grau de influência (emocional, econômica) da(s)
família(s) de origem m aterna e paterna sobre a família
nuclear?
43
e abstrato, porque não sentimos, não palpamos, não percebemos
essa passagem.
Ao localizarmos o tempo no interior da família observamos
que, por um lado, ela está em constante renovação devido ao nas
cimento, crescimento e morte de seus componentes, e, por outro
lado, reagindo (negando) a essa mesma renovação, alimentamos a
ilusão de que a família é eterna (Groisman, 2010).
O desenvolvimento ou não do tempo familiar é um excelen
te indicador do funcionamento daquele sistema. O surgimento
de um sintoma num dos membros deste sistema corresponde a
uma estagnação ou congelamento do tempo evolutivo familiar, de
modo a procurar perpetuar a unidade familiar.
Na medida em que o tempo daquela família está congelado
haverá a necessidade de uma intervenção ativa que o descongele
e libere a família para que ela retome seu tempo de crescimento.
O conceito de tempo tem dois desdobramentos: cronológico e
emocional. Tais desdobramentos são o fio condutor do indivíduo
dentro de sua família, seja aquela que o originou, seja na que ele
porventura vier a constituir.
É irremediável o tempo cronológico: os membros de uma
família vão envelhecendo - queiram ou não - e atravessan
do - de acordo com a idade dos filhos - as diferentes etapas do
cido de vida familiar. Quando o filho nasce e se desenvolve a
família estará vivendo: primeiro a infância do(s) filho(s), de
pois sua adolescência, posteriormente seu lançamento para a
vida adulta, saída de casa e formação ou não de novos núcleos
familiares. Ao mesmo tempo, paulatinamente, os pais - além de
voltarem a ser um casal, onde tudo começou - vão envelhecendo
até morrerem, com isso encerrando o ciclo daquela família ori
ginal. Cada um dos filhos, agora, aquele ou aqueles que consti
tuíram um a nova família, vai continuar a descendência familiar
através dos filhos, netos, bisnetos etc.
44
Paralelamente, o tempo emocional pode ser aceito ou negado
pelo sistema familiar. Como já afirmamos, em Além do paraíso
(2010), a família sofre um paradoxo: ao mesmo tempo que neces
sita dos filhos para se constituir (organizar), com a saída deles se
desorganiza, o que a leva a procurar um a outra forma de organiza
ção. O conflito dramático está nesse ponto de clivagem. O sistema,
que inclui pais e filhos, aceitará ou não esse desdobramento. Esse
momento é delicado, sede de muitas patologias emocionais, po
dendo levar ou não a um a separação emocional entre pais e filhos.
Essa separação não significa afastamento, isolamento ou cor
te no relacionamento entre eles, mas sim o estabelecimento de
limites, fronteiras entre dois novos núcleos familiares: a família
de origem (dos pais) e a do filho, caso ele a tenha constituído. Se
ele não a organizou, permanecendo solteiro ou vivendo com a
sua(seu) companheiro(a) em casas separadas, tendo filho ou não,
a mesma regra dos limites deverá ser utilizada.
A dificuldade de separação - tanto de parte dos pais quanto
dos filhos - resulta em diferentes patologias emocionais, que aco
metem principalmente o adolescente. Entre essas: a dependência
química, esquizofrenia, síndrome do pânico, fobia social, depres
são, anorexia e bulimia nervosa etc.
A não-separação é uma tentativa de congelar o tempo emo
cional familiar para que todos permaneçam juntos eternamente.
Ninguém envelhecerá, morrerá um dia, mantendo-se a família
original; não haverá seu desdobramento com a formação de novos
núcleos familiares e a morte do núcleo original em algum m om en
to - com o falecimento dos pais.
A questão do tempo terapêutico está vinculada à descoberta do
foco sistêmico. Neste está concentrada a paralisia da evolução da fa
mília, ou seja, do seu tempo de desenvolvimento. Se o foco é atingi
do, obtém-se o descongelamento do tempo que estava concentrado
no paciente referido (aquele que tinha o poder de paralisar o tempo).
45
Poderíamos ilustrar esquematicamente o que consideramos,
seguindo Zilbach (1989) e McGoldrick, Cárter e Garcia Preto
(2011), uma evolução funcional da família, desde o seu projeto
inicial:
Casal
Filho(s)
Infância da família
Adolescência da família
Adultez da família (saída dos filhos)
Casamento ou união do(s) filho(s)
Nascimento do($) neto(s)
Envelhecimento dos pais
Morte de um dos pais
Morte do outro pai
Morte da família original
Continuação da família do(s) filho(s)
46
car dependência física e/ou psíquica, ela é, basicamente, um a de
pendência emocional recíproca entre aquele indivíduo (um filho)
e seu(s) pai(s), em qualquer tipo de organização familiar.
Ela é um substituto, um mascaramento da dependência fami
liar que tem a função de promover um a ligação entre os pais (se
jam eles casados, unidos ou divorciados), encobrindo um a crise
conjugal ou, no caso de divorciados, um a manutenção da família
original. Essa ligação poderá ser eterna (se o dependente falecer)
entre os pais, casados ou separados (para esses últimos sempre se
lembrarem da família original).
Não quero dizer com isso que a patologia, dependência quí
mica, não precisará ter um a terapêutica específica, mas, se perm a
necermos somente nela, será um a atitude terapêutica parcial, lo
calizada, colocando a questão apenas em um, quando ela pertence
a todo o sistema familiar, não ficando apenas restrita aos pais e
filho(a) e incluindo também os irmãos (se existirem), no sentido
horizontal (nuclear), e avós, no sentido vertical (geracional).
47
rido, o filho e a filha na mesma casa. Seu irmão, solteiro (38 anos),
continuava a morar com a mãe, sendo que seu pai faleceu um ano
antes de o filho de Clara nascer e era alcoólatra. Tanto ela quan
to o irmão foram praticamente criados pela mãe, que continuava a
exercer uma forte influência em sua vida, mesmo sendo ela casada.
Passava todos os fins de semana na casa da mãe, que ficava num
subúrbio carioca, Belford Roxo, enquanto Clara morava na região
litorânea de Niterói.
Ao mesmo tempo, seu marido trabalhava em regime de plan
tão (quinze dias em casa e quinze dias embarcado), com a seguin
te peculiaridade: quando estava em terra, quase não ficava em casa,
passando mais tempo em um sítio de sua propriedade (duas horas
distante), onde ficava cuidando da sua criação de galinhas e pássaros
(ele provinha de uma família do interior do estado do Rio de Janeiro).
Leandro sempre teve contato escasso com o pai biológico,
com quem não falava há cinco anos. Chamava o padastro de pai e
havia um desejo desse último de perfilhá-lo, desde que o pai bioló
gico desistisse legalmente de sua paternidade.
48
A princípio, procuramos entregar o comando da família a
Clara, já que seu m arido se ausentava da casa por um período im
portante. Essa medida mostrou-se inoperante em virtude de Cla
ra, sendo mais filha do que mãe, não conseguir exercê-lo. Ela, que
sempre foi dependente emocionalmente de sua mãe, com o casa
mento transferiu essa dependência para o marido. Diante dessa
situação - como Leandro continuava a se drogar, comprometendo
o rendimento escolar e a sua vida social - , resolvemos propor a
Clara, sua mãe e seu irmão (participantes da terapia) que Leandro
voltasse a morar com eles (mãe e irmão) durante um período a ser
estipulado de comum acordo entre as partes envolvidas.
Pedimos também ao irmão de Clara, que era amigo de infância
do pai de Leandro, com quem tinha um contato esporádico, que o
convidasse para vir a um a sessão com o filho e os demais integrantes
da família, de modo que houvesse um reencontro dele com o filho.
Na data combinada o pai não apareceu, o que me levou a m an
ter um contato telefônico com ele durante a sessão, intermediado
pelo filho. Esse contato foi um dos fatores decisivos na recupera
ção de Leandro, quando propus ao pai que pensasse como poderia
dar algum tipo de ajuda ao filho.
Associado ao fato de Leandro voltar a um território conhecido
- a casa da avó e do tio - , o pai biológico, que continuava a morar
no mesmo bairro da adolescência, conseguiu um emprego para
ele na loja de um amigo seu que ficava próxima da casa da avó.
Nessa loja, a gerente adotou Leandro e o levou para um grupo de
autoajuda de dependentes químicos num a igreja que frequentava.
Com a integração desse contexto - mãe, padrasto, avó, tio, pai
biológico, mãe adotiva, Leandro e a equipe terapêutica - foi pos
sível chegar a um resultado favorável. Leandro conseguiu aban
donar as drogas, completar o segundo grau e, por incrível que
pareça, trazer sua mãe e seu padrasto de volta para Belford Roxo
(bairro onde sua mãe nasceu e ele foi gerado).
49
Seu padrasto vendeu a casa onde moravam, comprou um
apartamento próximo da casa da sogra, montando um negócio
com um amigo no mesmo bairro, deixando de ir tão continua
mente, como antes, ao seu sítio, quando estava de folga.
No meu caso, por exemplo, como sou o filho mais velho, mé
dico, meu consultório é próximo (5 minutos a pé) do apartamento
dos meus pais (hoje, com a presença apenas da m inha mãe, já que
o meu pai é falecido), qualquer coisa que aconteça, sou o filho
mais próximo.
Ao mesmo tempo, apesar de não ter voltado a Campos, onde
nasci, meu consultório (onde passo a maior parte do dia: llh )
é em Copacabana, que considero - mesmo sendo um bairro da
Zona Sul do Rio de Janeiro - uma reprodução de Campos, uma
cidade do interior, com seus personagens e a sua vida provinciana.
50
história familiar da mãe de Leandro, enquanto o padrasto nascera
numa família humilde, seus pais faleceram precocemente e ele e
seus irmãos foram criados pelos tios.
A diminuição da ambição terapêutica deve-se ao conceito de
matriz familiar. Aquilo que foi impresso nela - desde o nascimen
to até, aproximadamente, os dezoito anos - é definitivo. O que é
possível, num a idade adulta, dentro de um processo terapêutico,
é conhecer essas marcas e tentar, a partir delas, suplantá-las, con-
trolando-as ou dialogando com elas, procurando atuar de uma
forma diferente nas relações que estabelecermos.
Esse posicionamento vai se refletir no trabalho terapêutico,
onde precisaremos utilizar os recursos que porventura existirem
na família para poder realizar a integração de técnicas através de
uma equipe, em coterapia, ou o terapeuta atuando sozinho.
No caso descrito, um dos momentos importantes foi quando,
utilizando a crença religiosa (católica) da avó materna, fizemos
um ritual (com a finalidade de promover a cura da dependência
química) no qual ela, entoando a Ave Maria, puxava uma roda que
incluía, além dela, a filha, o neto, o tio e os dois terapeutas de cam
po. Um aspecto interessante nesse ritual foi que os dois terapeutas
de campo não pertenciam à mesma crença religiosa da avó. Um
deles era de origem judia, apesar de não professar a religião, e o
outro era pastora de uma igreja evangélica.
O tempo congelado familiar expressava-se na dificuldade de
separação entre Leandro (desenvolver sua vida), sua mãe (avaliar
sua relação conjugal e seu projeto individual: não trabalhava, vivia
às custas do marido, necessitando da companhia do filho a fim de
evitar sua solidão), o padrasto (também avaliar sua relação conju
gal), avó e tio solteiro (que morava com a mãe, não tendo conse
guido se independizar, trabalhando com ela em fornecimento de
quentinhas) e o pai biológico, que comandava uma empresa fami
liar de transportes, sendo Leandro seu único filho (com o qual não
51
havia desenvolvido uma paternidade emocional e afetiva), mesmol
tendo tido outras relações amorosas. Leandro representava a cola|
do sistema. Dissolvendo-a, cada um teria que enfrentar sua pró-1
pria vida (individual e relacional).
52
quando cabível, por solicitação do terapeuta - que deseja realizar
ulgum tipo de intervenção - é pedida a vinda do parceiro obser
vador ao espaço terapêutico.
Essa medida - de colocar um dos parceiros num a posição dis
tanciada - tem a finalidade de ele ou ela apreciarem a história do
outro num a perspectiva vertical, ou do passado refletido no pre
sente.
Normalmente, nossa tendência é enxergarmos as ações do
outro apenas num a perspectiva horizontal, esquecendo ou des
conhecendo que ele ou ela tem um a procedência anterior que não
conhecemos adequadamente. Funcionando dessa maneira, acre
ditamos que o comportamento ou a ação do outro é apenas um a
atitude contra nós e não que ele ou ela se originou em seu históri
co familiar que, diante de algum estímulo relacional, se manifesta
positiva ou negativamente.
53
L
dência. Os filhos representam o resultado das relações passadas
entre os pais e seus pais, e assim sucessivamente, desses com os
respectivos ascendentes, que vão produzir resíduos ou expectati
vas geracionais não realizadas que repercutirão nos netos, bisne
tos, trinetos etc.
Além de alargar verticalmente, para baixo, a compreensão da
patologia em um dos irmãos ou do casal, a presença dos filhos
permite utilizá-los, quando possível, como parceiros no processo
terapêutico, o que também o potencializará para torná-lo breve e
efetivo.
Com o os filhos são m enos com prom etidos do que os pais
- social, econom icam ente e até do ponto de vista familiar, cabe
aos pais a responsabilidade da integridade fam iliar perante sua
própria família e as gerações precedentes (avós, bisavós etc.)
eles se sentem mais livres para denunciar, explicitar as questões
existentes no seio familiar, seja entre os irm ãos, entre os pais
com os filhos, ou entre os próprios pais.
Os filhos podem participar do processo terapêutico com qual
quer idade, tanto num a terapia familiar, integral ou parcialmente,
de acordo com a sua idade e necessidade, quanto num a terapia de
casal, quando funcionam como consultores da relação conjugal.
Uma de suas formas de atuação é - a pedido do terapeuta
- retratarem, através de um a escultura da família, as alianças e
os correspondentes triângulos que existem nela. De posse dessa
informação, o terapeuta realiza um diagnóstico mais acurado da
crise familiar ou conjugal para poder encaminhá-la de um a forma
mais conveniente.
54
VIIL Integrando técnicas ou a possibilidade de ser eclético sob
o guarda-chuva teórico sistêm ico, ou, ainda, sem perder o
referencial sistêm ico
BB
Assim, o entendimento da situação clínica é feito sob o para
digma sistêmico, enquanto as intervenções técnicas podem ser:
a) Verbais
56
Têm o objetivo de im prim ir um caráter estratégico à tera
pia. Esta atitude - proposta de diferentes maneiras - por parte
do terapeuta vai possibilitar que ele tente driblar as artimanhas
engendradas pelo cliente (família, casal ou indivíduo) para evitar
uma mudança em seu equilíbrio (homeostase). O cliente, apesar
de, paradoxalmente, ter vindo procurar um a solução para o seu
problema, não sabia que essa solução implicaria num a mudança
estrutural da organização familiar.
87
entendimento racional é inócuo do ponto de vista terapêutico. Na j
medida em que as tarefas não são explicadas (por qual razão elas!
são prescritas), conseguem atravessar a barreira do consciente e |
alcançar o inconsciente.
O risco do tratam ento psicoterápico, de qualquer orientação,]
é de o cliente saber muito a seu respeito, mas com pouca ou ne
nhum a ação em sua vida. Ele se torna um verdadeiro dicionário]
de explicações: como sei não preciso fazer nada.
Ao mesmo tempo, também não advogo a ideia de que bastamj
a ação ou as técnicas comportamentais para resolver a problemáti-1
ca apresentada pelo cliente. É necessário que haja um a associação!
do racional com a ação para que o cliente saiba o que o levou a |
funcionar daquela maneira, evitando que ele se transforme apenas j
num robô que realiza determinados exercícios.
b) Não-verbais
58
b.l.b) Escultura com bichos de pelúcia ou bonecos
A partir da escultura familiar desenvolvi um a variante na qual
utilizo animais (os mais variados) de pelúcia ou bonecos (caracte
rizados como pai, mãe, filhos-crianças, filhos-adolescentes, filhos-
adultos, avô, avó) para representarem os personagens familiares.
Essa variante permite fazer uma metáfora da escultura familiar
em que cada bicho escolhido por um ou mais personagens familia
res (designado(s) pelo terapeuta) terá um significado a ser explici
tado por quem o escolheu e, posteriormente, pelo terapeuta.
Essa técnica tanto pode ser usada em terapia de casal -cada
um dos cônjuges escolhe, alternadamente, um bicho ou um bone
co para representar o parceiro - , quanto em terapia familiar, p rin
cipalmente quando existem crianças ou adolescentes, que atuam
como coterapeutas, revelando com maior clareza - através de suas
escolhas - o funcionamento familiar.
B»
tura solicitada pelo terapeuta (produzindo um impacto emocional!
- , ou que a leve para casa, como uma tarefa, para trazer suas im presl
sões na próxima sessão.
Cada um dos integrantes da família ou do casal deverá esíj
crever, separadamente, em segredo, como está vendo (sentindc
e pensando) aquela fotografia - o que somente será revelado nc
início da sessão posterior, quando solicitado pelo terapeuta.
A realização desta tarefa e a sua leitura - colocando a fotogra-jj
fia no centro do espaço terapêutico - servirá como mote da sessãc
ativando seu desenvolvimento e de todo o processo.
Também a fotografia da escultura familiar ou conjugal pode
ser feita na última sessão para que eles a levem como um a tarefai
final: como um a proposta do terapeuta de um novo posiciona-»
mento entre eles.
60
racionais aos quais dei o nome de Teatro Familiar, para darem
conta do que chamei de terapia do terapeuta sistêmico.
Esses exercícios são utilizados, cada um deles, acoplados às dife
rentes etapas do curso de formação em terapia familiar da Núcleo-
Pesquisas e em workshops para terapeutas, empresas, escolas e nos
atendimentos clínicos.
Tal adição ao curso de formação lhes dá um caráter terapêutico,
produzindo no espaço teórico-clínico uma interação que possibilita
ao aluno o aprendizado, enquanto terapeuta e pessoa, ao descobrir
sua inserção no sistema familiar e qual seria a possibilidade de se
individualizar, de se destacar desse mesmo sistema.
Todos os exercícios têm a finalidade de desenvolver no terapeu
ta o conhecimento de sua matriz familiar (quais são os seus pontos
de estrangulamento) e dar a ele - através de prescrições, rituais e in
tervenções dramáticas - soluções que lhe permitam não só lidar de
forma mais adequada com a sua família de origem, desenvolvendo
sua individualidade em relação a ela, como também evitar que se
misture (confunda) com a família ou o casal que estiver atendendo,
criando entraves ou impasses no processo terapêutico.
61
soura para seccionar aquela união, enquanto nela - cuja união
invisível - é impossível realizar um corte objetivo.
No caso do filho adotivo, o mecanismo é semelhante, c o m ;
diferença de que ele sai da barriga da mãe biológica e cai na bari
riga da família adotiva, dependendo também da idade em que fo i
adotado, o que vai determinar um comprometimento (lealdade)
maior ou m enor com a família biológica.
Quando o filho entra na barriga da família inicia-se a partiij
daí o que Bowen (1978) denominou de individualização (como jè
dissemos anteriormente) da massa indiferenciada do eu familiar^
O importante é que nesse processo de individualização não seja
perdida a vinculação com a família original.
62
4
EXERCÍCIOS
SISTÊMICO-VI VENCI AIS
O s exercícios sistêmico-vivenciais - nos quais procuramos
englobar o verbal-racional e o emocional-afetivo - constituem-
se basicamente da dramatização de cenas familiares (solicitadas
pelo coordenador1) finalizadas com uma escultura da família de
origem e uma sugestão (verbal, tarefa ou ritual) dada por ele ao
cliente. Eles revolucionam o conceito de que terapia é aquela rea
lizada apenas de forma individual ou grupai num espaço dito te
rapêutico (por um profissional em um horário e dia específico)
destinado a esse fim.
Acreditamos, mesmo sendo diferente do usual, que estes
exercícios são capazes (para quem estiver motivado para algum
tipo de modificação que irá perturbar a homeostase do seu siste
ma familiar) de produzir um efeito terapêutico intenso, concen
trado, rápido e mais potente do que uma terapia a longo prazo
ou de prazo indefinido. Eles realizam uma cura em uma única
sessão, onde há princípio (pergunta), m eio (cenas dramáticas) e
fim (solução).
A que se deve isso?
68
Neles, a partir de uma pergunta objetiva feita pelo cliente
(aquele que está se submetendo) e mediada pelo terapeuta (aquele
que o está aplicando), são descerrados, como em um filme, através
de cenas familiares dramatizadas (com a ajuda da plateia), trechos
fundamentais da sua vida.
O passado se atualiza no presente, oferecendo ao cliente a pos
sibilidade de vê-lo, hoje, e tentar modificá-lo a fim de evitar que
ele o sufoque e o torne somente um mero repetidor ou um trans
missor, sem ideias originais dentro da estrutura familiar.
66
crescimento dos filhos) e retornar, paulatinamente, ao seu estado
prévio, ou seja, ao casal (que não deixa de ser um a situação nova:
mais velhos e sem filhos em casa), como também os filhos enfren
tarem o desafio (desconhecido) de uma trajetória solo com muito,
pouco ou nenhum suporte da estrutura anterior (conhecida).
O terapeuta familiar deverá oferecer ao indivíduo e à família a
oportunidade de se separarem emocionalmente a fim de poderem
desenvolver a sua vida, cada um em sua respectiva etapa.
1. Hoje é ontem
67
Num primeiro movimento, o cliente representa o papel de;
protagonista nas diferentes cenas para, num segundo movimen
to, colocar-se de fora, substituído por outro voluntário. Assiste à
repetição das cenas, ao lado do terapeuta, numa posição distan
ciada, com a finalidade de observar se encontra nelas alguma res
posta para a sua pergunta.
68
rando fugir à racionalização das intervenções verbais, que levam
mais a um entendimento do que a algum tipo de ação ou mudança;
paralelamente, as tarefas vão demonstrar - se executadas - qual
o grau de motivação daquele sistema para procurar uma solução
para o seu problema (um outro nível organizacional).
O entendimento, que o levará ou não a fazer algum movimen
to, fica somente por conta do cliente, enquanto nas tarefas (apesar
de depender dele realizá-las ou não) existe uma ação por parte do
terapeuta, que o induz a fazê-las.
O terapeuta deve exercer um papel central, ativo, acertando ou
não em seu diagnóstico e intervenções, reservando-se à família o
papel, também importante, de realizar ou não as movimentações
e modificações em sua organização que foram propostas pelo tera
peuta.
Estas modificações vão depender também de fatores econômi
cos, culturais e geracionais-histórico-familiares que vão se trans
formar (deslocar) em dependência emocional de um parceiro em
relação ao outro e/ou dos filhos que recebem a carga, maior ou
menor, das relações do passado, do casal com os seus pais e desses
com os seus genitores.
69
b) Dramatização - é solicitada, primeiramente, a represen
tação de um a cena clínica que, com a ajuda de voluntários, vai
reproduzir o que aconteceu em outro momento no atendimento
terapeuta-cliente.
Num segundo movimento, o coordenador pede ao terapeuta*
que represente uma cena de sua infância ou adolescência com a
sua família.
Esse procedimento calca-se no fundamento teórico de que
num impasse clínico 50% de responsabilidade dizem respeito ao;
terapeuta e 50% ao cliente.
Num terceiro movimento, o terapeuta-protagonista é substi
tuído por um voluntário nas cenas clínica e familiar a fim de ob
servar, de fora, alguma semelhança entre uma cena e outra.
70
3. Duas árvores
71
Daí a razão de ter dado esse nome ao exercício. O que aconte
ce, hoje, já estava determinado há várias gerações. Para simplifi
car, consideramos o que estava escrito há três gerações.
Assim, no item dramatização, a prim eira cena a ser pedida
pelo coordenador é com os avós (paternos ou maternos ou um
deles, geralmente com quem aquele(a) que está se submetendo ao
exercício teve mais convivência), seguida pelas demais cenas com
a mesma sequência dos diferentes exercícios.
Quando o protagonista dramatiza a cena com os avós, ou um
deles, é perguntado pelo coordenador qual a música que ele acha
que coloriria aquele momento. Ela é então cantada p or todos e
repetida após o protagonista dizer - durante a escultura - a fra
se para um dos membros da família (geralmente um dos avós)
sugerida pelo coordenador. A lembrança da música destina-se a
acentuar o tom emocional da cena e a compor, com a frase e a
escultura realizadas, o dito do exercício.
Uma outra diferença nesse exercício é aquela em que, no m o
mento da escultura, o coordenador - após o protagonista esculpir
sua família de origem - pede que insira seu(s) avô(s) ou avó(s) em
relação a ele (protagonista). Esse movimento sela o exercício, na
medida em que, espacialmente, caracteriza a transmissão geracio-
nal dos avós, passando pelos pais e chegando ao(s) neto(s), confi
gurando que o que não foi realizado na geração dos avós cria uma
determinação para o(a) neto(a) efetuar.
5. Vozes do passado
72
irmãos e outros membros familiares ou substitutos) - que tiveram
importância em nossa vida - ficam registradas na matriz familiar
de cada um de nós.
Essas vozes no presente atuam, geralmente, de forma imper
ceptível sobre o portador delas, influenciando sua conduta no
dia-a-dia em qualquer área de atuação. Elas, as vozes, se tornarão
mais ou menos atuantes de acordo com o estímulo relacional que
o portador receber.
A identificação dessas vozes é fundamental para que possa
mos dialogar com elas sem nos assustarmos - evitando que nos
dominem - com o propósito de chegarmos a uma solução que con
temple ora o indivíduo, ora a família, no eterno conflito dramático
existente entre o indivíduo e a família (quem é mais importante?).
No exercício, a viagem ao passado é realizada através de uma
máscara que o protagonista coloca sobre os seus olhos para vendá-
-los a fim de mergulhar no seu interior, empreendendo um a aven
tura submarina com o intuito de descobrir suas vozes familiares.
Essa viagem é guiada (dirigida) pelo coordenador-terapeuta
de acordo com as seguintes etapas:
73
Nessa interação, o coordenador tem um papel ativo, ao fazer o
duplo (o pensamento oculto) dessa voz ou ao solicitar que m em -;
bros da plateia (quem desejar), colocando-se por trás do persona
gem, o façam. |
O exercício se encerra com ele sugerindo um a saída para o j
protagonista através de uma frase que esse último deverá dizer
para o personagem que encarna a voz, que estaria bloqueando seu
desenvolvimento (sua individualização) para o futuro.
Uma outra variante do exercício é, após o coordenador iden
tificar as vozes que estão influenciando (perturbando) o protago
nista, pedir que ele realize a escultura de sua família de origem
(como a vê no presente). A partir daí, conectar a pergunta inicial,
as vozes que surgiram nos diferentes momentos, com a escultura
realizada e, então, propor uma frase libertadora das vozes familia
res ou acentuadora da influência dessas mesmas vozes, para que o
cliente, ao mergulhar nelas, perceba sua força.
6. O Fim é o princípio
74
Se o protagonista não conseguir fazer determinadas modifica
ções no presente, esse passado o comandará, determinando qua
será o seu fim (futuro).
O exercício se conclui com sugestões objetivas e tarefas pres
critas pelo coordenador - além daquelas recomendadas por mem
bros da audiência que o desejarem fazer - com o intuito de modi
ficar o seu presente e futuro.
7!
Quando o exercício se encerra, a audiência emite suas opini
ões, sugestões e tarefas (prescrições) para o protagonista, acom
panhadas da tarefa do coordenador. As prescrições são escritas,
redigidas numa folha e entregues ao protagonista para realizá-las.
Mais uma vez, cumpre-se a máxima já exposta por mim, no
livro Carta a um jovem terapeuta (2010), de que toda investigação
deve estar a serviço da intervenção, de m odo que se produza algu
ma mudança na questão apresentada.
Sem ação não há solução. O terapeuta não deve deixar essa
ação somente por conta do cliente, exercendo, ele, um papel ativo
e transformador.
76
5
EXERCÍCIOS
SISTÉMICO-RACIONAIS
C 3 s exercícios sistémico-racionais têm a finalidade de oferecer
ao cliente (indivíduo, casal ou família) um a visão espacial, distan
ciada de sua posição no sistema (na tram a familiar), identificar em
quais triângulos está inserido (incluído ou excluído) e qual seria a
maneira de ele superar os obstáculos proporcionados pelo sistema
em relação à sua individualização.
Eles consistem de três tipos de genograma (árvore genealógica
familiar) desenvolvidos a partir dos estudos feitos por McGoldrick,
Gerson e Petry (2012).
1. Pergunte ao genogram a
79
Num segundo movimento, desenho e ensino, num quadro
branco, como se faz um genograma com a sua simbologia básica,:
para apagá-lo em seguida.
Num terceiro movimento, solicito ao cliente que desenhe o ge
nograma, mesmo sendo a primeira vez que o esteja conhecendo.
Essa proposta baseia-se na conceituação de que a feitura do geno
grama representa, no quadro, espacialmente, a projeção de como
está configurada (marcada, impressa) a família em sua matriz, istoí
é, funciona como um teste projetivo familiar. Através dessa con
figuração, o coordenador procura detectar o uso dos sím bolos,1
como o genograma foi desenhado (grafismo) na disposição espa
cial, nos esquecimentos (não colocar o nome dos pais, sua profis
são, não assinalar que os avós faleceram etc.), que vão caracterizar
o que denominamos de erros emocionais.
A partir dos erros emocionais e de como foi desenhado o geno
grama, chega-se à resposta da pergunta formulada. Essa resposta
é acompanhada de uma explicação do genograma (leitura do que
foi desenhado), seguida de um a tarefa a ser realizada pelo cliente
com a finalidade de promover uma ação, um a m udança em rela
ção ao seu sistema familiar.
2. Genograma da m issão
80
mente, com os avós (paternos e maternos) ou substitutos (tios,
tias, agregados);
- quem escolheu ou lhe deu o nome e o seu significado, pes
quisado no momento, em livros específicos.
De posse desses dados o terapeuta lhe revela qual foi a missão
recebida de sua família ao nascer, que vai determ inar sua função,
no presente, influenciando seu comportamento em todos os rela
cionamentos.
A revelação da missão possibilita a resposta da pergunta feita
no início do genograma e quais são as possibilidades e impossi
bilidades de movimentação daquele cliente em função da missão
recebida.
3. Genograma cruzado
81
50% de responsabilidade na crise conjugal, o que vem acompa
nhado de uma solução para a questão apresentada.
82
6
O MODELO
SISTÊMICO-VI VENCI AL
EM GRUPOTERAPIA
C 'O m o desenvolvimento do modelo sistêmico-vivencial e os
seus resultados positivos, resolvi desdobrá-lo e aplicá-lo a um n ú
mero maior de pessoas, com algumas variações, através do aten
dimento grupai.
Esse tipo de atendimento comporta duas modalidades: a gru-
poterapia individual sistêmica breve e a grupoterapia multifami-
liar e/ou conjugal breve.
85
Essa atitude terapêutica baseia-se na teoria sistêmica de Bo-
wen (1978), que afirma que as pessoas com um grau de diferen
ciação baixo - de acordo com a escala que ele formulou - não
conseguem separar o sentimento do pensamento, reagindo ao
comportamento dos outros sem avaliarem (sem pensarem) o que
estão falando ou fazendo.
Ao colocar quatro pessoas num espaço terapêutico - funcio
nando na metodologia proposta - estou direcionando um a não-re
ação por parte delas, impulsionando-as a pensar. É um a experiên
cia única em suas vidas, já que são limitadas a não-verbalmente
separarem o sentimento do pensamento, o que as leva a um ou
tro grau de diferenciação. No nível verbal - em seu tempo - não
só debatem com o terapeuta suas questões, como também - em
outro tempo - escutam e pensam sobre o que está sendo falado
com o colega de grupo.
Como é uma terapia breve, com tempo delimitado (doze me- j
ses), ela funciona como um grupo aberto, o que significa que cada
um dos membros do grupo tem direito a permanecer nele durante
doze meses e, assim, vai alternando suas presenças. Por exemplo,
num grupo que se inicia com quatro pacientes e um deles inter
rompe o tratamento dois meses depois, este será substituído por
outro que permanecerá por doze meses, e assim sucessivamente.
Segundo, a perspectiva teórica: existe, no contexto atual do
paciente, uma representação familiar do passado que se atualiza
no presente e que vai constituir o foco sistêmico onde a terapia vai
atuar. Esse foco sistêmico está conectado diretamente às ligações
atuais e/ou passadas com a família de origem do paciente (exista
ou não) que são transplantadas ao tempo atual em suas relações
nas diferentes áreas da sua vida.
Na fundamentação teórica são importantes: o conceito de
massa indiferenciada do eu familiar (Bowen, 1978), as etapas do
ciclo de vida familiar (McGoldrick, Cárter e Garcia Preto, 2011) e
86
o conceito de foco sistêmico e matriz familiar (Groisman, Lobo e
Cavour, 2013, I a ed. 1996).
Terceiro, a perspectiva técnica: ao detectar o foco sistêmico, o
terapeuta endereça intervenções específicas a ele, acompanhadas
de tarefas (prescrições) que terão a finalidade de atingir o alvo (o
coração do sistema), promovendo o descongelamento do tempo
familiar.
I?
Haverá um a onda de propagação em espelho para as próprias
questões com a sua família de origem, que se refletem nas relações
atuais.
Este método não se destina apenas a um a exploração ou en
tendimento das relações do cliente com a sua família de origem,
mas também, através de um a projeção do passado no presente,;
procura soluções objetivas e concretas - por meio de tarefas (Ha-
ley, 2006), ou sugestões (Groisman, 2012) - para que ele ou ela
resolvam suas questões atuais nas áreas profissional, amorosa, se
xual e social.
Na medida em que a terapia é de duração breve, com tempo
marcado, confere ao participante e ao terapeuta um a delimitação
- encaminhar ou não um a solução para as questões apresentadas,
dentro de um prazo determinado.
O terapeuta, ao associar os conceitos de diferenciação do eu
em relação à massa familiar, foco sistêmico (de acordo com a eta
pa do ciclo vital familiar que o indivíduo estiver atravessando), e
o de matriz familiar vai poder acessar rapidamente a questão ou a
patologia apresentada pelo paciente.
Desta maneira, a psicoterapia torna-se breve e intensa, já que
o conflito central do paciente é alcançado, diagnosticada sua luta
com o sistema familiar, e são oferecidas soluções para a sua liber
tação. Libertação essa que não significa isolar-se da família, mas,
sim, relacionar-se com ela - mantendo a sua individualidade.
88
famílias existem casais e os casais fazem parte de um a família ou
pretendem ser um a família um dia.
Essa mistura torna-se rica e instigante. Nessa heterogenei
dade existe um a exceção: não misturamos famílias com crianças
até doze anos com casais e famílias com filhos maiores, já que os
temas são diferentes e impróprios para um a determinada faixa de
idade.
O grupo tam bém se reúne, um a vez por mês, por duas horas, e
cada casal ou família expõe a sua questão durante trinta minutos,
tendo o direito a permanecer nele por doze meses. A diferença em
relação à grupoterapia individual sistêmica é que nessa - sendo
apenas um a pessoa (a família ou o casal completo não está pre
sente) - o terapeuta intervém na família ou no casal (se o paciente
tiver uma relação estável ou for casado) de um a forma imaginária,
enquanto na grupoterapia multifamiliar o faz de um a forma viva e
real, tentando descobrir e revelar a parcela de responsabilidade de
cada um dos envolvidos na trama.
Como são de quatro a oito casais ou famílias no grupo, no
caso de serem mais de quatro não vai haver tempo para todos fa
larem naquele mês, permanecendo então os restantes para o mês
subsequente.
Mais importante do que falar é ouvir, refletir sobre o que o
terapeuta está dizendo para a sua família ou para eles enquanto
casal, ou para a outra família ou casal.
Qual é a vantagem desse tipo de tratamento?
Existe um a potencialização das intervenções terapêuticas no
nível grupai, acompanhadas da mensagem - na medida em que
o tempo é demarcado - de que cada família ou casal é responsá
vel por sua melhoria, ao mesmo tempo que são estimulados pelas
manobras terapêuticas verbais, prescrições e rituais.
A presença de um limite de tempo confere um sentido de pre
mência (o tempo terapêutico não é infinito) e caracteriza para o
89
terapeuta qual é o subsistema que está mais motivado, interessad
em caminhar para um outro nível relacional: conjugal, parent'
ou filial.
Tanto a grupoterapia individual sistêmica como a multifami
liar breve têm um alcance social amplo na medida em que ofere
cem a possibilidade de atendimento psicoterápico a um núm er
maior de pessoas num m enor período de tempo.
90
membros de ser o doente, ou a própria relação, para cada
um dos integrantes da família ou do casal assumir sua pró
pria parcela de responsabilidade (sem acusar o outro) para,
dessa maneira, construir um novo equilíbrio relacional.
91
7
MEUS PAIS
eu pai chamava m inha mãe de filhinha, enquanto ela o cha
mava pelo nome. Achava essa designação carinhosa, mas era a
que correspondia à relação deles: ele como o detentor do poder
econômico, das decisões em relação aos filhos e como aquele a
quem m inha mãe recorria (ele como pai e ela como filha, digo,
filhinha).
Ele, no papel clássico de provedor, de autoridade, de chefe da
família, e ela como a cuidadora e organizadora do lar e da família.
Eu me lembro nitidamente, quando ele chegava em casa à noi
te, do trabalho, ela reclamando que eu e meu irmão havíamos b ri
gado durante o dia, ou que eu havia sido suspenso no colégio e que
ele precisava fazer alguma coisa. Chamava a nossa atenção, princi
palmente a minha por ser o mais velho e precisar dar o exemplo.
Ele decidia as viagens, quando vínhamos para o Rio de Janeiro
passar as férias, ou para Atafona (praia próxima a Campos, onde
tínhamos uma casa).
Tudo levava a crer que era o comandante da família.
Mamãe, apesar de preocupada com os filhos, se dedicava a ele,
passava o dia esperando-o para almoçar e principalmente para
jantar, quando reclamava invariavelmente dos seus atrasos. Tele
fonava para a loja e não o encontrava. Onde ele estaria?
95
Era a razão de ser da vida dela. Ela só tinha a ele - e os filhol
- já que sua família estava distante, enquanto ele se repartia entr
sua família (irmãos e cunhadas), amigos e os negócios.
Ela transferiu toda a dependência que tinha dos seus pais
que havia passado para um a irmã mais velha (com quem morotj
algum tempo no Rio de Janeiro) - para o marido.
Quando meu pai adoeceu, ela revelou toda a sua força (qujj
já havia demonstrado ao presidir e participar de organizações s o l
ciais judias e não judias), vindo a capitanear o barco conjugal (c
filhos já tinham constituído suas famílias). Então, eu que acredil
tava que o meu pai era o forte da relação, com a sua doença eli
simbolizou o que acontece com a maioria dos homens: voltou a |
colo da sua mãe-mulher.
Ela - que só saía ou viajava com ele - , com o falecimento del|
aos 79 anos (permaneceu dez anos doente), se integrou a grupe
de sua idade, realizando programas e excursões pelo Brasil ou ex|
terior. Renasceu aos 76 anos, apesar de, muitas vezes, lamentar-s
da ausência dele.
A dependência emocional transferiu-se do m eu pai para oi
filhos, que passaram a protegê-la financeiramente (cuidavam da
propriedades e do dinheiro deixado por meu pai) e no to can te;
sua saúde e à sua infraestrutura.
Com a morte do meu pai, passei a conhecê-la mais como mu^
lher, como pessoa. Ela vivia na sombra dele. Era somente u m á|
mãe para mim.
96
8
O CASAL
Q uando um homem e um a mulher, ou dois homens, ou, ainda,
duas mulheres se unem através de um casamento ou de um a re
lação estável estão lançando a base para se transformarem ou não
num a família.
Essa família poderá ser formada através do nascimento de um
filho biológico, adoção, barriga de aluguel, fecundação artificial
(banco de sêmen), fecundação in vitro, ou num segundo casamen
to pós-divórcio, ou segunda união hetero ou homossexual, através
de filhos do primeiro casamento ou gerados nessa nova relação
(família recasada).
Hoje, não podemos ignorar, sob pena de estarmos atrasa
dos - não acompanhando a evolução da medicina e das relações
contemporâneas - o que está acontecendo no mundo. Aquele ou
aquela terapeuta que ficar atrelado às suas ideias tradicionais -
que aprendeu na faculdade ou em formações de pós-graduação
- não terá a possibilidade de entender e orientar adequadamente
os novos casais e as novas organizações familiares.
Q uando o casal se forma acredita, sofre da ilusão de que a atra
ção ou a paixão que os aproximou e uniu vai ser o moto contínuo
de sua vida, como se fosse possível congelar aquele momento. Nâo
só acredita que conseguirá manter a mesma paixão inicial como
também formará um a ilha imune às influências de suas respec
tivas famílias de origem, dos filhos quando vierem e do próprio
contexto sociocultural onde vivem (trabalho, amigos, convulsões
sociais, financeiras e ambientais).
Q uando o futuro casal se encontra - cada um dos seus com
ponentes trazendo suas carências e expectativas do que viveram e
ficou marcado em suas respectivas matrizes familiares - não re
presenta apenas duas pessoas soltas no mundo. Cada um deles
é um flash, um instantâneo, um símbolo de onde vieram (suas
famílias de origem). Nelas foram constituídos, edificados, fabrica
dos de uma determinada maneira: de acordo com a missão que a
família designou para eles, as alianças e as exclusões nas triangu
lações familiares e o que viveram durante a infância e a adolescên
cia em suas respectivas famílias, que os marcou indelevelmente. O
resultado dessa mistura os leva a procurar de alguma maneira um
parceiro (a) que os satisfaça, ou compense as carências e expecta
tivas que cada um traz.
O conhecimento desses antecedentes é fundamental para que
o terapeuta possa diagnosticar o que está acontecendo no presente
- a crise conjugal, que pode se expressar de três maneiras: através
da sintomatologia de um filho (criança ou adolescente); da sinto
matologia emocional ou física de um dos membros do casal; ou da
própria relação dos parceiros.
Como a sintomatologia de um filho pode estar ocultando um a
crise no casamento?
Como consideramos a família um sistema de forças em que
cada um dos membros exerce um a determinada função, desde
a mais expressiva (forte) até a menos expressiva (fraca) - todos
tendo a sua importância na organização familiar - , é natural de
duzirmos que a patologia surja inicialmente no elo mais frágil e
dependente do sistema: o filho. Esse, por meio de qualquer sin-
100
tomatologia que apresente, está exibindo um a discórdia entre a
dupla parental - seja como pais, seja como um casal.
Aliás, não existe a possibilidade de um casal funcionar bem
enquanto pais e mal enquanto um casal, ou vice-versa. Apesar de
serem funções diferentes - como pai e mãe, m arido e esposa ou
companheiro e companheira - elas são exercidas pelas mesmas
pessoas. Podem até atuarem melhor enquanto pais do que como
um casal ou vice-versa, mas qualquer questão em um a das duas
posições vai exprimir um a disfuncionalidade no casal.
Cada um dos membros do casal necessita exercer - não é fácil
ou é impossível equilibrá-los adequadamente - quatro papéis ao
mesmo tempo: marido e esposa, pai e mãe, filho e filha (de suas
respectivas famílias) e indivíduo com as suas necessidades e dese
jos pessoais, além de suas inserções sociais.
Do equilíbrio entre esses papéis - que nunca será igual: cada
um penderá mais para um lado do que para o outro - vai resultar
um relacionamento conjugal mais ou menos harmonioso. Q uan
do um desses papéis é mais acentuado num grau maior do que o
outro, desemboca-se em uma crise conjugal. Ou seja, cada um dos
membros está privilegiando mais uma área do que a outra, provo
cando uma dissonância no relacionamento conjugal.
Esse equilíbrio é difícil, mas a procura dele é fundamental,
principalmente na medida em que cada um dos membros tenha
a consciência dos diferentes sistemas e subsistemas do qual par
ticipa ao mesmo tempo. Eu sou marido, esposa, companheiro(a),
filho(a), profissional e ser social concomitantemente. Essa inserção
múltipla é rica, desafiadora e complexa. Como, normalmente, não
temos consciência desses diferentes papéis, como eles já foram de
senhados em nossas famílias de origem, através dos modelos pa
rentais, eles acabam pesando mais em uma área do que em outra.
Vou exemplificar através de um caso clínico atendido por uma
das equipes da Núcleo-Pesquisas a disparidade de um dos papéis
101
em relação ao outro, o que resultava numa falta de caracterização
do tipo de relação que aquele casal mantinha.
Explico: é importante que o homem e a mulher, o homem e
o homem, a mulher e a mulher delimitem qual o tipo de relação
na qual estão envolvidos. Isso vai possibilitar posicionarem-se de
uma forma mais clara e adequada entre eles, perante suas respec
tivas famílias de origem e os filhos, se houver.
O caso clínico que descreverei tornou-se um vídeo que editei,
ao qual dei o nome de Um casal (?) infiel (2010), que já no título
define a questão que estamos tratando. Vou contar a história deles
para vocês entenderem.
102
engenheiro de uma firma de construção e no final do dia fazia gi
nástica, para depois jantar com a mãe, quando colocavam os assun
tos em dia; do que resultava que só poderia vê-la no sábado à noite e
no domingo, que eram seus dias livres. Mesmo assim, no domingo,
somente na parte da manhã, porque tinha que almoçar com os pais,
à tarde preparava a sua agenda e trabalhos para a semana e à noite
assistia ao programa Fantástico na televisão com os pais.
O dia em que se encontraram foi uma exceção. Tinha acabado
de sair de um namoro de quatro anos que terminou por pressão da
ex-namorada. Ela queria que eles morassem juntos - não precisa
riam se casar -, o que ele logicamente recusou. Ficou meio na fos
sa porque gostava dela e, principalmente, porque mantinham uma
excelente relação sexual, que acontecia invariavelmente no sábado
à noite ou no domingo pela manhã, na casa dela. Instado por um
amigo, concordou em abrir mão da ginástica e da sauna - que fazia
no seu clube após a atividade física - para ir numa sexta-feira à noite
ao tal encontro para solteiros.
A princípio, Suely se rebelou contra o esquema do Álvaro, mas
acabou aceitando diante da posição dele: é assim ou nada. Durante
dois anos viveram uma paixão avassaladora, que estava arrefecendo
quando Suely começou a pressioná-lo para morarem juntos, como
a anterior e a maioria das mulheres. Depois de muita discussão,
ameaça de rompimento, chegaram a um acordo: teriam um filho,
que era um sonho de Suely, e continuariam a morar em casas se
paradas; com a exigência de Álvaro que ela tivesse o filho com o
ginecologista de sua mãe.
Após o parto de uma menina, Suely passou três meses na casa
da sua mãe, onde Álvaro, a contragosto, a visitava. Não só não gos
tava de se encontrar com a família de Suely (namoro eia e não a
sua família) como também foi obrigado a cumprir um período de
abstinência sexual. Suely se dedicava completamente à filha, ama
mentando-a e cobrindo-a de todos os cuidados, inclusive dormin-
103
do com ela no mesmo quarto, apesar de a avó ter feito um quarto j
especial para a neta.
Toda essa história veio à tona em função de a filha, hoje com §
treze anos, ter sido encaminhada pela escola para fazer terapia fa
miliar porque não conseguia assistir às aulas, tendo que sair cons-1
tantemente da sala para telefonar para a mãe - quando não faltava, j
dizendo preferir ficar em casa. Amanda, a filha, tinha um histórico
de ter passado por várias escolas, de onde saía por reprovação, ou j
por implicar com as colegas, às quais considerava bobas e burras.
Quando saíram da casa da avó materna, Suely e a filha volta-1
ram ao seu apartamento. Na relação com Álvaro, houve uma m o-1
im
dificação da rotina de visitas: ele, que anteriormente encontrava-se J
com ela, como dissemos, aos sábados à noite e aos domingos pela 1
manhã, após o nascimento da filha passou a ver as duas apenas n o '
domingo pela manhã. A explicação dada foi a de que preferia ver |
as duas juntas, pois no sábado à noite, quando chegava, Amanda já
estava dormindo.
Como no restante da sua vida, Álvaro tinha um ritual: nos do
mingos pela manhã corria no calçadão da Avenida Atlântica, de
onde ia para a casa de Suely, que também morava em Copacaba
na, onde tomava banho e trocava de roupa, que deixava em uma
sacola de ginástica na portaria dela antes de correr. Não mantinha
nenhuma roupa na casa dela para que esta não pensasse que tinham
algum compromisso mais sério.
Depois do banho, transava com Suely - foram flagrados, várias
vezes, por Amanda, por não fecharem a porta do quarto em virtude
de Suely não gostar de ambientes fechados -, para, posteriormente,
tomar o café da manhã com as duas e ajudar a filha em algum dever
de casa. Invariavelmente, saía às 12:30h a fim de almoçar com os
pais às 13h.
Às 12h, sua mãe já começava a telefonar perguntando se ele não
ia para casa porque o almoço estava pronto. Adorava o empadão de
104
frango com palmito que a mãe preparava especialmente para ele, uma
receita que tinha sido de sua avó materna.
Era o filho caçula, com mais três irmãs, sendo que duas eram
solteironas e também moravam com os pais - a mais velha, a única
que se casou, tinha dois filhos.
Amanda também presenciava as brigas dos pais que, inclusive,
chegavam a agressões de lado a lado. Essas brigas originavam-se em
discussões sobre dinheiro, nas quais Suely argumentava que Álvaro
contribuía pouco para a educação e a manutenção da filha e tam
bém em queixas sobre o abandono em que ela vivia devido à au
sência de uma vida social. Álvaro contra-argumentava mostrando
o seu contracheque, dizendo que não podia ajudá-la mais do que já
fazia e que ela poderia recorrer à mãe, que havia herdado uma boa
herança com a morte do pai. Ao mesmo tempo, reiterava que nunca
a havia enganado quanto às suas pretensões.
Aliás, as duas famílias não eram a favor do relacionamento de
les, principalmente a de Álvaro; sua mãe não queria perder o filho e
companheiro de intermináveis conversas, enquanto a de Suely não
aprovava esse tipo de relacionamento, também pelo fato de ser com
um homem bem mais velho do que ela. Sua mãe sempre sonhou
casar a única filha na igreja, de branco, com uma grande festa para
os seus inúmeros amigos.
10S
famílias de origem. No caso de Álvaro era mais evidente, enquan
to Suely não progrediu profissionalmente, vivendo às expensas da
previdência social, da ajuda financeira da mãe e da pensão de Ál
varo à filha. Esse impasse relacional servia como base para a di
ficuldade escolar da filha, que era aliada e companheira da mãe,
em oposição ao pai. Ficava enredada nesse triângulo perverso, não
conseguindo uma adaptação escolar satisfatória que permitisse
seu desenvolvimento (o que significaria deixar os pais entregues às
suas próprias ligações anteriores).
106
Assim, o terapeuta tem duas frentes: o sistema (a família) e
o indivíduo acom etido pela patologia. Apesar de os dois esta
rem constantem ente entrelaçados através de um a dependência
recíproca, está em jogo o desenvolvimento desse indivíduo. Ele
evoluirá, mais ou menos, de acordo com o grau de sua patologia
(agudo ou crônico), o envolvimento maior, m enor ou nenhum
de seus familiares (principalm ente os pais) e sua adesão maior,
m enor ou nenhum a ao processo terapêutico.
107
dia. Não fez amigas nas escolas pelas quais passou e, quando era
convidada para ir a alguma festa de aniversário de uma colega, se
recusava a ir: só gosto de me dar com pessoas da minha família.
Como, no nosso projeto de terapia familiar breve, faz parte
convidarmos as famílias de origem de cada um dos parceiros a
comparecer em sessões separadas, convocamos, em primeiro lu
gar, a família de Álvaro, sem a presença de Suely, já que havia uma
situação beligerante entre o casal e entre Suely e a família de Álvaro.
Quando a família de Álvaro veio à sessão, apesar de as irmãs
serem favoráveis a uma definição sua na relação com Suely, por
que estava comprometendo o desenvolvimento de Amanda, ficou
claro que a mãe, que era a matriarca, a líder da família, emocional
e financeira, não aprovava a relação porque Suely era de uma clas
se social inferior à deles e, principalmente, porque iria perder seu
interlocutor.
Diante das críticas a Suely, feitas pela mãe e desaprovadas pela
irm ã casada - que dizia que era favorável à definição da relação,
mas que convidava somente Álvaro para a sua casa quando havia
alguma festividade - , percebemos que havia um a dupla mensa
gem em sua comunicação. Álvaro não reagia, era como se concor
dasse com a mãe e com a dupla mensagem da irmã.
O mesmo se repetiu em relação à família da Suely, com a pre
sença da sua mãe. Ela procurou abster-se de qualquer comentário a
respeito da vida conjugal dos dois, apenas explicitando que Álvaro
era uma pessoa de temperamento difícil. Estava mais preocupada
em criticar o falecido marido, que procurava fazer todas as vontades
de Suely. Antes mesmo do término da faculdade, já havia dado um
apartamento para ela um dia morar, porque não acreditava que pu
desse ter, em algum momento, a possibilidade de adquiri-lo.
Diante desse quadro, não podendo contar com o reforço das
respectivas famílias, resolvemos investir na definição da relação
que existia entre Álvaro e Suely - deixando a questão escolar de
108
Amanda para posterior decisão (com a interrupção da escola a
cegueira sumiu).
Álvaro colocou claramente, mais um a vez, que não pretendia
morar com Suely, sentia-se muito bem m orando com os pais, não
pretendendo se m udar da casa deles; que já a ajudava financeira
mente e não teria como aumentar sua contribuição mensal. Pa
ralelamente, insistimos com Suely para que voltasse a trabalhar,
já que não a considerávamos doente (ela era uma dependente da
família, tendo transferido essa dependência para Álvaro).
Depois de várias gestões junto aos dois para que definissem
sua situação, concordaram em assinar um documento preparado
por nós no qual reconheciam que eram marido e mulher, mesmo
m orando em casas separadas.
Principalmente em relação a Álvaro, essa ratificação foi im
portante, porque ele dizia, quando perguntado sobre a relação que
m antinha com Suely, que ela era a mãe da sua filha e que por isso
a respeitava e m antinha um relacionamento com ela.
Ao contrário de Álvaro, Suely queria se casar e m orar com ele,
ao mesmo tempo que se colocava como dependente economica
mente e doente. Tinha crises de irritabilidade com a filha, batia
nela em função de não atender seus pedidos de ir à escola ou se
despregar dela, indo à casa de uma colega ou convidando-a para
vir à sua casa, ou quando ameaçava se suicidar, jogando-se da ja
nela, porque Álvaro prometera vir à sua casa fora dos seus horá
rios habituais e não aparecera, sem dar nenhum a satisfação.
Quando ele vinha, na famosa manhã de domingo, explodia
ao ponto de agredi-lo, precisando algumas vezes ser internada na
medida em que essa agressão era seguida de uma quebradeira em
toda a casa, recorrendo à tentativa de se jogar pela janela do seu
apartamento no 8o andar. Chegando ao ponto, em uma dessas ve
zes, de se dependurar na parte externa da varanda da sala, tendo
sido preciso solicitar a ajuda do Corpo de Bombeiros.
10«
Álvaro, por sua vez, mascarava a dependência que tinha de
sua família - portando-se como um a pessoa normal - atrás da
doença de Suely, que funcionava como o bode expiatório da rela
ção amorosa.
Suely estava em tratamento psiquiátrico, recebendo medi
cação neuroléptica (antipsicótica). Ao mesmo tempo, Amanda,
como já falamos, não conseguia se desprender de Suely. A hipóte
se que fizemos é que ela tinha sido concebida como um presente
de Álvaro para Suely de m odo que fizesse companhia à mãe, subs
tituindo o pai.
Após a caracterização da relação de Suely e Álvaro com a as
sinatura do referido documento - que foi mostrado à Amanda -
esta concordou em voltar a estudar em outra escola.
Numa avaliação feita três meses após, Álvaro, que veio para a
terapia instado por Suely, se pronunciou dizendo que a terapia va
leu. Suely, que já havia feito vários tratamentos anteriores, achou
que o processo terapêutico foi objetivo e satisfatório, e Amanda
relatou que estava satisfeita com a nova escola, onde havia feito
amigas e uma grande conquista: ia para a escola sozinha de metrô,
diferente da anterior, para onde, apesar de ser próxima à sua casa,
necessitava que a mãe a levasse.
110
9
O CASAL E OS FILHOS
Q uando a família é inaugurada - com o nascimento ou ado
ção de um filho produz-se uma verdadeira revolução: o que
era dois passou a ser três. Essa transform ação exigirá um a nova
organização e acomodação daqueles personagens, principal
mente do casal.
A felicidade que representa a vinda de um filho implicará num
desafio para a relação conjugal. Ela será testada em sua solidez e
cumplicidade. Por quê?
É natural que as atenções se voltem para o filho que vai
necessitar de proteção e segurança.
É natural que a mãe, que o gerou e o amamentará por algum
tempo, fique mais sobrecarregada do que o pai, comprometendo
inicialmente a vida conjugal.
Mas, não é natural que, após esse tempo, o casal não retome
paulatinamente suas atividades enquanto tal. Se isso não ocorrer é
porque o casal se diluiu na família, tornando-se os papéis de pai e
de mãe mais importantes do que os de marido e esposa.
Além disso, quando nascem o primeiro filho e os subsequen
tes (se houver), vão ocorrer identificações e alianças dos pais com
ele(s) que podem provocar um afrouxamento da relação conjugal.
Isso ocorrerá se houver uma aliança maior de um dos pais com o
filho, excluindo assim o parceiro, que também aceitou essa asso
ciação, tornando-se um terceiro na relação. Como consequência,
esse terceiro excluído procurará outro aliado dentro (outro filho)
ou fora da família (relação extraconjugal) para agora fazer o mes
mo com aqueles que o excluíram.
Essa dança triangular não terá vencedores, pois representará
a derrota do casal ao criar um espaço considerável entre eles, na
medida em que vai haver a interposição de um filho.
Não podemos também esquecer que existe um a pressão em
prol da família, seja das famílias de origem de cada um dos par
ceiros, seja da própria sociedade. Nessa, a família é muito mais
valorizada do que o casal tanto nos rituais naturais (aniversário,
bodas de prata, ouro, batizado etc.), quanto na mídia, na cultura
da propaganda e pelas diferentes religiões.
Não é simples conjugar casamento, sexualidade e filhos: en
contrar o espaço para cada um desses setores.
A sexualidade do casal, em si, já é uma área complexa. Cada
um dos parceiros traz um a história do seu desenvolvimento se
xual em sua respectiva família de origem, com as suas marcas,
possibilidades e impossibilidades.
No momento em que eles se encontram não são duas telas em
branco que vão iniciar uma história de amor. São duas telas que já
têm impresso um filme que começou com o nascimento de cada
um deles, os quais receberam através dos pais expectativas e mis
sões de gerações anteriores.
O amor entre eles não consegue apagar o que trazem consigo.
Nesse encontro, de acordo com a escolha do parceiro, essas m ar
cas podem se tornar mais ou menos visíveis em função da poten-
cialização (estímulo) que cada um emite para o outro.
O que significa essa potencialização para mais ou para menos?
O que significa esse tema: a escolha do parceiro?
114
Cada um de nós vai construindo um a história desde o nasci
mento, com maiores ou menores carências, maiores ou menores
traumas, maiores ou menores perdas, dentro de sua familia. Essa
história incrustada em nosso corpo vai determinar o que Enge
lhard e Risi chamaram de a escolha sempre certa do parceiro ( 1995).
w»
c) A chegada do(s) filho(s) provoca uma desorganização n o |
equilíbrio do casal e, paradoxalmente, uma organização da
nova família. i
d) O envelhecimento dos parceiros implica em um maior
comprometimento deles, o que seria natural acontecer, ma
muitas vezes não ocorre em função de um com prom eti-1
mento maior de um deles ou dos dois com as suas respecti- J
vas famílias de origem.
Esse comprometimento - que não se evidenciava ante-3
riormente - vai se tornando manifesto, na medida em que*!
os respectivos pais envelhecem ou um deles morre, enquan-ií
to os filhos vão crescendo e necessitando menos da sua pro-í j
teção, o que os leva a se reencontrarem agora em outro mo- í
mento.
Muitos acreditam que a família é eterna (Groisman, ]
2010) e, consequentemente, somos imortais; o que resu ltai
é que imaginamos que o tempo não caminha e se co n g ela|
num a determinada etapa do nosso desenvolvimento (prin
cipalmente aquela que nos foi favorável).
e) O envelhecimento leva, principalm ente o hom em , que, \
em função do gênero, é um caçador de novas presas em ,
todos os sentidos, a procurar novos parceiros para m an
ter a ideia de que o tem po não passou.
f ) A mulher, em função de um a tradição cultural, é a encarre
gada de ser a organizadora e mantenedora da família.
Ela se reduz, muitas vezes, à posição submissa no rela
cionamento com o homem porque não pode abandonar o
seu papel de fiel da balança que herdou da sua mãe que,
por sua vez, herdou da mãe dela, e assim por diante. Apesar
de que hoje muitas mulheres estão no mercado de trabalho
ocupando cargos importantes e, consequentemente, se co
locando num a posição igualitária em relação ao homem,
116
ou, muitas vezes, o suplantando economicamente, ou ainda
sendo o cabeça do casal.
117
Quando Virgínia voltou para casa com o filho, iniciaram-se as
discussões com Alberto. Não só havia divergências quanto à educa
ção de André como também Alberto não suportava as ingerência^
da avó em sua casa. Ela pagava a babá que havia contratado, lhé
dava instruções, falava com o pediatra e determinava a alimenta^
ção do neto. Por isso, era ela também quem comprava o leite et
pó (Virgínia amamentara apenas durante o primeiro mês, assif
mesmo complementando com mamadeira) e tudo o mais de que \
neto precisava: remédios, roupa, médico, instalação e decoração dé|
quarto etc.
Vocês poderiam ficar intrigados porque Alberto não se insurghíj
antes quanto a essa intromissão familiar. É que o que era relativa
mente encoberto (todo o fim de semana almoçavam na casa dos so-1
gros e Virginia não tomava nenhuma decisão sem perguntar à mãe)j
tornou-se transparente com a chegada do neto, que era um objetol
de disputa entre o genro e a avó, já que Virginia, apesar de algumas!
discussões com a mãe, não conseguia interpor-se a ela para defender]
sua nova família e seu casamento.
As discussões chegaram ao auge, inclusive com agressões ver- j
bais por parte de Alberto, que argumentava que Virginia não o ou- ]
via. Numa dessas vezes, que culminou em agressão física dele con
tra ela, Virginia pegou o filho, na época com 2 anos, e foi para a casa;
dos pais.
Todo o processo de separação foi encaminhado por Francisco, I
que contratou um advogado e tratou do acordo com Alberto. Virgi
nia apenas compareceu à audiência para assinar o divórcio.
Enquanto o processo se desenrolava (dois anos), Virginia per
maneceu com André na casa dos pais. Seu quarto de solteira nunca
havia sido desmontado, enquanto para André, quando nasceu, os
avós redecoraram um dos quartos que pertenceu a um dos seus fi- |
lhos, passando ele a ter um quarto exclusivo para quando Virginia 1
necessitasse viajar com Alberto ou precisasse deixá-lo com os avós.
118
Quanto a Alberto, acabou submergido na família de origem de
Virgínia não só pelo fato que é mais comum o homem licar mais
próximo à família da mulher, salvo exceções (quando a família de
origem desse homem é tão ou mais forte emocional ou economica
mente do que a da mulher), como também pelo fato de que o pai de
Alberto havia falecido quando ele tinha dezesseis anos. Ele foi cata-
pultado rapidamente para ser o chefe da família, sendo que sua mãe
sobreviveu financeiramente, parte com a pensão que o pai deixou,
parte transformando-se em costureira - ofício que havia aprendido
com sua mãe - e, mais tarde, com a ajuda do próprio Alberto, como
já relatamos. Alberto tornou-se a grande esperança da família, en
quanto que Regina, sua irmã, a companheira da mãe.
André, pelo fato de estar sempre com os avós matemos, tornou-
-se o queridinho deles, em detrimento dos outros netos. Somava-se
a isso o fato de Virgínia, após separada, ter ido morar próximo aos
pais; eles se tornaram sócios na criação do seu filho.
Alberto, por sua vez, como viajava bastante a serviço, pouco se
encontrava com o filho, o que se acentuou quando ele se recasou e
teve mais dois filhos. Ele até passou a solicitar mais a presença de
André que, agora maior, evitava ir para a casa do pai. Não tenho
nada a ver com a mulher e os filhos dele.
Além da reação ao pai, na entrada da adolescência (doze anos),
passou a destratar os professores, o que obrigava a mudanças fre
quentes de colégio e a discutir constantemente com a mãe. Sentia-se
bem apenas com a avó, que fazia todas as suas vontades, ao contrá
rio do avô, que procurava contestá-lo, mas que acabava cedendo
à força da avó. Eles tinham o clássico acordo implícito: a mulher
manda na casa e o homem no trabalho; a mulher comanda a família
e o homem se encarrega de ganhar o dinheiro para sustentar essa
família.
Por sua vez, Virgínia continuava na mesma toada: não fazia
nada sem consultar os pais, tanto em relação à sua vida pessoal (nlO
leve mais nenhum caso amoroso após a separação) quanto no que
dizia respeito a André.
120
ção inferior, configurando um a inversão hierárquica - execrando
seu pai. Pai esse que também colaborou ao não conseguir, no pas
sado, interferir na extrema ligação de Virgínia com os pais e, con
sequentemente, de André com os avós e, no presente, ao manter
um relacionamento distante com o filho.
121
tempo que é o queridinho da avó, desbanca o avô (nessa etapa do
ciclo de vida, quando muitos avós - de acordo com a sua história j
familiar - dedicam-se mais aos netos do que ao próprio casamen
to) no triângulo avô, avó e neto.
Se André torna-se o marido da avó, ele assume um papel im
portante na organização familiar, o que nos leva a perguntar quem ;
ele representa para essa avó.
122
educação dos filhos. Ao mesmo tempo, Francisco manteve par
cialmente o comando dos filhos, principalmente dos homens, ao
organizar um a empresa que se tornou familiar, onde todos pas
saram a trabalhar, inclusive Virgínia (mesmo que intermitente
mente). Pelo fato de ser a caçula e a única filha mulher, cabia a ela
cuidar dos pais, principalmente da mãe, que era cardíaca e neces
sitava de constante assistência médica.
Quando André nasceu, Alzira descortinou a possibilidade - já
que era sócia de Virgínia e mais poderosa do que ela - de modelá-
-lo à sua imagem e semelhança. Seus outros dois filhos eram ho
mens, casados, tiveram filhos e ficaram mais próximos das famílias
das esposas. Alzira apenas não contava que o feitiço virasse contra o
feiticeiro, ou seja, que André se transformasse em seu pai, na medi
da em que passou a viver a sua vida em função dele. Seu casamento
com Francisco havia se extinguido com o nascimento do último fi
lho - o nascimento de André transformou-se na redenção do casal,
tornando-se para Alzira a única fonte de realização.
123
utiliza para preencher seu espaço), o mesmo pode acontecer, pe
incrível que pareça, em relação aos netos. Em função de um m ak
ou menor distanciamento emocional dos pais com os seus pa
aqueles, numa manobra sutil, entregam seu(s) filho(s), neto(s) ac
avós como substitutos deles para ocuparem o espaço vazio deú
do junto aos pais, que também desejam e sofrem com a partida <
filho. Assim, esses netos passam a exercer junto aos avós o mesnúl
papel que em outro momento os filhos representaram, preencheu!
do um espaço do casal/avós.
124
tante dos irmãos junto a eles; por conseguinte, não tendo um pro
jeto individual.
Sua depressão nada mais era do que um vazio, ou seja, a au
sência da constituição de uma individualidade: ela se dedicou
mais (ou completamente) à família do que a si mesma. Quando
falo que se dedicou não significa que foi um a opção ou decisão
dela, mas sim que não conseguiu por si - associadas as ingerên
cias familiares, intervenções psicoterápicas e psiquiátricas - sair,
libertar-se, num a certa medida, da tram a familiar que descreve
mos anteriormente.
Quanto a Virginia não tivemos êxito: esbarramos na cronici-
dade do sintoma, em sua imobilidade e não adesão a um a nova
mensagem terapêutica e na recusa dos irmãos, apoiada pelos
pais, de virem à terapia (para que pudessem funcionar como uma
possibilidade de libertá-la da família). A não-vinda deles evitaria
que viessem à tona conflitos familiares. Certamente, haveria uma
discussão entre eles: Virginia protegida e amparada pela mãe, e os
homens, associados ao pai. Cada um com as suas razões, sendo
que Virginia tinha um privilégio: era a cuidadora dos pais, princi
palmente da mãe.
Nossa surpresa foi que, apesar da tentativa malograda de libe
rar Virginia dos pais e de seus outros tratamentos que a estavam
cronificando, conseguimos que André, após o período determ ina
do pelo Conselho Tutelar para que ficasse com os avós, se dispu
sesse a voltar a m orar com a mãe. Para isso, foi decisiva - além de
outras intervenções destinadas a destronar André do posto de rei
dos avós e da mãe - a proposta feita a ele: que se dirigisse à mãe,
solicitando que exercesse seu papel de autoridade junto a ele.
Aos olhos de vocês pode parecer paradoxal pedir a um filho
que coloque a mãe em sua posição natural. É uma intervenção
estratégica que envolve esse filho, a mãe e, indiretamente, os avós,
na medida em que se pede ao paciente referido que abra mão do
125
H«u poder, conferindo a ele o poder de reconhecer a mãe com o
Niiiisuperiora. Se essa m anobra surte resultado também atinge os
«vós, principalmente a avó, que precisará abrir mão do neto em
prol da filha/mãe.
Vou reproduzir os momentos finais do tratamento. O prim ei
ro é quando peço a André que se dirija à mãe - sentado em frente
a ela, com os avós assistindo no fundo da sala - expondo que pre
cisava dela como mãe e cuidadora. *;
Moisés - Mãe, eu não acho você doente. O que você não con
seguiu ainda foi ter uma vida independente dos meus avós. Precisa-
mos formar o nosso núcleo familiar: você e eu.
André - Mãe, eu não acho você doente. O que você não conse-;
guiu ainda foi ter uma vida independente dos meus avós. Precisa
mos formar o nosso núcleo familiar: você e eu.
Virginia - Vou tentar (em voz baixa).
126
um deles, uma avaliação do tratamento, dizendo uma frase relati
va ao passado (quando iniciaram o tratamento) e outra relativa ao
presente (término do tratamento).
127
O fato de realizarmos uma terapia familiar breve - que f o i.
como a terapia familiar sistêmica surgiu nos anos 50, em oposição.;
às terapias psicanalíticas prolongadas e sem prazo definido - tam - i
bém leva a família e o próprio paciente referido a se mobilizarem
para, junto com o terapeuta, encontrarem um a solução para a s !
suas questões. Se não chegarem a um a solução, seja a proposta
pelo terapeuta ou aquela que a família conseguiu realizar, fica em
suspenso, colocada, qual deveria ser a saída para eles.
Não é alimentada a dependência da família em relação ao te- S
rapeuta, esperando que um milagre aconteça e resolva a sintoma
tologia de um dos seus membros e/ou a crise conjugal que está;;
oculta atrás dessa sintomatologia. Em função de haver um prazo
definido (objetivo do tratamento e o núm ero de sessões) caracte
rizam-se as possibilidades terapêuticas.
Ninguém fica esperando o que vai acontecer num plano sub
jetivo. Tudo é colocado objetivamente, até onde vai o terapeuta e .
até onde vão os recursos da família, incluindo aquele componente
que está comprometido pela sintomatologia.
Esses recursos familiares serão mobilizados - num a maior ou
m enor intensidade - pelo processo terapêutico, em conformidade
com o grau de separação emocional que cada um dos cônjuges
conseguiu atingir em relação às suas respectivas famílias de ori
gem; e dos filhos em relação aos seus pais.
128
10
ARREPENDIMENTO
E PERDÃO
( w ) tema do perdão tem sido pouco desenvolvido na área da psi-
coterapia, apesar de estudos relevantes realizados principalmente
por W orthington (2005) e McCullough, Pargament e Thorensen
(2000). Acreditamos que isso se deve ao fato de o perdão estar
tradicional e historicamente ligado à área religiosa e a como cada
religião lida com o eixo arrependimento-perdão.
Em função de ele, também na teoria sistêmica, ter sido pou
co estudado, exceto no quesito infidelidade conjugal, resolvemos
criar o que chamamos de terapia sistêmica do perdão.
McCullough, Pargament e Thorensen (2000) definem o per
dão como uma mudança intraindividual, em prol da sociabili
dade, em relação a um transgressor identificado que está situado
dentro de um contexto interpessoal específico. De m inha parte, eu
o defino como uma atitude ou ato individual de uma pessoa em
relação a outra que lhe infringiu uma lesão emocional ou física de
maior ou menor intensidade.
Todos nós estamos continuamente querendo ser perdoados
de algum ato verbal ou físico praticado ao outro, ou que ele inter
pretou como abusivo; ou perdoar alguém de algum tipo de ato em
relação a nós.
A questão do perdão torna-se de suma importância em psico-
terapia em função de ocorrerem (no presente), ou terem ocorrido
(no passado), com repercussão no presente, infrações maiores ou
menores nos relacionamentos hum anos dentro e fora da família.
O perdão tem um caráter duplo: interpessoal (entre duas pes
soas) e intrapessoal (consigo mesmo). O primeiro se refere ao pla
no objetivo relacional, enquanto o segundo, ao plano subjetivo, ou
seja, como aquele que sofreu o abuso ou a agressão vai lidar com
a situação.
1. Unilateralmente
2. Bilateralmente
132
Qual é a base teórica da terapia sistêmica do perdão?
133
Para aquele que sofreu a lesão perdoar seu agressor - interes
sado numa reconciliação - é necessário que:
134
Os atos abusivos são de diferentes naturezas, de m enor ou
maior grau, verbais ou físicos.
No tratamento dos diferentes tipos de abusos, ou traição de
qualquer natureza, a terapia sistêmica do perdão torna-se de gran
de utilidade, abrindo uma perspectiva nova para a recuperação de
relacionamentos, quando possível e havendo interesse mútuo.
Como: procurando extinguir unilateralmente a mágoa da vítima,
que pode vir a redundar em doença física ou mental; ou em casos
em que a patologia emocional já está instalada, proporcionando
um a alternativa terapêutica para a sua resolução.
1SB
11
O CASAL E A
INFIDELIDADE
C D casal acredita que a paixão inicial vai perdurar eternamente.
Os cônjuges acreditam que estarão imunes, vacinados pelo seu
amor contra qualquer acontecimento interno ou externo a eles.
Não vão envelhecer.
Não vão ter filhos (caso os tenham) que os incomodem.
Não vão perder os pais, ou outras pessoas da família, em al
gum momento.
Não sofrerão estresses decorrentes de sua inserção social (pro
fissão, desastres ambientais, crise econômica etc.).
140
vel encapsular o tempo numa bolha, onde estaremos e permane
ceremos eternamente; o casal não vai percebendo as mudanças do
tempo - adaptando-se a elas de um a forma invisível - persistindo
na ideia de que o tempo é imutável.
Uma passagem do tempo marcante é quando nasce o primeiro
filho, provocando, queiram ou não, a mudança de cada um dos
membros do casal para a condição de pai e mãe e dos seus pais
para avô e avó.
Cada um dos cônjuges, então, pode procurar diversas soluções,
em função do instaurado desequilíbrio conjugal (dois tornaram-
-se três): desde a mulher se associar aos filhos, dedicando-se mais
a eles do que ao casamento, até o homem inclinar-se (dedicar-se)
cada vez mais ao trabalho e/ou procurar uma substituta para a m u
lher, uma amante no lugar daquela com quem perdeu a intimidade
e o interesse sexual. Esse mesmo processo poderá acontecer, me
nos frequentemente, de parte da mulher em relação ao homem.
A infidelidade, como já disse em Família é Deus (2012), é um
sintoma de uma crise conjugal latente na qual um dos membros
do casal toma a iniciativa de torná-la manifesta - geralmente, em
função do gênero e do seu passado familiar - através de um a ação
(traição). Essa ação procura descongelar o tempo: o casal não é
mais o mesmo dos primeiros tempos. Exterioriza que o tempo
passado daquele casal - que não se reorganizou através desse mes
mo tempo - já se expirou.
Paralelamente, o casal procura manter o tempo de antes, o
status quo (equilíbrio) anterior, ao introduzir um terceiro na re
lação, que vai fornecer (aquecer) o que estaria faltando à relação
dos dois.
Esse homem e essa m ulher também trazem um a herança gera-
cional (a experiência que viveram com as suas famílias) marcada
em seus corpos-mentes, que os levará a se comportarem de for
mas variadas (diminuição ou ausência de relação sexual, infideli
dade hetero ou homossexual, swing, perversão etc.).
141
A infidelidade tem, então, diferentes funções:
142
Três outros dados técnicos a serem considerados na terapia de
casal pós-infidelidade, iniciado o processo terapêutico e o casal, ten
do deliberado continuar seu relacionamento (se reconciliar), são:
141
por elas, já que sua mãe, assim como o pai, trabalhava arduamente
para manter a casa. Não teve modelo masculino, enquanto as irmãs
se apoiavam mutuamente.
Não era de espantar que escolhesse uma parceira que o ajudasse
a se manter bei, leal à sua família de origem (às irmãs, suas prote
toras). Como? Não concretizando seu casamento e não tendo blhos
para não formar uma nova família, evitando um corte com a família
original, o que o levaria a investir na nova família.
14 4
terna. Continuaram a trabalhar no mesmo local onde se conhe
ceram, com a diferença que Cleonice foi promovida de secretária
a assistente do Miguel, que era encarregado de realizar os vídeos
para a empresa.
Tudo caminhava bem até que Cleonice, desconfiando da bai
xa frequência Sexual entre eles e sabendo da história anterior de
infidelidade de Miguel, resolveu entrar nos e-mails dele, onde des
cobriu mensagens amorosas entre ele e uma das contratadas da pro
dutora. Uma das principais atividades dessa última era produzir ví
deos pornôs para serem distribuídos no mercado interno e externo.
Quando Miguel filmava, Cleonice não estava presente. Ela
ficava encarregada de organizar toda a filmagem, incluindo os
protagonistas e o que era necessário (cenografia) para realizá-la. No
momento da filmagem, apenas permaneciam no set o iluminador e
Miguel, que se encarregavam do que fosse preciso.
No caso do e-mail que Cleonice flagrou entre Miguel e uma das
atrizes, tratava-se de uma exceção. Essa atriz havia pedido a ele que
preparasse um vídeo-portfólio para que mandasse para a Alema
nha, pois se candidataria a fazer uma carreira no exterior.
Acabaram por se envolver (nesse caso, Miguel dispensou a pre
sença do iluminador, ele mesmo se encarregava de todos os detalhes)
e tornaram-se amantes. Miguel encontrava na sua amante, Rita de
Cássia (que se tornou Rita Chocolate), tudo que havia tido com Cle
onice antes de se casarem e morarem no terreno dos pais dela. Aliás,
a meia-água deles era contígua (parede com parede) à casa dos pais
dela (exatamente, o quarto deles era colado ao dos pais dela).
141
Quando atendemos casais nos quais ocorreu a infidelidade de
um deles, uma das primeiras dificuldades para o terapeuta é pro
curar diminuir o clima de raiva que existe na sessão: do traído
em relação ao traidor. Se o terapeuta não conseguir realizar o seu
intento, a sessão se resumirá a acusações da vítima em relação ao
carrasco: ela procurará estabelecer um a aliança com o terapeuta
para massacrar aquele que a massacrou.
Enquanto no ato da infidelidade, ao trair, um dos parceiros
acusa o outro - de forma não verbal - de que está sendo insu
ficiente para ele, após a traição ser descoberta ocorre o segundo
movimento: agora, é a vez do outro, o que foi traído, descarregar
a sua insatisfação no parceiro. Assim, nessa dança (num pas-des-
-deux), cada um dos membros da relação expressa de um a forma
desencontrada seu desagrado.
Vocês poderiam pensar ou perguntar: por que eles não exter
naram esse desagrado diretamente um ao outro? O u por que não
recorreram a um terapeuta para renovarem sua relação? O u ainda,
por que não se separaram de comum acordo?
Seria mais simples ou menos dispendioso, emocional e finan
ceiramente, se recorressem a um terapeuta para renovarem sua
relação, ou, ainda, se separarem de comum acordo.
O que nos impossibilita de chegarmos a um a solução menos
problemática é devido à nossa herança familiar. Esta não está
relacionada ao genético nem ao hereditário, mas, sim, à transmissão
geracional (Bowen, 1978), o que não deixa de ter uma semelhança
com o hereditário, mas de uma forma diferente: o casal recebe a
influência dos seus pais que, por sua vez, a receberam dos seus pais,
e assim sucessivamente, o que resulta num entrelaçamento que vai
produzir em uma das gerações o resultado dessa trama.
A manifestação transgeracional vai depender também da esco
lha dos parceiros em cada uma das gerações subsequentes. Ao lado
disso, cada um dos cônjuges é influenciado pela missão que recebeu
146
em sua família de origem, pela cultura e pelo meio circundante (mi
gração, efeitos ecológicos e financeiros, perdas precoces etc.).
147
Quando numa terapia de casal o mote é a infidelidade de um
deles, estabelecemos quatro etapas:
148
Poderíamos resumir essas etapas nos seguintes passos ou ro
teiro, que teria a finalidade de resolução do evento infidelidade
conjugal e a continuação do casamento ou união (hetero ou ho
mossexual):
14t
panhado de um a garrafa de champagne, também idêntica àquela
com que brindaram a união após partirem o bolo nupcial.
Quando Cleonice, na sua vez, leu a sua carta do perdão, ex
pressou que o estava fazendo mais por ela que pelo casamento.
Quando descobri a infidelidade, adoeci: fiquei fraca, perdi peso
e tossia sem parar; o que depois foi diagnosticado como tuberculose
pulmonar. Eu não gostaria de adoecer outra vez.
Tinha dúvidas quanto ao futuro, já que não havia absorvido
inteiramente o que acontecera, apesar de ter recuperado a con
fiança em Miguel. Considerava-o bastante influenciado pelas ir
mãs, que ainda prestigiavam sua ex-esposa, convidando-a para os
eventos familiares, os quais eles tam bém frequentavam. Aponta
mos que não só ele, mas também ela não conseguia se interpor às
irmãs dele para evitar essa ocorrência.
Como exemplo dessa ausência de limites, houve o seguinte
fato: Cleonice, que possuía uma excelente letra, foi solicitada p or j
uma das irmãs de Miguel para ser a calígrafa dos convites de ca-
sarnento de uma de suas filhas, o que ela aceitou de bom grado.
Uma das convidadas, lógico, foi a ex-mulher de seu marido. Com ,
o agravante de um a das irmãs do Miguel comentar: você nem ima
gina para quem será esse convite.
Cleonice retrucou com sarcasmo, sabendo que isso lhe estava
fazendo mal: terei o maior prazer em escrever o destinatário desse
convite. Não só escreveu como teve o desprazer de estar presente
à festa, durante a qual se sentou com Miguel à mesa da família,
onde também estava a ex-mulher dele. Ela foi colega de faculdade
e grande amiga de um a das irmãs, que a apresentou a Miguel.
Diante desse quadro, passamos à terceira etapa, talvez tão ou
mais difícil quanto as anteriores, pois implicaria em repartir 50%
para cada um dos cônjuges a responsabilidade da crise conjugal
que havia gerado a infidelidade. Ela é mais difícil porque aquele
que não realizou o ato da infidelidade considera-se um a vítima e,
150
consequentemente, objetivamente, não teria nenhum comprome
timento com o que foi praticado.
O terapeuta então precisa ser firme para demonstrar que ne
nhum ato é exclusivamente individual: é relacional (no sentido
atual) e vinculado ao passado, decorrente das respectivas histórias
familiares de cada um dos envolvidos.
Quanto a Miguel, ele trazia um a dependência emocional não
resolvida com a sua família de origem. Como o único homem dos
irmãos e caçula, as irmãs foram as substitutas de sua mãe. A mãe,
como uma típica m ulher do Nordeste, delegou às filhas o cuidado
do mais novo, já que se dedicava a ajudar o marido na lavoura,
primeiramente, e, mais tarde, quando vieram para o Rio, traba
lhava como doméstica.
Assim, no casamento, tinha a expectativa de que Cleonice cui
daria dele como as irmãs. Aliás, como a prim eira mulher que, ao
não consumar o ato sexual, transformou-se em sua mãe (pura e
imaculada), e ele, em seu filho. Na medida em que Cleonice não
o fez - seja porque era dependente de sua mãe e, principalmente,
após o nascimento do prim eiro filho foi procurar outra mulher
que se dedicasse a ele sem nenhum a interferência: um a amante.
111
Kxistirá sim, em determinados momentos, graças a um a bus
ca incessante do casal, um estado de felicidade que pertence a
eles e que, novamente, rapidamente, perderão ao voltarem ao seu
cotidiano: dos filhos, das famílias e da sociedade em geral.
152
c) Frequentar os mesmo locais em que esteve com o(a) am an
te, com o cônjuge ou parceiro.
d) O casal não conseguir realizar um a parceria, uma cumpli
cidade, que signifique um peso (força) maior entre eles que
com as famílias de origem.
e) As famílias de origem tornarem -se inclusivas ao invés de
exclusivas.
O que significa essa afirmação? Elas não pertencem a cada
um dos parceiros, apesar de eles se originarem delas, mas ao
contrário, o casal deve passar a encará-las em conjunto, e não
individualmente (essa é a m inha família e aquela é a sua).
Os dois, unidos, olham, avaliam e criticam (se for neces
sário) a família de origem de cada um dos parceiros.
f) Ausência de comunicação entre os parceiros, de m odo que
favoreça a entrada de um terceiro na relação entre eles.
g) Existir dependência econômica de um parceiro em relação
ao outro.
Não é necessário que os dois ganhem a mesma quantia, mas
que tenham condições de sobreviver sem a presença do outro.
h) O casal achar que o casamento ou a união estão consolidados.
Eles devem ser renovados constantemente e evoluirão
através de crises naturais de desenvolvimento.
i) Esquecer que cada um veio de uma família diferente e traz,
consequentemente, consigo uma bagagem específica, que vai
conferir uma tonalidade característica à relação. A cor resul
tante não será nem de um nem do outro, mas intermediária.
j) Conceder maior importância aos filhos e à família do que
ao casal.
k) Estabelecer uma aliança maior com o filho do que com o
parceiro.
A presença dos filhos é importante para a renovação fami
liar e a continuação geracional, mas também pode provocar
III
divisões no casal, na medida em que cada um dos parcei
ros tem a sua preferência em relação aos filhos. Formam-se
alianças dos pais com os filhos que podem comprometer a
relação conjugal.
Os filhos estão com os pais de um a forma transitória.
Um dia, constituirão sua própria família ou se tornarão in
dependentes economicamente saindo da casa dos pais. O
casal voltará a se encontrar sozinho como anteriormente,
agora em outro momento, diferente daquele que precedeu
o nascimento dos filhos.
1) Haver confiança cega na relação entre os parceiros.
Há necessidade de que cada um dos membros do casal
exerça certa vigilância para dem onstrar que está se im por
tando com o que o outro está fazendo. Senão, pode passar a
impressão de que a relação está consolidada (não havendo
mais riscos), ou de que se está se im portando mais com o
seu trabalho, amigos, filhos que com o próprio casamento.
15 4
12
O CASAL E AS
FAMÍLIAS DE ORIGEM
t \ l ão é demais repetir: quando um hom em e um a mulher, um
homem e um homem, um a m ulher e um a m ulher se unem de al
guma maneira - através de um a via legal (casamento ou relaciona
mento estável), ou sem nenhum documento, m orando juntos ou
em casas separadas eles estão e não estão iniciando uma nova
vida. Estão, porque o convívio a dois é um a nova experiência para
eles, e não estão porque cada um deles viveu e teve um a experiên
cia anterior, fundamental, com a sua respectiva família de origem,
que o marcou inexoravelmente para o resto da sua vida.
Essa afirmativa é importante a fim de evitar que os parceiros -
as suas famílias, os celebrantes das diferentes cerimônias, a socie
dade - imaginem que estão começando um a vida a partir do zero.
158
Essa organização familiar é resultado de várias gerações que
irão transmitindo o que receberam dos seus pais, isto é, a forma
como se constituíram no passado, através dos filhos (que se torna
rão pais), e assim por diante.
Essa transmissão não é matemática, assim como as famílias
não o são, e irá sofrer a influência das escolhas dos parceiros em
cada geração, de fatores econômicos, eventos acidentais (não pre
vistos no desenvolvimento natural), migração etc.
Também não podemos esquecer que outros dois fatores são
importantes: o gênero (homem, mulher) e a posição do filho na
família (primogênito, filho do meio, caçula etc.).
O que somos hoje é o resultado de sucessivas gerações: não é
incomum acontecer que um neto(a) seja a personificação de um(a)
avô(ó), bisavô(ó), mesmo que não os tenha conhecido. Eles se
rão transmitidos, emocionalmente, pelos pais aos filhos por meio
do seu contato, de sua relação (boa ou ruim), das expectativas, do
nome que lhes atribuíram (enfim, sua missão familiar), para que
possam realizar (positiva ou negativamente) o que não conseguiram
em suas respectivas famílias na relação com seus pais, avós e irmãos.
Somos hoje o que fomos ontem, com modificações na nossa
estrutura externa, ou, como digo, em nossa camuflagem, em nossa
pele, que é apresentada ao exterior, mas em nossa estrutura inter
na continuamos os mesmos.
11#
sem enfiar a língua, tendo que namorar no portão ou na sala da casa de
Selma até as dez horas da noite), quando um dia se separaram porque
os pais de Selma mudaram-se para a capital. Tiveram outros casos pas
sageiros, mas nunca esqueceram um do outro.
Quando Roberto concluiu o curso técnico em eletricidade e fez
concurso - sendo aprovado para uma empresa estatal -, foi deslo
cado para uma área no Norte do país (longe de onde morava com os
pais) e sua primeira providência foi procurar Selma. Sabia onde ela
estava porque seus pais, como eram amigos dos pais dela, falavam
continuamente com estes. Noivaram e se casaram com a benção das
respectivas famílias.
Foram morar em Manaus. No princípio, tudo foram flores, mas
logo começaram a surgir os espinhos. Selma falava (telefonava) duas
vezes por dia com a sua mãe. Apesar de estarmos na época da inter
net e do Skype, as duas não se acomodavam às novas tecnologias.
Roberto ficava enlouquecido com as contas telefônicas, enquanto
Selma retrucava que precisava saber dos pais, de sua família.
As brigas tornaram-se frequentes, comprometendo o casamen
to, até que Roberto resolveu pedir sua transferência em função de
Selma ter adoecido. Ela padecia de pneumonias frequentes e os
médicos recomendaram outro clima para ela, numa cidade menos
quente, onde ela não sofreria com as variações de temperatura.
Apesar de não ter cumprido o prazo regulamentar de perma
nência exigido, Roberto conseguiu a transferência para Macaé, onde
a empresa possuía uma filial e moravam seus pais, cidade que distava
cerca de três horas da moradia dos pais de Selma. Esta, após a mu
dança, não teve mais gripes que se transformavam em pneumonias,
apesar de que, agora, reclamava que precisava dar atenção aos seus
pais. Eles tinham se aposentado, estavam mais velhos e solicitavam
seu apoio (seu irmão, mesmo morando na mesma cidade que os
pais, não os procurava porque, puxado pela esposa, era mais dedi
cado à família dela do que à dele).
160
Roberto, numa atitude magnânima, propôs aos pais de Selma
que viessem morar com eles em Macaé. Chegou, inclusive, a cons
truir um anexo à sua casa, onde os pais da Selma morariam. Eles
não aceitaram vir, mas passavam temporadas no anexo, quando Sel
ma conseguia reduzir suas saudades deles e vice-versa.
Ê importante assinalar que essa ligação, principalmente a de
Selma com os pais, teve origem na infância. Tiveram uma origem
humilde, moravam todos num mesmo cômodo, separados apenas
por uma cortina de tecido.
Os pais de Roberto, mesmo vivendo na mesma cidade, reivin
dicavam sua presença, principalmente a mãe, que criou pratica
mente sozinha ele e o irmão mais velho, enquanto o pai trabalhava
em dois empregos para sustentar a família. Um desses empregos
era na rede ferroviária para a qual ele ficava de prontidão vinte e
quatro horas para resolver algum problema que ocorresse no tre
cho que lhe cabia.
Ao voltar à terra - após permanecer embarcado (trabalhava em
plataforma de petróleo, em turno de quinze em quinze dias) -, antes
de chegar a casa, Roberto tinha a obrigação de passar pela casa da
mãe para pedir sua benção e mostrar que estava bem.
Quando nasceu o primeiro filho, após voltarem de Manaus, Sel
ma se rebelou pelo fato de ele ver a mãe antes dela. Então, Roberto
passou a ir - quando desembarcava - direto para sua casa. Mas a
primeira coisa que fazia quando chegava, mesmo antes de beijá-la e
conversar sobre os acontecimentos da quinzena, era telefonar para a
mãe informando que estava tudo bem e perguntando como ela e o
pai tinham passado aqueles quinze dias.
Quando não o fazia, a mãe ficava preocupada se havia aconte
cido alguma coisa. Ao mesmo tempo, quando estava em terra, pre
cisava ir diariamente à casa dos pais (que ficava próxima à deles),
mesmo que permanecesse ali por pouco tempo. O importante era a
sua presença ou saber que ele continuava a pertencer àquela família*
111
ou ainda, que aquela família, de onde veio, era e seria sempre mais
importante do que aquela que constituiu.
Nesse cenário, Roberto e Selma, Selma e Roberto, tiveram seus
três filhos, que cresceram e se desenvolveram, até que Marcelo, o
mais velho, começou nos seus dezenove anos a criar problemas para
os pais. Ao mesmo tempo, com o crescimento dos filhos, Selma, que
havia se formado como professora e exercido a profissão até a vinda
do primeiro filho, voltou à faculdade para fazer um curso de pós-
-graduação em Psicopedagogia.
Marcelo, apesar de ter passado no vestibular de Engenharia,
não conseguia acompanhar os estudos. Não se interessava pelas ma
térias, mas, sim, pela namorada, com quem vivia o dia inteiro, seja
na sua casa ou na dela.
162
tom ado diferentes medicações, sem apresentar resultados satisfa
tórios, chegando inclusive a se ausentar do trabalho em diferentes
períodos.
Em função de sua não-melhoria resolveu procurar a assistente
social de sua empresa, que o encaminhou para a Núcleo-Pesqui
sas. Ao telefone, quando fez o contato - respondendo às minhas
perguntas sucintamente sobre sua sintomatologia - , pedi-lhe que
viesse à prim eira entrevista com a sua esposa.
t«I
Se o casal consegue estabelecer e m anter um a parceria mais
forte do que aquela que fizeram com as suas respectivas famílias ou
com os filhos, existe uma grande possibilidade de que conseguirão
atravessar a etapa do seu envelhecimento e a saída dos filhos de
casa. Caso contrário, podem caminhar para um a separação ob
jetiva (divórcio), ou passarem a viver num regime de separação
branca (vidas paralelas), mesmo morando na mesma casa.
Esse acordo tem a finalidade de m anter a família em nome
dos filhos, de suas próprias famílias e da sociedade. Até mesmo
quando existe(m) filho(s) fora do casamento, ou um a segunda fa
mília constituída, à qual o parceiro, geralmente o homem, presta
toda a assistência financeira e pessoal, dividindo-se entre as duas
famílias.
Como a mulher se posiciona nessa situação? De alguma m a
neira ela sabe que o seu casamento não está satisfatório.
O que a faz suportar aquela relação se deve a alguns fatores:
a) Em nome da família;
b) Para não trair uma história familiar (em nossa família
nunca houve uma separação);
c) Cultural (a mulher é a responsável por ser a organizadora,
o centro da família);
d) Dependência econômica e emocional (insegurança de se
lançar numa vida profissional e individual).
164
No casamento de Roberto e Selma ficou evidente a força (in
fluência) das famílias de origem no eixo vertical, que provocava
um afastamento do casal, enquanto no eixo horizontal - quando
Selma resolve voltar aos estudos - Roberto sente-se abandona
do (triste, deprimido), principalmente porque ela lhe prometera
(não-verbalmente) substituir sua mãe.
Qual seria o futuro do Roberto? Tornar-se um paciente psi
quiátrico crônico, dependente de remédios, frequentador da as
sistência psiquiátrica e social, até que finalmente se aposentasse
por invalidez emocional, em função das sucessivas licenças que o
impossibilitariam de ter um rendimento profissional satisfatório?
Ao introduzir a questão relacional, saindo da sintomatologia
individual, dando ênfase ao contexto, no caso, seu casamento,
modifico a perspectiva terapêutica do individual para o conju
gal, abrindo a possibilidade de um a solução com 50% de respon
sabilidade para cada parceiro, além de revelar a perspectiva ver
tical de cada um (suas histórias geracionais) que potencializava
sua relação.
1«l
Moisés - Esse fato pode ter sido o desencadeante da depressão
do Roberto.
Selma - Olha, não sei se foi, mas o que eu posso dizer ao senhor
é que eu sempre me esforcei para ser tão boa quanto a mãe dele.
Para ele, a mãe é o máximo.
Roberto - Mamãe foi e é muito importante para mim, mas Sel
ma é minha mulher. Não é a minha mãe.
Moisés - Qual foi, Roberto, a importância que sua mãe teve na
sua criação?
Roberto (emociona-se) - Toda. Ela foi para mim e meu irmão
tudo na vida: pai e mãe. Meu pai vivia para o trabalho e para nos
sustentar. Não tinha folga. Mamãe é quem estava sempre com a gen
te. Como éramos uma família pobre, ajudávamos mamãe na limpe
za da casa. Ela ficava na cozinha, enquanto meu irmão limpava os
móveis, e eu varria a casa.
Selma - Até hoje, doutor, quando ele chega da plataforma, a
primeira coisa que ele vê é se a casa está limpa. Quando me dou
conta ele está varrendo o chão.
Roberto - Doutor, eu fui acostumado por Selma na base do
pratinho. Ela cozinha muito bem: aprendeu com a mãe e a avó que
a ajudou a criar. Desde o início do casamento, e depois com os fi
lhos, ela trazia para a mesa os pratos prontos das panelas. Ela fazia a
mesma coisa que a minha mãe, que sempre se preocupou que meu
irmão e eu comêssemos bem quente a comida.
Moisés - Quando Selma voltou a estudar deixou de ter a mesma
dedicação de antes.
Roberto - Não tem a menor dúvida. Ela passou a dizer: quem
estiver com fome é só pegar a comida em cima do fogão. Para mim
foi um choque. A comida também não era mais a mesma. Ela não
tinha tempo. Vivia estudando com as colegas ou fazendo trabalho
no computador. Tinha dia que eu precisava comprar comida na rua.
Na época das provas, ela abandonava a casa.
166
Selma - Ele foi mal acostumado por mim. Como eu sabia que a
mâe o tratava a pão de ló, apesar dos poucos recursos, tentei superá-
-la. O senhor está me vendo magra assim, mas eu já pesei 120 kg.
Roberto - Ela fez a cirurgia bariátrica.
Selma - Foi uma revolução na minha vida: voltar a estudar e ao
peso que tinha quando me casei.
Moisés - Quer dizer que você incorporou a verdadeira mâe de
antigamente: dedicada à família, matronal, esquecendo-se de você.
Selma - É verdade, doutor. Não sei onde estava com a cabeçal
Moisés - Estava na família. Quando uma pessoa se doa ao outro
ou a um grupo perde a cabeça. Esquece de si.
Selma - O senhor não imagina como é a mãe dele.
Moisés - Como?
Selma - Toda vez que ele desembarcava tinha que passar antes
na casa da mãe para pedir a benção e depois então vir para casa.
Aguentei isso durante algum tempo. Depois exigi que ele viesse pri
meiro me ver e aos filhos para depois passar na casa da mãe.
Moisés - Quando foi que você não suportou mais essa situação?
Selma - Após o nascimento do primeiro filho, quando passa
mos a ter a nossa família.
Roberto - Doutor, a minha mãe, esperava meu irmão e eu na
janela, quando crescemos e começamos a sair. Não dormia enquan
to não chegávamos.
Moisés - Vocês eram a razão de ser da vida dela.
Roberto - Meu pai trabalhava dia e noite, para sustentar a casa.
Ela não se conformou, mas atendi ao pedido de Selma. Logo que
chegava em casa batia o telefone: queria saber se havia chegado bem
e quando iria na casa dela. Meu irmão foi esperto. Foi trabalhar em
outro estado.
Moisés - Quando foi que você começou a ficar deprimido?
Roberto - Há quatro anos.
Moisés - Foi logo depois que a Selma voltou a estudar?
197
Roberto - Mais ou menos, doutor.
Moisés - Não tenho a menor dúvida que você se sentiu aban
donado por Selma, que era a substituta da sua mãe. Ela, durante
muito tempo, passou-lhe a mensagem de que se dedicaria exclusi
vamente a você e aos filhos. Quando ela voltou a estudar, você se
sentiu traído.
Roberto - Não sei não, doutor, mas ela já estava velha para es
tudar.
Moisés - Velha?
Roberto - Não, não, não tinha mais idade para isso. Daqui a três
anos eu me aposento. Para que ela foi mexer com isso agora?
Moisés - Como está a vida sexual de vocês?
Selma - Não está nada boa. Ele sempre teve ejaculação precoce,
agora está pior. Quase não temos relações sexuais.
Moisés - Quantas vezes por mês?
Selma - Quando acontece uma vez, eu comemoro.
Moisés - Isso é um sinal vermelho. Acho que a depressão de
Roberto é uma expressão da depressão do casal. O relacionamento
de vocês está triste, em crise. Esse é o meu diagnóstico: não é o Ro
berto que está doente, quem está doente é o casal.
174
O afetivo pertence ao terreno do que chamamos amor, gostar,
atração, paixão, tesão de um em relação ao outro.
Tanto nos laços emocionais quanto nos afetivos, vão ter
importância as carências ou necessidades maiores ou menores
que trouxemos das nossas histórias familiares.
Se o afeto determina a nossa aproximação inicial com o
parceiro(a), será o emocional que manterá, em muitos casos, para
mais ou para menos, essa ligação. Inclusive, em inúmeros casa
mentos ou uniões, o afeto acaba, permanecendo a necessidade - a
dependência - emocional um do outro. Ou, no caso de famílias,
nas quais se mantém uma relação com irmãos ou pais mais por
dependência emocional (que pode se traduzir pela econômica),
em nome de um passado, do que por um a vinculação afetiva, do
presente.
O que chamo de necessidade emocional? No caso da família
original, relaciona-se à dificuldade dos pais, ou do pai ou da mãe
(no caso da família de progenitor único), e do íilho(a) de se sepa
rarem emocionalmente (terem um a distância, que não significa
afastamento afetivo um do outro) para poderem, no caso dos pais,
voltarem a ser um casal (sem filhos, como começaram) em outra
etapa de vida e, quanto ao filho, à dificuldade de construir sua vida
independente, com ou sem parceiro, estabelecendo ou não uma
família.
Quanto ao casal, cada um dos parceiros reedita um com o
outro velhas dependências com as suas respectivas famílias, que
serão transportadas, deslocadas do passado para o presente, p o
dendo transform ar num maior ou m enor grau, o(a) parceiro(a)
em mãe, pai, avô, avó, babá, tio, tia etc., de acordo com a im por
tância que esse representante familiar teve em sua infância e/ou
adolescência.
Esse grau de importância está gravado em nossa matriz fami
liar, refletindo-se na relação conjugal. O que muitas vezes pareC#
1TI
afeto num casal é uma dependência emocional de um em relação
ao outro, o que os impede de se separarem e procurarem ou não
um outro parceiro.
Caso a separação ocorra, é importante que haja um a terapia
de casal/divórcio para que cada um dos parceiros adquira a cons
ciência das expectativas (carências) que teve em relação ao outro
que não foram supridas - e que não poderiam ser já que perten
ciam à geração anterior, ao passado e não ao presente.
Muitas vezes - para corroborar a tese da dependência emo
cional - o casal se separa afetivamente, cada um tem um novo
parceiro, ou pelo menos um deles, mas não se separa legalmente,
ou, ainda, realiza o divórcio sem a partilha de bens. Ou, dito de
um a maneira mais crua: eles separam o corpo (afeto), mas não a
emoção (dependência).
Outras vezes, principalmente o homem, ao se separar legal
mente, mas não emocionalmente, deixa os filhos com a ex-mulher,
sem prestar assistência a eles ou desaparecendo para evitar a dor
da separação e a consequente necessidade de se defrontar sozinho
com os filhos sem o apoio daquela mulher-mãe (sua e dos filhos).
Uma segunda possibilidade é haver a separação corporal do
casal, sem o divórcio, com o hom em tendo uma nova parceira, que
ele não assume nem perante sua família de origem nem perante
seus filhos. Como se fizesse uma dissociação: a sagrada família de
um lado e, do outro lado, suas necessidades afetivas e sexuais.
O que isso representa? Ele não conseguiu integrar num a só
pessoa - o que não é fácil - seu papel como filho (família de ori
gem), pai (filhos), parceiro (nova relação) e indivíduo (profissão,
amigos etc.).
A família como já foi assinalado e reafirmado p o r inúm e
ras religiões, é um a instituição sagrada (Guerin e colab., 1987),
estabelecida há vários séculos e necessária à preservação e à
continuação da sociedade, constituindo um dos seus pilares. Ao
176
mesm o tempo, em função de sua im portância, ela pode com pro
m eter o desenvolvimento dos indivíduos que a compõem: não
conseguem sair do seu interior para alcançar sua autonomia,
obstaculizando novos caminhos para si, seja como homem, m u
lher, filho, filha, profissional, ou outras relações ou casamentos
com novos parceiros (de sexo diferente ou do mesmo sexo) -
passando a estabelecer outro tipo de ligação com a sua família
original.
Estou enfatizando que essa situação ocorre mais com o ho
mem do que com a m ulher porque não podemos ignorar que exis
te uma diferença de gênero não só nos atributos anatômicos, mas
também através de várias gerações, na educação que recebem no
interior das famílias, que se reflete na relação com a sociedade,
principalmente no que diz respeito ao mercado de trabalho.
O homem sempre foi mais direcionado ao exterior: prover a
família, e a m ulher ao interior: m anter a família. O homem, ativo,
a mulher, passiva. Apesar de essa situação estar se modificando
nas últimas décadas, pois a mulher tem tido um a predominância
mais ativa na família, no mercado de trabalho, na sociedade, ainda
falta muito para que haja uma igualdade dos sexos em que ambos
tenham o mesmo direito em todos os setores, iniciando-se pela
família.
Para vocês terem uma ideia do que ainda acontece no século
XXI, na relação homem-mulher, em que cada um representa 50%
- seja um ativo e o outro passivo ou omisso - , vou lhes dar um
exemplo clínico que ilustra o que estou descrevendo.
178
empresa de engenharia, convidou Lúcia, que havia se formado em
administração, para trabalhar com ele.
Diante do ultimato, Gabriel sai da casa da família e passa a mo
rar em tempo integral com Lúcia e seus filhos, que, por sua vez,
em pouco tempo, deixam a casa para se casarem e/ou se unirem
aos seus respectivos parceiros. Gabriel compra o apartamento onde
moram em nome de Lúcia, porque não havia ainda se divorciado.
Qual foi o motivo de procurarem um terapeuta de casal? Lú
cia não suportava mais ser excluída do convívio com os filhos de
Gabriel e, agora, seus netos. Como ele continuava a esperar uma
autorização dos filhos - que nunca vinha - para apresentar Lúcia a
eles, ele não o fazia (como era o seu padrão), com a concord&ncia
dela. Ia sozinho à casa dos filhos, como também aos aniversários
deles e dos netos.
Essa questão se agravou quando do casamento de um dos filhos
de Gabriel, em Nova York, para onde ele pretendia viajar, logica
mente sem a companhia de Lúcia. Lá estaria toda a ex-família reu
nida, incluindo sua ex-mulher, filhos e parentes próximos.
179
tos) - é uma instituição fundamental para a manutenção e a esta
bilização da sociedade. Ao mesmo tempo, reage às necessidades
individuais dos seus membros a fim de manter a coesão (unidade)
familiar, mesmo que ela esteja sendo nociva a eles.
A força do conservadorismo (do conhecido) é mais forte do
que a da renovação (do desconhecido), mesmo havendo a neces
sidade constante de certo equilíbrio entre essas duas forças. Ela,
a família, não suporta a presença maior ou m enor de um a dessas
forças. Ela necessita - por sua própria natureza transformadora,
em função do crescimento dos filhos e do envelhecimento dos
pais - tanto de um a força quanto da outra, sob pena de surgir um
sinal de alarme, uma patologia mental ou física em um dos filhos,
ou em um dos membros do casal.
Além disso, o casamento (que ainda suplanta estatisticamente
as uniões estáveis, legais ou não legais) é consagrado pelas dife
rentes igrejas ou credos religiosos, o que lhe confere um caráter
sacrossanto, difícil de ser quebrado, já que desafiaria a lei divina a
que todos tememos, acreditando ou não nos diferentes cristos ou
deuses das mais variadas religiões.
Uma outra questão a considerar é a diferença de gêneros: a
mulher - pelo fato de ser aquela que procria e tem um a intim ida
de única com o filho - é, consequentemente, a protetora - mesmo
tendo um a profissão, salvo exceções - , a encarregada da organi
zação familiar; enquanto o homem é, naturalmente, o responsável
pela provisão familiar ou seu ajudante.
Como assinalado, essa situação tem se modificado na medida em
que a mulher não permaneceu apenas em seu papel de procriadora,
mãe e organizadora familiar, passando a ter um papel ativo, social e
econômico tão importante ou, às vezes, maior do que o do homem.
A existência de filhos que caracteriza aquele grupo como uma
família o marca eternamente, já que houve um a organização, con
figurando que aquele homem e aquela m ulher serão sempre pais
18 0
daqueles filhos, haja o que houver. Essa estrutura fica registrada
na esfera social, legal, religiosa e nos parentescos e relações que se
estabelecem.
Observem que, quando um casal que não teve filho se divorcia
ou se separa, a repercussão no seio familiar e social é bem m enor e
passageira do que quando existem filhos. Não há a menor dúvida
de que a presença dos filhos invoca nos familiares e amigos um
sentimento de solidariedade e proteção a eles maior ou menor,
dependendo das suas idades.
Não é incomum que os filhos - como funcionam também
como protetores paternos e do próprio casamento - se transfor
mem precocemente em pais dos pais, constituindo o que chama
mos de filho parental.
Como se dá esse fenômeno, que, a princípio, pode parecer es
tranho, de os filhos protegerem ou servirem de suporte para os
pais, quando o que se espera é o contrário?
Os pais, apesar de ser óbvio, não nasceram naquela família
que constituíram com o(s) filho(s), vieram de seus respectivos
núcleos familiares, que lhes imprimiram experiências positivas
e negativas que vão produzir carências maiores ou menores. Em
função dessas carências que os pais trazem consigo - ao constru
írem sua família - vão estabelecer com os filhos relações que vão
reproduzir, em maior ou m enor escala, aquelas que tiveram com
os seus pais, boas ou ruins.
Por exemplo, aqueles pais que tiveram uma relação deficitá
ria com os seus pais podem esperar que os filhos ou um deles,
no presente, exerçam o papel de pais que os seus pais não foram.
Ou, tendo tido uma relação boa, extremamente compensadora
(outro extremo) com os pais, esses continuem a ser tão ou mais
importantes do que a família que fizeram, o que não permite que
se transformem em pai ou mãe dos filhos, podendo também pro
duzir filhos parentais em função de sua ausência.
W
A família constitui um invólucro para os seus integrantes, ofe
recendo sustentação e suporte (Groisman, 2012). Nela, cada um
dos pais procurará resolver as carências que trouxe de sua respec
tiva família de origem. O u tentará imitá-la, superá-la, ou, ainda,
não conseguirá se desprender em grau considerável, mantendo
uma dependência emocional e/ou econômica (não estabelecen
do fronteiras entre uma família e outra). O mesmo fenômeno vai
acontecer com os filhos quando tiverem que fazer seu voo solo
para virem ou não a estabelecer sua própria família e alcançarem
um estado de independência emocional e econômica.
A existência da família conforta a todos, o que é importante e,
ao mesmo tempo, pode se tornar um obstáculo para que cada um
dos membros do casal experimente um novo caminho. Apesar de
infelizes, evitam perder o calor familiar - mesmo que não tenham
o calor conjugal.
182
Como trabalho com terapia breve - combinando com o casal
ou a família um projeto que inclui um núm ero certo de sessões,
com um objetivo definido a terapia se encerrou sem ter sido
alcançado o objetivo proposto, que havia sido aceito por eles: ele,
se divorciar, e apresentá-la aos filhos, enquanto ela, sair da sua
submissão - caso ele não se divorciasse separando-se dele.
Vou arriscar, então, um prognóstico. Pelo fato de haver uma
desigualdade econômica (ele com maior poder econômico) nada
se resolveu: ela não conseguiu se impor, adiando a solução para
após a morte de um deles. Provavelmente a morte dele (sendo
mais velho), agora num a disputa judicial entre as duas viúvas.
III
mesmo tempo um entrave e exigir dos indivíduos - que a consti
tuem - um investimento relacional que pode prejudicar sua movi
mentação e, principalmente, a existência do próprio casal, os pais,
que devem ser os líderes dessa família.
No tocante ao casal - que é o nosso desafio - , sem perceber
cada um dos cônjuges transfere para a nova família, o parceiro ou
para os filhos um a série de carências - maiores ou menores - que
trouxeram de suas famílias, esperando que eles as supram ou repi
tam o que receberam.
Como estão percebendo, essa luta invisível não é simples ou
fácil. Ela vai resultar, como qualquer luta-, em vencedores e der
rotados.
O ideal é que o casal vença, sem derrotar a família (origem
e nuclear), preservando sua integridade e mantendo sua relação
com essas mesmas famílias.
O casal - que iniciou todo o processo - se m antenha vivo e
não submerja (desapareça) no caldo familiar (anterior, presente
e futuro).
184
14
EU, O TERAPEUTA
FAMILIAR, E MINHA MÃE
Q uem é esse personagem: o terapeuta familiar?
Ele é um técnico, apenas um profissional que está realizando
o seu trabalho, ou existe um a pessoa atrás desse técnico? Pes
soa essa que tem várias possibilidades: pertence a um a família
de origem (com a sua respectiva ligação e influência); é soltei
ra (m orando ou não com a família); form ou ou não um a nova
família com outro parceiro; é divorciada (com ou sem filhos);
uniu-se ou recasou-se com outro parceiro (form ando a família
recasada), tendo filhos ou não nessa nova união.
Essa mesma pessoa está imersa num a cultura, tem uma histó
ria familiar particular que vai lhe conferir um a determinada ideo
logia e a essa ideologia vai somar seu aprendizado como terapeuta
(qual foi a orientação teórica que recebeu?).
Será que a formação teórico-técnica é capaz de mascarar, de
encobrir a pessoa do terapeuta?
Sim e não, pelo mesmo motivo. Sim, porque no atendimento
ele é solicitado a utilizar seus recursos a todo momento, ficando
suas características pessoais em segundo plano; e não, porque no
momento em que intervém vai-se apropriar desses recursos de
uma forma peculiar (que combina com a sua matriz familiar, sua
identidade) e, como o contato é direto entre o terapeuta e a famí
lia, não há como esconder as reações emocionais resultantes desse
contato.
Esse encontro torna-se ainda mais complexo devido a outras
variáveis:
188
do, principalmente no caso de quem faz terapia breve: as sementes
são plantadas a curto prazo e não sabemos se e como elas se de
senvolverão a médio e longo prazo.
189
() tempo de cada um de nós não é eterno.
Não somos imortais.
A família original não é eterna.
A família original não é imortal.
190
Fazer psicoterapia de qualquer natureza, sem aparelhos ou
exames de laboratório, frente a frente com o indivíduo (com as
mãos limpas), é um empreendimento de alto risco. Imaginem ago
ra esse mesmo empreendimento diante do fato de que esse tera
peuta vai propor modificações na organização (estrutura) daquela
família ou daquele casal, que também circula em suas respectivas
famílias de origem e na família nuclear que constituíram (se exis
tirem filhos).
Vocês poderiam indagar: não é o que a fam ília ou o casal
deseja? Encontrar alguma solução para o seu problema? Aí é que
reside a questão. O que a família aponta como problema não é
necessariamente o mesmo que o terapeuta vai identificar e para
o qual proporá modificações.
Daí resultará um entrechoque entre os dois lados, que pode
rá ser frutífero ou não. Lembrando que, apesar de aquela estru
tura familiar se m ostrar obsoleta - ela é conhecida - , haverá re
ações ao cam inhar para um a situação desconhecida, que poderá
ser, em algum momento, m elhor que a anterior, mas dem andará
esforços adaptativos dos personagens que compõem o casal ou
a família.
191
Minha mãe também teve sua história, suas marcas, que a tor
naram uma pessoa assustada.
Moisés Groisman
Rio de Janeiro - Vargem Grande (Teresópolis), dezembro de 2012
192
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Digitação
Mara Magalhães
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