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MOÏSES

GROISMAN

A ARTE DE
PERDOAR
TERAPIA SISTÊMICA BREVE
NO CASAMENTO
E NA INFIDELIDADE

RIO DE JANEIRO
2013

( $
'Húdeo-
PESQUISAS
PREFÁCIO
Avaliando, Atualizando e
Acrescentando

Dezesseis anos após o lançamento - no livro: Histórias dramáti­


cas - Terapia breve para famílias e terapeutas - do primeiro m o­
delo brasileiro de terapia familiar sistêmica, o modelo sistêmico-
-vivencial, tenho a satisfação de retornar a ele. Neste novo livro,
promovo sua atualização, concentro sua atuação na questão con­
jugal, com suas diferentes inserções, seu desdobramento para a
área grupai, e acrescento m inha mais nova contribuição ao campo
da terapia familiar e a qualquer forma de psicoterapia: a terapia
sistêmica do perdão.
O estudo do perdão é relativamente novo no campo da psi­
coterapia. Ao vê-lo sob a ótica sistêmica, colocando-o no plano
do relacionamento interpessoal, amplio sua dimensão e aplicação
não só na crise conjugal (com ou sem infidelidade) como também
nas diferentes patologias emocionais.
Espero que este texto possa iluminar o pensamento do leitor,
abrindo-lhe novas perspectivas na sua vida relacional e no seu
campo profissional.

Moisés Groisman

s
I
SUMÁRIO
1 Eu e o Perdão 9

2 0 Primeiro Contato 17

3 O Modelo Sistêmico-Vivencial 25

4 Exercícios Sistêmico-Vivenciais 63

5 Exercícios Sistémico-Racionais 77

6 O Modelo Sistêmico-Vivencial em Grupoterapia 83

<T Meus Pds' -- 93


..V
O Casal^ ($-■.— 97

Á O Casal e os Filhos" —— 111

10 Arrependimento e Perdão 129

11 O Casal e a Infidelidade 138


1 ^
12 O Casal e as Famílias de Origem 155

13 0 Casal Existe? 171

14 Eu, o Terapeuta Familiar, e M inha Mãe 185

Referências 194
1
EU E O PERDÃO
E u me perguntei por que, aos setenta e dois anos, resolvi escre­
ver um livro sobre o perdão.
Algumas respostas objetivas: porque seria sobre um tema
pouco explorado na literatura sistêmica; porque seria a concreti­
zação de um curso sobre esse mesmo tema que havia realizado; e
porque estaria aproveitando a oportunidade de, vinte anos depois,
fazer um a revisão e atualização do modelo sistêmico-vivencial de
terapia familiar breve que criei em 1992.
Nenhuma delas me satisfez. Foi quando - eureca! - resolvi
olhar para qual era a etapa do ciclo de vida que estava atravessan­
do nos meus diferentes núcleos (segmentos) familiares: ascendên­
cia, conjugal, descendência.
Desses, o da ascendência, particularmente, me chamava a
atenção. Do meu pai, falecido há vinte e dois anos atrás, eu havia
me despedido no livro Família, trama e terapia (2006), enquanto
que m inha mãe, com noventa e oito anos, estava caminhando se­
renamente para, um dia, morrer.
Teria algum acerto de contas a fazer com ela? Precisaria per­
doá-la por algum comportamento em relação a mim? Afinal, fui
o primeiro filho, o mais velho de três, e sabemos que o mais velho

11
sofre geralmente com a inexperiência dos pais, o que se acresce
do fato de que a m inha mãe, após o casamento, foi m orar longe da
sua família (parte estava no Rio de Janeiro, quatro irmãos, e parte
em Recife - onde ela nasceu -, os pais e mais dois irmãos), em
Campos, onde residia a família do meu pai.
Imaginem, há setenta e dois anos atrás, ela, com vinte e seis
anos, morando num a cidade do interior, sem o apoio da sua rede
familiar. Tanto meu pai quanto m inha mãe eram os caçulas das
suas respectivas famílias, o que lhes emprestava características pe­
culiares.
M inha mãe também era a mais jovem das cunhadas, o que a
colocava num a posição de certa inferioridade e, em função da for­
mação intelectual que recebeu na metrópole (passou alguns anos
com uma das irmãs no Rio de Janeiro) não conseguia estabelecer
com as mulheres da família do meu pai, e mesmo com a pequena
comunidade judia, um diálogo que lhe agradasse. Dedicava-se à
casa, a cuidar dos filhos e a sair com meu pai nos fins de semana.
Meu pai era o imigrante típico, trabalhando primeiramente
como prestamista (vendia roupas, de bicicleta, nas casas dos fre­
gueses), depois como sócio do irmão mais velho num a loja de te­
cidos, A Razoável, onde ficava a postos de segunda a sábado até a
hora do almoço, incluindo os domingos pela manhã.
Assim, m inha mãe sentia-se sozinha, amparando-se em mim,
tornando-m e seu confidente nos momentos difíceis com o meu
pai. Contam ex-vizinhos de nossa prim eira casa em Campos - re­
encontrei-os muitos anos depois - que eu chorava constantemen­
te, principalmente à noite. Até hoje, tenho meu sono leve, superfi­
cial, acordando com qualquer barulho.
Imagino: eu chorava de um lado e ela do outro.
A ügação com a m inha mãe sofreu um primeiro corte quan­
do me colocaram no colégio com três anos e meio, acredito que
por ela estar grávida do meu irmão, para ir me acostumando a

12
ficar longe dela. Naquela época, não havia creches nem maternal,
jardim, alfabetização. Entrava-se direto no prim ário para a alfabe­
tização. Passei para o ginásio com dez e terminei o científico com
16 anos. A lembrança que tenho é a de um garoto assustado que
não queria ficar no colégio. Um dia, cheguei a casa todo cagado:
m inha mãe contava que eu tinha pedido para ir ao banheiro e a
professora não deixou. Eu era o mais novo da turma.
M inha mãe sempre foi uma pessoa assustada e, como não
convivi com meus avós maternos, não sei quem transmitiu esse
sentimento de medo para ela; ou, talvez pelo fato de ser a caçula,
desamparada pela família, mostrava-se insegura diante das adver­
sidades.
Quando adulto, já médico, acompanhando m inha mãe em ci­
rurgias ou acidentes, ela chamava pela mãe. Será que passei a ser o
substituto da sua mãe, m inha avó, que veio de Recife para ajudá-la
quando nasci?
Continuei assustado e fui procurar, sem perceber, resolver
meus medos fazendo medicina e me especializando em psiquia­
tria para assim tratar dos sustos ou dos terrores alheios.
Na medida em que me deparo com o medo do outro, transfi­
ro, localizo meu medo nele. Atendendo, então, famílias ou casais,
alargo a possibilidade de espalhar meus temores entre os diferen­
tes personagens que os compõem.
E por que me detenho na questão do medo, de ser uma pessoa
assustada, preocupada com algo que possa acontecer a qualquer
mom ento ou de, diante de alguma adversidade, considerar que
esta seja irreversível ou não tenha algum tipo de solução?
E por que me detenho na questão do meu medo latente, básico?
Atribuo à m inha mãe a existência desse medo em mim. Ló­
gico que sei, racionalmente, devido a m inha ideologia sistêmica,
que meu pai se omitiu ao não amortecer a influência dela sobre
mim.

13
Não só não amorteceu como também permitiu que ela se tor­
nasse a presença mais influente em m inha vida. Ele figurava como
um modelo de perseverança e de trabalho.
Percebi que, hoje, eu continuava como uma vítima da minha
mãe ao acusá-la como responsável por eu ser uma pessoa m edro­
sa, o que me impedia, muitas vezes, de trilhar novos caminhos de­
vido à preocupação de que eles não funcionariam a contento, não
agradariam a ela, ou poderiam me tornar uma pessoa diferente, de
alguma maneira, dela.

Tudo que procuramos realizar hoje tem relação com o passa­


do, com a finalidade de agradar a família, desagradá-la ou provar
a ela o nosso valor.

Assim, considerei que este livro poderia ser um a oportunidade


para rever, em outro momento, m inha relação com ela e, talvez,
perdoá-la dos erros cometidos na m inha criação.

O tema do perdão nas relações familiares e sociais é atual,


complexo e fundamental para a sua continuação, revisão ou in­
terrupção.
Aquele que não consegue perdoar seja unilateralmente (sem a
presença ou a participação do agressor), ou bilateralmente (com
a presença e o consequente arrependimento daquele que cometeu a
transgressão, para receber o perdão da vítima) ficará preso ao pas­
sado (ao ontem), que repercutirá no presente (no hoje), o que o
tornará vítima nas relações que estabelecer.
Se, no presente, não conseguirmos perdoar personagens fa­
miliares do passado, permaneceremos num a posição de vítima,
congelando esse passado, não conseguindo atualizá-lo no presente
diante de uma nova perspectiva, o que corresponde a um a imatu­
ridade emocional.

14
Apesar de parecer fantástico, imaginário, muitas pessoas fi­
cam aguardando no presente que os personagens desse passado
(vivos ou mortos) se arrependam do que cometeram ou pratica­
ram para poderem seguir em frente; que esse passado seja rees­
crito de outra maneira; que personagens atuais supram as carên­
cias do passado.
Se continuarmos a acusar, no presente, aqueles do passado,
não evoluímos, permanecemos congelados na infância ou na ado­
lescência, ou esperamos que figuras substitutas do presente solu­
cionem esses conflitos do passado. Caso não os resolvam, o que
é esperado - ninguém salva ninguém, como já mostrei (1986) e
afirmei (2006) - , isso implicará em questões relacionais no pre­
sente, pois essas figuras do presente serão acusadas de desamor e
desproteção.
O ser adulto é aquele que perdoa o passado e assume sua par­
cela de responsabilidade nas relações que estabelece no presente.
Esse posicionamento geralmente não se dá, o que leva o sistema a
produzir um bode expiatório, depositário das questões da família
ou do casal.
Quando é numa família, a sintomatologia aparece em um dos
filhos: criança ou adolescente (encobrindo questões dos irmãos e,
principalmente, dos pais, o casal); quando é num casal, aparece
mascarada das mais diferentes patologias (emocionais ou físicas)
em um dos seus membros, que traz um comprometimento emo­
cional mais acentuado do que o outro em função de sua história
familiar.
Com essa afirmação não estou excluindo que exista uma pa­
tologia com o seu devido diagnóstico naquele(a) que a apresenta,
mas sim afirmando que sua sintomatologia não é exclusivamente
individual (genética ou hereditária). Ela é decorrente das intera­
ções familiares ou conjugais do presente reforçadas por marcas do
passado.

15
Para empreendermos a viagem de um possível perdão (meu
e de vocês), será necessário que iniciemos de algum ponto que
chamei de ponto zero.
E qual foi o ponto zero que elegi? Aquele que se revela através
do primeiro telefonema de algum membro da família (geralmen­
te, a mãe) ou do casal (geralmente, a parceira ou esposa), feito a
um terapeuta familiar de orientação sistêmica.
Esse marco é significativo porque engloba, no processo tera­
pêutico, tanto a família quanto o terapeuta, com os conflitos re­
lativos a um e a outro, nas diferentes etapas de vida que cada um
está atravessando. O terapeuta, durante um a terapia familiar ou
conjugal, vivência, recorda, imagina (de acordo com a sua idade,
fase da vida) o que é, foi, ou será sua vida conjugal e familiar.
2
O PRIMEIRO CONTATO
Q uando alguém lhe telefona é im portante lembrar, apesar de
parecer redundante, que esse alguém pertence a alguma família
ou casal. Esse alguém (adulto) é o representante de:
a) Uma família de procriação ou nuclear, devido ao nascimen­
to de um ou mais filhos resultantes de um casamento ou uma
união estável;
b) Uma família recasada;
c) Uma família de progenitor único;
d) Uma família uniparental;
e) Uma família com filhos adotivos;
f ) Uma família homoparental (de primeiro ou segundo casamento);
g) Ou de um casal hetero ou homossexual que está em crise; de
primeiro ou segundo casamento (recasamento).

Vocês poderiam perguntar: se um adolescente ou adulto jo ­


vem telefonar? Caso more com eles, ou seja economicamente
dependente dos pais, peço que um dos pais entre em contato
comigo em função da seguinte premissa: quem é dependente
econômico dos pais continua m ergulhado na família e, assim,
necessita ser atendido com a presença dela.

10
Um prim eiro telefonema já embute uma série de questões e
não se resume apenas a uma simples marcação de uma entrevista
ou consulta. Aquele ou aquela que entra em contato com você é
um emissário, um a voz de um sistema familiar, seja essa voz per­
tencente a um a família ou a um casal.
Para entenderem melhor o que é um sistema, vou recorrer
à definição de Hall e Fagen, citada por Watzlawick (1981): é um
conjunto de objetos com as relações entre os objetos e entre os
atributos, em que os objetos são os componentes ou partes do
sistema, os atributos são as propriedades dos objetos e as relações
dão coesão ao sistema todo.
Ao considerarmos que a família se organiza dentro de um sis­
tema de forças no qual cada indivíduo exerce uma função, ou seja,
tem uma determinada potência dentro desse sistema, concluímos
que nenhum indivíduo está fora desse conjunto e, consequente­
mente, imune aos estímulos familiares que recebe.
Esses estímulos serão maiores ou menores dependendo da
etapa do ciclo de vida familiar que aquele indivíduo está atraves­
sando com a sua família. Quando um filho nasce, seja de parto da
parceira ou de barriga de aluguel, ou adotado, ele inaugura uma
família, que vai ter um desenvolvimento através do tempo evolu­
tivo da mesma.
Esse filho vai promovendo o crescimento dessa família e com
isso determinando suas etapas: a família na infância, na adoles­
cência, no lançamento dos filhos para a vida adulta, depois o casal
outra vez sozinho, o casal na terceira idade, um dos membros do
casal falece, o outro falece e, agora, os filhos se defrontam com a
sua orfandade, sem os pais originais.
Ao mesmo tempo o(s) filho(s) não sofre(m) a influência ape­
nas da família onde nasce(m) e de suas consequentes etapas de
desenvolvimento, mas também das respectivas famílias de origem
de seus pais. Assim, o filho está girando, salvo orfandade de um

20
ou de ambos os pais (mesmo assim seus fantasmas estão presen­
tes), desde quando nasceu, em no m ínim o três gerações, ou até em
quatro gerações: filhos, pais, avós e bisavós.
Dessá maneira, precisamos delinear (colocar, encaixar, enten­
der) o indivíduo na família tanto no sentido horizontal - a família
nuclear ou de procriação - quanto no sentido vertical: as famílias
de origem dos respectivos pais, com os avós e bisavós se existirem,
ou fantasmáticos, através de experiências ou relatos transmitidos
pelos avós e pais.
Essa ideologia precisa estar assentada na mente do terapeuta
para que ele, ao atender um telefonema, lide de um a forma sistê­
mica com aquele ou aquela que lhe ligou, ou seja: considere que
aquele indivíduo pertence a um contexto familiar, não sendo um
indivíduo isolado, apenas com um a patologia e um tratam ento
específico.
É importante que, no contato telefônico inicial, o terapeuta
faça para si um minigenograma (árvore genealógica familiar), de
modo que já evidencie, desde o primeiro instante, que todos es­
tão envolvidos na questão apresentada por um deles e, ao mesmo
tempo, fique de posse de informações que vão lhe ajudar na abor­
dagem da família na prim eira entrevista.
Quando se trata de uma criança ou adolescente com proble­
mas, é geralmente a mãe quem entra em contato, apesar de em
alguns casos caber ao pai essa tarefa. Q uando se trata de crise
conjugal, também é normalmente a esposa ou companheira quem
telefona para a marcação da consulta.
Na feitura do minigenograma, é importante perguntar sobre: a
constituição da família, se têm filhos e, em caso afirmativo, quan­
tos; as respectivas famílias de origem; acrescido de informações
resumidas da sintomatologia do paciente referido.
O paciente referido ou identificado é aquele que apresenta a
sintomatologia em função da qual a família procura tratamento.

21
A designação referido ou identificado já traduz a perspectiva
sistêmica, na medida em que o considera como um a manifestação
daquela organização que demonstra que essa organização está
disfuncional, com questões em outros segmentos ou subsistemas,
necessitando de um outro tipo de funcionamento.
Quando realizar o minigenograma, o terapeuta vai saber: se
aqueles pais são casados ou divorciados, se os filhos são casados,
solteiros e com quem moram: pais, pai ou mãe, ou se com algum
dos avós, ou, ainda, se os avós vivem junto com eles ou próximos,
participando da educação do neto.
Essa informação familiar vai servir como indicação para quem
vai ser chamado para a prim eira sessão. Por exemplo, o envolvi­
mento dos avós ou de um dos avós pode ser tão intenso que ele já
deverá ser convocado para a prim eira sessão.
O fato de estar usando a terminologia primeira sessão, ao invés
de primeira entrevista, revela que considero que o primeiro conta­
to com a família não é ingênuo ou amador. O terapeuta não deve se
colocar apenas em uma posição expectante, como aquele que ouve
e pergunta o necessário para saber o que está acontecendo.
Nessa prim eira sessão, já fará intervenções que o ajudarão a
localizar o foco sistêmico (Groisman, Lobo e Cavour, 2013, I aed.
1996) e estabelecer, no final da sessão, se possível, o projeto tera­
pêutico. Esse projeto terapêutico inclui o núm ero de sessões, sua
filmagem, o preço, a presença da família nuclear e da família de
origem e a existência de um a equipe terapêutica.
Nos últimos três anos, fiz uma pequena modificação: ao invés
da entrevista telefônica, que é realizada apenas com um dos inte­
grantes da família, passei a fazer uma entrevista de triagem com
toda a família ou o casal (quando se trata de uma questão conju­
gal). Por que essa mudança?
Tenho a oportunidade de um contato inicial pessoal que pode
estabelecer um prim eiro vínculo entre o terapeuta, o processo

22
lerapêutico e a família ou o casal; são muitas as informações a
serem dadas por telefone para o interlocutor absorver e informar
ao restante da família; e posso fazer um diagnóstico mais acurado
da patologia apresentada pelo paciente referido. Avaliar se ele tem
necessidade de um acompanhamento psiquiátrico paralelo à tera­
pia familiar e em qual dos programas da Núcleo a família se inclui:
terapia unifamiliar ou conjugal sistêmica breve, terapia individual
sistêmica breve, grupoterapia multifamiliar ou multiconjugal sis­
têmica breve, ou grupoterapia individual sistêmica breve.
Todas essas modalidades terapêuticas têm como base o
modelo sistêmico-vivencial, que foi inicialmente desenvolvido
para ser aplicado na terapia unifamiliar e uniconjugal breve.

23
3
O MODELO
SISTÊMICO-VI VENCI AL
1
E s s e modelo, de m inha autoria, criado em 1992, cujos prim ei­
ros resultados, juntam ente com a sua fundamentação teórica, sur­
giram no livro Histórias dramáticas (2013, Ia ed. 1996), consoli­
dou-se com o correr dos anos. Atendeu até o momento, dezembro
de 2012, quatrocentos clientes, entre famílias, casais e indivíduos,
em suas diferentes modalidades terapêuticas, conseguindo m an­
ter o índice de sucesso (70%) apontado em 1996 como superior ao
de desistências e fracasso terapêutico.
Ele, que é o único modelo genuinam ente brasileiro de tera­
pia familiar e de terapia familiar breve, caracteriza-se pelas se­
guintes particularidades:
I. Número de sessões;
II. Identificação do foco sistêmico;
III. Caracterização da matriz familiar de cada um dos com­
ponentes do sistema;
IV. Descoberta da missão familiar do paciente referido;
V. Uso do tempo terapêutico;
VI. Participação das famílias de origem;
VII. Participação dos filhos;
VIII. Integração de técnicas terapêuticas.

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O que representa cada um desses ingredientes?

I. N úm ero de sessões ou como p ro cu rar superar a dependência


terapêutica

O modelo sistêmico-vivencial foi criado para ser realizado em


nove sessões, da seguinte forma: seis sessões mensais, iniciais, de
alto impacto, seguidas de três sessões trimestrais, finais, de baixo
impacto.
Segue alguns cânones da terapia familiar breve - pontuados
principalmente por Haley (1966,1979,1980) e Palazolli (1978) -
de que é necessário que o terapeuta estabeleça um objetivo a ser
alcançado, produza um a mudança na organização familiar e, ao
mesmo tempo, a eliminação ou diminuição (dependendo do tem ­
po de evolução da patologia) da sintomatologia do paciente refe­
rido e de que o número de sessões deve variar entre seis e doze.
Em função dessa última recomendação, cheguei a um núm e­
ro intermediário: nove sessões, que também, como sabemos, re­
presenta o tempo de um a gestação. Gestação de um novo tipo de
relacionamento: familiar, conjugal ou individual (do cliente com
a sua família), tratando-se de terapia familiar, conjugal ou indivi­
dual sistêmica.
As seis primeiras sessões são chamadas de alto impacto porque
o terapeuta, ou os terapeutas (coterapia), ou ainda a equipe tera­
pêutica (terapeutas de campo e extracampo, atrás de um espelho
unidirecional) tentam - através de intervenções verbais, dramáticas
e estratégicas - produzir uma alteração no equilíbrio familiar, sua
homeostase (Jackson, 1977), para levar os componentes da familia
a um novo tipo de equilíbrio. Essa movimentação tem a finalida­
de de evitar que permaneça um paciente referido fixo no sistema,
dando-lhe uma mobilidade (elasticidade) de modo que haja uma
rotação desses papéis entre os diferentes integrantes.

28
As três últimas, de baixo impacto, serviriam para ajustes finos
na organização familiar, de modo que a própria família aprendes­
se a se tornar seu próprio terapeuta.
Ao demarcar um tempo para a terapia, o terapeuta sinaliza
para a família que ela tem um prazo definido para encontrar - aju­
dada por ele - uma solução para o(s) seu(s) problema(s). Pressio­
na o sistema e se pressiona (também ele pertencente a um sistema
familiar do qual veio e a outro que criou ou não) a fim de achar
(propor) uma saída para a questão apresentada pela família.
A saída proposta nunca será a mesma esperada pela família,
ou seja, a cura apenas do paciente referido. Ela implicará num a
reorganização do sistema, de modo a evitar que ele se torne es­
tático. Como diz W hitaker (1989, 1990), um a família saudável é
aquela na qual existe uma rotação constante do bode expiatório (o
paciente referido), impedindo que sua estrutura torne-se rígida,
sem um a flexibilização de papéis dos seus componentes.
O paciente referido surge num a família ou num casal em fun­
ção de que não houve ou não conseguiram - os membros daquele
sistema, sejam os pais associados ao(s) filho(s), na família, ou o
casal - im prim ir um a nova configuração a esse sistema.
A necessidade de uma outra configuração pode ser devida a
vários fatores:

a) Etapas evolutivas do ciclo de vida familiar


Os membros do sistema necessitarão se reestruturar para n o ­
vos papéis devido ao envelhecimento progressivo dos pais (ou do
progenitor único) e ao desenvolvimento natural dos filhos, desde
o seu nascimento passando pela infância, adolescência e saída de
casa; ou diante das chamadas questões acidentais (divórcio, morte
precoce de um dos genitores, falência, imigração, desastres am ­
bientais etc.).


b) Atualização do casal
É importante que os cônjuges reformulem seu padrão relacional
em função do crescimento dos filhos - com a consequente saída
deles de casa - para então se reencontrarem, em outro momento
de vida, sozinhos, de novo.
Aliás, não deveria haver nenhum a reformulação, pois o casal
deveria m anter - mesmo com a formação da família - intacta a
sua unidade, cultivando-a permanentemente, evitando que ela se
dissolva na estrutura familiar.

c) Divórcio ou separação
Em função da intercorrência do divórcio ou da separação
produz-se uma ruptura na unidade familiar, levando à dissolução
daquela família. Daí a necessidade de não só os cônjuges promo­
verem todos os trâmites legais necessários relativos ao divórcio
(formalização, partilha de bens) como também a criação de duas
novas famílias uniparentais ou duas novas unidades familiares
(pai e filhos e mãe e filhos).

Em todos os tipos de organização familiar - nuclear ou uni-


parental pós-divórcio; de progenitor único inicial; e homoafetiva
(masculina ou feminina), de prim eiro ou segundo casamento - ,
será necessária um a reformulação de papéis em função da m u­
dança da família através do seu tempo evolutivo.

Se, em nove sessões, o terapeuta - sozinho, em dupla (cotera-


pia), ou em equipe - não conseguir mobilizar aquela família ou
aquele casal para um novo tipo de organização, isso é um indício
de que algum tipo de mudança estrutural, naquele momento, não
é possível. Essa ausência de movimento será atribuída 50% a cada
uma das partes envolvidas: terapeuta e família.
Em julho de 2010, após dezoito anos do início do modelo, re­
solvemos fazer uma pequena mudança no seu formato: em vez de

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haver um intervalo trimestral, a partir da sexta sessão, ele passou
a ser de nove sessões mensais seguidas, sem interrupção.
Por que essa mudança? Várias razões, expostas a seguir, sem
ordem de prioridade:

a) Havia uma pretensão (ambição) terapêutica de se resolver


a questão apresentada pela família ou pelo casal nas seis sessões
iniciais, o que representava uma exigência, principalmente para a
equipe, e ampliava a tensão do processo terapêutico.
b) Não agradava, geralmente, aos clientes o modelo de nove
sessões ou de tempo demarcado (a cultura psi ainda é de terapia
sem prazo definido), quanto mais havendo um intervalo maior
nas três sessões finais. Os clientes sentiam-se abandonados, de­
samparados.
c) Similarmente, o mesmo fenômeno acontecia com os alunos
do curso de formação em terapia familiar breve que participavam
dos atendimentos. Estranhavam seu caráter breve, objetivo e in­
tervencionista (diferente do que aprenderam nos cursos de gra­
duação e de pós-graduação) e também não conseguiam, em sua
maioria, seguir no acompanhamento trimestral, principalmente
quando este ultrapassava o curso teórico.

O fato de ser uma proposta terapêutica diferente da habitual,


que levantava reações tanto nas famílias ou casais quanto nos alu­
nos, me provocou algumas reflexões.
Desde o nascimento, entramos ou caímos em algum tipo de
família ou sua substituta (orfanato, asilo, instituição religiosa etc.),
onde somos submetidos a um a rotina (mesmo que seja irregular)
que molda o nosso comportamento; o que nos leva no futuro a
repeti-la (de alguma maneira) ou procurarmos reagir (ser contrá­
rios) a ela. Essa rotina cria um a dependência dos componentes do
sistema entre si, produzindo uma retroalimentação, o que torna
difícil a saída da família para alcançar nossa independência.

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Transpondo essa situação para a área terapêutica, os clientes,
de um a maneira geral, estão imersos num a cultura de terapia de
longo prazo, ou sem prazo definido, e de ausência de objetivo te­
rapêutico. Essa modalidade de atuação alimenta a dependência do
cliente ao terapeuta e vice-versa, criando a expectativa em ambos
de que haverá um milagre a qualquer momento, não havendo ne­
cessidade de esforço de ambas as partes: para o terapeuta voltar a
ficar sozinho enfrentando o vazio da sua agenda, e o cliente fazer
face, sem muletas, à sua vida.
Então, o paciente e o terapeuta acostumados a essa rotina te­
rapêutica vão reagir diante de um a proposta diferente: breve, de
tempo demarcado, com um projeto terapêutico, que não pretende
estimular a dependência dos envolvidos no projeto.
O tema da dependência é central no relacionamento humano.
Como disse Andolfi (1984), poderíamos restringir o trabalho psi-
coterápico ao eixo união-separação. Esse eixo está relacionado ao
quanto cada um dos filhos (na família nuclear) conseguiu se sepa­
rar emocionalmente dos seus pais, e estes deles; ao mesmo tempo,
o mesmo processo aconteceu com estes pais (em suas respectivas
famílias de origem) em relação aos seus pais, e com estes em rela­
ção aos respectivos pais, e assim sucessivamente.
Se o terapeuta procura - em qualquer tipo de terapia - ofere­
cer ao seu cliente um caminho independente ou libertador e, ao
mesmo tempo, o faz numa terapia sem prazo definido, está lhe
passando uma dupla mensagem: transfere da família para o vín­
culo terapêutico essa dependência.
A terapia familiar breve, no modelo sistêmico-vivencial, pro­
põe não estimular a dependência, na medida em que delimita o
número de sessões e estabelece um objetivo a alcançar, passando a
mensagem para o cliente de que ele tem aquele prazo para fazer as
modificações necessárias.
Mesmo sendo uma terapia breve ela tem como um de seus
fundamentos teóricos o de propor a individualização de cada um

32
dos com ponentes da família, principalm ente do paciente referido
- que é a expressão m áxim a da simbiose familiar.

II. Identificação do foco sistêm ico ou como ser breve, qualitati­


vo, atingindo o alvo (o centro da questão) em pouco tem po
ou em poucas sessões

O conceito de foco foi abordado principalmente no campo da


terapia individual breve, de inspiração psicodinàmica ou psicana­
litica, por Malan (1963) e Fiorini (1976). Foi utilizado com a fina­
lidade de delimitar o aspecto da vida do paciente a ser trabalhado
durante o processo terapêutico.
Na medida em que - utilizando a teoria sistêmica - passei a
entender o indivíduo como situado num a teia de relações, o con­
texto familiar, criei a denominação de foco sistêmico (Groisman,
Lobo e Cavour, 2013, Ia ed. 1996), o qual representaria o centro, o
local de onde emerge a crise familiar.
Apenas usei a palavra foco - que se referia a um contexto in­
dividual - e a coloquei em outro contexto - o familiar - para de­
signar o conflito nodal que está paralisando o desenvolvimento
familiar. Esse conflito está ligado a uma etapa do ciclo de vida fa­
miliar não ultrapassada, que se expressa através da sintomatologia
do paciente referido (Haley, 1966).
Essa sintomatologia representa o que chamamos de crise
manifesta, que denota que aquela família ou aquele sistema está
disfuncional, enquanto a crise latente - que vai ser descoberta e
apontada pelo terapeuta - é a que caracteriza o foco sistêmico.
Esse, como dissemos em Histórias dramáticas (2013, I a ed.
1996), precisará ser ampliado, numa visão horizontal, para o m o­
mento do ciclo vital daquela família nuclear e, numa visão vertical,
indo às famílias de origem, buscando os nós geradores do conflito.
Transpondo essa situação para a área terapêutica, os clientes,
de um a maneira geral, estão imersos num a cultura de terapia de
longo prazo, ou sem prazo definido, e de ausência de objetivo te­
rapêutico. Essa modalidade de atuação alimenta a dependência do
cliente ao terapeuta e vice-versa, criando a expectativa em ambos
de que haverá um milagre a qualquer momento, não havendo ne­
cessidade de esforço de ambas as partes: para o terapeuta voltar a
ficar sozinho enfrentando o vazio da sua agenda, e o cliente fazer
face, sem muletas, à sua vida.
Então, o paciente e o terapeuta acostumados a essa rotina te­
rapêutica vão reagir diante de uma proposta diferente: breve, de
tempo demarcado, com um projeto terapêutico, que não pretende
estimular a dependência dos envolvidos no projeto.
O tema da dependência é central no relacionamento humano.
Como disse Andolfi (1984), poderíamos restringir o trabalho psi-
coterápico ao eixo união-separação. Esse eixo está relacionado ao
quanto cada um dos filhos (na família nuclear) conseguiu se sepa­
rar emocionalmente dos seus pais, e estes deles; ao mesmo tempo,
o mesmo processo aconteceu com estes pais (em suas respectivas
famílias de origem) em relação aos seus pais, e com estes em rela-
çlo aos respectivos pais, e assim sucessivamente.
Sa 0 terapeuta procura - em qualquer tipo de terapia - ofere­
cer IO seu cliente um caminho independente ou libertador e, ao
meimo tempo, o faz numa terapia sem prazo definido, está lhe
panando uma dupla mensagem: transfere da família para o vín­
culo terapêutico essa dependência.
A terapia familiar breve, no modelo sistêmico-vivendal, pro­
põe não estimular a dependência, na medida em que delimita o
númerode sesaôese estabelece um objetivo a alcançar, passando a
mensagemparao cliente de que ele tem aquele prazo para fazer as
modificações necessárias.
Mesmo sendo uma terapia breve ela tem como um de seus
fundamentos teóricos o de propor a individualização de cada um

32
dos com ponentes da família, principalm ente do paciente referido
- que é a expressão m áxim a d a sim biose familiar.

II. Identificação do foco sistêm ico ou com o ser breve, qualitati­


vo, atingindo o alvo (o centro da questão) em pouco tem po
ou em poucas sessões

O conceito de foco foi abordado principalmente no campo da


terapia individual breve, de inspiração psicodinàmica ou psicana­
litica, p or Malan (1963) e Fiorini (1976). Foi utilizado com a fina­
lidade de delimitar o aspecto da vida do paciente a ser trabalhado
durante o processo terapêutico.
Na medida em que - utilizando a teoria sistêmica - passei a
entender o indivíduo como situado num a teia de relações, o con­
texto familiar, criei a denominação de foco sistêmico (Groisman,
Lobo e Cavour, 2013, I a ed. 1996), o qual representaria o centro, o
local de onde emerge a crise familiar.
Apenas usei a palavra foco - que se referia a um contexto in­
dividual - e a coloquei em outro contexto - o familiar - para de­
signar o conflito nodal que está paralisando o desenvolvimento
familiar. Esse conflito está ligado a uma etapa do ciclo de vida fa­
miliar não ultrapassada, que se expressa através da sintomatologia
do paciente referido (Haley, 1966).
Essa sintomatologia representa o que chamamos de crise
manifesta, que denota que aquela família ou aquele sistema está
disfuncional, enquanto a crise latente - que vai ser descoberta e
apontada pelo terapeuta - é a que caracteriza o foco sistêmico.
Esse, como dissemos em Histórias dramáticas (2013, Ia ed.
1996), precisará ser ampliado, numa visão horizontal, para o m o­
mento do ciclo vital daquela família nuclear e, numa visão vertical,
indo às famílias de origem, buscando os nós geradores do conflito.

SS
A identificação do foco sistêmico permite ao terapeuta tornar
a terapia mais qualitativa (atingindo o alvo do objetivo pretendi­
do) do que quantitativa (número de sessões). Não é o volume de
intervenções verbais e não-verbais que vai dim inuir ou eliminar a
sintomatologia do paciente referido e a consequente crise familiar
subjacente, mas, sim, as intervenções qualitativas que atingem o
alvo, o cerne da questão, o nó de onde se irradia a crise, expressa
por um dos membros do sistema.
Assim, na medida em que localizamos o que está estrangulan­
do a família impedindo o seu desenvolvimento, é possível abreviar
o tratamento. Para que isso seja possível, é necessário que o tera­
peuta aceite - faça parte da sua ideologia - que o indivíduo é fun­
damentalmente relacional, pertencendo e sofrendo as influências
que atravessam o contexto familiar.
Esse contexto compreende o presente e o passado geracional
que vão formar uma cruz que atravessa cada um dos componentes
da família (Groisman, 2012).
O eixo vertical dessa cruz, que corresponde ao passado,
diz respeito à nossa herança geracional: cultura, raça, religião,
crenças, valores e experiências vividas com a família de origem
(registradas na matriz familiar); e o eixo horizontal corresponde
às nossas relações atuais: afetivas, profissionais e sociais.
Os impactos do presente potencializam, estimulam o passado
que está incrustado em nossa matriz familiar, fazendo com que
reajamos em função dessa interseção.
A nossa reação é individual, mas determinada pela família:
seguindo ou reagindo ao que aprendemos e vivemos com ela. Não
há a menor dúvida de que existe uma patologia que está assen­
tada num indivíduo - que comporta um diagnóstico psiquiátri­
co - mas, se o terapeuta permanecer apenas no indivíduo ou no
seu diagnóstico, que é uma atitude estática, vai perder a noção do
todo: o que está gerando aquele paciente referido (diagnóstico re-

34
lacional ou dinâmico), seja num a família ou em um dos membros
do casal.
Não há a intenção de afirmar que um a terapia familiar breve,
usando o modelo proposto, vai dar conta de todas as questões fa­
miliares, mas a de atender a família no que ela está mais necessita­
da: a sintomatologia do paciente referido que é, como já foi dito, o
sinal de uma crise familiar.
Para resolver essa crise haverá a necessidade de promover
uma mudança na organização familiar, em seu equilíbrio (home-
ostase), que não está mais lhe atendendo, já que gerou um pacien­
te referido.
O terapeuta conseguindo - e a família aceitando - uma nova
homeostase, haverá a rotação do bode expiatório, surgindo então
outras questões familiares, seja em outro filho ou, principalmente,
no casal.
Em relação a outro filho, finalizando a terapia, o casal, agora
instrumentado pelo processo terapêutico, terá condições de sozi­
nho lidar com a situação que lhe for apresentada.
Como a terapia é também aprendizagem, a família - em de­
corrência do processo ao qual se submeteu - tom ar-se-á seu pró­
prio terapeuta, de m odo a cuidar de outras questões que surgirem
e demais crises em outras etapas do ciclo de vida familiar. É uma
pretensão ambiciosa, mas que procura rom per com a dependência:
terapeuta-indivíduo-casal-família.
Ao mesmo tempo, sabemos que nenhum a terapia prolongada
conseguirá dar conta ou imunizar o indivíduo das diferentes ques­
tões que ele vai enfrentar no seu desenvolvimento, seja em relação
à sua família de origem ou à sua família nuclear (se a constituiu).

SB
III. M atriz fam iliar ou descobrindo as marcas que ficaram
(estão) impressas em você (nós), fruto de experiências fa­
m iliares (objetivas) positivas e negativas

A matriz familiar é uma estrutura que se forma desde o nas­


cimento, resultante: da missão que nos foi conferida pela família;
da impressão (marcação) das experiências de toda a natureza que
vivemos com a nossa família nuclear, extensa e de agregados; e da
nossa posição nos triângulos intra e intergeracionais.
O conceito de matriz familiar (Groisman, Lobo e Cavour,
2013, I a ed. 1996) surgiu a partir da observação de que repetíamos
no presente - na relação com as pessoas que nos circundavam -
padrões relacionais que trazíamos do passado.
Esse passado é pavimentado pelas interações que vão ocorrer
entre cada um de nós e os diferentes integrantes da família nuclear
e dessa com as famílias de origem dos respectivos pais. Essas in­
terações vão proporcionar experiências diferentes a cada um dos
membros da família que vão variar de acordo com: o gênero; posi­
ção na escala familiar (primeiro, segundo, terceiro filho etc.) e nos
triângulos intra e intergeracionais; situação econômica da família
no momento do nascimento; perdas; divórcio; recasamento; e a
cultura na qual a família está inserida.
A matriz vai se organizando a partir do nascimento numa es­
trutura que se solidificará em torno dos dezoito ou dezenove anos
e vai determinar nossas relações e escolhas futuras nas diferentes
áreas de nossa vida (social, amorosa, sexual, profissional).
Essa estrutura, que permanecerá imutável para o resto da vida,
representará nossa identidade individual e familiar.
Identidade individual porque cada um dos componentes de
uma mesma família terá a sua própria matriz, inclusive no caso
de gêmeos, trigêmeos etc. Essa característica individual - que di­
ferenciará cada irmão e um pai do outro (considerando a famí-

36
lia nuclear) que, por sua vez, tiveram suas matrizes impressas em
suas respectivas famílias de origem - será marcada também pela
missão que cada um dos filhos recebe ao nascer de seus pais ou de
seu(sua) avô(ó), dependendo do grau de proximidade ou influên­
cia desses sobre o pai ou a mãe. Essa missão é fruto de expectativas
deles - e de gerações anteriores - que não puderam ser realizadas.
Identidade familiar - comum a todos os integrantes da família
nuclear - na medida em que eles recebem através dos pais: influ­
ências religiosas, raciais, culturais que se traduzem em crenças e
valores que atravessam gerações.
O conceito de matriz confunde-se com o de self, identidade,
personalidade, eu etc. Acredito que é mais abrangente porque
introduz a importância da família em sua constituição e define
como serão as nossas reações e escolhas, de qualquer natureza,
no futuro. De acordo com as marcas passadas impressas em nossa
matriz, elas vão nos levar em diferentes direções, dependendo da
etapa do ciclo de vida que estivermos atravessando, seja na família
de origem e/ou na família que, porventura, viermos a constituir.
Como somos seres relacionais vamos sofrer o impacto e o
estímulo dos personagens com os quais estamos convivendo na
família original, na relação conjugal, com os filhos (se houver),
ou no meio social e profissional.
Os impactos do presente potencializam, estimulam o passa­
do - que está incrustado em nossa matriz familiar - fazendo com
que reajamos em função dessa interseção. Dessa forma, a nossa
reação não é individual, mas familiar, seguindo ou reagindo (que é
a outra face da moeda) ao que aprendemos e vivemos com a nossa
família.
Não existe o indivíduo - como dizia W hitaker (1990) - como
personagem único, original. Cada um de nós é um caleidoscópio
familiar - fragmentos estilhaçados de diferentes personagens fa­
miliares da geração atual e passada, mesmo sem conhecê-los,

S7
que foram transm itidos pelas relações que tivemos com nossos
pais e avós, que tam bém receberam a influência de gerações
anteriores, e assim sucessivamente - , constituindo um entrela­
çamento, um a cadeia familiar interminável que repercutirá no
presente em cada um dos componentes daquela família.
No desenvolvimento e na constituição da matriz familiar é
fundamental o conceito desenvolvido por Bowen (1978) que se
refere à individualização da massa familiar. Em que consiste essa
ideia e como ela se articula com o conceito de matriz familiar?
Bowen, que foi um dos pioneiros da terapia familiar, destacou-
-se no cenário terapêutico quando estabeleceu as bases do corpo
teórico do seu pensamento, que foi revolucionário e inovador. Até
o surgimento de suas ideias, considerava-se que o ego, a identida­
de, se configurava a partir de um jogo de identificação (projeção
e introjeçâo) do indivíduo com os seus pais, ou seja, havia um
movimento a partir dele.
Com Bowen, surgiu o conceito de massa indiferenciada do eu
familiar, que m uda radicalmente o entendimento do desenvolvi­
mento emocional do indivíduo, na medida em que ele se inicia a
partir da família.
Como se dá esse processo? O casal, ou progenitor único, atra­
vés de um casamento, união ou uma relação extemporânea, tem
ou adota o primeiro filho. A partir desse, constitui-se uma família,
formando esse conjunto a massa indiferenciada do eu familiar à
qual vão se agregar os outros filhos (se houver).
Essa massa é constituída pelo pai, pela mãe ou por um deles
(família de progenitor único) - com os respectivos graus de dife­
renciação (individualização) que alcançaram em suas correspon­
dentes famílias de origem - e pelo filho que nasceu ou foi adotado
que, por sua vez, vai começar, paulatinamente, numa interação
contínua, a se destacar, a se diferenciar dessa massa. Tanto o filho
quanto os pais - que um dia também nasceram de um determina-

38
do tipo de família - vão alcançar ou alcançaram um determinado
grau de individualização em relação à sua família.
Todo o processo de diferenciação ou individualização (sepa­
ração emocional) dessa massa familiar, com o respectivo grau que
o indivíduo consegue atingir no entrechoque contínuo com a sua
família, instala-se em sua matriz. Assim, nas relações que estabe­
lecemos no presente, a matriz vai se manifestar com todas as suas
marcas (positivas e negativas), a missão que recebemos e o grau de
diferenciação existente.
O conceito de matriz familiar revoluciona o campo da psi­
coterapia ao caracterizar que o indivíduo traz marcas do passa­
do que são ir removíveis. Daí resulta que não existe mudança em
sua identidade ou personalidade através do processo terapêutico
(qualquer que ele seja). O que é possível é um conhecimento de
suas marcas - e da missão existente - para, a partir delas, conse­
guir controlá-las a fim de evitar que se apoderem dele, determ i­
nando suas reações e seu consequente comportamento nas rela­
ções que estabelecer no presente.

IV. M issão fam iliar ou o que nos leva a fazer escolhas, p e rm a ­


necendo n a fam ília orig in al ou conseguindo trilh a r um
cam inho indiv id u al

O conceito de missão familiar, já descrito em publicação an­


terior (2013, I a ed. 1996), compreende o conjunto de expectati­
vas de ordem geracional que cada um dos filhos recebe ao nascer
e é revelado pelo nome recebido e o seu significado, por quem
foi conferido, a que gênero pertence, a posição na escala filial
e qual vai ser sua inserção nos triângulos intra (família nuclear) e
intergeracionais (famílias de origem dos pais). O u seja, quem es­
colhe o nome (pai, mãe, avô, avó ou outro parente, amigo) já está

SB
direcionando com quem aquele filho fará aliança nos triângulos
que se formam na família nuclear e com as respectivas famílias de
origem dos pais.
Cada um dos pais veio de uma respectiva família de origem com
a qual aprendeu e desenvolveu um tipo de funcionamento. Esse fun­
cionamento - repetindo ou reagindo, num maior ou menor grau,
ao padrão familiar - vai depender de em qual posição (induído ou
exduído) do triângulo original eles (os pais) estavam situados. Dessa
maneira, cada um deles, em função de suas triangulações anteriores,
vai tentar cooptar - quando constituir sua família nuclear - um ou
mais filhos para estabelecer uma aliança, na qual um terceiro (um
outro filho, o cônjuge) estará excluído.
A noção de triângulo é fundamental para entendermos a dinâ­
mica familiar. Ela foi desenvolvida por Bowen (1978), que ampliou
as ideias de Freud, na medida em que não ficou restrito ao triân­
gulo original (pai, mãe e filho), demonstrando que havia diferentes
tipos de triângulos intra e intergeracionais que se ligam entre si
formando os triângulos interconexos - constituindo um a malha de
sustentação da organização familiar.
O funcionamento da família e, consequentemente, de toda a
sociedade é determinado pela estruturação triangular na qual, in­
variavelmente, existem dois aliados e um excluído. Esse excluído
vai procurar em outro aliado uma compensação para a sua exclu­
são formando um novo triângulo - conectado ao prim eiro - no
qual ele está incluído e onde haverá, por conseguinte, um excluí­
do, que poderá ser um dos incluídos originais.
Na medida em que identificamos o triângulo original - no
qual está inserido o paciente referido - , geralmente formado pelo
pai, mãe e ele, ou avô(ó), mãe (pai) e ele, é possível abreviar o tra­
tamento. O terapeuta, ao mobilizar triângulos mais ou menos rí­
gidos - através de intervenções verbais, dramáticas e tarefas (pres­
crições) - , procurando a formação de novos triângulos, imprime

40
um movimento ao sistema para levá-lo a uma nova homeostase e
dinâmica familiar.
Em função, como dissemos anteriormente, da posição do
filho nos triângulos (com quem está associado ou não), sua
missão poderá sobrecarregá-lo ou não. Por exemplo, um filho
homem mais velho aliado à mãe pode ser, num a situação de di­
vórcio, ou pela perda prem atura do pai, colocado no lugar do
genitor. No caso, esse filho, que recebeu o nome do avô paterno
e teria a missão de substituí-lo junto ao pai, do qual sempre foi
dependente, passa, então, a fazer um a trajetória mais familiar do
que individual.
A missão que recebemos é inserida em nossa matriz familiar
e vai pautar decisões e escolhas em nossa vida futura. Ela é prove­
niente de uma linha geracional vertical que vai refletir em qual vai
ser a nossa função, horizontalmente, em nossa família.
Como disse Andolfi (1984) em relação à função - que ela não
deveria se sobrepor ao indivíduo de modo que ele não se trans­
formasse numa função - , o mesmo se aplica à missão familiar, de
modo que ela não deve dominar o indivíduo, comprometendo sua
trajetória individual.
Ela é também importante para ajudar o terapeuta a descobrir
- através do genograma - qual é a missão do paciente referido, a
necessidade que ele representa para aquele sistema familiar.
No funcionamento relacional do ser humano precisamos -
como um a máquina ou um motor - estar articulados em movi­
mentos maiores ou menores com as diferentes peças de um mes­
mo sistema: se uma peça estiver funcionando deficientemente as
outras conectadas a ela terão que compensar sua falta exercendo
uma maior atividade.
Dessa forma, o paciente referido (o que não está funcionando
adequadamente) protege os demais membros do sistema ao evitar
que surjam seus problemas, fazendo com que eles se sintam mais

41
potentes, podendo até ter seu rendimento melhorado. É o cresci­
mento do sadio à custa do doente, como dizia Palazolli (1978).
Esse movimento que acabamos de descrever se dá no sentido
horizontal - entre os irmãos, ou no casal - e no sentido vertical
- representando necessidades (situações não resolvidas) de gera­
ções anteriores que estão cristalizadas no paciente referido.
Resultamos da confluência do passado com o presente, da mis­
são com a função, uma potencializando a outra, num movimento
de vaivém que leva o indivíduo a um hipo ou hiperfuncionamento,
ou seja, colocando-o mais a serviço da família ou de si mesmo.
Nosso funcionamento é individual, mas sua determinação é fa ­
miliar. Por quê? Vocês perguntariam.
Somos um ponto dentro de um caleidoscópio familiar, no
qual vamos aumentar ou diminuir nossa representatividade - na
família e no m undo externo - de acordo com um a série de fatores:

a) Qual foi a nossa posição como filho (primeiro, segundo,


terceiro, caçula, gêmeo, trigêmeo etc.) ao nascermos?
b) Quais são o gênero, a raça e a cultura aos quais pertencemos?
c) Qual era a situação da família - do ponto de vista emocio­
nal, econômico e geográfico (moradia) - em que nascemos
e nos desenvolvemos na infância e na adolescência?
d) Quais eram os fatores estressores - no contexto social ou na
família extensa - que interferiam em nossa família nuclear?
e) Qual foi a nossa origem: filho biológico (fecundação natu­
ral, inseminação artificial, banco de sêmen, barriga de alu­
guel) ou adotado (adoção aberta - na qual há comunicação
entre as famílias biológica e adotiva - ou fechada - na qual
o adotado não sabe a sua origem ou, mesmo sabendo, não
tem contato com os pais biológicos)?
f) Qual foi o tipo de organização familiar (Groisman, 2012) na
qual nascemos e/ou nos desenvolvemos: nuclear, uniparen-

42
tal pós-divórcio, progenitor único, recasada, homoparental
masculina ou feminina (primeira ou segunda união)?
g) Qual era a idade - e a posição na escala filial - dos pais, ou
do pai, ou da mãe, ao nascermos?
h) Qual era o grau de influência (emocional, econômica) da(s)
família(s) de origem m aterna e paterna sobre a família
nuclear?

Esses fatores e outros mais (são inúmeros) servirão de base


para a missão e a função designada para cada um de nós em nossa
família.
Tanto a missão quanto a função vão nos conduzir para longe,
próximo, ou a permanecer na família original, independente da
nossa vontade ou querer individual.
Aliás, gostaria de ressaltar que o uso do verbo querer não é
apropriado: seria conveniente substituí-lo pelo conseguir. O verbo
querer está ligado à ideia de uma ação individual independente
(livre de qualquer influência), enquanto o conseguir transmite o
sentido de que temos outras forças (familiares) nos possibilitando
(numa via de mão dupla entre o indivíduo e a família) alcançar
um a meta ou não.
É fundamental que cada um de nós saiba quais são a sua missão e
a sua função no sistema para procurar evitar que sejamos engolfados
por ele.

V. Tempo terapêutico ou a aceitação de que cam inham os para


a m ortalidade, promovendo a dissolução - construção de
uma nova organização fam iliar em função de sua evolução

O tempo é um fenômeno concreto e abstrato. Concreto por­


que as horas, os dias, os anos passam e, um dia, a morte acontece;

43
e abstrato, porque não sentimos, não palpamos, não percebemos
essa passagem.
Ao localizarmos o tempo no interior da família observamos
que, por um lado, ela está em constante renovação devido ao nas­
cimento, crescimento e morte de seus componentes, e, por outro
lado, reagindo (negando) a essa mesma renovação, alimentamos a
ilusão de que a família é eterna (Groisman, 2010).
O desenvolvimento ou não do tempo familiar é um excelen­
te indicador do funcionamento daquele sistema. O surgimento
de um sintoma num dos membros deste sistema corresponde a
uma estagnação ou congelamento do tempo evolutivo familiar, de
modo a procurar perpetuar a unidade familiar.
Na medida em que o tempo daquela família está congelado
haverá a necessidade de uma intervenção ativa que o descongele
e libere a família para que ela retome seu tempo de crescimento.
O conceito de tempo tem dois desdobramentos: cronológico e
emocional. Tais desdobramentos são o fio condutor do indivíduo
dentro de sua família, seja aquela que o originou, seja na que ele
porventura vier a constituir.
É irremediável o tempo cronológico: os membros de uma
família vão envelhecendo - queiram ou não - e atravessan­
do - de acordo com a idade dos filhos - as diferentes etapas do
cido de vida familiar. Quando o filho nasce e se desenvolve a
família estará vivendo: primeiro a infância do(s) filho(s), de­
pois sua adolescência, posteriormente seu lançamento para a
vida adulta, saída de casa e formação ou não de novos núcleos
familiares. Ao mesmo tempo, paulatinamente, os pais - além de
voltarem a ser um casal, onde tudo começou - vão envelhecendo
até morrerem, com isso encerrando o ciclo daquela família ori­
ginal. Cada um dos filhos, agora, aquele ou aqueles que consti­
tuíram um a nova família, vai continuar a descendência familiar
através dos filhos, netos, bisnetos etc.

44
Paralelamente, o tempo emocional pode ser aceito ou negado
pelo sistema familiar. Como já afirmamos, em Além do paraíso
(2010), a família sofre um paradoxo: ao mesmo tempo que neces­
sita dos filhos para se constituir (organizar), com a saída deles se
desorganiza, o que a leva a procurar um a outra forma de organiza­
ção. O conflito dramático está nesse ponto de clivagem. O sistema,
que inclui pais e filhos, aceitará ou não esse desdobramento. Esse
momento é delicado, sede de muitas patologias emocionais, po­
dendo levar ou não a um a separação emocional entre pais e filhos.
Essa separação não significa afastamento, isolamento ou cor­
te no relacionamento entre eles, mas sim o estabelecimento de
limites, fronteiras entre dois novos núcleos familiares: a família
de origem (dos pais) e a do filho, caso ele a tenha constituído. Se
ele não a organizou, permanecendo solteiro ou vivendo com a
sua(seu) companheiro(a) em casas separadas, tendo filho ou não,
a mesma regra dos limites deverá ser utilizada.
A dificuldade de separação - tanto de parte dos pais quanto
dos filhos - resulta em diferentes patologias emocionais, que aco­
metem principalmente o adolescente. Entre essas: a dependência
química, esquizofrenia, síndrome do pânico, fobia social, depres­
são, anorexia e bulimia nervosa etc.
A não-separação é uma tentativa de congelar o tempo emo­
cional familiar para que todos permaneçam juntos eternamente.
Ninguém envelhecerá, morrerá um dia, mantendo-se a família
original; não haverá seu desdobramento com a formação de novos
núcleos familiares e a morte do núcleo original em algum m om en­
to - com o falecimento dos pais.
A questão do tempo terapêutico está vinculada à descoberta do
foco sistêmico. Neste está concentrada a paralisia da evolução da fa­
mília, ou seja, do seu tempo de desenvolvimento. Se o foco é atingi­
do, obtém-se o descongelamento do tempo que estava concentrado
no paciente referido (aquele que tinha o poder de paralisar o tempo).

45
Poderíamos ilustrar esquematicamente o que consideramos,
seguindo Zilbach (1989) e McGoldrick, Cárter e Garcia Preto
(2011), uma evolução funcional da família, desde o seu projeto
inicial:

Casal
Filho(s)
Infância da família
Adolescência da família
Adultez da família (saída dos filhos)
Casamento ou união do(s) filho(s)
Nascimento do($) neto(s)
Envelhecimento dos pais
Morte de um dos pais
Morte do outro pai
Morte da família original
Continuação da família do(s) filho(s)

Em função do paradoxo descrito anteriormente - a família


nasce com o filho e desmembra-se, se transforma, quando ele sai
para formar sua própria família - , as famílias, num grau maior ou
menor, tentam se eternizar não pela descendência, mas através da
manutenção da família original. Esse fenômeno, que descrevi no
livro Além do paraíso (2010) como o mito da família eterna e no
vídeo A morta viva (2001), pode produzir um a estrutura familiar
rígida, disfuncional, que resultará em um ou mais pacientes refe­
ridos que terá ou terão a função de congelar o tempo de desenvol­
vimento daquela família.
Como exemplo do tempo congelado familiar, escolhi um dos
quadros clínicos mais frequentes atualmente: a dependência química.
A dependência química não é apenas a adição de um indivíduo
a algum tipo de substância (sua face superficial) que vai lhe provo-

46
car dependência física e/ou psíquica, ela é, basicamente, um a de­
pendência emocional recíproca entre aquele indivíduo (um filho)
e seu(s) pai(s), em qualquer tipo de organização familiar.
Ela é um substituto, um mascaramento da dependência fami­
liar que tem a função de promover um a ligação entre os pais (se­
jam eles casados, unidos ou divorciados), encobrindo um a crise
conjugal ou, no caso de divorciados, um a manutenção da família
original. Essa ligação poderá ser eterna (se o dependente falecer)
entre os pais, casados ou separados (para esses últimos sempre se
lembrarem da família original).
Não quero dizer com isso que a patologia, dependência quí­
mica, não precisará ter um a terapêutica específica, mas, se perm a­
necermos somente nela, será um a atitude terapêutica parcial, lo­
calizada, colocando a questão apenas em um, quando ela pertence
a todo o sistema familiar, não ficando apenas restrita aos pais e
filho(a) e incluindo também os irmãos (se existirem), no sentido
horizontal (nuclear), e avós, no sentido vertical (geracional).

Vejamos, então, o caso clínico que tive a oportunidade de


atender e tratar, de acordo com o modelo sistêmico-vivencial,
com um a das equipes da Núcleo.

Ao telefone, Clara, a mãe (32 anos), me informou que seu filho


Leandro, de 16 anos, estava usando maconha numa proporção que
a estava preocupando. Não conseguia estudar, chegava tarde a casa,
não tendo controle sobre os seus horários, e frequentava grupos de
colegas que também consumiam drogas.
Esse filho foi fruto de um namoro de adolescência com um
rapaz do seu bairro, com o qual nunca chegou a morar, tendo vivido
com a sua mãe e o irmão até o filho completar dez anos, quando se
casou com seu atual marido (42 anos), com quem teve uma filha
que, atualmente, estava com seis anos de idade, vivendo ela, o ma-

47
rido, o filho e a filha na mesma casa. Seu irmão, solteiro (38 anos),
continuava a morar com a mãe, sendo que seu pai faleceu um ano
antes de o filho de Clara nascer e era alcoólatra. Tanto ela quan­
to o irmão foram praticamente criados pela mãe, que continuava a
exercer uma forte influência em sua vida, mesmo sendo ela casada.
Passava todos os fins de semana na casa da mãe, que ficava num
subúrbio carioca, Belford Roxo, enquanto Clara morava na região
litorânea de Niterói.
Ao mesmo tempo, seu marido trabalhava em regime de plan­
tão (quinze dias em casa e quinze dias embarcado), com a seguin­
te peculiaridade: quando estava em terra, quase não ficava em casa,
passando mais tempo em um sítio de sua propriedade (duas horas
distante), onde ficava cuidando da sua criação de galinhas e pássaros
(ele provinha de uma família do interior do estado do Rio de Janeiro).
Leandro sempre teve contato escasso com o pai biológico,
com quem não falava há cinco anos. Chamava o padastro de pai e
havia um desejo desse último de perfilhá-lo, desde que o pai bioló­
gico desistisse legalmente de sua paternidade.

Essa história, levantada a partir do sintoma de Leandro, foi


fundamental em sua recuperação. Não só não havia limites preci­
sos entre a família nuclear (padrastro, mãe e filhos) e a de origem
materna, como também a ausência da figura paterna compro­
metia o desenvolvimento de Leandro, já que a mãe e o padrastro
não conseguiam suprir essa ausência exercendo sua autoridade.
Ao mesmo tempo, a dependência de Leandro tinha a função de
manter Clara ocupada, evitando que sentisse o vazio de seu casa­
mento e perm itindo que continuasse mais unida à sua mãe - com
a qual compartilhava suas preocupações com Leandro - do que
ao marido. Além disso, lembrava a todo o sistema a ausência do
pai, corporificada no presente nessa dependência, o que Cavour e
Motta (2010) denominaram de lugar do morto.

48
A princípio, procuramos entregar o comando da família a
Clara, já que seu m arido se ausentava da casa por um período im ­
portante. Essa medida mostrou-se inoperante em virtude de Cla­
ra, sendo mais filha do que mãe, não conseguir exercê-lo. Ela, que
sempre foi dependente emocionalmente de sua mãe, com o casa­
mento transferiu essa dependência para o marido. Diante dessa
situação - como Leandro continuava a se drogar, comprometendo
o rendimento escolar e a sua vida social - , resolvemos propor a
Clara, sua mãe e seu irmão (participantes da terapia) que Leandro
voltasse a morar com eles (mãe e irmão) durante um período a ser
estipulado de comum acordo entre as partes envolvidas.
Pedimos também ao irmão de Clara, que era amigo de infância
do pai de Leandro, com quem tinha um contato esporádico, que o
convidasse para vir a um a sessão com o filho e os demais integrantes
da família, de modo que houvesse um reencontro dele com o filho.
Na data combinada o pai não apareceu, o que me levou a m an­
ter um contato telefônico com ele durante a sessão, intermediado
pelo filho. Esse contato foi um dos fatores decisivos na recupera­
ção de Leandro, quando propus ao pai que pensasse como poderia
dar algum tipo de ajuda ao filho.
Associado ao fato de Leandro voltar a um território conhecido
- a casa da avó e do tio - , o pai biológico, que continuava a morar
no mesmo bairro da adolescência, conseguiu um emprego para
ele na loja de um amigo seu que ficava próxima da casa da avó.
Nessa loja, a gerente adotou Leandro e o levou para um grupo de
autoajuda de dependentes químicos num a igreja que frequentava.
Com a integração desse contexto - mãe, padrasto, avó, tio, pai
biológico, mãe adotiva, Leandro e a equipe terapêutica - foi pos­
sível chegar a um resultado favorável. Leandro conseguiu aban­
donar as drogas, completar o segundo grau e, por incrível que
pareça, trazer sua mãe e seu padrasto de volta para Belford Roxo
(bairro onde sua mãe nasceu e ele foi gerado).

49
Seu padrasto vendeu a casa onde moravam, comprou um
apartamento próximo da casa da sogra, montando um negócio
com um amigo no mesmo bairro, deixando de ir tão continua­
mente, como antes, ao seu sítio, quando estava de folga.

Não é incrível, ou por acaso, ou coincidência, que eles volta­


ram a morar no bairro onde Clara nasceu e Leandro viveu a sua
infância. Nossas raízes familiares, nossa história, nosso passado
nos direciona, através de um filho, de situações financeiras, di­
vórcio, perdas (morte de um dos cônjuges, por exemplo), a voltar
ao passado, do qual nunca nos separamos (apesar de parecer o
contrário pelo fato de vivermos no presente ê estarmos projetando
o futuro).
É impossível apagar esse passado porque ele ficou marcado
em nossa matriz familiar, indelevelmente, para o resto de nossas
vidas, e vai nos guiar para decisões futuras - seguindo ou reagin­
do a ele.

No meu caso, por exemplo, como sou o filho mais velho, mé­
dico, meu consultório é próximo (5 minutos a pé) do apartamento
dos meus pais (hoje, com a presença apenas da m inha mãe, já que
o meu pai é falecido), qualquer coisa que aconteça, sou o filho
mais próximo.
Ao mesmo tempo, apesar de não ter voltado a Campos, onde
nasci, meu consultório (onde passo a maior parte do dia: llh )
é em Copacabana, que considero - mesmo sendo um bairro da
Zona Sul do Rio de Janeiro - uma reprodução de Campos, uma
cidade do interior, com seus personagens e a sua vida provinciana.

A movimentação familiar foi possível graças à percepção da


equipe terapêutica de que não era possível querer mais da mãe e
do padrasto do que eles poderiam oferecer. Vocês já conhecem a

50
história familiar da mãe de Leandro, enquanto o padrasto nascera
numa família humilde, seus pais faleceram precocemente e ele e
seus irmãos foram criados pelos tios.
A diminuição da ambição terapêutica deve-se ao conceito de
matriz familiar. Aquilo que foi impresso nela - desde o nascimen­
to até, aproximadamente, os dezoito anos - é definitivo. O que é
possível, num a idade adulta, dentro de um processo terapêutico,
é conhecer essas marcas e tentar, a partir delas, suplantá-las, con-
trolando-as ou dialogando com elas, procurando atuar de uma
forma diferente nas relações que estabelecermos.
Esse posicionamento vai se refletir no trabalho terapêutico,
onde precisaremos utilizar os recursos que porventura existirem
na família para poder realizar a integração de técnicas através de
uma equipe, em coterapia, ou o terapeuta atuando sozinho.
No caso descrito, um dos momentos importantes foi quando,
utilizando a crença religiosa (católica) da avó materna, fizemos
um ritual (com a finalidade de promover a cura da dependência
química) no qual ela, entoando a Ave Maria, puxava uma roda que
incluía, além dela, a filha, o neto, o tio e os dois terapeutas de cam­
po. Um aspecto interessante nesse ritual foi que os dois terapeutas
de campo não pertenciam à mesma crença religiosa da avó. Um
deles era de origem judia, apesar de não professar a religião, e o
outro era pastora de uma igreja evangélica.
O tempo congelado familiar expressava-se na dificuldade de
separação entre Leandro (desenvolver sua vida), sua mãe (avaliar
sua relação conjugal e seu projeto individual: não trabalhava, vivia
às custas do marido, necessitando da companhia do filho a fim de
evitar sua solidão), o padrasto (também avaliar sua relação conju­
gal), avó e tio solteiro (que morava com a mãe, não tendo conse­
guido se independizar, trabalhando com ela em fornecimento de
quentinhas) e o pai biológico, que comandava uma empresa fami­
liar de transportes, sendo Leandro seu único filho (com o qual não

51
havia desenvolvido uma paternidade emocional e afetiva), mesmol
tendo tido outras relações amorosas. Leandro representava a cola|
do sistema. Dissolvendo-a, cada um teria que enfrentar sua pró-1
pria vida (individual e relacional).

VI. Participação das fam ílias de origem , ou atualizando a histó- j


ria do passado no presente, tornando-a viva

Quando estamos diante de um a família ou de um casal (qual-]


quer que seja a sua organização), ela ou ele não representam ape-|
nas a junção daqueles integrantes, mas sim um a história que co­
meçou há muito tempo nas respectivas cadeias geracionais.
Dessa maneira, para avaliarmos, entendermos e intervirmos]
convenientemente na sintomatologia de um dos membros da fa- j
mília ou em uma crise conjugal do presente precisamos ir ao pas­
sado. Não somente através de informações dos participantes, mas j
trazendo esse passado ao presente através da presença - no espaço -
terapêutico - das famílias de origem dos pais (no caso de terapia
familiar) ou de cada um dos cônjuges (no caso de terapia de casal);
e, até mesmo, da quarta geração (bisavós), considerando-se os ne­
tos (ou bisnetos) a primeira geração, ou de membros da família
extensa (tios, tias etc.).
Os avós, bisavós ou outros membros da família extensa são so­
licitados a virem à sessão, na qual funcionarão como informantes,
consultores da história viva do passado, que é atualizada naquele
momento, cabendo ao terapeuta fazer as conexões entre a situação
atual e o passado redivivo.
As famílias de origem dos respectivos pais ou dos cônjuges
virão em sessões separadas, sendo que quando vier a família de
origem do pai ou do marido, por exemplo, a mãe ou a esposa as­
siste à sessão do fundo da sala, sem participar ativamente dela ou,

52
quando cabível, por solicitação do terapeuta - que deseja realizar
ulgum tipo de intervenção - é pedida a vinda do parceiro obser­
vador ao espaço terapêutico.
Essa medida - de colocar um dos parceiros num a posição dis­
tanciada - tem a finalidade de ele ou ela apreciarem a história do
outro num a perspectiva vertical, ou do passado refletido no pre­
sente.
Normalmente, nossa tendência é enxergarmos as ações do
outro apenas num a perspectiva horizontal, esquecendo ou des­
conhecendo que ele ou ela tem um a procedência anterior que não
conhecemos adequadamente. Funcionando dessa maneira, acre­
ditamos que o comportamento ou a ação do outro é apenas um a
atitude contra nós e não que ele ou ela se originou em seu históri­
co familiar que, diante de algum estímulo relacional, se manifesta
positiva ou negativamente.

A importância da história geracional foi ressaltada principal­


mente por Bowen (1978), Framo (1993), Andolfi (1989, 1995),
Palazolli (1978) e W hitaker (1989, 1990), que solicitavam, de di­
ferentes maneiras, a presença, em sessões conjuntas, de pais, avós,
bisavós etc.
A participação das famílias de origem permite intensificar a
terapia na medida em que dá uma perspectiva vertical ao foco sis­
têmico - o conflito nodal que está paralisando o tempo evolutivo
familiar, refletido no paciente referido.

VII. Participação dos filhos (caso existam ) ou utilizando-os


com o coterapeutas

Da mesma forma que recorremos à ascendência - para am ­


pliar nossa visão clínica - também o fazemos em relação à descen-

53

L
dência. Os filhos representam o resultado das relações passadas
entre os pais e seus pais, e assim sucessivamente, desses com os
respectivos ascendentes, que vão produzir resíduos ou expectati­
vas geracionais não realizadas que repercutirão nos netos, bisne­
tos, trinetos etc.
Além de alargar verticalmente, para baixo, a compreensão da
patologia em um dos irmãos ou do casal, a presença dos filhos
permite utilizá-los, quando possível, como parceiros no processo
terapêutico, o que também o potencializará para torná-lo breve e
efetivo.
Com o os filhos são m enos com prom etidos do que os pais
- social, econom icam ente e até do ponto de vista familiar, cabe
aos pais a responsabilidade da integridade fam iliar perante sua
própria família e as gerações precedentes (avós, bisavós etc.)
eles se sentem mais livres para denunciar, explicitar as questões
existentes no seio familiar, seja entre os irm ãos, entre os pais
com os filhos, ou entre os próprios pais.
Os filhos podem participar do processo terapêutico com qual­
quer idade, tanto num a terapia familiar, integral ou parcialmente,
de acordo com a sua idade e necessidade, quanto num a terapia de
casal, quando funcionam como consultores da relação conjugal.
Uma de suas formas de atuação é - a pedido do terapeuta
- retratarem, através de um a escultura da família, as alianças e
os correspondentes triângulos que existem nela. De posse dessa
informação, o terapeuta realiza um diagnóstico mais acurado da
crise familiar ou conjugal para poder encaminhá-la de um a forma
mais conveniente.

54
VIIL Integrando técnicas ou a possibilidade de ser eclético sob
o guarda-chuva teórico sistêm ico, ou, ainda, sem perder o
referencial sistêm ico

Em função da complexidade do ser humano (com os seus dife­


rentes tipos de comunicação: verbal e não-verbal, que comportam
várias expressões), acreditamos que é necessário que o terapeuta
lide com a família, casal ou indivíduo por meio de um a integração
de técnicas psicoterápicas que contemplem tanto a expressão ver­
bal quanto as diferentes formas não-verbais.
A integração de técnicas e a sua utilização (caso o terapeuta te­
nha formação para tal) em diferentes momentos da terapia - para
ultrapassar a resistência do sistema - não significa uma síntese de
teorias psicológicas (quaisquer que elas sejam). As teorias psicoló­
gicas não comportam mistura ou integração. Cada um a delas tem
o seu parâmetro e o seu respectivo entendimento do ser humano,
enquanto as técnicas perm item um a integração porque represen­
tam braços resultantes de um modelo teórico.
A teoria é o construto, a ideologia que nos norteia, nos orien­
ta, nos fundamenta, estabelecendo um a base para poderm os
atuar na prática clínica, e vai ser o suporte para a criatividade
do terapeuta em produzir técnicas, instrum entos que o levem a
vencer a barreira da homeostase familiar a fim de produzir um
novo equilíbrio.
Não existe técnica sem a teoria por trás. O terapeuta que so­
mente procura a técnica ou soluções imediatas para os seus im ­
passes clínicos é um terapeuta amador ou um robô controlado
por controle remoto. Não conseguirá ter a sua própria criatividade
(estímulos internos provenientes de sua história familiar), passan­
do a depender de estímulos externos (supervisores, cursos, livros
etc.) para sobreviver clinicamente.

BB
Assim, o entendimento da situação clínica é feito sob o para­
digma sistêmico, enquanto as intervenções técnicas podem ser:

a) Verbais

a.l) Hipótese sistêmica


É feita para configurar a função (qual é a sua utilidade) do
paciente referido no sistema.

a.2) Tentativa de rotação do bode expiatório


Através da redefinição da questão trazida ou apresentada pela
família, o terapeuta procura redistribuir a carga - exibida e colo­
cada em um dos membros - por todo o sistema.

a.3) Utilização de rituais


Os rituais familiares foram definidos por Palazolli (1978)
como uma ação ou uma série de ações, geralmente acompanha­
das por fórmulas verbais ou expressões, que devem ser realizadas
por todos os membros da família. Além de Palazolli, outros autores
(Imber-Black, Roberts e Whiting, 1997; Paul e Grosser, 1991) os
instrumentalizaram com diferentes finalidades (despedida, luto,
nascimento etc.).
Têm a finalidade de concentrar numa ação, durante a sessão, a
questão central (foco sistêmico) que está paralisando a família. Ao
mesmo tempo, envolvem todos os seus componentes nesse movi­
mento, representando num átimo que a problemática não perten­
ce apenas a um (mesmo que ele expresse uma sintomatologia ou
uma patologia psiquiátrica), mas a todos os seus membros.

a.4) Uso de tarefas ou prescrições


As tarefas foram criadas por Haley (1966,1979, 2006), inspi­
radas no trabalho de Erickson (1980).

56
Têm o objetivo de im prim ir um caráter estratégico à tera­
pia. Esta atitude - proposta de diferentes maneiras - por parte
do terapeuta vai possibilitar que ele tente driblar as artimanhas
engendradas pelo cliente (família, casal ou indivíduo) para evitar
uma mudança em seu equilíbrio (homeostase). O cliente, apesar
de, paradoxalmente, ter vindo procurar um a solução para o seu
problema, não sabia que essa solução implicaria num a mudança
estrutural da organização familiar.

Em função de posicionamentos opostos, apesar de que ambos


(terápeuta e família) estão procurando a cura, instala-se um a ba­
talha à qual W hitaker (1990) denom inou de batalha da estrutura.
Quem será o vencedor? A família ou o terapeuta?
Parece estranho usar as palavras estratégia e batalha quando
se trata de terapeutas e clientes, mas não devemos nos esquecer de
que seres humanos estão envolvidos e, dessa forma, sempre have­
rá uma competição, de maior ou menor intensidade, entre as par­
tes para se chegar à conclusão de qual (suas ideias) vai prevalecer.
Se a família prevalece, ela mantém intacta sua organização, le­
vando o terapeuta a refletir sobre o que poderia ter feito diferente
na sua atuação e até a produzir uma modificação no seu compor­
tamento. Se o terapeuta prevalece, a família ou o casal precisará
fazer algum tipo de alteração em sua organização, e o terapeuta
terá mais uma vez o reforço de suas ideias para que continue em
sua trajetória.
As tarefas trazem ao tratamento uma ação, evitando que ele
permaneça apenas num nível racional, o qual pode levar o cliente
a deduzir que o entendimento da situação já é o caminho para a
cura.
Acreditamos, junto com vários autores (Haley, 1966; Mada-
nes, 1984; Palazolli, 1978; Andolfi, 1981), que a ação por parte do
cliente é mais importante do que o entendimento e que somente 0

87
entendimento racional é inócuo do ponto de vista terapêutico. Na j
medida em que as tarefas não são explicadas (por qual razão elas!
são prescritas), conseguem atravessar a barreira do consciente e |
alcançar o inconsciente.
O risco do tratam ento psicoterápico, de qualquer orientação,]
é de o cliente saber muito a seu respeito, mas com pouca ou ne­
nhum a ação em sua vida. Ele se torna um verdadeiro dicionário]
de explicações: como sei não preciso fazer nada.
Ao mesmo tempo, também não advogo a ideia de que bastamj
a ação ou as técnicas comportamentais para resolver a problemáti-1
ca apresentada pelo cliente. É necessário que haja um a associação!
do racional com a ação para que o cliente saiba o que o levou a |
funcionar daquela maneira, evitando que ele se transforme apenas j
num robô que realiza determinados exercícios.

b) Não-verbais

b.l) Escultura familiar

b.l.a) Escultura com personagens familiares ou substitutos


A escultura foi criada por Duhl, Kantor e D uhl (1983) e m odi­
ficada por Papp (1976) como um a técnica que pode ser realizada
utilizando-se integrantes da família ou do casal (presentes no es­
paço terapêutico), ou através de substitutos (colegas) num grupo
de treinamento (formação) em terapia familiar.
Ela tem a finalidade de representar espacialmente a organiza­
ção familiar, quem está próximo, aliançado ou distante (de quem),
ou o casal (a situação passada, atual ou futura dele) para propiciar
um diagnóstico adequado e intervenções que levem a um a m odi­
ficação da família ou do casal, seja para a sua reaproximação ou
separação.

58
b.l.b) Escultura com bichos de pelúcia ou bonecos
A partir da escultura familiar desenvolvi um a variante na qual
utilizo animais (os mais variados) de pelúcia ou bonecos (caracte­
rizados como pai, mãe, filhos-crianças, filhos-adolescentes, filhos-
adultos, avô, avó) para representarem os personagens familiares.
Essa variante permite fazer uma metáfora da escultura familiar
em que cada bicho escolhido por um ou mais personagens familia­
res (designado(s) pelo terapeuta) terá um significado a ser explici­
tado por quem o escolheu e, posteriormente, pelo terapeuta.
Essa técnica tanto pode ser usada em terapia de casal -cada
um dos cônjuges escolhe, alternadamente, um bicho ou um bone­
co para representar o parceiro - , quanto em terapia familiar, p rin­
cipalmente quando existem crianças ou adolescentes, que atuam
como coterapeutas, revelando com maior clareza - através de suas
escolhas - o funcionamento familiar.

b.2) Troca de lugares

Em determinado momento da sessão, o terapeuta propõe aos


integrantes da família ou do casal - com a finalidade de explicitar
não-verbalmente o que está acontecendo entre eles, ou para p ro ­
duzir um a intervenção estratégica - que invertam suas posições,
ou, no caso do casal, que fiquem um em frente ao outro para po­
derem se ver e falarem diretamente um ao outro.

b.3) Realização de fotografias

Elas poderão ser feitas por meio de um aparelho acoplado ao


equipamento de vídeo (quando o terapeuta filma a sessão), ou por
uma câmera digital, ou, ainda, por uma câmera de telefone celular.
O ideal é que a fotografia seja revelada durante a sessão, ou no
seu final, para que a família ou o casal se veja - perante uma escul-


tura solicitada pelo terapeuta (produzindo um impacto emocional!
- , ou que a leve para casa, como uma tarefa, para trazer suas im presl
sões na próxima sessão.
Cada um dos integrantes da família ou do casal deverá esíj
crever, separadamente, em segredo, como está vendo (sentindc
e pensando) aquela fotografia - o que somente será revelado nc
início da sessão posterior, quando solicitado pelo terapeuta.
A realização desta tarefa e a sua leitura - colocando a fotogra-jj
fia no centro do espaço terapêutico - servirá como mote da sessãc
ativando seu desenvolvimento e de todo o processo.
Também a fotografia da escultura familiar ou conjugal pode
ser feita na última sessão para que eles a levem como um a tarefai
final: como um a proposta do terapeuta de um novo posiciona-»
mento entre eles.

b.4) Filmagem em vídeo

O projeto da Núcleo-Pesquisas inclui a filmagem em vídeo (comi


a autorização, por escrito, da família ou do casal) de todo o projeto]
terapêutico.
Essa filmagem tem as seguintes finalidades científicas: ser deba- j
tida na reunião de supervisores da instituição; mostrar à família ou
ao casal, na 7a sessão (como um antes e depois), o vídeo da Ia sessão
para provocar reflexões em relação ao estado em que chegaram e j
como estão hoje; e a possibilidade de ser realizada uma edição dos
vídeos das sessões para ser apresentada em congressos de terapia
familiar, com a finalidade de ensinar a outros profissionais da área.

c) Mistas (verbais e não-verbais)

Criei - devido a uma escassez no campo da literatura sistê­


mica - uma série de exercícios sistêmico-vivenciais e sistêmico-

60
racionais aos quais dei o nome de Teatro Familiar, para darem
conta do que chamei de terapia do terapeuta sistêmico.
Esses exercícios são utilizados, cada um deles, acoplados às dife­
rentes etapas do curso de formação em terapia familiar da Núcleo-
Pesquisas e em workshops para terapeutas, empresas, escolas e nos
atendimentos clínicos.
Tal adição ao curso de formação lhes dá um caráter terapêutico,
produzindo no espaço teórico-clínico uma interação que possibilita
ao aluno o aprendizado, enquanto terapeuta e pessoa, ao descobrir
sua inserção no sistema familiar e qual seria a possibilidade de se
individualizar, de se destacar desse mesmo sistema.
Todos os exercícios têm a finalidade de desenvolver no terapeu­
ta o conhecimento de sua matriz familiar (quais são os seus pontos
de estrangulamento) e dar a ele - através de prescrições, rituais e in­
tervenções dramáticas - soluções que lhe permitam não só lidar de
forma mais adequada com a sua família de origem, desenvolvendo
sua individualidade em relação a ela, como também evitar que se
misture (confunda) com a família ou o casal que estiver atendendo,
criando entraves ou impasses no processo terapêutico.

A questão da individualidade e da vinculação em relação à


sua família de origem é o tem a crucial no desenvolvimento do ser
humano. O que significa essa afirmação?
Q uando nascemos da barriga de uma m ulher - em qualquer
tipo de organização familiar - e ocorre o corte do cordão um bi­
lical, esse corte é meramente físico (corporal), não representando
uma separação emocional. A partir da separação corporal entre
o bebê e a mãe, e vice-versa, ele, o bebê sai da barriga objetiva
da mãe e cai na barriga subjetiva da família, como já afirmara no
livro Família, trama e terapia (2006).
Essa nova etapa, que se inicia com o nascimento, é muito mais
complexa do que a anterior (gravidez), porque nessa existe a te-

61
soura para seccionar aquela união, enquanto nela - cuja união
invisível - é impossível realizar um corte objetivo.
No caso do filho adotivo, o mecanismo é semelhante, c o m ;
diferença de que ele sai da barriga da mãe biológica e cai na bari
riga da família adotiva, dependendo também da idade em que fo i
adotado, o que vai determinar um comprometimento (lealdade)
maior ou m enor com a família biológica.
Quando o filho entra na barriga da família inicia-se a partiij
daí o que Bowen (1978) denominou de individualização (como jè
dissemos anteriormente) da massa indiferenciada do eu familiar^
O importante é que nesse processo de individualização não seja
perdida a vinculação com a família original.

62
4
EXERCÍCIOS
SISTÊMICO-VI VENCI AIS
O s exercícios sistêmico-vivenciais - nos quais procuramos
englobar o verbal-racional e o emocional-afetivo - constituem-
se basicamente da dramatização de cenas familiares (solicitadas
pelo coordenador1) finalizadas com uma escultura da família de
origem e uma sugestão (verbal, tarefa ou ritual) dada por ele ao
cliente. Eles revolucionam o conceito de que terapia é aquela rea­
lizada apenas de forma individual ou grupai num espaço dito te­
rapêutico (por um profissional em um horário e dia específico)
destinado a esse fim.
Acreditamos, mesmo sendo diferente do usual, que estes
exercícios são capazes (para quem estiver motivado para algum
tipo de modificação que irá perturbar a homeostase do seu siste­
ma familiar) de produzir um efeito terapêutico intenso, concen­
trado, rápido e mais potente do que uma terapia a longo prazo
ou de prazo indefinido. Eles realizam uma cura em uma única
sessão, onde há princípio (pergunta), m eio (cenas dramáticas) e
fim (solução).
A que se deve isso?

1 Usarei a palavra coordenador ou terapeuta, indistintamente, para designar quem


está aplicando o exercício, já que ambos estão desempenhando a mesma função.

68
Neles, a partir de uma pergunta objetiva feita pelo cliente
(aquele que está se submetendo) e mediada pelo terapeuta (aquele
que o está aplicando), são descerrados, como em um filme, através
de cenas familiares dramatizadas (com a ajuda da plateia), trechos
fundamentais da sua vida.
O passado se atualiza no presente, oferecendo ao cliente a pos­
sibilidade de vê-lo, hoje, e tentar modificá-lo a fim de evitar que
ele o sufoque e o torne somente um mero repetidor ou um trans­
missor, sem ideias originais dentro da estrutura familiar.

O conceito de estação-repetidora (mesmos programas da


estação-central) e transmissora (além de usar programas da cen­
tral, cria, também, seus próprios programas) pode ser utilizado <
como metáfora à questão família versus indivíduo (seus integran­
tes): quem não consegue sair (geograficamente, economicamen­
te, emocionalmente) da família, tornando-se apenas um continu-
ador (repetidor) da estação-família, ou quem consegue um grau
maior ou m enor de liberação de sua família para vir a ser uma
estação-indivíduo sem perder a conexão com a estação-central-
-família.
O conflito dramático entre a manutenção da unidade familiar
(que será, com o crescimento e saída dos seus membros, abala­
da e modificada) e o desenvolvimento natural dos filhos - com a
formação ou não de novas famílias - desembocarão num a maior,
m enor ou nenhuma autonomia da família de origem remanescen­
te e da nova família (de cada um dos filhos). Ou, dito de outra
maneira: estabelecer-se-ão limites mais ou menos nítidos entre os
dois núcleos familiares.
A interação sistêmica é fundamental para entender essa re­
lação: a autonomia das famílias é uma questão de duas direções.
Tanto vale para uma quanto para a outra. É difícil para a família
de origem suportar seu desmembramento (por mais que queira o

66
crescimento dos filhos) e retornar, paulatinamente, ao seu estado
prévio, ou seja, ao casal (que não deixa de ser um a situação nova:
mais velhos e sem filhos em casa), como também os filhos enfren­
tarem o desafio (desconhecido) de uma trajetória solo com muito,
pouco ou nenhum suporte da estrutura anterior (conhecida).
O terapeuta familiar deverá oferecer ao indivíduo e à família a
oportunidade de se separarem emocionalmente a fim de poderem
desenvolver a sua vida, cada um em sua respectiva etapa.

Os exercícios sistêmico-vivenciais compreendem:

1. Hoje é ontem

Neste exercício, partimos da prerrogativa de que o passado fa­


miliar se atualiza no presente, revestido das camuflagens que co­
locamos ou foram colocadas durante o nosso desenvolvimento na
família e na sociedade, nas diferentes áreas da nossa atuação.
Ele, como os outros exercícios, constitui-se de quatro partes:

a) Minientrevista - na qual o terapeuta levanta dados biográ­


ficos (passado e presente) do cliente e solicita a ele que formule
uma pergunta objetiva do seu presente em direção ao futuro. É
importante ressaltar que perguntas abstratas ou subjetivas, como
também relativas ao passado, não são aceitas em virtude de que
a função do exercício é prática, procurando dar um movimento,
oferecer um novo sentido, um a nova direção à vida do cliente.

b) Cenas familiares - o coordenador solicita cenas da infância,


da adolescência (ambas com a família) e outras, em sequência, de
acordo com a pergunta feita e a história familiar do cliente. Essas
cenas são dramatizadas com a ajuda de voluntários da plateia (que
vão representar os diferentes personagens que surgem nelas).

67
Num primeiro movimento, o cliente representa o papel de;
protagonista nas diferentes cenas para, num segundo movimen­
to, colocar-se de fora, substituído por outro voluntário. Assiste à
repetição das cenas, ao lado do terapeuta, numa posição distan­
ciada, com a finalidade de observar se encontra nelas alguma res­
posta para a sua pergunta.

c) Escultura familiar - na parte final do exercício, o terapeuta


pede ao protagonista que faça uma escultura de sua família de ori­
gem (como ele a vê no presente), tanto com os vivos quanto com
os mortos, onde ele volta a representar o seu papel, após posicio­
nar os diferentes membros familiares.
Quando a escultura é concluída, o terapeuta solicita ao cliente
uma frase do seu coração que pode ser dita à sua família (como
um todo), seus pais, um deles, irmãos, ou um deles. Após essa
frase ser pronunciada, o terapeuta (em função do desenrolar do
exercício, da pergunta feita e da configuração da escultura) pro­
põe uma outra frase que poderá ser falada pelo cliente n a íntegra,
parcialmente, alterada, ou, ainda, ser recusada por ele.

d) Processamento - neste estágio, o grupo (a plateia) se pro­


nuncia emitindo opiniões sobre o que viu, concluindo com uma
ou mais tarefas escritas e entregues ao cliente para serem realiza­
das (sem explicá-las, senão perdem a eficácia), o que se destina à
resolução da questão-pergunta apresentada no início.
O exercício se encerra com a opinião do terapeuta-coordena­
dor respondendo à pergunta formulada e propondo uma tarefa ou
ratificando uma daquelas feitas pelo grupo.

O capítulo das tarefas é fundamental em nosso modelo de


atuação na medida em que imprime uma atitude objetiva, uma
ação à intervenção terapêutica. Além do mais, é estratégica, procu-

68
rando fugir à racionalização das intervenções verbais, que levam
mais a um entendimento do que a algum tipo de ação ou mudança;
paralelamente, as tarefas vão demonstrar - se executadas - qual
o grau de motivação daquele sistema para procurar uma solução
para o seu problema (um outro nível organizacional).
O entendimento, que o levará ou não a fazer algum movimen­
to, fica somente por conta do cliente, enquanto nas tarefas (apesar
de depender dele realizá-las ou não) existe uma ação por parte do
terapeuta, que o induz a fazê-las.
O terapeuta deve exercer um papel central, ativo, acertando ou
não em seu diagnóstico e intervenções, reservando-se à família o
papel, também importante, de realizar ou não as movimentações
e modificações em sua organização que foram propostas pelo tera­
peuta.
Estas modificações vão depender também de fatores econômi­
cos, culturais e geracionais-histórico-familiares que vão se trans­
formar (deslocar) em dependência emocional de um parceiro em
relação ao outro e/ou dos filhos que recebem a carga, maior ou
menor, das relações do passado, do casal com os seus pais e desses
com os seus genitores.

2. Laços fam iliares

Este exercício foi criado originalmente para terapeutas que es­


tivessem em situação de impasse clínico com algum cliente - indi­
vidual, casal ou família - e tem algumas particularidades:

a) M inientrevista - nesta, além de serem levantados dados


da vida familiar do terapeuta, tam bém é detectado e objetivado
o impasse que está produzindo uma paralisia no processo tera­
pêutico.

69
b) Dramatização - é solicitada, primeiramente, a represen
tação de um a cena clínica que, com a ajuda de voluntários, vai
reproduzir o que aconteceu em outro momento no atendimento
terapeuta-cliente.
Num segundo movimento, o coordenador pede ao terapeuta*
que represente uma cena de sua infância ou adolescência com a
sua família.
Esse procedimento calca-se no fundamento teórico de que
num impasse clínico 50% de responsabilidade dizem respeito ao;
terapeuta e 50% ao cliente.
Num terceiro movimento, o terapeuta-protagonista é substi­
tuído por um voluntário nas cenas clínica e familiar a fim de ob­
servar, de fora, alguma semelhança entre uma cena e outra.

e) Escultura familiar - é solicitada a escultura da família d


origem, com todos os passos subsequentes, semelhantes aos de­
mais exercícios.

d) Processamento - tem uma particularidade: são dadas su


gestões e tarefas, tanto para o terapeuta quanto para o cliente.

Este exercício, também pode ser utilizado para situações de


impasse relacional (parceiro, pai, mãe, filho, colega, sócio etc.),
pois vão ser verificados os 50% de responsabilidade de um dos
envolvidos (o que se propuser a realizar o exercício); ou, se os dois
estiverem presentes, pode-se aplicar o exercício a ambos para des­
cobrir a fonte familiar do conflito.
Quando se tratar de impasse relacional, a cena clínica é subs­
tituída por um a cena que evidencie o conflito que está ocorrendo
entre seus participantes.

70
3. Duas árvores

A base teórica desse exercício reside na tese de que a origem


dos conflitos conjugais provém da separação (distância) emocio­
nal que cada um dos parceiros conseguiu alcançar em relação à
sua respectiva família, que será potencializada para mais ou para
menos na relação que estabelecem entre si.
O grande desafio para o casal será estabelecer uma ligação
maior entre si (com peso maior) - o que geraria uma cumplicidade
(parceria) entre eles - que aquela existente com as respectivas famí­
lias (com peso menor).
O exercício, como o nome sugere (cada um de nós vem de
uma árvore familiar), destina-se a ser utilizado para questões con­
jugais com a presença dos parceiros.
No item c), o da escultura familiar, além de cada um construir
a escultura de sua família de origem, é proposto que, alternada­
mente, eles posicionem (como enxergam) um e o outro em rela­
ção à sua respectiva família.
Num movimento final, o coordenador dispõe as esculturas
das duas famílias e como cada membro do casal deve se colocar,
espacialmente, em relação à sua própria família, e um ao outro, na
parceria conjugal.

4. Assim estava escrito

O que somos, hoje, é o resultado de várias gerações familia­


res que nos precederam, constituindo-nos como um a colagem de
cristais familiares. Esses cristais são o resultado das relações, das
expectativas não cumpridas, dos impactos sociais, das perdas, das
experiências boas e ruins que os nossos pais, avós, bisavós, gera­
ções anteriores passaram.

71
Daí a razão de ter dado esse nome ao exercício. O que aconte­
ce, hoje, já estava determinado há várias gerações. Para simplifi­
car, consideramos o que estava escrito há três gerações.
Assim, no item dramatização, a prim eira cena a ser pedida
pelo coordenador é com os avós (paternos ou maternos ou um
deles, geralmente com quem aquele(a) que está se submetendo ao
exercício teve mais convivência), seguida pelas demais cenas com
a mesma sequência dos diferentes exercícios.
Quando o protagonista dramatiza a cena com os avós, ou um
deles, é perguntado pelo coordenador qual a música que ele acha
que coloriria aquele momento. Ela é então cantada p or todos e
repetida após o protagonista dizer - durante a escultura - a fra­
se para um dos membros da família (geralmente um dos avós)
sugerida pelo coordenador. A lembrança da música destina-se a
acentuar o tom emocional da cena e a compor, com a frase e a
escultura realizadas, o dito do exercício.
Uma outra diferença nesse exercício é aquela em que, no m o­
mento da escultura, o coordenador - após o protagonista esculpir
sua família de origem - pede que insira seu(s) avô(s) ou avó(s) em
relação a ele (protagonista). Esse movimento sela o exercício, na
medida em que, espacialmente, caracteriza a transmissão geracio-
nal dos avós, passando pelos pais e chegando ao(s) neto(s), confi­
gurando que o que não foi realizado na geração dos avós cria uma
determinação para o(a) neto(a) efetuar.

5. Vozes do passado

Essa vivência tem características particulares: ela é uma via­


gem ao passado do protagonista para identificar quais são as vozes
familiares que comandam seu comportamento no presente.
Vou explicar um pouco mais para que vocês entendam.
O utra peculiaridade de nossa estrutura teórica é que achamos
que as vozes familiares do passado (principalmente de pais, avós,

72
irmãos e outros membros familiares ou substitutos) - que tiveram
importância em nossa vida - ficam registradas na matriz familiar
de cada um de nós.
Essas vozes no presente atuam, geralmente, de forma imper­
ceptível sobre o portador delas, influenciando sua conduta no
dia-a-dia em qualquer área de atuação. Elas, as vozes, se tornarão
mais ou menos atuantes de acordo com o estímulo relacional que
o portador receber.
A identificação dessas vozes é fundamental para que possa­
mos dialogar com elas sem nos assustarmos - evitando que nos
dominem - com o propósito de chegarmos a uma solução que con­
temple ora o indivíduo, ora a família, no eterno conflito dramático
existente entre o indivíduo e a família (quem é mais importante?).
No exercício, a viagem ao passado é realizada através de uma
máscara que o protagonista coloca sobre os seus olhos para vendá-
-los a fim de mergulhar no seu interior, empreendendo um a aven­
tura submarina com o intuito de descobrir suas vozes familiares.
Essa viagem é guiada (dirigida) pelo coordenador-terapeuta
de acordo com as seguintes etapas:

a) Qual foi a casa da infância, onde a família morou, que mais


o marcou?
b) Descreva a casa: desde a chegada a ela (seu exterior), por
onde entra (pela frente ou pelos fundos) e a sua passagem
pelos diferentes ambientes.
c) Em cada um dos cômodos - além de o coordenador-tera­
peuta solicitar sua descrição é perguntado ao protagonis­
ta quais vozes está ouvindo.

De acordo com a intensidade dessas vozes em um ou outro


personagem familiar é solicitado, então, que o protagonista tire a
venda dos olhos e interaja numa cena dramática com a voz, agora
travestida num personagem (voluntário) de carne e osso.

73
Nessa interação, o coordenador tem um papel ativo, ao fazer o
duplo (o pensamento oculto) dessa voz ou ao solicitar que m em -;
bros da plateia (quem desejar), colocando-se por trás do persona­
gem, o façam. |
O exercício se encerra com ele sugerindo um a saída para o j
protagonista através de uma frase que esse último deverá dizer
para o personagem que encarna a voz, que estaria bloqueando seu
desenvolvimento (sua individualização) para o futuro.
Uma outra variante do exercício é, após o coordenador iden­
tificar as vozes que estão influenciando (perturbando) o protago­
nista, pedir que ele realize a escultura de sua família de origem
(como a vê no presente). A partir daí, conectar a pergunta inicial,
as vozes que surgiram nos diferentes momentos, com a escultura
realizada e, então, propor uma frase libertadora das vozes familia­
res ou acentuadora da influência dessas mesmas vozes, para que o
cliente, ao mergulhar nelas, perceba sua força.

6. O Fim é o princípio

A pressuposição teórica é de que o nosso fim (o futuro) é de­


terminado pelo nosso princípio (passado), que foi vivido em algu­
ma forma de família (tradicional, uniparental, adotiva, recasada,
homoparental ou substituta).
Partindo dessa tese - após ter sido formulada um a pergunta
objetiva sobre a sua vida do presente para o futuro é solicita­
do ao protagonista que monte (com a ajuda da plateia) cenas do
seu passado (infância e adolescência) com a sua família de origem
(pais, ou um deles, e irmãos, se existirem) e a seguir cenas do pre­
sente, com cônjuge, parceiro, amigo, colega a fim de identificar
para o futuro (através da escultura de sua família de origem) o que
foi traçado no seu passado.

74
Se o protagonista não conseguir fazer determinadas modifica
ções no presente, esse passado o comandará, determinando qua
será o seu fim (futuro).
O exercício se conclui com sugestões objetivas e tarefas pres
critas pelo coordenador - além daquelas recomendadas por mem
bros da audiência que o desejarem fazer - com o intuito de modi
ficar o seu presente e futuro.

7. Leis fam iliares

Esse exercício - baseado no livro O código da família (Grois


man, 2011) - foi criado para detectar a quebra de algum manda
mento ou lei na relação entre os diferentes membros e segmento
familiares (família nuclear, de origem e extensa).
Parte do pressuposto teórico de que qualquer sintoma nun
filho (criança ou adolescente) ou num dos membros do casal pro
vém do rompimento ou do não cumprimento, ou, ainda, do nã<
estabelecimento de algum dos mandamentos que devem reger i
relação entre os pais e os filhos (nas diferentes organizações fami
liares), entre parceiros conjugais e destes com os respectivos pais <
irmãos (a família de origem).
Na dramatização, a partir da pergunta objetiva relacional, vã<
sendo construídas as cenas familiares na medida em que o coor
denador as solicita ao protagonista do exercício.
Este finaliza com a escultura da família de origem do protago
nista, quando o coordenador, ao solicitar que esse último diga um*
frase para a sua família, seus pais ou algum membro dela, diagnos
tica onde não está sendo exercido algum dos mandamentos ou lei:
familiares. Ao fazê-lo, propõe ao protagonista que diga - àquel<
que escolheu - uma frase corretiva que vai conter um a referêncú
ao mandamento que não foi instituído, exercido ou foi quebrado.

7!
Quando o exercício se encerra, a audiência emite suas opini­
ões, sugestões e tarefas (prescrições) para o protagonista, acom­
panhadas da tarefa do coordenador. As prescrições são escritas,
redigidas numa folha e entregues ao protagonista para realizá-las.
Mais uma vez, cumpre-se a máxima já exposta por mim, no
livro Carta a um jovem terapeuta (2010), de que toda investigação
deve estar a serviço da intervenção, de m odo que se produza algu­
ma mudança na questão apresentada.
Sem ação não há solução. O terapeuta não deve deixar essa
ação somente por conta do cliente, exercendo, ele, um papel ativo
e transformador.

8. Perdão fam iliar

Todos nós estamos querendo perdoar ou ser perdoados por


alguém, principalmente da nossa família, devido aos atos que fo­
ram praticados na nossa infância ou adolescência, de forma ativa
ou passiva.
Nossa pressuposição teórica é a de que algum sintoma, patolo­
gia ou, questão relacional que surge num indivíduo é proveniente
de um a ausência de perdão em relação a alguma das figuras pa­
rentais ou substitutos do passado e estimulado por situações rela­
cionais do presente.
A sequência é semelhante à dos demais exercícios, com a di­
ferença - em função do que aparece nas cenas e na escultura da
família de origem - que é solicitado ao protagonista que perdoe
(através de um a frase enunciada pelo coordenador) uma ou am ­
bas as figuras parentais pelo que praticaram, quando se omitiram,
protegeram ou abandonaram, iludiram ou desiludiram o protago­
nista. Em seguida, também são prescritas tarefas que terão a fina­
lidade de reforçar, agora através da ação, o perdão do protagonista
em relação aos pais ou substitutos.

76
5
EXERCÍCIOS
SISTÉMICO-RACIONAIS
C 3 s exercícios sistémico-racionais têm a finalidade de oferecer
ao cliente (indivíduo, casal ou família) um a visão espacial, distan­
ciada de sua posição no sistema (na tram a familiar), identificar em
quais triângulos está inserido (incluído ou excluído) e qual seria a
maneira de ele superar os obstáculos proporcionados pelo sistema
em relação à sua individualização.
Eles consistem de três tipos de genograma (árvore genealógica
familiar) desenvolvidos a partir dos estudos feitos por McGoldrick,
Gerson e Petry (2012).

Esses tipos de genograma são:

1. Pergunte ao genogram a

Inicialmente, num primeiro movimento, faço uma minientre-


vista com o cliente para saber de sua organização familiar, do pre­
sente e do passado, para depois ajudá-lo a formular uma pergunta
objetiva, do presente para o futuro, ao genograma.

79
Num segundo movimento, desenho e ensino, num quadro
branco, como se faz um genograma com a sua simbologia básica,:
para apagá-lo em seguida.
Num terceiro movimento, solicito ao cliente que desenhe o ge­
nograma, mesmo sendo a primeira vez que o esteja conhecendo.
Essa proposta baseia-se na conceituação de que a feitura do geno­
grama representa, no quadro, espacialmente, a projeção de como
está configurada (marcada, impressa) a família em sua matriz, istoí
é, funciona como um teste projetivo familiar. Através dessa con­
figuração, o coordenador procura detectar o uso dos sím bolos,1
como o genograma foi desenhado (grafismo) na disposição espa­
cial, nos esquecimentos (não colocar o nome dos pais, sua profis­
são, não assinalar que os avós faleceram etc.), que vão caracterizar
o que denominamos de erros emocionais.
A partir dos erros emocionais e de como foi desenhado o geno­
grama, chega-se à resposta da pergunta formulada. Essa resposta
é acompanhada de uma explicação do genograma (leitura do que
foi desenhado), seguida de um a tarefa a ser realizada pelo cliente
com a finalidade de promover uma ação, um a m udança em rela­
ção ao seu sistema familiar.

2. Genograma da m issão

Nesse genograma, também é feita um a minientrevista para


ensejar duas perguntas: qual é a missão do cliente (que vai estar
referida ao passado geracional) e uma pergunta atual (que está
relacionada ao seu presente, projetado para o futuro).
Após a feitura do genograma, também pelo cliente, observam-se:
- os erros emocionais;
- as linhas de ligação afetiva (uma, duas ou três, em graus de
intensidade: da m enor para a maior), de conflito, relação distante,
relação interrompida do cliente com os pais, irmãos e, principal-

80
mente, com os avós (paternos e maternos) ou substitutos (tios,
tias, agregados);
- quem escolheu ou lhe deu o nome e o seu significado, pes­
quisado no momento, em livros específicos.
De posse desses dados o terapeuta lhe revela qual foi a missão
recebida de sua família ao nascer, que vai determ inar sua função,
no presente, influenciando seu comportamento em todos os rela­
cionamentos.
A revelação da missão possibilita a resposta da pergunta feita
no início do genograma e quais são as possibilidades e impossi­
bilidades de movimentação daquele cliente em função da missão
recebida.

3. Genograma cruzado

Ele foi criado com a finalidade de descobrir no casal o que


está motivando a crise conjugal, ou os 50% de cada parceiro na
responsabilidade da geração dessa crise.

Pode ser realizado de duas maneiras:

3.a. Inicialmente, cada cônjuge desenha seu genograma num


quadro branco ou num a folha de papel, divididos ao meio. Pos­
teriormente, o terapeuta - de acordo com os erros emocionais,
o grafismo e, principalmente, como eles se uniram (a partir de
cada um dos genogramas), suas linhas de ligação afetiva entre si e
com as respectivas famílias - aponta as causas da crise conjugal (a
parcela de responsabilidade de cada um) e, finalmente, como sair
dela através de tarefas.

3.b. Na ausência de um dos parceiros, aquele que está presente


desenha os dois genogramas e, a partir daí, o terapeuta avalia seus

81
50% de responsabilidade na crise conjugal, o que vem acompa­
nhado de uma solução para a questão apresentada.

Não é demais ressaltar que todos esses instrumentos não estão


apenas a serviço da investigação para que o cliente entenda as m o­
tivações do seu comportamento, mas, sim, têm a finalidade última
de propor saídas e soluções objetivas para o problema apresentado.

82
6
O MODELO
SISTÊMICO-VI VENCI AL
EM GRUPOTERAPIA
C 'O m o desenvolvimento do modelo sistêmico-vivencial e os
seus resultados positivos, resolvi desdobrá-lo e aplicá-lo a um n ú ­
mero maior de pessoas, com algumas variações, através do aten­
dimento grupai.
Esse tipo de atendimento comporta duas modalidades: a gru-
poterapia individual sistêmica breve e a grupoterapia multifami-
liar e/ou conjugal breve.

Grupoterapia individual sistêm ica breve

O que existe de inovador nessa modalidade terapêutica?

Primeiro, a metodologia: quatro pessoas se reúnem, um a vez


por mês, com um terapeuta, durante duas horas, para exporem
sua problemática. Cada um a delas tem trinta minutos para falar
e interagir com o terapeuta; enquanto uma fala, as demais apenas
ouvem, sendo proibidas de se pronunciarem (podendo, na sua
vez, se referirem ao que foi comentado pelo colega de grupo ou
pelo terapeuta) quanto ao que está sendo exposto. Ou seja, não há
intercâmbio entre os clientes, somente com o terapeuta.

85
Essa atitude terapêutica baseia-se na teoria sistêmica de Bo-
wen (1978), que afirma que as pessoas com um grau de diferen­
ciação baixo - de acordo com a escala que ele formulou - não
conseguem separar o sentimento do pensamento, reagindo ao
comportamento dos outros sem avaliarem (sem pensarem) o que
estão falando ou fazendo.
Ao colocar quatro pessoas num espaço terapêutico - funcio­
nando na metodologia proposta - estou direcionando um a não-re­
ação por parte delas, impulsionando-as a pensar. É um a experiên­
cia única em suas vidas, já que são limitadas a não-verbalmente
separarem o sentimento do pensamento, o que as leva a um ou­
tro grau de diferenciação. No nível verbal - em seu tempo - não
só debatem com o terapeuta suas questões, como também - em
outro tempo - escutam e pensam sobre o que está sendo falado
com o colega de grupo.
Como é uma terapia breve, com tempo delimitado (doze me- j
ses), ela funciona como um grupo aberto, o que significa que cada
um dos membros do grupo tem direito a permanecer nele durante
doze meses e, assim, vai alternando suas presenças. Por exemplo,
num grupo que se inicia com quatro pacientes e um deles inter­
rompe o tratamento dois meses depois, este será substituído por
outro que permanecerá por doze meses, e assim sucessivamente.
Segundo, a perspectiva teórica: existe, no contexto atual do
paciente, uma representação familiar do passado que se atualiza
no presente e que vai constituir o foco sistêmico onde a terapia vai
atuar. Esse foco sistêmico está conectado diretamente às ligações
atuais e/ou passadas com a família de origem do paciente (exista
ou não) que são transplantadas ao tempo atual em suas relações
nas diferentes áreas da sua vida.
Na fundamentação teórica são importantes: o conceito de
massa indiferenciada do eu familiar (Bowen, 1978), as etapas do
ciclo de vida familiar (McGoldrick, Cárter e Garcia Preto, 2011) e

86
o conceito de foco sistêmico e matriz familiar (Groisman, Lobo e
Cavour, 2013, I a ed. 1996).
Terceiro, a perspectiva técnica: ao detectar o foco sistêmico, o
terapeuta endereça intervenções específicas a ele, acompanhadas
de tarefas (prescrições) que terão a finalidade de atingir o alvo (o
coração do sistema), promovendo o descongelamento do tempo
familiar.

Qualquer sintomatologia que surja em um dos membros do


sistema familiar, nuclear e extenso, a qualquer momento do ci­
clo de vida dessas famílias, representa um tempo familiar que foi
congelado do passado. Ao ser descongelado o tempo passado, é
possível promover a reorganização e a consequente movimenta­
ção daquele sistema para que ele não tenha mais a necessidade de
ter um bode expiatório fixo, mas variado, num a rotação saudável
entre os diferentes membros do sistema.

Na medida em que a interação se dá entre o terapeuta e o cliente,


sem haver intervenções simultâneas dos demais integrantes do gru­
po, caracterizam-se dois movimentos importantes: num primeiro
movimento, o papel central do terapeuta como um expert (afinal
de contas os clientes foram solicitá-lo para tal fim) e o dos clientes
como responsáveis por sua movimentação na vida cotidiana; num
segundo movimento, eles, os clientes, são colocados para ouvir e
refletir sobre a sua própria vida, numa posição de observadores,
quando o terapeuta está se dirigindo a um dos colegas de grupo.
Desse modo, a terapia não se resume apenas aos trinta m inu­
tos para cada um, mas, de forma intensiva, compreende duas horas,
durante as quais são descerradas histórias familiares mais ou menos
similares a cada um dos integrantes do grupo; um ou outro vai se
identificar mais ou menos com a história e as intervenções feitas pelo
terapeuta ao colega do grupo.

I?
Haverá um a onda de propagação em espelho para as próprias
questões com a sua família de origem, que se refletem nas relações
atuais.
Este método não se destina apenas a um a exploração ou en­
tendimento das relações do cliente com a sua família de origem,
mas também, através de um a projeção do passado no presente,;
procura soluções objetivas e concretas - por meio de tarefas (Ha-
ley, 2006), ou sugestões (Groisman, 2012) - para que ele ou ela
resolvam suas questões atuais nas áreas profissional, amorosa, se­
xual e social.
Na medida em que a terapia é de duração breve, com tempo
marcado, confere ao participante e ao terapeuta um a delimitação
- encaminhar ou não um a solução para as questões apresentadas,
dentro de um prazo determinado.
O terapeuta, ao associar os conceitos de diferenciação do eu
em relação à massa familiar, foco sistêmico (de acordo com a eta­
pa do ciclo vital familiar que o indivíduo estiver atravessando), e
o de matriz familiar vai poder acessar rapidamente a questão ou a
patologia apresentada pelo paciente.
Desta maneira, a psicoterapia torna-se breve e intensa, já que
o conflito central do paciente é alcançado, diagnosticada sua luta
com o sistema familiar, e são oferecidas soluções para a sua liber­
tação. Libertação essa que não significa isolar-se da família, mas,
sim, relacionar-se com ela - mantendo a sua individualidade.

G rupoterapia m ultifam iliar ou m ulticonjugal breve

Nessa modalidade de atendimento, a perspectiva teórica é a


mesma, com variação na metodologia a ser empregada. O u seja,
ela comporta no m ínimo quatro e no máximo oito famílias ou
casais. O grupo poderá ser somente de famílias nucleares, ou uni-
parentais, ou casais, ou ainda entremear um e outro, já que nas

88
famílias existem casais e os casais fazem parte de um a família ou
pretendem ser um a família um dia.
Essa mistura torna-se rica e instigante. Nessa heterogenei­
dade existe um a exceção: não misturamos famílias com crianças
até doze anos com casais e famílias com filhos maiores, já que os
temas são diferentes e impróprios para um a determinada faixa de
idade.
O grupo tam bém se reúne, um a vez por mês, por duas horas, e
cada casal ou família expõe a sua questão durante trinta minutos,
tendo o direito a permanecer nele por doze meses. A diferença em
relação à grupoterapia individual sistêmica é que nessa - sendo
apenas um a pessoa (a família ou o casal completo não está pre­
sente) - o terapeuta intervém na família ou no casal (se o paciente
tiver uma relação estável ou for casado) de um a forma imaginária,
enquanto na grupoterapia multifamiliar o faz de um a forma viva e
real, tentando descobrir e revelar a parcela de responsabilidade de
cada um dos envolvidos na trama.
Como são de quatro a oito casais ou famílias no grupo, no
caso de serem mais de quatro não vai haver tempo para todos fa­
larem naquele mês, permanecendo então os restantes para o mês
subsequente.
Mais importante do que falar é ouvir, refletir sobre o que o
terapeuta está dizendo para a sua família ou para eles enquanto
casal, ou para a outra família ou casal.
Qual é a vantagem desse tipo de tratamento?
Existe um a potencialização das intervenções terapêuticas no
nível grupai, acompanhadas da mensagem - na medida em que
o tempo é demarcado - de que cada família ou casal é responsá­
vel por sua melhoria, ao mesmo tempo que são estimulados pelas
manobras terapêuticas verbais, prescrições e rituais.
A presença de um limite de tempo confere um sentido de pre­
mência (o tempo terapêutico não é infinito) e caracteriza para o

89
terapeuta qual é o subsistema que está mais motivado, interessad
em caminhar para um outro nível relacional: conjugal, parent'
ou filial.
Tanto a grupoterapia individual sistêmica como a multifami
liar breve têm um alcance social amplo na medida em que ofere­
cem a possibilidade de atendimento psicoterápico a um núm er
maior de pessoas num m enor período de tempo.

Na m inha caminhada profissional - que nunca deve esta


dissociada da pessoal (as transformações que ocorrem em um
área devem se refletir nas demais) - , que parte da psiquiatria, atra-?
vessando a psicanálise, a psicoterapia de grupo, o psicodrama,
bioenergètica (terapia corporal) para ancorar na teoria familiar
sistêmica com o seu braço terapêutico - a terapia familiar - , tive
a oportunidade de apreciar e viver a abordagem das patologias
emocionais sob diferentes ângulos.
Hoje, qual é a síntese ou a conclusão que faço das diferentes'
experiências que tive?

a) Não é possível avaliar (entender) o indivíduo - qualquer


que seja a sua idade - fora do seu contexto familiar;
b) Não é possível atender um a criança ou adolescente - que
estão mergulhados e dependentes em todos os sentidos do
contexto familiar - em um a terapia que não seja a familiar;
c) Em alguns casos, haverá necessidade, associada à terapia
familiar, de ajuda psiquiátrica (medicamentosa), de uma
forma que um tratamento não atrapalhe o outro;
d) As técnicas de origens diversas servem para instrumentali­
zar a teoria sistêmica na atuação clínica, possibilitando que a
família ou o casal transforme seu modelo de funcionamen­
to. O u seja, deixando a família de ter um paciente referido,
geralmente um dos filhos, ou, no casal, deixando um dos

90
membros de ser o doente, ou a própria relação, para cada
um dos integrantes da família ou do casal assumir sua pró­
pria parcela de responsabilidade (sem acusar o outro) para,
dessa maneira, construir um novo equilíbrio relacional.

E quais são as técnicas que mais utilizo na prática diária?


Aquelas que pertencem ao referencial sistêmico: prescrições, ri­
tuais, escultura, genograma (e suas variantes) e outras retiradas
do arsenal psicodramático: troca de papel, duplo - na qual o te­
rapeuta representa vozes de personagens familiares do passado,
atualizadas no presente, de m odo que a família ou o casal verifique
o que está bloqueando seu relacionamento e desenvolvimento.
A integração de técnicas possibilita ao terapeuta ter diferentes
recursos, que ele poderá utilizar ou não conforme a situação clí­
nica estiver solicitando. Torna o terapeuta mais flexível na abor­
dagem dos impasses conjugais e familiares que precisa enfrentar.
E para que servem toda a teoria e a multiplicidade de técnicas?
Para empregá-las nas patologias emocionais que surgem, no de­
correr da vida, em algum membro da família ou do casal.

Como a família provém de algum tipo de casal (tudo come­


çou neles: Adão e Eva), e este também se origina em algum tipo
de família, vamos procurar explicar as diferentes inter-relações do
casal no sistema familiar no qual ele está inserido: na ascendência
(as famílias de origem), na conjugalidade (os parceiros) e na des­
cendência (os filhos); com as repercussões (desvios) provenientes
desses relacionamentos.

91
7
MEUS PAIS
eu pai chamava m inha mãe de filhinha, enquanto ela o cha­
mava pelo nome. Achava essa designação carinhosa, mas era a
que correspondia à relação deles: ele como o detentor do poder
econômico, das decisões em relação aos filhos e como aquele a
quem m inha mãe recorria (ele como pai e ela como filha, digo,
filhinha).
Ele, no papel clássico de provedor, de autoridade, de chefe da
família, e ela como a cuidadora e organizadora do lar e da família.
Eu me lembro nitidamente, quando ele chegava em casa à noi­
te, do trabalho, ela reclamando que eu e meu irmão havíamos b ri­
gado durante o dia, ou que eu havia sido suspenso no colégio e que
ele precisava fazer alguma coisa. Chamava a nossa atenção, princi­
palmente a minha por ser o mais velho e precisar dar o exemplo.
Ele decidia as viagens, quando vínhamos para o Rio de Janeiro
passar as férias, ou para Atafona (praia próxima a Campos, onde
tínhamos uma casa).
Tudo levava a crer que era o comandante da família.
Mamãe, apesar de preocupada com os filhos, se dedicava a ele,
passava o dia esperando-o para almoçar e principalmente para
jantar, quando reclamava invariavelmente dos seus atrasos. Tele­
fonava para a loja e não o encontrava. Onde ele estaria?

95
Era a razão de ser da vida dela. Ela só tinha a ele - e os filhol
- já que sua família estava distante, enquanto ele se repartia entr
sua família (irmãos e cunhadas), amigos e os negócios.
Ela transferiu toda a dependência que tinha dos seus pais
que havia passado para um a irmã mais velha (com quem morotj
algum tempo no Rio de Janeiro) - para o marido.
Quando meu pai adoeceu, ela revelou toda a sua força (qujj
já havia demonstrado ao presidir e participar de organizações s o l
ciais judias e não judias), vindo a capitanear o barco conjugal (c
filhos já tinham constituído suas famílias). Então, eu que acredil
tava que o meu pai era o forte da relação, com a sua doença eli
simbolizou o que acontece com a maioria dos homens: voltou a |
colo da sua mãe-mulher.
Ela - que só saía ou viajava com ele - , com o falecimento del|
aos 79 anos (permaneceu dez anos doente), se integrou a grupe
de sua idade, realizando programas e excursões pelo Brasil ou ex|
terior. Renasceu aos 76 anos, apesar de, muitas vezes, lamentar-s
da ausência dele.
A dependência emocional transferiu-se do m eu pai para oi
filhos, que passaram a protegê-la financeiramente (cuidavam da
propriedades e do dinheiro deixado por meu pai) e no to can te;
sua saúde e à sua infraestrutura.
Com a morte do meu pai, passei a conhecê-la mais como mu^
lher, como pessoa. Ela vivia na sombra dele. Era somente u m á|
mãe para mim.

96
8
O CASAL
Q uando um homem e um a mulher, ou dois homens, ou, ainda,
duas mulheres se unem através de um casamento ou de um a re­
lação estável estão lançando a base para se transformarem ou não
num a família.
Essa família poderá ser formada através do nascimento de um
filho biológico, adoção, barriga de aluguel, fecundação artificial
(banco de sêmen), fecundação in vitro, ou num segundo casamen­
to pós-divórcio, ou segunda união hetero ou homossexual, através
de filhos do primeiro casamento ou gerados nessa nova relação
(família recasada).
Hoje, não podemos ignorar, sob pena de estarmos atrasa­
dos - não acompanhando a evolução da medicina e das relações
contemporâneas - o que está acontecendo no mundo. Aquele ou
aquela terapeuta que ficar atrelado às suas ideias tradicionais -
que aprendeu na faculdade ou em formações de pós-graduação
- não terá a possibilidade de entender e orientar adequadamente
os novos casais e as novas organizações familiares.
Q uando o casal se forma acredita, sofre da ilusão de que a atra­
ção ou a paixão que os aproximou e uniu vai ser o moto contínuo
de sua vida, como se fosse possível congelar aquele momento. Nâo
só acredita que conseguirá manter a mesma paixão inicial como
também formará um a ilha imune às influências de suas respec­
tivas famílias de origem, dos filhos quando vierem e do próprio
contexto sociocultural onde vivem (trabalho, amigos, convulsões
sociais, financeiras e ambientais).
Q uando o futuro casal se encontra - cada um dos seus com­
ponentes trazendo suas carências e expectativas do que viveram e
ficou marcado em suas respectivas matrizes familiares - não re­
presenta apenas duas pessoas soltas no mundo. Cada um deles
é um flash, um instantâneo, um símbolo de onde vieram (suas
famílias de origem). Nelas foram constituídos, edificados, fabrica­
dos de uma determinada maneira: de acordo com a missão que a
família designou para eles, as alianças e as exclusões nas triangu­
lações familiares e o que viveram durante a infância e a adolescên­
cia em suas respectivas famílias, que os marcou indelevelmente. O
resultado dessa mistura os leva a procurar de alguma maneira um
parceiro (a) que os satisfaça, ou compense as carências e expecta­
tivas que cada um traz.
O conhecimento desses antecedentes é fundamental para que
o terapeuta possa diagnosticar o que está acontecendo no presente
- a crise conjugal, que pode se expressar de três maneiras: através
da sintomatologia de um filho (criança ou adolescente); da sinto­
matologia emocional ou física de um dos membros do casal; ou da
própria relação dos parceiros.
Como a sintomatologia de um filho pode estar ocultando um a
crise no casamento?
Como consideramos a família um sistema de forças em que
cada um dos membros exerce um a determinada função, desde
a mais expressiva (forte) até a menos expressiva (fraca) - todos
tendo a sua importância na organização familiar - , é natural de­
duzirmos que a patologia surja inicialmente no elo mais frágil e
dependente do sistema: o filho. Esse, por meio de qualquer sin-

100
tomatologia que apresente, está exibindo um a discórdia entre a
dupla parental - seja como pais, seja como um casal.
Aliás, não existe a possibilidade de um casal funcionar bem
enquanto pais e mal enquanto um casal, ou vice-versa. Apesar de
serem funções diferentes - como pai e mãe, m arido e esposa ou
companheiro e companheira - elas são exercidas pelas mesmas
pessoas. Podem até atuarem melhor enquanto pais do que como
um casal ou vice-versa, mas qualquer questão em um a das duas
posições vai exprimir um a disfuncionalidade no casal.
Cada um dos membros do casal necessita exercer - não é fácil
ou é impossível equilibrá-los adequadamente - quatro papéis ao
mesmo tempo: marido e esposa, pai e mãe, filho e filha (de suas
respectivas famílias) e indivíduo com as suas necessidades e dese­
jos pessoais, além de suas inserções sociais.
Do equilíbrio entre esses papéis - que nunca será igual: cada
um penderá mais para um lado do que para o outro - vai resultar
um relacionamento conjugal mais ou menos harmonioso. Q uan­
do um desses papéis é mais acentuado num grau maior do que o
outro, desemboca-se em uma crise conjugal. Ou seja, cada um dos
membros está privilegiando mais uma área do que a outra, provo­
cando uma dissonância no relacionamento conjugal.
Esse equilíbrio é difícil, mas a procura dele é fundamental,
principalmente na medida em que cada um dos membros tenha
a consciência dos diferentes sistemas e subsistemas do qual par­
ticipa ao mesmo tempo. Eu sou marido, esposa, companheiro(a),
filho(a), profissional e ser social concomitantemente. Essa inserção
múltipla é rica, desafiadora e complexa. Como, normalmente, não
temos consciência desses diferentes papéis, como eles já foram de­
senhados em nossas famílias de origem, através dos modelos pa­
rentais, eles acabam pesando mais em uma área do que em outra.
Vou exemplificar através de um caso clínico atendido por uma
das equipes da Núcleo-Pesquisas a disparidade de um dos papéis

101
em relação ao outro, o que resultava numa falta de caracterização
do tipo de relação que aquele casal mantinha.
Explico: é importante que o homem e a mulher, o homem e
o homem, a mulher e a mulher delimitem qual o tipo de relação
na qual estão envolvidos. Isso vai possibilitar posicionarem-se de
uma forma mais clara e adequada entre eles, perante suas respec­
tivas famílias de origem e os filhos, se houver.
O caso clínico que descreverei tornou-se um vídeo que editei,
ao qual dei o nome de Um casal (?) infiel (2010), que já no título
define a questão que estamos tratando. Vou contar a história deles
para vocês entenderem.

Suely e Álvaro se conheceram numa festa para solteiros. Suely,


com trinta anos, teve uma união estável com um namorado da ado­
lescência, da qual não resultaram filhos, enquanto Álvaro teve várias
namoradas, mas nunca deixou de morar com os pais, declarando-
-se, aos quarenta e cinco anos, um solteirão inveterado.
Suely era filha única, tendo herdado do pai o apartamento onde
morava. Trabalhava como funcionária de uma estatal há muitos
anos, no entanto constantemente vivia de licença: depois da morte
do pai - quando perdeu seu grande suporte e protetor -, passou a
ter crises depressivas. Com a mãe não se entendia e essa, por seu
lado, reclamava que o marido, quando vivo, paparicava a filha em
excesso.
Álvaro, por sua vez, sentia-se satisfeito em viver com os pais;
principalmente com a mãe tinha intermináveis conversas sobre o
Flamengo, do qual era torcedor fanático (o avô materno, que tam­
bém era ílamenguista, o levava desde pequeno ao Maracanã para
assistir aos jogos do seu clube).
Quando Suely e Álvaro se conheceram, desde o primeiro en­
contro Álvaro declarou que não pretendia mudar-se da casa dos
pais. Tinha uma rotina peculiar: durante a semana trabalhava como

102
engenheiro de uma firma de construção e no final do dia fazia gi­
nástica, para depois jantar com a mãe, quando colocavam os assun­
tos em dia; do que resultava que só poderia vê-la no sábado à noite e
no domingo, que eram seus dias livres. Mesmo assim, no domingo,
somente na parte da manhã, porque tinha que almoçar com os pais,
à tarde preparava a sua agenda e trabalhos para a semana e à noite
assistia ao programa Fantástico na televisão com os pais.
O dia em que se encontraram foi uma exceção. Tinha acabado
de sair de um namoro de quatro anos que terminou por pressão da
ex-namorada. Ela queria que eles morassem juntos - não precisa­
riam se casar -, o que ele logicamente recusou. Ficou meio na fos­
sa porque gostava dela e, principalmente, porque mantinham uma
excelente relação sexual, que acontecia invariavelmente no sábado
à noite ou no domingo pela manhã, na casa dela. Instado por um
amigo, concordou em abrir mão da ginástica e da sauna - que fazia
no seu clube após a atividade física - para ir numa sexta-feira à noite
ao tal encontro para solteiros.
A princípio, Suely se rebelou contra o esquema do Álvaro, mas
acabou aceitando diante da posição dele: é assim ou nada. Durante
dois anos viveram uma paixão avassaladora, que estava arrefecendo
quando Suely começou a pressioná-lo para morarem juntos, como
a anterior e a maioria das mulheres. Depois de muita discussão,
ameaça de rompimento, chegaram a um acordo: teriam um filho,
que era um sonho de Suely, e continuariam a morar em casas se­
paradas; com a exigência de Álvaro que ela tivesse o filho com o
ginecologista de sua mãe.
Após o parto de uma menina, Suely passou três meses na casa
da sua mãe, onde Álvaro, a contragosto, a visitava. Não só não gos­
tava de se encontrar com a família de Suely (namoro eia e não a
sua família) como também foi obrigado a cumprir um período de
abstinência sexual. Suely se dedicava completamente à filha, ama­
mentando-a e cobrindo-a de todos os cuidados, inclusive dormin-

103
do com ela no mesmo quarto, apesar de a avó ter feito um quarto j
especial para a neta.
Toda essa história veio à tona em função de a filha, hoje com §
treze anos, ter sido encaminhada pela escola para fazer terapia fa­
miliar porque não conseguia assistir às aulas, tendo que sair cons-1
tantemente da sala para telefonar para a mãe - quando não faltava, j
dizendo preferir ficar em casa. Amanda, a filha, tinha um histórico
de ter passado por várias escolas, de onde saía por reprovação, ou j
por implicar com as colegas, às quais considerava bobas e burras.
Quando saíram da casa da avó materna, Suely e a filha volta-1
ram ao seu apartamento. Na relação com Álvaro, houve uma m o-1
im
dificação da rotina de visitas: ele, que anteriormente encontrava-se J
com ela, como dissemos, aos sábados à noite e aos domingos pela 1
manhã, após o nascimento da filha passou a ver as duas apenas n o '
domingo pela manhã. A explicação dada foi a de que preferia ver |
as duas juntas, pois no sábado à noite, quando chegava, Amanda já
estava dormindo.
Como no restante da sua vida, Álvaro tinha um ritual: nos do­
mingos pela manhã corria no calçadão da Avenida Atlântica, de
onde ia para a casa de Suely, que também morava em Copacaba­
na, onde tomava banho e trocava de roupa, que deixava em uma
sacola de ginástica na portaria dela antes de correr. Não mantinha
nenhuma roupa na casa dela para que esta não pensasse que tinham
algum compromisso mais sério.
Depois do banho, transava com Suely - foram flagrados, várias
vezes, por Amanda, por não fecharem a porta do quarto em virtude
de Suely não gostar de ambientes fechados -, para, posteriormente,
tomar o café da manhã com as duas e ajudar a filha em algum dever
de casa. Invariavelmente, saía às 12:30h a fim de almoçar com os
pais às 13h.
Às 12h, sua mãe já começava a telefonar perguntando se ele não
ia para casa porque o almoço estava pronto. Adorava o empadão de

104
frango com palmito que a mãe preparava especialmente para ele, uma
receita que tinha sido de sua avó materna.
Era o filho caçula, com mais três irmãs, sendo que duas eram
solteironas e também moravam com os pais - a mais velha, a única
que se casou, tinha dois filhos.
Amanda também presenciava as brigas dos pais que, inclusive,
chegavam a agressões de lado a lado. Essas brigas originavam-se em
discussões sobre dinheiro, nas quais Suely argumentava que Álvaro
contribuía pouco para a educação e a manutenção da filha e tam­
bém em queixas sobre o abandono em que ela vivia devido à au­
sência de uma vida social. Álvaro contra-argumentava mostrando
o seu contracheque, dizendo que não podia ajudá-la mais do que já
fazia e que ela poderia recorrer à mãe, que havia herdado uma boa
herança com a morte do pai. Ao mesmo tempo, reiterava que nunca
a havia enganado quanto às suas pretensões.
Aliás, as duas famílias não eram a favor do relacionamento de­
les, principalmente a de Álvaro; sua mãe não queria perder o filho e
companheiro de intermináveis conversas, enquanto a de Suely não
aprovava esse tipo de relacionamento, também pelo fato de ser com
um homem bem mais velho do que ela. Sua mãe sempre sonhou
casar a única filha na igreja, de branco, com uma grande festa para
os seus inúmeros amigos.

Nesse cenário, revelado no processo terapêutico, desenvolveu-


-se a terapia familiar breve.
O objetivo escolhido por nós foi o de procurar que o casal (?)
caracterizasse a sua relação: se tinham um a união estável mesmo
m orando em casas separadas, ou se eram pais de Amanda e se re­
lacionavam apenas em função dela, mesmo tendo relações sexuais
frequentes.
Esse objetivo estava relacionado diretamente ao foco sistêmi­
co: a dificuldade de ambos de se desprenderem de suas respectivas

10S
famílias de origem. No caso de Álvaro era mais evidente, enquan­
to Suely não progrediu profissionalmente, vivendo às expensas da
previdência social, da ajuda financeira da mãe e da pensão de Ál­
varo à filha. Esse impasse relacional servia como base para a di­
ficuldade escolar da filha, que era aliada e companheira da mãe,
em oposição ao pai. Ficava enredada nesse triângulo perverso, não
conseguindo uma adaptação escolar satisfatória que permitisse
seu desenvolvimento (o que significaria deixar os pais entregues às
suas próprias ligações anteriores).

Num mecanismo de projeção familiar (Bowen, 1978) os pais


elegem um dos filhos ou dois (de acordo com o gênero, a posi­
ção de nascimento e quem escolheu o nome) para ser(em) o(s)
depositário(s) das figuras parentais anteriores, as quais gostariam de
reproduzir, ou, agora, numa expectativa de que aquele filho forneça
o que não tiveram dos pais. Esse filho poderá ser aliado do pai no
triângulo (pai, mãe e ele) ou opositor, aliando-se à mãe contra o pai.
Além do entendimento da dinâmica familiar e da proposta de
mudança de sua homeostase - intervindo nos triângulos estabele­
cidos - , é fundamental que o terapeuta não se esqueça de atender
à demanda familiar, ou seja, a resolução da sintomatologia exis­
tente no paciente referido.
Essa sintomatologia tem uma função dupla no sistema: de­
nuncia que aquela família está disfuncional, que necessita de uma
reorganização dos triângulos existentes (intra e intergeracionais)
e, ao mesmo tempo, exerce uma função protetora dos irmãos (se
existirem) e, principalmente, dos pais, do casal, ao declarar esse
filho como único problema da família. Por outro lado, no filho
existe uma patologia assentada, necessitando ser retirada já que
está prejudicando seu desenvolvimento e de toda a família, princi­
palmente os pais, que estão ocupados e mobilizados em encontrar
uma solução para o filho.

106
Assim, o terapeuta tem duas frentes: o sistema (a família) e
o indivíduo acom etido pela patologia. Apesar de os dois esta­
rem constantem ente entrelaçados através de um a dependência
recíproca, está em jogo o desenvolvimento desse indivíduo. Ele
evoluirá, mais ou menos, de acordo com o grau de sua patologia
(agudo ou crônico), o envolvimento maior, m enor ou nenhum
de seus familiares (principalm ente os pais) e sua adesão maior,
m enor ou nenhum a ao processo terapêutico.

Nas intervenções terapêuticas iniciais, conseguimos que


Amanda voltasse a frequentar a escola regularmente, evitando que
Suely procurasse frequentemente o serviço de orientação escolar
em busca de uma solução que fizesse Amanda ir à escola.
Passamos então a nos dedicar a Álvaro e Suely, de m odo a de­
finir para eles, para a filha e para as respectivas famílias qual era
o tipo de relação que possuíam: se iriam continuar indefinidos (o
que provocava a dificuldade escolar na filha), se separariam, ou
delimitariam sua relação.
Qual não foi a nossa surpresa quando Suely - na véspera de
uma das sessões à qual ela viria com Álvaro - ligou perguntando
se poderia trazer Amanda também porque ela tinha voltado a se
recusar a ir à escola, agora alegando que não estava enxergando.
Os pais a levaram a diferentes especialistas que não encon­
traram nenhuma causa orgânica. Para mim, era um quadro típi­
co de amaurose (cegueira) histérica que tinha a função de, mais
um a vez, demonstrar seu poder em relação ao sistema e à terapia,
comandando os pais e, ao mesmo tempo, sendo comandada por
eles, tentando bloquear, em nome da família, qualquer tentativa de
modificação da organização familiar a ser proposta pelo terapeuta.
Apesar de todos os esforços envidados, ela não retornou à
escola, inviabilizando a possibilidade de continuar o ano letivo.
Ficava em casa, acordando tarde, vendo televisão o restante do

107
dia. Não fez amigas nas escolas pelas quais passou e, quando era
convidada para ir a alguma festa de aniversário de uma colega, se
recusava a ir: só gosto de me dar com pessoas da minha família.
Como, no nosso projeto de terapia familiar breve, faz parte
convidarmos as famílias de origem de cada um dos parceiros a
comparecer em sessões separadas, convocamos, em primeiro lu­
gar, a família de Álvaro, sem a presença de Suely, já que havia uma
situação beligerante entre o casal e entre Suely e a família de Álvaro.
Quando a família de Álvaro veio à sessão, apesar de as irmãs
serem favoráveis a uma definição sua na relação com Suely, por­
que estava comprometendo o desenvolvimento de Amanda, ficou
claro que a mãe, que era a matriarca, a líder da família, emocional
e financeira, não aprovava a relação porque Suely era de uma clas­
se social inferior à deles e, principalmente, porque iria perder seu
interlocutor.
Diante das críticas a Suely, feitas pela mãe e desaprovadas pela
irm ã casada - que dizia que era favorável à definição da relação,
mas que convidava somente Álvaro para a sua casa quando havia
alguma festividade - , percebemos que havia um a dupla mensa­
gem em sua comunicação. Álvaro não reagia, era como se concor­
dasse com a mãe e com a dupla mensagem da irmã.
O mesmo se repetiu em relação à família da Suely, com a pre­
sença da sua mãe. Ela procurou abster-se de qualquer comentário a
respeito da vida conjugal dos dois, apenas explicitando que Álvaro
era uma pessoa de temperamento difícil. Estava mais preocupada
em criticar o falecido marido, que procurava fazer todas as vontades
de Suely. Antes mesmo do término da faculdade, já havia dado um
apartamento para ela um dia morar, porque não acreditava que pu­
desse ter, em algum momento, a possibilidade de adquiri-lo.
Diante desse quadro, não podendo contar com o reforço das
respectivas famílias, resolvemos investir na definição da relação
que existia entre Álvaro e Suely - deixando a questão escolar de

108
Amanda para posterior decisão (com a interrupção da escola a
cegueira sumiu).
Álvaro colocou claramente, mais um a vez, que não pretendia
morar com Suely, sentia-se muito bem m orando com os pais, não
pretendendo se m udar da casa deles; que já a ajudava financeira­
mente e não teria como aumentar sua contribuição mensal. Pa­
ralelamente, insistimos com Suely para que voltasse a trabalhar,
já que não a considerávamos doente (ela era uma dependente da
família, tendo transferido essa dependência para Álvaro).
Depois de várias gestões junto aos dois para que definissem
sua situação, concordaram em assinar um documento preparado
por nós no qual reconheciam que eram marido e mulher, mesmo
m orando em casas separadas.
Principalmente em relação a Álvaro, essa ratificação foi im ­
portante, porque ele dizia, quando perguntado sobre a relação que
m antinha com Suely, que ela era a mãe da sua filha e que por isso
a respeitava e m antinha um relacionamento com ela.
Ao contrário de Álvaro, Suely queria se casar e m orar com ele,
ao mesmo tempo que se colocava como dependente economica­
mente e doente. Tinha crises de irritabilidade com a filha, batia
nela em função de não atender seus pedidos de ir à escola ou se
despregar dela, indo à casa de uma colega ou convidando-a para
vir à sua casa, ou quando ameaçava se suicidar, jogando-se da ja­
nela, porque Álvaro prometera vir à sua casa fora dos seus horá­
rios habituais e não aparecera, sem dar nenhum a satisfação.
Quando ele vinha, na famosa manhã de domingo, explodia
ao ponto de agredi-lo, precisando algumas vezes ser internada na
medida em que essa agressão era seguida de uma quebradeira em
toda a casa, recorrendo à tentativa de se jogar pela janela do seu
apartamento no 8o andar. Chegando ao ponto, em uma dessas ve­
zes, de se dependurar na parte externa da varanda da sala, tendo
sido preciso solicitar a ajuda do Corpo de Bombeiros.

10«
Álvaro, por sua vez, mascarava a dependência que tinha de
sua família - portando-se como um a pessoa normal - atrás da
doença de Suely, que funcionava como o bode expiatório da rela­
ção amorosa.
Suely estava em tratamento psiquiátrico, recebendo medi­
cação neuroléptica (antipsicótica). Ao mesmo tempo, Amanda,
como já falamos, não conseguia se desprender de Suely. A hipóte­
se que fizemos é que ela tinha sido concebida como um presente
de Álvaro para Suely de m odo que fizesse companhia à mãe, subs­
tituindo o pai.
Após a caracterização da relação de Suely e Álvaro com a as­
sinatura do referido documento - que foi mostrado à Amanda -
esta concordou em voltar a estudar em outra escola.
Numa avaliação feita três meses após, Álvaro, que veio para a
terapia instado por Suely, se pronunciou dizendo que a terapia va­
leu. Suely, que já havia feito vários tratamentos anteriores, achou
que o processo terapêutico foi objetivo e satisfatório, e Amanda
relatou que estava satisfeita com a nova escola, onde havia feito
amigas e uma grande conquista: ia para a escola sozinha de metrô,
diferente da anterior, para onde, apesar de ser próxima à sua casa,
necessitava que a mãe a levasse.

110
9
O CASAL E OS FILHOS
Q uando a família é inaugurada - com o nascimento ou ado­
ção de um filho produz-se uma verdadeira revolução: o que
era dois passou a ser três. Essa transform ação exigirá um a nova
organização e acomodação daqueles personagens, principal­
mente do casal.
A felicidade que representa a vinda de um filho implicará num
desafio para a relação conjugal. Ela será testada em sua solidez e
cumplicidade. Por quê?
É natural que as atenções se voltem para o filho que vai
necessitar de proteção e segurança.
É natural que a mãe, que o gerou e o amamentará por algum
tempo, fique mais sobrecarregada do que o pai, comprometendo
inicialmente a vida conjugal.
Mas, não é natural que, após esse tempo, o casal não retome
paulatinamente suas atividades enquanto tal. Se isso não ocorrer é
porque o casal se diluiu na família, tornando-se os papéis de pai e
de mãe mais importantes do que os de marido e esposa.
Além disso, quando nascem o primeiro filho e os subsequen­
tes (se houver), vão ocorrer identificações e alianças dos pais com
ele(s) que podem provocar um afrouxamento da relação conjugal.
Isso ocorrerá se houver uma aliança maior de um dos pais com o
filho, excluindo assim o parceiro, que também aceitou essa asso­
ciação, tornando-se um terceiro na relação. Como consequência,
esse terceiro excluído procurará outro aliado dentro (outro filho)
ou fora da família (relação extraconjugal) para agora fazer o mes­
mo com aqueles que o excluíram.
Essa dança triangular não terá vencedores, pois representará
a derrota do casal ao criar um espaço considerável entre eles, na
medida em que vai haver a interposição de um filho.
Não podemos também esquecer que existe um a pressão em
prol da família, seja das famílias de origem de cada um dos par­
ceiros, seja da própria sociedade. Nessa, a família é muito mais
valorizada do que o casal tanto nos rituais naturais (aniversário,
bodas de prata, ouro, batizado etc.), quanto na mídia, na cultura
da propaganda e pelas diferentes religiões.
Não é simples conjugar casamento, sexualidade e filhos: en­
contrar o espaço para cada um desses setores.
A sexualidade do casal, em si, já é uma área complexa. Cada
um dos parceiros traz um a história do seu desenvolvimento se­
xual em sua respectiva família de origem, com as suas marcas,
possibilidades e impossibilidades.
No momento em que eles se encontram não são duas telas em
branco que vão iniciar uma história de amor. São duas telas que já
têm impresso um filme que começou com o nascimento de cada
um deles, os quais receberam através dos pais expectativas e mis­
sões de gerações anteriores.
O amor entre eles não consegue apagar o que trazem consigo.
Nesse encontro, de acordo com a escolha do parceiro, essas m ar­
cas podem se tornar mais ou menos visíveis em função da poten-
cialização (estímulo) que cada um emite para o outro.
O que significa essa potencialização para mais ou para menos?
O que significa esse tema: a escolha do parceiro?

114
Cada um de nós vai construindo um a história desde o nasci­
mento, com maiores ou menores carências, maiores ou menores
traumas, maiores ou menores perdas, dentro de sua familia. Essa
história incrustada em nosso corpo vai determinar o que Enge­
lhard e Risi chamaram de a escolha sempre certa do parceiro ( 1995).

Como é possível descobrir na multidão alguém que vai se


encaixar com as nossas necessidades? Nossa história familiar vai
nos impulsionar a procurar esse alguém que vai combinar com ou
desagradar (contestar) a nossa família de origem. Uma ou outra
perspectiva será resultante de como cada um foi ou se sentiu mais
ou menos protegido ou abandonado no interior de sua família.
Essa história a que estamos nos referindo está impregnada tam ­
bém da raça e da cultura na qual a família está mergulhada. Então,
os parceiros escolhidos vão cumprir um determinado papel nas res­
pectivas famílias opostas, a serviço das relações familiares anteriores
daquele que o escolheu.
É bom relembrar que a família é um sistema de forças no qual
cada um dos membros exerce um determinado papel (potência
ou função) que vai se integrar com os demais, levando-a a operar
como uma máquina, mesmo dissonante, em equilíbrio constante.
E por que aquele parceiro escolhido num determinado momento
serve a essa máquina (um propósito familiar) e não serve em outro
momento?

A resposta não é fácil e envolve uma série de fatores:

a) A paixão inicial, como já diziam os poetas, nubla ou cega a


visão dos cônjuges.
b) A descoberta posterior (precoce ou tardia) de que cada um
tem (veio de) uma família diferente, de qualquer tipo, pre­
sente ou ausente, existente ou inexistente.


c) A chegada do(s) filho(s) provoca uma desorganização n o |
equilíbrio do casal e, paradoxalmente, uma organização da
nova família. i
d) O envelhecimento dos parceiros implica em um maior
comprometimento deles, o que seria natural acontecer, ma
muitas vezes não ocorre em função de um com prom eti-1
mento maior de um deles ou dos dois com as suas respecti- J
vas famílias de origem.
Esse comprometimento - que não se evidenciava ante-3
riormente - vai se tornando manifesto, na medida em que*!
os respectivos pais envelhecem ou um deles morre, enquan-ií
to os filhos vão crescendo e necessitando menos da sua pro-í j
teção, o que os leva a se reencontrarem agora em outro mo- í
mento.
Muitos acreditam que a família é eterna (Groisman, ]
2010) e, consequentemente, somos imortais; o que resu ltai
é que imaginamos que o tempo não caminha e se co n g ela|
num a determinada etapa do nosso desenvolvimento (prin­
cipalmente aquela que nos foi favorável).
e) O envelhecimento leva, principalm ente o hom em , que, \
em função do gênero, é um caçador de novas presas em ,
todos os sentidos, a procurar novos parceiros para m an­
ter a ideia de que o tem po não passou.
f ) A mulher, em função de um a tradição cultural, é a encarre­
gada de ser a organizadora e mantenedora da família.
Ela se reduz, muitas vezes, à posição submissa no rela­
cionamento com o homem porque não pode abandonar o
seu papel de fiel da balança que herdou da sua mãe que,
por sua vez, herdou da mãe dela, e assim por diante. Apesar
de que hoje muitas mulheres estão no mercado de trabalho
ocupando cargos importantes e, consequentemente, se co­
locando num a posição igualitária em relação ao homem,

116
ou, muitas vezes, o suplantando economicamente, ou ainda
sendo o cabeça do casal.

Vamos ilustrar essa questão da escolha inconsciente do parcei­


ro através do relato de uma situação limite na qual um filho torna-
-se o substituto do pai junto à mãe, comandando-a e também aos
avós maternos. A história dessa família está exposta também num
vídeo, ao qual dei o nome de O imperador (2011).
Acredito que essas situações-limite representam - com tintas
fortes - quadros familiares, nos mostrando o que é possível acon­
tecer, em m enor ou maior escala, a todas as famílias.

André, o personagem em questão, foi o primeiro neto homem


de Alzira e Francisco. Virgínia, sua mãe, filha caçula deles, casou-se
com Alberto, filho mais velho que pertencia a uma família econo­
micamente inferior à de Virgínia à qual o mesmo ajudava financei­
ramente desde que ingressara no Exército.
Virginia, apesar de ter concluído o curso de direito, foi traba­
lhar na empresa familiar fundada pelo avô materno, que se dedicava
ao ramo de supermercado.
Francisco, quando se casou com Alzira, foi convidado a ingres­
sar na empresa pelo sogro, que só tinha filhas mulheres; elas, na
época, não se interessavam pelo negócio. Ele achava melhor elas se
casarem e cuidarem da família - mesmo que tivessem um diploma
universitário.
André nasceu nesse ambiente familiar. Quando Virginia saiu da
maternidade foi direto para a casa dos pais, onde era para ficar um
mês a fim de se habituar ao bebê e a mãe passar-lhe os ensinamentos
necessários - ou, melhor dizendo, a mãe cuidar diretamente do neto.
A temporada na casa da mãe acabou se estendendo para três meses.
Alberto, enquanto Virginia estava na casa dos pais, passava
para jantar na casa deles depois do expediente no Exército, dava
uma olhada no filho e ia dormir em casa.

117
Quando Virgínia voltou para casa com o filho, iniciaram-se as
discussões com Alberto. Não só havia divergências quanto à educa­
ção de André como também Alberto não suportava as ingerência^
da avó em sua casa. Ela pagava a babá que havia contratado, lhé
dava instruções, falava com o pediatra e determinava a alimenta^
ção do neto. Por isso, era ela também quem comprava o leite et
pó (Virgínia amamentara apenas durante o primeiro mês, assif
mesmo complementando com mamadeira) e tudo o mais de que \
neto precisava: remédios, roupa, médico, instalação e decoração dé|
quarto etc.
Vocês poderiam ficar intrigados porque Alberto não se insurghíj
antes quanto a essa intromissão familiar. É que o que era relativa­
mente encoberto (todo o fim de semana almoçavam na casa dos so-1
gros e Virginia não tomava nenhuma decisão sem perguntar à mãe)j
tornou-se transparente com a chegada do neto, que era um objetol
de disputa entre o genro e a avó, já que Virginia, apesar de algumas!
discussões com a mãe, não conseguia interpor-se a ela para defender]
sua nova família e seu casamento.
As discussões chegaram ao auge, inclusive com agressões ver- j
bais por parte de Alberto, que argumentava que Virginia não o ou- ]
via. Numa dessas vezes, que culminou em agressão física dele con­
tra ela, Virginia pegou o filho, na época com 2 anos, e foi para a casa;
dos pais.
Todo o processo de separação foi encaminhado por Francisco, I
que contratou um advogado e tratou do acordo com Alberto. Virgi­
nia apenas compareceu à audiência para assinar o divórcio.
Enquanto o processo se desenrolava (dois anos), Virginia per­
maneceu com André na casa dos pais. Seu quarto de solteira nunca
havia sido desmontado, enquanto para André, quando nasceu, os
avós redecoraram um dos quartos que pertenceu a um dos seus fi- |
lhos, passando ele a ter um quarto exclusivo para quando Virginia 1
necessitasse viajar com Alberto ou precisasse deixá-lo com os avós.

118
Quanto a Alberto, acabou submergido na família de origem de
Virgínia não só pelo fato que é mais comum o homem licar mais
próximo à família da mulher, salvo exceções (quando a família de
origem desse homem é tão ou mais forte emocional ou economica­
mente do que a da mulher), como também pelo fato de que o pai de
Alberto havia falecido quando ele tinha dezesseis anos. Ele foi cata-
pultado rapidamente para ser o chefe da família, sendo que sua mãe
sobreviveu financeiramente, parte com a pensão que o pai deixou,
parte transformando-se em costureira - ofício que havia aprendido
com sua mãe - e, mais tarde, com a ajuda do próprio Alberto, como
já relatamos. Alberto tornou-se a grande esperança da família, en­
quanto que Regina, sua irmã, a companheira da mãe.
André, pelo fato de estar sempre com os avós matemos, tornou-
-se o queridinho deles, em detrimento dos outros netos. Somava-se
a isso o fato de Virgínia, após separada, ter ido morar próximo aos
pais; eles se tornaram sócios na criação do seu filho.
Alberto, por sua vez, como viajava bastante a serviço, pouco se
encontrava com o filho, o que se acentuou quando ele se recasou e
teve mais dois filhos. Ele até passou a solicitar mais a presença de
André que, agora maior, evitava ir para a casa do pai. Não tenho
nada a ver com a mulher e os filhos dele.
Além da reação ao pai, na entrada da adolescência (doze anos),
passou a destratar os professores, o que obrigava a mudanças fre­
quentes de colégio e a discutir constantemente com a mãe. Sentia-se
bem apenas com a avó, que fazia todas as suas vontades, ao contrá­
rio do avô, que procurava contestá-lo, mas que acabava cedendo
à força da avó. Eles tinham o clássico acordo implícito: a mulher
manda na casa e o homem no trabalho; a mulher comanda a família
e o homem se encarrega de ganhar o dinheiro para sustentar essa
família.
Por sua vez, Virgínia continuava na mesma toada: não fazia
nada sem consultar os pais, tanto em relação à sua vida pessoal (nlO
leve mais nenhum caso amoroso após a separação) quanto no que
dizia respeito a André.

Numa das sessões, Virgínia fez duas declarações que definiam


muito bem sua relação com os pais (saiu geograficamente da casa
familiar, mas não emocionalmente): meu maior prazer na vida é
cuidar dos meus pais; e, desde o meu ventre, na gravidez de André,
minha mãe foi minha parceira.
Assim, Virgínia confirmava que era mais filha do que mãe ou,
dito de outra maneira, tornou-se mãe biologicamente, mas não.
emocionalmente (o que significa assumir esse novo status, d e s li­
gando-se, separando-se dos seus pais, m antendo a relação afetiva,:
mas estabelecendo um limite entre ela e eles) do seu filho. Nesse
processo - que é transgeracional (passado) e atualizado (potência* ;
lizado) no presente - , não podemos esquecer de Alberto.
Na medida em que ele ficou mergulhado - adotou efo i adota-<
do pela família de Virgínia - , perm itiu que ela continuasse a con­
siderar sua família de origem como a principal (a de peso maior)
e não aquela que eles formaram com o nascimento de André, dei­
xando de ocorrer o movimento natural: a nuclear, a que foi cons­
tituída, tornar-se, paulatinamente, a principal, a de peso maior, e a
de origem ficando com peso m enor ou secundária.

As famílias de origem dos cônjuges necessitam ir para o pas­


sado - em função de que term inarão naturalmente antes das no­
vas famílias (formadas pelos filhos) - para abrirem espaço para a
constituição de novos núcleos familiares que denunciarão inexo­
ravelmente a passagem do tempo.

André, como representante da nova família, tentava congelar


o tempo na medida em que governava seus avós e sua mãe como
se fosse de um a geração superior e eles, seus filhos, de um a gera-

120
ção inferior, configurando um a inversão hierárquica - execrando
seu pai. Pai esse que também colaborou ao não conseguir, no pas­
sado, interferir na extrema ligação de Virgínia com os pais e, con­
sequentemente, de André com os avós e, no presente, ao manter
um relacionamento distante com o filho.

As discussões intermináveis entre Virgínia e André eram fre­


quentes. André questionava tudo o que a mãe lhe mandava fazer
- desde tomar banho até estudar, o que acabava chegando As vias
de fato entre os dois. A situação atingiu um ponto que os vizinhoN
chamaram a polícia numa dessas discussões, tal a gritaria e o ba­
rulho provocado pela bateção de portas e a quebradeira de pratoN
(estavam almoçando no momento do evento).
A polícia veio e os encaminhou ao Conselho Tutelar, que ouviu o
depoimento de Virgínia e de André em separado. Diante da pergun­
ta da conselheira a André, se gostaria de morar, por algum tempo,
com os avós, e a resposta dele concordando, ela, em comum acordo
com a mãe e os avós (que foram chamados para se pronunciarem),
passou a guarda temporária de André para os avós maternos.

Vocês perguntariam: onde estava Alberto? Não participou nem


foi informado, em nenhum momento, do ocorrido.

O que acontece hoje é um reflexo do passado. Ou seja, como


as relações familiares, que se estruturaram em outro momento
(Virginia e Alberto com as suas respectivas famílias de origem),
vão repercutir no presente.

André - ao desafiar a mãe e os professores - reflete a ausência


de hierarquia dos pais em relação a ele na medida em que é filho
dos avós maternos, tornando-se irm ão da mãe e, consequente­
mente, igual ou situando-se no mesmo plano que ela. Ao mesmo

121
tempo que é o queridinho da avó, desbanca o avô (nessa etapa do
ciclo de vida, quando muitos avós - de acordo com a sua história j
familiar - dedicam-se mais aos netos do que ao próprio casamen­
to) no triângulo avô, avó e neto.
Se André torna-se o marido da avó, ele assume um papel im ­
portante na organização familiar, o que nos leva a perguntar quem ;
ele representa para essa avó.

Quando cada um de nós escolhe um parceiro, ele representa


alguma figura do passado familiar que foi importante para nós
(pai, mãe, avô, avó, tio, tia, babá etc.).

No caso da avó materna, Alzira, seu pai - com a morte pre- |


matura da mãe - cuidou sozinho das três filhas com mão de ferro,
chegando inclusive a maltratá-las fisicamente, fazendo com que o
obedecessem cegamente. Quando Alzira elege André como subs­
tituto do seu pai tenta colocá-lo à sua maneira - fazendo-lhe todas >
as vontades - a fim de que ele retribua tudo o que ela fez por ele. j
Nesse momento, ela, sem perceber, o transforma naquele pai que ;
teve: apesar de toda a lealdade dispensada à avó, torna-se um tira­
no ao exigir constantemente sua atenção.
Mesmo dizendo para a mãe não tenho nenhum respeito por ,
você, apenas respeito a minha avó, ele obrigava, entre outros exem­
plos, a avó a acordá-lo de m anhã para ir ao colégio, todos os dias,
de dez em dez m inutos, até que ele se levantasse da cama; e a lhe
levar o prato de comida pronto onde estivesse, diante da televisão
ou do computador.
Não era um abusador físico como o pai da avó (seu bisavô,
que não conheceu), mas sim um abusador emocional ao subjugar
a avó e ela aceitar os seus desejos.
Quando Alzira casou com Francisco, fizeram o acordo clássi­
co implícito: ele, o provedor da família, enquanto ela cuidava da

122
educação dos filhos. Ao mesmo tempo, Francisco manteve par­
cialmente o comando dos filhos, principalmente dos homens, ao
organizar um a empresa que se tornou familiar, onde todos pas­
saram a trabalhar, inclusive Virgínia (mesmo que intermitente­
mente). Pelo fato de ser a caçula e a única filha mulher, cabia a ela
cuidar dos pais, principalmente da mãe, que era cardíaca e neces­
sitava de constante assistência médica.
Quando André nasceu, Alzira descortinou a possibilidade - já
que era sócia de Virgínia e mais poderosa do que ela - de modelá-
-lo à sua imagem e semelhança. Seus outros dois filhos eram ho­
mens, casados, tiveram filhos e ficaram mais próximos das famílias
das esposas. Alzira apenas não contava que o feitiço virasse contra o
feiticeiro, ou seja, que André se transformasse em seu pai, na medi­
da em que passou a viver a sua vida em função dele. Seu casamento
com Francisco havia se extinguido com o nascimento do último fi­
lho - o nascimento de André transformou-se na redenção do casal,
tornando-se para Alzira a única fonte de realização.

O casal - ao surgirem os filhos e se transformar em um a famí­


lia - não imagina o risco que passa a correr com essa modificação
em sua estrutura. Qual é esse risco? O de se diluir (misturar) com
a entidade família (é natural que os filhos solicitem e necessitem o
cuidado e a atenção dos pais) e perder sua identidade como casal.
Apesar de ter sido no casal que tudo começou, com o surgimento
da família ela pode passar a predominar sobre ele (devido às suas
exigências, valorização social) e, na maioria das vezes, o casal se
extingue e passa a existir apenas a família.
Como disse um a vez um marido ao ser perguntado num a ses­
são sobre qual a importância que ele atribuía ao casal: doutor, não
vejo diferença entre casal efamília; para mim, tudo é a mesma coisa.
Como sabemos que os filhos ocupam o casal em duplo senti­
do, objetivamente (suas necessidades) e subjetivamente (o casal os

123
utiliza para preencher seu espaço), o mesmo pode acontecer, pe
incrível que pareça, em relação aos netos. Em função de um m ak
ou menor distanciamento emocional dos pais com os seus pa
aqueles, numa manobra sutil, entregam seu(s) filho(s), neto(s) ac
avós como substitutos deles para ocuparem o espaço vazio deú
do junto aos pais, que também desejam e sofrem com a partida <
filho. Assim, esses netos passam a exercer junto aos avós o mesnúl
papel que em outro momento os filhos representaram, preencheu!
do um espaço do casal/avós.

No trabalho terapêutico com André e sua família, escolhemc


como foco sistêmico uma relativa separação entre Virginia e ser
pais para que ela pudesse exercer seu papel de mãe junto a André
desfazendo a sociedade com a mãe.
Havia, ainda, outro complicador nessa empreitada: Virginii
era uma paciente psiquiátrica, recebendo atendimento psiquiátric
e psicoterápico há sete anos. Tinha um diagnóstico de transtorne
bipolar (já havia sido internada por três vezes), tomava uma série
de medicamentos, associados à psicoterapia, que a colocava
como o único problema da família, realizando o que chamamoi
(Groisman, 2010) de um diagnóstico estático (voltado a um a patoáJ
logia individual) que excluía o dinâmico-relacional (o qual redefitf
niria sua sintomatologia em função de um a problemática familiar)á
Assim, na terapia familiar, sua depressão, que se iniciou após]
a separação de Alberto, foi redefinida como a perda da sua expec- j
tativa de que ele fosse o substituto dos seus pais ou que a salvasse \
deles. Ao não se realizar essa expectativa, retornou à posição o ri-:
ginal de tom ar conta deles fazendo parte de um projeto familiar.
Ela recebeu a missão de, verticalmente, cuidar dos pais a fim i
de suprir as carências que trouxeram de suas respectivas famílias ‘
e, horizontalmente, exercia essa função desobrigando seus irmãos i
da preocupação com eles. Ela, como mulher, tornava-se represen-

124
tante dos irmãos junto a eles; por conseguinte, não tendo um pro­
jeto individual.
Sua depressão nada mais era do que um vazio, ou seja, a au­
sência da constituição de uma individualidade: ela se dedicou
mais (ou completamente) à família do que a si mesma. Quando
falo que se dedicou não significa que foi um a opção ou decisão
dela, mas sim que não conseguiu por si - associadas as ingerên­
cias familiares, intervenções psicoterápicas e psiquiátricas - sair,
libertar-se, num a certa medida, da tram a familiar que descreve­
mos anteriormente.
Quanto a Virginia não tivemos êxito: esbarramos na cronici-
dade do sintoma, em sua imobilidade e não adesão a um a nova
mensagem terapêutica e na recusa dos irmãos, apoiada pelos
pais, de virem à terapia (para que pudessem funcionar como uma
possibilidade de libertá-la da família). A não-vinda deles evitaria
que viessem à tona conflitos familiares. Certamente, haveria uma
discussão entre eles: Virginia protegida e amparada pela mãe, e os
homens, associados ao pai. Cada um com as suas razões, sendo
que Virginia tinha um privilégio: era a cuidadora dos pais, princi­
palmente da mãe.
Nossa surpresa foi que, apesar da tentativa malograda de libe­
rar Virginia dos pais e de seus outros tratamentos que a estavam
cronificando, conseguimos que André, após o período determ ina­
do pelo Conselho Tutelar para que ficasse com os avós, se dispu­
sesse a voltar a m orar com a mãe. Para isso, foi decisiva - além de
outras intervenções destinadas a destronar André do posto de rei
dos avós e da mãe - a proposta feita a ele: que se dirigisse à mãe,
solicitando que exercesse seu papel de autoridade junto a ele.
Aos olhos de vocês pode parecer paradoxal pedir a um filho
que coloque a mãe em sua posição natural. É uma intervenção
estratégica que envolve esse filho, a mãe e, indiretamente, os avós,
na medida em que se pede ao paciente referido que abra mão do

125
H«u poder, conferindo a ele o poder de reconhecer a mãe com o
Niiiisuperiora. Se essa m anobra surte resultado também atinge os
«vós, principalmente a avó, que precisará abrir mão do neto em
prol da filha/mãe.
Vou reproduzir os momentos finais do tratamento. O prim ei­
ro é quando peço a André que se dirija à mãe - sentado em frente
a ela, com os avós assistindo no fundo da sala - expondo que pre­
cisava dela como mãe e cuidadora. *;

André - Mãe, não aguento mais chegar em casa e encontrar


você dopada. Se apoiando nas paredes, quase caindo quando abre a
porta para mim. i
Virginia - Preciso dos remédios, estou deprimida. Não posso
viver sem eles. |
André - Você pode sim. Pensa em mim. Quem precisa de você
sou eu. |
Virginia - Não consigo. Você não acha que fico chateada d©
você estar com os seus avós?

Neste momento, peço a André que, caso concorde, repita aí


seguinte frase para a mãe:

Moisés - Mãe, eu não acho você doente. O que você não con­
seguiu ainda foi ter uma vida independente dos meus avós. Precisa-
mos formar o nosso núcleo familiar: você e eu.
André - Mãe, eu não acho você doente. O que você não conse-;
guiu ainda foi ter uma vida independente dos meus avós. Precisa­
mos formar o nosso núcleo familiar: você e eu.
Virginia - Vou tentar (em voz baixa).

Em seguida, por sugestão da equipe, solicito aos avós que se


juntem à filha e ao neto no espaço terapêutico e que façam cada

126
um deles, uma avaliação do tratamento, dizendo uma frase relati­
va ao passado (quando iniciaram o tratamento) e outra relativa ao
presente (término do tratamento).

Alzira - Eu disse ao senhor, no início, que não gostava de tera­


pia, nem de psicólogos. Sempre resolvi a minha vida sozinha.
Moisés - E agora, uma frase para o presente.
Alzira - Continuo com a mesma opinião: acho que o tratamen­
to não mudou a família em nada.
Francisco - Como eu disse ao senhor, no início, tinha muita
esperança no tratamento.
Moisés - Uma frase, uma avaliação para o presente.
Francisco - Acho que o tratamento ajudou bastante. O André,
hoje, é outra pessoa.
Virginia - Não sei o que dizer Dr. Moisés.
Moisés - Tente dizer uma frase para o início da terapia.
Virgínia -Vai ser difícil mudar alguma coisa.
Moisés - E uma frase relacionada ao presente.
Virginia - Concordo com a minha mãe: não mudou nada.
Moisés - E, agora, vamos ouvir o André.
André - Quando começamos a terapia achava que era impossí­
vel morar com a minha mãe.
Moisés - E hoje?
André - É possível morar com a minha mãe.

São casos como esse que nos incentivam a prosseguir no traba­


lho com famílias. Apesar de difícil, complexo, sujeito às diferentes
matrizes familiares dos seus respectivos membros - ao contrário
da terapia individual que é um trabalho a dois (que também não é
simples, mas com menos variáveis intervenientes) - , nos dá uma
visão abrangente do contexto, abrindo a possibilidade da desco­
berta do que está provocando a sintomatologia naquele indivíduo.

127
O fato de realizarmos uma terapia familiar breve - que f o i.
como a terapia familiar sistêmica surgiu nos anos 50, em oposição.;
às terapias psicanalíticas prolongadas e sem prazo definido - tam - i
bém leva a família e o próprio paciente referido a se mobilizarem
para, junto com o terapeuta, encontrarem um a solução para a s !
suas questões. Se não chegarem a um a solução, seja a proposta
pelo terapeuta ou aquela que a família conseguiu realizar, fica em
suspenso, colocada, qual deveria ser a saída para eles.
Não é alimentada a dependência da família em relação ao te- S
rapeuta, esperando que um milagre aconteça e resolva a sintoma­
tologia de um dos seus membros e/ou a crise conjugal que está;;
oculta atrás dessa sintomatologia. Em função de haver um prazo
definido (objetivo do tratamento e o núm ero de sessões) caracte­
rizam-se as possibilidades terapêuticas.
Ninguém fica esperando o que vai acontecer num plano sub­
jetivo. Tudo é colocado objetivamente, até onde vai o terapeuta e .
até onde vão os recursos da família, incluindo aquele componente
que está comprometido pela sintomatologia.
Esses recursos familiares serão mobilizados - num a maior ou
m enor intensidade - pelo processo terapêutico, em conformidade
com o grau de separação emocional que cada um dos cônjuges
conseguiu atingir em relação às suas respectivas famílias de ori­
gem; e dos filhos em relação aos seus pais.

128
10
ARREPENDIMENTO
E PERDÃO
( w ) tema do perdão tem sido pouco desenvolvido na área da psi-
coterapia, apesar de estudos relevantes realizados principalmente
por W orthington (2005) e McCullough, Pargament e Thorensen
(2000). Acreditamos que isso se deve ao fato de o perdão estar
tradicional e historicamente ligado à área religiosa e a como cada
religião lida com o eixo arrependimento-perdão.
Em função de ele, também na teoria sistêmica, ter sido pou­
co estudado, exceto no quesito infidelidade conjugal, resolvemos
criar o que chamamos de terapia sistêmica do perdão.
McCullough, Pargament e Thorensen (2000) definem o per­
dão como uma mudança intraindividual, em prol da sociabili­
dade, em relação a um transgressor identificado que está situado
dentro de um contexto interpessoal específico. De m inha parte, eu
o defino como uma atitude ou ato individual de uma pessoa em
relação a outra que lhe infringiu uma lesão emocional ou física de
maior ou menor intensidade.
Todos nós estamos continuamente querendo ser perdoados
de algum ato verbal ou físico praticado ao outro, ou que ele inter­
pretou como abusivo; ou perdoar alguém de algum tipo de ato em
relação a nós.
A questão do perdão torna-se de suma importância em psico-
terapia em função de ocorrerem (no presente), ou terem ocorrido
(no passado), com repercussão no presente, infrações maiores ou
menores nos relacionamentos hum anos dentro e fora da família.
O perdão tem um caráter duplo: interpessoal (entre duas pes­
soas) e intrapessoal (consigo mesmo). O primeiro se refere ao pla­
no objetivo relacional, enquanto o segundo, ao plano subjetivo, ou
seja, como aquele que sofreu o abuso ou a agressão vai lidar com
a situação.

Ele pode ocorrer:

1. Unilateralmente

Se a vítima não deseja se reconciliar ou vir a manter um rela­


cionamento com o agressor.
Quais seriam os benefícios desse perdão unilateral para quem
sofreu a transgressão?
a) Evitar que o ressentimento o (a) paralise na posição de ví­
tima, cobrando eternamente um apagamento do ato prati­
cado.
b) Evitar que venha a estabelecer novos relacionamentos colo­
cando-se em situações de risco para ser abusado(a).
c) Evitar que o rancor se transform e em doença física ou
mental.

2. Bilateralmente

Quando existe o arrependimento do transgressor e a vítima


deseja manter ou retomar um relacionamento (convivência) com
ele(a).

132
Qual é a base teórica da terapia sistêmica do perdão?

Qualquer problemática emocional de um indivíduo - solteiro,


casado, em união estável, ou divorciado, morando ou não com a
família - está relacionada a um estímulo relacional do presente
que dispara uma situação traumática do passado, envolvendo uma
ausência de perdão daquele indivíduo de algum ato, atitude, ou
omissão de um ou de ambos os pais.

O terapeuta, ao lidar com atos abusivos e a possibilidade de


a vítima perdoar o transgressor, necessita conceituá-lo sob uma
ótica sistêmica.
Dessa maneira, consideramos que:
a) Todos os atos são individuais, mas comandados por histó­
rias e vozes familiares.
b) Qualquer ato não pode ser desvinculado do contexto fa­
miliar (atual e passado) e social (raça, cultura e gênero) do
agressor e do agredido.
c) O indivíduo que cometeu o ato é, como todos nós, atraves­
sado por uma cruz: verticalmente, da sua história geracional
familiar e, horizontalmente, pelos acontecimentos atuais re­
lacionais que estimulam (potencializam) sua carga passada.
d) O ato abusivo é imperdoável, deixando marcas e sendo gra­
vado na memória naquele que o sofreu, enquanto o indi­
víduo que o praticou pode ser entendido no seu contexto
(passado e presente) e, assim, ser perdoado.

O ato é condenável, enquanto o indivíduo - que também m e­


rece ser condenado pelo que fez - é passível de recuperação (de­
pendendo do ato, de sua repetição ou não, do grau de comprome­
timento emocional, da disposição genuína de arrependimento e
reparação e do seu grau de inserção familiar, conjugal e social).

133
Para aquele que sofreu a lesão perdoar seu agressor - interes­
sado numa reconciliação - é necessário que:

a) Compreenda que o agressor pertence a uma família, com a


sua história passada e presente. j
b) Admita, em determinados casos, num a segunda etapa do 5
tratamento, que colaborou para gerar o ocorrido.
c) O agressor esteja motivado a reconstruir seus laços com o
ofendido.
d) O agressor se arrependa (reconheça que errou) e esteja dis­
posto a corrigir, de alguma maneira, o que praticou.
e) A família, caso o agressor seja dependente economicamen­
te, ou esteja sob sua responsabilidade legal, reconheça sua
parcela de responsabilidade no ato que um dos seus mem
bros praticou.

Para realizar a abordagem sistêmica do perdão, são, de um a ;


maneira geral, necessárias duas etapas:

Etapa 1 - Arrependimento do agressor e perdão da vítim a

Nessa etapa, o terapeuta configura as duas posições e propõe,


caso os personagens envolvidos aceitem, rituais de arrependim en­
to, reparação e perdão.

Etapa 2 - Repartição da responsabilidade

Caso o tipo e a forma da lesão infringida ao outro permitam


(sem evitar as sanções legais), o terapeuta procura repartir - em
50% para cada um - a responsabilidade de ter propiciado (gerado)
o evento abusivo.

134
Os atos abusivos são de diferentes naturezas, de m enor ou
maior grau, verbais ou físicos.
No tratamento dos diferentes tipos de abusos, ou traição de
qualquer natureza, a terapia sistêmica do perdão torna-se de gran­
de utilidade, abrindo uma perspectiva nova para a recuperação de
relacionamentos, quando possível e havendo interesse mútuo.
Como: procurando extinguir unilateralmente a mágoa da vítima,
que pode vir a redundar em doença física ou mental; ou em casos
em que a patologia emocional já está instalada, proporcionando
um a alternativa terapêutica para a sua resolução.

1SB
11
O CASAL E A
INFIDELIDADE
C D casal acredita que a paixão inicial vai perdurar eternamente.
Os cônjuges acreditam que estarão imunes, vacinados pelo seu
amor contra qualquer acontecimento interno ou externo a eles.
Não vão envelhecer.
Não vão ter filhos (caso os tenham) que os incomodem.
Não vão perder os pais, ou outras pessoas da família, em al­
gum momento.
Não sofrerão estresses decorrentes de sua inserção social (pro­
fissão, desastres ambientais, crise econômica etc.).

Como o indivíduo, o casal - agora numa maior complexidade


(são dois indivíduos) - circula e sofre a influência de dois sistemas
que correspondem às suas respectivas famílias de origem. Esses
dois sistemas podem ser ampliados na medida em que o casal terá
um ou mais filhos, constituindo a sua família nuclear, um terceiro
sistema. Esses três sistemas vão estabelecer o que denominamos
de família extensa ou sistema amplo, onde todos estão em intera­
ção permanente, visível ou invisivelmente. O que acontece numa
parte do sistema repercute em maior ou menor intensidade em
outra parte.
C) casal vai - evoluindo e envelhecendo - caminhando para
a morte dentro desse contexto, geralmente não percebendo que
necessita reformular, repactuar, recontratar continuamente seu
relacionamento diante do crescimento e da consequente saída dos
filhos, além das intempéries familiares, profissionais e sociais.
Nesse contexto - aquele em que o casal imagina que o tem ­
po permanecerá congelado, mantendo-os da mesma maneira de
quando se conheceram - pode surgir uma série de insatisfações,
dentre elas: infidelidade (sem ou com filho(s)), diminuição ou au­
sência de desejo (interesse) sexual, impotência, frigidez etc.
Vamos abordar o tema da infidelidade que persiste como um
dos mais frequentes e inquietantes na relação conjugal.

Como brota a infidelidade? O que acontece com um casal que,


num determinado momento, se amava, eram apaixonados um
pelo outro, e no qual, em outro momento, um dos membros ne­
cessita procurar, encontrar um terceiro para resolver algum tipo
de insatisfação que existe na relação conjugal?
Primeiramente, é importante relembrar que o casamento não
representa exclusivamente uma situação atual, do presente. Esse
casamento tem uma história que começou, aparentemente, no en­
contro dos cônjuges, mas, principalmente, na história de cada um
em suas respectivas famílias de origem.
O casal acredita ou imagina que o tempo não passará e que
eles, os cônjuges, serão sempre os mesmos do primeiro encontro.
Não sofrerão a interferência do passar dos anos em cada um, da
presença e da evolução dos filhos (quando houver), do envelheci­
mento e perda em algum momento dos seus respectivos pais e de
eventos acidentais: perda precoce de um dos cônjuges ou de um
dos filhos, do pai ou da mãe, demissão de um deles, crise econô­
mica, falência, abalos ecológicos etc.
Como detestamos o envelhecimento, o que é compreensível, e
a consequente morte, em algum momento, pensamos que é possí-

140
vel encapsular o tempo numa bolha, onde estaremos e permane­
ceremos eternamente; o casal não vai percebendo as mudanças do
tempo - adaptando-se a elas de um a forma invisível - persistindo
na ideia de que o tempo é imutável.
Uma passagem do tempo marcante é quando nasce o primeiro
filho, provocando, queiram ou não, a mudança de cada um dos
membros do casal para a condição de pai e mãe e dos seus pais
para avô e avó.
Cada um dos cônjuges, então, pode procurar diversas soluções,
em função do instaurado desequilíbrio conjugal (dois tornaram-
-se três): desde a mulher se associar aos filhos, dedicando-se mais
a eles do que ao casamento, até o homem inclinar-se (dedicar-se)
cada vez mais ao trabalho e/ou procurar uma substituta para a m u­
lher, uma amante no lugar daquela com quem perdeu a intimidade
e o interesse sexual. Esse mesmo processo poderá acontecer, me­
nos frequentemente, de parte da mulher em relação ao homem.
A infidelidade, como já disse em Família é Deus (2012), é um
sintoma de uma crise conjugal latente na qual um dos membros
do casal toma a iniciativa de torná-la manifesta - geralmente, em
função do gênero e do seu passado familiar - através de um a ação
(traição). Essa ação procura descongelar o tempo: o casal não é
mais o mesmo dos primeiros tempos. Exterioriza que o tempo
passado daquele casal - que não se reorganizou através desse mes­
mo tempo - já se expirou.
Paralelamente, o casal procura manter o tempo de antes, o
status quo (equilíbrio) anterior, ao introduzir um terceiro na re­
lação, que vai fornecer (aquecer) o que estaria faltando à relação
dos dois.
Esse homem e essa m ulher também trazem um a herança gera-
cional (a experiência que viveram com as suas famílias) marcada
em seus corpos-mentes, que os levará a se comportarem de for­
mas variadas (diminuição ou ausência de relação sexual, infideli­
dade hetero ou homossexual, swing, perversão etc.).

141
A infidelidade tem, então, diferentes funções:

a) Procurar manter e, ao mesmo tempo, quando descoberta,


explodir a crise oculta daquela relação conjugal.
b) Preservar a família, quando existem filhos, mesmo que seja
à custa da relação conjugal.
c) Negar e, ao mesmo tempo, denunciar que o tempo daquele
casal necessita ser atualizado.
d) Manter um modelo relacional - aprendido em suas famílias
de origem e, agora, repetido na relação conjugal.
e) Propor - através da leitura de um terapeuta sistêmico - um
rebalanceamento do padrão relacional daquele casal.

É importante ressaltar que o ato da infidelidade é imperdoável


(ficou marcado na memória do traído) enquanto aquele(a) que o
praticou pode ser perdoado ou não, dependendo de se a vítima
deseja continuar ou não o relacionamento amoroso.
Recomendamos que - mesmo que a vítima não queira con­
tinuar o relacionamento - é importante que ela perdoe o trans­
gressor uni (na ausência dele) ou bilateralmente (na presença dele,
com o seu consequente arrependimento) para:

a) Compreender como colaborou, sem perceber, para aquele


evento.
b) Não permanecer numa posição de vítima, que a impeça de
futuros relacionamentos, ou mesmo, em outro relaciona­
mento, fique nessa posição ao fazer uma escolha incons­
ciente de um parceiro abusador.
c) Evitar que a mágoa, o rancor, o ressentim ento retido (pre­
so) em seu interior se transform e em doença m ental ou
somática.

142
Três outros dados técnicos a serem considerados na terapia de
casal pós-infidelidade, iniciado o processo terapêutico e o casal, ten­
do deliberado continuar seu relacionamento (se reconciliar), são:

a) A relação extraconjugal ter sido interrompida.


b) Os canais de comunicação (celular, internet, skype, face-
book etc.) existentes na relação extraconjugal terem sido
eliminados.
c) Seja avaliado pelo terapeuta, como recomendam Snyder e co-
lab. (2007), Baucom e colab. (2009) e Spring (2004), se o ar­
rependimento do traidor é genuíno ou não (arrependimento
fácil), o que pode resultar num perdão por parte da vítima
também fácil. Esta atitude pode favorecer, no futuro, novas
traições. O traidor pode pensar: se fui perdoado facilmente,
sem muito esforço, o que me impede de trair novamente?

O que estamos descrevendo ficou claro no caso de Miguel e


Cleonice.

Era o segundo casamento de Miguel e o primeiro de Cleonice.


No seu primeiro casamento, que durou sete anos, Miguel não teve
filhos e não conseguiu ter relações sexuais com a então esposa. Ela
sentia dor intensa quando ele tentava penetrá-la. O casamento só
terminou quando ele passou a ter uma amante que o denunciou
à sua mulher em função de ele não querer se separar e estabelecer
uma relação legal com ela.
Miguel, ao mesmo tempo que não se satisfazia sexualmente, não
conseguia se separar de Amália. O que o mantinha nessa situação?
Ele nasceu em uma família nordestina, que migrou para o Rio
de Janeiro quando tinha dez anos em busca de melhores oportuni­
dades. Era o caçula de cinco irmãs. Não é necessário dizer que não
só era protegido pelas irmãs como também foi praticamente criado

141
por elas, já que sua mãe, assim como o pai, trabalhava arduamente
para manter a casa. Não teve modelo masculino, enquanto as irmãs
se apoiavam mutuamente.
Não era de espantar que escolhesse uma parceira que o ajudasse
a se manter bei, leal à sua família de origem (às irmãs, suas prote­
toras). Como? Não concretizando seu casamento e não tendo blhos
para não formar uma nova família, evitando um corte com a família
original, o que o levaria a investir na nova família.

No casamento com Cleonice, qual seria então a razão da


amante? Necessidade fisiológica? Não, ele poderia resolver essa
questão se masturbando, como fez durante grande parte do p ri­
meiro casamento.

A entrada de um terceiro na relação de um casal não é apenas


uma necessidade de um deles, daquele ou daquela que realizou o
ato da infidelidade. É o resultado de um a crise conjugal, de um a
insatisfação na relação que está assolando os dois parceiros e não
de apenas um, o que foi o ativo.
Quando não está bom para um também não está para o outro.
Mesmo que um deles seja o ativo - em função de razões emo­
cionais (geralmente os ascendentes já haviam feito o mesmo) e
culturais (o homem, socialmente, é o caçador, e a mulher, a orga­
nizadora da casa e dos filhos) - , o outro está colaborando, mesmo
de uma forma passiva, ao não denunciar sua insatisfação conjugal.

Miguel, ao conhecer Cleonice numa produtora de vídeo onde


trabalhava, encantou-se principalmente com a sua família: mora­
vam todos num mesmo terreno (avós, pais e filhos). Cleonice exigiu
que ele se divorciasse - o que não havia feito ainda - para se casa­
rem legalmente. Queria entrar na igreja de véu e grinalda.
Construíram mais uma meia-água no terreno dos pais de Cle­
onice e tiveram um filho, que passou a ser cuidado pela avó ma-

14 4
terna. Continuaram a trabalhar no mesmo local onde se conhe­
ceram, com a diferença que Cleonice foi promovida de secretária
a assistente do Miguel, que era encarregado de realizar os vídeos
para a empresa.
Tudo caminhava bem até que Cleonice, desconfiando da bai­
xa frequência Sexual entre eles e sabendo da história anterior de
infidelidade de Miguel, resolveu entrar nos e-mails dele, onde des­
cobriu mensagens amorosas entre ele e uma das contratadas da pro­
dutora. Uma das principais atividades dessa última era produzir ví­
deos pornôs para serem distribuídos no mercado interno e externo.
Quando Miguel filmava, Cleonice não estava presente. Ela
ficava encarregada de organizar toda a filmagem, incluindo os
protagonistas e o que era necessário (cenografia) para realizá-la. No
momento da filmagem, apenas permaneciam no set o iluminador e
Miguel, que se encarregavam do que fosse preciso.
No caso do e-mail que Cleonice flagrou entre Miguel e uma das
atrizes, tratava-se de uma exceção. Essa atriz havia pedido a ele que
preparasse um vídeo-portfólio para que mandasse para a Alema­
nha, pois se candidataria a fazer uma carreira no exterior.
Acabaram por se envolver (nesse caso, Miguel dispensou a pre­
sença do iluminador, ele mesmo se encarregava de todos os detalhes)
e tornaram-se amantes. Miguel encontrava na sua amante, Rita de
Cássia (que se tornou Rita Chocolate), tudo que havia tido com Cle­
onice antes de se casarem e morarem no terreno dos pais dela. Aliás,
a meia-água deles era contígua (parede com parede) à casa dos pais
dela (exatamente, o quarto deles era colado ao dos pais dela).

Quando chegaram ao tratamento, Cleonice estava revoltada,


queria se separar, e inconformada com a atitude de Miguel. Este,
por sua vez, tentando contornar a situação, explicava que havia
sido uma fraqueza de sua parte - pretendendo reconstruir o casa­
mento e manter a família.

141
Quando atendemos casais nos quais ocorreu a infidelidade de
um deles, uma das primeiras dificuldades para o terapeuta é pro­
curar diminuir o clima de raiva que existe na sessão: do traído
em relação ao traidor. Se o terapeuta não conseguir realizar o seu
intento, a sessão se resumirá a acusações da vítima em relação ao
carrasco: ela procurará estabelecer um a aliança com o terapeuta
para massacrar aquele que a massacrou.
Enquanto no ato da infidelidade, ao trair, um dos parceiros
acusa o outro - de forma não verbal - de que está sendo insu­
ficiente para ele, após a traição ser descoberta ocorre o segundo
movimento: agora, é a vez do outro, o que foi traído, descarregar
a sua insatisfação no parceiro. Assim, nessa dança (num pas-des-
-deux), cada um dos membros da relação expressa de um a forma
desencontrada seu desagrado.
Vocês poderiam pensar ou perguntar: por que eles não exter­
naram esse desagrado diretamente um ao outro? O u por que não
recorreram a um terapeuta para renovarem sua relação? O u ainda,
por que não se separaram de comum acordo?
Seria mais simples ou menos dispendioso, emocional e finan­
ceiramente, se recorressem a um terapeuta para renovarem sua
relação, ou, ainda, se separarem de comum acordo.
O que nos impossibilita de chegarmos a um a solução menos
problemática é devido à nossa herança familiar. Esta não está
relacionada ao genético nem ao hereditário, mas, sim, à transmissão
geracional (Bowen, 1978), o que não deixa de ter uma semelhança
com o hereditário, mas de uma forma diferente: o casal recebe a
influência dos seus pais que, por sua vez, a receberam dos seus pais,
e assim sucessivamente, o que resulta num entrelaçamento que vai
produzir em uma das gerações o resultado dessa trama.
A manifestação transgeracional vai depender também da esco­
lha dos parceiros em cada uma das gerações subsequentes. Ao lado
disso, cada um dos cônjuges é influenciado pela missão que recebeu

146
em sua família de origem, pela cultura e pelo meio circundante (mi­
gração, efeitos ecológicos e financeiros, perdas precoces etc.).

Durante a terapia, após contínuas reclamações de Cleonice em


relação à traição de Miguel, explicitei que havia apenas três cami­
nhos: renovarem o casamento (a relação conjugal em um novo
contrato), se separarem, ou permanecerem eternamente na situ­
ação em que estavam (Cleonice como carrasco acusando Miguel
de tê-la traído e ele, acossado, agora como a vítima da situação).

Quando casamos ou nos unimos m una relação estável é esta­


belecido entre os parceiros um contrato implícito ou explícito (os
deveres e os direitos de cada um, em todas as áreas). Geralmen­
te, esse contrato, infelizmente, é mais implícito do que explícito.
Quanto mais ele é implícito, maior a possibilidade de que seja pro­
fanado ou violentado.
Na cultura brasileira, ainda não é bem visto o estabelecimen­
to entre os parceiros de um acordo pré-nupcial ou pré-marital
(união estável) que englobe as diferentes questões (econômica,
sexual, filhos, pais, amigos, religião etc.) que dizem respeito a um
casal ou a uma união.
O conceito de contrato conjugal foi introduzido na literatura
sistêmica por Sager (1980), quando ele descreve os diferentes ti­
pos de contrato, suas particularidades e as expectativas que cada
cônjuge traz em relação ao outro.
Numa terapia de casal, o terapeuta funcionaria como um m e­
diador revelando cada um dos contratos implícitos para levar o
casal a um contrato de interação explícito.

Cleonice e Miguel resolveram, após inúmeras peripécias e in­


decisões, principalmente dela, optar pela renovação do casamen­
to, com o estabelecimento de um contrato único de interação.

147
Quando numa terapia de casal o mote é a infidelidade de um
deles, estabelecemos quatro etapas:

a) Na primeira, o traído faz uma lista de todas as perguntas


referentes ao evento que gostaria de fazer ao traidor (já que
foi excluído de uma relação secreta), e esse último se com­
promete a responder honestamente a elas. Com esse acor­
do, combinamos, principalmente com o traído, que ele se
compromete a não voltar ao assunto da traição ou se referir
a ela em outros momentos da relação.
b) Na segunda, o traidor escreve uma carta se arrependendo
do ato que praticou, pedindo perdão ao parceiro em fun­
ção de tê-lo humilhado e violado a ética de um contrato
conjugal, acompanhada de um ato de reparação (objetivo).
O traído, por sua vez - também através de uma carta -,
tecendo considerações sobre o que aconteceu e lhe cau so u ,;
concede o perdão.
c) Na terceira, o terapeuta passa a trabalhar a crise conjugal, ou
seja, os 50% de responsabilidade de cada um, pois colabora- i
ram - ao não verbalizarem questões do seu relacionamento '
- para o surgimento da infidelidade de um deles em relação
ao outro. Essa etapa tem a finalidade de procurar as razões
de um a crise submersa latente que propiciou o surgimento
do evento infidelidade (crise manifesta), corrigir o posicio­
namento dos dois na relação e, dessa maneira, prevenir a
reincidência da crise e possíveis outras infidelidades.
d) Na quarta, o terapeuta propõe que haverá necessidade de es­
tabelecerem um novo contrato conjugal (caso exista um an­
terior); ou de explicitar o que era implícito a cada um para,
agora, funcionar como um verdadeiro contrato interacional
e não individual, no qual os dois se complementavam, invisi­
velmente, em papéis rígidos.

148
Poderíamos resumir essas etapas nos seguintes passos ou ro­
teiro, que teria a finalidade de resolução do evento infidelidade
conjugal e a continuação do casamento ou união (hetero ou ho­
mossexual):

a) Reconhecimento, por parte do transgressor, de que infrin­


giu um código de ética, implícito ou explícito, da relação
conjugal.
b) Aceitação, por parte do transgredido, dessa explicação e in­
teresse dele em retomar o relacionamento em outras bases.
c) Arrependimento, por parte do transgressor, do ato praticado.
d) O transgredido elabora, secretamente, um a lista de pergun­
tas referentes à traição a serem feitas ao transgressor (com­
prometendo-se a não voltar mais a esse assunto), e esse úl­
timo concorda em responder honestamente a elas.
e) O transgressor escreve uma carta de arrependimento - do
ato praticado - a ser lida por ele, pedindo perdão ao par­
ceiro.
f) O transgredido lhe concede o perdão, também através de
um a carta.
g) Caracterização da responsabilidade compartilhada, 50%
para cada um, na crise conjugal que gerou o ato infiel.
h) Estabelecimento de um novo contrato conjugal explícito.

Após a realização da prim eira etapa, Miguel e Cleonice passa­


ram para a segunda etapa que, como falamos anteriormente, con­
sistia na feitura e leitura de uma carta por Miguel, arrependendo-
-se do que havia praticado, além do oferecimento de um objeto
que reparasse o seu ato.
Ele leu a carta, expressando seu amor por ela e seu arrependi­
mento por havê-la traído. Em seguida, presenteou-a com um bu­
quê de flores idêntico ao que ela usou no dia do casamento acom-

14t
panhado de um a garrafa de champagne, também idêntica àquela
com que brindaram a união após partirem o bolo nupcial.
Quando Cleonice, na sua vez, leu a sua carta do perdão, ex­
pressou que o estava fazendo mais por ela que pelo casamento.
Quando descobri a infidelidade, adoeci: fiquei fraca, perdi peso
e tossia sem parar; o que depois foi diagnosticado como tuberculose
pulmonar. Eu não gostaria de adoecer outra vez.
Tinha dúvidas quanto ao futuro, já que não havia absorvido
inteiramente o que acontecera, apesar de ter recuperado a con­
fiança em Miguel. Considerava-o bastante influenciado pelas ir­
mãs, que ainda prestigiavam sua ex-esposa, convidando-a para os
eventos familiares, os quais eles tam bém frequentavam. Aponta­
mos que não só ele, mas também ela não conseguia se interpor às
irmãs dele para evitar essa ocorrência.
Como exemplo dessa ausência de limites, houve o seguinte
fato: Cleonice, que possuía uma excelente letra, foi solicitada p or j
uma das irmãs de Miguel para ser a calígrafa dos convites de ca-
sarnento de uma de suas filhas, o que ela aceitou de bom grado.
Uma das convidadas, lógico, foi a ex-mulher de seu marido. Com ,
o agravante de um a das irmãs do Miguel comentar: você nem ima­
gina para quem será esse convite.
Cleonice retrucou com sarcasmo, sabendo que isso lhe estava
fazendo mal: terei o maior prazer em escrever o destinatário desse
convite. Não só escreveu como teve o desprazer de estar presente
à festa, durante a qual se sentou com Miguel à mesa da família,
onde também estava a ex-mulher dele. Ela foi colega de faculdade
e grande amiga de um a das irmãs, que a apresentou a Miguel.
Diante desse quadro, passamos à terceira etapa, talvez tão ou
mais difícil quanto as anteriores, pois implicaria em repartir 50%
para cada um dos cônjuges a responsabilidade da crise conjugal
que havia gerado a infidelidade. Ela é mais difícil porque aquele
que não realizou o ato da infidelidade considera-se um a vítima e,

150
consequentemente, objetivamente, não teria nenhum comprome­
timento com o que foi praticado.
O terapeuta então precisa ser firme para demonstrar que ne­
nhum ato é exclusivamente individual: é relacional (no sentido
atual) e vinculado ao passado, decorrente das respectivas histórias
familiares de cada um dos envolvidos.
Quanto a Miguel, ele trazia um a dependência emocional não
resolvida com a sua família de origem. Como o único homem dos
irmãos e caçula, as irmãs foram as substitutas de sua mãe. A mãe,
como uma típica m ulher do Nordeste, delegou às filhas o cuidado
do mais novo, já que se dedicava a ajudar o marido na lavoura,
primeiramente, e, mais tarde, quando vieram para o Rio, traba­
lhava como doméstica.
Assim, no casamento, tinha a expectativa de que Cleonice cui­
daria dele como as irmãs. Aliás, como a prim eira mulher que, ao
não consumar o ato sexual, transformou-se em sua mãe (pura e
imaculada), e ele, em seu filho. Na medida em que Cleonice não
o fez - seja porque era dependente de sua mãe e, principalmente,
após o nascimento do prim eiro filho foi procurar outra mulher
que se dedicasse a ele sem nenhum a interferência: um a amante.

Naquele momento em que os amantes se encontram, não


existe mais nada, nem ninguém entre eles. Estabelece-se um es­
paço ilusório, mágico, onde nada penetra do m undo externo: as
intercorrências do cotidiano e os acontecimentos familiares (dos
filhos, se existirem, do cônjuge, dos seus irmãos e pais).
Nesse espaço, os amantes creem que alcançaram o paraíso, o
Nirvana, onde estarão a salvo de tudo e de todos. Ao mesmo tem ­
po, o traído - aquele que está fora desse paraíso - se empenha em
m anter o casamento e a família. Ele também emite uma mensa­
gem: o paraíso está na família. Cada um está procurando o paraíso
à sua maneira. N enhum deles o encontrará.

111
Kxistirá sim, em determinados momentos, graças a um a bus­
ca incessante do casal, um estado de felicidade que pertence a
eles e que, novamente, rapidamente, perderão ao voltarem ao seu
cotidiano: dos filhos, das famílias e da sociedade em geral.

Quanto a Cleonice, que viveu sob o império de um pai auto­


ritário e de um a mãe submissa, repete o padrão da mãe ao ser se­
cretária de Miguel, tornando-se sua dependente econômica. Des­
sa maneira, ela se coloca num a posição inferior, passando um a
mensagem de que aceitaria ou se submeteria a tudo que ele fizesse.
Explicamos essa situação para Cleonice que acabou concor­
dando, após m uita relutância, o que a levou a sair da firma onde
trabalhava com Miguel a fim de term inar seus estudos como jor­
nalista e procurar trabalho em sua profissão.
A terapia se encerra com a recomendação, por parte do terapeu­
ta, de que o casal procure evitar riscos que possam comprometer
sua relação ou desembocar outra vez numa infidelidade conjugal.

Quais são esses riscos:

a) O surgimento deflashbacks (recordações anteriores da trai­


ção) na mente do traído (o que é comum).
Nesse caso, é necessário que ele os elimine ou controle
(lembrando o acordo feito na presença do terapeuta) ou,
em último caso, que o parceiro (o traidor) alerte-o sobre
isso, interrom pendo, outra vez, o ciclo de perguntas e res­
postas sobre o acontecido.
b) Diminuição da frequência (comparada à costumeira) ou
descontinuidade na relação sexual.
Torna-se necessário que o casal discuta e avalie o que está
ocorrendo em sua relação (quais são as interferências fami­
liares, profissionais ou sociais que a estão comprometendo).

152
c) Frequentar os mesmo locais em que esteve com o(a) am an­
te, com o cônjuge ou parceiro.
d) O casal não conseguir realizar um a parceria, uma cumpli­
cidade, que signifique um peso (força) maior entre eles que
com as famílias de origem.
e) As famílias de origem tornarem -se inclusivas ao invés de
exclusivas.
O que significa essa afirmação? Elas não pertencem a cada
um dos parceiros, apesar de eles se originarem delas, mas ao
contrário, o casal deve passar a encará-las em conjunto, e não
individualmente (essa é a m inha família e aquela é a sua).
Os dois, unidos, olham, avaliam e criticam (se for neces­
sário) a família de origem de cada um dos parceiros.
f) Ausência de comunicação entre os parceiros, de m odo que
favoreça a entrada de um terceiro na relação entre eles.
g) Existir dependência econômica de um parceiro em relação
ao outro.
Não é necessário que os dois ganhem a mesma quantia, mas
que tenham condições de sobreviver sem a presença do outro.
h) O casal achar que o casamento ou a união estão consolidados.
Eles devem ser renovados constantemente e evoluirão
através de crises naturais de desenvolvimento.
i) Esquecer que cada um veio de uma família diferente e traz,
consequentemente, consigo uma bagagem específica, que vai
conferir uma tonalidade característica à relação. A cor resul­
tante não será nem de um nem do outro, mas intermediária.
j) Conceder maior importância aos filhos e à família do que
ao casal.
k) Estabelecer uma aliança maior com o filho do que com o
parceiro.
A presença dos filhos é importante para a renovação fami­
liar e a continuação geracional, mas também pode provocar

III
divisões no casal, na medida em que cada um dos parcei­
ros tem a sua preferência em relação aos filhos. Formam-se
alianças dos pais com os filhos que podem comprometer a
relação conjugal.
Os filhos estão com os pais de um a forma transitória.
Um dia, constituirão sua própria família ou se tornarão in­
dependentes economicamente saindo da casa dos pais. O
casal voltará a se encontrar sozinho como anteriormente,
agora em outro momento, diferente daquele que precedeu
o nascimento dos filhos.
1) Haver confiança cega na relação entre os parceiros.
Há necessidade de que cada um dos membros do casal
exerça certa vigilância para dem onstrar que está se im por­
tando com o que o outro está fazendo. Senão, pode passar a
impressão de que a relação está consolidada (não havendo
mais riscos), ou de que se está se im portando mais com o
seu trabalho, amigos, filhos que com o próprio casamento.

Quando ocorre a infidelidade, há um a quebra de confiança


de um em relação ao outro, sendo necessário que essa confian­
ça seja recuperada, paulatinamente, à custa de um grande esforço
por parte dos cônjuges: tanto do traidor (demonstrando através
de atos que é confiável e suportando a desconfiança do parceiro)
quanto da vítima (expressando sua desconfiança até um ponto to­
lerável e voltando a acreditar no parceiro).
A infidelidade é um evento traumático na vida de qualquer
casal. Mas não deve ser encarada apenas pelo ângulo negativo. Ela
pode representar um a reviravolta para o casal se - através de um
processo terapêutico - ele conseguir investigar e reformular o pa­
drão relacional que possibilitou a infidelidade de um ou dos dois
parceiros. Como disse um a vez um m arido infiel: fo i um mal que
veio para o bem.

15 4
12
O CASAL E AS
FAMÍLIAS DE ORIGEM
t \ l ão é demais repetir: quando um hom em e um a mulher, um
homem e um homem, um a m ulher e um a m ulher se unem de al­
guma maneira - através de um a via legal (casamento ou relaciona­
mento estável), ou sem nenhum documento, m orando juntos ou
em casas separadas eles estão e não estão iniciando uma nova
vida. Estão, porque o convívio a dois é um a nova experiência para
eles, e não estão porque cada um deles viveu e teve um a experiên­
cia anterior, fundamental, com a sua respectiva família de origem,
que o marcou inexoravelmente para o resto da sua vida.
Essa afirmativa é importante a fim de evitar que os parceiros -
as suas famílias, os celebrantes das diferentes cerimônias, a socie­
dade - imaginem que estão começando um a vida a partir do zero.

Não sonhem que a paixão, o amor que u m está nutrindo pelo


outro é capaz de apagar o que viveram anteriormente.
Não sonhem que as carências que cada um trouxe de suas res­
pectivas famílias serão supridas na nova relação.
Não sonhem que a satisfação que, porventura, tiveram com as
suas respectivas famílias será repetida em sua nova união.
Não sonhem que as marcas que foram e estão impressas em
sua matriz familiar, no passado, foram apagadas pela paixão e não
se manifestarão no presente ou, no futuro, em alguma etapa de
sua relação.
Não sonhem que o que os uniu em um dado momento não
pode desuni-los em outro momento.
Não sonhem que não irão se perturbar com o envelhecimento
de cada um deles, a interferência dos filhos e com as perdas em
suas respectivas famílias.

Enfim, o novo casal não está num a ilha deserta, no paraíso,


imune às influências familiares e à cultura na qual viveu anterior­
mente ao casamento - e na qual continuará a conviver de alguma
maneira (subjetiva ou objetivamente). Até mesmo saindo do país
no qual nasceram, cada um carregará consigo as suas crenças, va­
lores, princípios (a cultura na qual foi criado) e as experiências I
que viveu com a sua família.
Não podemos ignorar que apesar do desenvolvimento natural
do ciclo de vida familiar no qual os pais envelhecerão paulatina­
mente até alcançarem a morte, os filhos crescerão para se torna­
rem independentes para virem, em algum momento, a constituir
ou não suas próprias famílias - ocorre um a série de acontecimen­
tos nesse percurso.
Esses eventos serão de natureza objetiva (acidentes, perdas ;
precoces, demissão do emprego, falência, cataclismas ambientais,
divórcio etc.) e/ou subjetiva. O que chamo de subjetivo não chega
a ser propriamente um evento, mas sim a forma na qual a família
se organizou. Ou seja, aglutinada ou fusionada (todos estão de
alguma maneira misturados, vivem um em função do outro) e de­
sagregada ou desligada (cada um por si). Nesse espectro, da aglu­
tinação à desagregação (nos extremos), existem diferentes graus
que penderão mais para um lado ou para outro.

158
Essa organização familiar é resultado de várias gerações que
irão transmitindo o que receberam dos seus pais, isto é, a forma
como se constituíram no passado, através dos filhos (que se torna­
rão pais), e assim por diante.
Essa transmissão não é matemática, assim como as famílias
não o são, e irá sofrer a influência das escolhas dos parceiros em
cada geração, de fatores econômicos, eventos acidentais (não pre­
vistos no desenvolvimento natural), migração etc.
Também não podemos esquecer que outros dois fatores são
importantes: o gênero (homem, mulher) e a posição do filho na
família (primogênito, filho do meio, caçula etc.).
O que somos hoje é o resultado de sucessivas gerações: não é
incomum acontecer que um neto(a) seja a personificação de um(a)
avô(ó), bisavô(ó), mesmo que não os tenha conhecido. Eles se­
rão transmitidos, emocionalmente, pelos pais aos filhos por meio
do seu contato, de sua relação (boa ou ruim), das expectativas, do
nome que lhes atribuíram (enfim, sua missão familiar), para que
possam realizar (positiva ou negativamente) o que não conseguiram
em suas respectivas famílias na relação com seus pais, avós e irmãos.
Somos hoje o que fomos ontem, com modificações na nossa
estrutura externa, ou, como digo, em nossa camuflagem, em nossa
pele, que é apresentada ao exterior, mas em nossa estrutura inter­
na continuamos os mesmos.

Para ilustrar o que estou dizendo vou descrever para vocês um


caso clínico que atendemos na Núcleo-Pesquisas, o qual transfor­
mei num vídeo intitulado A vassoura (2009).

Selma e Roberto se conheceram adolescentes, em torno dos quin­


ze anos, quando suas famílias eram vizinhas em uma cidade do interior
do estado do Rio de Janeiro. Namoraram durante dois anos (aquele
namoro antigo, de mãos dadas, no máximo um beijo de boca fechada.

11#
sem enfiar a língua, tendo que namorar no portão ou na sala da casa de
Selma até as dez horas da noite), quando um dia se separaram porque
os pais de Selma mudaram-se para a capital. Tiveram outros casos pas­
sageiros, mas nunca esqueceram um do outro.
Quando Roberto concluiu o curso técnico em eletricidade e fez
concurso - sendo aprovado para uma empresa estatal -, foi deslo­
cado para uma área no Norte do país (longe de onde morava com os
pais) e sua primeira providência foi procurar Selma. Sabia onde ela
estava porque seus pais, como eram amigos dos pais dela, falavam
continuamente com estes. Noivaram e se casaram com a benção das
respectivas famílias.
Foram morar em Manaus. No princípio, tudo foram flores, mas
logo começaram a surgir os espinhos. Selma falava (telefonava) duas
vezes por dia com a sua mãe. Apesar de estarmos na época da inter­
net e do Skype, as duas não se acomodavam às novas tecnologias.
Roberto ficava enlouquecido com as contas telefônicas, enquanto
Selma retrucava que precisava saber dos pais, de sua família.
As brigas tornaram-se frequentes, comprometendo o casamen­
to, até que Roberto resolveu pedir sua transferência em função de
Selma ter adoecido. Ela padecia de pneumonias frequentes e os
médicos recomendaram outro clima para ela, numa cidade menos
quente, onde ela não sofreria com as variações de temperatura.
Apesar de não ter cumprido o prazo regulamentar de perma­
nência exigido, Roberto conseguiu a transferência para Macaé, onde
a empresa possuía uma filial e moravam seus pais, cidade que distava
cerca de três horas da moradia dos pais de Selma. Esta, após a mu­
dança, não teve mais gripes que se transformavam em pneumonias,
apesar de que, agora, reclamava que precisava dar atenção aos seus
pais. Eles tinham se aposentado, estavam mais velhos e solicitavam
seu apoio (seu irmão, mesmo morando na mesma cidade que os
pais, não os procurava porque, puxado pela esposa, era mais dedi­
cado à família dela do que à dele).

160
Roberto, numa atitude magnânima, propôs aos pais de Selma
que viessem morar com eles em Macaé. Chegou, inclusive, a cons­
truir um anexo à sua casa, onde os pais da Selma morariam. Eles
não aceitaram vir, mas passavam temporadas no anexo, quando Sel­
ma conseguia reduzir suas saudades deles e vice-versa.
Ê importante assinalar que essa ligação, principalmente a de
Selma com os pais, teve origem na infância. Tiveram uma origem
humilde, moravam todos num mesmo cômodo, separados apenas
por uma cortina de tecido.
Os pais de Roberto, mesmo vivendo na mesma cidade, reivin­
dicavam sua presença, principalmente a mãe, que criou pratica­
mente sozinha ele e o irmão mais velho, enquanto o pai trabalhava
em dois empregos para sustentar a família. Um desses empregos
era na rede ferroviária para a qual ele ficava de prontidão vinte e
quatro horas para resolver algum problema que ocorresse no tre­
cho que lhe cabia.
Ao voltar à terra - após permanecer embarcado (trabalhava em
plataforma de petróleo, em turno de quinze em quinze dias) -, antes
de chegar a casa, Roberto tinha a obrigação de passar pela casa da
mãe para pedir sua benção e mostrar que estava bem.
Quando nasceu o primeiro filho, após voltarem de Manaus, Sel­
ma se rebelou pelo fato de ele ver a mãe antes dela. Então, Roberto
passou a ir - quando desembarcava - direto para sua casa. Mas a
primeira coisa que fazia quando chegava, mesmo antes de beijá-la e
conversar sobre os acontecimentos da quinzena, era telefonar para a
mãe informando que estava tudo bem e perguntando como ela e o
pai tinham passado aqueles quinze dias.
Quando não o fazia, a mãe ficava preocupada se havia aconte­
cido alguma coisa. Ao mesmo tempo, quando estava em terra, pre­
cisava ir diariamente à casa dos pais (que ficava próxima à deles),
mesmo que permanecesse ali por pouco tempo. O importante era a
sua presença ou saber que ele continuava a pertencer àquela família*

111
ou ainda, que aquela família, de onde veio, era e seria sempre mais
importante do que aquela que constituiu.
Nesse cenário, Roberto e Selma, Selma e Roberto, tiveram seus
três filhos, que cresceram e se desenvolveram, até que Marcelo, o
mais velho, começou nos seus dezenove anos a criar problemas para
os pais. Ao mesmo tempo, com o crescimento dos filhos, Selma, que
havia se formado como professora e exercido a profissão até a vinda
do primeiro filho, voltou à faculdade para fazer um curso de pós-
-graduação em Psicopedagogia.
Marcelo, apesar de ter passado no vestibular de Engenharia,
não conseguia acompanhar os estudos. Não se interessava pelas ma­
térias, mas, sim, pela namorada, com quem vivia o dia inteiro, seja
na sua casa ou na dela.

Um namoro moderno, que não é mais moderno: é o usual nos


dias de hoje. A modernidade trouxe vantagens e desvantagens em
relação à liberação sexual: o sexo, aparentemente, não representa
uma barreira entre os jovens e entre eles e os pais. Paralelamente,
promoveu (pelo menos como um dos fatores) uma nivelação dos
filhos com os pais (somos todos iguais) e, muitas vezes, um a com­
pleta inversão da hierarquia, na qual os filhos comandam a casa.
Além disso, serviu para banalizar o sexo e o próprio casamento na
medida em que os jovens vivem, na casa dos pais, uma vida como
se fosse de casados, sem as responsabilidades que ela representa,
principalmente as financeiras, o cuidar da organização doméstica
e da relação com as respectivas famílias de origem; o que se acres­
ce da possibilidade de haver uma gravidez inesperada.

Mas Selma e Roberto não vieram à terapia por causa do filho,


ou em virtude de uma crise conjugal e, sim, em função de Rober­
to. Ele, nos últimos quatro anos, apresentava um quadro depres­
sivo-ansioso que o levara a se consultar com vários psiquiatras,

162
tom ado diferentes medicações, sem apresentar resultados satisfa­
tórios, chegando inclusive a se ausentar do trabalho em diferentes
períodos.
Em função de sua não-melhoria resolveu procurar a assistente
social de sua empresa, que o encaminhou para a Núcleo-Pesqui­
sas. Ao telefone, quando fez o contato - respondendo às minhas
perguntas sucintamente sobre sua sintomatologia - , pedi-lhe que
viesse à prim eira entrevista com a sua esposa.

De onde surgiu esse pedido? Da m inha crença, corroborada


por Bowen (1978), de que toda sintomatologia expressa num dos
membros do casal reflete uma crise conjugal.
Como entender ou aceitar (se possível) essa afirmação?
Se, como temos dito, todo indivíduo precisa ser apreciado no
seu contexto e, consequentemente, na relação que estabelece - de
acordo com a sua função nesse contexto - com o seu par ou pares,
ele será influenciado e responderá, de alguma maneira, aos estí­
mulos que recebe. No casal, cada um dos membros está continu­
amente potencializando o outro, para mais ou para menos, num
processo de retroalimentação permanente.
Essa potencialização tem a ver com a escolha do parceiro (An­
gelo, 1995), que vai se encaixar em algum tipo de necessidade ou
carência que trazemos da nossa família de origem. Aliás, nessa es­
colha, o que pode ser bom em uma determinada etapa do ciclo da
vida, por exemplo, no início do casamento, pode se tom ar ruim ou
contraproducente em outra etapa, como na adolescência dos filhos,
quando eles começam seu voo solo para deixarem a família original.
No início, os cônjuges eram jovens e sem filhos - viviam uma
ilusão (não temos famílias) - e, quando surge(m) o(s) filho(s), as
famílias de origem de cada um deles retornam objetivamente pela
presença ou subjetivamente (o que cada um recebeu e aprendeu
com a sua respectiva família).

t«I
Se o casal consegue estabelecer e m anter um a parceria mais
forte do que aquela que fizeram com as suas respectivas famílias ou
com os filhos, existe uma grande possibilidade de que conseguirão
atravessar a etapa do seu envelhecimento e a saída dos filhos de
casa. Caso contrário, podem caminhar para um a separação ob­
jetiva (divórcio), ou passarem a viver num regime de separação
branca (vidas paralelas), mesmo morando na mesma casa.
Esse acordo tem a finalidade de m anter a família em nome
dos filhos, de suas próprias famílias e da sociedade. Até mesmo
quando existe(m) filho(s) fora do casamento, ou um a segunda fa­
mília constituída, à qual o parceiro, geralmente o homem, presta
toda a assistência financeira e pessoal, dividindo-se entre as duas
famílias.
Como a mulher se posiciona nessa situação? De alguma m a­
neira ela sabe que o seu casamento não está satisfatório.
O que a faz suportar aquela relação se deve a alguns fatores:
a) Em nome da família;
b) Para não trair uma história familiar (em nossa família
nunca houve uma separação);
c) Cultural (a mulher é a responsável por ser a organizadora,
o centro da família);
d) Dependência econômica e emocional (insegurança de se
lançar numa vida profissional e individual).

Ela acaba se colocando como vítima daquela situação, m an­


tendo-se fiel ao casamento, podendo essa atitude resultar numa
manifestação física (mais ou menos séria) ou emocional, por onde
escoará sua insatisfação; enquanto o homem, menos comumen-
te, também pode apresentar uma patologia física ou emocional,
ou mais comumente dedicar-se exaustivamente ao trabalho e/ou
procurar uma compensação num relacionamento extraconjugal.

164
No casamento de Roberto e Selma ficou evidente a força (in­
fluência) das famílias de origem no eixo vertical, que provocava
um afastamento do casal, enquanto no eixo horizontal - quando
Selma resolve voltar aos estudos - Roberto sente-se abandona­
do (triste, deprimido), principalmente porque ela lhe prometera
(não-verbalmente) substituir sua mãe.
Qual seria o futuro do Roberto? Tornar-se um paciente psi­
quiátrico crônico, dependente de remédios, frequentador da as­
sistência psiquiátrica e social, até que finalmente se aposentasse
por invalidez emocional, em função das sucessivas licenças que o
impossibilitariam de ter um rendimento profissional satisfatório?
Ao introduzir a questão relacional, saindo da sintomatologia
individual, dando ênfase ao contexto, no caso, seu casamento,
modifico a perspectiva terapêutica do individual para o conju­
gal, abrindo a possibilidade de um a solução com 50% de respon­
sabilidade para cada parceiro, além de revelar a perspectiva ver­
tical de cada um (suas histórias geracionais) que potencializava
sua relação.

Acompanhem a transcrição dessa virada: do individual ao re­


lacional.

Moisés - Roberto, em torno do aparecimento da sua sintomato­


logia, não aconteceu nada no seu casamento?
Roberto - Nada, doutor. Eu e minha esposa nos damos muito
bem.
Moisés - Para mim, tudo o que acontece numa pessoa é pro­
duto das suas relações, seja do presente, ou do passado, o que vi­
veu com a sua família.
Selma - Olha, doutor, a única alteração que teve foi que voltei a
estudar. Os filhos já estavam maiores, então achei que podia cuidar
de mim.

1«l
Moisés - Esse fato pode ter sido o desencadeante da depressão
do Roberto.
Selma - Olha, não sei se foi, mas o que eu posso dizer ao senhor
é que eu sempre me esforcei para ser tão boa quanto a mãe dele.
Para ele, a mãe é o máximo.
Roberto - Mamãe foi e é muito importante para mim, mas Sel­
ma é minha mulher. Não é a minha mãe.
Moisés - Qual foi, Roberto, a importância que sua mãe teve na
sua criação?
Roberto (emociona-se) - Toda. Ela foi para mim e meu irmão
tudo na vida: pai e mãe. Meu pai vivia para o trabalho e para nos
sustentar. Não tinha folga. Mamãe é quem estava sempre com a gen­
te. Como éramos uma família pobre, ajudávamos mamãe na limpe­
za da casa. Ela ficava na cozinha, enquanto meu irmão limpava os
móveis, e eu varria a casa.
Selma - Até hoje, doutor, quando ele chega da plataforma, a
primeira coisa que ele vê é se a casa está limpa. Quando me dou
conta ele está varrendo o chão.
Roberto - Doutor, eu fui acostumado por Selma na base do
pratinho. Ela cozinha muito bem: aprendeu com a mãe e a avó que
a ajudou a criar. Desde o início do casamento, e depois com os fi­
lhos, ela trazia para a mesa os pratos prontos das panelas. Ela fazia a
mesma coisa que a minha mãe, que sempre se preocupou que meu
irmão e eu comêssemos bem quente a comida.
Moisés - Quando Selma voltou a estudar deixou de ter a mesma
dedicação de antes.
Roberto - Não tem a menor dúvida. Ela passou a dizer: quem
estiver com fome é só pegar a comida em cima do fogão. Para mim
foi um choque. A comida também não era mais a mesma. Ela não
tinha tempo. Vivia estudando com as colegas ou fazendo trabalho
no computador. Tinha dia que eu precisava comprar comida na rua.
Na época das provas, ela abandonava a casa.

166
Selma - Ele foi mal acostumado por mim. Como eu sabia que a
mâe o tratava a pão de ló, apesar dos poucos recursos, tentei superá-
-la. O senhor está me vendo magra assim, mas eu já pesei 120 kg.
Roberto - Ela fez a cirurgia bariátrica.
Selma - Foi uma revolução na minha vida: voltar a estudar e ao
peso que tinha quando me casei.
Moisés - Quer dizer que você incorporou a verdadeira mâe de
antigamente: dedicada à família, matronal, esquecendo-se de você.
Selma - É verdade, doutor. Não sei onde estava com a cabeçal
Moisés - Estava na família. Quando uma pessoa se doa ao outro
ou a um grupo perde a cabeça. Esquece de si.
Selma - O senhor não imagina como é a mãe dele.
Moisés - Como?
Selma - Toda vez que ele desembarcava tinha que passar antes
na casa da mãe para pedir a benção e depois então vir para casa.
Aguentei isso durante algum tempo. Depois exigi que ele viesse pri­
meiro me ver e aos filhos para depois passar na casa da mãe.
Moisés - Quando foi que você não suportou mais essa situação?
Selma - Após o nascimento do primeiro filho, quando passa­
mos a ter a nossa família.
Roberto - Doutor, a minha mãe, esperava meu irmão e eu na
janela, quando crescemos e começamos a sair. Não dormia enquan­
to não chegávamos.
Moisés - Vocês eram a razão de ser da vida dela.
Roberto - Meu pai trabalhava dia e noite, para sustentar a casa.
Ela não se conformou, mas atendi ao pedido de Selma. Logo que
chegava em casa batia o telefone: queria saber se havia chegado bem
e quando iria na casa dela. Meu irmão foi esperto. Foi trabalhar em
outro estado.
Moisés - Quando foi que você começou a ficar deprimido?
Roberto - Há quatro anos.
Moisés - Foi logo depois que a Selma voltou a estudar?

197
Roberto - Mais ou menos, doutor.
Moisés - Não tenho a menor dúvida que você se sentiu aban­
donado por Selma, que era a substituta da sua mãe. Ela, durante
muito tempo, passou-lhe a mensagem de que se dedicaria exclusi­
vamente a você e aos filhos. Quando ela voltou a estudar, você se
sentiu traído.
Roberto - Não sei não, doutor, mas ela já estava velha para es­
tudar.
Moisés - Velha?
Roberto - Não, não, não tinha mais idade para isso. Daqui a três
anos eu me aposento. Para que ela foi mexer com isso agora?
Moisés - Como está a vida sexual de vocês?
Selma - Não está nada boa. Ele sempre teve ejaculação precoce,
agora está pior. Quase não temos relações sexuais.
Moisés - Quantas vezes por mês?
Selma - Quando acontece uma vez, eu comemoro.
Moisés - Isso é um sinal vermelho. Acho que a depressão de
Roberto é uma expressão da depressão do casal. O relacionamento
de vocês está triste, em crise. Esse é o meu diagnóstico: não é o Ro­
berto que está doente, quem está doente é o casal.

Após me reunir com a equipe, decidimos a seguinte tarefa que


foi repassada ao casal:

Moisés - Durante trinta dias, até o nosso próximo encontro, vo­


cês deverão, após o jantar, passear somente os dois, sem celular, de
mãos dadas, durante trinta minutos, nas ruas próximas à sua casa.

Ao term inar a mensagem percebo que os olhos de Selma m a­


rejam.

Moisés - Selma, você ficou emocionada?


Selma - Fiquei. Estava achando que o nosso casamento não
tinha mais jeito.

Nestes diálogos, vocês puderam observar que uma patologia


individual nunca é solitária, ou não pertence apenas àquela pessoa
(apesar de se manifestar nela), mas se situa num espaço relacional,
que pode ser conjugal ou familiar.
E por quê? Vocês naturalmente perguntariam: ela, a doença,
aparece apenas em um deles e não nos dois (o casal), ou em toda
a família?
Em relação ao casal, é importante lembrar que cada um deles
proveio de uma origem diferente, ou seja, de uma respectiva famí­
lia, com uma história peculiar. Essa história vai lhe conferir uma
fragilidade emocional maior ou menor, que pode emergir depen­
dendo da etapa do ciclo de vida que esse casal estiver atravessando
e o tipo de parceiro que foi escolhido (que irá estimular o fun­
cionamento do cônjuge para mais ou para menos, ou contribuirá
para surgir naquele mais frágil uma patologia).
Em relação à família, como já expusemos, aquele filho que
apresenta o problema vai depender da sua posição na família (or­
dem de nascimento), gênero, etapa do ciclo de vida que a família
nuclear e a de origem estiverem atravessando, o nome que recebe
(missão familiar), a cultura e as modificações sociais da época na
qual estiver vivendo.
Assim, não podemos esquecer que não estamos - tanto na
condição de indivíduos quanto na de um casal - sozinhos no
mundo. Vivemos num m undo relacional, conectados a todos glo­
balmente, cada vez mais, graças à internet.
Mas o que vamos traduzir nesse relacionamento provém da
nossa matriz que foi forjada no interior das nossas famílias, aquela
de origem, que está mergulhada em sua família extensa, com as
respectivas gerações anteriores.
13
O CASAL EXISTE?
C -) a mesma maneira que não podemos falar de um indivíduo
sem pensar na família que o circunda, nos seus ascendentes e des­
cendentes (se existirem), o mesmo ocorre em relação a um ca­
sal, agora acrescido das respectivas famílias (origem e extensa) de
cada um deles, de sua família nuclear (se existirem filhos) e da
família dos filhos (dependendo da etapa do ciclo de vida do casal
e se os filhos a constituíram).
Assim, o casal existe e não existe ao mesmo tempo.
Ele existe, na medida em que os parceiros necessitam ter uma
cumplicidade (parceria) para poderem se organizar independen­
temente (geográfica, econômica e emocionalmente) de suas res­
pectivas famílias de origem para virem a constituir ou não a sua
própria família nuclear.
E não existe isolado, ilhado, porque esses mesmos parceiros
estão em permanente relacionamento com elas objetiva ou subje­
tivamente, copiando ou reagindo às marcas em sua matriz dessa
influência - procurando ou não uma independência enquanto fa­
mília nuclear.
E ele existe e não existe, quando nascem os filhos, vivendo Cflt
constante transformação na relação com eles (como indivídttÓt
lilho(a), pai, mãe, marido e esposa) sob o risco de se perder nes­
sa família, acabando o casal, e somente existindo a família como
uma unidade.
O que favorece (possibilita) que um casal possa vir a se consti­
tuir como tal, ou seja, não apenas num a acepção legal e geográfica,
mas também num a dimensão emocional?
O que chamo de emocional, que distingo do afetivo, do qual
não deve estar dissociado?
O emocional diria respeito aos parceiros (casados ou unidos,
de sexos diferentes ou iguais) poderem estabelecer um a união
mais poderosa (de maior peso) entre si do que com as suas respec­
tivas famílias de origem. Q uando falo de maior peso, é porque não
pensamos (não lembramos) que criamos com a família da qual
viemos laços mais ou menos fortes - originados na convivência
que tivemos na infância e adolescência - que vão ser fundam en­
tais no restante de nossa vida.
Quando encontramos um(a) parceiro(a), estamos iniciando
um caminho diferente do anterior, o qual, paradoxalmente, pre­
valece, porque é mais antigo e consolidado. Esse novo caminho
necessitará ser pavimentado para adquirir, paulatinamente, peso
maior, além do afetivo e sexual que causou a atração.
Qual é a diferença entre laços emocionais e afetivos que, ge­
ralmente, se confundem, tanto entre o casal quanto no interior da
família?
O emocional diz respeito à vinculação que permaneceu em
termos de maior ou menor independência com a família da qual
viemos. Relaciona-se à possibilidade que cada filho - de acordo
com o seu gênero, posição na escala de nascimento e alianças que
constituiu com o pai, mãe ou substitutos - alcançou numa maior
ou menor distância (não é geográfica) emocional a fim de se orga­
nizar como uma célula autônoma, com fronteiras nítidas em rela­
ção à sua família anterior.

174
O afetivo pertence ao terreno do que chamamos amor, gostar,
atração, paixão, tesão de um em relação ao outro.
Tanto nos laços emocionais quanto nos afetivos, vão ter
importância as carências ou necessidades maiores ou menores
que trouxemos das nossas histórias familiares.
Se o afeto determina a nossa aproximação inicial com o
parceiro(a), será o emocional que manterá, em muitos casos, para
mais ou para menos, essa ligação. Inclusive, em inúmeros casa­
mentos ou uniões, o afeto acaba, permanecendo a necessidade - a
dependência - emocional um do outro. Ou, no caso de famílias,
nas quais se mantém uma relação com irmãos ou pais mais por
dependência emocional (que pode se traduzir pela econômica),
em nome de um passado, do que por um a vinculação afetiva, do
presente.
O que chamo de necessidade emocional? No caso da família
original, relaciona-se à dificuldade dos pais, ou do pai ou da mãe
(no caso da família de progenitor único), e do íilho(a) de se sepa­
rarem emocionalmente (terem um a distância, que não significa
afastamento afetivo um do outro) para poderem, no caso dos pais,
voltarem a ser um casal (sem filhos, como começaram) em outra
etapa de vida e, quanto ao filho, à dificuldade de construir sua vida
independente, com ou sem parceiro, estabelecendo ou não uma
família.
Quanto ao casal, cada um dos parceiros reedita um com o
outro velhas dependências com as suas respectivas famílias, que
serão transportadas, deslocadas do passado para o presente, p o ­
dendo transform ar num maior ou m enor grau, o(a) parceiro(a)
em mãe, pai, avô, avó, babá, tio, tia etc., de acordo com a im por­
tância que esse representante familiar teve em sua infância e/ou
adolescência.
Esse grau de importância está gravado em nossa matriz fami­
liar, refletindo-se na relação conjugal. O que muitas vezes pareC#

1TI
afeto num casal é uma dependência emocional de um em relação
ao outro, o que os impede de se separarem e procurarem ou não
um outro parceiro.
Caso a separação ocorra, é importante que haja um a terapia
de casal/divórcio para que cada um dos parceiros adquira a cons­
ciência das expectativas (carências) que teve em relação ao outro
que não foram supridas - e que não poderiam ser já que perten­
ciam à geração anterior, ao passado e não ao presente.
Muitas vezes - para corroborar a tese da dependência emo­
cional - o casal se separa afetivamente, cada um tem um novo
parceiro, ou pelo menos um deles, mas não se separa legalmente,
ou, ainda, realiza o divórcio sem a partilha de bens. Ou, dito de
um a maneira mais crua: eles separam o corpo (afeto), mas não a
emoção (dependência).
Outras vezes, principalmente o homem, ao se separar legal­
mente, mas não emocionalmente, deixa os filhos com a ex-mulher,
sem prestar assistência a eles ou desaparecendo para evitar a dor
da separação e a consequente necessidade de se defrontar sozinho
com os filhos sem o apoio daquela mulher-mãe (sua e dos filhos).
Uma segunda possibilidade é haver a separação corporal do
casal, sem o divórcio, com o hom em tendo uma nova parceira, que
ele não assume nem perante sua família de origem nem perante
seus filhos. Como se fizesse uma dissociação: a sagrada família de
um lado e, do outro lado, suas necessidades afetivas e sexuais.
O que isso representa? Ele não conseguiu integrar num a só
pessoa - o que não é fácil - seu papel como filho (família de ori­
gem), pai (filhos), parceiro (nova relação) e indivíduo (profissão,
amigos etc.).
A família como já foi assinalado e reafirmado p o r inúm e­
ras religiões, é um a instituição sagrada (Guerin e colab., 1987),
estabelecida há vários séculos e necessária à preservação e à
continuação da sociedade, constituindo um dos seus pilares. Ao

176
mesm o tempo, em função de sua im portância, ela pode com pro­
m eter o desenvolvimento dos indivíduos que a compõem: não
conseguem sair do seu interior para alcançar sua autonomia,
obstaculizando novos caminhos para si, seja como homem, m u­
lher, filho, filha, profissional, ou outras relações ou casamentos
com novos parceiros (de sexo diferente ou do mesmo sexo) -
passando a estabelecer outro tipo de ligação com a sua família
original.
Estou enfatizando que essa situação ocorre mais com o ho­
mem do que com a m ulher porque não podemos ignorar que exis­
te uma diferença de gênero não só nos atributos anatômicos, mas
também através de várias gerações, na educação que recebem no
interior das famílias, que se reflete na relação com a sociedade,
principalmente no que diz respeito ao mercado de trabalho.
O homem sempre foi mais direcionado ao exterior: prover a
família, e a m ulher ao interior: m anter a família. O homem, ativo,
a mulher, passiva. Apesar de essa situação estar se modificando
nas últimas décadas, pois a mulher tem tido um a predominância
mais ativa na família, no mercado de trabalho, na sociedade, ainda
falta muito para que haja uma igualdade dos sexos em que ambos
tenham o mesmo direito em todos os setores, iniciando-se pela
família.
Para vocês terem uma ideia do que ainda acontece no século
XXI, na relação homem-mulher, em que cada um representa 50%
- seja um ativo e o outro passivo ou omisso - , vou lhes dar um
exemplo clínico que ilustra o que estou descrevendo.

Gabriel e Sara casam-se e têm três filhos. A partir de um deter­


minado momento, após o nascimento do terceiro filho, passam a
se afastar sexualmente, tendo relações sexuais burocráticas e espo­
rádicas, o que resulta em uma relação extraconjugal por parte do
marido.
lila - ocupada com os filhos, a administração da família e ten-
lundo manter a família - não o questiona sobre a baixa frequência
sexual e as chegadas tardias à casa após o trabalho. Ele, pressiona­
do pela amante - após um período longo de relacionamento (cinco
anos) - para se decidir entre ela e a esposa ou a família, resolveu
manter as duas, agora com a esposa sabendo da existência da outra.
Contando com a complacência da esposa, em função de expor
que estava em dúvida com qual das duas ficar - precisando de um
tempo de amadurecimento para a sua decisão -, combina com ela
í
o seguinte esquema: passaria parte da semana com a família (de se- |
gunda-feira à noite até quinta-feira de manhã) e parte com a amante j
(de quinta-feira à noite até segunda-feira de manhã); o que foi feito f
durante mais cinco anos.
Nesse ínterim, a amante, que era casada quando o conheceu, já
havia se separado. Em função disso, o pressionava a tomar a mes- ;
ma atitude (havia prometido que o faria). Ele, mais uma vez, adia a ;
decisão com a solução proposta acima, que foi aceita pelas duas (a I
amante esperando, característica do gênero feminino, marcada por !
sua história familiar, e a esposa mantendo e defendendo a família,
que foi o que aprendeu com os seus pais).
Ele argumentava que estava esperando seus filhos crescerem
para saírem de casa, de modo que eles aceitassem sua decisão de
separar-se e afastar-se da família que ajudou a constituir.
Quando Lúcia, a amante, se separou, ela vendeu o apartamento
que possuía com o ex-marido, mudando-se com os filhos para um
alugado. No novo acordo, Gabriel convivia com Lúcia e os filhos, !
mas em contrapartida ela não convivia nem conhecia os filhos de
Gabriel com Sara.
Essa situação perdurou até Lúcia dar um derradeiro ultima­
to a Gabriel: ou você mora comigo direto, ou com a sua família.
A essa altura, Gabriel e Lúcia estreitaram seus laços, passando a
trabalhar juntos. Gabriel, quinze anos mais velho, dono de uma

178
empresa de engenharia, convidou Lúcia, que havia se formado em
administração, para trabalhar com ele.
Diante do ultimato, Gabriel sai da casa da família e passa a mo­
rar em tempo integral com Lúcia e seus filhos, que, por sua vez,
em pouco tempo, deixam a casa para se casarem e/ou se unirem
aos seus respectivos parceiros. Gabriel compra o apartamento onde
moram em nome de Lúcia, porque não havia ainda se divorciado.
Qual foi o motivo de procurarem um terapeuta de casal? Lú­
cia não suportava mais ser excluída do convívio com os filhos de
Gabriel e, agora, seus netos. Como ele continuava a esperar uma
autorização dos filhos - que nunca vinha - para apresentar Lúcia a
eles, ele não o fazia (como era o seu padrão), com a concord&ncia
dela. Ia sozinho à casa dos filhos, como também aos aniversários
deles e dos netos.
Essa questão se agravou quando do casamento de um dos filhos
de Gabriel, em Nova York, para onde ele pretendia viajar, logica­
mente sem a companhia de Lúcia. Lá estaria toda a ex-família reu­
nida, incluindo sua ex-mulher, filhos e parentes próximos.

O que leva uma pessoa a se dividir em duas? Uma para a famí­


lia ou ex-família (como pai e marido ou ex-marido) e outra para a
mulher, companheira, amante (como homem)?
Aliás, hoje, essa questão tanto pode ser aplicada ao homem
quanto à mulher. Apesar de continuar a ser mais frequente en­
tre os homens a iniciativa de um a infidelidade (acompanhada ou
não de filho bastardo), a m ulher - devido à sua maior inserção no
mercado de trabalho e ao consequente crescimento profissional
- também tem se apresentado como uma força motriz de pro­
vocação de uma crise conjugal, seja através da infidelidade ou ao
propor um a separação.
A família - principalmente a prim eira a se constituir (não se
esqueçam de que pode haver outras, provenientes de recasamen-

179
tos) - é uma instituição fundamental para a manutenção e a esta­
bilização da sociedade. Ao mesmo tempo, reage às necessidades
individuais dos seus membros a fim de manter a coesão (unidade)
familiar, mesmo que ela esteja sendo nociva a eles.
A força do conservadorismo (do conhecido) é mais forte do
que a da renovação (do desconhecido), mesmo havendo a neces­
sidade constante de certo equilíbrio entre essas duas forças. Ela,
a família, não suporta a presença maior ou m enor de um a dessas
forças. Ela necessita - por sua própria natureza transformadora,
em função do crescimento dos filhos e do envelhecimento dos
pais - tanto de um a força quanto da outra, sob pena de surgir um
sinal de alarme, uma patologia mental ou física em um dos filhos,
ou em um dos membros do casal.
Além disso, o casamento (que ainda suplanta estatisticamente
as uniões estáveis, legais ou não legais) é consagrado pelas dife­
rentes igrejas ou credos religiosos, o que lhe confere um caráter
sacrossanto, difícil de ser quebrado, já que desafiaria a lei divina a
que todos tememos, acreditando ou não nos diferentes cristos ou
deuses das mais variadas religiões.
Uma outra questão a considerar é a diferença de gêneros: a
mulher - pelo fato de ser aquela que procria e tem um a intim ida­
de única com o filho - é, consequentemente, a protetora - mesmo
tendo um a profissão, salvo exceções - , a encarregada da organi­
zação familiar; enquanto o homem é, naturalmente, o responsável
pela provisão familiar ou seu ajudante.
Como assinalado, essa situação tem se modificado na medida em
que a mulher não permaneceu apenas em seu papel de procriadora,
mãe e organizadora familiar, passando a ter um papel ativo, social e
econômico tão importante ou, às vezes, maior do que o do homem.
A existência de filhos que caracteriza aquele grupo como uma
família o marca eternamente, já que houve um a organização, con­
figurando que aquele homem e aquela m ulher serão sempre pais

18 0
daqueles filhos, haja o que houver. Essa estrutura fica registrada
na esfera social, legal, religiosa e nos parentescos e relações que se
estabelecem.
Observem que, quando um casal que não teve filho se divorcia
ou se separa, a repercussão no seio familiar e social é bem m enor e
passageira do que quando existem filhos. Não há a menor dúvida
de que a presença dos filhos invoca nos familiares e amigos um
sentimento de solidariedade e proteção a eles maior ou menor,
dependendo das suas idades.
Não é incomum que os filhos - como funcionam também
como protetores paternos e do próprio casamento - se transfor­
mem precocemente em pais dos pais, constituindo o que chama­
mos de filho parental.
Como se dá esse fenômeno, que, a princípio, pode parecer es­
tranho, de os filhos protegerem ou servirem de suporte para os
pais, quando o que se espera é o contrário?
Os pais, apesar de ser óbvio, não nasceram naquela família
que constituíram com o(s) filho(s), vieram de seus respectivos
núcleos familiares, que lhes imprimiram experiências positivas
e negativas que vão produzir carências maiores ou menores. Em
função dessas carências que os pais trazem consigo - ao constru­
írem sua família - vão estabelecer com os filhos relações que vão
reproduzir, em maior ou m enor escala, aquelas que tiveram com
os seus pais, boas ou ruins.
Por exemplo, aqueles pais que tiveram uma relação deficitá­
ria com os seus pais podem esperar que os filhos ou um deles,
no presente, exerçam o papel de pais que os seus pais não foram.
Ou, tendo tido uma relação boa, extremamente compensadora
(outro extremo) com os pais, esses continuem a ser tão ou mais
importantes do que a família que fizeram, o que não permite que
se transformem em pai ou mãe dos filhos, podendo também pro­
duzir filhos parentais em função de sua ausência.

W
A família constitui um invólucro para os seus integrantes, ofe­
recendo sustentação e suporte (Groisman, 2012). Nela, cada um
dos pais procurará resolver as carências que trouxe de sua respec­
tiva família de origem. O u tentará imitá-la, superá-la, ou, ainda,
não conseguirá se desprender em grau considerável, mantendo
uma dependência emocional e/ou econômica (não estabelecen­
do fronteiras entre uma família e outra). O mesmo fenômeno vai
acontecer com os filhos quando tiverem que fazer seu voo solo
para virem ou não a estabelecer sua própria família e alcançarem
um estado de independência emocional e econômica.
A existência da família conforta a todos, o que é importante e,
ao mesmo tempo, pode se tornar um obstáculo para que cada um
dos membros do casal experimente um novo caminho. Apesar de
infelizes, evitam perder o calor familiar - mesmo que não tenham
o calor conjugal.

Lembro-me de um casal - atendido por m im há alguns anos


- que havia chegado a um ponto intransponível de crise conjugal
(ausência de sexo há vários anos, projetos paralelos e impossibili­
dade de diálogo). O marido colocava nas mãos da esposa a deci­
são de continuar o casamento ou não: o que fo r bom para ela será
para mim.
Apesar de ter enfatizado a necessidade de cada um procurar,
outra vez, sua felicidade individual e não ficar submetido a um a
felicidade familiar, a esposa me dizia: doutor, nada supera chegar à
casa, depois do trabalho, e sentar com os meus filhos (com ou sem o
meu marido) na sala para assistir à novela na televisão.
E o que aconteceu (vocês estão se perguntando) com o casal,
Gabriel e Lúcia, cuja história estava descrevendo?
Também não sei. O ideal seria ter um final feliz como este:
ele se divorciou da prim eira esposa, apresentou Lúcia aos filhos e
netos, e viveram felizes para sempre.

182
Como trabalho com terapia breve - combinando com o casal
ou a família um projeto que inclui um núm ero certo de sessões,
com um objetivo definido a terapia se encerrou sem ter sido
alcançado o objetivo proposto, que havia sido aceito por eles: ele,
se divorciar, e apresentá-la aos filhos, enquanto ela, sair da sua
submissão - caso ele não se divorciasse separando-se dele.
Vou arriscar, então, um prognóstico. Pelo fato de haver uma
desigualdade econômica (ele com maior poder econômico) nada
se resolveu: ela não conseguiu se impor, adiando a solução para
após a morte de um deles. Provavelmente a morte dele (sendo
mais velho), agora num a disputa judicial entre as duas viúvas.

Voltando à nossa pergunta: o casal existe?


Diríamos que deveria haver um a luta permanente entre a fa­
mília anterior de cada um e a nova família (representada pelos
parceiros) para que essa última se estabeleça como um núcleo in­
dependente, sem eliminar suas ligações afetivas passadas.
Essa luta inclui que a família anterior ou de origem defenda as
suas tradições e, principalmente, sua continuidade para se eterni­
zar, enquanto a nova família ou nuclear procure se afirmar, muitas
vezes ignorando sua relação e a influência do passado em seu com­
portamento atual. Desse entrechoque saudável resultará um cami­
nhar progressivo da família de origem para o seu desaparecimento
- com a morte dos pais - e a sua continuação nas diferentes famí­
lias (com os parceiros que escolheram) que os filhos formaram.
Paralelamente, o casal precisará manter-se à superfície para
não ser engolfado ou se diluir, tanto em relação às suas famílias de
origem quanto em relação aos filhos. O mesmo risco que existe de
a nova família não conseguir se destacar no interior do emaranha­
do familiar do qual veio.
A mesma luta vai ocorrer no núcleo familiar: a família, que
é fundamental para o nosso desenvolvimento, pode se tornar ao

III
mesmo tempo um entrave e exigir dos indivíduos - que a consti­
tuem - um investimento relacional que pode prejudicar sua movi­
mentação e, principalmente, a existência do próprio casal, os pais,
que devem ser os líderes dessa família.
No tocante ao casal - que é o nosso desafio - , sem perceber
cada um dos cônjuges transfere para a nova família, o parceiro ou
para os filhos um a série de carências - maiores ou menores - que
trouxeram de suas famílias, esperando que eles as supram ou repi­
tam o que receberam.
Como estão percebendo, essa luta invisível não é simples ou
fácil. Ela vai resultar, como qualquer luta-, em vencedores e der­
rotados.
O ideal é que o casal vença, sem derrotar a família (origem
e nuclear), preservando sua integridade e mantendo sua relação
com essas mesmas famílias.
O casal - que iniciou todo o processo - se m antenha vivo e
não submerja (desapareça) no caldo familiar (anterior, presente
e futuro).

184
14
EU, O TERAPEUTA
FAMILIAR, E MINHA MÃE
Q uem é esse personagem: o terapeuta familiar?
Ele é um técnico, apenas um profissional que está realizando
o seu trabalho, ou existe um a pessoa atrás desse técnico? Pes­
soa essa que tem várias possibilidades: pertence a um a família
de origem (com a sua respectiva ligação e influência); é soltei­
ra (m orando ou não com a família); form ou ou não um a nova
família com outro parceiro; é divorciada (com ou sem filhos);
uniu-se ou recasou-se com outro parceiro (form ando a família
recasada), tendo filhos ou não nessa nova união.
Essa mesma pessoa está imersa num a cultura, tem uma histó­
ria familiar particular que vai lhe conferir um a determinada ideo­
logia e a essa ideologia vai somar seu aprendizado como terapeuta
(qual foi a orientação teórica que recebeu?).
Será que a formação teórico-técnica é capaz de mascarar, de
encobrir a pessoa do terapeuta?
Sim e não, pelo mesmo motivo. Sim, porque no atendimento
ele é solicitado a utilizar seus recursos a todo momento, ficando
suas características pessoais em segundo plano; e não, porque no
momento em que intervém vai-se apropriar desses recursos de
uma forma peculiar (que combina com a sua matriz familiar, sua
identidade) e, como o contato é direto entre o terapeuta e a famí­
lia, não há como esconder as reações emocionais resultantes desse
contato.
Esse encontro torna-se ainda mais complexo devido a outras
variáveis:

a) O terapeuta se depara com a sua própria família: a do pre­


sente e a do passado (viva ou morta). Essa vivência é dispa­
rada a partir da relação que ele estabelece com os diferentes
personagens daquela família que está sendo atendida, em
função da história que se desenrola a partir de suas pergun­
tas e intervenções.
b) O encontro sofre a influência da etapa de vida que o tera­
peuta estiver atravessando: ele poderá estar se iniciando na
profissão (jovem, solteiro, sem filhos e com pouca experi­
ência) ou na terceira idade, no outro extremo (avô ou avó),
com muita experiência e poucos ou nenhum desafio na
profissão. Tanto num a ponta quanto na outra, incluindo as
etapas intermediárias que esse terapeuta percorre, com as
suas diferentes intempéries (crise conjugal, divórcio, morte
dos pais, doenças: sua ou do cônjuge, migração, crise eco­
nômica etc.), haverá repercussões na relação terapêutica.

Dito dessa maneira pode parecer impossível ser um terapeuta


familiar. Não, não é impossível. Acredito que seja o mais fascinan­
te desafio terapêutico: atender diferentes tipos de organização fa­
miliar com as suas respectivas histórias, que vão despertar, no te­
rapeuta, os mais variados sentimentos, com as suas consequentes
reações objetivas ou subjetivas (amor, raiva, acolhimento, rejeição,
impotência, potência etc.).
O encontro terapeuta-família-casal é apaixonante, desafiador,
frustrante, compensador, e muitas vezes não sabemos seu resulta-

188
do, principalmente no caso de quem faz terapia breve: as sementes
são plantadas a curto prazo e não sabemos se e como elas se de­
senvolverão a médio e longo prazo.

Não tenho a m enor dúvida de que me tornei - após um longo


caminho profissional - um terapeuta familiar à procura de uma
família que me acolhesse: nuclear, a que existia antes do nasci­
mento do meu irmão, e extensa, que pudesse repetir aquela que
um dia tive naquela Campos do passado.
E por que sou um terapeuta familiar breve?
Além da crença teórica de que o terapeuta em tratamentos
de longo prazo ou sem prazo definido estimula a dependência do
cliente (o que é paradoxal: ele é contratado para resolvê-la) - , não
despertando, portanto, sua capacidade e a do sistema familiar de
mobilizar seus recursos - , credito, mais um a vez, essa escolha a
um fato da m inha história familiar.
Esse fato refere-se ao corte, já relatado, sofrido por m im aos
quatro anos, quando do nascimento do meu segundo irmão. O
que esse corte provocou?
Produziu-me uma inquietação de buscar novos caminhos.
Daí a criação de um modelo de terapia familiar breve, em nove
sessões, que corresponde, como vocês sabem, à gestação e ao nas­
cimento de um filho e de uma nova família. A cada atendimento é
como se fosse meu nascimento: uma tentativa mágica de reescre­
ver a m inha história e a daquela família de outra maneira.
No decorrer do meu desenvolvimento, fui ajudado por m i­
nha família em momentos cruciais, além de receber a ajuda e a
influência de mestres, que me impulsionaram. Mas permanece o
sentimento de cavaleiro solitário que me atormenta e, ao mesmo
tempo, me leva a descobrir e enveredar por caminhos desconhe­
cidos. Como funciono dessa forma, procuro estimular o trajeto
de cada um (indivíduo, casal ou família) nas terapias que realizo.

189
() tempo de cada um de nós não é eterno.
Não somos imortais.
A família original não é eterna.
A família original não é imortal.

A família original - com o falecimento dos pais, que um dia a


começaram - termina, permanecendo a família que cada um dos
filhos organizou.
Se a família persistir em sua eternização, o tempo ficará congela­
do, inundando o presente, comprometendo o desenvolvimento dos
seus membros.
No tempo presente, estamos construindo nosso tempo futuro.
O tempo que vivemos é o do presente, não o do passado.
Se o tempo do presente não for atualizado (renovado), o pas­
sado o atravessará e comprometerá o futuro.
Sou aterrorizado pelo passado: voltar a Campos! Não é Cam ­
pos, mas aquela Campos que foi sede de minhas recordações
familiares.
Procuro me afastar do passado, mas esse continua e continu­
ará como referência, servindo como balizador às minhas movi­
mentações no presente, construindo um futuro, que estará calca­
do no passado e na atualização desse no presente.
Ao aceitar Campos como integrante da minha vida (e, nesse
movimento, toda a minha família), estou reconhecendo a existência
e a importância da história do passado, que se reflete no presente.

Você é o que foi, reagindo ou continuando o que foi designado


pela família, camuflando através de um a série de personagens o
passado no presente.
Reencontrando, no(s) parceiro(s) do presente, figuras fami­
liares do passado, mais ou menos importantes, ou permanecendo
na família original como um representante da família do passado.

190
Fazer psicoterapia de qualquer natureza, sem aparelhos ou
exames de laboratório, frente a frente com o indivíduo (com as
mãos limpas), é um empreendimento de alto risco. Imaginem ago­
ra esse mesmo empreendimento diante do fato de que esse tera­
peuta vai propor modificações na organização (estrutura) daquela
família ou daquele casal, que também circula em suas respectivas
famílias de origem e na família nuclear que constituíram (se exis­
tirem filhos).
Vocês poderiam indagar: não é o que a fam ília ou o casal
deseja? Encontrar alguma solução para o seu problema? Aí é que
reside a questão. O que a família aponta como problema não é
necessariamente o mesmo que o terapeuta vai identificar e para
o qual proporá modificações.
Daí resultará um entrechoque entre os dois lados, que pode­
rá ser frutífero ou não. Lembrando que, apesar de aquela estru­
tura familiar se m ostrar obsoleta - ela é conhecida - , haverá re­
ações ao cam inhar para um a situação desconhecida, que poderá
ser, em algum momento, m elhor que a anterior, mas dem andará
esforços adaptativos dos personagens que compõem o casal ou
a família.

Estou me encaminhando para o térm ino do livro e seria natu­


ral vocês perguntarem se perdoei m inha mãe.
As marcas - resultantes da m inha história - , não tenho como
apagá-las.
A criança assustada estará sempre presente comigo. Preciso
cuidar de não querer fugir dessa criança, caindo no extremo opos­
to, como muitas vezes aconteceu.
O fato de ser assustado me levou para a medicina, psiquiatria,
psicanálise e, finalmente, terapia familiar.
Não tenho como refazer m inha história, m inha mãe, ou nas­
cer em outra família.

191
Minha mãe também teve sua história, suas marcas, que a tor­
naram uma pessoa assustada.

Eu a perdoo, mãe, por tudo que sou e não sou.


Eu a perdoo, mãe, por tudo que fiz e deixei de fazer.
Eu a perdoo, mãe, por ter parido meu irmão (na madrugada
seguinte à do meu aniversário) e por eu ter ficado desamparado.
Eu a perdoo, mãe, por ter feito de m im seu confidente.

Eu lhe agradeço por ter me impulsionado a ser terapeuta fami­


liar e a escrever este livro, tornando-m e um confidente de tantos
clientes, alunos e leitores.

Moisés Groisman
Rio de Janeiro - Vargem Grande (Teresópolis), dezembro de 2012

192
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197
Outro« livros publicados pelo autor

Família, Trama e Terapia (2a. edição)


Histórias Dramáticas (3a. edição)
Família é Deus (3a. edição)
Além do Paraíso (2a. edição)
O Código da Família (2a. edição)
Crime no Congresso
Carta a um Jovem Terapeuta
Minha Família e Meu Dinheiro

Pedidos a Núcleo-Pesquisas Editora,


através do e-mail:
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C op y rig h t © M oisés G roism an, 2013

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Projeto gráfico de capa e miolo


Marcelo Pereira

Editoração eletrônica
Susan Johnson

Digitação
Mara Magalhães

Revisão
Sandra Regina Felgueiras

Dados internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)


G874a
Groisman, Moisés
A arte de perdoar : terapia sistêmica breve no casamento
e na infidelidade / Moisés Groisman. - Rio de Janeiro : Núcleo-
Pesquisas, 2013.
200 p. ; 21 cm.

Inclui bibliografia.
ISBN 978-85-99976-08-1

Psicoterapia conjugal. 2. Casamento - Aspectos psicológicos. 3. Psicote­


rapia breve. I. Título.

CDD- 616.89156

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