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Obrigado pela sua carta datada de 22 de Março de 1978. Também lhe endereço os meus sinceros
agradecimentos pelo seu interesse pelo estado dos meus colegas que continuam presos em
Moçambique.
Além do documento que preparei para um jornalista a quem pedi que o publicasse, envio-lhe
dados sobre a situação nas cadeias e “campos de concentração” que vivi durante a minha
detenção em Moçambique.
Como ele não me pudesse garantir uma prolongada protecção juntamente com a minha família,
passados poucos dias mais tarde após ter enviado minha família para Moçambique fui de novo
detido quando me preparava para abandonar a Zâmbia. Fiquei preso numa cadeia de máxima
segurança até 03 de Outubro de 1975, dia em que as autoridades zambianas, via aérea, me
embarcaram de regresso a Moçambique. Chegado ao Aeroporto de Maputo estava o Comandante
Provincial da Polícia, Sr. Manuel Verniz que me conduziu para o Comando Geral da Polícia onde fui
objecto de prolongados interrogatórios durante 08 meses. Aqui encontro o Dr. António Chade,
secretário administrativo do «Coremo» o qual, passados alguns dias, foi enviado para província de
Cabo-Delgado. Após isso fui conduzido à Cadeia Civil de Maputo onde permaneci outros 10 meses.
Aqui encontrei vários ex-estudantes moçambicanos os quais, após o seu regresso do estrangeiro,
foram levados presos directamente do aeroporto para a cadeia. Entre vários ainda conservo alguns
nomes que consegui fixar de memória:
- Artur J. da Fonseca vindo da RDA (República Democrática da Alemanha), e mais Atanásio Muhate
e Raimundo Lumbela que desertaram da Frelimo durante a luta armada. Daqui, fui transferido
para Cadeia da Machava, ainda em Maputo. Machava era a antiga cadeia da PIDE (Polícia
Internacional de Defesa do Estado) agora usada pela Frelimo para encarcerar presos políticos e os
chamados sabotadores económicos. Aqui fui mantido durante um mês. Aqui encontrei outros
prisioneiros:
Da Machava com outros 23 presos fomos mandados de avião para Pemba, (ex.Porto Amélia),
capital da província de Cabo-Delgado. Aqui fomos mantidos em celas subterrâneas durante 70
dias. Finalmente fomos enviados para o «campo de concentração de RUARUA». Oficialmente estes
campos são chamados de «Campos de Re-Educação». Aqui fiquei até 27 de Agosto de 1977, dia
em que consegui escapar com mais três companheiros, Dr. Artur J. da Fonseca, Atanásio Muhate e
Raimundo Lumbela. Muhate e Lumbela foram descobertos pelas autoridades tanzanianas como
fugitivos e foram detidos e recambiados para Moçambique.
Enquanto estive no campo de concentração de RUARUA encontrei vários outros presos membros
de outras organizações políticas que também haviam sido transferidos de outras cadeias e
«campos de concentração»:
No «Comando da Polícia» as celas estavam superlotadas. Uma cela com capacidade para 70
detidos, continha cerca de 280 presos. Uma refeição por dia. Durante as investigações os oficiais
usam violência brutal. Eles colocam uma colher entre os dedos e pressionam-na, enroscado-a
entre os dedos até partir os dedos. Também amarravam e penduravam o preso ao tecto pelos pés
com a cabeça virada para baixo por um longo período. Alguns presos que não aguentavam esta
tortura eram desamarrados inconscientes.
Na «Cadeia Civil» para além dos dois métodos que mencionei, eles queimavam o corpo do preso
durante várias horas desde os membros inferiores até ao pescoço. Também podiam obrigar o
preso a ficar ajoelhado durante várias horas. Aqui éramos cerca de 2 mil presos. As celas estavam
abarrotadas que os oficiais tinham que recorrer à capela existente para enclausurar os presos a
mais. Na «Cadeia da Machava» eles usavam todos os métodos sofisticados de tortura.
Machava é a sede da cadeia do «Snasp» (Serviço Nacional de Segurança Popular). Eram também
usados choques eléctricos, na tortura.
Éramos obrigados a cultivar durante a noite, carregar comida para o abastecimento dos campos
em distância de 60 Km com uma carga de uns 30 Kg. Não se importavam como o preso podia
estar fraco ou doente. Não havia assistência médica.
Há uma cela subterrânea alcunhada de «Universidade de Lekeni». Era destinada aos presos
suspeitos de tentativas de fuga ou quando quebravam as normas da reclusão. Uma vez o preso
levado para lá as chances de voltar vivo eram escassas. Este é um método usado para amedrontar
outros presos e evitar tentativas de fugas. Uma refeição pobre é servida uma vez por dia, após
longas horas, longas horas de sede e de duro trabalho.
Ainda há muitos prisioneiros, que tal como eu, eles têm tentado escapar. Aquele que for apanhado
após escapar pelas autoridades ou populações que vivem à volta, são devolvidos e sumariamente
executados. Durante as fugas, alguns são devorados por animais selvagens, outros morrem de
fome nos respectivos esconderijos. No campo não há nenhuma assistência médica. Presos doentes
acabam por morrer sem nenhum socorro. Em toda minha experiência não vi ninguém ser julgado
ou acusado num julgamento conforme mandam as regras.
Em Moçambique não existe sistema judicial. Todos os presos são sumariamente detidos e
mantidos indefinidamente por longo tempo. Alguns foram detidos no longínquo ano de 1972
durante a luta armada e ainda não foram acusados nem julgados. Muitos nem sabem sequer
porquê estão presos:
Chaimite
Membros do «Gumo»
- Dr. Unyayi
- Dr. Razão
Outros
- Pedro Mapangelane
- Lázaro Kavandame
- Adelino Gwambe
- Basílio Banda
- Narciso Mbule.
Todos estão detidos no «Campo de Chaimite» a mais de 100 Km de Pemba e situa-se entre Pemba
e Macomia. A informação referente a «Chaimite» me foi facultada no «Campo de RUARUA» por
outros presos vindos transferidos de lá. Todos estavam ou ainda estão vivos. O Dr. Absalão
Bahule, secretário geral do «Coremo», está preso na Cadeia da Machava. O Dr. António Chade,
secretário para Administração do «Coremo» está no campo de RUARUA.
Meus planos futuros
Sobre o meu futuro, desejo, somente, apanhar um local onde possa viver sem temer pela minha
vida. Também espero uma eventual reunificação com a minha família de 5 elementos que os
deixei à sua sorte em Moçambique. Gostaria de ter uma formação que me permitisse garantir uma
vida decente à minha família. Em relação ao país, estou pronto para seguir para qualquer lugar
onde a minha segurança e da minha família estejam garantidas.
Atenciosamente,