Você está na página 1de 141

Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.

com - HP42382437
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

ÍNDICE

Agradecimentos ………………………………….. 2

Introdução ……………………………………………… 3

Èsù

- Èsù é o início ………………………….…. 5


- A boca que tudo come ………… 16
- A comunicação ……………………….. 31
- Exu não é o diabo …………..………. 46
- Exu e Pombagira ………………….…. 60
- Agradando Èsù …………………….….. 70

Onde Èsù e Òṣàlá se encontram ……. 75

Òṣàlá

- O dono do branco ………….…….…. 87


- Òṣàlá é a criação e o fim ………. 95
- As muitas faces de Oxalá ……… 103
- Educação de axé ……………….……… 113
- Oxalá não é Jesus …………..………… 125
- Banhos e ervas de Òṣàlá ……….. 131

Considerações finais ……………………………… 138

O autor …………………………………………………………. 140


Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

Agradecimentos

Agradeço e dedico este primeiro livro à


minha avó, Dona Rosa, a primeira pessoa que
enxergou minha mediunidade e que sempre
me disse que herdaria seus dons. Muito
obrigado também aos meus familiares que
sempre me apoiaram, minha mãe e minha
tia. Agradeço aos ensinamentos da minha
mãe e da minha avó de santo, sem elas,
Oxum não teria habitado meu Ori. Deixo esta
série de livros como uma prova dos
ensinamentos que tantas pessoas me
passaram e como fonte para tantas pessoas
que desejam conhecer melhor as divindades
do Candomblé e seus segredos. Agradeço a
minha mãe Oxum por mudar a minha vida e
ao meu marido, também Rafael, por
caminhar nessa estrada comigo.

2
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

Introdução

A coleção Matrizes tem como objetivo iniciar


os estudos de quem deseja conhecer mais
sobre as religiões de matriz africana no Brasil,
de forma séria e fundamentada em
ensinamentos passados através de
sacerdotisas e sacerdotes mais velhos e
registros bibliográficos. O intuito do projeto é
levar o conhecimento básico sobre os Orixás
do Candomblé para todos que desejam de
fato conhecer as divindades para além da
adoração religiosa. A série vai contar com
diferentes pontos de vista, diferentes
aspectos e histórias acerca das divindades
que serão retratadas. Por se tratar de uma
religião predominantemente oral, o
Candomblé pode ser interpretado de diversas
formas diferentes de acordo com as regiões
do país e suas particularidades históricas.
Apesar disso, diferente da Umbanda, o
candomblé possui, em Salvador, casas
consideradas MATRIZES por terem sido as
primeiras e, até hoje, ditarem os costumes e
tradições que deverão ser seguidas por
determinadas nações. Outro ponto de
interesse dentro do candomblé é a divisão da
religião em nações, definidas de acordo com
os povos pretos escravizados, de diferentes
regiões africanas, que aqui chegaram no

3
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

período colonial. Sendo as principais, Ketu,


Jeje e Bantu - onde subdivide-se as nações
de Angola, Congo e Nagô - que cultuam
divindades diferentes entre si. Nesta coleção,
abordaremos as divindades da nação de
Ketu, conhecidas como Orixás e
representadas, em sua maioria, à semelhança
da cultura dos povos Yorubá. Sendo os
últimos povos a chegarem ao Brasil, ainda
escravizados, os sudaneses, em sua maioria
nigerianos, não encontraram aqui a mesma
dificuldade dos demais povos africanos em
disseminar sua cultura, por este motivo, é
mais popular o uso do idioma Iorubá - falado
na Nigéria - e mais famoso o termo “Orixá”
para designar as divindades africanas. O fato
é que, de Exu a Oxalá, os deuses Iorubanos
estarão representados nesta série de livros de
forma respeitosa, mesmo que superficial,
para todos aqueles que desejam ter um
ponto de partida para se aprofundarem nessa
cultura ancestral e milenar, muitas vezes
datada de antes do descobrimento do ferro e
da escrita. Para além disso, a leitura dessa
coleção exige, antes de tudo, que o leitor
esteja ciente de que os Orixás tiveram vida na
Terra, em solo africano e, por isso, possuem a
pele preta. Orixá tem cor, tem energia e tem
ancestralidade.

4
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

Èsù - Capítulo 1

- Èsù é o início

Exercendo a função de mensageiro e elo


entre humanos e Orixás, Exu (em Iorubá: Èsù)
é aquele que deve ser saudado primeiro em
toda cerimônia dentro do candomblé da
nação de Ketu. Ele é o guardião do axé,
função dada por Orunmilá (Deus supremo
dos Iorubás). Exu é quem se encarrega do
encontro das preces humanas com as
divindades e, por este motivo, é reconhecido
pelas encruzilhadas. Também é de exu a
responsabilidade pela ordem, equilíbrio e
disciplina. Ele é o início, guardião das portas
de entrada, figura de extrema importância no
panteão Iorubá, tanto na forma geral quanto
nas formas mais específicas, adotando
diferentes nomes e designações para cada
entrada em que se faz presente. Na
cosmologia africana, Exu é retratado como
um ser primordial, que antecede a criação do
mundo e da humanidade. Ele é aquele que
dá início aos processos, rompendo com a
estagnação e trazendo movimento e
transformação. Sua energia vital impulsiona a
vida e a evolução. Tudo que está relacionado
ao início de um caminho pode ser controlado
por Exu, até porque, além das muitas

5
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

qualidades já destacadas, ele também detém


o dom da adivinhação, possibilitando
enxergar e ajudar no futuro daqueles que o
procuram para que ele possa abrir seus
caminhos.

Um dos conceitos de Exu que destoam da


cultura européia e, por isso, causa estranheza
por vezes até mesmo nos adeptos do
candomblé, é que este Orixá está ligado
diretamente ao sexo e ao que se pode
chamar de “baderna”. Exu é uma divindade
com muitos desejos humanos, muitos traços
que podem ser considerados defeitos, como
a malandragem, a violência, o desejo carnal.
Mesmo assim, é possível relacionar tais
qualidades ou defeitos ao seu fundamento
principal, o início de tudo. A malandragem
pode ser o início da prosperidade, a violência
pode ser o início de uma vitória, o desejo
carnal, sexual, é o início da vida. Retratar Exu
como o início de tudo, como aquele que, em
uma simbologia humana, é o porteiro que dá
acesso aos Orixás, é divinizar e reconhecer
seu valor para além do preconceito imposto
por culturas que nada tem a ver com a
Iorubá. Esses aspectos são explorados em
lendas, contos populares e histórias
folclóricas que envolvem Exu como
protagonista ou personagem importante.

6
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

Essas narrativas contribuem para a


construção da identidade cultural brasileira,
incorporando elementos da religião
afro-brasileira e da ancestralidade africana.

Falaremos com mais ênfase sobre este ponto


no decorrer do livro. O fato é que em todos os
contos e lendas que cercam a mitologia de
Exu, é possível encontrar um traço de
malandragem, enganação, traços de
violência, baderna, traços de desejo, sexo,
atrelados sempre a um fundamento muito
maior do que apenas sentimentos. Nesse
contexto, Exu é a personificação do ser que
ama travessuras, não conhece inibições, não
reconhece tabus, dança para desafiar as
injustiças, até mesmo por parte do criador e
para denunciá-las. Mesmo com todas essas
contradições, ele pode ser um moralista
quando lhe convém, aceitando conceder
favores para quem estiver disposto a pagar
seu preço.

Exu é a personificação do princípio da


comunicação e da troca. Ele é responsável
por abrir os caminhos, facilitar o diálogo entre
os seres humanos e os orixás e promover o
fluxo de energia vital. Sua energia é
considerada ambígua e ambivalente, pois ele
pode trazer tanto alegria e prosperidade

7
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

quanto caos e desordem, dependendo de


como é invocado e tratado. Exu é também
conhecido por sua voracidade, sendo
chamado de "a boca que tudo come". Essa
característica simboliza sua capacidade de
absorver e transmutar energias. Ele é capaz
de receber oferendas e transformá-las em
bênçãos, assim como pode se alimentar de
negatividade e transformá-la em energia
positiva. É através desse processo que ele
purifica o ambiente e protege aqueles que o
reverenciam.

Exu nos ensina lições valiosas sobre a


importância da comunicação, da negociação
e da abertura de caminhos. Ele nos lembra
que as fronteiras são necessárias para a
harmonia e que é através da troca e do
respeito mútuo que podemos alcançar a
prosperidade e o equilíbrio em nossas vidas.
Na mitologia iorubá, Exu pode ser
apresentado como filho de Iemanjá e
Orunmilá, e irmão de Ogum. Ele é retratado
de diferentes maneiras, dependendo das
tradições e regiões em que é cultuado.
Geralmente, Exu é representado como um
ser jovial e astuto, vestindo roupas coloridas e
portando uma lança ou um ogó - uma
espécie de tacape com formato fálico. Nesse
ponto, Exu também é associado à fertilidade,

8
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

tanto na natureza quanto nas questões


humanas. Ele é visto como o princípio da
procriação e da reprodução, garantindo a
continuidade da vida e o ciclo de renovação.
É por meio de sua energia que as sementes
são plantadas e a vida floresce.

É importante ressaltar que a figura de Exu


muitas vezes é mal compreendida e
estigmatizada, sendo associada a
estereótipos negativos devido à falta de
conhecimento e à deturpação de suas
características. Exu desempenha um papel
fundamental nas tradições religiosas
afro-brasileiras, trazendo equilíbrio, proteção
e transformação. Além do contexto religioso,
a figura de Exu também está presente em
diversos aspectos da cultura popular
brasileira. Ele é tema de músicas, danças,
pinturas, esculturas e literatura. Sua imagem
e simbologia são frequentemente retratadas
em obras de arte e festividades culturais,
tanto nas comunidades religiosas quanto na
cultura mais ampla do país. No contexto
urbano brasileiro, Exu é lembrado nas
encruzilhadas, locais onde tradicionalmente
são realizadas oferendas e reverências a ele. A
presença de encruzilhadas e a figura de Exu
são lembradas em expressões populares,
como "ponto de encontro" ou "encontro de

9
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

caminhos", que fazem referência à conexão


entre diferentes possibilidades e escolhas.
Nesse sentido, Exu é o início de novos
caminhos e jornadas, oferecendo
oportunidades de crescimento e
transformação.

Exu é conhecido por diferentes nomes e


manifestações nos diversos povos e culturas
africanas. Sua natureza e características
podem variar de acordo com as tradições
regionais e religiosas. Abaixo estão alguns
exemplos de como Exu é conhecido em
algumas culturas africanas:

1. Iorubá (Nigéria): Na mitologia iorubá,


Exu é chamado de Esu ou Elegbara.
Ele é considerado um mensageiro
divino e o guardião dos caminhos e
das encruzilhadas. É retratado como
um ser astuto e ambíguo, com uma
lança em suas mãos.
2. Fon (Benim e Togo): Na cultura Fon,
Exu é conhecido como Legbá. Ele é
considerado o intermediário entre os
seres humanos e os deuses. Legba é
visto como o guardião das portas e das
fronteiras, responsável por abrir
caminhos e facilitar a comunicação.

10
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

3. Ewe (Togo): Na cultura Ewe, Exu é


chamado de Eshu. Ele é visto como o
guardião das encruzilhadas e protetor
das pessoas. Eshu é conhecido por sua
astúcia e é considerado um ser
ambíguo, podendo trazer tanto
bênçãos quanto desafios.
4. Bantu (Angola, Congo, Moçambique):
Na tradição bantu, Exu é conhecido
como Exu ou Pambu-Njila. Ele é
considerado um intermediário entre os
seres humanos e os espíritos
ancestrais. Exu é associado à energia
sexual, fertilidade, magia e
transformação.

É importante destacar que essas são apenas


algumas das muitas tradições e povos
africanos que têm suas próprias formas de
compreender e cultuar Exu. Cada cultura tem
suas particularidades e nuances na
representação e nas características atribuídas
a esse orixá. Essas variações refletem a
riqueza e a diversidade das tradições
religiosas africanas.

No Brasil, Exu é reverenciado e cultuado em


diferentes tradições religiosas, como o
Candomblé, a Umbanda e outras vertentes
afro-brasileiras. Uma das características

11
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

marcantes de Exu é sua multiplicidade de


faces e manifestações, o que reflete a riqueza
e diversidade das interpretações e práticas
em torno desse orixá.

Cada vertente religiosa tem suas próprias


características e interpretações de Exu, mas
existem alguns aspectos comuns que podem
ser encontrados nas diferentes faces de Exu
no Brasil:

1. Exu Mensageiro: Essa é uma das


representações mais comuns de Exu
no Brasil. Ele é visto como o
mensageiro divino, aquele que leva as
preces e oferendas dos seres humanos
aos orixás. É através de Exu que se
estabelece a comunicação entre o
mundo terreno e o espiritual.
2. Exu Guardião: Exu também é
conhecido como o guardião dos
caminhos e das encruzilhadas. Ele
protege os indivíduos e as
comunidades, assegurando a
segurança e o equilíbrio. É ele quem
estabelece as fronteiras e limites, tanto
físicos quanto espirituais.
3. Exu Transformador: Exu é considerado
um agente de transformação e
renovação. Ele possui a capacidade de

12
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

transmutar energias negativas em


positivas e de catalisar mudanças e
evolução. Por meio de Exu, é possível
superar obstáculos e romper com
padrões estagnados.
4. Exu Brincalhão: Uma das facetas de
Exu é sua natureza brincalhona e
travessa. Ele é conhecido por sua
astúcia e senso de humor, às vezes
desafiando e testando aqueles que o
procuram. Essa faceta de Exu lembra a
importância do jogo e da
espontaneidade na vida.
5. Exu da Sexualidade e Fertilidade: Exu
também está associado à sexualidade
e à fertilidade. Ele é visto como um
guardião das energias sexuais,
podendo ser invocado para questões
relacionadas à vida amorosa, à paixão e
à fertilidade.

Essas são apenas algumas das várias faces de


Exu no Brasil. Cada tradição religiosa, casa de
culto e até mesmo cada indivíduo pode ter
uma percepção e interpretação única desse
orixá. A diversidade de Exu no Brasil reflete a
capacidade de adaptação e ressignificação
das práticas religiosas afro-brasileiras,
mantendo viva a espiritualidade e a cultura
de matriz africana.

13
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

A importância de Exu também pode ser


entendida dentro de um contexto mais
amplo, em que ele representa a presença viva
da cultura e da espiritualidade africana no
Brasil. Ele é um símbolo de resistência,
preservação da ancestralidade e afirmação da
identidade afro-brasileira. Sua figura e culto
mantêm vivas as tradições, os valores e os
ensinamentos transmitidos ao longo das
gerações. Sua relevância pode ser
compreendida por meio de diversos
aspectos. Em suma, Exu é uma figura central
e complexa nas religiões afro-brasileiras,
exercendo múltiplos papéis e representando
diversos aspectos da vida e da
espiritualidade. Sua importância transcende
as fronteiras religiosas, pois sua figura
simbólica e seu culto desempenham um
papel fundamental na preservação da cultura
e da herança africana no Brasil.

Exu é o início de muitos processos, o


mensageiro divino, o guardião dos caminhos
e das encruzilhadas. Sua energia vital e sua
astúcia despertam a transformação, renovam
as possibilidades e abrem novos horizontes.
Ele nos ensina sobre limites, escolhas e
superação, e nos convida a explorar o jogo da
vida com coragem e criatividade. Na
diversidade de suas manifestações e

14
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

representações, Exu nos lembra da riqueza


da cultura brasileira e do valor da pluralidade
religiosa. Sua presença é um convite para
compreendermos e respeitarmos a
complexidade das crenças e práticas
espirituais, promovendo a valorização da
diversidade e o diálogo intercultural. Que
possamos reconhecer a sabedoria e a
relevância de Exu, honrando suas múltiplas
faces e contribuições para a espiritualidade e
a sociedade brasileira.

15
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

Èsù - Capítulo 2

- A boca que tudo come

Antes de falar das origens litúrgicas,


mitológicas e culturais da expressão “a boca
que tudo come”, relacionada a Exu,
precisamos passear brevemente pela
tradição cultural milenar da alimentação em
solo Yorubá. A alimentação na cultura Yorubá
é bastante diversificada e possui uma relação
profunda com os rituais religiosos, a
mitologia e a vida cotidiana do povo.

A base da alimentação Yorubá é composta


por alimentos como inhame, batata-doce,
milho, feijão, arroz, quiabo, abóbora, banana,
coco e diversos tipos de carnes, incluindo
frango, carne bovina, peixe e cabra. Esses
alimentos são utilizados para preparar uma
variedade de pratos, como o "amalá" (um
mingau de inhame ou farinha de mandioca),
o "eba" (um purê de inhame), o "ilá alasepo"
(quiabo cozido com molho de tomate) e o
"ekuru" (bolinho de feijão).

Na cultura Yorubá, a comida é vista como


algo sagrado e sua preparação é cercada de
significado simbólico. Muitas vezes, a comida
é oferecida aos orixás (divindades yorubás)
como parte dos rituais religiosos. Além disso,

16
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

certos alimentos são considerados sagrados e


têm atributos espirituais específicos. Por
exemplo, o inhame é associado à fertilidade,
enquanto o quiabo é considerado um
alimento que traz boa sorte.

Outro aspecto importante da alimentação na


cultura Yorubá é a utilização de temperos e
condimentos tradicionais, que adicionam
sabor e aroma aos pratos. Alguns dos
temperos comuns incluem pimenta
malagueta, cebola, alho, gengibre, coentro e
pimenta-da-jamaica.

Além dos alimentos sólidos, as bebidas


também têm um papel significativo na
cultura Yorubá. O suco de palma, feito a partir
da seiva da palmeira, é uma bebida
tradicionalmente consumida, assim como o
vinho de palma, obtido através da
fermentação da seiva. Outras bebidas
populares incluem o chá de gengibre e o
"ogi" (uma espécie de mingau feito de milho
ou farinha de mandioca).

Para entender a origem da expressão “a boca


que tudo come”, precisamos retornar à
cultura Iorubá e aos primeiros mitos de
Legba do Fon, na região do Benin, que retrata
o conto de Esu-Agberu, o pai de todos os
Exus. Segundo este relato da mitologia

17
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

Iorubá, a mãe de Exu o alimenta em


abundância com peixes e aves, entretanto,
percebe que seu filho nunca está saciado e,
por sua fome sem fim, acaba por engolir sua
própria mãe. Irado, Orunmilá destrói Exu, que
se multiplica na forma de pequenos
fragmentos de laterita-yangi, uma pedra que
rapidamente se espalha pela Terra. Para
acalmar seu pai e reaver seu espírito Orixá,
Exu promete que todos os fragmentos de
Laterita-Yangi serão representações dele na
Terra e que sua fome será compartilhada
entre elas. Tudo que Orunmilá deveria fazer
era abençoar as pedras e elas cumprirão suas
ordens. Exu então tosse sua mãe.

Exu também é conhecido como "a boca que


tudo come" devido à sua associação com a
alimentação e o processo de sacrifício
ritualístico nas religiões afro-brasileiras. Essa
expressão é simbólica e representa a função
de Exu como intermediário entre o mundo
espiritual e o mundo material. Uma
concepção que está relacionada com a
crença de que, ao receber a alimentação e as
oferendas, Exu fica satisfeito e abre o
caminho para que os pedidos e preces dos
praticantes cheguem aos orixás, permitindo a
comunicação entre o plano material e o
espiritual. A expressão também pode ser

18
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

interpretada de maneira mais ampla,


representando a natureza voraz e insaciável
de Exu. Ele é visto como aquele que consome
as energias negativas, transmutando-as em
positivas e trazendo equilíbrio. Nesse sentido,
Exu se alimenta dos desequilíbrios e
impurezas, purificando e renovando as
energias.

Exu, nas tradições religiosas afro-brasileiras, é


frequentemente ofertado com alimentos
específicos como parte dos rituais e cultos. A
alimentação oferecida a Exu pode variar de
acordo com a tradição específica, a qualidade
de Exu e o propósito do ritual. Geralmente, as
oferendas a Exu incluem alimentos como
farofa, pipoca, milho torrado, feijão fradinho,
frutas cítricas, carne de animais como frango,
carneiro ou bode, entre outros. No entanto, é
importante ressaltar que as preferências
alimentares podem variar entre as diferentes
qualidades de Exu e as orientações
específicas de cada casa religiosa. Essas
oferendas alimentares têm um significado
simbólico e funcional. Simbolicamente, os
alimentos representam a energia vital e são
oferecidos como um gesto de respeito,
gratidão e alimentação espiritual para Exu.
Funcionalmente, acredita-se que Exu se
alimenta dessas oferendas para fortalecer e

19
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

ativar sua presença espiritual, permitindo que


ele cumpra suas funções e atribuições.

Além dos alimentos, também é comum


oferecer bebidas como aguardente, cachaça
ou vinho, que são derramadas como libações
em honra a Exu. Essas bebidas representam a
energia líquida e o axé (força vital) que são
compartilhados com Exu. É importante
ressaltar que as oferendas a Exu devem ser
feitas com respeito, seguindo as orientações
e tradições específicas de cada casa religiosa.
O ato de ofertar alimentos a Exu é um
aspecto central das práticas religiosas
afro-brasileiras e contribui para o
fortalecimento da conexão entre os seres
humanos e o mundo espiritual. Por se tratar
da boca que tudo come, literalmente tudo
pode ser oferecido a Exu, o que pode causar
um certo estranhamento em determinadas
interpretações, podendo levar Exu ao
patamar de divindade que aceitaria, por
exemplo, sacrifícios humanos, o que não
acontece.

Dentro das religiões de matriz africana, no


Brasil, são comuns as seguintes opções de
oferendas para Exu:

1. Alimentos: Alimentos como farofa,


pipoca, milho torrado, feijão fradinho,

20
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

frutas cítricas e carnes como frango,


carneiro ou bode são comumente
oferecidos a Exu. É importante lembrar
de preparar os alimentos com respeito
e atenção, oferecendo-os com amor e
intenção devocional.
2. Bebidas: Bebidas como aguardente,
cachaça, vinho ou mesmo água
podem ser oferecidas a Exu. Elas
representam a energia líquida e o axé
que são compartilhados com a
entidade. Certifique-se de derramar
uma pequena quantidade da bebida
como libação, como forma de
compartilhar a energia da oferenda.
3. Velas: Velas são símbolos de luz e
transformação espiritual. Acender uma
vela para Exu é uma forma de oferecer
sua luz e energia. As velas geralmente
são vermelhas ou pretas, que são cores
associadas a Exu, mas também podem
ser utilizadas outras cores de acordo
com a tradição.
4. Flores: Algumas tradições também
oferecem flores a Exu como forma de
honrá-lo. As flores podem ser
escolhidas com base nas preferências
pessoais ou nas tradições específicas
de cada casa religiosa.

21
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

Um ponto de discussão sobre as oferendas


para Exu é a política de regulamentação do
abate religioso, também conhecido como
abate ritual, que pode variar de acordo com o
país e suas leis específicas. Geralmente, essas
regulamentações buscam equilibrar a
proteção dos direitos e bem-estar dos
animais com a liberdade religiosa e práticas
culturais. Em muitos países, existem
regulamentações específicas que permitem
o abate religioso sob certas condições. Essas
condições podem incluir requisitos para o
treinamento adequado dos abatedores,
métodos específicos de abate que
minimizem o sofrimento dos animais,
inspeções regulares dos locais de abate e
garantia de que as práticas estejam em
conformidade com as leis de bem-estar
animal existentes. Em algumas jurisdições,
essas regulamentações podem ser
estabelecidas por meio de leis específicas,
enquanto em outras podem ser
regulamentadas por órgãos governamentais
ou agências de bem-estar animal. É
importante ressaltar que essas
regulamentações podem variar amplamente
de um país para outro.

O que define as regras de abate animal no


Brasil é o Regulamento da Inspeção

22
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

Industrial e Sanitária de Produtos de Origem


Animal Art. 135. Normativas do Ministério da
Agricultura e decretos estaduais disciplinam
expressamente o abate religioso, devendo ser
salientado que a Instrução Normativa n.
3/2000, do Ministério da Agricultura,
cataloga-o dentre as modalidades de abate
humanitário, senão vejamos: Decreto n.
30.691, de 29 de março de 1952, Aprova o novo
Regulamento da Inspeção Industrial e
Sanitária de Produtos de Origem Animal Art.
135. Só é permitido o sacrifício de animais de
açougue por métodos humanitários,
utilizando-se de prévia insensibilização
baseada em princípios científicos, seguida de
imediata sangria. § 2º É facultado o sacrifício
de bovinos de acordo com preceitos
religiosos (jugulação cruenta), desde que
sejam destinados ao consumo por
comunidade religiosa que os requeira ou ao
comércio internacional com países que
façam essa exigência. Portaria n. 210, de 10 de
novembro de 1998, aprova o Regulamento
Técnico da Inspeção Tecnológica e
Higiênico-Sanitária de Carne de Aves 4.2.
Permite-se o abate sem prévia
insensibilização apenas para atendimento de
preceitos religiosos ou de requisitos de países
importadores. Instrução Normativa n. 3, de 17
de janeiro de 2000, aprova o Regulamento

23
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

Técnico de Métodos de Insensibilização para


o Abate Humanitário de Animais de Açougue
11.3. É facultado o sacrifício de animais de
acordo com preceitos religiosos, desde que
sejam destinados ao consumo por
comunidade religiosa que os requeira ou ao
comércio internacional com países que
façam essa exigência, sempre atendidos os
métodos de contenção dos animais.”

Apesar do abate animal ser um estigma


cultural e que traz muitos preconceitos
contra as religiões de matriz africana, uma
das práticas mais conhecidas é o abate halal,
realizado de acordo com os princípios
islâmicos, e o abate kosher, realizado de
acordo com as práticas judaicas. Ambas as
práticas têm orientações específicas sobre os
métodos de abate, incluindo o uso de
utensílios afiados para garantir uma morte
rápida e sem sofrimento para o animal. É
importante ressaltar que, em muitos casos, as
comunidades religiosas que realizam o abate
religioso se esforçam para garantir que os
animais sejam tratados com respeito e
cuidado antes e durante o abate. Além disso,
a carne resultante do abate religioso muitas
vezes é utilizada para alimentação,
compartilhada com membros da

24
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

comunidade ou doada para ajudar os


necessitados.

Infelizmente, o preconceito contra o abate


animal no contexto do candomblé e outras
religiões de matriz africana é uma realidade
enfrentada por muitas comunidades
religiosas. Esse preconceito está ligado a
estereótipos negativos e falta de
compreensão em relação às práticas
religiosas e culturais dessas tradições. O
abate animal no candomblé, conhecido
como "sacralização", é uma parte importante
dos rituais e cerimônias, sendo realizado com
respeito, cuidado e seguindo os preceitos e
orientações religiosas específicas. Para as
comunidades religiosas envolvidas, o abate
animal é considerado um ato de devoção,
reverência e comunhão espiritual.

No entanto, o desconhecimento e a falta de


informação sobre as práticas religiosas
afro-brasileiras podem levar a visões
distorcidas e preconceituosas. Esses estigmas
podem ser alimentados por preconceitos
religiosos, racismo, intolerância religiosa e
falta de diálogo intercultural. É importante
promover a educação, o diálogo e o respeito
mútuo para combater o preconceito e a
discriminação contra as práticas religiosas

25
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

afro-brasileiras, incluindo o abate animal no


candomblé. Isso envolve disseminar
informações corretas sobre as tradições
religiosas afro-brasileiras, sua importância
cultural e espiritual, bem como destacar o
compromisso dessas comunidades com o
respeito aos animais e a preservação da
natureza. Além disso, é essencial buscar a
construção de uma sociedade mais inclusiva
e respeitosa, reconhecendo e valorizando a
diversidade religiosa e cultural do país,
garantindo o exercício da liberdade religiosa
de todas as comunidades, desde que dentro
dos limites estabelecidos pela legislação
vigente em relação ao bem-estar animal e à
saúde pública.

No que diz respeito a Exu e aos locais onde


são deixadas suas oferendas, podemos
destacar mais uma forma de preconceito. A
expressão "chuta que é macumba" é um
exemplo de estereótipo e preconceito
comumente usado de forma pejorativa e
discriminatória em relação às religiões de
matriz africana, como o candomblé e a
umbanda. Essa frase carrega uma carga
negativa e desrespeitosa, reforçando
estereótipos negativos e contribuindo para a
marginalização e discriminação dessas
religiões. Esse tipo de construção

26
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

preconceituosa acontece pois é muito


comum que os adeptos das religiões de
matriz africana deixem agrados para Exu nas
encruzilhadas dos centros urbanos e
residenciais.

Essas oferendas têm um significado


simbólico e são realizadas como forma de
estabelecer uma conexão entre o mundo
humano e o mundo espiritual. A encruzilhada
é um local considerado sagrado nessas
tradições, pois é um ponto de encontro de
diferentes caminhos e energias. Ela é vista
como um espaço onde Exu, uma divindade
associada às encruzilhadas, tem poder e
influência. As oferendas nas encruzilhadas
geralmente consistem em elementos
simbólicos, como velas, flores, alimentos,
bebidas, tabaco, entre outros. Cada elemento
tem um significado específico e é escolhido
de acordo com a intenção da oferenda e a
conexão com as energias e divindades
envolvidas. Essas oferendas são realizadas
como forma de estabelecer um diálogo com
as divindades, pedir proteção, orientação
espiritual, resolver problemas, expressar
gratidão ou fortalecer vínculos. Elas são
consideradas uma forma de troca e
reciprocidade com as entidades espirituais.

27
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

É importante ressaltar que as oferendas


devem ser feitas de forma consciente e
respeitosa, seguindo as orientações e práticas
específicas de cada tradição religiosa.
Também é essencial que sejam realizadas
com cuidado em relação ao meio ambiente,
garantindo que os elementos utilizados
sejam biodegradáveis e não causem danos à
natureza.

Vale lembrar que, para realizar oferendas nas


encruzilhadas ou qualquer prática religiosa, é
necessário respeitar as leis e regulamentos
locais, bem como obter permissão do local
onde a oferenda será realizada. É importante
destacar que o candomblé, a umbanda e
outras religiões de matriz africana são
práticas religiosas legítimas e reconhecidas,
com suas próprias crenças, rituais e valores.
Elas têm uma história rica e desempenham
um papel significativo na cultura e
identidade de muitas pessoas no Brasil e em
outros países. Combater esse tipo de
preconceito requer educação, diálogo e
respeito mútuo. É essencial promover a
valorização da diversidade religiosa e o
entendimento de que todas as religiões
devem ser tratadas com igualdade e respeito.
Isso inclui o reconhecimento e a valorização
das tradições religiosas de matriz africana,

28
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

bem como a desconstrução de estereótipos e


preconceitos que possam estar associados a
elas.

Tratadas as questões do que pode ser


oferecido a Exu e o que está ligado
energeticamente às oferendas, podemos
relacionar a transformação da energia do
alimento oferecido a ele com o ritual de Ebó,
que é um termo utilizado nas religiões de
matriz africana, como o candomblé e a
umbanda, para se referir a um ritual de
purificação e propiciação realizado com o
objetivo de resolver problemas espirituais,
promover equilíbrio e harmonia, além de,
literalmente, significar oferenda. O ebó é uma
prática importante nessas religiões e é
realizado por meio de oferendas específicas,
que podem incluir elementos como
alimentos, bebidas, velas, ervas, objetos
simbólicos e outros materiais. Cada ebó tem
sua própria finalidade e pode ser direcionado
para diferentes divindades ou entidades
espirituais, de acordo com a situação e a
necessidade.

O objetivo principal do ebó é estabelecer


uma conexão entre o mundo humano e o
mundo espiritual, por isso a relação direta
com Exu, buscando resolver conflitos, afastar

29
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

energias negativas, purificar o indivíduo ou o


ambiente, trazer proteção, equilíbrio e
restabelecer o bem-estar espiritual. O ebó é
realizado sob a orientação de um sacerdote
ou sacerdotisa, que possui conhecimento e
autoridade dentro da tradição religiosa. Esse
líder religioso determina quais são as
oferendas apropriadas para cada situação e
conduz o ritual de forma apropriada,
seguindo os princípios e rituais específicos da
tradição em questão. É importante destacar
que o ebó é um ato de devoção e respeito às
divindades e entidades espirituais. É
considerado um momento sagrado e de
conexão com o sagrado, onde são feitos
pedidos, agradecimentos e busca por
orientação e auxílio espiritual. Cada ebó é
único e adaptado às necessidades individuais
e circunstâncias específicas de cada pessoa,
portanto, é realizado de forma personalizada
e direcionado a cada situação particular.

30
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

Èsù - Capítulo 3

- A comunicação

Ao Orixá da comunicação podemos atribuir,


entre outras coisas, o domínio de todos os
idiomas falados no planeta, falaremos sobre
isso mais à frente. Porém, como base do
candomblé de Ketu e culto aos Orixás,
precisamos voltar nossa atenção à língua
falada na Yorubalândia (território que
compreende as nações falantes do Yorubá). A
língua Yorubá é um idioma da família
linguística Níger-Congo, falado
principalmente pelos povos Yorubá na
Nigéria, Benin e Togo. É uma língua tonal, o
que significa que o tom utilizado ao
pronunciar uma palavra pode alterar seu
significado, como exemplo simples, a palavra
Ogun que, dependendo do tom, pode
significar “ferro”, “força”, o Orixá Ogun ou
“vômito”. A comunicação em solo Yorubá
envolve o uso dessa língua e suas
características específicas.

A escrita Yorubá, também conhecida como


sistema de escrita Yorubá, é baseada no
alfabeto latino e foi desenvolvida por volta da
década de 1850, ainda no período dos últimos
navios negreiros, por intelectuais e
acadêmicos yorubás na região que

31
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

atualmente corresponde à Nigéria e ao


Benin. A língua Yorubá, falada pelo povo
Yorubá, tem uma história rica e uma tradição
oral bem estabelecida que remonta a séculos
atrás. No entanto, antes do desenvolvimento
do sistema de escrita Yorubá, a língua era
predominantemente transmitida oralmente e
registrada em outras formas, como em
sistemas de escrita árabe e Ajami.

Foi somente com o surgimento do sistema


de escrita Yorubá baseado no alfabeto latino
que a língua Yorubá começou a ser
amplamente registrada por escrito. Isso
permitiu que a literatura, as tradições
religiosas e a história da cultura Yorubá
fossem documentadas e preservadas de
maneira mais sistemática. Desde então, o
sistema de escrita Yorubá tem sido usado em
uma variedade de contextos, incluindo livros,
jornais, revistas, música e outros meios de
comunicação escrita, contribuindo para a
promoção e preservação da rica herança
cultural do povo Yorubá.

São muitas as formas de comunicação dentro


do idioma Yorubá, sua gramática é complexa
e existem muitos aspectos a serem levados
em consideração quando se trata da

32
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

linguagem. É possível observar estes


aspectos das seguintes formas:

1. Saudações: As saudações são uma


parte importante da comunicação
Yorubá. Cumprimentar alguém de
maneira apropriada é considerado um
sinal de respeito. Alguns
cumprimentos comuns são "Ẹ káàrọ ̀ "
(bom dia), "Bẹ ́ ẹ
̀ ni" (sim) e "Káàbọ ̀ "
(bem-vindo).
2. Etiqueta: Na comunicação Yorubá, é
comum usar expressões e fórmulas de
cortesia para mostrar respeito. Por
exemplo, usar os pronomes de
tratamento corretos, como "ọmọ mi"
(meu filho/minha filha) ou "ẹgbọ́ n mi"
(meu irmão/ minha irmã), dependendo
do contexto.
3. Provérbios: Os provérbios
desempenham um papel importante
na comunicação Yorubá. Eles são
usados para transmitir sabedoria,
ensinamentos e reflexões sobre a vida.
Os Yorubás frequentemente recorrem
a provérbios para ilustrar um ponto ou
transmitir uma mensagem de forma
concisa.
4. Uso de tons: Como mencionado
anteriormente, a língua Yorubá é tonal,

33
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

o que significa que a mudança no tom


pode mudar o significado de uma
palavra. Os tons são usados para
distinguir palavras que, de outra forma,
teriam a mesma grafia. É importante
ter cuidado com a entonação correta
ao falar Yorubá para evitar
mal-entendidos.
5. Gestos e expressões faciais: Assim
como em muitas culturas, gestos e
expressões faciais são usados na
comunicação Yorubá para
complementar o significado das
palavras. Esses gestos podem variar de
cumprimentos físicos, como apertos
de mão, a acenos de cabeça, olhares e
sorrisos.
6. Comunicação não verbal: A
comunicação não verbal, como o uso
de contato visual, postura corporal e
distância interpessoal, também
desempenha um papel importante na
comunicação Yorubá. Esses elementos
podem transmitir respeito, submissão
ou intimidade, dependendo do
contexto.

Dentro do contexto e das características de


Exu, é impossível não falar do Orixá
Mensageiro sem mencionar a importância da

34
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

comunicação, uma vez que ele também


responde por ela. Na cultura Yorubá,
Esu-Elegbara é o Deus da comunicação e das
linguagens, tanto humanas quanto
espirituais. Ainda sobre Esu-Elegbara, a
cultura Yorubá faz uma profunda reflexão
sobre comunicação, adivinhação e as
peculiaridades desse Orixá que, entre outras
coisas, responde pelo diálogo e pelas notícias
futuras. De acordo com a cultura Iorubá, Exu
seria o sétimo filho do criador e, para ele,
Orunmilá não poupa advertências. "Como
você é mimado e nunca conheceu castigos,
não posso entregá-lo aos seus irmãos". Isso
significa dizer que não há nenhum reino
atribuído a ele e ele não pode ser submetido
aos elementos que representam seus irmãos,
apesar disso, este conceito não é negativo,
uma vez que Exu “não pode nada e não está
em lugar nenhum", ele pode tudo e está em
todos os lugares. Seu trabalho é visitar todos
os reinos governados por seus irmãos e irmãs
e relatar tudo a Orunmilá. Assim, Exu passa a
ser descrito como o criador linguista, ele é o
intérprete dos homens e dos espíritos,
homens e mulheres perante o criador, é ele
quem comanda e detém o conhecimento de
todas as línguas faladas pelos homens em
todos os cantos do mundo.

35
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

Para a cultura Ifá, Exu é aquele pelo qual


todos devem passar antes de se iniciarem em
seu culto, e isso se dá primordialmente pela
habilidade de Exu de se comunicar e
interpretar as adivinhações dos oráculos.
Sobre adivinhação, existe uma crença
tradicional de que todas as histórias vem de
Ifá, o sistema de adivinhação que se altera de
acordo com a pessoa para quem ele está
sendo aberto. "Tudo que acontece na Terra
aconteceu no céu antes. Então Ifá e Exu
podem aconselhar o ser humano porque eles
mesmos descobriram como enfrentar todas
as situações possíveis no céu". Exu tem uma
relação estreita com Ifá, que é um sistema
divinatório e uma tradição espiritual
praticada por alguns grupos étnicos na
região da África Ocidental, como os iorubás.
Ifá é considerado um dos oráculos mais
antigos e respeitados dentro do contexto
religioso africano. Exu desempenha um papel
fundamental no sistema de Ifá como o
mensageiro divino e intermediário entre os
seres humanos e os oráculos. Ele é
responsável por transmitir as mensagens e
instruções dos oráculos divinos para aqueles
que consultam o Ifá.

No sistema de Ifá, Exu é considerado a


primeira divindade a ser invocada antes de

36
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

qualquer consulta ou ritual. Ele é saudado e


reverenciado para abrir o caminho da
comunicação entre o praticante e os oráculos
divinos, permitindo assim a obtenção de
orientações e respostas para questões
específicas. Exu também desempenha um
papel importante na resolução de conflitos e
na solução de problemas na tradição de Ifá.
Ele pode ser invocado para equilibrar as
energias, afastar obstáculos e facilitar a
conexão com as divindades responsáveis por
governar as diversas áreas da vida. Além
disso, Exu é associado ao princípio do
livre-arbítrio e da escolha na tradição de Ifá.
Ele desafia as pessoas a tomar decisões
conscientes e responsáveis, testando sua
integridade e compromisso com os princípios
éticos e morais. Exu desempenha um papel
crucial na prática de Ifá, atuando como o
mensageiro divino e intermediário entre os
seres humanos e os oráculos divinos. Sua
presença é essencial para abrir o caminho da
comunicação, fornecer orientações e facilitar
a resolução de problemas dentro dessa
tradição espiritual africana.

Ifá, por sua vez, é um sistema complexo de


adivinhação e orientação espiritual. É
realizado por meio do lançamento de um
conjunto de pequenos objetos, como nozes

37
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

de coco, conchas ou sementes, que formam


padrões específicos. Esses padrões são
interpretados pelos sacerdotes de Ifá,
conhecidos como babalawos, que são
especializados em interpretar as mensagens
divinatórias e fornecer orientações aos
consultantes. Exu desempenha um papel
crucial durante as consultas de Ifá. Antes de
realizar o processo divinatório, os babalawos
invocam Exu para estabelecer a conexão
entre o mundo humano e o mundo
espiritual.

Ainda dentro da cultura Yorubá-Ifá, existem


muitos festivais que celebram Exu e seus
dons de vidência e comunicação. Um dos
festivais mais conhecidos é o "Festival de
Odun Ifá" ou "Festival de Ifá", que ocorre
anualmente e é uma celebração em honra a
Ifá e Exu. Durante o festival, sacerdotes e
praticantes de Ifá se reúnem em templos
sagrados ou espaços ao ar livre para realizar
rituais, cantar, dançar e oferecer sacrifícios
aos orixás. Os praticantes vestem roupas
tradicionais, muitas vezes com estampas de
cores brilhantes e adornos especiais.

Durante o festival, os sacerdotes e a


comunidade também realizam consultas de
Ifá, onde as pessoas podem buscar

38
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

orientação espiritual e respostas para suas


perguntas por meio do sistema divinatório.
Essas consultas são conduzidas pelos
sacerdotes de Ifá, que fazem uso de búzios,
correntes, palavras sagradas e outros
elementos para se conectar com os orixás e
transmitir mensagens e orientações
divinatórias. O Festival de Odun Ifá é uma
ocasião importante para reunir a
comunidade Yorubá, honrar as divindades e
fortalecer os laços culturais e religiosos. É
uma celebração que une música, dança,
espiritualidade e a sabedoria ancestral
transmitida por meio do sistema divinatório
de Ifá.

Não há ninguém mais inteligente que Exu,


entretanto, sua humanidade o faz preferir
estar ao lado dos mortais. Elegbara, o elo
entre o mundo dos mortais e dos espíritos, os
meios e a avenida entre eles, o acesso vertical
do universo. Como guardião das portas, ele é
quem media a comunicação com os Orixás e
entre os Orixás em diversas ocasiões. A
encruzilhada é seu ponto de encontro e é a
junção onde a comunicação entre os
mundos é estabelecida. Onde está presente o
trânsito de energias e forças entre os
diferentes planos.

39
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

Dentre os muitos ensinamentos de Exu,


inseridos na cultura Yorubá, um dos mais
importantes é justamente sobre cultivar a
arte de reconhecer comunicações
significativas, lições da encruzilhada.
Aprender com as portas que se abrem e que
se fecham, onde as pessoas adquirem
experiência para tomar decisões que afetarão
suas vidas para sempre. Talvez a história mais
famosa sobre e Exu e o poder da
comunicação seja o conto sobre dois amigos
inseparáveis que juraram fidelidade eterna
um ao outro, mas negligenciaram Exu. Um
dia, caminhando entre eles, usando um gorro
metade vermelho e metade preto, Exu se vê
no meio de uma discussão entre os dois
amigos. Os dois começaram a brigar
violentamente sobre qual seria a cor do gorro
de Exu, visto que cada um só enxergava de
um lado. Após muita discussão, Exu gira e
mostra para os amigos os dois lados de seu
gorro e revela que aquela discussão é um
castigo para os amigos que negligenciaram a
importância de Exu e da comunicação.
Passeando entre diferentes visões de mundo,
Elegbara confunde a comunicação, revela
ambiguidades do conhecimento e joga com
a perspectiva. Ele é um mestre da troca e da
negociação. Muito por isso, está associado
também aos mercados.

40
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

Exu trabalha de várias maneiras dentro das


tradições religiosas afro-brasileiras, como o
candomblé e a umbanda. Sua atuação no
Brasil reflete a adaptação e sincretismo
dessas tradições com a cultura brasileira. Na
Umbanda, por exemplo, Exu se comunica de
diferentes maneiras com os praticantes e
médiuns. Como uma entidade de energia
dinâmica e multifacetada, Exu utiliza diversos
recursos para se comunicar e transmitir suas
mensagens. Entre eles:

1. Incorporação: Uma das formas mais


comuns de comunicação de Exu na
Umbanda é através da incorporação
em médiuns. O médium, devidamente
preparado e em transe mediúnico,
permite que Exu utilize seu corpo e voz
para transmitir suas mensagens e
interagir com as pessoas presentes.
2. Linguagem simbólica: Exu é conhecido
por sua habilidade em utilizar jogos de
palavras, metáforas e linguagem
simbólica para transmitir suas
mensagens. Ele pode comunicar-se
por meio de expressões, gestos, danças
e até mesmo por palavras que
possuem múltiplos significados,
desafiando o entendimento literal e

41
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

convidando à reflexão e interpretação


mais profunda.
3. Pombagira e Exu Mirim: Exu também
se comunica por meio das entidades
conhecidas como Pombagira e Exu
Mirim. Pombagira é uma entidade
feminina associada a Exu e
desempenha um papel de grande
importância na comunicação com os
médiuns e praticantes. Já os Exus
Mirins são entidades infantis de Exu,
que possuem uma energia mais leve e
lúdica, e também podem se
comunicar com os médiuns.
4. Jogo de Búzios: Em algumas casas de
Umbanda, Exu pode se manifestar
durante a prática do jogo de búzios. O
médium, utilizando os búzios como
instrumento divinatório, interpreta as
mensagens de Exu através dos
padrões formados pelos búzios e suas
configurações específicas.
5. Sonhos e intuições: Exu pode se
comunicar com os praticantes e
médiuns por meio de sonhos e
intuições. Ele pode enviar mensagens
durante o sono, trazendo orientações,
alertas ou respostas a questões
específicas. Além disso, Exu pode
transmitir desejos e inspirações

42
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

intuitivas, que surgem


espontaneamente na mente das
pessoas.

Os sonhos têm uma importância significativa


na cultura Yorubá. Na tradição Yorubá, os
sonhos são considerados uma forma de
comunicação entre o mundo espiritual e o
mundo humano. Acredita-se que os sonhos
sejam um meio pelo qual os seres humanos
podem receber mensagens, orientações e
revelações dos orixás, dos ancestrais e de
outras entidades espirituais.

Os Yorubás acreditam que os sonhos podem


oferecer informações valiosas sobre diversos
aspectos da vida, como questões pessoais,
saúde, relacionamentos, decisões futuras e
eventos que estão por vir. Eles acreditam que
os orixás e outras entidades espirituais
podem se comunicar com os indivíduos por
meio dos sonhos, transmitindo mensagens
simbólicas, orientações e avisos.

Na cultura Yorubá, a interpretação dos


sonhos é considerada uma habilidade
especializada e pode ser realizada por
sacerdotes, babalawos (adivinhos de Ifá) ou
pessoas com conhecimento e experiência em
lidar com a linguagem simbólica dos sonhos.
Essas pessoas são treinadas para decifrar os

43
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

símbolos e os significados ocultos nos


sonhos, oferecendo orientação e conselho
com base nessas interpretações.

Uma das características mais marcantes de


Exu é a sua relação com a sexualidade, isso
também fica evidenciado nas formas em que
ele se comunica com os seres humanos. É
muito comum que, através de sonhos, esse
Orixá se comunique com as pessoas e que,
por diversas vezes, dada a sua energia de
virilidade, proporcione sonhos com um teor
extremamente sexual. É muito comum o
relato de pessoas que recebem mensagens
de Exu através de um sonho erótico. Tudo
que cerca a mitologia de Exu está direta e
indiretamente conectada, tudo funciona
como um todo e parte do mesmo princípio, a
comunicação. Afinal, o sexo também é uma
forma do nosso corpo se comunicar com o
outro e trocar prazer.

De acordo com diversas tradições e


abordagens interpretativas, os sonhos podem
conter mensagens e significados simbólicos.
No caso de sonhos eróticos, também é
possível atribuir-lhes significados simbólicos,
embora seja importante ressaltar que a
interpretação dos sonhos é subjetiva e pode
variar de pessoa para pessoa. Os sonhos

44
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

eróticos podem refletir desejos, emoções


reprimidas, atrações sexuais ou até mesmo
preocupações relacionadas à sexualidade.
Podem ser uma expressão do subconsciente,
permitindo que emoções e experiências
sexuais se manifestem durante o sono. Os
tabus referentes a esses assuntos, inclusive,
não fazem parte da personalidade de Exu
que, para se expressar, não mede esforços até
que seja compreendido por todos,
independente do tipo de linguagem.

45
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

Èsù - Capítulo 4

- Exu não é o diabo

A demonização de Exu é um fenômeno


complexo que não possui uma origem ou
momento específico. Ela ocorre ao longo do
processo de colonização e cristianização das
regiões onde as religiões de matriz africana
foram trazidas pelos africanos escravizados
para as Américas, incluindo o Brasil. Antes
disso, ainda em solo africano, a figura de Exu
foi relacionada ao que o cristianismo chama
de inimigo. No período de genocídio do povo
negro nos países africanos, os colonizadores
europeus buscavam motivos, mesmo que
religiosos para justificar suas atrocidades.
Apagar a cultura de um povo é uma das
formas mais rápidas de controlar suas futuras
gerações e, ao se deparar com a figura de
Exu, uma divindade livre de pudores, que
bebia, fumava, praticava sexo por prazer e
extremamente subversiva, o colonizador via
ali um símbolo de resistência e contraponto
com os dogmas da sua religião. Criando
assim uma associação racista com um
inimigo invisível que, para eles, justificava a
erradicação do culto e de quem cultuava Exu
e os Orixás de maneira geral.

46
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

Durante a colonização, a religião africana foi


reprimida pelas autoridades coloniais
européias, que buscavam impor a religião
cristã e suprimir as práticas religiosas
indígenas e africanas. Os africanos
escravizados foram forçados a abandonar
suas crenças e práticas religiosas tradicionais,
e foram incentivados a adotar a religião cristã.
Nesse contexto, as divindades africanas,
incluindo Exu, foram consideradas pagãs,
demoníacas e associadas ao diabo pelos
missionários cristãos. A questão de por que
alguns cristãos demonizam Exu até hoje,
assim como outras divindades ou entidades
espirituais de outras religiões, é complexa e
envolve uma combinação de fatores
históricos, culturais e religiosos, incluindo o
processo de colonização. Durante esse
período, as crenças e práticas religiosas dos
povos indígenas e africanos foram
frequentemente demonizadas e
consideradas como formas de idolatria ou
adoração a falsos deuses. Isso ocorreu como
parte dos esforços dos missionários cristãos
para converter as populações nativas ao
cristianismo.

No entanto, é importante ressaltar que a


demonização de Exu e de outras divindades
não é uma visão compartilhada por todos os

47
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

cristãos. Há cristãos que adotam uma postura


mais inclusiva e respeitosa em relação às
diferentes tradições religiosas, reconhecendo
a diversidade espiritual e valorizando o
diálogo inter-religioso. A compreensão e a
atitude em relação a Exu e outras divindades
podem variar entre diferentes denominações
e indivíduos dentro da fé cristã.

A demonização de Exu também está


relacionada a estereótipos e preconceitos
raciais. A cultura africana foi estigmatizada
como primitiva e selvagem, e as divindades
africanas foram retratadas como malignas e
perigosas. Essa visão negativa foi reforçada
pelo racismo estrutural e pela desvalorização
das culturas e religiões africanas ao longo dos
séculos.

Exu, com sua natureza ambígua e sua


representação do poder, da sexualidade e da
rebeldia, foi especialmente alvo de
estereótipos negativos e demonização. Sua
figura foi distorcida e associada a entidades
malévolas e diabólicas, afastando-o de sua
essência original como uma divindade
importante e respeitada nas tradições
africanas. Essa demonização e
estigmatização persistiram por gerações,
contribuindo para a marginalização e

48
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

discriminação das religiões de matriz africana


no Brasil. A prática do candomblé e outras
formas de culto africano foram criminalizadas
e perseguidas, levando à necessidade de
preservar e transmitir essas tradições de
forma clandestina e adaptada. Felizmente,
nas últimas décadas, houve um movimento
de resgate e valorização das religiões de
matriz africana, bem como uma maior
compreensão e aceitação da importância de
Exu e outras divindades africanas. Ainda
assim, é importante reconhecer e combater
os estereótipos negativos enraizados que
persistem até hoje em relação a Exu e às
religiões afro-brasileiras.

CARTILHA DE DIREITOS DOS POVOS


TRADICIONAIS DE MATRIZ AFRICANA:

A Constituição Federal, por meio do artigo


215, determina que o Estado proteja as
manifestações culturais populares, indígenas
e afro-brasileiras, e as de outros grupos
participantes do processo civilizatório
nacional.

No artigo 216, a Constituição Federal


determina que deve ser promovido e
protegido pelo Poder Público o patrimônio
cultural brasileiro, considerando tanto os bens
de natureza material quanto imaterial – o

49
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

jeito de se expressar, ser e viver – dos


diferentes grupos formadores da sociedade
brasileira.

Entre esses diferentes grupos formadores da


sociedade brasileira estão os povos indígenas,
as comunidades quilombolas, os extrativistas,
os pescadores artesanais, os geraizeiros, os
veredeiros, os vazanteiros, os apanhadores de
flores sempre-vivas, os faiscadores. Veja
abaixo:

Art. 215 – O Estado garantirá a todos o


pleno exercício dos direitos culturais e
acesso às fontes da cultura nacional, e
apoiará e incentivará a valorização e a
difusão das manifestações culturais. §
1º O Estado protegerá as
manifestações das culturas populares,
indígenas e afro-brasileiras, e das de
outros grupos participantes do
processo civilizatório nacional [...]

Art. 216 – Constituem patrimônio


cultural brasileiro os bens de natureza
material e imaterial, tomados
individualmente ou em conjunto,
portadores de referência à identidade,
à ação, à memória dos diferentes
grupos formadores da sociedade
brasileira, nos quais se incluem:

50
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

1. as formas de expressão;
2. os modos de criar, fazer e viver;
3. as criações científicas, artísticas e
tecnológicas;
4. as obras, objetos, documentos,
edificações e demais espaços
destinados às manifestações
artístico-culturais;
5. os conjuntos urbanos e sítios de valor
histórico, paisagístico, artístico,
arqueológico, paleontológico,
ecológico e científico.

§ 1º O Poder Público, com a colaboração da


comunidade, promoverá e protegerá o
patrimônio cultural brasileiro, por meio de
inventários, registros, vigilância, tombamento
e desapropriação, e de outras formas de
acautelamento e preservação. [...]

§ 4º Os danos e ameaças ao patrimônio


cultural serão punidos, na forma da lei.

§ 5º Ficam tombados todos os documentos e


os sítios detentores de reminiscências
históricas dos antigos quilombos.

•••

Proteger os praticantes das religiões de


matriz africana, como a Macumba, contra

51
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

ataques e discriminação requer uma


abordagem abrangente que envolve a
conscientização, educação, apoio legal e ação
coletiva. Aqui estão algumas sugestões de
medidas que podem contribuir para a
proteção dos praticantes:

1. Conscientização e educação: Promova


a conscientização sobre as religiões de
matriz africana, desmistificando
estereótipos e preconceitos. Incentive
o diálogo inter-religioso e promova
eventos, palestras e workshops para
educar a comunidade sobre essas
religiões.
2. Fortalecimento comunitário: Encoraje
a união e a organização da
comunidade religiosa para enfrentar
desafios comuns. Estabeleça grupos
de defesa e suporte mútuo para ajudar
a proteger os praticantes contra
ataques e discriminação.
3. Assistência jurídica: Garanta que os
praticantes tenham acesso a serviços
de assistência jurídica para lidar com
casos de discriminação, violência ou
violação de direitos religiosos. É
importante conhecer e exercer os
direitos legais e buscar ajuda
profissional quando necessário.

52
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

4. Denúncia de casos de discriminação:


Incentive os praticantes a
denunciarem casos de discriminação
às autoridades competentes, como a
polícia, órgãos governamentais e
organizações de direitos humanos.
Documentar e relatar incidentes é
essencial para conscientizar a
sociedade sobre tais problemas e
buscar justiça.
5. Parceria com organizações de direitos
humanos: Busque parceria com
organizações de direitos humanos e
grupos de defesa da liberdade
religiosa para fortalecer a proteção e
promover a igualdade religiosa.
6. Diálogo inter-religioso: Promova o
diálogo e a compreensão entre
diferentes grupos religiosos. Isso pode
ajudar a reduzir preconceitos e
estereótipos, promovendo um
ambiente de respeito e tolerância.
7. Divulgação e mídia: Utilize os meios de
comunicação para disseminar
informações corretas sobre as religiões
de matriz africana, combatendo a
desinformação e o estigma associados
a elas.

53
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

Exu é o Orixá da comunicação, como já foi


dito inúmeras vezes até aqui, e mesmo quem
não concorda, precisa entender que política é
uma parte indivisível da comunicação. O
simples fato de discutir mudanças para a
sociedade já representa a essência de Exu.
Um dos resultados disso foi alcançado em
Janeiro de 2023, quando o então presidente
Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a lei 14.532,
alterando a tipificação dos crimes de injúria
racial, ou seja, os casos de injúria relacionados
à raça, cor, etnia ou procedência nacional
passaram a ser considerados uma
modalidade do racismo. O texto ainda prevê
novas penas para casos de racismo em
contextos de atividade esportiva, racismo
religioso e recreativo. A ementa da lei, que
está em vigor desde o dia em que a lei foi
sancionada, também conta com penalidade
especial em casos de crime praticado por
funcionário público.

No Rio de Janeiro, a Lei 5931/11 criou o


DECRADI (Delegacia de Crimes Raciais e
Delitos de Intolerância), um órgão público
para o combate aos crimes de racismo e
homofobia, preconceito e intolerância,
sobretudo religiosa contra as religiões de
matriz africana, a exemplo do Candomblé e
Umbanda. Ainda assim, o Brasil registra uma

54
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

média de 3 denúncias de intolerância


religiosa por dia, entre os anos de 2021 e 2022,
isso representou um aumento de mais de
106% nos casos registrados de intolerância
religiosa no país. Entretanto, a falta de
comunicação e de informação ainda gera
uma subnotificação desses casos, o que
significa que a violência contra os povos
tradicionais e de terreiro é muito maior. Exu
entra nesse contexto novamente para nos
mostrar a importância da comunicação e nos
lembrar, outra vez, que está presente em
todos os aspectos da vida humana. E, como
diz a palavra do Deus cristão na Bíblia: “A
ignorância aprisiona, mas o conhecimento
liberta”

Alguns exemplos de casos de intolerância


religiosa no Brasil incluem:

1. Ataques físicos e violência: Praticantes


de religiões de matriz africana têm
sido alvo de ataques físicos, agressões
e vandalismo em seus terreiros e locais
de culto. Esses ataques muitas vezes
são motivados por preconceito
religioso e intolerância.
2. Discriminação no ambiente de
trabalho: Pessoas que praticam
religiões não cristãs podem enfrentar

55
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

discriminação no local de trabalho,


incluindo dificuldades na contratação,
promoção e até mesmo demissão
devido à sua fé.
3. Destruição de templos e rituais:
Templos e locais sagrados de
diferentes religiões têm sido alvos de
destruição e profanação, muitas vezes
motivados por intolerância religiosa.
4. Discurso de ódio e difamação: Líderes
religiosos e praticantes de religiões
minoritárias são frequentemente alvo
de discurso de ódio, difamação e
estigmatização por parte de indivíduos
e grupos intolerantes.
5. Restrições legais: Alguns estados e
municípios impõem restrições
burocráticas e legais específicas a
práticas religiosas de matriz africana,
dificultando a obtenção de licenças e
reconhecimento oficial.

É essencial que medidas sejam tomadas para


combater a intolerância religiosa, incluindo
ações legais, educação, conscientização e
promoção do respeito à diversidade religiosa.
O fortalecimento das leis de proteção e a
conscientização da sociedade são
fundamentais para garantir o direito à

56
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

liberdade religiosa de todas as pessoas no


Brasil.

Um outro aspecto, do modo de vida atual da


população, em que a presença de Exu pode
ser observada é através das redes sociais, que
nada mais são do que fontes de
comunicação entre diferentes povos e
culturas. As redes sociais desempenham um
papel fundamental na comunicação nos dias
de hoje e têm uma série de importâncias
significativas. Fazendo um paralelo com os
patronos das grandes invenções, seria
possível colocar Exu como o patrono das
redes sociais, pai das redes onde, hoje em dia,
muitos criadores de conteúdo disseminam
conhecimento acerca desse Orixá. Em sua
essência, elas facilitam a comunicação com
amigos, familiares e conhecidos, permitindo a
troca de mensagens, compartilhamento de
informações, fotos, vídeos e outros
conteúdos. Oferecem acesso rápido e fácil a
uma ampla gama de informações, notícias,
artigos, tutoriais e conteúdos educacionais.
Elas permitem que indivíduos compartilhem
suas histórias, perspectivas e experiências,
contribuindo para uma maior diversidade de
vozes na esfera pública.

57
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

Apesar dos discursos de ódio, é nas redes


sociais que se concentram grupos
importantes de conscientização e educação,
proporcionando um espaço para a
disseminação de informações e o
compartilhamento de recursos educacionais
sobre diversas religiões. Onde pessoas de
diferentes crenças podem compartilhar suas
experiências, fornecer informações precisas e
combater estereótipos e preconceitos
religiosos. As redes sociais permitem que
vítimas de intolerância religiosa
compartilhem suas histórias e experiências
diretamente com um público mais amplo.
Isso pode ajudar a sensibilizar as pessoas
sobre as realidades enfrentadas pelos
praticantes de diferentes religiões e criar
empatia. Elas também são plataformas onde
as pessoas podem se unir em torno de
causas comuns, como a promoção da
tolerância religiosa e o combate à
discriminação. Grupos e páginas dedicados a
temas inter-religiosos e de diálogo
inter-religioso podem ser criados para
conectar pessoas que desejam contribuir
para um ambiente mais inclusivo e
respeitoso, facilitam o diálogo entre pessoas
de diferentes crenças, possibilitando a
discussão de temas sensíveis de forma
respeitosa e construtiva. O engajamento em

58
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

conversas inter-religiosas nas redes sociais


pode ajudar a promover o entendimento
mútuo, dissipar estereótipos e fortalecer a
coexistência pacífica.

As redes sociais fornecem um espaço para


denunciar casos de intolerância religiosa e
compartilhar informações sobre eventos,
discursos de ódio ou incidentes
discriminatórios. Isso permite uma maior
visibilidade dessas situações, estimulando
debates, pressionando por ações adequadas
e promovendo mudanças. Através delas
também é possível a mobilização rápida de
indivíduos e comunidades em resposta a
incidentes de intolerância religiosa. Pode-se
criar campanhas de conscientização, petições
e eventos para promover a solidariedade,
apoiar as vítimas e pressionar por medidas
contra a intolerância religiosa. O uso
responsável das redes sociais como fonte de
comunicação é a prova de que Exu nunca foi
o inimigo e que a comunicação pode ser
utilizada por e para todos.

59
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

Èsù - Capítulo 5

- Exu e Pombagira

A relação entre Exu e Pombagira varia


dependendo das tradições religiosas
afro-brasileiras e das interpretações
individuais. Em algumas linhas do
Candomblé e da Umbanda, Exu e Pombagira
são considerados entidades distintas, cada
uma com suas características e atribuições
específicas. Exu é geralmente associado à
energia masculina, à comunicação, à
abertura de caminhos e à proteção, enquanto
Pombagira é associada à energia feminina, à
sensualidade, ao amor, à sedução e à
resolução de questões afetivas, embora não
seja uma regra. Embora sejam entidades
distintas, Exu e Pombagira são
frequentemente vistos como parceiros ou
complementares. Eles são considerados
guardiões dos caminhos e intermediários
entre o mundo espiritual e o mundo físico.
Juntos, eles desempenham um papel
importante nas questões amorosas e
sensuais, auxiliando as pessoas a lidarem
com relacionamentos, paixões e desejos.

Mas, antes de nos aprofundarmos nas


semelhanças e diferenças entre Exu e
Pombagira, precisamos entender a diferença

60
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

entre Esú Orixá e Exus Catiços. A conotação


linguística direta do termo catiço ou castiço,
enquanto adjetivo, é a qualidade de pureza,
castidade ou linhagem. Como a simbologia
do castiçal remete à genealogia; castiço ou
catiço está associado à ideia de linhagem de
humanos, não apenas pelo sangue, mas
também por afinidade, classe social,
qualidade ou condição. São espíritos mais
próximos dos humanos. Entretanto, ao
contrário do que se perpetua dentro de
muitos terreiros, exus catiços não são
escravos, mensageiros ou servos dos Orixás.
São espíritos que, tanto religiosa quanto
historicamente, não se assemelham aos
Orixás, uma vez que viveram em períodos e
culturas distintas. Os castiços respondem a
uma linhagem específica e singular, não
necessitando de rituais iniciáticos para
trabalharem com seus médiuns e
compartilhando apenas as características
humanas com o Orixá Exu. Dentro das
linhagens de exus catiços encontramos
espíritos diversos, masculinos e femininos,
que se destacam dentro dos terreiros por
qualidades específicas. De acordo com a
linhagem da pessoa em vida e de seus
hábitos, ela poderá fazer parte da casta e
adotar o nome de uma linhagem de Exu ou
Pombagira ao desencarnar, como por

61
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

exemplo: Maria Padilha, Marabô, Tranca-Ruas,


Maria Molambo, etc.

Sabendo que, dentro da linha de Exus catiços,


os grupos de entidades masculinas foram
nomeados de acordo com o Orixá, também
masculino, resta uma dúvida à ser sanada
antes de prosseguirmos:

De onde surgiu o nome Pomba Gira?

A figura da Pomba Gira é encontrada


principalmente nas religiões de matriz
africana, como a Umbanda e a Kimbanda,
que têm influências das tradições africanas,
indígenas e europeias e, linguísticamente,
uma maior influência Banto, especificamente
dos povos do Congo e de Angola. A origem
exata do nome “Pomba Gira” é complexa e
multifacetada, com várias interpretações e
lendas associadas a ela. Como acontece em
qualquer idioma, corruptelas de palavras de
algumas línguas acabam sendo adaptadas e
incorporadas ao dicionário de outras. É
possível que seja o caso e, para entender
melhor, precisamos conhecer a divindade
Pambu Njila, já citada como uma possível
face de Exu nos cultos de Angola. Igualmente
conhecida como Nzambi Mpungu, essa
divindade também está associada ao início e
a comunicação, associada à fertilidade, à

62
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

renovação e ao equilíbrio cósmico. Por ser


uma força considerada primordial, embora
tenha similaridades com Exu, não é possível
precisar seu gênero, que varia de acordo com
o culto, diferente do Orixá Yorubá, que é uma
divindade masculina. Pomba Gira, então,
seria a derivação fonética de Pambu Njila, em
um caso clássico de telefone sem fio.

Pambu Njila, também pode ser conhecido


como Palo Monte, porém, como um sistema
religioso de origem africana que tem suas
raízes nas tradições Bantu, especificamente
na região do Congo e Angola e não como
uma divindade. É uma das muitas
ramificações das religiões de matriz africana
na América Latina, especialmente em Cuba.
Pambu Njila é uma prática espiritual
complexa que envolve o culto a espíritos
ancestrais e a crença na presença de forças
espirituais na natureza. Os praticantes de
Pambu Njila acreditam que o mundo é
habitado por forças espirituais, incluindo
divindades, espíritos ancestrais e entidades
da natureza. Os rituais de Pambu Njila são
conduzidos por sacerdotes conhecidos como
"paleros" ou "ngangas". Esses líderes
espirituais têm um amplo conhecimento dos
ensinamentos e práticas do sistema e atuam
como intermediários entre o mundo humano

63
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

e o mundo espiritual. Nestes cultos está


presente também a designação “Tata” para
os anciãos que, para os adeptos da Umbanda
e Quimbanda, não é um termo estranho,
uma vez que as Pombagiras mais velhas, por
coincidência ou não, também são chamadas
de Tata, como Dona Tata Mulambo e Tata
Caveira, pomba giras mais velhas dentro de
suas castas.

A figura da Pomba Gira é resultado de um


processo de sincretismo religioso e
adaptação cultural que ocorreu no contexto
da diáspora africana e da interação com
outras tradições religiosas, como o
Catolicismo e o Espiritismo Kardecista. Assim,
sua origem remonta ao período da
escravidão no Brasil, quando os africanos
escravizados foram forçados a abandonar
suas práticas religiosas originais e
encontraram maneiras de preservar suas
crenças por meio de fusões e associações
com elementos do Catolicismo e de outras
tradições.

A imagem da Pomba Gira é frequentemente


associada a entidades espirituais femininas,
retratadas como mulheres sensuais,
poderosas e astutas. Ela é vista como uma
intermediária entre os seres humanos e os

64
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

espíritos, capaz de influenciar e direcionar


energias de acordo com as intenções e
necessidades dos praticantes. É importante
ressaltar que a figura da Pomba Gira pode
variar em características e representações
dentro das diferentes linhas de culto e
religiões afro-brasileiras, como o Candomblé
e a Umbanda. Portanto, sua origem está
intrinsecamente ligada ao contexto histórico
e cultural do Brasil, sendo uma criação
sincrética das práticas religiosas
afro-brasileiras.

Existe uma associação estereotipada entre as


Pombagiras e a figura da prostituição em
alguns discursos populares e interpretações
simplificadas. No entanto, é importante
ressaltar que essa associação não reflete a
complexidade e a diversidade das entidades
espirituais chamadas de Pombagiras nas
religiões de matriz africana, como a
Umbanda e o Candomblé. As Pombagiras são
entidades espirituais femininas que possuem
uma variedade de atributos, características e
histórias individuais. A associação entre as
Pombagiras e a figura da prostituição pode
ter suas origens em estereótipos e
preconceitos que foram historicamente
atribuídos às mulheres que exerciam a
prostituição. No entanto, é importante não

65
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

generalizar nem reduzir a complexidade


dessas entidades espirituais a um único
estereótipo. Cada Pomba Gira tem sua
própria personalidade, história e atributos
individuais. Elas são reverenciadas e
cultuadas pelos praticantes, que estabelecem
uma relação de respeito e devoção, buscando
sua ajuda e orientação em diversos aspectos
da vida. É fundamental compreender e
respeitar a diversidade e a riqueza cultural
das religiões de matriz africana, evitando
estereótipos simplistas e visões distorcidas.

Com relação a forma como são


representados e suas particularidades,
grande parte do que se entende por pomba
giras pode ser dito dos exus catiços, na figura
masculina. Retomando a relação de ambos
com o Orixá Exú, embora o Exu Catiço e o Exu
Orixá possuam diferenças em termos de
personalidade, linguagem e associações
culturais, ambos são considerados entidades
espirituais poderosas e respeitadas dentro de
suas respectivas tradições. Ambos os tipos de
Exu têm importância fundamental nas
práticas religiosas, atuando como
intermediários entre o plano espiritual e o
plano material, além de desempenharem
funções de proteção, orientação e resolução
de problemas para os praticantes.

66
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

O Exu Catiço, também conhecido como Exu


de Lei, é uma categoria de Exu na Umbanda
que está mais próximo da energia do povo e
da cultura brasileira. São entidades que
possuem uma linguagem mais direta e
popular, utilizando gírias, brincadeiras e
provocações. O Exu Catiço é frequentemente
retratado como uma figura malandra, astuta
e irreverente, mas também é respeitado e
cultuado pelos seus atributos de proteção,
abertura de caminhos e resolução de
problemas. Por outro lado, o Exu Orixá está
mais relacionado às tradições do Candomblé,
embora também possa ser cultuado em
algumas linhas da Umbanda. Os Exus Orixás
são entidades espirituais que representam
energias específicas dentro do panteão
africano. Cada Exu Orixá manifesta
características específicas. Eles são
considerados guardiões, mensageiros e
intermediários entre os seres humanos e os
orixás, desempenhando um papel
importante nas cerimônias religiosas e nos
rituais. Cabe aqui lembrar também que, para
que o médium trabalhe com Exu dentro dos
cultos de Umbanda e Quimbanda - que são
religiões mediúnicas -, não existe a
necessidade de uma iniciação, diferente do
candomblé, que é uma religião iniciática e
demanda uma quantidade maior de rituais

67
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

de preparação do corpo para receber a


energia do Orixá.

Exu e Pombagira são frequentemente alvo de


preconceito e estigmatização devido a
interpretações negativas baseadas em
estereótipos e desinformação. Esse
preconceito está enraizado em visões
distorcidas e deturpadas das religiões de
matriz africana, que foram alvo de
marginalização e discriminação ao longo da
história.

Algumas das principais formas de


preconceito contra Exu e Pomba Gira
incluem:

1. Associação com o mal: Exu e


Pombagira são frequentemente
associados apenas a entidades
malignas, demônios ou forças
negativas, ignorando sua natureza
multifacetada e seus atributos
positivos.
2. Estereótipos negativos: Eles são
estereotipados como entidades
promotoras de desordem, caos, vícios,
promiscuidade sexual e imoralidade,
refletindo preconceitos morais e
sociais.

68
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

3. Desvalorização cultural: As religiões de


matriz africana foram historicamente
desvalorizadas e marginalizadas,
resultando em preconceito contra suas
práticas, crenças e divindades,
incluindo Exu e Pombagira.
4. Associação com a sexualidade: Exu e
Pombagira são frequentemente
associados à sexualidade de forma
estigmatizada, perpetuando visões
distorcidas e preconceituosas sobre
essas entidades.
5. Religiões afro-brasileiras como um
todo: O preconceito também se
estende às religiões afro-brasileiras
como um todo, resultando em
discriminação e intolerância contra
seus praticantes e símbolos religiosos.

Por esses e outros motivos igualmente graves


é que a comunicação e a educação se fazem
necessárias, a maior defesa contra a violência
gerada pela ignorância é o conhecimento.

69
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

Èsù - Capítulo 6

- Agradando Èsù

Agradar Exu é uma das práticas mais comuns


de diversas religiões de matriz africana. E,
assim como suas particularidades, os agrados
oferecidos à esses espíritos são dos mais
variados. Exu, sendo a boca que tudo come,
independente de ser catiço ou Orixá, aceita
praticamente todos os tipos de oferendas. Já
vimos anteriormente as múltiplas opções de
agrados para essa entidade ou divindade,
partiremos então para os motivos pelos quais
todo praticante de religião de matriz africana
deve agradar Exu, independente de ser
iniciado para ele dentro do candomblé ou de
incorporar um Exu catiço nos cultos de
Umbanda e Quimbanda. Normalmente os
agrados à Exu são realizados em duas etapas,
a primeira delas quando o fiel realiza um
pedido e a segunda etapa é para agradecer
pelas conquistas. Existem várias razões pelas
quais as pessoas buscam agradar Exu:

1. Abrir caminhos: Exu é frequentemente


associado à abertura de caminhos e à
remoção de obstáculos. Ao agradar
Exu, os praticantes buscam sua ajuda
para superar dificuldades e obter
sucesso em suas jornadas pessoais.

70
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

2. Proteção: Exu é considerado um


guardião e protetor. Ao estabelecer
uma relação de respeito e
agradecimento, os praticantes buscam
a proteção de Exu contra energias
negativas, influências indesejáveis e
perigos espirituais.
3. Comunicação espiritual: Exu
desempenha o papel de mensageiro
entre os seres humanos e as
divindades. Ao agradar Exu, os
praticantes esperam estabelecer uma
conexão mais forte com o plano
espiritual, possibilitando a
comunicação com outras entidades e
divindades.
4. Equilíbrio e justiça: Exu é
frequentemente associado à justiça e
ao equilíbrio. Agradar Exu pode
envolver a busca por equilíbrio
espiritual, harmonia pessoal e justiça
em situações difíceis.

Independente do motivo, é importante


ressaltar que o agradecimento a Exu não é
uma prática isolada, mas parte de um
sistema religioso mais amplo. Nas tradições
afro-brasileiras, o culto a Exu é realizado em
conjunto com outras divindades e entidades
espirituais, como parte de um sistema de

71
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

crenças e rituais que buscam a conexão com


o sagrado e o equilíbrio nas diferentes esferas
da vida. Também é importante lembrar que,
independente do espírito, cada Exu tem
características próprias e bastante
específicas, sendo assim, tanto suas
oferendas quanto o local onde elas serão
colocadas podem variar bastante.
Normalmente, o que pode ser considerada
uma carta coringa na hora de arriar (termo
para colocar no chão) um agrado para Exu é a
encruzilhada, onde todos os Exus se fazem
presentes.

Os agrados mais comuns feitos à Exu são


chamados de Padê. Uma oferenda específica
que consiste em uma mistura de elementos
de acordo com o Exu ou Pombagira que
receberá aquele presente ou agradecimento.
Os padês podem variar de acordo com os
ensinamentos, tradições, formas de culto e
vertentes religiosas, entretanto, alguns
elementos são bastante comuns
independente desses fatores. Outra coisa
que pode variar é onde esse alimento será
servido, podendo ser colocado em pratos de
barro ou madeira, cabaças, folhas específicas
para Exu ou até mesmo em tecidos.

72
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

Alguns dos alimentos mais comuns de um


padê para Exu são:

1. Farinha de mandioca ou milho: A


farinha é um elemento comum nas
oferendas de padê. Ela representa a
base alimentar e a sustentação
espiritual.
2. Azeite de dendê ou azeite comum:
Simbolizando a força e o axé (energia
vital) que serão oferecidos a Exu.
3. Carne: A carne é uma representação
da energia sanguínea e do corpo no
padê e, de acordo com a especificação
do Exu, ela deve ser colocada crua.
4. Frutas: Muitos Exus e Pombagiras têm
predileção por frutas, que podem
representar algum traço específico da
característica deles quando vivos.
5. Legumes e verduras: É muito comum
que os Padês sejam enfeitados ou
temperados com alguns legumes ou
verduras como a pimenta, a cebola, o
coentro, de acordo com o Exu.
6. Bebidas alcoólicas: Em alguns casos,
bebidas alcoólicas, como aguardente,
cachaça ou rum, podem ser
adicionadas ao padê como uma forma
de libação e oferecimento a Exu.

73
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

Dentro dos terreiros onde se cultuam exus


catiços, é muito comum que essas entidades
recebam presentes considerados comuns
para nós, seres vivos. Por se tratarem de
espíritos que desencarnaram já vivendo entre
costumes modernos, algumas entidades,
especialmente as Pombagiras, gostam de ser
agraciadas com perfumes, bebidas, jóias,
roupas e adereços, que elas usarão quando
estiverem trabalhando através de seus
médiuns. Também é muito comum que os
dirigentes de terreiros façam festas para seus
Exus e Pombagiras com o intuito de
agradecer pelas graças conquistadas naquele
ano. Essas festas variam de casa para casa, de
acordo com a tradição e o poder aquisitivo do
dirigente, porém, todos os presentes
oferecidos a Exu, seja ele Orixá ou catiço,
partem do mesmo princípio de gratidão.
Sendo a boca que tudo come, não é difícil
agradar Exu, mas é importante lembrar que
os presentes devem ser oferecidos com
respeito, sinceridade e seguindo as
orientações da tradição religiosa específica. É
essencial ter em mente que o ato de
presentear Exu é uma forma de estabelecer
uma relação de respeito, confiança e
devoção, buscando sua proteção, orientação
e auxílio nas práticas religiosas e na vida
cotidiana.

74
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

- Onde Èsù e Òṣàlá se encontram

Embora Exu e Oxalá sejam orixás diferentes,


eles são vistos como complementares e
interligados. Enquanto Exu atua nas
fronteiras e nas transições, Oxalá traz a
estabilidade e a paz. No Candomblé, ambos
são cultuados e respeitados, sendo realizadas
cerimônias e rituais em sua honra para
buscar a sua proteção e orientação. Antes de
pontuar o que ambos têm em comum e,
principalmente o que têm de diferente,
especialmente no que um influenciou nos
arquétipos do outro, precisamos sintetizar os
dois Orixás e suas definições. Já vimos que
Exu é considerado um Orixá muito
importante dentro do Candomblé, que ele é
associado à comunicação, à troca de energias
e à transição entre os mundos material e
espiritual. Retratado como um mensageiro
divino, um intermediário entre os seres
humanos e os Orixás, e visto como uma
entidade com características ambivalentes,
podendo tanto trazer benefícios como causar
problemas, dependendo da maneira como é
tratado. Oxalá, por sua vez, é considerado o
Orixá supremo, o pai de todos os Orixás. Ele é
associado à paz, à harmonia, à criação e à
sabedoria. Oxalá é visto como o criador do
universo e dos seres humanos, e é

75
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

reverenciado como um ser de grande


importância espiritual. É comum as pessoas
buscarem a orientação de Oxalá em
momentos de conflito ou quando precisam
de clareza mental e equilíbrio emocional.

Devido às suas naturezas distintas, é possível


que ocorram conflitos entre eles. Por
exemplo, Exu pode ser interpretado como
um desafiador das estruturas estabelecidas
por Oxalá, questionando normas e
provocando mudanças. Isso pode gerar
tensão entre os dois Orixás. No entanto, é
importante ressaltar que, apesar dos
desentendimentos, a relação entre Oxalá e
Exu é considerada uma relação de
complementaridade e equilíbrio. Eles são
vistos como duas forças essenciais no
universo e na religião. Embora possam ter
seus conflitos, também reconhecem a
importância um do outro e sua
interdependência na manutenção do
equilíbrio cósmico. É possível observar esses
traços de desentendimentos e de
complementaridade em diversos Itans que,
para quem não sabe, são histórias baseadas
na mitologia Yorubá. Aqui trataremos de três
itans que expressam o comportamento e as
características destes dois Orixás de formas
muito distintas. Alguns deles, inclusive,

76
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

deram origem a rituais e tradições


particulares do candomblé e das religiões
iorubás tradicionais. Começaremos pela
criação, onde Oxalá seria o grande
responsável por fazê-la, passaremos pelas
tradições do candomblé que, sem a
influência (mesmo que negativa) de Exu, não
existiria e terminaremos com a união dos
cultos de ambos os Orixás que se completam
na paz e no caos.

Oxalá e o saco da criação

Olodumarè, o Deus supremo dos


Yorubá, entregou a Oxalá o saco da
criação para que ele criasse o mundo.
Essa missão, porém, não lhe dava o
direito de deixar de cumprir algumas
obrigações para outros Orixás,
incluindo Exu, aos quais ele deveria
fazer alguns sacrifícios e oferendas.
Oxalá pôs-se a caminho apoiado em
um grande cajado, o Opaxorô. No
momento em que deveria ultrapassar
a porta do Orun (céu), encontrou-se
com Exu que, descontente porque
Oxalá se negara a fazer suas
oferendas, resolveu vingar-se, e
provocou-lhe uma sede intensa. Oxalá
não teve outro recurso senão o de

77
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

furar a casca de um tronco de um


dendezeiro para saciar sua sede. O
líquido que saía era o vinho de palma,
também conhecido como "emu" ou
"oguro", e Oxalá bebeu intensamente.
Bêbado, não sabia onde estava e caiu
adormecido. Apareceu então Olofin
Odùduà que, vendo o grande Orixá
adormecido, roubou-lhe o saco da
criação e, em seguida, foi à procura de
Olodumarè para mostrar o que
achara e contar em que estado Oxalá
se encontrava.

Olodumarè disse então que “se ele


está neste estado, vá você Odùduà, vá
você criar o mundo”. Odùduà saiu
para criar e se deparou com um
mundo de água, despejou o conteúdo
do saco, era terra. Criou assim as
primeiras superfícies acima dos
oceanos. Então ele colocou o primeiro
animal sobre essa superfície, a
galinha, cujos pés tinham cinco
garras. Ela começou a arranhar e a
espalhar a terra sobre as águas; onde
ciscava, cobria a água, e a terra foi
alargando cada vez mais, o que em
yoruba se diz “Ile’nfê”, expressão que
deu origem ao nome da cidade Ilê-Ifé.

78
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

Odùduà ali se estabeleceu, seguido


pelos outros Orixás, e tornou-se, assim,
rei da terra. Quando Oxalá acordou,
não encontrou mais o saco da criação.
Procurou Olodumarè que, por sua vez,
como castigo a Oxalá e toda sua
família, o proibiu de beber vinho de
palma e de usar azeite de dendê. Mas,
como consolo, lhe deu a tarefa de
modelar no barro o corpo dos seres
humanos nos quais ele, Olodumarè,
despejou o sopro da vida. Ainda sobre
a criação dos seres vivos, mesmo
proibido, Oxalá seguiu bebendo do
vinho de palma, influenciado por Exu,
e acabou por se descuidar na criação
dos seres humanos. Por este motivo,
conta-se também que todos os
“imperfeitos” são filhos diretos de
Oxalá.

As águas de Oxalá

Existem algumas lendas que cercam


os rituais das águas de Oxalá. No que
se pode atribuir a Exu, como figura
motivadora dos eventos que cercam
uma das lendas, fica possível também
perceber uma das diversas
explicações relativas à abominação

79
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

que Oxalá tem pelas cores vermelho e


preto. Cores que, não por
coincidência, já vimos anteriormente
que são os símbolos de Exu.

A nossa abordagem das Águas de


Oxalá se inicia com o Itan do senhor
do branco indo fazer uma visita a
Xangô. Como era de costume entre os
Orixás, Oxalá consulta Ifá para saber
como seria a viagem. Apesar de Ifá ter
recomendado que ele não viajasse,
Oxalá já havia decidido seguir para
Òyó, decidido, Ifá apenas o alertou:
"Leve três mudas de roupas brancas,
pois Exú irá dificultar seus caminhos".
Também o aconselhou que levasse
consigo três panos brancos,
limo-da-costa e sabão-da-costa e que
aceitasse fazer tudo que lhe pedissem
no caminho sem reclamar de nada,
acontecesse o que acontecesse, e que
essa seria uma forma de não perder a
vida.

Seguindo viagem à caminho do


palácio de Oyó, Oxalá se depara com
Exu, que carregava com dificuldade
um balde de dendê nas costas. Exu
então pede ajuda a Oxalá que,

80
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

alertado por Ifá, não nega o favor e o


ajuda. Exu então derrama todo o
dendê sobre Oxalá e sai correndo,
deixando o senhor do branco
completamente sujo de vermelho.
Para se limpar, o Orixá se banhou em
um rio, trocou suas roupas brancas e
seguiu viagem. Novamente encontrou
o Orixá da comunicação, desta vez,
Exu pediu ajuda para carregar um
saco de carvão. Seguindo as
orientações de Ifá, Oxalá não nega
ajuda, então Exu suja novamente as
vestes de Oxalá com o carvão,
tornando-as pretas, obrigando o Orixá
mais velho a se lavar novamente no
rio. Ainda a caminho de Oyó, Oxalá
encontra novamente Exu carregando
um tonel de melado e, pela terceira
vez, a história se repetiu.

Chegando à cidade, Oxalá avista um


cavalo fugitivo dos estábulos de
Xangô e resolve devolvê-lo, abordado
pelos guardas do palácio, foi tido
como ladrão de animais. Agredido
violentamente, Oxalá teve seus braços
e pernas quebrados, foi levado à
prisão e lá ficou esquecido por sete
anos. Durante este período, o reino foi

81
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

assolado por pragas e pestes, levando


o povo a se revoltar com o rei Xangô.

Ao procurar conselho com Ifá, o rei foi


informado da injustiça que havia
ocorrido em seu reino e que por isso o
mal estava acometendo suas terras.
Sabendo do acontecido, Xangô correu
até a prisão e encontrou Oxalá sujo e
maltratado. Imediatamente libertou o
Orixá e o levou ao seu palácio.
Convocou todos os Orixás para ajudar
a limpar o mais velho, assim, cada um
trouxe um jarro com água e derramou
sobre Oxalá enquanto se limpava.

Xangô então ordenou que todos os


seus súditos se vestissem de branco e
que todos ficassem em silêncio, pois
era preciso demonstrar respeito e
pedir perdão ao Senhor do Branco.
Também vestido de branco, Xangô
coloca Oxalá nas costas ele mesmo e
o carrega de volta para casa. Ao
resolver o mal entendido e obter o
perdão de Oxalá, todas as
enfermidades tiveram fim e o reino de
Oyó estava em paz. A cerimônia das
“Águas de Oxalá” revive este episódio
mítico com uma procissão

82
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

representando a viagem de Oxalá.


Trata-se de um cerimonial complexo
que se estende por 17 dias e constitui
um marco nas práticas e nos rituais
que se sucedem no decorrer do ano
litúrgico do candomblé.

O branco nasce da implicância

Uma das diversas lendas Yorubá conta que,


certa vez, Oxalá empurrou Exu no chão, o
deixando machucado, entretanto, o Orixá da
comunicação se levantou completamente
curado. Oxalá então bateu com seu Opaxorô
na cabeça de Exu, que ficou anão, dessa vez
ele se sacudiu e voltou ao seu tamanho
normal. Irritado, Oxalá bagunçou a cabeça
de Exu, deixando-a com o dobro do
tamanho, mas Exu novamente voltou logo
ao normal. As tentativas de Oxalá de pregar
uma peça em Exu continuaram até que o
dono das encruzilhadas retirou de sua
cabeça uma cabaça pequena de onde saía
uma fumaça branca, a fumaça levou
embora todas as cores de Oxalá que, sem
sucesso, tentou se esfregar como Exu para
voltar ao normal. Por fim, já cansado de
tentar pregar peças no Orixá brincalhão,
Oxalá retira do seu próprio axé para acalmar
Exu, que lhe entregou a cabaça que, desde

83
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

então, é utilizada por Oxalá para criar a cor


branca.

A paz e o caos se completam

Havia uma pequena aldeia onde


viviam os devotos de Exu e Oxalá.
Embora as pessoas da aldeia fossem
muito unidas, havia uma rivalidade
entre os seguidores de Exu e os
seguidores de Oxalá. Cada grupo
acreditava firmemente na
superioridade de seu Orixá e nas
virtudes que eles representavam.
Certo dia, um problema sério afligiu a
aldeia. Uma grande seca assolou a
região, tornando a terra árida e
impossibilitando a agricultura. As
plantas secaram, os animais
começaram a morrer de sede e a
fome se aproximava rapidamente.

Os líderes da aldeia decidiram


convocar uma reunião com todos os
moradores para encontrar uma
solução. Os seguidores de Exu e Oxalá
estavam sentados em lados opostos
da praça central, cada grupo
tentando convencer os outros de que
seu Orixá era o mais poderoso e capaz
de trazer a chuva tão necessária.

84
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

Enquanto as discussões acaloradas


aconteciam, um velho sábio da aldeia
se aproximou. Ele era conhecido por
sua sabedoria e equilíbrio. O sábio
sugeriu que todos parassem de brigar
e se unissem em um objetivo comum:
trazer a chuva de volta à aldeia.

Todos concordaram e voltaram para o


velho sábio em busca de orientação. O
sábio sorriu e disse: "Para trazer a
chuva, devemos honrar tanto Exu
quanto Oxalá, pois eles são
inseparáveis e complementares." Os
seguidores de Exu e Oxalá, finalmente,
deixaram de lado suas diferenças e
começaram a trabalhar juntos. Os
seguidores de Exu usaram sua
habilidade de se comunicar com os
espíritos e convocaram a presença dos
ancestrais para pedir ajuda. Os
seguidores de Oxalá realizaram rituais
de paz e harmonia, orando por chuva
abundante e fertilidade. À medida
que a aldeia se unia em uma só voz,
suas preces e esforços conjuntos
chegaram aos ouvidos de Exu e Oxalá.
Comovidos pela devoção e pela união
dos moradores, os dois Orixás
decidiram cooperar.

85
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

Exu, com sua energia dinâmica e


poder de transformação, trouxe os
ventos carregados de nuvens. Oxalá,
com sua sabedoria e serenidade, fez
com que as nuvens se unissem e se
transformassem em chuva
abundante. A chuva finalmente caiu
sobre a aldeia, trazendo alegria e
alívio para todos.

Os seguidores de Exu e Oxalá


perceberam que, juntos, podiam
alcançar coisas maiores do que
separados. Eles aprenderam que a
rivalidade e a competição não
traziam benefícios, mas a união e a
cooperação eram fundamentais para
superar desafios e alcançar objetivos
comuns. A partir desse dia, os
seguidores de Exu e Oxalá daquela
aldeia passaram a trabalhar juntos,
respeitando e honrando ambos os
orixás.

A rivalidade deu lugar à harmonia e à


compreensão mútua, e a aldeia
prosperou com a sabedoria de Oxalá e
a energia transformadora de Exu. Eles
se tornaram um exemplo vivo de
união e respeito.

86
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

Òṣàlá - Capítulo 1

- O dono do branco

Oxalá, nome mais popular de Obatalá no


Brasil, é o senhor do pano branco. E, não
apenas simbolicamente, o pano branco está
relacionado ao pano que une o universo, fios
invisíveis de consciência que, segundo a
cultura Ifá, existem em todas as coisas e
todos os seres. O branco das roupas de
Obatalá representam muitas coisas, de
acordo com cada cultura, além disso, seu
nome literalmente parte da expressão
“Oba-ti-ala”, que significa “Senhor do Pano
Branco” . A cor branca é amplamente
associada a Oxalá dentro do Candomblé e
outras tradições afro-brasileiras. Existem
várias razões pelas quais Oxalá é retratado
utilizando a cor branca. Algumas das
explicações mais comuns são:

1. Pureza e paz: Oxalá é considerado o


Orixá da pureza, da paz e da sabedoria.
A cor branca é frequentemente
associada a essas características,
simbolizando a pureza, a limpeza e a
serenidade. Ao vestir branco, os
seguidores de Oxalá buscam emular e
honrar essas qualidades.

87
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

2. Luz e iluminação: O branco também é


associado à luz e à iluminação. Oxalá é
considerado uma divindade de grande
sabedoria e clareza mental. A cor
branca representa a luz divina e a
iluminação espiritual que Oxalá traz
consigo.
3. Neutralidade e equilíbrio: O branco é
uma cor neutra e equilibrada, sem
predominância de nenhuma outra cor.
Isso reflete a natureza equilibrada e
imparcial de Oxalá, que busca a
harmonia e o equilíbrio em todas as
coisas.
4. Representação do branco étnico: Em
algumas versões da mitologia iorubá,
Oxalá é descrito como um Orixá de
pele albina e todos os albinos são seus
filhos diretos. A associação da cor
branca com Oxalá pode ser uma
representação simbólica desse
aspecto.

É importante notar que o uso do branco não


é exclusivo de Oxalá, pois outras divindades
também podem ser associadas a essa cor em
determinados contextos ou cerimônias. No
entanto, é comumente considerado o
"colorido" predominante de Oxalá, sendo a
cor mais comumente associada a ele nos

88
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

rituais, vestimentas e símbolos do


Candomblé, embora, na cultura Yorubá,
Obatalá também possa usar cores claras e
metais prateados. Apesar disso, o branco é
sua cor sagrada não só para as roupas, seus
templos, imagens, seus adereços e símbolos
e até os animais a ele oferecidos são de cor
branca. Obatalá é homenageado com panos
brancos, rendas brancas, moedas de prata e
jóias de prata. A ele são oferecidas galinhas
brancas, caracóis brancos (igbin), sopa de
melão branco, inhame entre outros alimentos
de mesma cor, como a canjica. Na cultura
Yorubá, o domingo é o seu dia, considerado o
dia de descanso, dentro da cultura dos
candomblés, a sexta-feira é atribuída a ele e,
neste dia, todos os adeptos da religião devem
usar branco em sua homenagem. Ợbàtálá
nos ensina simplicidade e limpeza. É
também uma divindade da prosperidade,
onde mostra que somente uma pessoa com
abundância de recursos pode se manter
vestida com o mais imaculado branco. Seu
tecido branco, algo essencial em seus
santuários, mostra pureza do corpo, do
espírito e do caráter. Também representa a
pureza do caráter que como o tecido branco,
é difícil de manter limpo, porém, alguém
sempre tem a chance de se purificar.

89
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

Existem diversas explicações históricas,


simbólicas e mitológicas para justificar a
associação de Obatalá com a cor branca.
Uma explicação histórica conta que, em um
determinado momento, Oxalá foi incumbido
de criar os seres humanos e moldá-los a
partir do barro. Durante esse processo
criativo, Oxalá vestia-se de branco para
simbolizar a pureza e a limpeza da criação.
Uma explicação mitológica está relacionada à
própria natureza de Oxalá. Ele é considerado
o Orixá da paz, da sabedoria e da serenidade.
A cor branca é frequentemente associada a
essas qualidades, simbolizando a pureza, a
luz e a harmonia. Uma explicação simbólica
tem relação com a sabedoria atingida através
do tempo, onde pessoas mais velhas,
representadas pelos cabelos brancos,
carregam maior conhecimento pela
experiência. Obatalá está sempre
perfeitamente limpo, inclusive, a sujeira é
uma de suas quizilas - coisas as quais o Orixá
possui aversão - pois ele se expressa através
do Efun, um giz branco composto de casca
de caracol moída e argila branca. O efun pode
ser usado, entre outras coisas, para acalmar,
escrever, pintar o corpo e também como um
poderoso remédio, porém, não surte efeito
algum em mãos ou locais sujos.

90
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

Dentro do panteão das divindades Yorubá,


existe uma classe de Orixás mais próxima a
Obatalá, são os orixás funfun (Orixás que
vestem branco). Esses Orixás representam a
sabedoria e normalmente são os mais velhos,
liderados por Oxalá. Seres primordiais que,
assim como Obatalá, e com sua permissão,
vestem-se de branco. A esses Orixás estão
associados os primeiros Itans referentes a
criação do mundo e da vida na Terra, apesar
do grande poder e importância, todos
respondem diretamente a Oxalá, orixá
supremo abaixo de Olodumarè (Olorun).

Os membros de religiões de matriz africana,


como o Candomblé e a Umbanda, usam
roupas brancas por diversos motivos, que
podem variar de acordo com as crenças e
tradições específicas de cada religião e casa
religiosa. Por exemplo:

1. Pureza e respeito: A cor branca é


frequentemente associada à pureza, à
limpeza e ao respeito. Ao vestir branco,
os praticantes buscam demonstrar
respeito aos Orixás, aos espíritos
ancestrais e aos rituais sagrados.
2. Ligação espiritual: Acredita-se que o
branco possa facilitar a conexão
espiritual e a comunicação com os

91
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

Orixás e as entidades espirituais. A cor


branca é considerada neutra e capaz
de refletir e absorver as energias
espirituais de maneira equilibrada.
3. Identificação religiosa: O uso de roupas
brancas permite identificar os
membros de religiões de matriz
africana, ajudando a criar um senso de
comunidade e pertencimento. Além
disso, as vestimentas brancas podem
ser vistas como uma forma de
expressar a identidade religiosa e a
dedicação aos ensinamentos e práticas
das tradições afro-brasileiras.
4. Simbolismo dos Orixás: Muitos Orixás,
como Oxalá e Obatalá, são associados
à cor branca. Portanto, vestir branco
pode ser uma forma de homenagear e
se alinhar com essas divindades,
buscando emular suas qualidades e
características.

A tradição de usar roupas brancas no


Candomblé tem raízes profundas nas
tradições religiosas africanas que deram
origem à religião. Essas tradições remontam
aos povos iorubás da África Ocidental, que
são considerados os principais
influenciadores das religiões de matriz
africana no Brasil, como o Candomblé.

92
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

A chegada dos povos africanos escravizados


no Brasil durante o período colonial trouxe
consigo suas tradições religiosas. Para
preservar suas crenças e rituais, os
praticantes de religiões de matriz africana
adaptaram suas práticas às realidades do
contexto brasileiro. Nesse processo de
sincretismo religioso, a adoção do branco
como cor ritualística foi reforçada e
incorporada à prática do Candomblé não só
pela questão cultural mas também pelas
escassas opções que os povos escravizados
encontravam em termos de manufatura.
Durante o período da escravidão no Brasil, os
escravizados muitas vezes enfrentavam
condições precárias e restrições em relação
às suas roupas e acessórios. No entanto, eles
encontraram maneiras criativas de
confeccionar suas roupas religiosas,
adaptando práticas e materiais disponíveis.
Os escravizados utilizavam tecidos
disponíveis localmente, como algodão, linho
e tecidos de fibras naturais, para confeccionar
suas roupas religiosas. Muitas vezes, eles
recorriam à tecelagem manual, produzindo
seus próprios tecidos por meio de teares
rudimentares ou tecendo manualmente. As
roupas religiosas eram geralmente simples,
mas ricamente decoradas com bordados,
apliques, miçangas e outros elementos

93
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

ornamentais. Esses adornos eram feitos à


mão e refletiam a importância e o significado
das roupas rituais. Além da confecção das
roupas, os escravizados também faziam uso
de acessórios, como colares, pulseiras e
adereços de cabeça, que eram feitos com
materiais disponíveis, como conchas,
sementes, pedras e objetos metálicos mas,
normalmente, brancos. As práticas e
tradições de confecção de roupas religiosas
variavam entre as diferentes regiões, etnias e
comunidades de escravizados. Cada grupo
tinha suas próprias técnicas, estilos e
materiais preferidos, e essas práticas foram
transmitidas oralmente e por meio de
tradições culturais. O legado dessas práticas
pode ser observado nas vestimentas rituais
ainda utilizadas nas religiões de matriz
africana atualmente. Tecidos coloridos ou até
mesmo o processo de tingir eram muito
caros e fora da realidade dos povos de terreiro
também por esses motivos é que a cor
branca foi mais facilmente inserida no
contexto histórico e cultural dos terreiros de
todas as nações do candomblé.

94
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

Òṣàlá - Capítulo 2

- Òṣàlá é a criação e o fim

Oxalá é reverenciado como o criador dos


seres humanos dentro das tradições do
Candomblé e de muitas outras religiões
afro-brasileiras. A história de sua criação é um
relato de grande significado e ensinamentos
profundos. Segundo a mitologia Yorubá,
Oxalá moldou os seres humanos a partir do
barro cedido por Nanã, dando forma a cada
um com suas próprias mãos divinas. Ele os
esculpiu com amor e cuidado, conferindo a
eles a aparência física e as características que
tornaram cada indivíduo único. Além de
moldar o corpo físico, Oxalá também
concedeu aos seres humanos dons e
habilidades específicas, refletindo a
diversidade e a criatividade presentes na
criação. Alguns receberam o dom da música,
outros da dança, da cura, da sabedoria, da
liderança ou da capacidade de contar
histórias. Cada presente era único e
contribuía para a harmonia e a interconexão
da comunidade humana.

Oxalá também deu aos seres humanos o


livre-arbítrio, permitindo-lhes fazer escolhas e
aprender com suas experiências. Essa
liberdade de escolha trouxe consigo

95
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

responsabilidade, pois cada indivíduo tinha o


poder de moldar seu próprio destino e o
destino coletivo da humanidade. A criação de
Oxalá é marcada pela diversidade e pela
complementaridade dos seres humanos.
Homens e mulheres foram criados
igualmente, cada um com suas próprias
características e papéis na sociedade. Oxalá
definiu a importância da harmonia entre os
gêneros, promovendo a igualdade e o
respeito mútuo. A partir desse ato de criação,
Oxalá estabeleceu uma relação de cuidado e
proteção com os seres humanos. Ele se
tornou um guia e um exemplo, oferecendo
orientação espiritual e ensinamentos valiosos
para viver uma vida virtuosa.

Um aspecto fundamental da criação de Oxalá


é a importância da paz e da harmonia. Oxalá
é conhecido como o Orixá da paz, da
serenidade e do equilíbrio. Ele trouxe consigo
a mensagem de que os seres humanos
devem buscar a paz interior e a harmonia nas
relações com os outros. Essa mensagem
ressalta a importância da compreensão
mútua, da aceitação das diferenças e da
resolução pacífica dos conflitos. Outro
aspecto significativo da criação de Oxalá é a
importância da pureza e da purificação. Oxalá
é associado à cor branca que, entre outras

96
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

coisas, simboliza a pureza, a luz e a paz. Ele


nos ensina a buscar a pureza de coração, a
libertação das impurezas e o cultivo de uma
mente clara e pacífica. Além disso, Oxalá é o
guardião da memória ancestral. Ele nos
conecta à nossa linhagem espiritual, aos
nossos antepassados e à sabedoria
acumulada ao longo dos tempos. Oxalá nos
ensina a honrar e respeitar nossos ancestrais,
reconhecendo sua influência em nossas vidas
e buscando aprender com sua sabedoria.

A criação de Oxalá também enfatiza a


importância da responsabilidade e do
respeito pela natureza. Oxalá nos ensina a
cuidar da Terra, nossa morada comum, e a
viver em harmonia com todas as formas de
vida. Ele nos convida a proteger o meio
ambiente, preservar a biodiversidade e ser
guardiões responsáveis ​do planeta. Oxalá é
um exemplo de humildade e superação. Ele é
conhecido por suas histórias de sacrifício
pessoal em prol da humanidade. Ele nos
ensina a importância de colocar os outros
antes de nós mesmos, de buscar o bem-estar
coletivo e de agir com compaixão e
generosidade.

Entre as muitas histórias sobre a criação do


mundo, o itan que narra como Oxalá, com as

97
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

mãos divinas e a orientação de Olodumare,


moldou os seres humanos e deu-lhes a vida,
tornando-os parte da criação divina e da teia
sagrada da existência é, talvez, o que sintetize
melhor o que tratamos até aqui.

Oxalá e a Criação dos Homens

Havia um tempo em que a Terra


estava vazia, sem a presença dos
seres humanos. Todos os animais e
elementos da natureza viviam em
harmonia, mas faltava algo essencial
para completar a criação. Foi quando
Olodumare, o supremo criador do
universo, decidiu que era hora de
trazer os seres humanos à existência.

Olodumare convocou Oxalá, o mais


sábio e poderoso dos Orixás, e
disse-lhe: "Oxalá, meu filho, é chegada
a hora de você moldar os seres
humanos e dar-lhes a vida. Você será
responsável por criar uma espécie
única e especial que habitará a Terra".
Oxalá, honrado e consciente da
importância dessa tarefa, recebeu as
instruções de Olodumare. Ele foi até
um local sagrado e começou a coletar
o barro da Terra. Com suas mãos
divinas, Oxalá moldou cada ser

98
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

humano com amor, paciência e


precisão, dando a cada um uma
forma única e especial.

Enquanto Oxalá moldava os seres


humanos, ele sussurrava palavras
sagradas, invocando a essência divina
em cada um deles. Ele conferiu a eles
a capacidade de pensar, sentir, amar
e aprender. E, por fim, Oxalá soprou o
axé da vida em cada um dos seres
humanos, infundindo-os com energia
vital e conectando-os à fonte de todo
o poder e criação.

Quando Olodumare viu o trabalho de


Oxalá concluído, ficou maravilhado
com a perfeição de sua criação. Ele
sorriu e abençoou os seres humanos
com dons e habilidades únicas, que os
ajudariam a viver uma vida plena e
significativa. Olodumare disse a Oxalá:
"Você cumpriu sua tarefa com
excelência, meu filho. Agora, os seres
humanos habitarão a Terra e terão a
oportunidade de evoluir
espiritualmente, aprendendo a viver
em harmonia com a natureza e com
seus semelhantes".

99
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

Desde então, os seres humanos têm


sido considerados filhos de Oxalá,
carregando consigo a centelha divina
e a responsabilidade de viver em
harmonia, respeito e amor.

Apesar dos mitos da criação, de forma geral,


passarem uma visão de perfeição no que
seria a obra principal de Oxalá, muitos
retratam aspectos considerados imperfeitos
da humanidade. As razões pelas quais as
pessoas nascem com deformidades,
imperfeições, doenças ou qualquer condição
considerada anormal também são explicadas
em itans.

Obatalá Marca Seus Filhos

Obatalá, apesar de sério e


responsável, gostava de beber vinho
de palma e não abandonava o hábito,
embora isso já o tivesse trazido
vergonha e humilhação. Devido à sua
fraqueza pelo álcool, Obatalá bebia
enquanto cumpria suas funções de
moldar e criar os corpos humanos e
suas características.

Por conta do seu descuido, alguns dos


seres criados por ele nasceram com
deformidades, malformações, traços

100
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

diferentes na pele e até mesmo no


caráter. Por este motivo, Olodumarè o
ordenou a se abster de beber
enquanto criava. Desde então, o álcool
tornou-se uma quizila de Oxalá e
todas as pessoas que nascem com
marcas, albinos, deficientes ou com
deformidades são reconhecidas como
filhas diretas de Obatalá.

Conta-se ainda que Obatalá é o dono de


todos os Oris que, literalmente, significam
cabeças, as cabeças humanas, mais
precisamente. Este é um conceito muito
importante na cultura Yorubá, que acredita
que a alma fica na cabeça, única e individual
para cada ser humano. E tendo Oxalá como
idealizador de todas as partes do corpo, é
dele, consequentemente, a responsabilidade
pelas cabeças. Obatalá é o pai de todos os
filhos da terra, o criador dos humanos e de
tudo que habita o planeta. Como criador, é
regente de todas as partes do corpo de um
modo geral, mesmo que alguns Orixás
respondam mais especificamente por
determinadas vísceras do nosso corpo, como
Oxum para o útero e Exu para o pênis.

101
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

Todas as forças da natureza surgem através


da manifestação de padrões de energia
chamados de Odu. Ifá identifica e rotula os
diferentes odus, que podem ser pensados
como diferentes expressões de consciência.
Porém, como toda consciência é gerada por
Oxalá, cada odu contém um elemento da sua
espiritualidade. Isso significa dizer que
Obatalá está, mesmo que indiretamente,
ligado a todos os filhos de todos os Orixás.
Toda consciência possui uma centelha de
Oxalá.

102
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

Òṣàlá - Capítulo 3

- As muitas faces de Oxalá

Oxalá é conhecido por diferentes nomes nas


diferentes nações do Candomblé. Cada nação
possui suas próprias tradições, mitologias e
variações na forma como os Orixás são
cultuados. De uma forma mais simples e
geral, podemos apontar as diferentes
identificações de acordo com cada nação.

1. Nação Ketu: Na Nação Ketu, que é uma


das mais difundidas e influentes, Oxalá
é conhecido como Oxalá ou Obatalá.
Esses termos são frequentemente
usados de forma intercambiável. Oxalá
é considerado o Orixá supremo,
associado à paz, à sabedoria e à
criação.
2. Nação Jeje: Na Nação Jeje, Oxalá é
conhecido como Oxalufã ou Oxalufan.
Oxalufã é visto como um Orixá mais
velho e pacífico, associado à calma e à
pureza espiritual.
3. Nação Angola: Na Nação Angola, Oxalá
é conhecido como Nkosi, Nkosi
Mukumbe ou Inkice. Ele é considerado
o Orixá supremo e é reverenciado
como o pai de todos os Orixás.

103
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

4. Nação Efon: Na Nação Efon, Oxalá é


conhecido como Obatalá ou Obàràlá.
Ele é considerado o Orixá criador e é
associado à paz, à harmonia e à justiça.

É importante ressaltar que esses são apenas


alguns exemplos e que existem outras
nações, como a Nação Ijexá, a Nação Cabinda,
entre outras, que também possuem suas
próprias variações e nomes para Oxalá. Cada
nação tem suas tradições e histórias
específicas relacionadas aos Orixás, incluindo
Oxalá. Dentro da mitologia Yorubá, por
exemplo, Obatalá pode ser reconhecido por
mais de vinte nomes diferentes entre suas
passagens pessoais e reencarnações.

Obatalá - Orisa Ala - Obatapatapa -


Obatarisa - Obanimoro - Orisa Igbowuji -
Elemona - Elewura - Ojele - Orisa Popo -
Orisa Ogiyan - Orisa Ifé - Orisa Adaatan -
Orisa Ijeun - Orisa Iko - Orisa Olufon - Orisa
Ikire - Orisa Oloba - Orisa Ilawe - Orisa Ijaiye -
Orisa Odo - Elefon - Orisa Eran - Orisa Iwofin
- Orisa Olonlo - Orisa Ofun - Orisa Eteko -
Orisa Antete - Orisa Konmaka - Orisa Irowu -
Orisa Alugbua - Oseremagbo - Efuru - Orolu -
Abuu Teni - Baba Olu Ife - Aladeseeseefun

Oxaguiã e Oxalufã (nas designações mais


comuns das religiões de matriz africana)

104
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

Existem muitas encarnações das deidades


que viveram antes e que foram divinizadas
para a eternidade. Ogiyan em Ejigbo, Ayelala
em Ekiti e Ijebu são consideradas
reencarnações de Obatalá, bem como
Oluorogbo, na cidade de Ilê-Ifé. Isso se
evidencia na preferência alimentar de cada
um e na vestimenta utilizada pelos devotos
destas divindades. Não se pode dizer ao
certo, porém, essas encarnações podem ter
sido seus filhos que migraram para Ilê-Ifé
para se estabelecer nesses locais.
Posteriormente, foram homenageados e
deificados pela importância e bravura de seu
pai.

Oxalufã (Orìşà Olúfón)

Figura primordial nos candomblés da nação


de Ketu, Oxalufã ou Orìşà Olúfón é a
qualidade, por assim dizer, mais velha de
Oxalá. Curvado pela idade, Oxalufã é aquele
que se apoia no Opaxorô (Opá Oşòró), bastão
branco ornamentado com discos, pequenos
sinos e um pombo na parte superior, símbolo
mais característico de Obatalá. Oxalufã é o
senhor das cidades de Ifom Omima e Ifom
Oxum que, até hoje, possuem líderes com o
mesmo título recebido por Obatalá. Ifom
Omima é uma cidade da Nigéria situada no

105
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

estado de Ondó, possui uma monarquia


tradicional centrada na figura do Olufon, o
que seria considerado rei ou regente. Ifom
Oxum ou Ifom Orolu é uma cidade da Nigéria
situada no estado de Oxum. Também possui
monarquia tradicional centrada na figura do
Olufon. Oxalufã é a personificação do senhor
do pano branco e, literalmente, não utiliza
outra cor. Seus filhos costumam ter iguais e
rígidas proibições com relação à cor e a
alimentação.

Em solo africano, o culto a Orìşà Olúfón


permanece bastante presente nas cidades
em que é encontrado, apesar da presença,
muitas vezes invasiva, de templos das igrejas
católicas, protestantes e muçulmanas. Os
sacerdotes do culto de Oxalufã realizam
constantes saudações à ele de dezesseis em
dezesseis dias. A cerimônia é destinada ao
Oba Olufon, o regente que, nessa ocasião,
representa o cargo do Orixá vestindo um
pano e um gorro branco. Os devotos,
também vestidos de branco, se aproximam e
lhe entregam o cajado, símbolo de Oxalufã.
Durante as saudações são entoadas
diferentes rimas e rezas, provérbios cantados
e em forma tradicional. Também é comum
que seja oferecido um banquete, colocado
diante do altar de Oxalufã para que todos

106
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

possam, de forma simbólica, compartilhar


uma refeição com o Orixá. Ainda durante a
saudação, os seis sacerdotes do culto de
Oxalufã, conhecidos como Ìwèfà méfà,
sentam-se ao lado do rei durante o banquete
e, também em forma de rimas e provérbios,
desejam votos de longa vida, de calma,
felicidade, fecundidade para suas mulheres,
de prosperidade e proteção contra os
elementos adversos e contra as pessoas ruins.
Para além do culto ao Orixá, o momento
também é de grande importância política,
onde os sacerdotes e o regente discutem
notícias e acontecimentos relevantes para a
sociedade e discutem os rumos dos próximos
dezesseis dias até a próxima saudação.

Em grande parte das religiões afro-brasileiras,


as sextas-feiras são dedicadas à Oxalá,
quando os fiéis vestem-se de branco e, em
muitos casos, não comem carne, em respeito
ao Orixá. Entretanto, o preceito referente à
carne na sexta-feira tem raízes católicas,
provenientes do sincretismo que liga Oxalá
ao senhor do Bonfim, muito por isso, o peixe
é o alimento consumido neste dia. Na Bahia,
alguns restaurantes, inclusive, adotam o
costume e servem, às sextas-feiras, pescada
branca.

107
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

Oxaguiã (Orìşà Ògyán)

Tido como possível reencarnação e filho de


Obatalá, Oxaguiã, dentro do candomblé, é a
qualidade mais nova de Oxalá. Um guerreiro
que, diferente de Oxalufã, veste outras cores
além do branco, como o azul claro, o verde e
o prateado, dependendo do local onde é
cultuado. Nascido em Ifé, Oxaguiã era um
jovem guerreiro que sempre teve o sonho de
grandes conquistas, assim, segundo a
mitologia Iorubá, ao chegar na cidade de
Ejigbô, no estado de Oxum, logo se tornou
seu regente, recebendo o título de Eléèjígbò
(Senhor da Cidade de Ejigbo). Pela sua
coragem e destreza militar, Oxaguiã também
era conhecido como Ajagunã, nome dado
apenas aos melhores guerreiros.

Seu nome, Oxaguiã, deriva da sua comida


favorita, literalmente. Conta-se que Eléèjígbò
era apaixonado por inhame que, na língua
iorubá, é conhecido por “iã”. Ele se alimentava
de inhame em todas as refeições, chegando a
inventar o pilão para que pudesse comer
inhame pilado. Impressionados pela sua
fixação nesse alimento que, até hoje, é base
alimentar dos povos Yorubá, os Orixás
passaram a chamá-lo de Oxaguiã, que
significa "Orixá-comedor-de-inhame-pilado".

108
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

Mesmo sendo conhecido como a identidade


mais nova de Obatalá, Oxaguiã não é
considerado jovem. Dentro do panteão dos
Orixás Funfun (que vestem branco), todos já
apresentam traços de idade avançada. Em
termos gerais, podemos dizer que Oxaguiã
não é o mais novo, ele é o menos velho. Pela
sua idade menos avançada, ele é o Orixá que,
dentro do panteão funfun, traz maior
movimentação. Em muitos casos, Oxaguiã é
visto como causador de certa instabilidade
em seus filhos, por estar sempre entre a
guerra e a paz, muitos acreditam que sua
iniciação, quando feita de forma incorreta,
traga desequilíbrio psicológico e emocional.
Essa ligação com a instabilidade emocional é
percebida desde os itans que contam o
nascimento de Oxaguiã.

Nasceu dentro de uma concha de


caramujo. Não tinha mãe. E quando
nasceu, não tinha cabeça, por isso
perambulava pelo mundo, sem
sentido e sem rumo. Um dia
encontrou Ori numa estrada e este lhe
deu uma cabeça feita de inhame
pilado. Apesar de feliz com sua nova
cabeça branca, ela esquentava muito,
e quando esquentava Oxaguiã criava
mais conflitos. E sofria muito. Um dia

109
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

encontrou a morte (Iku), que lhe


ofereceu uma cabeça fria. Apesar do
medo que sentia, o calor era
insuportável, e ele acabou aceitando a
cabeça preta que a morte lhe deu.

Mas essa cabeça era dolorida e fria


demais. Oxaguiã ficou triste, porque a
morte com sua frieza estava o tempo
todo com o orixá.

Então Ogum apareceu e deu sua


espada para Oxaguiã, que espantou
Iku. Ogum também tentou arrancar a
cabeça preta de cima da cabeça
branca, mas tanto apertou que as
duas se fundiram e Oxaguiã ficou com
a cabeça azul, agora equilibrada e
sem problemas. A partir deste dia ele
e Ogum andam juntos transformando
o mundo. Oxaguiã depositando o
conflito de ideias e valores que
mudam o mundo e Ogum fornecendo
os meios para a transformação, seja a
tecnologia ou a guerra.

A partir deste Itan, podemos perceber


também que, mesmo sendo estrategista e
exímio guerreiro, Oxaguiã prefere o conflito
de idéias antes do confronto corpo a corpo.

110
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

Independente das faces de Obatalá, ele é


visto como um Orixá supremo e criador e, por
este motivo, tem uma ligação especial com
todos os outros Orixás dentro das tradições
do Candomblé e da Umbanda. Sua relação
com os demais Orixás pode ser descrita de
várias maneiras:

1. Paternidade: Oxalá é considerado o pai


de todos os Orixás em algumas
religiões e mentor mais velho deles
nos cultos tradicionais. Ele é
reverenciado como o progenitor divino
que deu origem aos demais Orixás.
Sua energia e influência são
entendidas como fundamentais para a
existência e o equilíbrio do panteão
dos Orixás.
2. Autoridade espiritual: Oxalá é
reconhecido como uma figura de
autoridade espiritual dentro do
panteão dos Orixás. Sua posição como
criador e guardião da humanidade lhe
confere uma autoridade única e um
papel de liderança no mundo
espiritual. Ele é visto como um
mediador entre os seres humanos e os
outros Orixás em termos de paz,
diferente de Exu, que exerce o mesmo
papel.

111
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

3. Intercessor e reconciliador: Oxalá é


frequentemente invocado como um
intercessor entre os seres humanos e
os demais Orixás. Sua energia pacífica
e harmoniosa o torna um mediador
em situações de conflito ou
desequilíbrio. Ele é chamado para
trazer paz, reconciliação e equilíbrio
tanto nas questões espirituais quanto
nas questões cotidianas.
4. Complementaridade: Cada Orixá tem
suas próprias características, energias e
domínios específicos. Oxalá é visto
como aquele que traz a harmonia e a
complementaridade entre todos os
Orixás. Sua energia pacífica e
equilibrada contribui para a integração
e a interação harmoniosa entre os
diversos aspectos da existência.

Oxalá possui uma conexão íntima e


significativa com os outros Orixás. Ele é
reverenciado como o pai ou mentor dos
Orixás, além de desempenhar um papel de
autoridade, mediador e reconciliador entre
eles. Sua energia pacífica e equilibrada
contribui para a harmonia e o equilíbrio do
panteão dos Orixás e das práticas religiosas
que os envolvem.

112
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

Òṣàlá - Capítulo 4

- Educação de Axé

As religiões de matriz africana no Brasil, como


o Candomblé e a Umbanda, possuem uma
estrutura e um sistema de regras, costumes,
aprendizados e hierarquia. A educação de
Axé é a base fundamental dessas religiões e
permeia todos os aspectos da vida religiosa e
da formação dos praticantes. O conjunto
dessas regras e costumes estruturados é
chamado de “rumbê”. Antes de nos
aprofundarmos na hierarquia dos terreiros,
precisamos entender o que a educação de
axé estimula, como ato principal, em seus
praticantes.

1. Fundamentos espirituais: As religiões


de matriz africana no Brasil são
baseadas em uma cosmovisão
espiritual complexa, com ênfase na
conexão com os Orixás, ancestrais e
forças da natureza. Os fundamentos
espirituais são ensinados aos
praticantes para que possam
compreender e vivenciar a
espiritualidade dessas tradições.
2. Hierarquia: As casas religiosas dessas
religiões possuem uma estrutura
hierárquica, com líderes e sacerdotes

113
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

experientes que são responsáveis pela


orientação espiritual e educacional dos
membros.
3. Iniciação: A iniciação é um processo
fundamental nas religiões de matriz
africana. Por meio dela, os indivíduos
são acolhidos nas tradições, recebem
seus orixás e guias protetores e
aprendem os segredos e os mistérios
da religião.
4. Aprendizagem oral: A transmissão do
conhecimento e dos ensinamentos é
principalmente oral, passados de
geração em geração. Os sacerdotes e
líderes de terreiros compartilham seus
conhecimentos com os iniciados e
praticantes mais jovens.
5. Ritos e rituais: Os ritos e rituais são
essenciais nas religiões de matriz
africana. Eles são realizados para
honrar os Orixás, estabelecer conexões
espirituais, buscar cura, proteção e
equilíbrio, e celebrar momentos
importantes da vida.
6. Respeito aos mais velhos: O respeito
aos mais velhos é uma parte central da
educação de axé. Os mais experientes
são considerados detentores de
sabedoria e conhecimento e são

114
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

respeitados e reverenciados pelos mais


jovens.
7. Obediência e disciplina: A obediência
às regras e diretrizes estabelecidas
pelos sacerdotes e líderes é valorizada.
A disciplina é ensinada para garantir o
respeito às tradições e aos rituais
sagrados.
8. Cuidado com as energias: Os
praticantes são orientados a terem
cuidado com suas energias, evitando
ações e comportamentos que possam
gerar desequilíbrio espiritual. São
incentivados a cultivar pensamentos
positivos, boas ações e cuidar de seu
corpo e mente.
9. Preservação das tradições: A
preservação das tradições é um pilar
importante nas religiões de matriz
africana. Os praticantes são
incentivados a manter vivas as práticas
ancestrais e a honrar as origens
africanas.
10. Respeito à natureza: O respeito e a
conexão com a natureza são ensinados
como parte integrante da educação de
axé. Os praticantes são orientados a
preservar o meio ambiente e a viver
em harmonia com todas as formas de
vida.

115
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

11. Atenção aos ancestrais: Os ancestrais


têm um papel importante nessas
religiões. Os praticantes aprendem a
honrar e a se conectar com seus
antepassados, reconhecendo sua
influência e buscando seu auxílio e
proteção.
12. Vestimentas rituais: A educação de axé
também envolve o conhecimento e o
respeito pelas vestimentas rituais, que
são usadas durante os ritos e rituais
sagrados.
13. Tabus e restrições: Existem tabus e
restrições alimentares e
comportamentais específicas dentro
das religiões de matriz africana. Os
praticantes aprendem a respeitar essas
restrições como forma de manter o
equilíbrio espiritual e honrar os
preceitos religiosos.
14. Estudo dos mitos e itans: Os mitos e
itans (histórias) são ensinados para
transmitir conhecimento e
ensinamentos importantes sobre os
Orixás, a natureza humana e a
espiritualidade. Os praticantes
aprendem a interpretar e aplicar esses
ensinamentos em suas vidas diárias.
15. Cuidado com o corpo: Os praticantes
são incentivados a cuidar de seu corpo

116
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

como um templo sagrado, evitando


excessos, vícios e práticas prejudiciais à
saúde.
16. Serviço à comunidade: A educação de
axé também enfatiza a importância de
servir à comunidade e ajudar aqueles
que estão em necessidade. Os
praticantes são encorajados a praticar
a caridade e a contribuir para o
bem-estar coletivo.
17. Meditação e conexão espiritual: A
meditação e a busca pela conexão
espiritual são parte integrante da
educação de axé. Os praticantes
aprendem técnicas de meditação e
contemplação para fortalecer sua
ligação com os Orixás e a
espiritualidade.
18. Respeito à diversidade: A educação de
axé promove o respeito à diversidade
religiosa e cultural. Os praticantes
aprendem a valorizar e respeitar as
diferenças entre as pessoas e a buscar
a união e a convivência pacífica.
19. Ética e responsabilidade: Os
praticantes são instruídos sobre a
importância da ética e da
responsabilidade em suas ações e
escolhas. São ensinados a agir com
integridade, respeito e

117
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

responsabilidade em todas as áreas de


suas vidas.
20. Estudo contínuo: A educação de axé é
um processo contínuo. Os praticantes
são encorajados a buscar
conhecimento, estudar os
fundamentos da religião e aprofundar
sua compreensão espiritual ao longo
de suas jornadas religiosas.
21. Equilíbrio entre o sagrado e o profano:
Os praticantes aprendem a encontrar
equilíbrio entre suas práticas religiosas
e sua vida cotidiana. Eles são
incentivados a integrar os
ensinamentos e os valores do axé em
todas as áreas de suas vidas.
22. Aprendizado através da experiência: A
educação de axé valoriza a
aprendizagem por meio da
experiência direta. Os praticantes são
encorajados a vivenciar os rituais,
participar dos trabalhos religiosos e
aplicar os ensinamentos em suas
próprias vidas para um maior
entendimento.
23. Orientação espiritual: Os praticantes
recebem orientação e
acompanhamento espiritual dos
sacerdotes e líderes da casa religiosa.
Eles são incentivados a buscar

118
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

aconselhamento e apoio em
momentos de necessidade ou dúvida.
24. Celebração das festas religiosas: As
festas religiosas são momentos
importantes de celebração, renovação
e conexão com os Orixás. Os
praticantes aprendem sobre a
importância dessas festividades e
participam ativamente delas.
25. Conexão com a música e a dança: A
música e a dança são elementos
essenciais nas religiões de matriz
africana. Os praticantes aprendem
sobre os ritmos, os cânticos e as
danças sagradas como formas de
conexão com os Orixás e de expressão
espiritual.
26. Fortalecimento da intuição: A
educação de axé também incentiva o
desenvolvimento da intuição e da
conexão com a espiritualidade interior.
Os praticantes aprendem a confiar em
sua intuição e a desenvolver sua
sensibilidade espiritual.
27. Cultivo de valores humanos: A
educação de axé valoriza o cultivo de
valores humanos, como a compaixão, a
solidariedade, a honestidade, a
humildade e o respeito. Os praticantes
são ensinados a aplicar esses valores

119
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

em todas as suas interações e


relacionamentos.
28. Equidade de gênero: As religiões de
matriz africana no Brasil têm uma
abordagem inclusiva e igualitária em
relação ao gênero. As mulheres
ocupam posições de liderança e
participam ativamente nas práticas
religiosas e rituais.
29. Transmissão intergeracional: A
educação de axé enfatiza a
importância da transmissão
intergeracional de conhecimento e
tradições. Os praticantes são
incentivados a compartilhar seus
conhecimentos com as gerações mais
jovens e a garantir a continuidade das
práticas religiosas.
30. Busca pela evolução espiritual: A
educação de axé é orientada para a
busca contínua de crescimento e
evolução espiritual. Os praticantes são
encorajados a desenvolver uma
conexão profunda com os Orixás, a se
dedicar à prática religiosa e a buscar a
transformação pessoal em sua jornada
espiritual.

Esses são alguns aspectos da educação de


axé nas religiões de matriz africana no Brasil.

120
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

Oxalá é o guardião da ética, dos valores


morais e dos princípios fundamentais que
guiam a educação de axé. Ele é reverenciado
como o modelo de conduta a ser seguido
pelos praticantes, ensinando a importância
da honestidade, da retidão de caráter, da
disciplina e do respeito. Oxalá é visto como o
mentor e o protetor dos iniciados e
praticantes. Ele orienta os adeptos na
compreensão e na vivência dos
ensinamentos religiosos, ajudando-os a
cultivar uma conexão profunda com os Orixás
e a desenvolver sua espiritualidade.

Vale ressaltar que as práticas e os


ensinamentos podem variar entre as
diferentes tradições e casas religiosas, mas
esses princípios gerais fornecem uma visão
abrangente da importância da educação e do
sistema de regras dentro dessas religiões. No
candomblé, por exemplo, o conjunto de
regras e hierarquias são considerados os mais
rígidos dentro das religiões de matriz
africana, onde o praticante que se inicia deve
respeitar muitos dias de preceito, pode ter
intervenções alimentares e comportamentais
para o resto de sua vida e, principalmente,
deve obedecer diretamente a ordem de seus
Orixás e zeladores. Entretanto, apesar da
rigidez, as regras variam de casa para casa,

121
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

sendo algumas delas mais brandas com


relação à educação de axé. Existem também
algumas características específicas de cada
nação do candomblé no Brasil que podem
suavizar ou enrijecer a prática da religião para
quem decide se iniciar.

Ainda dentro dos candomblés, a hierarquia é,


talvez, o ponto principal de respeito e atenção
para os iniciantes no tema. No candomblé de
Ketu, por exemplo, temos alguns cargos que,
por conta do idioma yorubá, se tornaram
mais conhecidos entre a população não
praticante:

1º - Iyalorixá / Babalorixá: O
significado das palavras Iyá do iorubá
significa mãe, babá significa pai, ou
seja a palavra tradução a famosa
expressão Pai de santo, Mãe de Santo.

2º – Iyalaxé (mulher): Mãe do axé, a


que distribui o axé e cuida dos objetos
ritual.

3º – Iyaegbé / Babaegbé: É a segunda


pessoa do axé. Conselheira,
responsável pela manutenção da
Ordem, Tradição e Hierarquia.

122
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

4º – Iyakekerê (mulher): Mãe Pequena,


segunda sacerdotisa do axé ou da
comunidade. Sempre pronta a ajudar e
ensinar a todos iniciados.

Babakekerê (homem): Pai pequeno,


segundo sacerdote do axé ou da
comunidade. Sempre pronto a ajudar
e ensinar a todos iniciados.

5º – Ojubonã ou Agibonã: É a mãe


criadeira, supervisiona e ajuda na
iniciação.

6º – Iyamorô ou Babamorô:
Responsável pelo Ipadê de Exú.

7º – Alagbê: Responsável pelos toques


rituais, alimentação, conservação e
preservação dos instrumentos
musicais sagrados. (não entram em
transe).

8º – Ogã ou Ogan: Tocadores de


atabaques (não entram em transe).

9º – Ekedi: “Camareira” do Orixá (não


entram em transe). Na Casa Branca do
Engenho Velho, as ajoiés são
chamadas de ekedis. No Terreiro do
Gantois, de “Iyárobá” e na Angola, é

123
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

chamada de “makota de angúzo”,


“ekedi” é nome de origem Jeje, que se
popularizou e é conhecido em todas as
casas de Candomblé do Brasil.

10º – Ebomi ou Egbomi: são pessoas


que já cumpriram o período de sete
anos da iniciação (significado: meu
irmão mais velho).

11º – Elegun (também conhecido por


Yawò) nesse caso a tradução ao pé da
letra dessa palavra é esposa e não
iniciado. a palavra iniciado ao pé da
letra é elègun ou aquele que possui
Orixá : filho-de-santo (que já foi
iniciado e entra em transe com o Orixá
dono de sua cabeça).

12º- Abiã ou Abian: Novato. É


considerada Abiã toda pessoa que
entra para a religião após ter passado
pelo ritual de lavagem de contas e o
bori. Poderá ser iniciada ou não, vai
depender do Orixá pedir a iniciação.

124
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

Òṣàlá - Capítulo 5

- Oxalá não é Jesus

Para que fiquem claros os motivos pelos


quais a associação de Oxalá com Jesus foi
concebida e passada culturalmente há
gerações, precisamos entender o conceito de
sincretismo religioso e as suas origens
racistas, sanguinárias e - por mais que pareça
conflitante com as origens já citadas - cristãs.
O sincretismo religioso foi adotado no Brasil
como uma forma de preservação e
adaptação das práticas religiosas trazidas
pelos africanos escravizados durante o
período colonial. Essa prática ocorreu devido
à imposição do sistema escravista, que
buscava suprimir a cultura, a religiosidade e a
identidade dos povos africanos trazidos como
escravos para o país.

No contexto da escravidão, os africanos foram


obrigados a abandonar suas crenças e rituais
religiosos tradicionais, uma vez que a religião
africana era vista como uma ameaça ao
controle e à dominação dos escravizadores.
No entanto, os escravizados encontraram
maneiras de preservar e praticar suas
tradições religiosas de forma camuflada. Para
evitar perseguições e punições, os africanos
escravizados adaptaram suas crenças e

125
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

práticas às crenças impostas pelos


colonizadores, geralmente o catolicismo. O
sincretismo religioso surgiu, assim, como
uma estratégia para disfarçar as tradições
africanas sob a roupagem do catolicismo,
utilizando símbolos e imagens católicas para
representar os Orixás e entidades africanas.
Essa fusão de elementos africanos com o
catolicismo permitiu aos escravizados
manterem suas crenças e práticas religiosas
de forma velada, protegendo sua identidade
cultural e espiritual. Ao atribuir características
dos santos católicos aos Orixás e entidades
africanas, eles puderam continuar a adorá-los
e a preservar suas tradições, mesmo que de
forma encoberta.

Além disso, o sincretismo religioso também


serviu como uma forma de resistência
cultural e espiritual contra a opressão
colonial. Ao adaptar suas crenças ao contexto
religioso imposto, os africanos escravizados
encontraram uma maneira de preservar sua
identidade e conexão com suas raízes,
resistindo à dominação cultural e religiosa
dos colonizadores. Com o passar do tempo,
apesar de não se fazer mais necessário nos
dias de hoje, o sincretismo religioso se tornou
uma característica marcante das religiões de
matriz africana no Brasil, como a Umbanda.

126
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

Ele representou a capacidade de resiliência,


adaptação e sobrevivência dessas tradições
em um contexto adverso.

Vale lembrar que, antes das populações


escravizadas recorrerem ao sincretismo,
muito sangue foi derramado, ainda em solo
africano, no que se chamava de catequese,
um nome menos impactante para retratar o
genocídio católico que ocorreu na África nos
anos de colonização com todos aqueles que
não se convertiam ao cristianismo. Aqui no
Brasil, nos primeiros séculos de colonização,
os maiores afetados pela imposição do
cristianismo foram os cultos de Congo e
Angola que, somados às culturas indígenas
que também sofriam com a perseguição
religiosa, acabaram por formar dezenas de
novas religiões e cultos como a Pajelança,
Cachimbada, Jurema Sagrada, Quimbanda,
Catimbó, Tambor de Mina, Congado, Tambor
de Crioula, entre outros.

Ao retornarmos para o sincretismo que


associa Jesus a Oxalá, precisamos pensar
primeiro no conceito de paternidade de
ambos, porém, muito antes de Jesus, Obatalá
já era Obatalá. Tanto Oxalá quanto Jesus
carregam em suas características os traços de
manutenção da ordem e dos bons costumes.

127
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

Ambos são considerados também como a


representação da verdade e da vida. Outro
ponto de similaridade entre os dois é o fato
de que tanto Oxalá quanto Jesus são os
primeiros filhos dos Deuses supremos de
suas respectivas religiões. Esse sincretismo
também ocorre quando elementos da figura
de Jesus Cristo são associados a Oxalá e
vice-versa, o Orixá da paz, da sabedoria e filho
de um criador, assim como o filho do Deus
cristão.

Tanto Jesus como Oxalá são considerados


figuras divinas com poder e autoridade
espiritual. Ambos são vistos como
mediadores entre os seres humanos e o
divino, representando a conexão com o
sagrado e a busca pela espiritualidade.
Associados ao sacrifício e à renúncia em
benefício da humanidade, Jesus é conhecido
por seu sacrifício na cruz para a redenção dos
pecados, enquanto Oxalá é associado à ideia
de renúncia e entrega pessoal em prol do
bem-estar coletivo. Também representados
à paz, ao amor e à compaixão, eles
representam a busca pela harmonia, pela
reconciliação e pela superação dos conflitos
através do amor incondicional e da
compreensão mútua. Para além do campo
espiritual e filosófico, Jesus também nasce

128
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

em solo africano e possui a pele preta,


diferente da imagem eurocêntrica que a
igreja católica vem impondo até hoje. Em
diferentes passagens bíblicas, a etnia e a pele
negra de Jesus são expostas mas,
caminhando junto da crença religiosa, os
limites geográficos da época também
sustentam a afirmação do Jesus negro da
tribo de Judá, uma das tribos africanas de
Israel. Também é possível encontrar
referências de Jesus (Jewesun) nos odus de
Ifá, onde são relatadas, inclusive, passagens
por Exu e ligação com Orunmilá.

Por fim, tanto Jesus quanto Oxalá são


frequentemente simbolizados pela cor
branca, e é importante lembrar que o
sincretismo entre os dois pode variar de
acordo com a tradição religiosa e a casa
específica. Cada comunidade pode ter suas
próprias interpretações e práticas,
adaptando-as às suas necessidades e crenças
individuais. O sincretismo entre Jesus e Oxalá
reflete a capacidade de adaptação e síntese
religiosa que ocorreu durante a história do
Brasil, onde elementos do cristianismo foram
incorporados às tradições africanas,
permitindo a continuidade e a preservação
das crenças e práticas espirituais dos povos
africanos escravizados. Entre esses

129
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

elementos, podemos citar a sexta-feira santa,


não só pelo fato da sexta-feira ser
considerada o dia de Oxalá nas religiões de
matriz africana, mas também pela enorme
quantidade de rituais realizados nesta data
pelos povos de terreiro.

É comum que em algumas casas sejam


realizados rituais considerados católicos,
como o jejum ou o consumo da carne de
peixe. Porém, é na sexta-feira santa que
muitas casas de axé se recolhem para fazer o
que se conhece como fechamento de corpo,
rituais secretos e internos apenas para os
praticantes da religião e passados desde os
primeiros cultos Banto estabelecidos no
Brasil.

130
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

Òṣàlá - Capítulo 6

- Banhos e ervas de Òṣàlá

Os banhos de ervas desempenham um papel


significativo nas religiões de matriz africana,
como o Candomblé e a Umbanda. Eles são
utilizados para diversos propósitos, incluindo
purificação, proteção, equilíbrio espiritual,
cura e fortalecimento da conexão com as
divindades. Destaco algumas das finalidades
mais comuns dos banhos de ervas dentro das
religiões de matriz africana:

1. Purificação: Os banhos de ervas são


usados para limpar e purificar o corpo
físico, a mente e o espírito. Eles ajudam
a remover energias negativas,
impurezas espirituais e influências
indesejadas que possam afetar o
bem-estar e a harmonia.
2. Proteção: Os banhos de ervas têm a
função de criar um escudo protetor ao
redor do indivíduo. Eles ajudam a
afastar energias negativas, influências
malignas e ataques espirituais,
fortalecendo a aura e promovendo a
segurança espiritual.
3. Harmonização e equilíbrio: Os banhos
de ervas são utilizados para
restabelecer o equilíbrio espiritual e

131
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

energético. Eles ajudam a acalmar a


mente, aliviar o estresse, equilibrar as
emoções e promover a harmonia
interna.
4. Cura e fortalecimento: Os banhos de
ervas têm propriedades terapêuticas e
curativas. Eles são usados para
promover a cura física, emocional e
espiritual, aliviando dores,
enfermidades e desequilíbrios
energéticos.
5. Conexão espiritual: Os banhos de ervas
são uma forma de fortalecer a conexão
com as divindades, os Orixás e os guias
espirituais. Eles ajudam a elevar a
vibração espiritual, facilitando a
comunicação e a interação com o
divino.
6. Limpeza ritualística: Os banhos de
ervas são parte integrante dos rituais
religiosos. Eles são realizados antes de
cerimônias, festas, iniciações e outros
eventos importantes como forma de
preparação e purificação dos
participantes.
7. Renovação energética: Os banhos de
ervas são utilizados para renovar e
revitalizar a energia do corpo e do
espírito. Eles ajudam a liberar
bloqueios energéticos, renovar a

132
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

vitalidade e restaurar o equilíbrio


perdido.
8. Abertura espiritual: Os banhos de ervas
são usados para abrir os canais
espirituais e promover uma maior
receptividade às mensagens divinas.
Eles ajudam a ampliar a percepção
espiritual, a intuição e a sensibilidade
às energias sutis.

É importante destacar que os banhos de


ervas são realizados de acordo com as
orientações e práticas específicas de cada
tradição religiosa e casa de culto. Cada erva
possui suas propriedades e intenções
específicas, e sua combinação pode variar
dependendo do objetivo desejado. É
recomendado buscar orientação de um
sacerdote ou líder religioso para determinar
os banhos mais adequados e benéficos de
acordo com a situação e as necessidades
individuais. Isso se deve ao fato de que nem
todas as ervas são aceitas por determinados
Orixás, porém, todas as ervas relacionadas a
Oxalá são aceitas pelos demais Orixás, com
raras exceções. Também é muito comum que
as ervas de Oxalá sejam associadas a outros
Orixás, uma vez que seus fundamentos
básicos são acalmar e trazer equilíbrio.

133
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

Dentro do candomblé, uma enorme


variedade de plantas é utilizada para
diferentes fins, assim como nas demais
religiões de matriz africana, especificamente
em rituais definidos dentro do culto. Esses
rituais podem ser de adivinhação,
defumação, cura ou proteção, independente
do motivo, o papel das ervas e plantas é
carregar as energias necessárias para que o
ritual surta o efeito desejado. Para os adeptos
das religiões de matriz africana com
influências indígenas, por exemplo, as plantas
são utilizadas principalmente nos rituais de
cura e estudadas dentro dos cultos pelos seus
praticantes que, como observações
científicas, procuram desvendar as
propriedades naturais de cada uma delas.
Uma vez que as plantas são prioridade dentro
dos terreiros, seguindo a filosofia Yorubá de
que “sem folha não há Orixá”, é possível
perceber que, de certa forma, os cultos de
matriz são incentivadores e incentivados a
proteger a natureza, visto que muitas das
folhas dos Orixás são plantas raras na flora
brasileira.

O preparo dos banhos de ervas podem variar


bastante de acordo com os costumes de
cada casa, desde a temperatura até a forma
como o praticante toma o banho.

134
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

Independente disso, algumas ervas


cumprem muito bem tanto o papel
medicinal quanto o espiritual. As ervas de
Oxalá, em sua maioria, são utilizadas para
banhos de proteção e para acalmar tanto
corpo quanto espírito. Algumas das ervas de
Oxalá - que podem ser associadas a outros
Orixás dependendo do culto - e suas
características são:

Algodão - Na essência, a raiz e as folhas


podem ser utilizadas para chás com efeito
diurético, antiasmático e anti anêmico; o chá
da casca e da raiz auxilia no aumento do leite
materno, a folha do algodão é muito utilizada
no culto a Oxalá, é usada em rituais de Bori,
feituras, obrigações entre outros direcionados
a Oxalá. O algodão é pacificador, traz pureza,
calmaria e clareza, um banho de folhas de
algodão acalma o espírito e clareia a mente.

Malva Branca - Excelente para tratar de febre,


infecção urinária, reumatismo, cólicas,
ansiedade, inflamação de garganta e até a
disfunção sexual; uma planta que ajuda no
sistema nervoso central e atua como
calmante, possui efeito analgésico,
anti-inflamatório e antioxidante. Seu banho
limpa as energias negativas no corpo e
pode-se utilizar para limpar a casa.

135
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

Rosas Brancas - Auxiliam na conexão com a


família espiritual, harmonizam o ambiente,
ajudam na paz interior, podem ser usadas em
ambientes para trazer paz e proteger das
energias negativas. Seu banho traz calma e
purifica os sentimentos, estimula o perdão e
a compaixão. Seu chá pode ser tomado para
acalmar pessoas estressadas e nervosas,
auxilia no processo de cura e na insônia.

Folha da Laranjeira - Indicada para utilizar na


limpeza de comércios e trazer vitalidade, a
casca e o fruto depois de seca podem ser
utilizados como defumações para purificar e
energizar o ambiente, o banho e a água
servem para repor as energias vitais (quando
estiver muito cansado), a água se ingerida
ajuda nos problemas estomacais e digestivos,
ajuda a crescer cabelos, a dormir melhor e
em problemas de queimações solares, em
animais, a água de flor de laranjeira ajuda na
cicatrização.

Alecrim - Muitos são os tipos de alecrim,


especificamente como ervas de Oxalá, temos
o Alecrim de Caboclo, o de Tabuleiro e o do
Campo. Todos possuem utilização ritualística,
em especial na defumação. Apenas o Alecrim
do Campo possui uso medicinal,
combatendo o reumatismo.

136
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

Carnaúba - Tem função específica no banho


de ervas, onde cobre-se a cabeça para
fortalecimento espiritual e do Ori. Não possui
atributos medicinais, mas sua cera é tida
como a melhor para fazer velas para Oxalá.

Colônia - Essa planta possui aplicação em


todos os rituais de lavagem de cabeça,
praticamente indispensável nos banhos de
limpeza dos filhos de santo. Como remédio, é
bastante utilizada para problemas
estomacais.

Folha da Fortuna - Também conhecida


como Saião, a folha da fortuna é uma
excelente erva de descarrego de energias
negativas, assim como a colônia, pode ser
utilizada por todos dentro da religião. Na
medicina popular, sua folha acelera o
processo de cicatrização quando colocadas
sobre ferimentos e contusões.

Novamente é importante lembrar que


nenhum banho deve ser feito ou tomado
sem orientação e, mais especificamente,
nenhuma erva deve ser utilizada de forma
medicinal sem que haja recomendação
médica ou conhecimento prévio. É preciso
estar ciente de que nem todo problema na
sua vida terá uma razão espiritual e, para isso,
procure sempre um médico antes.

137
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

Considerações finais

O projeto Matrizes até aqui mostrou a relação


entre Exu e os cultos afro brasileiros, entre
Exu e Oxalá e a relação de Oxalá com
diferentes religiões. No decorrer do Matrizes,
muitos orixás serão apresentados de forma
simples e sempre destacando pontos em que
eles são amplamente associados. É provável
que, ao ler este livro, uma pessoa que já
tenha um certo conhecimento dentro de
algum culto de matriz, ache divergências nas
informações aqui passadas com as que
aprendeu dentro da sua casa de axé. O
objetivo deste projeto não é, de forma
alguma, ditar o que é certo e o que é errado
dentro das religiões, mas mostrar que
existem diferentes possibilidades de enxergar
um mesmo cenário.

Todas as informações passadas através desse


projeto são provenientes de muita pesquisa e
diálogo entre diferentes lideranças de terreiro
e praticantes de religiões de matriz africana.
Esse livro, como já foi dito em seu início, é um
compilado de informações, passadas de
forma simples, para facilitar o entendimento
de todos aqueles que possuem interesse em
aprender um pouco mais por diferentes
óticas. Me incluo nessas pessoas pois,

138
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

escrevendo o livro, eu me permiti aprender e


descobrir diferenças marcantes e pontuais
em diversos aspectos do culto ao qual faço
parte. Percebi que, apesar do conhecimento
ser ilimitado, ele não é todo aplicado. Aprendi
que é possível existir diferentes opiniões
sobre um mesmo fato ou aspecto religioso e
isso não influi na minha fé ou na minha
forma de culto, assim como não influi na dos
outros.

Se o projeto Matrizes tem uma finalidade, eu


diria que é proporcionar o diálogo. Não só
para fins de aprendizado teológico, mas
também para a construção de um povo de
terreiro mais unido e com mais desejo de
aprender sobre suas culturas e respeitar as
diferenças. Em um país sem memória, as
religiões orais como o candomblé são
facilmente atacadas e apagadas. Criar
literaturas que destaquem a importância
desses cultos para a nossa identidade cultural
enquanto sociedade deve ser encorajado.
Registrar a nossa fé através da escrita é a
certeza de que, daqui para frente, seremos
lembrados.

139
Licensed to Giovana Arquelino - giovanaarquelino@gmail.com - HP42382437

O autor

Nasci e fui criado em um dos maiores


complexos de favelas do Brasil, a Maré, mais
especificamente a comunidade da Vila do
João. Desde muito cedo já entendi, mesmo
não tendo nada a ver com religião, que existe
um lado que bate e outro que apanha. Passei
por diferentes momentos e crenças durante a
vida, caí de paraquedas na Umbanda e atendi
ao chamado de Oxum para o candomblé.
Herdei minha mediunidade da minha avó
materna assim como a minha pombagira de
frente, me iniciei no candomblé, entreguei
meu Ori para Oxum após um longo período
sem acreditar em nada, sempre encontrando
justificativas lógicas para as coisas que, de
forma inexplicável, aconteciam na minha
vida. Hoje, depois de mais de trinta anos
sendo silenciado por ser gay, favelado e, mais
recentemente, macumbeiro, finalmente eu
me encontro em um lugar onde minha voz é
ouvida por centenas de milhares de pessoas
nessas plataformas chamadas redes sociais.
Se você chegou aqui através delas e
aprendeu alguma coisa, meu trabalho está
valendo a pena. Muito obrigado!

@ExuDoPop

140

Você também pode gostar