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A CASA COMO REFLEXO DA SOCIEDADE.

LISBOA NO SÉCULO XX

Romana Margarida Veiga dos Reis Caldeira e Silva

(Licenciada)

Dissertação de Natureza Científica para a obtenção do Grau de Mestre em Arquitetura

Orientação Científica:

José Luís Crespo, Professor Auxiliar

Carlos Lameiro, Professor Associado

Júri:

Presidente: Filipa Serpa, Professora Auxiliar

Vogal: Teresa Sá, Professora Auxiliar

Vogal: José Luís Crespo, Professor Auxiliar

DOCUMENTO DEFINITIVO

Lisboa, FA-ULisboa, Dezembro, 2016


Resumo
Na presente dissertação procurou-se encontrar elos de ligação na evolução paralela
da sociedade e da habitação, durante o século XX em Portugal. Analisámos as
alterações e as evoluções da sociedade, da casa, da apropriação do espaço doméstico e
das políticas habitacionais em Lisboa.

Baseámos a análise em 18 casos de estudo, de tipologias habitacionais diferentes,


entre os anos 10 e os anos 90 do século XX, em Lisboa, que permitiram refletir sobre os
princípios ordenadores de cada tipologia, os que foram suprimidos, e os que se
mantiveram ao longo do tempo. Sobre a família, também foram abordadas as questões
das alterações verificadas, com destaque para a “libertação” da mulher, tanto na
sociedade como na família, assim como a redução da dimensão dos agregados
familiares, ligando-se estas temáticas com a apropriação do espaço doméstico.

Constatámos com o presente estudo as consequências e a influência do RGEU na


dicotomia sociedade-casa: numa primeira fase obrigou a uma mudança significativa
através de uma inversão entre quartos/sala e a uma distinção concreta entre
sala/quartos; e uma segunda fase onde a normalização se tornou num obstáculo à
diversidade tipológica. Assim, concluímos que até ao RGEU houve uma transposição
dos valores sociais e familiares para a habitação e após o RGEU houve uma evolução e
características sociais e familiares sem relação direta com a evolução das tipologias
habitacionais.

Palavras-chave: Casa | Habitação | Família | Sociedade | Lisboa

I
II
Abstract
In the present dissertation it was aimed to find connecting elements between
parallel evolution of society and social accommodation in the 20th century, in Portugal.
We have done proper research on the changes and evolution processes of society, of the
accommodation object itself –the house; of the housing space appropriation and the
accommodation policies in Lisbon.

This analysis was based on 18 case studies, about different accommodation


typologies, between the 1st decade and the 9th of the 21st century, in Lisbon, which has
allowed us to reflect on the guidelines of each typology, and ultimately to identify which
ones had been supressed and the ones that had remained until nowadays. Regarding the
family dynamics, the topics of the verified changes have also come up, with proper
highlight to the female emancipation, either socially speaking and also within the familiar
circle; the decreasing tendency of the family household; connecting these themes to the
housing space appropriation issue.

Hereby we are able to determine the RGEU consequences and its influence on
the dichotomy “society – household”: the first phase is related to the significant change
through the inversion between bedrooms/living room and the concrete distinction
between living room/bedrooms; and the second phase held on the normalization process
becoming an obstacle to creativity, resulting ultimately in crystalized ideals.Therefore, we
may conclude with the present study that, until the RGEU there has been a transposition
of values, socially and familiarly speaking, to accommodation; and after the RGEU there
has been an evolution regarding social and family-related aspects that have found no
direct link to the accommodation typologies’ evolution of their own.

Keywords: House | Housing | Family | Society | Lisbon

III
IV
Agradecimentos

Em primeiro lugar, aos professores Carlos Lameiro e José Luís Crespo, por todo o
acompanhamento incansável.

A todos os restantes professores desta instituição, pela partilha de conhecimentos ao


longo do curso.

Aos colegas, que influenciaram de alguma forma o meu caminho, e principalmente aos
que partilharam estes últimos meses de curso.

Aos que estiveram presentes desde o primeiro ano, Inês, Maria e Miguel, e aos que
chegaram depois, Henrique e Armando.

À Rita.

Aos Amigos e Amigas.

Aos Avós e aos Tios.

Por fim e principalmente, à Mãe e Mana, que só querem o melhor para mim.

V
VI
As fachadas das casas nada nos podem dizer, nada revelando senão uma
conformidade arquitectónica aos gostos de algum grupo ou classe que talvez
nem já habite sequer naquela rua. Por trás das fachadas escondem-se os
mistérios sociais (Nunes, 1984:27).

VII
VIII
Índice Geral
Resumo I
Abstract III
Agradecimentos V
Índice Geral IX
Índice de Figuras XI
Listagem de abreviaturas XIV
1 Introdução 1
1.1 Tema e motivação 1
1.2 Objetivos e questões de trabalho 2
1.3 Metodologia 2
1.4 Estrutura da dissertação 3
2 Da Primeira República à Adesão à União Europeia 5
2.1 Introdução 5
2.2 Enquadramento Histórico: breve síntese 5
2.3 Desenvolvimento da habitação em Lisboa 8
2.3.1 Expansão dos limites da cidade 8
2.3.2 O Estado Novo, a Câmara Municipal de Lisboa e os programas
habitacionais. 12
2.4 Casa, sociedade e a apropriação do espaço doméstico 15
2.4.1 Habitar a casa 15
2.4.2 Sociedade e família 18
2.5 Síntese 23
3 Casos de Estudo 27
3.1 Processo de escolha dos casos de estudo 27
3.2 Prédios de Rendimento 27
3.2.1 Caso de Estudo 1 – Avenida Visconde Valmor, 35 (1913) 29
3.2.2 Caso de Estudo 2 – Avenida Duque de Ávila, 28-30ª (1920) 32
3.2.3 Caso de Estudo 3 – Avenida 5 de Outubro, 134 (1920) 35
3.2.4 Caso de Estudo 4 – Rua Castilho, 65 (1937) 38
3.3 Rabo de Bacalhau 41
3.3.1 Caso de Estudo 5 – Rua Joaquim António de Aguiar, 35 (1937) 42
3.3.2 Caso de Estudo 6 – Rua Almeida e Sousa, 63 (1939) 45
3.3.3 Caso de Estudo 7 – Avenida António Augusto Aguiar, 9 (1942-47) 48
3.3.4 Caso de Estudo 8 – Rua Cervantes, 4 (1947-48). 52
3.4 Mudança de Paradigma 55
3.4.1 Caso de Estudo 9 – Bairro das Estacas – Célula 8 (1949-55) 56
3.4.2 Caso de Estudo 10 – Av. Estados Unidos da América (1953) 59
3.4.3 Caso de Estudo 11 – Bloco das Águas Livres (1953-55) 63
3.4.4 Caso de Estudo 12 – Avenida Infante Santo, 57 (1956) 66
3.5 Novos Bairros 69
3.5.1 Caso de Estudo 13 – Olivais Norte, categoria II (1955-58) 70

IX
3.5.2 Caso de Estudo 14 – Olivais Sul, categoria II (1960-61) 73
3.5.3 Caso de Estudo 15 – Olivais Sul, categoria III (1960-61) 77
3.5.4 Caso de Estudo 16 – Olivais Sul, categoria IV (1960-61) 80
3.6 1970/1990- Pós-Modernismo 83
3.6.1 Caso de Estudo 17 – Torres de Alfragide (1968/1973). 84
3.6.2 Caso de Estudo 18 – Complexo Habitacional Olaias (1982) 87
3.7 Síntese 90
4 Conclusão 91
4.1 Concretização dos objetivos 91
4.2 Perspetivas futuras 92
Bibliografia 93
Anexos 97

X
Índice de Figuras

fig 1. Planta do Fava. Cartografia de Lisboa séculos XVIII a XX in Salgado e Lourenço,


2006: 35 8

Fig. 2. Fotografia aérea de Lisboa, da autora. 9

Fig. 3. Plano Urbanização Alvalade, João Faria da Costa, 1945, in Salgado e Lourenço,
2006: 25. 10

Fig. 4. Plano de Urbanização da Zona de Intervenção da EXPO'98, planta síntese, 1994,


in Salgado e Lourenço, 2006: 28. 12

Fig. 5. Anúncio ao empreendedorismo urbanístico Santo António dos Cavaleiros, in


Donas de Casa, nº 53, 1966:55. 15

Fig. 6. Unite d' Habitation, Le Corbusier, in Archdaily © Rik Moran. 16

Fig. 7. Portas e as suas utilizações, in Monteys e Fuertes, 2011: 13. 17

Fig. 8. Anúncios de eletrodomésticos, in Donas de Casa, nº 53, 1966: 23. 18

Fig. 9. Anúncios dirigidos às mulheres, in Donas de Casa, nº 53, 1966:31. 21

Fig. 10. Anúncios dirigidos a homens e mulheres, respetivamente, in Donas de Casa, nº


53, 1966:53. 25

Fig. 11. Anúncio de tabaco dirigido às mulheres, in Donas de Casa, nº 53, 1966: 41. 25

Fig. 12. Av. Visconde Valmor, 35. Fachada, e pormenor de fachada, fotografias da
autora. 29

Fig. 13. (à esquerda) Av. Visconde Valmor, 35 planta tipo. Fonte: CML, tratada pela
autora. (à direita) Análises realizadas pela autora utilizando a mesma planta. 30

Fig. 14. Av. Duque de Ávila, 28-30. Fachada e pormenor de fachada, fotografias da
autora. 32

Fig. 15. Av. Duque de Ávila, 28-30 planta tipo, fonte: CML, tratada pela autora. 33

Fig. 16. Análises realizadas pela autora utilizando a fig. 15 33

Fig. 17. Av. 5 de Outubro, 134. Fachada e pormenor de fachada, fotografias da autora. 35

Fig. 18. Av. 5 de Outubro, 134 planta tipo, in Reis, 2009: 174. 36

Fig. 19. Análises realizadas pela autora utilizando a fig. 18. 36

fig 20. Rua Castilho, 65. Fachada e pormenor de fachada, fotografias da autora 38

Fig. 21. R. Castilho, 65 planta tipo, Fonte: CML, tratada pela autora. 39

Fig. 22. Análises realizadas pela autora utilizando a fig. 21. 39

XI
fig 23. R. Joaquim António de Aguiar, 35. Fachada e pormenor de fachada, fotografias da
autora 42

Fig. 24. (à esquerda). R. Joaquim António de Aguiar, 35 planta tipo, in AAP 1987:158
tratada pela autora. (à direita) Análises realizadas pela autora utilizando a mesma planta.
43

Fig. 25. R. Almeida e Sousa, 63. Fachada principal e traseiras, fotografias da autora. 45

Fig. 26. (à esquerda). R. Almeida e Sousa, 63, planta tipo, fonte: CML, tratada pela
autora. (à direita) Análises realizadas pela autora utilizando a mesma planta. 46

Fig. 27. Av. António Augusto Aguiar. Fachada e pormenor de fachada, fotografias da
autora. 48

Fig. 28. Av. António Augusto Aguiar, 9 planta tipo, in AAP 1987: 160. 49

Fig. 29. Análises realizadas pela autora utilizando a fig. 28. 49

Fig. 30. R. Cervantes, 4. Fachada principal e traseiras, fotografias da autora. 52

Fig. 31. (à esquerda). R. Cervantes, 4, planta tipo, fonte: CML, tratada pela autora. (à
direita) Análises realizadas pela autora utilizando a mesma planta. 53

Fig. 32. Bairro das Estacas, fotografias da autora. 56

Fig. 33. Bairro das Estacas. Da esq. para a dir. : Duplex 1º e 2º andar, respetivamente,
T3 planta tipo, in Sanches e Atouguia, 1954: 4. 57

Fig. 34. Análises realizadas pela autora utilizando a fig. 33. 57

Fig. 35. Cruzamento entre Av. Estados Unidos da América e a Av. de Roma. Fachadas e
pormenor, fotografias da autora. 59

Fig. 36. (à esquerda). Av. Estados Unidos da América, Lote 21, planta tipo, fonte: CML,
tratada pela autora. (à direita) Análises realizadas pela autora utilizando a mesma planta.
60

Fig. 37 .Cruzamento entre Av. Estados Unidos da América e Av. Roma planta tipo plano
urbano, fonte: CML, tratada pela autora. 61

Fig. 38. Bloco das Águas Livre. Fachada principal, fotografias da autora. 63

Fig. 39. Bloco das Águas Livres planta tipo, in Pereira e Cabral, 1959 : 9. 64

Fig. 40. Análises realizadas pela autora utilizando a fig. 39 64

Fig. 41. Av. Infante Santo, 57. Fachada principal, fotografias da autora. 66

Fig. 42. Av. Infante Santo, 57 planta tipo, fonte: CML, tratada pela autora. 67

Fig. 43. Análises realizadas pela autora utilizando a fig. 42. 67

Fig. 44. Olivais Norte, cat. II. Duas das fachadas, fotografias da autora. 70

XII
Fig. 45. (em cima) Olivais Norte, cat. II planta tipo, in AAP 1987: 254. (em baixo) Análises
realizadas pela autora utilizando a mesma planta. 71

Fig. 46. Olivais Sul, cat II. Fachada e pormenor de fachada, fotografias da autora. 73

Fig. 47. Olivais Sul, cat II planta tipo, in GTH, 1980 : 29. 74

Fig. 48. Análises realizadas pela autora utilizando a fig. 47. 75

Fig. 49. Olivais Sul, cat. III. Fachada e pormenor da caixa de escadas exteriores,
fotografias da autora. 77

Fig. 50. (em cima) Olivais sul, cat III planta tipo, in GTH, 1980 : 30. (em baixo) Análises
realizadas pela autora utilizando a mesma planta. 78

Fig. 51. Olivais Sul cat. IV. Duas das fachadas, fotografias da autora. 80

Fig. 52. Olivais Sul, cat. IV planta tipo, in GTH, 1980 : 31. 81

Fig. 53. Análises realizadas pela autora utilizando a fig. 52. 81

Fig. 54. Torres de Alfragide. Fachadas e pormenor de fachadas, fotografias da autora. 84

Fig. 55. Torres de Alfragide planta tipo. 85

Fig. 56. Análises realizadas pela autora utilizando a fig. 55. 85

Fig. 57. Complexo Habitacional Olaias. Fachada principal e traseiras, fotografias da


autora. 87

Fig. 58. Complexo Habitacional Olaias, planta tipo, in Fernandes e Lacerda, 1985 : 7. 88

fig 59. Análises realizadas pela autora utilizando a fig. 58 88

fig 60 e 61. Tabela Casos de Estudo 98, 99

XIII
Listagem de abreviaturas

ACP – Ação Católica Portuguesa

AU – Área útil

CML – Câmara Municipal de Lisboa

FCP-HE – Federação das Caixas de Previdência – Habitações Económicas

GTH - Gabinete Técnico da Habitação

PIDE – Polícia Internacional e de Defesa do Estado

RGCU – Regulamento Geral da Construção Urbana

RGEU – Regulamento Geral das Edificações Urbanas

RTP – Rádio Televisão Portuguesa

SAAL – Serviço de Apoio Ambulatório Local

SNI – Secretariado Nacional de Informação

UE – União Europeia

XIV
1 Introdução

1.1 Tema e motivação


Durante o século XX Portugal sofreu alterações populacionais, políticas e
económicas, resultando numa evolução faseada e nem sempre constante dessas
componentes da sociedade, desde a implantação da Primeira República à adesão à
União Europeia, passando por um longo período de ditadura política no Estado Novo. O
êxodo rural, a emigração e a receção dos retornados com o fim da guerra colonial,
potenciou a expansão dos limites da cidade de Lisboa em várias frentes e direções, e em
paralelo, ocorreu um desenvolvimento na habitação que deixou o seu contributo para a
arquitetura e para o urbanismo da cidade. Lisboa, sendo a capital do país, foi alvo de um
vasto leque de intervenções arquitetónicas e urbanísticas, desde edifícios públicos a
edifícios habitacionais, funcionando como um espelho dos regimes políticos vigentes, da
sociedade em questão e também dos ideais urbanos e arquitetónicos europeus.

As intervenções de carácter habitacional em Lisboa, durante o século XX, foram


motivadas pela necessidade de criação de alojamentos, que previsivelmente se
destinavam e se enquadravam nos modelos familiares existentes. O trabalho
desenvolvido procura uma abordagem em dois sentidos: por um lado, a temática dos
modelos habitacionais durante o século XX (com o foco desde as décadas 10 a 90), e
por outro, a evolução da família nesse mesmo período de tempo.

A vontade de iniciar este trabalho deve-se essencialmente ao facto de o terceiro


ano de licenciatura deste curso, nesta faculdade, ter sido dedicado à habitação,
semeando assim a curiosidade deste assunto. Foram realizadas pequenas análises
síntese de algumas plantas habitacionais, tanto em Portugal, como, por exemplo, em
Detroit, o Lafayette Park de Mies Van Der Rohe. Em simultâneo, estamos
constantemente em contacto com várias realidades familiares, pais divorciados, jovens
sem possibilidades financeiras para sair de casa, ou avós que por motivos de saúde
voltam para a casa dos filhos; o que de alguma forma provocou um interesse em
perceber, mais detalhadamente, quais os elementos que despoletaram essas mudanças,
e as suas consequências na habitação e na apropriação do espaço doméstico. Tendo
em consideração o tempo previsto para a elaboração de um trabalho deste carácter,
surgiu a necessidade de balizar o período de tempo, assim como também os casos de
estudo a analisar. Optámos então, pelo século XX - aparecendo como designação
genérica de um século, apesar dos casos de estudo versarem exemplos entre os anos
1910 até 1990 -, por todas as grandes mudanças e invenções a nível europeu e mundial,
e no qual se centraram alguns estudos, como por exemplo, de Paul Lauwe, sociólogo
urbano francês, que se dedicou também às questões inerentes à habitação,
principalmente em França.

1
1.2 Objetivos e questões de trabalho
No desenvolvimento desta Dissertação, procuramos responder a algumas
questões:

- De que forma a planta de um fogo, nos permite uma leitura mais vasta sobre os
valores da sociedade, à época da sua construção?

- Quais são os fatores da sociedade que mais condicionam os modelos


habitacionais?

A possível resposta a estas questões está entroncada nos objetivos que se


pretendem atingir neste trabalho. Um primeiro objetivo centra-se na reflexão sobre as
mudanças mais significativas nos modelos arquitetónicos habitacionais e os princípios
que foram eliminados, e quais os que se mantiveram até ao fim do século XX,
continuando a servir de matriz organizadora do espaço doméstico numa sociedade em
mudança. Num outro objetivo pretende-se refletir e analisar quais os fatores sociais,
políticos e económicos que se ligam e podem influenciar a organização e a configuração
do espaço doméstico.

1.3 Metodologia
No trabalho adotou-se uma metodologia de estudo de caso, com uma abordagem
de carácter qualitativo em que se mobilizaram técnicas de recolha e análise de
informação para perceber o fenómeno estudado na sua totalidade e múltiplas
dimensões.

Este trabalho foi estruturado em quatro momentos distintos mas interdependentes


e relacionados entre si.

Uma primeira fase consistiu na análise de documentos históricos e de bibliografia


específica e outras referências que enquadraram e ajudaram a responder aos intuitos do
trabalho a desenvolver. Os métodos utilizados, nesta fase, basearam-se na recolha e
análise crítica de textos, imagens e documentários. Simultaneamente, foi feita uma
recolha e análise de vários casos de estudo de tipologias habitacionais para a cidade de
Lisboa. Neste caso a recolha e análise das plantas nos arquivos da Câmara Municipal de
Lisboa, foi a principal fonte de informação. Complementarmente, recorreu-se a
documentos e bibliografia específica para aprofundar alguns dos casos de estudo.

Numa segunda fase, pretendeu-se enquadrar e contextualizar o objeto de estudo


no período de tempo escolhido. Uma das técnicas utilizadas foi a análise de bibliografia

2
diversificada que versou alguns indicadores sociais e programas habitacionais para o
período em estudo.

A terceira fase resultou numa análise e descrição dos resultados obtidos nas fases
anteriores, procurando validar as questões de trabalho e os objetivos definidos para uma
melhor compreensão do tema e do problema em análise.

Por fim, focámo-nos nos vários casos estudados subdivididos nas distintas
categorias: Prédio de Rendimento, Rabo de Bacalhau, Mudança de Paradigma, Novos
Bairros, 1970/1990 Pós Modernismo, com base nas fases anteriormente descritas, onde
se procurou uma reflexão crítica sobre a evolução da casa como reflexo da sociedade,
para o caso lisboeta, no século XX.

1.4 Estrutura da dissertação


O presente trabalho está organizado com uma estrutura que tem a seguinte
sequência: inicialmente teremos a introdução onde abordaremos o tema, as motivações,
os objetivos, a metodologia, e a estrutura desta tese; um segundo capítulo Da Primeira
República à Adesão à União Europeia; um terceiro capítulo com os Casos de Estudo; e
por último, a conclusão.

No segundo capítulo, procura-se perceber a sociedade no século XX sob três


vertentes: a histórica, onde será realizado um enquadramento histórico focando
questões como os regimes políticos, os indicadores sociais e alguns acontecimentos
importantes na sociedade portuguesa; a evolução da habitação, através de um
enquadramento histórico, focado nos planos urbanos que permitiram essas construções;
e por fim, a Casa, a Família e a Apropriação do Espaço Doméstico, onde se faz uma
breve análise sobre estes aspetos.

O terceiro capítulo destina-se aos casos de estudo, subdivididos em cinco


categorias: Prédio de Rendimento, Rabo de Bacalhau, Mudança de Paradigma, Novos
Bairros e por fim, 1970/ 1990 – Pós-Modernismo. Em cada categoria há uma reflexão
sobre os princípios e características presentes em cada uma, contendo informações de
carácter projetual e social/familiar. Nesta parte do trabalho foi criada uma tabela com a
compilação dos casos de estudo, que serviu de base para as análises realizadas. Os
casos de estudo foram analisados em três partes: i) as questões determinantes iniciais,
onde são tratadas informações de caráter contextual a nível histórico e no território,
sendo referido o período histórico em que o exemplo se insere, o que motivou a sua
construção, e características construtivas; ii) os aspetos particulares analisados, que se
fragmentam na estrutura distributiva do fogo, a análise dos elementos distributivos de
cada caso, desde a sua complexidade às medidas dos mesmos, a partição da casa,

3
focando-se essencialmente as relações entre áreas úteis atribuídas a cada uso (privado,
social, serviços) e entre divisões, relativas portanto à sua disposição e os elementos da
casa; por último, iii) os aspetos arquitetónicos relevantes, no qual foi realizada uma
análise de caráter mais subjetivo, fazendo-se algumas referências sociais abordadas no
segundo capítulo.

O quarto e último capítulo, a conclusão, ocupa-se das ilações retiradas após o


desenvolvimento dos capítulos anteriores, da concretização dos objetivos traçados e de
perspetivas futuras em trabalhos desta natureza.

4
2 Da Primeira República à Adesão à União Europeia

2.1 Introdução
O intervalo de tempo escolhido para esta dissertação centra-se no século XX,
mais concretamente desde a Primeira República, ao final dos anos 80, quando Portugal
assina o tratado de adesão à Comunidade Europeia. É portanto importante, para este
trabalho, percebermos por um lado os acontecimentos históricos durante esse período,
em Portugal, como também em geral na Europa, assim como os planos que foram
realizados na lógica de expansão dos limites da cidade, sempre com a questão da
habitação como motor dessa expansão; e por outro lado, quais as alterações do tecido
social e familiar durante este século, que são intrínsecas à habitação, assim como a
relação casa/família que se desenvolve no tema da apropriação do espaço doméstico.
Assim sendo, este capítulo divide-se em três partes, uma primeira que consiste numa
compilação dos dados históricos mais relevantes, uma segunda parte já focada numa
relação desses dados com a evolução da habitação e, uma terceira parte destinada à
análise de indicadores sociais, mais objetivamente, à análise da família e a sua relação
com a casa.

Este capítulo tem também a função de servir como base para o capítulo seguinte
referente aos casos de estudo, permitindo uma análise mais clara e completa,
contribuindo para um “olhar” mais consciente e conhecedor da esfera envolvente a cada
um dos casos.

2.2 Enquadramento Histórico: breve síntese


Cem anos depois do fim da Revolução Francesa, a 5 de Outubro de 1910, o
Partido Republicano sobe ao poder, obrigando a família Real a fugir para o Brasil e
permitindo aos portugueses acreditarem num Portugal democrático. A omnipresença da
Igreja já era considerada a maior barreira à emancipação dos portugueses pelo partido
republicano antes da tomada de posse, e o facto da maioria da população viver em
áreas rurais dominadas pela Igreja, representava um grande desafio à governação
republicana. Com a implantação da República, foi determinante para o ensino a extinção
das ordens religiosas (…) que Ainda nesse mesmo ano é posto de parte o ensino da
doutrina cristã (…) (SENP, 2003: 4). Outra dificuldade deste regime era a predominância
monárquica na Europa, onde apenas a França e a Suíça eram exceções por serem
regimes republicanos. Em 1910 introduz-se o divórcio. Também a inflação económica, o
aumento do custo de vida e simultaneamente um empobrecimento das classes média e
baixa, foram algumas das consequências da participação de Portugal na Primeira Guerra
Mundial, assim como uma dívida de 25 milhões de libras. Viveu-se um período de

5
grande instabilidade política, onde em menos de 16 anos Portugal teve 45 governos, 30
primeiros-ministros diferentes, 7 parlamentos e 8 presidentes da república. A Primeira
República chega ao fim em 1926, com uma marcha militar cujo líder foi o general Manuel
Gomes da Costa, abrindo caminho para uma Ditadura Militar (Sardica, 2012: 58) que
antecedeu o Estado Novo.

A 5 de Julho de 1932 António de Oliveira Salazar assume o cargo de Primeiro-


ministro e em Abril do ano seguinte entra em vigor a Constituição, marcando assim a
transição oficial do regime militar dominante desde 1926 para uma ditadura plenamente
constitucionalizada (Sardica, 2012: 69). Em termos populacionais a partir dos anos 20/30
verificou-se um declínio da mortalidade e da natalidade e também um aumento da
esperança de vida à nascença (Ferrão, 1996). Deus, Pátria e Família, representavam os
princípios do Estado Novo, espelhando claramente o lado religioso de Salazar. Antes da
Primeira República a emancipação e promoção femininas (Sardica, 2012: 28) era um
dos objetivos comuns a todos os republicanos, mas depois com Salazar foi exatamente o
oposto que se verificou. A criação de três instituições: PIDE, SNI e ACP, foi um reflexo
do autoritarismo e da ditadura intrínsecas aos princípios do Estado Novo vigente. A
separação de sexos destinava às mulheres o papel de dona de casa e mãe de família, e
aos homens o papel de trabalhador e sustento económico da família. Em paralelo Hitler
estava no poder na Alemanha (1934-45), Mussolini em Itália (1922-43) e mais tarde
Estaline na União Soviética (1941-1953).

Em 1940 Portugal comemorava o 800º aniversário da Fundação do Estado


Português e o 300º da Restauração da Independência, em plena II Guerra Mundial. Foi
organizada uma exposição que pretendia comemorar, e ao mesmo tempo mostrar aos
visitantes que Portugal era como um oásis de paz num mundo em guerra (Sardica, 2012:
71). Outro marco importante de 1940 é a Concordata assinada com o Vaticano, que volta
a impedir o divórcio dos casamentos católicos.

Com o fim de Hitler em 1945, os portugueses especularam a possível queda de


Salazar, embora esta só tivesse acontecido já em 1968.

O Estado Novo teve o seu apogeu no início dos anos 50, quando Portugal
recebeu ajuda financeira de 70 milhões de dólares resultando numa expansão e
progresso económico nos anos seguintes. Portugal era um dos países fundadores da
NATO e desde 1955 era membro de pleno direito das Nações Unidas, tudo isto
contribuiu para um desenvolvimento económico e alguma estabilidade política. No
período dos anos 50 surgiram novos ramos de negócio como a siderurgia, os cimentos,
os químicos, a celulose, a refinação do petróleo, a eletrificação e a construção naval
(Sardica, 2012: 92). Surgiu também um investimento do Estado em várias construções
como edifícios estatais, escolas, correios, estradas, pontes e ainda estações ferroviárias
(Sardica, 2012: 92). 1961 é o ano do princípio do fim do salazarismo e do próprio Estado

6
Novo (Sardica, 2012: 94), iniciaram-se os conflitos em Angola e no fim desse ano as
tropas portuguesas perdem para a União Indiana, Goa, Damão e Diu.

A nível social a década de 60 resultou num aumento do sector terciário, levando


à migração da população do espaço rural para o urbano, esta por sua vez contribuiu
para o desenvolvimento das grandes cidades e simultaneamente no despovoamento do
interior do país. Paralelamente, 1.500.000 portugueses (Sardica, 2012: 102) deixam
Portugal com destino à Alemanha, França, Luxemburgo, Suíça e Bélgica em procura de
melhores condições de vida ou para fugir da guerra em África. O turismo torna-se um
dos sectores mais lucrativos de Portugal, onde as atividades de Verão levam à
exploração e dinamização do litoral do país. Com estes desenvolvimentos os
portugueses alteraram os seus hábitos e modos de pensar. Há então, uma nova geração
que nasce no meio urbano, com objetivos e comportamentos diferentes dos da geração
anterior, como os hábitos de consumo. Passa a existir um maior número de mulheres
nos ensinos secundário e superior, assim como uma diminuição da taxa de analfabetos.

Na Guiné-Bissau começou a guerra em Janeiro de 1963, tendo acabado mais de


dez anos depois (1974), e em Setembro do ano seguinte iniciou-se a guerra agora em
Moçambique. A guerra colonial contribuiu para mais desentendimentos entre a Igreja e o
Estado.

Com 79 anos, em 1968, Salazar é afastado do poder por motivos de saúde,


dando lugar a Marcelo Caetano. O período em que Marcelo governou ficou conhecido
como Marcelismo, um período onde tentou trazer algum liberalismo, dentro de um
regime totalmente conservador. Aos 81 anos Salazar morre, e Marcelo Caetano
continuava a tentar gerir a guerra em África e as forças radicais de esquerda, que foram
criadas entretanto. A crise petrolífera de 1973 abrandou o desenvolvimento económico e
consequentemente provocou o aumento do custo de vida.

Na madrugada do dia 25 de Abril de 1974, os 48 anos de ditadura chegam ao


fim com a ocupação de todos os edifícios políticos e militares, pelo Movimento das
Forças Armadas. Nesse ano são retiradas de África as forças militares portuguesas,
provocando um aumento populacional em Portugal, inesperado. Entre Setembro de 1974
e Novembro de 1975, Portugal recebeu cerca de 600.000 retornados (Sardica, 2012:
120). O 25 de Abril foi um momento de charneira não só a nível político, mas também a
nível social. Seguiram-se dois anos de instabilidade política e de várias decisões
importantes, como a renegociação da Concordata, onde volta a ser permitido o divórcio
aos casados pela Igreja 1 , e a ratificação da Constituição em 1976. Foram ainda
nacionalizadas aproximadamente 250 empresas, entre elas seguradoras, empresas de
transporte, bancos e tabaqueiras, e ocupadas propriedades rurais.

1
http://www.dn.pt/arquivo/2008/interior/breve-historia-legal-do-casamento-e-do-seu-fim-em-
portugal-997861.html.

7
O país estava dividido pelas várias opiniões sobre qual o melhor futuro para
Portugal e, o Verão de 1975 ficou marcado como verão quente devido aos conflitos
sociais, violência e protestos. Se por um lado o crescimento económico estagnara devido
ao fim dos fundos recebidos nos anos 50, por outro, a aprovação da Constituição em
1976 consegue uma consolidação e estabilidade democrática. Ainda em 1976, em
Setembro, Portugal ingressou no Conselho da Europa, e um ano depois apresentou a
candidatura para entrar na Comunidade Económica Europeia. O Tratado de Adesão foi
assinado em Junho de 1985, embora Portugal tivesse recebido a confirmação do pedido
um ano após a candidatura. A demora do processo deveu-se às dificuldades económicas
e sociais em que o país se encontrava, assim como a discordâncias entre alguns
Estado-membros. Até aos anos 90 o panorama foi relativamente estável no geral, a Expo
98 que foi um dos marcos dessa década.

fig 1. Planta do Fava. Cartografia de Lisboa séculos XVIII a XX in Salgado e Lourenço, 2006: 35

2.3 Desenvolvimento da habitação em Lisboa

2.3.1 Expansão dos limites da cidade


Com o terramoto de 1755, Lisboa teve a oportunidade de ser reconstruída
segundo critérios racionais, baseados numa funcionalidade pragmática e numa
uniformização algo utópica do tecido urbano (Matos, 2006: 34). O projeto cobria toda a
área que tinha sido atingida pelo sismo, assim como também se encarregava da criação
de novas zonas como o Cais do Sodré e a freguesia de São Paulo. Paralelamente, os
limites de Lisboa alargaram principalmente no sentido de Alcântara dando origem a
novas freguesias como Lapa, São Mamede, Arroios e a própria Alcântara.

8
Em 1874 Frederico Ressano Garcia foi nomeado engenheiro da Câmara
Municipal de Lisboa, onde levou a cabo um dos mais importantes planeamentos urbanos
que se destinava à expansão urbana de Lisboa, influenciado por Georges-Eugène
Haussmann. Dessa intervenção fazem parte: a Avenida da Liberdade, o antigo Passeio
Público, a Avenida 24 de Julho, a Praça Marquês de Pombal, o Mercado da Ribeira
Nova, as designadas Avenidas Novas que se encontram entre a Praça Duque de
Saldanha e a Praça de Entrecampos e ainda os bairros de Campo de Ourique e
Estefânia. O primeiro bairro social de Lisboa, o Bairro Arco do Cego, aparece nos finais
dos anos 10 como resposta à necessidade de alojamento operário. Nos primeiros anos
do Estado Novo, a ideia de Lisboa como capital do Império (Tostões, 2006: 23) foi o
mote para a expansão da cidade ao longo da zona ribeirinha, passando por Belém onde
seria inaugurada a Exposição do Mundo Português em 1940. Este plano de expansão da
cidade no sentido ao ocidente adotou o nome Costa do Sol, iniciado por Donat-Alfred
Agache (1875-1959), durante o período em que Duarte Pacheco (1899-1943) ocupou o
lugar de ministro das Obras Públicas, e levado a cabo por Étienne de Gröer (1882-?), já
em 1938 quando Pacheco assumiu o cargo de presidente da Câmara de Lisboa. O Plano
Director de 1938-48 constituiu o último plano pensado como projecto para a cidade. No
quadro político da ditadura definiu todo o seu desenvolvimento: encarando a globalidade
do seu território, estabeleceu os novos limites de Lisboa transformando em solo urbano
as antigas extensões rurais que foram expropriadas (…) (Tostões, 2006: 23). Desse
Plano Director fizeram parte também alguns bairros de habitação social, o Parque
Eduardo XVII desenhado pelas mãos de Keil do Amaral (1910-1975), assim como a
Estufa Fria, e o aeroporto de Lisboa também fazia parte dos equipamentos projetados.
Ainda no mesmo ano de 1938 foi desenhada por Cristino da Silva a Praça do Areeiro,
que (…) define o paradigma da arquitectura do “fascismo duro e puro” no seu desenho
classizante baseado num padrão tradicionalista de estilização da arquitectura erudita
(Tostões, 2006: 25). Nos finais dos anos 40, em 1947 foi criada a FCP-HE (…) com o
objectivo de canalizar as verbas da Previdência para a promoção de habitações
económicas (…) (Matos, 2002: 34).

Fig. 2. Fotografia aérea de Lisboa, da autora.

9
Fig. 3. Plano Urbanização Alvalade, João Faria da Costa, 1945, in Salgado e Lourenço, 2006: 25.

Foi nos anos 50 que acontece (…) o corte com a tradição urbana (…) quando o
sistema mais ou menos regrado ou regular de malha/quarteirão é substituído pela
composição livre de blocos, e torres, e a malha dos acessos, que de hipodinâmica se
torna arborescente, deixa de ser a bitola ordenadora da disposição dos edifícios. (Portas,
2006: 14).

Estas novas ideias da arquitetura, enquadram-se nos CIAM (Congressos Internacionais


de Arquitectura Moderna) que foram o resultado de vários eventos organizados por um
grupo de arquitetos de vários países, onde a ideia era a partilha de informação e
pensamentos consoante as diferentes culturas, discutindo os possíveis caminhos a
seguir no âmbito da arquitetura. Pode ser visto como o rosto do movimento moderno no
campo da arquitetura e urbanismo, tendo sido fundado em 1928 na Suíça, e onde
arquitectos de vários países e cidades participaram dos mesmos métodos de análise e
explicação gráfica dos projectos residenciais, de formas semelhantes de valorização do
estado da questão nas diversas cidades e de soluções de projectos similares (Montaner,
2001: 13). A Carta de Atenas, escrita por Le Corbusier, foi o resultado por escrito dos
vários encontros, definindo o urbanismo moderno por pontos. Em Portugal só com o fim
da Segunda Guerra Mundial é que se começaram a sentir alguns sinais de uma
“abertura” ao exterior, e após a queda dos regimes fascistas que tinham ganho destaque
a nível europeu. O sindicado dos arquitetos portugueses realizou em 1948 o Primeiro
Congresso Nacional de Arquitectura, com o patrocínio do governo. Este congresso
marcou o início de uma nova fase na arquitetura portuguesa, passando a ser adotados
os princípios da arquitetura moderna, de uma forma mais completa a nível sociológico,
ideológico e ético (Farias, 2011).

10
O Bairro de Alvalade é o primeiro exemplo em Lisboa representativo das mudanças
que, de alguma forma, a Carta de Atenas provocou, O “Bairro das Estacas” (1949-1955)
é a imagem paradigmática desta nova situação, com uma série de blocos que por
obrigação legal não ultrapassavam os quatro pisos, dispostos perpendicularmente ao
eixo viário, em substituição dos tradicionais quarteirões previstos no plano, criando uma
extensa plataforma de jardim prolongada em transparência sob os edifícios (Tostões,
1998: 45). Ainda no início dos anos 50, em 1953, foi projetado um dos edifícios que
também reflete a influência dos princípios da Carta de Atenas, o Bloco Águas Livres.
Este é um edifício destinado a habitação, que (…) representa um primeiro momento no
questionamento do método internacional aplicado a um prédio de rendimento de grande
dimensão. Ao sentido funcionalista do cumprimento do programa, miscigenando funções
e propondo novos espaços de uso colectivo, contrapõe-se um sentido vernacular e
escultórico formalizado nas varandas salientes, que modelam a fachada na luz e na
sombra, trabalhada com diferentes texturas acentuadas pelo jogo da cor (Tostões, 1998:
46). Uns anos depois (1959/1960) os arquitetos Nuno Teotónio Pereira e António Pinto
de Freitas, projetaram um edifício de habitação que ganhou um prémio Valmor, em 1967,
nos Olivais Norte.

O Bairro dos Olivais está dividido em duas partes, Olivais Norte e Olivais Sul, sendo
que o primeiro funcionou como “teste” para o segundo. Ao contrário do que aconteceu
com Alvalade, os Olivais foram concebidos sem concessões ao urbanismo tradicional e
sem qualquer intenção de continuidade com o tecido urbano existente. (Tostões, 2006:
27). A grande diferença entre os Olivais Norte e os Olivais Sul é que enquanto no
primeiro o desenho era fiel à Carta de Atenas, o segundo (…) anunciam já uma postura
crítica às propostas dogmáticas e mais ortodoxas do Movimento Moderno. De facto, a
sua concepção deve menos à Carta de Atenas e muito mais ao espírito das new towns
inglesas (Tostões, 2006: 27). Enquanto Portugal perdia as colónias uma a uma, por outro
lado ia testando novos modelos habitacionais, prolongando os limites da cidade de
Lisboa, ao cargo do GTH que veio no seguimento da FCP-HE. Pelo GTH foram também
realizados estudos para Chelas, cujo plano de expansão da cidade nessa direção já
tinha sido prevista no plano de Gröer (CML, 1981). Entre os anos 60 e os anos 80, com o
25 de Abril, foram criados dois programas com o objetivo de responder às populações
mal alojadas, um foi o Programa SAAL e outro foi o Programa das Cooperativas de
Habitação (Lôbo, 1998)

Com Lisboa a receber a Exposição Mundial de 1998, a oportunidade das atenções


se voltarem para o rio levaram a (…) uma profunda reconversão numa das zonas mais
degradadas e desqualificadas de Lisboa, a zona industrial e portuária oriental (Tostões,
2006: 27). Para essa requalificação da zona ribeirinha, foram também prolongadas as

11
estruturas de transportes como o metro e a criação da Estação do Oriente, assim como
novas áreas para habitação (Tostões, 2006).

Fig. 4. Plano de Urbanização da Zona de Intervenção da EXPO'98, planta síntese, 1994, in


Salgado e Lourenço, 2006: 28.

2.3.2 O Estado Novo, a Câmara Municipal de Lisboa e os programas


habitacionais.
Carlos Nunes Silva estudou a política urbana em Lisboa entre o fim da Primeira
República e o fim do Estado Novo, concluiu que (…) a produção e transformação do
espaço urbano foram determinados por factores económicos. Mas o modo como o
sistema de planeamento municipal responde foi condicionado pela estrutura de poder,
pelas relações entre organizações, e entre indivíduos no interior dessas organizações,
entre indivíduos e organizações, e pela ideologia dos que tomaram as decisões. Ou seja,
as condições de funcionamento do sistema capitalista constituem uma limitação
estrutural da acção política mas não são estritamente determinantes. Existe alguma
margem de manobra para os políticos decidirem as suas escolhas dentro daqueles
limites, em função dos seus próprios valores e das pressões políticas que sobre eles se
exercem (Silva, 1994: 7).

Entre 1926 e 1932, a Câmara Municipal de Lisboa “agiu” sobre sete pontos:
Vistorias à estabilidade dos prédios que ameaçavam ruína e eventual demolição dos
mesmos ou consolidação; criação de um regulamento geral da construção urbana para a
cidade de lisboa em 1930; repressão das obras executadas clandestinamente, isto é,
sem licença camarária; conservação e beneficiação exterior dos prédios; construção de
novas habitações para as classes menos abastadas; interessar a iniciativa privada por
este tipo de habitação; inserção das novas realizações dentro de um plano geral da
cidade. Em 1930 a Câmara Municipal de Lisboa publicou, em Agosto, um regulamento
geral da construção urbana (RGCU), devido à construção civil estar entregue aos “patos
bravos” (construtores civis), cujas construções apresentavam anomalias (Silva, 1994).

12
Os padrões de conforto do edificado desenvolveram-se até aos dias de hoje. As
introduções destes padrões, através de normas técnicas, são realizadas com o objetivo
de melhorar a construção e alcançar condições de conforto superiores. Em Portugal, na
década de 50, foi introduzido o Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU) é
um diploma de 1951 que tem sofrido sucessivas alterações e se encontra em fase de
revisão. Até 1951, a construção era estabelecida pelo bom senso dos proprietários e
construtores, surgindo então o RGEU, que foi criado com o propósito de estabelecer
normas na área da construção. No preâmbulo são referidos os princípios higienistas e
funcionais, e nas cidades portuguesas através do desenvolvimento dos primeiros planos
urbanos de inspiração modernista.

Nas novas construções, que surgem na segunda metade do século XX, a


compartimentação organiza-se segundo um critério puramente racional, regido por
princípios concebidos de acordo com certas aquisições de higiene científica e
estabelecidos seguidamente por lei, nomeadamente no RGEU, e por noções e
imposições de uma nova economia doméstica, tendente à uniformização e
descaracterização. Na casa do Norte de Portugal, por exemplo, a cozinha tende a perder
o seu lugar de destaque na habitação, e os quartos assumem um papel mais
individualizante, ao ganhar uma dimensão muito superior à das tradicionais alcovas, o
que vem introduzir uma mutação significativa nas relações interpessoais familiares, com
as televisões em todos os compartimentos, os computadores pessoais ou os telemóveis
a constituírem os centros das atenções, ou das dispersões. Despreza-se
sistematicamente os conhecimentos empíricos de gerações que, num saber acumulado,
adequaram as formas e os materiais ao clima, topografia e vivências particulares
(Mendonça, 2005).

Durante a primeira república, deu-se início à construção de alguns bairros


sociais cujos trabalhos foram interrompidos em 1922. O Bairro do Arco do Cego foi
adquirido pela CML, ficando responsável pela conclusão da construção dos edifícios. O
processo demorado da construção destes bairros resultou num desvio em relação aos
objectivos iniciais em matéria de composição social dos ocupantes (Silva, 1994: 91),
traduzindo-se assim num aumento dos custos finais dos fogos, acabando por ficar
inacessíveis aos escalões de rendimento mais baixo. A CML criou outros programas de
habitação social, sendo que em 1933 foi lançado o programa de casa económicas que
constituiu uma síntese dos esquemas e regimes de habitação social ensaiados
anteriormente (Silva, 1994: 100). A situação do país estava num estado grave,
principalmente em Lisboa, levando o governo a criar mais que um programa de
habitação social.

O programa das “casas económicas” de 1933 era destinado à construção de


casas económicas que poderiam ser construídas por várias entidades desde que

13
cumprissem algumas condições pré-definidas. Este programa foi aplicado no Alto da
Ajuda, Alto da Serafina, Terras do Forno, Madre de Deus, Encarnação e Campolide.

O programa dos “bairros das casas desmontáveis”, de 1938, consistiu na


construção, por parte da Câmara, de 1.000 casas de pequenas dimensões,
desmontáveis, para alojar provisoriamente os ocupantes dos bairros de lata. Este
programa incidiu na Quinta da Calçada, Boavista e Furnas. As casas deste programa
acabaram por exigir um custo de manutenção e conservação demasiado elevados,
levando a CML a criar outro programa: o programa das “casas para famílias pobres”.
Este programa de 1945, pretendia construir casas definitivas, agrupadas em bairros
devidamente estruturados de modo a poderem ser integrados em futuros planos de
urbanização da cidade (Silva, 1994: 130). Foi aplicado apenas em Lisboa, ao contrário
do planto anterior, nos seguintes locais: Quinta do Jacinto, Caramão da Ajuda, Bairro do
Grilo, Bairro Padre Cruz, Bairro da Quinta do Charquinho, Bairro da Quinta das
Pedralvas, Bairro das Mouras, Bairro da Quinta Santa Luzia, Bairro da Boavista e Bairro
do Casalinho da Ajuda.

No mesmo ano, 1945, foi também criado o programa das “casas de renda
económica”, que se destinava à classe média que não estavam abrangidas pelos outros
programas. Tinha como objetivo a criação de fogos com rendas compatíveis com os
rendimentos mensais das famílias a que se destinavam. Foi ainda criado um programa
na Federação de Caixas de Previdência – Habitações Económicas, tendo sido este o
responsável pela maior parte das construções realizadas em Lisboa, dentro do programa
das “casas de renda económica” (Silva, 1994: 89).

Em 1959 foi criado o Gabinete Técnico de Habitação (GTH), que tinha como
plano de trabalho urbanizar algumas áreas vastas dentro do perímetro da cidade, com
habitação social como previsto no Plano Director de Urbanização de Lisboa de 1959. Os
programas do GTH incidiram nos Olivais Norte, Olivais Sul e Chelas. As atribuições do
GTH, explicitamente assumidas, eram: proporcionar habitação aos agregados familiares
de menores recursos; substituir gradualmente os bairros de lata por habitações
adequadas e de renda módica; realojar os agregados familiares atingidos por obras de
urbanização ou vivendo em «partes de casa» e quartos arrendados ou «outras formas
de habitação, social e normalmente inconvenientes (Silva, 1994: 161).

Os limites da cidade de Lisboa expandiram através da criação de novos bairros


como referido, e na periferia também se verifica uma ocupação e urbanização desses
terrenos. Verifica-se então, a urbanização de Nova Oeiras entre 1955 e 1960 com base
no Plano de Urbanização da Unidade Residencial de Nova Oeiras, que seguiu o espírito
da Carta de Atenas. Ainda nos anos 60, o arquiteto João Aguiar Branco é o autor do
Plano de Urbanização da Freguesia da Amadora, onde a urbanização da Reboleira
seguiria um modelo de urbanismo moderno segundo o arquiteto. Em Santo António dos

14
Cavaleiros (fig.4), acontece também um empreendedorismo urbanístico, no mesmo
modelo de torres conjugadas com bandas dos Olivais. Já nos finais dos anos 80, dá-se
um “boom” de condomínios residenciais fechados ou semifechados, como os
empreendimentos urbanísticos Quinta da Marinha (Cascais) e Quinta da Beloura
(Sintra). (Barroso, Gaspar e Simões, 2006).

Fig. 5. Anúncio ao empreendedorismo urbanístico Santo António dos Cavaleiros, in Donas de


Casa, nº 53, 1966:55.

2.4 Casa, sociedade e a apropriação do espaço doméstico

2.4.1 Habitar a casa


Casa s.f. qualquer construção destinada a habitação; prédio; residência; vivenda;
cada uma das divisões de uma habitação; conjunto dos membros de uma família
(Casteleiro, 2001: 719).

A palavra casa, remete-nos para dois universos, um arquitetónico e outro


antropológico, o primeiro por ser uma construção ou uma estrutura que abrigue, e um
segundo pela componente humana intrínseca ao uso a que se destina. Recuando às
sociedades antigas, todos os elementos eram responsáveis por responder às suas

15
necessidades básicas, desde a procura de alimento, à construção das próprias cabanas.
Desta forma, a casa era concebida por quem a ia habitar, estando assim agregadas as
funções de conceber, construir e habitar. A evolução da sociedade levou a uma divisão
destas funções, numa primeira fase as casas deixaram de ser concebidas e construídas
por quem as habita, surgindo assim a arquitetura como profissão, e numa segunda fase
acontece uma divisão de funções entre quem as projeta e quem gere as construções
(Duarte, 1995).

As pessoas chamam ao apartamento a sua casa (Toussaint, 2010).

Para Toussaint (2010) é possível perceber um conjunto características intrínsecas à


habitação, como por exemplo o facto da casa ou o fogo em altura já existir na Roma
antiga. Surgiu como resposta à densidade urbana e à necessidade da utilização do
pouco espaço, passando assim de casa térrea à casa em altura. O autor explica a
necessidade da habitação que despoletou na Europa depois da I Guerra Mundial, assim
como a transformação que a família-clã sofreu resultando numa família mais restrita –
pais e filhos. A esta necessidade, os arquitetos procuraram então responder com uma
casa eficaz e barata. Foram então estudadas formas de habitação de massas, através
da libertação do solo, agregação de apartamentos em conjunto com alguns
equipamentos necessários de apoio aos moradores como creches, biblioteca e ginásio,
entre outros. Também a invenção da tipologia duplex na Unidade Habitacional de
Marselha, procurou a união entre dois conceitos: moradia e apartamento.

Fig. 6. Unite d' Habitation, Le Corbusier, in Archdaily © Rik Moran.

A adaptação das pessoas ao espaço doméstico vai além das paredes desenhadas
pelos arquitetos, como Monteys e Fuertes defendem na Casa Collage, a perceção do
espaço e da arquitetura muda consoante as pessoas que lá estão, tal como com a
decoração. Os pertences de uma família revelam os seus hábitos e culturas, e por outro
lado também revelam os objetos mais comuns transversalmente às culturas e crenças
diferentes. Una de las razones para utilizar insistentemente la palabra “casa” – con
preferencia a “vivenda” – es la indentificatión que el término establece com sus
ocupantes (Monteys e Fuertes, 2001: 14).

16
No filme do grupo Habitar - “Mudanzas”, a palavra mudança adquire um duplo
sentido, mudança porque o filme retrata uma família que está à espera da carrinha para
fazer as mudanças para uma outra casa, e mudança de ponto de vista relativamente à
casa e às suas possíveis qualidades. A ideia principal do filme é a da mudança de
perspetiva como um elemento chave para a adaptação e apropriação do espaço
doméstico, duma forma mais adequada e ajustada aos moldes de quem o habita. Após a
“desconstrução” da casa como sempre a viram, a família fica apenas com as caixas
onde guardavam os seus pertences, e as divisões totalmente “despidas”, estando
criadas as condições para um novo “olhar” sobre a casa. No final do filme, a família
percebe que já não precisa de mudar de casa, uma vez que o problema estava na forma
como usufruíam os espaços. Ainda sobre a questão do ponto de vista do “mau uso” das
coisas e dos espaços, Monteys e Fuertes (2001) chamam à atenção para a capacidade
que as crianças demonstram em dar usos diferentes às coisas, por exemplo aos
armários. Além da escala, para as crianças, constituir uma predisposição para outra
perspetiva sobre os espaços, o pensamento do uso do espaço também não está
formatado, nem “infetado”, com ideias pré-concebidas acerca da utilização e função dos
objetos. As portas também são referidas pelos mesmos autores, como um elemento
determinante na perceção e uso do espaço doméstico, permitindo simultaneamente a
comunicação ou a separação de espaços ou divisões.

Fig. 7. Portas e as suas utilizações, in Monteys e Fuertes, 2011: 13.

Os eletrodomésticos também contribuem para a forma como os espaços


domésticos são vivenciados, em Portugal, o fogão, o frigorífico e a televisão estavam
presentes em 96% das habitações (Barreto e Preto, 1996: 11). Podemos dissecar os
eletrodomésticos em três categorias: os essenciais, os agregadores e os facilitadores.
Na primeira categoria enquadram-se o frigorífico e o fogão, uma vez que cumprem
funções essenciais básicas de primeira necessidade: armazenamento e confeção de
alimentos; os agregadores, por sua vez levam a uma agregação dos utilizadores, como
por exemplo a televisão ou o rádio; por fim, os eletrodomésticos facilitadores serão todos
aqueles que permitem uma “libertação” das tarefas domésticas, como as máquinas de

17
lavar a loiça e a roupa, o aspirador, ou até a máquina do café. Pelos anúncios é visível
que o público-alvo dos eletrodomésticos é o sexo feminino, refletindo ainda uma maior
atribuição das tarefas domésticas (ver fig. 6). Todos estes elementos interferem e
modificam a forma como se “vive” dentro da casa, seja a nível projetual quando desde a
raiz se destina o local desses elementos, seja na apropriação do espaço quando a
família se junta para ver um programa televisivo. Em Portugal, aconteceu em Março de
1957, o lançamento da televisão portuguesa com emissões regulares da RTP (Sardica,
2012: 1966).

Fig. 8. Anúncios de eletrodomésticos, in Donas de Casa, nº 53, 1966: 23.

2.4.2 Sociedade e família


Para o sociólogo, “sociedade” designa um grande complexo de relações humanas
(…) (Berger, 2001: 36).

O social pode ser compreendido como um conjunto de pessoas individuais, cada


uma com as suas características, assim sendo, a sociedade seria um conjunto de
indivíduos, singulares, todos diferentes entre si, que agem de acordo com as ideias,
interesses, sentimentos, motivações e aspirações que lhes são “naturais”, e cujas
decisões resultam apenas do seu próprio livre-arbítrio (Nunes, 1984). Esta forma de
perceber o social, segundo Nunes, segue uma ideologia “naturalista”, consistindo na
interpretação do objeto consoante as características que lhes são inerentes. Ora esta
definição traz problemas, pondo em questão a possível previsão de comportamentos

18
futuros, uma vez que cada indivíduo poderia usar o seu livre-arbítrio, tornando-se assim
imprevisível. Na realidade, as coisas acontecem de outra forma, (…) quando, por
exemplo, entramos num restaurante, estamos certos – isto é, não temos dúvida em
prever - de que haverá ali alguém para preparar as refeições e alguém para as servir
(excepto no caso dos self-services) (Nunes, 1984: 15). Não sendo então compreendido
duma forma “naturalista”, interpretar o comportamento do homem de uma forma
científica também gera alguns problemas, como por exemplo colocar novamente em
causa a existência do livre-arbítrio.

Os seres humanos têm um número quase ilimitado de características, e podemos


analisá-los sociologicamente porque cada um compartilha de algumas características
com alguns outros, assim como tem algumas diferentes. O que é singular é a
combinação total, não cada característica individual. Assim, em termos racionais, a
individualidade humana, a singularidade não constitui nenhuma barreira à explicação
sociológica. Porém, dado que um indivíduo não corresponde a uma situação em função
de uma só das suas características distintas, mas como uma pessoa com todas as suas
características, é evidente que a previsão real do comportamento de um indivíduo numa
situação é uma tarefa muito mais difícil que a de fazer previsões gerais sobre a
probabilidade de certo tipo de comportamento ocorrer em certos grupos em
determinadas condições (Nunes, 1984: 15).

Com isto, procuramos entender o que é uma sociedade numa perspetiva sociológica, no
seguimento do pensamento de Nunes. O autor defende que para o sociólogo, a
sociedade é representada por uma grande rede complexa de relações humanas, ou na
linguagem mais “técnica” um sistema de interacção (Nunes, 1984: 23). No entanto, os
critérios para o sociólogo aplicar o conceito de sociedade têm de ser qualitativos e não
quantitativos, o importante é a complexidade das relações, tem-se uma sociedade
quando um complexo de relações é suficientemente complexo para ser analisado em si
mesmo, entendido como uma entidade autónoma, comparada com outras da mesma
espécie (Nunes, 1984: 23). Para uma definição mais concreta, Nunes procura explicar a
sociedade como um conjunto de factos sociais, sendo aceite ou entendido como social,
aquilo que tem qualidades de interacção, inter-relação, e de reciprocidade. O mesmo
autor, utiliza a definição de social de Max Weber, segundo a qual uma situação «social»
é aquela em que as pessoas orientam as suas acções umas para as outras (Nunes,
1984: 23). Assim sendo, nem todos os acontecimentos históricos têm o mesmo peso no
desenvolvimento da sociedade, numa perspetiva sociológica, uma vez que esta
apresenta uma evolução maior quando “encontra” obstáculos. É de admitir desde logo,
por conseguinte, que o pensamento sociológico encontre melhores condições de
desenvolvimento em circunstâncias históricas marcadas por severos choques na
autoconcepção (cultura) de uma sociedade (…) (Nunes, 1984: 25). Posto isto, será o

19
impacte provocado pelos acontecimentos, que “obriga” o homem a repensar questões
por vezes basilares, em busca de “soluções”.

A sociedade, embora composta de indivíduos humanos e indissociável deles, é uma


ordem de realidade diferente, com a sua existência própria e as suas propriedades
específicas (Costa, 1992: 63)

No âmbito deste trabalho, focar-nos-emos na sociedade de uma forma mais restrita,


selecionando as relações humanas familiares, uma vez que é para estas que se
destinam as habitações.

Família - Conjunto de pessoas ligadas por laços de consanguinidade, que vivem na


mesma casa, especialmente o casal e os filhos; agregado familiar (Casteleiro, 2001:
1688).

Para perceber como funcionam as famílias de “hoje”, Lauwe & Lauwe (1966),
começam por estudar a evolução dos seus papéis na sociedade, onde defendem que
quando a mulher deixa de cuidar apenas da família e arranja um emprego, altera-se o
núcleo familiar ficando mais reduzido; o tempo passado com os filhos também é menor
e, consequentemente, a rotina da refeição continua a ser um momento de comunhão e
reunião. O aparecimento da televisão e do rádio vêm também alterar as atividades
culturais e de lazer, passando estas a ter um papel principal no dia-a-dia em casa. O
aumento dos divórcios resulta em estruturas familiares desagregadas, que por sua vez,
em casos de segundos casamentos, resultam em agregados familiares, em partes, de
duas famílias. Os autores referem-se também à evolução das necessidades, referindo o
papel importante da economia, assim como o da temporalidade. Dividem as
necessidades em necessidades-obrigações e necessidades-aspirações. As primeiras
(necessidades-obrigações) são necessidades cuja importância é vital para o equilíbrio
familiar, fazem parte destas: as necessidades económicas que podem determinar a
saúde, educação, cultura e lazer; as necessidades de espaço e tempo que integram
também o primeiro grupo de necessidades, estas prendem-se com a organização do
espaço e as relações sociais, e como este permite o isolamento ou o agrupamento da
família. Está, porém, relacionado com o poder de compra e, assim com as necessidades
económicas. O último lugar deste primeiro grupo pertence às necessidades de
segurança e de estabilidade, isto numa sociedade ainda marcada pela última guerra. O
segundo grupo de necessidades (necessidades-aspirações), é composto por:
necessidade de harmonia e união do casal, se antes o casamento era “arranjado” pelos
familiares e tinha como objetivo principal a continuidade da linhagem, agora é a procura
do amor que leva à união matrimonial; a necessidade de instrução e de informação é
cada vez mais generalizada em todos os meios sociais. Os interesses políticos,
económicos e sociais estão mais incutidos na família. Reflete-se assim numa
necessidade de comunicação tanto exterior à família como entre a mesma. As

20
necessidades de relações sociais e de consideração social advêm também dos
problemas da comunicação, e refletem-se na necessidade do espaço doméstico permitir
uma harmonia na relação da família, mas também na receção de vizinhos, amigos ou
estranhos nesse espaço. A consideração social está ligada a um sistema de valores que
varia entre regiões, países e grupos sociais. A última necessidade-aspiração será a
necessidade relativa ao papel a preencher pela família na sociedade, enquanto na aldeia
a família está mais disponível para os vizinhos, na cidade a família ‘fecha-se’ dos outros.
Há assim, interesse em manter uma certa reserva do exterior, e paralelamente criar
unidades de vizinhança. Existindo uma atividade profissional por parte dos que
sustentam uma família, o investimento de horas nessa atividade tem como consequência
menos horas passadas em família, isto por sua vez reflete-se no distanciamento entre
pais e filhos. Este distanciamento afeta os laços familiares assim como a participação em
atividades familiares tanto de lazer como de responsabilidades da casa.

Este assunto também é abordado por José Pinto Duarte, que compara as
alterações sociais e culturais dos Estados Unidos da América com as mesmas
alterações em Portugal, sendo que o único elemento que difere entre os casos é o tempo
em que essas mudanças acontecem. Isto é, enquanto essa evolução acontece a um
ritmo crescente nos Estados Unidos, outras sociedades demoram mais tempo a sofrer
uma mesma mudança. O autor refere-se ainda à composição familiar dos Estados
Unidos, onde o agregado familiar antes composto por avós, pais e filhos, dá lugar a um
agregado mais reduzido composto por pais e filhos, e depois dos anos 70 o agregado
assume outras realidades distintas como pais solteiros, grupo de amigos vivendo em
comum, etc. (Duarte, 1995: 12).

Fig. 9. Anúncios dirigidos às mulheres, in Donas de Casa, nº 53, 1966:31.

21
Em Portugal, segundo Barreto e Preto (1996), verificam-se as mesmas tendências
que Lauwe e Lauwe haviam estudado a nível europeu. A partir dos anos 60, a dimensão
familiar diminuiu de uma média de quatro pessoas para três pessoas, enquanto o
agregado familiar antes composto por uma média de cinco pessoas, não só baixou como
houve um aumento de agregados de uma e duas pessoas. Entre 1960 e 1995, há um
conjunto de indicadores sociais que permitem uma leitura geral da sociedade
portuguesa, são eles: o aumento da taxa de divórcios e com isto, um consequente
aumento de filhos “fora do casamento”; uma maternidade tardia que é quase inexistente
depois dos quarenta anos de idade; um envelhecimento populacional e ainda uma
deslocação das pessoas do interior para o litoral – Lisboa e Porto, ou para sedes de
concelhos. Para João Ferrão (1996), este período correspondeu à última fase da
alteração demográfica “moderna”, relativamente “atrasada” em relação a outros países
europeus mais desenvolvidos. Esta mudança demográfica e social teve repercussões
nos desenvolvimentos urbanos e suburbanos, contribuindo então para uma
desagregação rural. A desagregação rural por sua vez, teve impacte na atividade
agrícola, que deixou de ocupar o papel principal de fonte de rendimento, e
desvaneceram-se os comportamentos e hábitos tipicamente rurais com o nascimento de
novas gerações. Quando partiram do meio rural para uma realidade urbana, as pessoas
levaram consigo as práticas inerentes às suas vivências anteriores, como por exemplo
as práticas religiosas, esses resquícios rurais perduraram enquanto as pessoas foram
vivas. As gerações seguintes, já deslocadas fisicamente desse meio rural, adotaram
comportamentos “urbanos”, substituindo os valores de outrora.

Em Portugal a “família alargada tradicional” perdurou principalmente em regiões


mais rurais onde houve uma evolução mais “lenta”. A família tem um grande impacte na
organização da sociedade, os modelos de desenvolvimento económico podem justificar,
de algum modo, o tradicionalismo que tem caracterizado as relações familiares (...) a
intensidade e a extensão das relações familiares devem ser justificadas também pela
influência de doutrinas religiosas, pelo conservadorismo que caracterizou as orientações
políticas até aos anos 70 em Portugal (…) (André, 2005: 72). Para Isabel Margarida
André (2005), as grandes transformações nas estruturas familiares observam-se nos
anos 70, sendo que as mais relevantes são as seguintes: i) a queda da fecundidade
ligada à valorização da realização pessoal por via do sucesso profissional, e por outro
lado, ligada à atribuição de um “papel principal” às crianças, exigindo um maior
investimento financeiro e afetivo por parte dos pais; ii) a redefinição dos laços conjugais,
refletido no aumento de uniões de facto e simultaneamente num aumento do divórcio; iii)
um maior leque de agregados familiares como por exemplo pessoas singulares sendo
adultos ou jovens adultos, ou coabitação entre pessoas sem qualquer laço de intimidade;
há ainda uma maior expressividade de famílias monoparentais, ligado ao aumento do
divórcio. O facto dos valores tradicionais terem “perdido peso” no seio dos agregados

22
familiares ao longo dos anos, resultou na individualização de cada um dos elementos. O
uso de contracetivos contribuiu para essa alteração de comportamentos, e para uma
maior liberdade feminina. Embora o processo para a igualdade de género esteja em
desenvolvimento até aos dias de hoje, ainda são visíveis as desigualdades no que diz
respeito às tarefas domésticas que são maioritariamente atribuídas à mulher.

Pereira (2012) assume três modelos familiares que evoluíram durante o século XX,
são eles: a família instituição, a família fusão e por último a família associação. O
primeiro tem como base a divisão de papéis mulher/marido estando a mulher
dependente do marido, e uma relação entre pais/filhos assente numa hierarquia
autoritária; o segundo, família fusão, parte duma democracia familiar, onde a felicidade
de cada um advém da felicidade global; o último modelo, família associação, constituído
por um conjunto de pessoas cuja individualidade é assegurada e onde a felicidade do
todo é o produto da felicidade individual.

2.5 Síntese
A partir do século XVI assistiu-se a um processo de nuclearização da família
acompanhado de uma individualização dos seus membros, que reivindicaram uma
progressiva privacidade, o que veio alterar profundamente os espaços da habitação. Os
moradores começam a ter o próprio espaço individual para dormir, e os encontros
sociais familiares reduziram-se ao núcleo familiar principal, composto pelos pais e filhos.
No século XIX, aparece a família burguesa já definida, principalmente pelas figuras do
pai, mãe e filhos. Nos inícios do século XX, a ideia de que o modelo da família moderna
é o da família nuclear parece ser aceite por todos os extratos sociais europeus e tem-se
mantido até aos dias de hoje. No Mundo Ocidental, ao longo do século XX, a evolução
da habitação acompanhou as necessidades de alojamento de massas tendo em conta,
de uma forma geral, o crescimento da população urbana. Um acontecimento muito
importante foi o final das duas guerras, que levou à necessidade de reconstrução das
cidades europeias visando a sucessiva emergência da chamada sociedade do consumo.
Além disso, as mudanças no espaço da casa foram ditadas por uma crescente produção
legislativa normativa da produção arquitetónica.

Nos novos projetos arquitetónicos, que surgem na segunda metade do século XX, a
compartimentação organiza-se segundo um critério puramente racional, regido por
princípios concebidos de acordo com certos requisitos higienistas e estabelecidos
seguidamente por lei, nomeadamente no RGEU, e por noções e imposições de uma
nova economia doméstica que tende a uniformizar o ambiente doméstico. Os aspetos
económicos, passaram a ser considerados como principais fatores, que condicionam os
tipos de materiais utilizados e, consequentemente, os sistemas construtivos. Na

23
organização interior a cozinha perde o seu lugar de destaque e os quartos assumem um
papel mais individualista, ganhando uma superfície maior em comparação às das
tradicionais alcovas.

Na análise apresentada, foi percetível a forma como os vários acontecimentos de


natureza política, económica ou religiosa, interferem na forma como a população se
relaciona entre si, sendo o agregado familiar o palco onde essas mudanças acontecem
num primeiro momento, ou de forma mais óbvia.

De uma forma geral, podemos fazer uma síntese dos eventos mais relevantes: a
possibilidade de divórcio resultou numa alteração dos agregados familiares que outrora
não acontecia; a emancipação da mulher teve repercussões a todos os níveis desde o
mercado de trabalho à indústria de eletrodomésticos e, também, na organização do fogo
na tentativa de supressão das desigualdades de género. A participação de Portugal na I
Guerra Mundial provocou mazelas no país tanto economicamente como
psicologicamente, assim como as guerras coloniais contribuíram para um aumento
populacional extraordinário e consequentemente, para o aumento da necessidade de
construção habitacional. A estabilidade política, ou a falta dela, também é um fator
determinante como percebemos pelos avanços arquitetónicos, embora sob uma
ditadura; e de uma forma geral, é bastante percetível as tendências provenientes dos
outros países como aconteceu de modo claro, tanto com a Revolução Francesa, como
com os partidos políticos de extrema-direita no poder como em Itália, na Alemanha e em
Portugal. Uma última referência nesta janela temporal que também adotámos da Europa
foi o Movimento Moderno que teve um enorme impacte na indústria da habitação.

Podemos ainda fazer uma reflexão sobre as mudanças dos agregados familiares ao
longo deste período de tempo em estudo, começando com agregados de um número
vasto de elementos até a agregados de uma pessoa singular. Ainda dentro dos vários
agregados familiares, também difere as maneiras de habitar a casa, sendo os valores e
princípios de cada família, os principais responsáveis por essa apropriação do espaço
doméstico, e por sua vez esses princípios sofrem influências da sociedade exterior. No
seguimento destas reflexões, conseguimos concluir que a forma como nos apropriamos
do espaço doméstico, está diretamente relacionado com as ideias preconcebidas que se
transmitem entre gerações.

Podemos, então, conceber a “sociedade” também como a estrutura oculta de um


edifício, cuja fachada exterior esconde aquela estrutura (Nunes, 1984: 25).

24
Fig. 10. Anúncios dirigidos a homens e mulheres, respetivamente, in Donas de Casa, nº 53,
1966:53.

Fig. 11. Anúncio de tabaco dirigido às mulheres, in Donas de Casa, nº 53, 1966: 41.

25
26
3 Casos de Estudo

3.1 Processo de escolha dos casos de estudo


Numa primeira fase foi realizada uma pesquisa de edifícios de habitação,
construídos entre 1910 e 1990. Essa procura teve como base várias publicações antigas
como o Jornal Arquitectos ou a revista Arquitectura, o Guia Urbanístico e Arquitectónico
de Lisboa e o Atlas Urbanístico de Lisboa, entre outros. Após uma seleção de possíveis
casos de estudo, procuraram-se as plantas do piso tipo correspondentes, quer nas
mesmas publicações, quer na Câmara Municipal de Lisboa. Numa etapa seguinte,
filtraram-se os exemplos que seriam mais representativos de cada década, optando por
exemplos premiados e emblemáticos e/ ou que fossem alvo de artigos, e outros que nos
suscitassem mais interesse pelas soluções apresentadas. As plantas escolhidas
inicialmente foram analisadas em termos de áreas brutas e áreas úteis, número de
divisões e diversidade, distribuição vertical e horizontal do edifício, localização e tipologia
do edifício e ainda a época em que se inserem. Foi construída uma tabela comparativa
contendo então todas as plantas e dados referentes a cada exemplo, servindo de base
para uma nova triagem. Por fim, foram escolhidos dezoito exemplos no total, divididos
em cinco categorias: Prédios de Rendimento, Rabo-de-bacalhau, Mudança de
Paradigma, Novos Bairros e por último 1970/ 1990 - Pós-Modernismo. Estas categorias
são representativas dos traços comuns entre os exemplos, marcando os períodos de
transição entre algumas tipologias de edifícios, durante os anos estudados.

3.2 Prédios de Rendimento


(…) foi no prédio de rendimento que melhor se manifestaram as expectativas
abertas pelo crescimento demográfico, a densificação e a extensão da malha urbana
(Silva, 1998: 18). Esta categoria abrange os edifícios de habitação que foram
construídos até sensivelmente aos anos 30, de forma a responder de certa maneira, à
necessidade de alojamento criada pelo boom populacional que Lisboa sofreu. Estes
edifícios eram construídos baseados numa ideia de rentabilidade económica, por
construtores civis que estavam formatados para uma construção mecânica e
empresarial, resultando assim em plantas de forma retangular. O Prédio de Rendimento
reflete parcialmente uma lógica de tripartição do espaço doméstico, agregando
espacialmente divisões cujas funções eram iguais ou do mesmo tipo; resultando em
zona social, zona privada e zona de serviços. Outra das características predominantes
na organização dos fogos dos prédios de rendimento é a colocação dos quartos nas
zonas interiores, exprimindo a diminuição do seu valor em relação às restantes divisões,
assim como também a própria desvalorização individual de cada um no todo da família.

27
Estas particularidades de organização, permite perceber que modelo familiar que está na
base destes exemplos é a família instituição (Pereira, 2012). A organização do espaço
doméstico responde a uma matriz composta por um conjunto de opostos: frente/
traseiras; formal/ informal; limpo/ sujo; dia/ noite; público/ privado; simbólico/ secular;
sagrado/profano; masculino/ feminino (Pereira, 2012: 41). Um dos opostos mais óbvios
ao olhar de qualquer espectador é a frente/traseiras, cuja deteção é quase automática e
instantânea em todos os prédios de rendimento. A diferenciação funcional da fachada e
das traseiras era inequívoca: a fachada estava indelevelmente associada ao domínio
simbólico, referente à intenção implícita de demarcação estatuária, e as traseiras,
essencialmente destinadas a serem utilizadas pela dona de casa, crianças, criados e
fornecedores representa o profano (Pereira, 2012: 43). Desde sempre que o papel
atribuído à mulher na sociedade tinha um carácter secundário, deixando o principal para
o homem, sendo-lhe incumbida a responsabilidade de sustentar financeiramente a
família. Esta dinâmica também é vivida no fogo, e representada através da separação
sexual dos espaços. Percebe-se que, por um lado, o universo feminino se esgote em
grande medida no espaço doméstico, e, por outro, que este último reproduza as
condições espaciais correspondentes às linhas mestras da matriz normativa da família
instituição, materializando a divisão sexual dos papéis conjugais e o pressuposto vertical
da autoridade familiar (Pereira, 2012: 44).

28
3.2.1 Caso de Estudo 1 – Avenida Visconde Valmor, 35 (1913)

Fig. 12. Av. Visconde Valmor, 35. Fachada, e pormenor de fachada, fotografias da autora.

Questões determinantes iniciais

Este caso de estudo situa-se na Avenida Visconde Valmor, uma das avenidas do
projeto de expansão urbana de Ressano Garcia no final do século XIX, atuais Avenidas
Novas. É um prédio de rendimento de 1913, destinado a habitação familiar da classe
média. A nível social e político, enquadra-se no início da primeira república e um ano
antes da Primeira Guerra Mundial. O edifício é de esquerdo/ direito, com dois fogos por
piso e ambos têm: quatro quartos, uma sala, uma cozinha, uma I.S. completa. Há ainda
dois saguões de ventilação, um em cada empena do edifício, e na fachada tardoz há
uma escada de incêndio.

29
Aspetos Particulares Analisados

Fig. 13. (à esquerda) Av. Visconde Valmor, 35 planta tipo. Fonte: CML, tratada pela autora. (à
direita) Análises realizadas pela autora utilizando a mesma planta.

Aspetos Particulares Analisados

Estrutura Distributiva do Fogo

O fogo apresenta uma estrutura distributiva muito pouco hierarquizada. A


entrada é no início do corredor e próximo das divisões de uso privado, notando-se assim
a despreocupação com a privacidade ou a falta da mesma. O corredor tem 1.20m de
largura e 11.15m de comprimento, tendo vãos para as divisões que variam entre 0.70m e
0.80m. Nenhum dos vãos se encontra frente a frente com o noutro, uma vez que há
apenas uma divisão do lado direito e as restantes estão do lado esquerdo do corredor.

30
Partição da Casa

Neste exemplo é maioritariamente de uso privado sendo que ocupa 48% do total
da AU, restando 18% para uso social e 14% para os serviços. Há comunicação direta
entre divisões com o mesmo uso (privado) reforçando a ideia da falta de necessidade de
privacidade. Não há qualquer comunicação direta entre compartimentos de diferentes
usos, embora a localização das divisões assumam uma lógica funcional refletida pela
proximidade da cozinha com a sala, e da I.S. com os quartos. A zona privada da casa
estende-se ao longo da frente do fogo e junto ao saguão de ventilação, as zonas social e
de serviços encontram-se na parte de trás do fogo.

Elementos da Casa

Todas as divisões têm um vão exterior à exceção da sala que tem dois,
conferindo-lhe desta forma um valor espacial superior mesmo estando localizada na
fachada tardoz. Os vãos exteriores da sala são de sacada, os dos quartos que se situam
na fachada de rua são de sacada com varandim e os dos quartos cujos vãos dão para o
saguão de ventilação são de peito. Ao corredor distributivo é atribuído um carácter
apenas funcional, sem qualquer comunicação direta com o exterior condicionando a
ventilação e a iluminação natural. Para os quatro quartos existe uma única I.S. completa,
que abre para um pequeno poço de luz na empena. Junto à cozinha, há uma zona
exterior de copa que permite o tratamento da roupa.

Aspetos Arquitetónicos Relevantes

Este primeiro caso de estudo ainda existe hoje em dia como edifício de
habitação, apresenta um revestimento na fachada de rua de azulejos, e alguns
elementos decorativos em ferro nas varandas e varandins. Estes elementos decorativos,
ainda que pouco neste caso, são representativos de um dos opostos que serviam como
matriz reguladora: fachada/ traseira. Outro aspeto relevante é o facto de existir apenas
uma sala que é de refeições e se encontrar na fachada de tardoz, aqui a ótica da
agregação de divisões com os mesmos usos prevalece na organização do espaço
doméstico. A largura do edifício obrigada à utilização da área relativa às escadas da
fachada ser utilizada por apenas um fogo por piso como área de costura, beneficiando
um fogo em relação ao outro. Podemos concluir que embora este exemplo partilhe dos
princípios referidos no ponto 3.2, é um exemplo relativamente simples e sóbrio.

31
3.2.2 Caso de Estudo 2 – Avenida Duque de Ávila, 28-30ª (1920)

Fig. 14. Av. Duque de Ávila, 28-30. Fachada e pormenor de fachada, fotografias da autora.

Questões determinantes iniciais

O fogo deste caso de estudo situa-se na Avenida Duque de Ávila, uma das
avenidas do projeto de expansão urbana de Ressano Garcia no final do século XIX, e
atuais Avenidas Novas. É um prédio de rendimento de 1920, destinado a habitação
familiar de classe alta. Enquadra-se numa fase final da Primeira República e nos
primeiros anos seguintes à primeira guerra-mundial. O edifício é de um fogo por piso,
com sete quartos, uma sala, quatro saletas, uma sala de refeições, uma cozinha, uma
I.S. completa e uma I.S. sem banheira. O edifício tem dois saguões de ventilação, um
em casa empena, e na fachada tardoz há uma escada de incêndio.

32
Aspetos particulares analisados

Fig. 15. Av. Duque de Ávila, 28-30 planta tipo, fonte: CML, tratada pela autora.

Fig. 16. Análises realizadas pela autora utilizando a fig. 15

Estrutura Distributiva do Fogo

O fogo apresenta uma estrutura distributiva bastante hierarquizada. A entrada no


fogo pode ser feita de duas formas, para um hall comum que distribui para a circulação
ou para uma divisão de uso social, normalmente destinada a sala ou escritório. O
primeiro hall comum permite a receção das pessoas e posteriormente a distribuição
direta para divisões de uso social, ou para o corredor distributivo de carácter mais
privado. Podemos assumir que o hall funciona como separação entre público/privado. O
corredor tem 1.60m de largura e 16.50m de comprimento, tendo vãos de 1.20m, 1.10m e
0.70m. Os vãos estão orientados frente a frente uns com os outros, ao longo do
corredor.

Partição da Casa

Aqui a AU distribui-se praticamente igual entre uso privado 33% e uso social
31%, contrastando com 9% destinado aos serviços. Há comunicação direta entre

33
divisões de uso privado e uso social embora sejam usados pequenos halls nas
transições entre compartimentos. As divisões de uso social estão distribuídas pelas duas
fachadas opostas, na fachada de rua e na fachada de logradouro. Ao longo do fogo
ficam então as divisões de uso privado e as instalações sanitárias.

Elementos da Casa

Todas as divisões têm um vão exterior à exceção da sala que tem um vão
exterior maior e dois mais pequenos, todos eles de sacada com varandim, fazendo-se
notar a diferenciação e a valorização deste espaço social em relação ao resto do fogo.
Os vãos exteriores nas fachadas de rua e tardoz são todos de sacada com varandim e
os que dão para os saguões de ventilação, são de peito. Para sete quartos há duas
instalações sanitárias, uma mais pequena com apenas sanita, bidé, e outra maior com
banheira. Os únicos espaços sem vãos exteriores são a dispensa e os espaços de
distribuição, ficando assim condicionada a ventilação e a iluminação naturais. Junto à
cozinha, há uma zona exterior de copa que permite o tratamento da roupa.

Aspetos Arquitetónicos Relevantes

Tal como o primeiro caso de estudo, este edifício existe nos dias que correm,
destinado a habitação do primeiro piso para cima, e com o piso térreo destinado ao
comércio. Embora seja visível também uma preocupação estética e decorativa na
fachada, aqui é notório um valor económico superior em relação ao primeiro exemplo. A
fachada é toda trabalhada, apresenta varandas e varandins diferentes e elementos
decorativos em ferro e também esculpidos. Ao contrário do exemplo anterior, este caso
de estudo, com quase dez anos de distância, apresenta não só um maior número de
divisões como revela uma hierarquização das mesmas. Em paralelo com a construção
do primeiro bairro social (Arco do Cego, 1918-1935), este exemplar reflete uma realidade
bastante diferente, desde o requinte do desenho dos desenhos técnicos à qualidade dos
espaços que nos permite deduzir que se destina a uma classe social alta. O exemplo
está inserido num quarteirão, onde a profundidade do fogo atinge mais de trinta metros,
obrigando a uma concentração das divisões no seu interior. Esta característica, traduz-
se numa organização do espaço doméstico regida pela oposição dia/noite, (…) é a
oposição dia/noite que dita, em parte, as regras da estruturação do espaço doméstico,
relegando as divisões destinadas às práticas que decorrem essencialmente durante a
noite (quartos) para a zona mais interior da casa, aquela que menos beneficia de luz
natural e de boas condições de arejamento (Pereira, 2012: 45). Um outro ponto
importante no desenho deste prédio de rendimento é a repetição do mesmo desenho

34
nos edifícios vizinhos, duplicando assim a área de saguão cuja função é primordial numa
empena da dimensão deste caso.

3.2.3 Caso de Estudo 3 – Avenida 5 de Outubro, 134 (1920)

Fig. 17. Av. 5 de Outubro, 134. Fachada e pormenor de fachada, fotografias da autora.

Questões determinantes iniciais

O fogo deste caso de estudo situa-se na Avenida 5 de Outubro que pertence a


duas freguesias, Alvalade e Avenidas Novas. É um prédio de rendimento de 1920, cujo
público-alvo é a classe média ou média alta. Pertence exatamente ao mesmo ano do
exemplo 2. O edifício é de esquerdo/direito, com dois fogos por piso e ambos têm: seis
quartos, uma sala, uma saleta, uma sala de refeições, uma cozinha, e uma I.S.
completa. Há ainda dois saguões de ventilação, um em cada empena do edifício, e um
saguão no centro do edifício. Na fachada tardoz há uma escada de incêndio.

35
Aspetos particulares analisados

Fig. 18. Av. 5 de Outubro, 134 planta tipo, in Reis, 2009: 174.

Fig. 19. Análises realizadas pela autora utilizando a fig. 18.

Estrutura Distributiva do Fogo

O fogo apresenta uma estrutura distributiva simples e pouco hierarquizada. Só


existe uma entrada, no início do corredor distributivo e próxima de divisões sociais. O
corredor tem 1.20m de largura e 23m de comprimento, tendo vãos de 0.80m para as
divisões. As divisões estão quase na totalidade do lado esquerdo do corredor, havendo
apenas duas divisões do lado direito.

Partição da Casa

Neste fogo 39% da AU destina-se ao uso privado, 28% ao uso social e 10% a
serviços. Há comunicação direta entre divisões dos mesmos usos e entre usos

36
diferentes, sendo que os usos são sociais e privados. As divisões de uso social
encontram-se quase todas na fachada de rua, as divisões de uso privado encontram-se
dispostas ao longo do corredor distributivo, assim como as I.S. Na fachada de logradouro
situa-se a sala de refeições e a cozinha, revelando uma lógica funcional na distribuição
das divisões.

Elementos da Casa

Todas as divisões são dotadas de um vão externo, à exceção da sala que tem
dois vãos e da sala de refeições que tem um vão externo com o dobro da dimensão. Os
vãos exteriores dos quartos são de peito e estão virados para o saguão de ventilação, o
vão exterior da saleta é de peito e virado para a fachada de rua, assim como os da sala
que são de sacada com varandim. Os vãos da sala de refeição e da cozinha são ambos
de sacada com varanda, e estão na fachada tardoz. Os únicos vãos que dão para o
saguão são o do corredor e o da I.S., ambos de peito. Para seis quartos há apenas uma
I.S. Junto à cozinha, há uma zona exterior de copa que permite o tratamento da roupa.

Aspetos Arquitetónicos Relevantes

Assim como os dois exemplos anteriores, este edifício existe e mantém-se como
edifício destinado a habitação, e comércio no piso térreo. Mantém-se a preocupação da
decoração da fachada, mais simples do que o exemplo da avenida Duque de Ávila, com
elementos de ferro nos varandins e alguns elementos decorativos esculpidos. É do
mesmo ano que o exemplo anterior embora se destine a uma classe social inferior,
conclusão que retiramos depois de comparar áreas brutas, para apenas menos três
divisões, o primeiro exemplo beneficia de quase do dobro da área bruta deste caso de
estudo 3. Repete-se a lógica de organização do primeiro caso de estudo, embora
aplicada a um fogo mais comprido, obrigando o uso de um saguão interior além do
saguão de ventilação junto à empena. O oposto dia/noite também ocupa o seu papel
ordenador neste fogo, posicionando os quartos na zona mais interior da casa. Tal como
acontece no caso de estudo Visconde Valmor, aqui também é utilizada a área da
fachada equivalente às escadas para um divisão, divisão essa que pertence a um dos
dois fogos existentes no piso. Um aspeto a considerar neste caso de estudo, é a
ocupação central do edifício, portanto duma área de menor qualidade, para a colocação
de tudo o que é motor, isto é: cozinhas, instalações sanitárias, dispensa e acessos
verticais.

37
3.2.4 Caso de Estudo 4 – Rua Castilho, 65 (1937)

fig 20. Rua Castilho, 65. Fachada e pormenor de fachada, fotografias da autora

Questões determinantes iniciais

Este caso de estudo centra-se num prédio de rendimento na Rua Castilho,


freguesia Coração Jesus, do ano 1937. É uma habitação destinada a classes médias ou
médias altas, construído já durante o Estado Novo. O edifício é de esquerdo/direito, com
dois fogos por piso e ambos têm: seis quartos, uma sala, uma saleta, uma sala de
refeições, um escritório, uma cozinha, uma I.S. completa subdividida. O edifício tem
ainda um saguão de grande dimensão (8.50m x 11m) e uma escada de incêndio na
fachada tardoz.

38
Aspetos particulares analisados

Fig. 21. R. Castilho, 65 planta tipo, Fonte: CML, tratada pela autora.

Fig. 22. Análises realizadas pela autora utilizando a fig. 21.

Estrutura Distributiva do Fogo

O fogo deste caso de estudo apresenta uma estrutura distributiva com alguma
hierarquia. A entrada pode ser feita para o corredor distributivo, ou para uma divisão que
tem a possibilidade de ser independente do fogo. A entrada situa-se junto às divisões de

39
uso social, próximo à fachada de rua. O corredor distributivo desenvolve-se em forma de
U e assume dois níveis de privacidade; na área junto à entrada e às divisões de uso
social tem um caracter público, com a mudança de direção serve as divisões de uso
privado adquirindo também um carácter privado. Tem 1.25m de largura e um total de
32m, sendo a soma de três partes do U (7m, 19m e 6m). Os vãos interiores que fazem a
comunicação entre o corredor e as divisões têm 0.80m, à exceção de um de 1m e outro
de 1.40m.

Partição da Casa

Neste caso a AU destinada ao uso privado é quase igual à destinada ao uso


social, sendo de 35% e 32% respetivamente. Há comunicação direta entre divisões de
usos diferentes, sendo essas divisões quartos e I.S. As divisões de uso social
encontram-se junto à fachada de rua, os quartos desenvolvem-se em bateria ao longo do
corredor distributivo e em torno do saguão e com a I.S. intercalada, e junto à fachada de
logradouro desenvolve-se a sala de refeições e a cozinha.

Elementos da Casa

Todas as divisões garantem luz natural com um vão exterior, sendo que nas
divisões de uso social a dimensão dos vãos é maior, refletindo a importância atribuída a
estas divisões. Os vãos exteriores das divisões saleta, sala e escritório, são de sacada
com varandim e estão na fachada de rua. Os vãos exteriores dos quartos são de peito
virados para o saguão, assim como os da I.S. A sala de refeições e a cozinha têm vãos
exteriores de sacada e estão na fachada tardoz. Os únicos espaços sem vãos exteriores
são a dispensa e os espaços de distribuição, ficando assim condicionada a ventilação e
a iluminação naturais. Para seis quartos há uma I.S. que está desenhada de maneira a
poder ser utilizada por mais que uma pessoa ao mesmo tempo, e comunica diretamente
com dois dos quartos. Junto à cozinha há uma zona de tratamento de roupa exterior.

Aspetos Arquitetónicos Relevantes

O último caso de estudo que pertencente à categoria Prédios de Rendimento, é


um exemplo importantíssimo pela sua construção tardia que funciona como transição
para o Rabo de Bacalhau. Projeto de 1937, já depois da Carta de Atenas e do RGCU,
este exemplo segue as ideologias e pensamentos dos casos de estudo anteriores, com
apenas alguns apontamentos diferentes. Mantém-se o oposto frente/traseiras, assim
como dia/noite, assim como a agregação de divisões com as mesmas funções ou com
funções complementares como cozinha/sala de refeições. Neste caso é visível um

40
aumento significativo da dimensão do saguão, também por influência do RGCU,
aumentando consideravelmente a qualidade das divisões que estão viradas para o
mesmo. Há uma inversão de posicionamento do corredor distributivo no fogo, devido à
supressão do saguão de ventilação lateral, passando assim para a parede lateral
partilhada com o edifício vizinho. A fachada também apresenta uma linguagem diferente
dos casos anteriores, tendo desaparecido qualquer manifestação de elementos
decorativos, e onde os ferros das guardas dão lugar a guardas compactas sobressaindo
na fachada. A diferenciação entre piso térreo e pisos superiores é assumida não só pela
utilização de um pé direito superior no piso térreo, como também pela utilização de outro
material na fachada, e pelo uso de comércio.

3.3 Rabo de Bacalhau


Este nome advém da forma da planta criada durante o Estado Novo, que se
assemelha a um bacalhau, cujos princípios seriam refletidos nos edifícios imponentes
com uma leitura vertical ligada simbolicamente ao sagrado, e através da utilização dos
torreões piramidais que remetem para essa postura clássica, austera e imponente. É
uma evolução da planta do prédio de rendimento, aproveitando a longitude dos lotes
mas cumprindo as regras impostas pelo RGCU em 1930. O modelo familiar que está na
base destes exemplos continua a ser família instituição. O oposto entre fachada/traseiras
mantém-se como regra essencial, embora seja exprimida de forma diferente, devido à
possibilidade de atravessamento pelo quarteirão pedonal ou viário. Com essa
possibilidade, a porta de serviço que outrora se destacava de certa forma na fachada do
edifício, passa para as traseiras, permitindo uma ‘limpeza’ na fachada principal do
edifício, A linguagem estética utilizada nas traseiras opõe-se àquela que fora utilizada
para a fachada pela sua extrema simplicidade e austeridade: aqui o enunciado de
qualquer tipo de distinção, como por exemplo a sinalização do piso nobre, pura e
simplesmente não existe, pois, tal como no gaioleiro, este é um território menor,
destinado aos serviçais, fornecedores, à mulher e crianças (Pereira, 2012: 56). Embora
se mantenham as escadas de serviço nas traseiras, estas passam para o interior como
se pode verificar pelas plantas dos casos de estudo, assim como há a introdução de um
espaço de receção no fogo: hall, que também se verifica através da análise dos
elementos distributivos com recurso a grafos. O quarto principal sofre também
alterações, se antes era colocado na fachada de rua, ainda que o mais longe da entrada
possível, agora este passa para (…) a zona mais periférica da casa, (…) atribuindo-lhe o
estatuto máximo na hierarquia da esfera íntima (…) (Pereira, 2012: 56-60). Havendo já a
separação sexual das divisões antes do Estado Novo, agora com o lema de Salazar:
“Deus, Pátria e Família”, essa visão sexista é acentuada, na altura em que na Europa se
vivia a emancipação da mulher. Verifica-se então uma “falsa emancipação”, marcada por

41
uma mudança de comportamentos da mulher mas sempre a cumprir o papel secundário,
dependente do seu marido.

3.3.1 Caso de Estudo 5 – Rua Joaquim António de Aguiar, 35 (1937)

fig 23. R. Joaquim António de Aguiar, 35. Fachada e pormenor de fachada, fotografias da autora

Questões determinantes iniciais

Este caso de estudo situa-se na Rua Joaquim António de Aguiar, freguesia do


Coração de Jesus. É um edifício de 1937, prédio de rendimento destinado a classe
média ou média-alta. A nível social e político, enquadra-se num período inicial do Estado
Novo. Embora seja do mesmo ano que o Caso de Estudo 4, este pertence já à categoria
Rabo de Bacalhau. É um edifício de esquerdo/direito, com dois fogos por pisos e ambos
têm: três quartos, uma sala, uma cozinha e uma I.S. completa. Na fachada tardoz há
uma escada de incêndio.

42
Aspetos particulares analisados

Fig. 24. (à esquerda). R. Joaquim António de Aguiar, 35 planta tipo, in AAP 1987:158 tratada pela
autora. (à direita) Análises realizadas pela autora utilizando a mesma planta.

Estrutura Distributiva do Fogo

O fogo do caso de estudo 5 apresenta uma estrutura distributiva pouco


hierarquizada, tendo uma entrada única para o corredor distributivo. A entrada pode ser
feita também através duma divisão de uso social, capaz de funcionar independente. O
corredor desenvolve-se em L, tendo uma largura de 1.40m e um total de 13m de
comprimento (4m + 9m). Os vãos interiores que dão acesso às divisões têm dimensões
que variam entre os 0.70m e 1m, não estão alinhados uns com os outros, e estão
dispostos ao longo do corredor.

Partição da Casa

As divisões de uso privado ocupam 35% da AU, as de uso social ocupam 29% e
14% destina-se aos serviços. Há comunicação direta entre uma divisão de uso social e

43
outra de uso privado, e há ainda dois quartos que comunicam entre si. As divisões de
uso social e privado desenvolvem-se ao longo da fachada de rua, a meio do fogo a I.S.
faz a transição para a sala de refeições e a cozinha que ocupam a fachada tardoz. A
distribuição das divisões revela uma lógica funcional, a I.S. junto aos quartos e a cozinha
próxima da sala de refeições.

Elementos da Casa

Todas as divisões deste fogo assumem vãos exteriores, sendo que através das
dimensões dos vãos as divisões adquirem importâncias distintas e assim sendo as de
uso social são as mais privilegiadas. Os vãos exteriores são todos de peito, à exceção
do da cozinha que é de sacada e dá acesso à zona de tratamento de roupa exterior. A
sala e um dos quartos têm os vãos exteriores na fachada de rua, ou outros dois quartos
e a I.S. têm os vãos exteriores na fachada lateral, e o quarto principal juntamente com a
cozinha têm os vãos exteriores na fachada tardoz. Os espaços sem vãos para o exterior
são, a dispensa e o corredor.

Aspetos Arquitetónicos Relevantes

Este é um prédio que ainda existe, usado como prédio de habitação com
comércio no piso térreo. Relativamente à fachada é bastante notória a diferença entre o
prédio de rendimento e este exemplo, sendo este desprovido de elementos decorativos e
onde há como uma extorsão da varanda mas que não é realmente varanda porque é
fechada, remetendo apenas visualmente para esse elemento. Todo o edifício apresenta
uma linguagem maciça e uniforme, dada através da materialidade contínua, com espaço
apenas para vãos de peito. Esta imagem representa de certa forma o período de
austeridade que se vivia durante o Estado Novo, com a utilização de linhas simples e
duras. Admitindo que a planta assume a forma de T invertido, há uma distinta separação
entre a área mais larga que ocupa a fachada e a área mais estreita que se estende para
as traseiras. A zona mais larga serve as divisões sociais e privadas, enquanto a zona
mais estreita é onde se encontram as áreas técnicas, cozinha e casa de banho, e ainda
a sala de refeições. É claro o facto de este ser ainda um exemplo de transição entre o
prédio de rendimento e o Rabo de Bacalhau, devido à permanência da sala de refeições
próxima da cozinha, como também pelo facto das escadas de servido ainda estarem no
exterior.

44
3.3.2 Caso de Estudo 6 – Rua Almeida e Sousa, 63 (1939)

Fig. 25. R. Almeida e Sousa, 63. Fachada principal e traseiras, fotografias da autora.

Questões determinantes iniciais

O fogo deste caso de estudo situa-se na Rua Almeida e Sousa, em Campo de


Ourique que também está incluído no projeto de expansão urbana de Ressano Garcia no
final do século XIX. É um prédio de rendimento de 1939, inserido num quarteirão e
destinado a habitação familiar de classe média ou média-alta. Enquadra-se no período
do Estado Novo e no primeiro ano da Segunda Guerra Mundial. O edifício é de
esquerdo/direito, com dois fogos por piso e ambos têm: quatro quartos, duas salas, uma
cozinha, uma I.S. completa e uma I.S. de serviço. O edifício tem um saguão e umas
escadas de incêndio na fachada tardoz, e ainda dois poços de luz apenas para garantir a
ventilação e iluminação naturais das I.S. e dos corredores distributivos dos fogos.

45
Aspetos particulares analisados

Fig. 26. (à esquerda). R. Almeida e Sousa, 63, planta tipo, fonte: CML, tratada pela autora. (à
direita) Análises realizadas pela autora utilizando a mesma planta.

Estrutura Distributiva do Fogo

O fogo apresenta uma estrutura distributiva hierarquizada, composta por hall


(1.85m x 4m) de entrada e corredor distributivo que se subdivide em duas zonas de
distribuição. A entrada no fogo é feita para um hall de entrada que serve as divisões
sociais, e posteriormente distribui para uma primeira zona do corredor cuja largura é de
1m e tem um total de 6m. A primeira zona é maioritariamente funcional, dando acesso
aos serviços (I.S. e cozinha), e a um quarto. Na segunda zona do corredor distributivo, o
uso é apenas privado uma vez que apenas dá acesso aos restantes quartos. Assumimos
assim que o hall terá um caracter público, uma primeira área do corredor terá um
carácter funcional e por último, a área mais restrita do corredor terá um grande grau de
privacidade. Os vãos interiores que fazem a comunicação entre o corredor e as divisões
têm 0.80m, à exceção de um de 1m e outro de 1.40m.

46
Partição da Casa

Neste caso, a distribuição da AU é de 33% para o uso privado, 20% para o uso
social e 15% para os serviços. Não há comunicação direta entre divisões de uso privado
e uso social embora sejam usados pequenos halls nas transições entre compartimentos.
As divisões de uso social encontram-se na fachada de rua, a meio do fogo encontra-se a
I.S. e a zona de serviços, e na zona posterior da casa distribui-se a zona privada. A zona
de serviços faz a transição entre a zona pública da casa e a zona privada.

Elementos da Casa

Cada divisão deste fogo possuiu um vão exterior, com várias dimensões, sendo
assim atribuídos graus de importância aos espaços do fogo. Os vãos exteriores da
fachada de rua são de sacada com varandim e pertencem às salas, e um dos quartos
também tem vão de sacada com varandim mas na fachada tardoz. Os outros três
quartos têm vãos de peito, um na fachada tardoz e os outros dois para o saguão. Como
referido no ponto 3.8.1, os vãos exteriores do corredor e da I.S. são virados para um
pequeno poço de luz. Há ainda uma porta entre a zona de tratamento de roupa e as
escadas de incêndio.

Aspetos Arquitetónicos Relevantes

Este Caso de estudo ainda existe e é usado para o uso destinado, habitação.
Este já é um exemplo totalmente representativo do Estado Novo, estando inserido num
quarteirão que ele próprio já corresponde às novas ideologias como a permeabilidade
pedonal e viária. O quarteirão reflete uma preocupação extrema de desenho,
apresentando traçados rígidos e exigentes mesmo nos logradouros que são desenhados
ao pormenor. Relativamente à oposição entre fachada/traseiras, este exemplo exprime
totalmente os princípios referidos no parágrafo inicial, tendo sido retirada a porta de
serviço da fachada para as traseiras cuja linguagem é bastante simples e desprovida de
qualquer elemento decorativo, enquanto a fachada apresenta alguns elementos que lhe
conferem ritmo embora com alguma simplicidade. Na planta já se verificam as alterações
como a deslocação do quarto principal para a zona mais periférica do fogo, assim como
também a supressão do contacto entre quartos que era bastante comum nos prédios de
rendimento, e ainda a utilização do hall como recetor.

47
3.3.3 Caso de Estudo 7 – Avenida António Augusto Aguiar, 9 (1942-47)

Fig. 27. Av. António Augusto Aguiar. Fachada e pormenor de fachada, fotografias da autora.

Questões determinantes iniciais

O fogo deste caso de estudo situa-se na Avenida António Augusto Aguiar,


avenida que pertence à freguesia das Avenidas Novas tal como alguns exemplos
anteriores. É um prédio de rendimento de 1942-45, destinado a habitação familiar de
classe média-alta ou mesmo alta. Relativamente ao seu enquadramento histórico,
pertence já ao período guerra/pós-guerra. O edifício é de esquerdo/direito com dois
fogos por piso, e cada fogo é composto por três quartos, uma sala, um escritório, uma
sala de refeições, uma cozinha, uma I.S. completa, duas I.S. com sanita e lavatório, e
ainda um quarto de criada com I.S. completa. Há ainda uma divisão extra e pertence
apenas a um dos fogos, neste caso o direito, que é uma saleta. Este é um exemplo que
já não tem escadas de incêndio exteriores, contudo, tem umas escadas de serviço
interiores.

48
Aspetos particulares analisados

Fig. 28. Av. António Augusto Aguiar, 9 planta tipo, in AAP 1987: 160.

Fig. 29. Análises realizadas pela autora utilizando a fig. 28.

Estrutura Distributiva do Fogo

O fogo apresenta uma estrutura distributiva bastante hierarquizada com duas


entradas, uma principal e outra de serviço. A entrada principal é no hall (3mx3m), que
posteriormente distribuiu para três áreas distintas: um corredor principal que acede aos
quartos, às salas e às I.S.; uma saleta que pode funcionar como área de receção; e um
segundo corredor de carácter funcional, em forma de L, que dá acesso à cozinha, à
dispensa e às escadas de serviço. Ambos os corredores distributivos têm 1.4m de

49
largura, o corredor principal tem 8.2m, e o de serviço 4.5m. Os vãos interiores que fazem
a comunicação entre os corredores e as divisões, têm valores bastante variados entre
0.70m e 2m, sendo que os maiores correspondem às divisões sala e sala de refeições e
os mais pequenos às divisões funcionais como a dispensa e I.S. Outra característica
destes vãos, é a orientação frente a frente, permitindo uma maior comunicação entre as
divisões inclusive visual.

Partição da Casa

A distribuição da AU neste fogo é: 27% para o uso privado, 37% para o uso
social e 14% para os serviços. Não há comunicação direta entre divisões de diferentes
usos, no entanto há comunicação direta entre o escritório, a saleta e a sala. Embora a
sala de refeições seja a única divisão de uso social que não comunica diretamente com
as restantes divisões com o mesmo uso, está frente-a-frente com a sala separadas
apenas pelo corredor. Não só permite uma comunicação visual, como também uma
proximidade física. Além de estarem frente-a-frente, são as duas divisões com os vãos
interiores de maiores dimensões (2m) facilitando essa comunicação física e apropriação
dos espaços em simultâneo. As divisões de uso social desenvolvem-se orientadas
perpendicularmente ao corredor principal, ocupando a maior parte da fachada de rua e
parcialmente a fachada tardoz. As divisões de uso privado seguem-se às sociais,
ocupando o restante da fachada de rua e também parte da fachada tardoz. Entre as
sociais e as privadas situam-se as I.S. que partilham a mesma fachada tardoz. Na zona
mais afastada da fachada de rua, encontram-se as divisões de serviços que incluem a
cozinha e o quarto da empregada com I.S.

Elementos da Casa

Todas as divisões têm um vão exterior, à exceção da sala que tem dois, os da
fachada de rua são de sacada com varandim, os restantes vãos exteriores são de peito.
A sala uma vez que é a única divisão social que não está na fachada de rua, tem um vão
exterior de maior dimensão colmatando a desvalorização comparativamente com as
outras divisões. Para três quartos há três instalações sanitárias, uma completa e duas
mais pequenas sem banheira. Os únicos espaços do fogo que não têm comunicação
com o exterior diretamente são a dispensa e os corredores, dependendo das outras
divisões para a ventilação e iluminação natural. Junto à cozinha, há uma zona fechada
mas exterior ao fogo, que se destina ao tratamento da roupa.

50
Aspetos Arquitetónicos Relevantes

O edifício existe e cumpre o mesmo programa funcional, piso térreo para comércio
e os pisos superiores para habitação. É um edifício com uma imagem imponente, cuja
ocupação se destinava à classe alta, inserido num quarteirão onde a proporção
fachada/empena será de um para um. Na fachada de rua, além da diferença assumida
pelo pé direito mais alto no piso térreo e pela materialidade utilizada na fachada, há
ainda um grande destaque visual, induzido pela aplicação de uma cor forte emoldurada
por um revestimento em pedra. A porta assume um papel primordial na fachada não só
devido à dimensão, mas também pelos elementos decorativos metálicos. Em planta,
constata-se a receção através do hall, uma intercomunicação entre salas e em
simultâneo a mesma supressão de intercomunicação entre quartos, que havia
acontecido nos exemplos anteriores da mesma categoria, e ainda um elemento novo: o
quarto da empregada. Este último veio no seguimento da (…) separação efetiva da
família relativamente aos seus empregados (Pereira, 2012: 60), sendo visto como área
de serviços e portanto colocada junto à cozinha de acordo com a lógica de agregação de
funções. Além do quarto destinado às empregadas, algumas têm também uma
instalação sanitária que é o caso deste exemplo. Há uma nítida preocupação com a
subdivisão das instalações sanitárias, de forma a responder às diversas necessidades
dos vários elementos da família, permitindo assim o uso em simultâneo. Este exemplo
tem a particularidade de ser desenvolvido ao longo da fachada, ao contrário do usual
desenvolvimento perpendicular à fachada visto até aqui, beneficiando assim dum maior
número de vãos na fachada de rua.

51
3.3.4 Caso de Estudo 8 – Rua Cervantes, 4 (1947-48).

Fig. 30. R. Cervantes, 4. Fachada principal e traseiras, fotografias da autora.

Questões determinantes iniciais

Este caso de estudo situa-se na rua Cervantes, que é uma rua perpendicular a
uma das avenidas principais de Lisboa, a Avenida João XXI, que une a praça do Areeiro
à praça do Campo Pequeno. A rua de Cervantes rompe um quarteirão, fazendo a ligação
entre a Av. João XXI e a Av. de Madrid. É um prédio de rendimento de 1948, destinado a
habitação, estando enquadrado num período pós-guerra. O edifício é composto por dois
corpos unidos pelo bloco de escadas, sendo que o primeiro é composto por dois fogos
por piso, e o segundo por apenas um. Os fogos são todos T2, mudando apenas a
organização devido à separação do segundo corpo. Sendo assim, numa lógica de
análise dos dois fogos diferentes, atribuímos a designação de T2A ao fogo do copo
maior, e T2B ao fogo do corpo isolado. Os fogos são então compostos por dois quartos,
uma sala, uma cozinha e uma instalação sanitária. Não há escadas de serviço neste
exemplo, e o bloco de escadas assume um papel central no conjunto dos corpos e na
sua agregação.

52
Aspetos particulares analisados

Fig. 31. (à esquerda). R. Cervantes, 4, planta tipo, fonte: CML, tratada pela autora. (à direita)
Análises realizadas pela autora utilizando a mesma planta.

Estrutura Distributiva do Fogo

T2A: Este fogo apresenta uma estrutura distributiva hierarquizada, utilizando


duas áreas de distribuição. A entrada é feita para um primeiro hall (1.80 mx1.65 m) que
dá acesso à sala e à cozinha. A divisão social assume um papel distribuidor, permitindo
o acesso à segunda área distributiva mais reduzida (1.75m x 1.25m), que acede então
às divisões de carácter mais privado – quartos e instalação sanitária. Os vãos interiores
das divisões compreendem todos 0.75m, à exceção do vão entre o hall e a sala, com
1.25m, assumindo distintamente um grau de importância superior, e o vão interior entre o
hall e a cozinha, que além de ter 1m de dimensão, distingue-se dos restantes devido à
sua materialidade e dualidade sendo possível abertura total ou clausura.

T2B: Em comparação com a tipologia A, este fogo apresenta uma estrutura


distributiva menos hierarquizada, composta por um corredor (1.10m x 3.4m) e um hall
(3.4m x 1.5m). A entrada é então feita para um corredor distributivo que se desenvolve
em direção ao centro do fogo, terminando num hall. Este hall central assume o acesso a
todas as divisões, de uma forma circular. À semelhança do fogo A, aqui os vãos têm as
mesmas dimensões, existindo também uma diferenciação entre vãos interiores nas
mesmas divisões (sala e cozinha), embora um dos quartos também assuma um vão de
maiores dimensões (1.25m).

53
Partição da Casa

T2A e T2B: A distribuição da área útil segundo os vários usos, é quase igual nos
dois casos A e B, verificando-se apenas uma ligeira diferença na percentagem da AU
para o uso privado, sendo que no A é de 32% e no B de 24%. Esta diferença pode ser
consequência da área dispensada para a distribuição, que na tipologia B é superior à da
A. Não há comunicação direta entre divisões em nenhuma das tipologias, embora
aconteça um alinhamento visual entre vãos interiores na tipologia B devido à
configuração do hall.

Elementos da Casa

Todas as divisões são dotadas de vãos exteriores, sendo que no T2A, os da sala
e os da cozinha são de sacada com varanda, e os restantes de peito; e no T2B apenas
um dos quartos e a sala beneficiam de vãos exteriores de sacada com varanda, e os
restantes de peito. No T2B, verifica-se ainda uma valorização da divisão social, sendo
favorecida com três vãos exteriores, um de sacada como já referido, e os outros dois de
peito. No corpo maior, as divisões situadas na fachada principal são: a sala e o quarto
principal, deixando a cozinha, a I.S. e o outro quarto na fachada traseira; no volume
isolado, a organização do espaço é praticamente a mesma que o T2A, mas está em
espelho com o bloco de escadas como charneira.

Aspetos Arquitetónicos Relevantes

Este edifício pertence à categoria do Rabo de Bacalhau, sendo interpretado por


nós como um Rabo de Bacalhau desconstruído, onde o volume perpendicular à fachada
principal é assumido como um volume separado. Os opostos mais evidentes que são
aplicados como matriz organizadora do espaço são: frente/ traseiras, público/ privado,
dia/ noite. A fachada de rua apresenta um preocupação no alçado, embora simples e
discreto, onde as varandas assumem um papel principal marcando a entrada do edifício
e dinamizando a fachada. O facto do alçado ser pintado de uma cor forte e as varandas
serem brancas, contribui para esse dinamismo. Em planta verifica-se uma agregação
das funções técnicas em torno do acesso vertical, divisões essas, compostas então pelo
bloco de escadas, as cozinhas e as casas de banho. O facto de não existir quarto de
empregada pode ser analisado como uma “evolução” por este ser um caso transitório de
categorias, onde já se tenta uma “libertação feminina”, e por possivelmente ser destinado
a uma classe social que não tenha capacidades monetárias para ter uma empregada
fixa. Uma característica que nos cativou, foi a questão da desconstrução não só do

54
edifício como já referimos, mas também a desconstrução do próprio quarteirão que é
“invertido”. A rua atravessa o quarteirão no seu interior, atribuindo um carácter principal
às fachadas de dentro do quarteirão, e um carácter secundário às fachadas
supostamente exteriores. Há assim uma inversão entre exterior e interior, invertendo a
normal perceção que nos é “dada” pelos quarteirões normalmente.

3.4 Mudança de Paradigma


Tal como referimos anteriormente, é em 1950 com a necessidade de alojar em
massa, que o quarteirão tradicional dá lugar à composição livre com torres e blocos,
criando assim um novo paradigma. O desenho urbano e arquitectónico ainda tradicionais
viriam a ser subvertidos pontualmente, no decorrer da sua implementação, com
sugestivos traçados racionalistas que começavam a aplicar os princípios da Carta de
Atenas, confirmando uma evolução de conceitos que se baseavam num quadro geral em
transformação e que viria a constituir um modelo para o resto do país (Tostões, 1998:
45). Se entre o prédio de rendimento e o Rabo de Bacalhau as transformações da planta
tipo poderiam passar despercebidas aos observadores mais leigos nesta área, agora a
habitação sofre alterações profundas não só na planta mas no seu todo. Embora os
princípios modernistas se aplicassem ao próprio desenho da cidade numa escala
alargada, foram sendo aplicados inicialmente apenas nos próprios edifícios e numa
pequena área circundante. Segundo Sandra Marques Pereira, os modelos habitacionais
do Movimento Moderno resultam em plantas racionais e simples que utilizam a lógica da
tripartição dos espaços otimizada. Apresentam ainda formas quadrangulares ou
retangulares, respondendo às necessidades familiares através de três formas: a sala
como centro da casa, a cozinha mais próxima da zona de estar e mais funcional, e por
fim a simplicidade dos quartos e da casa de banho. A separação entre público e privado
também assume um papel fulcral, principalmente quando as plantas assumem áreas
mínimas. Com este movimento surgem ainda as tipologias duplex, que permitem essa
separação radicalmente e se assemelham simultaneamente às moradias, unindo duas
realidades opostas – antigo/novo. Um dos aspetos importantes na alteração da
organização dos espaços domésticos é «a simplificação do sector dos serviços – com a
introdução da cozinha laboratório e com a eliminação das outras funções que lhe estava
associadas, desde o quarto da criada e respectiva instalação sanitária à copa, zona de
engomados, etc. – e a sua aproximação e contiguidade relativamente ao sector social,
apontando para um esbatimento da divisão sexual dos espaços e por conseguinte da
divisão dos papéis conjugais (…) (Pereira, 2012: 61). Ora esta simplificação das áreas
técnicas pressupõe uma libertação feminina de espaços que lhes estiveram “destinados”

55
anteriormente, remetendo para o segundo modelo familiar referido anteriormente- família
fusão.

3.4.1 Caso de Estudo 9 – Bairro das Estacas – Célula 8 (1949-55)

Fig. 32. Bairro das Estacas, fotografias da autora.

Questões determinantes iniciais

Este exemplo insere-se no Bairro de Alvalade, cujo plano urbano inicial (1945-
47) foi realizado na sequência do Plano de Gröer (1938-48). O Bairro das Estacas ocupa
a Célula VIII do Plano Urbano de Alvalade, foi desenhado pelos arquitetos Ruy Jervis
Athouguia (1917-2006) e Sebastião Formosinho Sanches (1922-2004), que fizeram
alterações ao plano inicial de João Guilherme Faria da Costa (1906-71). É do mesmo
período do exemplo anterior, uma altura de desenvolvimento económico durante o
clímax do Estado Novo. O edifício está inserido num quarteirão com os topos abertos,
elevado sobre pilotis e com mais que uma tipologia. Para esta análise, foram escolhidas
duas tipologias: T3 e T3 Duplex. Ambos os fogos são compostos por três quartos, uma
sala, uma cozinha com zona de tratamento de roupa e uma I.S. completa. Os acessos
verticais são compostos apenas por um bloco de escadas, que acedem a dois fogos por
piso, e quatro no caso do duplex.

56
Aspetos particulares analisados

Fig. 33. Bairro das Estacas. Da esq. para a dir. : Duplex 1º e 2º andar, respetivamente, T3 planta
tipo, in Sanches e Atouguia, 1954: 4.

Fig. 34. Análises realizadas pela autora utilizando a fig. 33.

Estrutura Distributiva do Fogo

Tipologia T3: Embora as dimensões do fogo sejam reduzidas, a estrutura


distributiva tem alguma hierarquização. A entrada é feita para um hall em L (3mx2.3m)
que faz a distribuição para as duas zonas da casa, a zona de serviços e a zona social, e
depois para um corredor (1.2mx5.3m) que acede à zona privada e à I.S. A divisão mais
próxima da entrada é a cozinha, de seguida a sala e por fim os quartos e a casa de
banho. O corredor funciona como elemento separador entre público e privado, de
carácter privado, embora o acesso à I.S. seja também feito através deste. Os vãos de
entrada das divisões oscilam entre os 0.85m para a sala e os quartos, e 0.8m para a
cozinha e I.S.

Tipologia T3 Duplex: A estrutura distributiva do duplex tem necessariamente um


grau superior, uma vez que há cotas diferentes no mesmo fogo, embora mantenha o
mesmo raciocínio do T3. A entrada é exatamente igual à do T3, existindo apenas a
possibilidade de distribuição para a zona de serviços ou para a zona social. A sala passa
a ter umas escadas de acesso ao piso superior, sendo estas que distribuem para o
corredor de carácter privado, já no piso superior onde se encontram os quartos e a I.S.

57
As dimensões do hall, do corredor e dos vãos é igual à tipologia T3. O piso de entrada
tem um carácter público, e do superior tem um carácter privado.

Partição da Casa

Tipologia T3: A AU para o uso privado corresponde a 38% do total, quase o


dobro da percentagem para o uso social, 20% e ainda 16% para os serviços. Não há
qualquer comunicação direta entre divisões, nem entre usos diferentes nem entre os
mesmos. Cada fogo ocupa metade das fachadas de rua e tardoz, sendo que a entrada é
feita a meio entre os dois fogos. Os quartos estão virados para a fachada de rua,
enquanto a cozinha, tratamento de roupa e a sala estão viradas para a fachada tardoz.

Tipologia T3 Duplex: No Duplex a percentagem de AU destinada ao uso privado


corresponde a 30%, o uso social representa 22% do total e os mesmos 16% de serviços,
como na tipologia T3. Aqui continua a não existir comunicação direta entre divisões, há
apenas o elemento escadas que faz a transição de pisos entre a sala e o corredor. No
caso dos duplexes, como se desenvolvem em altura, o piso de entrada tem apenas sala
e zonas técnicas (cozinha e tratamento de roupa) em ambas as fachadas do penúltimo
andar do edifício. O último andar é constituído apenas por quartos e I.S.

Elementos da Casa

Tipologia T3 e Tipologia T3 Duplex: Neste ponto, as duas tipologias têm


exatamente as mesmas características. As diferenças só são visíveis na fachada do
edifício. Todos os vãos exteriores são de sacada com varanda, e todas as divisões têm
vãos exteriores à exceção da casa de banho. Também o espaço técnico da cozinha e
tratamento de roupa tem um carácter diferente e funciona como espaço semiexterior, é
usada uma parede perfurada na fachada que faz a transição entre interior/exterior,
garantindo a iluminação e ventilação naturais. Há apenas uma casa de banho para três
quartos, e a sala acumula as duas funções de estar e de refeições.

Aspetos Arquitetónicos Relevantes

Este é um caso extremamente importante e que funciona como charneira entre o


tradicional e o moderno, correspondendo a todos os pontos anteriormente referidos. Dois
elementos que foram sofrendo alterações ao longo da evolução da habitação,
desaparecem por completo neste caso, o primeiro – quarto de empregada, e o segundo
– escadas de serviço. Apresenta uma planta simples, retangular com uma lógica
distributiva racional, aplicada da mesma forma no fogo T3 e no Duplex. Nesta lógica
funcional, os armários aparecem pensados e desenhados, sendo parte essencial no

58
projeto. A área de lazer que era comum estar subdividida é agora um espaço que
cumpre a função de estar e de refeição. A divisão de casa de banho é removida para o
interior, para a área privada e junto dos quartos seguindo também a lógica funcional. O
desenho do fogo permite a existência de duas fachadas relativamente idênticas,
desaparecendo por completo a oposição entre fachada/traseiras. Todas as divisões têm
acesso a varandas, resultando em fachadas simples onde essas varandas funcionam
como elementos unificadores, sobressaindo apenas as zonas técnicas com elementos
cerâmicos perfurados. Hoje em dia, devido à atitude comum de fechar as varandas para
usufruir dessa área coberta, há uma leitura bastante diferente, saltando entre vazios e
vazios preenchidos. As tipologias duplex assumem um papel dinamizador na fachada,
uma vez que o facto de não existir zona técnica no último pios se reflete diretamente na
fachada.

3.4.2 Caso de Estudo 10 – Av. Estados Unidos da América (1953)

Fig. 35. Cruzamento entre Av. Estados Unidos da América e a Av. de Roma. Fachadas e
pormenor, fotografias da autora.

Questões determinantes iniciais

O presente caso de estudo situa-se no Bairro de Alvalade, tal como o caso de


estudo anterior, sendo que este se localiza no cruzamento de duas grandes vias,
Avenida Estados Unidos da América e Avenida de Roma. É um projeto de 1953,

59
desenhado pelos arquitetos Filipe Figueiredo e José Segurado, composto por um
conjunto de edifícios que “cosem” com a envolvente, e outros quatro, mais altos, que
assumem uma verticalidade imponente. É um projeto de grande plasticidade exterior
com fachadas ritmadas pelos elementos estruturais, e onde dois dos quatro grandes
volumes, se elevam sobre pilares. Tal como na Unidade de Marselha, aqui a proposta,
era o piso do meio dos grandes volumes assumir a função de comércio, que depois não
se concretizou, destinando-se a habitação. Ao tempo, esta obra foi um paradigma de
inserção de um modelo moderno, uma espécie de unidade de habitação, numa área da
cidade desenvolvida segundo padrões relativamente tradicionais de ruas e quarteirões
(Almeida, 1998: 198).

O fogo escolhido para análise foi o fogo tipo do edifício referenciado na proposta
geral como 22M. É então uma tipologia T3, composta por três quartos, uma sala, uma
cozinha com uma zona semiexterior e uma I.S. completa. Os acessos verticais do
edifício são compostos por um bloco de escadas, elevadores e monta carga, servindo
dois fogos por piso.

Aspetos particulares analisados

Fig. 36. (à esquerda). Av. Estados Unidos da América, Lote 21, planta tipo, fonte: CML, tratada
pela autora. (à direita) Análises realizadas pela autora utilizando a mesma planta.

60
Fig. 37 .Cruzamento entre Av. Estados Unidos da América e Av. Roma planta tipo plano urbano,
fonte: CML, tratada pela autora.

Estrutura Distributiva do Fogo

A estrutura distributiva apresenta uma hierarquia dada pela separação das áreas
distributivas, criando filtros para uma maior seleção e consequentemente maior
privacidade nalgumas divisões. A entrada é feita para um hall (3.5mx1.8m) dotado de um
armário, que distribui para a divisão da cozinha ou para a divisão social. Daqui a sala
assume também um papel distributivo, acedendo a uma segunda área distributiva – um
corredor com 1.45m de largura e 6.9m de comprimento, que permite o acesso às
divisões mais privadas – quartos, e à instalação sanitária no final. O hall neste exemplo
funciona como um primeiro filtro entre público / privado, a sala representa um filtro mais
“apertado” dividindo entre social / privado. Os vãos interiores das divisões têm todos
0.75m, à exceção do vão entre o hall e a sala que assume uma maior expressão com
1.15m.

Partição da Casa

No fogo em análise, a percentagem de área útil correspondeste aos usos


privados é de 31%, a correspondente ao uso social é de 26% e por fim, é atribuído 10%
da área útil total aos serviços. Não há comunicação direta entre divisões, nem
visualmente, havendo apenas a comunicação entre a sala e as duas áreas distributivas
como já referido. A casa desenvolve-se em ao longo do volume do edifício, permitindo a
todas as divisões, estarem viradas para a mesma fachada.

61
Elementos da Casa

Todas as divisões do fogo são dotadas de vãos exteriores, todos eles de sacada
com varanda, assumindo uma expressão na fachada constante. A cozinha está ainda
agregada a uma área semiexterior, utilizando as mesmas técnicas referidas em
exemplos anteriores de parede perfurada permitindo essa dualidade. Todas as divisões
garantem então luz e ventilação naturais, e há apenas uma casa de banho para os três
quartos.

Aspetos Arquitetónicos Relevantes

Como se referiu no ponto das questões determinantes iniciais, este é um


exemplo que assumiu valores da arquitetura moderna com a elevação do volume sobre
pilares, a estrutura assumida visualmente e ainda a malha ortogonal visível nas
fachadas. A planta apresenta um distribuição que nos remete para o conceito casa-
chave de Xavier Monteys, onde a hierarquia familiar está totalmente representada, tal
como a oposição dia/noite também se destaca com a sala e a cozinha como sendo “dia”
e os quartos “noite” (Monteys, 2006: 58). Ao ser atribuído um carácter distributivo à sala,
esse carácter é “apoiado” com a colocação de um armário ao longo da parede da sala,
assumindo a preocupação com a arrumação e com a diferenciação dos espaços.
Também é visível, novamente, o desaparecimento do oposto fachada/traseiras,
valorizando tudo o que é parede exterior com vãos. A lógica da agregação das várias
salas, só numa, é novamente assumida neste caso de estudo, mantendo a lógica
funcional da agregação ou aproximação à área técnica – cozinha. Tal como se verificou
no caso da Célula 8 do mesmo bairro que este exemplo, hoje em dia a leitura do edifício
exteriormente, não corresponde à inicialmente projetada, sendo uma consequência dos
modos de apropriação das varandas. Contudo, a linguagem base mantém-se, muito
devido à separação volumétrica através do piso que se referiu anteriormente (que
inicialmente se destinava ao comércio), e à marcação da estrutura na fachada
continuada pelos pilares.

62
3.4.3 Caso de Estudo 11 – Bloco das Águas Livres (1953-55)

Fig. 38. Bloco das Águas Livre. Fachada principal, fotografias da autora.

Questões determinantes iniciais

O Bloco das Águas Livres é um edifício dos arquitetos Nuno Teotónio Pereira
(1922-2016) e Bartolomeu Costa Cabral (1929). Localiza-se na praça das Águas Livres,
na freguesia de Campo de Ourique. É um bloco habitacional construído, no mesmo
período de desenvolvimento económico durante o Estado Novo, que os exemplos 9 e 10.
Toussaint (2010) refere-se a ele como uma célula de cidade por ser um edifício
relativamente solto no espaço e por outro lado denso, tornando-se um protótipo de uma
cidade moderna. Este bloco habitacional tem quatro tipologias distintas, e além de
habitação destina-se também a escritórios/ateliers e alguns serviços complementares à
habitação. Para análise foram escolhidas duas tipologias, a maior T4 e a mais pequena
T1. Os acessos verticais são maioritariamente elevadores, embora haja duas caixas de
escada devido à regulamentação. Cada elevador dá acesso a dois fogos por piso, à
exceção dum que serve apenas uma tipologia (T4) por piso. Há ainda uma galeria ao
longo da fachada tardoz que faz a comunicação entre todos os acessos verticais. A
tipologia T1 é composta por um quarto, uma sala, uma cozinha com zona de tratamento
de roupa e uma I.S. completa. O T4 é mais complexo, e ocupa o topo do bloco
habitacional. Este é composto por quatro quartos, uma sala, uma cozinha com zona de
tratamento da roupa, três I.S. completas e ainda uma zona de estendal.

63
Aspetos particulares analisados

Fig. 39. Bloco das Águas Livres planta tipo, in Pereira e Cabral, 1959 : 9.

Fig. 40. Análises realizadas pela autora utilizando a fig. 39

Estrutura Distributiva do Fogo

Tipologia T1: A hierarquização da distribuição nesta tipologia é reduzida, embora


seja visível a distinção entre público/privado. A entrada é feita para um hall (2.3mx2.6m)
que faz a distribuição para a cozinha, a sala ou para um corredor (1.2mx4m) que acede
à I.S. e ao quarto. O hall tem assim a função de separação entre público/privado, e o
corredor tem um carácter privado.

Tipologia T4: A estrutura distributiva do T4 segue a mesma lógica que a do T1,


diferenciando-se apenas a forma do corredor distributivo que neste exemplo assume a
forma de T. A entrada é feita para um hall (2.5mx2.6m) que distribui para a cozinha, ou
para a sala ou para o corredor de acesso aos quartos e às casas de banho. O hall faz a
separação entre público/privado, e o corredor mantém o carácter privado. Analisando a
planta como um quadrado, a zona pública da casa é um L que complementa outro L
composto pela zona privada.

Partição da Casa

Tipologia T1: Neste fogo verifica-se uma utilização de 18% para o uso privado da
AU, 40% para o uso social e 16% para os serviços. Sobre a comunicação entre divisões,

64
a única comunicação entre divisões que existe é entre a sala e o quarto através de uma
porta de correr. Uma vez que a galeria é longitudinal e se encontra na fachada tardoz, os
fogos estão orientados para a fachada de rua. As zonas técnicas encontram-se junto à
galeria, enquanto a sala e o quarto ocupam a zona privilegiada do fogo.

Tipologia T4: No T4 a distribuição da AU difere bastante do T1, a percentagem


destinada ao uso privado ocupa 36%, ao uso social correspondem 24% e apenas 13%
para os serviços. Neste fogo há um quarto de empregada com casa de banho, junto da
cozinha. Esta é a única comunicação direta entre duas divisões, sendo que a I.S. tem
assim um carácter privativo que as restantes duas não têm. A tipologia T4 é colocada
num dos topos do bloco habitacional, pelo que tem o privilégio de ter duas fachadas
exteriores. Tal como o T1 as zonas técnicas situam-se junto à galeria, os quartos e a
sala organizam-se segundo as duas fachadas exteriores.

Elementos da Casa

Tipologia T1: Devido à existência da galeria, as paredes exteriores dos fogos


que dão para a galeria estão condicionadas no que diz respeito a vãos, daí a utilização
dessa parede para a colocação das zonas técnicas. Entre a I.S. e a parede há uma zona
de estendal que é semiexterior, que permite o vão exterior da I.S. mantendo a
privacidade que essa divisão exige. O vão exterior do quarto é de peito, e a sala tem dois
grandes vãos de sacada com uma varanda ampla.

Tipologia T4: Este fogo é privilegiado sendo que partilha apenas um troço da
parede exterior com a zona da galeria, permitindo vãos exteriores com maior
privacidade. Na fachada tardoz encontram-se os vãos exteriores das zonas técnicas, um
dos quartos cujo vão exterior é de sacada e comunica com a área de estendal, na
fachada de topo rompem-se os vãos dos quartos que são três de sacada e um de peito
com uma varanda comum. À semelhança do que acontece no T1, a sala tem dois
grandes vãos de sacada com uma varanda ampla, e ainda um vão de peito
correspondente a um dos quartos.

Aspetos Arquitetónicos Relevantes

Este foi o primeiro edifício de grandes dimensões onde foram aplicados os


princípios modernistas, com várias tipologias e vários serviços concentrados, seguindo
sempre uma lógica funcional. Um dos aspetos interessantes é o leque de tipologias,
refletindo um público-alvo de vários agregados familiares. Obra de charneira no universo
de adopção dos códigos do movimento moderno, certamente com sentido de oposição a
um nacionalismo ainda presente, revela um estádio de maturação que ultrapassou os

65
estritos princípios funcionalistas do movimento moderno (Tostões, 1998: 218). Neste
bloco habitacional há apenas lugar para o quarto de empregada, na tipologia maior, T4.
Há uma projeção da lógica de isolamento de grupos sociais, no detalhe projetual da
colocação de um pequeno vão entre a cozinha e a galeria, permitindo a receção de
produtos e mercearias, assim como os vários percursos com diferentes destinos de
utilização. A lógica dos fogos é igual em qualquer que seja a tipologia, sendo de referir a
preocupação demonstrada na tipologia maior, T4. Esta tipologia beneficia do topo do
edifício, simultaneamente de mais vãos exteriores possibilitando assim o aumento dos
quartos. Aqui a arrumação também tem um papel importante, fazendo parte da
organização do espaço doméstico, fator importante para uma sociedade moderna regida
pelo consumo. A oposição fachada / traseiras está presente, sendo que a fachada
principal apresenta-se dinâmica onde as varandas lhe conferem ritmo, assim como a
utilização de diferentes materiais e cores no revestimento. A fachada traseira segue
portanto, uma função técnica.

3.4.4 Caso de Estudo 12 – Avenida Infante Santo, 57 (1956)

Fig. 41. Av. Infante Santo, 57. Fachada principal, fotografias da autora.

Questões determinantes iniciais

O fogo deste caso de estudo situa-se na Avenida Infante Santo, avenida que foi
traçada no início do século XX, e que posteriormente sofreu um plano para a sua
continuação em 1954. O caso de estudo deste exemplo pertence ao plano municipal,

66
desenhado por Alberto José Pessoa, Hernâni Granda e João Abel Manta. Foi construído
num período de apogeu do Estado Novo. O edifício está inserido num conjunto de
edifícios iguais, em banda contínua e destina-se a habitação. É um edifício
esquerdo/direito, cada fogo é composto por três quartos, uma sala, uma de refeições,
uma cozinha, uma zona de estendal, uma I.S. completa com uma divisão extra com
chuveiro e lavatório, e ainda um quarto de criada com I.S. completa. Este é o primeiro
exemplo dos analisados que já tem elevador, e apenas umas escadas.

Aspetos particulares analisados

Fig. 42. Av. Infante Santo, 57 planta tipo, fonte: CML, tratada pela autora.

Fig. 43. Análises realizadas pela autora utilizando a fig. 42.

67
Estrutura Distributiva do Fogo

Este exemplo tem alguma hierarquização na estrutura distributiva composta por:


dupla entrada (serviço e principal), um hall (1.30m x 4m) e um corredor (1m x 7.5m) com
um carácter mais privado. O hall recebe e distribui para a cozinha ou para a sala ou para
o corredor, corredor esse que dá então acesso à I.S., aos quartos e à sala de refeições.
A separação física entre o hall e o corredor é realizada através do uso de armários. A
sala de refeições também tem um carácter distributivo, funcionando como comunicação
entre a cozinha e a sala de estar. Os vãos interiores das divisões variam entre os 0.70m
e 1m, sendo que os maiores correspondem às divisões sociais (salas), e os mais
pequenos aos quartos e serviços. A entrada de serviço dá acesso direto à cozinha e
zona de estendal, que por sua vez é a única forma de acesso ao quarto da empregada
que pertence aos serviços.

Partição da Casa

Neste exemplo a AU é distribuída duma forma bastante homogénea entre os


diferentes usos, sendo 27% para uso privado, 27% para o uso social e 25% para os
serviços. Uma das razões desta homogeneidade é o facto da existência do quarto da
empregada que entra para a percentagem dos serviços. Tal como referido no ponto
anterior, há comunicação direta entre divisões de diferentes usos, devido à sala
comunicar diretamente com a cozinha. Há ainda comunicação entre a sala e a sala de
refeições, espaços que podem funcionar em conjunto e tornar-se num só. A separação
entre estes espaços é feita por um elemento movível, permitindo a separação ou junção
das duas divisões. O fogo é dividido ao meio pela malha estrutural, deixando as zonas
técnicas junto ao centro do edifício e onde se situam os acessos verticais, as divisões de
uso privado junto da fachada de rua, e as de uso social ocupam parte da fachada de rua
e parte da fachada tardoz. As zonas técnicas incluem o quarto da empregada que
também ocupa parte da fachada tardoz.

Elementos da Casa

Não há uma única divisão que não tenha vãos exteriores, sendo que todos os
vãos da fachada principal são de sacada com varanda. O vão exterior da sala de
refeições é o único de sacada com varanda na fachada tardoz, e os vãos exteriores do
quarto da empregada, da cozinha e da I.S. são de peito. Para os três quartos há uma
casa de banho completa e uma divisão extra com um duche e um lavatório, permitindo a
sua utilização simultânea.

68
Aspetos Arquitetónicos Relevantes

Este é um exemplo que apesar de apresentar traços modernos, ainda mantém


algumas características do Rabo de Bacalhau, falamos do quarto de empregada. A
linguagem do edifício e principalmente da fachada remete-nos para o Bairro das
Estacas, com as mesmas varandas corridas e os mesmos elementos cerâmicos
perfurados. Este edifício também sofreu do síndrome das marquises, apresentando uma
fachada que deixou de ser uniforme e ritmada, dando lugar a um jogo de cheios e vazios
com mais cheios e menos vazios. Em planta a lógica é a mesma que o exemplo de
Alvalade, o número de quartos também se mantém, mas neste caso é atribuído um
maior valor arquitetónico à sala. A questão da subdivisão da zona de estar (estar/comer),
volta a ser estudada e desenhada aqui, resultando em dois espaços que se podem
tornar num em forma de L. Também o quarto da empregada se mantém, assim como a
entrada de serviço que comunica diretamente com o espaço da cozinha remetendo para
a interação entre empregada e fornecedores. Este quarto de empregada poderá querer
significar um público-alvo duma classe social mais elevada, onde os valores sociais mais
facilmente se mantêm estagnados. É de referir o facto de os elementos separadores
entre os percursos e as divisões serem armários, facto revelador de pensamento
moderno e funcional, no entanto os quartos estão desprovidos de qualquer elemento de
arrumação. Este caso é mais uma vez uma demonstração da aplicação de ideais do
movimento moderno, apenas ao edificado e não ao tecido urbano.

3.5 Novos Bairros


Enquanto nos exemplos que categorizamos como Mudança de Paradigma são
aplicados os princípios modernos apenas aos edifícios, aqui nos Novos Bairros, surge a
possibilidade de aplicar na totalidade as ideologias do Movimento Moderno. A expansão
dos limites de Lisboa permitiu a criação de novas centralidades urbanas, onde tudo
estava pensado para servir os moradores. Numa primeira etapa, em 1957/1961 foi
projetado e construído o plano dos Olivais Norte, que tal como já referimos
anteriormente, ‘cumpriu à risca’ os princípios da Carta de Atenas e simultaneamente
serviu de ‘rascunho’ para o plano dos Olivais Sul. Foram pensadas várias tipologias de
edifício e de várias categorias, com o objetivo de servir todas as classes sociais, e
simultaneamente com vários custos. Foram estudados e construídos edifícios
habitacionais em banda e em torre, articulados com espaços públicos. A nossa
intervenção na habitação colectiva e de baixo custo começou pelas propostas de
programa e de tipologia – muito centradas, como era próprio da época, na célula
habitacional e no sistema distributivo dos edifícios (Portas, 2002: 48). Além das novas

69
tipologias de edifício, que por sua vez também tem influência direta na distribuição e
acessos, as plantas espelham as preocupações modernistas e racionalistas da utilização
das áreas. Desde a procura de novas formas que possibilitassem uma maior
rentabilidade dos espaços, à aglomeração das zonas técnicas resultando em paredes
técnicas, são preocupações onde estas novas habitações pretendem incidir. Em
comparação com as classes de exemplos identificadas anteriormente, é visível o
desaparecimento de algumas oposições como: frente/traseiras, as novas tipologias
principalmente em torre excluem por completo as traseiras e o masculino/feminino, já
não existindo divisões destinadas consoante o género.

3.5.1 Caso de Estudo 13 – Olivais Norte, categoria II (1955-58)

Fig. 44. Olivais Norte, cat. II. Duas das fachadas, fotografias da autora.

Questões determinantes iniciais

Este exemplo enquadra-se no Plano dos Olivais Norte, desenvolvido entre 1955
e 1958 no GTH, por Sommer Ribeiro, Pedro Falcão e Cunha e Guimarães Lobato. É o
último exemplo da década de 50, fazendo ainda parte do período de desenvolvimento
económico durante o Estado Novo. No plano há vários edifícios de categorias diferentes
(I, II, III e IV), para o exemplo escolhido optámos pelo edifício de categoria II. É da
autoria dos arquitetos Nuno Teotónio Pereira, Nuno Portas e António Pinto de Freitas,
ganhou o Prémio Valmor atribuído em 1967. Este edifício em torre tem ainda três
tipologias (T1, T2 e T3) mas para efeitos de análise foram selecionadas apenas duas, o

70
T1 e o T3. Este é um edifício em Torre com 8 pisos, destinado exclusivamente a
habitação, os acessos verticais principais são elevadores, existindo sempre uma caixa
de escadas. Os acessos verticais ocupam o centro do edifício, e os fogos desenvolvem-
se em redor beneficiando de todas as fachadas exteriores. A tipologia T1 tem uma planta
bastante simples, é composta por um quarto, uma sala, uma cozinha e uma I.S.
completa. O T3 é mais complexo com três quartos, uma sala, uma cozinha com zona de
tratamento da roupa e uma I.S. completa.

Aspetos particulares analisados

Fig. 45. (em cima) Olivais Norte, cat. II planta tipo, in AAP 1987: 254. (em baixo) Análises
realizadas pela autora utilizando a mesma planta.

71
Estrutura Distributiva do Fogo

Tipologia T1: A estrutura distributiva deste exemplo é bastante simples, consiste


em apenas um hall que faz toda a distribuição do fogo. A entrada é então feita para esse
hall (2.6mx2.1m), sendo que as divisões mais imediatas são a cozinha e a I.S.

Tipologia T3: A estrutura distributiva do T3 é bastante mais complexa e


hierarquizada que a do T1. A entrada é feita para o hall (2.3mx1.2m) que distribui para
um dos quartos, para a zona de sala e cozinha, ou para um corredor (1mx3.7m) de
carácter privado que acede aos outros dois quartos e à casa de banho.

Partição da Casa

Tipologia T1: A percentagem de AU utilizada para os usos privados é de 27%,


para o uso social é de 38% e por fim são atribuídos 26% aos serviços. Entre a cozinha e
a sala há um passa-pratos, criando um contacto físico e visual entre dois espaços de
diferentes usos. A parede de transição entre os acessos e o fogo é usada para a
colocação das áreas técnicas, deixando a área privilegiada para o quarto e a sala.

Tipologia T3: Neste exemplo a distribuição da AU é de 28% para o uso privado,


25% para o uso social e 14% para os serviços. A comunicação entre espaços de usos
diferentes acontece entre um dos quartos e a sala, e com a utilização do passa-pratos
entre a cozinha e a sala à semelhança do que acontece no T1. A lógica de colocar as
áreas técnicas junto à parede de transição entre o fogo e a área de acessos do edifício
mantém-se, libertando o restante espaço para os quartos e a sala.

Elementos da Casa

Tipologia T1: Esta tipologia beneficia de duas fachadas exteriores, numa delas
são rasgados dois vãos exteriores ambos de peito, um que corresponde à cozinha e
outro à sala. Na outra fachada, rompem-se os vãos de maior importância, um deles de
sacada com varanda que corresponde à sala, e o outro mais pequeno e de peito que
corresponde ao quarto. A I.S. é interior, sendo que está privada de iluminação e
ventilação naturais.

Tipologia T3: Sendo a tipologia de maiores dimensões do edifício, também exige


uma maior área de fachada exterior tendo então três fachadas exteriores. Na fachada
ocupada pela cozinha, há dois vãos de peito, um para a cozinha e outro bastante
pequeno que corresponde à zona de tratamento de roupa. Na fachada de topo da torre
que será a mais privilegiada, rompe-se um vão de sacada com varanda pertencente à

72
sala, na outra fachada há ainda 4 vãos de peito, três correspondentes a cada quarto e
um que pertence também à sala.

Aspetos Arquitetónicos Relevantes

Sobre a torre há que referir a preocupação da entrada de luz natural e ventilação


nas áreas comuns/acessos como Nuno Portas explica A experiência foi interessante, por
termos conseguido “abrir” a torre ao meio para que o patamar de acesso aos elevadores
e escada tivesse ar e luz do dia, e uma pequena área de estar aberta ao sul (…) (Portas,
2002: 50.). De facto, a volumetria da torre seduz a luz para o seu centro, criando
coincidentemente uma dinâmica nas fachadas. Na planta é representada a vontade de
união entre a cozinha e a sala, através da utilização de um passa-pratos. Este é um
elemento repetido em todas as tipologias, mesmo na mais pequena – T1. Também neste
caso, é percetível novamente a intenção da colocação de uma área de arrumação no
hall de entrada. A lógica da organização do fogo, é a criação de uma parede técnica,
distribuindo o motor pela parede interior do fogo, ao longo duma zona distributiva e
deixando o resto da área livre para o desdobramento das divisões. Uma das oposições
que desde o prédio de rendimento não desapareceu até aqui, e que continua a funcionar
como matriz determinante no fogo é entre público/privado. A tipologia grande - T4, tem
uma característica interessante, pois permite a intercomunicação entre um dos quartos e
a sala, a nosso ver justificar-se-á para utilização de um escritório por exemplo, devido ao
carácter menos privado que automaticamente assume.

3.5.2 Caso de Estudo 14 – Olivais Sul, categoria II (1960-61)

Fig. 46. Olivais Sul, cat II. Fachada e pormenor de fachada, fotografias da autora.

73
Questões determinantes iniciais

Este caso de estudo pertence ao Plano dos Olivais Sul, realizado também no
GTH pelos arquitetos Rafael Botelho, Carlos Duarte, Mário Bruxelas, Celestino de Castro
e António Pinto de Freitas. Foi um projeto realizado em 1960/1961, menos de um ano
antes da Guerra Colonial que levou a uma crise económica e política em Portugal. À
semelhança do que aconteceu no Plano dos Olivais Norte, também aqui foram pensados
e projetados edifícios de várias categorias. O caso de estudo 14 debruça-se sobre um
edifício em torre de categoria II, destinado exclusivamente para habitação com sete
pisos e 4 tipologias T2 por piso. Os acessos verticais são compostos por dois elevadores
e uma caixa de escadas, colocados de maneira a ocuparem pouca área de fachada e o
mais central possível. Os fogos organizam-se em plantas quase quadradas, em redor
dos acessos verticais. Cada fogo é composto por dois quartos, uma sala, uma cozinha e
uma I.S. completa.

Aspetos particulares analisados

Fig. 47. Olivais Sul, cat II planta tipo, in GTH, 1980 : 29.

74
Fig. 48. Análises realizadas pela autora utilizando a fig. 47.

Estrutura Distributiva do Fogo

Este fogo apresenta uma estrutura distributiva com alguma hierarquia, com duas
zonas de distribuição, uma de carácter privado e outra mais pública. A entrada é feita
para uma pequeno hall (1.8mx1.3m), que dá acesso à cozinha, à sala e a outro espaço
distributivo (2mx1m) que acede a um dos quartos. Há ainda uma área de distribuição de
carácter privado que faz a transição entre três divisões, a sala e a casa de banho e o
outro quarto. Os vãos interiores entre divisões e áreas de distribuição têm todos
aproximadamente 0.75m.

75
Partição da Casa

Neste fogo a distribuição da AU é de 34% para o uso privado, 24% para o uso
social e 22% para os serviços. A comunicação entre espaços de usos diferentes
acontece entre a sala e a cozinha, através de um vão interior. A sala acaba por assumir
um papel central no fogo e também distributivo. A área da cozinha é colocada
estrategicamente junto a uma das duas paredes exteriores do fogo, mas interiores no
edifício, libertando assim as fachadas mais privilegiadas para as outras divisões. A casa
de banho é colocada entre os dois quartos, sendo acedida através da área de
distribuição privada.

Elementos da Casa

Cada fogo tem duas paredes exteriores com vãos, uma parede exterior com o
vão da porta de entrada e uma parede exterior sem vãos, partilhada com outro fogo. A
fachada correspondente aos dois quartos e à I.S. tem apenas dois vãos exteriores,
ambos de peito, um (0.9m) do quarto e outro mais pequeno (0.4m) da casa de banho. A
outra fachada dotada de vãos exteriores corresponde a três divisões, à cozinha, à sala e
a um dos quartos. Os vãos da cozinha e do quarto são de peito, o da sala é de sacada
com varanda. Há ainda um recuo da fachada entre a sala e o quarto, permitindo ao
quarto aceder através de um vão de sacada à varanda. O vão de peito da cozinha, tem
uma zona de estendal protegida por uma estrutura metálica.

Aspetos Arquitetónicos Relevantes

Esta torre onde incide o caso de estudo 14, também permite a entrada de luz e
ventilação no patamar de acessos, criando um elemento dinâmico na fachada
contrapondo com as linhas direitas e simples das plantas. O fogo apresenta um
elemento bastante extravagante e chamativo, uma sala que se desenrola para o interior
do fogo. O facto de a planta ser praticamente quadrangular, e ter apenas duas arestas
exteriores, cria automaticamente uma área mais escura, onde a solução encontrada foi o
“puxar” a sala para o interior de forma a trazer alguma luz natural. Com esta
organização, a sala assume uma forma dinâmica com ângulos em planta, que se
desenvolve na diagonal, servindo de elemento aglutinador de todas as divisões. Este é
mais uma vez o reflexo da sala a assumir um papel principal no fogo, quer seja de
caracter distributivo e permeável ou local de comunhão familiar. Neste fogo o motor é
dividido em duas partes, a cozinha estende-se ao longo duma das paredes e a I.S. é
colocada na parede oposta, intercalada com os quartos. A oposição público/privado está
bastante demarcada neste fogo, através da separação das áreas distributivas e da fácil
comunicação entre sala/cozinha.

76
3.5.3 Caso de Estudo 15 – Olivais Sul, categoria III (1960-61)

Fig. 49. Olivais Sul, cat. III. Fachada e pormenor da caixa de escadas exteriores, fotografias da
autora.

Questões determinantes iniciais

Este exemplo vem no seguimento do caso de estudo anterior, pertence ao


mesmo Plano dos Olivais Sul mas à categoria III. A organização do edifício é bastante
idêntica à organização do caso de estudo anterior, uma torre destinada a habitação com
quatro fogos por piso, dispostos em redor dos acessos verticais. O fogo é então
composto por: dois quartos, uma sala, uma cozinha com espaço de estendal e uma I.S
completa.

77
Aspetos particulares analisados

Fig. 50. (em cima) Olivais sul, cat III planta tipo, in GTH, 1980 : 30. (em baixo) Análises realizadas
pela autora utilizando a mesma planta.

Estrutura Distributiva do Fogo

Neste exemplo a estrutura distributiva é bastante hierarquizada, a entrada é feita


para um hall (2.5mx2m) com um armário, que através de um vão interior acede à sala. É
a partir da sala que se acede à cozinha, ou a outro hall (1.3mX2m), que dá então acesso
aos quartos e à I.S. Há assim duas áreas de transição, aumentando o grau de
privacidade com o segundo hall. Enquanto o primeiro hall faz a transição entre
público/privado, o segundo faz a transição entre social/privado.

78
Partição da Casa

A distribuição da AU neste fogo é feita da seguinte forma, apenas 18,5% para o


uso privado, a maior percentagem, 31%, para o uso social e apenas 11% para os
serviços. Um aspeto principal. Uma das características principais deste fogo é a
utilização da sala como elemento distributivo, sendo portanto obrigatória a comunicação
direta entre esta e outras divisões. Neste caso, a sala comunica diretamente com a
cozinha, e com o segundo hall de distribuição.

Elementos da Casa

Todas as divisões são dotadas de um vão exterior, sendo que o vão da casa de banho é
de dimensões mais reduzidas. Os vãos exteriores dos quartos são de peito, o vão
exterior da sala é de sacada com varanda e o vão exterior da cozinha é de peito. A zona
de estendal é composta por elementos físicos na fachada, junto ao vão exterior da
cozinha.

Aspetos Arquitetónicos Relevantes

Esta torre assemelha-se à anterior, mantendo a organização do espaço


doméstico mas numa versão otimizada. A sala continua a ser a peça principal do fogo,
elemento que aglutina as funções de distribuição, aglutinação de espaços e de
permanência principal. O motor mantém-se separado em paredes opostas, a cozinha e a
sala comunicam diretamente enquanto a casa de banho adquire um maior nível de
privacidade através dum hall de ligação com a sala. Os princípios geradores deste
edifício são os mesmos que o caso de estudo anterior, alterando apenas a qualidade das
áreas que permite a este pertencer a uma categoria superior. Visualmente, tanto em
alçado como em planta, este exemplo assume formas mais rígidas e “limpas”, tal como
um maior número de pisos que lhe confere uma linguagem mais maciça e imponente.
Continua a ser marcante a oposição entre público/privado neste fogo, sendo que
assumindo como público a sala e a cozinha, e privado os quartos e a instalação
sanitária, o público ocupa aproximadamente 3/5 do fogo.

79
3.5.4 Caso de Estudo 16 – Olivais Sul, categoria IV (1960-61)

Fig. 51. Olivais Sul cat. IV. Duas das fachadas, fotografias da autora.

Questões determinantes iniciais

Este é o último exemplo do Plano dos Olivais Sul, pertence à categoria mais
elevada (IV) e foi projetada pelos arquitetos Jorge Ribeiro Ferreira Chaves e Goulartt de
Medeiros. O edifício desenvolve-se em torre com os acessos verticais ao centro,
compostos por elevadores e duas caixas de escadas, umas interiores e outras
exteriores. Cada piso tem quatro fogos, dois de tipologia T3 e dois T4, para efeitos de
análise optámos pela tipologia maior. A lógica dos fogos é a mesma, daí termos optado
pela tipologia T4 que é composta por quatro quartos, uma sala, uma cozinha e duas I.S.
completas.

80
Aspetos particulares analisados

Fig. 52. Olivais Sul, cat. IV planta tipo, in GTH, 1980 : 31.

Fig. 53. Análises realizadas pela autora utilizando a fig. 52.

Estrutura Distributiva do Fogo

A lógica de distribuição do fogo é igual nas duas tipologias, embora utilizemos o


T4 como base da análise, esta pode ser aplicada também ao T3. Este fogo apresenta
uma estrutura distributiva relativamente hierarquizada, tendo em conta as duas áreas
distributivas: um hall, um corredor e outro hall. À entrada há um primeiro hall (2.3mx2m)
que distribuiu para a sala e a cozinha ou para o corredor (1mx5.6m), fazendo então de
charneira entra público privado. O corredor assume um carácter semiprivado, acedendo
a um primeiro quarto, às instalações sanitárias e ainda ao um segundo hall (2.2mx3m),
esse de carácter totalmente privado cuja função é o acesso aos outros quartos. Os vãos

81
interiores entre as zonas de distribuição e as divisões são todos de aproximadamente
0.8m.

Partição da Casa

Nesta tipologia os usos privados ocupam a maior percentagem de AU, 38%, o


uso social tem quase a mesma expressão com 29%, e por fim 16% da AU é destinada
aos serviços. O fogo desenvolve-se longitudinalmente, espelhados dois a dois, e
ocupando as paredes de charneira entre fogos com as instalações sanitárias. A sala e a
cozinha são as divisões mais próximas da entrada, aumentando a privacidade das
restantes divisões.

Elementos da Casa

A organização do fogo é feita de forma às divisões estarem quase todas numa


sequência longitudinal, de forma a poderem beneficiar de vãos exteriores na mesma
fachada. Assim sendo, apenas as casas de banho e um dos quartos, é que não estão no
seguimento das restantes divisões. A sala é a divisão com maior comunicação com o
exterior, sendo favorecida com um vão no total de aproximadamente 5 metros, de
sacada com varanda. A cozinha também tem um vão que dá acesso a uma área
semiexterior, com a função de tratamento e secagem da roupa. Os quartos têm todos
vãos de peito exteriores, três dos quartos têm apenas um vão, e o quarto maior tem dois
vãos exteriores. As únicas divisões sem vãos exteriores são as instalações sanitárias,
recorrendo assim a ventilação e iluminação artificiais.

Aspetos Arquitetónicos Relevantes

A torre de categoria IV exibe uma linguagem mais próxima do caso de estudo


anterior, estendendo-se na horizontal reduzindo portanto a ideia de monumentalidade.
Na fachada são os topos que apresentam a maior dinâmica, através da aparente “dobra”
da empena que ao separar-se das fachadas cria uma maior área de vãos. Ao contrário
do exemplo da categoria II, caso de estudo 14, aqui as fachadas exprimem linhas mais
simples e elementares, enquanto a planta se transforma num contraste entre linhas
verticais, horizontais e diagonais. Dos extremos do edifício até ao centro, onde se situa o
patamar dos acessos, as paredes assumem ângulos diferentes, começando nos
extremos perpendiculares à malha estrutural, e adotando alguns ângulos no centro
criando áreas menos comuns. A sistematização da planta remete-nos para o conceito
casa-chave de Xavier Monteys já referido no caso de estudo 10. O papel de divisão
principal é assumida pela sala, cujas paredes como referimos anteriormente, não são
perpendiculares entre si, deixando os pilares à vista contribuindo para uma dinamização

82
do espaço. É portanto assumida a estrutura visualmente, sendo ocultada no resto da
casa. Mantém-se a relação de proximidade entre a sala a cozinha, e em simultâneo,
entre as instalações sanitárias e os quartos. Mais um exemplo da prevalência da
oposição público/privado, marcada pelo uso do hall como elemento de acesso e
distribuição das áreas assumidas como públicas, e o uso do corredor para acesso aos
quartos.

3.6 1970/1990- Pós-Modernismo


No início da década de 70, em Portugal a arquitectura tinha consolidado a sua
maioridade, conseguindo libertar-se de boa parte dos limites impostos por um poder
político que dela não podia prescindir (Fernandez, 1998: 62). Ora depois dos grandes
planos de Olivais e Chelas, a cidade já não carecia de habitações para alojamento em
massa da maneira que tinha acontecido anteriormente. Este período entre 1970 e 1980
“sofreu” com o 25 de Abril, pós 25 de Abril que trouxe para Portugal os retornados das
ex-colónias. Após o 25 de Abril, as operações SAAL tiveram uma extrema importância
na habitação social, em paralelo surgiram projetos privados e marcantes como por
exemplo as torres das Amoreiras. Para os casos de estudo deste período, optámos por
uma torre do arquiteto Francisco Conceição Silva, que embora tenha tido uma forte
presença em projetos de carácter social, explorou em Alfragide uma torre de habitação
destinada a uma classe social alta, e por último fechamos a tabela de casos de estudo
com um prémio Valmor do arquiteto Tomás Taveira.

83
3.6.1 Caso de Estudo 17 – Torres de Alfragide (1968/1973).

Fig. 54. Torres de Alfragide. Fachadas e pormenor de fachadas, fotografias da autora.

Questões determinantes iniciais

Este é o único caso de estudo que não pertence à cidade de Lisboa, no entanto
optámos por mantê-lo devido às suas qualidades arquitetónicas. Este exemplo insere-se
na freguesia de Alfragide, município da Amadora, e foi construído em 1973. A nível
político e social enquadra-se no ano anterior ao 25 de Abril, antecedendo portanto a um
período de grande instabilidade a todos os níveis. Projetado pelo atelier Conceição Silva,
as torres são destinadas a habitação com 4 ou 5 fogos por piso, dependendo da
existência de duplex. A maioria das habitações são tipologias T3, variando a
organização, há ainda algumas tipologias com quarto de criada com I.S. Para a tabela de
análise, optámos pela tipologia B, constituída por três quartos, uma sala, uma cozinha
com zona de estendal e duas instalações sanitárias. Os acessos verticais do edifício são
um núcleo central composto por elevadores, uma caixa de escadas e ainda uma queda
de lixos.

84
Aspetos particulares analisados

Fig. 55. Torres de Alfragide planta tipo.

Fig. 56. Análises realizadas pela autora utilizando a fig. 55.

85
Estrutura Distributiva do Fogo

A distribuição do fogo é assumida por um corredor em L, onde a entrada é feita a


meio, numa pequena área com um armário. O corredor tem 1m de largura e no seu total
10.3m de comprimento (6.8m+3.5m), assumindo o maior grau de privacidade nos topos
que acedem aos quartos e às instalações sanitárias. Na área mais próxima da entrada
do fogo, acontece para um lado a transição para a cozinha, e para o outro a entrada para
a sala. Os vãos interiores entre o corredor e as divisões oscilam entre 0.70m e 0.80m,
sendo que os mais pequenos correspondem às casas de banho e os outros às restantes
divisões.

Partição da Casa

A distribuição da AU no fogo é feita da seguinte forma, 37% para o uso privado,


22% para o uso social e 22% para os serviços. O fogo desenvolve-se em vários
compartimentos, cada divisão é um volume assumido, sendo visível na fachada. As
instalações sanitárias encontram-se próximo dos quartos, e a dispensa é
estrategicamente colocada dentro da cozinha.

Elementos da Casa

O fogo é organizado de forma a cada divisão ser um volume assumido, criando


assim vários volumes tanto em planta como em alçado. Esses volumes estão
desencontrados em planta, criando pequenos espaços para a abertura de vãos
exteriores, que embora tenham a mesma orientação encontram-se em planos diferentes.
Cada quarto tem um vão exterior, sendo que um dos quartos terá sido pensado como o
quarto principal por ter um vão de sacada com varandim, enquanto os outros dois
quartos apenas têm um vão de peito. A sala têm um vão exterior com cerca de 2.7m de
sacada com varanda, uma das casas de banho tem também um vão exterior alto, e a
outra casa de banho é interior, ficando então privada do contacto direto com o exterior. A
cozinha tem um vão exterior com aproximadamente 3 metros, beneficiando de uma zona
de estendal, com elementos protetores maciços visíveis na fachada.

Aspetos Arquitetónicos Relevantes

Esta torre tem a particularidade de apresentar quase na maioria tipologias T3, no


entanto todas as cinco divisões a que cada patamar de escadas dá acesso, são
diferentes umas das outras. Aqui só há repetição de piso para piso, e mesmo esses
oscilam devido à existência dos duplex. Embora seja uma torre dos anos 70, volta a
aplicar princípios dos anos 40 como o quarto da criada. Mais uma vez assumimos que se

86
deve ao facto de as classes sociais mais elevadas terem a possibilidade financeira de
contratar uma criada a tempo inteiro, nesse caso terá de haver separação no fogo.
Contrastante com esse hábito “antigo”, neste caso de estudo, além da existência de
duplex, em qualquer que seja a tipologia, cada divisão é assumida como um volume
independente em planta e em alçado, reproduzindo linhas perpendiculares e formas
maciças. Na planta que analisámos, é notável a distinção entre o quarto principal e os
secundários, reflexo da hierarquia familiar. Todas as divisões que se destinam a função
dormir, usufruem de um armário que está integrado na matriz organizadora do fogo, tal
como se começou a verificar nos exemplos da Mudança de Paradigma. A sala mantém a
posição principal no fogo, centralizada e próxima da entrada e da cozinha.

3.6.2 Caso de Estudo 18 – Complexo Habitacional Olaias (1982)

Fig. 57. Complexo Habitacional Olaias. Fachada principal e traseiras, fotografias da autora.

Questões determinantes iniciais

O último caso de estudo pertence ao projeto do arquiteto Tomás Taveira,


Complexo Residencial da Quinta das Olaias, prémio Valmor de 1982, atribuído apenas
em 1984. Enquadra-se num período, entre o pedido da adesão de Portugal à
Comunidade Europeia aceite (1978), e o tratado de adesão (1985). Este complexo

87
habitacional é desenvolvido em banda e tem tipologias T2, T3 e T4 em duplex. Os
acessos verticais são compostos por dois elevadores e uma caixa de escada, cada
núcleo destes dá acesso a dois fogos por piso. Para a análise que se segue, optámos
pela tipologia T3 composta por três quartos, uma sala, uma cozinha e duas I.S.

Aspetos particulares analisados

Fig. 58. Complexo Habitacional Olaias, planta tipo, in Fernandes e Lacerda, 1985 : 7.

fig 59. Análises realizadas pela autora utilizando a fig. 58

Estrutura Distributiva do Fogo

Embora tenha esta análise sido feita com base na tipologia T3, o T2 segue
exatamente a mesma organização e lógica. A entrada no fogo é feita para um hall
(3.4mx2m), sendo que a divisão mais próxima é a cozinha. Todas as outras divisões são
acedidas pelo hall, embora se possa verificar três níveis de proximidade à entrada do
fogo. No primeiro nível, de carácter menos privado, há o acesso à cozinha, num segundo
nível de privacidade há a entrada para um dois quartos e uma I.S., e para a sala, por fim
num último nível de privacidade há a entrada para o outro quarto e a outra I.S.

88
Partição da Casa

Neste exemplo a percentagem maior de área útil é definida para o uso privado,
ocupando assim 40%, o uso social ocupa 29%, e para os serviços são atribuídos 19% do
total da AU. Há comunicação direta entre a cozinha e a sala, tanto através da partilha do
espaço, como através da utilização de um passa-pratos. O fogo desenvolve-se
perpendicularmente à banda, beneficiando assim das duas fachadas do edifício. À
fachada de rua corresponde a zona pública da casa, enquanto à fachada tardoz
corresponde a zona privada.

Elementos da Casa

Todas as divisões têm um vão exterior, à exceção das instalações sanitárias,


são todas de peito, sendo que a sala é a divisão mais exposta ao exterior. A cozinha tem
um espaço semiexterior, onde são utilizadas paredes exteriores perfuradas. As
instalações sanitárias encontram-se próximo dos quartos, e centrais no fogo, daí não
serem dotadas de vãos exteriores

Aspetos Arquitetónicos Relevantes

Este complexo é dotado duma expressão visual bastante forte, desde as cores,
aos vãos em forma circular até à colocação de colunas técnicas no exterior. A
composição visual de elementos geométricos, e a aplicação de três cores: verde,
amarelo e rosa/magenta, consoante o tipo de elementos, confere ao edifício uma
linguagem arquitetónica própria. Em planta as soluções apresentadas partilham a
mesma lógica funcional, independentemente da tipologia. Analisando o fogo T3, a
organização dos espaços remete automaticamente para a oposição público/privado,
sendo a zona pública composta pela cozinha e a sala intercomunicantes entre si, e a
zona privada pelos quartos e casa de banho. Volta a ser visível de alguma forma a
oposição entre dia/noite em paralelo com frente/traseiras, a frente é usufruída pelas
divisões “diurnas” – sala, cozinha, enquanto as traseiras são usufruídas pelas divisões
“noturnas” – quartos. Este edifício acaba por unir conceitos e matrizes antigas com
alguns ideais modernistas, dos conceitos antigos estão representados: distribuição dos
fogos esquerdo/direito, oposição frente/fachada; de princípio modernista são notáveis: as
tipologias em duplex, as áreas mínimas seguindo os ideais funcionalistas e a
aproximação entre a cozinha e a sala.

89
3.7 Síntese
Após a análise linear caso a caso, podemos constatar alguns factos, agora de uma
forma comparativa entre os dezoito exemplos, comparando áreas úteis, número e
variedade de divisões, estruturas distributivas, e programa do edifício.

E visível uma redução significativa do número de divisões ao longo do tempo, tendo


sido a aprovação do RGEU o momento de mudança. Os casos de estudo selecionados,
até aos finais dos anos quarenta têm entre cinco a treze divisões, comparativamente
com os edifícios habitacionais de tipologias entre T1 e T4 pós-RGEU. Além da
diminuição do número de quartos e salas, as próprias divisões assumem áreas e
expressões no fogo diferentes: nos exemplos anteriores ao RGEU, há divisões maiores e
mais pequenas que assumem funções distintas consoante a localização no fogo; nos
exemplos posteriores ao RGEU é clara a intenção de hierarquia entre sala/quartos. Esta
distinção acontece por motivos económicos, na tentativa de reduzir os custos cumprindo
com o regulamento, só poderiam existir divisões iguais se todas cumprissem as áreas
mínimas para sala, resultando no aumento do custo.

A divisão da cozinha sofreu a alteração mais evidente, deixando de ocupar a


extremidade do fogo e aproximando-se da entrada, e em simultâneo da sala, que mais
tarde passou a acumular as funções de estar e comer. Acontece uma inversão entre
cozinha/quartos, inversão essa que permitiu os quartos usufruírem das áreas mais
privadas do fogo. A lógica da proximidade entre cozinha/sala de refeições e
quartos/instalações sanitárias, manteve-se constante ao longo do tempo como matriz
organizadora do fogo. Nos anos trinta foi introduzido o hall como elemento recetor,
permanecendo atualmente nas habitações assumindo um papel primordial nos fogos.

Comparando os modelos familiares referidos anteriormente, é possível verificar uma


materialização de alguns dos valores base, na organização do fogo. O primeiro modelo
influência a separação sexual das divisões, deixando transparecer o nível secundário do
papel da mulher, o segundo modelo – família fusão – transporta a centralidade e a união
para a sala que passa a ocupar um papel principal na casa. Por fim, o terceiro e último
modelo – família associação – mantém a centralidade da sala, assim como a
independência dos quartos, mas não é evidente uma “marca” distinta deste modelo, pelo
menos nos casos escolhidos.

90
4 Conclusão

4.1 Concretização dos objetivos


Após o trabalho de pesquisa e análise realizado nesta dissertação, com o objetivo
de refletir sobre os fatores sociais decisivos para a habitação, em Lisboa durante o
século XX, podemos depreender que há um conjunto de coeficientes determinantes para
a construção das casas, de raiz social, política, histórica e artística ou intelectual.

Portugal passou por uma Primeira República entre 1910 e 1926, que conduziu
quase 50.000 portugueses a imigrarem principalmente, para o Brasil, e que travou desde
início uma “luta” contra a Igreja. A entrada na guerra ao lado de Inglaterra deixou o país
com uma dívida que foi paga nos anos que se seguiram, ao custo do empobrecimento
das classes média e baixa, durante um período de grande instabilidade política. Num
panorama europeu de ditadura, o Estado Novo distinguiu-se pelo seu autoritarismo
principalmente com a PIDE; marcou o seu lugar nas construções públicas e privadas,
onde as linhas construtivas assumiam uma analogia ao poder, e ainda foi realizada da
Exposição do Mundo Português em 1940, na tentativa de enaltecer o país no cenário da
II Guerra Mundial. A ajuda financeira vinda do Plano Marshall permitiu a Portugal, um
desenvolvimento global que se estendeu em vários novos ramos (Cimentos, Refinação
do petróleo, construção naval, entre outros), tendo contribuído também para a
construção de edifícios estatais. O país assistiu a um despovoamento do interior,
aumentando a população nas grandes cidades e consequentemente um aumento do
sector terciário como reflexo de uma sociedade pós industrial, assim como também se
propiciou um aumento no sector do turismo. Houve uma mudança de pensamentos e de
hábitos, produto de influência europeia, colaborando para um aumento da população
literata inclusive do género feminino. Depois do 25 de Abril, Portugal recebeu um grande
número de retornados, aumentando a procura à habitação. Os anos seguintes foram
bastante instáveis economicamente, socialmente e politicamente, marcando a mudança
a entrada do país na CE em 1986.

Todos estes fatores contribuíram para várias janelas de oportunidade para a


criação de novas habitações, permitindo aos arquitetos, engenheiros e sociólogos,
estudarem e testarem modelos habitacionais variados, impulsionados também pelo
movimento moderno a partir dos anos 40/50, tendo sempre em conta o público-alvo.

Ficou claro para nós, que as várias transições entre as tipologias de edifícios
habitacionais estudadas são originadas por diferentes motivos. A transição entre os
Prédios de Rendimento e os edifícios Rabo de Bacalhau parte de uma lógica higienista,
contudo já é visível uma mudança de modelo familiar, principalmente pelo número de
divisões e com a agregação da sala de estar com a sala de refeições. A transição entre o
Rabo de Bacalhau e a Mudança de Paradigma terá sido a mais contrastante,

91
influenciada pelo Movimento Moderno, onde não só o fogo sofre alterações como
também a lógica do edifício é totalmente posta em perspetiva. Entre a Mudança de
Paradigma e os Novos Bairros, a maior particularidade está assente na oportunidade de
aplicação dos princípios urbanos do Movimento Moderno em novas parcelas da cidade,
e não limitadas ao edifício. Por fim, a transição entre os Novos Bairros e os anos
seguintes a que demos o nome de 1970/1990 – Pós Modernismo, já é mais suave,
devido a uma estagnação do funcionalismo adotado com o RGEU.

Constatamos portanto, que as consequências do RGEU subdividem-se em duas


fases: uma primeira fase que obrigou a uma mudança significativa através de uma
inversão entre quartos/ sala e a uma distinção concreta entre sala/ quartos; e uma
segunda fase onde a normalização se tornou num obstáculo à criatividade resultando em
ideais cristalizados. Assim sendo, podemos perceber que até ao RGEU houve uma
transposição subliminar dos valores sociais e familiares, para a habitação; após RGEU,
as construções habitacionais analisadas, já não transparecem tais valores da mesma
forma, dando lugar a tipologias mais idênticas entre si.

Na tentativa de responder às questões inicialmente colocadas, podemos constatar


que de facto a planta de um fogo permite uma leitura abrangente sobre os valores da
sociedade, à época da sua construção, desde que o observador tenha alguns
conhecimentos que lhe permitam uma contextualização. Quanto aos fatores da
sociedade que mais condicionam os modelos habitacionais, serão todos os descritos nas
reflexões anteriormente apresentadas.

4.2 Perspetivas futuras


Refletindo sobre o trabalho realizado, contabilizando o tempo investido e o produto
conseguido, podemos verificar que é um trabalho que pode ser continuado segundo
duas perspetivas, uma perspetiva temporal, onde estas análises poderiam ser
estendidas até aos dias de hoje; ou numa a perspetiva mais focada nos casos de estudo,
englobando ou mais casos de estudo diferentes, ou dedicados à habitação social.

Concluímos portanto, que esta dissertação pode representar apenas uma secção
de uma malha complexa, que agrega vários campos, como a própria natureza da
disciplina de Arquitetura.

92
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Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=rp9w32C5MuI, consultado em 18
de Julho de 2016

96
Anexos

97
fregues tipologia tipologia AB fogo AU divisões época categorias de análises
nº exemplo data época categoria planta publicação prémio obs
ia edifício fogo m2 quarto sala coz. I.S. outras histórica programa organização estrutura distributiva

pouco hierarquizada / entrada única

prédio rendimento
Avenidas Novas
circulação O saguão na
Av. Visconde 10 + 11 + 14,5
1 1913 1910-20 T5 +1 124 19 8 7 habitação comunicação entre divisões privadas habitação -
Valmor 35 + 16
urbana'

serviços privativo social 48% privado 18% social 14% serviços

muito hierarquizada / entrada única

prédio rendimento
Avenidas Novas

hall comum
22 + 14 + 14 + 30 + 19 + circulação O saguão na
Av. Duque de 11 +
2 1920 1910-20 T13 400 14 + 14 + 17 + 16 + 9,5 + 16 habitação com comunicação directa entre divisões habitação arquitecto Norte Júnior
Ávila 28-30 3,5
15 30,5 hall urbana'

PRÉDIO DE RENDIMENTO
semi-privado

primeira república
serviços privativo social 33% privado 31% social 9% serviços

pouco hierarquizada / entrada única


prédio rendimento
Campo Grande

circulação
Av. 5 de O saguão na
16 + 10 + 10 + 14 + 12 +
3 Outubro 126- 1920 1920-30 T9+1 230 9 10 habitação comunicação entre privado / social habitação -
10 + 10 + 15 25
138 urbana'
serviços privativos ocial
39% privado 28% social 10% serviços

alguma hierarquia / entrada única


prédio rendimento
Coração de Jesus

escritório 14
circulação
16,5 + 12,5 + O saguão na
Rua Castilho 11,5 + 16 3,5 + 4
4 1937 1930-40 T10 245 10 + 15,5 + 10 8,5 habitação comunicação entre privado/serviços habitação -
65 + 27,5 + 3,5
+10 urbana'

serviços privativo social


35% privado 32% social 14% serviços

pouco hierarquizada / entrada única RGCU


prédio rendimento
Coração de Jesus

hall
R. Joaquim
5 António 1937 1930-40 T5 145 20 + 13 + 12 22 + 16 11 7 habitação comunicação entre privado/social GUAL introdução do hall
Aguiar 35
serviços privativo social

35% privado 29% social 14% serviços arquitecto Cassiano Branco


estado novo

alguma hierarquia / entrada única arquitecto Rodrigues Lima


Campo de Ourique

prédio rendimento

hall
R. Almeida e 7 + 11 + 11 + circulação
6 1939 1930-40 T6+1 150 12 + 13 13 6 habitação sem comunicação directa entre divisões GUAL aproximação da cozinha à entrada
Sousa 63 12

RABO DE BACALHAU
serviços privativo social
33% privado 20% social 15% serviços

entrada de entrada muito hierarquizada / dupla entrada

prémio Valmor 1943


prédio rendimento

serviço
Avenidas Novas

hall
escritório 16

Av. António
1942/ 17 + 22 +18 17 + 28 + 8+3+ circulação
7 Augusto 1940-50 T8 278 16 habitação comunicação entre divisões sociais GUAL arquitecto Miguel Simões Jacobetty Rosa
7 +10 31 2,5 + 5
Aguiar 9 hall
semi-privado
guerra / pós-guerra

serviços privativo social 27% privado 37% social 14% serviços

hall hierarquizada através de diferentes áreas de distribuição / entrada única


social
T2 A 78 10 + 15 21 6,5 4,3 sem comunicação directa entre divisões
prédio rendimento

hall
32% privado 27 % social 14% serviços
Areeiro

Rua 1946/ serviços privativo


8 1940-50 habitação - -
Cervantes 4 47 circulação pouco hierarquizada / entrada única
hall
T2 B 78 10,4 + 8,6 21 8,8 4,6 sem comunicação directa entre divisões

serviços privativo social 24% privado 27% social 17% serviços

hall pouco hierarquizada / entrada única


quarteirão aberto nos topos

T3 110 16 +10 + 8,7 23 11 3,6 circulação sem comunicação directa entre divisões RGEU
habitação +
Bairro das piso térreo Revista
Alvalade

1949/ 38% privado 20% social 16% serviços


9 Estacas - 1950-60 com habitação serviços privativo social Arquitectura
55
Célula 8 porteira e hall circulação hierarquizada por pisos diferentes / entrada única nº 53
comércio arquitectos Ruy Athouguia e Sebastião
Duplex T3 110 9 + 9 + 12,8 30 11 3,6 sem comunicação directa entre divisões
Formosinho Sanches
serviços social serviços privativo
30% privado 22% social 16% serviços

hall
hierarquizada através de diferentes áreas de distribuição / entrada única

social
lade

Avenida EUA Arquitectura


da
habitação +

quarteirão aberto n
Bairro das piso térreo Revista

Alvalade
1949/ 38% privado 20% social 16% serviços
9 Estacas - 1950-60 com habitação serviços privativo social Arquitectura
55
Célula 8 porteira e hall circulação hierarquizada por pisos diferentes / entrada única nº 53
comércio arquitectos Ruy Athouguia e Sebastião
Duplex T3 110 9 + 9 + 12,8 30 11 3,6 sem comunicação directa entre divisões
fregues tipologia tipologia AB fogo AU divisões época categorias de análises Formosinho Sanches
nº exemplo data época serviços social serviços privativo
30% privado 22% distributiva
social 16% serviços categoria planta publicação prémio obs
ia edifício fogo m2 quarto sala coz. I.S. outras histórica programa organização estrutura

pouco
hierarquizada através de hierarquizada / entrada
diferentes áreas única / entrada única
de distribuição
hall

rendimento
Novas
social
circulação O saguão na
Av. Visconde
Avenida EUA Alvalade 10 + 11 + 14,5 Arquitectura

prédiobanda
1
10 1913
1953 1910-20
1950-60 T5T3+1 124
130 10 + 11 + 19 19
34 8
7,5 7
5 habitação comunicação
sem entre
comunicação divisões
directa privadas
entre divisões habitação -
arquitectos: Filipe Figueiredo, José Segurado
Avenidas
Valmor
92 35 + 16 hall do Século XX
urbana'

MUDANÇA DE PARADIGMA
serviços privativo

Novo / desenvolvimento financeiro


serviços privativo social 48%privado
31% privado 26%
18% social 14%
10%serviços
serviços

hall
pouco hierarquizada / entrada única

com galeria
muito hierarquizada / entrada única
T1 130 20 44 10 7
prédio rendimento
circulação comunicação entre privado / social
de Ourique

habitação +
Novas

hall comum
22 + 14 + 14 + 30 + 19 + serviços circulação O saguão na
Av. Duque de 11 + 18% privado 40% social 16% serviços
2 Bloco Águas 1953/ Ohabitação
Bloco das
bloco habitacional

serviços privativo social


11 1920 1910-20
1950-60 T13 400 14 + 14 + 17 + 16 + 9,5 + 16 habitação
complementar com comunicação directa entre divisões arquitecto
arquitectos NunoNorte Júnior
Teotónio Pereira
Avenidas

Ávila 28-30
Livres 55 3,5 hall Águas Livres'
15 30,5 es à habitação alguma hierarquia / entrada única urbana'
Campo

hall

PRÉDIO DE RENDIMENTO
24 + 13 + 22 + 8+5+ semi-privado
+ escritórios

república
T4 230 50 10 circulação sem comunicação directa entre divisões
14 3,5 serviços privativo social 33% privado 31% social 9% serviços

primeiraEstado
serviços privativo social 36% privado 24% social 13% serviços

apogeu
pouco hierarquizada
bastante hierarquizada / entrada
/ dupla entrada únicadistribuição
/ dupla
rendimento

entrada de entrada
Grande

serviço circulação

quarto criada
Av. 5 de O saguão
Atlas na
Av. Infante 16 + 10
10,5 + 10
+ 11 + 1413,5
+ 10 + 12+ + 5 +103,5 circulação arquitectos: Alberto Pessoa, Hernani Granda,
Estrela

prédiobanda

3 Outubro
12 126- 1920 1920-30
1956 1950-60 T9+1
T3 230
128 9
10 habitação
habitação comunicação entre
comunicação entre social
privado / social
/ serviços habitação
Urbanístico -
10 ++10
7,5+ 15 25
Campo

Santo
13857 16,5 + 2,5 urbana' João Abel Manta
de Lisboa
serviçosserviçosprivativos
social privativo
ocial
39%
27% privado
privado 28%
27% social
social 10%
25% serviços
serviços

pouco hierarquizada / entrada única


alguma hierarquia / entrada única
rendimento

prémio Valmor 1967


T1 47 10 14 6,5 3 hall
de Jesus

comunicação entre serviços / social através de passa-pratos

escritório 14
circulação
circulação
16,5 + 12,5 + O saguão na
Rua Castilho 11,5 + 16 3,5 + 4 27% privado 38% social 26% serviços
4 Olivais Norte 1955/ arquitectos: Nuno Teotónio Pereira, Nuno
Olivais

1937 1930-40 T10 245 10 + 15,5 + 10 8,5 habitação comunicação entre privado/serviços habitação -
prédiotorre

13 65 1950-60 + 27,5 + 3,5 habitação GUAL


Coração

cat II 58 +10 urbana' Portas, António Pinto de Freitas


pouco hierarquizada / entrada única
serviços privativo social
T3 95 10 + 12 19,5 8 3 serviços privativo social comunicação
35%entre serviços
privado 32%/social
social 14%
através de passa-pratos
serviços
28% privado 25% social 14% serviços

pouco hierarquizada / entrada única RGCU


alguma hierarquia / entrada única
rendimento
Olivaisde Jesus

hallhall

R. Joaquim circulação

5 António
Olivais Sul 1937 1930-40
1960/ T5 145 20 + 13 + 12 22 + 16 11 7 habitação comunicação entre privado/social GUAL introdução do hall
torre

14 1960-70 T2 77 12 + 11,5 16,5 12 3,5 habitação GUAL arquitectos Bruno Costa Cabral e Nuno Portas
Coração

comunicação entre social / serviços e social/ privado


Aguiar
cat II35 61
prédio

serviços
serviços privativo
privativo social
social

NOVOS BAIRROS
35% privado 29% social 14% serviços arquitecto Cassiano Branco
Salazarnovo

34% privado 24% social 22% serviços


crises / guerra colonial / fim de estado

alguma hierarquia / entrada única arquitecto Rodrigues Lima


alguma hierarquia / entrada única
de Ourique

rendimento

hall
hall
R. Almeida e 7 + 11 + 11 + circulação social
6 Olivais Sul 1939 1930-40
1960/ T6+1 150 12 + 13 13 6 habitação sem comunicação directa entre divisões GUAL arquitectos Fernando
aproximação G da silva
da cozinha e Octávio
à entrada
Olivais

torre

15 Sousa 63 1960-70 T2 109 9,512+ 8 29,5 7,5 3 habitação comunicação entre social / serviços GUAL
cat III 61 hall Rego Costa
Campo

prédio

RABO DE BACALHAU
serviços privativo social
serviços privativo
33% privado 20% social 15% serviços
18,5% privado 31% social 11% serviços

entrada de entrada muito hierarquizada / dupla entrada


alguma hierarquia / entrada única

prémio Valmor 1943


rendimento

serviço
Olivais Novas

hall
escritório 16

Av. António hall


1942/ 17 + 22 +18 17 + 28 + 8+3+ circulação circulação
7 Augusto
Olivais Sul 1960/ 1940-50 T8 278 10 + 10 + 15 + 16 3,5 + habitação comunicação entre divisões sociais GUAL arquitecto J.
arquitectos Miguel Simões
Ferreira Jacobetty
Chaves Rosa
e Goulartt de
Avenidas

torre

16 7 1960-70 T4 145 +10 31


37 14 2,5 + 5 habitação sem comunicação directa entre divisões GUAL
Aguiar
cat IV9 61 13 2,5 Medeiros
prédio

hall
semi-privado
guerra / pós-guerra

serviços privativo social


serviços privativo social 27% privado 37% social 14% serviços
38% privado 29% social 16% serviços

hall hierarquizada através de diferentes áreas de distribuição / entrada única

semalguma hierarquia / entrada


entre única
25 abril / Verão Quente

T2 A 78 10 + 15 21 6,5 4,3 hall


social
comunicação directa divisões
rendimento

circulação
hall
32% privado 27 % social 14% serviços Jornal
Areeiro

Rua 1946/ serviços privativo


Alfragie

8 Torres de 1940-50 habitação Arquitectos


- -
prédiotorre

17 Cervantes 4 1973
47 1970-80 T3 145 11 + 14 + 19 26 15 7+4 habitação sem comunicação directa entre divisões arquitecto Francisco Conceição Silva

1970/1980 - PÓS-MODERNISMO
Alfragide circulação pouco hierarquizada / entrada única Março/Abril
serviços privativo social
hall 1985
T2 B 78 10,4 + 8,6 21 8,8 4,6 sem comunicação directa entre divisões
37% privado 22% social 22% serviços
serviços privativo social 24% privado 27% social 17% serviços

hall pouco hierarquizada / entrada única


aberto nos topos

hall pouca hierarquia / entrada única


T3 110 16 +10 + 8,7 23 11 3,6 sem comunicação directa entre divisões RGEU

prémio Valmor 1982


habitação
habitação ++ circulação
serviços Jornal
adesão à EU

Bairro das
Complexo piso térreo Revista
Alvalade

1949/ 38% privado 20% social 16% serviços


complementar Arquitectos
quarteirãobanda
Olaias

9 Habitacional
Estacas - 1950-60 com habitação serviços privativo social Arquitectura
18 1982
55 1980-90 T3 95 10 + 10 + 11 22 10 3 + 1,5 comunicação entre social / serviços arquitecto Tomás Taveira
Célula es porteira
à habitação hierarquizada por pisos diferentes / entrada única Março/Abril
Olaias8 e hall
serviços privativo circulação
social nº 53
+comércio
comércio 1985 arquitectos Ruy Athouguia e Sebastião
Duplex T3 110 9 + 9 + 12,8 30 11 3,6 piso térreo sem comunicação directa entre divisões
Formosinho Sanches
serviços social serviços privativo
40% privado 29% social 19% serviços
30% privado 22% social 16% serviços

hall
hierarquizada através de diferentes áreas de distribuição / entrada única

social
de

Avenida EUA Arquitectura


a

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