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da viagem do herói
mentos constitutivos elementares que o filólogo Walter Burkert esboça como se-
gue: de uma perda inicial ou de uma incumbência resulta uma tarefa que o herói
tem de executar. Ele ~e põe a caminho, encontra adversários e ajudantes, consegue
um encantamento mágico decisivo, enfrenta o adversário, vence-o, não raro sen-
do ferido; ele consegue o que procurava, põe-se a caminho de casa, eliminando se-
guidores e concorrentes. No final há um casamento e a subida ao trono. 2
Por mais vezes que essa história tenha sido contada, não importa o número
de contos de fadas e mitos que inspirou, nas imagens, como um todo, ela só to-
mou forma perfeita uma vez: nas 22 cartas dos Arcanos Maiores do tarô. Nos seus
temas não se torna visível apenas o acontecimento arquetípico, mas muitas rami-
ficações de estações isoladas tornam-se transparentes na estrutura das cartas, e o
seu significado torna-se profundamente compreensível para a jornada de vida dos
homens.
Os temas essenciais da viagem do herói foram com certeza lidos no céu. Prin-
cipalmente o movimento dos dois grandes luminares, o Sol e a Lua, que lhe ser-
viram de modelo. Para entender esse segundo plano, é preciso contemplar o mun-
do como ele foi visto .pelos homens durante milênios, antes que cientistas como
Galileu e Copérnico introduzissem a grande mudança.
Sabemos atualmente que a Terra gira em torno de si mesma e do Sol. Mas,
se seguirmos apenas a nossa percepção, o Sol continua aparecendo pela manhã e
pondo-se à noite. Apesar de todos os conhecimentos científicos dos últimos sécu-
los nada mudou nessa experiência para a alma humana. E quando queremos en-
tender a história que a alma nos conta, temos de adaptar-nos à sua realidade e ver
o mundo como ele se apresentava aos homens desde tempos remotos.
2. Ver Walter Burkert, "Mythos und Mythologie" [Mitos e Mitologia], em: Propyliien Geschich-
te der Literatur, vol. 1, p. 14.
ORIGEM E SIGNIFICADO DA VIAGEM DO HERÓi 27
3' Céu
~
Noite (oeste); as duas montanhas Manhã (/este); as duas montanhas
do pôr.cJo-sol I' Céu do noscer do sol
o objetivo do caminho.
o motivo dominante de ambos os percursos do caminho se encontra nos pri-
meiros dois Arcanos. Nas cartas de um só algarismo, a Carta 1 apresenta o tema: Tra-
ta-se de O Mago, que indica o caminho masculino da conscientização, que vai da es-
querda (inconsciente) para a direita (consciente). A Grande Sacerdotisa, a Carta 2, ao
contrário, é a chave para o caminho feminino das cartas de tÚJis algarismos, que vai da
direita para a esquerda e descreve a direção para o escuro, o inconsciente, o misterio-
so - o caminho através dos mistérios. Naturalmente, aqui não se trata do caminho
dos homens e do caminho das mulheres. Para se tornarem inteiros, os homens e as
mulheres têm de percorrer tanto o caminho masculino quanto o feminino. Da mes-
ma forma, a viagem do herói naturalmente é a viagem da heroína, mesmo que a maio-
ria dos mitos que preservamos sejam contados com entonação patriarcal, narrando
unilateralmente a história dos heróis que realizam a grande obra.
O grande psicólogo analítico Carl Gustav Jung descreve a auto-realização co-
mo um processo de individuação, que consiste em descobrir e desenvolver a origi-
nalidade individual, cristalizar o próprio padrão de vida e, dessa forma, em última
análise, encontrar a totalidade. Também esse caminho é dividido - comparável ao
percurso do 501- em dois segmentos, em que se pode ver que a primeira metade
da vida serve ao próprio desenvolvimento e ao crescimento exterior, sendo, ao con-
trário, a retirada para o interior e o encontro com a sombra os temas da segunda me-
tade. O objetivo ou o fruto do caminho de individuação, a personalidade íntegra,
amadurecida para a totalidade é o tema dos últimos três Arcanos Maiores, cartas 19
a 21, que são alcançadas por aquele que percorreu os dois mundos. Elas represen-
tam a volta à luz (O SOL), o mistério da transformação (O JULGAMENTO) e o
reencontro do paraíso (O MUNDO). A 22' carta com a cifra Oé O BOBO. Ela nos
mostra o herói, que segue o curso do Sol, a fim de realizar a grande obra. Dele diz
o palhaço de Shakespeare: ''A tolice, senhor, anda pelo orbe como o Sol."3
3. Shakespeare, Twe/fth Night [Décima Segunda Noite], 3" ato, 2' cena.