Referência: Scott, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica.
Educação e Realidade. V.20 n.2, 2017.
Fichamento Gênero (gender), s., apenas um termo gramatical. Seu uso para falar de pessoas ou criaturas do gênero masculino ou feminino, com significado de sexo masculino ou feminino, constitui uma brincadeira ou um equívoco -Dicionário Oxford. (P.71) - As palavras, as ideias e as coisas têm uma história, sendo assim, a codificação dos seus sentidos é inúteis. (P.71) - As pessoas utilizam de modo figurado os termos gramaticais para evocar os traços de caráter ou os traços sexuais. (P.72) - Feministas começaram a usar a palavra gênero como maneira de se referir à organização social da relação entre os sexos. A referência à gramática é explícita e plena de possibilidades não examinadas. Explícito porque o uso gramatical envolve regras formais que resultam da atribuição do masculino ou do feminino; plena de possibilidades não examinadas porque em muitas línguas indo-europeias há uma terceira categoria, o sem sexo ou o neutro. (P.72) - Mulheres e homens são definidos em termos recíprocos e não se poderia compreender qualquer um dos sexos por meio de um estudo inteiramente separado. (P.72) - “... Nosso objetivo é compreender a importância dos sexos, isto é, dos grupos de gêneros no passado histórico. Nosso objetivo é descobrir o leque de papéis e de simbolismos sexuais nas diferentes sociedades e períodos, é encontrar qual era o seu sentido e como eles funcionavam para manter a ordem social ou para mudá-la.” -Natalie Davis (1975). (P.72) - Gênero é um termo proposto por aqueles que sustentavam que a pesquisa sobre as mulheres transformaria os paradigmas disciplinares. Inscrever as mulheres na história implica necessariamente a redefinição e o alargamento das noções tradicionais daquilo que é historicamente importante, para incluir tanto a experiência pessoal e subjetiva quanto as atividades públicas e políticas. Tal metodologia implica uma nova história, está nova história incluiria a experiência das mulheres, essa nova história faz analogia com classe e raça. Sendo assim, gênero, classe e raça são três categorias cruciais para a escrita da nova história. O interesse por essas categorias estava relacionado, em primeiro lugar, com o envolvimento do(a) pesquisador(a) com uma história que incluía as narrativas dos(as) oprimidos(as) e uma análise do sentido e da natureza de sua opressão e, em segundo lugar, uma compreensão de que as desigualdades de poder estão organizadas ao longo de, no mínimo, três eixos. (P.73) - Para os(as) historiadores(as) das mulheres, não tem sido suficiente provar que as mulheres tiverem uma história, que participaram das principais revolta políticas da civilização ocidental, já que, a maioria dos(as) historiadores(as) não feministas reconhecem a história das mulheres, mas a confinam ou relegam a um domínio separado, ou seja, as mulheres tiveram uma história separada da dos homens. (P.74) - As tentativas dos(as) historiadores(as) para teorizar o gênero ficaram presas aos quadros de referência tradicionais das ciências sociais. Estas teorias tiveram uma limitação, já que elas têm tendência a incluir generalizações redutivas ou simples. As abordagens utilizadas pela maioria dos(as) historiadores(as) se dividem em duas categorias: 1° descritiva, refere-se à existência de fenômenos ou de realidades, sem interpretar, explicar ou atribuir uma causalidade; 2° ordem causal, teoriza sobre a natureza dos fenômenos e das realidades, buscando compreender como e porque eles tomam as formas que têm. (P.74) - O gênero como sinônimo de mulheres busca obter o reconhecimento político deste campo de pesquisa. O uso do termo gênero sugere a erudição e a seriedades de um trabalho, já que, gênero tem uma conotação mais objetiva e neutra que mulheres. O termo história das mulheres proclama sua posição política ao afirmar que as mulheres são sujeitos históricos válidos, já o termo gênero inclui as mulheres, sem lhes nomear, e parece, assim, não constituir uma forte ameaça. O termo gênero também é utilizado para sugerir que qualquer informação sobre as mulheres é necessariamente informação sobre os homens, que um implica o estudo do outro. Esse uso rejeita a ideia de esferas separadas e sustenta a ideia que estudar as mulheres de maneira isolada mantém o mito de que uma esfera tenha muito pouco ou nada a ver com o outro sexo. (P.75) - O termo gênero também é utilizado para designar as relações sociais entre os sexos. Seu uso rejeita explicações biológicas, pois o termo gênero torna-se uma forma de indicar construções culturais (as construções sociais são criações sociais de ideias sobre os papéis adequados aos homens e às mulheres). Trata-se de uma forma de se referir às origens sociais das identidades subjetivas de homens e de mulheres. Segundo esta definição, gênero é uma categoria social imposta sobre um corpo sexuado. Gênero oferece um meio de distinguir a prática sexual dos papéis sexuais atribuídos às mulheres e aos homens. (P.75) - O uso de gênero enfatiza todo um sistema de relações que pode incluir o sexo, mas não é diretamente determinado pelo sexo, nem determina diretamente a sexualidade. (P.76) - Conforme os(as) historiadores(as) foram buscando novos objetos de estudo, o gênero passou a tornar relevante temas como mulheres, crianças, famílias e ideologias de gênero. Ou seja, o uso do gênero referente apenas às áreas estruturais e ideológicas que envolvem as relações entre os sexos. Como a guerra, a diplomacia e alta política não estão diretamente relacionadas às relações estruturais e ideológicas, o gênero parece não se aplicar a estes objetos, sendo irrelevante para o pensamento dos(as) historiadores(as) preocupados(as) com questões políticas e de poder. (P.76) - O gênero sublinha o fato de que as relações entre os sexos são sociais, mas não diz como essas relações são construídas, como são suas razões, como funcionam ou como mudam. Sendo assim, o termo gênero é um conceito associado ao estudo de coisas relativas às mulheres. Ou seja, gênero é um novo tema, um novo domínio da pesquisa histórica, mas não tem poder analítico para questionar e mudar os paradigmas históricos exigentes. (P.76) - Ao os(as) historiadores(as) feministas empregarem uma variedade de abordagens na análise do gênero, utilizam três posições teóricas: 1° empenha-se em explicar as origens do patriarcado; 2° baseada em uma tradição marxista, busca um compromisso com as críticas feministas; 3° se inspira na psicanálise para explicar a produção e a reprodução da identidade de gênero do sujeito. (P.77) - A subordinação das mulheres relacionada na necessidade masculina de dominar as mulheres. Segundo Mary O’Brien, a dominação masculina como o efeito do desejo dos homens de transcender sua alienação dos meios de reprodução da espécie. Para Sulamith Firestone, a reprodução era uma amarga armadilha para as mulheres. Ou seja, a reprodução como a chave do patriarcado. (P.77) - Para Mackinnon, a sexualidade está para o feminismo assim como o trabalho está para o marxismo, “é aquilo que mais nos pertence e o que todavia nos é mais subtraído”. Na análise de Mackinnon, ainda que as relações sexuais sejam definidas como socias, não há nada que possa explicar porque o sistema de poder funciona assim. Ou seja, a sexualidade como chave do patriarcado. (P.77) - Para os(as) historiadores(as) as teorias das teóricas do patriarcado apresentam problemas, primeiro porque embora propunham uma análise ao sistema de gênero, elas também afirmam a primazia deste sistema; segundo porque a análise continua baseada na diferença física. (P.78) - Famílias, lares e sexualidades são produtos de modos cambiantes de produção. (P.78) - Para Heidi Hartmann, o patriarcado e o capitalismo são dois sistemas separados, mas em interação, já que o patriarcado está em constante desenvolvimento e modificação por causa das relações de produção. (P.78) - Já para Joan Kelly, os sistemas econômicos e os sistemas de gênero interagiam para produzir as experiências socias e históricas, nenhum dos dois eram causais, mas os dois operam simultaneamente para reproduzir as estruturas de dominação masculina de uma ordem social particular. “A relação entre os sexos opera de acordo com, e através das, estruturas socioeconômicas e também de acordo com as estruturas de sexo-gênero” – Joan Kelly. (P.79) - Segundo Michel Foucault, a sexualidade é produzida em contextos históricos, pela convicção de que a revolução sexual exigia uma séria análise. (P.79) - Para Lacan, a linguagem era o significante central da diferença sexual, já que, através dela era construída a identidade generificada. (P.82) - A história do pensamento feminista é uma história da recusa da construção hierárquica da relação entre masculino e feminino, e uma tentativa para reverter ou deslocar suas operações. (P.84) - O termo gênero faz parte da tentativa empreendida pelas feministas para reivindicar um certo terreno de definição, para sublinhar a incapacidade das teorias existentes, para explicar as persistentes desigualdades entre as mulheres e os homens. (P.85) - Para Scott, gênero é: 1° elemento constitutivo de relações sociais baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos; 2° o gênero é uma forma primária de dará significado às relações de poder. (P.86) - Segundo Joan Scott o gênero implica quatro elementos interrelacionados: 1° os símbolos da mulher; 2° conceitos normativos que expressam interpretações dos significados dos símbolos, que tentam limitar e conter sus possibilidades metafóricas; 3°gênero deve incluir uma concepção de política, bem como uma referência às instituições e à organização social; 4° identidade subjetiva. (P.86 e 87) - Gênero é construído através do parentesco, mas não exclusivamente, já que ele é construído igualmente na economia e na organização política. (P.87) - O objetivo de Joan Scott é clarificar e especificar como se deve pensar o efeito do gênero nas relações sociais e institucionais. (P.88) - O gênero como uma forma de dar significado às relações de poder; gênero como campo no qual, ou por meio do qual, o poder é articulado. (P.88) - “Homem” e “Mulher” são, ao mesmo tempo, categorias vazias e transbordantes. Vazia porque não têm nenhum significado último, transcendente; transbordantes porque mesmo quando parecem fixas, ainda contêm dentro delas definições alternativas, negadas ou suprimidas. (P.93)
Descolonização e Despatriarcalização à Plurinacionalidade e ao Bem-Viver na Bolívia: mulheres na construção de uma Política Feminista Contra-Hegemônica