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ESCOLHA
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A
ESCOLHA
J.R.
WARD
The Chosen Diretor editorial
Luis Matos
Copyright © Love Conquers All, Inc., 2017
Todos os direitos reservados, incluindo os direitos Editora-chefe
de reprodução integral ou em qualquer forma. Marcia Batista
Preparação
Francisco
Sória
Revisão
Juliana
Gregolin
Giacomo
Leone Neto
Capa
Rebecca
Barboza
Arte
Aline Maria e
Valdinei
Gomes
Diagramação
Renato
Klisman
W259e
Ward, J. R.
Bloodletter.
Santa Virgem Escriba, Xcor pensou ao encarar o tremendo
vampiro macho que apareceu na floresta, vindo do nada, lançando-o
para o chão. De fato, apesar de Xcor ter buscado roubar, acabou
tendo que matar… um esquadrão de machos de Bloodletter.
Morreria por isso.
– Não tem nada a dizer? – o grande guerreiro impôs-se ao pairar
acima de Xcor. – Nenhum pedido de desculpas pelo que tirou de
mim?
No vento agora frio, Bloodletter passou por cima de Xcor e foi
apanhar pelos cabelos a cabeça decepada, deixando-a pendurada
com o sangue escorrendo pelo pescoço.
– Você faz ideia de quanto tempo é necessário para treinar um
destes? – O tom era mais de martírio do que de qualquer outra
coisa. – Anos. Você, em apenas uma noite, em apenas uma luta, me
privou de um vasto investimento da porra do meu tempo e energia.
Dito isso, ele lançou o crânio para o lado, e Xcor estremeceu
quando a cabeça quicou pelo gramado.
– Você – Bloodletter apontou para ele – me compensará por isso.
– Não.
Por um instante, Bloodletter pareceu surpreso. Mas depois sorriu
com todos os dentes. – O que disse?
– Não haverá nenhuma compensação. – Xcor se levantou. –
Nenhuma.
Bloodletter lançou a cabeça para trás e gargalhou, o som
trafegando pela noite e espantando uma coruja logo acima e um
cervo mais ao longe.
– É louco, então? É a insanidade que lhe dá tanta força?
Xcor lentamente se inclinou para o lado e recuperou a foice. As
palmas suavam e estavam escorregadias no cabo, mas ele segurou
a arma com todas as forças de que dispunha.
– Sei quem você é – Xcor disse com suavidade.
– Sabe. Diga, então. – Mais um sorriso horrendo e ávido por
sangue, enquanto o vento açoitava os cabelos longos trançados. –
Eu gosto de ouvir elogios vindos da boca dos outros, e antes que eu
os mate e foda seus corpos. Diga, é isso o que ouviu a meu
respeito? – Bloodletter deu um passo à frente. – É? É isso que tanto
o aterroriza? Posso lhe prometer, você não sentirá nada. A menos
que eu decida querê-lo enquanto ainda respira. Nesse caso… Bem,
nesse caso, conhecerá a dor de ser possuído, isso eu também lhe
prometo.
Era como se Xcor estivesse em confronto com o mais genuíno
mal, um demônio em carne e osso, colocado sobre a face da Terra
para atormentar e torturar almas que, de outro modo, seriam puras.
– Você e seus machos também são ladrões. – Xcor olhou para
cada centímetro daquele corpo, desde as mãos curvadas até a
mudança do peso de um pé a outro. – São estupradores de fêmeas
e governam a si mesmos, sem servirem ao verdadeiro e único Rei.
– Acha que Wrath virá ao seu resgate agora? Mesmo? –
Bloodletter fez de conta que olhava ao redor na floresta. – Acredita
que seu benevolente regente vai aparecer aqui e interceder por
você, salvando-o de mim? A sua lealdade é louvável, imagino, mas
não o protegerá disto.
O som de metal contra metal foi como um grito na noite, a lâmina
que Bloodletter desembainhou quase tão comprida quanto a foice.
– Ainda jura lealdade, será? – Bloodletter disse de modo
arrastado. – Tem ciência, eu me pergunto, de que ninguém sabe
onde está o Rei? Que depois que os pais dele foram assassinados,
ele desapareceu? Então, não, eu não acredito que você será salvo
por ele. – Um rugido se elevou. – Nem por ninguém mais.
– Eu mesmo me salvarei.
Naquele momento, as nuvens perderam a luta contra os ventos, a
cobertura pesada sendo afastada e fornecendo um espaço pelo qual
a lua brilhou, iluminando o céu como se fosse o dia que Xcor não via
desde a sua transição.
Bloodletter se retraiu. Depois inclinou a cabeça num ângulo.
Houve um longo instante de silêncio, durante o qual nada se
moveu, a não ser pelos pinheiros e pelas moitas.
E, então, Bloodletter, voltou a embainhar a adaga.
Xcor não abaixou a sua arma. Não sabia o que estava
acontecendo, mas estava muito ciente de que não se devia confiar
no inimigo – e ele se colocara contra aquele temido guerreiro
apenas por autodefesa.
– Venha comigo, então.
A princípio, Xcor não compreendeu as palavras. E mesmo quando
as compreendeu, ficou em dúvida. Balançou a cabeça.
– Irei para o meu túmulo antes de acompanhá-lo para qualquer
lugar. O que é a mesma coisa, no final.
– Não, você virá comigo. Eu lhe ensinarei os caminhos da guerra
e você servirá ao meu lado.
– Por que eu faria isso…
– É o seu destino.
– Você não me conhece.
– Sei exatamente quem você é. – Bloodletter apontou para a
cabeça decapitada. – E isso torna tudo muito mais compreensível.
Xcor franziu o cenho, uma aceleração que não era causada pelo
medo ante o que estava prestes a ouvir.
– Que mentiras você diz?
– O seu rosto é o que o denunciou. Pensei que você fosse um
boato, uma fofoca. Mas não, não com sua mão de adaga e esse
lábio. Você vem comigo e eu o treinarei e o colocarei a trabalho
contra a Sociedade Redutora…
– Sou… um ladrão qualquer. Não um guerreiro.
– Não conheço nenhum ladrão que poderia fazer o que você
acabou de fazer. E você também sabe disso. Negue se quiser, mas
você nasceu para isto, perdeu-se no mundo e agora foi encontrado.
Xcor meneou a cabeça.
– Não irei com você, não… Não, eu não irei.
– Você é meu filho.
Com isso, Xcor abaixou a foice. Lágrimas surgiram nos seus
olhos, e ele piscou para afastá-las, determinado a não demonstrar
nenhuma fraqueza.
– Você virá comigo – Bloodletter repetiu. – E eu lhe ensinarei os
caminhos adequados na guerra. Eu o forjarei como o aço temperado
pelo fogo, e você não me desapontará.
– Conhece minha mahmen? – Xcor perguntou com voz fraca. –
Sabe onde ela está?
– Ela não o quer. Nunca quis.
Isso era verdade, Xcor pensou. Era o que sua ama-seca lhe
dissera.
– Portanto, você virá comigo agora e eu pavimentarei o caminho
do seu destino. Você me sucederá… se o treinamento não o matar.
Xcor voltou ao presente ao abrir os olhos que nem sabia que
havia fechado. Bloodletter estivera certo em certos assuntos, errado
em outros.
O treinamento no campo de guerra fora muito pior do que Xcor
nem sequer poderia ter imaginado, os guerreiros de lá lutavam entre
si pelos suprimentos e água escassos e também quando eram
incitados à briga quer por diversão, quer só pelo combate. Fora uma
existência brutal, noite após noite, semana após semana, um mês
após o outro… no decorrer de cinco anos… tudo acontecendo
exatamente como Bloodletter prometera.
Xcor fora forjado como um aço vivo, despido de emoções e de
compaixão, como se elas nunca tivessem existido nele, crueldade
em cima de crueldade o cobriram até sua natureza ser suprimida
por completo em razão de tudo o que ele vira primeiro, e fizera
depois.
Sadismo podia ser incutido numa pessoa. Ele era a prova viva
disso.
Também era viral, pois ele fizera com Throe o que Bloodletter
fizera com ele, sujeitando o antigo aristocrata a uma infinidade de
indignidades, desafios e insultos. O resultado também fora
semelhante: Throe superara os testes, mas também fora
amargurado por eles.
Foi assim que tudo aconteceu. Ainda que, à diferença de Xcor,
Throe parecia não ter sido mediado por qualquer força abençoada;
sua ambição ainda era incontrolável.
Ou pelo menos assim o fora antes do sequestro de Xcor – e não
havia provas que sugerissem uma mudança nas ambições e
propensões do macho mediante a passagem do tempo.
Motivo pelo qual Xcor resolvera alertar Wrath a respeito do
macho.
Xcor acariciou o ombro de Layla e se maravilhou com o efeito que
ela surtia nele, a habilidade dela em atravessar sua armadura de
agressão e hostilidade, alcançando o verdadeiro macho que havia
por baixo da casca.
Aquele com quem há tempos havia perdido contato.
Ela era o seu recomeço, o mecanismo de revés que o transportou
de volta ao que fora antes de o seu destino cruzar o caminho de
Bloodletter.
Uma imagem do terrível guerreiro lhe veio à mente com tal
clareza que lhe deu a impressão de o ter visto na noite anterior,
tudo, desde as sobrancelhas grossas até os olhos penetrantes, a
protuberância do queixo e a grossura do pescoço, a circunferência e
a amplitude do corpo imenso. Fora um mesomorfo entre os
imensos, uma força da natureza que envergonharia tanto as
tempestades furiosas do verão quanto as nevascas explosivas e
gélidas do inverno.
E também fora um mentiroso.
Quem quer que fosse o pai de Xcor, não fora ele. A própria filha
de Bloodletter lhe dissera isso.
Xcor meneou a cabeça de um lado a outro sobre o travesseiro
macio para clarear os pensamentos.
Por tanto tempo, ele quisera saber quem foram seus pais, uma
realidade que ele supunha plausível para a maioria dos órfãos no
mundo: mesmo indesejado por eles, mesmo sem estabelecer
qualquer relacionamento com eles, ele ainda assim tivera o desejo
de conhecer suas identidades.
Era algo difícil de explicar, mas sempre sentira estar sujeito a tal
ausência de gravidade conforme se movia pelo mundo, o corpo
possuindo uma leveza essencial que, em retrospecto, o
predispusera a cair na ideologia da destruição de Bloodletter, no
caos e na morte.
Quando não se tem uma bússola própria, a de qualquer um serve.
E, no seu caso, o mais maligno e aviltante que se poderia
imaginar foi quem o ludibriara e abraçara. Deus, como tinha
arrependimentos.
Bloodletter falara de treinamento para a guerra, mas ficara bem
claro que ele servira apenas à própria sede de sangue e não à
defesa da espécie – e mesmo assim, Xcor o seguira: assim que teve
uma amostra do que era o orgulho paterno, por mais pervertido que
fosse a sua manifestação, a aprovação se tornara uma droga que
lhe era necessária, um antídoto contra o vazio instaurado dentro
dele.
Só que o paternalismo não passara de um sonho, no fim das
contas. Uma mentira revelada por uma verdade inesperada.
Com a perda do macho, Xcor sentiu como se tivesse sido
abandonado uma terceira vez: a primeira ao nascimento; a segunda
quando a fêmea que fora sua ama-seca… ou algo mais para ele…
partira. E depois a terceira foi quando a falsidade de Bloodletter,
indubitavelmente criada para garantir que Xcor o seguiria até o
campo de guerra, foi revelada, a notícia entregue por uma fonte
incontestável.
A irmã de sangue de V., Payne, matara o verdadeiro pai deles,
Bloodletter.
Matando a mentira também.
Xcor pensou que estava tudo bem. Ao encontrar seu amor? Toda
a sua busca cessou. Ele estivera perseguindo uma família ilusória
porque nunca fora bem-vindo ali. Estava farto de buscar fontes
externas para encher sua cisterna interior. Não assumiria mais
nenhum sistema de valor que não fosse o seu.
E sobre encerrar a procura por algo que não existia? Ele
descobrira que o destino que procurava sempre estivera dentro
dele, e a sensação… era boa.
Era bom sentir-se inteiro.
Era bom oferecer-se sem reservas nem hesitações para uma
fêmea de valor que o amava com todas as forças.
Xcor franziu o cenho. Mas como deixaria Layla? O destino era o
que era, contudo, por mais que ele tivesse melhorado, por melhor
que fossem seus caminhos agora… Ele não poderia apagar o
passado ou as consequências que tinha que pagar por suas
escolhas. Nada faria isso.
Na verdade, ele nunca estaria à altura da Escolhida. Mesmo se o
grande Rei Cego não tivesse ordenado sua deportação, ele teria ido
mesmo assim.
Eles só precisavam fazer valer o pouco tempo de que dispunham.
Para durar a vida inteira.
CAPÍTULO 32
– Filho da puta.
Passando as pernas para a lateral da cama, Trez deu um tempo
para o coração retomar um ritmo abaixo de duzentas batidas por
minuto. A boa notícia era que a enxaqueca parecia estar bem longe
no seu espelho retrovisor, a bigorna que estivera pendurada do lado
direito da cabeça desaparecera e seu estômago roncava de fome.
Depois de banhar-se, barbear-se e vestir roupas limpas, ele
estava pronto para cumprir sua obrigação, ou seja, ir para a
shAdoWs e avaliar como estavam as coisas.
Em vez disso, pegou o celular e ligou para o irmão. iAm atendeu
ao primeiro toque.
– Como está se sentindo? – o cara perguntou.
– Estou vivo.
– Isso é bom.
– E então?
– Então o quê? – Quando Trez não preencheu as lacunas, iAm
começou a murmurar palavras começadas com F. – Trez, sério,
deixa isso de lado, ok?
– Não vai rolar. Pode, por favor, contratar aquela fêmea?
Houve um período longo de silêncio – o qual Trez interpretou
como uma tentativa de iAm ao se apegar à esperança de que o
irmão daria voz à razão. Mas Trez não estava nem aí. Esperaria
sem se preocupar e acabaria recebendo o que queria, e Therese
teria o seu emprego no Sal’s.
– Tá bom – iAm disse, bravo. – Dou o emprego a ela. Tá feliz
agora?
Não, nem perto disso.
– Aham. Obrigado, cara. Você está fazendo a coisa certa.
– Será? Não sei bem se permitir o seu contato com essa fêmea
vai acabar ajudando a qualquer um de nós.
Trez fechou os olhos e se lembrou da sensação dos lábios de
Therese, do sabor dela, da fragrância trafegando pelo ar frio até seu
nariz… sua alma.
Uma pontada de náusea tirou tudo isso da sua mente.
– Vai ficar tudo bem. Não vou incomodá-la.
– Aham. Tá.
Depois que Trez desligou, lançou um olhar bravo para a efígie do
anjo ali no canto.
– Lassiter – chamou em voz alta. – Apareça, sei que está em
algum lugar por aqui.
Esperou, já imaginando que o anjo passaria pela porta. Saltaria
para fora do closet. Deslizaria por debaixo da cama. O cara estava
sempre por perto, quer você quisesse ou não.
Mas ele deveria ter desconfiado. Dez minutos e absolutamente
nenhum anjo depois, pareceu-lhe justo que da única vez em que
queria ver o cara, o maldito fingisse ser um fantasma.
Vestindo uma jaqueta limpa, Trez saiu do quarto e pegou o celular
de novo ao seguir para a escadaria. Enviou uma mensagem de
texto para Xhex enquanto descia e se surpreendeu quando ouviu o
toque de resposta em seguida. Normalmente, ela estaria verificando
as bebidas do estoque no…
Ah. Entendido. Nevasca. Boate fechada, ninguém indo a parte
alguma da cidade.
Ao chegar ao átrio, atravessou o desenho da árvore em flor do
mosaico e foi direto para a sala de bilhar – onde uns três quartos da
Irmandade estava reunida ao redor de tacos de sinuca, com bebidas
em mãos.
Butch se aproximou dele, o antigo policial humano elegante como
de costume.
– Vai se juntar a nós? Quer uma bebida?
Antes que pudesse responder, Xhex apareceu de trás do bar.
– Pois é, resolvi fechar a boate. Os seguranças estavam me
ligando, dizendo que não conseguiam atravessar a cidade, os
barmen também. Nenhuma das meninas. A única coisa que
apareceu foi a entrega de bebida, e o DJ, apesar de esse já estar lá
porque estava bêbado demais na noite passada e acabou indo
dormir nos fundos.
Trez agradeceu, mas negou a oferta de Butch e se voltou para
Xhex.
– Acho que nunca fechamos numa quinta-feira.
– As primeiras vezes acontecem quando menos se espera.
– A neve está tão ruim assim?
– Veja por si só.
Quando ela apontou para uma das oito janelas de pé-direito
inteiro da sala, Trez usou isso como desculpa para se distanciar da
conversa e dar início à sua saída à francesa da casa, e da mansão
como um todo. Não que não amasse os Irmãos. Era que, a essa
altura do seu estado traumático pós-enxaqueca, toda a conversa e
as risadas, as batidas das bolas de bilhar, J. Cole e Kendrick Lamar,
tudo isso estava acima dos seus limites.
Escolhendo a janela que estava mais próxima do arco de entrada
da sala, afastou a cortina e olhou para o pátio – ou o pouco que
conseguia enxergar dele. A neve caía tão forte que ele mal
enxergava um metro além da mansão e, evidentemente, estivera
nevando assim havia algum tempo. Sob as luzes de segurança,
parecia que um toldo branco fora lançado sobre toda a parte, os
contornos do telhado do Buraco, os grandes pinheiros da montanha,
os carros estacionados do outro lado da fonte cobertos por uns trinta
centímetros do fenômeno climático que vinha dos céus…
A princípio, a figura não fora notada, as vestes e o capuz brancos
indistinguíveis do cenário imaculado. Mas ele logo reconheceu uma
fenda no padrão dos flocos de neve, a cascata rodopiante em
movimento em torno da silhueta.
Que o encarava.
No jorro frio, todo o sangue desapareceu da sua cabeça.
– Selena? – ele sussurrou. – É…
– Estamos na época errada do ano para este tipo de tempestade
– Xhex murmurou ao seu lado.
Trez se sobressaltou tanto que quase chegou ao teto. E, na
mesma hora, olhou de novo através da vidraça.
A figura havia sumido.
– Trez?
Nesse instante, a campainha tocou. Trez se virou e disparou para
fora da sala de bilhar, chegando à porta pesada, escancarando-a…
A Escolhida Layla recuou, o capuz branco que colocara na
cabeça escorregando para trás dos cabelos loiros, flocos de neve
caindo das vestes brancas até os pés.
– Tenho permissão para estar aqui – ela disse ao levantar as
palmas como se ele estivesse lhe apontando uma pistola. – Tenho
permissão. Pergunte ao Rei.
Trez relaxou dentro da própria pele e fechou os olhos por um
segundo.
– Não, sim, não… Claro. Entre.
Ao dar passagem, ele não sabia por que ela estava tão na
defensiva – ou por que estivera fora numa noite como aquela. Mas
não se deteve no assunto.
Estava distraído um tantinho demais tentando se entender com a
visão sob a nevasca… a forma como imediatamente presumira que
se tratasse de sua Selena, que ela tivesse ido vê-lo, ressurgindo dos
mortos.
O que era loucura. Uma loucura total.
Não sei bem se permitir o seu contato com essa fêmea vai acabar
ajudando a qualquer um de nós.
– Ah, cala a boca… – murmurou.
– O que disse? – a Escolhida Layla perguntou.
– Merda, desculpa. – Esfregou o rosto. – Só estou falando
sozinho.
É, porque isso não significava que ele estava louco nem nada
assim. Nada mesmo. Pode crer.
Pelo amor de Deus, ele precisava dar um jeito em si mesmo antes
que acabasse enlouquecendo de vez.
CAPÍTULO 35
– Mais torrada?
Quando Xcor lhe direcionou a pergunta, do outro lado da mesa,
Layla meneou a cabeça, limpou a boca com um guardanapo de
papel e se recostou na cadeira.
– Sabe, estou bem satisfeita, obrigada. – Tradução: já comi duas
torradas, dois ovos e tomei uma xícara de Earl Grey. Podemos
descer agora para fazer amor?
– Vou apenas preparar mais uma torrada para você. Que tal mais
chá?
Enquanto ele se levantava da mesa, ela entendeu, talvez pela
postura dos ombros ou pela desaprovação no seu rosto, que de
alguma forma ele sabia que ela mentira sobre estar satisfeita – e
Xcor não tinha a mínima intenção de se desviar do seu objetivo de
alimentá-la adequadamente.
– Sim, por favor.
Seu tom estava mais para “ao inferno com isso” do que para
“muito obrigada por me servir mais chá”, mas era tal o efeito da
frustração sexual numa fêmea.
– Que tal se levarmos para baixo? – ela sugeriu, pensando que
assim estariam mais próximos da cama onde desenvolveriam
muitas práticas deliciosas. – Na verdade, já vou na frente.
Perto da torradeira, Xcor pôs mais duas fatias de pão de forma
branco e abaixou a alavanca.
– Eu levarei tudo. Desça e relaxe; deixe sua caneca aqui.
Seguindo para a porta que dava para o porão, ela parou e
relanceou por cima do ombro. A cozinha branca e cinza era
pequena, e Xcor praticamente a apequenava mais como se ele
fosse um cão pastor alemão dentro de uma casa de bonecas. Era
tão incongruente que tamanho guerreiro se inclinasse sobre a
torradeira para acompanhar os pormenores o processo de
torrefação.
Não claro demais, muito menos dourado em excesso.
E depois viria o processo de espalhar a manteiga. Ele encarava o
processo de espalhar a manteiga sobre a superfície crocante com a
mesma seriedade e atenção que um cirurgião cardíaco dedicaria a
abrir um coração.
Era exatamente esse o tratamento que ela sempre desejara
receber do macho objeto de seu amor – e isso não dependia de ser
Primeira ou Última Refeição, dia ou noite do lado de fora, inverno ou
verão. A preocupação e o foco de Xcor simplesmente
demonstravam o quanto ela era importante. E que ele se importava
com ela.
Que ele a enxergava.
Depois de uma vida inteira sendo uma dentre tantos para uma
divindade, era uma dádiva rara ser a única para alguém mortal.
Mas, maldição, por que não podiam estar fazendo sexo nesse
momento? No porão, diminuiu a intensidade das luzes e ligou a TV,
esperando achar um daqueles filmes românticos que Beth e Marissa
gostavam de assistir na programação a cabo. Notícias. Notícias.
Propaganda. Mais propaganda…
Por que ele está demorando tanto?, ela pensou ao olhar na
direção da escada.
Propaganda… Propaganda…
Ah, este era bom. Enquanto você dormia.
Mas onde estava Xcor?
Por fim, depois do que pareceu cem anos, ela o ouviu descendo.
– Acionei o sistema de segurança – ele disse.
Ela abaixou o volume enquanto Sandra Bullock tentava empurrar
uma árvore de Natal para dentro do seu apartamento pela janela
aberta, e depois tentou ajeitar a si e às vestes junto a um dos lados
do sofá. As roupas eram frustrantes. Quando os doggens limparam
a casa, trouxeram diversos dos seus uniformes de Escolhida, por
não saberem que ela já não os usava mais. Uma pena que não
fossem lingerie. Com tantas dobras de pano devorando os
contornos do seu corpo, ela não se sentia nenhuma beldade.
Embora seu macho parecesse preferi-la nua.
Quando não a abarrotava de comida, quer dizer…
– Puxa – disse ela ao notar a bandeja que ele trouxera.
Xcor podia muito bem ter trazido a cozinha até o porão. Tostara o
restante do pão, fizera mais ovos mexidos, e preparara mais um
bule de chá. Também incluíra creme, mesmo que ela não tivesse
consumido isso antes, e o pote de mel, do qual , esse sim, ela
consumira.
– Bem, isto… é adorável – ela comentou ao vê-lo apoiar a
bandeja na mesinha baixa.
Sentando-se ao lado dela, ele pegou uma fatia de torrada e
começou o processo de passar a manteiga.
– Posso fazer isso – ela murmurou.
– Eu gostaria de servi-la.
Então, abaixe as calças, ela pensou ao fitar as coxas enormes
que forçavam as costuras das calças de nylon pretas que ele vestia.
E também havia a questão de como as mangas da camiseta se
esticavam para abarcar a circunferência dos bíceps. E como a
sombra da barba por fazer escurecia seu maxilar.
Cravando as unhas nos joelhos, ela olhou para a boca dele.
– Xcor.
– Hum? – ele perguntou ao mover matematicamente uma camada
uniforme de manteiga com a espátula na superfície da torrada.
– Já chega de comida.
– Estou quase terminando aqui.
E eu estou completamente acabada, ela pensou.
Sentando-se à frente, Layla tentou se distrair servindo-se de chá,
mas era uma causa perdida. Notou, porém, como a lapela das
vestes se afrouxou.
Tire isso. Vá em frente.
Levando as mãos até o laço na cintura, soltou o nó e afastou as
duas metades, expondo o tecido transparente que era a roupa de
baixo característica das Escolhidas. Ok, isso também teria que
sumir. E, vejam só, quando ela desabotoou as pérolas pequeninas
dos ilhoses, elas deslizaram com uma facilidade que sugeria sua
determinação em ajudá-la no propósito lascivo.
Aproveitando a deixa delas, Layla escorregou para fora do
restante do ninho que a cobria.
E mesmo assim, ele só olhava para a maldita torrada.
Quando ele se sentou um pouco para trás, admirando sua obra-
prima, ela pensou que, embora o papo de macho vinculado
alimentar sua fêmea tivesse lá suas vantagens evolucionárias, a
situação era ridícula.
O que ele faria em seguida? Pegaria uma régua para ver se tinha
uma altura igual em todas as pontas?
– Sabe o que seria bom nessa torrada? – ele disse ao pegar a
espátula de novo.
Sim, claro, porque havia um milímetro sem manteiga.
– O quê?
– Mel – ele murmurou. – Acho que ficaria muito bom mesmo.
Layla deu uma espiada no pote de mel.
– Acho que tem razão. – Esticando-se à frente, ela pegou o pote e
arqueou as costas. – Mel fica gostoso em muitas coisas.
Girando o pegador de mel, ela puxou o objeto e o sustentou
acima do seio, e o mel se espalhou e caiu, o mamilo envolto em
toda a doçura. O contato fez com mordesse o lábio, e depois mais
daquele líquido cor de âmbar reluziu sobre sua pele, um riacho
provocante descendo até o abdômen.
– Xcor…?
– Sim?
Quando ele olhou para ela, precisou olhar de novo – e largou a
torrada na mesma hora. O que era um alívio porque, caramba, se
não conseguisse vencer uma competição pela atenção dele contra
os carboidratos, ela estaria em sérios apuros.
Os olhos azul-marinho ficaram ardentes de imediato, e muito,
muito centrados no modo como o mel escorria, provocantemente
atingindo o seio, gota a gota, para depois vagar num caminho
descendido…
– Fiquei pensando… – ela disse numa voz rouca – … se mel fica
mais doce em mim?
Dito isso, ela dobrou um joelho e mostrou sua entrada para ele.
Seu macho afastou a bandeja com notável rapidez, tal como se o
prato sobre ela tivesse falado algo muito ruim a respeito de seus
guerreiros.
O grunhido que emanou dele foi tudo o que ela desejou, assim
como a visão das pontas dos caninos emergindo apressadas. E logo
ele se estendeu sobre ela, a força descomunal pouco contida
enquanto a língua se esticava logo abaixo do mamilo… para
interceptar uma gota.
Com um gemido, os lábios escorregadios e quentes capturaram e
sugaram, lamberam e beijaram. A cabeça de Layla pendeu para
trás, mas ela a virou de lado a fim de poder enxergar seu macho
enorme. As sensações eram tão eróticas que ela sentiu a
aproximação de um orgasmo, mas não queria que aquilo acabasse
rápido. Antes impaciente para estar com ele, ela passou a querer
saborear cada segundo que tinham juntos.
– Xcor… olhe para mim.
Quando ele abriu os olhos, ela suspendeu o pegador até a boca e
deixou que os resquícios do mel aterrissassem em sua língua. E
depois sugou a ponta saliente, tirando-a para fora da boca… e
girando nos lábios, sugando depois…
– Você vai acabar comigo, fêmea – Xcor praguejou.
Com um movimento preciso, ele tirou o pegador da mão dela e o
colocou de novo no pote, bem quando o corpo dela se tornou aquilo
que despejara sobre ele, seus ossos se derretendo, os músculos
relaxados. E quando as pernas se afastaram ainda mais, ele se
apossou da sua boca, os lábios grudando com a viscosidade, a
ereção pressionando-a no seu centro através da calça.
Mas a conjuntura não durou muito tempo.
Com mãos bruscas, ele libertou o sexo e logo a penetrou,
golpeando-a enquanto a beijava, os corpos encontrando um ritmo
tão intenso que o sofá se chocou repetidamente contra a parede.
Mais rápido, mais forte, mais duro, até que eles não conseguiram
mais unir as bocas. Esticando os braços, ela apoiou as mãos nos
ombros largos, cujos músculos pareciam ondas do oceano em
tormenta…
O prazer a atingiu como um raio, mas também a completou – em
seguida, ele também chegou ao ápice, despejando-se dentro dela.
E Xcor não parou.
Nem desacelerou.
Mother Jones é uma revista independente, sem fins lucrativos,
conhecida por suas reportagens investigativas. (N.T.)
CAPÍTULO 48
Tchauzinho.
Quando Vishous apagou mais um vídeo no YouTube, concluiu
que era tão fácil quanto atirar em peixes dentro de um barril. E caso
fosse mais fácil invadir as contas, só faltava pegar um saco de
pipoca e um pacote de Milk Duds de graça pelos seus esforços.
Mais um. E… outro.
De certa forma, tinha que agradecer a Jo Early, também
conhecida como Damn Stoker, pela eficiência daquilo tudo. A seção
dos links dela era uma reunião de tesouros de conteúdo com
múltiplos destinos postados por uma boa dúzia de pessoas. Então,
após terminar de varrer o universo do YouTube, ele iria para o Insta
e para o Face.
A caixinha de areia de Zuckerberg seria um pouco mais difícil de
hackear, pois, como os dois outros, havia contas múltiplas na
plataforma, mas encontraria todas elas.
Mais um. E outro…
Caraca, aquele usuário, o vamp9120, era um cara de bastante
volume. Muito conteúdo ligado a ele.
Devia ter ficado mais alerta quanto a esse assunto. Mas,
pensando bem, estivera aproveitando a vida em vez de sublimar
seus problemas com esportes e a internet.
Quando Bruno Mars apareceu pelo satélite, ele mudou de estação
para a Shade-45. Não que ele não considerasse “24K” mágico, mas
a batida de boate não constava em sua playlist noturna. “All There”
de Jeezy/ Bankroll Fresh. Perfeito pra cacete. E enquanto a música
saltava para fora dos alto-falantes, ele tomou mais um gole da sua
Grey Goose com gelo e pensou se não era hora de tirar uns minutos
de folga para bolar o tabaco turco de mais alguns dos seus cigarros.
Depois disso, pegaria mais uma garrafa da meia dúzia que solicitara
para Fritz. E depois voltaria para cá para…
– Mas que porra…? – ladrou.
Inclinando-se na direção da tela, franziu o cenho ao ver a imagem
que estava passando ali.
– Espera aí, eu me lembro disso.
Pois é, estava falando sozinho. É isso o que você faz quando o
seu colega de quarto, que estava fora da escala, assim como você,
transava com a fêmea dele no fim do corredor – e você é um coitado
sentado numa cadeira de escritório na frente da casa.
Rebobinando o vídeo, V. assistiu de novo enquanto a ação se
desenrolava. A filmagem foi gravada a partir de um ponto mais alto
num dos prédios do centro da cidade, como se o babaca com o
celular estivesse olhando para fora do terceiro, talvez quarto andar.
O centro da imagem era um beco abaixo – e uma figura que
avançava em movimento.
Na direção de uma saraivada de balas.
A figura era Tohrment. As balas vinham de um assassino
agachado no canto oposto. E a cena era absolutamente suicida.
V. não estivera presente para testemunhar em primeira mão a
estupidez da coisa, mas claro que ouvira a respeito de múltiplos
guerreiros. Foi na época em que Tohr estivera enlouquecendo,
determinado a mostrar a todos o quanto era intenso o seu desejo de
morrer. Sim, ele estava retribuindo as balas do redutor, a pistola
estava erguida e o chumbo saía do cano… Mas estava sem colete,
nada para cobri-lo e uns doze órgãos vitais diferentes e vulneráveis.
Puta que o pariu, se ele queria tanto ser atingido, o único outro
modo de garantir que isso aconteceria seria ele mesmo puxar o
gatilho na sua direção.
Ainda assim, ele sobreviveu…
– Espera aí… O que é isso?
De repente, Vishous esfregou os olhos. Aproximou-se ainda mais
do monitor. Ficou se perguntando se o vídeo não era uma edição.
Ajustando o contraste da tela, voltou o vídeo. E uma vez mais.
Alguém estava atirando do prédio do outro lado. Era isso… Havia
outra figura no alto de um prédio e ele… sim, ele estava inclinado
sobre o beiral atirando no assassino que tentava matar Tohr.
Não havia sido um irmão, isso era certeza. V. saberia distinguir
seus guerreiros no meio de uma neblina e meio quilômetro de
distância, e seria fácil isolá-los nessa filmagem, apesar de a imagem
estar granulada. Sem falar que não havia a menor possibilidade de
qualquer um deles estar em qualquer outra parte que não no chão
ao lado do irmão.
Portanto, quem diabos era aquele ali? Não era um humano. De
jeito nenhum um dos ratos sem cauda teria se metido numa
situação assim naquela parte da cidade. Não havia nenhum
cachorro naquela luta, então por que arriscariam ser presos? Mais
provavelmente telefonariam para a polícia e se esconderiam…
Quando seu celular tocou, V. se sobressaltou – e, merda, não
conseguia se lembrar da última vez em que isso aconteceu. Ainda
mais por conta de um telefonema.
Mas considerando-se sua ocupação…
Observou quando a mão se esticou para pegar o aparelho.
Deixara-o voltado para a mesa, e virar a tela exigiu certa coragem.
Quando viu quem era, prontamente voltou a trabalhar.
– Meu senhor.
Wrath foi direto ao ponto, o que era um motivo a mais para gostar
do cara.
– Preciso de você. Agora.
– Entendido. Onde você está?
– Estarei no átrio em cinco minutos.
– Me diga que não iremos a Disney World e eu estarei lá.
– Não, não está na hora de tirar férias.
– Ótimo.
Quando V. desligou, fez menção de apagar o vídeo e desligar
tudo, mas um ímpeto lhe disse para salvar a merda, então foi o que
ele fez. Afinal, não havia problemas de espaço no seu hard-drive.
Maldição, estava aliviado pra cacete por ter algo para fazer.
Assim como no início da noite, não disse a ninguém que estava
saindo, mas desta vez foi porque Butch e Marissa estavam
ocupados um com o outro. Acabou mandando uma mensagem para
o seu melhor amigo… e depois pensou em mandar outra para Jane.
Entretanto, no fim, só guardou o celular, pegou as armas e saiu.