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Economia

Falta de transparência coloca em questionamento


processos de arbitragem
Alguns processos recentes foram contestados após revelação de relações pessoais ou
comerciais envolvendo árbitros e equipes de advogados
Por Felipe Erlich Atualizado em 5 Maio 2023, 17h49 - Publicado em 6 Maio 2023, 08h00

CREDIBILIDADE É TUDO - Sistema de arbitragem: os julgadores precisam ser transparentes (Westend61/Getty


Images)

Num país tão contencioso como o Brasil, em que a legislação é pródiga de


brechas e que as disputas corporativas costumam ser levadas à Justiça, onde
se arrastam por anos e anos, o sistema de arbitragem surgiu como um avanço
importante para o ambiente de negócios. Ele trouxe agilidade para a
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resolução de problemas que travam investimentos. Com a mesma validade
que uma sentença judicial, também permitiu às empresas arcarem com
custos processuais mais previsíveis do que pelos meios tradicionais. E as
partes em disputa ainda podem garantir, na escolha do árbitro, que contarão
com um julgador com bom conhecimento da matéria tratada, um fator fora
do controle quando a seleção acontece por sorteio de juízes.

Com essas vantagens, em 26 anos desde a promulgação da Lei de Arbitragem,


o sistema se consolidou no país e é bastante utilizado para analisar disputas
contratuais entre empresas. Uma preocupação, no entanto, tem sido
levantada em casos recentes. Alguns processos foram contestados depois da
revelação de relações pessoais ou comerciais envolvendo árbitros e equipes
de advogados de alguma das partes. Tais informações precisam ficar claras
desde o início. Quando surgem apenas depois do processo estar bastante
adiantado e rumando para um desfecho, têm o potencial de melar todo o
trabalho, ao colocar em dúvida as decisões e jogar contra o real propósito do
sistema de arbitragem como substituto de ações judiciais.

O caso mais ilustre envolve também a grande disputa corporativa dos últimos
anos no Brasil. Vendida em 2017, a Eldorado Celulose virou motivo de guerra
aberta entre a holding J&F, dos irmãos Joesley e Wesley Batista, e a Paper
Excellence, do indonésio Jackson Wijaya. O grupo brasileiro se desentendeu
com os compradores, durante as etapas de concretização do negócio, ao
alegar atrasos nos pagamentos, e desde então tenta manter o controle da
empresa de papel e celulose. Já a Paper defende que não vai voltar atrás no
contrato assinado e quer assumir a Eldorado.

O contrato previa que eventuais disputas seriam resolvidas por arbitragem,


mas o caso se estende em diversas instâncias. Um grande atraso aconteceu
quando o grupo dos irmãos Batista buscou invalidar a mediação, usando
como argumento uma potencial parcialidade do árbitro Anderson Schreiber.
Em 2021, a J&F abriu um inquérito, numa delegacia fluminense, para
investigar se Schreiber teria cometido o crime de falsidade ideológica por não
ter revelado que dividiu um imóvel e até linhas telefônicas com o escritório de
advocacia Stocche Forbes, representante da Paper.
Em outro processo recente, numa arbitragem envolvendo os grupos Sisnergy
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e Inbraell, foi pedida a impugnação do árbitro Mauricio Almeida Prado. A
alegação foi a descoberta de que o árbitro do processo era sócio de um
escritório de advocacia onde, na mesma época, atuava um dos proprietários
da companhia que fazia assistência técnica para a Sisnergy. A suspeita teria
surgido pela proximidade entre ambos, pondo em xeque a parcialidade do
árbitro, uma vez que a informação não foi revelada anteriormente. Ao receber
pedido de esclarecimentos, em outubro de 2022, o árbitro confirmou a
imputação. Além disso, a secretária do tribunal arbitral Larissa Tama­shi­ro,
também ligada ao mesmo julgador, já tinha renunciado ao cargo porque
havia se casado com um advogado do escritório Mattos Filho, que defende o
grupo Sinergy.

EM DISPUTA - Eldorado Celulose: a isenção de um dos árbitros foi questionada (./Divulgação)

Não é possível afirmar se relações como essas ou outras similares


influenciariam decisivamente nas decisões tomadas em câmaras de
arbitragem profissionais, mas também é inegável que, ao não serem
comunicadas já no começo dos trabalhos, consistem em manchas para a
credibilidade desses julgamentos — fundamento no qual eles são baseados.
“A confiança das partes é um elemento essencial para o bom julgamento da
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arbitragem e os árbitros têm de se manter independentes, apesar de terem
sido escolhidos pelas partes”, afirma Eliane Carvalho, sócia do escritório
Machado Meyer e atuante na área de arbitragem.

A falta de informações claras reveladas no começo do processo tem levado


algumas empresas a adotar a estratégia que os advogados estão chamando,
jocosamente, de “nulidade de algibeira”. A empresa guarda “no bolso” a
informação descoberta sobre relações entre o árbitro e a outra parte para
sacar apenas mais tarde se a sentença for desfavorável a ela. Pode ser uma
esperteza, mas não muda o essencial: o árbitro precisa se declarar impedido,
caso haja alguma promiscuidade nas relações. “No geral, o Brasil é um país
que respeita a arbitragem como método de solução de disputa. Mas a nossa
cultura é beligerante, sempre trabalhando com o sistema de recursos, e a
parte que perde muitas vezes não aceita e vai desafiar o sistema”, afirma
Eliane.

Para tratar de assuntos como esses, as câmaras de arbitragem vêm criando


alguns mecanismos de controle. O Centro de Arbitragem e Mediação da
Câmara de Comércio Brasil-Canadá, na qual corre o processo envolvendo os
grupos Sisnergy e Inbraell, alega que constituiu um comitê especial
independente para julgar os pedidos de impugnações de árbitros, mas que
essas requisições são baixas em relação ao número total de arbitragens.
“Historicamente, 50% das impugnações são rejeitadas pelos comitês
especiais”, informou por meio de nota. De qualquer forma, a melhor
estratégia parece ser a prevenção. Por exemplo, para evitar problemas, um
candidato a árbitro revelou que a sua neta namorava um estagiário de uma
das áreas de um escritório de advocacia que defendia uma das partes. Pode
até parecer exagerado, mas, em processos em que a credibilidade é tudo, vale
mais pecar pelo excesso do que pela falta de transparência.

Colaborou Victor Irajá

Publicado em VEJA de 10 de maio de 2023, edição nº 2840

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