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Deborah Terezinha Conceição

(Organizadora)

AWO ÀWÒ
O Mistério das
Cores Naturais

1ª Edição
Seropédica – RJ
2021
Diagramação
Anna Gomes

Revisão Ortográfica
Larissa Onasis Monteiro Magalhães
Vagner Felix da Silva

Ilustração da Capa
Uéliton Gomes da Paixão Lopes

Ilustrações do Miolo
Francielle da Silva Pimenta

Conceição, Deborah Terezinha.


Awo Àwò: O Mistério das Cores Naturais / Deborah Terezinha
Conceição - Campinas, SP: D7 Editora, 2021.
1 - Educação
ISBN 978-65-89323-51-8
65-89323 CDD-370

1ª Edição

Copyright © Deborah Terezinha Conceição, 2021


Todos os direitos reservados.
A produção não autorizada desta publicação,
no todo ou em parte, constitui violação de direitos
autorais (Lei 9.610/98).
aos nossos ancestrais.
às crianças, nosso presente e futuro.
aos Povos do Campo, aos Povos das
Florestas, aos Movimentos sociais, étnicos
e raciais e a todas as Comunidades e Povos
Tradicionais que têm feito desse mundo, um
mundo melhor.
aos que lutam por igualdade e aos que
despertam para a luta.
a Sandro Lopes – amigo e entusiasta desta
obra, ao seu pai e a todes que, de alguma
maneira, foram vítimas do Covid-19.
aos nossos familiares e amigues.
agradecimentos

Quero afetuosamente e imensamente agradecer as pessoas


que contribuíram para que este livro tivesse êxito.

Começo agradecendo especialmente aos companheiros e


companheiras de luta e afetos: Roberta Lobo, Luiz Fernandes
de Oliveira, Fabiana Araújo, Ana Cruz, Vagner Silva, Ma-
theus de Oliveira, Francielle Pimenta e Abiola Yayi, que mes-
mo diante da tristeza e dos temores estabelecidos pelos novos
tempos, se propuseram a partilhar dessa caminhada.

Aos integrantes do grupo EtnoPET (UFRRJ) e ao Tutor Ale-


xandre Monteiro pela disponibilidade, pelo incentivo e pelo
fomento da produção e execução deste livro.

Ao Grupo PET Educação do Campo (UFRRJ) por acreditar


neste trabalho, pela parceria e pelas inestimáveis contribui-
ções.

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Ao Prof. Ramofly (UFRRJ) pela disponibilidade, pelo afeto e
pelas valorosas contribuições indicadas no prefácio.

Agradeço à Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro,


juntamente com a Equipe do Jardim Botânico, coordenada
pelo Prof. Dr. Ivo da Silva, por disponibilizar o espaço, per-
mitindo que a pesquisa de campo fosse realizada de forma
segura e eficaz.
Ao Uéliton Lopes e a Francielle Pimenta que, com sua arte
ancestral, preencheram o livro de cor, amor, movimento, mú-
sica, poesia, história e resistência.

A Larissa Onasis e ao Vagner Silva pela amizade, pela paciên-


cia e pelo profissionalismo embutidos na revisão ortográfica
deste livro.

A Anna Mesquita pelo cuidado e compromisso com a diagra-


mação, tornando a divulgação deste projeto possível.

Com admiração pelo trabalho e afeto profundo, agradeço


também aos identificadores das espécies vegetais presentes
neste livro: Gabriela Pires e Matheus de Souza de Oliveira.

Agradeço a minha mãe, meu pai, meus irmãos e meus sobri-


nhos pelo apoio, pela força que tornaram mais leve o processo
de organização e de escrita deste livro.

Agradeço a parceria inestimável do Grupo de Pesquisa em


Políticas Públicas, Movimentos Sociais e Culturas (GPMC).

7
Agradeço aos amigos e amigas, Mestres e Mestras populares
por compartilhar seus sorrisos, suas considerações e seus sa-
beres.

Agradeço aos familiares e aos amigos de todos/as que compõe


esta obra, graças a presença compartilhada, aos pequenos atos
de cuidado e atenção, as atitudes inspiradoras e aos gestos
sinceros no momento de tensão, este livro foi possível.

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9

sumário
11 Prefácio

17 Apresentação

25 CAPÍTULO 1
Cada traço, um significado: As tintas
naturais em seu contexto histórico e
seus usos entre os Indígenas e as
Comunidades-Terreiro

47 CAPÍTULO 2
Tintas Naturais: Cultura
e Arquitetura Africana

65 CAPÍTULO 3
Caçadores, Ferreiros e Abridores de
caminhos decoloniais

85 CAPÍTULO 4
Geotinta, Educação, Território e Cultura

111 CAPÍTULO 5
Terra, Tambores e Tintas: Tradição e
reinvenção nas práticas pedagógicas

135 CAPÍTULO 6
Os vegetais, seus potenciais e as tintas
naturais: A práxis educativa no contexto
socioambiental e cultural no Jardim da
Instituição

157 Anexos

168 Sobre os Participantes


prefácio
Ramofly Bicalho1

Fico feliz com o lançamento do livro: Awo Àwò: O


Mistério das Cores Naturais, organizado por Deborah Tere-
zinha Conceição, fruto de conquistas, transformação pessoal
e resistências. O leitor poderá sentir nestas páginas o cheiro
da luta, da dedicação e do compromisso político das educa-
doras e dos educadores populares vinculado a esse belíssimo
projeto. No processo de organização deste livro, Deborah foi
educada a lidar com os conflitos de ideias e a diversidade. A
organizadora não apresentou apenas registros acadêmicos e
análises distanciadas da realidade, mas en volvimento crítico
e pessoal com os debates acerca da educação popular, na sua

1 Professor na UFRRJ – Universidade Federal Rural do Rio de Janei-


ro. Lotado no Departamento de Educação do Campo, Movimentos Sociais e
Diversidade. Docente na Licenciatura em Educação do Campo, no PPGEA
– Programa de Pós-Graduação em Educação Agrícola e no PPGEduc – Progra-
ma de Pós-Graduação em Educação, Contextos Contemporâneos e Demandas
Populares. E-mail: ramofly@gmail.com

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estreita relação com o mistério das cores naturais e a forma-
ção docente. Não tenho dúvidas que este livro contribuirá
para o enfrentamento dos conservadorismos e autoritarismos
presentes em nossa sociedade, revelando utopias concretas de
educadores e educandos, boa parte deles, vinculados à Licen-
ciatura em Educação do Campo na UFRRJ – Universidade
Federal Rural do Rio de Janeiro.

A organizadora desta obra está preocupada em desta-


car as inúmeras possibilidades de emancipação nas propos-
tas alternativas de educação popular. Propostas que, além de
ler o mundo, têm como objetivos valorizar saberes, conhe-
cimentos, histórias, memórias, identidades, sonhos, limites
e possibilidades nas comunidades de terreiros, indígenas e
quilombolas. Compreendemos neste livro, que a docência e a
militância não po dem ser encaradas como meramente técni-
ca, conservadora e desarticulada da realidade de vida dos su-
jeitos individuais e coletivos. A possibilidade de ler o mundo
pode colaborar na reinvenção de novas formas de sociedade,
num projeto de país que contemple as inúmeras diversidades
em todos os seus aspectos.

Assim, neste livro, destaco as ricas possibilidades de va-


lorização das práticas sociais e pedagógicas que, educadores e
educandos, são capazes de criar e pronunciar acerca da reali-
dade brasileira e da educação popular. Para ler estas páginas e
comunicar outro mundo possível e, em gestação, é necessário
deixar ressoar em nós os movimentos que não renunciam à
construção de projetos inovadores e emancipadores para os

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formadores deste BRASIL. Cada capítulo, a seguir, neste li-
vro é testemunho da vitalidade democrática.

1) Cada traço, um significado: as tintas naturais em


seu contexto histórico e seus usos entre os indígenas e as co-
munidades-terreiro, de Deborah Terezinha Conceição. 2)
Tintas naturais: Cultura e Arquitetura Africana, de Abiola
Akande Yayi. 3) Caçadores, ferreiros e abridores de caminhos
decoloniais, de Vagner Felix da Silva e Luiz Fernandes de Oli-
veira. 4) Geotinta, educação, território e cultura, de Fabiana
de Carvalho Dias Araújo, Ana Beatriz Duarte da Cruz e Fran-
cielle da Silva Pimenta. 5) Terra, Tambores e Tintas: Tradição
e Reinvenção nas Práticas Pedagógicas, de Deborah Terezinha
Conceição e Roberta Lobo. 6) Os vegetais, seus potenciais e
as tintas naturais: a práxis educativa no contexto socioam-
biental e cultural no Jardim da Instituição, de Deborah Tere-
zinha Conceição.

Não tenho dúvidas da contribuição bibliográfica e his-


tórica deste livro, pois refletiu coletivamente as experiências
vivenciadas em diversos contextos sociais. Seu principal ob-
jetivo é a conscientização social, cultural e política de edu-
cadores e educandos vinculados à educação popular. Nesse
sentido, os encontros de cultura, a religiosidade, a ancestra-
lidade, os trabalhos de campo e a diversidade das atividades
culturais, entre tantas outras, contribuem para fortalecer os
laços identitários, tornando-se espaço de resistência cultural,
de referência política, pesquisa e mobilidade social nas comu-
nidades de terreiros, indígenas e quilombolas.

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Deborah, numa estreita relação entre sonhos, responsa-
bilidade e ética, não poupou esforços na construção dos per-
cursos, valorizando a ousadia e interligando questões locais
e globais. Este livro rompe com o bombardeio de notícias
e informações selecionadas, distorcidas, acríticas e vendidas
como mercadorias que “fazem cabeças” e opiniões públicas. A
organizadora foi extremamente rigorosa no exercício cotidia-
no de entranhar-se em problemas vivos, correndo riscos e
projetando possibilidades. Lidar com tais experiências, aber-
tas e incompletas, acerca dos processos educativos populares
contribui para formação crítica de educadores/as e os movi-
mentos sociais, enaltecendo os debates acerca da educação
popular.

Neste livro, Deborah enfrenta os preconceitos religiosos


e raciais, além das feridas expostas, anunciadas e camufladas
que não se restringem às questões educacionais. Há outras
privações tais como, a expropriação da palavra, o analfabe-
tismo, o descrédito dos saberes feitos das experiências, das
histórias de vida, identidades e memórias. Assim, os capítulos
deste livro não anunciam certezas que as ciências pretendem
produzir, mas a honestidade dos que pensam e vivenciam o
cotidiano e a realidade de vida dos educadores/as populares e
os movimentos sociais.

Deborah e todos os autores e autoras desse belíssimo li-


vro preenchem nossos olhos e nos conduz a uma bela viagem
para compreender como a prática educativa pode viabilizar
os debates e a valorização da educação popular, articulada aos

15
movimentos sociais, crítica e organicamente vinculada às lu-
tas por uma sociedade mais livre e menos desigual. O convite
que me foi feito pela Educadora Popular Deborah Terezinha
Conceição para prefaciar este livro: Awo Àwò: O Mistério
das Cores Naturais, me emocionou profundamente, espe-
cialmente, pelo prazer da leitura dos seis capítulos e a opor-
tunidade de confessar aos futuros leitores que uma relação
acadêmica entre educadores, educandos e movimentos sociais
pode estreitar relações de carinho, respeito e amizade sincera.
Tenho apostado ao longo da minha vida, dos meus familiares
e amigos, na possibilidade concreta de fazer com que nossas
palavras e ações voem longe, abrindo portas de uma vida mais
saudável para toda a humanidade. Tenho certeza de que esta
obra será uma herança muito bonita para todos os sujeitos,
individuais e coletivos, que, direta e indiretamente, contribu-
íram com este trabalho.

Parabéns, minhas amigas e amigos.

Junho de 2021.
Ramofly Bicalho
Docente na UFRRJ –
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro

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apresentação

Em 1978, Abdias Nascimento relatou-nos durante o


prólogo da 1ª edição do livro “O Genocídio do Negro Brasi-
leiro”, a história acerca da recusa do seu artigo “Racial Demo-
cracy in Brazil: Myth or Reality”, a ser apresentado no Festival
Mundial de Artes e Culturas Negras realizado em janeiro de
1977 em Lagos. Para além da recusa, Abdias denunciava tam-
bém, as inúmeras tentativas de silenciamento implicadas pe-
los participantes oficiais do Brasil que apresentaram ao longo
do mesmo Colóquio inúmeras demonstrações de insatisfação
em relação a presença de Abdias como um legítimo represen-
tante brasileiro.

Diante da censura e da condição imposta pelos inte-


grantes da delegação brasileira, que o identificaram duran-
te o Festival como um “ilegítimo representante do Brasil”,
Abdias, nos parágrafos finais do seu prefácio, descreveu-nos
também sua conduta e parecer perante o exposto:
18
Em certo momento, na assembleia geral do colóquio,
quando os delegados oficiais do Brasil tentavam me
silenciar, levantei a voz e me identifiquei não como
representante do Brasil, mas como um sobrevivente
da República dos Palmares. (NASCIMENTO, 2016,
p.46)

Importa considerar a narrativa de Abdias Nascimento


para pontuar que desde o referido Festival até os dias atuais
passaram-se quase meio século e mesmo diante da militância
desse intelectual negro e de tantos outros/as representantes
dos movimentos étnicos e sociais do país, ainda é possível
encontrar em nossa sociedade silenciamento, preconceito,
condicionamento e represálias implicadas das mais diversas
formas, cotidianamente, sobre os sujeitos apontados como
“sobreviventes”.

Isso acontece, em grande medida, porque o plano geno-


cida continua, impiedosamente, cumprindo sua agenda por
meio de mitos baseados em critérios importados do estrangei-
ro. Como é o caso da “democracia racial”, pelo olhar de um
Brasil branco que insiste em contar e explicar a história de
um país constituído por milhares de negros/as e por dezenas
de etnias indígenas, através de um currículo hegemônico e
homogeneizante que segue impondo pedagogias de subalter-
nização pelo imenso e diverso território brasileiro, saqueado e
devastado pelas mãos de poucos latifundiários brancos e pela
existência silenciosa, mas sistematicamente institucionaliza-
da, do extermínio moral e cultural de todas as raças, classes

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e sociedades que não se sintam ou estejam igualmente repre-
sentadas pela raça, classe e sociedade dominantes.

Importa considerar ainda a explanação de Abdias para


apontar, que mesmo diante da imposição orquestrada pelos
ditames de uma realidade genocida e colonialista, o Brasil
de negros/as, indígenas, quilombolas, favelados/as, sem-terra,
sem-teto e de tantos outros sujeitos e movimentos sociais,
segue resistindo e perpetuando sua verdadeira história. Segue
sobrevivendo e respondendo em um coro orquestrado por
milhares de vozes que o Brasil branco nunca pôde explicar a
realidade racial brasileira, que o currículo hegemônico nunca
deu conta das demandas decoloniais representadas por outros
espaços, outros saberes e outros sujeitos pedagógicos. Que o
território encarado pelo lucro e pelas demandas capitalistas
nunca correspondeu ao mesmo território sagrado e, por isso,
repositório de memórias, de sonhos, de lutas, de festas e de
reinvenções do cotidiano cuidadosamente resguardados por
esses sujeitos.

Diante das considerações aqui articuladas e dos apon-


tamentos feitos por Abdias, é urgente que nós, educadores e
educadoras conscientes do século XXI, busquemos alternati-
vas que vislumbrem o alcance de um novo momento históri-
co, um momento em que os “sobreviventes da República de
Palmares” conquistem verdadeiramente sua liberdade e assu-
mam de forma autônoma o comando de sua própria história
expressa por sua afirmação humana, política, cultural, de gê-
nero e étnica.

20
Para isso, é necessário que estejamos abertos e atentos
aos movimentos e processos pedagógicos que produzam no-
vos significados para a educação, isto é, uma educação base-
ada nas pedagogias de libertação, da valorização e da huma-
nização dos sujeitos. Uma educação que ultrapasse os muros
da escola admitindo a existência de outras pedagogias e que
reconheça, de forma sutil e comprometida, as subjetividades
dos sujeitos, dos territórios, das comunidades e das culturas
presentes em toda extensão do território brasileiro.

Neste sentido, o Livro Awo Àwò – O Mistério das Co-


res Naturais se apresenta como uma alternativa, pois visa
demonstrar através de distintos olhares a presença da práxis
educativo-pedagógica dos povos e comunidades tradicionais,
da educação popular, da pedagogia decolonial, da cultura
africana/afro-brasileira, bem como dos movimentos sociais
contemporâneos no Brasil. Apontando, desse modo, possí-
veis elementos teórico-epistêmicos que possam contribuir
para um novo ensino.

Para tal feito, as cores naturais a partir de suas proprie-


dades, sabores, crenças, registros e ritualísticas vão expressar,
entre os seis capítulos dispostos, a necessidade e a presença
possível de conteúdos que agreguem a arte, a cultura popular,
o patrimônio, a ancestralidade, a religiosidade, o território e
a agroecologia em práticas pedagógicas baseadas no real, no
sutil e nas experiências cotidianas de outras matrizes epistê-
micas.

21
Ao abordar esses enredos, o livro ainda se apresenta como
um possível material a ser utilizado para contemplar a deter-
minação da Lei Nº 10.639/2003 e da Lei Nº 11.645/2008
que estipula o ensino dos diversos aspectos da história e da
cultura que caracterizam a formação da população brasileira,
a partir dos grupos étnicos formados por negros e indígenas,
tais como o estudo da história da África e dos africanos, a luta
dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra
e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da so-
ciedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas
social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil
no âmbito de todo o currículo escolar da Rede de Ensino
Nacional.

Com isso, nos unimos a tantos outros passos que se-


guem firmes na caminhada para o trabalho possível e articu-
lado de uma educação decolonial alicerçada pela sensibilidade
que, baseada na transformação da recepção dos sentidos, irá
contribuir de forma efetiva para a motivação de habilidades
sociais e cognitivas do/a educando/a além de reforçar e con-
tribuir com suas experiências coletivas, ancestrais e vincula-
das à diversidade.

Aos/as leitores/as desejamos que encontrem aqui mais


um caminho em direção ao combate às formas de preconceito
e discriminação indiscutivelmente enraizados e dominantes
na sociedade brasileira. Um caminho de reconexão com a
ancestralidade através de práticas diárias dentro e fora dos

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terreiros e, principalmente, um caminho que possibilite aos
sujeitos que enxerguem e reconheçam o mundo através das
suas próprias lentes. Afinal, não existe a possibilidade de
uma nova educação, isto é, uma educação emancipadora, se
ainda continuarmos lendo com as lentes focadas nos saberes
coloniais.

Ótima leitura!

Macaé, outono de 2021.


Deborah Terezinha Conceição

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Referência

NASCIMENTO, Abdias. O genocídio do negro brasileiro: processo


de um racismo mascarado. São Paulo: Perspectivas, 2016.

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CAPÍTULO 1

Cada traço, um
significado:
As tintas naturais
em seu contexto
histórico e seus usos
entre os indígenas
e as comunidades-
terreiro
Deborah Terezinha Conceição

BREVE HISTÓRICO

Tão antiga quanto a própria humanidade é a necessi-


dade de representação da capacidade humana de abstração e
simbolização das ideais, visões de mundo, emoções e sensa-
ções vinculadas ao indivíduo e seu contexto. Nesse sentido,
as tintas naturais tiveram papel primordial, visto que o seu
uso se remete a era paleolítica, isto é, há mais de 40.000 anos,
onde as pinturas pré-históricas já representavam, através de
inúmeros desenhos – alguns conservados até os dias de hoje
–, o cotidiano e o sentimento dos povos dessa era. Para alcan-
çar as cores que hoje observamos nas pinturas rupestres, os
povos mais antigos, utilizavam elementos naturais extraídos
do reino mineral, vegetal e animal. Segundo Proença (2009),
tais pinturas eram feitas com elementos naturais disponíveis
como terra, argila, carvão vegetal, sangue e gordura de ani-
mais, ovos, ossos cremados, óxido de ferro (cor avermelhada)
e dióxido de manganês (cor preta).

A utilização de meios naturais como matéria prima para


confecção dessas tintas foi recorrente em diversas partes do
mundo. Basicamente, todos os tipos de sociedades e culturas
tiveram contato ou desenvolveram técnicas para extração de
pigmentos coloridos. As primeiras descobertas das pinturas

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rupestres aconteceram no século XIX na caverna de Altamira
localizada na Espanha, e em seguida na gruta Lascaux, na
França, no ano de 1940, em que foram utilizados óxidos de
ferro amarelo, vermelho e preto, carvão de madeira, ossos
queimados e caulim para obtenção de pigmentos (ALVA-
RENGA, 2006).

No continente africano, mais especificamente no Egito


Antigo, há cerca de 10.000 anos, os egípcios elaboraram um
processo para extrair pigmentos a partir do óxido de ferro,
“cinabar” (mineral a base de mercúrio), amarelos de arsênico,
verdes e azuis do minério de cobre, vermelhos púrpuras da
raiz da garança (Rubia tinctorum), preto do carvão e gordu-
ra animal queimada e o branco do caulim (ALVARENGA,
2006). Mais tarde, entre os anos 3.000 a 2.000 a.C, começa-
ram a pintar com uma tinta produzida a partir de cal e cola
(têmpera), além de giz (carbonato de cálcio), carvão e colo-
rações de argila para a obtenção dos pigmentos. Para agluti-
nantes eram utilizados goma arábica (resina natural extraída
de duas espécies de acácias), ovos (albumina), gelatina e cera
de abelha (UEMOTO, 1993).

Sobre a presença arcaica de pinturas a partir das tintas


naturais no continente africano, é possível elencar inúmeros
exemplos, como é o caso de Dendera, no Egito, onde está
situado um complexo de templos sendo um deles dedicado à
Deusa Hathor. Nesse templo, nas paredes que permaneceram
intactas mesmo exposta aos elementos durante milhares de
anos, ainda hoje é possível conferir a olho nú, as pinturas

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originais do local que mesmo com o passar do tempo, manti-
veram suas cores vivas e originais da época.

Outro fato que justifica a presença da arte e do uso das


tintas naturais no passado de uma civilização tão avançada
quanto a egípcia está representado em uma das peças mais
raras do acervo do Metropolitan Museum of Art, nos Estados
Unidos. Feita de mármore e contendo seis cavidades, a paleta
de tinta com mais de três mil anos ainda carrega consigo os
vestígios de pigmentos em vermelho, amarelo, azul, verde,
marrom e preto. Utilizada provavelmente entre o período de
1390 e 1352 a.C, a paleta possui gravada em si o nome de
Amenhotep III, Faraó que imperou nesse período e era reco-
nhecido como “O Magnífico”.

Na construção dessa linha histórica ainda é possível


citar a presença das tintas naturais na América Latina, como
é o caso da “Capela Sistina pré-histórica”, descoberta no meio
da Floresta Amazônica em pleno território colombiano, onde
em um terreno de quase treze quilômetros acredita-se que
haja dezena de milhares de pinturas de até 12.500 anos atrás.

No território brasileiro, também é possível encontrar


registros das tintas naturais que irá se apresentar em diversas
regiões do Nordeste, como é o exemplo do Parque Nacional
de Seridó, localizado na divisa do Rio Grande do Norte com
a Paraíba.

Sobre seu uso, para além das pinturas em cavernas,


paredões e templos, como nos exemplos aqui expostos,

30
sabe-se também que os elementos naturais da fauna e da
flora foram e ainda são utilizados para colorir e ornamentar
corpos, utensílios domésticos, armas de guerra etc. A partir da
relação estabelecida entre o ser humano e as tintas naturais,
dá-se início a associação simbólica das cores. Nela a emoção
e o valor se associam e, assim, a expressão ganha significado,
ao mesmo tempo que o símbolo ganha tonalidade afetiva.
(VOGEL; MELO; BARROS, 2012, p.97)

Desse modo, nas mais diversas práticas do cotidiano


desses sujeitos como, por exemplo, nos ritos religiosos,
nos momentos festivos, nos atos fúnebres e de nascimento
e nos embates de guerra, as cores passam a ser atribuídas a
um determinado significado, representando além de uma
tonalidade afetiva, também uma eficácia assimilativa.

CADA TRAÇO, UM SIGNIFICADO

No Brasil, entre determinados povos e comunidades


tradicionais é possível encontrar, através do vínculo ances-
tral, cultural ou religioso, a confecção de tintas naturais e
suas aplicações em momentos distintos da prática social, isto
porque, a pintura corporal tem sido, ao longo do tempo, ele-
mento indispensável para manifestação e afirmação identitá-
ria desses indivíduos.

Entre os indígenas e os povos de terreiro, por exemplo,


as pinturas feitas com tintas naturais manifestam-se muitas
vezes através de aplicações no corpo como forma de exercer

31
sua espiritualidade e seu senso de coletividade, visto que, ge-
ralmente essa prática é realizada em momentos exclusivos de
celebrações, guerras, processos iniciáticos e rituais.

Acerca da importância do corpo, Sodré, afirma que a


noção de territorialidade do corpo, do ponto de vista afri-
cano, “sempre foi evidente, especialmente entre os bantos
do Sudeste africano, para os quais a conquista do espaço, do
território, é antes de tudo uma tomada de posse da pessoa”
(2019, p.63). Para o historiador Simas, o corpo encarado
como terreiro ao ser devidamente encantado torna-se assen-
tamento de saberes, sendo assim:

O corpo codificado como terreiro é aquele que é


cruzado por práticas de saber que o talham, o banham,
o envolvem, o vestem e o deitam em conhecimentos
pertencentes a outras gramáticas. Tais ritos vigoram
esses corpos os potencializando ao ponto que os
saberes assentados nesses suportes corporais, ao serem
devidamente acionados, reinventam as possibilidades
de ser/estar/praticar/encantar o mundo enquanto
terreiro. (SIMAS, 2018, p.50)

Dessa maneira, ao contrário da visão reducionista oci-


dental estimulada pelo cristianismo, que vai enxergar o corpo
apenas como fonte para o trabalho, para a procriação, para o
pecado ou apenas sob a condição de objeto como é o caso do
corpo escravizado, o corpo encantado como território para
Sodré ou como terreiro na perspectiva de Simas, apresenta-se

32
como um mundo em escala reduzida que servirá de suporte
para reavivar e potencializar os saberes e as memórias, trans-
formando-os em performances que darão vida às práticas re-
ligiosas e culturais desses povos e comunidades.

A arte indígena é uma parte valiosa do Patrimônio


Cultural do Brasil, na sua formação estão contidos inúmeros
desenhos e símbolos feitos com tintas naturais sendo usados
por diferentes etnias. As fórmulas das tintas utilizadas vão
variar dependendo do grupo étnico em questão, assim como
o seu preparo e aplicabilidade. À vista disso, os pigmentos e
os seus tons podem representar, dentro de um mesmo grupo,
diferentes usos que serão baseados em fatores como a idade,
o gênero, o status ou a relação com a comunidade, como nos
relata Müller.

Considero a ornamentação corporal como linguagem


simbólica que informa sobre a ordem social, fornecendo
um modelo de como a sociedade é estruturada
idealmente por seus membros. Este código simbólico
utilizado pelo grupo na socialização dos indivíduos
e na comunicação de mensagens referentes à ordem
social relaciona-se, entre os Xavantes, à divisão da
sociedade em grupos sociais, a status, passagem de
status, life-crisis. (MÜLLER, 1976, p.1)

Através do uso de três espécies vegetais, sendo elas a


Janaúba (Himatanthus drasticus (Mart.) Plumel), conheci-
da entre os Canelas como de pau-de-leite, o Urucum (Bixa
orellana L.) e o Jenipapo (Genipa americana L.), a discente

33
do Curso de Licenciatura em Educação do Campo e bolsista
do Programa de Ensino Tutorial – Pet Etnodesenvolvimento
e Educação Diferenciada, ambos instituídos na Universidade
Federal Rural do Rio de Janeiro, a indígena Noemia Martins
Campos – Korê Canela, originária da etnia Canela - Aldeia
Tapyraka, nos relata aspectos sobre a tradição e as técnicas
necessárias no que diz respeito a confecção e aplicação das
tintas naturais em sua aldeia.

Existem três tipos de tinta que utilizamos aqui na


aldeia. Tem a tinta do urucum, que existe uma técnica
pra fazer essa tinta. Fervemos a semente do urucum
e fazemos tipo uma massa depois faz uma bola com
essa massa de urucum, aí quando a gente quer pintar
de urucum pegamos esse urucum que já está puro
passamos a mão nele e pintamos. Se você pega esse
corante de supermercado não vai ficar um vermelho
vivo. É, por isso, que quando a gente pinta fica aquele
vermelho vivo, porque a gente usa essa técnica na
aldeia. Quem faz as tintas e pinta geralmente são as
mulheres mais velhas. A gente também usa muito a
tinta do jenipapo. A gente rala a fruta com casca e
tudo, aí depois põe em um pano, quanto mais fino
melhor, e aperta pra sair o caldo, não pode colocar
água se misturar com água a tinta fica muito fraca e
não pega. Aí depois que tira o caldo tem gente que
gosta de misturar com carvão pra ficar bem preto, mas
tem gente que gosta de usar só a tinta de jenipapo
mesmo. Quando acaba de coar o jenipapo a tinta fica
um azul escuro aí depois de três dias já pode usar. E
tem outra tinta que também é usada, que foi a que eu
usei no dia do meu casamento, ela chama pau-de-leite

34
e você tira ela da árvore (no dia do meu casamento a
gente saiu pra tirar essa tinta de pau-de-leite). É uma
árvore que você corta um pouco do tronco dela e vai
tirando o leite, você machuca aquela árvore e tira um
pouco de leite, aí depois você vai pra outra árvore
igual àquela e tira mais um pouco de leite, aí depois
vai pra outra árvore e tira mais um pouquinho, é assim
que a gente faz pra pegar essa tinta. Aí depois a gente
mistura no carvão moído e depois você pinta a pessoa.
Depois disso, a gente pega um tronco queimado aí tira
o carvão e aperta na mão e passa em cima da pintura
feita no corpo da pessoa, isso aí é pra ficar mais preto.
Aí a pessoa espera de trinta minutos a uma hora, depois
disso ela toma banho aí vai sair só o excesso do carvão
o resto fica na cola da tinta de pau-de-leite. Essa tinta
de pau-de-leite sai muito rápido ela dura tipo três dias
agora a tinta de jenipapo ela demora muito pra sair.
Se você não toma muito banho, por exemplo, pessoas
que tomam um banho só por dia a pintura dura até 15
dias no corpo, pessoas que tomam banho toda hora,
igual é o caso aqui na aldeia, que toda hora a gente
banha porque é um calor insuportável e porque as
pessoas aqui já se acostumaram também, então a tinta
dura menos, uma semana. As tintas que a gente usa
são essas. (Depoimento Korê Canela cedido a autora.
Maranhão, 28 de abril 2021)

35
Figura 1. Korê na Aldeia Canela colhendo o material na árvore pau-de-leite e
retirando a semente do urucum para o preparo das tintas naturais. Foto: Korê
Canela, 2020.

A partir do depoimento exposto é possível perceber, em


alguns trechos, o cuidado e a relação direta entre o indígena
e a natureza, como é o caso da colheita do leite da árvore re-
conhecida como pau-de-leite. No momento em que descreve
essa prática, Korê nos demonstra o cuidado e o respeito com
a árvore, ao mencionar que na colheita do leite da árvore
pau-de-leite é retirado apenas uma parcela do leite em cada
árvore evitando, desse modo, um stress excessivo na planta e
o esgotamento do recurso da mesma. Outro fator importante
e perceptível em seu relato, é a relevância da presença anciã
e feminina nessa prática. Ao mencionar que são as mulheres
mais antigas da aldeia que geralmente possuem o conheci-
mento necessário para a confecção e aplicação das tintas na-
turais na aldeia.

36
Sobre a presença preponderante e a relação direta do
ser feminino com as tintas naturais, em seus estudos sobre
o caráter agentivo da pintura corporal Canela, Rolande nos
afirma que a “pintura é uma atividade feminina, cabendo às
mulheres pintarem seus maridos e apenas os filhos solteiros”.
(p.54, 2013)

Ainda em seus estudos, Rolande nos revela que ao


longo de sua vivência com os Canelas foi possível reconhecer,
através dos vinte padrões de pintura identificados por ela, a
existência de padrões específicos e fixos tanto para crianças
quanto para jovens e adultos e a pintura como fio condutor e
mantenedor do bem-estar.

Entre os Canelas, utiliza-se o termo impey para


referir-se a algo positivo, podendo ser traduzido por
“estar tudo bem/estar bonito”. Portanto, quando
dizem que pintam para ficar bonitos, entendo que
a pintura corporal ajuda a manter a ordem/o bem-
estar, principalmente quando padrões de pintura são
utilizados de acordo com a classe de idade e o sexo de
cada indivíduo. (ROLANDE, p. 57, 2013)

Assim como para os indígenas, também na cosmologia


presente no Candomblé, as cores ocupam um papel especial
para manutenção do bem-estar da egbé1, podendo ser
encontradas nas indumentárias, nos fios de conta, no arco-

1 Egbé: comunidade litúrgica, o terreiro.

37
íris, representado pelo orixá Oxumarê 2, nas vestimentas, nos
laços que envolvem os tambores, nas diversas tonalidades
apresentadas pelos banhos e pelos vegetais utilizados,
nos ornamentos que enfeitam os salões nos dias de festa
etc. Porém, é mais especificamente no processo iniciático
realizado pelas comunidades-terreiro que as tintas naturais
vão aparecer de forma preponderante demonstrando sua
eficácia e intencionalidade, servindo como alimento espiritual
e proteção contra forças que possam investir esforços no
sentido de desestruturar o equilíbrio necessário na vida dos/
as que vão compor a egbé.

Durante o período de recolhimento de um/a iaô, é


seguido rigorosamente um processo ritual, que se estenderá
por alguns dias até o momento da saída do filho-de-santo – a
cerimônia do Orúko3. Ao longo desse processo são exercidas
algumas práticas como: a transmissão oral de saberes
ancestrais, a confecção de contreguns (feitos de palha-da-
costa), bem como a execução a preparação do efun (branco),
osùn (vermelho) e wájí (azul), elementos que servirão para a
pintura do/a iaô durante todo o processo iniciático.

No candomblé, acredita-se que todas as cores são dotadas


de energia, por isso, ao pintar o/a iaô com as tintas naturais,

2 Oxumarê é a serpente arco-íris. É o símbolo da mobilidade e da ati-


vidade, é a continuidade e a permanência. É presentado por uma serpente que
morde a própria cauda. Oxumarê é representado pelas cores vermelho e azul
que cercam o arco-íris.
3 Expressão yoruba utilizada na liturgia dos candomblés, que significa
“qual é o teu nome”.

38
“a sua eficácia enquanto substâncias ativas, se inscrevem e
infundem no seu corpo” influenciando de forma positiva o
destino do/a iniciado/a. (VOGEL; MELO; BARROS, 2012,
p.103)

Sobre a representação e o significado das tintas naturais


utilizadas no corpo do/a iaô durante o período de sua
iniciação, no livro “Elégùn: iniciação no camdomblé: feitura
de Ìyàwó, Ógan e Ekéjì”, Oliveira nos relata o significado
da tinta natural representada pelo pigmento esbranquiçado
denominado efun:

O efun representa o èjè funfun (sangue branco), o


amòn (barro) que é o representante do reino mineral e
material que, além de lembrar-nos a nossa origem (do
barro), é a homenagem aos Òrìsà funfun como Àjàlá
e Òòsààlà, sendo que Òòsààlà foi aquele que recebeu
a incumbência de Olódùmarè para moldar os seres
humanos, e Àjàlá outro Òrìsà funfun cujo ofício é
somente moldar os orí (cabeças) para serem escolhidos
pelos seres humanos antes de virem do òrun para o ayé
(do céu para a terra). (OLIVEIRA, 2015, p. 41)

Em relação ao pigmento osùn, representado por uma


substância avermelhada de origem vegetal, e ao pigmento
Wáji, (índigo africano) compatível a um azul forte e vibrante
extraído também do reino vegetal, Altair T’Ògún, comple-
menta.

O osùn, elemento vegetal (Pterocarpus erinaceous) é o


pó de uma madeira avermelhada que é usada para tin-
gimento e tem o simbolismo de represetar o èjè pupa

39
(sangue vermelho) que faz parte do awo (segredos do
culto); e o Wáji, outro elemento vegetal, o aró que
também é utilizado para tinturas. (OLIVEIRA, 2012,
p. 41)

Assim como entre os indígenas, também nas comuni-


dades-terreiro, a pintura quando associada a ritualística da
iniciação não pode ser feita por qualquer pessoa, por isso,
quando nos referimos à aplicação do efun, faz-se necessário
ponderar que, existe nas casas de Candomblé um título dedi-
cado à pessoa encarregada de pintar o/a iaô. Essa pessoa é a
Iá-Efun, em tradução livre, a “mãe do Efun”.

Diz que Òsun fez o primeiro iaô. Pegou uma galinha


d’angola e pintou ela toda com efun. Depois fez o osùu e
botou, também, o ìkóòdíde na testa. Na cabeça. A konken
voou, então, e foi pro mato. Lá Èsù, Jélú, encontrou com
ela e fez um trabalho. E aquela pena ficou dura. E o osùu
ficou duro. E as pintas ficaram permanentes. E ela nunca
mais mudou. (VOGEL; MELO; BARROS, 2015, p.105)

Através desse mito, é possível reconhecer o orixá das


águas doces e da fertilidade, Oxum 4, como uma Iá-Efun par-
ticipando, juntamente com o orixá dos caminhos e da di-
nâmica de todos as coisas, Exú5, do momento iniciático da
galinha d’angola.

4 É a divindade do rio do mesmo nome que corre na Nigéria, nas regi-


ões Ijexá e Ijebú. É chamada de Iyalodê, título conferido à pessoa que ocupa o
lugar mais importante entre todas as mulheres da cidade.
5 Ele é o guardião dos templos, das casas, das cidades e das pessoas. Ser-
ve como intermediário entre o Outro-Mundo e o mundo dos vivos, exercendo
também a função de mensageiro entre os homens e os Orixás.

40
A galinha d’angola, associada ao mito acima, está pre-
sente também em tantos outros mitos compartilhados nas co-
munidades-terreiro de matriz africana, isto porque, sua pre-
sença e suas cores são fundamentos essenciais para questões
emblemáticas, como a iniciação da vida no axé.

Entre esses mitos, é possível citar o itan da criação que


relaciona a galinha d’angola a Ododuwa 6, representada pela
Terra.

A galinha d’angola foi quem fez a terra. Foi a primeira a


existir. Ela simboliza a terra – Odùduwà. Ela simboliza
a terra, tanto que ela é o chão em que o/a iaô vem e
vai embora. Existia pouca terra. Ela ciscou, ciscou... E
o chão foi aumentando. E aí surgiu a Terra... No àsèse
tem galinha d’angola. (VOGEL; MELO; BARROS,
2012, p.88)

Igualmente importante, ainda é possível relatar outro


mito onde a galinha d’angola irá se encontrar com o orixá
Oxalá7 e receberá das mãos desse orixá o dom de possuir to-
das as cores.

Um dia de manhã, conta a lenda divinatória, Òòsàálá


encontrou-se com o etù. Vinham pelo mesmo cami-
nho. A galinha d’angola lembrou-se, então, do que
lhe haviam dito os mais velhos. E, com solicitude, fez

6 Divindade yoruba seu nome significa “a cabaça de onde jorrou a


vida”.
7 Filho de Olorun, Oxalá é conhecido também como o “Senhor do
Pano Branco”.

41
presentes ao viajante sem suspeitar de quem se trata-
va, pela simples disposição de mostrar-se gentil para
com quem quer que lhe aparecesse em sua viagem. O
Senhor da Criação ficou encantado. Nunca tinha vis-
to ninguém tão obsequioso. Resolveu, então, conce-
der ao sacuê a graça especial de possuir todas as cores.
(VOGEL; MELO; BARROS, 2012, p.98)

Segundo Nascimento, a presença viva e profunda da


religião das culturas africanas no Brasil influência de forma
significativa a arte como um todo. Para ele, existe um “po-
tencial imensurável que a persistência dos valores africanos
em cultura e religião significa para o desenvolvimento do pa-
trimônio espiritual e criativo do povo brasileiro”. (NASCI-
MENTO, 2019, p.109)

Contemplando os apontamentos de Abdias é possível


encontrar no enredo criativo do povo brasileiro a presença
tríplice da galinha d’angola, suas cores e a religiosidade afro-
-brasileira nas festas populares do país como, por exemplo,
no carnaval. Através dos versos do samba-enredo “A Viagem
da Pintada Encantada”, apresentado no ano de 1996 pelo
Grêmio Recreativo Escola de Samba União da Ilha do Gover-
nador. Os compositores Alberto Varjão e Vicentinho, através
das vozes do lendário Haroldo Melodia e do seu filho Ito
Melodia, fizeram ecoar na avenida a importância da presença
da galinha d’Angola na cultura afro-brasileira e nas práticas
cotidianas do povo de santo, como pode-se observar no tre-
cho do samba enredo abaixo.

42
“A ie ie ô, a ie ie ô, ai ie ie ô
Emakualê Oxum, erê
Sambokorô, sombokorô ô ô
Na cultura afro-brasileira assim surgiu
Seus costumes, raça, crenças nos uniu
Bicho feito que espanta a morte
Povo de santo a primeira Iaô
Catulou, raspou, pintou
Canto, dança e esplendor
Oferenda para os orixás
Saravá, que a sorte quero mais”

(Samba-enredo “A Viagem da Pintada


Encantada” – Alberto Varjão e Vicentinho, 1996)

A partir dos mitos e itans 8 reproduzidos pelas comu-


nidades-terreiro e das composições encontradas nas festas
populares, como no caso do carnaval, é possível reconhecer
que para as comunidades-terreiro, assim como para a cultura
afro-brasileira, a galinha d’angola e suas cores naturais pos-
suem um simbolismo para além da questão estética, metafó-
rica ou sacrificial. Isso porque, o “bicho feito que espanta a
morte” ao ter suas cores inscritas no corpo do/a iaô penetra e
fixa-se eternamente em seu espírito, fazendo-se presente em

8 Itans: Histórias, mitos, lendas.

43
seu processo iniciático e acompanhando-o em seu desenvol-
vimento existencial até o momento de se apresentar como ali-
mento em seu axexê 9. Conferindo, desse modo, o resguardo e
o andamento das religiões e da cultura afro-brasileira no país.

9 Ritual fúnebre que se realiza nos candomblés por ocasião da morte de


um/a integrante da comunidade-terreiro.

44
Referências

ALVARENGA, D. Curso de tintas a partir de pigmentos minerais.


Fundação IBI – Tecnologias Alternativas. Belo Horizonte, MG.
2006

NASCIMENTO, Abdias. O quilombismo: documentos de uma


militância pan-africanista. São Paulo: Editora Perspectiva; Rio de
Janeiro: Ipeafro, 2019.

MULLER, Regina Polo. A pintura do corpo e os ornamentos Xa-


vantes: arte visual e comunicação social. 1976. 213 f. Disserta-
ção (mestrado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto
de Filosofia e Ciências Humanas, Campinas, SP. Disponível em:
<http://www.repositorio.unicamp.br/handle/REPOSIP/279213>.
Acesso em: 08 abr. 2021.

OLIVEIRA, Altair B. Elégùn: iniciação no candomblé: feitura de


Ìyàwó, Ógan e Ekéjì. Rio de Janeiro: Pallas, 2015.

PROENÇA, G. História da Arte. Editora Ática – São Paulo. 2009.

ROLANDE, Josinelma Ferreira. “Pinta pra ficar bonito”: o cará-


ter agentivo da pintura corporal Canela. Enfoques - Revista dos
Alunos do PPGSA-UFRJ, v.12(1), junho 2013. [on-line]. pp. 50
- 65. Disponível em: http://issuu.com/ revistaenfoquesufrj/docs/
vol12_1, acesso em: 27 abr. 2021.

SIMAS, Luiz Antonio. Fogo no mato: a ciência encantada das ma-


cumbas. Rio de Janeiro: Mórula, 2018.

SODRÉ, Muniz. O terreiro e a cidade: a forma social negro brasi-


leira. Rio de Janeiro: Mauad X, 2019.

UEMOTO, K. L. Pintura a base de cal. Instituto de Pesquisas


Tecnológicas – IPT. Associação Brasileira dos Produtores de Cal –
ABPC. São Paulo. 1993.

45
VOGEL, Arno; MELLO, Marco Antônio da Silva; BARROS, José
Flávio Pessoa de. A galinha d’angola: iniciação e identidade na cul-
tura afro-brasileira. Rio de Janeiro: Pallas, 2012.

46
CAPÍTULO 2

Tintas Naturais:
Cultura e
arquitetura
africana
49
Abiola Akande Yayi

FONTES CÓSMICAS E
TERRESTRES DAS CORES

A arquitetura é, sem dúvida, uma das áreas do conhe-


cimento que mais impacta as nossas sociedades no mundo
contemporâneo. Este fato se deve, num primeiro momen-
to, à nossa necessidade de nos abrigar das intempéries, mas
muito além disso, hoje a arquitetura define nossos modos
de ser e viver, nossa cultura. A forma como organizamos
e construímos nossos ambientes de vida diz muito sobre
nós. Falar em arquitetura é falar das relações do ser hu-
mano com seu entorno, seu ecossistema, mas também das
relações inter-humanas e vista a lógica dentro da qual esta-
mos inseridos na nossa grande maioria hoje, o urbanismo
se torna essencial nos debates já que ele representa a escala
macroscópica da arquitetura, ou seja, fundamental para um
entendimento sistêmico da arquitetura e dos seus impactos
socioeconômicos.

A artificialidade que observamos hoje no mundo nos dá


a impressão de estarmos distantes do nosso ambiente natural,
mas, no fundo, tudo que nos cerca é oriundo da natureza.
Apesar da industrialização e das transformações que fazemos
dos elementos naturais (minerais, vegetais, animais) que nos

50
dão a impressão de estar distantes da fonte, tudo no nosso
entorno se resume a moléculas oriundas da mesma. A Kate
Nesbitt escreve:

Em virtude da durabilidade das construções, o


teórico da arquitetura está sempre esbarrando num
condicionante histórico: a observação simultânea de
obras que datam de épocas muito distantes no tempo.
Isso impõe uma reflexão sobre nossa reflexão com a
tradição da arquitetura. Que uso dar às experiências
passadas de projeto e construção? A imitação é o
melhor caminho para chegar a uma arquitetura bela
e comunicativa? Ou será que os padrões de beleza
e percepção da forma se modificaram tanto que a
mimese somente é capaz de produzir formas mudas?
Qual importância do estilo? Como as mudanças
tecnológicas afetam o uso de modelos tradicionais de
construção?

A teoria também trata da relação entre arquitetura


e natureza conforme ela se manifesta na construção
do local. Quanto a isso, as atitudes têm variado
historicamente de uma relação de harmonia, comunhão
e integração com a natureza, a uma postura de
hostilidade e exploração. A maneira como o arquiteto
concebe o território da sua atividade, o modo como
o trabalho do projetista converte a natureza (o ermo)
em paisagem (um artefato cultural) são em boa parte
influenciados por paradigmas filosóficos. (NESBITT,
2008, p.20-p.21)

51
Sendo assim, a arquitetura no Brasil e no mundo oci-
dental de forma geral não é exemplo do paradigma filosófico
europeu e sua lógica hostil e de objetificação da natureza. O
mesmo paradigma tem uma influência sobre a nossa forma
de compreender a nossa própria história e a história do co-
nhecimento como um todo. A visão eurocêntrica, dominante
no mundo atual, principalmente no mundo ocidental e, por-
tanto, no Brasil, pega suas raízes na negação ou até na detur-
pação da história e da cultura africana que é a raiz de toda a
humanidade. As mentiras contadas para justificar o imperia-
lismo europeu invertem os papéis tentando construir a ideia
segundo a qual, os filhos seriam mais evoluídos do que os
pais. Em outras palavras, o mundo está, por causa da Europa
colonial e escravagista, completamente amnésico, limitando
a história do conhecimento no tempo, com a sua invenção de
um suposto milagre grego.

A verdade é que a compreensão da ciência, da filosofia,


de todas as bases que caracterizam a civilização humana passa
irrevogavelmente pela África, já que esta é a nossa origem.
A África não é apenas o berço natural da humanidade, ela
é a terra que viu nascer a civilização. E este entendimento é
necessário porque precisamos, para compreensão de qualquer
assunto científico/filosófico a partir do paradigma africano,
ter ciência de que estamos falando de uma visão de mundo
ancorada na dinâmica observada na própria natureza. Eis o
ponto de partida. Ler o mundo e as diversas perspectivas que
ele apresenta.

52
CORES, CULTURA E PAISAGEM

Imaginemos um instante que a gente tivesse em plena


natureza, sem nenhuma interferência humana, tendo apenas
o céu, a terra, a vegetação, alguns montes de minerais e de
vez em quando alguns animais compondo nossa paisagem.
Esta seria a configuração do espaço aos olhos dos primeiros
homens. As paisagens são essencialmente feitas de cores, e
dependendo do tempo que estiver fazendo, do lugar onde
estivermos, a luz e os componentes da nossa vista mudariam.
Ao observar estas paisagens por um certo tempo, progressi-
vamente, perceberíamos um fenômeno natural recorrente, de
vez em quando, aparece o arco-íris. O que é interessante nes-
ta manifestação natural, é que por ela ser uma faixa composta
das cores primárias, e por ter um tamanho notável, se des-
taca aos nossos olhos, assim como um trovão, por exemplo,
a presença do sol durante o dia, da lua durante a noite, dos
eclipses em determinados momentos da nossa existência etc.

Estes marcos ganham um destaque particular nas nossas


culturas porque considerados como indicações a serem estu-
dadas e compreendidas para o entendimento da nossa própria
existência na terra. Eles passam a ser parte da nossa espiritu-
alidade, pelo menos na cultura africana. É o que explica que
o olhar eurocêntrico com sua lógica de “religião” enxerga que
cultuamos deuses, mas não percebe que através destes cultos,
o que nós realizamos é o enaltecimento dos princípios cientí-
ficos fundamentais à existência da vida no cosmos.

53
Há um princípio importante a ser notado para o nosso
desenvolvimento, e este se descreve facilmente a partir da ge-
ometria fractal. O que está no macro, está no micro, ou seja,
para entender determinadas realidades do mundo, é preciso
observar as manifestações macroscópicas, microscópicas ou
as duas ao mesmo tempo. Ou seja, se o arco-íris aparece tão
grande aos nossos olhos, não é para ser bonito apenas, é para
que ao nos extasiar em frente a este fenômeno, a gente perceba
que as cores fundamentais de toda a criação estão sendo apre-
sentadas para nós. Outro exemplo: o trovão. Ele não aparece
apenas para nos impressionar, é para que entendamos que ele
é uma das energias fundamentais (energia eletromagnética)
que fazem a dinâmica da vida acontecer. Ou seja, quando os
nossos ancestrais yoruba falam de Oxumarê, ou de Xangô por
exemplo, não estão falando de “deuses” no sentido ocidental
da coisa, mas de manifestações que remetem à essência da
vida e de tudo que existe. O mesmo se aplica a todos os orixás
na cultura yoruba. No entanto, já que o nosso foco não é a
espiritualidade e sim as cores, as tintas na cultura e na arqui-
tetura, o objetivo aqui é apenas destacar a origem da cor no
cosmos visto a partir da gênese africana.

Assim como o arco-íris representa enquanto conjunto,


uma força primordial do universo manifestada na terra, cada
cor que o compõe também tem suas particularidades. Cada
orixá tem suas cores de predileção, e estas são utilizadas de
forma simbólica na cultura de modo geral e na arquitetura
também. A título ilustrativo, não faria sentido construir

54
uma edificação para Ogum por exemplo tendo como cor
predominante o vermelho, no entanto para Xangô seria
lógico. Trata-se apenas de um exemplo reducionista para
evidenciar a simbologia das cores na arquitetura. Na realidade
as coisas são mais complexas já que estamos falando de uma
visão sistêmica.

Dito isso, como podemos observar, as cores que cos-


tumam ser representadas por tintas na arquitetura, não são
apenas elementos estéticos ou uma questão de gosto. Na visão
africana, elas são ancoradas na origem da vida, carregam suas
simbologias e transmitem certas mensagens tanto do ponto
de vista filosófico, quanto científico.

Na área da edificação, portanto, torna-se imprescin-


dível o estudo da cor nos seus aspectos culturais para uma
atuação abrangente. Mais uma vez irei recorrer à imaginação
para explicitar melhor este fato. Numa sociedade yoruba em
que a visão ocidental não teria nenhum efeito, o cidadão te-
ria acesso ao seu odu (signo de Ifa) e uma das características
deste conhecimento é que ele nos revela as cores que não
devemos usar, as que devemos usar, os alimentos a evitar etc,
para que possamos viver em equilíbrio e evitar certos confli-
tos desnecessários nas nossas vidas. Pode parecer um tanto
supersticioso para um olhar ocidental, no entanto este tipo
de informação é levado a sério nas nossas culturas na Áfri-
ca. Um arquiteto conhecedor de Ifa conseguiria, portanto,
harmonizar as cores da residência do seu cliente, ou talvez
só do seu cômodo com o ser dele. Pessoalmente, eu gostava

55
muito de usar a cor vermelha por exemplo e o conhecimento
do meu odu me levou a evitar o uso desta cor na minha ves-
timenta, com isso pude perceber uma mudança positiva nas
minhas relações sociais. Ou seja, nem sempre nossos gostos,
nem sempre o que nós queremos é o que nós precisamos de
fato. E é o que necessitamos que nos mantém em equilíbrio.

Figura 2. Arco Iris. Wilhan José Gomes, Fevereiro 2013. Fonte: <https://
pixabay.com/fr/photos/arc-en-ciel-nature-afrique-509500/>.

Para finalizar esta primeira parte, considero necessário


apontar a influência das cores sobre o nosso humor. Nos dias
nublados, com o céu cinza e bastante escuro, nós não temos
o mesmo ânimo que nos dias ensolarados quando o céu está
com cores mais vibrantes e o nosso entorno mais iluminado.
Da mesma forma, o fato da noite o espaço ser mais obscuro
no lado onde estamos na terra ativa nosso relógio natural para

56
dormir. Não poder enxergar as coisas com clareza no obscuro
nos deixa mais inseguros para fazer determinadas atividades.
Isto significa que associamos determinadas cores naturalmen-
te a certos fenômenos que ocorrem na nossa vida, o preto
por exemplo, nos remete à profundidade, ao oculto e assim
por diante. Podemos fazer várias leituras de como a paisagem
definida por cores nos influencia.

ARQUITETURA, NATUREZA E TINTAS

Todos os materiais utilizados na construção civil têm


sua própria pigmentação. Sejam eles oriundos do mundo ve-
getal ou do mineral. As transformações industriais modificam
o aspecto de alguns, mas de forma geral, os materiais que es-
truturam os edifícios já têm suas cores. No mundo ocidental,
algumas vertentes arquitetônicas procuram manter expostas,
as aparências naturais desses materiais. É o caso do bruta-
lismo por exemplo. No entanto, nos seus desenvolvimentos,
esse movimento no mundo da arquitetura foi integrando pro-
gressivamente, cores primárias como o azul, o vermelho e o
amarelo para amenizar o caráter austero dos edifícios prin-
cipalmente construídos de concreto armado. Este tipo de
edificação nasceu no movimento modernista, cuja principal
base conceitual era a funcionalidade. A lógica desta forma
de arquitetura tendo nascido praticamente simultaneamente
com a revolução industrial europeia, a busca por uma pa-
dronização e uma universalização da arquitetura baseada na
visão europeia se tornou um instrumento de colonização. A

57
artificialidade dos produtos industriais podendo ser exporta-
dos aos quatro cantos do planeta esvaziou progressivamente
os materiais utilizados da sua ligação com o ecossistema. E
no meio deste processo, as tintas também se artificializaram,
tornando-se, cada vez mais, elementos apenas estéticos den-
tro de um quadro que nega as simbólicas locais.

O desenrolar das dinâmicas sociais, mas principalmente


da ciência ao longo das últimas décadas nos fez perceber que
toda esta artificialidade desenfreada criou muitos produtos
nocivos para a nossa saúde e o motivo aos meus olhos é
simples. A busca por cada vez mais funcionalidade com a
finalidade de lucrar. Os materiais, no caso presente, as tintas,
não eram desenvolvidas levando em conta os impactos que
os produtos químicos utilizados para sua durabilidade, por
exemplo, podiam influir negativamente na nossa saúde. O
mesmo se aplica em praticamente todas as áreas de produção
para nossa consumação hoje em dia. As tintas artificiais, além
de nos deixarem doentes fisicamente acabam tendo um efeito
nocivo sobre a nossa saúde mental também. Na verdade, a
nossa alimentação, nosso modo de viver, os produtos que
consumimos de forma geral no mundo hoje são pela sua
grande maioria ruins para o nosso equilíbrio. E as tintas são
apenas uma das consequências dessa artificialidade.

Longe de mim a ideia de pintar a indústria como o


monstro a desmontar. Mas a realidade é que os princípios nos
quais ela se baseia precisam mudar para que possa voltar a um
pouco mais de naturalidade.

58
As tintas naturais existem no mundo vegetal e mineral.
Nas sociedades tradicionais africanas continuam sendo uti-
lizadas até hoje, sendo não apenas elementos estéticos, mas
também inseridos num pacote maior de sentidos. A nossa
saúde é um todo. Não dá para falarmos em saúde mental
separado da saúde física e espiritual. É preciso para com-
preender a importância da utilização das tintas naturais na
arquitetura, mas também nas diversas outras artes, partir de
uma visão holística que envolve a tinta na sua configuração
social e também ecossistêmica.

Figura 2. Casa Ndebele na África do Sul. Nananère, agosto 2006 Fonte:


<https://fr.wikipedia.org/wiki/Nd%C3%A9b%C3%A9l%C3%A9s>.

O uso de tintas naturais na arquitetura seria benéfico


em vários aspectos. O primeiro é o econômico. Se partirmos
do fato que existem certos minérios e vegetais disponíveis em

59
abundância em determinados ecossistemas, utilizar esses ele-
mentos naturais nos poupa o transporte em longas distâncias
de tintas. Isto é, reduzir os custos de mobilidade que não se
limitam a uma questão financeira, mas também no aspecto
da poluição ambiental já que nossos transportes modernos
são fontes importantes de poluição. Além disso as indústrias
de produção dessas tintas não tendo que manusear produtos
químicos nocivos e muito sensíveis precisariam de muito me-
nos energia para suas atividades. Além disso tudo, favorece o
desenvolvimento econômico local, preservando os empregos
existentes e até criando novos.

O segundo benefício é tão evidente quanto o primeiro,


senão mais. A saúde. Muitos dos produtos químicos utili-
zados na indústria resolvem algumas problemáticas quanto
à durabilidade das tintas, mas criando outros problemas na
nossa saúde. A pergunta é, entre ter uma tinta que dura 10
anos deteriorando progressivamente nossa saúde e uma tinta
que precisa de uma ou duas manutenções nesses 10 anos, mas
que não tem uma influência negativa na nossa saúde, o que
nós preferimos? Se o foco for a saúde, sem dúvidas, tintas
naturais são a melhor solução.

Um terceiro motivo pelo qual o uso de tintas naturais


na arquitetura seria positivo é a integração ecossistêmica e
sociocultural. As tintas como o vimos mais cedo, tem uma re-
lação direta com a natureza, aliás elas provêm desta natureza.
E, geralmente, os materiais mais adequados para a construção
civil, visando o conforto ambiental e até visual costumam

60
estar no entorno imediato da construção. Além disso, cada
sociedade desenvolve sua cultura a partir das suas relações
com o seu ecossistema e a simbologia das cores, o significado
dos pigmentos extraídos de tal ou tal outro lugar tem impor-
tância para as sociedades que veem nessas relações, sentidos
que enriquecem sua visão de mundo.

Poderia enumerar várias outras vantagens do uso das


tintas naturais na área da arquitetura. Mas uma coisa é certa,
toda esta discussão não avançaria se não mudassem de registro
racional. Olhar para as finalidades é fundamental para saber
o que consideramos melhor ou não. As tintas naturais têm
suas limitações e podem ser questionadas também. Muitas
desvantagens podem ser apontadas. Mas é uma questão de
perspectiva, ou melhor, de paradigma, de visão de mundo.

SÍNTESE

Em resumo, demos uma volta no tempo, revisitando de


forma breve e bastante simplificada, as origens do conheci-
mento para em seguida, com um pouco de imaginação, ob-
servar a ligação cósmica das cores. O objetivo nesta parte está
sendo evidenciar o fato que apesar de toda a artificialidade
que observamos no mundo hoje, a fonte continua a natureza.
Nossas paisagens são todas coloridas e esta realidade inicia no
cosmos, no nível do intangível, do sentir. O céu é gasoso, não
é matéria sólida. Mas é colorido.
Depois destacamos a influência do cosmos na visão cul-
tural, e destacamos a continuidade daquilo que é imaterial

61
no mundo material, mostrando que os pigmentos que cons-
tituem as tintas que utilizamos na arquitetura, nas artes, são
componentes de minérios e vegetais com o intuito de estabe-
lecer uma ponte entre natureza e cultura. A arquitetura sendo
cultura e estudiosa da cultura, deve se inspirar nestas liga-
ções, respeitando as simbologias, e integrando essas relações
na forma como utiliza as tintas que vão além de uma questão
funcional e estética

Por fim, levantamos de forma mais concreta algumas


das implicações de usar tintas artificiais e naturais na arqui-
tetura contemporânea focando principalmente na questão
da saúde já que é fundamental olhar para as finalidades das
nossas ações. Assim entendemos que as tintas naturais parti-
cipam do nosso equilíbrio e da nossa harmonia com o todo,
trazendo benefícios para o nosso bem-estar, mas também so-
cialmente e economicamente.

A finalidade deste desenvolvimento todo é debater sobre


a visão de mundo por trás das tintas. O olhar que produz e
utiliza determinada tinta é o mesmo olhar que influencia o
arquiteto que produz a construção. A arquitetura é fruto de
reflexões sociais, culturais, econômicas antes de ser técnica. E
a realidade é que as tintas naturais têm um cordão umbilical
diretamente ligado à origem natural da própria existência. Já as
tintas químicas industriais, são modificações que nos afastam
de algum modo destas ligações, por serem modificações muitas
vezes nocivas para nossa saúde por estarem buscando a super-
ficialidade, a estética, a funcionalidade, mas negligenciando o
que no final importa: a saúde, o bem-estar, a harmonia.

62
Referência

NESBITT, Kate. Uma Nova Agenda Para a Arquitetura. 2ª Edição, São


Paulo,Cosac & Naify, 2008.

63
CAPÍTULO 3

Caçadores,
Ferreiros e
abridores de
caminhos
decoloniais
Vagner Felix da Silva
Luiz Fernandes de Oliveira

FARA IMORA OLUWO,


FARA IMORA ARAKETO WORE,
FARA IMORA 1

Ganha força política nos últimos dez anos, um deba-


te no campo da educação denominado Pedagogias Decolo-
niais. Esse conceito, desenvolvido por algumas intelectuais da
América Latina, chega ao Brasil enquanto uma proposta que
se conecta profundamente com variados processos e histórias
indígenas e negras, principalmente quando fazemos referên-
cia às resistências e afirmação desses povos colonizados pelos
brancos europeus.

Pedagogias Decoloniais faz referência a uma luta polí-


tica e epistêmica contra a colonialidade. Este outro concei-
to, significa um padrão de poder que surge como resultado
do colonialismo moderno europeu, porém, não se limita “a
uma relação formal de poder entre os povos ou nações, refe-
re-se à forma como o trabalho, o conhecimento, a autoridade
e as relações intersubjetivas se articulam entre si através do
mercado capitalista mundial e da ideia de raça”. (MALDO-

1 “As pessoas que se unem, se fortalecem, as pessoas de ALAKETU,


trocam a benção”

68
NADO-TORRES, 2007, p. 131). A colonialidade sobrevive
até hoje “nos manuais de aprendizagem, nos critérios para os
trabalhos acadêmicos, na cultura, no senso comum, na au-
toimagem dos povos, nas aspirações dos sujeitos, e em tantos
outros aspectos de nossa experiência moderna”. (idem).

Como face da mesma moeda, a modernidade foi uma


invenção das classes dominantes europeias a partir do con-
tato com a América. A modernidade não foi fruto de uma
autoemancipação interna europeia que saiu de uma imatu-
ridade por um esforço autóctone da razão que proporcionou
à humanidade um pretenso novo desenvolvimento humano.
Foi necessário, segundo Dussel (2009), afirmar uma razão
universal a partir da Europa e estabelecer uma conquista
epistêmica na qual o etnocentrismo europeu representou o
único que pôde pretender uma identificação com a “universa-
lidade-mundialidade”. A modernidade foi inventada a partir
de uma violência colonial. Em outros termos, conquistada a
América, as classes dominantes europeias inventaram que so-
mente sua razão era universal, negando a razão do outro não
europeu, daí, constituindo a Modernidade/Colonialidade.

Se a colonialidade operou a inferioridade de grupos hu-


manos não europeus do ponto de vista da produção da divi-
são racial do trabalho, do salário, da produção cultural e dos
conhecimentos, foi necessário operar também a negação de
faculdades cognitivas nos sujeitos racializados. Neste sentido,
o racismo epistêmico não admite nenhuma outra epistemolo-
gia como espaço de produção de pensamento crítico, científi-

69
co ou pedagógico. Isto é, a operação teórica que, por meio da
tradição de pensamento e pensadores ocidentais, privilegiou
a afirmação de estes serem os únicos legítimos para a produ-
ção de conhecimentos e como os únicos com capacidade de
acesso à universalidade e à verdade.

Apesar da colonialidade, desde quando os europeus


chegaram ao Brasil, dominando povos nativos e escravizando
povos africanos, esses nunca se resignaram ou se deixaram
dominar completamente. Em meio as ruínas da colonização e
da colonialidade, povos indígenas e negros pensaram a partir
dessas ruínas, das experiências e das margens criadas pela
colonialidade. Reconstruíram outras subjetividades, outros
conhecimentos e se constituíram como diferenças coloniais.

Foi uma reconstrução que se representou também di-


mensões pedagógicas e de pensamento, pois foi e é vivida a
partir de experiências próprias em meio ao terror da colo-
nialidade, foi pensada a partir de visões de mundo não eu-
rocêntricas e foi capaz de produzir novos conhecimentos e
uma outra compreensão simbólica do mundo que, por sua
vez, questiona a hegemonia da Modernidade/Colonialidade
(WALSH, 2005).

Portanto, quando emerge esse novo conceito de Peda-


gogias Decoloniais, as afinidades entre este e as histórias e le-
gados de povos africanos escravizados são muito fortes. Pois
as pedagogias decoloniais, enquanto projeto político, faz ex-
pressar o colonialismo que construiu a desumanização dirigida

70
aos subalternizados pela modernidade europeia e pensa a partir
da ideia de uma prática política contraposta à geopolítica he-
gemônica monocultural e monorracional, pois trata-se de visi-
bilizar, enfrentar e transformar as estruturas e instituições que
têm, como horizonte de suas práticas e relações sociais, a lógica
epistêmica ocidental, a racialização do mundo e a manutenção
da colonialidade.

É nesse sentido que vamos descrever e analisar alguns


legados pedagógicos das comunidades de terreiros de matriz
africana que nos possibilita pensar uma educação outra, uma
opção decolonial, muito além dos marcos coloniais de poder
e de educação eurocentrada.

ATRAVESSANDO O OCEANO E ABRINDO NOVOS


CAMINHOS

Durante o processo de imigração obrigatória, conheci-


do como tráfico de humanos, que perdurou por mais de 300
anos, estima-se que cerca de quatro milhões de africanos cru-
zaram os mares a caminho do Brasil colonial. Com eles trou-
xeram sabedorias e conhecimentos guardados em suas memo-
rias e em seus corpos. Ainda diante de todas as tentativas de
apagamento, reconstruíram, mesmo longe de sua terra-mãe,
outras formas de existir no mundo.

Na busca pelo sentimento de pertença e do esforço em


recompor suas vidas do lado de cá do Atlântico, os africanos e
seus descendentes, estabeleceram métodos de adaptações, que

71
contribuíram para reorganização e resistência de suas práticas
ancestrais. Sendo assim, as Comunidades Tradicionais de Ter-
reiro, apresentam-se como espaços-territórios fundamentais
desse processo de reestruturação. Logo, toda comunidade-
-terreiro, configura-se como um entre-lugar de expansão da
sociabilidade, da reconstrução das identidades fragmentadas
pelos processos da diáspora, da criação do ambiente familiar
e da manutenção da vida.

Para o estudioso Muniz Sodré (1988), essas comunida-


des se estabelecem como espaços litúrgicos organizados. São
nesses locais, que parte da herança cultural africana, trazi-
da para as margens de cá, estão resguardadas. Esses territó-
rios, tornaram-se responsáveis pela criação de uma rede de
proteção e de um fazer pedagógico outro que, tem em seus
desdobramentos, a preservação dos saberes ascendentes e a
reinterpretação do mundo a partir de símbolos e significados
próprios.

Interessa-nos pensar, também, o terreiro para além do


espaço físico, palpável e concreto. Nesse sentido, esse lugar
“configura-se como tempo/espaço onde o saber é praticado”
(SIMAS, RUFINO, 2018, p. 42). Logo, o saber aplicado não
está limitado a um ambiente, ou seja, não é praticado apenas
em um determinado lugar. Ele tem origem nas Comunidades
Tradicionais de Terreiro, mas atravessa os muros físicos e
alarga-se na sociedade, pois as experiências daqueles que são
iniciados na magia ancestral, permanecem neles em todos os

72
níveis de sua existência, tornando-os assim, “corpos terreiros”
(JUNIOR, 2018): símbolos vivos e descendente dessa cultura.

Considero que os corpos transladados na diáspora são


o suporte principal para as invenções de terreiros. Es-
ses devem ser compreendidos como sendo a própria
incorporação desses ‘tempos/espaços’, ou seja, cor-
pos terreiros. Assim, à medida que o corpo negro foi
desterritorializado, através de seu suporte físico e de
suas potências, foi tornando-se capaz de recuperar e
ressignificar memórias comunitárias, reconstruindo
formas de sociabilidade e práticas de saber. O corpo
é a instituição máxima e integrante da experiência em
comunidade, é ele o elemento que institui e organiza o
projeto comunitário. (JUNIOR, 2018, p. 84)

Segundo o dicionário Silveira Bueno (2009), símbolo


pode ser uma “figura, emblema, sinal, combinação de sinais,
imagens que, segundo determinada convenção, representam
ideias, conceitos”. Mello (2003) destaca que eles, estão in-
timamente ligados a memória, valores e sentimentos, tor-
nando-se indispensáveis na vida de determinados grupos. A
partir da cultura, os símbolos podem ser carregados de sig-
nificados que os indivíduos que partilham daquela vivência
lhes atribuem.

As religiões de matriz-africana com seus tambores,


oxês2, danças, vestimentas, culinária, fios-de-conta3, assen-

2 Espécie de machado com dois gumes.


3 Colares de uso litúrgico.

73
tamentos, itans4, entre outros símbolos, instituem processos
de ensino-aprendizagem que desaguam numa outra forma de
ler e está no mundo, visando a reorganização e preservação
das identidades coletivas, sociais, culturais e éticas, através da
oralidade.

A partir das representações simbólicas, experimentadas


de maneira permanente por meio dos ritos e da convivência,
os adeptos das religiões afro-brasileiras estabelecem um di-
álogo diferente com os outros e consigo mesmo, já que nos
terreiros a aprendizagem ocorre por meio do “ver fazer”, ou
seja, a transmissão de conhecimentos é fundamentada pela
vivência e pelas experiências que são assimiladas com o tem-
po. Trata-se de um conhecimento que se adquire, porém não
é ensinado. Os saberes concretizam-se por expressões corpo-
rais, gestos, palavras, cheiros, práticas cotidianas dos terreiros
que estão à margem do saber estabelecido como oficial.

Dessa forma, os saberes de terreiros estão para além


do saber formal, baseado no modelo escolar eurocêntrico
avaliativo, que possui uma proposta pré-estabelecida de ensino
e condutas e, por vezes, estão totalmente desconectadas das
diversidades de formas de vidas e de identidades.

O culto aos ancestrais, talvez, seja o aspecto mais mar-


cante das culturas africanas e afro-brasileiras, por esse motivo
os mais velhos são reconhecidos como verdadeiros guardiões
dos saberes. Eles aprenderam mediante ao ato da observação,

4 Lendas

74
da admiração e da imitação com seus mais velhos. Como uma
espécie de teia que visa a continuidade das tradições, cabe-
-lhes orientar, conforme vivenciaram, os seus mais novos.

ORALIDADE E OUTROS SÍMBOLOS DE


APRENDIZAGENS DECOLONIAIS

Nas sociedades modernas, a escrita se afirma como pre-


sença de evolução diante da oralidade, ou seja, ela se pretende
como única maneira possível de estabelecer relações entre os
seres humanos. Nesse sentindo, aqueles que não a domina ou
não estão presos a essa afirmação, são considerados por mui-
tos como não possuidores da cultura e ultrapassados.

Nas Comunidades de Terreiro, a escrita toma um segun-


do plano, é a oralidade que detém as regras. É através da pala-
vra falada (e não escrita) que a experiência do conhecimento
vai tecendo suas contas. Para as religiões de matriz africana
a oralidade simboliza a grande escola coletiva da vida, é ela
a responsável por colocar os homens em pé de igualdade e
por fazer com que os seres humanos se compreendam em sua
totalidade, pois a palavra tem a capacidade de manter unido
o Orum5 e o Aiê6, de fornecer e propagar o axé7.

Os desavisados e seguidores de uma conduta cartesia-


na, podem espantar-se, num primeiro momento, ao adentrar

5 Céu ou mundo espiritual.


6 Terra ou mundo material.
7 Força vital.

75
num espaço de terreiro e não encontrarem ali um livro físico
em que contenha as normas e uma espécie de sumário a res-
peito daquele espaço. De fato, as tradições afro-brasileiras,
não têm seus ritos e condutas realizadas através dos livros –
ao menos não de maneiras visíveis -, mas nem por esse motivo
eles deixam de existir. É a memória que registra todos os co-
nhecimentos adquiridos ao longo dos anos numa casa de axé8
e depois traduzem-se por meio da oralidade, ativando outras
memórias e dando continuidade à preservação da tradição.

[...] os saberes dessa religião nem sempre são ensinados,


no sentido de um ato pedagógico direcionado à
transmissão de conteúdos. [...] Em muitos casos, os
saberes são aprendidos via observação, na experiencia
diária. Assim o saberes, sendo de natureza experimental,
não estão contidos em manuais, livros, cartilhas ou
folhetos. (NETO; ALBUQUERQUE, 2008. p. 15)

Dessa maneira, a oralidade constitui-se como elemento


primordial do processo de ensino decolonizado. Por meio dela
é que a leitura de outros símbolos torna-se possível, em outros
termos, para a pedagogia realizada nos espaços do terreiro, é
preciso, em primeiro plano, aprender a ler aquilo que não
está escrito e praticar a escuta atenta para ouvir o silêncio
que sempre tem muito a nos ensinar. É imprescindível que se
tenha paciência e desprendimento, afinal, a oralidade é um
livro que não cabe nas estantes da colonialidade.

8 Outro nome utilizado para referenciar um Comunidade


Tradicional de Terreiro.

76
Quando compreendemos essa inversão ao cânone
imposto pela educação formal de herança jesuítica, passamos
a entender que os símbolos possuem gramáticas próprias. Por
meio deles histórias são contadas, lições aprendidas, conversas
são embricadas e a lousa e o giz não existem nem lhes fazem
falta. São eles os encarregados em guardar e transmitir
mensagens e os ensinamentos que norteiam a vida coletiva do
terreiro. Dessa maneira, temos:

[...] de um lado a pedagogia que toma além do objetivo


o subjetivo: as intenções, imaginações e possibilidades
de sentir os sentidos; enquanto do outro lado, nas
religiões cristãs e nas escolas, existe uma pedagogia
que é objetiva, que se pauta no raciocínio patriarcal
[...] (SANTANA, 2005, p.13)

A prática aprender-ensinar, dentro do contexto das re-


ligiões de matriz africana, configura-se como uma forma de
orientação que visa acomodar o outro dentro de si, do seu
destino, do seu próprio caminho e de sua própria forma de
ser no mundo. Esse reencontro do indivíduo com seu odú9
é realizado através do processo de iniciação, onde o abiã 10
passa a ser iaô11 e ganha um nome e um lugar dentro daquela
comunidade. “Portanto, na realidade do terreiro, adultos e
crianças são postos em processo de aprendizagem.” (OLIVEI-
RA; ALMIRANTE, 2014, p.154)

9 Destino de cada pessoa.


10 Aquele que ainda não realizou a iniciação.
11 Aquele que já realizou a iniciação.

77
É durante o período da iniciação que o fazer pedagó-
gico está mais intenso na vida do indivíduo. Todos são res-
ponsáveis pelos cuidados e pelos ensinamentos daquele novo
membro. Dentro dos espaços sagrados acontecem cerimonias
não somete de cunho religioso, mas verdadeiros ensinamen-
tos que vão acompanhar a vida do iniciado até o fim. É co-
mum ouvir o povo de terreiro dizer que durante a iniciação,
o sujeito nasce novamente. Esse nascer de novo, ao nosso
entendimento, é uma metáfora para dizer que o sujeito terá
a necessidade de (re)aprender tudo. Não mais seguindo os
ensinamentos imposto pela sociedade forjada no pensamento
euro-cristão, mas aprenderá, através da observação atenta, os
saberes ancestrais que nortearão sua existência a partir daque-
le instante.

Chegado ao final do período da iniciação, o iaô é apre-


sentado a comunidade e recebido com felicidade e entusias-
mo entre os seus. Ele agora faz parte da reconstrução da iden-
tidade daquele espaço. Ao retornar para vida cotidiana, seu
modo de pensar e agir não serão mais os mesmos, pois ele
aprendeu que há situações, lugares e até comidas que ele pre-
cisa evitar. São seus ewós12, aquilo que desagradará seu des-
tino e sua família ancestral e ao realizá-los desencadeará um
serie de complicações. Em outras palavras, ele aprendeu que
sua trajetória está marcada e ligada de forma coletiva a muitas
outras pessoas e situações.

12 Interdições que devem ser respeitadas.

78
Entendemos este jeito de ensinar como um modelo de
educação oportuna e desveladora, porque cada ensina-
mento corresponde a um desejo ou algo a ser desve-
lado pela necessidade de aprender para ser o que se é
sendo. Educar na vida. Esta é a essência de uma forma
de transmissão da sabedoria como patrimônio cultural
e religioso. É o que dá significado à vida cotidiana. No
terreiro, pela feitura nascemos inseridos na sua coti-
dianidade. (MACHADO, p. 41-42)

A confecção dos fios-de-contas, por exemplo, é um


desses meios de aprendizagem que ocorrem durante esse
período. Com tamanhos, formas e cores variadas, aos olhos dos
leigos, esses colares podem representar um trivial apetrecho,
mas o iaô compreende que a confecção e o uso desse símbolo,
configura-se como uma forma de representação do lugar que
ocupa naquela comunidade, portanto, aprende que a partir
da simples observação desses fios utilizados pelos membros
do terreiro, consegue distinguir quem são seus mais velhos e
quem são seus mais novos. Isso contribui para a manutenção
do axé e na maneira como esse ser deve se comportar diante
de seu grupo.

As danças e os cânticos também se caracterizam como


ensinamentos, pois através deles é possível realizar a leitura
sobre os ancestrais divinizados: quem foram, quais suas con-
dutas, quais suas proibições, suas comidas preferidas. Quan-
do se aprende isso, não mais se dança e canta de qualquer
maneira, em qualquer tom. Adquire-se todo um rito para se
fazê-los, o sujeito passa a empreender valores desses ancestrais

79
na sua vida e compreende que seu corpo é parte constituinte
daquele lugar e daquela história, antes, durante e depois das
cerimonias. Os adeptos ganham disciplina e responsabilidade
por meio do seu corpo em comunhão com seus deuses.

Os atabaques – ou tambores – são os símbolos que


discursam em favor da vida. Mais do que um instrumento
musical ou um adereço do salão, eles guardam em si formas
únicas de ensinamentos. Há um mito bantu que diz o seguin-
te: quando estava criando o mundo, Zambiapungo13 caiu em
profunda tristeza. Os inquices14 ficaram preocupados, pois o
universo estava incompleto e decidiram tentar alegrá-lo, mas
não obtiveram sucesso. Foi então que Zaze 15 pegou um tron-
co seco de uma árvore e esticou o couro de um cabrito branco
em uma das suas extremidades, criando o Ngoma 16 – o pri-
meiro tambor. Ele se pôs a tocar com maestria e empolgação,
Aluvaiá 17 foi o primeiro a ser contagiado pelo ritmo. Logo,
todas as outras divindades estavam dançando alegres e festi-
vas. Zambiapungo presenciando tudo aquilo, encheu-se de
felicidade e decidiu criar os homens para que contemplassem
e se enchessem de vida ao ouvirem Ngoma tocar.

O tambor é o coração do Terreiro, são eles que constro-


em diálogos com os homens dentro de uma roça de santo. São

13 Deus supremo segundo a cultura dos povos Bantu.


14 Divindades que estão para os Bantus como os orixás para os Nagôs.
15 Senhor do fogo (está para o Xangô dos Nagôs).
16 Tambor, atabaque.
17 Senhor dos caminhos (está para o Exú dos Nagôs)

80
“(...) eles que muitas vezes expressaram o que a palavra não
podia dizer e contaram as histórias que os livros não poderiam
contar e as línguas não poderiam exprimir”. (SIMAS, RUFI-
NO, 2018, p. 58). Essa exposição nos atina para o processo
gramatical que os atabaques realizam na vida dos adeptos.
Os tocadores de tambor devem saber, apenas pela audição,
diferenciar um ritmo do outro. Afinal, cada toque revela um
ensinamento e é preciso estar atento para aprendê-lo, ou seja,
há uma técnica de leitura que se realiza sem a utilização do
lápis e do papel, ela se efetua no entrelaço da disponibilidade
do ser e na mestria da observação e execução. Isso cria afetos
que não serão desfeitos com o tempo. Quem aprende dessa
cartilha é capaz de ensinar mesmo não sabendo ler.

Diante disso, as Comunidades Tradicionais de Terrei-


ro se organizam como lugares de ressignificação das práticas
escolares e como executoras das Diretrizes Curriculares Na-
cionais para a Educação das Relações Étnico-raciais e para
o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana
(BRASIL, 2004), mesmo antes dessas serem escritas. A partir
dessas expectativas, a leitura dos símbolos expostos nesse tex-
to, nos convidam a mantermos uma relação de entrosamento
entre a Pedagogia do Terreiro e a ideia de Pedagogias Decolo-
niais para que essa fortaleça outras formas epistemológicas de
legitimação de outras formas de educação.

Enfim, desde quando povos africanos escravizados fo-


ram trazidos para nossas terras, eles iniciaram suas caçadas
pedagógicas, rememorando suas heranças ancestrais, forjando

81
como ferreiros essas memórias e reconstruindo suas vidas na
perspectiva de abrirem novos caminhos existenciais, com Axé
e sabedorias outras.

82
Referências

BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Re-


lações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Bra-
sileira e Africana. Brasília: MEC, 2004.

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Revista Periferia, v. 10, n.1, Jan./Jun. 2018, p. 71–88.

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83
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84
CAPÍTULO 4

Geotinta, educação,
território e cultura
Fabiana de Carvalho Dias Araújo
Ana Beatriz Duarte da Cruz
Francielle da Silva Pimenta

A utilização da terra como pigmento das tintas é uma


técnica pré-histórica e, conforme estudos, sua duração pode
ser equivalente ao da tinta convencional. Com ela tem-se
a oportunidade de combinar diferentes cores de solos para
obter uma variedade de tons (SILVA; SILVA; LIMA, 2018).
De acordo com Carvalho et al. (2007), as práticas de pintu-
ra que usam o solo como pigmento vêm sendo largamente
utilizadas nos mais variados locais e, sobretudo no ambiente
rural.

O preparo da geotinta é simples e, segundo Carvalho


et al. (2007), para a sua fabricação é essencial que se tenha
terra, água e cola branca como matérias-primas. Para o pro-
cesso de mistura dos elementos, é necessário que adicionem
a proporção de 2:2:1 de pigmento-solo, água e cola (CAR-
VALHO et al., 2009). Por meio deste processo temos as
tintas naturais minerais.

Diversas instituições têm se dedicado a projetos para


resgatar o conhecimento e utilização da geotinta, entre elas,
escolas, universidades, museus e empresas. Os objetivos dos
projetos que envolvem a geotinta são diversos: disseminação
do conhecimento sobre o uso de tinta de solo como uma das

88
primeiras tintas a ser usada pelo ser humano; valorização do
solo; educação ambiental; tinta mais sustentável para pintu-
ras de casas; arte entre outros. Alguns, inclusive, apresentam
a geotinta como uma inovação tecnológica e sustentável. Po-
rém, essa inovação não surge nos dias atuais, mas sim há mui-
to tempo, quando usada pelos seres humanos como forma
de registrar seus hábitos culturais, ilustrando cenas de caça,
rituais místicos e acontecimentos marcantes.

Em um primeiro momento, para algumas pessoas, pode


surgir a questão sobre “como relacionar a tinta feita a partir
da terra (geotinta) com educação, território e cultura?”. No
entanto, o que parece incomum, apresenta na prática pura
sintonia. Este processo pode ser entendido enquanto uma
pessoa mais experiente compartilha seus conhecimentos
sobre a construção de uma casa de pau a pique (educação),
valorizando os saberes de seus ancestrais (cultura) enquanto
utiliza materiais disponíveis no ambiente, inclusive a relação
com a terra (território). A geotinta está presente como uma
das expressões dessa relação, pois ao observarmos essas casas
em sua diversidade de cores naturais, percebemos como um
determinado solo, que está próximo ao local de construção,
possui tons e, até mesmo, cores diferentes na estrutura ou
pintura dessas casas.

89
A GEOTINTA E O QUILOMBO SANTA RITA DO
BRACUÍ1

De acordo com Ferraz e Siqueira (1987), a arte é vista


como “linguagem, expressão, construção e conhecimento”.
Para Quadros (2013), a arte é um saber estético que produz
conhecimento e, portanto, o saber artístico possibilita
experiências ao longo da vida.

Segundo Muggler et al. (2005), a etnopedologia estuda


o entendimento que um determinado grupo de pessoas pos-
sui sobre o solo, a partir de seus conhecimentos da natureza,
resgatando o sentimento de pertencimento, respeito e afetivi-
dade que possuem com a terra.

Gerações e mais gerações passam por um determinado


território, enquanto a natureza vai fazendo o seu trabalho de
transformação. Ao mesmo tempo, o ser humano vive com o
solo, transformando-o e, também, utilizando. Dessa forma,
a geotinta conta a história da relação do ser humano com o
solo, construindo, reconstruindo e aprendendo.

Compreendemos que o território é mais que um espaço,


sendo constituído das relações cotidianas, ligadas à dinâmica
política, econômica e cultural do povo.

1 Para mais informações sobre o Quilombo Santa Rita do Bracuí, ver


Silva, Maurício Adelino da. Movimento social quilombola de Santa Rita do
Bracuí: aprendizados na militância e a urgência de um currículo diferenciado.
2018. 137 f. Dissertação (mestrado) - Pontifícia Universidade Católica do Rio
de Janeiro, Departamento de História, 2018. Disponível em <https://www.
maxwell.vrac.puc-rio.br/36408/36408.PDF>. Acesso em 23/05/2021

90
O território surge, na tradicional geografia política,
como o espaço concreto em si (com seus atributos
naturais e socialmente construídos) que é apropriado
e ocupado por um grupo social. A ocupação do
território é vista como algo gerador de raízes e de
identidade: um grupo não pode mais ser compreendido
sem o seu território, no sentido de que a identidade
sociocultural das pessoas estaria inarredavelmente
ligada aos atributos do espaço concreto (natureza,
patrimônio arquitetônico, paisagem). (WILLERS et
al., 2010, p.74).

Por tanto, destaca-se que o território é um espaço de


trocas e de sobrevivência material e cultural. Sendo assim, as
Diretrizes Curriculares Nacionais para educação quilombola
definem os territórios tradicionais como “II – espaços neces-
sários à reprodução cultural, social e econômica dos povos
e comunidades tradicionais, sejam eles utilizados de forma
permanente ou temporária”2. (BRASIL, 2012, p.4)

No curso de Licenciatura em Educação do Campo


(LEC/Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro - UFR-
RJ), por meio da disciplina de agroecologia, alguns estudan-
tes quilombolas realizaram uma visita ao Museu de Solos do
Brasil – UFRRJ. Após essa experiência, esses estudantes trans-
formaram suas percepções acerca da relação que existe entre o
solo e a produção artística. Mesmo já possuindo conhecimen-

2 Art. 5º, DCNs para a Educação Escolar Quilombola. BRASIL. Pa-


recer CNE/CEB nº 16/2012, de 5 de junho de 2012. Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação Escolar Quilombola.

91
tos sobre o território, sua cultura e formas de educação, uma
questão latente ficou como principal para ser pensada: afinal,
como poderiam unir suas experiências com as artes?

O solo, também chamado de chão, é bem mais que


parte da paisagem, da natureza, da produção industrial e
do sustento. Com ele pode-se desenvolver e produzir artes/
artesanatos. Possuindo diversas formas, cores e texturas, seu
valor cultural é uma fonte de estudos, o que agrega qualidades
para a agricultura e para os conhecimentos dos agricultores.
Entendendo que o solo é muito mais que chão e sendo, por si
mesmo, elemento essencial para a vida, ele é também parte do
cotidiano de um quilombola. Logo, o “fazer arte” com o solo
é rico, pois manifesta a cultura material e expressa a relação
dos indivíduos com o seu território.

Os quadros de Francielle S. Pimenta apresentam suas


reflexões construídas a partir das relações que se constituem
em sua volta. Nascida em uma família de pequenos agricul-
tores familiares e também quilombolas, a autora mudou sua
perspectiva nas artes e a relação com o seu território por meio
da experiência vivenciada na graduação. Uma vez que sempre
possuiu proximidade com a terra, sabia de sua importância e
significados. Os conceitos presentes em cada uma das obras
são o reflexo de seu olhar por outra perspectiva, que era mui-
to mais próxima do que imaginava.

Observando a diversidade de cores que existiam tanto


nos terrenos de sua família, quanto na comunidade em que

92
vive, como forma de homenagear o avô, fez um quadro (Fi-
gura 1) no qual representou o sr. José Adriano da Silva com
a geotinta feita da terra do quintal dele. Reverenciando sua
história, como um homem negro agricultor e quilombola,
recontou assim as narrativas de muitos que vivem na comu-
nidade, representando suas trajetórias de luta e resistência.

Para a educação popular, a oralidade é fundamental e


cada vez mais sua importância é reconhecida socialmente.
Sendo uma potente fonte de conhecimento das narrativas de
afro-diaspóricas, a tradição de contar os causos é preservada
pelos griots: “velhos de cabelos brancos, voz cansada e me-
mória um pouco obscura, rotulados às vezes de teimosos e
meticulosos” (KI-ZERBO, 1982, p.27). Um griô é conhecido
por ser a pessoa mais velha de uma comunidade, que mantém
os saberes ancestrais através da história oral. No Quilombo
Santa Rita do Bracuí, o senhor José Adriano da Silva é o griô.

A tradição oral, transmitida através de muitos “causos”


– como definem os moradores do Quilombo do
Bracuí – constitui uma das mais importantes bases da
identidade do grupo e de manutenção de seu território.
Contar “causos” de antepassados escravos para os filhos,
sobrinhos e netos foi, sem dúvida, uma estratégia dos
mais velhos de uma comunidade não letrada para que
o passado permanecesse no presente, para que não se
esquecesse, especialmente, o direito à propriedade da
terra e à herança recebida (ABREU e MATTOS, 2011,
p. 151).

93
Figura 1. Retrato do senhor José Adriano da Silva, griô do Quilombo Santa
Rita do Bracuí. Angra dos Reis-RJ. 2021. Autora: Francielle da S. Pimenta.
(Imagem cedida por Fabiana de Carvalho Dias Araújo).

A pintora presenteou o curso de Licenciatura em


Educação do Campo (LEC/UFRRJ) com seu quadro através
da docente Fabiana de Carvalho Dias Araújo. Segundo a
professora, este quadro é representativo para o curso por estar
relacionado com os povos do campo, a agricultura, o valor da
terra, a relação entre educação, território e cultura, sendo que
estes temas se entrelaçam e fazem desse curso de graduação rico
por meio das histórias dos locais e dos sujeitos que ali vivem,
por meio da perspectiva da educação popular.

A educação popular está fundamentada também na cul-


tura. Representar a cultura com tintas feitas a partir das terras
de um Quilombo é mais um elemento capaz de relacionar os
saberes ancestrais com as práticas das quais hoje são resgata-

94
das, pois assim como a geotinta carrega em si esses conheci-
mentos que são passados entre as gerações, outros movimen-
tos como o jongo também desempenham o mesmo papel de
enfrentamento.

Sendo uma dança de matriz africana que, hoje, na co-


munidade do Bracuí e no Brasil, é símbolo de resistência, pre-
servação e valorização da nossa cultura negra, o jongo (Figura
3) é uma das expressão afro-brasileira que integra em si per-
cussão de tambores, dança coletiva e práticas de magia para a
louvação aos antepassados, além da consolidação de tradições
e afirmação de identidades (CNFCP/IPHAN, 2005)3.

Figura 2. Representação da dança do jongo em quadros pintados com geotinta


feita a partir de terra do Quilombo Santa Rita do Bracuí, Angra dos Reis-RJ.
2021. Autora: Francielle da S. Pimenta. (Imagens cedidas por Francielle da S.
Pimenta).

3 Em 2005, o Jongo no Sudeste foi registrado como patrimônio cultu-


ral do Brasil pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional por
reivindicação de comunidades jongueiras. O registro resultou do processo de
articulação das comunidades e de valorização do Jongo/Caxambu nos Encon-
tros de Jongueiros e na Rede de Memória do Jongo, criados respectivamente
nos anos de 1996 e de 2000 (MONTEIRO e ABREU, 2020).

95
Leite (2014) nos diz sobre como a cultura é formadora
do homem e de seu meio, sendo indissociável das nossas
relações e vida:

Cultura é tudo aquilo que inclui o conhecimento


sobre crenças, arte, moral, costumes e todos os outros
hábitos adquiridos na vivência social pelo homem.
Recebido como uma herança dentro de um grupo,
a cultura o identifica, o constitui como resultado do
meio cultural em que foi socializado, herança de um
longo processo acumulativo vivenciado por inúmeras
gerações. Mas como processo de vivência, o homem se
constitui enquanto produto e produtor de seu meio,
se constituindo e constituindo crítica do recebido e
aprendido, o que lhes permite inovações e invenções,
simbologias outras que torna possível sua perpetuação
e existência no meio social (LEITE, 2014, p.14).

Por ser capaz de mobilizar todo um meio social, sendo o


movimento que aproxima e afasta as diferenças e singularida-
des, também se faz necessário pensar em como sua influência
se dá a partir das nossas experiências iniciais. Pela escola, te-
mos referências do escrever, ler, calcular e de como devemos
nos comportar. Essas são marcas que formam quem somos, o
nosso local e a ideologia que ali está como dominante.

No entanto, ao pensar em uma educação que de fato


seja transformadora da sociedade, por intermédio da pedago-
gia de Paulo Freire podemos alcançar um aprendizado capaz
de contribuir com a afirmação e valorização cultural da iden-

96
tidade dos povos, não os aprisionando nas relações de poder
hierárquicas e coloniais:

A Educação Popular fundamentada na perspectiva


freiriana, evidencia-se como uma proposta metodoló-
gica que dialoga diretamente com a concepção de sa-
ber não formal, pois, ela é fruto das vivências coletivas
dos movimentos sociais. Sendo uma abordagem me-
todológica voltada para o fortalecimento do(a) edu-
cando/educador(a) como um sujeito social, crítico e
consciente, capaz de problematizar sua realidade, de
reivindicar seus direitos, porque, passa a compreender
que é capaz de transformar o meio social em que vive,
é capaz de conquistar e produzir cultura, combatendo
qualquer atitude arbitrária que vise diminuir sua con-
dição de cidadão de direitos (COSTA, 2017).

Freire (1996, p.47), nos diz que “ensinar não é transfe-


rir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua pró-
pria produção ou a sua construção”. Mediante reflexões sobre
as suas trajetórias no mundo, ao ter seu percurso formativo
perpassando tanto pela educação, como pela geotinta, em um
relato de experiência, a autora e educadora popular partilha
conosco também suas considerações sobre seus percursos for-
mativos.

Como prática de ensino e expoente de mudanças, a ge-


otinta resgata também em nós saberes ancestrais. Segundo
Conceição (2019, p.23), “é nos recursos da natureza que, des-
de os primórdios, o ser humano vem buscando saídas para

97
melhorar sua qualidade de vida”. Por isso, a reconexão com o
nosso lugar também se faz necessária.

TINTA DE SOLO E A RECONEXÃO COM O TERRITÓ-


RIO COMO ATO DE RESISTÊNCIA: UM RELATO DE
EXPERIÊNCIA

Me chamo Ana Beatriz Duarte da Cruz, tenho 21


anos, possuo formação técnica em Agroecologia pelo Colé-
gio Técnico da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
(CTUR/UFRRJ) e ajudo a construir, coletivamente, o Ins-
tituto de Formação Humana e Educação Popular (IFHEP).
No entanto, foi somente através da graduação em Pedagogia
(UFRRJ) que tive acesso aos conhecimentos sobre geotinta.
Por meio desse contato, pude perceber o despertar para as
reconexões que possuía com o meu território e minha ligação
com a cultura e a educação local que me formou desde cedo.

Durante o início da graduação, recebi o convite de um


professor do ensino médio para participar de um grupo de
estudos sobre educação. Nos encontrávamos semanalmente
para discutir textos que inspiraram a construção das vertentes
libertária e libertadora. Neste meio tempo, aceitei participar
da formação de educadores populares que iriam atuar em tur-
mas do público-alvo da Educação de Jovens e Adultos, no
Norte e Noroeste Fluminense do Rio de Janeiro.

Em uma parceria, formalizada em 2018, entre o Insti-


tuto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA),

98
o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) e
o Instituto Federal Fluminense - Bom Jesus do Itabapoana,
foi criado o curso de Formação Inicial e Continuada de For-
madores para Educação do Campo em Assentamentos da Re-
forma Agrária e Comunidades Rurais, que envolveu onze as-
sentamentos e um acampamento da Reforma Agrária, sendo
eles: Chico Mendes, Francisco Julião e Paz na Terra, no mu-
nicípio de Cardoso Moreira; Tipity e Zumbi dos Palmares,
em São Francisco do Itabapoana; Floresta de Belém e Nova
Esperança do Aré, em Itaperuna; Osvaldo de Oliveira e Ed-
son Nogueira, em Macaé; Dandara dos Palmares, Ilha Gran-
de e Che Guevara, em Campos dos Goytacazes. Esse projeto
surge através do Programa Nacional de Educação na Reforma
Agrária4 (PRONERA), sendo formadas doze turmas.

Como membro do grupo PET - Educação do Campo,


Movimentos Sociais e Diversidades5, iniciei, em conjunto a

4 O atual chefe de Estado e governo, por meio do Decreto nº. 10.252,


de 20 de fevereiro de 2020 (BRASIL, 2020), modificou a estrutura do INCRA
de maneira profunda, extinguindo programas como o PRONERA e o Terra
Sol. Os mesmos eram de elevada importância por subsidiar incentivos a assen-
tados, quilombolas e povos tradicionais. Segundo o site do MST, em 20 anos,
o programa de educação “foi responsável pela escolarização de mais de 190 mil
camponeses e camponesas, da alfabetização de jovens e adultos até a pós-gradu-
ação” (MST, 2020a).
5 O Programa de Educação Tutorial (PET) foi instituído pela Lei
11.180/2005 (BRASIL, 2005), visando o desenvolvimento e a indissociabi-
lidade dos trabalhos de ensino, pesquisa e extensão, a partir da supervisão de
um docente responsável. Tendo sua criação no ano de 2012, o grupo PET
Educação do Campo, como é popularmente conhecido, debate acerca de te-
máticas relacionadas ao Campesinato, Pedagogia da Alternância, Agroecologia,
Educação Popular e outros. O programa atende aos cursos de Educação do
Campo e Pedagogia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, no cam-
pus Seropédica.

99
outras petianas, pesquisas referentes aos territórios que se-
riam alcançados pelo projeto. A UFRRJ, junto a outras Insti-
tuições de Ensino Superior é uma das colaboradoras da equi-
pe pedagógica do projeto e, por intermédio dos contatos que
estávamos construindo enquanto coletivo com o Laboratório
de Geografia do CTUR (LABGEO) e o PET, tínhamos como
partida o auxílio às atividades que seriam ofertadas durante
os encontros.

A primeira formação ocorreu entre os dias 26 e 29 de


setembro de 2019. Em uma viagem que partiu de Seropédica,
embarcamos pelas ruas do Rio de Janeiro, com o objetivo de
chegar até o Norte Fluminense, buscar alguns dos compa-
nheiros que não conhecíamos. Durante uma das pausas que
fizemos ao longo do trajeto, pude conhecer o acampamento
Edson Nogueira. Nesta visita, ouvimos muito sobre a vida e
o cotidiano dos acampados de Macaé. Com um breve passeio
pelo entorno, observamos e entendemos como se dava a cons-
trução daquele local de tanta resistência, principalmente por
ser constantemente ameaçado pelo despejo das terras6.

6 Aprovado em 24 de abril de 2014, o Projeto de Desenvolvimento


Sustentável Osvaldo de Oliveira, extensão territorial do acampamento, come-
çou a sofrer ataques com ordens arbitrárias de despejo. Ainda no ano de 2020,
mesmo cumprindo o projeto sustentável e sendo um dos maiores produtores
de alimentos com base agroecológica em todo o Rio de Janeiro, o veredito para
desocupar as terras saiu. Nesta mesma época, o Assentamento doava tonela-
das de alimentos para as famílias de Macaé, juntamente a outras organizações
(MST, 2020b). Com muita luta, em 2020 tivemos a suspensão da reintegração
das terras e a segurança de que a resistência camponesa tinha vencido (MST,
2020c).

100
Em nossa segunda viagem, a educadora Fabiana de Car-
valho Dias Araújo, docente da UFRRJ e uma das integrantes
da equipe pedagógica, nos fez a proposta de uma oficina a
partir da experimentação da geotinta. Logo, ainda em nossa
passagem pelo acampamento, solicitamos permissão para que
pudéssemos coletar um pouco da terra que se encontrava nos
arredores do terreno.

Na segunda noite de formação, fomos convidados pela


professora Fabiana a integrar o espaço de criação da tintura de
solo. Reunidos em uma roda, dialogamos sobre a representação
daquele material para os povos tradicionais, do campo, dos
quilombos e da cidade, em seu contexto cultural, social e, prin-
cipalmente, educacional, por ser utilizado também de maneira
interdisciplinar como um objeto de prática educativa.

Em um momento de troca de experiências sobre as nos-


sas vivências pessoais e a relação que construímos com o es-
paço e a terra — de onde viemos, plantamos e colhemos o
alimento — formamos grupos e escolhemos pintar, com as
mãos, um local marcante para todos os envolvidos. Com a
proposta de representar, dando nosso olhar pessoal e signi-
ficativo, um lugar onde nos encontrávamos e era referencial
de todo nosso caminho até ali, coletivamente escolhemos a
principal parada de todas as viagens: o acampamento Edson
Nogueira (Figura 3).

101
Figura 3. Oficina de geotinta durante o curso de Formação Inicial e Continu-
ada de Formadores para Educação do Campo em Assentamentos da Reforma
Agrária e Comunidades Rurais. Bom Jesus de Itabapoana-RJ. 2019. Imagens
cedidas por Robledo Mendes da Silva. (Imagens cedidas por Francielle da S.
Pimenta).

Ficamos admirados com a forma que cada um represen-


tou, ao seu modo, a parte que mais havia sensibilizado sua
percepção, mesmo com tão pouco contato. Com os cartazes
produzidos, destinamos, à educadora responsável pela turma
no território, o exercício de apresentar o material aos demais
como uma forma de presentear as trocas que tínhamos com
os acampados do local, estimulando também a prática de en-
sino dos educandos.

102
Mediante este acontecimento, atentei-me a buscar uma
pertença que, talvez, faltasse como o que hoje reconheço como
parte marcante em mim. Afinal, onde estavam os vínculos
que me interligavam junto ao meu lugar?

Em busca dessa resposta, dei conta que, a partir da


experiência com a geotinta, um algo a mais foi despertado
em mim. Por meio deste estímulo, iniciei uma busca que me
aproximasse do meu lugar de origem e território.

Lembrar da terra e de como nossas trajetórias estão li-


gadas a ela e como esta terra que me proporciona a recone-
xão e a qualidade de vida necessária para seguir em frente
resistindo e existindo como uma mulher preta e periférica no
mundo. Entendendo que dela provém a vida, o alimento e o
sustento para continuar.

Mesmo habitando, durante toda vida, em um ambien-


te urbanizado, nos espaços periféricos encontramos comuni-
dades de acolhimento e pertença que possuem suas próprias
relações autogestionadas. Há tempos, as favelas resistem base-
adas no “nós por nós”, em busca de sua (re)existência dentro
do cotidiano fragilizado pela ausência de políticas públicas.
Assim como os movimentos sociais urbanos, os movimentos
do campo e das florestas também seguem lutando por sua
sobre-existência neste lugar social secundário e periférico.

Sempre me orgulhei de morar em Santa Cruz, bairro


localizado na extrema Zona Oeste do Rio de Janeiro, e, já há

103
algum tempo, penso em como as nossas histórias, de pessoas
periféricas, estão intrinsecamente interligadas com o lugar de
onde partimos. A questão é que de maneira abrupta ou silen-
ciosa as relações que construímos com o território nos são ex-
propriadas ou se perdem em atos despercebidos do cotidiano.

Isto porque vivemos uma sociedade fadada aos interes-


ses capitais, balizada pelos atributos de uma história única,
isto é, uma história hegemônica que desconsidera os sabe-
res populares e rouba a humanidade de mulheres como eu e
de tantos outros indivíduos que não se adequam ao modelo
eurocêntrico imposto pelo advento da modernização e seus
processos.

Segundo Krenak:

A modernização jogou essa gente do campo e da


floresta para viver em favelas e em periferias, para virar
mão de obra em centros urbanos. Essas pessoas foram
arrancadas de seus coletivos, de seus lugares de origem,
e jogadas nesse liquidificador chamado humanidade.
Se as pessoas não tiverem vínculos profundos com
sua memória ancestral, com as referências que dão
sustentação a uma identidade, vão ficar loucas neste
mundo maluco que compartilhamos. (KRENAK,
2020, p.14)

Como forma de não enlouquecer neste mundo e manter


vínculos profundos com a memória ancestral, encontrei na
geotinta a possibilidade de uma ferramenta pedagógica capaz

104
de contribuir para uma educação emancipadora, na qual os
indivíduos sejam donos de suas próprias indagações e verda-
des, de suas próprias histórias, como nos sugere Paulo Freire.

Os resultados destas experiências, reconexões e práti-


ca pedagógica aqui exposta puderam ser observados no ano
de 2020, quando junto com Deborah Terezinha Conceição,
discente do curso de Licenciatura em Educação do Campo,
pude realizar a oficina “Tinta de Solo”, na 3ª edição da FOR-
MAR Educação7. Nesta oficina foram compartilhados com
os/as participantes os conhecimentos que obtivemos a partir
das nossas trajetórias quando perpassadas pela geotinta assim
como a importância da valorização do indivíduo e a estima
pelo território.

Durante essa atividade, ressaltamos ainda como os mo-


vimentos sociais urbanos e do campo, há muito tempo, nos
ensinam sobre como resistir e continuar em luta, por meio
de práticas educativas ancestrais que sejam emancipadoras e
valorizem os saberes populares e tradicionais, garantindo a
sua continuidade.

Para mim, a importância da geotinta foi tamanha que,


como instrumento para trabalho educacional, me proporcio-
nou não só a reflexão e a lembrança sobre como é necessário

7 Durante os dias 3 a 7 de fevereiro, a Prefeitura de Angra dos Reis re-


alizou um evento de formação continuada para quase dois mil profissionais da
educação básica. Em sua programação, houveram 64 atividades das quais esses
educadores poderiam se inscrever e participar, como rodas de conversa, fóruns
e oficinas.

105
estar ligado às raízes, mas também me apresentou novas for-
mas de transformar a vida e a realidade dos sujeitos.

CONSIDERAÇÕES

Observamos, fundamentada nas experiências, como a


geotinta é um elo entre a tecnologia ancestral e os indivíduos.
Reconhecer, em nosso tempo e vida, os vínculos que estão
para além de nossa existência é sobreviver e resistir, prática
já realizada por corpos que habitam territórios socialmente
excluídos.

Por intermédio de sua redescoberta nas artes, Francielle


pinta e vende quadros onde utiliza a geotinta para retratar ce-
nas do cotidiano quilombola. Neste movimento, toca outras
pessoas e mantém sua conexão viva com o seu lugar. Enten-
dendo, a partir dos conselhos de seu avô, que “a terra é nossa
mãe, que não se troca, não se vende”, ela ressignifica e ensina
aos seus mais velhos outras formas de preservação de sua cul-
tura e aproximação entre passado e presente.

Decorrente das reflexões realizadas, Ana continua a se


descobrir em seu território, investigando sua própria história
e valorizando uma das regiões mais esquecidas e expropriadas
da capital do Rio de Janeiro. Ela, assim como as outras, al-
meja que em seus passos, através da educação popular, alcan-
ce outras pessoas da mesma maneira como foi transformada.
Não só pela escola, mas também por meio da cultura, que
deve ser reconhecida e considerada dentro da formação dos
sujeitos.
106
Como vínculo das duas trajetórias, Fabiana apresentou,
como educadora, a geotinta como um instrumento para re-
flexão sobre a importância do solo relacionada ao território,
aliando a educação e a cultura.

A história dessas mulheres representa a valorização dos


saberes tradicionais, da retomada de andanças que são vivas
mesmo antes de todas. Essa constatação pode ser observada
nas diversas formas de como na multiplicação, troca e no
reconhecimento do outro, que é também muito de quem so-
mos, temos a chance de nos ressignificar.

107
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110
CAPÍTULO 5

Terra, tambores
e tintas:
Tradição e
reinvenção nas
práticas pedagógicas
Deborah Terezinha Conceição
Roberta Lobo

INTRODUÇÃO

Ao percorrer a história do período da escravidão, e


consequentemente a história da cultura afrodiásporica, nos
remetemos a um passado não só de ganho e dominação, rela-
cionado aos colonizadores e a elite, mas também de resistên-
cia, inventiva e resgate da identidade dos povos africanos no
território brasileiro.

Entre os séculos XVI e XIX, estima-se que em nosso


país aportaram cerca de 4 milhões de naturais da África.
Transportados pelo Atlântico, esses sujeitos, que vieram das
mais diversas áreas do território africano, sobretudo, da Alta
Guiné, de Angola, da Nigéria e dos portos de Moçambique,
trouxeram na memória múltiplos dialetos, crenças e rituais,
formas de encarar o mundo, costumes e habilidades laborais.

Para sobreviver o cotidiano árduo e imposto da escrava-


tura, e em seguida as condições de uma sociedade excluden-
te, silenciadora e preconceituosa, que compreende o período
pós abolição, os africanos e seus descendentes na diáspora,
por meio de sua cosmologia, buscaram as mais diversas for-
mas e rearranjos para implicação dos seus processos culturais.
Como é o caso do espectro ritualístico das culturas africanas
no Brasil, por exemplo.
114
Todos aqueles criadores de arte afro-brasileira sabem
mais pela prática do que pela reflexão ou pelo exame
intelectual que a sua arte está integralmente fundida ao
culto, e dissocia-lo do contexto religioso, onde ela tem
origem, seria o mesmo que tentar elabora-la a partir do
vazio e do nada. Ao evocar o culto, estou me referindo
a todo o espectro ritualístico das culturas africanas no
Brasil, e não a qualquer um restrito e singular ato ritual
visto na intimidade do pegi (templo). Quem observa
a presença tão viva e profunda da religião africana no
país, rápida e facilmente verifica a importância de sua
influência sobre a arte brasileira, de um modo geral.
(NASCIMENTO, 2019, p.109)

Assim como esses sujeitos buscaram a ressignificação,


também nós educadores/as do terceiro milênio, nos coloca-
mos diante dessa necessidade histórica, visto que ainda hoje
nos deparamos com a concentração racial de renda, com o
poder exclusivamente nas mãos de pessoas brancas, com uma
educação colonialista e uma sociedade alicerçada em princí-
pios hegemônicos, falocêntricos e racistas.

Para contribuir com essa nova fase da educação, o pre-


sente texto pretende analisar as práticas pedagógicas da “Ofi-
cina Terra, Tambores e Tintas”, tendo como referência três
oficinas ministradas entre o ano de 2019 e o primeiro semes-
tre de 2020, nos municípios do Estado do Rio de Janeiro,
Seropédica, situada na Baixada Fluminense e Angra dos Reis,
na região da Costa Verde.

Com o intuito de melhor exposição do assunto, analisa-


remos tais práticas a partir de três perspectivas: 1) o contexto
115
histórico, abordando os quesitos reinvenção, adaptação e res-
gate da identidade através da história e da cultura popular; 2)
a importância da presença de novas gramáticas no processo
formativo, onde os tambores através da etnomusicologia são
associados ao reconhecimento da ancestralidade através dos
sons dos negros no Brasil, e a geotinta aparece diretamente
associada a relação do ser humano com a natureza e à subje-
tividade do indivíduo em seu território e 3) a perspectiva de
análises sobre as três Oficinas “Terra, Tambores e Tintas”, nas
quais participaram professores, graduandos e funcionários da
rede municipal de educação.

Nesse sentido, esse trabalho identifica a “Oficina Terra,


Tambores e Tintas” como uma alternativa à prática pedagó-
gica alicerçada no modelo eurocêntrico, que visa aproximar
educação, arte, música e território. E tem como objetivo o in-
centivo a autoexpressão dos/as educandos/as através da con-
fecção da geotinta, com materiais essencialmente retirados do
solo, a construção de tambores feitos de materiais recicláveis,
a compreensão da música como fonte e valor histórico-cul-
tural dos/as educandos/as e a valorização da cultura negra no
Brasil.

GRAMÁTICAS FORMATIVAS PARA ALÉM DAS


GRAMÁTICAS NORMATIVAS

Diante de um mundo colonizador e homogeneizador,


nós educadores/as precisamos estarmos abertos às atividades
116
e processos pedagógicos, que produzam diferentes significa-
dos para a educação, reconhecendo e abordando a realidade e
a história de cada sujeito e seu respectivo território.

Nesse sentido, o educador e filósofo brasileiro Paulo


Freire em sua obra Pedagogia da autonomia: saberes neces-
sários à prática educativa, expõe a importância do compro-
misso ético do educador/a em prol de uma educação huma-
nizadora. A partir dessa perspectiva, o sentido de formar o
educando/a vai muito além do que somente repassar o con-
teúdo ou treinar esses sujeitos. Para isso, o verdadeiro formar
deve ter como base teoria e prática conectadas para que, desse
modo, possam contribuir de forma significativa na formação
do educando/a.

É nesse sentido que reinsisto em que formar é muito


mais do que puramente treinar o educando no
desempenho de destrezas, e porque não dizer também
da quase obstinação com que falo do meu interesse
por tudo o que diz respeito aos homens e às mulheres,
assunto de que saio e a que volto com o gosto de quem
a ele se dá pela primeira vez. (FREIRE, 1996, p. 6)

Ao reconhecer o processo histórico e formativo desses


sujeitos no espaço educativo, Freire nos indica a possibilidade
de valorizar a real história desses indivíduos, ou seja, elucidar
por meio da educação um mesmo mundo visto por diferentes
lentes em que reflexões, significados e releituras da sociedade
vão emergir a partir da realidade do próprio indivíduo.

117
O passado de uma sociedade escravocrata, colonialis-
ta e racista deixa marcas no sujeito de ontem e de hoje. As
classes populares no Brasil são, em sua maioria, descendentes
de africanos escravizados, homens pobres livres e agregados
de famílias rurais autoritárias, como bem nos situou Sérgio
Buarque de Holanda em Raízes do Brasil. A cultura política
do homem cordial, a dinâmica social da adaptação das rela-
ções conflituosas, expressas em Casa Grande & Senzala de
Gilberto Freire ou mesmo o mundo sem culpa da Dialética da
Malandragem de Antônio Cândido, não nos deixam esquecer
as marcas profundas da violência como fundamento da socie-
dade brasileira.

O historiador Simas em seus estudos narra as experi-


ências das histórias a contrapelo da desestruturação social e
humana.

As culturas africanas, aparentemente destroçadas pela


fragmentação trazida pela experiência do cativeiro, se
redefiniram a partir da criação de instituições asso-
ciativas (...) de invenção, construção, manutenção e
dinamização de identidades comunitárias. (SIMAS,
2018, p.58)

No desenvolvimento de suas pesquisas e obras, o autor


nos apresenta um outro padrão gramatical identificado como
Gramática dos Tambores, tendo como referência principal,
mas não única, o grande potencial educativo que o tambor
demonstra ao apresentar diferentes mundos e interpretações
da vida.

118
Se a chibata é grito de morte, o tambor é discurso
de vida. Eles, os tambores rituais, possuem gramáticas
próprias: contam histórias, conversam com as mulhe-
res, homens e crianças, modelam condutas e ampliam
os horizontes do mundo. Foram eles que muitas vezes
expressaram o que a palavra não podia dizer e conta-
ram as histórias que os livros não poderiam contar e as
línguas não poderiam exprimir. (SIMAS, 2018, p. 58)

Os tambores são a escrita secular da resistência das prá-


ticas comunitárias e comunicaram durante muito tempo as
vozes das classes populares interditadas pela normatividade
da civilização ocidental. Foi a partir dessa comunicação que
se originou a riqueza da cultura popular brasileira. Segundo
Simas (2018), ancestralidade e encantamento são fundamen-
tos a contrapelo da epistemologia ocidental e marcam tanto
a forma concreta de vida das populações negras frente à di-
áspora, quanto as formas estéticas e de pensamento sobre o
mundo. O que está posto nesses fundamentos é o exercício de
dobrar a morte e não manter reprimida suas produções cultu-
rais. O encantamento das matas, dos rios, dos antepassados,
dos tambores faz parte desse exercício de dobrar a morte e
produzir uma cultura que demarca a violência da diáspora
com reinvenção da vida sob os fragmentos de conhecimentos
e culturas de diversas etnias. “O Brasil que nos encanta é aque-
le que se compreende como terreiro. (...) No Brasil terreiro, os
tambores são autoridades, têm boca, falam e comem.” (SIMAS,
2018, p.13)

Se despir da racionalidade instrumental da cultura oci-


dental é o passo primeiro para compreendermos de fato as
119
produções de conhecimento fruto da diáspora africana, bem
como suas relações entre o sagrado e o profano que não se
distinguem, mas se complementam. Os terreiros, os ranchos,
as escolas de samba, as rodas de capoeira, os afoxés, os tam-
bores de crioula e os maracatus são partes dessa formação
humana das populações afrodescendentes, que sobreviveram
e se reinventaram, diante da violência social que nos forma e
nos funda como sociedade brasileira. A apropriação superfi-
cial, nas escolas e universidades, dos processos históricos que
nos tornaram “nação” teve como consequência grave a desva-
lorização da cultura dos negros e dos indígenas, assim como
a manutenção do racismo estrutural.

O tambor também é livro e o aguidavi é caneta po-


derosa para contar as aventuras do mundo. Eles edu-
caram muita gente. Saibamos reconhecer, aprender e
ensinar suas falas. (SIMAS, 2018, p.63).

Entrar com tambores em uma sala de aula causa no mí-


nimo espanto, deboche ou recusa. O contexto religioso se
sobressai e impede a abertura para uma compreensão ampla
desses instrumentos como pedagogia, como lugar de memória
e como prática de resistência cultural. Há tanto que aprender
a respeito da importância dos tambores paras os povos ban-
tos, jejes, ketos e nagôs, suas diferenças nos processos forma-
tivos, nos toques, nas interfaces entre o sagrado e o profano.

Nas casas de culto keto, os tocadores de atabaque têm


o título de ogãs alabês; os jejes chamam os tocadores
de runtós e os seguidores dos ritos de angola denomi-

120
nam os músicos de xicarangomos. A iniciação deman-
da tempo, recolhimento e consagração. O termo alabê
deriva de alagbe – o dono da cabaça; runtó deriva da
língua fongbé, dos vocábulos houn (tambor) e tó (pai),
formando o sentido de pai do tambor; já xicarangomo
vem do quicongo nsika (tocador) + ngoma (tambor) =
o tocador de tambor. (...) Nas tradições jeje e keto, os
tambores são tocados com baquetas feitas de pedaços
de galhos de goiabeira, chamadas aguidavis. O rumpi
e o lé são tocados com dois aguidavis. O rum é tocado
com uma única baqueta, maior e mais grossa que as
outras. No candomblé de angola, os três atabaques são
percutidos com as mãos, sem o recurso das baquetas.
(SIMAS, 2018, p.59)

Portanto, há uma Gramática dos Tambores que se ini-


ciou nas travessias que marcam a diáspora e fundamentou os
terreiros, como também todas as práticas culturais das popu-
lações afrodescendentes, chegando no período da indústria
cultural a atingir as classes médias com a espetacularização
das escolas de samba, ou mesmo com a aproximação das prá-
ticas da Umbanda e do Candomblé.

Simas alerta para a necessidade de “reconhecer e estu-


dar as possibilidades didáticas que os atabaques tiveram na
formação das crianças de terreiro e escolas de samba” (2018,
p.63). A história do Brasil está em dívida com esse conhe-
cimento posto na gramática dos tambores. Das centenas de
toques, muitos hoje desconhecidos, sobreviveram de forma
marcante os toques que atravessaram a fronteira do profano

121
e inventaram o que hoje identificamos como música popular
brasileira.

No final dos anos de 1960, os manifestos de Glauber


Rocha apontavam para a superação da nossa cultura colonial,
marcada por um inconsciente nacional conservador, através
do que chamou de uma épica didática:

A didática sem a épica gera a informação estéril e de-


genera em consciência passiva nas massas e em boa
consciência nos intelectuais. É inofensiva. A épica sem
didática gera romantismo moralista e degenera em
demagogia histérica. É totalitária. (ROCHA, 2006,
p.100).

A épica didática para Glauber é um antídoto à coloni-


zação estética, próprio de uma nação periférica e com raízes
coloniais. Assumir nossa “estética da fome” é seguir em busca
das tradições e invenções do sagrado e do profano que mar-
cam a vida das nossas classes populares.

Para Marcuse, a subversão das formas de percepção e


de compreensão dominantes, a crítica ao existente e o ho-
rizonte da liberdade definem a substância trans-histórica da
arte. Essa substância atravessa as obras em suas particulari-
dades históricas, demarcando (...) uma dimensão própria de
verdade, protesto e promessa, uma dimensão que reside na sua
própria forma estética (...) A verdade da obra reside no facto de
o mundo, na realidade, ser tal como aparece na obra de arte.
(Marcuse, 1977, p.11). O impulso lúdico é a manifestação de

122
uma existência sem medo e sem ansiedade, manifestação da
própria liberdade. Jogar e Exibir a vida no lugar de trabalhar
com sofreguidão, submetido ao onipotente reino da necessi-
dade. (Marcuse, 1981).

(...) A função estética é concebida como princípio que


governa toda a existência humana; pressupõe uma re-
volução total no modo de percepção e do sentimento
e tal revolução só se torna possível se a civilização tiver
atingido a mais alta maturidade física e intelectual.
Só quando a coação da necessidade é substituída pela
coação da superfluidade (abundância), a existência
humana é impelida para um movimento livre que é,
em si próprio, um meio e uma finalidade. Liberado
da pressão dos propósitos e desempenhos danosos, a
que a carência necessariamente obriga, o homem recu-
perará a liberdade de ser o que deve ser. (MARCUSE,
1981, p.168)

Portanto, a formação estética vai além daquilo que re-


sulta da nossa relação com as obras de arte ou da própria
dimensão pedagógica da fruição artística. É a experiência
humana como um fim em si mesma, tendo como partida e
chegada a liberdade como um bem inútil, ou seja, inapropria-
do para qualquer utilidade posta na dialética do valor. Essa
compreensão nos permite ver o tambor como uma pedagogia,
uma épica didática, nos colocando em contato direto com a
história do Brasil e com tudo que foi possível em termos de
prática da liberdade.

123
SOBRE A OFICINA TERRA, TAMBORES E TINTAS

Seguindo essas referências da historiografia, a “Ofici-


na de Tambores” teve como objetivo proporcionar ao educa-
dor/a, no âmbito escolar, formas de socialização da cultura
popular brasileira, priorizando a pluralidade de gramáticas
que atravessam as classes populares, viabilizando ao educan-
do/a conhecer e produzir identificações a partir de outras vi-
sões de mundo, outras leituras da realidade.

Educar para a liberdade dos sujeitos também implica


no reconhecimento e valorização do território em que estão
situados. Sodré a respeito dos povos negros e o conceito de
território afirma que: “Para um grupo negro, o território como
um todo é um patrimônio a ser respeitado e preservado.”
(2019, p.153)

A fabricação de geotinta apresentada na oficina “Terra,


Tambores e Tintas”, como estratégia de sustentabilidade e va-
lorização do território, proporciona ao educador/a metodo-
logias que vão desde o reconhecimento e apropriação devida
do solo, bem como da altivez da comunidade, impressa nos
desenhos das casas e dos utensílios que vão contar histórias
através das tintas retiradas do solo. A tinta à base de terra - ou
geotinta - é um processo de baixo custo e impacto ambiental
mínimo, que compreende produtos, técnicas e metodologias
que visam a transformação social, tal como o fortalecimento
da cidadania ativa, favorecendo a organização das comunida-
des, desenvolvendo a criatividade e ocasionando a melhoria

124
da autoestima dos envolvidos, além de proporcionar alter-
nativa de renda, como a conservação e valorização do solo
(CAPECHE, 2010).

Ainda sobre a associação dos termos território e identi-


dade, o sociólogo Muniz Sodré complementa:

A ideia de território coloca de fato a questão da


identidade, por referir-se à demarcação de um espaço
na diferença com outros. Conhecer a exclusividade ou
a pertinência das ações relativas a um determinado
grupo implica também localizá-lo territorialmente. É
o território que, à maneira de Raum heideggeriano,
traça limites, especifica o lugar e cria características
que irão dar corpo à ação do sujeito. (SODRÉ, 2019,
p. 24)

Dessa maneira, podemos afirmar que a “Oficina de


Tambores”, enquanto experiência pedagógica, demonstra a
potência de uma formação humana no âmbito histórico, cul-
tural e ambiental, visto que integra três momentos de for-
ma ativa e consciente: 1) A fabricação de tintas como ato
de valorização do território e consciência agroecológica; 2) A
construção dos tambores e os toques no instrumento como
prática libertadora, sensível e criativa dos(as) educandos(as);
3) A importância da memória ancestral nos processos forma-
tivos, através de um diálogo horizontal e participativo dos(as)
educandos(as).

125
DESCRIÇÃO DA EXPERIÊNCIA

Durante os anos 2019 e 2020, foram ministradas várias


oficinas com a temática “Terras, Tambores e Tintas”, destaca-
remos a seguir, três oficinas ofertadas nas redes de ensino do
estado do Rio de Janeiro.

A primeira oficina ministrada no ano de 2019, acon-


teceu na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, no
XIX SudestePET, que contou com a participação de seiscen-
tos e cinquenta congressistas. O evento aconteceu entre os
dias vinte e nove de março a primeiro de abril e teve como
tema estabelecido: “Tecendo conexões para representatividade,
inovação e integração entre os Grupos PET da região Sudeste”.
Nesse contexto, a “Oficina de Tambores” esteve relacionada
ao Eixo “Representatividade” e apresentou o tambor como
uma gramática alternativa no contexto multidisciplinar.

A atividade foi realizada, mais especificamente, no dia


trinta de março e contou com a participação de vinte in-
tegrantes. Apesar da oficina ter um caráter voltado para os
cursos de licenciatura, os petianos inscritos, além de repre-
sentarem regiões diversificadas do sudeste brasileiro, repre-
sentaram também os cursos de licenciatura como: Letras,
Química, Pedagogia e cursos associados a outras áreas de for-
mação como: Farmácia, Engenharia de Alimentos e Zootec-
nia. Tal fato contribuiu para que pudéssemos pensar a música
como fator atuante nessas diversas áreas do conhecimento e
colocar em prática as possibilidades pedagógicas da gramáti-
ca do tambor, contemplando assim o conteúdo programático
previsto.
126
Figura 1. Oficina de Tambores – SudestePET. Foto: Deborah Conceição,
2019.

A segunda oficina a ser mencionada participou do pro-


grama “Escola da Terra”, no dia quatorze de maio de 2019
envolvendo cerca de cem professores do Estado do Rio de
Janeiro, no auditório Hilton Sales da Universidade Federal
Rural do Rio de Janeiro, Campus Seropédica.

O programa tem como proposta fortalecer o desenvol-


vimento de práticas pedagógicas e metodologias adequadas
aos povos do campo e quilombolas, respeitando suas especi-
ficidades e tornando o ensino-aprendizado mais significativo.
O projeto compreende quatro ações: formação continuada e
acompanhada de professores que trabalham com estudantes
dos anos iniciais do ensino fundamental em escolas multisse-
riadas no campo e em escolas quilombolas, além dos assesso-
res pedagógicos que terão a função de tutores; oferta de ma-
127
teriais didáticos e pedagógicos; monitoramento e avaliação;
gestão, controle e mobilização social.

Diante disso, a oficina articulada juntamente com as


professoras Fabiana Araújo e Roberta Lobo, ambas docentes
do curso de Licenciatura em Educação do Campo – UFRRJ,
visou agregar a temática “materiais didáticos e pedagógicos” a
proposta de novas gramáticas dentro da sala de aula.

O conteúdo programático da oficina deu-se através da


exposição oral da importância do reconhecimento da realida-
de individual de cada educando e do seu território, abordamos
também caminhos possíveis para a valorização das culturas
dos povos do campo e dos quilombolas através da História,
da Arte e da Agroecologia. Em seguida, foi compartilhado o
passo a passo para a confecção da geotinta e para a confecção
dos tambores feitos a partir dos materiais recicláveis que os/as
integrantes do curso levaram para a oficina. Por fim, foi pro-
posto aos integrantes que fizessem os seus próprios tambores
e que pintassem esses mesmos instrumentos com imagens que
refletissem seu cotidiano, sua história, sua cultura e seu terri-
tório a partir das tintas confeccionadas de solo.

128
Figura 2. Oficina Terra, Tambores e Tintas – Escola da Terra. Foto:
Roberta Lobo, 2019.

A terceira oficina, ministrada no dia quatro de fevereiro


de 2020, contou com a participação de aproximadamente
sessenta educadores/as (divididos em duas turmas) da rede
municipal de ensino de Angra dos Reis.

A Formação Continuada dos Educadores da Rede Mu-


nicipal de Ensino de Angra dos Reis (FORMAR – Educa-
ção) teve como objetivo oportunizar novos saberes, trocas e
experiências educativas. Participaram da oficina docentes,
pedagogos/as, gestores/as, berçaristas, auxiliares de berçário,
auxiliares de recreação, agentes administrativos, auxiliares de
biblioteca, secretários/as escolares, inspetores/as de alunos/as
e monitores/as de educação especial.

Realizada em dois momentos, a Oficina de Geotinta e


Tambores, contou com o primeiro momento voltado para a

129
apresentação dos/as participantes juntamente com a apresen-
tação das propostas pedagógicas da oficina, e o segundo mo-
mento destinado à confecção da geotinta e a confecção dos
tambores a partir de materiais recicláveis demonstrando aos
integrantes, de forma prática, o potencial pedagógico dessa
atividade a partir do seu caráter multidisciplinar.

Figura 3. Oficina Terra, Tambores e Tintas – Formar para Transformar.


Foto: Ana Cruz, 2020.

Um detalhe importante, ainda a ser ressaltado sobre


essa atividade, aconteceu durante a apresentação da Oficina
de Geotinta na qual a discussão sobre o baixo custo dos ma-
teriais utilizados tanto na construção dos tambores quanto na
confecção das tintas de solo chamou a atenção dos/as partici-
pantes de forma positiva.

Nesse sentido, é importante ressaltar a relevância dessa


oficina através do contexto da agroecologia em que a prática
da reciclagem, por meio da confecção dos tambores e o cui-

130
dado e manejo com o solo para a retirada do material a ser
utilizado nas tintas, visam orientar os participantes sobre as
vantagens de conservação e preservação do meio ambiente.

CONCLUSÃO

Exposto o contexto histórico, os três exemplos de ofi-


cinas ministradas e as referências dadas através da gramática
dos tambores e da identidade valorizada a partir do território
e seus sujeitos, é possível reconhecer na “Oficina Terra, Tam-
bores e Tintas” novos formas gramaticais potentes na forma-
ção dos educadores/as e por conseguinte dos educandos/as.

Sendo assim, os aprendizados da confecção dos tambo-


res com materiais recicláveis e da produção das geotintas pos-
sibilitam novos conhecimentos, em especial a abertura para o
exercício de uma gramática dos tambores compreendida com
fundamento da cultura popular e da história da música brasi-
leira. Aqui está o momento de expansão para a área de conhe-
cimento da etnomusicologia como forma de proporcionar ao
educando(a) a valorização da sua ancestralidade através da
experiência sensível dos toques. A continuidade da “Oficina
Terra, Tambores e Tintas” é justamente explorar os toques
conhecidos dos educandos, as canções que surgem a partir da
experimentação afetiva dos toques e seus significados histó-
rico-culturais.

O percurso formativo do educando/a também é reco-


nhecido por meio do relato poético exposto por intermédio
das pinturas realizadas com as geotintas. Nesse processo, a
131
história e o território dos sujeitos do campo, do quilombo ou
da cidade são exaltados a partir do olhar do próprio sujeito,
fazendo com que as memórias ou as histórias contadas, atra-
vés da sua pintura, tenham conexão com uma história maior,
como a história do Brasil, por exemplo. Outro fator impor-
tante a ser mencionado é a conexão do ser humano com a
natureza e com sua cultura ancestral, o que possibilita uma
relação de respeito e de identificação com o território.

Ou seja, através das práticas pedagógicas utilizadas na


“Oficina Terra, Tambores e Tintas” podemos enxergar uma
educação da/pela sensibilidade, ou uma educação estética,
de transformação da recepção dos sentidos, que contribui na
motivação de habilidades sociais e cognitivas, além de refor-
çar a experiência da coletividade e da valorização da subje-
tividade do indivíduo a partir do seu lugar de origem. Com
isso, apontamos pequenos passos para o trabalho possível e
articulado de uma educação brasileira multicultural, agregan-
do conteúdos e práticas da agroecologia e da etnomusicologia
nas escolas do campo, das cidades e periferias desse imenso
território chamado Brasil.

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litância pan-africana. São Paulo: Perspectiva; Rio de Janeiro: Ipe-
afro, 2019.

ROCHA, Glauber. A Revolução do Cinema Novo. SP: Cosac&Nai-


fy, 2006.

SIMAS, L. A. Fogo no mato: a ciência encantada das macumbas.


Rio de Janeiro: Mórula, 2018.

SODRÉ, M. O terreiro e a cidade: a forma social negro brasileira.


3.ed. Rio de Janeiro: Mauad X, 2019.

133
CAPÍTULO 6

Os vegetais, seus
potenciais e as
tintas naturais:
A práxis educativa
no contexto
socioambiental e
cultural no Jardim da
Instituição
Deborah Terezinha Conceição

Na sociedade contemporânea, o progresso positivista


que alimenta a demanda capitalista nos moldes do ideal oci-
dental, tem demonstrado, até o presente momento, conside-
ráveis práticas antiecológicas assim como recorrentes crises
de valores sociais e educacionais impulsionadas, em grande
medida, pela lógica da acumulação de bens, pela estrutura de
poder gerada através de privilégios, pela busca incessante da
maximização dos interesses individuais e pelo desrespeito e
intolerância à diversidade.

No Brasil, nas últimas décadas, a intensificação da crise


ambiental e dos valores sociais e educacionais para os sujeitos
do campo e da cidade se deu, de maneira evidente, por meio
da herança negativa de uma reforma agrária infecunda, pela
escassez de políticas públicas efetivas e pela junção e articu-
lação da empresa rural capitalista com grandes corporações
transnacionais. Apresentando, deste modo, uma nova fase do
movimento capitalista na agricultura, o agronegócio – ex-
pressão do modelo agrícola do capital financeiro – presente
em todo território nacional.

Esta forma desarmônica como as sociedades contem-


porâneas se relacionam com o meio ambiente, vem
produzindo uma série de impactos socioambientais
que atinge cada vez mais a capacidade que o ambien-

138
te tem de suportar estas intervenções. Este fato vem
gerando problemas locais, assim como uma perigosa
intensificação dos problemas socioambientais em es-
cala global, pela magnitude da capacidade produtiva
e sua pressão extrativa sobre os recursos naturais, exa-
cerbação do consumo e os descartes inadequados desse
processo. (GUIMARÃES, 2012, p.15)

Como resultado deste desequilíbrio, que impõe relações


de exploração e dominação da sociedade sobre a natureza,
os biomas brasileiros representados pela Amazônia, Cerrado,
Caatinga, Pantanal, Pampa e Mata Atlântica são afetados
cotidianamente sofrendo com a degradação do solo, com
a poluição do meio ambiente, com o desmatamento e com
reduções significativas de suas espécies, que, quando não
extintas, vão sofrer consequentemente com a perda do seu
território, modificações em sua dieta original ou alterações
das suas práticas habituais.

Contidos nesse processo, é importante ressaltar ainda,


os povos e comunidades tradicionais, os agricultores familia-
res e centenas de educadores/as e educandos/as do campo que
habitam esses territórios e que também vão sofrer pressões
e ameaças constantes de grileiros e de grandes empresários
do agronegócio que, ignorando a realidade destes sujeitos,
buscam, muitas vezes, meios injustificáveis para a ampliação
dos seus latifúndios, que servirão de pasto quando associados
a indústria agropecuária ou extensas áreas de plantio quando
relacionado as plantações de monoculturas praticadas pelas
empresas rurais capitalistas que coordenam o comércio inter-
nacional de grãos.
139
Os planos de desenvolvimento ou de industrialização
se revelam incapazes de apreender a realidade
histórico-cultural das populações (das tribos indígenas
às pequenas populações) no que diz respeito às relações
com o meio ambiente, a terra e os recursos naturais.
(SODRÉ, 2019, p.154)

Para além da dissociação cultural homem/natureza e da


destruição desenfreada do meio ambiente, o olhar ocidental
vinculado ao capital ainda alcança e atinge diretamente os
saberes elaborados pelos sujeitos tradicionais, que represen-
tam esses povos e comunidades, ocasionando constantemente
seu silenciamento ou sistematizando seus saberes a um empi-
rismo precário e/ou a uma subjetividade pejorativa, fazendo
sobressair, desta maneira, o pensamento científico acadêmico
ocidental.

A longa tradição do cientificismo e do eurocentris-


mo deu origem a uma ideia de universalismo abstrato,
que marca decisivamente não somente a produção de
conhecimento, mas também outros âmbitos da vida:
economia, política, estética, subjetividade, relação
com a natureza, etc. Em todas essas esferas, em mais
de 500 anos de história colonial/moderna, os modelos
advindos da Europa e de seu filho dileto – o mode-
lo norte-americano após a Segunda Guerra Mundial
– são encarados como o ápice do desenvolvimento
humano, enquanto as outras formas de organização
de vida são tratadas como pré-modernas, atrasadas e
equivocadas. (COSTA; TORRES; GROSFOGUEL,
2020, p.12)

140
Diante dos fatos, é possível compreender então que,
no Brasil, a educação, os valores sociais e o meio ambiente
quando estimulados pela lógica capitalista, muitas vezes, vão
apresentar modelos simplificadores que vão ignorar as reali-
dades locais e as subjetividades dos sujeitos, atuando apenas
em prol da manutenção de uma sociedade industrial capita-
lista, como nos revela Guimarães ao mencionar a prática do
ensino da Educação Ambiental nas escolas quando alinhados
ao pensamento liberal.

Muitas vezes, entretanto, o discurso ecológico oficial


que orienta ações em EA opera dentro dos limites do
pensamento liberal, propondo estratégias ecológicas
compatíveis com o desenvolvimento da sociedade in-
dustrial capitalista. Atua assim no disciplinamento da
construção de uma visão de mundo de acordo com
os interesses e concepções desse projeto dominante,
formulando perspectivas de um projeto educacional
comprometido com a manutenção desse modelo.
(GUIMARÃES, 2012, p.67)

Como alternativa para superação desse contexto, o pre-


sente texto se apresenta com a finalidade de apontar e sa-
lientar a Educação Ambiental e a Cultura Popular como um
caminho possível para driblar o conhecimento universalista e
sem pertencimento, para permanecer no contrafluxo de uma
sociedade que reconhece o território apenas como patrimô-
nio simbólico da abstração fetichista da mercadoria e para
apontar novas pedagogias baseadas nas encruzilhadas que re-

141
dimensionam a vida através da diversidade, das circularidades
culturais, da oralidade e dos saberes tradicionais.

Desse modo, a experiência pedagógica aqui apontada


tem como intenção unir a Educação Ambiental representada
pela prática agroecológica destinada a preservação e ao uso
medicinal e alimentício das espécies vegetais juntamente com
a Cultura Popular caracterizada pelo uso das tintas naturais
que permitirão ao educando/a desenvolver, a partir da pin-
tura, uma percepção sensível sobre seu território, seu corpo,
suas tradições e suas experiências cotidianas. Garantindo e
valorizando assim, a ampliação dos espaços educativos e suas
diferentes linguagens onde uma educação crítica, dialógica e
libertadora, como nos sugere Freire (2020), poderá contri-
buir consideravelmente para um futuro humanizado e socio-
ambientalmente sustentável.

Para isso, foram identificadas entre o ano de 2020 e


o presente ano, vinte e uma espécies vegetais presentes no
Jardim Botânico da Universidade Federal Rural do Rio de
Janeiro – Campus Seropédica, situado na região Sudeste na
latitude: 22º 44’ 38” S, longitude: 43º 42’ 27” W e altitude:
26m.

Os critérios de seleção das espécies se deram por meio


de fatores determinantes como: I) presença no Jardim Botâni-
co da UFRRJ; II) vínculo alimentício; III) vínculo medicinal;
IV) função tintorial; V) espécies de fácil acesso a comunida-
de; VI) assimilação de uso das espécies pela cultura popular.

142
Assim, as espécies mencionadas a seguir, vão se
apresentar em seu contexto prático-dinâmico, ou seja, serão
relacionadas aos vínculos medicinal, alimentício, científico,
artístico, usos comuns etc. Demonstrando, dessa maneira,
como os espaços verdes e o território que habitamos podem nos
fornecer e representar saúde, cura, pertencimento, cultura e
pedagogias outras para além de suas potências paisagísticas e/
ou mercadológicas ao qual estão incessantemente vinculados.

Esse texto visa demonstrar ainda, como os/as educa-


dores/as podem utilizar desse material para trabalhar com as
subjetividades dos/as seus/suas educandos/as em seu territó-
rio, sua visão crítica sobre o mundo, o reconhecimento e va-
lorização de suas expressões culturais, bem como a integração
orgânica da lógica popular e científica através da proximida-
de e da indissociabilidade entre o ser humano e a natureza.

Por fim, ressaltamos que, as informações dispostas na


lista a seguir partiram de inúmeras buscas e estudos satisfa-
tórios baseados em uma extensa e conceituada bibliografia
sobre o tema. Porém, o emprego das espécies vegetais, para
quaisquer dos seus fins, reivindica o uso responsável e cons-
ciente no seu preparo, administração e consumo. Nesse senti-
do, faz-se necessário que todos os segmentos desses processos
estejam resguardados de seu uso e validados pela tradição po-
pular ou científica.

143
RELAÇÃO DAS ESPÉCIES VEGETAIS

Nome científico: Euterpe oleracea Mart.


Família botânica: Arecaceae
Nome popular: Açaí
Parte utilizada para extração da cor: fruto
Uso medicinal: -
Uso alimentício: polpa do fruto e palmito (5)
Outros usos: paisagismo (5)
Ocorrência: da Amazônia até a Bahia, estando presente nas
florestas pluviais úmidas (7)

Nome científico: Morus nigra L.


Família Botânica: Moraceae
Nome popular: Amora
Parte utilizada para extração da cor: fruto
Uso medicinal: repositor hormonal, prevenção na queda de
cabelos, sua raiz é utilizada para laxante e vermífugo e a casca
está associada ao uso para bronquite e diabetes (4)
Uso alimentício: frutos in natura e na forma de sucos, geleias
e doces (4)
Outros usos: produção de folhas para alimentar o bicho-da-
seda (5) e usos em ornamentação (6)
Ocorrência: nativa da China e Japão, com ocorrência no
Brasil nas regiões Sul e Sudeste onde é cultivada (5)

Nome científico: Anadenanthera colubrina var. cebil (Griseb.)


Altschul
Família Botânica: Fabaceae
144
Nome popular: Angico-branco
Parte utilizada para extração da cor: casca do tronco
Uso medicinal: a casca é empregada na medicina popular,
sendo utilizada contra leucorreia, gonorreia, tosse, bronquite
e coqueluche (2)
Uso alimentício: -
Outros usos: frutos e cascas ricos em tanino, utilizados em
curtumes e a madeira é empregada nas construções rurais,
navais e civis (1)
Ocorrência: no Nordeste do país e até São Paulo, Minas
Gerais e Mato Grosso do Sul (7)

Nome científico: Myracrodruon urundeuva Allemão


Família botânica: Anacardiaceae
Nome popular: Aroeira-do-sertão
Parte utilizada para extração da cor: casca do tronco
Uso medicinal: banho de assento após o parto, tratamento
do aparelho urinário e das vias respiratórias, anti-inflamató-
rio, antiulcerogênico, cicatrizante e utilizado também para
cervicite, gastrite, vaginite e hemorroida (2)
Uso alimentício: -
Outros usos: ornamental e a madeira é utilizada na constru-
ção civil (7)
Ocorrência: nativa do nordeste até São Paulo e Mato Grosso
do Sul e ocorre largamente na caatinga (2)

Nome científico: Theobroma cacao L.


Família Botânica: Malvaceae
Nome popular: Cacau

145
Parte utilizada para extração da cor: pó do fruto
Uso medicinal: contra gripes e hemorroidas (3)
Uso alimentício: de sua polpa fresca prepara-se o suco e o
sorvete e a partir das sementes obtém-se o cacau, produto
comercial utilizado para a fabricação do chocolate (2)
Outros usos: -
Ocorrência: nativa da região amazônica (9)

Figura 1. Cacau. José Adriano de Souza Junior. Universidade Federal


Rural do Rio de Janeiro, 2019.

Nome científico: Anacardium occidentale L.


Família botânica: Anacardiaceae
Nome popular: Cajueiro

146
Parte utilizada para extração da cor: casca do tronco
Uso medicinal: no uso oral é antidiabética, adstringente,
antidiarreica, depurativa, tônica e antiasmática e no uso
externo é antisséptico, anti-inflamatório em feridas e úlceras
na boca e afecções na garganta (2)
Uso alimentício: consumo da polpa in natura ou no preparo
de doces, sucos, sorvetes e a castanha também pode ser
consumida após processamento (2)
Outros usos: -
Ocorrência: campos e dunas da costa norte do Brasil, espe-
cialmente nos estados do Maranhão, Piauí e Ceará (2)

Nome científico: Cabralea canjerana (Vell.) Mart.


Família botânica: Meliaceae
Nome popular: Canjerana
Parte utilizada para extração da cor: casca do tronco
Uso medicinal: -
Uso alimentício: -
Outros usos: confecção de móveis, construção civil e no re-
florestamento de áreas de preservação (7)
Ocorrência: em Minas Gerais, Mato Grosso do Sul até o Rio
Grande do Sul (7)

Nome científico: Cedrela odorata L.


Família Botânica: Meliaceae
Nome popular: Cedro
Parte utilizada para extração da cor: tronco
Uso medicinal: é considerado febrífugo, adstringente, vermí-
fugo, antirreumático e antimalárico (2)

147
Uso alimentício: -
Outros usos: a madeira é considerada de ótima qualidade
para confecção de mobiliário de luxo (2)
Ocorrência: nativa da região Amazônica até o Brasil Central
(2)

Nome científico: Copaifera langsdorffii Desf.


Família botânica: Fabaceae
Nome popular: Copaíba
Parte utilizada para extração da cor: casca do tronco
Uso medicinal: tratamento de doenças de pele, cicatrizante,
anti-inflamatório, diurético, expectorante e antimicrobiano
de afecções urinárias e da garganta (2)
Uso alimentício: -
Outros usos: proteção contra picadas de insetos (2)
Ocorrência: na Amazônia, Mato Grosso, Mato Grosso do
Sul, Goiás, Minas Gerais, Pará, São Paulo e Paraná e nas re-
giões mais úmidas do Nordeste (2)

Nome científico: Psidium guajava L.


Família botânica: Myrtaceae
Nome popular: Goiabeira
Parte utilizada para extração da cor: raiz e casca do tronco
Uso medicinal: lavagens locais de úlceras ou leucorreia, uso
do chá dos brotos no tratamento de diarreia, inflamações da
boca e garganta (2)
Uso alimentício: frutos podem ser consumidos in natura ou
processados em forma de suco, doces e geleia (7)
Outros usos: na confecção de ferramentas e no plantio desti-
nado a áreas degradadas de preservação (7)

148
Ocorrência: do Rio de Janeiro ao Rio Grande do Sul na flo-
resta pluvial Atlântica, e pode ser encontrada por todo país de
forma espontânea (7)

Nome científico: Hibiscus rosa-sinensis L.


Família Botânica: Malvaceae
Nome popular: Hibisco
Parte utilizada para extração da cor: pétala
Uso medicinal: -
Uso alimentício: refogado das folhas, saladas e corante das
flores (4)
Outros usos: ornamental (5)
Ocorrência: nativa da Ásia e cultivada em todo Brasil (5)

Figura 2. Hibisco. José Adriano de Souza Junior. Universidade Federal


Rural do Rio de Janeiro, 2019.

149
Nome científico: Handroanthus chrysotrichus (Mart. ex DC.)
Mattos
Família Botânica: Bignoniaceae
Nome popular: Ipê Amarelo
Parte utilizada para extração da cor: madeira
Uso medicinal: -
Uso alimentício: flores comestíveis para consumo cru e ou-
tras formas de preparo (5)
Outros usos: árvore ornamental também usada com frequên-
cia na arborização urbana e em reflorestamento (1)
Ocorrência: ampla distribuição no Brasil (8)

Nome científico: Cybistax antisyphilitica (Mart.) Mart


Família Botânica: Bignoniaceae
Nome popular: Ipê Verde
Parte util izada para extração da cor: madeira
Uso medicinal: cascas e folhas utilizadas contra afecções de
vias urinárias, reumatismo e sífilis (1)
Uso alimentício: -
Outros usos: frutos utilizados na confecção de arranjos de-
corativos (1)
Ocorrência: no sul da América do Sul e ampla distribuição
no Brasil (8)

Nome científico: Syzygium cumini (L.) Skeels


Família Botânica: Myrtaceae
Nome popular: Jamelão
Parte utilizada para extração da cor: fruto

150
Uso medicinal: infusão das folhas é utilizada contra diabetes
(1)
Uso alimentício: os frutos são utilizados na fabricação de
geleias, sucos, vinagre ou vinho (1)
Outros usos: ornamental e como quebra-vento (6)
Ocorrência: nativa da Índia e do Sri Lanka, introduzida no
Brasil desde os tempos coloniais, tornando-se subespontânea
em várias partes do país (9)

Nome científico: Genipa americana L.


Família Botânica: Rubiaceae
Nome popular: Jenipapo
Parte utilizada para extração da cor: fruto
Uso medicinal: considerado antissifilítico, utilizado para
calo dos pés, curativos no umbigo de crianças, tônico contra
anemia, asma e outros (1)
Uso alimentício: os frutos são consumidos ao natural ou en-
tão apreciados na forma de compotas, doces, geleias e licores
(1)
Outros usos: -
Ocorrência: ocorre em todo território brasileiro, em diversas
formações florestais (7)

Nome científico: Mangifera indica L.


Família Botânica: Anacardiaceae
Nome popular: Mangueira
Parte utilizada para extração da cor: casca do fruto
Uso medicinal: peitoral, febrífugo, bronquite, laringite, ca-
tarro crônico e coqueluche (4)

151
Uso alimentício: os frutos são consumidos in natura e pode-
-se fazer sucos ou vitaminas (4)
Outros usos: -
Ocorrência: nativa da Índia e Myanmar e trazida ao Brasil
no século XVI, onde é uma das frutíferas mais plantadas nas
regiões tropicais do país (9)

Nome científico: Pachira aquatica Aubl.


Família botânica: Malvaceae
Nome popular: Monguba
Parte utilizada para extração da cor: casca do tronco
Uso medicinal: -
Uso alimentício: folhas jovens, sementes e flores são comes-
tíveis após preparos culinários adequados (5)
Outros usos: utilizada na arborização urbana em quase todo
o país (5)
Ocorrência: nativa de toda Amazônia e Maranhão, em ter-
renos úmidos ou inundáveis, mas se adapta bem a condições
urbanas (5)

Nome científico: Byrsonima sericea DC.


Família Botânica: Malpighiaceae
Nome popular: Murici
Parte utilizada para extração da cor: casca
Uso medicinal: -
Uso alimentício: os frutos são utilizados na fabricação de
sucos, sorvetes, geleias, licores e doces (1)
Outros usos: madeira indicada para usos internos e fabrica-
ção de móveis (1)
Ocorrência: ampla ocorrência no Brasil (8)

152
Nome científico: Paubrasilia echinata (Lam.) Gagnon,
H.C.Lima & G.P.Lewis
Família Botânica: Fabaceae
Nome popular: Pau-Brasil
Parte utilizada para extração da cor: casca e madeira
Uso medicinal: -
Uso alimentício: -
Outros usos: árvore ornamental e a madeira é utilizada na
confecção de arcos de violino (1)
Ocorrência: do Ceará ao Rio de Janeiro na floresta pluvial
atlântica e muito frequentemente encontrado no Sul da Bahia
(7)

Nome científico: Libidibia ferrea (Mart. ex Tul.) L.P.Queiroz


var. ferrea
Família Botânica: Fabaceae
Nome popular: Pau-ferro
Parte utilizada para extração da cor: fruto
Uso medicinal: a tintura da vagem é utilizada em curativos
de contusões e ferimentos, para estancar hemorragias e em
compressas para luxações e utilizado também no tratamento
de tosse, bronquite, coqueluche e como anti-inflamatório e
imunoestimulante (2)
Uso alimentício: -
Outros usos: na construção civil, marcenaria em geral,
arborização urbana e no plantio de áreas degradadas (7)
Ocorrência: Piauí, Alagoas, Bahia, Espírito Santo e Rio de
Janeiro na floresta pluvial atlântica (7)

153
Nome científico: Bixa orellana L.
Família Botânica: Bixaceae
Nome popular: Urucum
Parte utilizada para extração da cor: semente
Uso medicinal: medicação estomáquica, tonificante do apa-
relho gastrointestinal, antidiarreica, antifebril, bem como para
palpitações do coração, crises de asma, coqueluche e gripe (2)
Uso alimentício: usado como corante de alimentos (2)
Outros usos: proteção contra insetos e queimaduras por ex-
posição ao sol (2)
Ocorrência: nativa da América tropical, incluindo a ocorrên-
cia na região amazônica até a Bahia (2) (7)

Figura 3. Urucum. José Adriano de Souza Junior. Universidade Federal


Rural do Rio de Janeiro, 2019.

154
Referências

COSTA, Bernardino; TORRES, Nelson Maldonado; GROSFO-


GUEL, Ramón. Decolonialidade e pensamento afrodiaspórico. Belo
Horizonte: Autêntica, 2020.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro/São Paulo:


Paz e Terra, 2020.

GUIMARÃES, Mauro. Educação em ciências e educação ambiental:


caminhos e confluências. Seropédica, RJ: Ed. da UFRRJ, 2012.

SODRÉ, Muniz. O terreiro e a cidade: a forma social negro brasi-


leira. Rio de Janeiro: Mauad X, 2019.

Literatura citada na relação das espécies vegetais

BÔAS, Glauco de Kruse Villas. Conhecimento Popular de plantas


medicinais do extremo sul da Bahia. / Organizadores Glauco de
Kruse Villas Bôas (Coordenador), Marcelo Neto Galvão, Marilza
Machado, Sanda Aparecida Padilha Magalhães Fraga. São Paulo:
Outras Expressões, 2018. (3)

BRAZ, D. M. et al. Árvores do Jardim Botânico da Universidade


Federal Rural do Rio de Janeiro: Chave de Identificação das famílias
para o reconhecimento das espécies em campo e caracterização e
uso da madeira. Seropédica: UFRRJ, 2012. (8)

CONCEIÇÃO, Deborah Terezinha. Ogbà Mímo - Livro das Folhas


Sagradas. Campinas, SP: D7 Editora, 2019. (4)

KINUPP, V. F.; LORENZI, H. Plantas Alimentícias Não Conven-


cionais (PANC) no Brasil: guia de identificação, aspectos nutricio-
nais e receitas. São Paulo: Instituto Plantarum de Estudos da Flora,
2014. (5)
LORENZI, Harri. Árvores brasileiras: manual de identificação e
cultivo de plantas arbóreas nativas do Brasil. Nova Odessa: Editora
Plantarum, 1992. (7)

155
LORENZI, H.; SOUSA, H. M.; TORRES, A. V.; BACHER, L. B.
Árvores Exóticas no Brasil: Madeireiras, ornamentais e aromáticas.
Nova Odessa: Instituto Plantarum, 2003. (6)

LORENZI, H.; LACERDA, M. T. C.; BACHER, L. B. Frutas no


Brasil nativas e exóticas: (de consumo in natura). São Paulo: Insti-
tuto Plantarum de Estudos da Flora, 2015. (9)

LORENZI, Harri. Plantas medicinais no Brasil: nativas e exóticas.


Nova Odessa, SP: Instituto Plantarum, 2008. (2)

SILVA, Bianca Ferreira da. Frutos do Jardim Botânico da UFRRJ.


(Organizadora) Bianca Ferreira da Silva – Seropédica, RJ: Ed. da
UFRRJ, c2013. (1)

156
Anexos
APOSTILA - PREPARO DAS TINTAS NATURAIS

Extração

As tintas naturais podem ser extraídas de inúmeros


materiais que a natureza nos proporciona. Os elementos
naturais pertencentes ao reino mineral, vegetal e animal
são muitos e, a partir deles, pode-se recolher pigmentos
utilizando flores, sementes, folhas, frutos, terra, raízes,
carvão vegetal, gordura de animais, sangue, insetos, conchas
entre outros.

Obtenção

As tintas naturais podem ser adquiridas através de


processos distintos. A quantidade para a obtenção de cada
tinta pode oferecer variações pois, irá depender basicamen-
te da observação e da intuição do sujeito durante o proces-
so de aquisição da mesma.

Entre as técnicas de obtenção de pigmentos podemos


citar:

• Maceração: Deixar a matéria prima de molho na


água. Folhas, flores, sementes ficam de 30 minutos a
12 horas. Já os talos, cascas e raízes mais duras, per-
manecem entre 22 e 24 horas.
• Decocção: Cozinhar a matéria prima até que a água
adquira a cor desejada.
• Infusão: Deixar a matéria prima em infusão no álcool
(dê preferência ao álcool de cereais) até atingir sua
cor, quanto mais tempo na infusão melhor o resulta-
do da cor desejada.
159
• Liquidificação: Bater no liquidificador a matéria pri-
ma com a quantidade de água necessária para obten-
ção do pigmento.

Aglutinantes

Segundo Cruz (2007), os pigmentos são responsáveis pela


cor que surgem nas tintas sob a forma de pequenas partí-
culas ligadas entre si pelo aglutinante. São materiais insolú-
veis, inorgânicos, utilizados na forma de pó fino (partículas
com diâmetro 1 mm) que ficam em suspensão no aglutinan-
te.

Os aglutinantes são substâncias que, quando adicionadas


aos pigmentos, vão unir as partículas formando a adesão
necessária para obtenção da cor da tinta natural.

Assim como as matérias-primas utilizadas para adquirir o


pigmento são naturais, os aglutinantes também podem ser
obtidos a partir de materiais naturais, como por exemplo:

• Gema e clara de ovo1


• Suco de alho
• Babosa
• Goma de polvilho
• Baba de linhaça
• Soro de leite2

1 À gema ou à clara de ovo é necessário acrescentar uma pequena


quantidade de sal grosso para evitar uma possível formação de bolor.
2 Assim como à clara ou à gema do ovo, ao soro de leite também se faz
necessário acrescentar uma pequena quantidade de sal grosso para evitar uma
possível formação de bolor.

160
• Baba de Cacto
• Látex

Armazenamento e validade: O aglutinante natural deve ser


armazenado na geladeira e utilizado em até três dias.

Dica: Caso não tenha acesso a nenhum aglutinante natural,


a cola branca pode ser uma boa substituta. Pois, apesar de
ser um produto de origem industrial, a cola branca não é tó-
xica, não dispersa substâncias químicas no meio ambiente
e funciona como uma ótima alternativa de acessibilidade e
baixo custo.

RECEITA – AGLUTINANTE DE BABA DE LINHAÇA

Materiais:
80 gramas de linhaça;
1 litro de água.

Modo de Preparo:

1. Coloque em uma panela, levar ao fogo por volta de


10 a 15 minutos
2. Peneire em uma peneira ou em um voil
3. Armazene em um recipiente
4. Conserve na geladeira

Conservantes e Fixadores

Para obter melhor resultado nas cores resultantes dos pig-


mentos de origem vegetal, faz-se necessário o acréscimo de
161
fixadores e conservantes a partir de elementos naturais ou
de origem industrial, tais como:

• Limão
• Vinagre
• Jenipapo
• Cola branca
• Cola caseira
• Sal grosso

Atenção: Pode ocorrer mudança de tonalidade e de cor


quando um fixador de outra cor for adicionado ao pigmento
modificando, desta maneira, o resultado final da cor
desejada.

Dica: O limão e o vinagre além de conservarem e fixarem


as tintas contribuem também para o avivamento de suas
cores.

Durabilidade

Para falar sobre a durabilidade, é preciso compreender pri-


meiramente que, a para cada tipo de tinta, existirá uma res-
posta diferente, como é possível conferir a seguir:

• Tintas vegetais

São frágeis e não devem ficar diretamente expostas ao sol,


visto que, são sensíveis a luz e, por isso, podem perder sua
cor original, adquirindo um tom amarronzado.

• Geotinta ou tinta de terra

162
São mais resistentes não desbotam facilmente, mesmo
quando expostas ao sol, e não apresentam problemas em
sua conservação, desde que feita de forma correta.

Coleta da matéria prima

Ao coletar a matéria prima necessária na natureza é preciso


estar atento para não modificar o ambiente, isto é, não cau-
sar nenhum impacto ou dano ao meio. Para isto, sugerimos
que seja recolhido apenas uma pequena quantidade da es-
pécie vegetal ou solo escolhido evitando, deste modo, que
este material se esgote e permitindo que outras pessoas
possam utilizá-lo também.

Figura 1. Solo colhido para confecção de geotintas. Foto: Franciel-


le da Silva Pimenta, 2021.

163
Toxicidade

Apesar da probabilidade de encontrar plantas tóxicas na na-


tureza ser existente, de um modo geral, as tintas naturais
apresentam menos riscos de intoxicação se comparadas às
tintas sintéticas. Deste modo, para diminuir ainda mais os
riscos de intoxicação por meio das tintas naturais, recomen-
da-se atenção ao selecionar as espécies vegetais, sempre
dando preferência àquelas que não vão oferecer riscos à
saúde em sua manipulação.

164
Tabela 1. Cores e elementos vegetais e minerais.

Tabela de cores e elementos vegetais e minerais


COR FONTE MATÉRIA PROCESSO AGLUTINANTE DILUENTE FIXADOR

VERMELHO Pau-Brasil Tronco Infusão Cola/Clara Álcool Limão

ROSA Beterraba Raiz Liquidificação Babosa Água Vinagre

MARROM Cebola Casca Cocção Cola/Linhaça Água Jenipapo

VERDE Espinafre Folha Liquidificação Cola Água Limão

AZUL Feijão-preto Semente Maceração Linhaça Água Alúmem


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ROXO Uva Casca Cocção Cola Água Vinagre

AMARELO Abacata Broto Cocção Babosa Água Limão

LARANJA Urucum Semente Infusão Cola Álcool Álcool

PRETO Carvão Pó Triturar Cola Água Soro

CINZA Cinzas Pó Decantar Clara Água Soro

BRANCO Ovo Casca Triturar Cola Água Soro


Aplicação

Depois de prontas, as tintas naturais podem ser aplicadas


em texturas como as de papel, telas, madeira, muralismo
etc.

Dica: As tintas naturais vão se adaptar mais facilmente em


algumas superfícies do que outras. Como, por exemplo, as
superfícies mais porosas, que vão absorver mais facilmen-
te o pigmento.

166
OFICINA DE GEOTINTA: MATERIAIS, PREPARO E
APLICAÇÃO

As tintas de terra ou geotinta, como também são


conhecidas, são compostas basicamente por um pigmento
(neste caso, a terra), por água, por solvente e por um aglu-
tinante.

Materiais

1. Solo (barro/argila) 3;
2. Pilão para triturar o solo;
3. Peneira ou voil (tecido);
4. Recipiente para armazenar o pigmento;
5. Aglutinante – Cola Branca diluída em água (1 medida
de água para uma medida de cola) ou qualquer aglu-
tinante natural;
6. Água.

Preparo

1. Triture o solo no pilão caso não tenha pilão coloque


o solo em um pano e bata contra o chão até que os
torrões de terra estejam mais soltos;
2. Peneire o solo em uma peneira;
3. Acrescente um pouco de água e misture até que a
mistura fique homogênea e chegue a uma consistên-
cia de pasta;
4. Acrescente cola;
5. Faça o desenho;
6. Deixe secar por 40 minutos.

3 Quanto mais argilosa melhor será a tinta.

167
Dica: Caso deseje a tinta com um efeito de aquarela, adi-
cione mais água a tinta que já está pronta, até obter o re-
sultado esperado. Mas, se a intenção for de obter uma tin-
ta mais pastosa, basta acrescentar mais terra e aglutinante
à tinta que já foi preparada, até obter sucesso na textura
desejada.

Meios para aplicação da geotinta

Para pintar os desenhos, pode-se utilizar pincéis a


partir de materiais recicláveis como, por exemplo, esponja
de lavar louça aderida a um pregador de roupas, ou pincéis
naturais confeccionados a partir de galho de árvore tendo
em sua ponta folhas presas por um barbante ou cipó, pode-
-se utilizar também os dedos, pincéis de cerdas sintéticas
etc.

Após a obtenção das cores e confecção dos pincéis,


a tinta de terra poderá ser aplicada em superfícies porosas
que vão apresentar melhor absorção como, por exemplo, o
papel, a cerâmica, a parede e a madeira.

168
SOBRE AS/OS PARTICIPANTES

Abiola Yayi (autor) - Abiola Akande Yayi é nascido em 1988


na República do Benim (África), mudou-se para o Brasil para
estudar Arquitetura e Urbanismo na Universidade Federal
de Uberlândia (UFU) onde se formou em 2016. Hoje atua
como arquiteto autônomo e designer na sua empresa AFRO-
CREATIV. Possui um perfil em seu Instagram pessoal em que
compartilha informações e análises sobre os saberes ancestrais
africanos.

E-mail: abiola.yayi.arq@gmail.com

Ana Cruz (autora) – Moradora do bairro Santa Cruz, na


Zona Oeste do Rio de Janeiro. Atua como educadora popular
e coordenadora no IFHEP (Instituto de Formação Humana
e Educação Popular). Possui formação técnica em Agroeco-
logia pela UFRRJ e, atualmente, cursa graduação em Peda-
gogia pela mesma instituição. Petiana integrante do grupo
PET Educação do Campo, Movimentos Sociais e Diversida-
de/UFRRJ. Organizadora e colaboradora do Jornal Popular
Clima de Perifa.

E-mail: duarteanabeatriz@hotmail.com

Anna Gomes (diagramadora) – Graduanda no curso Comu-


nicação Visual Design na Escola de Belas Artes da Universi-
dade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e tendo formação téc-
nica em Agroecologia pela UFRRJ. Atua como designer em

169
uma fintech localizada no Instituto Gênesis (PUC – RIO).
Foi bolsista da extensão Projeto Pipa UFRJ (Projeto Infância
e Poluentes Ambientais), responsável por criar e desenvolver
a identidade visual dos materiais didáticos impressos. Partici-
pou também da equipe de competição UFRJ Nautilus como
coordenadora na área de Marketing, além de ter colaborado
no Jornal Popular Clima de Perifa em 2020.

Portfólio: behance.net/sebastans

Deborah Terezinha Conceição (organizadora) – Atual-


mente é graduanda no curso de Licenciatura em Educação
do Campo na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro,
onde desenvolve pesquisas na área de História e Educação
por intermédio da Etnomusicologia e dos saberes produzi-
dos através da cultura afro-diaspórica no Brasil. Inserida no
GT Cultura Popular e Brasil Contemporâneo e no Grupo de
Pesquisa Filosofia e Educação Popular (UFRRJ/CNPq), de-
senvolve pesquisas acerca da Gramática dos Tambores e suas
Pedagogias. Bolsista do Programa de Ensino Tutorial (PET),
desde 2017, coordena o Eixo Religiões de Matriz Africana e
Território por meio do grupo PET Etnodesenvolvimento e
Educação Diferenciada. Integra desde 2018, o NEM (Nú-
cleo de Educação Musical: Estudos sobre a Música Popular
Brasileira) na UFRRJ – Campus Seropédica e, desde 2020,
compõe o Círculo de Estudos e Pesquisas Freireanos pela Fa-
ced UFU em Uberlândia - MG. É autora do livro lançado no
ano de 2019 “OGBÀ MÍMO – Livro das Folhas Sagradas”,
onde aborda através de uma perspectiva decolonial o vínculo

170
alimentício, medicinal, popular e religioso de 73 espécies ve-
getais contidas nos Jardins da Universidade Federal Rural do
Rio de Janeiro.

E-mail: deborahvinhal1@gmail.com

Gabriela da Silva Pires (identificadora de espécies) –


Graduanda do curso de Ciências Biológicas, na modalidade
de Licenciatura, pela Universidade Federal Rural do Rio
de Janeiro (UFRRJ). Atuou como membro do Diretório
Acadêmico Charles Darwin/ICBS. Foi estagiária bolsista
do Herbário RBR da UFRRJ, onde trabalhou com coleções
botânicas e atualmente integra o Laboratório de Ecologia
e Conservação de Florestas do Departamento de Ciências
Ambientais.
E-mail: gabrielapires.bio@gmail.com

Fabiana de Carvalho Dias Araújo (autora) – Professora


Adjunta na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
(UFRRJ) desde out/2015, lotada no Departamento de
Educação do Campo, Movimentos Sociais e Diversidade
(Instituto de Educação) e leciona disciplinas do campo
da Agroecologia. Possui graduação em Licenciatura Em
Ciências Agrícolas pela Universidade Federal Rural do Rio
de Janeiro (2002), mestrado em Agronomia (Ciências do
Solo) pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
(2005) e doutorado em Agronomia (Ciências do Solo) pela
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (2009).

E-mail: prof.fabiana.araujo@gmail.com
171
Francielle da Silva Pimenta (autora e ilustradora - miolo
do livro) – Graduanda do curso de Licenciatura em Edu-
cação da Campo da Universidade Federal Rural do Rio de
Janeiro (UFRRJ). Artista Negra, Jongueira e Quilombola do
Quilombo de Santa Rita do Bracuí, localizado em Angra dos
Reis – RJ. Bolsista do Programa de Educação Tutorial (PET),
sendo membra do grupo PET Etnodesenvolvimento e Edu-
cação Diferenciada.

E-mail: franciellepimenta32@gmail.com

Larissa Onasis Monteiro Magalhães (revisora) – Graduan-


da do curso de Licenciatura em Letras: Português/Literaturas
da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).
Atuou como assistente na pesquisa Educação com Ciência
e Consciência na qual desenvolveu atividades com foco na
implementação das leis 10.639/03 e 11.645/08. É bolsista
do Programa de Educação Tutorial (PET) desde 2017, sen-
do membra do grupo PET Etnodesenvolvimento e Educação
Diferenciada.

E-mail: larissaonasis@gmail.com

Luiz Fernandes de Oliveira (autor) – Militante do Instituto


Búzios e Ogâ do Ilê Axé Iyá Nassô Oká - Ilê Oxum. Membro
do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas, Movimentos So-
ciais e Culturas (GPMC). Professor da Licenciatura em Edu-
cação do Campo, do Programa de Pós-Graduação em Educa-
ção na UFRRJ e Doutor em Educação pela PUC – Rio.

E-mail: axeluiz@gmail.com
172
Matheus de Souza de Oliveira (identificador de espécies) –
Graduando no curso de Agronomia da Universidade Federal
Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Atua como estagiário da
Coordenação de Logística Sustentável (Colosus) onde realiza
projetos de gestão de resíduos sólidos no Campus da UFR-
RJ. Foi membro do Grupo de Agricultura Ecológica (GAE)
onde participou da autogestão e de atividades de extensão de
cunho agroecológico e permacultural.

E-mail: matheusoliveira.uno@gmail.com

Roberta Lobo (autora) – Historiadora formada pela UERJ


com mestrado em História Social (UFRJ), doutorado em
Educação (UFF) e pós-doutorado em Música (UniRio).
Atualmente é professora de História da UFRRJ e coordena-
dora do Núcleo de Educação Musical/UFRRJ. Participa do
movimento CHORA: Mulheres na Roda.

E-mail: roberta.lobo@gmail.com

Uéliton Gomes da Paixão Lopes (ilustrador da capa) –


Graduando no curso de Agronomia da Universidade Federal
Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Artista negro dedicado
ao estudo das linguagens de pintura e escultura, estudante
de rítmica da música popular brasileira (maracatu, samba e
choro). Participou da elaboração e execução do Projeto Cons-
trutivo Permacultural.

E-mail: paixao.gomes.ueliton@gmail.com

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Vagner Felix da Silva (autor e revisor) – Umbandista, filho
de Obaluayê. Graduado em Letras pela UNIABEU. Especia-
lista em Literaturas Portuguesa e Africanas de Língua Portu-
guesa pela UFRJ. Graduando em Licenciatura em Educação
do Campo na UFRRJ e bolsista do grupo PET – Etnode-
senvolvimento e Educação Diferenciada da UFRRJ, Campus
Seropédica.

E-mail: vagfe88@gmail.com

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