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PROCESSO Nº : 17.

961-2/2011
INTERESSADO : PREFEITURA MUNICIPAL DE SANTO ANTÔNIO DO LESTE
ASSUNTO : CONSULTA
RELATOR : CONSELHEIRO SUBSTITUTO LUIZ HENRIQUE LIMA
PARECER Nº : 095/2011

Excelentíssimo Senhor Conselheiro:

Trata-se de consulta formulada pelo Sr. Reinaldo Coelho Cardoso, Prefeito


Municipal de Santo Antônio do Leste, à fl. 02 -TC, indagando sobre a legalidade de se
pagar ao motorista de ambulância horas extras cumuladas ao pagamento de diárias e
insalubridade, nos seguintes termos:

“Solicitamos a Vossa Excelência parecer acerca da legalidade de um


determinado município em pagar horas extras a motorista de ambulância
concomitantemente ao pagamento de Diárias e Insalubridades”.

Não foram juntados documentos complementares aos autos.

É o relatório.

1. REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE

Os pressupostos de admissibilidade da presente consulta, exigidos pelo art. 232


da Resolução 14/2007 (Regimento Interno do TCE/MT), foram preenchidos em sua
totalidade, pois a consulta foi formulada em tese, por autoridade legítima, com a
apresentação objetiva do quesito e versa sobre matéria de competência deste Tribunal.

Passa-se à análise, em tese, da consulta formulada.

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2. DO MÉRITO

A indagação trata da possibilidade de serem pagas as horas trabalhadas em


sobrejornada, concomitantemente com diárias e adicional de insalubridade aos motoristas
de ambulância.

É importante ressaltar que este Tribunal de Contas ainda não possui prejulgados
que contemplem integralmente o questionamento formulado.

Preliminarmente, é preciso consignar que o direito à percepção de horas extras,


diárias e adicional de insalubridade se baseiam em diferentes normativos, cujos requisitos
autorizadores são satisfeitos individualmente.

As horas extras decorrem de situações extraordinárias em que há necessidade


de se trabalhar além da jornada normal do servidor. A remuneração do serviço realizado
em sobrejornada é garantido pela Constituição da República no artigo 7º, XVI, que assim
dispôs:
Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de
outros que visem à melhoria de sua condição social:
(...)
XVI – remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo,
em cinquenta por cento à do normal;

Tal direito social é extensível aos servidores públicos por meio do art. 39, § 3º, da CF/88,
que assim prescreve:

Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios


instituirão, no âmbito de sua competência, regime jurídico único e
planos de carreira para os servidores da administração pública
direta, das autarquias e das fundações públicas. (Vide ADIN nº
2.135-4)
(...)
§ 3º Aplica-se aos servidores ocupantes de cargo público o disposto
no art. 7º, IV, VII, VIII, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII

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e XXX, podendo a lei estabelecer requisitos diferenciados de
admissão quando a natureza do cargo o exigir. (Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

No serviço público, as horas extraordinárias só devem ser autorizadas para


atendimento de necessidade imperiosa, decorrente de força maior, serviços inadiáveis ou
de relevante interesse público.

Cabe a cada ente federativo disciplinar, em lei, a forma de concessão e de


remuneração dos trabalhos realizados em sobrejornada (horas extras). Neste sentido
salienta-se que o ente poderá, inclusive, facultar aos servidores a compensação das
horas extras trabalhadas em jornadas de dias subsequentes (banco de horas).

A percepção de horas extras pressupõe a possibilidade de efetivo controle da


jornada trabalhada do servidor por parte da Administração, e deve ser regulamentada em
lei do próprio ente, como por exemplo no Estatuto do Servidor Público.

Corroborando estes entendimentos sobre horas extras, o Tribunal de Contas do


Estado de Santa Catariana assim se manifestou:

Prejulgado nº 17421
1. Compete ao município regulamentar a concessão de horas-extras
mediante lei, definindo o limite máximo de horas-extras permitido no
município, os requisitos para a sua concessão e o percentual de
acréscimo sobre o valor da hora normal.

2. A lei municipal que regulamentar a concessão de horas-extras aos


servidores do município não poderá definir percentual inferior ao
previsto no inciso X do art. 90 da Lei Orgânica Municipal, que
apresenta a mesma redação do inciso XVI do art. 7º da Constituição
da República.

1 http://www.tce.sc.gov.br/web/menu/decisoes, acessado em 15/10/2011.

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3. Qualquer servidor ocupante de cargo efetivo no município pode
prestar horas-extras, entretanto, no âmbito da administração pública,
sua realização depende da caracterização da necessidade
imperiosa, temporária e excepcional do serviço e somente deve
ocorrer mediante convocação direta do servidor para cumprir jornada
de trabalho extraordinária e deve ser precedida de autorização por
ato da autoridade superior.
(...)

Já o adicional de insalubridade é pago ao servidor pelo exercício de função


insalubre em que a saúde dele seja submetida a algum tipo de risco. Esse direito também
foi constitucionalmente previsto no artigo 7º, cujo inciso XXIII dispõe:

Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de


outros que visem à melhoria de sua condição social:
(...)
XXIII- adicional de remuneração para as atividades penosas,
insalubres ou perigosas, na forma da lei;

Ao contrário das horas extras, que são extensíveis aos servidores públicos por
meio do art. 39, § 3º, da CF/88, cabendo a lei local apenas a forma e os critérios de
concessão, o adicional de insalubridade não encontra aplicação direta na Constituição.
Para ser concedido aos servidores o ente político deverá, em sua esfera de poder, criar e
disciplinar a remuneração.

Neste rastro, o Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais assim entende:

Consulta nº 498.1072
Ementa: Servidor municipal. Vencimentos. Emenda Constitucional
nº 19/98. Concessão de adicional de periculosidade e insalubridade.
possibilidade desde que prevista na legislação municipal pertinente à
matéria.

2 http://200.198.41.151:8080/TCJuris/pesquisa/lista.jsp?indice=0 , acessado em 15/10/2011.

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O Ministério do Trabalho e Emprego editou a Norma Regulamentadora - NR nº 15
que disciplina as atividades e operações insalubres. O anexo nº 14 dessa norma,
aprovado pela Portaria SSST nº 12 de 1979, incluiu o adicional de insalubridade aos
trabalhos realizados em contato permanente com pacientes em hospitais, serviços de
emergência, enfermarias, ambulatórios e outros estabelecimentos destinados aos
cuidados da saúde humana.

No caso dos servidores públicos, o direito à percepção do adicional de


insalubridade deve estar regulamentado em lei do próprio Ente, e deverá ser pago aos
servidores que se enquadrarem nos ditames da referida NR, quando expostos a
quaisquer dos riscos nela descritos, inclusive os motoristas de ambulância.

Quanto às diárias serão devidas ao servidor que, a serviço, afastar-se da sede


em caráter eventual ou transitório e serão destinadas a indenizar as parcelas de
despesas extraordinárias com pousada, alimentação e locomoção urbana, conforme
dispuser em regulamento próprio do ente.

Dessa forma, é o próprio ente que regulamenta a concessão de diárias, inclusive


quanto ao valor e prestação de contas.

Este Tribunal já decidiu que o valor das diárias deverá ser compatível com
despesas diárias do servidor com alimentação, pousada e locomoção urbana. Ademais, é
necessário que o instrumento legal que disciplina a concessão de diárias estabeleça
normas relativas à prestação de contas dos recursos recebidos, conforme se infere do
Acórdão a seguir transcrito:

Acórdão(s) nº 1.783/2003 (DOE 04/12/2003)

O valor das diárias deverá ser compatível com os gastos diários com
alimentação, pousada e locomoção urbana, podendo ser estipulados

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valores diferenciados, variáveis em função do cargo que ocupa o servidor,
da localidade ou outros critérios definidos pela municipalidade. Os
documentos relativos à prestação de contas deverão ser exigidos no
instrumento legal que regulamenta a concessão de diárias, com a
finalidade, basicamente, de se comprovar o deslocamento, a quantidade
de dias e sua necessidade. Devem compor a prestação de contas:
relatório de viagem bilhetes de passagem; comprovantes de participação
em cursos e treinamentos, além da solicitação fundamentada, autorização
pelo ordenador, notas de empenho e liquidação, comprovante de
recebimento dos valores pelo servidor, bem como da sua devolução,
quando for o caso. A municipalidade poderá requerer outros documentos.
(Destaquei).

Em outro recente prejulgado, esta Corte de Contas entendeu pela possibilidade


de cumulação de valores recebidos a título de diárias com outros valores também de
caráter indenizatório, nos termos da Resolução de Consulta nº 29/2011:

Ementa: CÂMARA MUNICIPAL DE NOVA OLÍMPIA. CONSULTA.


CÂMARA MUNICIPAL. VEREADOR. VERBA DE NATUREZA
INDENIZATÓRIA. POSSIBILIDADE, SE OBSERVADOS OS
REQUISITOS. IMPOSSIBILIDADE DE PAGAMENTO DE
DESPESAS COM MANUTENÇÃO DO GABINETE DO
PARLAMENTAR. POSSIBILIDADE DE RESSARCIMENTO DE
DESPESAS COM ABASTECIMENTO DE VEÍCULO PARTICULAR
DO VEREADOR E DE ACUMULAÇÃO COM A DIÁRIA, QUANDO
CONTEMPLAREM O RESSARCIMENTO DE DESPESAS
DISTINTAS. PRESTAÇÃO DE CONTAS NOS TERMOS DA LEI
QUE A INSTITUIR.
(...)
4) A verba indenizatória não pode ser destinada ao pagamento de
despesa já indenizada sob outra forma, sob pena de se configurar
duplicidade de pagamento da mesma despesa. Nesse sentido, só é
possível a acumulação da concessão de verba indenizatória com
diária ou adiantamento quando decorrerem de fatos geradores
distintos.

Assim, conclui-se que as parcelas referentes a horas extras e adicional de


insalubridades são parcelas remuneratórias e para o pagamento devem ser precedidas
de regulamentação local própria. Quanto aos valores dispendidos a título de diárias são
parcelas indenizatórias que também carecem de regulamentação específica.

O pagamento de adicional de insalubridade tem caráter individual e desde que


haja regulamentação legal local, poderá cumular-se com outras verbas tanto de caráter

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remuneratório quanto de caráter indenizatória, sendo suficiente a exposição do servidor
público a riscos laborais.

Questão delicada é saber da compatibilidade de se pagar, concomitantemente,


diárias e horas extras aos servidores que estiverem deslocados da sede do ente, uma
vez que o controle e aferição de horas extras seria de difícil operacionalização.

Neste contexto, cabe à legislação local de cada ente federativo preverem a


possibilidade de cumulação de parcelas referentes a diárias com outras referentes a
horas extras.

Contudo, é conveniente salientar que a percepção de horas extraordinárias está


atrelada à possibilidade de controle da jornada de trabalho. As jornadas não controladas
não ensejam cálculo de horas extraordinárias, dado que não se pode aferir sequer a
efetiva prestação da jornada padrão do servidor.

Nesta senda, é importante colacionar julgado esclarecedor do tema prolatado


pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, nos seguintes termos:

HORAS EXTRAS – PROVA – INVIABILIDADE DE ANALOGIA –


LEGALIDADE
EMENTA: Apelação Cível. Servidor Público. Horas extras. 1. Não
tendo sido comprovada a efetiva realização de serviço extraordinário,
não há que se falar em pagamento da verba respectiva. 2.
Inviabilidade de aplicação, por analogia, de critérios de apuração de
débito utilizados na Justiça do Trabalho, em razão da legalidade
estrita de que se devem revestir os atos da administração pública. 3.
Vedada a vinculação do salário mínimo para qualquer finalidade (CF,
art. 7º, IV), impõe- se a reforma da sentença, de ofício, na fixação da
verba honorária. Apelação desprovida. Sentença modificada, de
ofício, no que se refere aos honorários advocatícios. (Apelação Cível
nº 70004684031, Primeira Câmara Especial Cível, Tribunal de
Justiça do RS, Relator: Rogerio Gesta Leal, julgado em 25/08/2003) 3

3 http://www.tjrs.jus.br/export/poder_judiciario/tribunal_de_justica/centro_de_estudos/publicacoes/doc/O_Servidor_P
ublico_na_visao_do_TJ.pdf, acesso em 15/11/2011.

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Assim, conclui-se que em sendo possível os procedimentos de constatação da
efetiva realização de horas extras, de forma inequívoca, e desde que haja
regulamentação local permitindo, poderá haver a percepção cumulativa de diárias e
horas extras.

3. CONCLUSÃO

Considerando, ainda, que não existe prejulgado neste Tribunal sobre o assunto,
ao julgar o presente processo e concordando este Egrégio Tribunal Pleno com o
entendimento delineado no presente parecer, sugere-se a seguinte ementa (art. 234, §
1º, da Resolução n° 14/2007):

Resolução de Consulta nº__/2011. Pessoal. Direitos sociais.


Motorista de ambulância. Cumulação de horas extras com
diárias e adicional de insalubridade. Possibilidade mediante
controle e regulamentação de cada ente federativo.

a) para percepção do adicional de insalubridade,


independentemente de outras parcelas remuneratórias ou
indenizatórias, é suficiente a exposição do servidor público a riscos
em sua saúde, nos termos da NR nº 15, do MTE. No serviço público
a concessão deste adicional deve ser normatizado em cada ente
federativo;

b) diárias são parcelas indenizatórias que visam o ressarcimento a


servidores que, a serviço, suportam despesas com alimentação,
pousada e locomoção urbana. Já as horas extras são parcelas
remuneratórias, devidas aos servidores públicos que realizam
serviços extraordinários em sobrejornada, não se confundindo para
quaisquer efeitos;

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c) somente será possível a percepção de diárias e horas extras,
cumulativamente, se houver regulamentação local permitindo e
existir controles que comprovem, de forma inequívoca, que o
servidor trabalhou efetivamente em sobrejornada.

Dessa forma, submete-se à apreciação do Conselheiro relator para decisão


quanto à admissibilidade e eventual instrução complementar, sendo encaminhado na
sequência ao Ministério Público de Contas para manifestação (art. 236 do RITCMT).

Cuiabá-MT, 11 de outubro de 2011.

Helder Augusto Daltro Edicarlos Lima Silva Ronaldo Ribeiro de Oliveira


Técnico de Controle Público Externo Consultor Adjunto à Consultoria Técnica Secretário-Chefe da Consultoria Técnica

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