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PODER JUDICIÁRIO

JUSTIÇA FEDERAL
Subseção Judiciária de Varginha-MG
1ª Vara Federal Cível e Criminal da SSJ de Varginha-MG

SENTENÇA TIPO "A"


PROCESSO: 1003052-69.2022.4.01.3809
CLASSE: AÇÃO CIVIL PÚBLICA (65)
POLO ATIVO: CONSELHO REGIONAL DE ODONTOLOGIA DE MINAS GERAIS
REPRESENTANTES POLO ATIVO: FERNANDA VIANA PIMENTA - MG208258 e CRYSTHIAN DRUMMOND
SARDAGNA - BA25625
POLO PASSIVO:MUNICIPIO DE LIBERDADE
REPRESENTANTES POLO PASSIVO: HUMBERTO MATEUS ARAUJO DE CARVALHO - MG103706

SENTENÇA

RELATÓRIO

Trata-se de ação civil pública ajuizada pelo CONSELHO REGIONAL DE ODONTOLOGIA DE MINAS GERAIS
em face do MUNICIPIO DE LIBERDADE, pleiteando a aplicação do piso salarial disposto na Lei 3.999/61 para
os atuais profissionais municipais que exercem o cargo de cirurgiões-dentistas, sejam eles contratados,
celetistas ou estatutários.

Alega que a Lei 3.999/196 estabeleceria que a remuneração do cirurgião dentista deveria equivaler a no mínimo
três salários-mínimos mensais, em uma jornada de trabalho de 20 horas semanais. Sustenta, ainda, que,
conforme o Plano de Cargos e Salários do município, o vencimento oferecido aos profissionais dentistas seria
inferior ao piso salarial aplicável.

Em contestação ID 1325629347, o réu aduziu que o município cumpriria o piso salarial dos cirurgiões-
dentistas com base nos valores de uma jornada de trabalho equivalente a 30 horas semanais. Dessa forma,
alega que a controvérsia da lide se daria somente quanto a limitação da jornada de trabalho, o que careceria de
alteração legislativa.

Arguiu, por fim, a preliminar de ausência de interesse processual bem como requereu a improcedência total do
pedido formulado na exordial pela parte autora.

A parte autora impugnou a contestação no ID 1340006859, tendo reiterado os termos da inicial, não tendo
pugnado pela produção provas.

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O MPF pugnou pela improcedência da ação, nos termos na petição ID 1380748869.

É o que cumpre relatar. Decido.

FUNDAMENTAÇÃO

Na contestação, o município alega que o Conselho Regional de Odontologia não teria interesse processual em
requerer a adequação da remuneração dos cirurgiões-dentistas ao piso nacional, uma vez que eles já
receberiam o mínimo legal. Tal preliminar confunde-se com o mérito do pedido, razão pela qual rejeito o
argumento em sede de preliminar, sem prejuízo do exame da matéria na parte meritória.

Passo ao exame do mérito.

A parte autora questiona a remuneração fixada aos atuais servidores ocupantes do cargo de odontólogo,
pugnando pela sua fixação em conformidade com o piso salarial da categoria nos ditames da Lei Federal
3.999/1961.

Sobre o assunto, a Constituição Federal dispõe que compete privativamente à União legislar sobre as
condições para o exercício das profissões, conforme o artigo 22, inciso XVI.

Fazendo o uso de tal competência, a Lei Federal n. 3.999/61 estabelece nos artigos 5º e 8°, alínea "a", a
remuneração mínima dos médicos e cirurgiões-dentistas, conforme redação que segue:

Art. 5º Fica fixado o salário-mínimo dos médicos em quantia igual a três vezes
e o dos auxiliares a duas vezes mais o salário-mínimo comum das regiões ou
sub-regiões em que exercerem a profissão.

[...]

Art. 8º A duração normal do trabalho, salvo acordo escrito que não fira de modo
algum o disposto no artigo 12, será:

a) para médicos, no mínimo de duas horas e no máximo de quatro horas


diárias;

[...]

A Carta Maior também dispõe em seu artigo 39, §1° e seus incisos, que a União, os Estados, o Distrito Federal
e os Municípios instituirão conselho de política de administração e remuneração de pessoal, integrado por
servidores designados pelos respectivos Poderes, observando a natureza, o grau de responsabilidade e a
complexidade dos cargos componentes de cada carreira; os requisitos para a investidura e as peculiaridades
dos cargos.

Através de uma interpretação sistemática dos artigos, a autonomia administrativa municipal quanto ao
provimento de cargos públicos, desde que observado o piso salarial da categoria profissional e o limite máximo
da jornada de trabalho estabelecido pela Lei Federal.

Em mesmo sentido é o entendimento jurisprudencial deste Tribunal:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO.


CONSELHO REGIONAL DE ODONTOLOGIA. PISO SALARIAL.
NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DOS PATAMARES REMUNERATÓRIOS
ESTABELECIDOS EM LEI FEDERAL. 1. Compete privativamente à União
legislar sobre o exercício profissional (art. 22, XVI, da CF) e, assim, fixar o

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piso salarial das categorias. No uso dessa competência, a Lei Federal nº
3.999/61 fixou o salário mínimo para a categoria dos cirurgiões dentistas,
devendo ser observada ainda que se trate de cargo público. 2. O fato de o
trabalho ser prestado por ocupante de cargo público, submetido a regime
jurídico próprio, não afasta o direito à percepção de remuneração (limite
mínimo) prevista, por lei federal, para a respectiva categoria profissional.
(AC 5000608-46.2020.4.04.7118, TRF4, T3, Rel. Des. Federal Vânia Hack de
Almeida, DATA: 23/02/2021).

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. CONCURSO PÚBLICO.


ODONTÓLOGO. SERVIDOR MUNICIPAL. PISO SALARIAL. EXERCÍCIO
PROFISSIONAL. LEI FEDERAL. ART. 22, XVI, DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL. I. A Administração Pública Municipal está adstrita ao cumprimento
da lei, não lhe sendo possível remunerar uma categoria profissional em
dissonância ao que preceitua a legislação correlata vigente. II. A
jurisprudência é firme no sentido de que compete à União legislar
privativamente sobre as condições para o exercício profissional (artigo 22,
inciso XVI, da Constituição Federal). III. No provimento de cargos públicos, é
obrigatória a observância do piso salarial da categoria profissional e o
limite máximo da jornada de trabalho estabelecido por lei federal. IV. O
fato de o trabalho ser prestado por ocupante de cargo público, submetido a
regime jurídico próprio, não afasta o direito à percepção de remuneração (limite
mínimo) prevista, por lei federal, para a respectiva categoria profissional. V. O
prosseguimento do concurso público, nos moldes em que formatado
originalmente, acarretará prejuízo de difícil reparação ao próprio Município e à
coletividade, porque, além de inibir a participação de eventuais interessados,
poderá vir a ser, ao final, anulado, para a realização de novo certame. (AI
5013970-32.2020.4.04.0000, TRF4, T4, Rel. Des. Federal Vivian Josete
Pantaleão Caminha, DATA:18/07/2020).

Desde já, ressalto que a Lei 3.999/61 não vincula o salário profissional ao salário-mínimo, conforme
impedimento constante na Súmula Vinculante n°4 do STF.

A Súmula Vinculante n°4 do STF dispõe: “salvo nos casos previstos na constituição, o salário-mínimo não pode
ser usado como indexador de base de cálculo de vantagem de servidor público ou de empregado, nem ser
substituído por decisão judicial”.

O impedimento de indexação ao salário-mínimo estabelecido na súmula engloba os casos em que o aumento


do valor do salário-mínimo implicar em reajuste automático da base de cálculo da remuneração do servidor
público, o que não é o caso.

Neste diapasão, o entendimento do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que não há vedação para a
fixação de piso salarial em múltiplos do salário-mínimo, desde que inexistam reajustes automáticos. Verifica-se:

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO.


INTERPOSIÇÃO EM 16.2.2017. LEI 4.950-A/66. PISO SALARIAL FIXADO EM
MÚLTIPLOS DO SALÁRIO MÍNIMO. SÚMULA VINCULANTE 4. ADPF 53 MC.
INEXISTÊNCIA DE OFENSA. INOVAÇÃO RECURSAL. INADMISSIBILIDADE.
IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. 1. Não há vedação para a fixação de piso
salarial em múltiplos do salário-mínimo, desde que inexistam reajustes
automáticos. 2. O acórdão recorrido, ao aplicar a OJ 71, da SBDI-2 do TST,
não afrontou a Súmula Vinculante 4, nem a ADPF 53 MC. 3. A inovação em
agravo regimental é incabível. 4. Agravo regimental a que se nega provimento,
com previsão de aplicação da multa prevista no art. 1.021, § 4º, CPC. Verba

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honorária majorada em ¼ (um quarto), nos termos do art. 85, § 11, do CPC,
devendo ser observados os §§ 2º e 3º do referido dispositivo. (ARE 922319,
STF, T4, Rel. Min. Edson Fachin, DJE, DATA 28-04-2017).

Quanto à aplicabilidade da Lei Federal n. 3.999/61, com respaldo no princípio da legalidade e da igualdade,
entendo que todos os trabalhadores ocupantes de cargos públicos, submetidos ao regime jurídico próprio,
possuem o direito à percepção do piso salarial previsto por lei federal para a respectiva categoria profissional.

No caso concreto, conforme anexado no ID 1159857261, o vencimento base oferecido aos dentistas do município
de Liberdade relativamente ao mês de abril de 2022, é de R$4.728,77 (quatro mil, setecentos e vinte e oito
reais e setenta e sete centavos), relativamente a servidor público não efetivo e de R$3.703,26 (três mil,
setecentos e três reais e vinte e seis centavos, para serviço estatutário.

Ainda, insta observar, que em contestação, o réu alegou que os cirurgiões-dentistas perceberiam o piso salarial
dentro dos parâmetros do Lei Complementar n. 1.478, de 31 de agosto de 2012, haja vista que cumpriam uma
jornada de 30 horas semanais. Todavia, tal alegação não merece prosperar.

Ainda que a remuneração indicada no ID 1159857261 seja equivalente à jornada de 30 horas semanais, verifico
que esta ainda encontra-se aquém do mínimo.

O piso dos cirurgiões-dentistas é de 3 salários-mínimos para uma jornada de 20 horas semanais, equivalente a
R$3.960,00. Em se tratando de 30 horas semanais, o piso correspondente seria de R$5.940,00 (cinco mil,
novecentos e quarenta reais), o que restou comprovado nos autos, não ser aplicado aos profissionais do
município em questão.

Dessa maneira, verifico que a remuneração estabelecida para os profissionais cirurgiões-dentistas encontra-se
abaixo do mínimo legal. Portanto, faz-se necessária a adequação da remuneração de todos cirurgiões dentistas
ocupantes do cargo público municipal, nos termos da Lei Federal 3.999/61.

DISPOSITIVO

Por todo o exposto, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO para determinar que o Município de Liberdade reajuste
da remuneração de todos os Cirurgiões-dentistas vinculados à entidade aos ditames da Lei Federal 3.999/61.

Condeno o Município de Liberdade a pagar honorários advocatícios em favor da parte autora, que fixo em 10%
(dez por cento) do valor da causa devidamente atualizado.

Deixo de condenar o município em custas, tendo em vista que ele é isento.

Após trânsito em julgado, ao arquivo.

I.

SÉRGIO SANTOS MELO

Juiz Federal da 1ª Vara

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