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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MINAS GERAIS

BACHARELADO EM DIREITO – 9º PERÍODO NOTURNO 02/2022


DISSERTAÇÃO
DISCIPLINA: PROCESSO DO TRABALHO I
DOCENTE: MAÍRA NEIVA GOME
Ana Paula Santos de Paula – 14-05484

O ESVAZIAMENTO DA GATUIDADE COMO ELEMENTO DE VEDAÇÃO DE


ACESSO Á JUSTIÇA

A Justiça do Trabalho é um campo onde a classe trabalhadora, em posição de


desfavorável, trava uma batalha com o polo oposto, formado pela classe dominante. O
que se espera do Estado é que este, estremecido pelas perturbações coletivas, pelo rolo
compressor do capitalismo e pela impossibilidade de se manter inerte, esteja disponível
àquele que parte de uma condição adversa e para tanto, o espaço de resistência precisa
ser acessível ao trabalhador, considerando principalmente sua condição financeira
sempre desfavorável em relação ao seu empregador.

Com intenção de reduzir o quantitativo de processos judiciais, desconsiderando


as questões sociais, a Reforma Trabalhista imposta pela lei nº 13.467/2017 traz
inúmeras alterações na CLT que inobservam garantias constitucionais e supra legais. A
violência mais incisiva que pode ser destacada é o impedimento de acesso à justiça
gratuita pelo trabalhador através de condições que, na sua essência, atingem a condição
financeira desfavorável do empregado. Adiante, destacam-se algumas das absurdas
mudanças determinadas pelo referido diploma legal.

O artigo 507 – A da lei nº 13.467/2017 se refere à possibilidade de inserção do


instituto da arbitragem como cláusula no contrato de trabalho quando a remuneração do
trabalhador for superior a duas vezes o limite máximo estabelecido para os benefícios
do Regime Geral de Previdência Social, sob a condição de iniciativa do trabalhador ou
mediante sua concordância. Fato é que essa previsão não afasta o direito de acesso ao
controle judicial garantido no art. 5º da Constituição Federal de 1988 que no inciso
XXXIV disserta sobre o direito de petição aos Poderes Públicos independente do
pagamento de taxas, em defesa de direitos e contra o abuso de poder. Bem como no
inciso XXXV que estabelece que lesão ou ameaça à direito não será excluídos da
apreciação do Poder Judiciário.
Outra análise pode ser feita ao considerarmos, no mesmo diploma legal, a forma
como foram tratados os honorários de sucumbência. Antes de adentrar ao mérito, é
essencial esclarecer que estes se referem aos honorários pagos ao advogado da parte
vencedora pela parte vencida como forma de sanar os gastos que a parte vitoriosa teve
ao contratar um advogado. Até o advento da reforma, em 2017, os honorários
sucumbenciais eram pagos à parte assistida por sindicato, que recebesse salário inferior
ao dobro do salário mínimo legal e que estivesse em situação econômica precária
impossibilitando o pagamento de custas sem prejudicar o bem-estar da família. Nesse
contexto, em grande parte das ações o benefício da gratuidade da justiça era concedido
em face da situação econômica da parte vencida.

Porém, de acordo com a nova redação do art. 791-A os honorários


sucumbenciais variam entre 5% a 15% e devem ser pagos sempre que a parte ocupar
posição de sucumbência em relação a propositura de alguma ação. Inadequadamente
interpreta-se que o trabalhador não pagaria os honorários do seu advogado, o que não
condiz com a realidade uma vez que, como já dito, o limite de pagamento é de 15%.
Além do mais, ignora-se que quando o trabalhador ocupa a parte vencida, terá que pagar
os honorários, ainda que no limite da lei, mesmo que seja beneficiário da justiça
gratuita. Fato é que essa nova disposição tem enxugado a propositura de ações por
trabalhadores que receiam perder a causa e sofrerem as consequências drásticas.

Outra novidade encontrada na Reforma Trabalhista é a disposição do §3º do art.


790 que facultou aos julgadores a concessão da justiça gratuita àqueles que percebem
salário igual ou inferior a 40% do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de
Previdência Social. Trata-se de uma previsão que contraria o Instituto da justiça gratuita
garantido tanto no art. 5, inciso LXXIV da Constituição Federal de 1988 quanto no art.
98, § 1º, do Código de Processo Civil. O que se tem percebido a partir da redação do
paragrafo inserido no art. 790 é o reforço da necessidade de comprovação de
hipossuficiência, não bastando apenas a simples declaração. Adiante temos
jurisprudências que corroboram com a questão.

Entendimento Tribunal Superior do Trabalho:

"AÇÃO ANULATÓRIA AJUIZADA PELO MPT. AGRAVO DE


INSTRUMENTO EM RECURSO ORDINÁRIO DO SINDICATO DO
COMÉRCIO VAREJISTA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE.
PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.467/2017 . JUSTIÇA GRATUITA.
PESSOA JURÍDICA. NECESSIDADE DE PROVA INEQUÍVOCA DO
ESTADO DE HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. Esta Corte preconiza
entendimento de que é possível a concessão da gratuidade de justiça às
pessoas jurídicas de direito privado, desde que comprovada sua
hipossuficiência econômica. Nesse sentido, a Súmula 463, II/TST. No caso,
o Sindicato Patronal Réu requereu a concessão dos benefícios da justiça
gratuita, ao argumento de que foi sensivelmente prejudicado pela Reforma
Trabalhista, com a redução de suas receitas pelo fim da contribuição
sindical compulsória. Entretanto, embora não se olvide que a entrada em
vigor da Lei 13.467/2017 resultou em forte queda nas receitas dos entes
sindicais brasileiros, inclusive os patronais, com a perda da sua principal
receita, a contribuição sindical obrigatória - convolada em contribuição
sindical voluntária -, o Sindicato Recorrente não trouxe elementos que
comprovem objetiva e concretamente a sua situação de precariedade
financeira, bem como a impossibilidade de arcar com as despesas
processuais. Vale destacar que os extratos bancários juntados pela Parte,
contendo as receitas relativas à "contribuição sindical urbana", não
comprovam, de forma inequívoca, o estado de hipossuficiência econômica
alegada, na medida em que apenas demostram uma parte das receitas
auferidas pelo ente sindical, nada expondo sobre eventuais despesas. Fica
ressalvado o entendimento do Relator, no corpo do voto, no sentido de que o
novo contexto jurídico e social, deflagrado com as alterações legislativas
advindas da Lei 13.467/2017, permite presumir a situação de precariedade
financeira dos entes sindicais. Agravo de instrumento desprovido " (AIRO-
234-45.2018.5.21.0000, Seção Especializada em Dissídios Coletivos,
Relator Ministro Mauricio Godinho Delgado, DEJT 29/11/2022).

Entendimento Tribunal Regional do Trabalho 3ª região:

JUSTIÇA GRATUITA - REQUISITOS. AÇÃO PROPOSTA APÓS A


VIGÊNCIA DA LEI N. 13.467/2017 - Em conformidade com o art. 790,
§§3º e 4º, da CLT, a justiça gratuita pode ser concedida àquele que percebe
salário igual ou inferior a 40% (quarenta por cento)
do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, ou
que comprove insuficiência de recursos para o pagamento das custas
processuais. Mesmo o trabalhador, em regra, hipossuficiente na relação
jurídica, deve estar atento à nova exigência legal para a concessão da justiça
gratuita, não mais se sustentando a simples declaração por escrito de
miserabilidade econômica, sem qualquer compromisso de fidelidade à
realidade concreta. Com isso, não diga que o amplo direito de ação está
comprometido, sendo apenas condicionado, agora, a partir de outros
critérios que não se contentam mais com a mera declaração de pobreza que
antes por aqui se aceitava livremente. O legislador veio, pois, sem restringir
o direito de ação de quem efetivamente necessita da Justiça Gratuita, sem
dela abusar, impor novas condições para o benefício, e que não restaram
comprovadas no caso vertente.
(TRT da 3.ª Região; PJe: 0010759-80.2020.5.03.0109 (ROT);
Disponibilização: 18/11/2022, DEJT/TRT3/Cad.Jud, Página 2273; Órgão
Julgador: Nona Turma; Relator: André Schmidt de Brito)

Ainda faz-se necessário discorrer sobre a redação do art.790 – B que define que
a responsabilidade pelos honorários periciais é da parte sucumbente ainda que esta seja
beneficiária da justiça gratuita. A imposição legal mais uma vez destoa da prática da
Justiça do Trabalho que dispensa o trabalhador hipossuficiente do pagamento. De tal
forma que permanece a destinação de recursos da União para suprir essa despesa
quando a parte autora não dispõe de condições para arcar com a mesma. Quanto a isso,
vale o destaque para entendimento do TST3:

HONORÁRIOS PERICIAIS. PROCESSO DISTRIBUÍDO APÓS A


ENTRADA EM VIGOR DA LEI 13.467/2017. BENEFICIÁRIO DA
JUSTIÇA GRATUITA. Ao dispor que a responsabilidade pelo pagamento
dos honorários periciais é da parte sucumbente no objeto da perícia (ainda
que beneficiária da justiça gratuita), o art. 790-B da CLT deixa claro que
não se pode imputar, em qualquer hipótese, o pagamento da verba honorária
à parte vencedora no objeto da perícia. O alcance da norma se encerra aí.
Por outro lado, ainda que responsável pela verba honorária pericial, a
exigibilidade do seu pagamento pelo beneficiário da Justiça Gratuita ficará
suspensa, da mesma forma que a exigibilidade pelo pagamento dos
honorários advocatícios sucumbenciais, com a diferença de que, na hipótese
dos honorários periciais, caberá à União efetuar o pagamento devido ao
profissional designado pelo Juízo, podendo, posteriormente, caso alterada a
condição de hipossuficiência financeira do responsável, reaver as despesas
processuais efetuadas.

(TRT da 3.ª Região; PJe: 0010823-80.2018.5.03.0038 (ROT);


Disponibilização: 12/04/2019, DEJT/TRT3/Cad.Jud, Página 2936; Órgão
Julgador: Oitava Turma; Relator: Convocado Eduardo Aurelio P. Ferri)

Mais uma absurda redação que fere a insuscetibilidade de renúncia, cessão,


compensação e penhora do crédito alimentar é a do art. 8º da Lei 13.467 que afirma que
o direito comum será fonte subsidiária do Direito do Trabalho. O art. 100 da
Constituição Federal de 1988 impõe que os créditos trabalhistas sejam alimentares e
isso impossibilita a sua compensação.

Por todo exposto, conclui-se que a Reforma Trabalhista vem para


enxugar ainda mais o direitos dos trabalhadores por meio da imposição de entraves de
seu acesso à justiça. Esta, por sua vez também não se alia àquele que ocupa a posição
mais desfavorável das ações trabalhistas, o labutador. Afinal a justiça nada mais é do
que a representação política do capitalismo. Perante esse cenário o que se observa é o
reforço das posições ocupadas pelo empregado e empregador como forma de domínio e
emancipação do capital centralizado.

Referências:

https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm

https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13467.htm

https://jurisprudencia.tst.jus.br/
https://juris.trt3.jus.br/juris/consultaBaseSelecionada.
SEVERO, Valdete Souto. O esvaziamento de gratuidade como elemento de vedação de
acesso à justiça.

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