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PODER JUDICIÁRIO

JUSTIÇA FEDERAL
Subseção Judiciária de Varginha-MG
1ª Vara Federal Cível e Criminal da SSJ de Varginha-MG

SENTENÇA TIPO "A"


PROCESSO: 1001190-63.2022.4.01.3809
CLASSE: AÇÃO CIVIL PÚBLICA (65)
POLO ATIVO: CONSELHO REGIONAL DE ODONTOLOGIA DE MINAS GERAIS
REPRESENTANTES POLO ATIVO: PAULO VIANA CUNHA - MG87980, FERNANDA VIANA PIMENTA -
MG208258 e CRYSTHIAN DRUMMOND SARDAGNA - BA25625
POLO PASSIVO:MUNICIPIO DE ELOI MENDES
REPRESENTANTES POLO PASSIVO: JULIO CESAR FERREIRA TEODORO DA SILVA - MG89546,
JULIANO CESAR GOULART - MG94903 e BRUNA DOMINGOS SOARES - MG175083

SENTENÇA

RELATÓRIO

Trata-se de ação civil pública ajuizada pelo CONSELHO REGIONAL DE ODONTOLOGIA DE MINAS GERAIS
em face do MUNICIPIO DE ELÓI MENDES, pleiteando a aplicação do piso salarial disposto na Lei 3.999/61
para os atuais profissionais municipais que exercem o cargo de cirurgiões-dentistas, sejam eles contratados,
celetistas ou estatutários.

Sustenta que a Lei 3.999/196 estabeleceria que a remuneração do cirurgião dentista deveria equivaler a no
mínimo três salários-mínimos mensais, em uma jornada de trabalho de 20 horas semanais.

Alega, ainda, que, conforme o Plano de Cargos e Salários do município, o vencimento oferecido aos
profissionais dentistas seria inferior ao piso salarial aplicável.

No ID 1249449251, o réu contestou o pedido, alegando a inaplicabilidade da Lei n. 3.999/61 às pessoas


jurídicas de direito público e que aquela teria gerência somente sobre as relações de emprego, formadas entre
as pessoas físicas e jurídicas de direito privado. Requereu, por fim, a improcedência total do pedido formulado
pela parte autora.

O pedido de liminar foi indeferido, nos termos da decisão ID 1286930876.

A parte autora interpôs recurso de agravo de instrumento em face da decisão retro (ID 1305257392), tendo o
juízo mantido a decisão agravada (ID 1330829877).

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O réu, em manifestação ID 1341743858, pleiteou pela produção de prova testemunhal, restando indeferida,
conforme decisão ID 1368646891.

É o que cumpre relatar. Decido.

FUNDAMENTAÇÃO

A parte autora questiona a remuneração fixada aos atuais servidores ocupantes do cargo de odontólogo,
pugnando pela sua fixação em conformidade com o piso salarial da categoria nos ditames da Lei Federal
3.999/1961.

Sobre o assunto, a Constituição Federal dispõe que compete privativamente à União legislar sobre as
condições para o exercício das profissões, conforme o artigo 22, inciso XVI.

Fazendo o uso de tal competência, a Lei Federal n. 3.999/61 estabelece nos artigos 5º e 8°, alínea "a", a
remuneração mínima dos médicos e cirurgiões-dentistas, conforme redação que segue:

Art. 5º Fica fixado o salário-mínimo dos médicos em quantia igual a três vezes
e o dos auxiliares a duas vezes mais o salário-mínimo comum das regiões ou
sub-regiões em que exercerem a profissão.

[...]

Art. 8º A duração normal do trabalho, salvo acordo escrito que não fira de modo
algum o disposto no artigo 12, será:

a) para médicos, no mínimo de duas horas e no máximo de quatro horas


diárias;

[...]

A Carta Maior também dispõe em seu artigo 39, §1° e seus incisos, que a União, os Estados, o Distrito Federal
e os Municípios instituirão conselho de política de administração e remuneração de pessoal, integrado por
servidores designados pelos respectivos Poderes, observando a natureza, o grau de responsabilidade e a
complexidade dos cargos componentes de cada carreira; os requisitos para a investidura e as peculiaridades
dos cargos.

Através de uma interpretação sistemática dos artigos, a autonomia administrativa municipal quanto ao
provimento de cargos públicos, desde que observado o piso salarial da categoria profissional e o limite máximo
da jornada de trabalho estabelecido pela Lei Federal.

Em mesmo sentido é o entendimento jurisprudencial deste Tribunal:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO.


CONSELHO REGIONAL DE ODONTOLOGIA. PISO SALARIAL.
NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DOS PATAMARES REMUNERATÓRIOS
ESTABELECIDOS EM LEI FEDERAL. 1. Compete privativamente à União
legislar sobre o exercício profissional (art. 22, XVI, da CF) e, assim, fixar o
piso salarial das categorias. No uso dessa competência, a Lei Federal nº
3.999/61 fixou o salário mínimo para a categoria dos cirurgiões dentistas,
devendo ser observada ainda que se trate de cargo público. 2. O fato de o
trabalho ser prestado por ocupante de cargo público, submetido a regime
jurídico próprio, não afasta o direito à percepção de remuneração (limite
mínimo) prevista, por lei federal, para a respectiva categoria profissional.
(AC 5000608-46.2020.4.04.7118, TRF4, T3, Rel. Des. Federal Vânia Hack de

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Almeida, DATA: 23/02/2021).

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. CONCURSO PÚBLICO.


ODONTÓLOGO. SERVIDOR MUNICIPAL. PISO SALARIAL. EXERCÍCIO
PROFISSIONAL. LEI FEDERAL. ART. 22, XVI, DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL. I. A Administração Pública Municipal está adstrita ao cumprimento
da lei, não lhe sendo possível remunerar uma categoria profissional em
dissonância ao que preceitua a legislação correlata vigente. II. A
jurisprudência é firme no sentido de que compete à União legislar
privativamente sobre as condições para o exercício profissional (artigo 22,
inciso XVI, da Constituição Federal). III. No provimento de cargos públicos, é
obrigatória a observância do piso salarial da categoria profissional e o
limite máximo da jornada de trabalho estabelecido por lei federal. IV. O
fato de o trabalho ser prestado por ocupante de cargo público, submetido a
regime jurídico próprio, não afasta o direito à percepção de remuneração (limite
mínimo) prevista, por lei federal, para a respectiva categoria profissional. V. O
prosseguimento do concurso público, nos moldes em que formatado
originalmente, acarretará prejuízo de difícil reparação ao próprio Município e à
coletividade, porque, além de inibir a participação de eventuais interessados,
poderá vir a ser, ao final, anulado, para a realização de novo certame. (AI
5013970-32.2020.4.04.0000, TRF4, T4, Rel. Des. Federal Vivian Josete
Pantaleão Caminha, DATA:18/07/2020).

Desde já, ressalto que a Lei 3.999/61 não vincula o salário profissional ao salário-mínimo, conforme
impedimento constante na Súmula Vinculante n°4 do STF.

A Súmula Vinculante n°4 do STF dispõe: “salvo nos casos previstos na constituição, o salário-mínimo não pode
ser usado como indexador de base de cálculo de vantagem de servidor público ou de empregado, nem ser
substituído por decisão judicial”.

O impedimento de indexação ao salário-mínimo estabelecido na súmula engloba os casos em que o aumento


do valor do salário-mínimo implicar em reajuste automático da base de cálculo da remuneração do servidor
público, o que não é o caso.

Neste diapasão, o entendimento do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que não há vedação para a
fixação de piso salarial em múltiplos do salário-mínimo, desde que inexistam reajustes automáticos. Verifica-se:

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO.


INTERPOSIÇÃO EM 16.2.2017. LEI 4.950-A/66. PISO SALARIAL FIXADO EM
MÚLTIPLOS DO SALÁRIO MÍNIMO. SÚMULA VINCULANTE 4. ADPF 53 MC.
INEXISTÊNCIA DE OFENSA. INOVAÇÃO RECURSAL. INADMISSIBILIDADE.
IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. 1. Não há vedação para a fixação de piso
salarial em múltiplos do salário-mínimo, desde que inexistam reajustes
automáticos. 2. O acórdão recorrido, ao aplicar a OJ 71, da SBDI-2 do TST,
não afrontou a Súmula Vinculante 4, nem a ADPF 53 MC. 3. A inovação em
agravo regimental é incabível. 4. Agravo regimental a que se nega provimento,
com previsão de aplicação da multa prevista no art. 1.021, § 4º, CPC. Verba
honorária majorada em ¼ (um quarto), nos termos do art. 85, § 11, do CPC,
devendo ser observados os §§ 2º e 3º do referido dispositivo. (ARE 922319,
STF, T4, Rel. Min. Edson Fachin, DJE, DATA 28-04-2017).

Quanto à aplicabilidade da Lei Federal n. 3.999/61, com respaldo no princípio da legalidade e da igualdade,
entendo que todos os trabalhadores ocupantes de cargos públicos, submetidos ao regime jurídico próprio,
possuem o direito à percepção do piso salarial previsto por lei federal para a respectiva categoria profissional.

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A vista disso, no que pese a alegação do réu relativa a inaplicabilidade da Lei Federal 3.999/196, não deve
prosperar. Conforme apontado, verifica-se que o município possui ampla liberdade administrativa, bem como a
faculdade para estabelecer a dotação orçamentária para o provimento dos cargos que cria. Porém, ainda que
por lei municipal, esta liberdade deve ser exercida nos limites da legislação federal e da própria Constituição da
República.

No caso concreto, conforme Edital 04/2022 anexado no ID 975397164, o vencimento base oferecido aos
dentistas do município de Elói Mendes, com carga horária semanal de 40 horas, é de R$ 3.811 (três mil
oitocentos e onze reais). Ainda, insta observar, que consoante as folhas de pagamento anexadas no ID
1249449266, os profissionais em questão também percebem remuneração aquém do mínimo. Verifica-se,
portanto, que o valor pago se encontra abaixo do piso salarial aplicável.

Portanto, faz-se necessária a adequação da remuneração de todos cirurgiões dentistas ocupantes do cargo
público municipal, nos termos da Lei Federal 3.999/61.

DISPOSITIVO

Por todo o exposto, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO para determinar que o Município de Elói
Mendes/MG reajuste o piso salarial de todos os Cirurgiões-dentistas vinculados à entidade aos ditames da Lei
Federal 3.999/61.

Condeno o Município de Elói Mendes/MG a pagar honorários advocatícios em favor da parte autora, que fixo
em 10% (dez por cento) do valor da causa devidamente atualizado.

Deixo de condenar o município em custas, tendo em vista que ele é isento.

Após trânsito em julgado, ao arquivo.

I.

SÉRGIO SANTOS MELO

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