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MIHALY CSIKSZENTMIHALYI

A DESCOBERTA DO FLUXO
A psicologia do envolvimento
com o vido cotidiano

Tradução de
PEDRO RIBEIRO

Wmf
Rio de Janeiro - 1999
Título original
FINDING FLOW
The Psychology of Engagement
with Everyday Life

Copyright © 1997 by Mihaly Csikszenurühalyi


e Orion Publishing Group Ltd.

"O nome e a marca The MasterMinds


foram publicados com a autorização
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preparação de originais
RYTA VINAGRE
LAURA NEVES

CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte
Sindicato Nacional dos Editores de Livros. RJ

Csiksununihalyi` Mihaly
C969d A descoberta do fluxo: a psicologia do envolvimento corn a
vida cotidiana l Mihaly Csikszentmihalyi; tradução de Pedro
Ribeiro. - Rio de Janeiro: Rocco. 1999
. - (Ciência Atual)

Tradução de: Finding flow: the psychology of engagement


with everyday life
Inclui bibliografia
ISBN 85-325-1014-0

1. Vida 2. Cotidiano. l. Titulo. 11. Título: A psicologia do


envolvimento com a vida cotidiana. lIJ. Série.
CDD - 158.2
99-0602 CDU - 159.94
Para Isa, novamente
suMÁRIo

Agradecimentos ................................................................. 9
l - As estruturas da vida cotidiana ..................................... il
2 - O conteúdo da experiência ........................................... 25
3 - Como nos sentimos quando fazemos coisas diferentes 41
4 - O paradoxo do trabalho............................................... 53
5 - Os riscos e as oportunidades do lazer ........................... 67
ó - Relacionamentos e qualidade de vida ............................ 80
7 - Como mudar os padrões de vida ................................... 97
8 - A personalidade autotélica ........................................... l 14
9 - O amor ao destino ....................................................... l 28
Notas ................................................................................ l 45
Referências ........................................................................ 152
Indice ................................................................................ l 59
AGRADECIMENTOS

Os resultados discutidos neste livro se baseiam em pesquisas


financiadas pela Spencer Foundation e pela Alfred P. Sloan
Foundation. Muitos colegas e estudantes forneceram um auxílio
valioso na pesquisa do fluxo. Gostaria de agradecer especialmen-
te a Kevin Rathunde, da Universidade de Utah; Samuel Whalen,
da Nonhwestem University; Kiyoshi Asakawa, da Universidade
Shikoku-Gakuen, no Japão; Fausto Massirnini e Antonella Delle
Fave, da Universidade de Milão, Itália; Paolo Inghilleri, da
Universidade de Perugia, Itália; e a meus colegas na Univer-
sidade de Chicago, Wendy Adlai-Gail, Joel Hektner, Jeanne
Nakamura, John Patton e Jennifer Schmidt.
Dos muitos colegas cuja amizade tanto me auxiliou, gosta-
ria de agradecer especialmente a Charles Bidwell, William
Damon, Howard Gardner, Geoffrey Godbey, Elizabeth Noelle-
Neumann, Mark Runco e Barbara Schneider.
UM

AS ESTRUTURAS DA VIDA COTIDIANA

Se realmente queremos viver, e melhor que comecemos a tentar


imediatamente; se não queremos, não faz mal, mas é melhor
começarmos a morrer.
W. H. Auden

As palavras de Auden sintetizam com precisão o tema deste


livro.l A escolha é simples; entre agora e o inevitável final dos
nossos dias, podemos escolher entre viver ou morrer. A vida bio-
lógica é um processo automático, desde que cuidemos das neces-
sidades do corpo. Mas viver no sentido a que o poeta se refere não
é de modo algum algo que aconteça espontaneamente. Na verda-
de, tudo conspira contra isso: se não assumirmos sua direção,
nossa vida será controlada pelo mundo exterior para servir a pro-
pósitos alheios aos nossos. Instintos biologicamente programa-
dos nos utilizarão para replicar o material genético que carrega-
mos, a cultura garantirá que empregaremos nossa vida para pro-
pagar os seus valores e instituições e outras pessoas tentarão tirar
o máximo da nossa energia para levar adiante seus próprios pla-
nos - tudo isso sem consideração alguma pelo modo como sere-
mos afetados. Não podemos esperar que alguém nos ajude a
viver; precisamos descobrir como fazer isso por conta própria.
Desse modo, o que significa “viver”? É claro que não se
refere simplesmente à sobrevivência biológica. Significa viver de
12 A DESCOBERTA DO FLUXO

complexidade do cosmos. Este livro estuda maneiras de viver


deste modo, apoiando-se o máximo possível em descobertas da
psicologia contemporânea e nas minhas próprias pesquisas,
assim como na sabedoria do passado, em todas as formas como
foi registrada.
Vou refazer a pergunta “o que é uma boa vida?” de uma
maneira bastante modesta. Em vez de lidar com profecias e mis-
térios, tentarei me limitar ao máximo às evidências racionais,
focalizando os eventos cotidianos que geralmente encontramos
durante um dia normal.
Um exemplo concreto poderá ilustrar melhor o que quero
dizer com levar uma boa vida. Anos atrás, meus alunos e eu estu-
damos uma fábrica onde eram montados vagões de trem. A ofici-
na principal era um grande galpão sujo onde mal se podia ouvir
uma palavra sequer, devido ao barulho constante. A maioria dos
soldadores que trabalhava ali detestava seu emprego, e ficava
constantemente olhando para o relógio, ansiosa para ir embora.
Assim que saíam da fábrica corriam para os bares da vizinhança,
ou cruzavam a fronteira do estado em busca de lugares mais ani-
mados.
Exceto um deles: Joe, um homem semi-alfabetizado de ses-
senta e poucos anos, que aprendera sozinho a compreender e con-
sertar cada peça de equipamento na fábrica, de guindastes a
monitores de computador. Ele adorava pegar máquinas que não
estavam funcionando, descobrir o que havia de errado com elas e
coloca-las novamente em funcionamento. Ele e a esposa cons-
truíram um grande jardim de pedras nos dois terrenos vazios jun-
to à sua casa, e nele instalaram fontes que criavam um efeito de
arco-íris - mesmo durante a noite. Os cento e poucos moldadores
que trabalhavam na usina respeitavam Joe, embora não o com-
preendessem muito bem. Eles pediam sua ajuda sempre que
havia algum problema. Muitos diziam que sem Joe a fábrica teria
de fechar.
Nos últimos anos conheci muitos executivos principais de
várias empresas, políticos poderosos e dezenas de laureados com
o prêmio Nobel - pessoas eminentes, que de muitas maneiras
viviam vidas excelentes, mas nenhuma delas era melhor do que a
de Joe. O que toma uma vida como a dele serena, útil e digna de
ser vivida? Esta é a pergunta crucial à qual este livro tentará res-
ponder. Minha abordagem tem três pressupostos principais. O
AS ESTRUTURAS DA VIDA COTIDIANA 13

primeiro é que profetas, poetas e filósofos vislumbraram verda-


des importantes no passado, verdades que são essenciais para a
continuidade de nossa sobrevivência. Mas essas verdades foram
expressas no vocabulário conceitual de sua época, de modo que,
para que sejam úteis, seu significado precisa ser redescoberto e
reinterpretado a cada geração. Os livros sagrados do judaísmo,
cristianismo, islamismo, budismo e dos Vedas são os melhores
repositórios das idéias mais importantes para nossos ancestrais, e
ignorá-los é um ato de arrogância infantil. Mas é igualmente
ingênuo acreditar que tudo que foi escrito no passado contém
uma verdade absoluta e imutável.
O segundo pressuposto deste livro é que atualmente a ciên-
cia oferece as informações mais essenciais para a humanidade. A
verdade científica também é expressa de acordo com a visão de
mundo de sua época, e portanto mudará e poderá ser descartada
no futuro. Provavelmente existe tanta superstição e mal-entendi-
dos na ciência moderna quanto havia nos mitos antigos, mas esta-
mos próximos demais no tempo para ver a diferença. É possível
que no futuro a percepção extra-sensorial e a energia espiritual
nos levem à verdade sem a necessidade de teorias e laboratórios.
Mas os atalhos são perigosos; não podemos nos iludir pensando
que nosso conhecimento é mais avançado do que realmente é.
Apesar de todas as conseqüências, na atualidade a ciência é ainda
o único espelho confiável da realidade, e a ignoramos por nossa
conta e risco.
O terceiro pressuposto é que, se desejamos compreender o
que acarreta “viver” de verdade, devemos escutar as vozes do
passado e integrar suas mensagens com o conhecimento que a
ciência está lentamente acumulando. Gestos ideológicos - tais
como o projeto de retorno à natureza de Rousseau, que foi um
precursor da fé freudiana - são apenas atitudes vazias de signifi-
cado se ninguém tem idéia do que é a natureza humana. Não há
esperança no passado; não há solução a ser encontrada no presen-
te; tampouco ficaremos melhores saltando para um futuro imagi-
nário. O único caminho para descobrir o significado da vida é a
tentativa lenta e paciente de compreender as realidades do passa-
do e as possibilidades do futuro do modo como elas podem ser
compreendidas no presente.
Portanto, neste livro “vida” significará aquilo que experi-
mentamos da manhã até a noite, sete dias por semana, durante
14 A DESCOBERTA DO FLUXO

setenta anos se tivermos sorte, durante ainda mais tempo se for-


mos ainda mais afortunados. Essa pode parecer uma perspectiva
estreita em comparação com as visões muito mais exaltadas da
vida que os mitos e as religiões tornaram familiares para nós.
Mas, subvertendo a aposta de Pascal, parece que, na dúvida, a
melhor estratégia é acreditar que esses mais ou menos setenta
anos são nossa única chance de experimentar o cosmos, e deve-
mos aproveita-la ao máximo - pois, se não o fizermos, podere-
mos perder tudo, e, se estivermos errados e houver uma vida após
a morte, não perderemos nada.
O que será esta vida é em parte detemu'nado pelos processos
químicos do nosso corpo, pela interação biológica entre os
órgãos, pelas ínfimas correntes elétricas saltando entre as sinap-
ses do cérebro, e pela organização da informação que a cultura
impõe sobre nossa mente. Mas a qualidade real da vida - o que
fazemos, e como nos sentimos quanto a isso - será determinada
por nossos pensamentos e nossas emoções; pelas interpretações
que damos a processos químicos, biológicos e sociais. O estudo
do fluxo de consciência que passa pela mente é da competência
da filosofia fenomenológica. Meu trabalho nos últimos trinta
anos consistiu em desenvolver uma fenomenologia sistemática
que utiliza as ferramentas das ciências sociais - primariamente
psicologia e sociologia - para responder à pergunta: como é a
vida? E à pergunta mais prática: como cada um de nós pode ter
uma vida excelente?2
O primeiro passo para responder a essas perguntas se rela-
ciona com ter uma boa noção das forças que formam aquilo que
podemos experimentar. Quer gostemos ou não, cada um de nós
está sujeito aos limites do que podemos fazer e sentir. Ignorar
esses limites leva à negação e mais tarde ao fracasso. Para alcan-
çar a excelência, devemos primeiro compreender a realidade do
cotidiano, com todas as suas exigências e possíveis frustrações.
Em muitos dos antigos mitos, quem desejava encontrar a felicida-
de, o amor ou a vida eterna tinha de primeiro viajar pelo mundo
do além. Antes de obter a permissão para contemplar os esplen-
dores do céu, Dante teve de perambular pelos horrores do inferno
para que pudesse compreender o que nos impede de atravessar os
portões celestiais. O mesmo é verdade na busca mais terrena que
estamos prestes a iniciar.
AS ESTRUTURAS DA VIDA COTIDIANA l5

Os babuínos que vivem nas planícies africanas passam cer-


ca de um terço do seu tempo dormindo, e quando acordam divi-
dem seu tempo entre viajar, encontrar alimento e comê-lo, e
momentos de lazer - que basicamente consistem na interação, ou
em catar pulgas nos pêlos uns dos outros. Não é uma vida muito
estimulante, mas pouco mudou no milhão de anos desde que os
seres humanos evoluíram de ancestrais sírnios comuns.3 As exi-
gências da vida ainda ordenam que passemos nosso tempo de um
modo pouco diferente dos babuínos africanos. Com uma diferen-
ça de poucas horas, a maioria das pessoas dorme durante um ter-
ço do dia e usa o resto para trabalhar, deslocar-se e descansar
mais ou menos nas mesmas proporções que os babuínos. E como
o historiador Emmanuel Le Roy Ladurie mostrou, nas vilas fran-
cesas do século XIII - que estavam entre as mais avançadas do
mundo naquela época -, a atividade de lazer mais comum ainda
era catar piolhos nos cabelos uns dos outros. Hoje, naturalmente,
temos a televisão.4
Os ciclos de descanso, produção, consumo e interação estão
tão integrados à maneira como experimentamos a vida quanto
nossos sentidos - visão, audição e assim por diante. Como o sis-
tema nervoso foi construído para que só pudesse processar uma
pequena quantidade de informação de cada vez, a maior parte
daquilo que experimentamos precisa ocorrer de maneira seqüen-
cial, uma coisa depois da outra. Muitas vezes se diz de um
homem rico e poderoso que, “como o resto de nós, ele precisa
botar uma perna nas calças de cada vez”. Podemos engolir ape-
nas um bocado, escutar urna só música, ler um só jornal, partici-
par de uma só conversa de cada vez. Assim, as limitações na
atenção, que determinam a quantidade de energia psíquica que
possuímos para experimentar o mundo, oferecem um roteiro
inflexr'vel para nossas vidas. Nas épocas mais diversas e em dife-
rentes culturas, o que as pessoas fazem e por quanto tempo é in-
crivelmente similar.
Tendo acabado de dizer que em alguns aspectos importantes
todas as vidas são similares, devemos nos apressar em reconhecer
as óbvias diferenças. Um corretor de Manhattan, um camponês
da China e um bosquímano do Kalahari viverão o roteiro huma-
no básico de maneira que a princípio não parecerão ter nada em
comum. Escrevendo sobre a Europa dos séculos XVI a XVII, as
historiadoras Natalie Zemon Davis e Arlette Farge comentaram:
ló A DESCOBERTA DO FLUXO

“A vida diária se desdobrava no contexto de hierarquias sexuais e


sociais duradouras.” Isso é verdadeiro para todos os grupos so-
ciais que conhecemos: o modo como uma pessoa vive depende
em grande parte do sexo, da idade e da posição social.
A casualidade do nascimento coloca uma pessoa em um
nicho que determina em grande parte em que tipo de experiências
sua vida consistirá. Um garoto de seis ou sete anos, nascido há
duzentos anos em uma família pobre da Inglaterra, provavelmen-
te despertaria às cinco da manhã e correria até o moinho para cui-
dar das mós mecânicas e barulhentas até o crepúsculo, seis dias
por semana.5 Muitas vezes ele morreria de exaustão antes de che-
gar à adolescência. Uma garota de 12 anos nas regiões produto-
ras .de seda da França na mesma época ficaria sentada junto a
uma banheira o dia inteiro, mergulhando casulos de bicho-da-
seda em água fervente para derreter a substância viscosa que
mantinha os fios unidos. Ela provavelmente sucumbin'a a doen-
ças respiratórias por ficar sentada em roupas úmidas da manhã
até a noite, e as pontas dos seus dedos mais tarde perderiam qual-
quer sensibilidade devido à água quente. Enquanto isso, as crian-
ças da nobreza aprendiam a dançar o minueto e a conversar em
línguas estrangeiras.
As mesmas diferenças quanto às oportunidades de vida ain-
da são encontradas entre nós. O que uma criança nascida em uma
favela urbana em Los Angeles, Detroit ou na Cidade do México
pode esperar experimentar durante uma vida? Como isso vai dife-
rir das expectativas de uma criança nascida em um próspero
subúrbio norte-americano, ou de uma abastada farm'lia sueca ou
suíça? Infelizmente não há justiça ou qualquer sentido no fato de
uma pessoa nascer em uma comunidade assolada pela fome, tal-
vez até mesmo com um defeito físico congênito, enquanto outra
começa a vida com boa aparência, boa saúde e uma polpuda con-
ta bancária.
Assim, embora os principais parâmetros da vida estejam
fixados, e ninguém possa evitar o repouso, a alimentação, a inte-
ração, e pelo menos algum trabalho, a humanidade está dividida
em categorias sociais que determinam em grande parte o conteú-
do especi'fico da experiência. E, para tomar tudo isso mais inte-
ressante, existe, naturalmente, a questão da individualidade.
Se olharmos pela janela no inverno norte-americano, vere-
AS ESTRUTURAS DA VIDA COTIDIANA 17

mos milhões de flocos de neve idênticos caindo. Mas, se pegar-


mos uma lente de aumento e olharmos cada floco isoladamente,
logo descobriremos que eles não são idênticos - na verdade, cada
um tem uma forma que nenhum outro floco duplicou exatamen-
te. O mesmo é verdade quanto aos seres humanos. Podemos dizer
um bocado sobre o que Susan vai viver simplesmente pelo fato de
ela ser humana. Podemos dizer ainda mais sabendo que ela e' uma
garota americana, vivendo em uma certa comunidade, com pais
que possuem tais e tais profissões. Porém, saber todos os parâme-
tros externos não nos pemiitirá prever como será a vida de Susan.
Não só porque o acaso pode anular todas as apostas, mas também
e principalmente porque Susan possui uma mente própria, com a
qual pode decidir desperdiçar suas oportunidades ou vencer algu-
mas das desvantagens do seu nascimento.
É devido a essa flexibilidade da consciência humana que um
livro como este pode ser escrito. Se tudo fosse determinado pela
condição humana comum, pelas categorias sociais e culturais e
pelo acaso, seria inútil refletir sobre as maneiras para tornar a
vida do indivíduo excelente. Felizmente, existem oportunidades
suficientes para a iniciativa pessoal e escolha para fazer uma dife-
rença real. E aqueles que acreditam nisso são os que têm mais
chance de se libertar dos grilhões do destino.

Viver significa experimentar - por meio de atos, sentimentos,


pensamentos. A experiência ocorre no tempo, por isso o tempo é
o mais escasso recurso que possuímos. Com o passar dos anos, o
conteúdo da experiência determinará a qualidade da vida.
Portanto, uma das decisões mais essenciais que qualquer um de
nós pode fazer é sobre o modo como o nosso tempo é alocado ou
investido. Naturalmente, o modo como investimos o tempo não
depende apenas de nossa vontade. Como já vimos antes, limita-
ções severas ditam o que podemos fazer como membros da raça
humana, ou como participantes de determinada cultura ou socie-
dade. Apesar disso, é possível fazer escolhas pessoais, e o contro-
le sobre o tempo está, em certa medida, nas nossas mãos. Como o
historiador E. P. Thompson observou, até mesmo nas décadas
mais opressivas da Revolução Industrial, quando os operários tra-
balhavam como escravos durante mais de oitenta horas por sema-
na em minas e fábricas, alguns deles passavam suas poucas horas
18 A DESCOBERTA DO FLUXO

de precioso tempo livre em estudos literários ou ações políticas


em vez de seguir a maioria até os bares.
Os termos que usamos para falar sobre o tempo - orçamen-
tar, investir, alocar, desperdiçar - foram extraídos da linguagem
financeira. Conseqüentemente, algumas pessoas alegam que nos-
sa atitude para com o tempo é influenciada por nossa peculiar
herança capitalista. É verdade que a máxima “tempo é dinheiro”
era uma das frases favoritas daquele grande apologista do capita-
lismo, Benjamin Franklin, mas a equiparação dos dois termos
certamente é muito mais antiga e enraizada na experiência huma-
na comum, em vez de apenas na nossa cultura. Na verdade, pode-
ríamos afirmar que é o dinheiro que recebe o seu valor do tempo,
em vez do contrário. O dinheiro é simplesmente a unidade mais
utilizada para medir o tempo investido em fazer ou fabricar algu-
ma coisa. E nós valorizamos o dinheiro porque de certa forma ele
nos liberta das limitações da vida, tornando possível que tenha-
mos tempo livre para fazermos o que desejarmos.
O que, então, as pessoas fazem com seu tempo? A Tabela l
proporciona uma idéia geral de como passamos as 16 horas
(aproximadamente) por dia em que estamos despertos e cons-
cientes.6 Os números são necessariamente aproximados, porque,
dependendo de a pessoa ser jovem ou idosa, homem ou mulher,
rico ou pobre, padrões muito diferentes poderão surgir. Mas, em
geral, os números na tabela nos fornecem uma descrição inicial
de como é um dia médio na nossa sociedade. Eles são bastante
similares de muitos modos ao uso que se faz do tempo em outros
países industrializados.7
O que fazemos durante um dia comum pode ser dividido em
três tipos principais de atividades. O primeiro e maior deles inclui
o que devemos fazer para gerar energia para nossa sobrevivência
e nosso conforto. Hoje em dia isso é quase sinônimo de “ganhar
dinheiro”, já que o dinheiro se tornou o meio de troca para a
maioria das coisas. No entanto, para os jovens ainda na escola, o
aprendizado pode ser incluído entre essas atividades produtivas,
porque para eles a educação é equivalente ao trabalho adulto, e o
primeiro levará ao segundo.
Cerca de um quarto ou mais de nossa energia psíquica é uti-
lizado nessas atividades produtivas, dependendo do tipo e da car-
ga horária de trabalho, se em horário integral ou parcial. Embora
a maioria dos trabalhadores em tempo integral esteja no trabalho
AS ESTRUTURAS DA VIDA COTIDIANA `I9

Tabela 'I
Para onde vai o tempo?

Baseada nas atividades diumas relatadas por adultos e adolescentes


representativos em estudos norte-americanos recentes. As percentagens
diferirão em idade, sexo, classe social e preferência pessoal - as varia-
ções máximas e mínimas estão indicadas. Cada ponto percentual equi-
vale a uma hora por semana.

Atividades produtivas Total: 24-60%


Trabalhando no emprego, ou estudando 20-45%
Falando, comendo, divagando durante o 4-15%
trabalho
Atividades de manutenção Total: 20-42%
Cuidados com a casa (cozinhar, limpar, 8-22%
fazer compras)
Alimentação 3-S%
Cuidados pessoais (tomar banho, vestir-se) 3-6%
Dirigir o carro, transporte 6-9%
Atividades de lazer Total: 20-43%
Mídia (TV e leitura) 9-13%
Hobbies, esportes, filmes, restaurantes 4-l3%
Conversa, contato social 4-12%
Repouso 3-5%
Fontes: Csikszentmihalyi e Graef 1980; Kubey e Csikszentmihalyi 1990;
Larson e Richards 1994.

cerca de quarenta horas semanais, o que representa 35 por cento


das 112 horas da semana, esse número não reflete a realidade com
exatidão, porque das quarenta horas por semana passadas no
emprego, as pessoas só trabalham cerca de tn'nta; o restante é gas-
to em conversas, divagações, listas e outras ocupações irrelevan-
tes para o trabalho.
Isso é muito ou pouco tempo? Depende do nosso ponto de
referência. De acordo com alguns antropólogos, entre as socieda-
des de menor desenvolvimento tecnológico, como as m'bos das
florestas brasileiras ou dos desertos africanos, os homens madu-
ros raramente passam mais de quatro horas por dia cuidando do
seu sustento - o resto do tempo eles passam descansando, conver-
sando, cantando e dançando. Por outro lado, durante os cento e
poucos anos da industrialização no Ocidente, antes que os sindi-
20 A DESCOBERTA DO FLUXO

catos fossem capazes de regulamentar o período de trabalho, não


era incomum que trabalhadores passassem 12 horas por dia ou
mais na fábrica. Assim, o dia de trabalho de oito horas, que é a
norma atual, está entre os dois extremos.
As atividades produtivas criam energia nova, mas precisa-
mos trabalhar um bocado só para preservar o corpo e suas posses,
por isso cerca de um quarto do nosso dia está envolvido com
vários tipos de atividades de manutenção. Mantemos nossos cor-
pos em forma comendo, descansando, armando-nos; mantemos
nossas posses limpando-as, cozinhando, fazendo compras e todo
tipo de trabalhos domesticos. Ao longo dos tempos, as mulheres
ficaram encarregadas do trabalho de manutenção enquanto os
homens assumiram os papéis produtivos. Essa diferença ainda é
bastante forte atualmente nos EUA: embora homens e mulheres
passem períodos de tempo iguais comendo (cerca de 5 por cento),
as mulheres dedicam duas vezes mais tempo que os homens a
fazer todas as atividades de manutenção.
A rotulação sexual das tarefas domésticas é ainda mais
intensa em praticamente toda parte. Na ex-União Soviética, onde
a igualdade sexual era uma questão de ideologia, as médicas e
engenheiras casadas ainda tinham de fazer todas as tarefas
domésticas além do trabalho nos seus empregos. Na maior parte
do mundo, um homem que cozinha para sua família ou lava os
pratos perde sua auto-estima, assim como o respeito dos outros.
A divisão do trabalho parece ser tão antiga quanto a própria
humanidade. No passado, contudo, a manutenção da casa muitas
vezes exigia um esforço exaustivo por parte das mulheres. Um
historiador descreve a situação na Europa há quatro séculos:
As mulheres carregavam água até íngremes áreas montanhosas...
onde a água era escassa... Elas cortavam e secavam feno, coleta-
vam algas, lenha, ervas da beira da estrada para alimentar os coe-
lhos. Ordenhavam vacas e cabras, cultivavam verduras, coleta-
vam nozes e ervas. A fonte mais comum de aquecimento para os
fazendeiros ingleses e para alguns fazendeiros irlandeses e esco-
ceses era o excremento de animais, que era recolhido à mão pelas
mulheres e amontoado próximo à lareira da família para que
secasse...8

O encanamento e os aparelhos eletrônicos certamente fize-


ram uma grande diferença na quantidade de esforço físico neces-
AS ESTRUTURAS DA VIDA COTIDIANA 21

sário para cuidar de uma casa, assim como a tecnologia aliviou o


fardo fisico do trabalho produtivo. Mas a maioria das mulheres na
Ásia, África e América do Sul- em outras palavras, a maioria das
mulheres do mundo - ainda precisa devota: urna grande parte de
suas vidas para impedir o colapso da infra-estrutura material e
emocional de suas famílias.
O tempo que sobra das necessidades de produção e manu-
tenção é tempo livre, ou lazer, que toma cerca de outro quarto do
nosso tempo total.9 De acordo corn muitos pensadores do passa-
do, homens e mulheres só podiam realizar o seu potencial quan-
do não tinham nada para fazer. É durante o lazer, de acordo com
os filósofos gregos, que nos tornamos verdadeiramente humanos,
dedicando tempo ao desenvolvimento pessoal - ao aprendizado,
às artes, a atividade política. Na verdade, o termo grego para
lazer, scholea, é a raiz da nossa palavra "escola", porque se pen-
sava que o melhor uso para o lazer era o estudo.
Infelizmente, esse ideal quase nunca é realizado. Na nossa
sociedade, o tempo livre é ocupado por três tipos principais de
atividades ~ nenhuma delas realmente se aproximando daquilo
que os eruditos gregos, ou homens de lazer, tinham em mente. O
primeiro é o consumo de mídia - na maior parte televisão, com
uma pitada de leitura de jornais e revistas. O segundo é a conver-
sação. O terceiro é um uso mais ativo do tempo livre e, portanto,
mais próximo do antigo ideal: ele envolve hobbies, fazer música,
praticar esportes ou exercícios, ir a restaurantes ou ao cinema.
Cada um desses três tipos principais de lazer toma pelo menos
quatro horas por semana, podendo chegar a 12.
Assistir à TV, que na média toma a maior quantidade de
energia psíquica de todos os atos de lazer, é provavelmente tam-
bém a forma mais nova de atividade na experiência humana.
Nada que homens e mulheres fizeram até agora durante os
milhões de anos de evolução foi tão passivo, tão viciante na faci-
lidade com que atrai atenção e aprisiona - a menos que conside-
remos olhar para o espaço, tirar uma sesta ou entrar em transe
como os balineses costumavam fazer. Os apologistas do meio
alegam que a televisão fornece todo tipo de informação interes-
sante. Isso é verdade, mas como é muito mais fácil produzir pro-
gramas que deleitam em vez de enriquecer o espectador, o que a
maioria das pessoas assiste dificilmente ajudará no desenvolvi-
mento da personalidade.
22 A DESCOBERTA DO FLUXO

Essas três funções principais - produção, manutenção e


lazer - absorvem nossa energia psíquica. Elas fornecem a infor-
mação que atravessa a mente dia após dia, do nascimento ao final
da vida. Assim, em essência, nossa vida consiste em experiências
relacionadas com o trabalho, com o esforço para impedir que o que
já temos caia em pedaços e com o que quer que façamos em nosso
tempo livre. É dentro desses parâmetros que a vida se desdobra, e
é o modo como escolhemos o que fazemos, e a nossa abordagem
para fazê-lo, que determinará se a soma dos nossos dias será um
borrão informe ou algo parecido com uma obra de arte.

A vida cotidiana não é definida apenas pelo que fazemos, mas


também por aqueles com quem estamos. Nossos atos e sentimen-
tos são sempre influenciados por outras pessoas, estejam elas pre-
sentes ou não. Desde Aristóteles sabemos que os seres humanos
são animais sociais; tanto física quanto psicologicamente depen-
demos da companhia de outros. Há diferenças culturais em rela-
ção às intensidades com que uma pessoa é influenciada pelos
outros, ou pela opinião intemalizada dos outros quando estão
sozinhos.lo Por exemplo, os hindus tradicionais não eram consi-
derados indivíduos isolados como imaginamos, mas como nós
em uma rede social extensa. A identidade da pessoa era determi-
nada não tanto por seus pensamentos e atos quanto por de quem
ela era filha, irmã, prima ou mãe. Também na nossa época, em
comparação com as caucasianas, as crianças do leste da Ásia
estão muito mais conscientes das expectativas e opiniões pater-
nas mesmo quando estão sozinhas - em termos psicanalíticos,
possuem um superego mais forte. No entanto, por mais indivi-
dualista que seja uma cultura, os outros ainda determinam em
grande parte a qualidade de vida de um indivíduo.
A maioria das pessoas passa períodos de tempo mais ou
menos iguais em três contextos sociais. O primeiro é composto de
estranhos, colegas de trabalho ou - para pessoas mais jovens -
colegas de estudo. É nesse espaço “público” que os atos do indi-
víduo são avaliados pelos outros, onde ele compete por recursos
e onde é possível estabelecer relacionamentos de colaboração
com os outros. Já foi argumentado que essa esfera pública de
ação é a mais importante para o desenvolvimento do potencial do
indivíduo, aquela onde os riscos são maiores mas onde ocorre o
maior crescimento.ll
AS ESTRUTURAS DA VIDA COTIDIANA 23

O segundo contexto é formado pela família do indivíduo -


para as crianças, os pais e irmãos; para os adultos, os seus parcei-
ros, cônjuges e filhos. Embora recentemente a própria noção de
“família” como unidade social reconhecível tenha sido fortemen-
te criticada, também é verdade que sempre e em toda parte exis-
tiu um grupo de pessoas com quem o indivíduo criava laços espe-
ciais de proximidade, corn quem se sentia seguro e para com
quem tinha um grau maior de responsabilidade. Por mais estra-
nho que possam parecer hoje algumas de nossas estruturas fami-
liares em comparação a uma família nuclear ideal, os parentes
íntimos ainda oferecem um tipo único de experiência.
Finalmente, existe o contexto definido pela ausência de
outras pessoas - a solidão. Nas sociedades tecnológicas passamos
cerca de um terço do dia sozinhos, uma proporção muito maior
do que na maion'a das sociedades tribais, onde estar sozinho mui-
tas vezes é considerado muito perigoso. Até mesmo para nós,
estar sozinho é considerado indesejável; a grande maioria das
pessoas tenta evitar essa experiência o máximo possível. Embora
seja possível aprender a apreciar a solidão, ela é um raro gosto
adquirido. Mas, quer gostemos dela ou não, muitas das obriga-
ções da vida diária exigem que fiquemos sozinhos: as crianças
precisam estudar e praticar sozinhas, as donas de casa precisam
cuidar da casa sozinhas e muitos trabalhos são pelo menos em
parte solitários. Assim, mesmo que não gostemos dela, é impor-
tante aprender a tolerar a solidão, ou a qualidade das nossas será
prejudicada.

Neste capítulo e no seguinte, discorro sobre como a maioria das


pessoas utiliza o tempo, quanto tempo gastam sozinhas ou com
outras pessoas, e como se sentem quanto ao que fazem. Quais são
as evidências sobre as quais baseio essas afirmações?
O método mais comum para descobrir o que as pessoas
fazem com seu tempo é por meio de pesquisas, estudos e orça-
mentação de tempo. Esses métodos geralmente requerem que as
pessoas preencham um diário no final de cada dia ou semana; eles
são de fácil administração, mas como se baseiam em recordações,
não são muito precisos. Outra técnica é o Método de Amostragem
de Experiência (Experience Sampling Method - ou ESM), que
desenvolvi na Universidade de Chicago no início dos anos 70.12
24 A DESCOBERTA DO FLUXO

O ESM usa um pager ou relógio programável para avisar às pes-


soas que preencham duas páginas em um livreto que carregam
consigo. Os sinais são programados para disparar em períodos
aleatórios dentro de segmentos de duas horas do dia, do início da
manhã até as 23 horas, ou mais tarde. Ao toque do sinal, a pessoa
escreve onde ela está, o que está fazendo, no que está pensando,
com quem ela está, e então classifica o seu estado de consciência
naquele momento de acordo corn várias escalas numéricas - quão
feliz ela está, quão concentrada, quão fortemente ela está motiva-
da, o nível da sua auto-estima, e assim por diante.
No final de uma semana, cada pessoa terá preenchido 56
páginas do livreto ESM, fornecendo um diafilme virtual das ati-
vidades da pessoa da manhã até a noite, dia após dia, durante a
semana, e podemos seguir suas variações de humor em relação ao
que a pessoa faz e com quem ela está.
Em nosso laboratório de Chicago, coletamos com o passar
dos anos um total de mais de 70 mil páginas de cerca de 2.300
indivíduos; pesquisadores de universidades em outras partes do
mundo chegaram a superar o triplo desses números. Um grande
número de respostas é importante porque nos permite observar a
forma e a qualidade da vida cotidiana em grandes detalhes e com
considerável precisão. Isso nos permite ver, por exemplo, quantas
vezes as pessoas fazem refeições, e como se sentem quando o
fazem. Além disso, podemos ver se adolescentes, adultos e ido-
sos sentem a mesma coisa quanto às suas refeições, e se comer é
uma experiência similar quando comemos sozinhos ou acompa-
nhados. O método também permite comparações entre america-
nos, europeus, asiáticos e qualquer outra cultura onde o método
possa ser aplicado. A seguir, usarei resultados obtidos por pes-
quisas e dados estatísticos junto com os resultados do ESM. As
notas no final do livro indicarão as fontes de onde os dados foram
obtidos.
DOIS

o coNTEÚDo DA EXPERIÊNCIA

Já vimos que trabalho, manutenção e lazer tomam a maior parte


de nossa energia psíquica. Mas uma pessoa pode adorar seu tra-
balho e outra pode odiá-lo; talvez uma pessoa aprecie seu tempo
livre e outra fique entediada por não ter nada para fazer. Assim,
embora o que fazemos todo dia tenha muito a ver com o tipo de
vida que levamos, o modo como experimentamos o que fazemos
é ainda mais importante.
As emoções são, em certo aspecto, os elementos mais subje-
tivos da consciência, já que só a própria pessoa pode dizer se sen-
te verdadeiramente o amor, a vergonha, a gratidão ou a felicida-
de. Porém, uma emoção é também o conteúdo mais objetivo da
mente, porque a sensação física que experimentamos quando
estamos apaixonados, envergonhados, assustados ou felizes é
geralmente mais real para nós do que aquilo que observamos no
mundo exterior, ou o que quer que aprendamos com a ciência e a
lógica. Assim, muitas vezes nos encontramos na posição parado-
xal de sermos como psicólogos behavioristas quando olhamos
para outras pessoas, descartando o que elas dizem e confiando
apenas no que fazem, enquanto que, quando olhamos para nós
mesmos, somos fenomenologistas, levando nossos sentimentos
íntimos mais a sério do que eventos externos ou ações declaradas.
Os psicólogos identificaram nove emoções básicas que
podem ser identificadas de maneira confiável pelas expressões
faciais entre pessoas que vivem em culturas diferentes; assim,
parece que do mesmo modo que todos os seres humanos podem
ver e falar, eles compartilham um conjunto comum de estados
26 A DESCOBERTA DO FLUXO

emocionais.l Mas, para simplificar o máximo possível, podemos


dizer que todas as emoções compartilham uma dualidade básica:
elas são positivas e atraentes ou negativas e repulsivas. É devido
a essa característica simples que as emoções nos ajudam a esco-
lher o que deveria ser bom para nós. Um bebê é atraído por um
rosto humano, e fica feliz quando vê sua mãe, porque isso ajuda a
criar um elo com a pessoa que cuida dele. Sentimos prazer quan-
do comemos, ou quando estamos com um membro do sexo opos-
to, porque nossa espécie não sobreviveria se não procurássemos
comida e sexo. Nós sentimos uma repulsa instintiva diante de ser-
pentes, insetos, odores pútn'dos, escuridão - todas as coisas que
no passado evolutivo poderiam ter representado sérios perigos
para a sobrevivência.2
Além das emoções simples estabelecidas geneticamente, os
seres humanos desenvolveram um grande número de sentimentos
mais sutis e suaves, assim como sentimentos infames. A evolução
da consciência auto-reflexiva permitiu que nossa raça “brincas-
se” com sentimentos, forjando-os ou manipulando-os de um
modo que nenhum outro animal pode fazer. As canções, danças e
máscaras dos nossos ancestrais evocam terror e assombro, alegria
e exaltação. Filmes de horror, drogas e músicas têm o mesmo
efeito atualmente. Mas originalmente as emoções serviam como
sinais sobre o mundo externo; agora são muitas vezes separadas
de qualquer objeto real e desfrutadas por si mesmas.
A felicidade e' o protótipo das emoções positivas.3 Como
disseram muitos pensadores desde Aristóteles, tudo o que faze-
mos tem como meta final experimentar a felicidade. Não quere-
mos realmente a riqueza, ou saúde, ou a fama por si sós - quere-
mos essas coisas porque esperamos que elas nos tornem felizes.
Porém, buscamos a felicidade não porque ela vá nos levar a algu-
ma outra coisa, mas por ela mesma. Se a felicidade é realmente o
objetivo da vida, o que sabemos sobre ela?
Até meados do século XX, os psicólogos relutavam em estu-
dar a felicidade, porque o paradigma behaviorista reinante nas
ciências sociais sustentava que emoções subjetivas eram vagas
demais para que fossem objetos apropriados de pesquisa científi-
ca. Mas à medida que o “empirismo árido” no meio acadêmico foi
amainando nas últimas décadas, permitindo que a imponência das
experiências subjetivas pudesse ser novamente reconhecida, o
estudo da felicidade foi retomado com um novo vigor.
o coNTEÚDo DA ExPERiÊNcIA 27

O que estes estudos revelaram é ao mesmo tempo familiar e


surpreendente. É surpreendente, por exemplo, que apesar de seus
problemas e tragédias, as pessoas em todo o mundo tendam a des-
crever a si mesmas muito mais como felizes do que infelizes. Nos
Estados Unidos, em geral, um terço dos entrevistados de amos-
tras representativas dizem que estão “muito felizes”, e só um em
dez “não está muito feliz”. A maioria se considera acima da
média, como “bastante feliz”. Resultados similares são relatados
por dezenas de outros países. Como isso pode acontecer, quando
os pensadores em toda a história, ao refletirem sobre como a vida
pode ser breve e dolorosa, sempre nos disseram que o mundo é
um vale de lágrimas e que não fomos feitos para sermos felizes?
Talvez a razão para essa discrepância seja que os profetas e filó-
sofos tendam a ser perfeccionistas, e as imperfeições da vida ten-
dem a incomoda-los. Já o resto da humanidade se sente feliz por
estar vivo, apesar destas mesmas imperfeições.
Naturalmente, existe uma explicação mais pessimista:
quando as pessoas dizem que estão bastante felizes, elas estão
enganando o pesquisador ou, provavelmente, tentando ocultar
seus próprios temores. Afinal de contas, Karl Marx nos acostu-
mou a pensar que um operário de fábrica pode pensar que está
perfeitamente feliz, mas essa felicidade subjetiva é uma auto-ilu-
são sem qualquer significado, porque objetivamente o trabalha-
dor é alienado pelo sistema que explora seu trabalho. Jean-Paul
Sartre nos disse que a maioria das pessoas vive com uma “falsa
consciência”, fingindo até para si mesmas que estão vivendo no
melhor dos mundos possíveis. Mais recentemente, Michel
Foucault e os pós-modemistas deixaram claro que o que as pes-
soas nos dizem não refletem eventos reais, mas só um estilo de
narrativa, um modo de falar que se refere apenas a si mesmo.
Embora essas críticas da autopercepção esclareçam questões
importantes que precisam ser reconhecidas, elas também sofrem
da arrogância intelectual de eruditos que acreditam que suas inter-
pretações da realidade devem ter precedência sobre a experiência
direta da maioria das pessoas. Apesar das profundas dúvidas de
Marx, Sartre e Foucault, ainda penso que, quando uma pessoa diz
que é “bastante feliz”, ninguém tem o direito de ignorar sua decla-
ração, ou de interpreta-la para que signifique o oposto.
Outro conjunto de descobertas familiares mais surpreenden-
tes tem a ver com o relacionamento entre bem-estar material e
28 A DESCOBERTA DO FLUXO

felicidade. Como era de se esperar, as pessoas que vivem em


nações de melhor situação econômica e de maior estabilidade
política se consideram mais felizes (por exemplo, os suíços e
noruegueses dizem que são mais felizes que os gregos e portu-
gueses), mas nem sempre (por exemplo, os irlandeses, mais
pobres, alegam ser mais felizes que os japoneses, mais ricos).
Dentro da mesma sociedade, contudo, existe apenas uma relação
muito tênue entre as finanças e a satisfação com a vida; os bilio-
nários na América são apenas infimamente mais felizes do que
aqueles com rendas medianas. E mesmo que a renda pessoal nos
EUA tenha mais que duplicado entre as décadas de 1960 e 1990
em dólares constantes, a proporção de pessoas que afirmam ser
muito felizes continuou em 30 por cento. Uma conclusão que os
dados parecem justificar é que, além do limite da pobreza, recur-
sos adicionais não melhoram de maneira apreciável as chances de
ser feliz.
Várias qualidades pessoais estão relacionadas ao grau de feli-
cidade que as pessoas descrevem ter. Por exemplo, um exnoverti-
do saudável com auto-estima elevada, um casamento estável e fé
religiosa terá muito mais probabilidade de dizer que é feliz do que
um ateu cronicamente doente, introvertido e divorciado com baixa
auto-estima. Somente ao considerar esses aglomerados de relacio-
namentos é que a crítica pós-modernista poderia fazer sentido. É
provável, por exemplo, que uma pessoa saudável e religiosa cons-
trua uma narrativa “mais feliz” sobre a sua vida do que uma que
não é, independentemente da qualidade real da experiência. Mas,
já que sempre coletamos os dados “brutos” da experiência através
de filtros interpretativos, as histórias que contamos sobre as manei-
ras como nos sentimos são uma parte essencial das nossas emo-
ções. Uma mulher que diz que está feliz por trabalhar em dois
empregos para manter um teto sobre as cabeças de seus filhos
talvez seja mais feliz do que uma mulher que não vê por que deve-
ria se incomodar em ter sequer um só emprego.
Mas a felicidade certamente não é a única emoção digna de
ser considerada. Na verdade, se queremos melhorar a qualidade
da vida cotidiana, a felicidade pode ser o ponto de partida errado.
Em primeiro lugar, relatos pessoais de felicidade não variam tan-
to de pessoa para pessoa quanto a maioria dos outros sentimen-
tos; por mais vazia que possa ser a vida de alguém, a maioria das
pessoas relutará em admitir que é infeliz. Além disso, essa emo-
o coNrEÚDo DA EXPERIÊNCIA 29

ção é mais uma característica pessoal do que situacional. Em


outras palavras, com o tempo algumas pessoas passam a se consi-
derar felizes, independentemente das condições externas, enquan-
to outras se acostumam a se sentir menos felizes, não importa o
que lhes aconteça. Outros sentimentos são muito mais influencia-
dos pelo que a pessoa faz, com quem ela está ou onde está. Esses
humores são mais suscetíveis à mudança direta e, como também
estão relacionados ao grau de felicidade que sentimos, a longo
prazo podem elevar nosso nível médio de felicidade.
Por exemplo, quão ativos, fortes e alertas nos sentimos de-
pende um bocado do que fazemos - esses sentimentos se tornam
mais intensos quando estamos envolvidos com uma tarefa difícil,
e ficam mais atenuados quando fracassamos no que tentamos
fazer, ou quando não tentamos fazer nada. Assim, esses senti-
mentos podem ser afetados diretamente pelo que escolhemos
fazer. Quando nos sentimos ativos e fortes, temos maior probabi-
lidade de nos sentirmos felizes, de modo que, com o tempo, a
escolha do que fazemos também afetará a nossa felicidade. Do
mesmo modo, a maioria das pessoas acha que é mais alegre e
sociável quando está com outras pessoas do que quando está sozi-
nha. Novamente, a alegria e a sociabilidade estão relacionadas à
felicidade, o que provavelmente explica por que os extrovertidos,
em média, tendem a ser mais felizes que os introvertidos.
A qualidade de vida não depende apenas da felicidade, mas
também do que a pessoa faz para ser feliz. Se o indivíduo deixa
de desenvolver metas que dêem significado à sua existência, se
ele não usa plenamente sua capacidade intelectual, então os bons
sentimentos são responsáveis por apenas uma fração de nosso
potencial. Não se pode dizer que uma pessoa que alcança o con-
tentamento se afastando do mundo para “cultivar o seu jardim”,
como o Cândido de Voltaire, leva uma vida excelente. Sem
sonhos, sem riscos, só uma imagem superficial da vida pode ser
alcançada.

As emoções se referem a estados interiores de consciência.


Emoções negativas como tristeza, medo, ansiedade ou tédio pro-
duzem “entropia psíquica” na mente, isto é, um estado em que
não podemos usar a atenção de maneira eficaz para lidar com
tarefas externas, porque precisamos dela para restaurar uma
30 A DESCOBERTA DO FLUXO

ordem interior subjetiva. Emoções positivas como felicidade, for-


ça ou alerta são estados de “negaentropia psíquica”, ou entropia
negativa, porque não precisamos de atenção para refletir e sentir
pena de nós mesmos, e a energia psíquica pode fluir livremente
para qualquer pensamento ou tarefa em que escolhemos investir.4
Quando escolhemos prestar atenção em uma determinada
tarefa, dizemos que formamos uma intenção, ou estabelecemos
uma meta para nós mesmos. O tempo que despendemos com nos-
sas metas e o grau de intensidade com que as mantemos dependem
da motivação. As intenções, metas e motivações também são, por-
tanto, manifestações da negaentropia psíquica. Elas concentram a
energia psíquica, estabelecem prioridades e assim criam ordem na
consciência. Sem elas, os processos mentais se tornam aleatórios
e os sentimentos tendem a se deteriorar rapidamente.
As metas são geralmente ordenadas de forma hierárquica,
desde as comuns, como ir à loja da esquina para comprar sorvete,
até arriscar a própria vida pelo seu país. Durante um dia médio,
em cerca de um terço do tempo as pessoas dirão que fazem o que
estão fazendo porque querem fazê-lo, em um terço do tempo por-
que precisam fazê-lo, e no último terço porque não tinham nada
melhor para fazer. Essas proporções variam de acordo com a ida-
de, o sexo e a atividade: as crianças sentem que têm mais opções
do que seus pais, e os homens mais do que as esposas; o que quer
que uma pessoa faça em casa é percebido como mais voluntário
do que no trabalho.
Há muitos indícios mostrando que, enquanto as pessoas se
sentem melhores quando o que fazem é voluntário, elas não se
sentem piores quando o que fazem é obrigatório. A entropia psí-
quica é mais elevada quando as pessoas sentem que o que fazem é
motivado por não terem nada melhor para fazer. Assim, tanto a
motivação intrínseca (querer fazer) como a motivação extrínseca
(ter de fazer) são preferíveis ao estado onde se age por falta de coi-
sa melhor, sem possuir qualquer tipo de meta para focalizar a aten-
ção. A grande parte da vida na qual muitas pessoas não experi-
mentam qualquer motivação permite uma melhoria considerável.
A intenção focaliza a energia psíquica a curto prazo,
enquanto as metas tendem a ser mais de longo prazo, em última
análise, são as metas que buscamos que formarão e determinarão
o tipo de self que nos tornamos. O que toma madre Teresa, a frei-
ra, radicalmente diferente da cantora Madonna, são as metas em
o coNTEÚDo DA EXPERIÊNCIA 31

que elas investiram sua atenção durante suas vidas. Sem um sóli-
do conjunto de metas, é difícil desenvolver um self coerente. É
por meio do investimento organizado da energia psíquica propor-
cionado pelas metas que um individuo cn'a ordem na experiência.
Essa ordem, que se manifesta em ações, emoções e escolhas pre-
visíveis, com o tempo se toma reconheci'vel como um “self ` mais
ou menos único.
As metas em que a pessoa investe também determinam a sua
auto-estima.5 Como disse William James há mais de cem anos, a
auto-estima depende da proporção entre expectativa e sucessos.
Uma pessoa pode desenvolver uma baixa auto-estima porque
estabelece metas elevadas demais, ou porque alcança muito pou-
cos sucessos. Assim, não é necessariamente verdadeiro que a pes-
soa que realiza mais terá auto-estima mais elevada. Ao contrário
do que poderíamos esperar, os estudantes ásio-americanos que
têm notas excelentes tendem a ter uma auto-estima mais baixa do
que outros menos bem-sucedidos na escola, porque proporcional-
mente suas metas são ainda mais elevadas do que seus sucessos.
As mães que trabalham em expediente integral tendem a ter uma
auto-estima inferior à das mães que não trabalham, porque embo-
ra realizem mais, suas expectativas ainda assim superam suas
conquistas. Daí segue que, ao contrário do que se pensa, aumen-
tar a auto-estima das crianças nem sempre é uma boa idéia -
especialmente se isso é obtido ao reduzirmos suas expectativas.
Há outras concepções enganosas sobre intenções e metas.
Por exemplo, alguns observam que as religiões orientais, como as
várias formas de hinduísmo e budismo, prescrevem a abolição da
intencionalidade como um pré-requisito para a felicidade. Elas
alegam que só abandonando todo desejo, só alcançando uma
existência sem metas, poderemos evitar a infelicidade. Essa linha
de pensamento influenciou muitos jovens na Europa e nos
Estados Unidos a tentar rejeitar todas as metas, acreditando que
só o comportamento completamente espontâneo e fortuito leva a
uma vida iluminada.
Na minha opinião, essa leitura da mensagem oriental é bas-
tante superficial. Afinal de contas, tentar abolir o desejo é em si
mesma uma meta tremendamente difícil e ambiciosa. A maioria
de nós é tão completamente programada com desejos genéticos e
culturais que é preciso um ato de vontade quase sobre-humana
para aquietá-los. Aqueles que acreditam que ao ser espontâneos
32 A DESCOBERTA DO FLUXO

evitarão estabel'ecer metas em geral se restringem a seguir cega-


mente as metas estabelecidas pelos instintos e pela educação.
Eles muitas vezes acabam sendo tão mesquinhos, lúbricos e pre-
conceituosos que arrepiam os cabelos de qualquer born monge
budista.
A verdadeira mensagem das religiões orientais, na minha
opinião, não é a abolição de todas as metas. O que elas nos dizem
é que devemos desconfiar da maioria das intenções que forma-
mos espontaneamente. Para garantir nossa sobrevivência em um
mundo perigoso, dominado pela escassez, nossos genes nos pro-
gramaram para que fôssemos gananciosos, para que desejásse-
mos o poder, para que dominássemos os outros. Pela mesma
razão, o grupo social em que nascemos nos ensina que só aqueles
que compartilham nossa linguagem e nossa religião merecem
confiança. A inércia do passado dita que a maioria das nossas
metas será formada pela herança genética ou cultural. São essas
metas, nos dizem os budistas, que devemos aprender a frear. Mas
essa meta exige uma motivação fortíssima. Paradoxalmente, a
meta de rejeitar metas programadas pode exigir o investimento
constante de toda a energia psíquica da pessoa. Um iogue ou
monge budista precisa de cada grama de sua atenção para impe-
dir que os desejos programados irrompam na consciência, e
assim possui muito pouca energia psíquica para fazer qualquer
outra coisa. Desse modo, a práxis das religiões do Oriente é qua-
se o oposto de como geralmente foi interpretada no Ocidente.
Aprender a administrar as próprias metas é um passo impor-
tante para alcançar a excelência na vida cotidiana. Fazê-lo, contu-
do, não envolve o extremo da espontaneidade, por um lado, nem
o controle compulsivo, por outro. A melhor solução poderia ser
compreender as raízes das nossas motivações e, enquanto reco-
nhecemos os preconceitos envolvidos nos nossos desejos, com
toda humildade escolhemos metas que ordenarão nossa consciên-
cia sem causar desordem demais no ambiente social ou material.
Tentar menos que isso é desperdiçar a chance de desenvolver o
seu potencial, e tentar muito mais é preparar o terreno para sua
própria derrota.

O terceiro conteúdo da consciência são as operações mentais cog-


nitivas.6 O pensamento é um tema tão complexo que está comple-
o coNrEúDo DA EXPERIÊNCIA 33

tamente fora de questão abordar o assunto de forma sistemática


nestas páginas - em vez disso, faz mais sentido simplifica-lo,
para que possamos falar de sua relação com a vida cotidiana. O
que chamamos de pensamento é também um processo por meio
do qual a energia psíquica é ordenada. A emoção focaliza a aten-
ção ao mobilizar todo o organismo em um modo de aproximação
ou evitação. As metas o fazem proporcionando imagens de resul-
tados desejados. Os pensamentos ordenam a atenção produzindo
seqüências de imagens que se relacionam de alguma maneira sig-
nificativa.
Por exemplo, uma das operações mentais mais básicas con-
siste na ligação entre a causa e efeito. O início desta ligação na
vida de uma pessoa pode ser facilmente observado quando um
bebê descobre pela primeira vez que movendo sua mão ele pode
tocar o sino pendurado sobre o berço. Esta conexão simples é o
paradigma sobre o qual grande parte do pensamento posterior se
baseia. Corn o tempo, contudo, os passos que levam das causas
aos efeitos se tornam cada vez mais abstratos e distanciados da
realidade concreta. Um eletricista, um compositor, um investidor
do mercado de ações consideram simultaneamente centenas de
conexões possiveis entre os símbolos com que estão operando em
suas mentes - watts e ohms, notas e ritmos, compra e venda de
ações.
Agora provavelmente já ficou evidente que as emoções,
intenções e pensamentos não atravessam a consciência como ele-
mentos distintos de experiência, mas que estão constantemente
interconectados e se modificam uns aos outros à medida que
avançam. Um jovem se apaixona por uma garota, e experimenta
todas as emoções típicas do amor. Ele pretende conquistar o cora-
ção dela, e começa pensando em como alcançará sua meta. Ele
deduz que conseguir um novo carro envenenado vai conseguir
chamar a atenção da garota. Assim, agora a meta de ganhar
dinheiro para comprar um carro novo fica embutida na meta de
seduzir - mas ter de trabalhar mais pode interferir na meta de ir
pescar, e pode produzir emoções negativas, que geram novos
pensamentos, que por sua vez podem fazer com que as metas do
rapaz entrem em choque com suas emoções... o fluxo da cons-
ciência sempre carrega muitos desses bits de informação ao mes-
mo tempo.
Para executar operações mentais com alguma profundidade,
34 A DESCOBERTA DO FLUXO

uma pessoa precisa aprender a concentrar a atenção. Sem foco, a


consciência se toma caótica. A condição normal da mente é de
desordem informacional; pensamentos aleatórios seguem uns aos
outros em vez de se alinhar em seqüências lógicas causais. A
menos que a pessoa aprenda a se concentrar e seja capaz de inves-
tir o esforço, os pensamentos se dispersarão sem chegar a qual-
quer conclusão. Até mesmo as divagações -isto é, a ligação entre
imagens agradáveis para criar algum tipo de filme mental - exi-
gem a capacidade de se concentrar, e parece que muitas crianças
nunca aprendem a controlar sua atenção suficientemente para que
sejam capazes de sonhar acordadas.
A concentração exige mais esforço quando contraria as
emoções e motivações. Um estudante que detesta matemática
terá grandes dificuldades para concentrar a atenção em um
manual de cálculo pelo tempo suficiente para absorver as infor-
mações que ele contém, e precisará de fortes incentivos (como,
por exemplo, querer passar no curso) para fazê-lo. Geralmente,
quanto mais difícil é uma tarefa mental, maior é o esforço para se
concentrar nela. Mas, quando uma pessoa gosta do que faz e está
motivada a fazê-lo, focalizar a mente se toma fácil mesmo em
presença de grandes dificuldades objetivas.
De modo geral, quando a questão do pensamento vem à
tona, a maioria das pessoas pensa que ele deve estar relacionado
com a inteligência. Elas estão interessadas em diferenças indivi-
duais no pensamento, como por exemplo: “Qual é o meu QI?” ou
“ele é um gênio na matemática”. A inteligência se refere a uma
variedade de processos mentais; por exemplo, corn que facilida-
de um indivíduo pode representar e manipular quantidades na
mente, ou quão sensível ele é à informação contida nas palavras.
Mas, como Howard Gardner mostrou, é possível estender o con-
ceito de inteligência para que inclua a capacidade de diferenciar e
usar todo tipo de informações, incluindo sensações musculares,
sons, sentimentos e formas visuais.7 Algumas crianças nascem
com uma sensibilidade acima da média ao som; elas podem dis-
crirriinar tons e afinações melhor que as outras, e à medida que
crescem aprendem a reconhecer notas e a produzir harmonias
mais facilmente do que seus colegas. Do mesmo modo, pequenas
vantagens no início da vida podem se transformar em grandes
diferenças em capacidades visuais, atléticas ou matemáticas.8
Mas talentos inatos não podem ser desenvolvidos até que a
o coNTEÚDo DA EXPERIÊNCIA 35

inteligência amadureça, a menos que a pessoa aprenda a contro-


lar a atenção. Somente mediante investimentos extensivos de
energia psíquica uma criança com dons musicais pode se trans-
formar em um músico, ou uma criança com dotes matemáticos
pode se tornar um engenheiro ou um físico. É preciso muito es-
forço para absorver o conhecimento e as habilidades necessárias
para realizar as operações mentais que um profissional adulto
deve executar. Mozart era um prodígio e um gênio, mas se seu pai
não o tivesse forçado a praticar assim que deixou as fraldas, difi-
cilmente seu talento teria florescido como floresceu. Aprendendo
a se concentrar, uma pessoa adquire controle sobre a vida psíqui-
ca, o combustível básico do qual depende todo pensamento.

Na vida cotidiana, é raro que os diferentes conteúdos da experiên-


cia estejam em sincronia uns com os outros. No trabalho, minha
atenção pode estar focalizada, porque o chefe me deu uma tarefa
que exige intenso raciocínio. Mas essa tarefa específica não é
uma que eu comumente gostaria de fazer, de modo que não estou
muito motivado intrinsecamente. Ao mesmo tempo, estou distraí-
do por sentimentos de ansiedade quanto ao comportamento errá-
tico de meu filho adolescente. Assim, apesar de parte da minha
mente estar concentrada na tarefa, não estou completamente
envolvido nela. Não é que a minha mente se encontre em um caos
total, mas existe bastante entropia em minha consciência - pensa-
mentos, emoções e intenções entram em foco e então desapare-
cem, produzindo impulsos contrários e atraindo a minha atenção
para direções diferentes. Ou então, para considerar outro exem-
plo, posso apreciar um drinque com os amigos depois do traba-
lho, mas me sinto culpado por não ir para casa e para junto de
minha família, e zangado comigo mesmo por desperdiçar tempo
e dinheiro.
Nenhum desses cenários é particularmente incomum. A
vida cotidiana está cheia deles: raras vezes sentimos a serenidade
que surge quando o coração, a vontade e a mente participam do
mesmo evento. Desejos, intenções e pensamentos conflitantes se
esbarram na consciência, e somos impotentes para colocá-Ios em
ordem.
Mas agora vamos considerar algumas opções. Imagine, por
exemplo, que você está esquiando por um declive e toda a sua
36 A DESCOBERTA DO FLUXO

atenção está focalizada nos movimentos do corpo, na posição dos


esquis, no ar assoviando pelo seu rosto e nas árvores cobertas de
neve passando à sua volta. Não há espaço na sua consciência para
conflitos ou contradições; você sabe que um pensamento ou emo-
ção que o distraia pode fazer com que você acabe com a cara
enterrada na neve. E quem quer se distrair? A descida é tão per-
feita que tudo o que você quer é que ela dure para sempre, para
que possa mergulhar completamente na experiência.
Se esquiar não significa muito para você, substitua esse
exemplo por sua atividade favorita. Pode ser cantar em um coral,
programar um computador, dançar, jogar bridge, ler um bom
livro. Ou se você adora o seu trabalho, como muitas pessoas,
pode ser quando você está imerso em uma complicada cirurgia ou
uma negociação fechada. Ou essa completa imersão na atividade
pode ocorrer em uma interação social, como por exemplo quando
bons amigos conversam uns com os outros, ou quando uma mãe
brinca com seu bebê. O que há de comum nesses momentos é que
a consciência está repleta de experiências, e essas experiências
estão em harmonia umas com as outras. Ao contrário do que
acontece demasiadamente na vida cotidiana, em momentos como
estes o que sentimos, o que desejamos e o que pensamos se har-
monizam.
Esses momentos excepcionais são o que chamei de expe-
riências de flux0.9 A metáfora do “fluxo” foi utilizada por muitas
pessoas para descrever a sensação de ação sem esforço experi-
mentada em momentos que se destacam como os melhores de
suas vidas. Atletas se referem a eles como “atingir o auge”, mís-
ticos religiosos como estar em uêxtase”, artistas e músicos como
enlevo estético. Atletas, místicos e artistas fazem coisas muito
diferentes quando alcançam o fluxo, no entanto suas descrições
da experiência são extraordinariamente similares.
O fluxo costuma ocorrer quando uma pessoa encara um
conjunto claro de metas que exigem respostas apropriadas. É
fácil entrar em fluxo em jogos como xadrez, tênis ou pôquer, por-
que eles possuem metas e regras para a ação que tornam possível
ao jogador agir sem questionar o que deve ser feito e como fazê-
lo. Durante o jogo, o jogador vive em um mundo reservado onde
tudo está em preto-e-branco. A mesma clareza de metas estará
presente se você executar um ritual religioso, tocar uma peça
musical, tecer um tapete, escrever um programa de computador,
O CONTEÚDO DA EXPERIÊNCIA 37

escalar uma montanha ou realizar uma cirurgia. As atividades que


induzem o fluxo podem ser chamadas de “atividades de fluxo"
porque tornam mais provável que a experiência ocorra. Ao con-
trário da vida cotidiana, as atividades de fluxo permitem que uma
pessoa se concentre em metas límpidas e compatíveis.
Outra característica das atividades de fluxo é que elas ofere-
cem um feedback imediato; elas deixam claro o seu desempenho.
Depois de cada movimento de um jogo, você pode dizer se
melhorou sua posição ou não. Com cada passo, o alpinista sabe
que subiu mais um pouco. Depois de cada compasso de uma can-
ção você pode escutar se as notas que você cantou correspondem
à partitura. O tecelão pode ver se a última fileira de fios se encai-
xa no padrão da tapeçaria como deveria. A cirurgiã pode ver,
enquanto corta, se o bisturi evitou todas as artérias, ou se há um
súbito sangramento. No trabalho ou em casa, podemos atravessar
longos períodos sem uma pista de como estamos, enquanto no
fluxo geralmente acontece o contrário.
O fluxo tende a ocorrer quando as habilidades de uma pes-
soa estão totalmente envolvidas em superar um desafio que está
no limiar de sua capacidade de controle. Experiências ótimas
geralmente envolvem um fino equilíbrio entre a capacidade do
indivíduo de agir e as oportunidades disponíveis para a ação (ver
a Figura 1).lo Se os desafios são altos demais, a pessoa fica frus-
trada, em seguida preocupada e mais tarde ansiosa. Se os desafios
são baixos em relação às habilidades do indivíduo, ele fica rela-
xado, em seguida entediado. Se tanto os desafios quanto as habi-
lidades são percebidos como baixos, a pessoa se sente apática.
Mas quando altos desafios são correspondidos por altas habilida-
des, então é mais provável que o profundo envolvimento que
estabelece o fluxo à parte da vida comum ocorra. O alpinista o
sentirá quando a montanha exigir toda a sua força, a cantora
quando a canção exigir toda a extensão de sua capacidade vocal,
o tecelão quando o desenho da tapeçaria é mais complexo do que
qualquer coisa já tentada antes, e o cirurgião quando a operação
envolve novos procedimentos ou exige uma variação inesperada.
Um dia típico está cheio de ansiedade e tédio. As experiências de
fluxo oferecem os lampejos de vida intensa contra esse fundo
medíocre.
38 A DESCOBERTA DO FLUXO

Figura l
A qualidade da experiência como uma função do relacionamento
entre desafios e habilidades. A experiência ótima, ou fluxo, ocorre
quando ambas as variáveis estão elevadas.

Altos
Exaltação

Ansiedade
DESAFIOS

Preocupação Controle

Relaxamento

Baixos HABILIDADES Altas

Fontes: adaptado de Massimini & Carli 1988; Csikszentmihalyi 1990.

Quando as metas são claras, o feedback compatível e os


desafios e habilidades estão equilibrados, a atenção se torna orde-
nada e recebe total investimento. Devido à exigência total de
energia psíquica, uma pessoa no fluxo está completamente con-
centrada. Não há espaço na consciência para pensamentos que
distraiam, para sentimentos incoerentes. A autoconsciência desa-
parece, no entanto a pessoa se sente mais forte do que de costu-
me. O senso de tempo é distorcido: as horas parecem passar como
minutos. Quando todo o ser de uma pessoa é levado ao funciona-
mento total do corpo e da mente, o que quer que se faça torna-se
digno de ser feito por seu próprio valor; viver se torna sua própria
justificativa. No foco harmonioso das energias físicas e psíquicas,
a vida enfim se torna realmente significativa.
O CONTEÚDO DA EXPERIÊNCIA 39

É o envolvimento pleno do fluxo, em vez da felicidade, que


gera a excelência na vida. Quando estamos no fluxo, não estamos
felizes, porque para experimentar a felicidade precisamos focali-
zar nossos estados interiores, e isso retiraria nossa atenção da
tarefa que estamos realizando. Se um alpinista perder tempo se
sentindo feliz enquanto executa um movimento difícil, ele pode
cair da montanha. O cirurgião não pode se sentir feliz durante
uma operação complicada, nem um músico quando toca uma par-
titura complexa. Só depois de completar a tarefa é que temos tem-
po para olhar para trás e ver o que aconteceu, e então somos inun-
dados com a gratidão pela excelência da experiência - desse
modo, retrospectivamente, somos felizes. Mas é possível ser feliz
sem sentir o fluxo. Podemos ficar felizes experimentando o pra-
zer passivo de um corpo descansado, a calorosa luz do sol, o con-
tentamento de um relacionamento sereno. Esses momentos tam-
bém devem ser guardados, mas esse tipo de felicidade é muito
vulnerável e dependente de circunstâncias externas favoráveis. A
felicidade que segue o fluxo é cn'ada por nós, e leva a uma com-
plexidade e um crescimento cada vez maiores da consciência.
A Figura 1 pode indicar por que o fluxo leva ao crescimen-
to pessoal. Digamos que uma pessoa está na área marcada
“Exaltação” da figura. Esta não é uma situação ruim; na exaltação
a pessoa se sente mentalmente concentrada, ativa e envolvida -
mas não muito forte, alegre ou no controle. Como podemos vol-
tar ao estado de fluxo, que é mais agradável? A resposta é óbvia:
aprendendo novas habilidades. Ou então vamos olhar para a área
rotulada de “Controle”. Este também é um estado positivo de
experiência, onde o indivíduo se sente feliz, forte e satisfeito. Mas
a pessoa tende a perder a concentração, o envolvimento e um sen-
timento da importância do que está sendo feito. Então, como a pes-
soa volta ao fluxo? Aumentando os desafios. Assim, a exaltação e
o controle são estados muito importantes para o aprendizado. As
outras condições são menos favoráveis. Quando uma pessoa está
ansiosa ou preocupada, por exemplo, o passo na direção do fluxo
parece estar longo demais, e ela recua para uma situação menos
desafiadora em vez de tentar lidar com o que está acontecendo.
Assim, a experiência de fluxo age como um ímã para o
aprendizado -isto é, para o desenvolvimento de novos níveis de
desafios e habilidades. Em uma situação ideal, uma pessoa deve-
ria estar constantemente crescendo enquanto aprecia o que quer
40 A DESCOBERTA DO FLUXO

que esteja fazendo. Infelizmente, sabemos que não é o que acon-


tece. Em geral, nos sentimos entediados e apáticos demais para
nos mover para a zona de fluxo, de modo que preferimos preen-
cher nossa mente com um estímulo já pronto e empacotado vindo
da locadora de vídeo ou de algum outro tipo de entretenimento
profissional. Ou então nos sentimos assoberbados demais para
imaginar que podemos desenvolver as habilidades apropriadas,
de modo que preferimos descer até a apatia engendrada por rela-
xantes artificiais como drogas e álcool. É necessário ter energia
para alcançar as experiências ótimas, e muitas vezes somos inca-
pazes de - ou não desejamos - fazer o esforço inicial.
Com que freqüência as pessoas experimentam o fluxo?ll
Isso depende de estarmos dispostos a contar até mesmo aproxima-
ções moderadas à condição ideal como momentos de fluxo. Por
exemplo, se você perguntar a uma amostra de americanos típicos,
“Você se envolve em algo tão profundamente que nada mais pare-
ce importar, a ponto de perder a noção do tempo?”, cerca de um
em cada cinco dirá que sim, que isso acontece com bastante fre-
qüência, às vezes em vários momentos do dia, enquanto cerca de
15 por cento dirão que não, isso nunca acontece com eles. Essas
freqüências parecem bastante estáveis e universais. Por exemplo,
em uma avaliação recente de uma amostra representativa de 6.469
alemães, a mesma pergunta foi respondida da seguinte maneira:
Muitas Vezes, 23 por cento; Às Vezes, 40 por cento; Raramente,
25 por cento; Nunca ou Não Sabe, 12 por cento. Naturalmente, se
fôssemos contar apenas com as experiências de fluxo mais inten-
sas e exaltadas, sua freqüência seria muito mais rara.
O fluxo geralmente é relatado quando uma pessoa está rea-
lizando sua atividade favorita - jardinagem, ouvir música, jogar
boliche, cozinhar uma boa refeição. Ele também ocorre quando
estamos dirigindo, quando conversamos com amigos e com uma
freqüência surpreendente durante o trabalho. Muito raramente as
pessoas relatam estado de fluxo em atividades de lazer passivo,
como assistir à televisão ou relaxar. Mas uma vez que pratica-
mente qualquer atividade pode produzir o fluxo, contanto que os
elementos pertinentes estejam presentes, e' possível melhorar a
qualidade de vida nos certificando de que metas claras, feedback
imediato, habilidades equilibradas com oportunidades de ação e
as condições restantes do fluxo sejam, tanto quanto possível, uma
parte constante da vida cotidiana.
TRÊS

COMO NOS SENTIMOS QUANDO


FAZEMOS COISAS DIFERENTES

A qualidade de vida depende do que fazemos durante os setenta e


tantos anos que vivemos em média, e no que passa pela consciên-
cia durante esse período. Atividades diferentes geralmente afe-
tam a qualidade da experiência de maneiras bastante previsíveis.
Se durante a vida só fazemos coisas deprimentes, é improvável
que no fim tenhamos vivido com muita felicidade. Geralmente
cada atividade possui tanto qualidades negativas quanto positi-
vas. Quando comemos, por exemplo, tendemos a sentir uma
emoção mais positiva que o normal; um gráfico do nível de feli-
cidade da pessoa durante o dia lembra o perfil da ponte Golden
Gate na baía de San Francisco, com os pontos altos correspon-
dendo às refeições. Ao mesmo tempo, a concentração mental ten-
de a ser bastante baixa quando uma pessoa come, e ela raramente
experimenta o fluxo.
Os efeitos psicológicos das atividades não são lineares, mas
dependem de sua relação sistêmica com tudo o que fazemos. Por
exemplo, embora a comida seja uma fonte de born humor, não
podemos alcançar a felicidade comendo o dia inteiro. As refei-
ções elevam o nível de felicidade, mas só quando gastamos cerca
de 5 por cento do nosso tempo desperto comendo; se passasse-
mos 100 por cento do nosso dia comendo, a comida rapidamente
deixaria de ser agradável. O mesmo acontece com a maioria das
outras coisas boas na vida: sexo, relaxamento, assistir à televisão,
em doses pequenas, tendem a melhorar a qualidade da vida coti-
diana consideravelmente, mas os efeitos não são aditivos; um
ponto de ganhos decrescentes é alcançado rapidamente.
42 A DESCOBERTA DO FLUXO

A Tabela 2 apresenta uma visão muito condensada de como as


pessoas, em geral, experimentam os vários componentes de suas
vidas cotidianas. Como podemos observar, quando os adultos tra-
balham (ou quando as crianças fazem o dever de casa), eles ten-
dem a ser menos felizes do que a média, e a sua motivação fica
consideravelmente abaixo do normal. Ao mesmo tempo, seu nível
de concentração é relativamente bastante alto, de modo que seus
processos mentais parecem estar envolvidos em uma proporção
maior do que no resto do dia. Surpreendentemente, o trabalho
muitas vezes também produz o fluxo, talvez porque os desafios e
habilidades tendem a ser elevados quando estamos trabalhando, e
as metas e o feedback muitas vezes são claros e imediatos.
Naturalmente, “trabalho” é uma categoria tão ampla que
parece impossível fazer uma generalização correta sobre ele. Em
primeiro lugar, faz sentido pensar que a qualidade da experiência
durante o trabalho dependeria do tipo de emprego do indivíduo.
Um controlador de tráfego precisa concentrar muito mais a aten-
ção em seu trabalho do que um guarda-notumo. Um empresário
autônomo presumivelmente é muito mais motivado a trabalhar do
que um funcionário público. Embora isso seja verdade, a rubrica
característica do trabalho persiste, apesar das diferenças bastante
reais. Por exemplo, as experiências dos gerentes quando estão no
trabalho se assemelham muito mais às dos trabalhadores de linha
de montagem do que aquelas que eles vivem em suas casas.
Outro problema corn a generalização do trabalho é que o
mesmo trabalho terá muitos aspectos experimentados de manei-
ras diferentes. Um gerente pode adorar trabalhar em um projeto
mas detestar ir a conferências, enquanto um montador pode ado-
rar montar uma máquina mas detestar controle de estoque.
Mesmo assim, ainda é possível falar na qualidade distintiva da
experiência de trabalho em comparação com outras categorias de
atividade geral. Quanto mais ele se assemelha a uma atividade de
fluxo, mais envolvidos nos tornamos e mais positiva é a experiên-
cia. Quando o emprego apresenta metas claras, feedback não-
ambíguo, um senso de controle, desafios que correspondem às
habilidades do trabalhador e poucas distrações, os sentimentos
que ele oferece não são diferentes daqueles experimentados em
um esporte ou desempenho artístico.
As atividades de manutenção são bastante variadas em rela-
ção a seu perfil experimental. Poucas pessoas gostam do trabalho
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COMO NOS SENTIMOS QUANDO FAZEMOS

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N232
44 A DESCOBERTA DO FLUXO

doméstico, que tende a ser negativo ou neutro em todas as


dimensões. Contudo, se olharmos de maneira mais detalhada,
veremos que cozinhar costuma ser uma experiência positiva,
especialmente em comparação com limpar a casa. Cuidados pes-
soais - higiene, vestir-se e assim por diante - não costumam ser
positivos ou negativos. Comer, como mencionamos antes, é uma
das partes mais positivas do dia em termos de emoção e motiva-
ção, embora seja fraca em atividade cognitiva e raramente uma
ocasião de fluxo.
Dirigir um carro, que é o último principal componente da
categoria de manutenção, é uma parte surpreendentemente posi-
tiva da vida. Embora seja neutro em termos de felicidade e moti-
vação, exige habilidade e concentração, e algumas pessoas expe-
rimentam o fluxo com mais freqüência enquanto dirigem do que
em qualquer outro momento de suas vidas.
Como era de se esperar, o lazer tende a incluir as experiên-
cias mais positivas do dia. É durante o lazer que as pessoas se
sentem mais motivadas, quando dizem que querem fazer o que
estão fazendo. Mas aqui também temos algumas surpresas. O
lazer passivo, que inclui o consumo de mídia e o repouso, embo-
ra seja uma atividade motivadora e razoavelmente feliz, envolve
pouco foco mental e raramente produz fluxo. A socialização -
conversar com pessoas sem nenhuma outra finalidade que não a
própria interação - costuma ser muito positiva, embora raramen-
te envolva uma alta concentração mental. O romance e o sexo
oferecem alguns dos melhores momentos do dia, mas para a
maioria das pessoas essas atividades são um tanto raras, de modo
que deixam de fazer muita diferença na qualidade geral de vida, a
menos que estejam embutidas em um contexto de relacionamen-
to duradouro que oferece igualmente recompensas emocionais e
intelectuais.
O lazer ativo é outra fonte de experiências extremamente
positivas. Quando as pessoas têm um hobby, se exercitam, tocam
um instrumento musical ou vão a um cinema ou restaurante, ten-
dem a ser mais felizes, motivadas, concentradas, e entram mais
vezes em fluxo do que em qualquer outro momento do dia. É nes-
se contexto que todas as dimensões variadas da experiência são
focalizadas com mais intensidade e harmonia umas com as
outras. É importante lembrar-se, contudo, de que o lazer ativo
geralmente só ocupa entre um quarto e um quinto do tempo livre
COMO NOS SENTIMOS QUANDO FAZEMOS... 45

da pessoa, e para muitos é amplamente superado pelo tempo pas-


sado em atividades de lazer passivo, como assistir à televisão.
Outra maneira de interpretar o padrão na Tabela 2 é pergun-
tar: quais são as atividades mais felizes? Quais são mais motiva-
das? Se fizermos isso, veremos que a felicidade é mais alta quan-
do comemos, quando estamos em lazer ativo ou quando falamos
com pessoas; está mais baixa quando trabalhamos no emprego ou
em casa. A motivação segue um padrão similar, com a adição de
que o lazer passivo, que não nos toma felizes, é algo que, apesar
disso, queremos fazer. A concentração fica mais elevada no traba-
lho, quando dirigimos e no lazer ativo - essas são as atividades
que, durante o dia, exigem o maior esforço mental. As mesmas ati-
vidades também oferecem as maiores taxas de fluxo, e o mesmo
acontece com a socialização. Quando interpretamos o padrão des-
te modo, ele novamente mostra que o lazer ativo oferece a melhor
experiência no todo, enquanto o trabalho doméstico, os cuidados
pessoais e o tempo em que ficamos à toa oferecem a pior.
Assim, o primeiro passo para melhorar a qualidade de vida
consiste em organizar as atividades diárias para que tiremos delas
as experiências mais recompensadoras. Isso parece simples, mas
a inércia do hábito e a pressão social são tão fortes que muitas
pessoas não têm idéia de quais são os componentes das suas vidas
que realmente apreciam, e quais contribuem para o estresse e para
a depressão. Manter um diário ou refletir ao anoitecer sobre o dia
passado são maneiras de contabilizar sistematicamente as várias
influências sobre o nosso humor. Depois de ter ficado claro que
atividades produzem os pontos altos do nosso dia, é possivel
começar a fazer experimentos - aumentando a freqüência dos
pontos positivos e diminuindo a freqüência dos demais.
Um exemplo um tanto extremo de como isso poderia fun-
cionar foi relatado por Marten DeVries, um psiquiatra encarrega-
do de um grande centro de saúde comunitário na Holandal Em
seu hospital, os pacientes rotineiramente recebem o ESM para
descobrir o que fazem o dia todo, no que eles pensam e como se
sentem. Uma de suas pacientes, uma esquizofrênica que estava
internada havia mais de dez anos, mostrava os padrões de pensa-
mento confusos e baixa emoção comuns de uma patologia mental
grave. Mas durante as duas semanas do estudo ESM, ela relatou
humores bastante positivos duas vezes. Nos dois casos, ela esta-
va cuidando das suas unhas. Pensando que seria uma tentativa
46 A DESCOBERTA DO FLUXO

válida, a equipe do hospital fez corn que uma manicure profissio-


nal lhe ensinasse as técnicas da profissão. A paciente assimilou
avidamente as instruções, e logo estava cuidando das unhas dos
demais pacientes. Sua disposição mudou de maneira tão drástica
que a paciente foi liberada para viver em comunidade sob super-
visão; ela pendurou uma tabuleta diante de sua pona, e um ano
depois havia se tomado auto-suficiente. Ninguém sabe por que
cortar unhas era o desafio de que esta mulher precisava e, se inter-
pretarmos essa história psicanaliticamente, talvez ninguém
quisesse saber. O fato é que, para essa pessoa, nesse estágio da
vida, ser uma manicure permitiu que pelo menos uma pálida
semelhança de fluxo entrasse em sua vida.
O professor Fausto Massimini e sua equipe na Universidade
de Milão, Itália, também adaptaram o ESM como ferramenta de
diagnóstico, e o utilizam para fazer intervenções personalizadas
que, ao mudar os padrões de atividade, podem melhorar o bem-
estar. Se um paciente está sempre sozinho, eles descobrem um tra-
balho ou atividades voluntárias que o levarão para o contato
social. Se ele tem pavor de pessoas, eles o levam para caminhar
nas ruas movimentadas da cidade, para salas de espetáculos ou
bailes. A presença confortadora do terapeuta na situação proble-
mática, em oposição ao consultório seguro, muitas vezes ajuda a
remover os obstáculos para o envolvimento do paciente com ativi-
dades que melhoran'am a qualidade de sua vida.
As pessoas criativas são especialmente boas na ordenação
de suas vidas de modo que o que fazem, quando e com quem
fazem lhes permite fazer seu melhor trabalho. Se o que precisam
é de espontaneidade e desordem, elas se certificam de que o terão
também. A descrição do romancista Richard Stern dos “ritmos”
de sua vida cotidiana é bastante típica:
Minha opinião é que eles se assemelham aos ritmos de outras pes-
soas. Qualquer um que trabalhe tem rotina ou impõe à sua vida
certos períodos em que pode estar sozinho ou em colaboração
com alguém. De qualquer modo, a pessoa elabora uma espécie de
cronograma para si mesma e isso não é simplesmente um fenôme-
no extemo. um exoesqueleto. Parece-me que tem muito a ver com
o relacionamento de seu self fisiológico, hormonal e orgânico
com o mundo externo. Os componentes podem ser tão comuns
quanto “você lê o jornal pela manhã”. Eu costumava fazer isso
anos atrás, e parei de fazê-lo durante anos e anos` o que alterou o
COMO NOS SENTIMOS QUANDO FAZEMOS... 47

ritmo do meu dia, e assim por diante. A pessoa às vezes bebe um


copo de vinho à noite, quando o nível de açúcar do sangue está
baixo, e espera ansiosamente por isso. E também, é claro, pelas
horas de trabalho.2

Uma das principais características dos ritmos diários é


entrar e sair da solidão.3 Repetidas vezes, nossos dados indicam
que as pessoas ficam deprimidas quando estão sozinhas, e que se
reanimam quando voltam à companhia dos outros. Sozinha, uma
pessoa geralmente relata uma felicidade em baixa, motivação
adversa, baixa concentração, apatia e toda uma seqüência de
outros estados negativos tais como passividade, solidão, distan-
ciamento e baixa auto-estima. Estar sozinho afeta principalmente
os indivíduos que possuem menos recursos: aqueles que não
puderam receber educação formal, que são pobres, solteiros ou
divorciados. Alguns estados patológicos são muitas vezes invisí-
veis enquanto a pessoa está acompanhada; eles se manifestam
principalmente quando estamos sozinhos. Os humores que as
pessoas diagnosticadas com depressão crônica ou com distúrbios
alimentares experimentam são indistinguíveis daqueles de uma
pessoa saudável - enquanto elas estiverem acompanhadas e
fazendo algo que exija concentração. Mas, quando elas estão so-
zinhas e sem ter o que fazer, suas mentes começam a ser ocupa-
das por pensamentos deprimentes e sua consciência se torna
entrópica. Isso também acontece, de uma maneira menos pronun-
ciada, com todos.
O motivo é que, quando temos de interagir com outra pes-
soa, até mesmo um estranho, nossa atenção se toma estruturada
por exigências externas. A presença do outro impõe metas e ofe-
rece feedback. Até mesmo as interações mais simples - como
perguntar a outra pessoa que horas são -têm seus próprios desa-
fios, que confrontamos com nossas habilidades interpessoais.
Nosso tom de voz, um sorriso, nossa postura e nosso comporta-
mento fazem parte das habilidades de que precisamos para abor-
dar um estranho na rua e causar uma boa impressão. Em encon-
tros mais íntimos, o nível tanto dos desafios quanto das habilida-
des pode se tornar muito alto. Assim, as interações têm muitas
das características das atividades de fluxo, e elas certamente exi-
gem o investimento ordenado de energia psíquica. Em contraste,
quando estamos sozinhos sem nada para fazer, não há motivo
48 A DESCOBERTA DO FLUXO

para que nos concentremos e, em conseqüência, a mente começa


a se desembaraçar, logo encontrando algo com que se preocupar.
Estar com amigos oferece as experiências mais positivas.
Aqui as pessoas relatam que ficam felizes, alertas, sociáveis, ale-
gres e motivadas. Isso é especialmente verdadeiro para os adoles-
centes, mas também para idosos aposentados de setenta ou oiten-
ta anos. A importância das amizades no bem-estar dificilmente
pode ser superestimada. A qualidade de vida melhora intensa-
mente quando há pelo menos outra pessoa disposta a escutar nos-
sos problemas e a nos apoiar emocionalmente. As pesquisas ame-
n'canas de âmbito nacional sugerem que o indivíduo que alega ter
cinco ou mais amigos com quem pode discutir problemas impor-
tantes tem uma probabilidade 60 por cento maior de dizer que é
“muito feliz”.4
A experiência com a família tende a ser mediana, não tão
boa quanto com amigos, não tão má quanto à solidão.5 Mas essa
média também é o resultado de grandes flutuações; uma pessoa
pode ficar extremamente irritada em casa em um momento e
entrar em êxtase completo em seguida. No trabalho, os adultos
tendem a ter uma concentração e um envolvimento cognitivo
maiores, mas ficam mais motivados em casa, e nela se sentem
mais felizes. O mesmo acontece com as crianças na escola, em
comparação com o lar. Os membros da família muitas vezes
experimentam suas interações diferentemente uns dos outros. Por
exemplo, quando os pais estão com os filhos, geralmente relatam
humores positivos. O mesmo fazem as crianças até a quinta série.
Mais tarde, as crianças relatam humores cada vez mais negativos
quando estão com os pais (pelo menos até a oitava série, depois
da qual não temos dados disponíveis).
Os intensos efeitos da companhia sobre a qualidade da
experiência sugere que investir energia psíquica em relaciona-
mentos é uma boa maneira de melhorar a vida. Até mesmo as
conversas passivas e superficiais em um bar da vizinhança podem
evitar a depressão. Mas, para o crescimento real, é necessário
encontrar pessoas cujas opiniões sejam interessantes e cuja con-
versa seja estimulante. Uma habilidade mais difícil, mas a longo
prazo até mais útil, é a habilidade de tolerar a solidão, e de até
mesmo aprecia-la.
COMO NOS SENTIMOS QUANDO FAZEMOS... 49

A vida cotidiana se desdobra em vários locais - o lar, o carro, o


escritório, as ruas e os restaurantes. Além das atividades e com-
panhias, os locais também têm um efeito sobre a qualidade da
experiência. Os adolescentes, por exemplo, se sentem melhor
quando estão o mais distante possível do controle dos adultos,
como por exemplo em um parque público. Eles se sentem mais
constrangidos na escola, nas igrejas e em outros lugares onde seu
comportamento precisa corresponder às expectativas dos outros.
Os adultos também preferem parques públicos, onde provavel-
mente estarão com seus amigos e envolvidos em atividades de
lazer voluntárias. Isso é especialmente verdadeiro para as mulhe-
res, para quem sair de casa muitas vezes significa um alívio da
rotina, enquanto para os homens estar em um espaço público, em
geral está mais relacionado com o trabalho e com outras respon-
sabilidades.
Para muitas pessoas, dirigir um carro proporciona a sensa-
ção de liberdade e controle mais coerente; elas o chamam de sua
“máquina de pensar”, porque enquanto dirigem podem se con-
centrar nos seus problemas sem interrupções e resolvem seus
conflitos emocionais no casulo protetor do seu veículo pessoal.6
Um metalúrgico de Chicago, sempre que seus problemas pes-
soais se tomam estressantes demais, pega o seu carro depois do
trabalho e dirige rumo ao oeste até chegar ao rio Mississippi. Ele
passa algumas horas em um local para piqueniques às margens do
rio, contemplando a passagem das águas silenciosas. Então ele
volta para o carro e quando retorna para casa, com a aurora nas-
cendo sobre o lago Michigan, ele se sente em paz. Para muitas
famílias, o carro se tomou um local de união. Em casa, pais e
filhos muitas vezes se dispersam em quartos diferentes, fazendo
coisas diferentes; quando saem de carro, conversam, cantam ou
brincam juntos.
Aposentos diferentes da casa também têm seu perfil emo-
cional peculiar, em grande parte porque cada ambiente se destina
a uma atividade diferente. Por exemplo, os homens relatam
humores agradáveis quando estão no porão, e as mulheres não;
provavelmente porque os homens vão até o porão para relaxar ou
trabalhar em um hobby, enquanto suas esposas provavelmente
usam o porão para lavar roupa. As mulheres relatam alguns dos
seus melhores momentos na casa quando estão no banheiro, onde
ficam relativamente livres das exigências da família, e na cozi-
50 A DESCOBERTA DO FLUXO

nha, onde estão no controle e envolvidas com o ato de cozinhar,


uma atividade relativamente agradável. (Os homens, na verdade,
sentem muito mais prazer cozinhando que as mulheres, sem dúvi-
da porque o fazem com uma freqüência dez vezes menor e, por-
tanto, podem fazê-lo quando estão com vontade.)
Embora exista muito material sobre como o ambiente em
que vivemos afeta nossa mente, ainda há, na verdade, muito pou-
co conhecimento sistemático sobre esse tópico.7 Desde tempos
imemon'ais, artistas, eruditos e místicos religiosos escolheram cui-
dadosamente ambientes que mais permitissem serenidade e inspi-
ração. Monges budistas se instalaram na nascente do rio Ganges,
eruditos chineses escreviam em pavilhões localizados em lindas
ilhas, os monastérios cristãos erarn construídos em montanhas que
proporcionavam vistas maravilhosas. Na América contemporâ-
nea, institutos de pesquisa e laboratórios de pesquisa de empresas
geralmente se localizam entre cadeias de montanhas, com patos
nos lagos tranqüilos ou o oceano no horizonte.
Se confiarmos em relatos de pensadores criativos e artistas,
arredores agradáveis muitas vezes são a fonte da inspiração e da
criatividade. Muitas vezes eles ecoam as palavras de Franz Liszt,
que escreveu sobre o romântico lago Como: “Sinto que os vários
elementos da natureza a meu redor... provocam uma reação emo-
cional nas profundezas da minha alma, que tentei transcrever
para a música.” Manfred Eigen, que recebeu o prêmio Nobel de
química em 1967, diz que algumas das suas inspirações mais
importantes surgiram em viagens de inverno pelos Alpes Suíços,
onde ele convidava colegas de todo o mundo para esquiar e dis-
cutir ciência. Se lermos as biografias de físicos como Bohr,
Heisenberg, Chandrashekhar e Bethe, teremos a impressão de
que, sem viagens até as montanhas e a visão dos céus noturnos,
sua ciência não teria ido muito longe.
Para realizar uma mudança criativa na qualidade da expe-
riência, pode ser útil experimentar com o ambiente assim como
com as atividades e os companheiros. Passeios e férias ajudam a
clarear a mente e a mudar perspectivas, a contemplar a própria
situação com novos olhos. Cuidar do ambiente da própria casa ou
do escritório - livrando-se do excesso, redecorando-os segundo
nosso próprio gosto, tornando-os pessoal e psicologicamente
confortáveis - poderia ser o primeiro passo para reorganizar nos-
sas vidas.
COMO NOS SENTIMOS QUANDO FAZEMOS... 5l

Muitas vezes ouvimos falar de como os biorritmos são


importantes e como nos sentimos diferentes nas deprimentes
segundas-feiras em comparação com os finais de semana.8 Na
verdade, o modo como cada dia e' experimentado muda conside-
ravelmente da manhã para a noite. As primeiras horas da manhã e
tarde da noite são baixas em muitas das emoções positivas; o horá-
rio de refeições e as tardes são elevadas. As maiores mudanças
ocorrem quando as crianças deixam a escola e quando os adultos
chegam em casa do trabalho. Nem todos os conteúdos da cons-
ciência viajam na mesma direção; quando saem com amigos à noi-
te, os adolescentes relatam uma excitação crescente a cada hora,
mas ao mesmo tempo também sentem que estão gradualmente
perdendo o controle. Além dessas tendências gerais, existem
várias diferenças individuais; pessoas matinais e pessoas noturnas
se relacionam com o período do dia de maneiras inversas.
Apesar da má reputação de certos dias da semana, em geral
as pessoas parecem experimentar cada dia mais ou menos da
mesma maneira. É verdade que, como era de se esperar, as tardes
de sexta-feira e os sábados são levemente melhores que as noites
de domingo e as manhãs de segunda-feira, mas as diferenças são
menores do que se poderia esperar. Depende muito de como pla-
nejamos nosso dia; as manhãs de domingo podem ser muito
deprimentes se não temos o que fazer, mas se esperamos avida-
mente uma atividade planejada previamente ou um ritual fami-
liar, como ir à missa, por exemplo, então pode ser o ponto alto da
semana.
Uma descoberta interessante é que as pessoas relatam signi-
ficativamente mais sintomas físicos, como dores de cabeça e nas
costas, durante os fins de semana ou em períodos em que não
estão estudando ou trabalhando. Até mesmo a dor das mulheres
com câncer é tolerável quando estão com amigas, ou envolvidas
em uma atividade; ela aumenta quando estão sozinhas, sem nada
para fazer. Aparentemente, quando a energia psíquica não está
dedicada a uma tarefa específica, é mais fácil notar o que há de
errado com os nossos corpos. Isso se encaixa com o que sabemos
sobre a experiência de fluxo: quando jogam em um torneio final,
enxadristas podem passar horas sem notar a fome ou a dor de
cabeça; atletas em uma competição podem ignorar a dor e a fadi-
ga até que o evento tenha terminado. Quando a atenção está foca-
lizada, as dores menores não são registradas na consciência.
52 A DESCOBERTA DO FLUXO

Novamente, com a hora do dia e outros parâmetros, é impor-


tante descobrir quais são os ritmos mais favoráveis para você.
Não há dia ou hora que seja melhor para todos. A reflexão ajuda
a identificar nossas preferências, e a experimentação com dife-
rentes altemativas - levantar cedo, tirar um cochilo à tarde,
comer em horários diferentes - ajuda a encontrar o melhor con-
junto de opções.

Em todos esses exemplos, procedemos como se as pessoas fos-


sem objetos passivos cujos estados interiores fossem afetados
pelo que fazem, com quem estão, onde estão e assim por diante.
Embora isso em parte seja verdade, em última análise não são as
condições externas que importam, mas o que fazemos com elas.
É perfeitamente possível ser feliz realizando tarefas domésticas
sem ninguém por perto, estar motivado durante o trabalho, se
concentrar enquanto conversa com uma criança. Em outras pala-
vras, a excelência da vida cotidiana depende em última instância
não do que fazemos, mas de como fazemos.
Apesar disso, antes de procurar uma maneira de controlar
diretamente a qualidade da experiência transformando a informa-
ção em consciência, é importante refletir sobre os efeitos que o
ambiente diário - os lugares, as pessoas, as atividades e os pen'o-
dos do dia -tem sobre nós. Ate' mesmo o místico mais consuma-
do, desapegado de todas as influências, vai preferir se sentar sob
uma árvore específica, comer certa comida e estar com um com-
panheiro em vez de outro. A maioria de nós é muito mais sensí-
vel às situações em que nos encontramos.
Assim, o primeiro passo para melhorar a qualidade de vida
é prestar atenção ao que fazemos todo dia e notar como nos sen-
timos em diferentes atividades, lugares, horas do dia e com dife-
rentes companhias. Embora as tendências gerais provavelmente
se apliquem também a seu caso - você vai perceber que fica mais
feliz na hora das refeições e sente o fluxo com mais freqüência no
lazer ativo -, pode haver revelações surpreendentes. Você pode
descobrir que realmente gosta de ficar sozinho. Ou que gosta de
trabalhar mais do que pensava; ou que ler faz com que você se
sinta melhor do que assistir à televisão; ou o contrário de todas
essas afirmações. Não há nenhuma lei que nos obrigue a experi-
mentar a vida da mesma maneira. O que é vital é descobrir o que
funciona melhor no nosso caso.
QUATRO

O PARADOXO DO TRABALHO

O trabalho toma cerca de um terço do tempo disponível para


viver. Trabalhar é uma experiência estranha; ela oferece alguns
dos momentos mais intensos e satisfatórios, proporciona uma
sensação de orgulho e identidade, mas é algo que a maioria de nós
fica feliz em evitar. Por um lado, pesquisas recentes relatam que
84 por cento dos homens e 77 por cento das mulheres nos Estados
Unidos afirmam que continuariam a trabalhar mesmo que herdas-
sem dinheiro o suficiente para que não precisassem mais traba-
lhar.l Por outro lado, de acordo com vários estudos de ESM,
quando as pessoas ouviam os sinais do pager no trabalho elas
marcavam mais o item “gostaria de estar fazendo outra coisa” do
que em qualquer outro momento do dia. Outro exemplo dessa ati-
tude contraditória é um livro em que dois eminentes cientistas
sociais alemães, usando os mesmos resultados de pesquisa,
desenvolveram argumentos opostos. Um deles alegou, entre
outras coisas, que os trabalhadores alemães não gostavam do tra-
balho, e que aqueles que não gostavam de trabalhar eram em
geral mais felizes. O segundo respondeu que os trabalhadores só
não gostam do trabalho porque sofreram uma lavagem cerebral
ideológica da mídia, e que aqueles que gostam do seu trabalho
levam vidas mais ricas. A questão é que existem indícios razoá-
veis para as duas conclusões. Como o trabalho é tão importante
em relação à quantidade de tempo e à intensidade de efeitos que
produz na consciência, é essencial encarar suas ambigüidades se
quisermos melhorar a qualidade de vida. Um primeiro passo nes-
sa direção é rever brevemente o modo como as atividades profis-
54 A DESCOBERTA DO FLUXO

sionais evoluíram na história, e os valores contraditórios que


foram atribuídos a elas e que ainda afetam nossas atitudes e
experiências.

O trabalho como nós o conhecemos é um desenvolvimento histó-


rico muito recente.2 Ele não existia antes das grandes revoluções
agrícolas que tornaram possível o cultivo intensivo da terra, há
cerca de 12 mil anos. Durante os milhões de anos anteriores de
evolução humana, cada homem e cada mulher cuidava de si mes-
mo e de seus familiares. Mas não existia nada como trabalhar
para outra pessoa; para os caçadores-coletores, o trabalho estava
integrado de maneira indistinta ao resto da vida.
Nas civilizações clássicas da Grécia e de Roma, os filósofos
refletiam a opinião pública sobre o trabalho, segundo a qual ele
deveria ser evitado a todo custo. O ócio era considerado uma vir-
tude. De acordo com Aristóteles, só um homem que não precisa-
va trabalhar poderia ser feliz. Os filósofos romanos concordavam
que “o trabalho assalariado é sórdido e indigno de um homem
livre... o trabalho artesanal é sórdido, assim como o comércio”. O
ideal era conquistar ou comprar terras produtivas e então contra-
tar uma equipe de capatazes para supervisionar o cultivo por
escravos ou servos. Na Roma imperial, cerca de 20 por cento da
população masculina adulta não precisavam trabalhar. Tendo
alcançado uma vida de ócio, eles acreditavam que haviam chega-
do à excelência em suas vidas. Nos tempos republicanos, havia
algum fundamento para esta crença; os membros das classes
dominantes se ofereciam voluntariamente para ocupar cargos
militares e administrativos que ajudavam a comunidade e propor-
cionavam oportunidades para que o potencial pessoal se expan-
disse. Mas, depois de séculos de comodidade, as classes ociosas
se retiraram da vida pública e usaram o tempo livre para consu-
mir o luxo e o entretenimento.
O trabalho, para a maioria das pessoas, começou a mudar
radicalmente na Europa cerca de quinhentos anos atrás, passou
por outro salto quântico há duzentos anos e ainda continua a
mudar em ritmo acelerado. Até o século XIII, quase toda a ener-
gia para o trabalho dependia de músculos humanos ou animais.
Só alguns equipamentos primitivos, como moinhos d'água, aju-
davam a aliviar o fardo. Então, pouco a pouco os moinhos de ven-
O PARADOXO DO TRABALHO 55

to, com uma variedade de engrenagens, começaram a ser utiliza-


dos para moer os grãos, carregar água, aquecer as forjas onde os
metais eram derretidos. O desenvolvimento das máquinas a
vapor, e mais tarde da eletricidade, revolucionou ainda mais o
modo como transformamos a energia e ganhamos nosso sustento.
Um resultado dessas inovações tecnológicas foi que o traba-
lho, em vez de ser visto simplesmente como um esforço físico
que um boi ou um cavalo poderiam fazer melhor, começou a ser
percebido como uma atividade especializada, uma manifestação
da genialidade e da criatividade humanas. Na época de Calvino,
já fazia sentido levar a sério a “ética do trabalho”. E foi por isso
que Karl Marx pôde mais tarde reverter a avaliação clássica do
trabalho e alegar que só mediante a atividade produtiva podemos
realizar nosso potencial humano. Sua posição não contradizia o
espírito da afirmação oposta de Aristóteles, segundo o qual só o
lazer tomava os homens livres. Ocorre que, por volta do século
XIX, o trabalho oferecia mais opções criativas do que o ócio.
Durante as décadas de abundância após a Segunda Guerra
Mundial, a maioria dos empregos nos EUA pode ter sido tediosa
ou insípida, mas em geral fornecia condições decentes e uma
segurança razoável. Falava-se muito em uma nova era onde o tra-
balho seria abolido, ou pelo menos transformado em tarefas buro-
cráticas de supervisão que só exigiriam algumas horas por sema-
na. Não foi preciso muito tempo para ver como essas previsões
eram utópicas. A concorrência global, que permitiu às popula-
ções de salán'os baixos da Ásia e da América do Sul competir no
mercado de trabalho, está novamente dando ao trabalho nos
Estados Unidos uma reputação negativa. Cada vez mais, à medi-
da que a rede de segurança social corre o risco de se desfazer, as
pessoas precisam trabalhar mais, muitas vezes sob condições
arbitrárias e sem muita segurança quanto ao futuro. Assim, mes-
mo agora, no final do século XX, a profunda ambigüidade do tra-
balho ainda nos assombra. Sabemos que ele é um dos elementos
mais importantes das nossas vidas, mas, enquanto trabalhamos,
preferíamos estar fazendo outra coisa.

Como aprendemos essas atitudes conflitantes quanto ao trabalho?


E como os jovens de hoje aprendem as habilidades e a disciplina
necessárias para o trabalho produtivo adulto? Essas perguntas
56 A DESCOBERTA DO FLUXO

não são de modo algum sem importância. A cada geração o traba-


lho se toma um conceito cada vez mais vago, e fica cada vez mais
difícil para os jovens saber que trabalhos estarão esperando por
eles no futuro e aprender a se preparar para eles.
No passado, e de certa forma mesmo agora, nas sociedades
caçadoras e pescadoras do Alasca e da Melanésia, ainda podemos
ver o padrão usado em todas as outras partes do mundo: as crian-
ças desde cedo participam do trabalho dos pais e gradualmente se
vêem agindo como adultos produtivos com a maior tranqüilidade.
Um garoto inuit (esquimó) recebeu um arco de brinquedo aos
dois anos de idade e começou a praticar os disparos imediatamen-
te. Aos quatro anos ele provavelmente vai conseguir atirar em
uma ptármiga, aos seis em um coelho e daí chegará ao caribu e à
foca. Sua irmã passou por uma progressão similar ajudando as
mulheres do seu grupo familiar a curtir peles, cozinhar, costurar e
cuidar dos irmãos mais novos. Não se questiona o que a pessoa
deve fazer quando crescer - não existem opções, apenas um úni-
co caminho para a maturidade produtiva.
Quando a revolução agrícola tornou as cidades possíveis, há
cerca de 10 mil anos, os trabalhos especializados começaram a
surgir e algumas opções foram abertas para os jovens. Ainda
assim, a maioria deles acabava fazendo o mesmo que os pais, o
que até alguns séculos atrás era principalmente o cultivo da terra.
Foi só nos séculos XVI e XVII que uma grande quantidade de
jovens começou a se mudar das fazendas para as cidades, para
tentar a sorte na crescente economia urbana. De acordo com algu-
mas estimativas, aos 12 anos cerca de 80 por cento das jovens do
campo de algumas partes da Europa deixavam seus pais fazendei-
ros, enquanto os meninos saíam em média dois anos antes. A
maioria dos trabalhos que os esperavam em Londres ou Paris
fazia parte do que agora seria chamado de setor de serviço, como
armmadeiras, cocheiros, porteiros ou lavadeiras.
A situação é muito diferente agora. Em um recente estudo,
perguntamos a alguns milhares de adolescentes americanos
representativos que empregos eles esperavam ter no futuro. Os
resultados são apresentados na Tabela 3, que revela que os ado-
lescentes possuem expectativas altas e irreais de se tornarem pro-
fissionais; 15 por cento deles esperam se tornar médicos ou advo-
gados, o que é quase 15 vezes mais do que a verdadeira propor-
ção de médicos e advogados na força de trabalho de acordo com
O PARADOXO DO TRABALHO 57

o censo de 1990.3 A maioria dos 244 adolescentes que esperam se


tornar atletas profissionais também ficarão desapontados, já que
eles superestimam suas chances em cerca de quinhentas vezes.
Crianças de minorias que vivem em bairros populares ambicio-
nam carreiras profissionais na mesma proporção que crianças
abastadas dos subúrbios americanos, apesar do fato de a taxa de
desemprego para os jovens afro-americanos em algumas cidades
ser de quase 50 por cento.
A falta de realismo quanto às futuras opções de carreira se
deve em parte à natureza rapidamente mutável dos trabalhos
adultos, mas também é causada pelo isolamento de muitos jovens
de oportunidades de trabalho significativas e de modelos adultos
de trabalho. Ao contrário do que poderíamos esperar, adolescen-
tes abastados geralmente trabalham com mais freqüência durante
o segundo grau do que estudantes mais pobres, embora não pre-
cisem fazê-lo. E a exposição a tarefas produtivas em casa, na vizi-
nhança e na comunidade é muito maior para as crianças que cres-
cem em ambientes ricos e estáveis. Ali, é possível realmente
encontrar jovens de 15 anos que planejam ser arquitetos e que
aprenderam a desenhar na empresa de arquitetura de um parente,
ajudaram a projetar uma nova ala na casa de um vizinho, fazem
estágio em uma construtora local - apesar de essas oportunidades
em geral serem infreqüentes. Em uma escola de um bairro popu-
lar, o conselheiro profissional informal mais popular era um
segurança da escola que ajudou jovens inteligentes a encontrar
trabalho com as gangues, e orientou meninas de boa aparência a
trabalhar como “modelos”.
De acordo corn os resultados do ESM, parece que os jovens
aprendem a ambivalência dos mais velhos quanto ao trabalho
muito cedo. Aos dez ou 11 anos, eles intemalizaram o padrão
típico de toda a sociedade. Quando perguntamos se o que eles
estavam fazendo era mais parecido com “trabalho” ou com
“diversão” (ou “ambos” ou “nenhum dos dois”), alunos da sexta
sén'e quase invariavelmente diziam que os cursos escolares são
trabalho e praticar esportes é diversão. A parte interessante é que
sempre que os adolescentes fazem algo que rotulam como traba-
lho, eles geralmente dizem que é importante para o seu futuro,
exige alta concentração e induz a uma forte auto-estima. No
entanto, eles também ficam menos felizes e motivados do que a
média quando dizem que fazem algo parecido com trabalho. Por
58 A DESCOBERTA DO FLUXO

outro lado, quando estão fazendo alguma coisa que consideram


diversão, eles a vêem como algo de pouca importância e que exi-
ge pouca concentração, mas estão felizes e motivados. Em outras
palavras, a divisão entre trabalho que é necessário mas desagra-
dável e o que é agradável mas inútil está bem estabelecida no
final da infância. Ela se toma ainda mais pronunciada à medida
que os adolescentes entram no segundo grau.

Tabela 3
Que empregos os adolescentes americanos esperam ter?

Os dez trabalhos futuros mais esperados, de acordo com entrevistas


com uma amostra de 3.891 adolescentes americanos.

Ocupação Posição % da mostra


Médico 10
owOOflOM-hWNi-l

Executivo 7
Advogado (JIUJUJUJ-Phflltoflfl

Professor
Atleta
Engenheiro
Enfermeira
Contador
Psicólogo
Arquiteto
._

Outros 4
Fonte: adaptado de Bidwell, Csikszentmihalyi, Hedges c Schneider, 1997, no prelo.

Quando os mesmos adolescentes mais tarde começam a tra-


balhar, relatam exatamente o mesmo padrão de experiência em
relação ao local de trabalho. Nos Estados Unidos, quase nove em
cada dez adolescentes estão empregados em algum momento
durante o segundo grau, uma proporção muito mais alta do que
em qualquer outro país tecnologicamente avançado como a
Alemanha ou o Japão, onde existem menos oportunidades para o
trabalho de meio expediente - e onde os pais preferem que seus
filhos passem o máximo de tempo possível estudando, em vez de
se distraírem com empregos irrelevantes para suas carreiras futu-
ras. No nosso estudo, 57 por cento dos estudantes do décimo ano
e 86 por cento dos estudantes do décimo segundo ano possuem
O PARADOXO DO TRABALHO 59

empregos remunerados, geralmente servindo em lanchonetes,


sendo balconistas, vendedores ou babás. Quando os adolescentes
ouvem o sinal do pager em seus empregos, relatam uma elevada
auto-estima. Eles vêem o que fazem como algo importante e que
exige uma grande concentração, mas estão menos felizes que o
usual (embora não tão infelizes quanto na escola) e não se diver-
tem. Em outras palavras, o padrão de ambivalência é estabeleci-
do nos primeiros passos de suas vidas profissionais.
Mas o trabalho, definitivamente, não é a pior coisa que os
adolescentes experimentam; a pior condição que relatam é quan-
do o que fazem não parece nem trabalho nem diversão. Quando
esse é o caso - geralmente em atividades de manutenção, lazer
passivo ou socialização -, sua auto-estima fica mais baixa, o que
fazem não tem imponência, e sua felicidade e motivação também
estão abaixo da média. No entanto, para os adolescentes, “nem
trabalho nem diversão” geralmente ocupa uma média de 35 por
cento do dia. Alguns, especialmente crianças cujos pais tiveram
pouco estudo, sentem que metade ou mais do que fazem cai nes-
sa categoria. Uma pessoa que cresce experimentando a maior
parte do dia como sem importância e sem prazer dificilmente
encontrará muito significado no futuro.

As atitudes estabelecidas nos primeiros anos continuam a deter-


minar o modo como experimentamos o trabalho durante o resto
de nossas vidas. No emprego, as pessoas tendem a usar sua men-
te e seu corpo ao máximo; conseqüentemente, acreditam que o
que fazem é importante e sentem-se bem consigo mesmas
enquanto o fazem. No entanto, sua motivação é pior do que quan-
do estão em casa, e o mesmo acontece com a qualidade dos seus
humores. Apesar das grandes diferenças no salário, prestígio e
liberdade, os gerentes tendem a sentir-se apenas um pouco mais
criativos e ativos no emprego, enquanto os trabalhadores em fun-
ções de escritório e da linha de montagem não são mais infelizes
e insatisfeitos.
Homens e mulheres, contudo, tendem a experimentar o tra-
balho fora de casa de maneiras diferentes.4 Tradicionalmente, a
identidade e o amor-próprio do homem se baseiam na capacidade
de obter energia do ambiente para seu próprio uso e para o uso da
família. Independentemente de a satisfação que um homem
60 A DESCOBERTA DO FLUXO

obtém com seu trabalho ser em parte geneticamente programada


ou inteiramente aprendida com a cultura, o fato é que mais ou
menos em toda parte um homem que não é um provedor é, de cer-
ta forma, um desajustado. A auto-estima das mulheres, por outro
lado, tradicionalmente se baseou em sua capacidade de criar um
ambiente físico e emocional adequado para cuidar das crianças e
do conforto dos adultos. Por mais esclarecidos que tenhamos nos
tomado em termos de tentar evitar esses estereótipos sexuais, eles
ainda estão longe de acabar. Os adolescentes ainda querem ser
policiais, bombeiros e engenheiros, enquanto as garotas querem
ser donas de casa, enfermeiras e professoras - embora as garotas
hoje em dia também esperem se tornar profissionais, como médi-
cas e advogadas, a uma taxa ainda maior que a dos meninos.
Devido ao papel diferente do trabalho remunerado na eco-
nomia psíquica de homens e mulheres, as respostas dos dois
sexos aos seus empregos costumam ser diferentes. Deixando de
lado as ainda relativamente poucas mulheres de carreira cuja
identificação ocorre inicialmente com seus trabalhos, a maioria
das mulheres que trabalham em ocupações de escn'tón'o, serviços
e até mesmo gerência tende a pensar no seu trabalho externo como
algo que querem fazer em vez de algo que têm de fazer. O traba-
lho é mais voluntário para muitas mulheres; é mais parecido com
diversão, com algo que têm a opção de abandonar. Muitas delas
sentem que o que quer que aconteça no trabalho não é importante
- e assim, paradoxalmente, podem aprecia-lo melhor. Mesmo que
as coisas dêem errado e elas sejam dernitidas, isso não fere sua
auto-estima. Ao contrário dos homens, sua auto-imagem depende
mais do que acontece com suas famílias. Ter um pai desarnparado
ou uma criança com problemas na escola é um fardo muito maior
sobre suas mentes do que o que acontece no trabalho.
Como resultado, e sobretudo em comparação com o traba-
lho que costumam fazer em casa, as mulheres geralmente experi-
mentam o emprego de uma maneira mais positiva que os homens.
Por exemplo, em um estudo ESM conduzido com casais onde os
dois parceiros trabalhavam, Reed Larson descobriu que as mu-
lheres relatavam relativamente mais emoções positivas do que os
homens quando faziam trabalhos de escritório, trabalho no com-
putador, vendas, reuniões, trabalho no telefone, leitura de mate-
rial relacionado com o trabalho e assim por diante. A única ativi-
dade relacionada com o emprego que as mulheres experimenta-
O PARADOXO DO TRABALHO ól

vam de uma maneira menos favorável que os homens era quando


trabalhavam em casa em projetos trazidos do escritório, sem
dúvida porque nessas situações se sentiam responsáveis também
pelas tarefas domésticas além de suas obrigações profissionais.
O duplo risco imposto por uma família e uma carreira pode
ser um fardo pesado para a auto-estima das mulheres. Em um
estudo com mães de crianças pequenas que trabalhavam em tem-
po integral, em meio expediente ou só algumas horas por semana,
Anne Wells descobriu que os níveis mais elevados de auto-estima
eram relatados por mulheres que trabalhavam menos, e os mais
baixos pelas mulheres que trabalhavam mais - isso apesar do fato
de todas as mulheres gostarem de seu trabalho remunerado mais
do que gostavam de trabalhar em casa. Novamente, esses dados
sugerem o significado ambíguo da auto-estima. Mulheres profis-
sionais de tempo integral podem ter menos auto-estima não por-
que estão realizando menos, mas porque esperam de si mesmas
mais do que podem realizar.
Essas questões trazem à tona o modo como é arbitrária a
divisão entre o trabalho remunerado e o trabalho doméstico que
as mulheres tradicionalmente deveriam fazer por suas famílias.
Como Elise Boulding e outros economistas sociais já apontaram,
o trabalho de manutenção pode não ser produtivo, mas, se fosse
considerado um serviço remunerado, a conta seria próxima ao
PIB. Os custos dos cuidados matemos com os filhos, com os
doentes, cozinhar, limpar e assim por diante nas taxas do merca-
do duplicariam a folha de pagamento nacional, e talvez nos for-
çassem a adotar uma economia mais humana. Mas, enquanto
isso, embora cuidar da casa possa aumentar a auto-estima de uma
mulher casada, não contribui muito para o seu bem-estar emocio-
nal. Cozinhar, fazer as compras, levar os filhos de carro e cuidar
das crianças são acompanhados apenas por emoções medianas.
No entanto, limpar a casa, limpar a cozinha, lavar a roupa, con-
sertar coisas na casa e equilibrar o orçamento geralmente estão
entre as experiências mais negativas no dia de uma mulher.
O trabalho tem diversas desvantagens, mas sua ausência é
pior. Os filósofos antigos tinham muito a dizer a favor do ócio,
mas o que eles tinham em mente era o ócio de um proprietário de
terras com muitos servos e escravos. Quando o ócio é forçado
sobre alguém sem uma bela renda, ele simplesmente produz uma
grave queda na auto-estima e uma apatia generalizada. Como
62 A DESCOBERTA DO FLUXO

mostrou John Haworth, psicólogo da Universidade de


Manchester, os jovens desempregados, mesmo quando recebem
um salário-desemprego relativamente generoso, têm uma grande
dificuldade de encontrar satisfação em suas vidas.5 Ern uma com-
pilação de estudos envolvendo 170 mil trabalhadores em 16
nações, Ronald Ingelhart descobriu que 83 por cento dos traba-
lhadores de escritório, 77 por cento dos trabalhadores braçais e só
61 por cento dos desempregados disseram que estavam satisfei-
tos com suas vidas. A sugestão da Bíblia de que o homem foi fei-
to para desfrutar as riquezas da criação sem ter de trabalhar por
elas não parece se coadunar com os fatos. Sem a meta e os desa-
fios geralmente oferecidos por um trabalho, só uma rara autodis-
ciplina pode manter a mente focalizada intensamente o bastante
para garantir uma vida significativa.

A descoberta, mediante nossos estudos com o ESM, de que as


fontes de fluxo nas vidas dos adultos podem ser encontradas com
maior facilidade no trabalho que no tempo livre parece bastante
surpreendente a princípio. Os momentos em que uma pessoa está
em uma situação de alto desafio e que exige extrema habilidade,
acompanhada por sentimentos de concentração, criatividade e
satisfação, foram relatados mais freqüentemente no trabalho do
que em casa. Ao analisarmos melhor, contudo, essa descoberta
não é tão surpreendente. O que muitas vezes passa despercebido
é que o trabalho é muito mais parecido com um jogo do que a
maioria das outras coisas que realizamos durante o dia. Ele geral-
mente tem metas claras e regras de desempenho; oferece feed-
back ou na forma de saber que terminamos bem uma tarefa, em
termos de vendas mensuráveis, ou pela avaliação de nosso super-
visor. Urna tarefa geralmente encoraja a concentração e evita dis-
trações; também permite uma quantidade variável de controle e -
pelo menos idealmente - suas dificuldades correspondem às
habilidades do trabalhador. Assim, o trabalho tende a ter a estru-
tura de outras atividades intrinsecamente recompensadoras que
fornecem fluxo, tais como jogos, esportes, música e arte. Em
comparação, grande parte do resto da vida carece desses elemen-
tos. Quando ficam em casa com a família ou sozinhas, as pessoas
muitas vezes carecem de uma finalidade clara, não sabem como
está sendo seu desempenho, estão distraídas, sentem que suas
O PARADOXO DO TRABALHO 63

habilidades são subutilizadas e, como resultado, sentem-se ente-


diadas ou - o que é mais raro - ansiosas.
Assim, não é de espantar que a qualidade da experiência no
trabalho seja geralmente mais positiva do que se poderia esperar.
Apesar disso, se tivéssemos a chance, provavelmente gostaría-
mos de trabalhar menos. Por que isso acontece? Duas principais
razões parecem estar envolvidas. A primeira se baseia nas condi-
ções objetivas do trabalho. É verdade que desde tempos imemo-
riais aqueles que pagam os salários de outra pessoa não estão par-
ticularmente preocupados com o bem-estar de seus empregados.
É preciso ter extraordinários recursos interiores para alcançar o
fluxo enquanto se está cavando a um quilômetro abaixo do solo
em uma mina sul-africana, ou cortando cana em uma plantação
sob um sol abrasador. Até mesmo em nossa época esclarecida,
com toda a ênfase em “recursos humanos”, a administração fre-
qüentemente não tem qualquer interesse no modo como os
empregados experimentam o trabalho. Portanto, não é surpreen-
dente que muitos trabalhadores acreditem que não podem contar
com o trabalho para fornecer as recompensas intn'nsecas de suas
vidas, e que eles terão de esperar até que estejam fora da fábn'ca
ou do escritório antes de poderem começar a se divertir - embora
isso não seja verdade.
A segunda razão complementa a primeira, mas se baseia
menos na realidade contemporânea e mais na má reputação histó-
rica do trabalho, que é transmitida pela cultura e aprendida por
cada um de nós à medida que crescemos. Não há dúvida de que
durante a Revolução Industrial, há 250 anos, os operários das
fábricas tinham de trabalhar sob condições desumanas. O tempo
livre era tão raro que se tornou um dos artigos mais preciosos. Os
trabalhadores acreditavam que, se ao menos tivessem mais tempo
livre, automaticamente seriam mais felizes. Os sindicatos lutaram
heroicamente para reduzir a semana de trabalho, e seu sucesso foi
uma das brilhantes realizações da história da humanidade. Infe-
lizmente, embora o tempo livre possa ser uma condição necessá-
ria para a felicidade, por si só não é suficiente para garanti-la.
Aprender a usá-lo de maneira benéfica acaba sendo mais difícil
do que podíamos imaginar. Tampouco parece que um excesso de
uma coisa boa seja necessariamente melhor; como acontece com
tantas outras coisas, 0 que enriquece a vida em pequenas quanti-
dades pode empobrecê-la em doses maiores. É por isso que, em
64 A DESCOBERTA DO FLUXO

meados do século XX, psiquiatras e sociólogos alertavam para a


possibilidade de um desastre social ocasionado por excesso de
tempo livre.
Esses dois motivos - os ambientes de trabalho objetivos e as
atitudes subjetivas que aprendemos a ter para com eles - conspi-
ram para tornar difícil para muitas pessoas admitir, até para si
mesmas, que o trabalho pode ser agradável. No entanto, quando
abordado sem preconceitos sociais excessivos e com a determi-
nação de moldá-lo para que seja pessoalmente significativo, até
mesmo o trabalho mais comum pode aumentar a qualidade de
vida, em vez de diminui-la.
Mas, naturalmente, as recompensas intn'nsecas do trabalho
são mais fáceis de constatar nas profissões altamente individuali-
zadas, em que uma pessoa está livre para escolher suas metas e
estabelecer a dificuldade da tarefa. Artistas, empresários e cien-
tistas altamente produtivos e criativos tendem a experimentar
seus trabalhos como nossos ancestrais caçadores o faziam - como
algo completamente integrado com o resto de suas vidas. Uma
das frases mais comuns que escutei nas quase cem entrevistas que
conduzi com pessoas como ganhadores do prêmio Nobel e outros
líderes criativos em campos diferentes foi: “Você poderia dizer
que trabalhei cada minuto da minha vida, ou poderia dizer do
mesmo modo que nunca trabalhei um único dia.” O historiador
John Hope Franklin expressou esse rriisto de trabalho e lazer de
maneira mais concisa quando disse: “Eu sempre me identifiquei
com a expressão 'Graças a Deus é sexta-feira”, porque para mim
a sexta-feira significa que durante os próximos dois dias posso
trabalhar sem interrupções.”
Para esses indivíduos, o fluxo é uma parte constante de sua
atividade profissional. Embora operar nas fronteiras do conheci-
mento deva necessariamente incluir muitas dificuldades e agita-
ção interior, a alegria de fazer com que a mente alcance novos ter-
ritórios é a característica mais óbvia de suas vidas, até mesmo
depois da idade em que as pessoas estão geralmente satisfeitas em
se aposentar. O inventor Jacob Rabinow, com mais de duzentas
patentes registradas, descreveu seu trabalho aos 83 anos: “Você
precisa estar disposto a colocar em prática suas idéias, porque
você está interessado... pessoas como eu agem assim. É divertido
aparecer com uma idéia e, se ninguém a quiser, eu não dou a míni-
ma. É simplesmente divertido criar algo estranho e diferente.”
O PARADOXO DO TRABALHO 65

Ed Asner, famoso como “Lou Grant”, ainda buscava novos


desafios para suas habilidades dramáticas aos 63 anos: “Sinto
sede de... me expandir, ansioso pela caça.” O ganhador em duas
ocasiões do prêmio Nobel, Linus Pauling, entrevistado quando
tinha 89 anos, disse: “Acho que nunca me sentei e me perguntei,
o que vou fazer com minha vida agora? Eu simplesmente conti-
nuei fazendo o que gostava.” O eminente psicólogo Donald
Campbell aconselhava os jovens estudantes: “Não procure a
ciência se você está interessado no dinheiro. Não procure a ciên-
cia se você só gosta dela se se tornar famoso. Deixe a fama ser
algo que você aceita graciosamente se a conseguir, mas certifi-
que-se de que é uma carreira de que você gosta.” E Mark Strand,
o antigo poeta laureado dos Estados Unidos, descreve bem o flu-
xo na busca de sua vocação: “Você se dedica seriamente a seu tra-
balho, você perde a noção do tempo, está completamente enleva-
do, completamente dominado pelo que está fazendo... quando
trabalha em algo e trabalha bem, você tem a sensação de que não
há outra maneira de dizer o que está dizendo.”
É claro que pessoas como estas são muito afortunadas por
terem alcançado o topo de profissões glamourosas. Mas também
seria fácil encontrar um grande número de pessoas famosas e
bem-sucedidas que detestam seus trabalhos, enquanto podemos
encontrar negociantes, bombeiros, lavradores e até mesmo operá-
rios de linhas de montagem que adoram seu trabalho e o descre-
vem em tennos líricos. Não são as condições externas que deter-
minam o quanto o trabalho contribuirá para a excelência da vida
do indivíduo. É como o indivíduo trabalha, e que experiências ele
é capaz de obter do confronto com seus desafios.
Por mais satisfatório que seja, apenas o trabalho não pode
tornar uma vida completa. A maioria dos indivíduos criativos que
entrevistamos disse que suas famílias eram mais importantes para
eles do que suas carreiras - embora seus verdadeiros hábitos mui-
tas vezes contradissessem estes sentimentos. Casamentos está-
veis e emocionalmente recompensadores eram a norma entre
eles. Quando perguntei de que realizações na vida eles tinham
mais orgulho, as respostas mais típicas lembravam a do físico
Freeman Dyson: “Suponho que foiapenas ter criado seis filhos, e
feito deles, pelo que posso ver, pessoas interessantes. Acho que é
disso que tenho mais orgulho, realmente.” John Reed, principal
executivo da Citicorp, disse que o melhor investimento que ele já
66 A DESCOBERTA DO FLUXO

fez foi o ano que tirou da sua carreira de sucesso para passar o
tempo com seus filhos que estavam crescendo: “Criar filhos é
muito mais recompensador do que ganhar dinheiro para uma
empresa, em termos de uma sensação de satisfação." E a maioria
desses indivíduos preenche qualquer tempo livre que possuam
com interessantes atividades de lazer, desde tocar em conceitos
públicos e colecionar mapas náuticos raros, de cozinhar e escre-
ver um livro de receitas a se oferecer para ensinar em países sub-
desenvolvidos.
Assim, o amor e a dedicação à vocação não precisam ter as
conotações negativas do workaholism. Este termo poderia ser
legitimamente aplicado a uma pessoa mergulhada por completo
no trabalho para fugir de outras metas e responsabilidades. Um
workaholic corre o risco de só ver os desafios relacionados ao seu
trabalho, e de aprender apenas as habilidades apropriadas para a
profissão; ele é incapaz de experimentar o Íluxo em qualquer
outra atividade. Uma pessoa dessas perde muitas das oportunida-
des que contribuem para a excelência da vida, e em muitas oca-
siões termina sua vida de uma maneira infeliz, quando, depois de
um vício avassalador pelo trabalho, não resta mais nada que ela
possa fazer. Felizmente, existem muitos exemplos de pessoas
que, embora sejam dedicadas ao trabalho, tiveram vidas multifa-
cetadas.
CINCO

OS RISCOS E AS OPORTUNIDADES
DO IAZER

Parece um tanto ridículo dizer que um dos problemas que enfren-


tamos neste ponto da história é que não aprendemos a gastar nos-
so tempo livre de maneira sensata. No entanto, essa é uma preo-
cupação que muitos expressaram desde meados do século XX.
Em 1958, o Grupo para o Progresso da Psiquiatria terminou seu
relato anual com a conclusão: “Para muitos americanos, o lazer é
perigoso.”l Outros alegaram que o sucesso da civilização ameri-
cana dependerá da maneira como utilizamos o tempo livre. O que
poderia justificar avisos tão graves? Antes de responder a essa
questão, precisamos refletir sobre como uma pessoa típica é afe-
tada pelo lazer. Os efeitos históricos neste caso são a soma de
experiências individuais, de modo que compreender os primeiros
ajudará a compreendê-Ias.
Devido a uma variedade de motivos que discutimos ante-
riormente, passamos a acreditar que o tempo livre é uma das
metas mais desejáveis a que podemos aspirar. Embora o trabalho
seja visto como um mal necessário, ser capaz de relaxar, de não
ter nada para fazer, parece para muitas pessoas a estrada real para
a felicidade. Geralmente, supõe-se que não é necessária qualquer
habilidade para apreciar o tempo livre, e que qualquer pessoa
pode fazer isso. No entanto, os sinais sugerem o oposto: é mais
difícil desfrutar o tempo livre do que o trabalho. Ter lazer à sua
disposição não melhora a qualidade de vida, a menos que a pes-
soa saiba como usá-Io de maneira eficaz; o lazer não é de modo
algum algo que a pessoa aprenda a fazer automaticamente.
O psicanalista Sandor Ferenczi, na virada do século, já
68 A DESCOBERTA DO FLUXO

observara que aos domingos seus pacientes sofriam crises de his-


teria e depressão com mais freqüência do que durante o resto da
semana; ele chamou a síndrome de “neurose dominical”.2 Desde
então, foi relatado que feriados e férias são períodos de perturba-
ção mental acentuada. Nos nossos estudos de ESM, descobrimos
que até mesmo a saúde física é melhor quando uma pessoa se con-
centra em uma meta. Nos frnais de semana, quando sozinhas e
sem nada para fazer, as pessoas relatam mais sintomas de doenças.
Todos esses indícios apontam para o fato de que o indivíduo
médio está despreparado para o ócio. Sem metas e sem outros
com quem possa interagir, a maioria das pessoas perde a motiva-
ção e a concentração. A mente começa a viajar, e geralmente se
concentra em problemas insolúveis que provocam ansiedade.
Para evitar essa condição indesejável, a pessoa recorre a estraté-
gias que afastam o pior da entropia psíquica. Sem necessariamen-
te estar consciente disso, o indivíduo procura estímulo para velar
as fontes de ansiedade da consciência. Ele pode assistir à televi-
são, ler narrativas redundantes tais como romances ou histórias de
mistério, envolver-se no jogo obsessivo ou na sexualidade promís-
cua, ou frcar bêbado e se drogar. Essas são maneiras rápidas de
reduzir o caos na consciência a curto prazo, mas geralmente o úni-
co resíduo que deixam é um sentimento de insatisfação apática.
Aparentemente, nosso sistema nervoso evoluiu para respon-
der a sinais externos, mas não teve tempo para se adaptar a lon-
gos períodos sem obstáculos ou perigos. Poucas pessoas aprende-
ram a estruturar sua psique de maneira autônoma, em seu íntimo.
Nas sociedades bem-sucedidas, onde os adultos têm tempo dispo-
nível, práticas culturais elaboradas evoluíram para manter a men-
te ocupada. Elas incluem ciclos complexos de rituais cerimoniais,
danças, e torneios competitivos que às vezes duravam dias ou
semanas -tais como os jogos olímpicos que começaram na auro-
ra da história européia. Mesmo na falta de atividades religiosas
ou estéticas, pelo menos cada vila oferecia oportunidades infini-
tas para a fofoca e a discussão; sob a maior árvore da praça, os
homens que não estavam ocupados com outras coisas sentavam-
se fumando seus cachimbos ou mascando folhas e nozes ligeira-
mente alucinógenas, e mantinham suas mentes ordenadas por
meio de longas conversas. Este ainda é o padrão seguido pelos
homens que descansam nas cafeterias do Mediterrâneo, ou nas
cervejarias do norte da Europa.
OS RISCOS E AS OPORTUNIDADES DO LAZER 69

Esses métodos para evitar o caos na consciência funcionam


em certa medida, mas raramente contribuem para uma qualidade
positiva da experiência. Como já vimos antes, os seres humanos
se sentem melhor no fluxo, quando estão totalmente envolvidos
em lidar com um desafio, resolver um problema, descobrir algo
novo. A maioria das atividades que produz o fluxo também tem
metas claras, regras claras, feedback imediato - um conjunto de
exigências externas que focaliza nossa atenção e requer o uso de
nossas habilidades. Agora, essas são exatamente as condições
que faltam com mais freqüência no tempo livre. Naturalmente, se
o indivíduo usa o lazer para praticar um esporte, uma forma de
arte ou um hobby, então os requisitos para o fluxo estarão presen-
tes. Mas o simples tempo livre sem nada específico para prender
a atenção do indivíduo oferece o oposto do fluxo: a entropia psí-
quica, em que ele se sentirá desatento e apático.

Nem todas as atividades de tempo livre são iguais. Uma impor-


tante distinção deve ser feita entre lazer ativo e passivo, que têm
efeitos psicológicos bastante distintos. Por exemplo, os adoles-
centes americanos experimentam o fluxo (definido como
momentos de alto nível de desafio e de alta habilidade) em cerca
de 13 por cento do tempo em que estão assistindo à televisão, 34
por cento do tempo quando estão praticando hobbies e 44 por
cento do tempo em que estão envolvidos em esporte e jogos (ver
Tabela 4). Isso indica que os hobbies têm duas vezes e meia mais
probabilidade de produzir um estado de apreciação ampliada do
que a televisão, e jogos ativos e esportes cerca de três vezes mais.
No entanto, esses mesmos adolescentes passam pelo menos um
período quatro vezes maior do seu tempo livre assistindo à televi-
são do que praticando hobbies ou esportes. Proporções similares
também são verdadeiras para adultos. Por que passamos quatro
vezes mais tempo fazendo algo que tem menos da metade da
chance de fazer com que nos sintamos bem?
Quando perguntamos aos participantes de nossos estudos
sobre esta questão, uma explicação coerente começou a surgir. O
adolescente típico admite que andar de bicicleta, jogar basquete
ou tocar piano são mais agradáveis do que perambular pelo shop-
ping ou assistir à televisão. Mas, dizem eles, organizar-se para
um jogo de basquete leva tempo - é preciso trocar de roupa, pla-
70 A DESCOBERTA DO FLUXO

Tabela 4
Quanto fluxo existe no lazer?

A percentagem do tempo em que cada atividade de lazer proporciona


fluxo, relaxamento, apatia e ansiedade. Os resultados de um estudo com
824 adolescentes americanos geraram cerca de 27 mil respostas. Os ter-
mos foram definidos da seguinte maneira: Fluxo: altos desafios, altas
habilidades; Relaxamento: baixos desafios, altas habilidades; Apatia:
baixos desafios, baixas habilidades; e Ansiedade: altos
desafios, baixas habilidades.

Fluxo Relaxamento Apatia Ansiedade


Jogos e esportes 44 16 16 24
Hobbies 34 30 18 19
Socialização 20 39 30 12
Pensamento 19 31 35 15
Ouvir música 15 43 35 7
Assistir à televisão 13 43 38 6

Fonte: Bidwell, Csikszentmihalyi, Hedges e Schneider, 1997. no prelo.

nejar as coisas. É preciso passar por pelo menos meia hora de


exercícios tediosos a cada vez que a pessoa se senta diante do pia-
no antes que a prática comece a ser divertida. Em outras palavras,
cada uma das atividades que produzem fluxo exige um investi-
mento inicial de atenção para que possa ser agradável. É preciso
ter essa “energia de ativação” disponível para apreciar atividades
complexas. Se uma pessoa está cansada demais, ansiosa ou não
possui a disciplina para vencer o obstáculo inicial, terá de se con-
tentar com algo que, embora menos apreciável, é mais acessível.
É aqui que entram as atividades de “lazer passivo”. Só ficar
com os amigos, ler um livro sem desafios, ligar a televisão não
exige muito em tennos de utilização de energia; não exige habili-
dades ou concentração. Assim, o consumo de lazer passivo se tor-
na demasiadamente a opção escolhida, não só para os adolescen-
tes mas também para os adultos.
Na Tabela 4, podemos ver uma comparação dos tipos prin-
cipais de atividade de lazer em termos da freqüência de fluxo ofe-
recido para uma amostra de adolescentes americanos. Podemos
ver que jogos e esportes, hobbies e socialização - as três ativida-
des ativas e/ou sociais - oferecem mais experiências de flUXO dO
OS RISCOS E AS OPORTUNIDADES DO LAZER 71

que as três atividades mais solitárias e menos estruturadas. Ao


mesmo tempo, as atividades que produzem fluxo, por serem mais
exigentes e difíceis, também ocasionalmente produzem condi-
ções de ansiedade. As três atividades de lazer passivo, por outro
lado, raramente causam ansiedade: elas contribuem para oferecer
principalmente relaxamento e apatia. Se você preenche seu perío-
do de lazer com lazer passivo, não terá muita alegria, mas tam-
bém evitará o descontrole. Aparentemente, essa é uma barganha
que muitos consideram válida.
Não que seja ruim relaxar; todo mundo precisa de tempo
para esticar o corpo, ler livros despretensiosos, sentar-se no sofá
olhando para o teto ou assistir a um programa de televisão. Como
nos outros ingredientes da vida, o que importa é a dosagem. O
lazer passivo toma-se um problema quando uma pessoa o usa
como principal - ou única - estratégia para ocupar o tempo. À
medida que esses padrões se transformam em hábitos, começam
a ter efeitos definidos na qualidade de vida como um todo.
Aqueles que aprendem a se apoiar no jogo para passar o tempo,
por exemplo, podem se ver aprisionados em um hábito que inter-
fere no seu trabalho, em sua família e até no seu próprio bem-
estar. As pessoas que assistem à televisão com uma freqüência
maior que a comum também tendem a ter piores desempenhos no
trabalho e piores relacionamentos. Em um estudo em grande
escala na Alemanha, foi descoberto que quanto mais as pessoas
relatam a leitura de livros, mais experiências de fluxo alegam ter,
enquanto a tendência oposta foi descoberta para assistir à televi-
são.3 O maior fluxo foi relatado por pessoas que liam muito e
assistiam pouco à televisão, o menor por aqueles que raramente
liam e assistiam muito à TV.
É claro que essas correlações não significam necessaria-
mente que os hábitos do lazer passivo originam empregos ruins,
relacionamentos ruins e assim por diante. É mais provável que os
elos causais comecem na outra extremidade: pessoas solitárias
com trabalhos insatisfatón'os preencherão seu tempo livre com
lazer passivo. Ou aqueles que não conseguem encontrar o fluxo
de outra maneira nas suas vidas se voltam a atividades de lazer
pouco exigentes. Mas a causalidade do desenvolvimento humano
geralmente é circular; o que era um efeito no início pode no futu-
ro se tornar uma causa. Um pai abusivo pode forçar o filho a ado-
tar uma atitude defensiva baseada na agressão reprimida; à medi-
72 A DESCOBERTA DO FLUXO

da que a criança cresce, é o seu estilo de defesa, em vez do trau-


ma inicial, que pode fazer com que seja fácil para ele se tornar um
pai abusivo. Assim, adotar hábitos de lazer passivo não é só um
efeito de problemas anteriores, mas se toma uma causa indepen-
dente, que anula opções posteriores para melhorar a qualidade de
vida.

A expressão “pão e circo” se tornou um lugar-comum para des-


crever o modo como o Império romano conseguia manter a popu-
lação satisfeita durante os longos séculos de seu declínio. Ao ofe-
recer comida suficiente para manter os corpos satisfeitos e espe-
táculos suficientes para manter as mentes entretidas, as classes
dominantes conseguiram evitar a intranqüilidade social. É impro-
vável que essa política tenha sido adotada conscientemente, mas
sua aplicação generalizada parece ter funcionado. Não teria sido
a primeira nem a última vez em que oferecer oportunidades de
lazer impediu que uma comunidade deteriorasse. Nas Guerras
persas, o primeiro historiador do Ocidente, o grego Heródoto,
descreve como Átis, rei da Lídia, na Ásia Menor, introduziu jo-
gos de bola há três mil anos como uma maneira de distrair seus
súditos quando uma série de colheitas ruins provocou intranqüili-
dade na população faminta. “O plano contra a fome era envolver-
se em jogos de maneira tão completa durante um dia que a fome
não seria sentida”, escreveu ele, “e no dia seguinte comer e se
abster dos jogos. Deste modo eles passaram 18 anos.”4
Um padrão similar se desenvolveu em Constantinopla
durante a decadência do Império bizantino. Para manter os cida-
dãos felizes, eram realizadas grandes corridas de biga na cidade.
Os melhores corredores se tornavam ricos e famosos, e eram
automaticamente eleitos para o Senado. Na América Central,
antes da conquista espanhola, os maias desenvolveram jogos ela-
borados similares ao basquete que mantinham os espectadores
ocupados durante semanas a fio. Em nossa época, as minorias
desvalidas dependem do esporte e do entretenimento como vias
para a mobilidade social - basquete, beisebol, boxe e música
popular absorvem a energia psíquica excessiva enquanto prome-
tem riqueza e fama. Dependendo de nossa perspectiva, é possível
interpretar isso de duas maneiras diametralmente opostas.
Podemos ver esses casos de lazer sendo usados como um “ópio
OS RISCOS E AS OPORTUNIDADES DO LAZER 73

do povo”, parafraseando o que Marx disse sobre a religião. Ou


podemos vê-los como respostas criativas a situações perigosas
impermeáveis a soluções mais eficazes.
A história parece indicar que uma sociedade começa a se
apoiar pesadamente no lazer - e em especial no lazer passivo -
quando se toma incapaz de oferecer uma ocupação produtiva sig-
nificativa para os seus membros.5 Assim, “pão e circo” é um pla-
no de último recurso que adia temporariamente a dissolução da
sociedade. Exemplos contemporâneos oferecem alguma com-
preensão do que acontece nesses casos. Por exemplo, muitos
povos indígenas na América do Norte perderam a oportunidade
de experimentar o fluxo no trabalho e na vida comunitária, e pro-
curam recapturá-lo em atividades de lazer que imitam seu antigo
estilo de vida agradável. Os jovens navajos costumavam se sentir
melhor quando galopavam atrás de suas ovelhas sobre os planal-
tos do sudoeste, ou quando participavam de cantos e danças ceri-
moniais durante toda uma semana. Agora que essas experiências
são menos relevantes, eles tentam recapturar o fluxo bebendo
álcool e correndo pelas estradas do deserto em carros envenena-
dos. O número de acidentes de trânsito fatais pode não ser maior
do que as mortes sofridas nas guerras tribais ou durante o pasto-
reio, mas parecem ter menos sentido.
Os inuit estão passando por uma perigosa e similar transi-
ção. Os jovens que não podem mais experimentar a emoção de
caçar focas e aprisionar ursos se voltam para os automóveis como
uma ferramenta para escapar do tédio e se concentrar em uma
meta significativa. Aparentemente, existem comunidades no
Ártico que não têm estradas que as liguem a qualquer outro lugar,
mas que construíram quilômetros de estradas exclusivamente pa-
ra os “pegas”. Na Arábia Saudita, os jovens filhos rnimados dos
barões do petróleo acham que andar de camelo está fora de moda
e tentam reviver seu interesse correndo em Cadillacs novos no
deserto sem estradas ou pelas ruas de Riad. Quando as atividades
produtivas se tornam rotineiras e sem significado, as atividades de
lazer ocupam os períodos de inatividade. Elas levarão cada vez
mais tempo, e se apoiarão progressivamente em estímulos artifi-
ciais cada vez mais complexos.
Existem indivíduos que, quando confrontados com a esteri-
lidade de seus trabalhos, escapam totalmente das responsabilida-
des produtivas para buscar uma vida de fluxo no lazer. Isso não
74 A DESCOBERTA DO FLUXO

exige necessariamente uma grande quantidade de dinheiro. I-Iá


engenheiros competentes que deixam seus empregos e lavam
pratos em restaurantes durante o inverno, para que possam esca-
lar montanhas por todo o verão. Há colônias de surfistas em todas
as praias com boas ondas que vivem ao deus-dará, para que pos-
sam saborear o máximo de fluxo possível sobre suas pranchas.
Jim Macbeth, cientista social australiano, entrevistou deze-
nas de marinheiros de longo curso que passavam ano após ano
navegando entre as ilhas do Pacífico Sul, muitos deles sem pos-
suir nada além do barco em que tinham investido todas as suas
economias. Quando ficavam sem dinheiro para comida ou repa-
ros, eles atracavam em um porto para fazer biscates até que
pudessem reabastecer seus suprimentos e depois partiam para
uma nova jornada. “Consegui me descanar de toda responsabili-
dade, de uma vida monótona e ser um pouco aventureiro. Eu
tinha de fazer algo da minha vida além de vegetar”, disse um des-
ses argonautas modernos. “Foi uma chance de fazer pelo menos
urna coisa realmente grande na minha vida, grande e memorá-
vel”, disse outro. Ou, nas palavras de outro marinheiro:
A civilização moderna descobriu o rádio, a televisão, os clubes
noturnos e uma grande variedade de entretenimento mecanizado
para excitar nossos sentidos e nos ajudar a escapar do aparente
tédio da terra, do sol, do vento e das estrelas. Navegar nos devol-
ve a essas antigas realidades.

Alguns indivíduos não abandonam totalmente seus empre-


gos, mas mudam a ênfase do trabalho para o lazer como centro de
suas vidas. Um alpinista dedicado descreve a estimulante auto-
disciplina de seu esporte como um treinamento para o resto da
vida: “Se você vencer essas batalhas vezes o bastante, as batalhas
contra si mesmo... fica fácil vencer as batalhas do mundo.” Nas
palavras de outro ex-executivo que se mudou para as montanhas
para ser carpinteiro:
Eu teria ganhado muito dinheiro se continuasse em uma empresa,
mas certo dia percebi que não estava feliz. Eu não estava tendo o
tipo de experiência que torna a vida recompensadora. Vi que
minhas prioridades estavam confusas, passando a maior parte das
minhas horas no escritório... O tempo estava passando. Gosto de
ser carpinteiro. Vivo em um lugar tranqüilo e belo` e escalo quase
todas as noites. Acho que meu próprio relaxamento e disponibili-
OS RISCOS E AS OPORTUNIDADES DO LAZER 75

dade significarão mais para a minha família do que os bens mate-


riais que já não posso dar a eles.6

A mudança de carreira de executivo para carpinteiro é um


exemplo do tipo de reajuste criativo que algumas pessoas preci-
sam fazer em suas vidas. Elas procuram até encontrar uma ativi-
dade produtiva que também possa permitir-lhes inserir o máximo
de fluxo possível nas suas vidas. As outras opções parecem
menos satisfatórias; o indivíduo simplesmente perde coisas
demais tornando-se um workaholic, ou usando o lazer integral
como fuga. A maioria de nós, contudo, fica contente em compar-
timentalizar nossas vidas em trabalhos tediosos e entretenimento
rotineiro. Um exemplo interessante de como o fluxo invade otra-
balho e o lazer foi fornecido pelo estudo de uma comunidade
alpina por Antonella Delle Fave e Fausto Massimini, da
Universidade de Milão. Eles entrevistaram 46 membros de uma
grande família em Pont Trentaz, uma vila montanhesa remota
onde as pessoas possuem carros e aparelhos de televisão, mas
ainda trabalham em tarefas tradicionais como pastorear o gado,
plantar pomares e carpintaria. Os psicólogos pediram às três
gerações dos moradores que descrevessem quando e como
tinham experimentado o fluxo em suas vidas (ver Figura 2).

Figura 2
Distribuição de atividades de fluxo em uma família de três
gerações (N = 46) de Pont Trentaz, vale Gressoney, Itália

80 Ef” ' "11%" "_


í
70 " *__*f' l

i É] Trabalho
607_f' "f" " “'-
l I lazer
50 l
40 f ¬ e
30
20 -
io +-
0 .

Avós Pais Crianças

Fontes: adaptado de Delle Fave e Massimini` 1988.


76 A DESCOBERTA DO FLUXO

A geração mais velha declarou as mais freqüentes experiên-


cias de fluxo, e a maioria delas envolvia trabalho; cortar feno nos
campos, consertar o celeiro, fazer pão, ordenhar vacas, trabalhar
no jardim. A geração intermediária - que incluía aqueles entre
quarenta e sessenta anos - declarava quantidades iguais de fluxo
no trabalho e nas atividades de lazer, como assistir a filmes, sair
de férias, ler livros ou esquiar. Os netos, da geração mais nova,
mostraram um padrão oposto aos dos seus avós; declararam pou-
cas ocorrências de fluxo, e a maior parte dele vinha do lazer.
Dançar, correr de motocicleta e assistir à televisão eram alguns
dos meios mais freqüentes de satisfação. (A Figura 2 não mostra
o quanto de fluxo cada grupo relatou; mostra apenas a percenta-
gem de fluxo que foi relatada no trabalho ou em casa.)
Nem todas as diferenças entre as gerações em Pont Trentaz
se devem às mudanças sociais. Algumas são características de
padrões de desenvolvimento normais que todas as gerações atra-
vessam: os jovens sempre dependem mais da apreciação dos ris-
cos e estímulos artificiais. Mas é quase certo que essas diferenças
normais são acentuadas em comunidades que estão passando por
transições sociais e econômicas. Nesses casos, as gerações mais
velhas ainda encontram um desafio significativo nas tarefas pro-
dutivas tradicionais, enquanto seus filhos e netos, cada vez mais
entediados pelo que consideram trabalho irrelevante, se voltam
para o entretenimento como uma forma de evitar a entropia ps1'-
quica.
Nos Estados Unidos, comunidades tradicionais como os
arnish e os menonitas conseguiram impedir que o trabalho e o flu-
xo se separassem. Nas rotinas cotidianas de sua vida na fazenda,
é difícil saber quando o trabalho acaba e o lazer começa. A maior
parte das atividades de “tempo livre”, como tecelagem, carpinta-
ria, canto ou leitura, é útil e produtiva nos sentidos material,
social ou espiritual. Naturalmente, essa conquista teve como pre-
ço o “aprisionamento no âmbar”, por assim dizer, paralisados em
um ponto do desenvolvimento tecnológico e espiritual que hoje
parece estranho. Esta é a única maneira de preservar a integrida-
de de uma existência alegre e produtiva? Ou é possível reinventar
um estilo de vida que combine essas características com uma
mudança evolutiva contínua?
Para fazer o melhor uso do tempo livre, é preciso devotar
muita engenhosidade e atenção ao que está sendo feito com o pró-
OS RISCOS E AS OPORTUNIDADES DO LAZER 77

prio trabalho. O lazer ativo que ajuda uma pessoa a crescer não
vem com facilidade. No passado o lazer era justificado porque
dava às pessoas uma oportunidade de experimentar e desenvolver
habilidades. Na verdade, antes que as ciências e as artes se profis-
sionalizassem, grande parte da pesquisa científica, poesia, pintu-
ra e composição musical era feita no tempo livre do indivíduo.
Gregory Mendel fez seus famosos experimentos genéticos como
um hobby; Benjamin Franklin foi movido pelo interesse, não por
uma atribuição de seu cargo, a moer lentes e fazer experiências
com pára-raios; Emily Dickinson escreveu sua fantástica poesia
para criar ordem em sua própria vida. Hoje, supõe-se que só espe-
cialistas deveriam estar interessados nessas questões; os amado-
res são ridicularizados por se aventurarem em campos reservados
ao especialista. Mas os amadores - que fazem algo porque ado-
ram fazê-lo - acrescentam satisfação e interesse às suas próprias
vidas e às vidas de todos os outros.
Não só os indivíduos extraordinários são capazes de usar o
lazer de maneira criativa. Toda a arte popular - as canções, os
tecidos, a cerâmica e as esculturas que dão a cada cultura sua
identidade e renome particular - e' resultado da luta de pessoas
comuns pela expressão de sua melhor habilidade no tempo que
sobra do trabalho e das tarefas de manutenção. É difícil imaginar
como o mundo teria sido tedioso se nossos ancestrais houvessem
utilizado o tempo livre apenas para o entretenimento passivo, em
vez de encontrar nele uma oportunidade de explorar a beleza e o
conhecimento.
Hoje, cerca de 7 por cento de toda a energia não-renovável
que utilizamos - eletricidade, gasolina, papel e produtos metáli-
cos - e' utilizada primariamente para o lazer. Construir e irrigar
campos de golfe, imprimir revistas, fazer voar jatos até colônias
de férias, produzir e distribuir programas de televisão, construir e
abastecer lanchas e esquis consomem uma parte considerável dos
recursos do planeta. Ironicamente, parece que a quantidade de
felicidade e alegria que retiramos do lazer não tem relação algu-
ma - quando muito, uma relação negativa - com a quantidade de
energia material consumida enquanto o realizamos.7 Atividades
mais baratas que exigem de nós investimentos de habilidade,
conhecimento e emoções são tão recompensadoras quanto as que
utilizam muito equipamento e energia extema, em vez de nossa
própria energia psíquica. Ter uma boa conversa, praticar jardina-
78 A DESCOBERTA DO FLUXO

gem, ler poesia, fazer trabalho voluntário em um hospital ou


aprender algo novo esgotam poucos recursos e são pelo menos
tão agradáveis quanto atividades que consomem dez vezes mais
recursos.
Assim, a excelência da vida individual depende em grande
parte do modo como o tempo livre é utilizado, por isso a qualida-
de de uma sociedade está relacionada com o que seus membros
fazem em seu tempo de lazer. As ricas comunidades suburbanas
dos Estados Unidos podem ser tão deprimentemente amenas por-
que há motivos para acreditar que, por trás das esplêndidas facha-
das que se elevam dos gramados verde-esmeralda, ninguém está
fazendo nada de interessante. Existem países inteiros onde temos
a impressão, ao falar até mesmo corn os membros da elite social,
que além do dinheiro, família, moda, férias e fofocas, não há mui-
to mais que envolva sua atenção. Enquanto isso ainda existem
algumas regiões no mundo onde é possível encontrar profissio-
nais aposentados, encantados com a poesia clássica, que colecio-
nam livros antigos em suas bibliotecas, ou fazendeiros que tocam
instrumentos musicais ou escrevem histórias das suas vilas, pre-
servando as melhores criações de seus ancestrais enquanto acres-
centam a elas suas próprias canções.
De qualquer modo, vemos que no nível social, assim como
no individual, os hábitos de lazer agem tanto como efeito quanto
como causa. Quando o estilo de vida de um grupo social se tomar
obsoleto, quando o trabalho se tornar uma rotina tediosa e as res-
ponsabilidades comunitárias perderem o significado, é provável
que o lazer se torne cada vez mais importante. E se uma socieda-
de se toma dependente demais do entretenimento, provavelmen-
te haverá menos energia psíquica para lidar de maneira criativa
com os desafios tecnológicos e econômicos que inevitavelmente
surgirão.
Pode parecer um antagonismo gratuito alertar sobre a indús-
tria de entretenimento em uma época em que ela parece ter tanto
sucesso nos Estados Unidos. A música, o cinema, a moda e a tele-
visão trazem dinheiro de todo o mundo. As locadoras de vídeo se
plantaram em praticamente todo quarteirão, reduzindo o número
de desempregados. Nossos filhos vêem as celebridades da mídia
como modelos para guiar suas vidas, e nossa consciência é preen-
chida com informações sobre os feitos dos atletas e dos astros de
cinema. Como todo esse sucesso pode ser prejudicial? Se avaliar-
OS RISCOS E AS OPORTUNIDADES DO LAZER 79

mos as tendências apenas do ponto de vista de um resultado


financeiro, então não há nada de errado. Mas se contarmos tam-
bém os efeitos a longo prazo de gerações viciadas em entreteni-
mento passivo, o quadro cor-de-rosa -vai parecer bastante grave.
Como evitar o perigo da polarização da vida em trabalho
que não tem significado porque não é livre, e lazer que não tem
significado porque não tem finalidade? Uma maneira possível é
sugerida pelo exemplo dos indivíduos criativos discutidos no
capítulo anterior. Em suas vidas, o trabalho e o lazer são indivisí-
veis, como o são para as pessoas que vivem em sociedades tradi-
cionais. Mas, ao contrário dessas últimas, as pessoas criativas não
estão presas a um momento congelado do tempo. Elas usam o
melhor conhecimento do passado e do presente para descobrir
uma maneira melhor de viver o futuro. Já que podemos aprender
com eles, não há mais motivo para temer o tempo livre. O próprio
trabalho se toma tão agradável quanto o lazer e, quando é neces-
sário tirar uma folga, o lazer provavelmente será uma verdadeira
recreação em vez de um ardil para embotar a mente.
Se o próprio trabalho está além da redenção, outra solução é
certificar-se de que o tempo livre é pelo menos uma oportunida-
de real para o fluxo - para explorar o potencial do selfe do
ambiente. Felizmente, o mundo está repleto de coisas interessan-
tes para se fazer. Só a falta de imaginação, ou a falta de energia,
bloqueia nosso caminho. De outro modo, cada um de nós seria
um poeta ou músico, um inventor ou explorador, um erudito,
cientista, artista ou colecionador amador.
SEIS

RELACIONAMENTOS E QUALIDADE DE VIDA

Quando pensamos sobre os melhores e os piores estados emocio-


nais da vida, provavelmente atn'buímos sua causa a outras pes-
soas. Um amante ou cônjuge pode fazer com que você se sinta
nas nuvens, mas também irritado e depn'mido; as crianças podem
ser uma bênção ou um sofrimento; uma palavra de um chefe pode
acabar com seu dia ou fazê-lo maravilhoso. De todas as coisas
que normalmente fazemos, a interação com os outros é a menos
previsível. Em um momento é fluxo; no seguinte, apatia, ansieda-
de, relaxamento ou tédio. Devido ao poder que as interações têm
sobre nossas mentes, os clínicos desenvolveram formas de psico-
terapia que dependem da maximização dos encontros agradáveis
com os outros. Não há dúvida de que o bem-estar está profunda-
mente ligado aos relacionamentos e que a consciência reverbera
corn o feedback que recebemos de outras pessoas.l
Por exemplo, Sarah, uma das pessoas que estudamos com o
Método de Amostragem de Experiência, às 9:10h da manhã de
sábado estava sentada sozinha em sua cozinha, tomando o café da
manhã e lendo o jomal. Quando o pager emitiu o sinal, ela clas-
sificou sua felicidade em 5, em urna escala em que l é triste e 7
muito feliz. Quando o sinal seguinte tocou, às 11:30h, ela ainda
estava sozinha, fumando um cigarro, entn'stecida pelo pensamen-
to de que o filho ia se mudar para outra cidade. Agora sua felici-
dade tinha caído para 3. Às 13:00h, Sarah estava sozinha, passan-
do o aspirador de pó na sala de estar, com a felicidade reduzida a
1. Às 14:30h, quando estava no quintal, nadando com os netos, a
felicidade chegara a um 7 perfeito. Porém, menos de uma hora
RELACIONAMENTOS E QUALIDADE DE VIDA 81

depois, quando ela estava pegando sol e tentando ler um livro


enquanto os netos jogavam água nela, a taxa de felicidade caiu
para 2 novamente: “Minha nora devia educar melhor esses mole-
ques”, ela escreve no formulário ESM. Ao longo do dia, pensar
sobre as pessoas e interagir com elas geram constantes alterações
no nosso humor.

Na maioria das sociedades, as pessoas dependem do contexto


social em uma proporção ainda maior do que no Ocidente tecno-
lógico. Acreditamos que o indivíduo deve ser deixado livre para
desenvolver seu potencial e, pelo menos desde Rousseau, passa-
mos a considerar a sociedade como um obstáculo perverso à rea-
lização pessoal. Por outro lado, a visão tradicional, especialmen-
te na Ásia, determina que o indivíduo não é nada até que tenha
sido formado e aperfeiçoado por meio de sua interação com os
outros. A Índia oferece um dos exemplos mais claros de como
isso funciona.2 A cultura clássica hindu se esforça muito para
garantir que seus membros se adaptem a ideais apropriados de
comportamento da infância até a velhice. “O hindu é produzido
consciente e deliberadamente durante uma série de eventos cole-
tivos. Esses eventos são samskaras, rituais de ciclo de vida fun-
damentais e compulsórios na vida de um hindu”, escreve Lynn
Hart. Samskaras ajudam a formar crianças e adultos, fornecendo-
lhes novas regras de conduta para cada passo sucessivo na vida.
Como o psicanalista indiano Sadhir Kakar escreveu de
maneira um tanto jocosa, os samskaras são o rito certo no
momento certo:

A conceitualização do ciclo da vida humana se desdobrando em


uma série de estágios, cada estágio tendo suas “tarefas” específi-
cas e a necessidade de uma progressão ordenada ao longo deles, é
uma parte estabelecida do pensamento indiano tradicional... uma
das maiores pressões desses rituais é a integração gradual da
criança à sociedade, com os samskaras, metaforicamente, mar-
cando o tempo para um movimento calculado que tira a criança da
simbiose original entre mãe e bebê para a plena participação em
sua comunidade.

Mas a socialização não forma apenas o comportamento;


molda também a consciência às expectativas e aspirações da cul-
tura, de modo que sentimos vergonha quando observam nossas
82 A DESCOBERTA DO FLUXO

falhas, e culpa quando sentimos que decepcionamos alguém. Aqui


também as culturas diferem muito em termos de quão profunda-
mente a personalidade depende das expectativas intemalizadas da
comunidade; por exemplo, os japoneses possuem várias palavras
para descrever tons distintos de dependência, obrigações e respon-
sabilidade que temos dificuldade em traduzir para o inglês porque
em nosso ambiente social não aprendemos a experimentar esses
sentimentos na mesma medida. No Japão, de acordo com Shintaro
Ryu, um perspicaz jornalista japonês, o indivíduo típico “quer ir
aonde os outros vão; até mesmo quando ele vai a praia nadar, ele
evita locais vazios, preferindo escolher um lugar onde as pessoas
estão praticamente umas em cima das outras”.
Não é difícil ver por que estamos tão envolvidos em nosso
meio social, tanto mental quanto fisicamente. Até mesmo nossos
parentes primatas, os macacos que vivem nas selvas e savanas
africanas, aprenderam que, a menos que sejam aceitos pelo gru-
po, não viverão muito tempo; um babuíno solitário logo cairá pre-
sa de leopardos ou hienas. Nossos ancestrais perceberam há mui-
to tempo que eram animais sociais, que também dependiam do
grupo não só para a proteção, como também para aprender os pra-
zeres da vida. A palavra grega “idiota” originalmente si gnificava
alguém que vivia sozinho; deduzia-se que, por ter sido excluído
da interação comunitária, aquela pessoa seria mentalmente inca-
paz. Nas sociedades não-letradas contemporâneas, esse conheci-
mento está tão profundamente incutido que um indivíduo que
gosta de estar sozinho é considerado um bruxo, pois uma pessoa
normal não escolhe deixar os outros a menos que seja forçada a
fazê-lo.
Uma vez que são tão importantes para manter a consciência
equilibrada, é importante compreender como as interações nos
afetam, e aprender a transforma-las em experiências positivas,
em vez de negativas. Como ocorre com todas as outras coisas,
não podemos desfrutar relacionamentos de graça. Temos de gas-
tar certa quantidade de energia psíquica para receber seus benefí-
cios. Se não o fizermos, nos arriscamos a nos encontrar na mes-
ma situação da personagem de Sartre de Entre quatro paredes,
que concluiu que o inferno são os outros.
Para que um relacionamento leve ordem à consciência, em
vez de entropia psíquica, ele tem de satisfazer pelo menos duas
condições. A primeira é a existência de alguma compatibilidade
RELACIONAMENTOS E QUALIDADE DE VIDA 83

entre nossas metas e as metas de outros. Isto é sempre difícil em


princípio, porque cada participante da interação tenderá a buscar
a realização de seus própn'os interesses. Apesar disso, na maioria
das situações, se olharmos com cuidado, é possível descobrir pelo
menos um retalho de metas compartilhadas. A segunda condição
para uma interação bem-sucedida é estar disposto a investir aten-
ção nas metas da outra pessoa - o que também não é uma tarefa
fácil, já que a energia psíquica é o recurso mais escasso e essen-
cial que possuímos. Quando essas condições são correspondidas,
é possível obter os resultados mais valiosos de estar com outras
pessoas - experimentar o fluxo que surge da interação ótima.

As experiências mais positivas que as pessoas relatam em geral


são aquelas compartilhadas com os amigos.3 Isso é especialmen-
te verdadeiro para os adolescentes (ver Figura 3), mas também
para os anos finais da vida. As pessoas geralmente ficam muito
mais motivadas e felizes quando estão com os amigos, indepen-
dentemente do que estejam fazendo. Até mesmo estudar e reali-
zar as tarefas caseiras, que deprimem o humor quando feitas sozi-
nho ou com a família, tomam-se experiências positivas quando
feitas com os amigos. Não é difícil ver por que isso ocorre. Com
os amigos, as condições para a interação ótima geralmente são
maximizadas. Nós os escolhemos porque consideramos suas
metas compatíveis com as nossas, e o relacionamento é de igual-
dade. As amizades deveriam oferecer benefícios mútuos, sem
restrições externas que possam levar à exploração. Idealmente, as
amizades nunca são estáticas: elas sempre oferecem novos estí-
mulos emocionais e intelectuais, de modo que o relacionamento
não cai no tédio ou na apatia. Tentamos coisas novas, atividades
e aventuras; desenvolvemos novas atitudes, idéias e valores; pas-
samos a conhecer os amigos de maneira mais profunda e íntima.
Apesar de muitas atividades de fluxo serem agradáveis apenas
durante curto período, porque seus desafios logo se esgotam, os
amigos podem oferecer um estímulo infinito durante a vida, aper-
feiçoando nossas habilidades emocionais e intelectuais.
Naturalmente, esse ideal não é alcançado com muita fre-
qüência. Em vez de promover o crescimento, as amizades muitas
vezes oferecem um casulo seguro onde nossa auto-imagem pode
ser preservada sem precisar mudar. A sociabilidade superficial
84 A DESCOBERTA DO FLUXO

dos grupos de colegas adolescentes, clubes de bairros, associa-


ções profissionais, amigos de bar, proporciona uma sensação
tranqüilizadora de fazer parte de um grupo de pessoas de menta-
lidade parecida sem exigir esforço ou crescimento. Uma indica-
ção desta tendência aparece na Figura 3, onde vemos que a con-
centração costuma ser significativamente mais baixa com amigos
do que na solidão. Ao que parece, o esforço mental raramente é
envolvido nessas típicas interações amigáveis.
Nos piores casos, quando uma pessoa sem outros laços pró-
ximos depende exclusivamente de outros indivíduos desenraiza-
dos para seu apoio emocional, a amizade pode ser destrutiva.
Gangues urbanas, grupos de delinqüentes e de terroristas geral-
mente são compostos de indivíduos que - por sua própria culpa
ou devido às circunstâncias - não encontraram um nicho em
qualquer comunidade e só se identificam uns com os outros.

Figura 3
Como a experiência de qualidade dos adolescentes muda
em diferentes contextos sociais

Feliz Forte Concentração Motivação


0.5 - e "f _?W
0.4 e
Sozinho
0.3 ~
É] Com os pais
0.2 ~
I Com amigos
0.1
0 .

-0.1
-0.2
-0.3 f
_f'Af;
-o.4
O ponto “o” nessa figura se refere à qualidade media da experiência
relatada durante a semana. Os sentimentos de felicidade e força pio-
ram de modo bastante significativo quando sozinhos, e melhoram com
amigos; a motivação é melhor de maneira muito significativa com
amigos. Tendências similares foram obtidas de todos os estudos ESM,
tenham sido eles feitos com adultos ou adolescentes, nos EUA ou em
outros países.
Fonte: Csikszentmihalyi e Larson, 1984.
RELACIONAMENTOS E QUALIDADE DE VIDA 85

Nesses casos, o crescimento também acontece como resultado do


relacionamento mas, do ponto de vista da maioria, é um cresci-
mento pernicioso.
Em comparação com as outras características principais do
ambiente social, contudo, as amizades oferecem tanto os contex-
tos emocionais mais recompensadores no presente imediato quan-
to as maiores oportunidades para o desenvolvimento do próprio
potencial a longo prazo. A vida contemporânea, todavia, não é
muito apropriada para sustentar amizades. Nas sociedades mais
tradicionais, uma pessoa permanece em contato durante toda a
sua vida com os amigos feitos de infância. A mobilidade geográ-
fica ou social nos Estados Unidos toma isso quase impossível.
Nossos amigos do segundo grau não são os mesmos que nos
acompanharam no primeiro grau, e na faculdade as amizades são
reordenadas mais uma vez. Desse modo, com as mudanças de um
trabalho para outro, de uma cidade para a seguinte, e com a idade,
as amizades efêmeras se tornam cada vez mais superficiais. A fal-
ta de amigos verdadeiros muitas vezes é a principal queixa de pes-
soas que vivem uma crise emocional na segunda metade da vida.
Outro motivo freqüente de queixa é a falta de relacionamen-
tos sexuais compensadores.4 Uma das conquistas culturais do
século XX foi a redescoberta da importância do “bom sexo” para
uma boa vida. No entanto, como de costume, o pêndulo oscilou
demais para um lado: a sexualidade foi descontextualizada do
resto da experiência e as pessoas aceitaram a idéia errônea de que
doses liberais de sexo as tornarão felizes. A variedade e a fre-
qüência dos encontros sexuais tomaram precedência sobre a pro-
fundidade e a intensidade do relacionamento em que foram incu-
tidos. É irônico que nesta questão os ensinamentos tradicionais
das religiões estejam mais próximos de uma posição científica do
que as crenças atuais da população, pois uma abordagem evoluti-
va confirma que a finalidade original da sexualidade é gerar
filhos e unir o casal. Naturalmente, isso não significa que essas
funções precisam ser a única finalidade do sexo. Por exemplo, a
função adaptativa do paladar era distinguir entre comida saudável
e deten'orada, mas com o tempo desenvolvemos artes culinárias
complexas baseadas em nuances sutis de gosto. Assim, sejam
quais forem as razões originais para o prazer sexual, ele sempre
pode ser usado para conceder novas oportunidades de enriquecer
86 A DESCOBERTA DO FLUXO

a vida. Mas, assim como a gula que não tem relação com a fome
parece antinatural, uma obsessão com o sexo que seja divorciada
de outras necessidades humanas como intimidade, carinho e
dedicação se toma igualmente aberrante.
Quando os ousados pioneiros da liberação instintiva sauda-
ram o sexo livre como a solução para a repressão da sociedade,
eles não pensaram na possibilidade de que meio século depois o
sexo seria utilizado para vender desodorantes e refrigerantes.
Como Herbert Marcuse e outros notaram pesarosamente, Eros
estava condenado a ser explorado de uma forma ou de outra; sua
energia era forte demais para não ser cooptada pelos poderes da
Igreja, do Estado ou, na ausência de qualquer um deles, pela
indústria da propaganda. No passado, a sexualidade era reprimida,
de modo que a energia psíquica atraída a ela pudesse ser canaliza-
da para metas produtivas. Agora a sexualidade é encorajada, de
modo que as pessoas canalizam sua energia psíquica no consumo
que lhes dá a ilusão da realização sexual. Nos dois casos, uma for-
ça que resultaria em algumas das felicidades mais profundas e
íntimas da vida é tomada e manipulada por interesses externos.
O que é possível fazer? Como acontece com outros aspectos
da vida, o que importa é decidir por si mesmo, perceber o que está
em jogo e quais os interesses que tentam controlar nossa sexuali-
dade para seus próprios fins. E útil perceber como somos vulne-
ráveis a esse respeito. Faz parte de uma condição universal:
dizem que no nosso lado das Montanhas Rochosas os coiotes às
vezes mandam uma fêmea no cio para atrair cães de fazendas,
que de nada desconfiam, para a armadilha da alcatéia. Quando
percebemos nossa vulnerabilidade, o perigo e' cair no extremo
oposto e nos tornarmos paranóicos quanto ao sexo. Nem o celiba-
to nem a promiscuidade são necessariamente vantajosos; o que
conta é como desejamos ordenar nossas vidas, e que papel dese-
jamos exercer sexualmente.

Na compensação parcial pela dificuldade de ter amigos, descobri-


mos nos Estados Unidos uma nova possibilidade: fazer amizade
com os pais, cônjuges e filhos. Na tradição européia do amor cor-
tês, a amizade com o próprio marido ou esposa era considerada
um paradoxo. Enquanto os casamentos se realizavam principal-
mente a serviço de alianças políticas e econômicas e os filhos
RELACIONAMENTOS E QUALIDADE DE VIDA 87

dependiam de seus pais para ter uma herança e status, as condi-


ções de igualdade e reciprocidade que tornavam as amizades pos-
síveis não estavam presentes. Nas últimas gerações, contudo, a
família perdeu a maior parte de seu papel como uma necessidade
econômica, e quanto menos dependemos dela para benefícios
materiais, mais podemos apreciar o seu potencial para recompen-
sas emocionais. Assim, a família moderna, com todos os seus pro-
blemas, abre novas possibilidades para experiências ótimas que
eram muito mais difíceis de surgir em épocas anteriores.
Nas últimas décadas, percebemos que a imagem da família
que valorizamos desde pelo menos a época vitoriana é só uma das
muitas opções possíveis. De acordo com o historiador Le Roy
Ladun'e, uma família rural francesa do final da Idade Média era
formada por quem vivesse sob o mesmo teto e compartilhasse as
mesmas refeições. Isso poderia ter incluído pessoas de fato apa-
rentadas pelo sangue, mas também peões e outros indivíduos que
se aproximavam para ajudar no trabalho da fazenda. Aparen-
temente não havia qualquer distinção entre esses indivíduos; quer
aparentados ou não, eles pareciam pertencer ao mesmo domus, ou
lar feito de pedra e argamassa, que era a unidade realmente perti-
nente, em vez da família biológica.5 Mil anos antes, o arranjo
social da família romana era muito diferente. Nessa época, o
patriarca tinha o direito legal de matar os próprios filhos se eles o
desagradassem, e a ascendência biológica era quase tão impor-
tante para os romanos quanto para as aristocráticas famílias do
século XIX.
E essas variações estavam todas dentro da mesma tradição
cultural. Além delas, os antropólogos nos farniliarizaram corn
uma grande variedade de outras formas familiares, desde a exten-
síssima família havaiana, em que toda mulher de uma geração
anterior é considerada a “mãe” do indivíduo, até varias formas de
arranjos polígamos e poliândn'cos. Tudo isso nos preparou para
ver a dissolução da família nuclear - com taxas de divórcio de 50
por cento e a maioria das crianças crescendo em famílias de pai
ausente ou reconstitur'das - não tanto como uma tragédia, mas
como uma transição normal para novas formas adaptadas às con-
dições sociais e econômicas em transformação. Nos extremos,
ouvimos argumentos de que a família é uma instituição obsoleta
e reacionária, destinada a desaparecer.
Uma visão contrária é proposta por conservadores que dese-
88 A DESCOBERTA DO FLUXO

jam defender “valores familiares”, isto é, um retorno aos padrões


convencionais consagrados nas comédias televisivas de meados
do século XX. Quem está certo nesta controvérsia? É claro que
ambos os lados têm razão em certa medida, e ambos estão errados
em ter uma visão n'gida de um padrão em evolução. Por um lado,
é tolice argumentar que um padrão familiar ideal existiu algum
dia, e que podemos nos apegar a essa quimera enquanto as demais
condições sociais estão mudando. Por outro lado, é igualmente
errado afirmar que um sistema social saudável possa existir sem o
apoio emocional e os cuidados que só os pais parecem ser capazes
de dar a crianças em crescimento. Pois, não importa a variedade
de formas que as famílias tomaram, uma constante foi que elas
incluíam adultos de sexos opostos que assumiam a responsabili-
dade por seu bem-estar mútuo e pelo bem-estar de seus filhos.
É por isso que o casamento é uma instituição tão complexa
em todas as sociedades. As negociações envolvidas nele, que
incluem cálculos delicados de dotes e preços de noivas, foram
planejadas para que as crianças nascidas da união não se tomas-
sem um fardo público. Em todas as sociedades, os pais e parentes
da noiva e do noivo assumiam a responsabilidade de apoiar e edu-
car os frutos da união, tanto em termos de necessidades materiais
quanto em relação a socialização de acordo com os valores e as
regras da comunidade. Até agora nenhuma sociedade - nem a ex-
União Soviética, nem Israel, nem a China comunista - conseguiu
aperfeiçoar a família e substitui-la por outras instituições sociais.
É uma das grandes ironias de nossos tempos que, com todas as
suas boas intenções, o capitalismo liberal tenha conseguido
enfraquecer as farru'lias mais do que em qualquer outra época -
sem ser capaz de inventar um substituto para ela.
Os efeitos dos relacionamentos familiares sobre a qualidade
de vida são tão extensos que muito poderia ser escrito sobre eles.
Na verdade, muitas grandes obras literárias, de Édipo Rei a
Hamlet, de Madame Bovary a Desejo sob os olmos, tratam desse
tema. As interações familiares afetam a qualidade da experiência
de maneiras diferentes para cada membro. Pais, mães e filhos rea-
girão ao mesmo evento de acordo com sua percepção da situação
e a história das vicissitudes passadas no seu relacionamento. Mas,
para fazer uma generalização muito ampla, a família age como
um pêndulo para os altos e baixos emocionais do dia. O humor
RELACIONAMENTOS E QUALIDADE DE VIDA 89

em casa raramente é tão elevado quanto com os amigos, e rara-


mente é tão baixo quanto como estamos sozinhos. Ao mesmo
tempo, é em casa que o indivíduo pode liberar as emoções acu-
muladas com relativa segurança, como mostram os lamentáveis
abusos e violência característicos das famílias disfuncionais.
Em um amplo estudo sobre dinâmica familiar com o
Método de Amostragem de Experiência, Reed Larson e Maryse
Richards encontraram vários padrões interessantes.6 Por exem-
plo, quando ambos os pais eram empregados, o humor do pai
ficava baixo no trabalho, mas melhorava quando chegava em
casa, enquanto que o oposto ocorria com as esposas que precisam
encarar tarefas domésticas quando voltavam do trabalho externo,
criando assim ciclos opostos de bem-estar emocional. Ao contrá-
rio do que se poderia esperar, há mais discussões em famílias
emocionalmente próximas; quando a família realmente tem pro-
blemas, pais e filhos se evitam em vez de discutir. Até mesmo nas
famílias contemporâneas as diferenças sexuais entre os cônjuges
ainda são fortes: os humores do pai afetam os humores do resto
da família, e os humores dos filhos afetam a mãe, mas os humo-
res da mãe têm pouco efeito discemível sobre o resto da família.
Além disso, cerca de 40 por cento dos pais e menos de 10 por
cento das mães dizem que as realizações de seus filhos adoles-
centes os deixavam de bom humor; enquanto 45 por cento das
mães e só 20 por cento dos pais dizem que o bom humor dos
filhos melhora o humor deles. Claramente, os homens ainda estão
preocupados com o que os filhos fazem, e as mulheres com o que
os filhos sentem, como os papéis sexuais exigem.
Muito já foi escrito sobre o que faz as famílias funcionarem.
O consenso é que as famílias que apóiam o bem-estar emocional
e o crescimento de seus membros combina duas características
opostas. Elas combinam disciplina com espontaneidade, regras
com liberdade, altas expectativas com amor irrestrito. Um siste-
ma familiar ótimo é complexo porque encoraja o desenvolvimen-
to individual único dos seus membros enquanto os une em uma
teia de laços afetivos. Regras e disciplina são necessárias para
evitar gasto excessivo de energia psíquica na negociação do que
pode ou não ser feito - quando as crianças devem chegar em casa,
quando fazer o dever de casa, quem deve lavar os pratos. Assim,
a energia psíquica liberada nas discussões e queixas pode ser
investida na busca pelas metas de cada membro. Ao mesmo tem-
90 A DESCOBERTA DO FLUXO

po, cada pessoa sabe que pode usar a energia psíquica coletiva da
farru'lia, se necessário. Crescendo em uma farm'lia complexa, as
crianças precisam ter uma chance de desenvolver habilidades e
reconhecer desafios, e assim são mais aptas a experimentar a vida
como fluxo.7

Na nossa sociedade, o indivíduo médio passa cerca de um terço


do seu tempo desperto sozinho. As pessoas que passam muito
menos ou muito mais tempo sozinhas muitas vezes têm proble-
mas. Adolescentes que sempre ficam com os colegas têm pro-
blemas na escola e dificilmente aprenderão a pensar por si mes-
mos, enquanto aqueles que estão sempre sozinhos são presas fá-
ceis da depressão e da alienação. O suicídio é mais freqüente en-
tre pessoas cujo trabalho as isola fisicamente, tais como lenhado-
res no Norte dos EUA, ou emocionalmente, como psiquiatras. As
exceções envolvem situações em que os dias são tão estritamente
programados que a entropia psíquica não consegue tomar conta
da consciência. Os monges cartuxos podem passar a maior parte
de suas vidas em suas celas isoladas sem efeitos negativos, ou, no
outro extremo da sociabilidade, o mesmo acontece com as tripu-
lações de submarinos, em que os marinheiros podem não ter qual-
quer privacidade durante meses a fio.
Em muitas sociedades pré-letradas, a quantidade ótima de
solidão era zero. Os dobuanos da Melanésia, descritos pelo antro-
pólogo Reo Fortune, são típicos por tentar evitar a solidão a qual-
quer custo. Em Dobu, onde as pessoas precisam ir até o mato para
fazer suas necessidades fisiológicas, elas sempre vão com um
amigo ou parente, por medo de serem prejudicadas pela feitiçaria
caso fossem sozinhas.8 Que a feitiçaria seja mais eficaz contra
uma pessoa solitária não é uma idéia inteiramente fantasiosa. O
que ela descreve é um fato real, embora sua explicação seja ale-
górica. Ela descreve o que muitos cientistas sociais observaram,
ou seja, que a mente de um indivíduo solitário é presa de ilusões
e medos irracionais. Quando falamos com outra pessoa, até mes-
mo sobre os assuntos mais tn'viais - como o clima ou o jogo de
futebol da noite anterior -, a conversa introduz uma realidade
compartilhada na nossa consciência. Até mesmo uma saudação,
como “tenha um bom dia”, nos confirma nossa existência, porque
nos fazemos notar aos outros, que demonstram preocupação com
RELACIONAMENTOS E QUALIDADE DE VIDA 91

nosso bem-estar. Assim, a função fundamental até mesmo dos


encontros mais rotineiros é a manutenção da realidade, indispen-
sável para evitar que a consciência se desintegre no caos.
Em concordância com esses motivos, as pessoas, em geral,
relatam muito mais quedas de humor quando sozinhas do que
quando acompanhadas. Elas se sentem menos felizes, menos ale-
gres, menos fortes e mais entediadas, mais passivas, mais solitá-
rias. A única dimensão da experiência que tende a ser mais alta é
a concentração. Quando escutaram pela primeira vez esses
padrões, muitas pessoas introspectivas ficaram incrédulas: “Isso
não pode ser verdade”, dizem elas, “eu adoro ficar sozinho e bus-
co a solidão sempre que possível.” Na verdade, é possível apren-
der a gostar da solidão, mas isso não acontece com facilidade. Se
a pessoa é um artista, cientista ou escritor, se possui um hobby, ou
uma rica vida interior, então ficar sozinho é não apenas agradável
mas necessário. Relativamente poucos indivíduos, contudo,
dominam as ferramentas mentais que tornam isso possível.
A maioria das pessoas também superestima sua capacidade
de tolerar a solidão. Urna pesquisa conduzida na Alemanha por
Elizabeth Noelle-Neumann mostra até que ponto, curiosamente,
nos iludimos a esse respeito.9 Ela mostrou a milhares de indiví-
duos duas fotos de uma paisagem montanhosa. Uma foto mostra-
va uma campina cheia de pessoas, enquanto a outra mostrava a
mesma cena, mas só corn alguns visitantes. Então ela fazia duas
perguntas. A primeira era: “Em qual desses dois lugares você pre-
feriria passar suas férias?” Cerca de 60 por cento escolheram a
campina deserta e só 34 por cento o lugar cheio de gente. A
segunda pergunta era: “Em qual desses dois lugares você acha
que a maioria dos alemães preferiria passar suas férias?” A essa
pergunta, 61 por cento responderam que o lugar abarrotado pro-
vavelmente seria a primeira escolha de seus compatriotas, e 23
por cento, o local solitário. Aqui, como em muitas situações simi-
lares, podemos aprender mais sobre as verdadeiras preferências
ouvindo o que as pessoas dizem sobre a preferência alheia em vez
do que elas alegam querer para si.
Quer gostemos ou não da solidão, contudo, em nossa época
temos de tolerar um pouco dela. É difícil aprender matemática,
praticar piano, programar um computador ou descobrir qual é a
finalidade de nossa vida se estamos cercados de gente. A concen-
tração necessária para ordenar os pensamentos na consciência é
92 A DESCOBERTA DO FLUXO

facilmente interrompida por uma palavra externa, pela necessida-


de de prestar atenção em outra pessoa. Assim, descobrimos que
os adolescentes que sentem que precisam estar sempre com os
amigos - e esses são geralmente jovens cujas farm'lias oferecem
pouco apoio emocional _, em geral, não têm a energia psíquica
necessária para o aprendizado complexo. Mesmo que tenham
uma aptidão intelectual superior, o medo da solidão os impede de
desenvolver seus talentos.10

É verdade que, se a solidão foi uma ameaça constante à huma-


nidade, os estranhos não foram um problema menor. Geralmente,
achamos que as pessoas que diferem de nós - por parentesco, lin-
guagem, raça, religião, educação, classe social -terão metas com
finalidades opostas às nossas e, portanto, devem ser vistas
com suspeita. Os antigos grupos humanos geralmente pensavam
ser os únicos verdadeiros seres humanos, e que aqueles que não
compartilhavam sua cultura não eram pessoas. Embora sejamos
todos relacionados geneticamente, as diferenças culturais servi-
ram para reforçar nosso isolamento uns dos outros.
Por causa disso, sempre que grupos diferentes entram em
contato, eles ignoram demasiadamente sua humanidade mútua e
tratam o “outro” como um inimigo que em caso de necessidade
poderia ser destruído sem grande remorso. Isso é verdade não só
entre os caçadores de cabeças da Nova Guiné, mas também entre
os sérvios e muçulmanos da Bósnia, católicos e protestantes
irlandeses e uma infinidade de outros conflitos entre raças e cre-
dos que borbulham sob a superfície da civilização.
Os primeiros cadinhos de diversas identidades tribais foram
as grandes cidades, que surgiram por volta de 8 mil anos atrás em
muitas partes diferentes do mundo, da China e Índia até o Egito.
Aqui, pela primeira vez, pessoas de origens diferentes aprende-
ram a cooperar e a tolerar modos de vida diferentes. Mas até mes-
mo as metrópoles cosmopolitas foram incapazes de eliminar o
medo de estranhos. Na Paris medieval, estudantes de sete anos de
idade tinham de usar adagas quando iam e voltavam das escolas
nas catedrais para se defender contra raptores e ladrões; hoje os
estudantes dos grandes centros usam armas. No século XVII, era
extremamente comum que mulheres caminhando pelas ruas da
cidade fossem violentadas por gangues de jovens.ll Na selva
RELACIONAMENTOS E QUALIDADE DE VIDA 93

urbana, um homem com uma cor de pele diferente, roupas e com-


portamento diferentes ainda é um predador em potencial.
Neste caso também, todavia, existe o outro lado da moeda.
Embora sejamos repelidos pelas diferenças, também somos fasci-
nados pelo estranho e exótico. A metrópole nos é tão atraente em
parte porque o choque de culturas estabelece uma atmosfera de
estímulo, liberdade e criatividade que raramente é encontrada em
uma cultura homogênea e isolada. Como resultado, as pessoas
declaram algumas de suas experiências mais positivas em espa-
ços públicos onde estão cercados por estranhos - parques, ruas,
restaurantes, teatros, clubes e praias. Enquanto pudermos supor
que os “outros” partilharão nossas metas básicas e se comporta-
rão de maneira previsível dentro de certos limites, sua presença
acrescenta urna boa dose de tempero à qualidade de vida.
A atual tendência rumo ao pluralismo e a uma cultura global
(que, como se sabe, não são a mesma coisa, mas levam à integra-
ção em vez da diferenciação) é uma maneira de reduzir a estra-
nheza de estranhos. Outra é a “restauração” das comunidades. As
aspas na expressão anterior servem para indicar que comunidades
ideais, como as famílias ideais, nunca existiram. Quando lemos
histórias de vidas privadas, é difícil encontrar qualquer lugar, em
qualquer período, em que as pessoas tenham vivido em serena
cooperação, sem medo de inimigos externos ou internos na
comunidade. Pode não ter havido minorias raciais ou crime orga-
nizado em pequenas vilas chinesas, indianas ou européias, mas é
possível encontrar desajustados, desequilíbrados, hereges, castas
inferiores, animosidades políticas ou religiosas que explodiam
em guerras civis e assim por diante. Nos Estados Unidos, as pri-
meiras comunidades devem ter tido uma grande dose de coesão -
contanto que não fossem divididas por caças às bruxas, guerras
com os índios, conflitos entre aqueles que eram contra e a favor
da Coroa Britânica, ou contra ou a favor da escravidão.
Em outras palavras, a comunidade ideal que inspirava os
pincéis de Norman Rockwell não era mais típica do que suas
famílias rosadas e bem alimentadas sentadas com as cabeças bai-
xas e sorrisos satisfeitos à mesa de jantar do Dia de Ação de
Graças. Mesmo assim, isso não significa que tentar criar comuni-
dades saudáveis seja uma má idéia. Pelo contrário, sugere que,
em vez de procurar modelos no passado, devemos descobrir
RELACIONAMENTOS E QUALIDADE DE VIDA 95

como os dados foram interpretados. Urna das manifestações da


extroversão é dar um foco positivo às coisas, enquanto os intro-
vertidos tendem a ser mais reservados na descrição de seus esta-
dos interiores. Assim, a qualidade da experiência pode ser similar
em ambos os grupos, e só o relato diferiria.
Uma solução melhor é sugerida pelo estudo dos indivíduos
criativos. Em vez de ser extrovertidas ou introvertidas, essas pes-
soas parecem ser capazes de expressar ambas as características ao
longo de suas vidas. É verdade que o estereótipo do “gênio soli-
tário” é forte e realmente tem uma base nos fatos. Afinal de con-
tas, geralmente é preciso estar sozinho para escrever, pintar ou
fazer experiências em um laboratório. No entanto, repetidas
vezes os indivíduos criativos destacam a importância de ver pes-
soas e escutar pessoas, trocar idéias e conhecer o trabalho dos
outros. O físico John Archibald Wheeler expressa esse ponto de
vista de maneira bastante direta: “Se você não discute suas idéias
com os outros, você está por fora. Ninguém, eu sempre digo,
pode ser alguém sem que haja outras pessoas por perto.”
Outro cientista de destaque, Freeman Dyson, expressa com
uma sutil nuança as fases opostas desta dicotomia em sua obra.
Ele aponta para a porta do seu escritório e diz:
A ciência é muito gregária. Ela é essencialmente a diferença entre
manter essa porta aberta ou fechada. Quando estou fazendo ciên-
cia, mantenho a porta aberta... Você quer estar o tempo todo falan-
do com pessoas... porque só interagindo com outras pessoas é
possível fazer alguma coisa interessante. É uma atividade essen-
cialmente comunitária. Existem coisas novas acontecendo o tem-
po todo, e é preciso manter-se à frente e conscientizar-se do que
está acontecendo. É preciso falar constantemente. Mas, natural-
mente, escrever é diferente. Quando estou escrevendo, tenho de
fechar a porta, e mesmo assim entram sons demais, de modo que,
quando escrevo, muitas vezes me escondo na biblioteca. É um
jogo solitário.

John Reed, executivo principal da Citicorp que conduziu


sua empresa com sucesso durante períodos turbulentos, fala da
alternância entre a introspecção e uma intensa interação social em
sua rotina diária:

Sou um sujeito ativo no início da manhã. Levante-me sempre às


cinco da madrugada, saio do chuveiro às cinco e meia e geralmen-
96 A DESCOBERTA DO FLUXO

te tento trabalhar em casa ou no escritório, e é então que elaboro


grande pane do meu raciocínio e estabeleço minhas prioridades...
tento manter um período de razoável tranqüilidade até as nove e
meia ou dez da manhã. Então me envolvo em várias transações.
Ser o diretor de uma empresa é como ser um chefe tribal. As pes-
soas entram no seu escritório e falam com você.

Até mesmo no reino bastante particular das artes, é essencial


ter capacidade de interagir. A escultora Nina Holton descreve
bem o papel da sociabilidade em seu trabalho:
Você não pode trabalhar inteiramente sozinho no seu canto; você
vai querer que um colega artista apareça e converse sobre as coi-
sas com você: “O que acha disso?” É preciso ter algum tipo de
feedback. Não há como ficar sentado ali totalmente sozinho... E
aí, mais tarde, quando você começar a expor, vai ter toda uma
rede de pessoas. Você terá de conhecer o pessoal das galerias, terá
de conhecer pessoas que trabalham no campo em que está envol-
vido. E você pode querer descobrir se deseja fazer parte disso ou
não, mas não pode deixar de ser parte de uma irmandade, com-
preende?

O modo como esses indivíduos criativos encaram a vida sugere


que é possível ao mesmo tempo ser extrovertido e introvertido.
Na verdade, expressar todo o espectro que vai da introversão à
extroversão talvez seja o comportamento normal dos seres huma-
nos. O que é anormal é ficar preso em uma ou outra das extremi-
dades deste contínuo, experimentando a vida apenas como um ser
gregário ou apenas como um ser solitário. Certamente o tempera-
mento e a socialização nos empurrarão para uma direção ou para
outra, e depois de algum tempo ficará fácil para nós nos acomo-
darrnos a essas forças condicionadoras e aprender a disputar nos-
sa interação social ou nossa solidão, mas não ambas as coisas.
Agir dessa maneira, contudo, limita o espectro total das experiên-
cias que são possíveis aos seres humanos, e diminui nossas possi-
bilidades de desfrutar a vida.
SETE

COMO MUDAR OS PADRÕES DE VIDA

Há alguns anos, um homem de 83 anos escreveu uma das canas


mais emocionantes que já recebi de um leitor. Depois da Primeira
Guerra Mundial, ele fora um soldado na artilharia de campo em
uma base militar do Sul dos Estados Unidos. Eles usavam cava-
los para puxar os carregamentos de armas e, depois das mano-
bras, muitas vezes os desatrelavam e jogavam pólo. Durante
esses jogos, ele sentia uma alegria que nunca vivera antes nem
viveria depois; ele presumiu que só jogar pólo poderia fazer corn
que ele se sentisse tão bem. Os sessenta anos seguintes foram
rotineiros e sem mudanças. Então ele leu Flux, e percebeu que a
empolgação que experimentara na juventude quando montava
um cavalo não se limitava necessariamente ao jogo de pólo, e
começou a fazer coisas que ele pensava que seriam divertidas,
mas que nunca tentara. Passou a praticar jardinagem, ouvir músi-
ca e a realizar outras atividades que, vejam só, reviveram a satis-
fação da sua juventude.
É muito bom que aos oitenta anos esse homem tenha desco-
berto que não precisa aceitar passivamente uma vida tediosa.
Ainda assim, os sessenta anos intermediários parecem ter sido
desnecessariamente vazios. E quantas pessoas nunca percebem
que podem moldar sua energia psíquica para que tirem o máximo
da experiência? Se a descoberta de que cerca de 15 por cento da
população nunca está em fluxo for correta, isso significa que,
apenas nos EUA, dezenas de milhares de pessoas estão se privan-
do daquilo que toma a vida digna de ser vivida.l
Naturalmente, em muitos casos é possível compreender por
98 A DESCOBERTA DO FLUXO

que uma pessoa pode experimentar o fluxo poucas vezes, ou mes-


mo nunca. Uma infância de privações, pais abusivos, pobreza e
vários outros motivos externos podem tornar difícil para uma
pessoa descobrir a felicidade na vida cotidiana. Por outro lado,
existem tantos exemplos de individuos que superaram esses obs-
táculos que a crença de que a qualidade de vida é determinada
pelo ambiente externo é inconsistente. Algumas das discordân-
cias mais loquazes ao que escrevi sobre o fluxo vieram de leito-
res que alegavam ter sofrido abusos, mas queriam que eu soubes-
se que, ao contrário do que eu dissera, era perfeitamente possível
que crianças maltratadas desfrutassem suas vidas adultas.
Os exemplos são muitos. Um dos meus favoritos envolve
Antonio Gramsci, o filósofo do socialismo humanista que teve
profunda influência sobre o desenvolvimento do pensamento
europeu neste século e a queda do leninismo-stalinismo.2 Nas-
cido em 1891 em uma família desvalida na pobre ilha da Sar-
denha, Antonio tinha uma deformação na coluna e passou quase
toda a infância doente. Sua pobreza ficou praticamente insusten-
tável quando o pai foi preso devido a acusações falsas, não
podendo mais sustentar sua farm'lia numerosa. Em uma tentativa
fracassada de curar sua corcunda, o tio de Antonio o pendurava
pelas canelas nas vigas da palhoça onde viviam. A mãe de An-
tonio tinha tanta certeza de que a criança morreria durante o sono
que toda noite separava sua melhor roupa e um par de velas no
armário, para que os preparativos do funeral levassem menos
tempo. Com esses fatos, não seria surpresa que Gramsci cresces-
se cheio de ódio e rancor. Em vez disso, ele dedicou sua vida a
ajudar os oprimidos, tomando-se um escritor sutil e um teórico
brilhante. Embora fosse um dos fundadores do Partido Comu-
nista Italiano, ele jamais comprometeu seus valores humanitários
por uma questão de pragmatismo ou dogma partidário. Mesmo
depois que Mussolini o aprisionou em uma cadeia medieval para
que ele morresse no confinamento solitário, Gramsci continuou
escrevendo cartas e ensaios cheios de luz, esperança e compai-
xão. Todos os fatores externos conspiraram para perverter a vida
de Gramsci; ele deve receber todo o crédito por ter alcançado a
harmonia intelectual e emocional que deixou como sua herança.
Outro exemplo, extraído de minhas próprias pesquisas, é a
vida de Linus Pauling. Ele nasceu em Portland, Oregon, na vira-
da do século XIX para o XX; seu pai morreu quando Linus tinha
COMO MUDAR OS PADRÕES DE VIDA 99

nove anos de idade, deixando a família na pobreza. Embora fosse


um leitor voraz e colecionasse minerais, plantas e insetos, Linus
não acreditava que conseguiria passar da escola secundária.
Felizmente, os pais de um de seus amigos quase o obrigou a se
inscrever na faculdade. Então ele recebeu uma bolsa para entrar
na Cal Tech, envolveu-se em pesquisas, recebeu o prêmio Nobel
de química em 1954 e o prêmio Nobel da paz em 1962. Ele des-
creveu seus anos na faculdade da seguinte maneira:
Eu ganhava algum dinheiro fazendo bicos, trabalhando para a
faculdade, matando dentes-de-leão no gramado mergulhando uma
vara num balde contendo uma solução de arsenato de sódio e en-
tão enfiando o bastão no dente-de-leão. Todo dia eu rachava
lenha, cerca de um metro cúbico, talvez, em tábuas - as toras já
vinham serradas - de um tamanho que entrasse nos fogões a lenha
do alojamento feminino. Duas vezes por semana eu cortava até
um quarto de boi em postas ou cortes para assar, e todo dia eu pas-
sava esfregão na cozinha grande, a enorme área da cozinha.
Então, no final do meu segundo ano, consegui um emprego como
engenheiro de pavimentação, colocando um pavimento de asfalto
nas montanhas do sul do Oregon.

O que era tão impressionante em Linus Pauling é que até mes-


mo aos noventa anos de idade ele mantinha o entusiasmo e a curio-
sidade de uma criança. Tudo o que ele dizia ou fazia borbulhava de
energia. Apesar das adversidades iniciais e das dificuldades poste-
riores, ele aparentava óbvia alegria de viver. E não havia nenhum
segredo sobre como ele fazia isso; em suas próprias palavras:
“Simplesmente fui fazendo o que gostava de fazer.”
Alguns podem considerar essa atitude irresponsável: como
alguém pode se dar ao luxo de fazer apenas o que gosta? Mas a
questão é que Pauling - e muitos outros que compartilham sua
atitude - gostava de fazer quase tudo, por mais difícil ou banal
que fosse, incluindo as coisas que era obrigado a fazer. A única
coisa de que eles definitivamente não gostam é de perder tempo.
Assim, não é que a vida deles seja objetivamente melhor do que
a sua ou a minha, mas seu entusiasmo pela vida é tamanho que a
maioria das coisas que eles fazem acaba oferecendo-lhes expe-
riências de fluxo.
Recentemente, muita coisa foi escrita sobre como as pes-
soas nascem com um temperamento alegre ou triste, e que não há
muito que possa ser feito para mudar isso. Se você é uma pessoa
lOO A DESCOBERTA DO FLUXO

feliz, vai continuar assim por pior que seja sua sorte; se você não
é, um golpe de sorte pode melhorar seu humor por um período
curto, mas você logo vai voltar ao estado taciturno e desanimado
a que foi condenado por sua estrutura genética. Se isso fosse ver-
dade, não haveria esperança na tentativa de alterar a qualidade da
própria vida. Mas esse cenário determinista só está correto em
relação à exuberância extrovertida, que muitas vezes é confundi-
da corn felicidade, pois ela parece ser um traço razoavelmente
estável do caráter de uma pessoa. No entanto, a história é muito
diferente se consideramos a felicidade como a apreciação menos
óbvia da vida que o fluxo oferece.
Em um excelente estudo ESM longitudinal sobre adolescen-
tes, por exemplo, Joel I-lektner descobriu que cerca de 60 por cen-
to dos adolescentes relataram a mesma freqüência de fluxo
durante um período de uma semana medido com uma diferença
de dois anos; aqueles que vivenciaram uma boa dose de fluxo
cedo ainda o faziam depois, e aqueles que vivenciaram pouco no
início ainda o faziam dois anos depois.3 Mas os 40 por cento res-
tantes mudaram muito no mesmo período, metade deles declaran-
do uma quantidade significativamente maior de fluxo (medido
como experiências de alto desafio e alta habilidade). Aqueles
cuja freqüência de fluxo aumentara dois anos depois passavam
mais tempo estudando e menos tempo no lazer passivo, e seus
níveis de concentração, auto-estima, satisfação e interesse eram
significativamente mais elevados que os dos adolescentes cuja
freqüência de fluxo diminuíra - embora dois anos antes os dois
grupos houvessem declarado a mesma qualidade de experiência.
É importante observar que os adolescentes cujos fluxos tinham
aumentado não declararam que estavam “mais felizes” do que
aqueles cujo fluxo havia diminuído. Mas, devido às grandes dife-
renças nas outras dimensões de experiência, é seguro concluir
que a felicidade declarada pelo grupo de baixo fluxo era mais
superficial e menos autêntica. Isso sugere que de fato é possível
melhorar a qualidade da própria vida investindo energia psíquica
em atividades que tenham maior probabilidade de produzir fluxo.

Como para a maioria de nós o trabalho é a parte central da vida, é


essencial que essa atividade seja tão agradável e compensadora
quanto possível. No entanto, muitas pessoas acreditam que, con-
102 A DESCOBERTA DO FLUXO

Os psicólogos Ann Colby e William Damon descreveram


muitos indivíduos que não pouparam esforços para que seus tra-
balhos fossem significativos, pessoas que abandonaram uma
existência “normal” para se dedicar a ter importância para as
vidas dos outros.5 Uma dessas pessoas é Susie Valdez, que estava
passando de um trabalho mal pago e tedioso para outro na Costa
Oeste americana, sem nenhuma perspectiva de coisa melhor.
Então, durante uma visita ao México, ela viu os montes de lixo
nos limites de Ciudad Juarez, onde centenas de meninos sem-teto
sobreviviam catando lixo. Susie encontrou ali pessoas que esta-
vam ainda mais desesperadas que ela, e descobriu que tinha a
capacidade de apontar às crianças um modo de vida melhor; ela
formou uma missão entre o lixo, deu início a uma escola e a uma
clínica e ficou conhecida como a “Rainha da Lixeira”.
Além dessas mudanças drásticas, há muitas maneiras de tor-
nar o próprio emprego mais significativo agregando-lhe mais
valor.6 Um funcionário de supermercado que realmente é atencio-
so com os clientes, um médico preocupado com o bem-estar total
dos pacientes em vez de apenas com sintomas específicos, um
jornalista que considera a verdade pelo menos tão importante
quanto o interesse sensacionalista quando escreve uma reporta-
gem podem transformar um trabalho rotineiro com conseqüên-
cias efêmeras em um trabalho importante. Com a especialização
crescente, a maioria das atividades ocupacionais se tornou repeti-
tiva e unidimensional. É difícil desenvolver um conceito positivo
de si mesmo se tudo o que a pessoa faz é abastecer prateleiras de
supermercado ou preencher formulários da manhã até a noite.
Levando em conta todo o contexto da atividade e compreenden-
do o impacto de nossas ações sobre o todo, um trabalho comum
pode se transformar em um desempenho memorável que toma o
mundo melhor.
ComoI todo mundo, eu poderia fazer uma longa lista de
encontros fortuitos com trabalhadores que, além de fazer seu tra-
balho, ajudaram a reduzir a entropia ao redor deles. Um frentista
num posto de gasolina que consertou um limpador de pára-brisa
com um sorriso e se recusou a ser pago por um esforço tão peque-
no; um corretor de imóveis que continuou a ajudar anos depois de
ter vendido a casa; uma comissária de bordo que concordou em
permanecer no avião, depois de a tripulação ter ido embora, para
localizar uma carteira perdida... Em todos esses casos, o valor do
COMO MUDAR OS PADRÕES DE VIDA 103

desempenho do trabalho aumentou porque o trabalhador estava


disposto a investir energia psíquica extra e, assim, conseguiu
extrair significado adicional dele. Mas o significado que obtemos
de um trabalho é gratuito. Como esses exemplos mostram, é pre-
ciso pensar e agir além do que reza a atribuição do cargo. E isso,
por sua vez, exige atenção adicional, que, como já dissemos repe-
tidas vezes, é o recurso mais precioso que temos.
Um argumento similar pode ser empregado para transfor-
mar um trabalho que carece de desafio e variedade em um que
satisfaça nossas necessidades de novidade e realização. Também
nesse caso a pessoa deseja gastar energia psíquica adicional para
recolher os benefícios desejados. Se não houver esforço, um tra-
balho tedioso continuará tedioso. A solução básica é muito sim-
ples; ela requer que prestemos bastante atenção a cada etapa exi-
gida no trabalho, e então perguntemos: essa etapa é necessária?
Quem precisa dela? Se é realmente necessária, ela pode ser feita
de maneira melhor, mais rápida e mais eficiente? Que passos adi-
cionais tornariam minha contribuição mais valiosa? Nossa atitu-
de para com o trabalho geralmente envolve gastar um bocado de
esforço tentando aparar as arestas e fazer o mínimo possível. Mas
esta é uma estratégia míope. Se gastássemos a mesma quantidade
de atenção tentando encontrar maneiras de realizar mais no traba-
lho, sentiríamos mais prazer em trabalhar - e provavelmente
seríamos mais bem-sucedidos.
Até mesmo algumas das descobertas mais importantes sur-
gem quando o cientista, atento a um processo rotineiro, nota algu-
ma coisa nova e incomum que precisa ser explicada. Wilhelm C.
Roentgen descobriu a radiação quando notou que alguns negati-
vos fotográficos mostravam sinais de exposição mesmo na
ausência de luz; Alexander Fleming descobriu a penicilina quan-
do observou que culturas bacterianas eram menos densas em pla-
cas que não haviam sido limpas e estavam emboloradas; Rosalyn
Yalow descobriu a técnica de radioterapia depois de ter notado
que os diabéticos absorviam insulina mais devagar que os pacien-
tes normais, em vez de sua absorção ser mais rápida, como se
acreditava anteriormente. Em todos esses casos - e os registros da
ciência estão repletos de histórias similares -, um evento rotinei-
ro é transformado em uma importante descoberta que muda a
maneira como vivemos porque alguém prestou mais atenção a ela
do que a situação parecia requerer. Se ao entrar na banheira
104 A DESCOBERTA DO FLUXO

Arquimedes, houvesse apenas pensado: "Droga, molhei o chão


de novo, o que a patroa vai dizer?”, a humanidade poderia ter pre-
cisado esperar mais algumas centenas de anos para compreender
o princípio do deslocamento dos fluidos. Como Yalow descreveu
sua própria experiência: “Algo acontece, e você reconhece que
aconteceu.” Parece simples, mas a maioria de nós geralmente está
distraída demais para reconhecer quando algo acontece.
Assim como mudanças mínimas podem resultar em grandes
descobertas, pequenos ajustes podem transformar um trabalho
rotineiro detestado em um desempenho profissional que o indiví-
duo espera com ansiedade a cada manhã. Primeiro, é preciso
compreender totalmente o que está acontecendo e por quê; em
segundo lugar, é essencial não aceitar passivamente o que está
acontecendo como a única maneira de realizar o trabalho; então é
preciso pensar em opções e experimenta-las até encontrar uma
maneira melhor. Geralmente os funcionários são promovidos
para cargos mais desafiadores porque seguiram esses passos em
suas funções anteriores. Porém, mesmo que ninguém mais note,
o trabalhador que usa a energia psíquica deste modo terá um
emprego mais satisfatório.
Um dos exemplos mais claros que já vi foi quando fiz uma
pesquisa em uma fábrica onde estava sendo montado o equipa-
mento audiovisual de uma linha de produção. A maioria dos tra-
balhadores da linha estava entediada e considerava seu trabalho
como inferior à sua capacidade. Então conheci Rico, que tinha
uma maneira totalmente diferente de encarar o que fazia. Ele real-
mente considerava seu emprego algo difícil, que exigia uma
grande habilidade. No final, ele estava certo. Embora precisasse
fazer os mesmos tipos de tarefas tediosas que o resto do pessoal,
Rico aprendera sozinho a realiza-las com a economia e a elegân-
cia de um virtuose. Cerca de quatrocentas vezes por dia uma
câmera parava em sua estação e Rico tinha 43 segundos para veri-
ficar se o sistema de som correspondia às especificações. Em
alguns anos, depois de experimentar diferentes ferramentas e
padrões de movimento, ele conseguiu reduzir o tempo médio
necessário para a verificação de cada câmera para 28 segundos.
Ele estava tão orgulhoso dessa realização quanto um atleta olím-
pico estaria se, depois de se preparar durante um período igual,
conseguisse quebrar o recorde de 44 segundos nos quatrocentos
metros rasos. Rico não ganhou uma medalha por seu recorde, e
COMO MUDAR OS PADRÕES DE VIDA 105

reduzir o tempo necessário para realizar seu trabalho não melho-


rou a produção, porque a linha continuava se movendo na veloci-
dade anterior. Mas ele adorava a satisfação de usar suas habilida-
des plenamente: “É melhor do que qualquer outra coisa - muito
melhor do que assistir à televisão.” E como ele sentia que estava
chegando ao seu limite no emprego atual, fazia um curso noturno
para receber um diploma que lhe abrisse novas perspectivas na
engenharia eletrônica.
Não surpreende que o mesmo tipo de abordagem seja neces-
sário para resolver o problema do estresse no trabalho, já que o
estresse é prejudicial para conseguir o fluxo. No uso comum, a
palavra “estresse” se aplica tanto à tensão que sentimos quanto às
suas causas extemas.7 Essa ambigüidade leva ao pressuposto
errôneo de que o estresse externo forçosamente resultará no des-
conforto psíquico. Contudo, mais uma vez, não existe uma rela-
ção de correspondência exata entre o objetivo e o subjetivo; o
estresse externo (que, para evitar confusão, poderíamos chamar
de “tensão”) não precisa levar a experiências negativas. É verda-
de que as pessoas se sentem ansiosas quando percebem os desa-
fios em uma situação que vai muito além de suas capacidades, e
que desejam evitar a ansiedade a todo custo. Mas a percepção dos
desafios e habilidades está relacionada com uma avaliação subje-
tiva sujeita a mudanças.
No trabalho, existem tantas fontes de tensão quanto na pró-
pria vida; crises inesperadas, expectativas elevadas, problemas
insolúveis de todos os tipos. Como impedi-las de se tornarem
estressantes? Um primeiro passo consiste em estabelecer priori-
dades entre as exigências que se acumulam na consciência.
Quanto maior a responsabilidade que o indivíduo possui, mais
essencial se toma saber o que é verdadeiramente importante e o
que não é. As pessoas bem-sucedidas muitas vezes fazem listas,
ou planilhas, de todas as coisas que precisam fazer, e rapidamen-
te decidem que tarefas podem delegar, ou esquecer, e quais preci-
sam encarar pessoalmente, e em qual ordem. Às vezes essa ativi-
dade toma a forma de um ritual e, como todo n'tual, serve em par-
te como uma garantia de que as coisas estão sob controle. John
Reed, executivo principal da Citicorp, passa grande parte do tem-
po a cada manhã estabelecendo suas prioridades. “Sou um gran-
de fazedor de listas”, diz ele, “tenho vinte listas de afazeres o
tempo todo. Se eu tiver cinco minutos livres, sento-me e faço
lOó A DESCOBERTA DO FLUXO

uma lista de coisas com que deveria estar me preocupando...”


Mas não é necessário ser tão sistemático; algumas pessoas con-
fiam em sua memória e experiência, e fazem suas escolhas de
maneira mais intuitiva. O importante é desenvolver uma estraté-
gia pessoal para produzir algum tipo de ordem. Depois do estabe-
lecimento de prioridades, algumas pessoas enfrentarão primeiro
as tarefas mais fáceis na lista e limparão a mesa para as tarefas
mais difíceis; outros procedem na ordem reversa, porque sentem
que depois de lidar com os itens difíceis, os mais fáceis se resol-
verão por si mesmos. As duas estratégias funcionam, mas para
pessoas diferentes; o que importa é que cada pessoa descubra a
estratégia de sua preferência.
Ser capaz de criar a ordem entre as ván'as exigências que se
acumulam sobre a consciência é um grande passo na eliminação
do estresse. O passo seguinte é fazer com que nossas habilidades
correspondam aos desafios que foram identificados. Existirão
tarefas que nos sentiremos incapazes de resolver - elas podem ser
delegadas a outra pessoa? Você pode aprender as habilidades
necessárias a tempo? Você pode conseguir ajuda? A tarefa pode
ser transformada, ou dividida em partes mais simples? Geral-
mente a resposta a uma dessas questões oferecerá uma solução
que transforma uma situação potencialmente estressante em uma
experiência de fluxo. Nada disso acontecerá, contudo, se o indi-
víduo responder à tensão passivamente, como um coelho parali-
sado diante dos faróis de um carro que se aproxima. É preciso
investir atenção na ordenação de tarefas, na análise do que é
necessário para completa-las, nas estratégias da solução. Somen-
te pelo exercício do controle o estresse poderá ser evitado. E
embora todos possuam a energia psíquica para lidar com a tensão,
poucos aprendem a usá-la de maneira eficaz.
As carreiras de indivíduos criativos oferecem alguns dos
melhores exemplos de como é possível moldar o trabalho segun-
do as próprias exigências. A maioria das pessoas criativas não
segue uma carreira estabelecida, mas inventa seu trabalho
enquanto o realiza. Os artistas inventam seu próprio estilo de pin-
tura, os compositores seus próprios estilos musicais. Os cientistas
criativos desenvolvem novos campos de ciência, e tornam possí-
vel para seus sucessores desenvolverem carreiras nesses campos.
Não existiam radiologistas antes de Roentgen, e não havia medi-
cina nuclear antes de Yalow e seus colaboradores criarem este
COMO MUDAR OS PADRÕES DE VIDA 107

campo. Não havia montadores de carros antes de empreendedo-


res como Henry Ford construírem as primeiras linhas de produ-
ção. Obviamente, muito poucas pessoas podem iniciar novas
linhas de trabalho; a maioria de nós seguirá a descrição de cargo
das carreiras convencionais. Mas até mesmo o emprego mais
rotineiro pode se beneficiar do tipo de energia transformadora
que os indivíduos criativos levam ao que fazem.
George Klein, um biólogo estudioso de tumores que chefia
um renomado departamento de pesquisa no Instituto Karolinska,
em Estocolmo, ilustra bem como essas pessoas encaram seu tra-
balho. Klein gosta imensamente do que faz, no entanto existem
dois aspectos da sua função que ele detesta. Um deles é esperar
em terminais de aeroporto, o que ele precisa fazer freqüentemen-
te devido a sua agenda repleta de encontros internacionais. O
outro aspecto que ele odeia é escrever os inevitáveis projetos para
obter financiamento dos órgãos governamentais que fornecem os
fundos para sua equipe de pesquisa. Essas duas tarefas tediosas
estavam desgastando sua energia psíquica e gerando insatisfação
com seu trabalho. No entanto, não podiam ser evitadas. Então
Klein teve uma súbita inspiração: e se ele combinasse as duas? Se
ele pudesse escrever seus projetos enquanto esperava pelos
aviões, pouparia metade do tempo anteriormente dedicado a tare-
fas tediosas. Para implementar essa estratégia, ele comprou o
melhor gravador de bolso que conseguiu encontrar e começou a
ditar solicitações de financiamento enquanto esperava nas filas
de alfândega dos aeroportos. Esses aspectos do seu trabalho ain-
da são objetivamente o que eram antes, mas devido ao controle
que assumiu, Klein praticamente os transformou em um jogo.
Agora é um desafio ditar o máximo possível enquanto espera; em
vez de sentir que está perdendo tempo em uma tarefa tediosa, ele
se sente energizado.
Em cada viagem, vemos dezenas de homens e mulheres tra-
balhando em seus laptops, somando colunas de cifras ou subli-
nhando artigos técnicos que estão lendo. Isso significa que, como
George Klein, eles se sentem energizados por terem combinado a
viagem com o trabalho? Isso depende de sentirem que foram
obrigados a fazê-lo ou se adotam essa estratégia para poupar tem-
po ou ganhar em eficiência. No primeiro caso, trabalhar no avião
provavelmente causará tensão em vez de dar origem ao fluxo. Se
é algo que a pessoa acha que precisa fazer, talvez fosse melhor
108 A DESCOBERTA DO FLUXO

olhar para as nuvens pela janela, ler uma revista ou conversar


com outro passageiro.

Além do trabalho, outra grande área que tem impacto sobre a


qualidade de vida é o tipo de relacionamento que temos. E muitas
vezes existe um conflito entre esses dois lados, de modo que uma
pessoa que adora o trabalho pode negligenciar a família e os ami-
gos, e vice-versa. O inventor Jacob Rabinow, ao descrever como
sua esposa muitas vezes se sente deixada de lado, repete aquilo
que todas as pessoas dedicadas ao trabalho diriam:
Eu me envolvo de tal maneira com uma idéia quando estou traba-
lhando, fico tão concentrado, que fico totalmente sozinho. Não
presto atenção no que as pessoas dizem... Você não presta atenção
em ninguém. E tende a se afastar das pessoas... Talvez, se eu não
fosse um inventor mas tivesse um emprego rotineiro, eu passaria
mais tempo em casa e prestaria mais atenção na minha família...
assim, talvez as pessoas que não gostem dos seus empregos gos-
tem mais dos seus lares.

Essa observação é muito verdadeira, e o motivo é simples.


Já que a atenção é um recurso limitado, quando uma meta toma
toda a nossa energia psíquica, não sobra nada para as demais ati-
vidades.
Apesar disso, é difícil ser feliz se a pessoa negligencia qual-
quer uma dessas dimensões. Muitas pessoas casadas com seus
empregos estão conscientes disso, e encontram maneiras de com-
pensar o fato escolhendo um cônjuge compreensivo ou sendo
muito cuidadosas na divisão de sua atenção. Linus Pauling foi
bastante sincero sobre essa questão: “Na minha opinião, tive a
sorte da minha esposa pensar que seu dever e seu prazer na vida
viriam da sua família - seu marido e seus filhos. E que o melhor
modo como ela poderia contribuir seria cuidar para que eu não
fosse incomodado com os problemas do lar; ela resolveria todos
esses problemas de modo que eu poderia dedicar todo o meu tem-
po ao trabalho.” Mas poucas pessoas - e especialmente poucas
mulheres - podem se considerar tão afortunadas quanto Pauling
neste aspecto.
Um caminho mais realista é encontrar maneiras de equili-
brar o significado das recompensas que recebemos no trabalho e
nos relacionamentos. Apesar do fato de quase todo mundo alegar
COMO MUDAR OS PADRÕES DE VIDA 109

que a família é a preocupação mais importante de suas vidas,


muito poucos - poucos homens, em especial - se comportam
como se esse fosse o caso. E verdade que a maioria dos homens
casados agora está convencida de que suas vidas são dedicadas à
família, e do ponto de vista material isso pode ser verdade. Mas é
preciso mais do que comida na geladeira e dois carros na garagem
para levar a família adiante. Um grupo de pessoas se mantém uni-
do por dois tipos de energia: energia material fornecida por comi-
da, calor, cuidados físicos e dinheiro; e a energia psíquica das
pessoas investindo atenção nas metas umas das outras. A menos
que pais e filhos compartilhem idéias, emoções, atividades,
memórias e sonhos, seu relacionamento só sobreviverá porque
satisfaz necessidades materiais. Como entidade psíquica, só exis-
tirá no nível mais primitivo.
Por incrível que pareça, muitas pessoas se recusam a admi-
tir esse fato. A atitude mais difundida parece ser que, enquanto as
necessidades materiais forem satisfeitas, a família vai cuidar de si
mesma; ela será um refúgio caloroso, harmonioso e permanente
em um mundo fn'o e perigoso. É muito comum encontrar homens
bem-sucedidos de quarenta ou cinqüenta anos que ficam perple-
xos quando suas esposas os abandonam ou seus filhos se envol-
vem em problemas sérios. Eles não amaram sempre a sua famí-
lia? Eles não investiram toda a sua energia para toma-los felizes?
É verdade que nunca tiveram mais do que alguns minutos por dia
para conversar, mas como poderiam ter feito de maneira diferen-
te, com todas as exigências do emprego...
Em geral, acreditamos que alcançar o sucesso na carreira
exige uma grande quantidade de investimento contínuo de pensa-
mento e energia. Relacionamentos familiares, por sua vez, são
“naturais”, de modo que exigem pouco esforço mental. O cônju-
ge vai continuar a ser solidário, as crianças vão cuidar dos pais -
mais ou menos - porque é assim que as famílias deveriam ser. Os
empresários sabem que até a empresa mais bem-sucedida precisa
de atenção constante, porque as condições externas e internas
estão sempre mudando, e têm de ser ajustadas. A entropia é um
fator constante e, se alguém não cuidar dela, a empresa se dissol-
ve. No entanto, muitos deles acreditam que as famílias são de
alguma maneira diferentes - a entropia não pode tocá-las, e con-
seqüentemente elas são imunes a mudanças.
Existiam alguns fundamentos para essa crença quando as
llO A DESCOBERTA DO FLUXO

famílias se mantinham unidas devido a laços externos de contro-


le social, e por laços internos de compromisso ético ou religioso.
As obrigações contratuais tinham a vantagem de produzir rela-
cionarnentos previsíveis e poupar energia por meio da exclusão
de opções e da necessidade de negociação constante. Quando o
casamento supostamente devia durar para sempre, não era neces-
sário esforço constante para mantê-lo. Agora que a integridade da
farru'lia tomou-se uma questão de escolha pessoal, ela não pode
sobreviver exceto pela infusão regular de energia psíquica.
O novo tipo de farruiia é muito vulnerável, a menos que pos-
sa oferecer recompensas intrínsecas para seus membros. Quando
a interação da família fornece fluxo, é do interesse de todos man-
ter o relacionamento. No entanto, como as famílias são vistas de
modo tão displicente, poucas pessoas aprenderam a transformar
os velhos laços de união criados por obrigações externas em
novos laços, mais sólidos e criados pela alegria que oferecem.
Quando os pais chegam em casa exaustos dos seus empregos,
eles acreditam que estar com a família será uma experiência que
não exigirá qualquer esforço, relaxante e revigorante. Mas encon-
trar o fluxo nos relacionamentos familiares exige tanta habilidade
quanto qualquer outra atividade complexa.
O escritor canadense Robertson Davies descreve um dos
motivos pelos quais seu casamento de 50 anos é gratificante:
Shakespeare exerceu um papel extraordinário no nosso casamen-
to como uma fonte inesgotável de citações, piadas e referências.
Acho que tenho uma sorte fora do comum, porque passamos um
tempo maravilhoso juntos. Foi sempre uma aventura, e ainda não
chegamos ao ñm. Ainda não deixamos de conversar, e juro que a
conversa é ainda mais importante para o casamento do que o sexo.

Para Davies e sua esposa, a habilidade que tornou possível o


fluxo conjunto foi um amor e um conhecimento comuns da lite-
ratura. Mas é possível substituir Shakespeare por praticamente
qualquer outra coisa. Um casal na faixa dos sessenta anos reviveu
seu relacionamento começando a correr juntos em maratonas;
outros o fizeram por meio de viagens, jardinagem ou criando
cães. Quando as pessoas prestam atenção umas às outras, as
chances de a família ser unida pelo fluxo aumenta.
Ter filhos supostamente deveria ser uma das experiências
mais gratificantes da vida; mas não é, a menos que a pessoa a
COMO MUDAR OS PADRÕES DE VIDA lll

encare com a mesma atenção com que encararia um esporte ou


uma atuação artística. Maria Allison e Margaret Carlisle Duncan
descreveram ván'os exemplos de como a energia psíquica inves-
tida no crescimento de uma criança pode produzir a alegria de ter
filhos. No texto a seguir, uma mãe descreve os momentos em que
alcança o fluxo:

quando estou trabalhando com minha filha; quando ela está


descobrindo alguma coisa nova. Uma nova receita de biscoito que
ela tentou, que ela mesma fez, e uma obra artística de que sente
orgulho. Uma coisa com que ela está realmente envolvida é a sua
leitura, e nós lemos juntas. Ela lê para mim, e eu leio para ela, e
esse é um momento em que de certa forma perco o contato com o
resto do mundo, em que fico totalmente absorvida no que estou
fazendo...8

Para experimentar um prazer tão simples na paternidade ou


maternidade, é preciso estar atento, saber do que é que a criança
“sente orgulho”, no que está “envolvida”; então temos de dedicar
mais atenção a compartilhar essas atividades com ela. Perma-
necer junto só se toma agradável quando existe harmonia entre as
metas dos participantes e quando todos estão investindo energia
psíquica em uma meta conjunta.
O mesmo é verdade para qualquer outro tipo de interação.
Por exemplo, quando existe motivo para pensar que somos valo-
rizados, a satisfação no trabalho costuma ser elevada, enquanto a
maior fonte de estresse no local de trabalho é o sentimento de que
ninguém está interessado em apoiar nossas metas. As lutas inter-
nas entre colegas, a incapacidade de se comunicar com superiores
e subordinados são a ruína da maioria dos empregos. As raízes do
conflito interpessoal costumam ser uma preocupação excessiva
consigo mesmo e uma incapacidade de prestar atenção às neces-
sidades alheias. É triste ver como a maioria das pessoas arruína
um relacionamento porque se recusa a reconhecer que poderia
servir melhor a seus próprios interesses se ajudasse os outros a
alcançar os deles.
Na cultura empresarial americana, o herói é uma pessoa
impiedosa e competitiva com um ego enorme. Infelizmente,
alguns dos principais empresários e executivos realmente se coa-
dunam com essa imagem. No entanto, também é tranqüilizador o
fato de que o egoísmo agressivo não é o único caminho para o
112 A DESCOBERTA DO FLUXO

sucesso. Na verdade, nas empresas mais estáveis e bem adminis-


tradas, os líderes tentam promover subordinados que não invis-
tam toda sua energia psíquica no desenvolvimento pessoal, mas
que usem parte dela para levar adiante as metas da empresa. Eles
sabem que, se a direção estiver cheia de egoístas ambiciosos, a
empresa sofrerá.
Keith é um exemplo dos muitos gerentes que conheci que
passaram urna década ou mais tentando desesperadamente
impressionar seus superiores para ser promovido. Ele trabalhava
setenta horas ou mais por semana, mesmo quando sabia que não
era necessário, descuidando-se de sua família e de seu própn'o
crescimento pessoal. Para aumentar sua vantagem competitiva,
Keith acumulou todo o crédito que conseguiu por suas realiza-
ções, mesmo que isso significasse fazer com que os colegas e
subordinados fossem malvistos. Mas, apesar de todos os seus
esforços, ele continuou sendo deixado de lado nas promoções
importantes. Finalmente, Keith resignou-se, achando que tinha
chegado no ápice de sua carreira, e decidiu encontrar sua recom-
pensa em outra parte. Ele passou a ficar mais tempo junto com a
família, arrumou um hobby, envolveu-se em atividades comuni-
tárias. Como ele não estava mais se esforçando tanto, seu com-
portamento no trabalho começou a ficar mais relaxado, menos
egoísta, mais objetivo. Na verdade, ele começou a agir mais
como um líder, cujos planos pessoais estavam subordinados ao
bem-estar da empresa. Agora a gerência geral finalmente ficara
impressionada. Esse era o tipo de pessoa de que precisavam ao
leme. Keith foi promovido logo depois que deixou sua ambição
de lado. O seu caso não é nem um pouco incomum: para ter a
confiança necessária para receber uma posição de liderança, é útil
levar adiante as metas dos outros, assim como as nossas.
Relações amigáveis no emprego são importantes, mas a
qualidade de vida também depende dos inumeráveis encontros
com as outras pessoas fora do trabalho. Isso não é tão simples
quanto parece: toda vez que paramos para falar com alguém gas-
tamos alguma energia psíquica, e podemos ser ignorados, ridicu-
larizados ou explorados. A maioria das culturas desenvolve seus
próprios padrões peculiares para facilitar a interação social. Nos
grupos em que o parentesco é o principal pn'ncípio de organiza-
ção, pode ser que esperem que você faça brincadeiras com suas
cunhadas mas nunca fale com sua sogra. Nas sociedades hierár-
COMO MUDAR OS PADRÕES DE VIDA 113

quicas tradicionais, como a da antiga China, formas complexas


de saudação e de conversa convencionais garantem que as pes-
soas se comuniquem sem precisar perder tempo imaginando o
que precisam dizer e como dizê-lo. Os americanos aperfeiçoaram
uma forma de conversa fácil que corresponde à natureza móvel e
democrática da sociedade; em sua jovialidade superficial, contu-
do, ela é tão formalizada quanto a de uma tribo africana. Para
ganhar alguma coisa por meio da conversa com uma pessoa, é
preciso aprender alguma coisa nova, seja em termos de conheci-
mento ou de emoções. Isso exige que ambos os participantes se
concentrem na interação, o que por sua vez exige energia psíqui-
ca que geralmente não estamos dispostos a investir. No entanto,
um fluxo genuíno obtido pela conversa é um dos pontos altos da
existência.
O segredo de iniciar uma boa conversa é na verdade bastan-
te simples. O primeiro passo é descobrir quais as metas da outra
pessoa: no que ela está interessada no momento? No que está
envolvida? O que ela realizou, ou está tentando realizar? Se algu-
ma dessas opções parece digna de interesse, o próximo passo é
utilizar a própria experiência ou habilidade nos tópicos levanta-
dos pelo outro - sem tentar tomar conta da conversa, mas desen-
volvendo-a em conjunto. Uma boa conversa é como uma jam ses-
sion no jazz, em que o músico começa com elementos convencio-
nais e então introduz variações espontâneas que criam uma com-
posição nova e empolgante.
Se o trabalho e os relacionamentos são capazes de oferecer
fluxo, a qualidade da vida cotidiana certamente irá melhorar. Mas
não existem truques, nem atalhos fáceis. É necessário um corn-
promisso total para experimentar a vida totalmente, uma dedica-
ção em que nenhuma oportunidade é deixada de lado e nenhum
potencial permanece inexplorado, para alcançar a excelência. A
organização do self que toma isso possível é o tópico do próximo
capítulo.
OITO

A PERSONALIDADE AUTOTÉLICA

Quando outros fatores estão equilibrados, uma vida repleta de


complexas atividades de fluxo é mais digna de ser vivida do que
uma vida de consumo de entretenimento passivo. Nas palavras de
uma mulher que descreveu o que sua carreira significava para ela:
“Estar totalmente absorvido no que se está fazendo e gostar tanto
do que se faz a ponto de não querer fazer outra coisa. E não corn-
preendo como as pessoas sobrevivem sem experimentar alguma
coisa assim...”l Ou como disse o historiador C. Vann Woodward
de sua obra, que tenta compreender a dinâmica do Sul dos
Estados Unidos:
É algo que me interessa. É uma fonte de satisfação alcançar algo
que você considera importante. Sem esse tipo de consciência ou
motivação, acredito que a vida seria bastante tediosa e sem signi-
ficado, e eu não gostaria de tentar esse tipo de vida. O lazer com-
pleto, digamos, não ter nada para fazer que você ache que valha a
pena fazer - parece-me uma situação bastante desesperadora.

Quando conseguimos enfrentar a vida com tamanho envol-


vimento e entusiasmo, podemos dizer que conquistamos uma
personalidade autotélica.

“Autotélica” é uma palavra composta de dois radicais gregos:


auto (relativo ao indivíduo) e telos (meta, finalidade). Uma ativi-
dade autotélica seria realizada por si mesma, tendo a experiência
como meta principal. Por exemplo, se eu jogasse xadrez princi-
palmente para apreciar o jogo, então a partida seria uma experiên-
A PERSONALIDADE AUTOTÉLICA 115

cia autotélica para mim; mas se eu jogasse por dinheiro, ou para


alcançar um nível competitivo no meio enxadrístico, o mesmo
jogo seria principalmente exotélico, isto é, motivado por uma
meta externa. Quando aplicado a uma personalidade, autotélico
denota um indivíduo que geralmente faz as coisas por si mesmas,
em vez de alcançar alguma meta externa posterior.
É claro que ninguém é totalmente autotélico, porque todos
nós precisamos fazer determinadas coisas mesmo não gostando
delas, devido a um senso de dever ou necessidade. Mas existe
uma graduação, que vai dos indivíduos que quase nunca sentem
que o que fazem é digno de fazer por sua própria natureza, até
aqueles que pensam que tudo o que fazem é importante e valioso
por si mesmo. É a esses últimos indivíduos que o termo autotéli-
co se aplica.
Uma pessoa autotélica precisa de poucos bens materiais e
pouco entretenimento, conforto, poder ou fama, porque o que ela
faz já é gratificante. Como essas pessoas experimentam o fluxo
no trabalho, na vida familiar, quando interagem com os outros,
quando comem e até mesmo sozinhas e sem nada para fazer, são
menos dependentes das recompensas externas que mantêm os
outros motivados a prosseguir com uma vida composta de rotinas
tediosas e sem significado. Elas são mais autônomas e indepen-
dentes, porque não podem ser tão facilmente manipuladas com
ameaças ou recompensas externas. Ao mesmo tempo, se envol-
vem mais com tudo a seu redor, porque estão totalmente imersas
na corrente da vida.
Mas como descobrir se alguém é autotélico? A melhor
maneira é observar uma pessoa durante um longo período de tem-
po, em muitas situações diferentes. Um “teste” rápido do tipo que
os psicólogos usam não é muito apropriado, em parte porque o
fluxo é uma experiência tão subjetiva que seria relativamente
fácil para uma pessoa falsificar suas respostas. Uma entrevista ou
questionário prolongado pode ajudar, mas prefiro usar um instru-
mento de medição mais indireto. De acordo com a teoria, as pes-
soas deveriam estar em estado de fluxo quando percebem que
tanto os desafios em uma dada situação quanto suas capacidades
são elevados. Assim, uma maneira de avaliar o quanto uma pes-
soa é autotélica é computar a freqüência com que ela relata estar
em uma situação de alto desafio e alta habilidade durante uma
semana de mensagens por pager com o Método de Amostragem
lló A DESCOBERTA DO FLUXO

de Experiência. Descobrimos que existem pessoas nessa situação


durante mais de 7() por cento do tempo, e outras menos de 10 por
cento. Deduzimos que os primeiros são mais autotélicos que os
últimos.
Usando este metodo, podemos identificar o que distingue as
pessoas cujas experiências são principalmente autotélicas daque-
las que raramente experimentam esse estado. Por exemplo, em um
estudo dividimos um grupo de duzentos adolescentes muito talen-
tosos em dois grupos: cinqüenta deles cuja freqüência de respos-
tas de alto desafio e alta habilidade durante a semana estava no
quartil superior (o grupo “autotélico”), e os contrastamos com cin-
qüenta que estavam no quartil inferior (o grupo “não-autotélico”).
Fizemos a seguinte pergunta: esses dois grupos de adolescentes
estão usando seu tempo de maneiras diferentes? Os contrastes
mais significativos entre os dois grupos aparecem nas Figuras 4.1
e 4.2. Cada adolescente autotélieo passa em média 11 por cento do
seu tempo estudando, o que é 5 por cento a mais do que os pontos
percentuais gastos pelo outro grupo. Como cada ponto percentual
é mais ou menos equivalente a uma hora, podemos dizer que em
uma semana os adolescentes autotélicos passavam llhoras estu-
dando, e os demais utilizavam seis horas para o estudo.
Figura 4.1
Porcentagem de tempo gasto em várias atividades
por adolescentes autotélicos

I Estudo
f ÊHobbies
El Esportes
Tv

Fonte: Adaptado de Adlai-Gail. 1994.


A PERSONALIDADE AUTOTÉLICA 117

Figura 4.2
Percentagem de tempo gasto em várias atividades
por adolescentes não-autotélicos

I Estudo
Ú Hobbies
E] Esportes
I Tv

Fonte: adaptado de Adlai-Gail. 1994.

As outras diferenças cnvolviam hobbies, em que o primeiro


grupo passava cerca do dobro da quantidade de tempo (6 contra
3,5 por cento) e esportes (2,5 contra 1 por cento). O contrário
ocorria somente em relação ao tempo gasto assistindo à televisão:
os nâo-autotélicos assistiam a televisão quase o dobro do tempo
gasto pelos autotélicos (15,2 contra 8,5 por cento). Resultados
muito similares e igualmente significativos foram encontrados
em um estudo posterior de uma amostragem representativa de
adolescentes americanos, em que 202 adolescentes autotélicos
foram comparados a 202 adolescentes näo-autotélicos. Clara-
mente, uma importante dimensão do que significa ser autotélico
está relacionada ao que a pessoa faz com seu tempo. O lazer e o
entretenimento passivo não oferecem muita oportunidade de
exercitar as próprias habilidades. O indivíduo aprende a experi-
mentar o fluxo quando sc envolve em atividades mais apropria-
das para fornece-lo, ou seja, o trabalho intelectual e o lazer ativo.
Mas será que a qualidade da experiência dos jovens autoté-
licos é melhor do que a de seus colegas? Afinal, o fato de realiza-
rem mais coisas desafiadoras e em parte verdadeiro pela sua pró-
pria definição, já que definimos ser autotélico como estar fre-
llB A DESCOBERTA DO FLUXO

Figura 5.'I
Qualidade da experiência durante uma semana de amostragem
ESM para 202 adolescentes autotélicos e 202 adolescentes
não-autotélicos quando envolvidos em atividades produtivas
7.5 f W ...HW

*fiz/W. C] Autotclico

I Não-autotólico ç

4 f. ' *Vim ._
Concentração Satisfação Felicidade Auto-estima Importância
para o futuro

Fonte: adaptado de llektner. 1996.

qüentemente em situações desafiadoras. A verdadeira questão é


se estar em uma situação produtora de fluxo realmente melhora a
experiência subjetiva. A resposta é afirmativa. Para ilustrar os
resultados, a Figura 5.1 apresenta as respostas semanais media-
nas de dois grupos de 202 adolescentes autotélicos e 202 adoles-
centes não-autotélicos representativos da população dos EUA do
segundo grau quando estão realizando trabalhos acadêmicos ou
remunerados. O resultado mostra que, quando está envolvido em
atividades produtivas, o primeiro grupo se concentra significati-
vamente mais, possui uma auto-estima bem maior, e considera o
que está fazendo muito mais importante para suas metas futuras.
No entanto, os dois grupos não são significativamente diferentes
em termos de satisfação ou de felicidade.
E a qualidade da experiência no lazer ativo? A Figura 5.2
mostra o padrão das diferenças. Em primeiro lugar, como pode-
ríamos esperar, no lazer todos os adolescentes relatam uma felici-
dade e satisfação maiores do que quando estão envolvidos em ati-
A PERSONALIDADE AurorÉLIcA 119

Figura 5.2
Qualidade da experiência durante uma semana de amostragem
ESM para 202 adolescentes autotélicos e 202 adolescentes
não-autotélicos quando envolvidos em lazer ativo

Í V `v¬ifivñi W” V f V V f nl Cl .'\lll(llL"llL`(l

7 l v I Néio-zttilolclico É
5 r
fl

2.5” f'frf' r f'rfff


Concentração Satisfação Felicidade Auto-estima Importância
para o futuro
Fonte: adaptado de Hcktncr` 1996 c Bidwcll ct al. 1997. no prelo.

vidades produtivas; no entanto, eles se concentram menos e con-


sideram o que fazem menos importante para suas metas futuras.
As comparações entre os grupos, exceto pela felicidade, são todas
estatisticamente significativas. Os jovens autotélicos se concen-
tram mais, se divertem mais, possuem uma auto-estima maior e
vêem o que fazem como mais relacionado a suas metas futuras.
Tudo isso se coaduna com o que poderíamos esperar, exceto por
um detalhe. Por que eles não são mais felizes?
O que descobri, depois de décadas fazendo pesquisas com o
ESM, é que a felicidade declarada não é uma boa indicadora da
qualidade de vida da pessoa. Algumas pessoas dizem que estão
“felizes” mesmo quando não gostam de seus empregos, quando a
vida doméstica é inexistente, quando passam o tempo todo em
atividades sem significado. Somos criaturas resistentes, e aparen-
temente somos capazes de evitar a tristeza quando todas as con-
dições sugerem o contrário. Se não podemos dizer que somos
pelo menos um pouco felizes, qual é o sentido de persistir? As
120 A DESCOBERTA DO FLUXO

pessoas autotélicas podem não ser necessariamente mais felizes,


mas estão envolvidas em atividades mais complexas e se sentem
melhores consigo mesmas. Ter uma vida excelente pode não ser
o bastante para ser feliz. O que importa é ser feliz enquanto esta-
mos fazendo coisas que ampliam nossas habilidades, que nos aju-
dam a crescer e a realizar nosso potencial. Isso é especialmente
verdadeiro na juventude: um adolescente que se sente feliz ao não
fazer nada provavelmente não será um adulto feliz.
Outra descoberta interessante é que o grupo autotélico pas-
sa uma quantidade significativamente maior de tempo interagin-
do com a família - cerca de quatro horas por semana - em com-
paração com os outros. Isso começa a explicar por que eles apren-
dem a gostar mais do que fazem. A família parece agir como um
ambiente protetor onde uma criança pode viver em relativa segu-
rança sem ter de estar autoconsciente ou se preocupar em assumir
uma atitude defensiva ou competitiva. A criação americana de
filhos enfatizou a independência desde cedo como uma meta cen-
tral; quanto mais cedo os adolescentes deixavam seus pais, tanto
emocional como fisicamente, mais cedo deven'am amadurecer.
Mas a maturidade precoce não é realmente uma boa idéia.
Quando precisam se virar sozinhos, os jovens podem facilmente
se tornar inseguros e defensivos. Poderíamos até afirmar, na ver-
dade, que quanto mais complexo for o mundo adulto onde preci-
sam encontrar seu lugar, maior será o período de dependência de
que um adolescente precisará para se preparar para ele.
Naturalmente, essa “neotenia social” só funciona se a família é
uma unidade relativamente complexa que oferece estímulo, bem
como apoio; de nada adianta uma criança continuar dependente
de uma farm'lia disfuncional.2

Se existe uma qualidade que distingue os indivíduos autotélicos,


é sua aparentemente inesgotável energia psíquica. Embora eles
não tenham uma capacidade de atenção maior do que qualquer
outra pessoa, eles prestam mais atenção ao que acontece ao redor
deles, percebem mais coisas e estão dispostos a se dedicar a
determinadas atividades por elas mesmas sem esperar um feed-
back imediato. A maioria de nós guarda a atenção cuidadosamen-
te. Nós só a empregamos em coisas sérias, para tarefas importan-
tes; só nos interessamos pelo que promove nosso bem-estar. Os
A PERSONALIDADE AUTOTÊLICA l2l

objetos mais dignos de nossa energia psíquica são nós mesmos e,


em menor grau, pessoas e coisas que nos darão alguma vantagem
material ou emocional. O resultado é que não sobra muita atenção
para que participemos completamente do mundo, para que fique-
mos surpresos, para que aprendamos coisas novas, para que pos-
samos desenvolver a empatia e crescer além dos limites estabele-
cidos por nosso autocentrismo.
As pessoas autotélicas se preocupam menos consigo mes-
mas e, portanto, possuem mais energia psíquica livre para experi-
mentar a vida. Kelly, uma das adolescentes de nosso estudo que
geralmente relata altos desafios e altas habilidades em seus for-
mulários ESM, difere das colegas por não estar o tempo todo pen-
sando em namorados, fazendo compras no shopping ou preocu-
pada em como tirar boas notas. Em vez disso, ela é fascinada por
mitologia e chama a si mesma de “estudiosa céltica”. Ela traba-
lhava em um museu três tardes por semana ajudando a armazenar
e classificar artefatos. Gosta até mesmo dos aspectos mais roti-
neiros do seu trabalho, como “colocar tudo nos arquivos e coisas
assim”, além de estar alerta para o que acontece a seu redor. Ao
mesmo tempo, ela aprecia seus amigos, com quem tem longos
debates sobre religião e a vida depois da escola. Isso não signifi-
ca que ela seja altruísta ou recatada. Seus interesses são ainda
expressões de sua individualidade única, mas ela parece genuina-
mente gostar do que faz e, pelo menos em parte, de uma maneira
autotélica.
Indivíduos criativos geralmente também são autotélicos, e
eles muitas vezes chegam às suas descobertas porque possuem
energia psíquica de sobra para investir em objetos aparentemente
fúteis. A neuropsicóloga Brenda Milner descreve a atitude que
tem para com o trabalho, compartilhada por outros cientistas ou
artistas de vanguarda: “Eu diria que sou imparcial em relação ao
que é importante ou grande, porque cada descoberta nova, até
mesmo uma pequenina, é um momento empolgante de descober-
ta.” A historiadora Natalie Davis explica como escolhe as ques-
tões com que trabalhará: “Bem, eu sinto uma grande curiosidade
por alguma questão. Ela simplesmente “fisga' minha atenção por
completo... As vezes, tudo parece incrivelmente interessante...
Eu posso não saber o que investi pessoalmente nisso, além da
minha curiosidade e do meu deleite.”
O inventor Frank Offner, que depois de aperfeiçoar os moto-
122 A DESCOBERTA DO FLUXO

res de avião e as máquinas de eletroencefalograma, aos 81 anos


interessou-se pelo estudo da fisiologia das células capilares, dá
um perfeito exemplo da humildade dos indivíduos autotélicos
diante dos mistérios da vida, até mesmo daqueles que parecem
mais insignificantes:
Ah, eu adoro resolver problemas. Seja a razão por que nosso lava-
dor de pratos não está funcionando, ou por que o automóvel não
está funcionando, ou como os nervos funcionam, ou qualquer coi-
sa. Agora estou trabalhando com Peter para pesquisar como as
células capilares funcionam, e ah... é tão interessante... Eu não me
importo com o tipo de problema. Se posso resolvê-lo, é divertido.
É realmente muito divertido resolver problemas, não é? Não é
isso que é interessante na vida?

Essa última citação sugere que o interesse de uma pessoa


autotélica não é inteiramente passivo e contemplativo. Ele tam-
bém envolve uma tentativa de compreender, ou, no caso do
inventor, de resolver problemas. O importante é que o interesse
seja desinteressado; em outras palavras, que não esteja inteira-
mente a serviço de nossas próprias metas pessoais. Só teremos
chance de apreender a realidade se nossa atenção conseguir se'
libertar de nossas metas e ambições.
Algumas pessoas parecem ter esse tipo de atenção abundan-
te disponível desde cedo na vida, e a utilizaram para se perguntar
sobre tudo a seu redor. O inventor Jacob Rabinow viu seu primei-
ro automóvel quando tinha sete anos de idade, enquanto vivia em
uma cidade provinciana chinesa. Ele se lembra de imediatamente
ter se arrastado para debaixo do carro, para ver como as rodas
eram movidas pelo motor e em seguida ir para casa a fim de
esculpir uma transmissão e engrenagens diferenciais na madeira.
Linus Pauling descreve sua infância em termos típicos dos indiví-
duos mais criativos:
Quando eu tinha 11 anos de idade, bem, primeiro eu gostava de
ler. E li muitos livros... Quando mal tinha nove anos... já tinha lido
a Bíblia e a Origem das espécies, de Darwin. E.. aos 12 anos tive
um curso de história antiga no primeiro ano do ginásio, gostei de
ler aquele livro de história, de modo que nas primeiras semanas
do ano eu já havia lido todo o livro e estava procurando mais
informações sobre o mundo antigo. Aos 11 anos, comecei a cole-
cionar insetos e a ler livros sobre entomologia. Aos 12, tentei
A PERSONALIDADE AUTOTÉLICA 123

começar uma coleção de minerais. Encontrei algumas ágatas - era


tudo que eu podia encontrar e reconhecer no vale Willamette -,
mas eu li livros de mineralogia e copiei tabelas de propriedades,
dureza, cor do traço e outras propriedades dos minerais dos livros.
E então, quando tinha 13 anos, fiquei interessado em química.
Fiquei bastante empolgado quando percebi que os químicos
podiam converter certas substâncias em outras substâncias com
propriedades bastante diferentes... Os gases hidrogênio e oxigênio
formando a água. Ou o sódio e o cloreto formando o cloreto de
sódio. Substâncias bastante diferentes dos elementos que se com-
binaram para formar os compostos. Assim, desde então, passei
grande parte do meu tempo tentando compreender melhor a quí-
mica. E isso significa realmente compreender o mundo, a nature-
za do universo.

É importante observar que Pauling não era um meninopro-


' dígio que assombrou os mais velhos com sua inteligência brilhan-
te. Ele seguia seus interesses por conta própria, sem reconheci-
mento e com pouco estímulo. O que o fez iniciar uma vida longa
e produtiva foi uma determinação de participar da maneira mais
plena possível na vida a seu redor. Hazel Henderson, que dedicou
toda sua vida adulta a formar organizações para a proteção do
ambiente, como os Cidadãos pelo Ar Limpo, descreve vividamen-
te a atitude de alegre interesse que essas pessoas compartilham:
Quando eu tinha cinco anos - você sabe, quando você simples-
mente abre os olhos, olha em volta e diz: “'Uau, que viagem incrí-
vel! O que diabos está acontecendo? O que eu deveria estar fazen-
do aqui?” Esta pergunta esteve presente em toda a minha vida. E
eu adoro fazê-la! Eu a faço todos os dias novamente... E então,
toda manhã, quando você acorda, é como se fosse a aurora da
criação.

Mas nem todos são afortunados o bastante para ter tanta


energia psíquica quanto Pauling ou Henderson. A maioria de nós
aprendeu a poupar nossa atenção para lidar com as exigências
imediatas de nossas vidas, e sobra muito pouco para que esteja-
mos interessados na natureza do universo, no nosso lugar no cos-
mo ou em qualquer outra coisa que não seja registrada como
ganho na nossa contabilidade de metas imediatas. No entanto.
sem o interesse desinteressado, a vida é desinteressante. Não há
espaço para o deslumbramento, a novidade, a surpresa, para a
transcendência dos limites impostos por nossos medos e precon-
124 A DESCOBERTA DO FLUXO

ceitos. Se o indivíduo deixou de desenvolver a curiosidade e o


interesse nos primeiros anos de vida, é uma boa idéia fazê-lo ago-
ra, antes que seja tarde demais para melhorar a qualidade de sua
própria vida.
Em princípio isso parece muito fácil, mas na prática se reve-
la muito mais difícil. No entanto, tenho certeza de que vale a pena
tentar. O primeiro passo é desenvolver o hábito de fazer seja o
que for com a atenção concentrada, com habilidade em vez de
inércia. Até mesmo as tarefas mais rotineiras, como lavar pratos,
vestir-se ou aparar a grama se tornam mais gratificantes se as
encaramos com o cuidado que seria necessário para realizar uma
obra de arte. O passo seguinte é transferir alguma energia psíqui-
ca todos os dias das tarefas que não gostamos de fazer, ou do lazer
passivo, para alguma coisa que nunca fizemos antes, ou algo que
gostamos de fazer mas que não fazemos com muita freqüência
porque parece muito trabalhoso. Existem literalmente milhões de
coisas interessantes no mundo para ver, para fazer, para aprender.
Mas elas não se tornam realmente interessantes até que devote-
mos atenção a elas.
Muitas pessoas dirão que esse conselho é inútil, porque já
possuem tantas exigências em relação a seu tempo que não
podem absolutamente se dar ao luxo de fazer nada de novo ou
interessante. O estresse relacionado ao tempo tomou-se uma das
queixas mais populares de nossa época. Só que muitas vezes ele
é uma desculpa para não assumirmos o controle sobre nossas
vidas. Quantas das coisas que fazemos todos os dias são realmen-
te necessárias? Quantas das exigências poderiam ser reduzidas se
colocássemos alguma energia na priorização, na organização e no
aperfeiçoamento das rotinas que agora dispersam nossa atenção?
É verdade que, se deixarmos o tempo escorrer por nossos dedos,
logo não teremos mais tempo algum sobrando. É preciso saber
como cultivá-lo cuidadosamente, de modo não tanto a alcançar a
riqueza e a segurança em algum futuro distante, mas para apreciar
a vida aqui e agora.

O tempo é o que precisamos encontrar para desenvolver o inte-


resse e a curiosidade para apreciar a vida por si mesma. Outro
recurso igualmente importante é a capacidade de controlar a ener-
gia psíquica. Em vez de esperar por um estímulo externo ou desa-
A PERSONALIDADE AUTOTÉLICA 125

fio que tome nossa atenção de assalto, precisamos aprender a


concentra-la mais ou menos de acordo com nossa vontade. Se
você está interessado em alguma coisa, sua concentração aumen-
ta, seu interesse por qualquer atividade aumentará se você se con-
centrar nela.
Muitas das coisas que consideramos interessantes não o são
por sua própria natureza, mas porque nos demos ao trabalho de
prestar atenção nelas. Até que comecemos a coleciona-los, inse-
tos e minerais não são muito agradáveis. Nem a maioria das pes-
soas, até que fiquemos sabendo sobre suas vidas e pensamentos.
Correr maratonas ou escalar montanhas, o jogo de bridge ou os
dramas de Racine são bastante tediosos, exceto para aqueles que
investiram atenção o bastante para perceber sua intrincada com-
plexidade. À medida que nos concentramos em qualquer segmen-
to da realidade, uma gama potencialmente infinita de oportunida-
des para a ação - física, mental e emocional - é revelada para que
nossas habilidades sejam utilizadas. Nunca há uma boa desculpa
para estar entediado.
Controlar a atenção significa controlar a experiência e, por-
tanto, a qualidade de vida.3 A informação só chega à consciência
quando prestamos atenção nela. A atenção age como um filtro
entre os eventos externos e a experiência que temos deles. A
quantidade de estresse que experimentamos depende mais do
nível de controle que temos sobre a atenção do que aquilo que
realmente acontece conosco. O efeito da dor física, da perda de
dinheiro, de uma desfeita social depende de quanta atenção
demos a ele, o quanto de espaço lhe concedemos na consciência.
Quanto mais energia psíquica investimos em um evento doloro-
so, mais real ele se toma e mais entropia produz na nossa cons-
ciência. Negar, reprimir ou interpretar erroneamente também não
é uma solução, porque a informação continuará fervilhando nos
recessos da alma, drenando energia psíquica para impedir sua dis-
seminação. É melhor encarar o sofrimento de maneira direta e
franca, reconhecendo e respeitando sua presença, e então se ocu-
par o mais rápido possível com as coisas em que nós escolhemos
nos concentrar.
Em um estudo de pessoas que sofreram grave invalidez
devido a doença ou acidentes - ficando cegas ou paraplégicas -,
o professor Fausto Massimini e sua equipe descobriram que
várias delas tinham se adaptado de maneira admirável à sua tra-
126 A DESCOBERTA DO FLUXO

gédia, e que alegavam que suas vidas tinham melhorado devido à


sua deficiência.4 O que distinguia esses indivíduos era que eles
tinham decidido dominar suas limitações ao impor à sua energia
psíquica uma disciplina sem precedentes. Eles aprenderam a
obter fluxo de habilidades simples como vestir-se, caminhar ao
redor da casa e dirigir um carro. Aqueles que se saíram melhor
foram muito além de simplesmente cuidar das tarefas básicas da
vida. Um deles se tornou instrutor de natação, outros se tornaram
contadores, viajaram para jogar em torneios internacionais de
xadrez e encontros de natação ou se tornaram campeões de arco e
flecha em cadeiras de rodas.
A mesma capacidade de transformar uma situação trágica
em uma situação pelo menos tolerável é mostrada por vítimas de
terroristas que sobrevivem ao confinamento solitário ou por pri-
sioneiros de campos de concentração. Em tais condições, o
ambiente externo, “real”, é tão árido e desumanizador que induz
ao desespero para a maioria das pessoas. Aqueles que sobrevi-
vem conseguem ignorar seletivamente as condições externas e
redirecionar sua atenção para uma vida interior que só é real para
eles mesmos. É mais fácil fazê-lo se você conhece poesia, mate-
mática ou algum outro sistema de símbolos que permita que você
se concentre e faça um trabalho intelectual sem qualquer apoio
visual ou material.
Esses exemplos sugerem que é preciso aprender a controlar
a atenção. A princípio, qualquer habilidade ou disciplina que a
pessoa possa dominar por sua própria vontade servirá; meditação
e oração, caso esta seja sua inclinação; exercícios, ginástica aeró-
bica, artes marciais para aqueles que preferem a concentração em
habilidades físicas. Qualquer especialização ou maestria que o
indivíduo considere agradável e em que possa melhorar seu pró-
prio conhecimento com o tempo. O mais importante, contudo, é a
atitude para com essas disciplinas. Se a pessoa reza para tomar-se
virtuosa, ou se exercita para desenvolver músculos peitorais for-
tes, ou aprende para acumular conhecimento, então grande parte
do benefício é perdida. O que realmente importa é apreciar a ativi-
dade por ela mesma, e saber que o que vale não é o resultado, mas
o controle que a pessoa está adquirindo sobre a própria atenção.
Geralmente, a atenção é direcionada por instruções genéti-
cas, convenções sociais e hábitos que aprendemos na infância.
Portanto, não somos nós que decidimos do que nos tornamos
A PERSONALIDADE AuToTÉLICA 127

conscientes, ou quais informações alcançarão nossa consciência.


Como resultado, nossas vidas não são nossas de qualquer manei-
ra significativa; a maioria de nós experimenta aquilo que foi pro-
gramado para nós. Aprendemos o que supostamente vale a pena
ser visto, e o que não vale; o que devemos recordar e o que deve-
mos esquecer; o que sentimos quando vemos um morcego, uma
bandeira, ou uma pessoa que adora a Deus com ritos diferentes;
aprendemos aquilo pelo que supostamente vale a pena morrer e
viver. Corn o passar dos anos, nossa experiência seguirá o roteiro
escrito pela biologia e pela cultura. A única maneira de tomar
posse da vida é aprender a coordenar a energia psíquica e a nossa
vontade.
NOVE

O AMOR AO DESTINO

Quer gostemos disso ou não, nossas vidas deixarão uma marca no


universo. O nascimento de cada pessoa produz ondas que alcan-
çam o ambiente social; pais, irmãos, parentes e amigos são afeta-
dos por este evento e à medida que crescemos nossas ações dei-
xam milhares de conseqüências, algumas planejadas e outras não.
Nossas decisões de consumo fazem uma minúscula diferença na
economia, decisões políticas afetam o futuro da comunidade e
cada ato generoso ou mesquinho modifica ligeiramente a quali-
dade total do bem-estar humano. As pessoas cujas vidas são auto-
télicas ajudam a reduzir a entropia na consciência daqueles com
quem entram em contato; aqueles que dedicam toda a sua energia
psíquica a competir por recursos e a engrandecer sua própria per-
sonalidade aumentam o total de entropia.
Não é possível que uma pessoa leve uma vida realmente
excelente sem sentir que pertence a algo maior e mais permanen-
te do que ela mesma. Esta é uma conclusão comum a todas as
várias religiões que deram significado às vidas das pessoas duran-
te as longas eras da história humana. Hoje em dia, ainda atordoa-
dos pelos grandes avanços trazidos pela ciência e tecnologia, cor-
remos o risco de esquecer essa compreensão. Nos Estados Unidos
e em outras sociedades tecnologicamente avançadas, o individua-
lismo e o materialismo prevaleceram quase que completamente
sobre a lealdade à comunidade e aos valores espirituais.
É um fato significativo que o Dr. Benjamin Spock, cujos
conselhos sobre a criação dos filhos foram tão importantes para
pelo menos duas gerações de pais, tenha duvidado, no final de sua
O AMOR AO DESTINO 129

vida, de que o destaque dado anteriormente à educação de crian-


ças para que fossem individualistas sem peias tenha sido real-
mente uma boa idéia. Ele agora acredita que é pelo menos tão
essencial para elas aprender a trabalhar pelo bem comum, e apre-
ciar a religião, arte e os outros aspectos inefáveis da vida.
Na verdade, os sinais de alerta de que ficamos apaixonados
demais por nós mesmos são muitos. Um exemplo é a incapacida-
de das pessoas de firmar compromissos, que fez com que metade
da população urbana nos países desenvolvidos passasse sua vida
sozinha, e na dissolução de uma enorme proporção de casamen-
tos. Outro exemplo é a crescente desilusão que as pessoas rela-
tam, em urna pesquisa após a outra, com a maioria das institui-
ções em que confiavam anteriormente e com os indivíduos que as
lideram.
Cada vez mais, parecemos enterrar nossas cabeças na areia
e evitar escutar as más notícias, nos recolhendo em comunidades
cercadas por muros e protegidas por armas. Mas uma boa vida
pessoal é impossível se ignorarnos uma sociedade corrupta, como
Sócrates sabia e aqueles que viveram sob recentes ditaduras des-
cobriram. Seria muito mais fácil se fôssemos responsáveis apenas
por nós mesmos. Infelizmente, as coisas não funcionam desta
maneira. Uma responsabilidade ativa pelo resto da humanidade, e
pelo mundo do qual fazemos parte, é um ingrediente necessário
para uma boa vida.l
O verdadeiro desafio, contudo, é reduzir a entropia ao nosso
redor sem aumentá-la em nossa consciência. Os budistas dão um
bom conselho quanto ao modo como isso pode ser feito: “Aja
sempre como se o futuro do universo dependesse daquilo que
você faz, enquanto ri de si mesmo por pensar que o que quer que
você faça fará realmente alguma diferença.” É essa brincadeira
séria, essa combinação de preocupação e humildade, que torna
possível estar envolvido e despreocupado ao mesmo tempo. Corn
essa atitude não é necessário vencer para sentir-se contente; aju-
dar a manter a ordem no universo se toma sua própria recompen-
sa, independentemente das conseqüências. Desse modo é possí-
vel encontrar a alegria mesmo quando travamos uma batalha per-
dida por uma boa causa.

Um pn'meiro passo para sair deste impasse é ter uma compreen-


são mais clara de nosso self- a imagem que cada pessoa desen-
130 A DESCOBERTA DO FLUXO

volve de si mesma.2 Não poderíamos ir muito longe sem um self.


Mas a desvantagem da auto-imagem é que, assim que ela emerge
no início da infância, começa a controlar o resto da consciência.
Como nos identificamos com ele, acreditando que seja a essência
central do nosso ser, o self cada vez mais parece ser não só o
aspecto mais importante da consciência como também - pelo
menos para algumas pessoas - o único que merece atenção. O
perigo é que toda a energia psíquica do indivíduo pode ser dire-
cionada para a satisfação das necessidades dessa entidade imagi-
nária que nós mesmos criamos. Isso poderia não ser tão ruim, se
o self que trouxéssemos ao mundo fosse uma entidade razoável.
Mas as crianças que sofrem maus-tratos podem crescer cons-
truindo uma imagem desesperançada, ou vingativa, de self; as
crianças que são mimadas sem ser amadas podem desenvolver
selves narcisistas. Um self pode inflar até se tornar insaciável, ou
ter uma idéia completamente exagerada da sua importância. As
pessoas que possuem um self com essas distorções serão compe-
lidas a satisfazer suas necessidades. Se pensarem que precisam de
mais poder, ou de mais dinheiro, ou amor, ou aventura, farão tudo
para satisfazer essa necessidade, mesmo indo além do que é bom
para elas a longo prazo. Nesses casos a energia psíquica de uma
pessoa, direcionada por um ego equivocado, provavelmente pro-
vocará entropia no ambiente, assim como dentro da própria cons-
ciência.
Como não possui um senso de self, um animal se esforçará
até que suas necessidades biológicas sejam satisfeitas, mas não
muito além. Ele atacará uma presa, defenderá seu território, luta-
rá por uma companheira, mas quando esses imperativos forem
resolvidos, ele descansará. No entanto, se um homem desenvolve
uma auto-imagem baseada no poder, na riqueza, não existem
limites para seus esforços. Ele vai buscar a meta estabelecida pelo
self sem descanso, mesmo que tenha de arruinar seu self no pro-
cesso, mesmo que tenha de destruir outras pessoas que cruzem
seu caminho.
Assim, não é de surpreender que tantas religiões tenham
colocado sobre o ego a culpa de ser a causa de todas as infelicida-
des humanas. O conselho radical é neutralizar o ego, não permi-
tindo que ele dite desejos. Se nos recusarmos a escutar nossas
necessidades, desistindo de comida, sexo e todas as vaidades
pelas quais os homens lutam, o ego não terá qualquer influência
O AMOR AO DESTINO 131

sobre nossos atos, e vai murchar e morrer. Mas não há maneira de


eliminar completamente o ego e ainda assim sobreviver. A única
alternativa viável é seguir um curso menos radical, e nos certifi-
car de que conhecemos nosso self e compreendemos suas pecu-
liaridades. Então é possível separar as necessidades que realmen-
te nos ajudam a navegar pela vida dos cancros malignos que nas-
cem delas e que tornam nossas vidas infelizes.
Quando perguntaram ao romancista Richard Stern qual era o
obstáculo mais difícil a ser vencido em sua carreira, ele respondeu:
Acho que é a parte desprezível de mim mesmo, aquela parte que
é descrita por palavras como vaidade, orgulho, a sensação de não
estar recebendo o tratamento que deveria, a comparação com os
outros e assim por diante. Tentei vigorosamente disciplinar esse
lado. E tive a sorte de encontrar o bastante do que é positivo para
combater o caráter belicoso e o ressentimento... que vi paralisar
colegas meus, colegas mais talentosos do que eu. Eu senti essas
coisas dentro de mim. E tive de aprender a combatê-las.
Eu diria que o maior obstáculo é - a própria pessoa.

Para cada um de nós, o maior obstáculo para uma boa vida é


nossa própria individualidade. No entanto, se pudermos aprender
a viver com isso e, como Ulisses, encontrar uma maneira de resis-
tir ao canto das sereias das suas necessidades, o self pode se tor-
nar um amigo, um ajudante, uma rocha que servirá de fundamen-
to para uma vida plena. Stern prossegue e descreve como, sendo
um escritor, ele pode domar o ego impulsivo e obriga-lo a reali-
zar trabalhos criativos:
Naturalmente, existem coisas dentro de mim... que sei que são
más, mesquinhas, perversas, fracas, isso, aquilo. Eu posso retirar
força deste fato... Posso transforma-las. Elas são fontes de força.
E, como disse antes, o escritor aproveita essas características, elas
são o seu material.

Não é preciso ser um artista para transformar as “partes des-


prezi'veis” do self em uma compreensão mais profunda da nature-
za humana. Todos nós temos a oportunidade de usar a ambição, a
necessidade de sermos amados - ou até mesmo a agressividade -
de maneiras construtivas, sem sermos carregados por elas. Uma
vez que tenhamos percebido quais são nossos demônios, não pre-
cisamos mais ter medo deles. Em vez de levá-los a sério, pode-
132 A DESCOBERTA DO FLUXO

mos sorrir com compaixão diante da arrogância desses frutos de


nossa imaginação. Não precisamos alimentar sua fome voraz,
exceto de acordo com nossa própria vontade, quando ao fazer
isso obtemos ajuda para alcançar alguma coisa digna.
Naturalmente, isso é mais fácil de falar do que fazer. Desde
a época em que o oráculo de Delfos começou a dar o sensato con-
selho “Conhece-te a ti mesmo”, há cerca de três mil anos, as pes-
soas que pensaram sobre esses assuntos concordaram que é pre-
ciso primeiro conhecer e depois dominar o ego antes de embarcar
em uma boa vida. No entanto, realizamos muito pouco progresso
na direção do autoconhecimento. É muito comum que aqueles
que exortam a virtude do altrui'smo de maneira mais ruidosa
sejam os que acabam sendo movidos pela cobiça e pela ambição.
No século XX, o projeto do autoconhecimento foi identifi-
cado com maior intensidade com a análise freudiana. Formada
pelo ceticismo radical dos anos entre as duas guerras mundiais, a
psicanálise estabeleceu suas metas de maneira modesta: ela ofe-
recia autoconhecimento sem aspirar a dizer a ninguém o que
deveria fazer com ele uma vez que fosse conquistado. E a com-
preensão que ela oferecia, por mais profunda que fosse, também
era bastante limitada, só revelando algumas das armadilhas nas
quais o ego costuma cair - os tumores malignos que resultam de
tentar lidar com o triângulo familiar e com a subseqüente repres-
são da sexualidade. Por mais importante que tenha sido essa com-
preensão, ela teve o resultado infeliz de oferecer uma falsa sensa-
ção de segurança para pessoas que acreditavam que, ao exorcizar
algum trauma infantil, poderiam viver felizes para sempre. O self,
infelizmente, é mais astucioso e complicado do que isso.
A psicoterapia se apóia principalmente na recordação e na
posterior partilha de experiências passadas com um analista capa-
citado para isso. Este processo de reflexão orientada pode ser
muito útil, e em sua forma não difere muito da injunção do orácu-
lo de Delfos. A dificuldade aparece quando a popularidade dessa
forma de terapia leva as pessoas a acreditarem que, por meio da
introspecção e da dissecação do seu passado, poderão resolver
seus problemas. Isso geralmente não funciona, porque as lentes
através das quais olhamos para o passado são distorcidas precisa-
mente pelo tipo de problemas que queremos resolver. É preciso
um terapeuta hábil, ou muita prática, para que possamos nos
beneficiar da reflexão.
O AMOR AO DESTINO 133

Além disso, o hábito de introspecção que nossa sociedade


narcisista encoraja na verdade pode tornar as coisas piores. A
pesquisa ESM mostra que, quando as pessoas pensam sobre si
mesmas, seu humor geralmente se toma negativo. Quando uma
pessoa começa a refletir sem ter habilidade para isso, os primei-
ros pensamentos que vêm à mente costumam ser deprimentes.
Enquanto no fluxo nos esquecemos de nós mesmos, na apatia, na
preocupação e no tédio, o self costuma estar no centro do palco.
Assim, a menos que a pessoa tenha dominado a capacidade de
reflexão, a prática de “pensar em problemas” geralmente piora o
que está errado em vez de aliviar as dificuldades.
A maioria das pessoas só pensa sobre si mesma quando as
coisas não estão indo bem, e assim elas entram em um círculo
vicioso em que a ansiedade presente caracteriza o passado, fazen-
do com que as memórias dolorosas, por sua vez, tornem o presen-
te ainda mais sombrio. Uma maneira de romper esse círculo é
desenvolver o hábito de refletir sobre a própria vida quando há
um born motivo para sentir-se bem quanto a ela, quando estamos
num humor otimista. Mas é ainda melhor investir energia psíqui-
ca em metas e relacionamentos que tragam indiretamente harmo-
nia para o self. Depois de experimentar o fluxo em uma interação
complexa, o retorno é concreto e objetivo, e nos sentimos melho-
res quanto a nós mesmos sem ao menos precisar tentar.
Para que experimentemos o fluxo, é útil ter metas claras -
não porque seja importante alcançar metas, mas porque, sem uma
meta, é difícil se concentrar e evitar distrações. Assim, uma alpi-
nista estabelece como meta chegar no topo não porque tenha
algum profundo desejo de alcança-lo, mas porque a meta toma a
experiência da escalada possível. Se não fosse pelo topo, a esca-
lada seria um percurso sem significado, que deixaria o indivíduo
intranqüilo e apático.
Existem muitos indícios mostrando que, mesmo que a pes-
soa não experimente o fluxo, o simples fato de fazer algo que se
coadune com nossas metas melhora o estado da mente. Por exem-
plo, estar com amigos costuma elevar nosso humor, especialmen-
te se percebemos que interagir com amigos é o que desejamos no
momento; mas quando sentimos que deveríamos estar trabalhan-
do, então o tempo que passamos com os mesmos amigos é muito
menos positivo. Por outro lado, até mesmo um trabalho de que
134 A DESCOBERTA DO FLUXO

não gostamos faz com que nos sintamos melhor se conseguimos


vê-lo como parte das nossas metas.
Essas descobertas sugerem que uma maneira simples de
melhorar a qualidade de vida é tomar posse de nossas próprias
ações. Urna boa parte do que fazemos (cerca de dois terços, em
média) são coisas que fazemos porque acreditamos que precisa-
mos fazer, ou que fazemos porque não estamos com vontade de
fazer qualquer outra coisa. Muitas pessoas passam suas vidas
inteiras sentindo-se como marionetes que só se movem porque
seus cordões foram puxados. Sob essas condições, provavelmente
pensaremos que nossa energia psíquica foi desperdiçada. Assim,
pergunta-se, por que não queremos fazer mais coisas? O próprio
ato de querer focaliza nossa atenção, estabelece a prioridade na
consciência e assim cria uma sensação de harmonia interior.
Existem muitas coisas na vida que precisamos fazer e de que
não gostamos. Pode ser participar de reuniões, levar o lixo para
fora ou organizar as contas do mês. Algumas delas são inevitá-
veis; por mais engenhosos que sejamos, ainda assim precisare-
mos fazê-las. Portanto, as opções são fazê-las de modo contraria-
do, reclamando quanto à sua imposição, ou fazê-las de boa von-
tade. Em ambos os casos, estamos presos à atividade, mas no
segundo caso a experiência certamente será mais positiva. É pos-
sível estabelecer metas até mesmo para a tarefa mais desprezada:
por exemplo, cortar a grama da maneira mais rápida e eficiente
possível. O próprio ato de estabelecer uma meta anula grande
parte da dificuldade de uma tarefa.
\ Essa atitude para com nossas próprias escolhas é bem
expressa no conceito do amorfatí - ou amor ao destino -, um
conceito central na filosofia de Nietzsche.3 Por exemplo, ao dis-
cutir o que é necessário para viver plenamente, ele escreve:
“Minha fórmula para a grandeza em um ser humano é o amor
fati: que o indivíduo não queira ser diferente, nem no futuro, nem
no passado, nem em toda a eternidade... Não apenas suportar o
que é necessário... mas amá-lo.” E: “Quero aprender cada vez
mais a ver a beleza do que é necessário nas coisas; então serei um
daqueles que tornam as coisas belas.”
Os estudos de Abraham Maslow o levaram a conclusões
similares. Baseado em suas observações clínicas e entrevistas
com indivíduos responsáveis por suas realizações, incluindo
artistas criativos e cientistas, ele concluiu que o processo de cres-
O AMOR AO DESTINO 135

cimento resultava em experiências de pico realizadoras. Estas


envolviam uma coerência entre o self e o ambiente e ele se refe-
ria a isto como a harmonia entre a “necessidade interna” e a
“necessidade externa”, ou entre “eu quero” e “eu devo”. Quando
isso acontece, “a pessoa abraça livre e alegremente, e de todo
coração, os seus próprios detemunantes; ela escolhe e deseja seu
próprio destino”.
O psicólogo Carl Rogers também endossava uma perspecti-
va bastante similar. Ele comentou sobre o que chamava de pessoa
completamente funcional: “Ela decide ou escolhe seguir o curso
de ação que é o vetor mais econômico em relação a todos os estí-
mulos internos e externos, porque esse é o comportamento mais
profundamente satisfatório.” Como resultado, ele continua: “A
pessoa completamente funcional... não só experimenta, mas utili-
za a mais absoluta liberdade quando espontânea, livre e volunta-
riamente escolhe e decide aquilo que é absolutamente determina-
do”. Assim, como em Nietzsche e Maslow, o amor ao destino
corresponde a uma disposição de aceitar a responsabilidade pelas
próprias ações, sejam elas espontâneas ou impostas pelo mundo
externo. É essa aceitação que leva ao crescimento pessoal, e que
oferece o sentimento de serena satisfação, capaz de remover o
fardo da entropia da vida cotidiana.

A qualidade de vida melhora muito se aprendemos a amar o que


temos - nesse detalhe, Nietzsche e companhia estavam absoluta-
mente certos. Mas, em retrospecto, podemos começar a ver as
limitações da “psicologia humanista” da qual Maslow e Rogers
foram líderes de enorme destaque. Nos dias gloriosos da metade
do século XX, quando a prosperidade reinava e a paz acenava do
outro lado da esquina, fazia sentido acreditar que a realização
pessoal só poderia levar a resultados positivos. Não havia neces-
sidade, nessa época, de fazer comparações invejosas sobre
maneiras de auto-realização, de questionar se um conjunto de
metas era melhor que outro - o que importava era fazer o que se
queria. A neblina otimista aparava todas as arestas, e nos permi-
timos acreditar que o único mal vinha de não realizar o próprio
potencial.
O problema é que as pessoas também aprendem a amar coi-
sas destrutivas para elas e para os outros. Adolescentes presos por
/
136 A DESCOBERTA DO FLUXO

vandalismo ou roubo muitas vezes não possuem outra motivação


exceto a excitação que experimentam ao roubar um carro ou
invadir urna casa. Veteranos de guerra dizem que nunca sentiram
um fluxo tão intenso como quando estavam atrás de uma metra-
lhadora nas frentes de batalha. Quando o físico Robert J.
Oppenheimer estava desenvolvendo a bomba atômica, ele escre-
veu com uma paixão lírica sobre o “doce problema” que estava
tentando resolver.4 Segundo todos os relatos, Adolph Eichmann
adorava trabalhar nos problemas logísticos envolvidos no trans-
porte de judeus para os campos de extermínio. A implicação
moral desses exemplos é obviamente diversa, mas eles provam
que gostar do que se faz não é motivo suficiente para fazê-lo.
/ O fluxo é uma fonte de energia psíquica que concentra a
atenção e motiva a ação. Como outras formas de energia, ele é
neutro ~ pode ser usado para finalidades construtivas ou destruti-
vas. O fogo pode ser usado para nos aquecer em uma noite gela-
da ou para incendiar a casa. O mesmo é verdade quanto à eletri-
cidade ou à energia nuclear. Tornar a energia disponível para o
uso humano é uma realização importante, mas aprender a usá-la
bem é pelo menos igualmente essencial. Assim, para criar uma
boa vida, não basta lutar por metas que nos trazem prazer, mas
também escolher metas que reduzirão a soma total de entropia no
mundo.
Então, onde e' possível encontrar essas metas? A tarefa das
religiões é definir as implicações da entropia nos assuntos huma-
nos. Ela foi chamada de “pecado”, e consistia no comportamento
que prejudicava o indivíduo, a comunidade ou seus valores.
Todas as sociedades que sobreviveram precisaram definir metas
positivas para direcionar a energia do seu povo; para toma-las efi-
cazes, criaram seres sobrenaturais que comunicavam as regras de
comportamento certo e errado por meio de visões, aparições e
textos ditados para indivíduos especiais, como Moisés, Maomé
ou Joseph Smith (o fundador da Igreja Mórmon). Essas metas não
poderiam ser explicadas em termos das nossas vidas aqui e ago-
ra, porque se os únicos efeitos das nossas ações fossem os que
observamos nesta vida, o bom senso ditaria que devemos conse-
guir o máximo de prazer e vantagens materiais que pudermos,
mesmo que para tanto precisemos ser impiedosos. No entanto,
uma comunidade seria destruída se todo mundo fosse motivado
por puro egoísmo; desse modo, todas as religiões precisaram ofe-
O AMOR AO DESTINO 139

rança a vários cientistas de que o universo não é regido pelo caos,


mas que oculta uma história significativa. Um dos primeiros a
expressar essa conexão foi o paleontólogo jesuíta Pierre Teilhard
de Chardin, cujo Fenômeno humano deu _uma descrição lírica -
talvez excessivamente lírica - da evolução da poeira atômica há
bilhões de anos até a unificação da mente e do espírito no que ele
chama de Ponto Ômega, o seu equivalente para o conceito tradi-
cional de almas se unindo ao ser supremo no céu.
A maioria dos cientistas zombou da visão de Teilhard, mas
alguns dos mais ousados - como C. H. Waddington, Julian Huxley
e Theodosius Dobzhansky - a levaram muito a sério. De uma for-
ma ou de outra, a complexidade evolutiva tem a constituição de
um mito sólido o bastante para que se acredite nele. Por exemplo,
Jonas Salk, o inventor da vacina contra a pólio - que se considera-
va um artista e humanista tanto quanto cientista -, passou os últi-
mos anos de sua vida lutando para compreender como a vida pas-
sada pode conter as chaves para o futuro. Em suas palavras:
Continuei a me interessar por algumas... das questões mais funda-
mentais, sobre a própria criatividade... Considero-nos o produto
do processo de evolução, eu diria de uma evolução criativa. Ago-
ra precisamos nos transformar no próprio processo, ou em parte
do próprio processo. Assim, a partir dessa perspectiva, eu me inte-
ressei pela evolução humana, pelo fenômeno da evolução em si
mesmo manifestado no que eu chamo de evolução pré-biológica;
e a evolução metabiológica da mente-cérebro. E agora estou
começando a escrever sobre o que chamo de evolução teleológi-
ca, que é a evolução com uma finalidade. Assim, a minha meta
agora, como poderia ser dito, é tentar compreender a evolução, a
criatividade, de uma maneira significativa.

É cedo demais para ver claramente o que está além desses


novos horizontes que estão se abrindo. Mas os escritores e cien-
tistas estão começando a construir juntos a visão que pode levar
ao futuro. Alguns desses esforços parecem tão fantasiosos que
ainda pertencem ao reino da imaginação. Por exemplo, Ma-
deleine L'Engle elaborou, em seus livros para crianças, tramas
em que os eventos nas células do corpo são comparados a lutas
históricas entre personagens humanos, que por sua vez refletem
conflitos cósmicos entre seres sobrenaturais. E ela está perfeita-
mente consciente de que a ficção científica que escreve tem con-
seqüências éticas. Até mesmo quando as personagens no livro
140 A DESCOBERTA DO FLUXO

sofrem e estão prestes a ser tragadas pelas forças do mal, ela acre-
dita que: “É preciso tirá-las dali, levá-los para algum tipo de espe-
rança. Eu não gosto de livros desalentados, livros que fazem você
pensar 'ah, a vida não merece ser vivida”. Eu quero fazer com que
eles pensem, sim, esse esforço é árduo, mas vale a pena, no fun-
do é cheio de alegria."
John Archibald Wheeler, um dos físicos mais renomados do
século XX, passa seu tempo se perguntando como exercemos um
papel vital em trazer para a realidade o mundo material que pare-
ce existir objetivamente fora e distinto de nós. Benjamin Spock,
o eminente pediatra, está tentando redefinir a espiritualidade em
relação ao que faz sentido para nossos tempos. E também existem
aqueles que, como o economista e ativista Hazel Henderson, ado-
taram uma filosofia pessoal livre em que a sua identidade é vista
como uma encarnação momentânea da corrente contínua da vida:
De certa forma me sinto um extraterrestre. Estou aqui em visita,
temporariamente. E também tenho uma forma humana. Sou mui-
to apegado emocionalmente a essa espécie. Mas também possuo
um aspecto infinito dentro de mim. Tudo isso se relaciona de uma
maneira bastante fácil para mim. Pode parecer brincadeira, mas o
fato é que isso é uma prática espiritual para mim.

Pode parecer que tamanha exuberância pagã nada mais é do


que um retorno a superstições do passado, junto com a crença em
reencarnação, abduções alienígenas ou percepção extra-senso-
rial. A diferença essencial é que os crentes da Nova Era acreditam
literalmente em sua fé, enquanto as pessoas que estou citando
sabem que falam metaforicamente, usando aproximações para
uma realidade subjacente em que acreditam, mas que não têm
como expressar de modo adequado. Elas seriam as últimas a rei-
ficar seus insights, acreditando que eles são literalmente verda-
deiros. Elas sabem que seu próprio conhecimento está em evolu-
ção, e que em alguns anos ele terá de ser expresso de uma forma
inteiramente diferente.

Uma coisa é a evolução nos ajudar a visualizar o futuro com refe-


rência ao passado, e outra ela nos orientar para que criemos uma
existência significativa e satisfatória. Certamente, um dos moti-
vos pelos quais as tradições religiosas têm uma influência tão
poderosa sobre a consciência humana é que elas personalizam
O AMOR AO DESTINO 14]

forças cósmicas - por exemplo, alegando que Deus nos criou à


Sua imagem, tornando possível que centenas de pintores cristãos
O representassem como um velho patriarca benevolente. E, o que
talvez seja mais importante, elas dão à vida de cada indivíduo
uma dignidade e a promessa da eternidade. É realmente difícil
igualar esse ato. O processo de evolução, como é compreendido
agora, trabalha estatisticamente sobre grandes números, e não
tem nada a dizer para os indivíduos; é levado pelo determinismo
unido com o acaso, em vez da finalidade e do livre-arbítrio. Sim,
ele parece uma doutrina árida, sem possibilidade de inspirar
alguém a organizar sua vida.
No entanto, as descobertas da ciência podem trazer uma
mensagem de esperança para cada um de nós. Em primeiro lugar,
elas estão nos tornando cada vez mais conscientes de como cada
pessoa é única. Não só a maneira particular como os ingredientes
do código genético foram combinados, fornecendo instruções
para o desenvolvimento de traços físicos e mentais sem preceden-
tes, mas também únicos no tempo e no espaço em que esse orga-
nismo específico foi colocado para encontrar a vida. Como um
indivíduo se toma único dentro de um contexto físico, social e
cultural, quando e onde nós nascemos define uma coordenada
única de existência que ninguém mais compartilha.
Assim, cada um de nós é responsável por um ponto particu-
lar no espaço e no tempo, onde nosso corpo e mente formam um
vínculo dentro da rede total da existência. Pois embora seja ver-
dade que somos resultado de instruções genéticas e interações
sociais, também é verdade que por termos inventado o conceito
de liberdade podemos fazer escolhas que detemrinarão a forma
futura da rede de que fazemos parte. O tipo de cosmético que usa-
mos nos ajudará a determinar se o ar continuará respirável, a
quantidade de tempo que passamos conversando com professores
afetará o que nossas crianças aprendem e o tipo de espetáculos e
programas a que assistimos influenciará a natureza do entreteni-
mento comercial.
A compreensão contemporânea da matéria e da energia
sugere uma nova maneira de pensar sobre o bem e o mal.6 O mal
na vida humana é análogo ao processo de entropia no universo
material. Chamamos de mal aquilo que provoca dor, sofrimento e
desordem na psique ou na comunidade. Ele geralmente envolve
tomar o caminho de menor resistência, ou agir de acordo com
O AMOR AO DESTINO 143

Naturalmente, esta não é a única maneira de entendermos as


implicações da ciência para o futuro. Também é possível não ver
nada além do acaso sem significado atuando no mundo, e sentir-
se desencorajado com isso. Na verdade, é a coisa mais fácil a
fazer. A entropia também se sustenta no modo como interpreta-
mos os indícios fornecidos pelos sentidos. Mas este capítulo
começou com a pergunta: como podemos encontrar uma meta
que nos permita apreciar a vida enquanto somos responsáveis
para com os outros? Escolher essa interpretação para o conheci-
mento atual que a ciência oferece pode ser uma resposta para essa
pergunta. Dentro de uma estrutura evolutiva, podemos concentrar
a consciência nas tarefas da vida cotidiana sabendo que, quando
agimos na plenitude da experiência de fluxo, também estamos
construindo uma ponte para o futuro do nosso universo.
NOTAS

cAPiTuLo i
1 . Uma excelente série de reflexões sobre a poesia de Auden e seu lugar na litera-
tura contemporânea pode ser encontrada em Hecht (1993).
2. As bases teóricas e empíricas para as afimtações feitas neste livro podem ser
encontradas. por exemplo. em Csikszentmihalyi (1990. 1993); Csikszent-
mihalyi e Csikszentmihalyi (1988); Csikszentmihalyi e Rathunde (1993).
3. Uma descrição detalhada das atividades de primatas em liberdade é dada por
Altmann (1980). As atividades diárias de camponeses no sul da França durante
a Idade Média são relatadas em Le Roy Ladurie (1979).
4. Os historiadores franceses associados ao periódico Annales foram pioneiros no
estudo do modo como as pessoas viviam em diferentes períodos históricos. Um
exemplo do gênero é Davis e Farge (1993).
5. Thompson (1963) fornece algumas das descrições mais vividas de como a vida
diária mudou como resultado da industrialização na Inglaterra.
ó. As fontes para os dados apresentados nesta tabela são as seguintes: o orçamen-
to de tempo dos adultos americanos. usando o ESM. foi relatado em Csiks-
zentmihalyi e Graef (1980); Csikszentmihalyi e LeFreve (1989); Kubey e
Csikszentmihalyi (1990); l_.arson e Richards (1994); para o orçamento de tem-
po dos adolescentes` ver Bidwell et al. (no prelo); Csikszentmihalyi e Larson
(1984); Csikszentmihalyi, Rathunde e Whalen (1993).
7. A quantidade de tempo que os caçadores-coletores gastavam em atividades pro-
dutivas foi estimada por Marshall Sahlins (1972). Resultados similares também
são relatados em Lee e DeVore (1968). Para orçamentos de tempo no século
XVIII. ver Thompson (1963)` e nos tempos recentes, Szalai (1965).
8. A citação é de I-qton (1993, p. 30).
9.. Para uma história detalhada do lazer. ver Kelly (1982).
10. Mckim Marriott descreve a visão tradicional hindu da posição do indivíduo no
contexto social (Marriott 1976); para a comparação de crianças caucasianas e
do leste da Ásia. ver Asakawa (1996).
1 1 . O argumento sobre a importância de ter uma esfera pública para o desenvolvi-
mento da individualidade foi feito por Hannah Arendt (1956).
146 A DESCOBERTA DO FLUXO

12. Aqueles interessados nos detalhes deste metodo devem consultar Csikszent-
mihalyi e Larson (1987); Moneta e Csikszentmihalyi (1996).

cAPíTuLo 2
l . As principais emoções que podem ser diferenciadas e que são reconhecidas em
todas as culturas são alegria. raiva, tristeza. medo. interesse. vergonha. culpa,
inveja e depressão (Campos e Barrett. 1984).
2. Embora o próprio Charles Darwin tenha percebido que as emoções serviam a
finalidades de sobrevivência que tinham evoluído do mesmo modo que os
órgãos físicos do corpo. foi só muito recentemente que os traços psicológicos
começaram a ser estudados a partir de uma perspectiva evolutiva. Um exemplo
recente é a obra de David Buss (1994).
3.Um dos primeiros estudos psicológicos da felicidade. The Structure of
Psychological Well-Being. de Norman Bradbum (1969). originalmente tinha a
palavra “felicidade” no título. mas foi posteriormente alterado para “bem-estar
psicológico" para não parecer pouco científico. Estudos atuais incluem o exten-
so resumo do tópico por Myers (1992), a obra de Myers e Diener (1995) e
Diener e Diener (1996). que descobre que as pessoas geralmente estão felizes;
outra fonte é Lykken e Tellegen (1996). As comparações internacionais de ren-
da e felicidade estão em Inglehart (1990). O principal problema é que esses
estudos se baseiam nas declarações globais do participante quanto a sua própria
felicidade. Como as pessoas possuem uma forte inclinação a considerar sua
própria vida feliz, independentemente do seu conteúdo. essa medida não nos
proporciona muita informação sobre a qualidade de vida da pessoa.
4. A entropia psíquica ou conflito de consciência. e seu oposto, a negaentropia
psíquica. que descreve estados de harmonia psíquica. são descritos em
Csikszentmihalyi (1988. 1990); Csikszentmihalyi e Csikszentmihalyi (1988);
Csikszentmihalyi e Rathunde (no prelo).
5. A fórmula de William James para a auto‹estima foi publicada em James (1890).
O contraste de auto-estima entre grupos étnicos está em Asakawa (1996) e
Bidwell et al. (no prelo). As diferenças de auto-estima entre mães que estão tra-
balhando e que estão em casa foram estudadas por Ann Wells (1988).
ó. Discuti o papel da atenção no pensamento em Csikszentmihalyi (1993). O psi-
cólogo de Yale Jerome Singer estudou o devaneio extensivamente (J. L. Singer
1966. 1981).
7. A obra canônica neste campo é a análise de Howard Gardner das sete formas
principais tomadas pela inteligência humana (Gardner 1983).
8. O esforço necessário para desenvolver o talento de um jovem é descrito nos
estudos de Benjamim Bloom (1985) e nas pesquisas que conduzi com meus
alunos (Csikszentmihalyi, Rathunde e Whalen 1993).
9. Algumas das principais fontes a respeito dessa experiência são Csikszent-
mihalyi (1975. 1990); Csikszentmihalyi e Csikszentrnihalyi (1988); Moneta e
Csikszentmihalyi (1996). Para estudos mais especializados. ver também Adlai-
Gail (1994); Choe (1995); Heine (1996); Hektner (1996); Inghilleri (1995).
“Experiência ótima” e “negaentropia psíquica" são às vezes usados como sinô-
nimos de experiência de fluxo.
10. As fontes para esta figura são Csikszentmihalyi (1990) e Massimini e Carli
(1988). Esta representação passou por várias revisões à medida que as desco-
NOTAS l47

bertas empíricas nos forçaram a rever nossas hipóteses iniciais. Por exemplo` a
revisão mais recente envolveu a inversão da colocação das experiências de
“relaxamento” e “'tédio". Originalmente eu pensava que desafios baixos e alta
habilidade deviam resultar na experiência de tédio. No entanto. muitos estudos.
por exemplo Adlai-Gail (1994), Csikszentmihalyi e Csikszentmihalyi (1988) e
Hektner (1996), mostraram que as pessoas relatam uma sensação de relaxa-
mento nessas situações, enquanto o tédio tende a ocorrer quando tanto os desa-
fios quanto as habilidades são baixos.
l l . A maior pesquisa sobre o fluxo entre os alemães é relatada em Noelle-Neu-
mann (1995). Alguns relatos interessantes sobre como o fluxo ocorre em dife-
rentes atividades são os seguintes: escrevendo. Perry (1996); computadores.
Trevino e Trevino (1992); Webster e Martocchio (1993); ensino, Coleman
(1994); leitura. McQuillan e Conde (1996); administrando` Loubris. Crous e
Schepers (1995); esportes, Jackson (1996), Stein` Kimiecik, Daniels e Jackson
(1995); jardinagem, Reigberg (1995). entre outros.

cAPíTuLo 3
l . O psiquiatra Marten De Vn'es (1992) foi um dos pn'meiros a investigar em deta-
lhes o modo como os pacientes psiquiátricos realmente se sentem, e descobn'u
vários dados básicos sobre a psicopatologia. Para a obra do professor Massi-
mini e seu grupo na Universidade de Milão. .ver Inghilleri (1995); Massimini e
lnghilleri (1986).
2. A citação de Richard Stern e as que a seguem neste livro foram extraídas de
meu estudo recente sobre a criatividade (Csikszentmihalyi, 1996), que se
baseia em entrevistas com 91 artistas, cientistas e líderes políticos e do mundo
dos negócios que alteraram a cultura em que viviam de alguma maneira. Sobre
o relacionamento entre o fluxo e a criatividade, ver também a coleção editada
por George Klein (1990). '
3. Para os efeitos prejudiciais de estar sozinho, veja, por exemplo, Csikszent-
mihalyi e Larson (1984); Larson e Csikszentmihalyi (1978); Larson` Mannell c
Zuzanek (1986).
4. Descobertas de pesquisas americanas que indicam uma relação entre a felicida-
de e ter amigos foram relatadas por Burt (1986).
5. O estudo recente de Reed l_.arson e Maryse Richards` em que todos os membros
da família participavam de um estudo ESM ao mesmo tempo (Larson e
Richards` 1994)` revela muitos padrões intrigantes presentes na experiência
familiar: como o título do seu livro, Diverging Realin'es (Realidades divergen-
tes), dá a entender, pais e filhos raramente têm a mesma experiência quando
interagem dentro de casa.
ó. Que dirigir é uma das experiências mais agradáveis nas vidas de muitas pessoas
foi sugerido por um dos nossos estudos de ESM (Csikszentmihalyi e LeFreve,
1989); um estudo ESM mais profundo patrocinado pela Nissan USA revelou
muitos detalhes que não haviam sido previstos` alguns dos quais são relatados
em diferentes partes deste livro.
7. Para uma crítica do esquecimento geral da influência do nosso ambiente sobre
nossas emoções e pensamentos, ver Gallagher (1993). Outras obras sobre este
tópico incluem Csikszentmihalyi e Rochberg-Halton (1981).
8. Dois estudos iniciais ainda inéditos` um completado por Maria Wong na
148 A DESCOBERTA DO FLUXO

Universidade de Michigan e o outro por Cynthia Hedricks (no prelo) na


Universidade do Sul da Califórnia` descobriram que uma quantidade significa-
tivamente maior de sintomas é relatada nos domingos, assim como em situa-
ções que não exigem atenção concentrada. sugerindo que estar ocupado nos
impede, de certa forma, de perceber a dor.

cAPíTuLo 4
. Esses resultados de pesquisa são de Yankelovich (1981) e foram reproduzidos
segundo padrões similares em outros países. Para a ambivalência sobre o traba-
lho, veja Csikszentmihalyi e LeFevre (1989); e o diálogo entre os cientistas
sociais alemães está em Noelle-Neumann e Strumpel (1984). Noelle-Neumann
interpretou o vínculo entre a disposição para o trabalho e um estilo de vida posi-
tivo como evidência de que o “trabalho deixa você feliz", enquanto que
Strumpel compreende que a preferência geral pelo lazer significa que “o traba-
lho deixa você infeliz".
. Para alguns insights interessantes sobre o modo como o trabalho mudou com o
passar dos séculos. ver, por exemplo. Braudel (1985); Lee e DeVore (1968);
Norberg (1993); Veyne (1987).
3. Resultados relativos ao modo como os adolescentes norte-americanos apren-
dem atitudes e habilidades pertinentes a suas ocupações futuras foram obtidos
durante um estudo longitudinal de cinco anos com quase quatro mil estudantes
de primeiro e segundo graus em todos os Estados Unidos, financiado pela Sloan
Foundation (Bidwell et al.. 1992). As experiências negativas associadas a ativi-
dades que não eram trabalho nem diversão foram exploradas em detalhes por
Jennifer Schmidt (1997).
4. Diferenças de gênero na experiência do trabalho são relatadas em Larson e
Richards (1994). Anne Wells (1988) descobriu as diferenças na auto-estima
entre as mães que trabalhavam em tempo integral e em meio expediente.
. Estudos ESM de jovens desempregados no Reino Unido foram feitos por John
Hawonh (Haworth e Ducker, 1991). Os estudos internacionais sobre o desem-
prego foram relatados em Ingelhart (1990).

cAPíTULo 5
. O aviso dos psiquiatras foi relatado em Psychiatry (1958); para argumentos
similares, ver Gussen (1967); Kubey e Csikszentmihalyi (1990).
. A referência está em Ferenczi (1950); ver também Boyer (1955); Cattell (1955).
(JN

. As diferenças fundamentais encontradas entre indivíduos que eram leitores fre-


quentes e aqueles que eram telespectadores freqüentes são relatadas em Noelle-
Neumann (1996).
. Ver Guerras persas. Livro 1. Capítulo 94.
. Para alguns indícios históricos, ver Kelly (1982); parte do material de compa-
ração cultural está em Inghilleri (1993).
. O estudo de Macbeth é relatado em Macbeth (1988); a citação do marinheiro
está em Pirsig (1977); a citação do alpinista está em Csikszentmihalyi (1975).
. A descoberta de que o uso de energia não-renovável no lazer está relacionado
negativamente com a felicidade, pelo menos para as mulheres. é relatada em
Graef et al. (1981).
NOTAS 149


CAPÍTULO ó
. Refere-se ao trabalho de bewinsohn ( 1982).
. A importância de pertencer a uma rede social na Índia é discutida por Hart
(1992); Kakar (1978); Marriott (1976); no Japão, por Asakawa (1996); Lebra
(1976); Markus e Kitayama (1991).
. Para a importância da amizade para uma vida satisfatória, ver Myers (1992).
. O modo como forças seletivas ao longo da evolução formaram nossas emoções.
atitudes e comportamentos sexuais é bem descrito em Buss (1994). Para uma
história cultural da sexualidade humana` ver I. Singer (1966). A exploração da
sexualidade é discutida em Marcuse (1955).
. A composição das famílias na ldade Média e descrita em l_.e Roy Ladurie
(1979). Outras formas de arranjos familiares são discutidas em Edwards
(1969); Herlihy (1985); Mitterauer e Sieder (1982).
. Essas descobertas vêm da pesquisa, já mencionada várias vezes, de Larson e
Richards (1994).
. A noção teórica da complexidade foi aplicada ao sistema familiar por Kevin
Rathunde (no prelo). Ver também Carroll` Schneider e Csikszentmihalyi
(1996); Csikszentmihalyi e Rathunde (1993); Csikszentmihalyi e Rathunde (no
prelo); Huang (1996) para outras descobertas que usam este conceito.
. A paranóia generalizada dos dobuanos é descrita por Reo Fortune ([1932]
1963). O conceito de conversa como um meio de manutenção da realidade foi
desenvolvido pelos sociólogos Peter Berger e Thomas Luckman (1967).
.A pesquisa em questão foi relatada em Noelle-Neumann e Kocher (1993,
p. 504).
. Os dados que mostram como os estudantes que não suportam ficar sozinhos
têm problemas para desenvolver seus talentos é apresentado em Csikszent-
mihalyi. Rathunde e Whalen (1993).
. O historiador francês Philippe Ariès descreveu os pen'gos que ameaçavam os
estudantes medievais em Paris (Ariès. 1962). A ameaça para mulheres cami-
nhando nas ruas no século XVII é mencionada por Norberg (1993).
. Hannah Arendt (1956) discute a diferença nas visões de mundo implicadas por
uma vida ativa em contraposição com a vida passiva. A distinção entre modos
de vida “orientados para dentro" e “orientados para fora'` apareceu em Ries-
man. Glazer e Denney (1950). A tipologia da “extroversão” em oposição a
“introversão” foi desenvolvida por Carl Jung (1954); para sua medição atual,
ver Costa e McCrae (1984).
. As pesquisas sugerindo que os extrovertidos tendem a estar mais satisfeitos
com suas vidas são relatadas por Myers (1992).

cAPiTuLo 7
. Sobre esse número. ver última nota do Capítulo 2.
. Uma biografia de leitura bastante agradável deste teórico político italiano foi
escrita por Fiore (1973).
. O estudo relatado aqui foi feito por Joel Hektner (1996).
. As idéias mencionadas nesta seção derivam em grande parte de muitos anos de
aconselhamento de gerentes de negócios que fiz no programa de extensão de
verão da Universidade de Chicago. em Vail, Colorado.
. As biografias de indivíduos com sensibilidade moral excepcional foram coleta-
das e analisadas por Colby e Damon (1992).
150 A DESCOBERTA DO FLUXO

ó. Um dos relatos mais antigos e, até hoje. um dos mais inspirados sobre o que os
trabalhadores que têm orgulho dos seus trabalhos pensam é a série de entrevis-
tas coletada por Studs Terkel (1974).
7. O ñsiologista Hans Selye foi o primeiro a identificar o "eustresse", ou valor
positivo do estresse adrninistrável para o organismo. A resposta psicológica óti-
ma ã tensão é amplamente pesquisada (Selye. 1956).
8. A citação que descreve o prazer de uma mãe enquanto brinca com o filho é de
Allison e Duncan (1988).

cAPíruLo s
1 . A citação é de Allison e Duncan (1988).
2. Em embriologia, "neotenia" se refere ao retardamento do desenvolvimento dos
bebês humanos em comparação com outros primatas e espécies de mamíferos.
Supostamente` isso acontece para permitir que um aprendizado maior ocorra, já
que o sistema nervoso amadurece em interação com o ambiente em vez de no
isolamento (Lerner, 1984). A neotenia social é uma extensão desse conceito
para a tendência de algumas pessoas jovens de se beneficiarem de um período
de amadurecimento mais longo protegido dentro da família (Csikszentmihalyi
e Rathundc. no prelo).
3. A importância do controle da atenção. ou da “energia psíquica", é fundamental
para assumir o controle da própria vida. Alguns dos pensamentos pertinentes a
esta afirmação podem ser encontrados em Csikszenunihalyi (1978, 1993).
4. Fausto Massimini e sua equipe na Universidade de Milão entrevistaram um
grande número de indivíduos que sofreram tragédias` como por exemplo pes-
soas que ficaram paraplégicas ou cegas (Negri. Massimini e Delle Fave` 1992).
Ao contrário do que se poderia esperar, muitos desses indivíduos conseguem
desfrutar mais suas próprias vidas depois de um acidente trágico do que antes.
Ver também Diener e Diener (1996). Por outro lado, as pesquisas com ganhado-
res de loteria (Brickman, Coates e Janoff-Bulman, 1978) sugerem que ganhar
subitamente uma fonuna não aumenta a felicidade. Esses resultados confirmam
a antiga sabedoria segundo a qual não é o que acontece com uma pessoa que
determina a qualidade de vida. mas sim o que uma pessoa faz acontecer.

cAP'rruLo 9
i . Algumas das declarações recentes mais importantes sobre a falta de envolvi-
mento com valores maiores do que o indivíduo foram feitas por Bellah et al.
(1985` 1991); Lash (1990). Para comentários sobre a necessidade de criar
novos valores ã medida que os antigos perdem a credibilidade. ver Massimini e
Delle Fave (1991).
2. Uma breve descrição de como o self evoluiu filogenética e ontogeneticamente
é dada por Csikszentmihalyi (1993).
3. O conceito de Nietzsche de amorfan' está em Nietzsche ([1882] 1974). Para as
idéias de Maslow sobre o mesmo assunto, ver Maslow (1971); e para as de
Rogers. ver Rogers (1969).
4. A citação de R. J. Oppcnheimer e o problema de encontrar fluxo em atividades
destrutivas são analisados em Csikszentmihalyi (1985); Csikszentmihalyi e
Larson (1978).
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íNDIcE

A Aristóteles, 22, 26, 54, 55


Ações. assumir responsabilidade pelas Arquimedes, 104
próprias, 133-136 Ásia, posição do indivíduo no contexto
Adolescentes: atitudes dos adolescentes social na¬ 22, 81-82
para com o trabalho, 56-58; autotéli- Asner, Ed¬ 64-65
cos, 115-121; Atenção. Ver Energia psíquica
concentração e, 92; destrutividade das Atividades cotidianas. Ver Experiências
ações dos, 135; freqüência do fluxo Atividades de lazer, 19, 21-22, 67-79:
entre, 99-101; amigos e, 47, 83, 84; lazer ativo versus lazer passivo, 68-
falta de motivação na adolescência; 72; pessoas comuns e, 77; dificulda-
atividades de lazer dos, 68-69; locais de de apreciar, 67-71, 77; especialis-
preferidos pelos, 48-49 tas e. 77; fluxo e. 44-45` 68-71, 74;
Álcool: apatia e, 40; como mau uso do vidas centradas em. 73-75; uso de
tempo de lazer, 67, 73 energia não-renovável e, 77-78; ener-
Allison, Maria, 111 gia psíquica e. 18; entropia psíquica
Ambiente. qualidade da experiência e, e. 68-69; qualidade da experiência
48-51
do, 14, 43, 44-45; qualidade da socie-
Amigos. 82-84: adolescentes e, 47, 84;
dade e, 78-79; sociedades quc se
concentração e. 84; a amizade des-
apóiam em, 69, 71-73, 78; trabalho e.
trutiva, 84; dentro da, 84
79; trabalho combinado corn, 76-77.
família, 87; fluxo e, 82-84; metas e,
79; trabalho separado do, 66, 75-76.
133; mobilidade e cultivo de; quali-
Ver Lazer ativo; Lazer passivo.
dade da experiência de, 48. Ver Re-
lacionamentos
Atividades de manutenção, 19-20, 22:
Amish, trabalho e atividades de lazer qualidade da experiência das, 43, 44;
combinados pelos, 76-77 tempo gasto em, 19-20.
Amor ao destino, 134-136 Ver Dirigir; Comer; Trabalho.
Ansiedade, fluxo e, 38, 40 Auden, W.H., 11
Apatia. fluxo e, 38. 40 Autoconhecimento, 131-134
Arábia Saudita, lazer passivo e, 73 Auto-estima: metas e, 30-32; trabalho
Arendt, Hannah, 101 doméstico e, 61; mulheres trabalha-
Ariès, Philippe, 152 doras e, 59-61
lóO A DESCOBERTA DO FLUXO

B Conversa: fluxo e, 69, 70, 112-113;


Babuínos: atividades dos, 15; contexto qualidade da experiência da, 43, 44-
social c, 15, 81 45; manutenção da realidade, 48, 90-
Bem e mal, materia e energia e, 141- 91; tempo gasto na, 18-21
143 Conversar. Ver Conversa.
Bethe, 50 Crescimento: fluxo c, 43, 44, 45; posse
Bohr, Niels, 50 da próprias ações e, 133-136
Bloom. Benjamin. 152 Cultura global, estranheza em relação
Bradbum, Norman, 11-12 ao diferente reduzida pela, 93
Budismo: sobre a abolição de metas Cultura, contexto social e, 22, 81-83
para alcançar a felicidade, 31-32;
sobre a redução da entropia psíqui- D
ca, 129-130
Buss, David, 153 Damon, William, 101-102
Dante, 14
C Darwin, Charles, 138
Caçadores-coletores, atividades produ- Davies, Robertson, 110-111
tivas dos, 145 Davis, Natalie Zemon, 15
Calvino, João, 55 Delle Fave, Antonella, 75-76
Campbell, Donald, 65 Depressão: conversa e, 48; solidão e,
Cândido (Voltaire), 29 46, 47, 48, 90
Carro. Ver Dirigir. Desafios: habilidades equilibradas com
Casa1 perfil emocional dos cômodos da desafios para fluxo, 37-38; habilida-
casa, 49-50 des correspondentcs com redução de
Casamento, 86, 88, fluxo no, 110-111; estresse, 106
Ver Família.
Desejo, responsabilidade pelos próprios
Chandrashekar, 50
atos e, 133-136
Ciência: metas e, 137-143; passado
Desemprego, efeito negativo do, 61-62.
integrado a, 13-14; verdades da, 13
Ver Trabalho
Colby, Ann, 101-103
Destino, amor ao, 134-136
Companhia. Ver Relacionamentos.
Devaneio, 34, no trabalho. 18, 19
Compromissos, incapacidade de finnar,
DeVries, Marten, 45
129
Dias da semana, qualidade da experiên-
Comunidade(s): individualismo e mate-
cia e, 51-52
rialismo versus lealdade à, 129-130
comunidade; a estranheza dc forasteiros Dickinson, Emily, 77
reduzida pela comunidade, 92-94 Dinheiro: felicidade e, 28; tempo e, 17,
Concentração: atividade cotidiana e, 43, 18
44; fluxo e, 38-39; com amigos, 83, Dirigir: Estudo do Método de Amos-
84; solidão e, 91, 92 pensamento tragem de Experiência. 149; quali-
necessitando de, 33-35 dade da experiência e; tempo gasto
Consciência. Ver Emoções; Metas; dirigindo, 43, 44, 45, 49
Pensamento Distúrbios alimentares, solidão e, 47
Consumo de mídia. Ver Leitura; Tele- Divergenl Realíties (Larson e Ri-
visão ehards), 155
Contexto social; diferenças de socieda- Dobuanos (Melanésia), 90
de no. Ver Relacionamentos. Dobzhansky, Teodosius, 139
Controle, fluxo e, 38, 39-40 Dor, fluxo e, 51-52
ÍNDICE lól

Drogas: apatia e, 40; como um mau uso Estímulo, fluxo e, 37, 39-41
do tempo de lazer, 68 Estresse: habilidades correspondentes
Duncan, Margaret Carlisle, 111 ao desafio reduzindo o; 106
Dyson. Freeman, 65-66, 95 estabelecimento de prioridades reduzin-
do o, 105-106; no trabalho; 101,
E 105-106
Educação. Ver Trabalho Estudo, por adolescentes. 116, 117. Ver
Ego. Ver Self Trabalho
Eichmann, Adolph, 101 Evolução, 138-139, 141
Eigen, Manfred. 50 Exercício: qualidade da experiência do.
Emoções, 25-29, 32: básicas, 26; con- 44; tempo gasto em, 44
centração e. 34; dualidade das, 26; Exotclico, 115
metas e, 33; hereditan'edade, 26 Expectativas, auto-estima e, 30-31
desenvolvimento humano e, 26; Experiência ótima. Ver Fluxo
objetividade das, 25-26; energia psí- Experiências: características comuns
quica e, 32; qualidade de vida de- das, 14-15; diferenças nas, 15-18;
terminada pelas, 14; subjetividade metas e, 30; individualidade e, 16-
das, 25-26; pensamento e, 33. Ver 18; ótimas, ver Fluxo; qualidade de
Felicidade. vida determinada pelo conteúdo das.
Energia espiritual, 13 17; relacionamentos influenciando
Energia não-renovável, atividades de as, 14, 15, 22-23. Ver também Ativi-
lazer e, 77-78 dades de lazer; Atividades de manu-
Energia psíquica: personalidade autoté- tenção; Atividades produtivas; Qua-
lica e, 120-123; para concentração, lidade da experiencia.
34-35; emoções, 32 Extroversão: felicidade e, 30, 94; como
experiências formadas pela, 16; hereditária, 100; introversão versus,
família e, 89-90, 109-112; fluxo e. 93-96
38-39; futuro e, 142; metas e. 31, 32;
atividades de lazer e, 19; atividades F

de manutenção e. 19; paternidade e,


Família: personalidade autotélica e,
111; atividades produtivas e, 19;
119-121; complexa, 90; Método de
relacionamentos e, 82, 132-134;
Amostragem de Experiência estu-
pensamento e, 32; trabalho e, 102-
103 dando a, 89; fluxo na, 109-112; ami-
Entre quatro paredes (Sartre), 82 zade na, 86; humores na, 48, 49-50,
Entropia psíquica: personalidade auto- 88-89; energia psíquica e, 89-90.
télica e, 128; preocupação e humani- 109-112; requisitos para uma fami-
dade reduzindo a, 129-130; falta de lia bem-sucedida, 89-90; como con-
motivação e, 30; emoções negativas texto social, 22; trabalho e, 65-66.
e, 28; redução da, no trabalho, 102; Ver Casamento; Relacionamentos.
solidão, 90 Famílias complexas, 90
ESM. Ver Método de Amostragem de Farge, Arlette, 15
Experiência Feedback, atividades de fluxo fomecen-
ESP, 13 do imediato; 37
Espaço público como contexto social` Felicidade, 26-30; personalidade auto-
22-23 télica e, 120; como linha fundamen-
Esportes: fluxo e, 69, 70; adolescentes, tal, 26-28; religiões orientais sobre o
116, 117, 118; tempo gasto em` 21 abandono das metas para alcançar a,
162 A DESCOBERTA DO FLUXO

31-32; atividades cotidianas e, 43, G


45; extrovertidos e, 29, 94; fluxo e, Ganhadores de loteria, felicidade entre.
39; amigos e, 48; nos ganhadores de 153
loteria, 149; outros sentimentos pes- Gardner, Howard, 34
soais influenciando a, 28-30; perso- Genética. Ver Hereditariedade
nalidade e relatos pessoais de, 26- Geometrias fractais, 138
27, 28, 120; relacionamentos se- Grécia. Ver Grécia antiga
xuais e; 86-87 Grécia antiga: Aristóteles e, 20, 26, 54,
Fenômeno humano, 0 (Teilhard de 55; lazer passivo e, 19, 72; Sócrates
Chardin), 139 e, 129; trabalho e, 56
Ferenczi, Sandor, 67 Guerras persas (Heródoto), 72
Filmes: qualidade da experiência dos,
44; tempo gasto com, 21, 45 H
Filosofia fenomenológica, 13-15 Habilidades: desafios equilibrados com
Fleming, Alexander, 103 habilidades para o fluxo, 37-38;
Fluxo, 35-36: crianças maltratadas e, desafios equilibrados corn habilida-
97-100; adolescentes e, 99-101; des para redução do estresse, 106
desafios e habilidades equilibradas Habitantes do Alasca: lazer passivo e,
no, 37-38; alteração de padrões da 73; trabalho e, 55
vida e, 97-113; concentração e, 37- Hart, Lynn, 81
38; finalidades construtivas ou des- Haworth, John, 62
trutivas do, 38-39; conversa e, 112- Hedricks, Cynthia, 155
113; indivíduos criativos, 46; defini- Heisenberg, Werner, 50
ção de, 35-36; freqüência do, 40-41; Henderson, Hazel, 123
amigos e, 82-84; metas e, 36-37, Hereditan'edade: emoções e, 26; extro-
133-134; crescimento e, 38, 39-40; versão e, 100
felicidade e, 39; o inferno como Heródoto, 72
separação do, 142; ilustrações do, Hinduísmo: sobre a abolição de metas
97-101; retorno imediato do, 51-52; para alcançar a felicidade, 31-32;
sobre a posição do indivíduo no con-
atividades de lazer e, 44-45, 68-72,
texto social, 22, 81-82
73-76, 79; velhice e, 97-98; dor e,
Hobbies: fluxo e, 70, 71; qualidade da
51-52: paternidade e, 110-112; lazer
experiência dos, 44; dos adolescen-
passivo e, 44-45; prevalência do, 98;
tes, 116, 117; tempo gasto em, 21. 44
energia psíquica e, 38-39; psicopato-
Holton, Nina, 95-97
logia e, 45-46; relacionamentos e,
Homens, atividades produtivas e. Ver
47, 83-84, 108-113; trabalho e, 42,
Diferenças de sexo
43, 44, 62, 64-65;
Horas do dia, qualidade da experiên-
Foco. Ver Concentração.
cia e, 51-52
Forasteiros, 92-93: comunidades e, 92- Humores: na família, 48, 49-50, 88-89;
94; fascínio por, 93; medo de, 92-93; solidão e humores; 91
pluralismo e, 93 Huxley, Julian, 139
Ford, Henry, 106
Fortune, Reo, 90 I
Foucault, Michel, 27 ldade, experiências formadas pela, 15-
Franklin, Benjamin, 18, 77 17
Franklin, John Hope, 64 lmpério Bizantino, lazer passivo no, 72
Freud, Sigmund, 14, 132 1mpério Romano. Ver Roma antiga
164 A DESCOBERTA DO FLUXO

Método de Amostragem de Experiência


(ESM), 23-24: personalidade autoté- Pascal, Blaise, 14
lica estudada com, 115-119; direção Passado: reinterpretando verdades do,
estudada com, 147; família estudada 13; ciência integrada corn o, 13-14
com, 89; qualidade de experiência Paternidade, fluxo na, 110-112. Ver
estudada com, 45-46; relacionarnen- Mães
tos estudados corn` 80-81; atitudes Pauling, Linus, 65, 99, 108, 122-123
de trabalho estudadas com, 53. 56- Pensamento, 32-35; causa e efeito, 33;
58, 60. 32 concentração e, 33-35; emoções e,
Miner, Brenda, 121 33: fluxo e, 69, 70;
Monoteísmo, relatividade e. 138 inteligência e, 35, 146; energia psíquica
Motivação extrínseca. 30 e, 32-33; qualidade de vida e, 14
Motivação intrínseca, 30 Personalidade autotélica, 114-127: em
Motivação: adolescentes sem, 58-60; adolescentes, 115-121; em indiví-
concentração e, 34; atividades coti- duos criativos, 121-123; definição
dianas e, 43; da, 114-116; determinação da, 115-
extrinseca, 30; intrínseca, 30; entropia 120; desenvolvimento da, 124-127;
psíquica e falta de, 30; trabalho e, 60. interesse desinteressado daI 122-
Mozart, Wolfgang Amadeus, 35 124; Estudo do Método de
Mulheres: trabalhos domésticos feitos Amostragem de Experiência sobre,
por, 20, 61; atividades de manuten- 115-119; família e, 119-121;fe1ici-
ção e. 20; auto-estima e trabalho dade e, 120; energia psíquica e, 121-
feminino, 59-61. Ver Diferenças de 123, 124-127, 150; entropia psíquica
sexo. reduzida pela, 130; qualidade da
Música; fluxo e, 69-71; qualidade da experiência e, 1 17-120; em pessoas
experiência da, 44; tempo gasto em,
com deficiências graves, 126; tempo
21, 45 necessario para desenvolvimento,
124; em vítimas de terroristas, 126.
N Personalidade; desenvolvimento do
Navajo, lazer passivo e, 72-74 senso de; boa vida e; poder e; auto-
Necessidade interior, Maslow sobre a, conhecimento e. Ver Personalidade
135 autotélica; auto-estima
Necessidades externas, Maslow sobre, Pessoa totalmente funcional, Rogers
135 sobre a, 134-135
Negaentropia psíquica. 145; metas e. Pessoas cegas, energia psíquica disci-
30; emoções positivas e, 30 plinada por, 125-126
Neotenia social, 119-121 Pessoas. Ver Relacionamentos
Neurose dominical. 68 Pluralismo, estranheza em relação ao
Nietzsche, 134-135 diferente reduzida pelo, 93
Noelle-Neumann, Elizabeth, 91 Pont Tretax (Itália), distribuição de ati-
vidades de fluxo em, 75-76
O Posição social, experiências formadas
Offner, Frank, 121 pela, 15-17
Operações mentais cognitivas. Ver Pós-modemismo, autopercepção da
Pensamento felicidade criticada pelo, 27, 28
Oppcnheimer, Robert J., 136. 150 Preocupação, fluxo e, 38, 40
íNDIcE 165

Primatas: atividades dos. 15; contexto sociedades em termos de, 22, 80-83;
social e. 82 estranhos e. 92-94; tempo gasto em
Prioridades. estresse reduzido pelo esta- relacionamentos. 22-23; bem-estar
belecimento de. 105-106 e. 80-81; trabalho versus, 108-109.
Processos biológicos. vida determinada Ver Família; Amigos; Casamento;
por, 14 Solidão
Profetas, metas e, 137 Relatividade. monoteísmo e, 138
Psicologia humanista, responsabilidade Relaxamento. fluxo e, 38
pelas próprias ações e a. 120-123 Religiões orientais. sobre a abolição de
Psicopatologia, fluxo e, 45-47 metas para alcançar a felicidade. 31-
Psicoterapia. autoconhecimento e. 132 32.
Ver Budismo; Hinduísmo
Q Repouso: qualidade da experiência do.
Qualidade da experiência, 41-53: lazer 43, 44; tempo gasto no. 18
ativo e. 118-120; personalidade Responsabilidade ativa. 129
autotélica e; 117-119 concentração Responsabilidade: pela humanidade.
e. 43. 44; criatividade e. 46; dias da 129; ciência e. 141-142
semana e, 51, 52; dirigir e. 49; estu- Restaurantes: qualidade da experiência
do da; experiência pelo Método de em, 14, 44
Amostragem de Experiência. 45-47; Richards, Maryse. 89. 147
família e, 88-89; atividades de lazer Riesman. David. 93-95
e. 43, 44-45; locais e. 48-51; ativida- Rockwell. Norman. 93
des de manutenção e. 43. 44; moti- Roentgen. Wilhelm C., 103
vação e, 43, 44; relacionamentos e. Rogers. Carl. 135
41-42; relação sistemática com Roma antiga: lazer passivo e, 72-73; tra-
outras atividades e, 41-42; tempo do balho e. 54-55
dia e. 51-52. Romance, qualidade da experiência no.
Qualidade de vida: conteúdo das expe- 44
riências determinando a. 17; quali- Rousseau, Jean-Jacques. 13. 81
dade de experiência e. 44-47; rela- Ryu. Shintaro. 82
cionamentos e, 22-23; pensamentos
e emoções determinando a. 14; alo- S
cação no tempo e, 18-22. Sahlins. Marshall. 145
Salk, Jonas, 139
R Sartre. Jean-Paul. 27
Rabinow. Jacob. 64, 122 Schmidt. Jennifer. 148
Rathundc. Kevin. 149 Selye, Hans, 150
Reed. John. 65. 95. 105 Sentimentos. Ver Emoções
Relacionamentos sexuais: felicidade c. Singer. l.. 149
85-86; qualidade da experiência dos Singer, Jerome, 146
relacionamentos. 80-81: estudo de. Sistema nervoso. experiências forma-
com o Método dc Amostragem de das pelo. 14-16
Experiência. 80-81; experiência in- Socialização. Ver Conversa
fluenciada pelos, 14, 22-23; extro- Sociedade. contexto social e. 22, 81-83
versão versus introversão e. 93-96; Sociedades pré-letradas: solidão e. 90;
fluxo e, 83, 108-113; incapacidade trabalho e. 56
de firmar compromissos e. 129; Sócrates, 129
energia psíquica e. 83. 132-134; Solidão. 90-94; concentração e. 91. 92;
requisitos para, 83; diferenças de conversa e. 90-91; efeitos prejudi-
166 A DESCOBERTA DO FLUXO

ciais da, 46-47, 90-91; atitudes his- separadas do, 66, 74-76; motvação e,
tóricas para com a, 81-83; humores 59; efeitos negativos do desemprego
e, 91; preferência pela, 91; nas so- e, 61-62; condições objetivas do, 62-
ciedades pré-letradas, 90; entropia 63; entropia psíquica reduzida no,
psíquica e, 90; como um contexto 102; qualidade de experiência no, 12-
social, 23; tolerância e apreciação 13, 42, 43, 44, 45; relacionamentos
da, 48, 91-92. Ver Relacionamentos no, 111-1 13; relacionamentos versus,
Spock, Benjamin. 128, 140 108-109; ressentimento quanto ao,
Stem, Richard, 46, 132-134 100-105; formação do, segundo as
Strand, Mark, 65 necessidades do indivíduo, 106-108;
Structure of Psychological Well-Being, estresse no, 101. 105-106, 111; tem-
The (Bradbum), 146 po gasto no, 18-19
Suicídio, solidão e, 90
T U
Uso da energia, atividades de lazer e,
Talento: desenvolvimento de, 34-35; 77-78
solidão e, 92
Tédio, fluxo e, 38, 40 V
Teilhard de Chardin, Pierre, 139 Valdez, Susie, 101-103
Televisão: adolescentes assistindo à,
Valores espirituais, individualismo e
116,117;fluxo e, 70, 71; como mau
materialismo versus lealdade a` 129-
uso do lazer; 68, 71; qualidade da
130
experiência da, 43, 44, 45; tempo
Velhice, fluxo na, 97-98
gasto com a, 18, 21, 45
Verdades, 13
Tempo livre. Ver Atividades de lazer
Veteranos, ações destrutivas dos, 136
Tempo: alocação do, 17-22; personali-
Vida diária. Ver Experiências.
dade autotélica e, 124; dinheiro
Vítimas de terrorismo, energia psíquica
como, 17-18
Teresa, madre, 30
disciplinada nas, 126
Terkel, Studs, 150
Viver: definição de, 11, 13; passado
Thompson, E. P., 17 interligado à ciência para` 13-14;
Trabalho doméstico: qualidade da expe- fatores incontroláveis que determi-
riência do, 43, 44; auto-estima e, 61; nam a vida, 14. Ver Experiências.
tempo gasto no, 19 Voltaire, 29
Trabalho escolar. Ver Trabalho
Trabalho` 53-66; atitude ambivalente W
para com o` 53-66; devaneios no. 18. Waddington, C. H., 139
19; estudo do Método de Amostra- Wells, Anne, 61, 146
gem de Experiência sobre o. 53, 56- Wheeler, John Archibald, 95, 140
59, 60; família e, 65-66; descobrindo Wong, Maria, 147
novidades no, 102-105; diferenças Woodward, C. Vann, 114-115
sexuais na experiência do, 59-62; Workaholism, 66, 75
metas e, 134; desprezo histórico pelo,
63; atividades de lazer combinadas Y
com, 76-77, 79; atividades de lazer Yalow, Rosalyn, 103, 106
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