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Alagoinhas
2019
PRISCILA GODINHO MARTINS DOS SANTOS
Banca Examinadora:
_____________________________________________________________________
Prof. Dr. Paulo Santos Silva
Universidade do Estado da Bahia (UNEB)
______________________________________________________________________
Profa. Dra. Izabel de Fátima Cruz Melo
Universidade do Estado da Bahia (UNEB)
_______________________________________________________________________
Prof. Dr. Antônio Maurício Freitas Brito
Universidade Federal da Bahia (UFBA)
Suplente:
______________________________________________________________________
Prof. Dr. Raimundo Nonato Pereira Moreira
Universidade do Estado da Bahia (UNEB)
108f.il.
CDD B869.2
Acima de tudo, agradeço a Deus por mais
essa realização. Dedico à minha mãe,
Mainha, por toda colaboração, incentivo e
amparo nas horas de desespero.
AGRADECIMENTOS
This thesis outlines the trajectory of the play O Pagador de Promessas, by the playwright
Alfredo de Freitas Dias Gomes (1922-1999). We put in perspective the repercussion of
his writing, staging, and film version extending into the late 1960s, from debuts and re-
debuts in various parts of the world. To narrate the course of this cultural product, the
historical, social and political context from 1959 to 1969 is intersected, and we take into
account the network of artists and intellectuals of which Dias Gomes was part. The
questions that guide the investigation and give meaning to the object of research emerge
from the unfolding of the theatrical text, which goes from stage to cinema. We discuss
the Dias Gomes' intervention in the debate about religiosity and national-popular identity.
His Brazil's interpretation in the 1959 theatrical work unfolded and was pursued by
censorship in both theater and cinema.
Imagem 2: Dias Gomes e o cartaz do filme. Revista Manchete, Rio de Janeiro, 1jun.1962,
p. 49. Nº 525..................................................................................................................75
Imagem 3: Divulgação da peça no Rio de Janeiro. Correio da Manhã, 7 set. 1965, p. 8.82
Imagem 6: Poster com o elenco do filme. Revista Manchete, Rio de Janeiro, 16 jun. 1962,
p. 45, Nº 525.....................................................................................................................91
AI - Ato Institucional
INTRODUÇÃO........................................................................................................13
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS...........................................................................102
5. FONTES...........................................................................................................104
6. REFERÊNCIAS...............................................................................................105
13
INTRODUÇÃO
as razões de se abordar O Pagador de Promessas tanto em sua versão para os palcos como
no cinema. Não para analisar a realização sob critérios estéticos ou sob a ótica da história
do teatro ou do cinema brasileiro, mas como uma intervenção intelectual e artística que,
mesmo em diferentes suportes, continuou incomodando o sistema e atraindo os
dispositivos da censura.
Essa circunstância cobrou da abordagem a ampliação do recorte temporal para dar
conta dos desdobramentos de uma obra que rompeu seus limites originais, ganhando
novos horizontes que ultrapassaram os propósitos iniciais de seu criador. Disso resultou
a trajetória que foi construída nesta dissertação com vista a cumprir a necessária
articulação entre indivíduos, grupos sociais e artísticos, conjunturas políticas em
perspectiva histórica.
A passagem dos palcos à tela significou a transferência de suporte e, portanto, de
sentido, aspecto que deve ser levado em consideração na análise histórica, conforme
alerta, entre outros, Roger Chartier, “[...] a possível transferência do patrimônio escrito
de um suporte a outro, do códex à tela [...]”1.
As questões que esta dissertação analisa remetem as estratégias de abordagem
desenvolvidas no âmbito da História Cultural. Esta vertente possibilitou aos historiadores
novos olhares, novas fontes e problemas. A literatura, o cinema e os periódicos, por
exemplo, durante anos foram considerados fontes complementares e "auxiliares".
Segundo Roger Chartier, ao se referir à História Cultural “[...] tem por principal objetivo
identificar o modo como em diferentes lugares e momentos uma determinada realidade
cultural é construída, pensada, dada a ler.”2
Nesses termos, as noções de práticas e representações elaboradas por Chartier,
contribuem para a análise das representações coletivas e das identidades sociais. Ele
acredita que as “[...] representações são matrizes de práticas construtoras do próprio
mundo social”3, ou seja, seriam determinadas pelos interesses dos grupos que as forjam.
Segundo o autor, é necessário ressaltar as lutas de representações, pois enceta a
“hierarquização da própria estrutura social.” A História Cultural pode ser útil à
compreensão do social, pois também incide sua atenção sobre as estratégias que
1
CHARTIER, Roger. Formas e sentidos. Cultura escrita: entre distinção e apropriação. Tradução Maria de
Lourdes Meirelles Matencio. Campinas, SP: Mercado de Letras; Associação de Leitura Brasil (ALB), 2003,
p. 46.
2
CHARTIER, Roger. A História Cultural: entre práticas e representações. 2 ed. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 1990, p. 17.
3
Ibid., p. 17.
15
determinam posições e relações de força entre os grupos sociais. 4 A partir das noções
apresentadas por Chartier, analisamos as representações elaboradas por Dias Gomes.
Há sobre o uso da literatura uma série de concepções e abordagens distintas quanto à
sua utilização pelos historiadores. Dessa forma, procura-se dialogar com alguns críticos
como Antônio Cândido, que nos adverte sobre o problema fundamental para a análise
literária de obras, sobretudo de teatro e ficção: “[...] averiguar como a realidade social se
transforma em componente de uma estrutura literária, a ponto dela poder ser estudada em
si mesma; e como só o conhecimento desta estrutura permite compreender a função que
a obra exerce.”5
A realidade social exposta em O Pagador é a de um Brasil nacionalista e populista.
Nessa perspectiva, Dias Gomes se alinha aos valores políticos de esquerda na busca por
essa identidade cultural que poderia ser convertida em símbolo de luta.
Ao discutir o estatuto da “verdade” na esfera ficcional, Mario Vargas Llosa sugere
pistas que ajudam o historiador em suas investigações. Segundo ele, a literatura dispõe
do poder de ter “[...] a verdade escondida no coração das mentiras humanas”6 sem engano
algum “[...] a não ser para os ingênuos, que acreditam que a literatura deve ser
objetivamente fiel à vida e tão dependente da realidade quanto a história.”7 Por isso, se
torna pertinente, ao analisar O Pagador de Promessas, a liberdade imaginativa de Dias
Gomes.
O Pagador de Promessas consistiu em uma forma de intervenção política, tanto pela
militância do autor como pela problemática discutida no texto dramatúrgico. Roberto
Schwarz, cujos escritos são empregados aqui para analisarmos a cultura e a política
durante e após a ditadura, afirma que a presença da cultura de esquerda não foi liquidada
com o golpe em 1964. Mesmo com a repressão e a censura, ela não parou de crescer.
Essas considerações do crítico encontram suporte na trajetória da peça de Dias Gomes.
Schwarz questiona: “[...] que interesse terá a revolução nos intelectuais de esquerda,
que eram muito mais anticapitalistas de elite que propriamente socialistas?” 8 Essa
contradição foi sobretudo respondida pela literatura, por exemplo, em Quarup, de
4
CHARTIER, 1990, p. 23.
5
CANDIDO, Antônio. Literatura e Sociedade. 9 ed. Rio de Janeiro: Ouro sobre o Azul, 2006, p.9.
6
VARGAS LLOSA, Mário. A verdade das mentiras. Trad. Cordelia Magalhães. São Paulo: Editora Arx,
2004, p. 25.
7
Ibid., p. 25.
8
SCHWARZ, Roberto. Cultura e Política. São Paulo: Paz e Terra, 2001, p. 55.
16
9
Antônio Carlos Callado (1917-1997) diplomou-se em Direito em 1939. Foi um jornalista, romancista,
biografo e dramaturgo brasileiro. Disponível em: <http://www.academia.org.br/academicos/antonio-
callado/biografia> Acesso em: 14 jul. 2018, às 13:16 h.
10
Ibid., p. 55.
11
HOLLANDA, Heloísa Buarque. Impressões de Viagem CPC, Vanguarda e Desbunde: 1960/1970. São
Paulo: Editora Brasiliense, 1980, p. 17.
12
Ibid., p. 15.
13
“Primeiro, é necessário enfatizar o caráter histórico desta questão. O PCB (Partido Comunista Brasileiro)
é o partido histórico dos comunistas brasileiros, reconhecido pela Internacional Comunista e pelos partidos
comunistas que se alinhavam com a antiga União Soviética. Fundado em 1922, com o nome de Partido
Comunista do Brasil e a sigla PCB, no início dos anos 60, em função da possibilidade de legalização e para
evitar provocações da direita, que afirmava ser o PCB apenas uma sucursal da Internacional Comunista, o
partido trocou o nome de Partido Comunista do Brasil, para Partido Comunista Brasileiro, de forma a
enfatizar o caráter nacional do Partido. Essa foi uma decisão da absoluta maioria do partido visando a sua
legalização.” Acontece uma cisão em 1958, e em 1962, “[...] companheiros se apropriaram do nome anterior
do PCB (Partido Comunista do Brasil), e colocaram no novo partido a sigla PC do B, que aparece pela
primeira vez na história política brasileira – isso em 1962.” Disponível em: <
https://pcb.org.br/portal2/580/as-diferencas-entre-pcb-e-pcdob/> Acesso em: 26 jul. 2019, às 11:40 h.
17
14
CARVALHO, Maria do Socorro Silva. Imagens de um tempo em movimento: cinema e cultura na Bahia
nos anos JK (1956-1961). Salvador: EDUFBA, 1999, p. 23.
15
RIDENTI, Marcelo. In: LÖWY, Michel; SAYRE, Robert. Revolta e Melancolia: o Romantismo na
contramão da modernidade. 1ed. São Paulo: Boitempo, 2015. Orelha.
16
MOTA, Carlos Guilherme. Ideologia da Cultura Brasileira, 1933–1974. São Paulo: Editora Ática, 9º ed.,
1994.
17
Ibid., p. 205.
18
18
NAPOLITANO, Marcos. O Regime Militar Brasileiro:1964-198. São Paulo: Atual, 1998, p. 100.
19
ROSENFELD, Anatol. O mito e o herói no moderno teatro brasileiro. São Paulo: Editora Perspectiva,
1982.
20
GOMES, Luana Dias; GOMES, Mayra Dias. Dias Gomes. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2012, p.
86.
21
Esse livro de Costa é fruto de sua dissertação de mestrado defendida no Departamento de Filosofia da
Universidade de São Paulo (USP), em 1987. O texto foi resgatado pela professora do Departamento de
Filosofia da Unesp, Ana Portich, que recebeu o aval da autora para digitalizá-lo na íntegra, uma vez que o
texto foi redigido à máquina de datilografia, e não permitia a execução da necessária revisão para o formato
livro.
19
produção de 1959 a 1979. O recorte temporal dela é mais abrangente que o nosso e aborda
sob olhar diferente, filosófico, em relação às peças, sem destaque para a trajetória de O
Pagador e a questão da religiosidade popular. A autora conclui no livro que, “[...]
desenvolvido em terras nacionais sem laço concreto com o operariado, o teatro nacional-
popular brasileiro opta por evidenciar, no plano da criação cultural, a falência da aliança
de classe que vigorava até o golpe de 1964.”22
O aspecto específico da abordagem de Iná da Costa que se conecta com esta pesquisa
é justamente o fato da dramaturgia de Dias Gomes voltar-se para o nacional-popular. Ela
concluiu em suas investigações que o teatro político ainda estava por ser escrito no Brasil.
Porém, afirma que coube ao Partido Comunista do Braileiro (PCB), por meio dos Centro
Popular de Cultura (CPC), que desde o início se pautou em favor de um teatro nacional-
popular e a sua disseminação, cumprir essa tarefa.
Para Iná da Costa, o teatro nacional-popular se torna hegemônico quando o Teatro
Brasileiro de Comedia (TBC) “[...] até então trincheira mais importante do teatro
‘apolítico’ – encenou O Pagador de Promessas [...]”23. As fontes utilizadas por Iná da
Costa foram críticas teatrais de periódicos da época, paulistas e cariocas, que ajudaram
na análise das produções culturais de Dias Gomes que expressam dentre outras coisas o
imaginário contemporâneo sobre o Brasil.
A abordagem aqui proposta ancora-se na peça O Pagador de Promessa, na
autobiografia Dias Gomes: Apenas um subversivo (1998), no livro de entrevistas e artigos
selecionados pelas filhas do dramaturgo, Dias Gomes (2012) e nos periódicos baianos e
cariocas (jornais e revistas).
Antonio Celson Ferreira ressalta que afirmar que a literatura compõe o repertório das
fontes históricas não causa, ou não deveria causar, qualquer estranheza ou polêmica. O
autor acredita que os textos literários passaram a ser enxergados pelos historiadores como
materiais de múltiplas leituras, “[...] especialmente por sua riqueza de significados para o
entendimento do universo cultural, dos valores sociais e das experiências subjetivas de
homens e mulheres no tempo.”24
Sandra Pesavento acredita que a partir do cruzamento entre História e Literatura, o
historiador se vale do texto literário “[...] como porta de entrada às sensibilidades de um
22
COSTA, Iná Camargo. Dias Gomes: um dramaturgo nacional-popular. São Paulo: Editora Unesp, 2017.
Orelha.
23
Ibid., p. 166.
24
FERREIRA, Antônio Celson. A fonte fecunda. In: PINSKY, Carla Bassanezi; LUCA, Tânia Regina de
(Org.). O Historiador e suas fontes. 1. Ed. São Paulo: Contexto, 2011. p.61.
20
outro tempo, justo como aquela fonte privilegiada que pode acessar elementos do passado
que outros documentos não proporcionam.”25Aqui destacamos a importância da peça
impressa, que possibilita fazer a análise de O Pagador de Promessa com base nos
elementos circunstanciais que marcaram suas condições de escrita e produção:
desenvolvimentismo, nacionalismo, populismo, reforma agrária, religiosidade e
intolerância que estão discutidos ao longo da dissertação.
A intensificação do diálogo entre os dois campos deve-se aos compromissos com os
procedimentos narrativos que aproximam as escritas ficcional e historiográfica. Podemos
citar pesquisas refinadas nesse sentido, em que se fundem de maneira exemplar a história
cultural e a história social, além de reconhecerem a contribuição da ficção na escrita dos
historiadores, preocupando-se com a narrativa em seus textos. Natalie Zemon Davis
mostra, ao narrar a trajetória de Martin Guerre e do embuste Arnaud Du Tilh, na França
do século XVI, como o historiador pode proceder utilizando a imaginação, sem deixar de
lado a pesquisa documental.26
Outro historiador citado com frequência pelos demais, devido a seu investimento em
favor da narrativa, é Carlo Ginzburg no livro O queijo e os vermes: o cotidiano e as ideias
de um moleiro perseguido pela Inquisição. Neste trabalho, Ginzburg analisa de forma
minuciosa as fontes que vão além dos processos inquisitoriais.
São várias as abordagens que inspiram e justificam os procedimentos aqui adotados.
Assim, valorizamos a fonte literária sob a influência das questões formuladas por Nicolau
Sevcenko ao se referir à criação literária. Segundo ele, este tipo de fonte “[...] revela todo
o seu potencial como documento, não apenas pela análise das referências esporádicas a
episódios históricos ou do estudo profundo dos seus processos de construção formal, mas
como uma instância complexa e repleta das mais variadas significações [...]”27
A fonte literária é vista como discurso produtor de realidade e, ao mesmo tempo,
produzida em determinadas condições históricas e tomada como uma obra a ser
fecundada pela imaginação, como nos sugere Durval Muniz de Albuquerque Jr.28, ao se
referir a desierarquização de fontes. Por isso, a importância de trabalhar com essa fonte
25
SILVA, Paulo Santos (Org.). Desarquivamento e Narrativas: História e Literatura e Memória. Salvador:
Quarteto, 2010, p.18-19.
26
DAVIS, Natalie Zemon. O retorno de Martin Guerre. Tradução Denise Bottmann. Rio de Janeiro; Paz e
Terra, 1987.
27
SEVCENKO, Nicolau. Literatura como missão: tensões sociais e criação cultural na Primeira República.
São Paulo: Brasiliense, 1999, p. 246.
28
ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. A invenção do nordeste e outras artes. São Paulo: Cortez,
2009, p.45.
21
rica em detalhes que, “[...] incorpora a história em todos os seus aspectos, específicos ou
gerais, formais ou temáticos, reprodutivos ou criativos, de consumo ou produção.”29
Na peça de Dias Gomes identificamos as condições históricas da Bahia daquela época,
nas divergências entre as crenças e valores acoplados por segmentos da Capital em
processo de desenvolvimento e o interior do Estado de onde Zé-do-Burro se desloca. Com
suas fronteiras porosas, no drama de Zé-do-Burro, espaços urbanos e rurais se fundem e,
em certa medida, se contradizem, sem anular o nexo com a cultura popular, articulando
modalidades de crenças e identidades sócio-religiosas.
É sabido que temos uma vasta bibliografia sobre história e biografia. Tomamos como
referência o que Giovanni Levi aponta sobre biografia e contexto, quando afirma que
“[...] uma vida não pode ser compreendida unicamente através de seus desvios ou
singularidades, mas ao contrário, mostrando-se que cada desvio aparente em relação às
normas ocorre em um contexto histórico que o justifica.”30Assim, não é possível pensar
as intervenções de Dias Gomes fora de um contexto que sem o limitar, o possibilita e abre
perspectiva para repercutir em outras circunstâncias, sob novas leituras.
É importante considerarmos o que Edward Carr afirma sobre sociedade e indivíduo:
“Toda sociedade é uma arena de conflitos sociais e aqueles indivíduos que se enfileiram
contra a autoridade existente não são menos produtos e reflexos da sociedade do que
aqueles que a sustentam.”31Intercalando sua vida pessoal e profissional, seguimos o nexo
de uma ordem cronológica que também é uma ordem lógica, como nos sugere Pierre
Bourdieu “[...] desde um começo, uma origem, no duplo sentido de ponto de partida, de
início, mas também de princípio, de razão de ser, de causa primeira, até seu término, que
também é um objetivo.”32
As práticas de escrita de si podem evidenciar como uma trajetória individual tem um
percurso que se altera ao longo do tempo e decorre por sucessão. É o caso de Dias Gomes:
escritor precoce e engajado; incursão do artista no Partido Comunista Brasileiro (PCB),
no Serviço Nacional de Teatro (SNT) e na Academia Brasileira de Letras (ABL); nos
meios de comunicação de massa, bem como seu relacionamento com a escritora/autora
Janete Clair e com a atriz Bernadete Lys.
29
Ibid., p. 246.
30
LEVI, Giovanni. Usos da biografia. In: FERREIRA, Marieta de Moraes e AMADO, Janaína (org.) Usos
e abusos da história oral. Rio de Janeiro: FGV, 1996, p. 176.
31
CARR, Edward Hallet. A Sociedade e o Indivíduo. In: CARR, Eward Hallet. Que é História? Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1982, p. 87.
32
BOURDIEU, Pierre. A ilusão biográfica. In: FERREIRA, Marieta de Moraes e AMADO Janaína (og.)
Usos e abusos da história oral. Rio de Janeiro: FGV, 1996, p. 184-191.
22
33
SCHMIDT, Benito Bisso. Construindo Biografias...Historiadores e Jornalistas: Aproximações e
Afastamentos. In: Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 10, nº 19, 1997, p. 8.
34
GOMES, Ângela Castro. Escrita de si, escrita história. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004, p.22.
35
PORTELLA, Eduardo. A Palavra Insubmissa. In: GOMES, Dias. Dias Gomes: Apenas um subversivo.
Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998. Orelha.
36
GOMES, 2004, p. 14.
37
LEJEUNE, Philippe. O pacto autobiográfico: de Rousseau à Internet. Organização Jovita Maria
Gerheim Noronha; tradução Jovita Maria Gerheim Noronha, Maria Inês Coimbra Guedes. 2ed., Belo
Horizonte: Editora UFMG, 2014.p. 35.
23
a mentira, muitas vezes, mais reveladora que a verdade?”38 Concluiu dizendo que a última
tem muito mais a ver com ele.
Outros suportes documentais são as reportagens nos periódicos baianos sobre a peça
e o filme O Pagador de Promessas. Periódicos da Biblioteca Pública do Estado da Bahia
(BPEB) setor raros: Diário de Notícias (BA), Estado da Bahia, A Tarde, Jornal da Bahia.
As Revistas: Manchete (RJ) e Teatro Ilustrado (RJ). Na Biblioteca Nacional Digital
(BNDigital) optamos por fazermos uma varredura em alguns periódicos cariocas: Diário
de Notícias (RJ), Correio da Manhã (RJ), Jornal do Brasil (RJ) e o Tribuna da Imprensa
(RJ).
Ao consultar estas fontes, procuramos perceber a manipulação e o interesse de
intervenção dos editoriais nas matérias utilizadas. Os periódicos são veículos de
comunicação que não são transmissores imparciais, possuindo posição ideológica,
política e social dentro do meio em que estão inseridos.
Segundo Tania de Luca, o papel desempenhado pelos periódicos em regimes
autoritários, como é o caso do regime civil-militar, serviu de amordaçamento, “[...] em
vários momentos, a imprensa foi silenciada, ainda que por vezes sua própria voz tenha
colaborado para criar as condições [...]”39 Sejam na condição de espaços de resistência,
que contestavam o regime, ou editoriais no papel de difusor de propaganda política
favorável aos militares.
Ainda utilizando os periódicos como fontes, volta-se a atenção para algumas imagens
e fotografias dos jornais e revistas analisadas. Essas são representações do real, como nos
sugere Circe Maria Fernandes Bittencourt. Para analisar a fotografia como documento
temos que desconstrui-la: “A desconstrução da imagem fotográfica pode ser iniciada pela
análise do papel do fotógrafo na produção de uma foto. Existe sempre um sujeito por trás
da máquina fotográfica. Existe sempre a manipulação da fotografia por ele [...]”40 Esta
preocupação esteve presente em vários momentos desta pesquisa.
Em uma das imagens analisadas no terceiro capítulo desta dissertação, da Revista
Manchete, usou-se da escolha do espaço, das pessoas em determinadas posturas, a
luminosidade, o foco em determinados ângulos para destacar o elenco do filme que
ganhou o prêmio em Cannes. Os personagens estão na escadaria que foi cenário da
38
GOMES, Dias. Dias Gomes: Apenas um subversivo. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,1998, p. 13.
39
LUCA, Tania Regina de. História dos, nos e por meio dos periódicos. In: PINSKY, Carla Bassanezzi
(org). Fontes Históricas. São Paulo, 2008, p. 129.
40
BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. "Documentos não escritos na sala de aula". In: Ensino de
História: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez Editora, 2011, p. 367.
24
película. Alguns estão olhando para câmera, outros estão sorrindo um para o outro; se
olhando e alguns como se estivessem conversando. O protagonista Zé-do-Burro se
encontra de braços cruzados como se estivesse reclamando com a esposa, Rosa, que se
encontra de braços dados com Bonitão, que tem Marli segurando no outro braço. Ou seja,
esse cenário foi organizado pelo fotografo com o objetivo de divulgar o produto cultural.
É relevante considerar o que Marcos Napolitano alerta em relação a pesquisa do
historiador que, segundo ele, deve partir do próprio filme, através de análise interna e
depois seguir para análises externa: “O cinema, ou o audiovisual de ficção, ocupa um
estatuto intermediário entre as duas ilusões aludidas, a ‘objetivista’ e a ‘subjetivista’.”41
Devemos identificar outros processos que ajudam a compreender melhor os
significados históricos e sociais daquela produção, para além do que a imagem fílmica
em movimento apresenta. A busca do que está em volta do filme é o que Marc Ferro vai
chamar do “não-visível através do visível”.42 Apesar de não utilizar o filme em si como
fonte, é importante levar-se em conta esses recursos metodológicos do audiovisual, para
compreender como as imagens em movimento impactaram a plateia da película.
Todas essas fontes foram analisadas de formas diferentes. Tomamos o cuidado para
não cair na “ilusão biográfica” ao utilizarmos a autobiografia. Identificamos que ela segue
um nexo em relação às entrevistas já concedidas por Dias Gomes antes da sua publicação.
O livro de entrevistas elaborado por suas filhas — Dias Gomes — também evidencia o
interesse em manter a versão do pai das autoras sobre protagonismo dele em suas
histórias.
No primeiro capítulo desta dissertação esboçamos a trajetória deste autor, dramaturgo,
telenovelista e ensaísta, Dias Gomes. Intercalamos sua vida pessoal e profissional,
compreendendo seu engajamento político ideológico, sua formação religiosa, a dinâmica
intelectual do período em destaque, elementos/fatores que possivelmente lhe
influenciaram na escrita da peça. Analisamos como a identidade nacional-popular se fez
presente na dramaturgia e como o Regime Militar afetou Dias Gomes e suas produções.
No segundo capítulo, nos dedicamos à análise do processo de criação da peça, desde
quando surgiu a ideia do tema a até suas adaptações feitas por diversos grupos de teatro.
Destacamos também a presença do universo urbano e do rural em que é possível perceber
41
NAPOLITANO, Marcos. “Fontes audiovisuais: A História depois do papel”. In: PINSKY, Carla
Bassanezi (org.) Fontes históricas. São Paulo: Contexto, 2010, p. 236-237.
42
FERRO, Marc. “O filme: uma contra-análise da sociedade?” In: LE GOFF, Jacques; NORA, Pierre
(Orgs.). História: novos objetos. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992, p. 79-115.
25
como o último está ligado ao arcaico e o primeiro ao moderno. Por fim, ancorados em
periódicos, damos visibilidade e analisamos a estreia da peça pelo Teatro Brasileiro de
Comédia (TBC) e por outros grupos de teatros nacionais e internacionais, assim como a
repercussão da obra nesses dois âmbitos interno e externo.
No terceiro capítulo nos dedicamos à análise da adaptação para versão
cinematográfica, assim como refletimos sobre a censura durante o regime civil-militar.
Concluímos com um elucidativo material documental que nos permite narrar a
repercussão de O Pagador após Cannes.
O “pequeno X” da dissertação, fazendo uma alusão, a Sabina Loriga43, diz respeito à
trajetória de um produto intelectual, O Pagador de Promessas, em seus três suportes:
texto, peça encenada e filme, assim como suas várias reedições, reestreias (montadas por
diferentes companhias teatrais nacionais e internacionais), e a versão em película que foi
sendo exibida ao longo da década de 1960 em outros países da América Latina e da
Europa.
A trajetória de O Pagador de Promessas está embutida na trajetória de Dias Gomes,
pois é no produto intelectual que o autor se objetiva. Essa objetivação acontece na medida
em que ele consegue finalizar algo com efeito social, com intervenção político-social,
permitindo-lhe realizar-se enquanto literato, dramaturgo e militante.
43
LORIGA, Sabina. O limiar biográfico. In: LORIGA, Sabina. O Pequeno X: da biografia à história. Belo
Horizonte: Autêntica, 2011, p.17-47.
26
Capítulo I
Norbert Elias toma como analogia os fios e a rede de tecido para pensar o homem e o
contexto social em que está inserido. Ele desconstrói a perspectiva que os coloca em
oposição:
[...] nem a totalidade da rede nem a forma assumida por cada um de seus fios
podem ser compreendidas em termos de um único fio, ou mesmo de todos eles,
isoladamente considerados; a rede só é compreensível em termos da maneira
como eles se ligam, de sua relação recíproca.44
A partir dessa premissa de Nobert Elis, buscamos apontar questões que remeteram
ao cenário nacional e local do período em que Dias Gomes escreve a peça O Pagador de
Promessas.
Carlos Guilherme Mota, ao analisar os anos 1950, afirma que essa década fornece
um campo de observação de extrema complexidade e riqueza, “[...] uma vez que no
transcorrer forjaram-se novas concepções de trabalho intelectual, definiram-se novas
opções em relação ao processo cultural, assim como novas e radicais interpretações no
tocante à ideologia da cultura Brasileira.”45 Concluiu dizendo que nessa década os
intelectuais que eram apenas acadêmicos metamorfosearam-se em políticos, a exemplo
de Celso Furtado e Darcy Ribeiro. Afirma que esses mesmos intelectuais, nos anos de
1960, refletiram sobre a pré-revolução brasileira.
Assim, as novas linhas de produção cultural estão ligadas ao nacionalismo e ao
desenvolvimentismo. Porém, afirma que seria exagero dizer que, nos anos 1950 toda
intelectualidade progressista embarcava nos projetos do reformismo nacionalista. “O que
não quer dizer que a tônica geral não fosse dada pela temática do nacional-
desenvolvimentismo, transportando o centro das preocupações dos analistas para o campo
sediço do debate ideológico.”46 Ou seja, favorecer interesses partidários, segundo Mota.
44
ELIAS, Norbert. A sociedade dos indivíduos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1994, p.33.
45
MOTA, 1994, p. 154.
46
Ibid., p. 174.
27
A questão do nacional-popular no Brasil foi, antes de tudo, uma ideia força que
fez o antigo nacionalismo conservador mesclar-se a valores políticos de
esquerda na busca de uma expressão cultural e estética que se convertesse em
arma de luta pela modernização e contra o imperialismo.48
47
MOTA, 1994, p. 175.
48
NAPOLITANO, Marcos. Coração civil: a vida cultural brasileira sob o regime militar (1964-1985) –
ensaio histórico. São Paulo: Intermeios: USP – Programa de Pós-Graduação em História Social, 2017, p.
22.
49
RIDENTI, Marcelo. O Fantasma da revolução brasileira. São Paulo: Editora da Universidade Estadual
Paulista, 1993, p. 75.
28
em 1968 com o AI-5. Essa arte que se inicia em 64 incluía a reação e o sentimento social
ante o golpe. Grupos e movimentos artísticos de diversas artes fizeram oposição ao
regime como o Cinema Novo, o Teatro Arena, o Teatro Oficina, o Teatro Opinião, os
Centros Populares de Cultura (CPCs) entre outros.
Destacamos esses grupos porque eles são mencionados pelo dramaturgo Dias
Gomes. Em sua autobiografia e em entrevistas afirmou que não esteve integrado a
nenhum dos movimentos do teatro. Porém, em uma justificativa a Ferreira Gullar, na
entrevista publicada na Encontros com a Civilização Brasileira, nº6, ele pondera:
Ao rememorar sobre os grupos teatrais, dos quais não foi membro, Dias Gomes
afirmou que era contra colocar o primado político na frente do artístico, como fazia os
CPCs. Em uma entrevista ao Jornal de Guarulhos, em março de 1983, ele conta que o
movimento Cinema Novo surgiu em uma das muitas reuniões que aconteciam em sua
casa, com a participação de Anselmo Duarte, Glauber Rocha e Cacá Diegues. Relatou
que preferia ouvir, a ser ouvido nessas reuniões. É contraditório, pois afirmou que sua
50
GOMES; GOMES, 2012, p. 79
51
POLLAK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 2, n. 3,
1989, p. 7.
29
participação foi por meio de ideias e opiniões.52 Frisou que o nome do movimento,
inclusive, “[...] surgiu nesta sala, após uma reunião que atravessou horas.”53
Segundo Heloísa Buarque de Hollanda, “[...] os artistas com formação literária
desviam-se para grandes novidades do momento: o nascimento de uma geração de
cineastas que constituem o grupo conhecido como Cinema Novo [...]”54 e nos grupos de
teatro e em setores jovens da música popular. A autora reporta-se a uma entrevista de
Glauber Rocha ao Jornal do Brasil, em 1978, em que o cineasta baiano revelava-se
categórico: “Quando escolhi fazer cinema, queria fugir dos círculos literários.”55
Estas duas entrevistas, em que Dias Gomes fala sobre os grupos e movimentos
artísticos de 1960, nos faz levar em consideração o que Michael Pollak sugere sobre a
seletividade da memória, ou seja, nem tudo fica registrado, ou gravado. Porém, devemos
levar em conta um elemento da memória: “[...] a sua organização em função das
preocupações pessoais e políticas do momento mostra que a memória é um fenômeno
construído. Quando falo em construção, em nível individual, quero dizer que os modos
de construção podem tanto ser conscientes como inconscientes.” 56 É um verdadeiro
trabalho de organização o que a memória grava, relembra e exclui.
Voltemos para o contexto de 1960. Heloísa Buarque de Hollanda relata a
participação engajada no calor dos anos 60 a partir da produção “popular revolucionária”,
em que os jovens acreditavam numa forma de engajamento cultural diretamente
relacionada com a militância. Segundo a autora, a efervescência política favorecia a
aderência dos intelectuais e artistas ao projeto revolucionário:
Segundo Heloísa Hollanda, no início dos anos 1960, por conta da crise política
causada, dentre outras razões, pela intensificação do processo de industrialização dos
anos 1950, e da pressão do capitalismo monopolista internacional, vem à tona problemas
52
GOMES; GOMES, 2012, 175-176.
53
Ibid., p. 107.
54
HOLLANDA, 1980, p. 32.
55
Ibid., p. 32.
56
POLLAK, Michael. Memória e Identidade Social. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 10, 1992,
p. 203-204.
57
HOLLANDA, Op. Cit., p. 15.
30
para os setores da classe dominante, que clamam pela permanência de uma economia
agrário- exportadora.
O Estado foi perdendo o controle da manipulação populista e a esquerda,
principalmente o PCB, frisa a autora, “[...] passa a reivindicar uma coerência política do
governo e o nacionalismo ganha importância, tendo como ponto de partida uma noção de
‘povo’ um tanto escamoteadora das contradições entre as diversas classes e frações de
classe que compõem a sociedade.”58
Heloísa Buarque de Hollanda pesquisa o engajamento cepecista, desde o seu
anteprojeto, em 1962, o Manifesto do Centro Popular de Cultura, em que tenta
sistematizar suas hipóteses em relação à situação política e cultural do país. Fala da
importância da “arte popular revolucionária”, em que “[...] o artista e o intelectual devem
assumir um compromisso de clareza com público, o que não significa uma negligência
formal [...] cabe ao artista realizar o laborioso esforço de adestrar seus poderes formais a
ponto de exprimir correntemente na sintaxe das massas [...]”59 Essa necessidade deixa
claro a diferenças de classes e de linguagem que, segundo Hollanda, separam o povo dos
intelectuais.
Para Roberto Schwarz, em 1964, os intelectuais e artistas com ideário de esquerda
foram poupados, pois o presidente Castelo Branco não proibiu a circulação teórica ou
artística desses “esquerdistas”, houve até o seu florescimento. Segundo Schwarz, antes
de 1964 o socialismo que se difundia no Brasil era fraco na propaganda e na organização
da luta de classe e forte em antimperialismo.
A estratégia que o partido comunista adotava baseara-se na aliança com a
burguesia nacional. Formou-se um complexo ideológico de conciliação de classe que
combinava com o populismo e o nacionalismo predominante. Já a “[...] ideologia original,
o trabalhismo ia cedendo terreno.”60
Marcelo Ridenti chama atenção, em seu livro Em Busca do Povo Brasileiro, para
o fato de que em várias reflexões e relatos de artistas e intelectuais sobre a década de 1960
aparece o adjetivo Romântico, que, segundo ele, serve para “[...] caracterizar as lutas e as
ideias do período nos campos da política e da cultura.”61 Conclui que diversas versões
58
HOLLANDA, 1980, p. 16.
59
Ibid., p. 19.
60
SCHWARZ, 2001, p. 10.
61
RIDENTI, 2000, p. 23.
31
[...] havia grupos mais românticos que outros, mas todos respiravam e
ajudavam a produzir a atmosfera cultural e política do período, impregnada
pelas ideias de povo, libertação e identidade nacional – ideia que já vinham de
longe na cultura brasileira, mas traziam especialmente a partir dos anos 50 a
novidade de serem mescladas com influências de esquerda, comunistas ou
trabalhistas.62
Pode-se dizer que Dias Gomes foi um dos precursores desse romantismo
revolucionários no Brasil, se levarmos em conta que ele escreveu O Pagador de
Promessas, em 1959, e para Ridenti várias circunstâncias históricas permitiram esse
florescimento de diversas versões do romantismo revolucionário a partir do final da
década de 1950. Por exemplo: a revolução cubana em 1959, a independência da Argélia,
além das lutas que se iniciavam na África (anticoloniais) e no Vietnã (anti-imperialista).
Löwy e Sayre dividem o romantismo revolucionário em tipologias diversas, tais
como: jacobino-democrático, populista, utópico-humanista, libertário e marxista. Ridenti
nos adverte para esses tipos de romantismos revolucionários no Brasil: “O florescimento
das mais variadas formas de romantismo revolucionário nos anos 60 só pode ser
62
RIDENTI, 2000, p. 25.
63
Ibid., p. 25.
64
LOWY; SAYRE, 2015, p. 38-39.
32
65
RIDENTI, 2000, p. 33.
66
CARVALHO, 1999, p. 23.
67
Ibid., p. 40.
68
Ibid., p. 41.
33
69
RISÉRIO, Antônio. Uma história da cidade da Bahia. 2 ed. Rio de Janeiro: Versal, 2004, p. 503.
70
GOMES; GOMES, 2012, p. 67.
34
Meu irmão mais velho, Guilherme, que era médico, havia se transferido para
o Rio de Janeiro. E eu tive que acompanhá-lo, juntamente com minha mãe,
pois ele era o arrimo da família. Eu era órfão de pai desde os três anos de
idade.71
71
GOMES; GOMES, 2012, p. 67.
72
Ibid., p.66.
35
Em outra entrevista, Dias Gomes disse que esse primeiro conto era autobiográfico.
A história de um menino que só sabia correr, e não sabia andar, conforme explica:
“Chamava-se As Aventuras de Rompe-Rasga. Rompe-Rasga era como meu pai me
chamava porque eu, quando corria derrubava tudo, quebrava louça, o diabo. Aliás, eu só
aprendi a andar normalmente lá pelos dozes anos.”73
Segundo Philippe Lejeune, “[...] autobiografia se define por algo que é exterior ao
texto, não se trata de buscar, aquém, uma inverificável semelhança com uma pessoa real,
mas sim de ir além, para verificar, no texto crítico, o tipo de leitura que ela engendra, a
crença que produz.”74 Dias Gomes contou em sua autobiografia que suas primeiras
experiências literárias foram determinadas pelo desejo de imitar seu irmão Guilherme
Dias Gomes, que sempre lhe foi apontado como exemplo a ser seguido. Seu irmão,
embora tenha estudado medicina por determinação paterna, foi cronista, poeta e
romancista. Acabou morrendo aos 30 anos sem se realizar como escritor, vocação que lhe
foi represada.
Guilherme Dias Gomes chegou a fazer parte de um grupo auto-intitulado
Academia dos Rebeldes, em oposição a Academia Brasileira de Letras (ABL). Que tinha
como membros os seguintes baianos: Jorge Amado, Edison Carneiro e Dias da Costa
escritores que começavam a colher seus primeiros sucessos, afirmou Dias Gomes.75
Esse grupo, segundo Ângelo Barroso Costa Soares, valorizava em seu projeto
ideológico e estético a cultura popular local, a cultura africana e afro-baiana. Expunham
suas ideias nos periódicos Meridiano e O Momento, revistas lançadas, entre 1929 e início
da década de 1930. Apesar da curta existência do grupo e da participação do irmão do
teatrólogo, ele era considerado um intelectual respeitado, que falava várias línguas.76 Para
Edison Carneiro, “[...] era um dos poucos brasileiros que na época, aprendera alemão na
Bahia. Sabia francês, inglês, espanhol, italiano e até se aventurou a estudar japonês e
árabe. Com ele iniciei um curso de nagô com Martiniano do Bonfim.”77
A trajetória de Dias Gomes como escritor inicia-se cedo, o que era comum aos
contemporâneos dele. Dias Gomes, embora soteropolitano, ganhou inicialmente
notoriedade no Rio de Janeiro. É importante frisar que a mudança para o Rio marcou a
73
STEEN, Edla Van. Viver e Escrever: volume 1: 2 ed. Porto Alegre, RS: L&PM, 2008, p. 106.
74
LEJEUNE, 2014, p. 55.
75
GOMES, 1998, p.23.
76
SOARES, Ângelo Barroso Costa. Academia dos Rebeldes: modernismo à moda baiana. (Dissertação de
Mestrado em Literatura e Diversidade Cultural) - Departamento de Letras e Artes, Universidade Estadual
de Feira de Santana, Feira de Santana, 2005.
77
CARNEIRO, Edison, 1935, apud. SOARES, 2005, p. 129.
36
78
GOMES, 1998, p. 44.
79
Ibid., p.27.
80
GOMES; GOMES, 2012, p.72
81
Jayme Costa (1897-1967) Um dos atores mais importantes da geração que ficou conhecida pelo nome do
teatro que lhe deu abrigo – Trianon. Disponível em: <
http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa349474/jaime-costa > Acesso em: 28 nov. 2018, às 20:19 h.
82
Joracy Camargo (1898-1973) jornalista, cronista, professor e teatrólogo. Quarto ocupante da Cadeira 32,
eleito em 17 de agosto de 1967, na sucessão de Viriato Correia e recebido pelo Acadêmico Adonias Filho
em 16 de outubro de 1967. Disponível em: <http://www.academia.org.br/academicos/joracy-
camargo/biografia> Acesso em: 28 nov. 2018, às 20:24 h.
83
Procópio Ferreira (1898-1979) Ator. Narigudo, baixinho e sem pescoço, o antigalã interpreta não apenas
os principais coadjuvantes cômicos, como, com seu lugar de primeiro ator do teatro brasileiro de seu tempo,
37
A peça que Dias Gomes escreveu em um mês foi Pé-de-cabra, que não saiu uma
réplica, e sim uma espécie de sátira da peça de Joracy Camargo. Jayme Costa achou o
texto subversivo e que não seria aprovado pelo Departamento de Imprensa e Propaganda
(DIP) getulista, que censurava os espetáculos. Gomes resolveu ir até Procópio Ferreira
lhe mostrar Amanhã Será Outro Dia. Procópio lhe disse que naquele momento as pessoas
querem rir e não chorar com o teatro.
É importante levarmos em consideração que esses são relatos narrados por Dias
Gomes, em entrevistas e depois reforçados em sua autobiografia, construindo um nexo
nessas histórias já contadas outrora. Mais uma vez, ao retomá-las, coloca-se como
protagonista desses relatos.
O interlocutor perguntou, então, se Gomes não tinha uma comédia. Foi aí que se
lembrou de Pé-de-cabra, e respondeu-lhe que tinha, mas que estava comprometida.
Procópio insistiu em ler e no dia seguinte lhe disse que a peça estreava em 15 dias e lhe
daria um adiantamento dos direitos autorais. Aceitou, e a peça foi um sucesso: aplaudido
de pé quando Procópio o chamou no palco depois da estreia, houve um “oh!”, quando
Procópio revelou que Dias Gomes tinha apenas 19 anos.
Porém, as coisas não foram tão fácies, conforme registra nas entrevistas e na
autobiografia, Pé-de-cabra só estreou uma semana depois da data prevista. O
Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) tinha proibido a encenação com o
argumento de que se tratava de uma peça marxista. Até o momento, segundo Dias Gomes,
ele não havia lido uma só linha de Marx e nem de seus discípulos. Argumentou que veio
daí seu interesse posterior pelo marxismo.84Quando Joracy Camargo conheceu Gomes,
abraçou-lhe de forma “paternal e aparentemente comovido”. Dias Gomes afirma que se
sentiu um patife e que o equívoco se estendeu aos críticos “que não perceberam o tom
satírico, a gozação irreverente e me tomaram por um discípulo de Joracy Camargo.”85
Dias Gomes já se sentia admitido à família teatral em 1943. Passava as noites
pulando de espetáculo em espetáculo da Cinelândia à Praça Tiradentes e, à noite,
terminava em bares com a reunião de artistas boêmios. Ainda nesse ano, seu irmão, figura
em quem se espelhava, acabou falecendo. Guilherme Dias Gomes era primeiro-tenente
leva os autores a escreverem inúmeras peças para um protagonista interpretado no melhor estilo Procópio:
o cômico inteligente que arma confusões, o feioso esperto que termina com a moça bonita. Dono de uma
riqueza vocal rara, que ele usa nas mínimas nuances, o ator dá vida a cerca de 500 personagens. Disponível
em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa8154/procopio-ferreira> Acesso em: 28 nov. 2018, às
20:28 h.
84
GOMES, 1998, p. 67.
85
GOMES, 1998, p.69-70.
38
médico na Escola Militar de Realengo, morreu no hospital central do exército após quinze
dias internado. Os médicos militares não conseguiram diagnosticar as causas de sua
morte.86
Com o falecimento de seu irmão, Dias Gomes entendeu que não poderia mais
viver de direitos autorais e, para sustentar sua mãe, aceitou o convite de Oduvaldo Vianna
(pai), para integrar o quadro de redatores da sua emissora de rádio que acabara de fundar
em São Paulo, a Rádio Pan-Americana. Nesse período, encontrou tempo para estudar
sociologia, filosofia e marxismo motivado pela censura da sua peça e pela sua filiação ao
Partido Comunista do Brasil (PCB).
Dias Gomes lembra em sua autobiografia que Oduvaldo Vianna lhe influenciou a
filiar-se ao Partido Comunista do Brasil. Isso se deu pelo fato de estar cansado de ter suas
peças censuradas e ser tido como comunista, antes mesmo de aderir a essa corrente
político-ideológica. Sua filiação se deu somente em meados de 1944 e seu desligamento
aconteceu por volta de 1973, quando se dedicou ao trabalho na televisão.
Em 1953, Gomes foi à União Soviética. Naquele tempo, era um crime, aos olhos
do Estado. A viagem foi programada pelo partido: “Eu fui escondido em uma delegação
de escritores, era a segunda delegação de escritores brasileiros que ia [...]”87 Dias Gomes
narrou em entrevistas e na autobiografia que fingiu ter ido para a Inglaterra. Contou que
foi para Praga e de lá pegou um avião para Moscou.
Porém, o jornalista Carlos Lacerda (1914-1977), diretor e fundador do jornal
Tribuna de Imprensa, descobriu sua viagem para Moscou e encontrou uma foto do
dramaturgo na Praça Vermelha carregando uma corroa de flores para o túmulo de Lênin.88
Dias Gomes contou que ele fez uma matéria mentirosa dizendo: “Diretor da Rádio Clube
vai a Moscou depositar flores para o túmulo de Stalin com dinheiro do Banco do Brasil.”89
O diretor de teatro Renato Borghi relatou que a cantora e compositora Nora Ney
foi expulsa da Rádio Nacional por ter também visitado a União Soviética. Segundo
86
Ibid., p. 84.
87
GOMES; GOMES, 2012, p. 156.
88
Carlos Frederico Werneck de Lacerda (1914-1977), embora registrado em Vassouras (RJ), nasceu no Rio
de Janeiro, então Distrito Federal, em 30 de abril, filho de Maurício Paiva de Lacerda e de Olga Werneck
de Lacerda. Em 27 de dezembro de 1949, fundou a Tribuna da Imprensa, que, representando as principais
propostas da UDN, viria a fazer oposição a forças políticas vinculadas ao getulismo. A princípio Lacerda
apoia o regime militar em 1964. Disponível em: <http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-
biografico/carlos-frederico-werneck-de-lacerda> Acesso em: 14 jul. 2018, às 17:19 h.
89
GOMES; GOMES, 2012, p. 156.
39
Borghi, “[...] foi a época da caça às bruxas, do dedo-duro, da criação do bode expiatório
e da omissão.”90
Segundo Gomes, quem o denominou de subversivo foi Carlos Lacerda. É
interessante destacar como ele assume esse rótulo do jornalista,91 tanto que intitula sua
autobiografia, aparentando uma resposta ou provocação ao jornalista, porém muitos anos
depois de passado o perigo. Foi demitido da Rádio Clube depois da matéria de Carlos
Lacerda e durante um ano não conseguiu trabalhar, sublinhou Gomes.
Um dos motivos da manchete era combater a Rádio Clube. Gomes explica sobre
o episódio em uma entrevista ao Programa Roda Viva, da TV Cultura, em junho de 1995:
90
SEIXAS, 2008, p. 107.
91
Lembrando que ele faz isso muitos anos depois. Portanto, trata-se de uma reconstrução da memória.
92
GOMES; GOMES, Op. Cit. p. 156-157.
93
GOMES, 1998, p.88-89.
40
no rádio, Dias Gomes conheceu Janete Clair (1925-1983), com quem se casa, em 1950.
Tiveram quatro filhos, Alfredo Dias Gomes, Guilherme Dias Gomes, Marcos Plínio
(falecido) e Denise Emmer.
Anos depois, em um explícito trabalho de reconstrução da memória, Dias Gomes
falou à emissora TV Cultura sobre sua relação com Janete Clair. Disse que ambos eram
muito diferentes, talvez por isso eles deram-se bem, tendo uma união que durou trinta e
três anos. Gomes lembrou nessas entrevistas algumas dessas diferenças:
Janete era católica, eu sempre fui ateu, eu fui marxista, tive formação marxista
e tudo. E ela tinha também um estilo de realismo romântico, e eu sempre fui
um realista empedernido. O meu realismo talvez sofra um pouco do fantástico,
do absurdo, da mágica. Mas, de qualquer maneira, é uma posição realista. [...]
Janete não escrevia quando eu casei com ela, veio a escrever depois.
Evidentemente ela aprendeu comigo, mas depois seguiu o seu próprio
caminho.94
Faço parte de uma geração de dramaturgo que levantou entre os anos de 1950
e de 1960 a bandeira de um tetro político e popular. Esse teatro esbarrou numa
94
GOMES; GOMES, 2012, p. 175-176.
95
Ibid., p. 195.
96
GOMES; GOMES, 2012, p. 56.
41
contradição básica: era um teatro dirigido a uma plateia popular, mas visto
unicamente por uma plateia de elite.97
Ainda nessa entrevista, Gomes disse que a televisão lhe ofereceu uma plateia
popular e para o autor “[...] recusar, virar as costas, seria incoerente, burro e
reacionário.”98 Por mais que se considerasse um “subversivo”, ou apenas tivesse aderido
a essa carapuça, notamos que Dias Gomes estava, sim, preocupado com o que os críticos
iam dizer e pensar sobre seu eu “intelectual”. Em uma entrevista à Revista Veja, em abril
de 1974, ele diz:
A peça é a eclosão de todo o processo que veio antes, então eu tive que pegar
a gênese da história, a gênese de Zé do Burro, da sua promessa e seu mundo
de onde ele veio, porque ele é assim, porque ele fez a promessa. Isso me deu a
oportunidade de fazer um estudo maior do homem do campo, dos seus
problemas, dos problemas da terra no Brasil, da luta pela terra, pela posse da
terra, o papel da igreja etc.102
97
Ibid., p. 51.
98
Ibid., p. 51.
99
Ibid., p. 56.
100
Ibid., p. 56.
101
GOMES; GOMES, 2012, p. 125.
102
Ibid., p. 125.
42
Em 1991, Dias Gomes foi eleito membro da Academia Brasileira de Letras (ABL).
Trata-se de mais uma oportunidade para recompor suas memórias e “reinventar” seu
passado, ressaltando dessa vez sua identidade socialista, marcada por certa ambivalência.
Ele relatou em uma de suas entrevistas ao programa Roda Viva, em 1995, que só entrou
para academia a pedido de amigos e disse, “Eu sempre tive um caminho meio solitário.
Então a Academia é um grupo fechado de quarenta pessoas, entre as quais eu tenho
amigos, tenho pessoas que prezo e que admiro, mas eu não tenho muita vocação para esse
convívio. Eu sou um socialista insociável.”103
Relutou por mais de dez anos a se candidatar à entidade, a pedido de Jorge Amado,
alegando sua falta de vocação acadêmica. Segundo Gomes, isso se comprovou depois de
eleito. Quando jovem fez críticas à Academia: “[...] escritor de esquerda que nunca
contestou a Academia ou nunca foi jovem, ou nunca foi de esquerda.”104 Um concorrente
à cadeira escreveu cartas anônimas para todos os acadêmicos acusando Dias Gomes de
ser comunista, como se isso fosse uma grande revelação, afirma o dramaturgo que se
tornou membro da ABL.
Dias Gomes foi o sexto ocupante da Cadeira 21, eleito em 11 de abril de 1991, na
sucessão de Adonias Filho (1915-1990).105 Foi recebido pelo Acadêmico Jorge Amado,
em 16 de julho de 1991. Em seu discurso de posse no dia 16 de setembro desse mesmo
ano, ele disse:
103
Ibid., p. 172.
104
GOMES, 1998, p.352.
105
Adonias Aguiar Filho (1915-1990). Quinto ocupante da Cadeira 21, eleito em 14 de janeiro de 1965, na
sucessão de Álvaro Moreyra e recebido em 28 de abril de 1965 pelo Acadêmico Jorge Amado. Recebeu a
Acadêmica Rachel de Queiroz e os Acadêmicos Otávio de Faria, Joracy Camargo e Mauro Mota. Adonias
Filho (A. Aguiar Fo), jornalista, crítico, ensaísta e romancista, nasceu na Fazenda São João, em Ilhéus, BA,
em 27 de novembro de 1915, e faleceu na mesma cidade, em 2 de agosto de 1990. Disponível em:
<http://www.academia.org.br/academicos/adonias-filho/biografia> Acesso em: 18 jul. 2018, às 19:47 h.
106
Disponível em: < http://www.academia.org.br/academicos/dias-gomes/discurso-de-posse>. Acesso em:
29 jun. 2018, às 21:50 h.
43
Ainda em seu discurso, Dias Gomes conta um episódio de sua vida em que foi
surpreendido pelo telefonema de Adonias Filho, a quem viria a suceder na Academia. Foi
no ano de 1971, quando Dias Gomes preparava-se para comparecer perante um oficial
encarregado de um inquérito policial militar. “Era o primeiro dos sete a que iria responder,
por isso estava apreensivo. Tinha motivos: ia conhecer o famigerado ENIMAR. Podia ser
torturado, como tantos. Podia não voltar, como muitos. Estava preparado para tudo. A
família de sobreaviso, os amigos.”107
Gomes conta que a surpresa foi pelo fato de Adonias Filho e ele terem apenas um
conhecimento superficial, trocaram meia dúzia de palavras cordiais, e estavam de lados
opostos, Dias Gomes um militante de esquerda e o outro intelectual de direita. “Havia
apoiado o golpe militar, amigo dos generais. Eu entre os perseguidos, ele com os
perseguidores. Um homem afável, de fala mansa, de jeito interiorano, grapiúna. Mas um
inimigo. Eu caça, ele caçador, naquele momento. Por que me telefonaria?”
O telefonema foi para tranquilizá-lo, e lhe dizer que nada de mal lhe aconteceria.
Segundo Dias Gomes, Adonias Filho usava de sua influência e,
Conclui essa parte do discurso fazendo elogios a esse literato e a suas obras. Dias
Gomes também foi casado com a atriz Bernadete Lys, com quem teve duas filhas. O
percurso do dramaturgo ficou marcado pela peça O Pagador de Promessas que lhe deu
visibilidade nacional e internacional. Essa trama, a abordagem (crítica social) e os
personagens (populares) foram os motivos do sucesso.
107
Disponível em: < http://www.academia.org.br/academicos/dias-gomes/discurso-de-posse>. Acesso em:
29 jun. 2018, às 21:56 h.
108
Disponível em: < http://www.academia.org.br/academicos/dias-gomes/discurso-de-posse>. Acesso em:
29 jun. 2018, às 22:11h.
44
109
GOMES; GOMES, 2012, p. 46.
110
Ibid., p. 46.
111
GOMES; GOMES, Op. Cit., p. 157-158.
112
O Diário de Notícia, Rio de Janeiro, era um jornal pautado em princípios liberais. Segundo o verbete de
Marieta de Morais Ferreira, desde seu lançamento, “a posição do Diário de Notícias foi definida
claramente. Sua proposta básica era lutar contra ‘a estrutura oligárquica’ da República Velha, colocando-
45
se como porta-voz de um ‘espírito revolucionário’ que visava a transformação da sociedade.” Esse espírito
revolucionário significava a reforma nos métodos políticos antiliberais, mas não tinha uma conotação de
modificações profundas na sociedade. Porém, segundo Marieta de Morais Ferreira, quando eclodiu o
movimento político-militar em 1964, o jornal apoia os militares e publica a seguinte declaração: “Podemos
ter agora o que perdemos há três anos, um governo. Governo para cumprir e fazer cumprir a Constituição
e não para rasgá-la em praça pública a pretexto de reclamar reformas de base.” A Expectativa do jornal em
relação aos governos militares acabou por não se concretizar, levando o Diário de Notícias a aproximar-se
da oposição até seu fechamento, na primeira metade da década de setenta. Disponível em:
<http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/diario-de-noticias-rio-de-janeiro> Acesso
em: 30 jul. 2018, às 19:56 h.
113
Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 22 fev. 1964, p. 6.
114
Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 22 fev. 1964, p. 9.
115
Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 26 fev. 1964, p. 2.
116
Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 26 fev. 1964, p. 2.
46
Oficial “[...] não tendo eu, por isso, chegado a tomar posse. Se tivesse sido empossado,
provavelmente, não teria escapado à prisão.”117
Gomes relatou que após o Comício da Central, ou Comício das Reformas que
aconteceu, em 13 de março de 1964, na cidade do Rio de Janeiro, na praça da República,
em que Jango anunciou o projeto das reformas de base, ele reuniu em sua casa intelectuais
de esquerda, que festejavam aquele ato político. Diziam que Jango não poderia mais
recuar e que a direita, acuada, teria que engolir aquelas reformas. Segundo Dias Gomes,
só lhe vinha a cabeça as palavras de um deputado comunista, Marcos Antônio Coelho,
que ao descer do palanque após o comício, lhe abraçou e lhe disse em voz firme: “Nós
nos encontraremos no presídio da Ilha Grande.”118 O dramaturgo, ao relembrar o fato,
frisou que o tal deputado era a única pessoa lúcida e sensata naquele momento. Marco
Antônio foi preso e torturado pelo Doi-Codi até enlouquecer.
Dias Gomes também foi membro do Comando dos Trabalhadores Intelectuais
(CTI), grupo que lutava contra a ditadura militar, a repressão, sobretudo artística-
cultural.119Essa associação de intelectuais teve vida curta. Foi constituída em 1963, no
Rio de Janeiro, com o objetivo de formar uma frente única com as forças populares em
defesa das liberdades democráticas. Mas logo foi extinto pelo regime de 1964.
“Reconhecendo a necessidade de uma luta conjunta pela emancipação econômica,
política e cultural do país, um grupo de intelectuais liderados pelo diretor da Editora
Civilização Brasileira, Ênio Silveira, decidiu criar o CTI.”120 Em 17 de janeiro de 1964,
o Jornal do Brasil (RJ) informou sobre uma Assembleia Geral dessa associação:
117
GOMES, 1998, p. 192.
118
Ibid., p. 192.
119
CZAJKA, Rodrigo. Redesenhando Ideologias: Cultura e Política em Tempos de Golpe, p. 47. IN:
História: Questões & Debates, Curitiba, n. 40, p. 37-57. Editora UFPR, 2004.
120
Disponível em: < http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/comando-dos-
trabalhadores-intelectuais> Acesso em: 28 jul. 2018, às 16:53 h.
121
Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 28 jul. 1964, p. 12.
47
Dentre esses membros fundadores estavam Dias Gomes, Ênio Silveira, Edison
Carneiro, Alex Vianny, Álvoro Lins, Di Cavalcanti, Ferreira Gullar, Moacyr Felix,
Nelson Werneck Sodré, Carlos Lira, Glauber Rocha, Jorge Amado e Oscar Niemeyer.
Dias Gomes sublinhou em sua autobiografia que no dia seguinte ao 31 de março
de 1964 foi para Rádio Nacional trabalhar, onde era diretor artístico na época. A emissora
apoiava o governo de João Goulart. Gomes disse que os corredores da rádio estavam
cheios de delegações de sindicalistas que queriam expressar solidariedade a Jango através
dos microfones. “Todos esses pronunciamentos foram gravados pelo Dops e serviram
para meter muita gente na cadeia.”122
Contou que também estiveram na rádio nesse dia os representantes do CTI, Ênio
Silveira, Nélson Werneck Sodré, Alex Vianny, Moacyr Félix entre outros. Segundo
Gomes, pediu ao historiador Nélson Werneck Sodré que sentasse em sua “[...] máquina e
escrevesse o primeiro boletim de guerra das forças antigolpes.” Até que durante à tarde o
superintendente da rádio, Hemílcio Fróes que chegara do Palácio da Guanabara, lhes
mandou acabarem com aquela batalha sonora que estavam travando. Lhes disse: “-
Acabou. Jango já deixou o Palácio Guanabara, está voando não sei pra onde.”123
Os militares apontavam um canhão para o operador-chefe do transmissor, segundo
informaram a Hemílcio Fróes, se permanecessem ali seriam presos, frisou Dias Gomes.
De forma fatídica Gomes sublinhou que passaram de carro em frente à UNE, ele e
Teixeira Filho que lhe deu uma carona no carro da emissora. Naquele momento o edifício
de representação estudantil pegava fogo: “Pensei nos amigos e companheiros Vianinha,
Gullar, Leon Hirshman, Werneck - estariam lá, prisioneiros das chamas de uma nova
Inquisição?”124
Segundo Gomes, quando Teixeira Filho lhe deixou na porta de casa, Janete Clair
e sua mãe acompanhavam tudo pela TV, antes de seu amigo sair, escuta na Rádio Globo
nomes dos comunistas que deviam ser presos, e os nomes dos dois estavam na lista. Gritou
Gomes e se esconderam em um hotelzinho na avenida Mem de Sá. De forma romantizada,
talvez tomado do romantismo revolucionário, Dias Gomes contou que depois de dias ele,
Hemílcio Fróes e Teixeira Filho resolvem buscar asilo na embaixada da Argentina. No
caminho, ele pede para os companheiros pararem o carro e lhes disse que não estava
122
GOMES, 1998, p. 198.
123
Ibid., p. 198.
124
Ibid., p. 199.
48
louco: “Vim pelo caminho pensando, não tenho temperamento para suportar um exílio.
Prefiro ficar e enfrentar o que der e vier.”125
Dias Gomes permanece escondido, pois policiais e oficiais do exército
vasculhavam a cidade à procura de subversivo. Gomes narrou que o capitão do exército
incumbido de capturar alguns inimigos do novo regime, entre eles Dias Gomes, era seu
primo. Por isso, declarou não ter lhe encontrado, utilizando do sarcasmo, Gomes relatou:
“Primeiro a família, depois a pátria.”126E continua em tom irônico: “Hoje lamento esse
gesto de solidariedade familiar, porque não ter sido preso é uma falha na minha biografia
que me envergonha, uma injusta lacuna, pois, por tudo que fiz, sem modéstia, eu acho
que merecia uma honrosa cadeia.”127
Nesse período, O Pagador fazia sucesso no exterior, em Washington, por
exemplo, enquanto Gomes perambulava de esconderijo em esconderijo, perseguido e
punido pelo regime militar. Assim, foi demitido da Rádio Nacional pelo Ato Institucional
Nº 1, seu nome estava em uma lista dos que seriam presos se tentassem entrar nos estúdios
da emissora. Trinta dias depois, lhe demitiram por abandono de emprego, fato que Gomes
satiriza mais uma vez, afirmando que o AI1 que lhe demitiu realmente.128
No ano seguinte, artistas e intelectuais redigem uma carta de protesto para o
marechal Castelo Branco denunciando a repressão a atividades artísticas que vinham
sendo tomadas por algumas autoridades públicas. A carta “[...] foi redigida no teatro Santa
Rosa, por uma comissão da qual faziam parte o teatrólogo Dias Gomes, o poeta Thiago
de Mello, o crítico cinematográfico Sérgio Augusto e os poetas Moacyr Félix e Ferreira
Gullar.”129 A iniciativa foi tomada diante do quadro de ameaças à liberdade de expressão
que vinham sofrendo.
Em 1965, Dias Gomes teve a peça O berço do herói proibida no dia de sua estreia.
Nesse ano o Jornal do Brasil publicou a matéria: “Teatro diz basta à falta de senso nos
cortes da censura.” Os artistas de teatro protestavam contra as arbitrariedades da censura,
no manifesto que foi lido em frente a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) no Rio de
Janeiro, dizia o seguinte: “A classe teatral brasileira unida, vem denunciar à Nação o
quadro de crescente arbitrariedade que vem caracterizando os órgãos de censura em face
125
GOMES, 1998, p. 202.
126
Ibid., p. 204.
127
Ibid., p. 204.
128
Ibid., p. 204.
129
Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 25 jul. 1965, p. 8.
49
O texto diz que é grande a indignação dos artistas, pela inexplicável demora com
que a censura se manifesta sobre cada pronunciamento apresentado, protelando a
liberação de peças, causando enormes prejuízos, como é o caso do Capeta de Caruaru,
de Aldomar Conrado, que se encontrara retida em Brasília há 50 dias, quando o prazo que
aquele órgão tinha para se pronunciar era de apenas dez dias, segundo a matéria:
“Também retida pela censura Federal, estão as peças Barrela, de Plínio Marcos; Pic-Nic
no Frent, de Fernando Arrabal; Santidade, de Carlos Kroebber; Getúlio, de Dias Gomes;
e O começo é difícil, vamos tentar outra vez, de Antônio Bivar.”134
130
Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 26 out. 1965, p. 14.
131
Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 14 jan. 1967, p. 3.
132
GOMES; GOMES, 2012, p. 83.
133
Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 7 mar. 1968, p. 1.
134
Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 7 mar. 1968, p. 1.
50
Ainda em 1968, Dias Gomes deu uma palestra para universitários mineiros na
(Sucursal) e retratou o tema: “Cultura e Liberdade”, o Jornal do Brasil fez uma síntese
da palestra do dramaturgo e intitulou: “Dias Gomes acusa Costa e Silva”. Afirmou que a
atitude do presidente, ao proibir a peça Santidade, se caracterizara um abuso de poder e
uma tentativa, segundo ele, em mistificar a opinião pública, “[...] fazendo-a crer que a
classe teatral luta apenas pela liberdade do palavrão, quando lutamos pela livre
manifestação do pensamento.”135 Dias Gomes concluiu sua apresentação dizendo que o
governo brasileiro estava diante de uma opção:
Dias Gomes não vê como uma peça teatral possa vir a ferir preceitos de segurança.
É sempre possível e fácil alegar-se razões de Estado quando se quer proibir uma peça,
afirma o dramaturgo.138
Dias Gomes estava conectado a uma rede de intelectuais da Bahia que incluía
dramaturgos, artista e intelectuais da década de 1960, cujo objetivo era "representar" em
suas obras o "povo", categoria que remete ao homem simples, do campo. O teatrólogo
135
Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 23 mar. 1968, p. 10.
136
Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 23 mar. 1968, p. 10.
137
Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 5 out.1968, p. 8.
138
Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 5 out.1968, p. 8.
51
139
COSTA, 2017, p. 169.
52
Capítulo II
140
PRADO, 1988, p. 61.
141
Ibid., p. 90.
142
Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 3 set. 1961, p. 4.
53
Dias Gomes. Juntos eram membros da Academia dos Rebeldes, cujo projeto ideológico
e estético valorizava em seus artigos nas revistas Meridiano e o Momento, assim como
em suas obras, romances e pesquisas como é o caso de Edison Carneiro, já mencionada
no capítulo anterior. Edison Carneiro se torna amigo de Dias Gomes, apesar da diferença
de idade entre eles.
Esse laço de amizade se confirmou quando a primeira pessoa a ler O Pagador de
Promessas foi Edison Carneiro, esse amigo herdado de seu irmão, que lhe afirmou: “Sêo
menino, você escreveu uma peça porreta.”143 Edison Carneiro havia lhe ajudado outrora
quando foi demitido da Rádio Clube por conta da viagem à União Soviética, como já
mencionamos. Dias Gomes disse que andou de emissora em emissora, de revista em
revista, de jornal em jornal, mas ninguém queria lhe empregar. Aí entra o folclorista: “[...]
tentou ajudar-me, encomendou-me um artigo para uma revista que dirigia e, constrangido,
explicou-me mais tarde que o artigo só sairia se meu nome fosse suprimido.”144
Dias Gomes relatou em uma entrevista que depois de Edison Carneiro ter lido a peça,
levou-a para Martim Gonçalves (diretor da Escola de Teatro da Universidade da Bahia)
fazer a leitura. Como “bom baiano”, afirmou que queria a peça encenada primeiro em sua
terra, e só depois excursionaria. Porém, a peça jamais foi lida por Martim Gonçalves.
Quando ele recebeu o dramaturgo e o texto, lhe disse que leria, mas guardou em sua
estante. Segundo Gomes:
Dias Gomes mencionou mais um fato em relação a esse encontro com Martim
Gonçalves em 1960: “[...] verificou que a escola era na casa do meu tio. Um casarão
imenso onde eu passara a minha infância, brincando de pílula no enorme pomar com meus
primos, brincadeiras que às vezes se estendia até a Roça dos Padres, hoje a Universidade
da Bahia.”146 Relatou nostalgicamente em relação à casa do tio Alfredo, que ficava no
bairro do Canela, na rua João das Botas ao lado do colégio que Gomes estudou, o Ginásio
N. S. da Vitória.
143
GOMES, 1998, p.164.
144
Ibid., p. 147.
145
STEEN, 2008, p. 105.
146
Ibid., p. 104.
54
O próximo a ler foi o diretor do Teatro dos Sete, Gianni Rato,147 para quem Dias
Gomes mostrou a peça com intuito de que ele levasse à cena. Segundo Gomes, Rato lhe
disse que: “[...] era o melhor texto brasileiro que havia lido.”148 O autor de O Pagador
contou na sua autobiografia que ficou emocionado na hora, mas procurou controlar-se.
Rato lhe fez algumas perguntas pertinentes o que lhe motivou a reescrever a peça, afirmou
Dias Gomes:
— Por que você fez um personagem tão interessante como Bonitão quase
desaparecer no terceiro ato?- Não fui eu, foi ele que não quis...eu me esforcei,
mas ele fugia...se recusava...Rato cravou em mim aquele olhar perfurante que
me assustava um pouco.- É isso mesmo, rapaz. Você é um verdadeiro
dramaturgo. Parabéns pelo seu belíssimo texto, que terei o maior prazer de
encenar.149
Outro personagem que também achamos ter sido silenciado nessa narrativa de
Dias Gomes é o rezador Preto Zeferino. O rezador é citado através dos discursos do
protagonista, que relata ter ficado bom de uma dor de cabeça depois de suas rezas, já com
seu amigo “Nicolau não houve reza que fizesse ele levantar. Preto Zeferino botou o pé na
cabeça do coitado, disse uma porção de orações e nada.”150. O protagonista Zé-do-Burro
tinha fé no rezador, por isso o procurava.
Outra observação que Rato fez e influenciou o dramaturgo a reescrever a peça foi
a seguinte. Na primeira versão, as razões para o Padre não deixar Zé-do-Burro entrar na
Igreja era “[...] simplesmente a dedução de que Zé pretendia, pretensiosamente, imitar
Jesus e transformar-se num beato.”151
Segundo Dias Gomes, os temas abordados na peça resultaram de sua pesquisa em
Salvador quando reescreveu o texto por sugestão do diretor Gianni Ratto. Gomes relatou
que a solução para o seu problema era o sincretismo, que foi fruto de sua pesquisa. O
dramaturgo deve ter feito visitas em terreiros de candomblé, umbanda e igrejas, além de
ter lido escritores como Edison Carneiro e outros contemporâneos dele como é o caso de
147
Gianni Ratto (1916-2005) nasceu em Milão, mas viveu até a juventude em Gênova, com a mãe, Maria
Ratto, pianista e professora de canto lírico. Foi um diretor, cenógrafo, iluminador, figurista, escritor e ator.
Veio ao Brasil a convite da atriz Maria Della Costa para dirigir um espetáculo e aqui ficou. Em 1959, uniu-
se à companhia teatral Teatro dos Sete, formado por: Fernanda Montenegro, Fernanda Torres, Paulo Autran
e outros. Disponível em: < http://gianniratto.org.br/gianni.html> Acesso em: 16 ago. 2018,
148
GOMES, 1998, p. 167.
149
Ibid., p. 167.
150
GOMES, 1961, p 55.
151
GOMES, Op. Cit., p. 168.
55
Jorge Amado, também membro da Academia dos Rebeldes, em que o sincretismo estava
sempre presente em seus romances.
A peça ganhou força e autenticidade e Gomes disse ter sido grato ao diretor Gianni
Rato por isso. Em entrevista Dias Gomes relatou: “Faço mil anotações, entrego-me a uma
verdadeira masturbação mental, pesquisando até a exaustão a temática que vou abordar e
investigando minuciosamente a vida dos personagens que vou manipular [...]”152
Conforme sua autobiografia, a peça só seria encenada mais de dois anos pelo
Teatro do Sete, ficaria a quinta no repertório. Assim, Dias Gomes, que estava ansioso
com a estreia do seu texto, resolveu levá-lo para Franco Zampari, proprietário do Teatro
Brasileiro de Comédia (TBC).
O dramaturgo contou: “[...] acho que o teatro tem mais a ver com arquitetura do
que com literatura. O dramaturgo é um construtor de peças. O processo é vertical e
limitado no espaço e no tempo, tal como a construção de um prédio. Tijolo por tijolo.”153
Já o romance, segundo Dias Gomes, se desenvolve horizontalmente, praticamente sem
limitações.
Dias Gomes contou em uma entrevista ao Jornal de Guarulhos, em março de
1983, que “[...] a temática surgiu de forma não muito agradável, através de um telegrama
de uma agência de notícias da Alemanha.”154 Relatava o caso de um soldado que, ao
perder os movimentos das pernas, faz a promessa de carregar uma cruz até certa igreja,
se ficasse bom.
Em outra entrevista de Gomes disse que “[...] aquele ex-combatente alemão, por
estranho que possa parecer em seu misticismo e em sua fidelidade à promessa feita, à
palavra empenhada, tinha muito a ver com minha gente, bem podia ser um homem do
povo, do meu povo da Bahia [...]”155 Povo afeito a fazer e a pagar promessas e obrigações
as mais ambiciosas, aos santos e aos orixás. Gomes também afirma que O Pagador de
Promessas tem muito a ver com ele, pois foi criado com sua mãe fazendo promessas.
Uma delas:
[...] incluía uma peregrinação em todas as igrejas da Bahia, onde ela assistiria
uma missa em cada uma. A lenda dizia que a Bahia possuía 365 igrejas, o que
na verdade não correspondia à realidade, já que eu acompanhei minha mãe
nesta peregrinação que esteve nas 90 igrejas que a Bahia possuía até então. 156
152
STEEN, 2008, p. 102.
153
Ibid., p. 102.
154
GOMES; GOMES, 2012, p. 106.
155
STEEN, Op Cit., p. 99.
156
GOMES; GOMES, Op. Cit., p.106.
56
Sua mãe havia feito essa promessa para que seu irmão recém-formado em
Medicina passasse num concurso, para o Rio de Janeiro. Dias Gomes expressa na obra
suas vivências com o sincretismo baiano na infância, assim como seu engajamento
político para falar de problemas sociais que vão além da intolerância religiosa.
No entanto, analisando as tensões e contradições no discurso do dramaturgo, em
sua autobiografia, encontramos a seguinte consideração: “O Pagador é uma peça nascida
compulsivamente da necessidade interior de entender o mundo. Mas não é uma peça
didática e, muito menos panfletária.”157 Disse que apesar do tema fundamental ser a
liberdade de escolha, ante o qual se posicionava, não teve, ao escrevê-la, a preocupação
em expelir qualquer mensagem política. Será que foi isso mesmo? Dias Gomes parece
está fazendo uma defesa da não intervenção do Partidão em sua escrita, ao dizer que não
sofreu influência partidária.
Porém, os assuntos abordados na peça podem ser frutos de discussões nas reuniões
do partido e do Comitê Cultural, mas Dias Gomes preferiu a seguinte afirmativa:
“Simplificando, eu tivera apenas um objetivo em mente: escrever uma boa peça.”159 O
Dramaturgo afirmou: “Zé-do-Burro é trucidado não pela Igreja, mas por toda uma
organização social, na qual somente o povo das ruas com ele confraterniza e a seu lado
se coloca, inicialmente por instinto e finalmente pela conscientização produzida pelo
impacto emocional de sua morte.”160
Em uma entrevista, Dias Gomes reafirmou esse discurso: “O Pagador não é uma
peça anticlerical. É uma peça contra a intolerância, o dogmatismo, uma fábula sobre a
liberdade de escolha, temas sempre atuais.”161 Por isso, afirmou que escreveria aquela
157
GOMES, 1998, p. 178.
158
Ibid., p.179.
159
Ibid., p. 179.
160
GOMES, Op. Cit., p.179-180.
161
STEEN, 2008, p. 106.
57
peça no dia em que concedeu a entrevista, por se tratar de assuntos atemporais. Segundo
Gomes:
Não é a igreja que está em causa, como instituição. E padre Olavo é apenas um
símbolo de intolerância. Poderia ser uma fábula dos anos 70, anos de
intolerância e obscurantismo, em que muitos Zés-do Burro tombaram,
querendo pagar suas promessas. Se O Pagador for entendido como uma
metáfora, nunca perderá sua atualidade.162
162
STEEN, 2008, p. 106.
163
Ibid., p. 105.
164
Ibid., p. 106.
58
Dias Gomes apresenta o Padre como fanático, a personagem, que é da capital, dita
“civilizada”, versus a personagem Zé-do-Burro, que é da “roça”, do interior. O
autor/narrador fez uma crítica ou uma sátira à sociedade, pois o papel de fanático caberia
ao personagem sertanejo como é sabido, através de uma extensa produção do pensamento
social e cultural do brasileiro, uma forma de estereotipação ao descrever a imagem dos
sertanejos, a exemplo, dos profetas, dos conselheiros e dos santorais.
Segundo Rui Facó, a ideologia das populações rurais, que viviam mergulhadas em
um quase completo analfabetismo e obscurantismo em relação ao nível cultural de
desenvolvimento, só poderia ter um caráter religioso e místico, que se convencionou a
chamar fanatismo.165 Fanatismo: “Quer dizer, adeptos de uma seita, ou misto de seitas,
que não a religião dominante. Só que a seita por eles abraçada, fortemente influenciada
pela religião católica, que lhe dá o substrato, era a sua ideologia.”166
Quando Dias Gomes descreve a personagem de Zé-do-Burro, ele nos passa a
imagem de um homem arcaico e simples:
Êle é frio e brutal em sua “profissão”. Encara a exploração a que submete Marli
e outras mulheres, como um direito que lhe assiste, ou melhor, um dom que a
natureza lhe concedeu, juntamente com seus atributos físicos. Em seu entender,
sua beleza máscula e seu vigor sexual, aliados a um direito natural de subsistir,
justificam plenamente seu modo de vida. É de estatura um pouco acima da
média, forte e de pele trigueira, amulatada. A ascendência negra é visível,
embora os cabelos sejam lisos, reluzentes de gomalina e os traços regulares,
com exceção dos lábios grossos e sensuais e das narinas um tanto dilatadas.
Veste-se sempre de branco, colarinho alto, sapatos de duas cores.
165
“Sob esta denominação têm-se englobado os combatentes de Canudos ou do Contestado, do Padre Cícero
ou Beato Lourenço [...]” FACÓ, Rui. Cangaceiros e Fanáticos. 9º Ed., Editora Bertrand, Rio de Janeiro.
1991, p. 47.
166
Ibid., p. 47-48.
167
GOMES, 1961, p. 14.
59
168
GOMES; GOMES, 2012, p. 106.
169
HOLLANDA, 1980, p. 25.
170
GOMES, 1961, p. 59.
60
171
SILVA, Cândido da Costa e. Roteiro da vida e da morte: Um estudo do catolicismo no sertão da Bahia.
São Paulo: Ática, 1982, p. 32.
172
DE MENDONÇA, Sonia Regina. O ruralismo brasileiro: 1888-1931. São Paulo: Editora Hucitec, 1997,
p. 9.
61
operações de adição, mas um espaço de choque e troca entre elementos culturais.”173 Cita
como exemplos: Macunaíma, de Mário de Andrade; O Pagador de Promessas, de Dias
Gomes; Tenda dos Milagres, de Jorge Amado e Terra em Transe, de Glauber Rocha. Diz
serem especialmente ricos em sincretismo, tanto de uma perspectiva temática quanto
formal. Sobre o Pagador, afirma-se o seguinte:
173
SHOHAT, Ella; STAM, Robert. Crítica da Imagem Eurocêntrica: multiculturalismo e representação.
Tradução Marcos Soares. Editora Cosacnaify, 2006, p. 438.
174
Ibid., p. 437.
175
STEEN, 2008, p. 105.
176
Alceu Amoroso Lima (1893-1983), também conhecido pelo pseudônimo literário Tristão de Ataíde,
nasceu no Rio de Janeiro, então Distrito Federal, no dia 11 de dezembro de 1893, filho de Manuel José de
Amoroso Lima e de Camila da Silva Amoroso Lima. Em 1913, formou-se em direito pela Faculdade do
Rio de Janeiro. No ano de 1935, Alceu Amoroso Lima tornou-se diretor da Ação Católica Brasileira e foi
eleito para a Academia Brasileira de Letras. Após o golpe militar em 1964, Alceu Amoroso Lima colaborou
também em diversos jornais como A Manhã e o Jornal do Comércio, no Rio, o jornal integralista A
Ofensiva, e o La Prensa de Buenos Aires. Foi ainda diretor da Revista da Academia Brasileira de Letras.
Era casado com Maria Teresa Faria, filha do escritor Alberto de Faria, com quem teve sete filhos. Faleceu
em Petrópolis (RJ) no dia 14 de agosto de 1983. Disponível em:
<http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/lima-alceu-amoroso> Acesso em: 24 nov.
2018, às 14:44 h.
62
177
ATHAYDE DE. Tristão. Prefácio. In: CALLADO, Antônio. Assunção de Salviano. 2º ed. Rio de
Janeiro: Editora Civilização Brasileira S. A., 1960, p. 3.
178
Ibid., p. 5.
179
PRADO, 1988, p. 61.
63
O povo figurava, portanto, nos mais diversos projetos, seja como emissor, seja
como destinatário, seja como objeto da mensagem – e não seria difícil aplicar
ao caso outros conceitos cedidos pela linguística à teoria da comunicação.
Buscava-se tanto articular a voz do povo, quase inaudível em meio à cacofonia
moderna, quanto adivinhar-lhe as obscuras intenções. Obedecia-se, ou
supunha-se as obscuras intenções.182
A construção da imagem do herói: “[...] um homem que quer entrar numa igreja
com uma cruz e só o consegue depois de morto (O Pagador de Promessas).”183 O
dramaturgo se comunicava de maneira clara e direta. Segundo Prado, esse contato com o
público mais simples, pesou decerto em sua técnica,
180
PRADO, 1988, 61.
181
COSTA, 2017, p. 53.
182
PRADO, Op. Cit., p. 100.
183
Ibid., p. 88.
184
PRADO, 1988, p. 90.
64
185
ROSENFELD, 1982, p. 57.
186
COSTA, 2017, p. 69.
187
GOMES, 1961, p. 164.
188
COSTA, Op. Cit., p. 69.
189
RIDENTI, 1993, p. 77-78.
65
190
PARANHOS, Kátia Rodrigues. Arte e Engajamento no Brasil pós-1964: dramaturgos e grupos de teatro
trafegando na contramão. Anais do XX Encontro Regional de História: História e Liberdade. ANPUH/SP
– UNESP-Franca. 06 a 10 de setembro de 2010, p. 4.
191
NAPOLITANO, Marcos. A arte engajada e seus públicos (1955/1968). Estudos Históricos, Rio de
Janeiro, nº 28, 2001, p. 103-124.
192
Ibid., p. 121-122.
66
193
Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 24 jul. 1960, p. 5.
194
GOMES, 1998, p. 169.
195
GOMES; GOMES, 2012, p. 169.
67
196
Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 31 jul. 1960, p. 1.
197
GOMES, 1961, p. 14.
198
Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 31 jul. 1960, p. 1.
199
PRADO, 1988, p. 87.
200
GOMES, 1998, p. 180.
68
dramaturgo. Em sua defesa, Dias Gomes disse em sua autobiografia que nunca trocou
com “aquela senhora” mais do que meia dúzias de palavras convencionais. 201
No mês seguinte ao da estreia, o Diário de Notícias (RJ) lança uma biografia
sintetizada do teatrólogo mais comentado na ocasião, intitulada: “Autor Brasileiro no
TBC”, frisando que o espetáculo do momento era de produção nacional, algo incomum
naquela companhia.202 Segundo Luiz Carlos Maciel, a tradicional companhia de Teatro
Brasileiro de Comédia (TBC) era dirigida por italianos ricos e tinha inclusive diretores da
Europa dirigindo seus espetáculos.203
Conforme Maciel, “O TBC representava o verdadeiro teatrão: seu objetivo não
era a pesquisa de linguagem, mas tão somente montar espetáculos de qualidade
internacional para que famílias endinheiradas não precisassem ir à Europa para assistirem
a uma montagem digna de grandes textos.”204 Era um teatro da alta burguesia paulista.
Renato Borghi reafirmou que o TBC era muito sofisticado, montavam peças dos
dramaturgos mais famosos do mundo. Segundo Borghi: “Zampari estava atendendo à
demanda da burguesia progressista paulista.”205
Em oposição ao TBC, foi fundado nos anos sessenta a companhia do Teatro
Arena, em que os fundadores eram ligados ao Partido Comunista do Brasil (PCB), como:
Vianinha, Augusto Boal e Gianfrancesco Guarnieri. As peças tinham caráter social, eram
produções baratas e as temáticas de certa forma alfinetavam o TBC. O Arena era um
teatro político, mas, para Luiz Carlos Maciel, não trazia inovações. Assim surge o Oficina
que marca seu lugar naquele contexto. Também era um teatro de tendência esquerdista,
porém, evoluiu “no sentido de desenvolver um outro lado, mais inovador: apresentava
tendências estéticas de preocupação com a forma teatral – e não apenas com o
conteúdo.206” A importância de José Celso Corrêa para o teatro brasileiro é inegável,
“seus espetáculos mostram que, além de convicção, tem estilo, intuição, audácia e
intimidade com o palco.207” Maciel frisa que há de viver pra sempre na memória da
geração.
Voltemos à matéria do Diário de Notícias (RJ): “Dias Gomes surgiu na
dramaturgia brasileira muitos anos atrás, quando Procópio desfrutara ainda os ecos de seu
201
GOMES, 1998, p. 181.
202
Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 07 ago. 1960, p. 5.
203
MACIEL, 1996, p. 151.
204
Ibid., p. 151.
205
SEIXAS, 2008, p.38-39.
206
MACIEL, Op. Cit., p.152.
207
Ibid., p.153.
69
apogeu com Deus lhe pague e Anastácio, de Joracy Camargo, como um rapaz-prodígio
de 20 anos.”208 Segundo o periódico, o dramaturgo seguiu do prolongamento da linha
Joracy’s em que as peças dialogam com o didatismo político-social.
Notamos que os periódicos estavam interessados em noticiar o retorno triunfante
do dramaturgo Dias Gomes ao teatro, após uma interrupção de 20 anos de trabalho
dedicado ao Rádio. E um desses jornais traz a boa nova em setembro desse mesmo ano:
“Dias Gomes tem ‘promessa’ na Broadway” é o tema da matéria do crítico teatral Van
Jafa, que fez elogios ao teatrólogo:
O que não aconteceu tão rápido, em novembro desse mesmo ano o Tribuna da
Imprensa também noticiou: “Um empresário americano pretende encenar O Pagador de
Promessas de Dias Gomes na Broadway.”210 Em 1962, vem a confirmação pelo mesmo
periódico, “Estão confirmadas as notícias do lançamento nos Estados Unidos da peça de
Dias Gomes O P. P. Vai para a Broadway através da adaptação e direção de Stanley
Richards, encenador americano que visitou o Brasil no ano passado, sob o título de
‘Joumeyto Bahia’.”211A tradução da peça foi feita por Paulo Francis, menos o título que
segundo a matéria nunca ocorreria a um brasileiro.
Ainda nessa reportagem do Tribuna, afirma-se que O P. P. teve carreira brilhante
na montagem do TBC, em São Paulo, e está sendo preparado, no Rio, pelo Teatro
Nacional de Comédia (TNC) para estreia ainda no primeiro semestre de 1962. E anuncia
o novo desdobramento da obra “Dentro em breve será lançado também, no Brasil, o filme
baseado na peça, realizado por Anselmo Duarte.”212Os desdobramentos da versão
cinematográfica serão abordados no terceiro capítulo.
Em 23 de maio de 1962, o Jornal da Bahia relatou que a peça já havia sido
traduzida para o inglês, castelhano, alemão, francês e polonês, “[...] estando em ensaio no
208
Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 7 ago. 1960, p. 5.
209
Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 2 set. 1960, p. 3.
210
Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, 29 nov. 1960, p. 4.
211
Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, 14 mar. 1962, p. 2.
212
Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, 14 mar. 1962, p. 2.
70
213
Jornal da Bahia, Salvador, 23 maio 1962, p. 1.
214
Jornal da Bahia, Salvador, 23 maio 1962, p. 1.
215
Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 7 fev. 1965, p. 10.
216
GOMES, 1998, p. 206.
217
Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, 10 maio 1968, p. 9.
218
Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, 3 abr. 1961, p. 2.
71
Promessas, de Dias Gomes, que foi montado em São Paulo pelo TBC, mas que nunca
chegou até o Rio.”219
O diretor do Serviço Nacional de Teatro, Edmundo Moniz revelou ao Correio da
Manhã que o original “O Pagador de Promessas” será a peça de estreia do elenco do
Teatro Nacional de Comédia, na sua temporada oficial de 1962 “[...] em sua sede oficial,
à Avenida Rio Branco, no Rio (antigo Cine Parisiense) totalmente remodelado, com
direção de José Renato [...]”220
Iná Costa, afirma que a encenação de O Pagador de Promessas por José Renato
no TNC há de ter sido comemorada como uma das grandes vitórias do teatro político no
Brasil, porque a peça dispunha dos recursos econômicos do governo Federal, que segundo
ela, era um indício da valorização da cultura nacional-popular. O “[...] golpe de 1964
encarregou-se de acabar com as condições que permitiam a ocorrência e o
desenvolvimento da festa nacional-popular [...]”221 Porém, houve resistência por parte de
diversos artistas que não se neutralizaram, e não aceitaram o “contrato social” da classe
dominante que almejava “[...] pôr fora de combate a arte, o artista e a própria luta.” 222
No mês de abril, a coluna de Van Jafa, do Correio da Manhã, informou que O
Pagador estava “em tempo de ensaio” no Rio de Janeiro. Concluiu a matéria dizendo ser
a favor de várias montagens de uma mesma peça, como já acontecia na Europa e nos
Estados Unidos. “[...] cada diretor constrói o seu espetáculo, ou seja, a sua visão da
peça.”223 Além disso, a peça permanecia inédita para a plateia carioca, já que a versão
paulista do TBC não tinha feito temporada no Rio.
O Teatro de Amadores de Pernambuco (TAP) foi a companhia responsável por
encenar O Pagador de Promessas no Nordeste. Em 1962, o TAP leva a peça para a Bahia.
O TAP foi fundado na década de 1940 pelo professor, médico e crítico de arte Waldemar
de Oliveira (1900-1977). Segundo Décio de Almeida Prado, o TAP:
219
Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 22 dez. 1961, p. 4.
220
Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 30 mar. 1962, p. 2.
221
COSTA, 2017, p. 170.
222
Ibid., 173.
223
Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 10 abr. 1962, p. 3.
72
O Cine Teatro Guarani foi criado em 1920 e muda de nome, em 1981, para Cine
Glauber Rocha com a morte do cineasta baiano. O Cine teatro fica na praça Castro Alves
na capital baiana. Na coluna de Vital Cavalcante no Jornal da Bahia elogiou-se a versão
224
PRADO, 1988, p. 78.
225
A Tarde, Salvador, 14 e 15 jul. 1962, p. 8.
73
Em sua autobiografia Dias Gomes afirmou: “[...] minha vida mudou a partir de O
Pagador; eu era agora um autor de projeção nacional, traduzido em várias línguas, e podia
viver voltado para o teatro durante a década de 1960.”228 Conta que com o sucesso do
filme, em 1962, fez a peça voltar à cena no TBC, com a mesma direção de Flávio Rangel,
por quem Gomes tinha estima, e com o mesmo elenco.
Em 1963, o Círculo Independente de Cronistas de Teatro (CICT) elegeu o
teatrólogo Dias Gomes pelo conjunto de obras o melhor autor, segundo essa
organização.229 Nesse mesmo ano, em fevereiro com a matéria: “O Pagador em
Barcelona”, o Diário de Notícia (RJ) frisa que a peça de Dias Gomes foi muito aplaudida
pelo público em sua estreia, ela foi encenada no Teatro Talia de Barcelona, também
recebeu elogios amplos da crítica, segundo o periódico. 230
226
Jornal da Bahia, Salvador, 17 jul. 1962, p. 7.
227
GOMES; GOMES, 2012, p. 76.
228
GOMES, 1998, p. 185.
229
Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 12 jan. 1963, p. 5.
230
Diário de Notícia, Rio de Janeiro, 21 fev. 1963, p. 2.
74
231
Diário de Notícia, Rio de Janeiro, 23 abr. 1963, p. 2.
232
Diário de Notícia, Rio de Janeiro, 31maio 1963, p. 2.
233
Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 12 set. 1965, p. 5.
234
Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 12 set. 1965, p. 5.
75
235
Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 11 fev. 1966, p. 15.
236
Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 30 jun. 1967, p. 2.
76
Capítulo III
Entre 1958-1962 surgiu o Ciclo Baiano de Cinema, e com ele vamos ter a
representação dos sujeitos nordestinos/sertanejos pelo olhar de diretores e escritores
baianos, como é o caso de Dias Gomes, que escreveu O Pagador de Promessa, e ao
adaptá-la, tem essa versão dirigida pelo então paulista Anselmo Duarte, que se tornou
um “grande sucesso” nas telas. Além da cinematografia estrangeira que
recorrentemente fez uso de clichês e estereótipo ao representar o Brasil,
especificamente o Nordeste, os sulistas se destacam como pioneiros na produção
fílmica do país.
237
SANTIAGO, Nayara Carneiro. Processo de transposição de linguagem na obra o pagador de
promessas. Artigo publicado na Revista Graduando. Nº 2 jan/jun, ISSN 2236-3335. UEFS, 2011, p. 89.
238
Ibid., p. 89.
78
A adaptação para o cinema já foi feita pelo próprio autor, que entregará a
Anselmo Duarte para que seja então preparado o roteiro técnico. O Pagador
de Promessas foi o maior sucesso teatral do ano passado, em São Paulo, tendo
conseguido nada menos que seis prêmios da crítica paulista: espetáculo e
direção (Flávio Rangel) autor, atriz (Natália Timberg), ator (Leonardo Vilar) e
revelação e cenógrafo.241
Dias Gomes contou em sua autobiografia que tinha com Flávio Rangel um
compromisso, “[...] se O Pagador viesse a ser filmado, ele seria o diretor. Desde a
estreia da peça, Flávio alimentava esse sonho e procurava um produtor para o
filme.”242 No entanto, o próprio Flávio Rangel cede a direção da versão fílmica para
Anselmo Duarte. Em um dos espetáculos da peça no TBC, Flávio Rangel convidou
Anselmo Duarte e Oswaldo Massaini para assistirem, e os dois ficaram interessados
na adaptação.
Em certo dia, o diretor da peça Flávio Rangel levou Anselmo Duarte à casa de
Dias Gomes e lhe disse: “Dias, eu queria muito fazer esse filme, mas não consigo
produtor. Anselmo tem um produtor, Oswaldo Massaini, e eu abro mão da
exclusividade que você me deu.”243 Gomes alega que hesitou, duvidava que Anselmo
Duarte fosse o melhor diretor para O Pagador de Promessas, consultou seus amigos
239
ALBUQUERQUE JR., Durval Muniz de. A invenção do nordeste e outras artes; prefácio de Margareth
Rago. 2. Ed., Recife: FJN, Ed. Massangana; São Paulo: Cortez, 2001, p. 210.
240
Ibid., p. 210.
241
Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 4 jan. 1961, p. 4.
242
GOMES, 1998, p. 182.
243
Ibid., p. 182.
79
do Cinema Novo, Leon Hirshman e Alex Vianny que segundo ele, acharam uma
temeridade. Anselmo Duarte mesmo percebendo a resistência do dramaturgo insistiu
na ideia e certa vez lhe falou: “Se você me der essa peça, eu vou com ela ganhar a
Palma de Ouro, juro por Deus.”244
Gomes narrou que não acreditou que ele ganharia o Palma, mas a determinação
dele lhe deu a certeza de que Anselmo Duarte faria o melhor. Mesmo assim, o
dramaturgo fez algumas exigências:
[...] no contrato que assinei com Oswaldo Massaini, fiz constar uma cláusula:
uma vez o roteiro definitivo aprovado, o diretor seria obrigado a segui-lo cena
por cena; queria assegurar inteira fidelidade à minha história. Desse contrato
constava também a obrigação de fazer a adaptação cinematográfica, onde
procurei também me resguardar, mantendo quase literalmente o
desenvolvimento e os diálogos da peça, e nisso amarrando a direção, reconheço
– dessa acusação, que é feita a Anselmo, eu tenho culpa. Nos créditos do filme
aparece somente o nome dele como autor do roteiro; isso é falso, entreguei-lhe
a adaptação já em seu terceiro tratamento, isto é, a história dividida em cenas,
com a ação das personagens e os diálogos definitivos, cabendo-lhe acrescentar,
no tratamento final, a definição dos planos e a movimentação de câmera.245
Notamos como o dramaturgo faz questão em seu discurso de dizer que elaborou boa
parte do roteiro do filme, mesmo não tendo seu nome nos créditos da película. Dias
Gomes mencionou na autobiografia que viajaram juntos para Salvador a fim de
escolherem os locais de filmagem. Anselmo Duarte via a história da peça de forma
maniqueísta, uma luta entre o bem e o mal “[...] entre heróis e bandidos, em que o herói
era o candomblé, e o bandido, a igreja católica. Custei a convencê-lo de que o sentido do
argumento era muito mais complexo. Mas ele, finalmente, me deu razão.”246
Uma missão que eles tiveram na Bahia foi convencer o clero a deixar gravarem e
usarem alguns templos católicos como cenário, por exemplo, a Igreja do Passo. Anselmo
Duarte, acreditando que os eclesiásticos não aceitariam, narrou-lhes o seguinte: “A
história que contou aos padres, de profunda religiosidade, terminava com um milagre de
Santa Bárbara, que aparecia a Zé-do-Burro e o levava consigo para o céu.”247 Assim,
obtiveram o aval da Igreja Católica.
Logo os periódicos nacionais começaram a dar destaque ao filme. O Diário de
Notícias (BA), de 1962 destacou: “O Pagador vai a Cannes”. A matéria expunha que o
244
GOMES, 1998, p. 182.
245
Ibid., p. 182-183.
246
Ibid., p. 183.
247
GOMES, Op. Cit., p. 184.
80
cinema nacional acabara de receber um êxito com um filme filmado na Bahia. Tratara-se
de O Pagador de Promessas, de Dias Gomes e dirigido por Anselmo Duarte. O filme foi
“[...] exibido numa sessão privada para um grupo de críticos e diplomatas do Itamarati,
incumbidos de selecionar o representante brasileiro ao Festival de Cannes, deixou todos
empolgados pela sua elevada categoria.” 248 Saíram fascinados com o filme, segundo o
periódico, “O Pagador de Promessa representará oficialmente o cinema brasileiro no
importante Festival de Cannes e não será surpresa se vir a conquistar um dos prêmios do
certame.”249
O Diário de Notícia (RJ) já havia noticiado no dia 03 de abril que na noite da sessão
especial antes de ir para Cannes: “Pela primeira vez, no Brasil, assiste a um acontecimento
que é tão comum em vários países: o povo bater palmas de pé quando uma cena se destaca
ou quando um trecho de filme o impressiona.” A matéria ainda trouxe um apelo ao
Itamarati e ao nosso Ministério de Relações Exteriores para dar-lhe ajuda e publicidade
naquele momento a fim de que o filme trouxesse o prêmio que merecia. E concluiu:
248
Diário de Notícias, Salvador, 8 e 9 abri. 1962, p. 6.
249
Diário de Notícias, Salvador, 8 e 9 abri. 1962, p. 6.
250
Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 03 abri. 1962, p. 2.
251
Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, 4 maio1962, p. 1.
252
Jornal da Bahia, Salvador, 22 maio 1962, p. 1.
81
“II Messagero”, de Roma: Uma película valente que toca um tema que é
perigoso para o país de origem...a realização da película é imperfeita, porém
sua execução é excelente. “La Stampa”, de Turim: Um filme de vigor, com
belas cenas e um estilo sincero e místico.
“YA”, de Madri: A película se apresenta com certo vigor acompanhado de
colorido e lirismo. “L’Aurore”, de Paris: Os brasileiros...é um estilo de pureza
e emoção, deixaram cair entre nós uma bomba intitulada O Pagador de
Promessas... por isto, devem receber o Prêmio da Palma de Ouro...
“Liberación”, de Paris: É possível que a película brasileira não ganhe o Prêmio
da Palma de Ouro (a melhor película), porém não seria compreensível que o
júri não lhe outorgue um prêmio especial...seria ridículo ignorá-la. “Le Soir”,
de Bruxelas: O ator Leonardo Vilar é surpreendente.255
Outro periódico da Bahia lançou a boa nova nesse mês: “Pagador de Promessas
ganha Palma de Ouro”. Filme rodado sob a direção de Anselmo Duarte ganha o prêmio
com Palma de Ouro, no Festival de Cannes. “Este grande tento da cinematografia
brasileira traz para a Bahia mais uma glória. Esta película foi totalmente rodada nas ruas
antigas da cidade e com mais da metade do elenco de artistas bahianos.”256
253
Jornal da Bahia, Salvador, 22 maio 1962, p. 1.
254
Jornal da Bahia, Salvador, 23 maio 1962, p. 1.
255
Jornal da Bahia, Salvador, 23 maio 1962, p. 4.
256
Estado da Bahia, Salvador, 24 maio 1962, p. 1.
82
257
Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 24 maio 1962, p. 1.
83
Para o jornal com Cannes o mundo abre as suas portas para “[...] deixar que as nossas
vozes sejam ouvidas.”259 Enfim, segundo o periódico: “venceremos pela verdade.” Em
junho de 1962 o A Tarde lançou a matéria: “Os brasileiros pararam o trânsito em
Cannes” entrevista Jean Lucien Descave. Membro da delegação designada pelo Itamarati
para representar nosso país no XV Festival Cinematográfico de Cannes, ele contou ao
jornal:
Jean Descave, francês, casou-se com uma baiana, já tendo, inclusive, produzido
filmes na Bahia. Ele residia em São Paulo. Foi o primeiro membro da delegação a
regressar ao país, e narrou as emoções dos membros ao receber a notícia do prêmio:
258
Estado da Bahia, Salvador, 25 maio 1962, p. 1.
259
Estado da Bahia, Salvador, 25 maio 1962, p. 1.
260
A Tarde, Salvador, 14 e 15 jul. 1962, p. 8.
84
261
A Tarde, Salvador, 14 e 15 jul. 1962, p. 8.
262
GOMES, 1998, p. 185.
263
GOMES; GOMES, 2012, p. 108.
264
Ibid., p. 108.
85
Ainda nessa entrevista o cineasta baiano falou que vários intelectuais ligados ao
Partido Comunista se corromperam inteiramente. “[...] a maioria de atores, diretores,
argumentistas etc., foram trabalhar na Globo, no auge da ditadura do General Medici. Se
corromperam, inclusive se corromperam esteticamente, ideologicamente, um desastre. Se
venderam ao Roberto Marinho, a preços módicos.”266 Notamos que ambos os artistas,
tanto Glauber Rocha como Dias Gomes trocavam ofensas, mesmo que indiretamente.
Glauber Rocha disse que no Brasil todo mundo esculhamba o Cinema Novo, mas
segundo ele nunca se escreveu um ensaio criticando-o. “Se esculhamba com frases em
jornais, e isso todo mundo: a direita, a esquerda... a maior frente ampla do Brasil, o maior
lugar comum que existe. É a fuga ao debate.”267
Deixando os ressentimentos de Glauber Rocha e Dias Gomes de lado, voltemos
aos periódicos baianos. No Diários de Notícias (BA) saiu a seguinte matéria frisando não
poder separar a versão fílmica da versão peça, utilizando os seguintes argumentos:
265
PEREIRA, Carlos Alberto M.; HOLLANDA, Heloísa Buarque. Patrulhas Ideológicas. Livraria
Brasiliense Editora S.A., São Paulo, 1980, p. 28.
266
Ibid., p. 27.
267
Ibid., p. 26.
86
Gomes fez questão de declarar (segundo testemunha Van Jaga, no seu artigo
“De como Dias Gomes situa seu Pagador”, em o Correio da Manhã de 23-05-
62).268
É a partir dessa semelhança da versão fílmica com a versão teatral que Dias Gomes
e Anselmo Duarte se glorificam após Cannes. Ambos se elogiam, mas notamos que o
protagonismo do sucesso é disputado pelos dois em nossa leitura.
268
Diário de Notícias, Salvador, 9 set. 1962, p. 6.
269
Diário de Notícias, Salvador, 24 maio 1962, p. 1.
270
Diário de Notícias, Salvador, 24 maio 1962, p. 1.
271
Diário de Notícias, Salvador, 24 maio 1962, p. 1.
87
272
Diário de Notícias, Salvador, 26 maio 1962, p. 5.
273
Manchete, Rio de Janeiro, 2 jun. 1962, p. 24, Nº 528.
274
Manchete, Rio de Janeiro, 2 jun. 1962, p. 24, Nº 528.
88
Ainda nessa matéria, o jornal expôs a vontade do presidente John Kennedy em ver
o filme: “[...] comunicou à Embaixada do Brasil nos Estados Unidos seu interesse em
assistir em sessão cinematográfica especial, na sala de projeções da Casa Branca, ao filme
brasileiro O Pagador de Promessas, recente laureado em Cannes.”277Essa notícia,
certamente, deixou as pessoas que ainda não tinham assistido o filme mais curiosas,
principalmente os críticos cinematográficos de outras partes do mundo.
A revista Manchete estampou na sua capa os protagonistas do filme O Pagador
de Promessas: “Glória Meneses e Leonardo Vilar os vencedores de Cannes.” A capa
ilustra os atores incorporados nos personagens: Rosa e Zé-do-Burro, com a representação
de um casal apaixonado se admirando enquanto sorriem. A capa também expõe algumas
notícias do período como: a Copa do Mundo no Chile; o norte-americano na lua, dessa
vez o primeiro em órbita; e um subtítulo que destaca a política nacional e interroga:
“Haverá mesmo eleições?”
Como é sabido, o Brasil passava por um regime parlamentarista de governo, que
vigorou de 1961 a 1962, reduzindo os poderes constitucionais de João Goulart, que era
considerado por opositores conservadores, pela elite dominante e por setores das Forças
Armadas, um esquerdista. Esta medida de governo parlamentarista foi a “saída”
encontrada pelo Congresso Nacional para a crise que assolava o país.
Em janeiro de 1963, João Goulart convocou um plebiscito para decidir sobre a
manutenção ou não do sistema parlamentarista. O resultado foi que os eleitores votaram
275
Manchete, Rio de Janeiro, 2 jun. 1962, p. 24, Nº 528.
276
Jornal da Bahia, Salvador, 3 e 4 de jun. 1962, p. 3.
277
Jornal da Bahia, Salvador, 3 e 4 de jun. 1962, p. 3.
89
278
Teatro Ilustrado, Rio de Janeiro, jun. 1962, p. 11, nº 35.
279
Jornal da Bahia, Salvador, 12 jun. 1962, p. 7.
90
A matéria finaliza destacando que já foi uma vitória do cinema brasileiro esse
prêmio de O Pagador, uma afirmação de sua maturidade, segundo o jornal. Considerou
que nos últimos meses foram lançados vários filmes brasileiros de gabarito internacional.
“Sem contar os baianos, podemos citar Os Cafagestes, de Ruy Guerra, Cinco Vezes
Favela, e outros. Esperamos somente que eles sejam logo exibidos na Bahia, para que
possamos assisti-los sem excessivo atraso.”280
Em 16 de junho, a revista Manchete dedicou sete páginas da edição para falar
sobre O Pagador de Promessas e sua premiação em Cannes. Além de mencionar a ideia
do filme, trouxe uma síntese da biografia de Glória Meneses, uma das protagonistas do
longa-metragem. A matéria foi assinada pelo colunista Justino Martins com o título:
“Cannes – Por que o Brasil venceu a Palma”. Depõe Justino Martins:
280
Jornal da Bahia, Salvador, 12 jun. 1962, p. 7.
281
MARTINS, Justino. “Cannes: Por que o Brasil venceu a Palma de ouro”. Manchete, Rio de Janeiro, 16
jun. 1962, p. 41, Nº 525.
91
282
Manchete, Rio de Janeiro, 16 jun. 1962, p. 45, Nº 525.
92
283
Manchete, Rio de Janeiro, 14 jul. 1962, p. 97, Nº 531.
284
Manchete, Rio de Janeiro, 21 jul. 1962, p. 85, Nº 535.
93
Ao analisarmos esta fotografia e levando em conta o que Circe Bittencourt nos diz
sobre fotografias: “É sempre necessário perguntar o que está sendo fotografado, a fim de
compreender por que e para que algumas fotografias foram feitas. Uma foto é sempre
produzida com determinada intenção, existem objetivos e há arbitrariedade na captação
das imagens.”287
285
Manchete, Rio de Janeiro, 21 jul. 1962, p. 86, Nº 535.
286
Manchete, Rio de Janeiro, 21 jul. 1962, p. 86, Nº 535.
287
BITTENCOURT, 2011, p. 367.
94
Notamos que Dias Gomes está ali ao fundo em cima do carro dos bombeiros, e
Anselmo Duarte logo à frente erguendo a Palma de Ouro, ou seja, o protagonismo na
volta de Cannes era do diretor da película, talvez por isso em várias entrevista Dias Gomes
fez questão de afirmar que adaptou a peça para versão cinematográfica e participou das
filmagens das cenas. Em uma entrevista ao Programa Roda Viva, TV Cultura, em 1995,
Dias Gomes mais uma vez falou sobre isso:
[...] o filme é uma peça filmada; há duas ou três cenas fora, mas o resto, se
você acompanhar, vai ver que é igualzinho quase. Que era uma prova da minha
insegurança com relação ao cinema. Então eu disse: “Vou me garantir”. Isso
fez até certo ml, talvez, ao filme...Ficou um filme, talvez, muito acadêmico,
embora seja realmente um trabalho muito bom do Anselmo. Eu tenho até que
louvar essa fidelidade dele ao meu texto, foi a única vez que eu tive um texto
no cinema com absoluta fidelidade.288
288
GOMES; GOMES, 2012, p. 170.
289
Jornal da Bahia, Salvador, 01 set. 1962, p. 7.
290
Jornal da Bahia, Salvador, 6 set. 1962, p. 1.
95
O jornal lhe perguntou se ele considerava “[...] o filme uma obra prima, mesmo
julgado através de padrões absolutos, ou seja, sem o julgar produto do cinema de um país
subdesenvolvido?”295 Respondeu o seguinte:
291
Manchete, Rio de Janeiro, 21 jul. 1962, p. 86, Nº 535.
292
Jornal da Bahia, Salvador, 7 set. 1962, p. 1.
293
Jornal da Bahia, Salvador, 7 set. 1962, p. 7.
294
Jornal da Bahia, Salvador, 7 set. 1962, p. 7.
295
Jornal da Bahia, Salvador, 7 set. 1962, p. 7.
96
tudo está se construindo, inclusive uma cultura, que tem a desvantagem de não
contar com a tradição e tem que abrir seus próprios caminhos.296
Nesse mesmo ano, Glauber Rocha produzia seu primeiro filme Barravento. Um
longa-metragem que contava a história de um pescador que retorna à aldeiazinha para
salvar o povo da dominação religiosa. Em uma entrevista Glauber Rocha relatou: “Meu
primeiro filme, Barravento, feito em 62, é contra a macumba. A religião é o ópio do povo,
segundo Marx, a religião só é interessante quando é um investimento revolucionário
[...]”300
Glauber Rocha também faz uma crítica a Igreja Católica, assim como Dias Gomes fez
em O Pagador, porém o jovem cineasta era mais enfático: “A Igreja Católica disputa o
296
Jornal da Bahia, Salvador, 7 set. 1962, p. 7.
297
Jornal da Bahia, Salvador, 23 set. 1962, p.3.
298
A Tarde, Salvador, 19 nov. 1962, p. 9.
299
A Tarde, 19 nov. 1962, p. 9.
300
PEREIRA; HOLLANDA, 1980, p.31
97
301
PEREIRA; HOLLANDA, 1980, p. 33.
302
GOMES; GOMES, 2012, p. 161.
303
Ibid., p. 161.
304
SIMÕES, Inimá. Roteiro da Intolerância: a censura cinematográfica no Brasil. São Paulo: Editora
SENAC São Paulo, 1999, p. 77.
305
Ibid., p. 76.
98
negociável: “[...] eu ia para Brasília, discutia com a censura, às vezes conseguia convencer
o censor a liberar alguma coisa, algumas cenas e tal, havia uma negociação. Quando a
censura é da empresa, é um problema da empresa, pronto e acabou.”306
Em 1964, a censura ainda era branda, mas no ano seguinte ela já se fazia presente com
rigor a qualquer diálogo que para eles fosse considerado subversivo, contra a moral da
sociedade. Segundo Marcos Napolitano, essa relativa liberdade de expressão concedida
aos artistas e intelectuais de esquerda fazia crer que eles estavam diante de uma
“ditabranda” e não de uma “ditadura”.
Em 1965, o clima já não estava favorável aos jovens cineastas “[...] que entendiam o
cinema como instrumento de mobilização e conscientização.” O que estes jovens estavam
fazendo era transformar a precariedade de recursos cinematográficos em bandeira
estética, o que causou segundo Inimá Simões, impacto na cena internacional. Porém:
[...] pedindo mais rigor ao órgão oficial da censura sobre vários filmes
brasileiros, “solapadores das bases cristãs da nacionalidade”, citando
explicitamente A hora e vez de Augusto Matraga, Deus e o diabo na terra do
sol, Vereda da Salvação, O santo milagroso, O pagador de promessas e O padre
e a moça. Diante da repercussão negativa, o cardeal desmentiu que tivesse feito
306
GOMES; GOMES, 2012, p. 160.
307
SIMÕES, 1999, p. 81.
99
Inimá Simões conclui que o desfecho dessa história foi negativo para a Polícia
Federal e para a Censura que acabou azedando relações com um dos mais importantes
nomes da hierarquia da Igreja Católica, que dava antes do ocorrido apoio declarado ao
governo Militar.
Flora Sussekind sugere que ao contrário do que normalmente se pensa, a censura
não foi a única estratégia proposta pelos militares em seus governos contra a cultura.
Segundo a autora:
308
SIMÕES, 1999, p. 84.
309
SUSSEKIND, Flora. Literatura e vida literária: polêmicas, diários e relatos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Ed., 1985, p. 13.
310
Ibid., p. 13.
311
Ibid., p. 14.
100
para o universo homossexual feminino. A escritora teve mais de 30 livros censurados pelo
regime e, mesmo censurada com frequência Cassandra continuou escrevendo.312
Dias Gomes também destacou este aspecto em sua autobiografia: “Minha geração
de dramaturgos — a dos anos 60 — erguera a bandeira do teatro popular, que só teria
sentido com a conquista de uma grande plateia popular, evidentemente.”313 O que,
segundo ele, não aconteceu, cada vez mais eles falavam para uma plateia aburguesada.
Já o cineasta Carlos Diegues (Cacá) em uma entrevista para Patrulhas
Ideológicas, disse que não acreditava em nação e nem em povo, porém era a favor de uma
cultura nacional-popular. E explicou:
Nação é uma abstração. Assim como não existe cinema brasileiro, não pode
existir uma nação brasileira. E o povo? Meu povo é o público que entra no
cinema. Eu não tenho outro povo. É o meu público, e o meu povo. Não posso
achar que estou fazendo um filme para um sujeito que nunca foi ao cinema,
como é o caso de 80, 90% da população rural desse país.314
Marcos Napolitano afirma que mesmo com essa relativa liberdade, “[...] é um mito
dizer que não houve censura até o AI-5. No teatro e no cinema, sobretudo, a censura entre
1964 e 1968 foi bem atuante. Entretanto, nada próximo ao que ocorreria depois do fatídico
13 de dezembro de 1968.”316 Para Napolitano, o regime militar foi criterioso, ou seja,
primeiro cortou o elo dos artistas/intelectuais de esquerda com o povo, para depois
impedir a criação e expressão de ideais desse segmento ideológico.
312
MODELLI, Laís. 55 anos do golpe militar: A história de Cassandra Rios, a escritora mais censurada da
ditadura. São Paulo, para BBC News Brasil. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/brasil-
47756468 > Acesso em: 31 abri. 2019, às 13:47 h.
313
GOMES, 1998, p. 255.
314
PEREIRA; HOLLANDA, 1980, p. 21.
315
SCHWARZ, 2001, p. 25.
316
NAPOLITANO, 2017, p. 63.
101
317
NAPOLITANO, 2017, p. 63-64.
318
Ibid., p. 66.
319
Ibid., p. 84-85.
102
CONSIDERAÇÕES FINAIS
FONTES
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1998.
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GOMES, Luana Dias; GOMES, Mayra Dias. Dias Gomes. Rio de Janeiro: Beco do
Azougue, 2012.
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