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Engenharia de Sistemas Digitais

Marcelo D'Elia Branco trabalha na área de Tecnologia da Informação há 25


anos. Passou por empresas do mercado, mas achou seu caminho quando começou a atuar na
área pública, quando foi o responsável pela implantação da Divisão de Telecomunicações
da Prefeitura de Porto Alegre, através da Procempa, onde atuou de 1997 a 1998. Na
Procergs, em 1999, assumiu a diretoria Técnica e em seguida passou a exercer o cargo de
vice-presidente. Foi coordenador, pelo Governo do Estado, desde o início, do Projeto
Software Livre RS. Atualmente, é coordenador da Divisão de Informática da UERGSe um
dos líderes do Movimento Software Livre no Brasil, tornando-se uma referência
internacional. Tanto que é convidado a participar como palestrante de vários eventos dentro
e fora do país.

Agora, com a eleição de Luís Inácio Lula da Silva, está engajado na aproximação
do presidente eleito com a questão do software livre. Marcelo considera o assunto mais do
que uma simples oportunidade para as empresas brasileiras e para o setor de informática
buscarem a liderança no cenário internacional. Acredita que esta seja a grande e, talvez, a
única oportunidade de combater a 'exclusão digital'. Segundo ele, a inserção passiva
acarreta um aumento da dependência digital, ao invés de diminuir a exclusão. "Com o
software livre estamos em 'tempo real' com a tecnologia do primeiro mundo e poderemos
ser sujeitos dessa revolução digital e não meros consumidores de tecnologias do hemisfério
norte", defende. Saiba mais sobre estes e outros assuntos na entrevista exclusiva realizada
pelo Baguete.

Baguete - Bill Gates está querendo reunir-se com Lula. Como um dos
idealizadores da Comunidade Internacional de Software Livre, o senhor fez uma contra
ofensiva recentemente, articulando um encontro com o presidente eleito para apresentar os
planos da comunidade para o Brasil e as vantagens do uso do software livre na
administração pública. Que caminho o senhor acredita que o governo Lula vai seguir?

Marcelo Branco - Tenho a certeza de que o próximo governo Federal vai


proporcionar grandes oportunidades para o desenvolvimento de uma tecnologia nacional
autônoma e com grande intercâmbio com a comunidade científica internacional. A
comunidade internacional está muito ligada nas mudanças que estão acontecendo no Brasil
e está pronta para ajudar. A questão do software livre não é apenas uma oportunidade para
as empresas brasileiras e para o setor de informática buscarem uma liderança no cenário
internacional, mas a grande e, talvez, a única oportunidade de combatermos a "exclusão
digital". A inserção passiva, isto é, sem domínio da tecnologia e dos conteúdos da Internet
acarreta um aumento da dependência digital, ao invés de diminuir a exclusão. Com o
software livre estamos em "tempo real" com a tecnologia do primeiro mundo e os
desenvolvedores e as empresas brasileiras dominam totalmente essa tecnologia. Poderemos
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ser sujeitos dessa revolução digital e não meros consumidores de conteúdos e tecnologias
do hemisfério norte. Por essa razão, procurei o senador Cristóvam Buarque e o Governador
Olívio Dutra levando um convite de Richard Sallman (Presidente da Free Software
Foundation) e Miguel de Icaza (da GNOME Foundation) propondo uma reunião da
comunidade software livre com o presidente Lula.

Baguete - Por que o Brasil precisa, afinal, de uma política de software livre
governamental?

Marcelo Branco - Porque a questão da TI é estratégica para o desenvolvimento


de nosso país. Todo governo deve ter uma política voltada para essa área. Hoje, falar em TI
e não falar em software livre é como fechar os olhos para uma das questões centrais que
sugiram nos últimos anos. O Governo Olívio Dutra mostrou a importância de uma política
pública relativa ao software livre. Nosso Estado é uma referência internacional e realizamos
aqui o maior encontro mundial de software livre. Se no RS essa política pública deu certo,
imaginem tudo isso em uma dimensão nacional.

Baguete - O que é necessário para que isso aconteça? É preciso aprovar no


Congresso? Quais os entraves e facilidades?

Marcelo Branco - Não. Aqui no RS ainda não temos nenhuma lei Estadual
aprovada e fomos muito bem. Cabe ao poder executivo propor políticas nessa área e
discutir com o parlamento, com a comunidade científica, com as universidades, com os
setores empresariais e com os grupos de usuários a melhor forma de implementá-la. Os
possíveis entraves serão superados pelo debate e pela ação coletiva desses diversos agentes.

Baguete - O senhor participou ativamente da política de software livre no


Governo Olívio Dutra, como vice-presidente da Procergs. Quais as realizações que
destacaria em termos organizacionais? Quais as transformações mais importantes em
termos sociais?

Marcelo Branco - Temos hoje praticamente todas as universidades gaúchas


participando e desenvolvendo, no mínimo, um projeto de software livre. Centenas de
empresas gaúchas se qualificaram e/ou entraram nesse novo e promissor mercado.
Surgiram muitos grupos de usuários em praticamente todo Estado. Temos na coordenação
do projeto uma representatividade social bastante ampla. Participamos ativamente de
projetos internacionais no Mercosul e no resto do mundo com grande liderança. O saldo
organizativo é fantástico. O RS, e até mesmo o Brasil, continuarão colhendo, nos próximos
anos, os frutos da política do Governo Olívio Dutra nessa área.

Baguete - O senhor levou a experiência do RS para outros países. Que países


foram estes e qual a receptividade em cada um?
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Marcelo Branco - Nesses últimos quatro anos fui convidado a falar sobre a nossa
experiência em vários eventos internacionais. A receptividade foi sempre muito boa.
Destaco os seguintes:

- CUBA em 2000 - Evento de software livre organizado pela UNESCO


- Porto Rico em 2000 - XXII Assembléia Geral da ISTEC em San Juan
- Argentina - Rosário em 2000 - Primeira Jornada Regional de Software Libre
- Chile - Concepción em 2001 - Primeiro Encontro de Linux e software libre do Chile
- Uruguai-Montevideo em 2001 - Segunda Jornada Regional de Software Livre
- Brasil - Porto Alegre em 2001 - Fórum Social Mundial: palestrante e organizador do tema
software livre no evento
- Espanha- Andaluzia em 2002 - Palestras realizadas em Córdoba, Granada, Sevilha, a
convite do FAMSI (Fundo Andalucia de Solidariedade Internacional)
- Brasil - Porto Alegre em 2002 - Fórum Social Mundial: Palestrante e organizador do tema
software livre no evento
- Argentina em 2002 - Fórum Social Temático da Argentina, Palestrante e organizador do
tema software livre no evento
- Uruguai em 2002 - Palestrante do III Jornada Regional de Software Libre
- Argentina em 2002 - Palestrante para a ADS (Associação de Dirigentes (executivos) de
Sistemas de Informações da Argentina)
- Palestrante para dirigentes da PYMES (Associação de Pequenos e Médios Empresários da
Argentina), da Associação de Cooperativas da Argentina, do Cartão de Crédito CABAL e
do Banco Credicoop.
- Palestrante no Parlamento Nacional Argentino para os Deputados Nacionais, defendendo
o uso de software livre na administração pública no Mercosul
- Aula inaugural na UTA (Universidade Tecnológica da Argentina), para o curso de Ciência
da Computação.
- Europa - Itália em 2002: Palestrante Brasileiro em Florença, no Fórum Social Europeu.

Baguete - Qual a realidade dos países visitados, especialmente na Europa? O


senhor disse em artigo publicado no Baguete que o Brasil é visto como mero consumidor
de produtos proprietários. Qual a realidade nestes países? É diferente da que vivemos aqui?

Marcelo Branco - A realidade da América Latina e Caribe é muito parecida com


a nossa. No caso da Europa é diferente, pois a exclusão digital é menor e o nível de
desenvolvimento tecnológico é bastante avançado. Mesmo assim, convivem com os efeitos
de uma indústria de software monopolista. Observei que a sociedade e os governantes
europeus buscam o software livre por questões de segurança nacional ou regional, por uma
alternativa de desenvolvimento econômico, por necessidades de independência tecnológica
e também por zelo às finanças públicas. Sinto que o nosso movimento na AL está em
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sintonia com as preocupações da comunidade européia.

Baguete - O senhor acredita que a política de software livre terá continuidade no


governo Germano Rigotto.

Marcelo Branco - Será muito bom para o Rio Grande do Sul o futuro governo
apoiar a iniciativa. Mas a política do software livre no nosso Estado terá continuidade, pois
o projeto software livre RS não é do Governo, mas da sociedade gaúcha. E seus agentes
darão continuidade ao projeto.

Baguete - Quais as conseqüências caso seja extinta ou descontinuada?

Marcelo Branco - Acho que um governo não tem como extinguir algo que é hoje
um movimento da sociedade. No âmbito interno do governo acho, também, que seria
equivocado e inviável voltar a gastar os escassos recursos públicos em licenças de
softwares que têm similares livres.

Baguete - O senhor deixou recentemente a UERGS, onde participou ativamente


do Núcleo de Informática na Educação. Por que?

Marcelo Branco - Eu continuo trabalhando na UERGS até o final do ano. Nosso


trabalho deixou uma universidade totalmente informatizada. Um computador para cada
dois alunos, todas as salas de aula com computadores e equipamentos de videoconferência.
Tudo isso numa plataforma 100% livre. É um exemplo de viabilidade do uso de software
livre. Tudo funciona bem, temos aplicativos para todas as áreas e tudo isso foi feito em seis
meses.

Baguete - Qual a expectativa da reitoria da UERGS em relação ao futuro


governador do Estado? Há possibilidade de mudança na reitoria e na política adotada pela
universidade?

Marcelo Branco - Não. O Reitor e os demais pró-reitores têm um mandato a


cumprir até que seja eleito um novo reitor pela comunidade gaúcha. A UERGS não é do
Governo, é do Estado do RS. A troca do Reitor seria uma intervenção do Governo na
autonomia universitária. Seria a mesma coisa que o presidente o Lula trocar todos os
reitores das universidades federais. Acho que o Governador Rigotto não vai intervir na
UERGS, pois isso seria um ato autoritário que não combina com sua trajetória democrática.

Baguete - O que o senhor pensa das acusações de que a UERGS é um cabide de


empregos para petistas?

Marcelo Branco - Temos uma estrutura de funcionários bastante enxuta, se


comparada a qualquer instituição de ensino superior. Essas insinuações fizeram parte de um
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jogo de campanha eleitoral. A realidade está ai: em poucos meses atendemos uma
reivindicação de mais de dez anos e realizamos um sonho de toda a sociedade gaúcha. Essa
conquista ficará na história de nosso Estado.

Baguete - Nas conversas que tivemos com o senhor há pouco mais de um mês, ficou
evidente seu interesse pela Cultura Hacker. Por que o tema o atrai tanto? Existe alguma
ligação com a questão do software livre?

Marcelo Branco - Os hackers são hábeis programadores que se destacam por terem
desenvolvido um programa importante ou uma ferramenta muito útil de software livre ou
para a Internet. Sem eles não haveria software livre e talvez nem a Internet. Os mais
conhecidos são Richard Stallman, principal liderança do movimento, e Linus Torvalds, que
escreveu o Kernel (núcleo) do sistema operacional GNU/Linux. Eles, os hackers, são
responsáveis por mais de 80% dos milhares de programas livres utilizados no mundo.
Negamos sua associação com os violadores de segurança, esse são os crackers. Temos que
ajudar a desfazer a confusão feita por parte dos meios de comunicação de massa. Estes
desenvolvedores de software se recusam a reconhecer o significado pejorativo do termo e
continuam usando a palavra hacker para indicar alguém que ama programar e que gosta de
ser hábil e engenhoso. Hacker não é cracker!!!

Baguete - Para encerrar, que rumo pretende dar para sua carreira profissional. Como vê a
possibilidade de vir a morar no Planalto Central?

Marcelo Branco - Eu sou um militante disciplinado e estarei sempre à disposição para


tocar projetos que me dêem satisfação profissional e pessoal. Em qualquer parte do
mundo...

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