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Roque Antonio Carrazza 1

INSTITUTO PARA DESENVOLVI-


MENTO DO VAREJO – ADC Nº 49 –

UZ
NECESSIDADE DE MODULAÇÃO

CR
DOS EFEITOS DO DECISUM E DE
EDIÇÃO DE LEI COMPLEMEN-

ES
TAR NACIONAL – QUESTÕES

M
CONEXAS

:27 GO
:14 EL
SUMÁRIO
21 HA
2 - IC
02 - M
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CONSULTA ........................................................................................ p. 3
1/1 1-
: 0 .01
Em .898

PARECER ........................................................................................... p. 5
28

1. Plano de trabalho .............................................................................. p. 5


r: 0
po

2. O fenômeno jurídico da tributação .................................................... p. 6


sso
pre

3. O perfil constitucional do ICMS-operações mercantis ..................... p. 13


Im

4. O princípio da não cumulatividade do ICMS ................................... p. 20

BETINA TREIGER Assinado de forma digital


por BETINA TREIGER
GRUPENMACHE GRUPENMACHER
Dados: 2021.10.08 19:01:22
R -03'00'
2
Roque Antonio Carrazza

5. O modo jurídico de operacionalizar-se a não cumula

UZ
tividade do ICMS ............................................................................... p. 30

CR
5.1. Introito ....................................................................................... p. 30

ES
5.2. Das restrições constitucionais ao princípio da não

M
cumulatividade no ICMS ........................................................... p. 39

:27 GO
5.3. O diminuto alcance do art. 155, § 2º, XII, c, da CF .................. p. 44

:14 EL
21 HA
6. Da possibilidade de transferência de créditos de ICMS,
2 - IC
entre estabelecimentos pertencentes a um único titular ..................... p. 52
02 - M
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7. O magno princípio federativo e o modo de afastar even


1/1 1-

tuais pendências entre as unidades federadas, em face


: 0 .01

do que restou decidido na ADC 49 ................................................... p. 63


Em .898

7.1. Considerações gerais ................................................................. p. 63


28

7.2. Da necessidade da edição de uma lei complementar


r: 0

nacional ..................................................................................... p. 69
po

7.3. Da impossibilidade jurídica de ser editada, no caso


sso

em estudo, uma lei complementar estadual ............................... p. 70


pre

8. Da necessidade de modulação, no caso concreto, dos


Im

efeitos da decisão expendida na ADC 49 ......................................... p. 75

9. Conclusões ....................................................................................... p. 80
Roque Antonio Carrazza 3

UZ
CONSULTA

CR
M ES
:27 GO
O prestigioso INSTITUTO PARA

:14 EL
DESENVOLVIMENETO DO VAREJO - IDV, por intermédio de suas ilustres
21 HA
advogadas, a Professora Titular BETINA TREIGER GRUPENMACHER, do
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conceituado Escritório TREIGER GRUPENMACHER ADVOGADOS
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ASSOCIADOS e a Doutora ARIANE COSTA GUIMARÃES, do igualmente


conceituado Escritório MATTOS FILHO, VEIGA FILHO, MARREY JUNIOR E
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QUIROGA ADVOGADOS, tendo em vista os embargos de declaração opostos


1/1 1-
: 0 .01

pela Fazenda do Estado do Rio Grande do Norte, na Ação Direta de


Constitucionalidade – ADC nº 49, honra-nos sobremodo, submetendo à
Em .898

nossa apreciação a seguinte C O N S U L T A:


28

“Em 04 de maio de 2021, foi publicado


r: 0

acórdão do julgamento da Ação Direta de Constitucionalidade nº


49/RN, no qual o Supremo Tribunal Federal deu pela
po

improcedência do pedido, para declarar a inconstitucionalidade


dos arts. 11, § 3º, II; 12, I, no trecho ‘ainda que para outro
sso

estabelecimento do mesmo titular’; e, 13, § 4º, todos da Lei


Complementar nº 87/1996 (‘Lei Kandir’).
pre

“Contra esse julgado, a Fazenda do Estado


do Rio Grande do Norte opôs embargos de declaração,
Im

requerendo, em síntese: a) a modulação dos efeitos do julgado,


para que sejam produzidos apenas a partir do exercício financeiro
subsequente ao da conclusão do julgamento; e, b) seja esclarecida
a amplitude do v. acórdão, quanto à autonomia dos
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Roque Antonio Carrazza

estabelecimentos, prevista no art. 11, § 3º, II, da referida Lei


Complementar nº 87/1996.

UZ
“Portanto, indaga-se, diante das

CR
características do nosso sistema constitucional tributário, bem
assim do princípio da não cumulatividade do ICMS-operações
mercantis, se é possível, sem a edição de uma lei complementar

ES
nacional, a transferência dos créditos desse tributo, entre

M
estabelecimentos de um mesmo titular, situados em unidades
federadas diversas e, em caso negativo, se é necessária a

:27 GO
modulação dos efeitos da decisão de mérito, prolatada na
supracitada ADC nº 49/RN”.

:14 EL
21 HA
Para nosso conhecimento e análise, o Consulente
fez chegar às nossas mãos cópias dos documentos necessários à exata
2 - IC
02 - M

compreensão do caso.
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: 0 .01
Em .898
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r: 0
po
sso
pre
Im
Roque Antonio Carrazza 5

PARECER

UZ
CR
M ES
:27 GO
1. Plano de trabalho

:14 EL
21 HA
2 - IC
I- Antes de darmos início à apresentação e ao
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desenvolvimento de nossos pontos de vista, damo-nos pressa em anotar que


fugiremos, o quanto possível, da aridez da teoria, e passaremos de plano,
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às considerações necessárias e suficientes ao enfrentamento e à solução do


1/1 1-
: 0 .01

problema que nos foi apresentado.


Em .898

II- Ao mesmo tempo, permitimo-nos aduzir que


o Direito, para ser bem aplicado, exige, de um lado, a adequada
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interpretação das normas jurídicas em vigor (questões de direito) e, de


r: 0

outro, a correta análise dos fatos havidos no mundo fenomênico (questões


po

de fato). Como é de compreensão intuitiva, ter claras as questões a enfrentar


sso

é o primeiro passo para bem as resolver. Mas, não basta isso: para tanto, é
mister, ainda, subsumir o conceito do fato ao conceito da norma jurídica.1
pre
Im

1. Para Karl Engisch, “na subsunção, tal como agora a encaramos,


trata-se primariamente da sotoposição de um caso ‘individual’ à
hipótese ou tipo legal e não directamente na subordinação ou enqua-
dramento de um ‘grupo’ de casos ou de uma ‘espécie’ de casos. (...)
6
Roque Antonio Carrazza

III- Assim, para levarmos a bom termo a tarefa

UZ
que nos foi confiada, teceremos, num primeiro momento, algumas

CR
considerações sobre (i) o fenômeno jurídico da tributação, (ii) o perfil
constitucional do ICMS-operações mercantis e, (iii) o princípio da não

ES
cumulatividade desta exação.

M
:27 GO
Em seguida, com apoio nas premissas que
tivermos assentado, trataremos de solucionar o problema que nos foi

:14 EL
apresentado.
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2. O fenômeno jurídico da tributação


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I- A tributação, em nosso País, foi minuciosa e


: 0 .01

coerentemente disciplinada na Constituição Federal. Este diploma não só


Em .898

apontou os fatos que podem ser alcançados pela ação estatal de exigir
28
r: 0
po
sso

“Tem-se dito que a sotoposição de um caso real individual a um


conceito é um absurdo lógico. ‘Somente um igual pode ser subsumido a
pre

outro igual’. A um conceito somente pode ser subsumido um conceito. De


conformidade com essa ideia, um trabalho recente sobre a estrutura
lógica da aplicação do Direito acentua: a subsunção de um caso a um
Im

conceito jurídico ‘representa uma relação entre conceitos: um facto


tem de ser pensado em conceitos, pois que de outra forma – como facto
– não é conhecido, ao passo que os conceitos jurídicos, como o fenômeno
o diz, são sempre pensados na forma conceitual’. São, portanto,
subsumidos conceitos de facto a conceitos jurídicos” (Introdução ao
Pensamento Jurídico, tradução de João Baptista Machado, Fundação
Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2ª ed., 1968, pp. 78-79).
Roque Antonio Carrazza 7

tributos, como estabeleceu os limites e condições para que ela possa ser
validamente exercitada.2

UZ
Em outras palavras, o Constituinte adotou a

CR
técnica de indicar, de modo exaustivo, as áreas dentro das quais as pessoas

ES
políticas estão autorizadas, em caráter privativo, a levar a efeito a

M
tributação. Forjou, portanto, um rígido esquema de delimitação e

:27 GO
distribuição de competências tributárias.

:14 EL
II- Registramos que competência tributária é a
21 HA
aptidão jurídica para instituir in abstracto tributos, descrevendo,
2 - IC
legislativamente, suas hipóteses de incidência, seus sujeitos ativos, seus
02 - M

sujeitos passivos, suas bases de cálculo e suas alíquotas (elementos


estruturais dos tributos).
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1/1 1-

A propósito, a competência tributária, no Brasil,


: 0 .01

é tema exclusivamente constitucional. O assunto foi esgotado pelo próprio


Em .898

legislador constituinte. Em vão buscaremos, pois, nas normas


infraconstitucionais (v.g., nas contidas em leis ordinárias), diretrizes a
28

seguir. No concernente à criação, in abstracto, de tributos, elas, quando


r: 0

muito, explicitam o que se encontra implícito na Constituição. Nada de


substancialmente novo lhe podem agregar ou subtrair.
po
sso

Em decorrência, as normas constitucionais que


tratam do assunto autorizam as pessoas políticas a instituir legislativamente
pre
Im

2. A Constituição Federal, ao mesmo tempo em que dotou o Estado -


aqui representado pela União, pelos Estados-membros, pelos Municípios
e pelo Distrito Federal - dos meios necessários à criação dos tributos,
criou, para os contribuintes, uma verdadeira “rede de proteção”, contra
eventuais abusos fazendários.
8
Roque Antonio Carrazza

certos tributos (competência material), obedecidos determinados

UZ
procedimentos (competência formal).

CR
III- Pois bem. Para as pessoas políticas, a

ES
Constituição Federal é a Carta das Competências Tributárias: indica o que

M
podem, o que não podem e o que devem fazer, enquanto as exercitam. Mais

:27 GO
especificamente, ela demarcou as competências tributárias da União, dos
Estados-membros, dos Municípios e do Distrito Federal, retirando, do

:14 EL
legislador de cada uma destas pessoas políticas, qualquer possibilidade de
21 HA
livremente vir a definir o alcance e o conteúdo das normas jurídicas que se
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ocupam com os supramencionados elementos estruturais dos tributos.
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Em síntese, os entes políticos só podem atuar


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dentro do campo competencial tributário que lhes foi reservado pela Carta
1/1 1-

Suprema, consoante, de resto, já deixamos consignado; verbis:


: 0 .01

“...o legislador de cada pessoa política


Em .898

(União, Estados, Municípios ou Distrito Federal), ao tributar, isto


é, ao criar ‘in abstracto’ tributos, vê-se a braços com o seguinte
dilema: ou praticamente reproduz o que consta da Constituição –
28

e, ao fazê-lo, apenas recria, num grau de concreção maior, o que


r: 0

nela já se encontra previsto – ou, na ânsia de ser original, acaba


ultrapassando as barreiras que ela lhe levantou e resvala para o
po

campo da inconstitucionalidade”.3
sso

IV- Destarte, ao mesmo tempo em que distribuiu


pre

competências tributárias, a Constituição Federal indicou os padrões que o


legislador ordinário de cada pessoa política deverá obedecer, enquanto
Im

3. Curso de Direito Constitucional Tributário, Malheiros Editores,

São Paulo, 33ª edição, 2021, p. 327.


Roque Antonio Carrazza 9

institui os tributos que lhe foram atribuídos.

De fato, ao discriminar as competências

UZ
tributárias, a Lei Suprema não se limitou a apontar as nomina iuris das

CR
várias figuras exacionais, mas, indo muito além, traçou a regra-matriz de

ES
incidência (a norma-padrão, o arquétipo) de cada uma delas. Noutros

M
falares, apontou, expressa ou implicitamente, a hipótese de incidência

:27 GO
possível, o sujeito ativo possível, o sujeito passivo possível, a base de
cálculo possível e a alíquota possível das várias espécies e subespécies

:14 EL
tributárias, vinculando, assim, o legislador, seja da União, seja dos Estados-
21 HA
membros, seja dos Municípios, seja do Distrito Federal.
2 - IC
02 - M

V- Como é fácil notar, a Carta Magna não só


delineou as regras e os princípios que delimitam as competências
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tributárias, como apontou, ainda que de modo genérico, o conteúdo


1/1 1-

possível das leis que criarão, in abstracto, as exações fiscais, com o que
: 0 .01

reduziu sensivelmente a discricionariedade do Poder Legislativo das várias


Em .898

pessoas políticas. Assim, ele deverá observar as regras-matrizes dos


tributos com os quais se ocupa, absolutamente não lhe sendo dado ir além
28

destes inflexíveis moldes constitucionais.


r: 0

Dito de outra maneira, a Constituição Federal


po

reduziu cada tributo a uma regra-matriz, que o legislador é obrigado a levar


sso

em conta, quando cria in abstracto a exação de competência da pessoa


pre

política a que está vinculado.


Im

VI- Portanto, a faculdade de instituir tributos está


longe de ser ilimitada. Pelo contrário, a Carta Fundamental, ao tratar das
10
Roque Antonio Carrazza

competências tributárias, lhes demarcou as fronteiras, que os entes

UZ
federados devem rigorosamente observar.

CR
Acrescentamos que nenhuma pessoa, física ou

ES
jurídica, pode ser tributada por fatos que estão fora da regra-matriz
constitucional do tributo, sob pena de imprimir-lhe feições confiscatórias,

M
:27 GO
com flagrante violação ao disposto no art. 150, IV, da Lei Maior4 e, em
última análise, ao próprio direito de propriedade.

:14 EL
Realmente, a ação de tributar lanha a propriedade
21 HA
privada, que se encontra protegida nos arts. 5º, XXII, e 170, II, da Lei
2 - IC

Maior.5 Isto explica, pelo menos em parte, a razão pela qual ela disciplinou,
02 - M

de modo tão rígido, o mecanismo de funcionamento da tributação, ao


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mesmo tempo em que amparou os contribuintes com grande plexo de


1/1 1-

direitos e garantias contra eventuais excessos tributários.


: 0 .01

VII- Pelo quanto se acaba de expor, vê-se que os


Em .898

tributos, longe de poderem ser exigidos atabalhoadamente, ao sabor do


28

decisionismo da pessoa política que os cria, devem respeitar extenso


r: 0
po

4. Constituição Federal: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias


sso

asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito


Federal e aos Municípios: (...) IV- utilizar tributo com efeito de
confisco”.
pre

5. Constituição Federal: “Art. 5º. Todos são iguais perante a lei,


sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e
Im

aos estrangeiros residentes no País, a inviolabilidade do direito à


vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes: (...) XXII- é garantido o direito de propriedade; (...)
“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho
humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência
digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes
princípios: (...) II- propriedade privada”.
Roque Antonio Carrazza 11

catálogo de direitos fundamentais dos contribuintes (estrita legalidade,


anterioridade, reserva de competência, igualdade, proporcionalidade, não-

UZ
confisco etc.), que faz o contraponto ao inegável dever que a ordem jurídica

CR
lhes impõe, de suportá-los.

ES
Expondo o assunto sob outro prisma, a pessoa

M
política, ao exercitar sua competência tributária, deve necessariamente

:27 GO
observar os padrões e os limites fixados na Carta Suprema, sob pena de
atropelar direitos fundamentais do contribuinte e, deste modo, incidir em

:14 EL
inconstitucionalidade.
21 HA
Em suma, o legislador tributário das várias
2 - IC

pessoas políticas encontra, no Texto Supremo, perfeitamente iluminado e


02 - M

demarcado o caminho que, em caráter privativo, está credenciado a


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percorrer.
1/1 1-
: 0 .01

VIII- Também no concernente aos impostos –


Em .898

tributos não-vinculados a uma atuação estatal – a Magna Carta, em seus


arts. 153, 154, I, 155 e 156, traçou a regra-matriz daqueles que podem ser
28

instituídos, sempre em caráter privativo, pela União, pelos Estados-


r: 0

membros, pelos Municípios e pelo Distrito Federal.6


po
sso

6. Com efeito, os Estados são competentes para criar os impostos

mencionados no art. 155, I a III, da Constituição Federal (sobre


pre

transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos;


operações relativas à circulação de mercadorias e prestações de
serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação;
Im

e, propriedade de veículos automotores).


Os Municípios, de sua parte, estão autorizados a criar os impostos
referidos no art. 156, I a III, do mesmo Diploma Supremo (sobre
propriedade predial e territorial urbana; transmissão inter vivos, por
ato oneroso, de bens imóveis; e, serviços de qualquer natureza).
Já, o Distrito Federal, em seu território, pode criar os impostos
estaduais (art. 155, caput, da CF) e, também, os municipais (art. 147,
in fine, da CF).
12
Roque Antonio Carrazza

Graças à rígida repartição das competências

UZ
impositivas, garantiu-se o direito dos contribuintes de somente serem

CR
tributados pela pessoa política adequada e, ainda por cima, desde que esta
observe a regra-matriz exacional pertinente, prefinida no próprio Texto

ES
Magno.7 A própria lei complementar nacional, neste ponto, deve, apenas,

M
estabelecer standards, que, se e enquanto estiverem em sintonia com os

:27 GO
ditames constitucionais, deverão ser levados em conta pelas pessoas
políticas.

:14 EL
21 HA
É o caso de consignarmos, ainda, dando fecho a
2 - IC
este item, que as conveniências arrecadatórias jamais poderão sobrepor-se
02 - M

aos direitos fundamentais dos contribuintes. Um destes direitos é


justamente o de somente serem tributados pela pessoa política competente
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: 0 .01

Finalmente, a União pode criar quaisquer outros impostos: os


Em .898

adnumerados no art. 153, I a VII, da Lei Fundamental e – desde que o


faça por meio de lei complementar, observe o princípio da
originalidade, isto é, não invada os campos impositivos estaduais,
municipais e distrital, observe o princípio da não-cumulatividade e
28

leve em conta os direitos fundamentais dos contribuintes – aqueles que


a imaginação criadora do Congresso Nacional vier a conceber (cf. art.
r: 0

154, I, da CF).
Este rígido esquema de repartição de competências impositivas vale
em tempos de paz. No caso ou na iminência de guerra externa, a União,
po

mercê do que estatui o art. 154, II, da Lei Maior, ganha uma competência
impositiva extraordinária, que a autoriza a criar quaisquer impostos,
sso

ainda que, para isso, acabe ingressando em searas reservadas, em épocas


de paz, às demais pessoas políticas. Trata-se, porém, de situação
anômala, que só confirma a regra geral da privatividade.
pre

7. O que estamos procurando significar é que, somente enquanto


pratica um negócio jurídico com produto industrializado, uma pessoa
Im

pode ser obrigada a pagar o IPI (no caso à União Federal); somente
enquanto pratica uma operação mercantil, uma pessoa pode ser compelida
a pagar o ICMS-mercadorias (no caso, ao Estado-membro onde o negócio
jurídico se realizou); somente enquanto adquire imóvel, uma pessoa pode
ser jungida a recolher o ITBI (no caso, ao Município onde está
localizado o bem transacionado). Enfim, os exemplos poderiam ser
multiplicados, que são legião.
Roque Antonio Carrazza 13

e na forma e nos limites assinalados, ainda que a traços largos, pela Lei
Maior.

UZ
Feitas essas colocações, podemos cuidar do perfil

CR
constitucional do ICMS-operações mercantis.

M ES
:27 GO
3. O perfil constitucional do ICMS-operações mercantis

:14 EL
21 HA
I- A Constituição Federal, em seu art. 155, II,
2 - IC

outorgou, aos Estados-membros e ao Distrito Federal, a competência para


02 - M

criarem’ impostos sobre “operações relativas à circulação de mercadorias


0/2 52

e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal


1/1 1-

e de comunicação, ainda que as operações e prestações se iniciem no


: 0 .01

exterior”. Todos estes impostos foram rotulados ICMS.


Em .898

Portanto, em rigor, ICMS não passa de uma sigla,


a hospedar, pelo menos, três impostos diferentes; a saber: a) o imposto
28

sobre operações relativas à circulação de mercadorias; b) o imposto sobre


r: 0

prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal; e, c) o


po

imposto sobre prestações de serviços de comunicação.8


sso
pre

8. Embora, sob certo aspecto, ainda se possa dizer que há mais dois
Im

impostos chamados ICMS (o imposto sobre produção, importação,


circulação, distribuição ou consumo de lubrificantes e combustíveis
líquidos e gasosos e de energia elétrica, e o imposto sobre a extração,
circulação, distribuição ou consumo de minerais) o fato é que estes
são recondutíveis ao que incide sobre operações relativas à circulação
de mercadorias. Eles têm sido tratados à parte, porque ambos descendem
dos impostos únicos da Carta de 67/69, que eram de competência federal.
14
Roque Antonio Carrazza

São impostos diferentes exatamente por terem

UZ
hipóteses de incidência e bases de cálculo diferentes.9 Estas ideias, diga-se

CR
de passagem, encontram-se bem travejadas no art. 4º, do CTN.10

ES
Muito bem, o binômio hipótese de incidên-
cia/base de cálculo confirma que o rótulo ICMS alberga, pelo menos, os

M
:27 GO
três impostos diferentes há pouco mencionados. Todos eles, no entanto,
possuem um “denominador comum”, que permite venham estudados

:14 EL
conjuntamente.11
21 HA
Feito este breve introito, importa-nos, agora,
2 - IC

analisar, ainda que sumariamente, o ICMS incidente sobre operações


02 - M

mercantis (ICMS-mercadorias).
0/2 52

II- A regra-matriz do ICMS incidente sobre as


1/1 1-
: 0 .01

operações mercantis (ICMS-operações mercantis), gênero do qual são


espécies o ICMS-próprio12 e o ICMS-ST (ICMS-substituição tributária13),
Em .898
28

9. Temos por indisputável que o que distingue um tributo de outro

não é o nome que possui, nem a destinação do produto de sua arrecadação,


r: 0

mas sua hipótese de incidência, confirmada por sua base de cálculo.

10. Código Tributário Nacional: “Art. 4º. A natureza jurídica


po

específica do tributo é determinada pelo fato gerador da respectiva


obrigação, sendo irrelevantes para qualificá-la: I - a denominação e
sso

demais características formais adotadas pela lei; II - a denominação


legal do produto da sua arrecadação”.
pre

11. Assim, por exemplo, todos devem obedecer ao princípio da não


cumulatividade.
Im

12. Por ICMS-próprio nos referimos à técnica convencional de


tributação do ICMS-operações mercantis.

13. O ICMS-ST não difere, em sua essência, do ICMS-próprio. Apenas,


nele, o contribuinte substituto assume o dever de recolher, de antemão,
o tributo devido pelos subsequentes participantes da cadeia de
circulação da mercadoria. É o que, em outras palavras, autoriza fazer
o art. 150, § 7º, da Constituição Federal, nela introduzido pela Emenda
Roque Antonio Carrazza 15

encontra-se nas seguintes partes do art. 155, II, da Constituição Federal:


“Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre...

UZ
operações relativas à circulação de mercadorias... ainda que as operações

CR
se iniciem no exterior”.

ES
Damo-nos pressa em proclamar que mercadoria

M
é o bem móvel sujeito à mercancia ou, se preferirmos, o objeto da atividade

:27 GO
mercantil, que obedece, por isso mesmo, ao regime jurídico comercial.

:14 EL
Pois bem. Este ICMS incide sobre a realização de

21 HA
operações relativas à circulação de mercadorias.
2 - IC

IIa- Convém esclarecer, de logo, que tal


02 - M

circulação só pode ser jurídica (e, não, meramente física), fenômeno que
0/2 52

pressupõe a transferência (de uma pessoa a outra) da titularidade de uma


1/1 1-

mercadoria. Sem tal mudança de titularidade, não há falar em tributação


: 0 .01

por meio de ICMS. A ideia, abonada pela melhor doutrina (Souto Maior
Em .898

Borges, Geraldo Ataliba, Paulo de Barros Carvalho, Cléber Giardino etc.),


encontrou boa acústica no próprio Supremo Tribunal Federal.14
28
r: 0

IIb- Saliente-se, ainda, que a Constituição não


prevê a tributação de mercadorias, por meio de ICMS, mas a tributação das
po
sso
pre

Constitucional nº 3/1993, que, neste ponto, foi declarada


constitucional pelo STF.
Melhor explicitando, no regime de substituição tributária, o
Im

contribuinte substituto é obrigado a pagar o imposto devido pelas


posteriores operações. Assim, deve apurar e recolher o ICMS próprio
(devido pela operação mercantil que realizou) e o ICMS-ST (devido pelas
operações mercantis subsecutivas.
O aprofundamento deste último assunto, porém, não é aqui viável,
porque ele foge aos objetivos da presente manifestação opinativa.

14. V. Revista Trimestral de Jurisprudência, nº 64, p. 538.


16
Roque Antonio Carrazza

“operações relativas à circulação de mercadorias”, isto é, das operações

UZ
jurídicas que têm mercadorias por objeto. Os termos circulação e

CR
mercadorias qualificam as operações tributadas por via de ICMS. Não são
todas as operações jurídicas que podem ser tributadas, mas apenas as

ES
relativas à circulação de mercadorias. Em síntese, o ICMS só pode incidir

M
sobre operações que conduzem mercadorias, mediante sucessivos contratos

:27 GO
(mercantis), dos produtores originários aos consumidores finais.

:14 EL
III- Podem promover a realização de tais
21 HA
operações apenas o produtor, o industrial ou o comerciante. O particular
2 - IC
(dona de casa, operário, aposentado etc.) que vende um objeto seu não
02 - M

realiza uma operação relativa à circulação de mercadorias; apenas vende


um bem móvel qualquer. O mesmo podemos dizer do profissional liberal
0/2 52

(médico, dentista, advogado), do professor, do funcionário público – enfim,


1/1 1-
: 0 .01

de todos os que não revestem uma dessas três condições: comerciante,


industrial ou produtor.
Em .898

Embora a Carta atual (ao contrário da anterior,


28

em relação ao ICM, que também incidia sobre operações relativas à


r: 0

circulação de mercadorias) não tenha indicado expressamente o agente


po

capaz de fazer nascer a obrigação de pagar ICMS, este, por exclusão, é


sso

facilmente identificável e continua a ser – repetimos – o comerciante, o


industrial ou o produtor.15
pre
Im

15. Com essa frase não queremos significar que apenas as pessoas
dotadas de personalidade jurídica de comerciante, industrial ou
produtor, conforme as regras de direito privado, podem ser validamente
compelidas a ocupar a posição de sujeitos passivos do ICMS. Também pode
ser alcançado por este imposto quem lhes faz as vezes, como, v.g., o
comerciante de fato, o comerciante irregular, um agregado familiar que,
Roque Antonio Carrazza 17

IV- Evidentemente, o sujeito passivo possível do


ICMS é a pessoa que pratica operações mercantis e, não, cada um dos seus

UZ
estabelecimentos (matriz e filiais), que apenas lhe fazem juridicamente as

CR
vezes, embora, por razões operacionais, tenham CNPJ’s próprios.

ES
Nessa linha, afirma Fábio Ulhôa Coelho que

M
“[c]onsiderar o estabelecimento empresarial uma pessoa jurídica é

:27 GO
errado, segundo o disposto na legislação brasileira. Sujeito de direito é a
sociedade empresária, que, reunindo os bens necessários ou úteis ao

:14 EL
desenvolvimento da empresa [atividade] organiza um complexo com
21 HA
características dinâmicas próprias. A ela, e não ao estabelecimento
2 - IC
empresarial, imputam-se as obrigações e asseguram-se os direitos
02 - M

relacionados com a empresa”.16


0/2 52
1/1 1-
: 0 .01
Em .898

ainda que de modo clandestino, promova, em caráter de habitualidade,


28

atos de comércio ou, mesmo, um menor absolutamente incapaz que


repetidamente pratique operações relativas à circulação de mercadorias,
r: 0

e assim avante. Esta ideia, aliás, vem ao encontro do disposto no art.


126 do CTN: “A capacidade passiva independe: I – da capacidade civil
das pessoas naturais; II – de achar-se a pessoa natural sujeita a
po

medidas que importem privação ou limitação do exercício de atividades


civis, comerciais ou profissionais, ou da administração direta de seus
bens ou negócios; III – de estar a pessoa jurídica regularmente
sso

constituída, bastando que configure uma unidade econômica ou


profissional”.
pre

Logo, para fins de tributação por meio de ICMS as noções de


“comerciante”, “industrial” ou “produtor” adquirem uma dimensão maior
que as dimensões dadas pelo direito civil ou pelo direito comercial.
Im

Como pertinentemente estipula o art. 4º, da Lei Complementar nº


87/1996, pode ser contribuinte do ICMS qualquer pessoa (física,
jurídica ou, até, sem personificação de direito) envolvida, em caráter
de habitualidade ou em volume que caracterize intuito comercial, com a
prática de operações mercantis.

16
. Curso de Direito Comercial, vol. I, 6ª ed., São Paulo, Saraiva,
2002, p. 99 (esclarecemos nos colchetes e grifamos).
18
Roque Antonio Carrazza

Logo, a sociedade empresária (não os

UZ
estabelecimentos que possui) é que é o sujeito passivo possível do ICMS,

CR
pois é ela que detém os direitos e obrigações relativos a este tributo.

ES
V- Em compêndio, para que um ato jurídico

M
configure uma operação mercantil, abrindo espaço à tributação por meio

:27 GO
de ICMS, é mister que: a) seja regido pelo Direito Comercial; b) tenha sido
praticado num contexto de atividades empresariais (visando, portanto,

:14 EL
resultados econômicos); c) tenha por finalidade – pelo menos em linha de
21 HA
princípio – o lucro; e, d) tenha por objeto uma mercadoria (bem móvel
2 - IC
corpóreo, destinado ao comércio).
02 - M

VI- Muito bem. Dando curso ao nosso raciocínio,


0/2 52

remarcamos que o imposto em tela incide sobre operações jurídicas com


1/1 1-

mercadorias (e, não, sobre a simples circulação de mercadorias). Somente


: 0 .01

a passagem de mercadorias de uma pessoa a outra, por força da prática de


Em .898

um negócio jurídico, rende ensejo à tributação em tela.


28

Assim, este ICMS deve ter por hipótese de


r: 0

incidência a operação jurídica que, praticada por comerciante, industrial ou


po

produtor, acarreta a circulação de mercadorias, isto é, a transmissão de sua


titularidade.
sso

Em mais preciso dizer, a materialidade (o núcleo)


pre

da hipótese de incidência do ICMS deve ser – porque assim o exige a Carta


Im

Constitucional – o ato de realizar operações (negócios jurídicos17)

17. Para Miguel Reale, “negócio jurídico é aquela espécie de ato

que, além de se originar de um ato de vontade, implica a declaração


Roque Antonio Carrazza 19

mercantis. O ICMS é, portanto, um tributo que incide sobre o negócio


jurídico (realizado por comerciante, industrial, produtor ou assemelhados)

UZ
ensejador da transferência da titularidade de mercadorias.18

CR
Daí que se tributa, por meio de ICMS, a

ES
obrigação (a operação jurídica) de dar mercadorias. É, pois, modalidade

M
de imposto sobre atos jurídicos (na conhecida classificação de Amilcar de

:27 GO
Araújo Falcão).19

:14 EL
Esta ideia foi consagrada, pelo Supremo Tribunal

21 HA
Federal, no julgamento da ADC nº 49/RN, no qual se concluiu que:
2 - IC
“2. O deslocamento de mercadorias entre
estabelecimentos do mesmo titular não configura fato gerador da
02 - M

incidência de ICMS, ainda que se trate de circulação interestadual.


Precedentes.
0/2 52

“3. A hipótese de incidência do tributo é a


1/1 1-

operação jurídica praticada por comerciante, que acarrete


: 0 .01

circulação de mercadoria e transmissão de sua titularidade ao


consumidor final.
Em .898

“4. Ação declaratória julgada improcedente,


declarando a inconstitucionalidade dos artigos 11, § 3º, II, 12, I,
28
r: 0

expressa da vontade, instauradora de uma relação entre dois ou mais


sujeitos, tendo em vista um objeto protegido pelo ordenamento jurídico”
po

(Lições Preliminares de Direito, Saraiva, São Paulo, 5ª ed., 1978, p.


135).
sso

Estas ideias vêm completadas por Paulo Dourado de Gusmão, para quem
o negócio jurídico “... é a declaração expressa de vontade destinada a
produzir efeitos jurídicos de natureza patrimonial, como os contratos”
pre

(Introdução ao Estudo do Direito, Forense, Rio de Janeiro, 13ª ed.,


1988, p. 334).
Im

18. O ICMS não alcança propriamente as mercadorias, mas as operações

mercantis, vale dizer, a execução de obrigações de dar mercadorias.

19.No mesmo sentido, Pontes de Miranda frisa que o ICMS é “imposto


sobre negócio jurídico bilateral, consensual... de que se irradia a
circulação” (Comentários à Constituição de 1967, 2ª ed., 2ª tiragem,
Ed. R.T., São Paulo, 1973, vol. II, p. 507).
20
Roque Antonio Carrazza

no trecho ‘ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular’,


e 13, § 4º, da Lei Complementar Federal nº 87, de 13 de setembro

UZ
de 1996”.20

CR
Posto isso, vejamos agora qual o significado e o
alcance do princípio da não cumulatividade do ICMS.

M ES
:27 GO
4. O princípio da não cumulatividade do ICMS

:14 EL
21 HA
I- O ICMS deve necessariamente se sujeitar ao
2 - IC

princípio da não cumulatividade, que, tendo sede constitucional, não pode


02 - M

ter seu alcance nem diminuído nem, muito menos, anulado, seja por normas
0/2 52

infraconstitucionais, seja, ainda, pelo Fisco ou pelo labor exegético.21


1/1 1-
: 0 .01

Os lineamentos básicos deste princípio vêm


apontados no art. 155, § 2o, I e II, da Constituição Federal; verbis:
Em .898

“Art. 155 (‘omissis’): (...)


28
r: 0

20. Relator Min. Edson Fachin, v. unânime, j. 19/04/2021, DJe


po

04/05/2021.
sso

21. Tal posição, diga-se de passagem, encontra-se avalizada, de longa

data, pelo Supremo Tribunal Federal. A título exemplificativo, podemos


citar o julgamento do Plenário desta Corte, proferido no Recurso
pre

Extraordinário n° 70.336/SC (DJU, 12.05.1971). Do voto do então


Relator, Ministro Aliomar Baleeiro, extraímos a seguinte passagem, que
bem esclarece o alcance do princípio da não-cumulatividade no ICMS:
Im

“Se, por motivo constitucional, há de ser abatido, em cada operação, o


montante cobrado nas anteriores, lei estadual que limita o abatimento
a ser feito é, data vênia, às declaradas, inconstitucional, inexistindo
para convalescê-la qualquer justificativa. De forma alguma, a lei
autoriza o Estado a reter o crédito do contribuinte, para, quando lhe
aprouver, em outra operação, vir a fazer a compensação. Ao contrário:
a Lei Maior determina, peremptoriamente, categoricamente, que, em cada
operação, abata-se o montante nas anteriores”.
Roque Antonio Carrazza 21

“§ 2º. O imposto previsto no inciso II


[ICMS], atenderá ao seguinte:
“I – será não cumulativo, compensando-se o

UZ
que for devido em cada operação relativa à circulação de
mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas

CR
anteriores pelo mesmo ou por outro Estado ou pelo Distrito
Federal;

ES
“II – a isenção ou não incidência, salvo

M
determinação em contrário da legislação:

:27 GO
“a) não implicará crédito para compensação
com o montante devido nas operações ou prestações seguintes;

:14 EL
“b) acarretará anulação do crédito relativo
às operações anteriores”.22
21 HA
2 - IC
Adiantamos que estas disposições constitucio-
02 - M

nais garantem que a não-cumulatividade do ICMS poderá ser diretamente


aplicada pelo contribuinte, sem necessidade, pois, de regulamentação legal
0/2 52

ou infralegal. Noutros falares, a Constituição Federal assegura-lhe o pleno


1/1 1-

direito ao aproveitamento dos créditos de ICMS, mediante o emprego do


: 0 .01

mecanismo da compensação.
Em .898

Misabel Abreu Machado Derzi e Sacha Calmon


28

Navarro Coelho, sintetizam muito bem estas ideias; verbis:


r: 0

“A Constituição brasileira de 1988 não


contém nenhuma exceção ao princípio da não-cumulatividade,
po

salvo aquela já referida, concernente à isenção e não-incidência.


Poderá legislação infraconstitucional, ao disciplinar o princípio
sso

da não-cumulatividade, amesquinhá-lo, restringi-lo ou reduzi-lo?


Doutrina cada vez mais sólida responde negativamente,
pre

delineando-se, entre nós, o consenso de que as limitações impostas


em leis complementares, convênios e regulamentos são
Im

22. Esclarecemos nos colchetes.


22
Roque Antonio Carrazza

absolutamente inconstitucionais”23.

UZ
II- Acrescentamos que o princípio em tela tem

CR
por destinatários imediatos os Estados-membros e o Distrito Federal, que
são obrigados a aceitar que cada incidência do imposto determina,

ES
inexoravelmente, o surgimento de uma relação de crédito, em favor dos

M
contribuintes.

:27 GO
Realmente, a dicção constitucional “compen-

:14 EL
sando-se o que for devido (...)” confere, de modo direto, ao sujeito passivo
21 HA
do ICMS, o direito de abater, do montante de tributo a pagar, tudo o que
2 - IC

foi ou poderia ter sido cobrado, a esse título, nas operações ou prestações
02 - M

anteriores.
0/2 52

Portanto, o ICMS incidente (crédito fiscal) sobre


1/1 1-

as aquisições de bens ou serviços pode ser contraposto ao montante deste


: 0 .01

tributo decorrente (débito fiscal) das operações ou prestações seguintes,


Em .898

com o que, como se demonstrará na altura própria, o ônus fiscal será


suportado apenas pelo consumidor final.
28
r: 0

III- Trata-se, como é fácil perceber, de um


po

direito fundamental do contribuinte, que, por força da cláusula pétrea


indicada no art. 60, § 4º, IV, da Lei Maior,24 não pode ser desrespeitado ou
sso
pre
Im

23. Direito Tributário Aplicado, Del Rey Editora, Belo Horizonte,

1.997, p. 25.

24.Constituição Federal: “Art. 60 (‘omissis’) § 4º. Não será objeto


de deliberação a proposta de emenda [constitucional] tendente a abolir
os direitos e garantias individuais” (esclarecemos nos colchetes].
Roque Antonio Carrazza 23

ignorado, nem por emendas constitucionais, quanto mais pela legislação


infraconstitucional.

UZ
Ora, tal garantia alui quando, sob pretextos vários

CR
(salvo os apontados no art. 155, § 2º, II, da mesma Lei Maior), é negado,

ES
aos contribuintes, o direito de realizar, in concreto, o abatimento de que

M
aqui se cogita. Daí Geraldo Ataliba enfatizar que este “direito de abater”

:27 GO
não pode ser limitado nem pelo Legislativo, nem pelo Executivo.25

:14 EL
Em resumo, a Constituição, ao mencionar o

21 HA
instituto da compensação, consagrou o entendimento de que a quantia a ser
desembolsada pelo contribuinte, a título de ICMS, é o resultado de uma
2 - IC

subtração em que o minuendo é o montante de imposto devido e, o


02 - M

subtraendo, o total desta exação anteriormente cobrado ou devido.26


0/2 52
1/1 1-

IV- Ressalte-se, por oportuno, que a norma


: 0 .01

constitucional em exame não encerra mera sugestão, que o legislador ou a


Em .898
28

25. Em conferência memorável, que tivemos o privilégio de assistir,

Geraldo Ataliba foi, a respeito, incisivo; verbis: “É a Constituição,


r: 0

meus senhores, que dá a mim, cidadão que pratica operação mercantil no


Brasil, o direito de me creditar do ICM(S) relativo a operações
anteriores; não é lei nenhuma.
po

“Não é a lei complementar que dá; não é a lei ordinária do Estado,


não é a doutrina: é a Constituição. Este é um direito constitucional
sso

de quem pratica operação mercantil. Portanto, a lei não pode diminuir,


reduzir, retardar, anular, ignorar um direito que a Constituição deu”.
pre

26. Esta ideia foi por nós buscada em Geraldo Ataliba e Cléber
Giardino; verbis: “O esquema constitucional, portanto - ao mencionar
‘abatimento’ - pode ser visto como um processo matemático de dedução
Im

no qual, por imposição constitucional, o montante do ICM devido é o


‘minuendo’ e o montante de ICM anteriormente cobrado é o 'subtraendo'.
Não é de surpreender, assim, que tenham prosperado as expressões
‘débito’, ‘crédito’, ‘conta-corrente’, etc., para indicar este
fenômeno, todas elas tradutoras, numa linguagem leiga, do procedimento
jurídico da compensação” (“Abatimento constitucional – Princípio da
não-cumulatividade”, in Revista de Direito Tributário nos. 29 e 30, p.
117 - os grifos são dos autores).
24
Roque Antonio Carrazza

Fazenda Pública poderão ou não seguir. Muito pelo contrário, ela veicula

UZ
um comando, que dá ao contribuinte o direito subjetivo de ver observado,

CR
em cada caso concreto, o princípio da não cumulatividade do ICMS.

ES
IVa- O que estamos procurando explicitar é que,

M
se for negado – seja a que pretexto for – o direito de ver abatido, ao pagar

:27 GO
o imposto, o montante de ICMS devido nas operações ou prestações
anteriores, o contribuinte poderá, com base exclusivamente na Lei Maior,

:14 EL
fazer valer a não-cumulatividade.
21 HA
2 - IC
IVb- Em contranota, também as autoridades
02 - M

fazendárias devem envidar todos os esforços para cumprir e fazer cumprir


o princípio da não-cumulatividade do ICMS, que – não custa insistir – se
0/2 52

encontra consagrado na própria Constituição Federal.


1/1 1-
: 0 .01

Nesse sentido a lição lapidar de Paulo de Barros


Em .898

Carvalho; verbis:

“O primado da não-cumulatividade é uma


28

determinação constitucional que deve ser cumprida, assim por


aqueles que dela se beneficiam, como pelos próprios agentes da
r: 0

Administração Pública. E tanto é verdade, que a prática reiterada


pela aplicação cotidiana do plexo de normas relativas ao ICMS e
po

ao IPI consagra a ‘obrigatoriedade’ do funcionário, encarregado


sso

de apurar a quantia devida pelo ‘contribuinte’, de considerar-lhe


os créditos, ainda que contra sua vontade”.27
pre
Im

27. A Regra-Matriz do ICM, tese de Livre-Docência apresentada na


Faculdade de Direito da PUC/SP, 1981, inédita, p. 377 (atualizamos a
referência ao ICM, para ICMS).
Roque Antonio Carrazza 25

Logo, a não cumulatividade do ICMS só pode ser


corretamente compreendida e aplicada, segundo os critérios estabelecidos

UZ
na Carta Magna.

CR
IVc- Insistimos que, no Brasil, nem leis, nem

ES
convênios, nem atos administrativos, nem, muito menos, artifícios

M
exegéticos podem livremente moldar o princípio da não-cumulatividade do

:27 GO
ICMS.28

:14 EL
Em suma, é nos efeitos jurídicos da compensação
21 HA
determinada pela Carta Magna, que se encontra a essência da não-
2 - IC
cumulatividade do ICMS.
02 - M

V- Como se vê, há uma “cumulatividade” no


0/2 52

ICMS vedada pelo Texto Supremo, que fica inibida pela eficácia jurídica
1/1 1-

do sistema de compensação nele previsto.


: 0 .01

Detalhando o assunto, o princípio da não-


Em .898

cumulatividade do ICMS assegura ao contribuinte, em cada operação ou


28

prestação, uma dedução correspondente aos montantes deste tributo,


r: 0

devidos nas operações ou prestações anteriores.


po

Daí que o ICMS tem duas moedas de pagamento:


a moeda corrente (atualmente o Real), e os créditos provenientes de
sso
pre
Im

28.Por igual modo, as referências ao direito comparado (por exemplo,


ao IVA), ainda que a pretexto de iluminar ou dar uma aplicação razoável
ao princípio da não cumulatividade do ICMS, costumam ser fonte de
incontáveis confusões interpretativas.
26
Roque Antonio Carrazza

operações ou prestações anteriormente realizadas, alcançadas ou

UZ
alcançáveis por esta figura exacional.

CR
VI- Adiantamos que, para que o ICMS gere

ES
direito de crédito, não é preciso que tenha sido efetivamente cobrado nas

M
operações ou prestações anteriores. Basta que tenha sido devido, sendo

:27 GO
irrelevante, pois, sua extinção pelo respectivo contribuinte. E o mesmo é o
entendimento do saudoso Professor Alcides Jorge Costa.29

:14 EL
21 HA
VII- Salientamos, ainda, por vir de molde, que o
2 - IC
princípio da não cumulatividade do ICMS tem o escopo de evitar que a
02 - M

carga econômica do tributo (i) distorça as formações dos preços das


mercadorias ou dos serviços de transporte interestadual ou intermunicipal
0/2 52

e de comunicação e, (ii) afete a competitividade das empresas.


1/1 1-
: 0 .01

De fato, a não-cumulatividade do ICMS afasta o


Em .898

indesejável efeito conhecido como “cascata” ou “piramidização”, que


prejudica as atividades econômicas, já que onera, repetida e
28

sobrepostamente, todas as etapas da circulação de mercadorias e da


r: 0

prestação de serviços.
po

Daí dizer-se que o ICMS é um tributo neutro,


sso

pois, ao cabo do processo econômico (i) de produção, distribuição e


comercialização da mercadoria, e (ii) de prestação dos serviços de
pre
Im

29. ICM na Constituição e na Lei Complementar, Resenha Tributária,

São Paulo, 1978, p. 156.


Roque Antonio Carrazza 27

transporte interestadual ou intermunicipal e de comunicação, quem acaba


suportando, por inteiro, a carga econômica do tributo é o consumidor final.

UZ
Este, aliás, foi o motivo que levou o constituinte

CR
originário a conceber a técnica pela qual o contribuinte de iure (i) transfere

ES
ao adquirente da mercadoria ou ao fruidor do serviço de transporte

M
interestadual ou intermunicipal e de comunicação (o contribuinte de facto)

:27 GO
o ônus financeiro do imposto que adiantará ao Estado e, (ii) se credita do
montante do imposto que suportou em suas aquisições, e que lhe foi

:14 EL
transferido por seu fornecedor.30
21 HA
2 - IC
VIII- Do exposto fica claro que o constituinte
02 - M

beneficiou, por meio do princípio da não cumulatividade do ICMS, o


contribuinte de direito e, ao mesmo tempo, o consumidor final
0/2 52

(contribuinte de fato), a quem convém preços mais reduzidos ou menos


1/1 1-

gravemente onerados pela carga econômica do tributo.


: 0 .01
Em .898

Nessa perspectiva (econômica), o ICMS – tanto


quanto o IPI – é um imposto que onera o consumo.
28

Em suma, com a não cumulatividade, mereceram


r: 0

tutela constitucional o contribuinte de iure do ICMS e, de modo mais


po

amplo, o interesse econômico nacional. Isto porque os valores exigidos a


sso

título de ICMS são transferidos para o adquirente, pelo mecanismo dos


preços e, assim – pedimos vênia para repetir –, a carga econômica da
pre
Im

30. Isso é feito por meio do “destaque” na nota fiscal de venda. Tal

destaque é um verdadeiro “título de crédito”, que permite que o


contribuinte, no momento oportuno o utilize para pagar o ICMS devido.
28
Roque Antonio Carrazza

exação acaba sendo suportada, em definitivo, pelo consumidor final

UZ
(contribuinte de facto).

CR
IX- Reiteramos que a não-cumulatividade

ES
permite que o contribuinte, ao praticar a operação mercantil (ou ao prestar,

M
a título oneroso, o serviço de transporte interestadual ou intermunicipal ou

:27 GO
de comunicação), utilize, para adimplir seu débito tributário, os créditos
fiscais advindos do ICMS que incidiu sobre suas aquisições de bens e

:14 EL
serviços. Com isso, o montante do tributo vem todo ele suportado
21 HA
financeiramente pelo consumidor final, como bem aduziu o Ministro
2 - IC
Ricardo Lewandowski, ao prolatar seu voto no RE nº 562.980/SC; verbis:
02 - M

“... o princípio ou técnica da não-


cumulatividade (...) objetiva, em última análise, assegurar que o
0/2 52

valor recolhido aos cofres públicos seja o correspondente à


1/1 1-

alíquota final incidente sobre o produto, impedindo a incidência de


tributo sobre tributo, em outras palavras, evitando o indesejado
: 0 .01

“efeito cascata”, o qual ocorreria caso o valor pago em cada etapa


Em .898

se agregasse ao produto, passando a integrar a base de cálculo nas


etapas seguintes”.31
28

Logo, por força do princípio da não-


r: 0

cumulatividade, o montante de imposto devido, ao invés de ser pago


po

somente em moeda, o é, também, em créditos (representados pelo ICMS


incidente nas operações ou prestações anteriores). Aliás, como já
sso

enfatizado, é o próprio contribuinte que, de regra, realiza os cálculos que o


pre

levarão a fruir deste direito constitucional.


Im

X- Muito bem. Posto isso e reduzindo o problema

31. Julgado em 06.05.2009.


Roque Antonio Carrazza 29

que nos foi apresentado à dimensão mais simples,32 tudo está em se saber
se, diante da decisão em tela, expendida pelo Supremo Tribunal Federal, é

UZ
necessária a modulação de seus efeitos e a edição de uma lei complementar

CR
nacional, que discipline a transferência de créditos de ICMS, entre
estabelecimentos do mesmo titular, ainda que situados em unidades

ES
federadas diversas.

M
:27 GO
Para tanto, focaremos, em essência, os seguintes
pontos: a) o modo de se operacionalizar o princípio da não cumulatividade

:14 EL
do ICMS; b) a possibilidade de transferência de créditos de ICMS entre
21 HA
estabelecimentos pertencentes a um único titular; c) o magno princípio
2 - IC
federativo e o modo de afastar eventuais pendências entre as unidades
02 - M

federadas, em face do que restou decidido na ADC 49; e, d) a necessidade


de modulação, no caso concreto, dos efeitos da decisão expendida
0/2 52

na ADC 49.
1/1 1-
: 0 .01

Cada um destes tópicos será devidamente


desenvolvido, o que faremos com base nos fundamentos lançados nos itens
Em .898

anteriores.
28
r: 0
po
sso
pre

32. Assim procedendo, estamos a adotar o método da redução da


Im

simplicidade, que, sem perda de substância, procura simplificar


conceitos, institutos e sistemas.
Era exatamente isto que René Descartes pretendia significar quando
apregoava que uma das regras do Método consiste em “dividir cada uma
das dificuldades em tantas parcelas quanto for possível e requerido
para melhor as resolver” (Discurso do Método e as Paixões da Alma,
Lisboa, Sá da Costa, 1984, p. 16).
30
Roque Antonio Carrazza

UZ
5. O modo jurídico de se operacionalizar a não cumulativi-

CR
dade do ICMS

M ES
:27 GO
5.1. Introito

:14 EL
21 HA
I- Como vimos, a não cumulatividade do ICMS
2 - IC
faz com que cada participante da cadeia produtiva, transfira, para a etapa
02 - M

seguinte, por meio da mecânica dos preços, o ônus financeiro da exação,


de tal modo que este venha suportado, na íntegra, pelo consumidor final.
0/2 52

Cuida-se, pois, de um tributo neutro, na medida em que sua cobrança, em


1/1 1-

cada etapa do processo econômico que leva a mercadoria (ou o serviço) da


: 0 .01

fonte produtora para o consumidor final, não afeta a competitividade do


Em .898

mercado.
28

Tal se dá porque o montante de ICMS devido, ao


r: 0

invés de ser pago, em cada etapa do ciclo econômico, somente em moeda


po

de curso forçado, o é, também, em créditos (representados pelo ICMS


incidente nas operações ou prestações anteriores).
sso

Voltamos a frisar que o princípio da não-


pre

cumulatividade do ICMS operacionaliza-se por meio da compensação entre


Im

débitos e créditos, na escrita fiscal. Em outros termos, tal compensação se


efetiva com o encontro de contas de crédito/débito, ou seja, por intermédio
da chamada “conta corrente fiscal” (“conta gráfica”), em que o saldo, se
Roque Antonio Carrazza 31

devedor, é suportado pelo contribuinte e, se credor, é transferido, para


aproveitamento em períodos subsequentes.33

UZ
Portanto, o contribuinte de ICMS tem o direito de

CR
lançar, em sua escrita fiscal, o “crédito” decorrente das aquisições de

ES
mercadorias (ou serviços) tributadas (ou tributáveis), para, no momento

M
oportuno, utilizá-lo como “moeda de pagamento” da exação.

:27 GO
II- O pagamento do tributo é habitualmente feito,

:14 EL
conforme já anotamos, parte em créditos, parte em moeda. Nada impede,
21 HA
porém, que seja realizado somente em créditos (quando estes equivalem ou
2 - IC
excedem os débitos nascidos no período de apuração34) ou somente em
02 - M

moeda (quando não há créditos provenientes de operações ou prestações


anteriores).35
0/2 52
1/1 1-

Isso, aliás, confirma que o aspecto material da


: 0 .01

hipótese de incidência do ICMS-operações mercantis é “realizar


Em .898

operações relativas à circulação de mercadorias” (e, não, “realizar


operações, com lucro, relativas à circulação de mercadorias”).
28
r: 0
po

33. Também neste sentido, temos o julgamento do Plenário da Corte


sso

Constitucional, proferido no Recurso Extraordinário n° 195.663/SP (DJU,


21.11.97), confirmando que o sistema de apuração do ICMS é o de conta
gráfica, na qual débitos e créditos são justapostos para que apenas o
pre

resultado venha recolhido ao Fisco, se aqueles forem superiores a


estes.
Im

34. Evidentemente, havendo excesso de créditos, eles serão


utilizados, como moeda de pagamento do ICMS, no posterior período de
apuração.

35.A confirmar tal conclusão, temos o art. 24, da Lei Complementar


n° 87, 13.09.96, prevendo, expressamente, em seus incisos I a III, que
a liquidação do ICMS pode ser feita tanto por compensação, quanto com
dinheiro.
32
Roque Antonio Carrazza

Vai daí que, juridicamente, o ICMS não é um

UZ
imposto sobre o valor agregado (ou sobre o valor acrescido).36

CR
IIa- Deveras, na medida em que a base de cálculo

ES
(que mede o fato tributário) do ICMS é o valor da operação mercantil (ou

M
da prestação do serviço) realizada, resulta solarmente claro que o tributo

:27 GO
não incide sobre o valor acrescentado em relação à anterior (sob pena de
ser descumprida a primordial função dimensionadora da base de cálculo da

:14 EL
exação).
21 HA
2 - IC
IIb- Fosse o ICMS um tributo sobre o valor
02 - M

acrescido, havendo venda “abaixo do custo”, o contribuinte não precisaria


debitar-se sobre o valor da saída, já que não estaria presente, no caso, o
0/2 52

elemento quantitativo do fato imponível (fato gerador “in concreto”), vale


1/1 1-

dizer, a agregação de valor.


: 0 .01
Em .898

Esse ponto de vista foi bem desenvolvido pelo


saudoso Mestre José Souto Maior Borges; verbis:
28

“...além de não estar contemplada na


r: 0

legislação respectiva, a operação de circulação que não agregue


valor à mercadoria, como hipótese de não-incidência, a exigência
po

de valor agregado levaria ao absurdo de não estar o contribuinte


obrigado sequer a debitar-se do imposto quando da saída da
sso
pre

36. Só para registro, imposto sobre o valor agregado, nos patamares


Im

do Direito, é aquele que incide sobre a diferença positiva de valor,


verificada entre duas operações jurídicas em sequência, alcançando o
novo contribuinte, na justa proporção do que ele adicionou ao preço do
bem.
Tal não se dá com o ICMS, que grava o valor total da operação
mercantil realizada. Apenas o montante a recolher em moeda corrente, a
título de ICMS, é o resultado da subtração dos créditos sobre esse
valor total.
Roque Antonio Carrazza 33

mercadoria com prejuízo, porque, não tendo havido agregação de


valor, não se aperfeiçoaria o fato gerador (hipótese de incidência)
do imposto.

UZ
“Não se deve, portanto, caracterizar o ICMS
como um imposto incidente sobre o valor acrescido. A agregação

CR
de valor não é ‘elemento’ essencial à integração da hipótese de
incidência do ICMS. Não configura um 'elemento financeiro'

ES
essencial ao aperfeiçoamento do suporte fático da regra jurídica
de tributação. Do contrário, (...) numa venda de mercadoria abaixo

M
do preço de custo, o contribuinte não teria nem mesmo que debitar-

:27 GO
se sobre o valor da saída, porque faltar-lhe-ia 'o elemento
financeiro do fato gerador'”.37

:14 EL
21 HA
IIc- Não passa, em suma, de uma técnica de
tributação, peculiar ao ICMS (que, em absoluto não interfere em sua base
2 - IC

de cálculo), a apuração do saldo devedor (ou credor) – por meio da


02 - M

diferença entre o imposto relativo às saídas e o correspondente às entradas


0/2 52

de mercadorias (ou de serviços) –, que apenas assegura ao contribuinte a


1/1 1-

fruição do direito constitucional de abater, do quantum do imposto a seu


: 0 .01

cargo, o “montante cobrado [na realidade, devido] nas [operações


Em .898

mercantis e/ou nas prestações de serviços de transporte interestadual ou


intermunicipal e de comunicação] anteriores pelo mesmo ou por outro
28

Estado ou pelo Distrito Federal”.38


r: 0
po
sso
pre

37.Lei Complementar Tributária, Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo,


1975, pp. 160/161 - atualizamos a alusão ao ICM.
No mesmo sentido a lição pioneira de Fernando A. Brockstedt; verbis:
Im

“... numa venda de mercadoria abaixo do preço de custo, o contribuinte


não teria, sequer, de debitar-se sobre o valor da saída (...) porque
faltaria o elemento financeiro do fato gerador (agregação de valor)”
(O ICM – Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias,
Rotermund, Porto Alegre, 1972, p. 244).

38. Esclarecemos nos colchetes.


34
Roque Antonio Carrazza

UZ
IId- Incontendivelmente, a base de cálculo do

CR
ICMS é o valor da operação mercantil (ou da prestação de serviço)

ES
realizada, pelo que a Fazenda Pública estadual tem o direito de arrecadar a

M
porcentagem deste valor (v.g., 18%), fixada na lei ordinária local.39

:27 GO
III- Repisando nossos argumentos, o princípio

:14 EL
da não-cumulatividade garante ao realizador da operação mercantil o
21 HA
direito de creditar-se de todo o montante de ICMS devido nas operações ou
2 - IC
prestações anteriores.
02 - M

Adiantamos que este direito só não se impõe erga


0/2 52

omnes nos casos de isenção e não-incidência (cf. art. 155, § 2º, II, da CF).
1/1 1-

Estas duas exceções constitucionais, além de deverem ser interpretadas


: 0 .01

restritivamente,40 não podem ser ampliadas, quer pelas leis (lato sensu),
Em .898

quer por convênios, quer, ainda, pelo labor exegético.

Portanto, até a venda com prejuízo41 dá direito a


28

créditos de ICMS. Melhor explicitando, se, na série de operações que levam


r: 0
po

39. O montante de ICMS a pagar é apurado pela simples aplicação da


sso

alíquota sobre a base de cálculo, que é o valor total da operação


mercantil realizada (ou do serviço prestado).
pre

40. Valem, a propósito, as seguintes ponderações de Carlos


Maximiliano: “Interpretam-se estritamente os dispositivos que
instituem exceções às regras gerais firmadas pela Constituição”
Im

(Hermenêutica e Aplicação do Direito, Forense, Rio de Janeiro, 9ª ed.,


1980, p. 313).

41. A “venda com prejuízo” não encerra nenhuma injuridicidade, até


porque, no mais das vezes, decorre de contingências do mercado. Mas,
mesmo quando é levada a efeito em razão de estratégias comerciais, está
amparada no princípio da livre iniciativa, que tem sede constitucional.
Roque Antonio Carrazza 35

a mercadoria do produtor ao consumidor final, houver alguma “venda com


prejuízo”, nem por isso o direito de crédito se esvai (ou deve ser

UZ
“estornado”, na terminologia fazendária). Pelo contrário, o crédito não

CR
utilizado é totalmente aproveitável em outra operação (ou prestação),
tributável por meio de ICMS.42

M ES
Em verdade, na venda com prejuízo está-se

:27 GO
diante, como é fácil perceber, de uma mera situação de fato, que passa ao
largo da eventual existência de benefício fiscal, a ser equiparado à isenção,

:14 EL
para os fins do art. 155, § 2º, II, a e b, da Constituição Federal, que adiante
estudaremos.43 21 HA
2 - IC
02 - M

IV- Nem mesmo a lei complementar – fora do


limitado campo adjetivo e procedimental que lhe reservou a Constituição
0/2 52

Federal (art. 155, § 2º, XII) – pode criar obstáculos ou de alguma maneira
1/1 1-

inovar na regulação deste direito, exaustivamente disciplinado pelo próprio


: 0 .01

Texto Magno.
Em .898

Por maioria de razão, devem os aplicadores do


28

Direito integral e absoluto respeito ao regime da “não-cumulatividade do


r: 0

ICMS”, constitucionalmente posto.


po
sso
pre

42. Na venda com prejuízo não há redução de base de cálculo do


Im

tributo, que só pode advir de lei específica (cf. art. 150, § 6º, da
Constituição Federal), que altere este aspecto quantitativo da exação.
Pelo contrário, nela, a base mensurável do ICMS continua a ser a mesma,
qual seja, o valor, certo e determinado, da operação mercantil
realizada; apenas, este valor é economicamente inferior ao praticado
na operação precedente.

43. Infra, subitem 5.2.


36
Roque Antonio Carrazza

V- Na mesma linha de raciocínio, temos que, em

UZ
havendo créditos de operações ou prestações anteriores, o direito de

CR
abatimento é inafastável. Aceitar que leis (complementares ou ordinárias),
convênios ou a própria Fazenda Pública, por meio de regulamentos,

ES
portarias, comunicados, ordens de serviço etc., podem disciplinar o

M
desfrute deste direito, implica reconhecer – equivocadamente, é óbvio –

:27 GO
que o princípio da não-cumulatividade do ICMS pode navegar ao sabor das
conveniências de momento, reveladas por normas infraconstitucionais.

:14 EL
21 HA
VI- Sempre mais se patenteia, portanto, que o
2 - IC
princípio da não-cumulatividade do ICMS é uma criação constitucional e,
02 - M

não, legal. Resultasse de lei, poderia ser reduzido – ou até suprimido – a


qualquer tempo, pelo próprio legislador. Como, porém, deflui da
0/2 52

Constituição, é vedado à legislação (lato sensu) interferir em seu


1/1 1-
: 0 .01

significado ou alcance. Muito menos pode fazê-lo a Administração


Fazendária, à qual cabe, apenas, “aplicar a lei de ofício”, na notável e
Em .898

sempre repetida síntese de Miguel Seabra Fagundes.44


28

Enfim, a Lei Suprema atribui um direito


r: 0

fundamental ao contribuinte do ICMS, qual seja o de fruir da não-


po

cumulatividade, sem reservas ou condições (salvo as postas no art. 155, §


2º, II, da CF45).
sso
pre
Im

44. O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciário,


Forense, Rio de Janeiro, 5ª ed., 1979, pp. 4 e 5.

45. Relevante mencionar que, no julgamento do Recurso Extraordinário


n° 212.484/RS (DJU, 27.11.1998), o Pleno da Suprema Corte
Constitucional, embora examinando matéria relacionada ao IPI,
proclamou, obiter dictum, que as únicas limitações aos créditos são
aquelas decorrentes de operações isentas ou não-tributadas pelo ICMS.
Roque Antonio Carrazza 37

Positivamente, presunções, indícios, suposições,


intuições, não podem aluir o princípio da não-cumulatividade do ICMS.

UZ
Apenas podem fazê-lo a isenção e a não-incidência e, ainda assim, se a

CR
legislação não vier a dispor de modo contrário.

ES
VII- Registramos, ademais, que, para que surja o

M
direito à compensação de que aqui estamos a tratar, também não é preciso

:27 GO
que os créditos provenham (i) da mesma mercadoria que o contribuinte está
colocando in commercium, (ii) do mesmo bem que ele vai revender ou, (iii)

:14 EL
do mesmo serviço que está a prestar.46
21 HA
2 - IC
Essa, diga-se de passagem, é uma novidade da
02 - M

Constituição de 1988, que, ao contrário da anterior, confere, ao


contribuinte, o direito de abater, do montante de ICMS a pagar, tudo o que
0/2 52

foi devido, a este título, por outros contribuintes que lhe prestaram serviços
1/1 1-

de comunicação ou de transporte interestadual ou intermunicipal, ou lhe


: 0 .01

forneceram mercadorias, matérias-primas e outros bens (máquinas,


Em .898

materiais de escritório, veículos, insumos, combustíveis, energia elétrica


etc.) tributados ou tributáveis por meio desta exação. Estabelece, portanto,
28
r: 0
po

Fora destas situações, portanto, não há permissão constitucional para


sso

o estabelecimento de qualquer restrição.

46.Reconhecendo este sistema de compensação, baseado no valor total


pre

dos créditos relativos às entradas versus o montante integral das


saídas, há a decisão da Primeira Turma do STF, proferida no Recurso
Extraordinário n° 195.643-7/RS (DJU, 21.08.1998), cuja ementa, na parte
Im

em questão, assim está vazada: ”O sistema de créditos e débitos, por


meio do qual se apura o ICMS devido, tem por base valores certos,
correspondentes ao tributo incidente sobre as diversas operações
mercantis, ativas e passivas realizadas no período considerado, razão
pela qual tais valores, justamente com vista à observância do princípio
da não-cumulatividade, são insuscetíveis de alteração em face de
quaisquer fatores econômicos ou financeiros”.
38
Roque Antonio Carrazza

uma diretriz de créditos/débitos (as entradas fazem nascer créditos; as

UZ
saídas, débitos).

CR
Em síntese, o princípio da não-cumulatividade

ES
do ICMS, tal como delineado na Carta Magna, impede qualquer restrição,
ainda que proveniente de lei complementar, lei ordinária, convênio

M
:27 GO
interestadual etc., ao direito à compensação ora em estudo (salvo, é claro,
em havendo isenção ou não-incidência).

:14 EL
21 HA
VIII- Oportuno enfatizar, também, que a
dedução em foco juridicamente se traduz numa facultas agendi do
2 - IC

contribuinte, que nenhum ato normativo infraconstitucional pode retirar.


02 - M

O próprio Fisco estadual deve obrigatoriamente


0/2 52

considerar, sob pena de locupletamento (enriquecimento ilícito), os


1/1 1-
: 0 .01

créditos de ICMS dos quais o contribuinte é titular.


Em .898

Tal se dá, porquanto o Estado tem o dever


funcional de, em nome do interesse público, arrecadar o tributo, observados
28

os limites constitucionais. No caso, deve levar em conta os créditos de


r: 0

ICMS do contribuinte, permitindo que compensem corretamente os


po

eventuais débitos apurados. Do contrário, o tributo acabaria se


sso

transformando, de não-cumulativo em cumulativo, em afronta aberta à


Constituição Federal.
pre

Vejamos, agora, quais são as restrições


Im

constitucionais ao princípio da não-cumulatividade do ICMS.


Roque Antonio Carrazza 39

5.2. Das restrições constitucionais ao princípio da não


cumulatividade do ICMS

UZ
CR
I- Diante do que até aqui expusemos, é fácil

ES
perceber que quaisquer restrições ao princípio da não-cumulatividade do

M
ICMS só podem advir do Estatuto Supremo.

:27 GO
Tais restrições, como já adiantamos, existem: são

:14 EL
as apontadas no inciso II, do § 2º, do art. 155, da Constituição Federal;
21 HA
verbis: “II- a isenção ou não-incidência, salvo determinação em contrário
2 - IC
da legislação: a) não implicará crédito para compensação com o montante
02 - M

devido nas operações ou prestações seguintes; b) acarretará a anulação


do crédito relativo às operações anteriores”.
0/2 52
1/1 1-

Apenas nas hipóteses de isenção ou não-


: 0 .01

incidência (que podem ser afastadas pela legislação47) o princípio da não-


Em .898

cumulatividade do ICMS cede passo. Não há outras restrições aos ditames


constitucionais que incidem sobre a matéria. Este rol é taxativo (numerus
28

clausus), não sendo dado nem ao legislador, nem ao agente fiscal, nem ao
r: 0

magistrado, ampliá-lo, tanto mais porque as exceções devem ser


po

interpretadas restritivamente, nos termos da vetusta parêmia “exceptio este


strictissimae interpretationis”.
sso
pre

Depois, “se a isenção ou não-incidência, salvo


determinação em contrário da legislação, não implicará crédito para
Im

47. Foi o que fez a Lei Complementar nº 87/1996, em seu art. 21, §
2º, ao estatuir que “não se estornam créditos referentes a mercadorias
e serviços que venham a ser objeto de operações ou prestações destinadas
do exterior”.
40
Roque Antonio Carrazza

compensação com o montante devido nas operações ou prestações

UZ
seguintes”, segue-se, a contrario sensu, que, em todas as demais hipóteses,

CR
haverá obrigatoriamente o direito de crédito.

ES
Inexiste qualquer possibilidade de outras restri-
ções ao exercício do direito de crédito. Eventuais esquecimentos, lapsos ou

M
:27 GO
omissões na escrituração, acúmulos de créditos que não permitam a com-
pensação a breve trecho, dúvidas acerca da viabilidade dos créditos, ultra-

:14 EL
passagem do período de apuração normal, preenchimentos incorretos de
21 HA
notas fiscais por parte dos fornecedores, diferimentos e outros fenômenos
2 - IC
do tipo, nada pode perturbar o direito constitucional do contribuinte de
02 - M

creditar-se.
0/2 52

II- Além disso, as próprias exceções


1/1 1-

constitucionais ora em estudo devem ser entendidas em termos, como bem


: 0 .01

o demonstrou Tercio Sampaio Ferraz Jr.; verbis:


Em .898

“Se, como dissemos, o princípio da não-


cumulatividade caracteriza uma técnica de política fiscal
28

funcionalmente mais adequada e normativamente mais justa, e se


as isenções e as não-incidências podem provocar, em não se
r: 0

compensando o crédito a elas referentes, perversos efeitos


cumulativos em cascata, então as exceções contidas nas alíneas
po

“a” e “b” do inc. II do § 2º do art. 155 só cabem para aquelas


situações em que o crédito de um imposto que não incidiu em
sso

operação anterior conduzisse a um efeito oposto ao da


acumulação, pois levaria a uma incidência final inferior à que
pre

resultaria da aplicação da alíquota nominal do tributo ao preço do


varejo. Isto criaria para o órgão arrecadador uma situação
Im

desigual em que, por causa da não-cumulatividade, ele seria


prejudicado. Regra geral, estas situações aparecem quando a
isenção ou não-incidência ocorrem no começo ou no fim do ciclo
de circulação de mercadorias. Nestes casos e apenas neles da
aplicação do princípio da não-cumulatividade haveria um prejuízo
Roque Antonio Carrazza 41

para o órgão arrecadador, configurando-se destarte uma situação


excepcional que exige a aplicação da regra da especialidade e da
qual decorre o estrito entendimento das referidas alíneas “a” e

UZ
“b”. Este entendimento estrito, que preserva o sentido próprio e
genérico da não-cumulatividade, exige, por outro lado, que quando

CR
a isenção ou a não-incidência ocorra no meio do ciclo, o crédito
só deixará de ser compensado, devendo ser anulado, apenas no que

ES
diz respeito às operações imediatamente posteriores e anteriores,
não valendo para as subsequentes, sob pena de se provocarem

M
extensos e perversos efeitos cumulativos. Fora destes casos, vale

:27 GO
plenamente o princípio da não cumulatividade”.48

:14 EL
Portanto, se a isenção ou a não-incidência
ocorrerem no meio do ciclo de circulação da mercadoria, o crédito de ICMS
21 HA
somente deixará de ser compensado, devendo ser anulado, nas operações
2 - IC

imediatamente posteriores e anteriores.49


02 - M

Esta é, segundo pensamos, a melhor maneira de


0/2 52

se interpretar as exceções constitucionais em tela, para que não reste frustra


1/1 1-

da a não-cumulatividade do ICMS (que – insistimos – foi consagrado, pela


: 0 .01

Constituição, como sendo um tributo plurifásico e não-cumulativo).


Em .898

III- E nem se alegue que estamos a reescrever o


28

Diploma Magno ou, quando pouco, a interpretá-lo de acordo com nossas


r: 0

idiossincrasias. Na realidade, estamos a submeter o tópico em análise a uma


po

interpretação sistemática, que leva em conta o direito positivo como um


sso
pre

48. “ICMS: Não-cumulatividade e suas exceções constitucionais”, in

RDT 48:20/21 (grifamos).


Im

49. Observe-se que a Lei Complementar 87/96, em seu art. 20, § 6º,

I, assegurou o direito ao crédito do ICMS, com relação aos produtos


agropecuários, relativamente à operação anterior à isenta ou à não-
tributada. Já o inciso II (deste mesmo art. 20, § 6º) deixou a questão
ao alvedrio da lei estadual. Mas, na verdade, a vis atractiva do
princípio da não-cumulatividade induz os Estados-membros a criarem
mecanismos para que o direito à compensação prevaleça, em todas as
demais operações ou prestações isentas ou não-tributadas.
42
Roque Antonio Carrazza

todo considerado, de fora a parte contar com o prestigioso abono do

UZ
Pretório Excelso.50

CR
Do contrário, bastaria haver, no meio do ciclo,

ES
uma operação isenta, para que o Estado arrecadasse mais ICMS, em
detrimento dos contribuintes e do próprio consumidor final (que, como se

M
:27 GO
viu,51 suporta a carga econômica do tributo).

:14 EL
IV- Lembramos, outrossim, que novas restrições

21 HA
à utilização de créditos, para fins de pagamento do ICMS, implicam
aumento, por via oblíqua – e, portanto, inconstitucional – do tributo.
2 - IC
02 - M

Melhor dizendo, nos termos da Constituição, só


se pode aumentar um tributo alterando-se legislativamente, para mais, sua
0/2 52

alíquota, sua base de cálculo ou ambas. Outros caminhos (v.g., a proibição


1/1 1-
: 0 .01

da utilização de créditos de ICMS, como moeda de pagamento do tributo)


estão vedados, tipificando verdadeiro desvio de poder legislativo, que é
Em .898

modalidade de abuso de direito.52


28
r: 0
po
sso
pre

50.V., a propósito, RE 153.771-MG (DJU 5.9.1997), Plenário da Corte


Constitucional.
Im

51. Supra, item 4-VII e VIII.

52. Nesse sentido, temos por inconstitucionais os requisitos e


condições ao reconhecimento do direito de crédito do ICMS, arrolado no
art. 33, da Lei Complementar nº 87/1996. Para maiores detalhes a
respeito, vide nosso ICMS (Malheiros Editores, São Paulo, 18ª edição,
2020, pp. 448 a 463).
Roque Antonio Carrazza 43

Por muito maior razão, não podem prosperar


restrições ao aproveitamento de créditos de ICMS, determinadas por meio

UZ
de convênios ou de atos normativos infralegais.

CR
IV- Permitimo-nos acrescentar que, quando, no

ES
dispositivo em exame, a Constituição alude a “não incidência”, ela está se

M
referindo a atividades que não tipificam operações mercantis (ou prestações

:27 GO
onerosas de serviços de transporte interestadual ou intermunicipal e de
comunicação), isto é, a fatos estranhos à materialidade do ICMS

:14 EL
(transferências de mercadorias entre estabelecimentos do contribuinte,
21 HA
prestações de serviços com emprego de matérias-primas, vendas de bens
2 - IC

do ativo imobilizado, vendas de “salvados de sinistros”, saídas de


02 - M

“amostras”, que depois retornam ao estabelecimento, e assim por diante).


0/2 52

V- Rematando o raciocínio, temos que o


1/1 1-
: 0 .01

constituinte originário delineou, com retoques à perfeição, o princípio da


não cumulatividade do ICMS e, ao assim proceder, apenas ressalvou que,
Em .898

“salvo determinação em contrário da legislação”, será vedado o


28

aproveitamento de créditos quando, na operação (ou prestação) anterior,


r: 0

houver “isenção ou não incidência”.


po

Estas duas restrições são as únicas possíveis,


sendo vedadas quaisquer iniciativas dos Estados-membros ou do Distrito
sso

Federal, para as estenderem a outras situações.


pre

Deveras, está dentro dos desígnios da Carta da


Im

República, que o princípio da não cumulatividade do ICMS seja aplicado


em sua maior amplitude, justamente para que o impacto da percussão
tributária sobre a circulação de mercadorias, ou sobre a prestação de
44
Roque Antonio Carrazza

serviços de transporte interestadual ou intermunicipal e de comunicação,

UZ
não produza a chamada tributação em cascata, com toda a coorte de efeitos

CR
negativos na apuração dos preços a serem suportados pelos consumidores
finais.

M ES
:27 GO
5.3. Do diminuto alcance do art. 155, § 2º, XII, “c”, da CF

:14 EL
21 HA
I- Estabelece o art. 155, § 2º, XII, c, da
2 - IC

Constituição Federal, caber à lei complementar “disciplinar o regime de


02 - M

compensação do imposto”. Obviamente, não poderá, a este pretexto, fazer


0/2 52

tabula rasa do princípio da não cumulatividade do ICMS.


1/1 1-

De fato, operando sobre uma base constitucional,


: 0 .01

o legislador complementar não pode manipular livremente o alcance do


Em .898

princípio da não cumulatividade. Deve, apenas, operacionalizar um


sistema de escrituração em que, considerado certo lapso de tempo, venha
28

registrado, de um lado, o imposto devido e, de outro, a expressão financeira


r: 0

do abatimento correspondente.
po

Nesse sentido, temos o magistério de Heron


sso

Arzua; verbis:
pre

“Ora, o conteúdo do princípio da não-


cumulatividade está posto, rigidamente, na Constituição. A mesma
Im

Lei Maior, entrementes, incumbiu à lei complementar tão-só a


fixação do mecanismo, do método, da forma pela qual se
implementa o regime da compensação (período considerado, soma
Roque Antonio Carrazza 45

algébrica de fatos geradores ocorrido em um período, v.g.)”.53

É útil repisarmos que a eficácia do sistema de

UZ
compensação de que aqui se cogita independe da edição de lei

CR
complementar, cujo alcance (evidentemente adjetivo) não pode interferir
nos aspectos substanciais do “direito de abater”. A única condição para

ES
que o princípio da não-cumulatividade irradie efeitos é a ocorrência dos

M
pressupostos constitucionais pertinentes.

:27 GO
Portanto, a lei complementar, na melhor das

:14 EL
hipóteses, disciplinará o procedimento de constituição, registro e utilização
do crédito do ICMS.
21 HA
2 - IC
02 - M

II- Aprofundando o raciocínio, ela só pode


cuidar da forma de execução do regime de compensação. A Constituição
0/2 52

não lhe atribuiu a possibilidade de vedar ou, mesmo, dificultar a


1/1 1-

apropriação de créditos. Voltamos a insistir que as vedações são apenas as


: 0 .01

referidas no art. 155, § 2º, II, “a” e “b”, da CF, que, é certo, a legislação
Em .898

poderá atenuar ou, mesmo, ilidir; nunca, ampliar.54


28

A Constituição Federal, em seu art. 155, § 2º,


r: 0

XII, c, limita-se a estatuir que cabe à lei complementar “disciplinar o


po

regime de compensação do imposto”, isto é, o regime de compensação do


ICMS. Ao fazê-lo, porém, deverá ter cuidados especiais, justamente para
sso
pre

53. "Créditos de ICMS e IPI", in RDT 64, p. 256.


Im

54. Academicamente, entendemos, pois, ser inconstitucional o art.

33, da LC 87/1996, quando, por exemplo, estabelece, em seu inc. I, não


acarretar crédito, para compensação com o montante do imposto nas
operações ou prestações seguintes, a entrada de bens destinados a uso
e consumo do estabelecimento, nele entradas a partir de 1º/01/2033
(redação dada pela LC 171/2019). Este assunto, porém, não vem para
aqui.
46
Roque Antonio Carrazza

não ferir direitos subjetivos dos contribuintes.

UZ
Com efeito, o legislador complementar não

CR
poderá impedir, ainda que em nome de eventuais interesses fazendários,

ES
que o sistema de abatimento, estruturado nos incisos I e II, do § 2º, do art.
155, da Carta Magna, funcione a preceito.

M
:27 GO
III- Logo, a lei complementar não pode

:14 EL
estabelecer novos limites ou requisitos para que os contribuintes usufruam

21 HA
do direito à compensação, que o princípio da não cumulatividade do ICMS
lhes dá. Muito ao invés, deve dispor de forma a assegurar-lhes o pleno
2 - IC

exercício deste direito.


02 - M

Remarcamos, todavia, que a forma pela qual tal


0/2 52

compensação se dará está fora da alçada do legislador complementar, a


1/1 1-
: 0 .01

quem compete, apenas, fixar os procedimentos que tornarão mais fácil a


aplicação do princípio da não cumulatividade do ICMS.
Em .898

IV- O que estamos tentando ressaltar é que o


28

leque de opções da lei complementar, pelo menos neste particular, é


r: 0

bastante restrito: cabe-lhe, tão somente, operacionalizar a forma de


po

implementação da não cumulatividade.


sso

Tal a opinião de José Eduardo Soares de Melo;


pre

verbis:
Im

“À Lei Complementar cabe, exclusivamente,


‘disciplinar o regime de compensação de imposto’ (art. 155, XII,
c), isto é, estabelecer um procedimento que objetive operacional-
zar a sistemática ‘não cumulatividade’; jamais torpedeá-lo ou limi-
tar, restringir ou cercear os direitos públicos subjetivos (constitu-
Roque Antonio Carrazza 47

cionais), erigidos como um autêntico estatuto do contribuinte.


“A Lei Complementar objetiva explicitar a
norma constitucional, caracterizando-se como lei nacional que

UZ
fundamenta, inspira e permeia as legislações federal, estadual e
municipal, não possuindo efetivo caráter inovatório, mas

CR
meramente regulatório, tornando claros, práticos e operacionais,
os comandos constitucionais”.55

ES
V- Em suma, a lei complementar a que alude o

M
:27 GO
art. 155, § 2º, XII, c, do Diploma Excelso, pode revestir o arcabouço do
princípio da não cumulatividade do ICMS, com detalhes que escaparam à

:14 EL
pena – não ao espírito – do legislador constituinte. Cingindo-se a isso,
21 HA
contribui para o melhor desfrute desse direito constitucional subjetivo do
2 - IC
contribuinte. Indo, porém, além dessa marca, há de ser afastada, em última
02 - M

análise, pelo Poder Judiciário, evidentemente quando provocado.


0/2 52

Va- Ora bem. Estando a lei complementar


1/1 1-

cerceada por tão formidáveis peias, por muito maior razão falece
: 0 .01

competência à lei ordinária (que não recebeu a missão constitucional de


Em .898

“disciplinar o regime de compensação do imposto”) para vedar ou


obstaculizar a apropriação de créditos do ICMS.
28
r: 0

Vb- Também não podem restringir o alcance do


po

princípio da não cumulatividade do ICMS, o decreto regulamentar, a


portaria, o comunicado, o parecer normativo etc., que, dentro da “pirâmide
sso

jurídica”, ocupam posição inferior às leis. Menos ainda pode fazê-lo o


pre

labor exegético que, mormente neste caso, há de se desenvolver em sintonia


Im

com os postulados constitucionais.

55. Questões, in Revista de Direito Tributário, vol. 64, p. 302.


48
Roque Antonio Carrazza

VI- Por isso tudo, a interpretação dos preceitos

UZ
constitucionais que tratam da não cumulatividade do ICMS há de ser

CR
sempre ampla e generosa, posto expressarem a vontade do legislador
constituinte – explicitamente manifestada – de imprimir a este tributo um

ES
caráter neutro, de modo a somente onerar, em termos econômicos, o

M
consumidor final. Noutros torneios verbais, as normas constitucionais que

:27 GO
tratam do assunto devem ser interpretadas e aplicadas teleologicamente e
da forma mais lata possível (interpretação extensiva), em sintonia, de resto,

:14 EL
com a regra in dubio pro contribuinte, para que não sejam esvaziados os
21 HA
escopos que levaram o constituinte originário a plasmá-las na Carta
2 - IC

Suprema.
02 - M

VIa- Lembramos que a Constituição contém o


0/2 52

critério último de existência e validade das demais normas do sistema do


1/1 1-
: 0 .01

Direito, pelo que condiciona o agir dos próprios Poderes Legislativo,


Executivo e Judiciário. É, ainda, o ordenamento jurídico supremo do
Em .898

Estado.
28

VIb- Demais disso, a Constituição, além de


r: 0

limitar as funções estatais, dá unidade e coesão a todo o sistema jurídico.


po

Logo, os atos normativos a ela inferiores devem ser “lidos” – vale dizer,
sso

interpretados – ao seu lume; jamais, o contrário.


pre

VIc- Em suma, a Constituição é, a um tempo, a


Im

lei máxima e o documento que pauta os demais atos normativos (leis,


decretos, sentenças, atos administrativos etc.), aos quais compete preservar
os valores que ela consagra. Se preferirmos, é a Lei Fundamental do Estado,
Roque Antonio Carrazza 49

hierarquicamente superior a qualquer outro ato normativo.

E tal superioridade se revela, segundo José

UZ
Joaquim Gomes Canotilho, sob três perspectivas; a saber:

CR
“(1) as normas do direito constitucional

ES
constituem uma lex superior que recolhe o fundamento de validade
em si própria (autoprimazia normativa); (2) as normas de direito

M
constitucional são normas de normas (norma normarum),

:27 GO
afirmando-se como fontes de produção jurídica de outras normas
(normas legais, normas regulamentares, normas estatutárias etc.);
(3) a superioridade normativa das normas constitucionais implica

:14 EL
o princípio da conformidade de todos os actos dos poderes
21 HA
políticos com a Constituição”.56
2 - IC

VId- Em decorrência, a Constituição, longe de


02 - M

ser simplesmente uma Lex Superior, é também a “matriz de todas as


0/2 52

manifestações normativas do Estado”,57 pois regula o processo de criação


1/1 1-

de normas jurídicas e traça os princípios, as diretivas e os limites para o


: 0 .01

conteúdo das leis futuras.


Em .898

VII- Anote-se, ainda, que, na Constituição,


28

existem dispositivos mais importantes e menos importantes.


r: 0

De fato, ao contrário do que pode parecer ao


po

primeiro súbito de vista, eles não possuem a mesma relevância, já que,


sso

alguns, veiculam simples regras, ao passo que, outros, verdadeiros


princípios. Os princípios são as diretrizes, isto é, os nortes do ordenamento
pre

jurídico. Não sem razão Prosper Weil afirma que “algumas normas
Im

56. Direito Constitucional, Almedina, Coimbra, 5ª ed., 1991, p.


141.

57. Cfr. Hans Kelsen (Teoria Pura do Direito, trad. de João Baptista

Machado, Martins Fontes, 2ª ed., 1987, p. 366).


50
Roque Antonio Carrazza

constitucionais são mais diretrizes; outras, menos”.

UZ
Como se vê, os princípios constitucionais, graças

CR
a seu acentuado grau de abstração, visam à obtenção de um fim e influem

ES
nos modos comportamentais e nas atribuições de competência para
alcançá-lo. Parafraseando Robert Alexy, encerram mandados de

M
:27 GO
otimização, que ordenam que algo seja realizado na maior medida
possível.

:14 EL
Conforme já escrevemos, princípio constitu-
21 HA
cional “é um enunciado lógico, implícito ou explícito, que, por sua grande
2 - IC

generalidade, ocupa posição de preeminência nos vastos quadrantes do


02 - M

Direito e, por isso mesmo, vincula, de modo inexorável, o entendimento e


0/2 52

a aplicação das normas jurídicas que com ele se conectam”.58


1/1 1-
: 0 .01

VIIa- Note-se que não importa se os princípios


constitucionais são implícitos ou explícitos, mas se existem ou não
Em .898

existem. Se existem, o jurista, com o instrumental teórico que a Ciência do


28

Direito coloca à sua disposição, tem condições de discerni-los.


r: 0

Mas, explícitos ou implícitos, os princípios


po

constitucionais demandam estrita observância, se por mais não fosse,


sso

porque, tendo um âmbito de validade maior do que as simples regras


constitucionais, sua desobediência acarreta consequências sobremodo
pre

danosas – e, por vezes, irremediáveis – ao sistema jurídico. São eles, enfim,


Im

que estabelecem os pontos de apoio normativos para a boa aplicação do

58. Curso... p. 42.


Roque Antonio Carrazza 51

Direito.

UZ
VIIb- Assim é, porquanto, no dizer expressivo de

CR
Celso Antônio Bandeira de Mello, os princípios constitucionais atuam
como “vetores para soluções interpretativas”.59

ES
No mesmo sentido, aliás, se pronunciou Karl

M
:27 GO
Larenz; verbis:

“Se uma interpretação, que não contradiz os

:14 EL
princípios da Constituição, é possível segundo os demais critérios
de interpretação, há de preferir-se a qualquer outra em que a
21 HA
disposição viesse a ser inconstitucional. A disposição é, então,
nesta interpretação, válida. Disso decorre, então, que de entre
2 - IC

várias interpretações possíveis segundo os demais critérios sempre


02 - M

obtém preferência aquela que melhor concorde com os princípios


da Constituição”.60
0/2 52

Logo, para a solução de qualquer problema


1/1 1-
: 0 .01

jurídico, por mais trivial que seja, o operador do Direito deve alçar-se ao
altiplano dos princípios constitucionais, a fim de verificar em que sentido
Em .898

apontam. Nenhuma interpretação poderá ser havida por jurídica se, direta
28

ou indiretamente, vier a afrontá-los.


r: 0

VIII- Muito bem. O que acaba de ser escrito,


po

aplica-se por inteiro ao já estudado princípio da não cumulatividade do


sso

ICMS.
pre
Im

59. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade, Malheiros


Editores, São Paulo, 2014, 3ª ed., p. 41.

60. Metodologia da Ciência do Direito, trad. de José Lamego, Fundação

Calouste Gulbenkian, 3ª ed., 1997, p. 480.


52
Roque Antonio Carrazza

Portanto, qualquer norma infraconstitucional que

UZ
trate do assunto deve ser interpretada e aplicada do modo que melhor

CR
prestigie este princípio constitucional, vale dizer, que lhe dê plena eficácia.

ES
Para tanto, cuidaremos de demonstrar, em
seguida, que inexiste autonomia jurídica entre estabelecimentos de uma

M
:27 GO
mesma sociedade empresária, o que permite que eles transfiram, uns aos
outros, créditos de ICMS.

:14 EL
21 HA
6. Da possibilidade de transferência de créditos de ICMS entre
2 - IC
02 - M

estabelecimentos pertencentes a um único titular


0/2 52
1/1 1-

I- Muito se discutiu acerca da possibilidade de o


: 0 .01

legislador estadual considerar contribuinte autônomo do ICMS cada


Em .898

estabelecimento comercial, industrial ou produtor, conforme, de resto,


previsto no ainda em vigor art. 6º, § 2º, do Decreto-lei nº 406/1968 –
28

recepcionado pela Constituição Federal de 1988 com status de lei


r: 0

complementar; verbis:
po

“Art. 6º- Contribuinte do imposto e o


sso

comerciante, industrial ou produtor que promove a saída da


mercadoria, o que a importa do exterior ou o que arremata em
pre

leilão ou adquire, em concorrência promovida pelo Poder Público,


mercadoria importada e apreendida.
Im

........................................................................................................
“§ 2º- Os estados poderão considerar como
contribuinte autônomo cada estabelecimento comercial, industrial
Roque Antonio Carrazza 53

ou produtor, permanente ou temporário, do contribuinte, inclusive


veículos utilizados por este no comercio ambulante”.

UZ
A teor da literalidade destes dispositivos, pode,

CR
pois, ser considerado contribuinte autônomo do ICMS qualquer
estabelecimento comercial, industrial ou produtor, ainda que pertencente à

ES
uma mesma empresa. Adiantamos, porém, que não basta isso: para tanto, é

M
imperioso, ainda, que nele venha praticado um ato de comércio, isto é, seja

:27 GO
concluída pelo menos uma fase da operação jurídica de circulação de
mercadorias.

:14 EL
21 HA
II- O que estamos procurando significar é que a
2 - IC
autonomia dos estabelecimentos, para fins de incidência do ICMS, está
02 - M

estritamente vinculada ao seu fato imponível (fato jurídico tributário). Bem


por isso, tanto o Decreto-lei n.º 406/1968, quanto a Lei Complementar nº
0/2 52

87/1996 – esta de modo não tão evidente – adotaram tal critério. Deveras,
1/1 1-

ao tratarem dos estabelecimentos, relacionaram-nos aos atos de circulação


: 0 .01

de mercadorias (ou de prestação de serviços de transporte interestadual ou


Em .898

intermunicipal e de comunicação, que são as outras hipóteses de incidência


possíveis do ICMS).
28
r: 0

IIa- Mais especificamente, temos que, para que


po

ocorra o fato imponível do ICMS-operações mercantis não basta a


sso

existência de instalações físicas típicas de estabelecimento. Pelo contrário,


para que nasça o dever de recolher este tributo é necessário que nelas sejam
pre

praticadas operações de circulação jurídica de mercadorias.


Im
54
Roque Antonio Carrazza

Logo, a ficção jurídica61 que considerou

UZ
contribuinte de ICMS cada estabelecimento da empresa, somente tem

CR
seguimento quando nele é praticado o fato imponível do tributo. Isso, aliás,
foi feito para assegurar a correta arrecadação tributária, na Unidade

ES
Federada.

M
:27 GO
:14 EL
61.
21 HA
A ficção jurídica é um artifício do legislador, que transforma
uma impossibilidade material, numa possibilidade de natureza jurídica.
Nesse sentido, faz nascer uma verdade jurídica, diferente da verdade
2 - IC
real.
Como ensina, com propriedade, Legaz y Lacambra, a ficção jurídica
02 - M

“existe sempre que a norma trata algo real como distinto, sendo igual;
como igual, sendo diferente; como inexistente, tendo sucedido; como
sucedido, sendo inexistente; mesmo com a consciência de que,
0/2 52

‘naturalmente’ não é assim” (Apud José Luis Pérez de Ayala, Las


Ficciones en el Derecho Tributario, Editorial de Derecho Financiero,
1/1 1-

Madrid, 1970, p. 16 (traduzimos).


A ficção jurídica é, portanto, uma invenção do Direito ou, se
: 0 .01

preferirmos, uma disposição legal que dá por verdadeiro, o que, na


realidade, é falso (v.g., o horário de verão).
Em .898

Vai daí que a ficção só pode ser empregada com base em lei específica
e, ainda assim, enquanto não ferir direitos subjetivos constitucionais.
Jamais, para atentar contra a liberdade, o patrimônio ou a honra das
pessoas, valores que nossa Carta Magna prestigiou ao extremo.
28

Assim, a ficção jurídica não pode transformar um inocente num


culpado ou uma pessoa alheia ao fato imponível, num contribuinte.
r: 0

Acima de tudo, não pode passar por cima do dever que o Estado tem
de provar as imputações que faz contra os contribuintes, seja para
po

exigir-lhes tributos, seja para impor-lhes penalidades.


Do contrário, os direitos subjetivos dos contribuintes seriam
banalizados. Ficções jurídicas encarregar-se-iam de produzir
sso

“contribuintes” e “culpados” em série, só para atender às necessidades


arrecadatórias.
Facilmente se nota, pois, que, em matéria tributária, a ficção tem
pre

aplicação restrita, justamente porque distorce a “verdade material”.


Somente pode ser aceita caso não afronte princípios constitucionais.
Im

O Código Tributário Nacional traz pelo menos dois dispositivos


expressamente relacionados ao emprego das ficções. São os arts. 109 e
110, que, em sua essência, vedam à lei instituidora do tributo ou
tipificadora do ilícito fiscal ignorar ou alterar conceitos e formas
de outros ramos do direito privado.
Tudo considerado, a conclusão a que se chega é que a potencialização
da eficácia arrecadatória não tem força bastante para justificar o uso
indiscriminado de ficções jurídicas, no campo tributário.
Roque Antonio Carrazza 55

IIb- Vem ao encontro da asserção supra, a tese


bem defendida por Eliud José Pinto da Costa; verbis:

UZ
“É de se concluir que inexiste autonomia

CR
entre os estabelecimentos de um mesmo sujeito passivo. Não é
rigorosamente verdadeira a afirmação de que existe ou existiu

ES
‘princípio da autonomia’, tomando por base a Constituição
Federal. Há, diversamente, mera descentralização de

M
estabelecimentos quando um mesmo sujeito passivo possui filial”.62

:27 GO
IIc- Diante do exposto, tínhamos por

:14 EL
inconstitucional a aplicação irrestrita do disposto no art. 6º, § 2º, do
21 HA
Decreto-lei nº 406/1968, que consagrava o princípio da autonomia do
2 - IC
estabelecimento, equiparando, para fins de incidência de ICMS, a filial a
02 - M

um terceiro.
0/2 52

É que tal conduta desnaturava a regra-matriz


1/1 1-

constitucional do ICMS, ferindo de morte o direito que a Carta Magna dá


: 0 .01

ao contribuinte de só recolher este tributo quando realmente se configura


Em .898

uma operação mercantil.


28

IId- Embora já tenhamos sustentado que, em


r: 0

homenagem ao princípio federativo, o ICMS era devido, quando a


mercadoria fosse transferida para estabelecimento do próprio remetente,
po

mas situado no território de outra pessoa política (Estado ou Distrito


sso

Federal), hoje essa posição está superada, em face da decisão prolatada pelo
pre

STF, no julgamento do ARE 1.255.885, que firmou a seguinte tese da


repercussão geral: “Não incide ICMS no deslocamento de bens de um
Im

62. ICMS Mercantil, Quartier Latin, São Paulo, 2008, p. 219.


56
Roque Antonio Carrazza

estabelecimento para outro do mesmo contribuinte localizados em estados

UZ
distintos, visto não haver a transferência de titularidade ou a realização

CR
de ato de mercancia” (Tema 1.099, da Repercussão Geral).

ES
Logo, remessas de bens entre estabelecimentos
de uma mesma pessoa jurídica, ainda que situados em Unidades Federadas

M
:27 GO
diversas, não tipificam operações mercantis, ou seja, não envolvem a
prática de atos de comércio e, destarte, não rendem ensejo à tributação por

:14 EL
meio de ICMS.
21 HA
III- José Nabantino Ramos é de idêntico pensar;
2 - IC

verbis:
02 - M

“Para haver, pois, circulação de


0/2 52

mercadorias, sobre a qual recai o imposto de que tratamos, faz-se


mister que a mercadoria mude de proprietário ou de possuidor (...).
1/1 1-

“Considerar circulação a transferência de


: 0 .01

mercadorias de um estabelecimento para outro do mesmo


proprietário é tanto quanto afirmar que o dinheiro circula quando
Em .898

Pedro o passa da mão direita para a mão esquerda. Em nenhuma


dessas duas hipóteses o bem sai do poder da pessoa com quem está,
28

embora os percursos sejam de muito diferentes extensões. E


inexistindo transmissão de uma a outra pessoa, já não há
r: 0

circulação”.63
po

Também Geraldo de Camargo Vidigal aderiu a


sso

esta corrente, ao averbar que “[n]ão há, pois, circulação na simples


pre
Im

63. “Conceito de circulação”, Revista de Direito Público 2/38 (os

grifos são do autor).


Roque Antonio Carrazza 57

operação de transporte ou de deslocação de mercadorias. O conceito de


circulação está intimamente ligado ao de troca”.64

UZ
CR
IIIa- Reiteramos que a mera movimentação de
bem móvel, da matriz para a filial (ou entre duas filiais) da mesma pessoa

ES
jurídica, não deve ser confundida com sua transferência para terceiros, que,

M
pelo menos para fins de tributação por meio de ICMS, é juridicamente

:27 GO
irrelevante.

:14 EL
Só ocorre o fato imponível do ICMS quando
21 HA
mercadorias (v.g., televisores) passam do patrimônio de uma sociedade
2 - IC
empresária para outra pessoa (física ou jurídica), por força de uma operação
02 - M

jurídica onerosa.
0/2 52

Entendimento diverso arremete contra a


1/1 1-

Constituição, apesar do que posteriormente vieram a dispor os arts. 11, §


: 0 .01

3º, II; 12, I, in fine; e 13, § 4º, da Lei Complementar nº 87/1996.


Em .898

IIIb- De fato, a inconstitucionalidade perdurava


28

com os seguintes artigos, da Lei Complementar nº 87/1996: a) o art. 11, §


3o, II, que considera “autônomo”, para fins de tributação por meio de ICMS,
r: 0

“cada estabelecimento do mesmo titular”; b) o art. 12, I, in fine, que declara


po

ocorrido o fato imponível da exação, quando houver a mera saída da


sso

mercadoria do estabelecimento do contribuinte “ainda que para outro


pre

estabelecimento do mesmo titular”; e, c) o art. 13, § 4º, que estabelece o


Im

64. “Sistemática constitucional do ICM”, Revista de Direito Público

11/103.
58
Roque Antonio Carrazza

modo de se apurar a base de cálculo deste tributo, na “saída de mercadoria

UZ
para estabelecimento localizado em outro Estado, pertencente ao mesmo

CR
titular”.

ES
Por sem dúvida, os dispositivos supra
desgarraram-se das regras-matrizes constitucionais do ICMS, como, diga-

M
:27 GO
se de passagem, restou decidido no julgamento da ADC nº 49/RN, de
relatoria do Min. Edson Fachin.65

:14 EL
Aliás, a cega observância destes comandos legais
21 HA
levava a inconstitucionalidades, porque “alargava” a base tributável do
2 - IC

ICMS (plasmada pela Constituição Federal), “permitindo” que o tributo


02 - M

alcançasse simples movimentações de bens.


0/2 52

IV- Nunca podemos perder de vista que as


1/1 1-
: 0 .01

transferências de bens, entre matriz e filial (ou entre filiais), são meros
deslocamentos físicos entre unidades da mesma pessoa jurídica. Neste
Em .898

ponto, não pode ser abandonada a ideia da unidade da pessoa jurídica e de


28

seus estabelecimentos, sob a óptica do direito privado (arts. 109 e 110 do


r: 0

CTN).66
po

Enfim, somente ocorre o fato imponível (fato


sso

gerador in concreto) do ICMS quando uma mercadoria transitar de um


patrimônio a outro, por força de uma operação mercantil stricto sensu, e
pre
Im

65. Julgado em 19/4/3021, v.u., DJe 4/5/2021.

66.Esta linha de raciocínio foi plenamente acolhida pelo STJ, que


editou a Súmula 166, cuja ementa é a seguinte: “Não constitui fato
gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadorias de um para outro
estabelecimento do mesmo contribuinte”.
Roque Antonio Carrazza 59

não de qualquer outro episódio – como, por exemplo, a translação da


mercadoria da matriz para a filial da mesma empresa.

UZ
CR
IVa- E nem se diga que, neste caso, foi feita uma
equiparação legal. Nada menos exato, porque, como adverte Celso

ES
Antônio Bandeira de Mello, “se o legislador ou o aplicador da regra

M
pudessem delinear, a seu talante, o campo de restrições a que estão

:27 GO
submetidos, através da redefinição das palavras constitucionais,
assumiriam, destarte, a função de constituintes”.67

:14 EL
21 HA
Somos os primeiros a concordar que o Direito
2 - IC
cria suas próprias realidades, muita vez com o emprego de ficções,
02 - M

presunções e equiparações. Há, porém, um limite inafastável para isso: o


emprego de ficções, presunções e equiparações não há de violar direitos
0/2 52

constitucionais, como este de as pessoas só poderem ser tributadas por via


1/1 1-

de ICMS quando promoverem operações relativas à circulação de


: 0 .01

mercadorias.
Em .898

IVb- Melhor explicitando: se admitirmos que o


28

legislador (complementar ou ordinário) é livre para equiparar a filial de


r: 0

uma pessoa jurídica a um terceiro, restaria anulada a rigidez de nosso


po

sistema constitucional tributário. E, no caso do ICMS, estaria aberta a porta


para que ele alcançasse qualquer fato que o legislador considerasse
sso

revelador de capacidade econômica, da parte de quem o pratica.


pre
Im

67. “Imposto sobre a renda – Depósitos bancários – Sinais exteriores

de riqueza”, Revista de Direito Tributário 23-24/92.


60
Roque Antonio Carrazza

Inteira razão tinha, pois, o Min. Luiz Gallotti,

UZ
quando, em voto histórico, proferido no RE 71.758, ponderou:

CR
“Se a lei pudesse chamar de compra o que
não é compra, de importação o que não é importação, de

ES
exportação o que não é exportação, de renda o que não é renda,
ruiria todo o sistema tributário inscrito na Constituição”.68

M
:27 GO
IVc- Logo, fato que não configure operação
mercantil, isto é, que não implique mudança, por meio oneroso, da

:14 EL
titularidade de mercadoria, não pode ensejar a tributação por meio de
21 HA
ICMS. Qualquer lei – complementar ou ordinária – que disponha de modo
2 - IC

diverso deve ser afastada, por inconstitucional, ou receber interpretação


02 - M

conforme a Constituição.69
0/2 52

Assim pensava Geraldo Ataliba ao atacar a


1/1 1-

“inconstitucionalidade da lei estadual – e de ‘convênios’ – que, a partir da


: 0 .01

ficção da autonomia dos estabelecimentos (válida para outros fins, mas


Em .898

não para contornar a Constituição), pretende tributar a passagem de


28
r: 0

68. RTJ 66/165.


po

69. Entende-se atualmente que a Constituição, além de ser o texto


fundador e legitimador do ordenamento normativo, é um parâmetro
sso

hermenêutico de construção e realização do Direito. O postulado da


interpretação conforme a Constituição leva necessariamente a que,
diante de várias possibilidades interpretativas de uma norma, se opte
pre

pela mais consentânea com o Texto Magno.


Nesse sentido, de resto, pronunciou-se Karl Larenz: “Se uma
interpretação, que não contradiz os princípios da Constituição, é
Im

possível segundo os demais critérios de interpretação, há de preferir-


se a qualquer outra em que a disposição viesse a ser inconstitucional.
A disposição é então, nesta interpretação, válida. Disso decorre,
então, que de entre várias interpretações possíveis segundo os demais
critérios sempre obtém preferência aquela que melhor concorde com os
princípios da Constituição” (Metodologia da Ciência do Direito, 3a ed.,
trad. de José Lamego, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, p.
480).
Roque Antonio Carrazza 61

matéria-prima do setor rural para o industrial da mesma pessoa. Não pode


a lei (a Constituição não o permite) alterar ou desprezar as definições do

UZ
direito privado, para satisfação de pretensões fiscalistas. Enfim, o

CR
legislador não pode manipular a própria competência, da mesma forma
que o mandatário não pode dilargar o próprio mandato. Onde não houver

ES
operação jurídica, a lei não pode prever incidência de ICMS”.70

M
:27 GO
V- Observe-se, sempre a respeito, que, para fins
de tributação por meio de ICMS, mesmo quando há transferência de

:14 EL
mercadorias entre pessoas jurídicas distintas, é imprescindível que ela se
21 HA
dê num contexto de operação mercantil, e não, por exemplo, para
2 - IC

investimento numa nova sociedade empresária.71


02 - M

Somente ocorre o fato imponível (fato gerador in


0/2 52

concreto) do ICMS quando uma mercadoria passar de um patrimônio a


1/1 1-

outro, por força de uma operação mercantil stricto sensu; não, de qualquer
: 0 .01
Em .898
28
r: 0

70. “ICMS – Competência impositiva na Constituição de 1988”, Revista

de Direito Administrativo 195/32 (os grifos estão no original).


po

71. Não é juridicamente possível exigir ICMS sobre meras


transferências de ativos, ainda que estes também contenham mercadorias
sso

em estoque, como forma de integralização de capital social de uma nova


sociedade. Noutras palavras: a transferência de estabelecimento, como
forma de integralização de capital social, não tipifica operação
pre

mercantil, mas simplesmente operação societária envolvendo sociedade


controladora e sociedade controlada.
Esclareça-se que não é mercadoria o estabelecimento empresarial,
Im

embora este possa conter, em seu interior, um estoque (de mercadorias).


Assim, o repasse de mercadorias por força de transferência de
estabelecimento empresarial não tipifica operação mercantil; e, por
via de consequência, não acarreta a incidência do ICMS.
Positivamente, alienar estabelecimento empresarial não é o mesmo
que vender mercadorias, mas, sim, transmitir a titularidade de uma
universalidade de fato –o que nos reconduz à ideia de que não se
implementa, no caso, o fato imponível do ICMS.
62
Roque Antonio Carrazza

outro negócio jurídico – como, por exemplo, uma doação ou uma

UZ
integralização de capital social.72

CR
Enfim, quando a mercadoria é transferida para

ES
estabelecimento do próprio remetente, este não pode ser considerado
“estabelecimento autônomo”, para fins de tributação por meio de ICMS.

M
:27 GO
Nada disso, no entanto, impede que
estabelecimentos de uma mesma unidade empresária transfiram, uns para

:14 EL
outros, créditos de ICMS, se por mais não fosse, em função da vis atractiva
21 HA
do princípio da não cumulatividade.
2 - IC
02 - M

VI- Esta ideia, no entanto – a nosso ver


incontroversa, quando tais transferências se dão entre estabelecimentos de
0/2 52

uma mesma sociedade empresária, localizados na mesma unidade federada


1/1 1-
: 0 .01

–, pode causar controvérsias e inseguranças jurídicas, quando eles se situam


em unidades federadas diferentes.
Em .898

Evidentemente, as situações pretéritas, vale


28

dizer, consolidadas antes do julgamento da ADC 49, devem ser mantidas,


r: 0

para que prevaleçam os princípios da segurança jurídica e da confiança


po

dos contribuintes. Nelas, os Estados de origem e de destino devem


sso

continuar a aceitar os créditos de ICMS, uma vez que nas transferências


pre
Im

72. Entende-se por “integralização de capital social” a realização


ou pagamento das quotas, pelos sócios, para fins de constituir o capital
de uma sociedade empresarial.
Roque Antonio Carrazza 63

interestaduais de mercadorias, tal entendimento prevalecia de maneira


mansa e remansosa.

UZ
Mas, quid iuris, nas transferências que vierem a

CR
ocorrer no futuro, ou seja, após o julgamento da ADC 49?

ES
A resposta à questão, ao nosso ver, somente pode

M
ser dada com base no magno princípio federativo, assunto que passa a fazer

:27 GO
nossos cuidados.

:14 EL
21 HA
7. O magno princípio federativo e o modo de afastar
2 - IC

eventuais pendências entre as unidades federadas, em


02 - M

face do que restou decidido na ADC 49


0/2 52
1/1 1-
: 0 .01

7.1. Considerações gerais


Em .898
28

I- Como se sabe, federação (do Latim foedus,


r: 0

foederis, “aliança”, “pacto”) é uma união institucional de Estados que dá


po

lugar a um novo Estado (o Estado Federal), diverso dos que o integram (os
Estados Federados ou Estados-membros). O art. 1º, da Carta Suprema, já
sso

se ocupa com o assunto ao estipular que o Brasil é uma República


pre

Federativa, “formada pela União indissolúvel dos Estados e Municípios e


Im

do Distrito Federal”73.

73. Digno de nota, a respeito, este comentário de Antônio de Castro


64
Roque Antonio Carrazza

Numa verdadeira Federação (e assim é na

UZ
Brasileira) os Estados Federados, sem perderem suas personalidades

CR
jurídicas, despem-se de algumas prerrogativas, em benefício da União
Federal. A mais relevante delas é a soberania.74

ES
Realmente, em nosso País, a União e os Estados-

M
:27 GO
membros são autônomos, nos termos da Constituição Federal. Daí a famosa
frase, sempre repetida, de Antônio de Sampaio Dória: “Federação é a

:14 EL
autonomia recíproca entre a União e os Estados-membros, sob a égide da
Constituição Federal”75. 21 HA
2 - IC

Desdobrando a definição supra, no Brasil, por


02 - M

força do princípio federativo, convivem harmonicamente a ordem jurídica


0/2 52

global (o Estado Federal, a Nação) e as ordens jurídicas parciais, (i)


1/1 1-

central (a União) e (ii) periféricas (os Estados-membros e, para a maioria


: 0 .01

dos nossos constitucionalistas, também os Municípios e o Distrito Federal).


Em .898

Esta convivência harmônica só é possível graças à discriminação de


28
r: 0

Assumpção: “Autonomia significa governo próprio.


“Na técnica do direito público moderno, pode ser tida, em sentido
amplo, como a faculdade, reconhecida a uma coletividade pública
po

subordinada, de organizar, dentro de certos limites, o seu governo,


para a administração do que respeite aos seus peculiares interesses”
(Estado Federal, Rio de Janeiro, 1963, p. 9).
sso

74. A definição clássica de soberania (de supra, supranus, poder

supremo e incontrastável de mando, que não reconhece nenhum outro fora


pre

ou acima do seu), hoje, no século XXI, está um tanto quanto superada em


face dos tratados internacionais, das Cortes internacionais e, até, das
Im

Constituições internacionais (ou dos diplomas normativos que lhes fazem


as vezes, como o Tratado de Lisboa, que faz as vezes de Constituição da
União Europeia). De qualquer modo, e com esta ressalva, soberano, numa
Federação, é o Estado Federal, ou, se se preferir, a Nação como um todo
considerada.

75. Direito Constitucional, vol. 1, tomo 3, Max Limonad, São Paulo,

4ª ed., 1958, p. 476.


Roque Antonio Carrazza 65

competências (inclusive tributárias), levada a efeito pela Constituição


Federal.

UZ
CR
II- Tão marcante é o princípio federativo, que lei
alguma, nenhum poder, nenhuma autoridade, poderá, direta ou

ES
indiretamente, às claras ou de modo sub-reptício, derrogá-lo ou, de algum

M
modo, amesquinhá-lo. É cláusula pétrea, e, destarte, irremovível até por

:27 GO
emenda constitucional, como ressai da só leitura do art. 60, § 4º, I, da
Constituição Federal (“não será objeto de deliberação a proposta de

:14 EL
emenda constitucional tendente a abolir a forma federativa de Estado”).
21 HA
2 - IC
IIa- Pois bem, na Federação Brasileira há
02 - M

igualdade jurídica entre as pessoas políticas. Nela, a União, os Estados-


membros, os Municípios e o Distrito Federal juridicamente ocupam o
0/2 52

mesmo plano hierárquico: uns não preferem aos outros. Pela óptica do
1/1 1-
: 0 .01

Direito, todos foram parificados pela Constituição Federal.


Em .898

IIb- Evidentemente, esta igualdade jurídica –


como bem o demonstrou José Souto Maior Borges76 – absolutamente não
28

significa que a União, os Estados-membros, os Municípios e o Distrito


r: 0

Federal se confundem, mas, apenas, que suas atribuições, conquanto


po

diversas, correspondem a feixes de competência postos em atuação


sso

mediante princípios e regras contidos na Carta Política. As diferenças entre


pre
Im

76.“Eficácia e hierarquia da lei complementar”, in Revista de Direito


Público 25, p. 94, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais.
66
Roque Antonio Carrazza

eles não estão nos níveis hierárquicos que ocupam, mas nas competências

UZ
distintas que receberam da própria Constituição Federal.

CR
IIc- Equivoca-se, pois, quem supõe que,

ES
juridicamente, a União está acima dos Estados-membros; que os Estados-

M
membros sobrepairam os Municípios; que os Municípios se encontram

:27 GO
num patamar jurídico superior ao ocupado pelo Distrito Federal. Pelo
contrário, todas as pessoas políticas situam-se no mesmo patamar jurídico,

:14 EL
pelo quê – tornamos a insistir – inexiste hierarquia jurídica entre elas.77
21 HA
2 - IC
III- Do exposto, é fácil perceber que o princípio
02 - M

federativo veda tratamentos jurídicos que criem distinções ou preferências,


inclusive tributárias e financeiras, entre as pessoas políticas.
0/2 52
1/1 1-

Como corolário, a União, os Estados-membros,


: 0 .01

os Municípios e o Distrito Federal devem, em suas relações, observar


Em .898

condutas que preservem suas autonomias recíprocas e, com elas, a própria


Federação. Noutro giro verbal: carecem, ao se interrelacionarem, de
28

observar condutas de fidelidade, justamente para que venha preservado o


r: 0

princípio federativo.
po

Nenhuma unidade federada pode, por autoridade


sso

própria, obrigar as demais a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa,


máxime em matéria tributária.
pre
Im

77. Não se nega que, sob os aspectos político, econômico, sociológico

etc., há hierarquia entre as pessoas políticas; não, porém, sob o


aspecto jurídico.
Roque Antonio Carrazza 67

IIIa- Assim é, porquanto, na Federação


Brasileira, os Estados-membros desfrutam de autonomia constitucional e

UZ
legislativa. Por meio de suas Assembleias Legislativas, que estão investidas

CR
do chamado “poder constituinte decorrente”, eles se outorgam as próprias
Constituições, que devem, porém, observar os princípios jurídicos

ES
sensíveis, vale dizer, as diretrizes maiores fixadas na Constituição

M
Federal.78

:27 GO
Também os Estados-membros editam suas

:14 EL
próprias leis, que precisam harmonizar-se com suas Constituições e com os
21 HA
referidos princípios sensíveis da Constituição do Estado Federal; não, com
2 - IC

as leis federais.
02 - M

IIIb- Anotamos, outrossim, que há absoluta


0/2 52

igualdade jurídica entre os Estados-membros. Como, em termos


1/1 1-
: 0 .01

estritamente jurídicos, só se pode falar em hierarquia de normas quando


umas extraem das outras a validade e a legitimidade (cf. Roberto J.
Em .898

Vernengo79), torna-se onipatente que as leis estaduais (tanto quanto as do


28

Distrito Federal) ocupam o mesmo patamar, vale consignar, umas não


r: 0

preferem às outras. Realmente, todas encontram fundamento de validade


na própria Carta Magna, apresentando campos de atuação exclusivos e
po
sso
pre

78. A autonomia constitucional dos Estados-membros não é absoluta,


Im

mas relativa. Isto porque a Constituição Federal lhes limita a


faculdade constituinte, mediante a repartição de competências entre a
ordem jurídica parcial central (a União) e as ordens jurídicas parciais
periféricas (os Estados federados). Os Estados federados devem,
necessariamente, observar tais competências.

79. Curso de Teoria General del Derecho, Depalma, Buenos Aires, 1995,

2ª ed., 4ª reimpressão, p. 116 e ss.


68
Roque Antonio Carrazza

muito bem discriminados. Por se acharem igualmente subordinadas à

UZ
Constituição, as várias ordens jurídicas estaduais são isônomas.

CR
Na medida em que cada Estado-membro goza de

ES
ampla autonomia em relação aos demais, nenhum deles pode determinar
como os outros devem proceder, no aproveitamento dos créditos de ICMS,

M
:27 GO
quando ocorre uma transferência interestadual de mercadorias, entre
estabelecimentos de um mesmo titular.

:14 EL
21 HA
IV- Ora, é justamente em função do princípio
federativo, que assegura, a cada Estado-membro ampla autonomia em
2 - IC

relação aos demais, que nenhum deles pode determinar como os outros
02 - M

devem proceder.
0/2 52

Em consequência, fatalmente surgirão


1/1 1-
: 0 .01

controvérsias entre os Estados-membros,80 acerca do modo de serem


aproveitados os créditos de ICMS, quando ocorrer uma transferência
Em .898

interestadual de mercadorias, entre estabelecimentos de um mesmo titular.


28

Daí mostrar-se necessário, como mais adiante


r: 0

veremos,81 que a decisão da ADC 49 seja modulada, até que o assunto


po

venha disciplinado por meio de uma lei complementar nacional, editada


sso

com base no disposto no art. 155, § 2º, XII, c, da Constituição Federal.


pre
Im

80. Naturalmente, tais controvérsias também podem surgir entre os


Estados-membros e o Distrito Federal, já que esta pessoa política
também tem competência para tributar por meio de ICMS.

81. Infra, item 8.


Roque Antonio Carrazza 69

7.2. Da necessidade de edição de uma lei complementar nacional

UZ
CR
I- Conforme é de trivial sabença, cabe à lei
complementar nacional, a que alude o art. 146 do Texto Magno, veicular

ES
“normas gerais em matéria de legislação tributária”.

M
:27 GO
Em matéria de ICMS também compete à lei
complementar disciplinar o “regime de compensação do imposto”,

:14 EL
conforme dispõe a alínea “c”, do inciso XII, do § 2º, do art. 155, da
Constituição Federal. 21 HA
2 - IC

A assertiva cresce de ponto nas hipóteses em que


02 - M

duas Unidades Federadas estão habilitadas a exigir o ICMS, de um mesmo


0/2 52

contribuinte; é o que se dá nas operações mercantis interestaduais.


1/1 1-
: 0 .01

De fato, nessa hipótese, a utilidade da edição de


uma lei complementar nacional salta aos olhos: evitar a “guerra fiscal”, no
Em .898

que se refere ao aproveitamento dos créditos de ICMS de um mesmo


28

contribuinte, que transfere mercadorias, entre seus estabelecimentos,


r: 0

localizados em unidades federadas distintas.


po

Para que tal não ocorra, a solução do potencial


conflito foi atribuída pela Carta Magna ao legislador complementar
sso

nacional. Assim, de um lado, não se enfraquecerá a Federação, com os


pre

fatais embates entre as unidades federadas e, de outro, prevalecerá, em toda


Im

a latitude, o princípio da não cumulatividade do ICMS.

II- Impende destacar, a esse respeito, que,


enquanto alguns Estados-membros firmaram entendimento no sentido de
70
Roque Antonio Carrazza

que é o estabelecimento de origem do contribuinte que poderá aproveitar

UZ
os créditos de ICMS, outros, fazem empenho de que ele deve dar-se no

CR
estabelecimento de destino.82

ES
Só vislumbramos um caminho para preservar o
harmonioso interrrelacionamento das Unidades Federadas: a edição de uma

M
:27 GO
lei complementar nacional, que dirimirá a controvérsia.

E nem se diga que, enquanto isso não se der, os

:14 EL
Estados-membros poderão suprir a lacuna, com apoio no art. 24, § 3º, da
Constituição Federal.
21 HA
2 - IC
02 - M
0/2 52

7.3. Da impossibilidade jurídica de ser editada, no caso em


1/1 1-

estudo, uma lei complementar estadual


: 0 .01
Em .898

I- É ponto bem averiguado que, embora caiba à


28

União, nos termos do precitado art. 146, da Constituição Federal, veicular


r: 0

normas gerais em matéria tributária, aos Estados-membros também é dado


po

fazê-lo, nas situações apontadas no art. 24, I e em seus parágrafos 1º a 4º,


do mesmo Diploma Supremo.
sso

Só para nos situarmos no assunto, o art. 24, I, da


pre

Constituição Federal, permite que os Estados (tanto quanto o Distrito


Im

82. Os Estados de Minas Gerais e de São Paulo, nas respostas às


Consultas nos. 186, de 18.8.2021 e 23.654, de 23.8.2021,
respectivamente, continuam a aplicar suas legislações, desconsiderando
o quanto foi decidido na ADC 49.
Roque Antonio Carrazza 71

Federal) legislem concorrentemente sobre Direito Tributário. Estabelece


esse dispositivo:

UZ
“Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao

CR
Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
“I – direito tributário, financeiro, peniten-

ES
ciário, econômico e urbanístico; (...)”83.

M
E os supramencionados parágrafos estatuem:

:27 GO
“Art. 24 (‘omissis’) (...)

:14 EL
“§ 1º. No âmbito da legislação concorrente,
a competência da União limi-tar-se-á a estabelecer normas gerais.
21 HA
“§ 2º. A competência da União para legislar
2 - IC
sobre normas gerais não exclui a competên-cia suplementar dos
Estados.
02 - M

“§ 3º. Inexistindo lei federal sobre normas


gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para
0/2 52

atender a suas peculiaridades.


1/1 1-

“§ 4º. A superveniência de lei federal sobre


: 0 .01

normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for


contrário”.
Em .898

II- Tercio Sampaio Ferraz Jr., em erudito estudo


28

sobre o tema, ensina; verbis:


r: 0

“10. Pelo art. 24, §§ 2º e § 3º, duas situações,


po

ademais, merecem atenção. O § 3º regula o caso de inexistência de


lei federal sobre normas gerais, ou seja, de lacuna. A Constituição
sso

Federal, ocorrendo a mencionada inexistência, autoriza o Estado


federado a preenchê-la, isto é, a legislar sobre normas gerais, mas
pre

apenas para atender a suas peculiaridades. O Estado, assim, passa


a exercer uma competência legislativa plena, mas com função
Im

colmatadora de lacuna, vale dizer, apenas na medida necessária


para exercer sua competência própria de legislador sobre normas

83. Grifamos.
72
Roque Antonio Carrazza

particulares. Ele pode, pois, legislar sobre normas gerais naquilo


em que elas constituem condições de possibilidade para a

UZ
legislação própria sobre normas particulares. Tais normas gerais
estaduais com função colmatadora por isso mesmo só podem ser

CR
gerais quanto ao conteúdo, mas não quanto aos destinatários: só
obrigam nos limites da autonomia estadual.

ES
“11. Diferente, a nosso ver, é a situação do

M
§ 2º, em que, inobstante a competência privativa da União e até
supondo-a exercida (não há, pois, inexistência ou lacuna de

:27 GO
normas gerais), garante aos Estados a chamada competência
suplementar. Esta competência, aliás, também é conferida aos

:14 EL
Municípios (art. 30, II), que, no entanto, não participam da compe-
tência concorrente. Que significa, então, o constituinte com esta
competência? 21 HA
2 - IC
“12. A competência suplementar não se
confunde com o exercício da competência plena para atender a
02 - M

suas peculiaridades conforme consta do § 2º, que é competência


para editar normas gerais em caso de lacuna (inexistência) na
0/2 52

legislação federal. Não se trata, pois, de competência para editar


1/1 1-

normas gerais eventualmente concorrentes. Se assim fosse, o § 3º


seria inútil ou o § 3º tomaria inútil o § 2º. Além disso, é
: 0 .01

competência também atribuída aos Municípios, que estão, porém,


Em .898

excluídos da legislação concorrente. Isto nos leva a concluir que a


competência suplementar não é para a edição de legislação
concorrente, mas para a edição de legislação decorrente, que é
28

uma legislação de regulamentação, portanto, de normas gerais que


regulam situações já configuradas na legislação federal e às quais
r: 0

não se aplica o disposto no § 4º (ineficácia por superveniência de


po

legislação federal), posto que com elas não concorrem (se


concorrem, podem ser declaradas inconstitucionais). É pois
sso

competência que se exerce à luz de normas gerais da União e não


na falta delas.84
pre
Im

84.“Normas gerais e competência concorrente. Uma exegese do art. 24


da Constituição Federal”, in Revista da Faculdade de Direito da USP
90/245-251, São Paulo, janeiro/1995 (grifamos).
Roque Antonio Carrazza 73

Assim, para esse renomado autor, a tônica da


competência concorrente cinge-se à delimitação da expressão “normas

UZ
gerais”, com o que estamos de pleno acordo.

CR
III- Ora, a competência concorrente conferida

ES
aos Estados-membros, pelo art. 24, da Carta Suprema, quando ausentes

M
“normas gerais” veiculadas por meio de lei complementar nacional, não

:27 GO
atribui àqueles entes federados, a competência para regular, por meio de
leis complementares estaduais, o modo de aproveitamento dos créditos de

:14 EL
ICMS, nas transferências interestaduais de mercadorias, entre estabeleci-
21 HA
mentos de uma mesma sociedade empresária.
2 - IC
02 - M

É que a lei complementar do Estado-membro,


editada no exercício de sua competência concorrente, somente poderá
0/2 52

veicular normas gerais de alcance local, vale dizer, “para atender a suas
1/1 1-

peculiaridades”; não, quando estiver em jogo – como no caso em consulta


: 0 .01

– o interrelacionamento de vários Estados-membros.


Em .898

Em outros termos, não é permitido à lei


28

complementar estadual estender sua manus fiscal sobre atuação havida85


r: 0

(ou estado de fato existente86) fora da Unidade Federada que a editou, já


que lá não tem voga, por força do princípio da territorialidade.87
po
sso
pre

85. V.g., praticar operação mercantil.


Im

86. V.g., ser proprietário de veículo automotor.

87.Relembramos que a competência tributária – aptidão jurídica para


criar in abstracto tributos – é exercitada por meio de lei, que deve
descrever todos os elementos da norma jurídica pertinente, entre os
quais a hipótese de incidência da exação, com seus aspectos material,
temporal e espacial. O aspecto espacial indica o local onde deverá
ocorrer a conduta (ou estado de fato) que será havida por fato imponível
74
Roque Antonio Carrazza

IV- Pois bem. Diante dessa impossibilidade

UZ
jurídica, somente a edição de uma lei complementar nacional terá o condão

CR
de evitar que o princípio da não-cumulatividade do ICMS venha
atropelado, quando ocorrer uma transferência interestadual de mercadorias,

ES
entre estabelecimentos pertencentes a uma mesma sociedade empresária.

M
:27 GO
Com efeito, sem a edição de tal ato normativo,
fica em aberto a possibilidade de o Estado de destino não aceitar os créditos

:14 EL
de ICMS, oriundos das operações ou prestações anteriores, ocorridas no
Estado de origem. Em 21 HA
isso ocorrendo, o tributo tornar-se-á
2 - IC
(inconstitucionalmente, é claro) cumulativo.
02 - M

Tudo se conjuga, pois, no sentido de ser


0/2 52

sobremodo conveniente, que o Supremo Tribunal Federal module a decisão


1/1 1-

da ADC 49, de modo a (i) preservar o passado, (ii) esclarecer os


: 0 .01

supramencionados pontos controvertidos e, (iii) dar tempo para que a


Em .898

União, valendo-se do disposto no art. 155, § 2º, XII, c¸da Constituição de


República, edite uma lei complementar nacional, disciplinando, também
28

nessa hipótese, o regime de compensação do ICMS.


r: 0

Então, vejamos.
po
sso
pre

e, deste modo, fará nascer, para uma dada pessoa, o dever jurídico de
recolher o tributo.
Im

Porém, ao cuidar deste aspecto, a lei precisa levar em conta o


princípio da territorialidade, que impõe a incidência dentro das
fronteiras da entidade tributante, circunstância que previne conflitos
entre as pessoas políticas. E, evidentemente, a providência
administrativa de constituição do tributo somente será válida caso se
perfaça nos limites da territorialidade, vale dizer, dentro do espaço
de competência do ente federativo.
Roque Antonio Carrazza 75

8. Da necessidade de modulação, no caso concreto, dos efeitos


da decisão expendida na ADC 49

UZ
CR
I- O Estado Democrático de Direito traz consigo

ES
a segurança jurídica e a proibição de qualquer arbitrariedade. Nele impera

M
a certeza de que da conduta das pessoas não derivarão outras consequências

:27 GO
jurídicas além das previstas, em cada caso e momento, pela lei já vigente.

:14 EL
Estamos a notar, pois, que a segurança jurídica
21 HA
vem reforçada pelo princípio da irretroatividade das leis, que, em nosso
2 - IC
País, tem assento na própria Constituição. De fato, o art. 5º, XXXVI, da
02 - M

Carta Magna, ao estabelecer que “a lei não prejudicará o direito adquirido,


a coisa julgada e o ato jurídico perfeito”, implicitamente exige que ela não
0/2 52

retroaja.
1/1 1-
: 0 .01

II- Acrescentamos, com Misabel Derzi, que o


Em .898

princípio da irretroatividade deve alcançar, também os atos do Executivo e


as decisões judiciais, já que o que vale para o legislador, precisa valer,
28

igualmente, para o administrador público e para o juiz. Como observa esta


r: 0

preclara jurista “a Administração e o Poder Judiciário não podem tratar


po

os casos que estão no passado de modo que se desviem da prática até então
sso

utilizada, na qual o contribuinte tenha confiado”.88 Isto absolutamente não


significa que a jurisprudência (administrativa ou judicial) não possa ser
pre
Im

88. Notas às Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar, de

Aliomar Baleeiro (Forense, Rio, 1997, 7ª ed.), p. 193 (esclarecemos no


parêntese).
76
Roque Antonio Carrazza

alterada, mas, apenas, que, uma vez alterada, só pode, em alguns casos,

UZ
alcançar eventos futuros.

CR
Em suma, a jurisprudência também está

ES
submetida ao art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal, já que o princípio
da irretroatividade incide sobre todo o Direito.

M
:27 GO
III- No caso concreto, o Supremo Tribunal

:14 EL
Federal, ao dar, com efeitos erga omnes, pela inconstitucionalidade dos

21 HA
arts. 11, § 3º, II; 12, I (no trecho “ainda que para outro estabelecimento do
mesmo titular”); e, 13, § 4º, da Lei Complementar nº 87/1996, retirou, por
2 - IC

via reflexa, o fundamento de validade de diversos dispositivos de leis dos


02 - M

Estados-membros e do Distrito Federal, que, vazadas nos moldes dos


0/2 52

referidos artigos (i) determinavam a incidência do ICMS, nas operações de


1/1 1-

transferência de bens, entre estabelecimentos de um mesmo contribuinte e,


: 0 .01

(ii) veiculavam o “princípio da autonomia dos estabelecimentos”.


Em .898

O decisum em tela também afetou situações


28

sedimentadas por anos de aplicação, quer dos mencionados artigos da Lei


r: 0

Complementar nº 87/1996 (agora declarados inconstitucionais), quer das


leis locais, afinadas no mesmo diapasão.
po
sso

Além disso, irradiou efeitos sobre situações que


não foram antevistas. É o caso (i) das repercussões indiretas da incidência
pre

do ICMS, mormente na apropriação de créditos, por parte de adquirentes


Im

das mercadorias, em operações alcançadas por esta exação e, (ii) do destino


desses créditos, em transferências interestaduais.
Roque Antonio Carrazza 77

Tudo isso demanda (i) esclarecimentos, em sede


de embargos declaratórios (interpostos pela Fazenda Pública do Estado do

UZ
Rio Grande do Norte) ou, melhor, (ii) modulação dos efeitos do acórdão

CR
prolatado nos autos da ADC 49.

ES
IIIa- Isso porque o cumprimento, puro e simples,

M
do v. acórdão, poderá levar à afronta, seja do princípio da não

:27 GO
cumulatividade do ICMS, seja do próprio pacto federativo, com o fomento
da nefasta guerra fiscal entre as pessoas políticas, o aumento dos custos de

:14 EL
produção e o incremento da carga tributária, a ser suportada pelo
21 HA
consumidor final das mercadorias.
2 - IC
02 - M

Sendo mais específicos, a aplicação do v.


acórdão, tal como se encontra prolatado nos autos da ADC nº 49, poderá
0/2 52

gerar indevidos estornos de créditos, pelas unidades federadas, quando não


1/1 1-

o acúmulo de créditos no Estado de origem,89 em razão de um entendimento


: 0 .01

“muito a propósito”, quer do já estudado art. 155, § 2º, II, “b”, da


Em .898

Constituição Federal, quer do art. 20, § 1º, da Lei Complementar nº


87/1996, que determina que “não dão direito a crédito as entradas de
28

mercadorias ou utilização de serviços resultantes de operações ou


r: 0

prestações isentas ou não tributadas (...)”.


po

IIIb- De outra banda, o estabelecimento de


sso

destino poderá não ser autorizado, pela Fazenda Pública local, a aproveitar
pre
Im

89. Tal acúmulo, por não ser recuperável no futuro, se tornaria um


custo adicional à operação, ex vi do disposto no Pronunciamento Técnico
CPC 01 (R1), do Comitê de Pronunciamentos Contábeis, que trata da
Redução ao Valor Recuperável de Ativos, bem como de uma interpretação
a contrario sensu, do art. 301, § 3º, do RIR/2018 (que estabelece não
se incluírem no custo, os impostos “recuperáveis”).
78
Roque Antonio Carrazza

os créditos das operações anteriores, para serem utilizados como moeda de

UZ
pagamento do ICMS (com evidentes prejuízos ao caixa da empresa).

CR
IIIc- Ora, como exaustivamente explicado, a

ES
transferência de mercadorias entre estabelecimentos de um mesmo titular
não passa de um deslocamento físico; jamais, de uma operação de

M
:27 GO
circulação jurídica de mercadorias. Passa, pois, ao largo da incidência do
ICMS e, por igual modo, da aplicação dos arts. 155, § 2º, II, “b”, da

:14 EL
Constituição Federal, e 20, § 1º, da Lei Complementar nº 87/1996.
21 HA
IV- Justamente em face dessas incertezas, acerca
2 - IC

de como será aplicado o decisum, entendemos que a modulação de seus


02 - M

efeitos se faz necessária, se por mais não fosse, para resguardar a validade
0/2 52

das operações anteriormente realizadas, e que não foram objeto de


1/1 1-

contestação em juízo.
: 0 .01

Para tanto, o Pretório Excelso pode se valer do


Em .898

disposto no art. 27, da Lei n.º 9.868, de 11 de novembro de 1999, que


prescreve; verbis:
28
r: 0

“Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade


de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança
po

jurídica ou excepcional interesse social, poderá o Supremo


Tribunal Federal, por maioria de 2/3 (dois terços) de seus
sso

membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que


ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro
pre

momento que venha a ser fixado”.


Im

IVa- Esclarecemos que este texto legal resulta da


proposta constante do Projeto de Lei nº 2.960/1997, cuja Exposição de
Motivos dispunha; verbis:
Roque Antonio Carrazza 79

“Coerente com evolução constatada no


Direito Constitucional comparado, a presente proposta permite
que o próprio Supremo Tribunal Federal, por uma maioria

UZ
diferenciada, decida sobre os efeitos da declaração de
inconstitucionalidade, fazendo um juízo rigoroso de ponderação

CR
entre o princípio da nulidade da lei inconstitucional, de um lado, e
os postulados da segurança jurídica e do interesse social, de outro

ES
(art. 27). Assim, o princípio da nulidade somente será afastado ‘in
concreto’ se, a juízo do próprio Tribunal, se puder afirmar que a

M
declaração de nulidade acabaria por distanciar-se ainda mais da

:27 GO
vontade constitucional.
“Entendeu, portanto, a Comissão que, ao

:14 EL
lado da ortodoxa declaração de nulidade, há de se reconhecer a
possibilidade de o Supremo Tribunal, em casos excepcionais,
21 HA
mediante decisão da maioria qualificada (dois terços dos votos),
estabelecer limites aos efeitos da declaração de
2 - IC

inconstitucionalidade, proferindo a inconstitucionalidade com


02 - M

eficácia ‘ex nunc’ ou ‘pro futuro’, especialmente naqueles casos


em que a declaração de nulidade se mostre inadequada (‘v.g.’
0/2 52

lesão positiva ao princípio da isonomia) ou nas hipóteses em que a


lacuna resultante da declaração de nulidade possa dar ensejo ao
1/1 1-

surgimento de uma situação ainda mais afastada da vontade


: 0 .01

constitucional (...)”.90
Em .898

IVb- Como se vê, a Exposição de Motivos supra


é auto-explicativa: enfatiza que o princípio da nulidade deve ser afastado
28

sempre que se puder demonstrar, com base numa ponderação concreta, que
r: 0

a declaração de inconstitucionalidade ortodoxa inflinge maus tratos à


po

segurança jurídica ou a valor constitucional materializável sob a forma de


sso

interesse social.91
pre
Im

90.Exposição de Motivos nº 189, de 07.04.1997, ao Projeto de Lei nº


2.960/1997.

91. Cf. Rui Medeiros, A divisão de inconstitucionalidade,


Universidade Católica, Lisboa, 1999, pp. 703 e 704.
80
Roque Antonio Carrazza

É o que se dá, no caso concreto.

UZ
V- Tudo se conjuga, pois, no sentido de que,

CR
salvo melhor juízo, cabe ao Supremo Tribunal Federal, modular os efeitos

ES
da decisão expendida nos autos da ADC 49, em ordem a preservar as

M
situações pretéritas e a dar tempo para que uma lei complementar nacional

:27 GO
venha editada, disciplinando o aproveitamento dos créditos de ICMS, nas
transferências de mercadorias entre estabelecimentos de um mesmo

:14 EL
contribuinte, especialmente quando situados em unidades federadas
distintas. 21 HA
2 - IC
02 - M

9. Conclusões
0/2 52
1/1 1-
: 0 .01

Tudo posto e considerado, só nos resta formular


Em .898

as seguintes conclusões:92
28

I- A regra-matriz do ICMS incidente sobre as operações mercantis


r: 0

(ICMS-operações mercantis), encontra-se nas seguintes partes do art. 155,


po

II, da Constituição Federal: “Compete aos Estados e ao Distrito Federal


sso

instituir impostos sobre... operações relativas à circulação de


mercadorias... ainda que as operações se iniciem no exterior”.
pre
Im

92. Evidentemente, assuntos correlatos e a própria fundamentação das

conclusões encontram-se no corpo do parecer jurídico.


Roque Antonio Carrazza 81

Ia- Portanto, por injunção constitucional, este ICMS tem, por hipótese de
incidência possível, o fato de uma pessoa praticar uma operação jurídica,

UZ
que acarreta a circulação de mercadorias, isto é, a transmissão de sua

CR
titularidade.

ES
Ib- Podem realizar tal operação apenas o produtor, o industrial ou o

M
comerciante.93

:27 GO
Ic- O sujeito passivo possível do ICMS é apenas a pessoa que pratica

:14 EL
operações mercantis e, não, cada um dos seus estabelecimentos (matriz e

21 HA
filiais), que apenas lhe fazem juridicamente as vezes, embora, por razões
operacionais, tenham CNPJ’s próprios.
2 - IC
02 - M
0/2 52
1/1 1-
: 0 .01

93. Com essa frase não queremos significar que apenas as pessoas
Em .898

dotadas de personalidade jurídica de comerciante, industrial ou


produtor, conforme as regras de direito privado, podem ser validamente
compelidas a ocupar a posição de sujeitos passivos do ICMS. Também pode
ser alcançado por este imposto quem lhes faz as vezes, como, v.g., o
28

comerciante de fato, o comerciante irregular, um agregado familiar que,


ainda que de modo clandestino, promova, em caráter de habitualidade,
r: 0

atos de comércio ou, mesmo, um menor absolutamente incapaz que


repetidamente pratique operações relativas à circulação de mercadorias,
e assim avante. Esta ideia, aliás, vem ao encontro do disposto no art.
po

126 do CTN: “A capacidade passiva independe: I – da capacidade civil


das pessoas naturais; II – de achar-se a pessoa natural sujeita a
sso

medidas que importem privação ou limitação do exercício de atividades


civis, comerciais ou profissionais, ou da administração direta de seus
bens ou negócios; III – de estar a pessoa jurídica regularmente
pre

constituída, bastando que configure uma unidade econômica ou


profissional”.
Logo, para fins de tributação por meio de ICMS as noções de
Im

“comerciante”, “industrial” ou “produtor” adquirem uma dimensão maior


que as dimensões dadas pelo direito civil ou pelo direito comercial.
Como pertinentemente estipula o art. 4º, da Lei Complementar nº
87/1996, pode ser contribuinte do ICMS qualquer pessoa (física,
jurídica ou, até, sem personificação de direito) envolvida, em caráter
de habitualidade ou em volume que caracterize intuito comercial, com a
prática de operações mercantis.
82
Roque Antonio Carrazza

Id- Logo, a sociedade empresária (não os estabelecimentos que possui) é

UZ
que é o sujeito passivo possível do ICMS, pois é ela que detém os direitos

CR
e obrigações relativos a este tributo.

ES
II- O ICMS deve obedecer ao princípio da não-cumulatividade,
plasmado no art. 155, § 2º, I e II, da Constituição Federal, que assegura ao

M
:27 GO
contribuinte, em cada operação ou prestação, uma dedução correspondente
aos montantes deste tributo, devidos nas operações ou prestações

:14 EL
anteriores.
21 HA
IIa- Este direito só não se impõe nos casos de isenção e não-incidência
2 - IC

(cf. art. 155, § 2º, II, da CF), exceções que, além de deverem ser
02 - M

interpretadas restritivamente, não podem ser ampliadas, quer pelas leis


0/2 52

(lato sensu), quer por convênios, quer, ainda, pelo labor exegético.
1/1 1-

IIb- Ademais, as hipóteses de isenção ou não-incidência podem ser


: 0 .01

afastadas pela legislação.94


Em .898

III- Recentemente, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADC


28

nº 49, sufragou, com eficácia erga omnes, a tese de que “[o] deslocamento
r: 0

de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular não configura


po

fato gerador da incidência de ICMS, ainda que se trate de circulação


sso

interestadual”.
pre

IIIa- Tal tese, a nosso ver incontroversa, quando as transferências se dão


entre estabelecimentos de uma mesma sociedade empresária, localizados
Im

94. Foi o que fez a Lei Complementar nº 87/1996, em seu art. 21, §
2º, ao estatuir que “não se estornam créditos referentes a mercadorias
e serviços que venham a ser objeto de operações ou prestações destinadas
do exterior”.
Roque Antonio Carrazza 83

na mesma unidade federada, pode causar controvérsias e inseguranças


jurídicas, quando eles se situam em unidades federadas diferentes.

UZ
IIIb- Evidentemente, as situações pretéritas, vale dizer, consolidadas

CR
antes do julgamento da ADC 49, devem ser mantidas, para que prevaleçam

ES
os princípios da segurança jurídica e da confiança dos contribuintes.

M
IIIc- Nelas, os Estados de origem e de destino devem continuar a aceitar

:27 GO
os créditos de ICMS, uma vez que nas transferências interestaduais de

:14 EL
mercadorias, tal entendimento prevalecia de maneira mansa e remansosa.

21 HA
IV- Nas transferências de mercadorias que vierem a ocorrer no futuro, ou
2 - IC

seja, após o julgamento da ADC 49, faz-se necessária, salvo melhor juízo,
02 - M

a edição, com base no art. 155, § 2º, XII, c, da Constituição Federal, de uma
0/2 52

lei complementar nacional, disciplinando o assunto.


1/1 1-

IVa- De fato, nessa hipótese, a utilidade da edição de uma lei


: 0 .01

complementar nacional salta aos olhos: evitar a “guerra fiscal”, no que se


Em .898

refere ao aproveitamento dos créditos de ICMS de um mesmo contribuinte,


que transfere mercadorias, entre seus estabelecimentos, localizados em
28

unidades federadas distintas.


r: 0

IVb- Com a adoção de tal medida, de um lado, não se enfraquecerá a


po

Federação, com os fatais embates entre as unidades federadas e, de outro,


sso

prevalecerá, em toda a latitude, o princípio da não cumulatividade do


pre

ICMS.95
Im

95. Impende destacar, a esse respeito, que, enquanto alguns Estados-

membros firmaram entendimento no sentido de que é o estabelecimento de


origem do contribuinte que poderá aproveitar os créditos de ICMS,
84
Roque Antonio Carrazza

V- O princípio federativo (art. 1º, da CF) veda tratamentos jurídicos que

UZ
criem distinções ou preferências, entre as unidades federadas.

CR
Va- Nenhum Estado-membro pode, por autoridade própria, obrigar os

ES
demais a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa, máxime em matéria
tributária.

M
:27 GO
Vb- Em consequência, nenhum deles pode determinar como os demais
devem proceder, no aproveitamento dos créditos de ICMS, quando ocorre

:14 EL
uma transferência interestadual de mercadorias, entre estabelecimentos de
um mesmo titular.
21 HA
2 - IC
02 - M

Vc- Daí mostrar-se necessário que a decisão da ADC 49 seja modulada,


até que o assunto venha disciplinado por meio de uma lei complementar
0/2 52

nacional, editada com base no disposto no art. 155, § 2º, XII, c, da


1/1 1-

Constituição Federal.
: 0 .01
Em .898

Vd- Somente com a tomada de tal providência, evitar-se-á que o princípio


da não cumulatividade do ICMS venha atropelado, quando ocorrer a
28

precitada transferência interestadual de mercadorias.


r: 0
po

VI- Enquanto não for editada a referida lei complementar nacional, os


Estados-membros não poderão suprir a lacuna, com apoio no art. 24, § 3º,
sso

da Constituição Federal.
pre
Im

outros, fazem empenho de que ele deve dar-se no estabelecimento de


destino.
Os Estados de Minas Gerais e de São Paulo, nas respostas às Consultas
nos. 186, de 18.8.2021 e 23.654, de 23.8.2021, respectivamente,
continuam a aplicar suas legislações, desconsiderando o quanto foi
decidido na ADC 49.
Roque Antonio Carrazza 85

VIa- Isso porque, a competência concorrente conferida aos Estados-


membros, pelo art. 24, § 3º, da Constituição Federal, quando ausentes

UZ
“normas gerais” veiculadas por meio de lei complementar nacional, não

CR
atribui àqueles entes federados, a competência para regular, por meio de
leis complementares estaduais, o modo de aproveitamento dos créditos de

ES
ICMS, nas transferências interestaduais de mercadorias, entre estabeleci-

M
mentos de uma mesma sociedade empresária.

:27 GO
VIb- É que a lei complementar do Estado-membro, editada no exercício

:14 EL
de sua competência concorrente, somente poderá veicular normas gerais de
21 HA
alcance local, vale dizer, “para atender a suas peculiaridades”; não,
2 - IC
quando estiver em jogo – como no caso em consulta – o
02 - M

interrelacionamento de vários Estados-membros.


0/2 52

VIc- Não é permitido à lei complementar estadual estender sua manus


1/1 1-

fiscal sobre atuação havida96 (ou estado de fato existente97) fora da unidade
: 0 .01

federada que a editou, já que lá não tem voga, por força do princípio da
Em .898

territorialidade.
28

VII- O Supremo Tribunal Federal, ao dar, com efeitos erga omnes, pela
r: 0

inconstitucionalidade dos arts. 11, § 3º, II; 12, I (no trecho “ainda que para
outro estabelecimento do mesmo titular”); e, 13, § 4º, da Lei Complementar
po

nº 87/1996, retirou, por via reflexa, o fundamento de validade de diversos


sso

dispositivos de leis dos Estados-membros e do Distrito Federal, que,


pre

vazadas nos moldes dos referidos artigos (i) determinavam a incidência do


Im

96. V.g., praticar operação mercantil.

97. V.g., ser proprietário de veículo automotor.


86
Roque Antonio Carrazza

ICMS, nas operações de transferência de bens, entre estabelecimentos de

UZ
um mesmo contribuinte e, (ii) veiculavam o “princípio da autonomia dos

CR
estabelecimentos”.

ES
VIIa- O decisum em tela também afetou situações sedimentadas por anos
de aplicação, quer dos mencionados artigos da Lei Complementar nº

M
:27 GO
87/1996 (agora declarados inconstitucionais), quer das leis locais, afinadas
no mesmo diapasão.

:14 EL
VIIb- Além disso, irradiou efeitos sobre situações que não foram
antevistas.
21 HA
2 - IC
02 - M

VIIb.1- É o caso (i) das repercussões indiretas da incidência do ICMS,


mormente na apropriação de créditos, por parte de adquirentes das
0/2 52

mercadorias, em operações alcançadas por esta exação e, (ii) do destino


1/1 1-

desses créditos, em transferências interestaduais.


: 0 .01
Em .898

VIII- Ora, tudo isso demanda (i) esclarecimentos, em sede de embargos


declaratórios (interpostos pela Fazenda Pública do Estado do Rio Grande
28

do Norte) ou, melhor, (ii) modulação dos efeitos do acórdão prolatado nos
r: 0

autos da ADC 49.


po

VIIIa- Isso porque o cumprimento, puro e simples, do v. acórdão, poderá


sso

levar à afronta, seja do princípio da não cumulatividade do ICMS, seja do


pre

próprio pacto federativo, com o fomento da nefasta guerra fiscal entre as


pessoas políticas, o aumento dos custos de produção e o incremento da
Im

carga tributária, a ser suportada pelo consumidor final das mercadorias.


Roque Antonio Carrazza 87

VIIIb- A aplicação do v. acórdão, tal como se encontra prolatado nos


autos da ADC nº 49, certamente gerará indevidos estornos de créditos,

UZ
pelas unidades federadas, quando não o acúmulo de créditos no Estado de

CR
origem,98 em razão de um entendimento “muito a propósito”, quer do art.
155, § 2º, II, “b”, da Constituição Federal, quer do art. 20, § 1º, da Lei

ES
Complementar nº 87/1996.99

M
:27 GO
VIIIc- De outra banda, o estabelecimento de destino poderá não ser
autorizado, pela Fazenda Pública local, a aproveitar os créditos das

:14 EL
operações anteriores, para serem utilizados como moeda de pagamento do
21 HA
ICMS (com evidentes prejuízos ao caixa da empresa).
2 - IC

IX- Em função das incertezas sobre como será aplicado o decisum, é que
02 - M

a modulação de seus efeitos se faz necessária (nos termos do art. 27, da Lei
0/2 52

n.º 9.868/1999), se por mais não fosse, a fim de resguardar a validade das
1/1 1-

operações anteriormente realizadas, que não foram objeto de contestação


: 0 .01

em juízo.
Em .898

IXa- O texto do referido art. 27, resulta da proposta constante do Projeto


28

de Lei nº 2.960/1997, cuja Exposição de Motivos dispunha; verbis:


r: 0

“Coerente com evolução constatada no Direito Constitucional


comparado, a presente proposta permite que o próprio Supremo
po
sso

98. Tal acúmulo, por não ser recuperável no futuro, se tornaria um


pre

custo adicional à operação, ex vi do disposto no Pronunciamento Técnico


CPC 01 (R1), do Comitê de Pronunciamentos Contábeis, que trata da
Redução ao Valor Recuperável de Ativos, bem como de uma interpretação
Im

a contrario sensu, do art. 301, § 3º, do RIR/2018 (que estabelece não


se incluírem no custo, os impostos “recuperáveis”).

99.Lei Complementar nº 87/1996: “Art. 20 (‘omissis’) § 1º.Não dão


direito a crédito as entradas de mercadorias ou utilização de serviços
resultantes de operações ou prestações isentas ou não tributadas ou
que se refiram a mercadorias ou serviços alheios à atividade do
estabelecimento”.
88
Roque Antonio Carrazza

Tribunal Federal, por uma maioria diferenciada, decida sobre os


efeitos da declaração de inconstitucionalidade, fazendo um juízo

UZ
rigoroso de ponderação entre o princípio da nulidade da lei
inconstitucional, de um lado, e os postulados da segurança jurídica

CR
e do interesse social, de outro (art. 27). Assim, o princípio da
nulidade somente será afastado ‘in concreto’ se, a juízo do próprio

ES
Tribunal, se puder afirmar que a declaração de nulidade acabaria
por distanciar-se ainda mais da vontade constitucional.

M
“Entendeu, portanto, a Comissão que, ao lado da ortodoxa

:27 GO
declaração de nulidade, há de se reconhecer a possibilidade de o
Supremo Tribunal, em casos excepcionais, mediante decisão da

:14 EL
maioria qualificada (dois terços dos votos), estabelecer limites aos
efeitos da declaração de inconstitucionalidade, proferindo a
21 HA
inconstitucionalidade com eficácia ‘ex nunc’ ou ‘pro futuro’,
especialmente naqueles casos em que a declaração de nulidade se
2 - IC

mostre inadequada (‘v.g.’ lesão positiva ao princípio da isonomia)


02 - M

ou nas hipóteses em que a lacuna resultante da declaração de


nulidade possa dar ensejo ao surgimento de uma situação ainda
0/2 52

mais afastada da vontade constitucional (...)”.100


1/1 1-

IXb- A Exposição de Motivos supra é auto-explicativa: enfatiza que o


: 0 .01

princípio da nulidade deve ser afastado, sempre que se puder demonstrar,


Em .898

com base numa ponderação concreta, que a declaração de


inconstitucionalidade ortodoxa inflinge maus tratos à segurança jurídica ou
28

a valor constitucional materializável sob a forma de interesse social. É o


r: 0

que se dá, no caso concreto.


po

X- Tudo se conjuga, pois, no sentido de ser sobremodo conveniente que


sso

o Supremo Tribunal Federal module a decisão da ADC 49, a fim de (i)


pre

preservar o passado, (ii) esclarecer os supracitados pontos controvertidos


Im

e, (iii) dar tempo para que a União, valendo-se do permissivo do art. 155,

100. Exposição de Motivos nº 189, de 07.04.1997, ao Projeto de Lei

nº 2.960/1997.
Roque Antonio Carrazza 89

§ 2º, XII, c, da Constituição da República, edite uma lei complementar,


disciplinando a transferência de créditos de ICMS, entre estabelecimentos

UZ
do mesmo titular, quando situados em unidades federadas diversas.

CR
ES
Este é o nosso parecer, s.m.j.

M
:27 GO
:14 EL
São Paulo (SP), 05 de outubro de 2021.
21 HA
2 - IC
02 - M

Roque Antonio Carrazza


0/2 52

Professor Titular da Cadeira de Direito Tributário


1/1 1-

da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade


: 0 .01

Católica de São Paulo – Consultor Tributário


(OAB/SP nº 140.204)
Em .898
28
r: 0
po
sso
pre
Im

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