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COMPÊNDIO DE

DIREITO SINDICAL

AMAURI MASCARO NASCIMENTO — In memoriam

SÔNIA MASCARO NASCIMENTO — Mestre e Doutora em Direito do Trabalho pela


Universidade

de São Paulo. Vice-Presidente do Instituto Latino-Americano de Derecho Laboral. Membro do

Instituto Ítalo-brasileiro de Direito do Trabalho. Advogada de Consultora Trabalhista. Diretora

Acadêmica do Núcleo Mascaro — educação em direito. Ex-conselheira da OAB/SP. Ex-presidente

da Comissão Trabalhista da OAB/SP. Ex-conselheira da Comissão de Prerrogativas da OAB/SP.

Professora Universitária.

MARCELO MASCARO NASCIMENTO — Formado pela Universidade Mackenzie e mestre em

Direito pela Universidade de São Paulo. Sócio da Mascaro Nascimento Advocacia Trabalhista,

ex-integrante da Comissão de Direito do Trabalho da Ordem dos Advogados do Brasil/OAB

e ex-professor de Direito do Trabalho e Processos do Trabalho nas Faculdades Metropolitanas

Unidas de São Paulo (FMU).

1ª edição — 1982

2ª edição — 2000
3ª edição — 2003

4ª edição — 2005

4ª edição — 2ª tiragem, 2006

5ª edição — 2008

6ª edição — 2009

6ª edição — 2ª tiragem, 2011

7ª edição — 2012

8ª edição — 2015

AMAURI MASCARO NASCIMENTO

In memoriam

SÔNIA MASCARO NASCIMENTO

MARCELO MASCARO NASCIMENTO

COMPÊNDIO DE

DIREITO SINDICAL

8ª edição

EDITORA LTDA.

Todos os direitos reservados

Rua Jaguaribe, 571

CEP 01224-001

São Paulo, SP — Brasil

Fone (11) 2167-1101

www.ltr.com.br

Junho, 2015
Produção Gráfica e Editoração Eletrônica: RLUX

Projeto de capa: FÁBIO GIGLIO

Impressão: ORGRAFIC

Versão impressa — LTr 5254.4 — ISBN 978-85-361-8454-8

Versão digital — LTr 8733.7 — ISBN 978-85-361-8468-5

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Nascimento, Amauri Mascaro, 1932-2014.

Compêndio de direito sindical / Amauri Mascaro Nascimento (in

memorian), Sônia Mascaro Nascimento, Marcelo Mascaro Nascimento.

— 8. ed. — São Paulo : LTr, 2015.

Bibliografia.

1. Direito do trabalho 2. Direito do trabalho — Brasil 3. Sindicatos

4. Sindicatos — Brasil I. Nascimento, Sônia Mascaro. II. Nascimento,

Marcelo Mascaro. III. Título.

15-03780

CDU-34:331.88(81)

Índice para catálogo sistemático:

1. Brasil : Direito sindical 34:331.88(81)

SUMÁRIO

Apresentação .................................................................................................... 17

PRIMEIRA PARTE

CONCEITO E HISTÓRIA

Capítulo 1. Direito Sindical: Conceito, Divisão e Posição ............................. 21


1. Significado jurídico da expressão direito sindical ....................................... 21

2. Divisão do direito sindical ........................................................................... 27

3. Posição do direito sindical na ciência jurídica ............................................ 29

Capítulo 2. O Princípio da Liberdade Sindical ................................................ 35

1. Dimensões da liberdade sindical ................................................................ 35

2. Liberdade de associação ............................................................................ 36

3. Liberdade de organização ........................................................................... 37

4. Liberdade de administração ........................................................................ 39

5. Liberdade de exercício das funções ........................................................... 40

6. Liberdade de filiação e de desfiliação ......................................................... 43

7. Garantias de liberdade sindical ................................................................... 46

Capítulo 3. Conceitos Básicos do Direito Sindical ........................................ 49

1. Relações coletivas e individuais ................................................................. 49

2. Interesse coletivo e liberdade sindical ........................................................ 50

3. Sujeitos das relações coletivas ................................................................... 54

Capítulo 4. Os Precedentes do Sindicalismo ................................................. 57

1. Características do sindicalismo e das corporações de ofício ..................... 57

2. Reflexos do individualismo jurídico ............................................................. 60

3. A discriminalização das coalizões ............................................................... 61

Capítulo 5. A Fase de Tolerância ...................................................................... 63

1. O direito de associação sindical .................................................................. 63

2. As trade unions ........................................................................................... 63

3. O código prussiano ..................................................................................... 64

4. As origens na França .................................................................................. 64


5. O início do sindicalismo na Itália ................................................................. 65

Capítulo 6. Liberalização e Controle ............................................................... 67

1. A concepção do tipo liberal ......................................................................... 67

2. A concepção do tipo soviético-leninista ....................................................... 68

Capítulo 7. O Corporativismo de Estado ......................................................... 70

1. A concepção do tipo corporativista estatal ................................................. 70

2. Os meios de implementação ...................................................................... 71

Capítulo 8. O Sindicalismo após a Segunda Guerra Mundial ...................... 75

1. Itália: a substituição do intervencionismo pela liberdade sindical .............. 75

2. As reformas na Espanha: a representatividade .......................................... 79

3. O sistema de Portugal: inovações de 2003 ................................................ 81

4. O sindicalismo alemão: cogestão e sindicato ............................................. 82

5. O sindicalismo norte-americano: o local ..................................................... 82

6. O sistema da Argentina: influência do peronismo ....................................... 83

7. O sistema do Uruguai: desregulamentação ................................................ 84

8. O sistema da Inglaterra: laissez-faire coletivo ............................................ 84

Capítulo 9. Os Novos Paradigmas ................................................................... 87

1. Globalização e desemprego ...................................................................... 87

2. A discussão sobre o futuro do sindicato ...................................................... 90

3. As perspectivas contemporâneas ............................................................... 92

Capítulo 10. Fundamentos do Direito Brasileiro: Origens do Sistema

Legal ........................................................................................................... 99

1. Primeiras formas associativas .................................................................... 99


2. Legislação precursora ................................................................................. 101

3. A influência do anarcossindicalismo ............................................................ 102

4. A ação sindical ............................................................................................ 103

Capítulo 11. Fundamentos do Direito Brasileiro: O Corporativismo Estatal

de 1937 .......................................................................................... 106

1. As primeiras manifestações ........................................................................ 106

2. A ineficácia da lei pluralista de 1934 ........................................................... 109

3. A construção e a consolidação do corporativismo sindical ........................ 111

4. O continuísmo da CLT e da Constituição de 1946 ...................................... 114

Capítulo 12. A Ruptura da Ordem Legal nos Governos Militares ................. 116

1. O reaparecimento das Centrais .................................................................. 116

2. As modificações no plano legal ................................................................... 116

Capítulo 13. A Constituição de 1988 ................................................................ 119

1. A Assembleia Nacional Constituinte ............................................................ 119

2. Os princípios constitucionais ....................................................................... 120

3. A reforma do Judiciário de 2004 (EC n. 45) e o direito sindical .................. 121

4. A situação atual (2008) ................................................................................ 124

5. O sindicato por instituições ou empresas ................................................... 126

6. O futuro das Centrais .................................................................................. 127

7. Dissociação de sindicatos ........................................................................... 128

8. Categorias do quadro e extraquadro .......................................................... 129

Capítulo 14. A Organização Internacional do Trabalho ................................. 132

1. A defesa do direito de fundar sindicatos ..................................................... 132


2. A Convenção n. 87, sobre liberdade sindical .............................................. 133

3. Outras Convenções e Recomendações ..................................................... 135

4. O Comitê de Liberdade Sindical ................................................................ 136

Capítulo 15. O Sindicalismo do Tipo Comunitário ......................................... 138

1. A União Europeia ....................................................................................... 138

2. O Mercosul e a Declaração Sociolaboral do Mercosul (1998) .................... 139

SEGUNDA PARTE

CONSTITUCIONALISMO, PRINCÍPIOS E SISTEMAS

Capítulo 16. Características do Constitucionalismo Sindical ....................... 147

1. Constitucionalismo do tipo sintético ............................................................ 147

2. Constitucionalismo do tipo amplo ............................................................... 149

Capítulo 17. As Constituições Brasileiras ...................................................... 155

1. O intervencionismo como princípio ............................................................. 155

2. Avanços, continuísmo e conceitos indeterminados da Constituição de

1988 ............................................................................................................ 156

3. A liberdade sindical e o modelo brasileiro ................................................... 162

Capítulo 18. Concepções Fundantes da Autonomia Sindical ....................... 166

1. O pluralismo jurídico ................................................................................... 166

2. A teoria do direito social ............................................................................. 167

3. A teoria da autonomia coletiva dos particulares .......................................... 168

Capítulo 19. Decorrências dos Princípios Organizativos ............................ 175

1. Associação .................................................................................................. 175

2. Organização ................................................................................................ 177

3. Administração .............................................................................................. 178


4. Garantias ..................................................................................................... 179

5. Limites à liberdade sindical ......................................................................... 180

Capítulo 20. Os Sistemas quanto à Existência de Regulamentação Legal ...... 184

1. Os sistemas de tipo institucional ................................................................. 184

2. Os sistemas de tipo legislado ..................................................................... 187

Capítulo 21. Os Sistemas quanto à Limitação Legal do Número de Sindicatos:

Unicidade, Unidade e Pluralidade ............................................... 191

1. Unicidade legal ............................................................................................ 191

2. Unidade sindical ......................................................................................... 192

3. Pluralidade sindical ..................................................................................... 193

4. O sistema brasileiro .................................................................................... 195

Capítulo 22. Os Sistemas quanto ao Grupo Representado........................... 201

1. O sindicalismo de categorias ...................................................................... 201

2. O sindicalismo de profissões ...................................................................... 208

3. O sindicalismo de empresa ......................................................................... 211

4. Representação e representatividade sindical ............................................ 213

5. O sindicalismo do setor público .................................................................. 215

6. O problema da Contribuição Sindical dos Servidores Públicos .................. 217

7. O sindicalismo do setor rural ....................................................................... 220

8. O sindicalismo do setor patronal ................................................................. 221

TERCEIRA PARTE

TIPOS DE ORGANIZAÇÕES SINDICAIS

Capítulo 23. Entes Sindicais de Cúpula .......................................................... 227


1. Centrais sindicais ........................................................................................ 227

2. União orgânica e unidade de ação ............................................................ 229

3. Centrais sindicais e pactos sociais ............................................................. 229

4. As centrais sindicais e o sistema legal brasileiro ........................................ 231

5. A legalização das Centrais em 2008 ........................................................... 236

a) A nova lei e sua fundamentação ............................................................. 236

b) A desorganização anterior do sistema .................................................... 237

c) A perspectiva constitucional e o modelo híbrido ..................................... 238

d) O problema do financiamento ................................................................. 239

e) A verificação da representatividade ........................................................ 241

f) Atribuições ................................................................................................ 242

g) As opções de filiação .............................................................................. 243

h) Observações finais sobre a lei ................................................................ 243

6. Confederações e federações ...................................................................... 243

Capítulo 24. Entes Sindicais de Base .............................................................. 249

1. Natureza jurídica do sindicato brasileiro ..................................................... 249

2. Sindicatos: conceito ................................................................................... 251

3. Estrutura interna .......................................................................................... 256

4. Categorias ................................................................................................... 258

5. Associação, sindicato e delegacia .............................................................. 261

Capítulo 25. Fundação de Sindicatos .............................................................. 264

1. Observações iniciais ................................................................................... 264

2. Atos pré-constitutivos .................................................................................. 267


3. Estatuto ....................................................................................................... 270

4. Edital de convocação da assembleia .......................................................... 270

5. Assembleia de fundação ............................................................................. 271

6. Ata da assembleia ....................................................................................... 273

7. Número de dirigentes .................................................................................. 273

8. Garantias dos dirigentes: estabilidade sindical e inamovibilidade .............. 276

Capítulo 26. Registro de Sindicatos ................................................................ 283

1. O registro como ato cadastral ..................................................................... 283

2. O registro sindical e o procedimento perante o Ministério do Trabalho e

Emprego ...................................................................................................... 286

a) Aspectos introdutórios ............................................................................. 286

b) O procedimento administrativo ............................................................... 287

c) Pedido de registro e de alteração estaturária ......................................... 287

d) Análise do pedido .................................................................................... 289

e) Publicação do pedido .............................................................................. 290

f) Oportunidade de impugnações ................................................................ 290

g) Solução das impugnações pela autocomposição ................................... 291

h) O ato do registro ..................................................................................... 293

i) Cancelamento do registro ........................................................................ 293

j) Entidades sindicais de grau superior ....................................................... 293

k) Da criação e do registro dos sindicatos na doutrina ............................... 294

l) Da criação e registro sindical sob a perspectiva da Convenção n. 87 da

OIT ........................................................................................................... 296

m) Conclusão .............................................................................................. 298


3. Cadastro Nacional de Entidades Sindicais ................................................. 299

4. Cartório de Registro de Pessoas Jurídicas ................................................. 300

5. Certidão de Registro ................................................................................... 300

6. Impugnação administrativa ......................................................................... 301

7.Impugnação judicial ..................................................................................... 303

Capítulo 27. Representatividade Sindical ....................................................... 304

1. Significados da expressão .......................................................................... 304

2. Representatividade quanto à força de atuação do sindicato ...................... 305

3. Base territorial de atuação e desmembramento ......................................... 306

Capítulo 28. Enquadramento Sindical ............................................................. 308

1. Observações iniciais ................................................................................... 308

2. Alteração judicial do enquadramento do Ministério do Trabalho e Emprego ..... 311

3. Investidura sindical ...................................................................................... 312

4. Avaliação da experiência brasileira ............................................................. 313

Capítulo 29. Funções do Sindicato .................................................................. 321

1. Defesa dos direitos e interesses dos representados .................................. 321

Capítulo 30. Financiamento do Sindicato ....................................................... 325

1. Observações gerais .................................................................................... 325

2. Contribuições compulsórias ........................................................................ 325

3. Contribuições facultativas ........................................................................... 328

Capítulo 31. Eleições Sindicais ........................................................................ 330

1. Princípio básico ........................................................................................... 330

2. Diretrizes ..................................................................................................... 330


3. Capacidade de votar e ser votado .............................................................. 331

4. O voto .......................................................................................................... 332

5. Comissão eleitoral ....................................................................................... 332

6. Competência da Justiça do Trabalho .......................................................... 333

Capítulo 32. O Sindicato perante o Judiciário ................................................ 336

1. Legitimação processual .............................................................................. 336

Capítulo 33. Entes Não Sindicais de Base ...................................................... 338

1. Representação dos trabalhadores no local de trabalho .............................. 338

2. Legislação brasileira ................................................................................... 341

Capítulo 34. Os Sindicatos e a Crise Econômica de 2009 ............................. 343

1. Crise econômica ......................................................................................... 343

2. Instrumentos do nosso ordenamento jurídico ............................................. 344

3. Crise e dispensas coletivas ......................................................................... 346

4. A solução na Europa ................................................................................... 348

5. A solução na Itália ....................................................................................... 348

6. A solução na Espanha ................................................................................. 349

7. A solução na França .................................................................................... 350

10

8. A solução em Portugal ............................................................................... 351

9. Conclusões sobre a dispensa coletiva ........................................................ 352

10. As dificuldades da Justiça do Trabalho ..................................................... 354

11. A Crise Econômica Europeia de 2012 ....................................................... 355

Capítulo 35. Alternativas para os Despedimentos Visando à Proteção dos

Empregos ..................................................................................... 356


1. Suspensão negociada dos contratos de trabalho ....................................... 356

2. Redução negociada da jornada e do salário prevista pela Lei n. 4.923/65,

art. 2º .......................................................................................................... 359

3. Redução salarial por acordo coletivo (CF, art. 7º, inciso VI) ....................... 360

4. Programa de Dispensa Voluntária — PDV ................................................. 361

5. Férias coletivas (CLT, art. 139) ................................................................... 363

6. Conclusões ................................................................................................. 363

Capítulo 36. O Sindicato Brasileiro e a Liberdade Sindical........................... 364

1. Evolução do modelo brasileiro .................................................................... 364

Capítulo 37. Os Sindicatos e a Flexibilização do Direito do Trabalho.......... 368

1. Leis flexibilizadoras ..................................................................................... 368

QUARTA PARTE

CONFLITOS COLETIVOS E FORMAS DE SOLUÇÃO

Capítulo 38. Conflitos Coletivos ...................................................................... 385

1. Conceito e função ....................................................................................... 385

2. Conflitos individuais ou coletivos ................................................................ 386

3. Conflitos econômicos ou jurídicos ............................................................... 387

Capítulo 39. Formas de Composição ............................................................. 388

1. Introdução ................................................................................................... 388

2. Autocomposição e heterocomposição ........................................................ 388

3. Arbitragem ................................................................................................... 389

4. Jurisdição .................................................................................................... 390

5. Mediação ..................................................................................................... 392

6. Conciliação .................................................................................................. 394


QUINTA PARTE

A AUTONOMIA NEGOCIAL DAS PARTES

Capítulo 40. A Negociação Coletiva e as Estruturas Normativas do Direito

do Trabalho .................................................................................... 399

1. Negociação coletiva e plurinormativismo .................................................... 399

11

2. Contratação coletiva e legislação ............................................................... 401

3. Contratação coletiva e jurisdição ................................................................ 405

4. Convenção e pacto social ........................................................................... 406

5. Convenção e contrato individual de trabalho .............................................. 407

6. A natureza jurídica das convenções coletivas ............................................. 408

7. Sujeitos ....................................................................................................... 410

8. Modelos de contratação coletiva ................................................................. 412

9. A Organização Internacional do Trabalho ................................................... 413

10. A União Europeia ...................................................................................... 415

11. A América Latina ........................................................................................ 416

12. Outros aspectos dos modelos de negociação coletiva ............................. 418

13. O modelo italiano e o espanhol ................................................................. 419

14. O modelo norte-americano ....................................................................... 423

15. Procedimento da negociação .................................................................... 425

16. Cláusulas obrigacionais ou normativas ..................................................... 429

17. As funções da negociação coletiva ........................................................... 432

18. Efeitos das cláusulas ................................................................................ 437

19. Cláusulas in mellius e in pejus .................................................................. 442


20. Hierarquia .................................................................................................. 444

Capítulo 41. O Sistema Legal Brasileiro ........................................................ 448

1. Evolução da legislação ............................................................................... 448

2. A doutrina .................................................................................................... 454

3. A jurisprudência ........................................................................................... 459

4. A Administração Pública .............................................................................. 461

5. As convenções coletivas ............................................................................. 461

6. Os acordos coletivos ................................................................................... 464

7. O contrato coletivo de trabalho ................................................................... 468

8. Tipos de cláusulas ....................................................................................... 470

9. O procedimento ........................................................................................... 473

10. Prorrogação, revisão, denúncia ou revogação ......................................... 475

11. Efeitos das cláusulas ................................................................................. 477

12. Eficácia no tempo e no espaço ................................................................. 479

13. Procedimentos de depósito, registro e arquivo ......................................... 484

SEXTA PARTE

DIREITO DE GREVE

Capítulo 42. A Concepção Democrática .......................................................... 489

1. A greve no Direito do Trabalho pós-corporativista ...................................... 489

12

2. Conceito ...................................................................................................... 507

3. Atos coletivos não enquadrados no conceito .............................................. 507

4. Causas material, formal e final .................................................................... 509

5. Natureza jurídica ......................................................................................... 512


6. Greves típicas e atípicas ............................................................................. 525

Capítulo 43. Atividades Essenciais ................................................................ 530

1. O problema das atividades essenciais ........................................................ 530

2. Limites e abuso do direito ........................................................................... 531

3. Responsabilidade civil ................................................................................. 533

4. Organização Internacional do Trabalho ...................................................... 534

Capítulo 44. A Greve na Legislação Brasileira ............................................... 536

1. Evolução da legislação ............................................................................... 536

2. Definição ..................................................................................................... 544

3. Atividades essenciais e serviços inadiáveis ................................................ 547

4. Limites legais e abuso do direito ................................................................. 551

5. Procedimento .............................................................................................. 559

6. Caducidade do aviso-prévio ........................................................................ 561

7. Trabalhadores avulsos, autônomos, eventuais e temporários .................... 561

8. Servidores públicos ..................................................................................... 562

9. Condições para o exercício do direito ......................................................... 563

10. Direitos e obrigações recíprocos ............................................................... 564

11. Salários dos dias de paralisação ............................................................... 565

12. Solução do conflito .................................................................................... 566

13. Locaute ..................................................................................................... 570

14. Penalidades .............................................................................................. 570

SÉTIMA PARTE

A REFORMA SINDICAL DO

FÓRUM NACIONAL DO TRABALHO (2004)


Capítulo 45. Necessidade de Reformar o Sistema Sindical .......................... 573

1. A desorganização posterior a 1988 ................................................................. 573

2. Os novos dilemas sindicais ............................................................................. 575

Capítulo 46. Meios Institucionais Preconizados ............................................ 578

1. A estrutura do Fórum Nacional do Trabalho ................................................ 578

2. Os documentos produzidos pelo FNRT ...................................................... 580

Capítulo 47. Diretrizes Gerais........................................................................... 582

1. Bases do sistema ........................................................................................ 582

13

Capítulo 48. Entidades Sindicais de Trabalhadores ...................................... 586

1. Níveis .......................................................................................................... 586

2. Requisitos ................................................................................................... 586

3. Direito de votar e ser votado ....................................................................... 588

4. Garantias aos dirigentes sindicais .............................................................. 588

Capítulo 49. Entidades Sindicais de Empregadores ...................................... 590

1. Níveis .......................................................................................................... 590

2. Requisitos ................................................................................................... 590

3. Direito de votar e ser votado ....................................................................... 592

Capítulo 50. Exclusividade de Representação ............................................... 593

1. Substituição da unicidade pela exclusividade ............................................. 593

2. Registro anterior à lei e adaptação do estatuto .......................................... 593

Capítulo 51. A Proposta de Financiamento ..................................................... 595

1. Contribuições atuais .................................................................................... 595

2. Novas contribuições .................................................................................... 595


3. Contribuição associativa ............................................................................. 595

4. Contribuição de negociação coletiva .......................................................... 596

5. Outras fontes de receitas ............................................................................ 599

Capítulo 52. Prestação de Contas pelas Entidades Sindicais ...................... 600

1. Lançamentos contábeis .............................................................................. 600

2. Responsabilidade solidária dos dirigentes das entidades sindicais ............ 600

Capítulo 53. Representação de Trabalhadores nos Locais de Trabalho...... 601

1. Origens da proposta .................................................................................... 601

2. Bases da representação ............................................................................. 601

3. Objetivos ..................................................................................................... 602

4. Controle sindical .......................................................................................... 602

5. Proporcionalidade ....................................................................................... 603

6. Eleições ....................................................................................................... 603

7. Garantias dos representantes ..................................................................... 605

8. Negociação coletiva pela representação .................................................... 606

9. Conciliação prévia dos conflitos individuais ................................................ 607

Capítulo 54. Negociação Coletiva e Contrato Coletivo de Trabalho............. 608

1. Princípios básicos ....................................................................................... 608

2. Níveis de negociação .................................................................................. 609

3. Procedimento .............................................................................................. 609

4. Reserva de matéria ..................................................................................... 610

14

5. Aplicação ..................................................................................................... 610

6. Forma .......................................................................................................... 611


7. Vigência ...................................................................................................... 611

8. Compromisso arbitral .................................................................................. 611

Capítulo 55. Direito de Greve ........................................................................... 612

1. As regras anteriores .................................................................................... 612

2. As novas regras .......................................................................................... 612

3. Garantias aos grevistas .............................................................................. 613

4. Salários ....................................................................................................... 613

5. Estabilidade ................................................................................................. 613

6. Solução das controvérsias .......................................................................... 613

7. Equipes para manutenção dos serviços ..................................................... 613

8. Caracterização dos serviços essenciais e atividades inadiáveis ................ 614

9. Locaute ....................................................................................................... 615

10. Responsabilidade pelos atos ilícitos e atuação jurisdicional ..................... 615

11. Extinção do dissídio coletivo ..................................................................... 617

Capítulo 56. Conselho Nacional de Relações de Trabalho............................ 618

1. Estrutura e composição .............................................................................. 618

2. Atribuições ................................................................................................... 619

3. Fundo Solidário de Promoção Sindical — FSPS ........................................ 621

Capítulo 57. Tutela Jurisdicional nos Conflitos Coletivos Decorrentes das

Relações de Trabalho .................................................................. 623

1. Introdução ................................................................................................... 623

2. Ações coletivas ........................................................................................... 623

3. Processo, procedimento e competência ..................................................... 624

4. Medidas de urgência ................................................................................... 625


5. Liquidação-execução .................................................................................. 627

6. Efeitos da decisão genérica ........................................................................ 627

7. Ação por prática de ato antissindical ........................................................... 628

Capítulo 58. Arbitragem .................................................................................... 630

1. Antecedentes .............................................................................................. 630

2. Tipos e compromisso arbitral ...................................................................... 630

3. Procedimento .............................................................................................. 630

Capítulo 59. Ações de Anulação, Declaração e Revisão de Norma Coletiva ... 633

1. Quadro anterior ........................................................................................... 633

2. Nova disciplina ............................................................................................ 633

15

Capítulo 60. Período de Transição ................................................................... 635

1. Adaptação das entidades sindicais ............................................................. 635

2. Extinção da contribuição sindical e assistencial ......................................... 636

3. Setor público ............................................................................................... 637

4. Proporcionalidade provisória das comissões de empresas ........................ 637

5. Instalação do CNRT .................................................................................... 638

6. Normas de eficácia da lei no tempo e regras processuais ......................... 638

7. Extinção das Comissões de Conciliação Prévia ......................................... 638

Capítulo 61. Aspectos Constitucionais ........................................................... 640

1. Necessidade de Emenda Constitucional .................................................... 640

2. Modificações ............................................................................................... 640

Conclusões ........................................................................................................ 643

Referências Bibliográficas ............................................................................... 659


16

APRESENTAÇÃO

O nome “Compêndio”, como já mostramos, parece-nos corresponder

melhor ao objetivo da obra, à reunião, de modo objetivo e didático, do material

existente sobre cada tema, de modo a permitir ao leitor o conhecimento dos

dados e das opiniões básicas para o domínio dos aspectos jurídicos das

relações coletivas.

Uma razão de ordem histórico-cultural, o modelo sindical corporativista

influiu no desequilíbrio, em nosso país, entre direito coletivo e direito individual

de trabalho. Aquele foi desfavorecido e este passou a ter maior espaço em

nosso ordenamento jurídico.

Esse fato contribuiu para que os estudos da organização sindical e da

negociação coletiva não acompanhassem a evolução do tempo.

No período contemporâneo, todavia, esse problema está sendo resolvido,

desde a Constituição de 1988 que deu ao direito coletivo a importância que

merece ter.

Espero, dessa forma, estar contribuindo de algum modo, ainda que

diminuto, para o desenvolvimento desses estudos em nosso país.

Amauri Mascaro Nascimento

São Paulo, novembro de 2012

17

PRIMEIRA PARTE

CONCEITO E HISTÓRIA

CAPÍTULO 1
DIREITO SINDICAL:

CONCEITO, DIVISÃO E POSIÇÃO

1. SIGNIFICADO JURÍDICO DA

EXPRESSÃO DIREITO SINDICAL

A opinião que defendemos nesta parte é a de que o sindicato comporta

um estudo não apenas sociológico, por mais que se pretenda restringi-lo a

esse âmbito, mas, também, jurídico, como ficará mostrado ao longo desta

exposição. Este livro destina-se ao estudo do direito sindical. Propõe-se,

como o nome indica, a tratar da questão sindical sob o ângulo jurídico

e não sob outro prisma, como o sociológico, o econômico ou o político,

cuja importância não exige nenhuma explicação, conhecida que é pelos

especialistas, não só das respectivas áreas de conhecimento, como,

também, pelo jurista, atento que sempre deve estar aos fenômenos que

ocorrem na vida social, dos quais a norma jurídica é um pedaço, mais

precisamente a tradução enunciativa do dever-ser social, abrangente de

todos esses aspectos da realidade social. O direito, ao contrário do que

possa parecer, não os despreza, na medida em que essas dimensões se

integram, não se excluem, como é próprio da experiência jurídica e de suas

perspectivas, dialeticamente implicadas, no processo de formação e de

interpretação da norma jurídica.

Para que melhor se compreenda o objeto das suas cogitações, impõe-se

iniciar definindo direito sindical.

A expressão tem um sentido subjetivo e um sentido objetivo, o primeiro

designando os direitos do sindicato no desempenho das suas atribuições


legais, o segundo significando um setor do direito do trabalho que tem como

objeto o estudo da organização e da ação sindical. Fala-se em direito sindical,

na Itália (Giugni), para determinar os poderes ou faculdades reconhecidos aos

sindicatos, dentre os quais o direito de reunião em assembleia, o direito de

referendum, o direito de filiação sindical — embora esta expressão refira-se

melhor ao direito de cada pessoa de ingressar ou não num sindicato —, o

direito de cobrar contribuições etc.

Evidentemente, não é exatamente esse o sentido que agora está sendo

dado, mas, apenas, o significado objetivo; procura-se definir um setor do

direito do trabalho.

21

Há dois grupos de definições.

O primeiro reúne os juristas que levam em conta, preponderantemente,

os aspectos subjetivos. É a posição do eminente prof. Cesarino Júnior, na

teoria da hipossuficiência, segundo a qual é fundamental a posição dos

sujeitos. Assim, “ao conjunto de leis sociais que consideram os empregados e

empregadores coletivamente reunidos, principalmente na forma de entidades

sindicais”, dá-se o nome de direito coletivo do trabalho.

O segundo congrega os adeptos dos aspectos subjetivos e objetivos.

Dão relevo a ambos, aos sujeitos e objeto. Preferem conceituar o nosso ramo

como a “parte do direito do trabalho que estuda as organizações sindicais,

a negociação coletiva e os conflitos coletivos (Russomano) ou o “setor do

direito do trabalho que disciplina as relações entre os sujeitos que defendem

os interesses coletivos”, dando à expressão interesse coletivo conotação


subjetivo-objetiva, indissociável dos dois aspectos.

Conceituado jurista, radicado durante parte da sua vida na Argentina,

Guillermo Cabanellas, em Compendio de Derecho Laboral (1968), afirma

que os conceitos subjetivo ou pessoal e objetivo ou regulador apoiam-se no

fenômeno sindical dentro de um sistema normativo que proclame e respeite a

liberdade de sindicalização, seja no texto constitucional, seja numa lei ordinária.

Outro não menos conceituado especialista da área jurídica, Carro Igelmo,

em Introducción al sindicalismo (1971), define direito sindical como “o ramo da

Ciência Jurídica referente à estrutura e organização das instituições resultantes

do exercício da faculdade de associação profissional, assim como as normas

emanantes de tais agrupamentos”.

Ambos fazem referência às normas jurídicas, e não poderia deixar de

ser assim, uma vez que o estudo do direito não pode prescindir da relevância

atribuída às normas jurídicas e às relações jurídicas.

Essa perspectiva nos leva, sem pretender esgotar o tema, a definir

direito sindical. É o ramo do direito do trabalho que tem por objeto o estudo

das normas e das relações jurídicas que dão forma ao modelo sindical.

Como as normas jurídicas preveem os tipos de organizações sindicais e

as relações que podem manter no exercício da ação que as legitima, é nas

normas que o jurista deve ir buscar a matéria-prima para o ângulo de estudo

pertinente à sua área de conhecimento. Comparando-as entre si, e com a

realidade instituída na vida social, pode mostrar como deve ser um sistema

sindical para estar em conformidade com a estrutura jurídica e os princípios

que a fundamentam.
Não há dúvida de que a expressão não é aceita de modo pacífico entre

os doutrinadores. Muitos preferem direito coletivo. Sustentam que as relações

22

coletivas de trabalho não são apenas sindicais, no que estão certos. Há

relações coletivas de trabalho nas quais o sindicato pode não estar envolvido.

Existem representações de trabalhadores, na empresa, não sindicais. Porém,

é preciso convir que as relações coletivas, das quais o sindicato participa, não

só ocupam a quase totalidade do espaço das relações coletivas do direito do

trabalho, com o que, pelo critério da preponderância, justifica-se a expressão

direito sindical, como, ainda, é o sindicato o centro de gravidade desse setor

a que muitos dão o nome direito coletivo do trabalho, o que leva à mesma

conclusão. É possível, e justificado, designar esse campo do direito do trabalho

pela sua nota característica mais importante, que é a organização e a ação

sindical, motivos, portanto, que abonam a escolha pela expressão “direito

sindical”, que valoriza o movimento sindical, principal artífice das relações

coletivas de trabalho.

Optaram por ela, entre outros, na Itália, Gino Giugni, que deu ao seu

livro o nome Diritto Sindacale; Ghezzi e Romagnoli, com Il diritto sindacale,

Riva Sanseverino, com Diritto sindacale; na Espanha, Ojeda Avilés, cuja

obra denomina-se Derecho sindical, Abellan, com Introducción al derecho

sindical; no Brasil, Oliveira Viana, com Problemas de direito sindical, José

Martins Catharino, com Tratado elementar de direito sindical, Russomano,

com Direito sindical: princípios gerais, Romita, com Direito sindical brasileiro,

e Régis Teixeira, com Introdução ao direito sindical.


Ojeda Avilés observa que o direito sindical compreende a análise jurídica

das relações coletivas de trabalho, mas não é o antigo direito coletivo do

trabalho. Não o considera a segunda parte do direito do trabalho ou um

apêndice do direito individual do trabalho. Prefere reconhecê-lo como um

segmento jurídico da macrodisciplina das relações industriais. Ao empregar

o termo “relações industriais”, não considerou, no entanto, apesar da sua

utilização, as transformações ocorridas na organização produtiva, não mais

restrita, na atualidade, à produção industrial.

Estamos diante de uma sociedade pós-industrial, como diz Domenico

de Masi, em A sociedade pós-industrial, rotulada de várias outras formas, de

acordo com os estágios evolutivos da transição. Esses rótulos, para o mesmo

prestigiado sociólogo, são mais de trezentos: “sociedade em impasse” (M.

Crozier); “sociedade despreparada” (D. Michael); “idade do equilíbrio” (L.

Mumford); “consciência III” (C. Reich); “século casual” (M. Harrington); “estado

de entropia” (H. Henderson); “sociedade narcisista” (Ch. Lasch); “sociedade

programada” (Tourraine e Z. Mead); “sociedade pós-civil” (K. Boulding);

“sociedade pós-capitalista” (R. Dahrendorf); “sociedade pós-materialista” (R.

Inglehart); “sociedade dos serviços” (J. Gershuny e W. Rosengren); “era da

descontinuidade” (Drucker) e outros.

23

Não é demais dizer que a expressão “direito sindical” pode receber

a crítica daqueles que entendem que a organização e a ação sindical não

comportam análise jurídica. Seriam não um problema jurídico, mas, apenas,

um tema sociológico. Não deveriam ser focalizadas sob o aspecto jurídico.


Essa visão é respeitável. Coincide, em parte, com a proposta de

desregulamentação do direito do trabalho. Porém, por maiores que sejam as

razões que a favoreçam, é difícil imaginar o movimento sindical sem conflitos.

Há conflitos de disputas de representatividade, de defesa dos interesses

antagônicos coletivos e outros. Mostram que sempre será indispensável uma

regra de organização ou comportamento, sem a qual não haverá como dirimi-

los. Esses conflitos, sem uma regra jurídica, seriam resolvidos pela força. Não é

essa a visão do Estado de Direito. O aspecto que deve ser enfrentado é outro:

a que ponto as leis devem interferir na organização e na ação sindical. Há leis

repressivas e leis de respaldo à liberdade sindical. Os dois tipos correspondem

a concepções diferentes, o primeiro a uma organização política autoritária, o

segundo a uma concepção de sindicalismo democrático. A liberdade sindical

é fundamentada em normas jurídicas, internacionais, constitucionais e

infraconstitucionais. A repressão à conduta antissindical também. A aversão

ao jurídico, no âmbito sindical, é fruto de desinformação sobre o significado

do Estado de Direito. Justificou-se como protesto contra leis repressivas ao

sindicalismo. Mas também foram as leis que garantiram ao sindicalismo a

estabilidade do dirigente sindical no emprego, a liberdade de organização de

sindicatos, o direito de greve e a autonomia coletiva dos particulares.

Desse modo, o movimento sindical pode ser analisado sob a perspectiva

sociológica, mas, também, sob a jurídica. Inúmeros são os estudos jurídicos

do direito sindical(1). A atividade desenvolvida pelos sindicatos traduz-se numa

ampla rede de relações jurídicas coletivas.(1)

(1) A importância do Direito Sindical foi mostrada na obra coletiva Direito sindical brasileiro,
em homenagem a Arion Sayão Romita, coordenada por Ney Prado, São Paulo, LTr, 1998,

na qual os temas analisados, e respectivos autores, foram os seguintes: Contrato coletivo,

convenção coletiva e acordo coletivo, Amauri Mascaro Nascimento; Unidade e pluralidade

sindical, Antônio Álvares da Silva; Os direitos sindicais nos tratados internacionais, Arnaldo

Lopes Süssekind; Categorias econômicas e profissionais, Cássio Mesquita Barros Jr.;

Outorga judicial do consentimento negado pelo sindicato, Estêvão Mallet; Liberdade sindical

individual, Everaldo Gaspar Lopes de Andrade; Evolução histórica do sindicalismo brasileiro,

Floriano Corrêa Vaz da Silva; Contribuições sindicais e liberdade sindical, Georgenor de

Sousa Franco Filho; Níveis da negociação coletiva, Hugo Gueiros Bernardes; A representação

dos trabalhadores na Constituição de 1988, Irany Ferrari; Dissídio coletivo, Ives Gandra da

Silva Martins Filho; O sistema confederativo, João de Lima Teixeira Filho; O representante

dos trabalhadores e o delegado sindical na convenção internacional n. 135, José Augusto

Rodrigues Pinto; Autonomia sindical, José Francisco Siqueira Neto; O conceito moderno de

negociação coletiva, Luiz Carlos Amorim Robortella; A negociação coletiva no setor público,

Luiz de Pinho Pedreira da Silva; O fenômeno sindical, Ney Prado; Modelo político e atividade

sindical, Octavio Bueno Magano; O sindicato e o Estado, Paulo Emílio Ribeiro de Vilhena; O

24

Relações jurídicas são atos humanos entre as pessoas, na sociedade. São

relações sociais que passam a ser, também, jurídicas, quando o ordenamento

jurídico as regula, integrando-as nas suas regras. As relações sociais deixam

de ser apenas sociais quando dois sindicatos disputam a representatividade de

um grupo ou quando o Governo interfere na organização sindical. Surgindo a

contraposição de interesses, a relação social assume a qualidade de jurídica,

transportando-se para a esfera do direito.


Uma relação jurídica tem como elementos fundamentais: sujeitos, um

vínculo intersubjetivo de atributividade que os liga, e o objeto, que é a razão de

ser do vínculo constituído. Esses elementos, que a estruturam, estão presentes

em inúmeras situações nas quais o sindicato é envolvido. Acima das relações

jurídicas há uma estrutura normativa que as define como tal. Se essa estrutura

é ampla e detalhada, pode prejudicar a espontaneidade do movimento sindical.

Se é menor, os espaços da autonomia coletiva são mais amplos.

O sindicato é, como já tive a oportunidade de examinar em Teoria geral

do direito do trabalho, sujeito de, no mínimo, quatro tipos fundamentais de

relações jurídicas: as internacionais, as coletivas, as administrativas e as civis como pessoa


jurídica. Cada qual se desenvolve em âmbito próprio e para fins

específicos.

As relações sindicais internacionais pressupõem o direito de toda entidade

sindical se filiar a organismos internacionais, apresentar queixas contra

violações à liberdade sindical perante os órgãos próprios da Organização

Internacional do Trabalho, atuar diante dos problemas específicos decorrentes

da mobilidade da força de trabalho entre as fronteiras, à procura de novo

emprego ou em sequência do mesmo emprego, e podem ter âmbito

comunitário, como aquelas que se efetivam na União Europeia. Da maior

importância são as negociações coletivas, no plano internacional, forma de

estabelecer normas consensuais com empresas multinacionais.

O sindicato participa, também, das relações coletivas de trabalho, na

defesa dos interesses comuns dos seus defendidos, representando-os nos

pleitos perante as entidades patronais, e nos entendimentos, formalizados,

quando há acordos, em instrumentos jurídicos, para que tenham validade.


As relações coletivas de trabalho são relações jurídicas porque são

vínculos intersubjetivos na esfera do trabalho, não restritas às relações jurídicas

individuais, das quais surgem os contratos de trabalho. Destas diferem, pelos

direito de greve: evolução histórica, Pedro Vidal Neto; O sindicato como grupo de pressão

política: o caso dos trabalhadores, Roberto Santos; Centrais sindicais e sindicalização por

categorias, Rodolfo Pamplona Filho; Contribuição confederativa, Sergio Pinto Martins; e A

greve nos serviços essenciais, Washington Luiz da Trindade.

25

sujeitos, pelo objeto e pelas funções que cumprem no ordenamento jurídico.

O sujeito, nessas relações, é o grupo com o qual, para alguns, o sindicato

se identifica, do qual, para outros, é o representante, grupo nem sempre

representado por um sindicato, mas, sempre, expressando-se por meio de

uma representação, a mais comum, o sindicato.

O sindicato participa, ainda, de relações administrativas. São aquelas

que se manifestam em dois diferentes e inconfundíveis planos. Primeiro, o da

administração interna da entidade sindical, fonte de inúmeras divergências,

resolvidas segundo os estatutos dos sindicatos, regras jurídicas integrantes

do ordenamento jurídico, elaboradas pelo sindicato para definir os direitos

e deveres seus e dos representados nas relações entre si. Os estatutos do

sindicato são fonte, também, de normas que regem as assembleias, as eleições

sindicais e outras. Segundo, o da Administração Pública: o sindicato participa,

pelas suas representações, de órgãos do Estado como Conselhos Gestores

da Previdência Social, fundos de assistência ao trabalhador ou parcerias com

o Governo, pelo qual algumas vezes é subsidiado, no Brasil, com recursos


do Fundo de Assistência ao Trabalhador — FAT, alocados para financiar

programas sindicais como o de qualificação profissional dos trabalhadores.

O sindicato é parte em relações jurídicas civis; como toda pessoa

proprietária, locadora, locatária, mutuária, tem despesas, compra, vende,

tem contas bancárias, investe no mercado de capitais, celebra contratos, é

empregador, recolhe impostos, contribuições e ingressa como autor ou figura

como réu em ações judiciais.

A lei é fonte formal do direito sindical, mas não sempre de modo exclusivo,

porque compartilha a normatividade com outras regras. O direito sindical é

produzido por outras fontes também: os costumes, os convênios coletivos,

normas elaboradas pelos próprios interlocutores sociais e que, em alguns

sistemas jurídicos, desempenham um papel relevante, superior, em alguns

casos, ao das leis. Nos modelos autônomos ou, segundo linguagem mais

recente, desregulamentados, o direito sindical é espontâneo, sem muitas

regras legais, ou com um mínimo delas, desenvolvendo-se segundo um

processo de autoelaboração normativa dos próprios sindicatos.

Estado e sindicato mantêm um relacionamento democrático quando

há equilíbrio entre as fontes autônomas e heterônomas de produção das

regras destinadas a reger a vida dos sindicatos. Esse equilíbrio, quando

o ordenamento jurídico supervaloriza ou a lei ou os contratos coletivos, é

rompido. A lei, no corporativismo, foi instrumento de repressão dos sindicatos.

No regime de liberdade sindical, a lei é instrumento que dá suporte à autonomia

sindical, estabelece garantias aos dirigentes sindicais, impõe sanções às

práticas antissindicais e assegura o direito de greve.


26

2. DIVISÃO DO DIREITO SINDICAL

O direito sindical está consolidado na vida dos povos e nos ordenamentos

jurídicos.

São quatro, segundo a melhor doutrina, as partes de que se compõe: a)

a organização sindical; b) a ação e funções dos entes sindicais, em especial

a negociação coletiva e os contratos coletivos de trabalho; c) os conflitos

coletivos de trabalho e suas formas de composição; e d) a representação não

sindical ou mista dos trabalhadores na empresa.

Em todo estudo de uma disciplina jurídica, há um núcleo estrutural e um

sistema dinâmico e funcional; assim, também, no direito sindical.

Organização sindical é a parte estrutural do direito sindical. É o estudo dos

tipos de entes sindicais existentes no ordenamento jurídico. Analisa a macro-

-organização sindical. Mas não só. É organização sindical, também, o estudo

da estrutura interna de cada instituição sindical e o número de diretores do

sindicato. Trata-se, nesse ponto, da análise da micro-organização. Os critérios

de agrupamento dos representados e as respectivas formas de representação

são estudo da macro-organização sindical. As entidades sindicais são, para

economistas e sociólogos, organizações sociais. Para o direito sindical, são

associações, para alguns, específicas, com características próprias; para

outros, semelhantes às demais associações previstas pelos ordenamentos

jurídicos. Nos ordenamentos jurídicos que reconhecem sindicatos de fato,

o direito sindical procura explicá-los. São centros de imputação de normas

jurídicas.
Do exposto, vê-se, portanto, que a expressão “organização sindical”

tem uma dimensão ampla. Significa o estudo dos tipos de associações

sindicais componentes do ordenamento jurídico de um país, de acordo com

os princípios nele adotados. Leva ao estudo dos sistemas existentes, que, sob

o prisma das relações entre essas entidades e o Estado, são heterônomos,

nos quais o Estado interfere e impõe o modelo que quer que seja observado,

e autônomos, próprios das democracias e dos regimes de liberdade sindical,

onde a configuração do modelo é fruto das opções dos próprios interessados

e não da imposição estatal.

Daí falar-se, também, para designar o mesmo sentido da expressão,

em abstencionismo e intervencionismo. Mas, também, quer dizer a forma de

relacionamento entre as entidades sindicais que caracteriza o sistema, o que

leva à análise dos regimes de pluralidade sindical, de unidade sindical e de

unicidade sindical, conforme o grau maior ou menor de unificação dos grupos

e a autonomia de que gozam perante as leis.

27

Mattia Persiani(2) refere-se a dois tipos de organização sindical: a do tipo

associativo e a do tipo institucional. Por aquela, entende o sindicato como uma

estrutura com personalidade jurídica, que a distingue como pessoa jurídica, de

acordo com a legislação vigente. Por esta, o sindicato é um ente sociológico,

não previsto pelo legislador, uma estrutura escolhida pelos interessados, e por

estes considerada apta para operar na defesa dos seus interesses.

Organização sindical é ainda o estudo da base geográfica ou do âmbito

pessoal do sindicato. Nesse sentido, é a análise da categoria, a profissão ou


os empregados de uma empresa, como critério de representação sindical.

A ação sindical tem na negociação coletiva a sua parte principal, não se

resumindo a ela, porém.

A terceira parte, os conflitos coletivos de trabalho, compreende o estudo

das disputas entre os grupos representados pelos sindicatos, em suas

diversas manifestações, legais e ilegais, das quais a greve é a principal.

Saber se a greve é um direito, um ato ilícito ou abusivo ou uma liberdade é

uma questão jurídica do direito sindical. Na atualidade, a greve é reconhecida

como um direito coletivo. Mas há outros meios de ações sindicais que geram

outros tipos de conflitos: a ocupação da fábrica, a sabotagem, a boicotagem

e tantas outras, umas admitidas, outras vedadas pelas regras de direito.

Nos conflitos coletivos, estuda-se, também, o interesse da sociedade diante

dessas manifestações. Quando os conflitos coletivos eclodem em atividades

essenciais cuja paralisação pode prejudicar a população, esta é interessada na

sua solução, e tutelada pelo Ministério Público, que é o defensor do interesse

público e da preservação da ordem jurídica.

A quarta parte é a representação dos trabalhadores na empresa, sindical

ou não sindical. Os trabalhadores criam comissões no interior da empresa.

Visam a abrir um canal de comunicação direto com o empregador, para resolver

questões de rotina entre os trabalhadores e a empresa. Os sindicatos procuram

interferir nessas representações. Estas sofrem, de algum modo, a interferência

sindical. Os sindicatos organizam grupos, nem sempre formalizados, que

atuam no interior da fábrica, para manter um constante diálogo de influência

sobre os trabalhadores. Existem braços sindicais nos locais de trabalho,


formalizados ou não.

O estudo dos conflitos é, por alguns doutrinadores, destacado como parte

autônoma, não integrante do direito sindical. A doutrina classifica os conflitos

coletivos e suas formas de solução.

Um dos mais polêmicos temas do direito do trabalho é a greve. É uma

arma de que os trabalhadores dispõem para pressionar o empregador e

(2) PERSIANI, Mattia. Diritto sindacale. Pádua: Cedam, 1997. p. 31.

28

levá-lo a atender às suas reivindicações. Para a economia, greve é um mal,

traz prejuízos à produção. Os governos procuram evitá-la. Alguns a proíbem,

outros a dificultam, e outros, ainda, a toleram.

Greve, para o direito sindical, é, primeiro, uma suspensão temporária do

contrato individual de trabalho; segundo, um ato jurídico formal, condicionado

à aprovação do sindicato mediante assembleia; terceiro, a paralisação dos

serviços por trabalhadores, e não por qualquer pessoa; quarto, tem por

finalidade a reivindicação de melhores condições de trabalho ou o cumprimento

das obrigações assumidas pelo empregador, previstas em normas jurídicas

ou no contrato de trabalho.

O direito sindical estuda, também, outras formas de conflitos,

inconfundíveis com a greve, para admiti-las ou proibi-las: o boicote, que é

a oposição ou obstrução ao negócio do empregador, a falta de cooperação,

vocábulo que devemos a James Boycott, nome de um latifundiário da Irlanda,

da metade do século XVIII, que teve de abandonar a cidade onde morava

porque os trabalhadores se recusaram a colaborar com ele, criando uma


situação insustentável para os seus negócios; a sabotagem, destruição ou

inutilização de máquinas ou mercadorias pelos trabalhadores, protesto violento,

contra o empregador, para danificar seus bens; os piquetes, forma de pressão

para dissuadir os recalcitrantes que não querem participar da greve, enquanto

pacíficos, admitidos, quando violentos, proibidos pelo direito sindical.

A discussão sobre a natureza jurídica da greve é inconclusa. Depende

do sistema jurídico de cada país. A greve é um direito ou uma liberdade, nos

países em que a lei a autoriza, caso em que se manifesta como forma de

autodefesa dos trabalhadores, para a solução dos seus conflitos coletivos.

Nos países que a proíbem, a greve é um delito, uma infração penal, um crime

contra a economia.

3. POSIÇÃO DO DIREITO SINDICAL NA CIÊNCIA JURÍDICA

O direito sindical não é um ramo, é parte de um ramo do Direito, do direito

do trabalho, por maiores que sejam os esforços voltados para reconhecê-lo

como um setor próprio do ordenamento jurídico. É possível que, no futuro,

possa destacar-se do direito do trabalho. Não seria a primeira vez que um

ramo conexo ao direito do trabalho dele se destacaria. É o que ocorreu com o

direito de previdência social, hoje direito de seguridade social. Quando surgiu,

estava atrelado ao direito do trabalho. Atualmente, é autônomo e inconfundível,

tem características próprias que o identificam, inclusive, dentre elas, a de ser

um ramo do direito público.

Há doutrinadores que veem na exigência legal do registro do sindicato

no Ministério do Trabalho e Emprego uma interferência na liberdade sindical.

29
Essa questão é resolvida de modo diferente nos sistemas jurídicos. Há vários

critérios de solução. Primeiro, a omissão da lei, abstendo-se de qualquer

referência sobre o registro; é o que ocorre na Itália, Alemanha e Uruguai.

Segundo, a exigência do registro como mera publicidade; é o sistema da

França. Terceiro, o registro como ato constitutivo, atributivo de personalidade

jurídica e de capacitação para atuar; é o sistema da Espanha e da maioria

dos países da América Latina.

O direito sindical é ramo do direito público ou do direito privado? Não é

ramo do direito público. Se assim fosse, os sindicatos seriam pessoas jurídicas

de direito público, o que os submeteria ao controle administrativo do Estado,

o que é indesejável.

O Estado representa o interesse público e o sindicato, o interesse

coletivo; nem sempre identificáveis, conquanto, no corporativismo de Estado,

fossem identificados. A publicização dos interesses coletivos não favorece o

movimento sindical.

O setor compatível com o sindicalismo é o direito privado. Neste, os

sindicatos têm maior liberdade, são associações de direito privado, não ficam

submetidos aos mecanismos de controle dos entes de direito público, nem são

órgãos da administração pública direta ou indireta sujeitos a prestar contas

dos seus atos aos Tribunais de Conta como se fossem uma autarquia federal.

No direito privado, os sindicatos são associações de direito comum. É

no direito de associação que o sindicalismo foi buscar o fundamento da sua

legitimidade. Há, no entanto, problemas jurídicos que a concepção privatista

traz à discussão. Dentre eles, explicar como o sindicato, como associação


de direito civil, representa os associados e os não associados. Vê-se, assim,

a dificuldade que o direito sindical enfrenta ao dispensar aos sindicatos o

mesmo sistema legal previsto pelo direito comum para as associações de

direito civil. O sindicalismo está tão conexo com a defesa dos direitos dos

trabalhadores que seria muito difícil restringir o seu estudo ao direito civil. É

impensável o sindicalismo sem concepções jurídicas próprias, como a teoria da

representação sindical, que não pode limitar-se aos padrões do direito comum.

A defesa dos direitos coletivos dos trabalhadores, a prática das negociações

coletivas e o exercício do direito de greve são fenômenos típicos do direito do

trabalho. Atraem o estudo do sindicato para a esfera do direito do trabalho.

Não há consenso quanto à natureza do ato constitutivo do sindicato:

para alguns, contratual, caso em que o sindicato é o resultado de um ajuste

de vontades; para outros, institucional, hipótese em que o sindicato é uma

instituição; para outros, ainda, contratual-institucional, identificando-se, no

sindicato, ambas as características.

Registre-se a predominância, na doutrina brasileira, da concepção

unitarista. Defende a unidade do direito sindical e do direito do trabalho, o direito

30

sindical como parte do direito do trabalho. É a posição, entre outros, de José

Martins Catharino. Em Tratado elementar de direito sindical (1977), sustenta

que o direito sindical é espécie do direito do trabalho, parte ou ramo deste,

que poderá ganhar autonomia porque, “assim como as diferenças crescem

entre gêneros e diminuem entre espécies, reciprocamente considerados ou

comparados, as diferenças entre direito sindical, direito individual do trabalho


e direito judiciário do trabalho, que formam o conteúdo do direito do trabalho

stricto sensu, são menores que as destes em relação a outras espécies do

Direito, sem adjetivo, embora em grau variável”. Assim, diz Catharino, “a

autonomia, sempre relativa, sendo questão de grau, é maior ou menor em

função de determinada essência com outra comparada, podendo-se afirmar

ser quase nenhuma a do direito sindical, compreendido na essência do direito

do trabalho, e que a este serve, por notável e adequado modo, servindo à

pessoa trabalhadora”.

Semelhante é a posição de Russomano. Em Direito sindical: princípios

gerais (1975), afirma que “o direito do trabalho, internamente, está dividido

em dois hemisférios: o hemisfério das relações individuais (que oferece

poucas diferenças estruturais relativamente ao direito comum) e o hemisfério

das relações coletivas (totalmente original). Esses hemisférios são distintos

entre si, porque as relações individuais são diferentes das relações coletivas

e o Direito não pode deixar desapercebida essa realidade. Estão, porém,

intimamente acoplados, não existindo força histórica, nem concepção jurídica

capaz de desligá-los”.

Cesarino propõe a teoria da hipossuficiência. Em Direito social (ed. de

1980), sustenta a tese do direito social, gênero do direito de proteção às

pessoas economicamente frágeis, os hipossuficientes. A autoproteção do

hipossuficiente faz-se pelo direito coletivo do trabalho; e este é composto pelo

direito sindical, pelo direito convencional, pelo direito judiciário e pelo direito

processual do trabalho.

Arion Romita entende que é questão de caso concreto. Em Direito sindical


brasileiro (1976), afirma que o problema da autonomia deve ser resolvido em

função de cada sistema jurídico. E, “no caso particular do Brasil, não existem,

ainda, motivos suficientes que justifiquem a distinção entre direito do trabalho

e direito sindical”.

João Régis Teixeira preconiza a transição da integração para a autonomia

do direito sindical. Em Introdução ao direito sindical (1979), sustenta que, sendo

“ramo ainda do jus novum, o direito sindical parte, gatinhando, é verdade,

para uma futura libertação”. Completa, dizendo: “O direito sindical existe, já

nascido e crescendo. Sem dúvida, emergindo do braço forte do direito do

trabalho. Dependente, ainda, deste. Mas caminhando, tranquilamente, para

uma autonomia que virá, se é que realmente já não está aí, mas que não deve

ser revelada, ainda”.

31

Antônio Álvares da Silva, invocando os precedentes de Mario de La

Cueva, Krotoschin e Guerreiro, reconhece a autonomia. Em Direito coletivo do

trabalho (1979), afirma que há diferenças entre o direito do trabalho e o direito

sindical. Considera-as marcantes, suficientes para assegurar a independência

do direito sindical. Os sujeitos diferem: no direito do trabalho, o trabalhador,

no direito coletivo, a categoria; o objeto, naquele, a satisfação do interesse

do trabalhador como pessoa, neste, a do trabalhador como categoria; o tipo

de relação jurídica, naquele, as obrigações de ordem contratual, neste, um

conteúdo mais favorável que se interpõe nos contratos de trabalho.

Existem diferenças, mas situam-se entre direito sindical e direito individual,

dois setores do direito do trabalho inconfundíveis.


Para saber se há autonomia de um ramo do direito, são consideradas

quatro dimensões: a legislativa, a doutrinária, a didática e a jurisdicional. No

Brasil, o direito sindical não tem autonomia legislativa, porque não existe uma

lei esparsa sindical, embora existente em outros países, como a Espanha;

a autonomia doutrinária não se completou, uma vez que o direito sindical

é tratado, nos cursos e manuais de direito do trabalho, como parte deste,

conquanto existam obras específicas e monográficas de direito coletivo, de

direito sindical, de negociação coletiva, de greve, de organização sindical e

de representação dos trabalhadores na empresa; não há autonomia didática

porque, nas universidades, o direito sindical é parte do programa de direito

do trabalho, uma parte menor, no Brasil ainda não devidamente valorizada;

não há autonomia jurisdicional porque os mesmos órgãos jurisdicionais que

julgam questões de direito individual do trabalho julgam, também, questões

de direito sindical.

Concluindo:

— direito sindical comporta um estudo não apenas sociológico, mas

jurídico, porque a liberdade sindical é fundamentada em normas

jurídicas, internacionais, constitucionais e infraconstitucionais, assim

como é normatizada a repressão à conduta antissindical;

— a expressão direito sindical tem um sentido subjetivo para designar

os direitos do sindicato no desempenho das suas atribuições legais,

mas um sentido objetivo para expressar um setor do direito do trabalho;

— para designar esse ramo do direito do trabalho muitos preferem direito

coletivo, mas, há relações coletivas de trabalho nas quais o sindicato


pode não estar envolvido e é o sindicato o centro de gravidade desse

setor, o que justifica a designação desse ramo do direito trabalhista

pela sua nota característica mais importante, que é a organização e a

ação sindical, motivos, portanto, que abonam a escolha da expressão

“direito sindical” pela qual optam, entre outros, Gino Giugni, Ghezzi,

32

Romagnoli, Riva Sanseverino, Ojeda Avilés, Abellan, Oliveira Viana,

José Martins Catharino, Russomano, Romita, Régis Teixeira e pela

qual também nós manifestamos nossa preferência;

— há dois tipos que correspondem a concepções diferentes de

direito sindical: o primeiro, o de uma organização política autoritária;

o segundo, o de uma concepção de sindicalismo democrático, e este

último é mais propício para o seu desenvolvimento, pois naqueles o

sindicato dificilmente deixa de ser um braço, um apêndice do Estado,

subordinado à sua diretriz ideológica;

— o sindicato é sujeito de, no mínimo, quatro tipos fundamentais de

relações jurídicas: as internacionais, as coletivas, as administrativas

e as civis como pessoa jurídica, cada qual se desenvolvendo em seu

âmbito próprio e para fins específicos;

— o direito sindical tem uma pluralidade de fontes, a lei, os costumes, os

convênios coletivos, estes, principalmente, nos modelos autônomos e

de natureza institucional, e não legal, que são os modelos espontâneos,

sem muitas regras legais, ou com um mínimo delas, desenvolvendo-

-se segundo um processo de autoelaboração normativa dos próprios


sindicatos;

— são quatro, segundo a melhor doutrina, as partes de que se compõe

o direito sindical: a) a organização sindical; b) a ação e funções dos

entes sindicais, em especial a negociação coletiva e os contratos

coletivos de trabalho; c) os conflitos coletivos de trabalho e suas

formas de composição; e d) a representação não sindical ou mista dos

trabalhadores na empresa;

— organização sindical é a parte estrutural dos entes sindicais, mas

a expressão pode referir-se, também, ao sistema sindical adotado por

um ordenamento jurídico segundo os critérios jurídicos de agrupamento

dos representados pelas associações sindicais;

— abstencionismo e intervencionismo são expressões indicativas do

grau menor ou maior de interferência do Estado e da legislação de um

país no seu sistema sindical, daí falar-se também em organizações

sindicais do tipo associativo e do tipo institucional, por aquela se

entendendo o sindicato como uma estrutura com personalidade jurídica

que o distingue como pessoa jurídica de acordo com a legislação

vigente, e por esta, o sindicato como um ente sociológico não previsto

pelo legislador, uma estrutura escolhida pelos interessados e por estes

considerada apta para operar na defesa dos seus interesses;

— a ação sindical tem na negociação coletiva a sua parte principal, não

se resumindo a ela, porém;

33

— o estudo dos conflitos coletivos de trabalho compreende as disputas


entre os grupos representados pelos sindicatos, em suas diversas

manifestações, legais e ilegais, das quais a greve é a principal;

— a representação dos trabalhadores na empresa, sindical ou não

sindical, é o estudo das comissões que os mesmos podem criar no

interior da empresa;

— um dos mais polêmicos temas do direito do trabalho é a greve, parte

do direito sindical;

— o direito sindical não é um ramo do direito público, porque se assim

fosse, o sindicato seria um órgão público do Estado regido pelo direito

administrativo;

— o setor do Direito compatível com o sindicalismo livre é o direito

privado;

— o sindicalismo está tão conexo com a defesa dos direitos dos

trabalhadores que seria muito difícil confinar o seu estudo ao direito civil.

34

CAPÍTULO 2

O PRINCÍPIO DA LIBERDADE SINDICAL

1. DIMENSÕES DA LIBERDADE SINDICAL

Liberdade sindical é tema que encontra amplo tratamento nas doutrinas

nacional e estrangeira pela importância que apresenta; para Verdier, é la

pierre angulaire du droit syndical français.

Por tal motivo, não uniforme o desenvolvimento que recebe, encontra,

desde logo, duas formas.

A primeira é a metodológica, como ângulo de exposição de todo o direito


sindical, desde as suas origens históricas até as estruturas sociojurídicas

contemporâneas. Nesse sentido, liberdade sindical é o método epistemológico

de caráter didático e expositivo do direito sindical e seus institutos. Assim, da

garantia ou não da liberdade sindical em um sistema jurídico é que dependem

a descrição e o confronto das técnicas de que se utiliza.

A segunda forma é a conceitual, destinada a determinar o conteúdo

da liberdade sindical e as suas manifestações, bem como as garantias que

devem ser estabelecidas para que, sem limitações que resultem em sua

aniquilação, os sindicatos possam cumprir os seus objetivos maiores. Nesse

caso, o que se faz é a verificação das dimensões da liberdade sindical como

tema inicial.

Para alguns, a liberdade sindical é individual ou coletiva, a primeira

pertinente à pessoa singularmente considerada e a segunda, aos grupos

profissionais. Para outros, em especial na doutrina italiana, a liberdade

sindical expressa-se como liberdade de organização sindical, liberdade de

administração dos sindicatos, liberdade de negociação, liberdade de filiação

e autotutela dos grupos. Há amplas enumerações das diversas formas de

liberdade sindical, como a de Orlando Gomes e Gottschalk, seguida por

Arion Romita. Russomano acentua três aspectos: a sindicalização livre ou

obrigatória, a autonomia sindical e a unidade ou pluralidade sindical. Enfim,

o tema oferece perspectivas múltiplas.

Serão aqui analisados cinco aspectos que reúnem os problemas centrais

da questão: a liberdade sindical como liberdade de associação, liberdade de

organização, liberdade de administração, liberdade de exercício das funções


e liberdade de filiação sindical.

35

2. LIBERDADE DE ASSOCIAÇÃO

Liberdade sindical significa direito de associação. Para haver liberdade

sindical, é garantida a existência de sindicatos.

Se as leis de um Estado permitem que nele as pessoas com interesses

profissionais e econômicos se agrupem em organizações sindicais, haveria,

no sentido em que estamos falando, liberdade sindical caracterizada como

o reconhecimento pela ordem jurídica de que devem existir associações

sindicais.

Trata-se, como se vê, da aplicação da ideia do direito de associação ao

âmbito trabalhista. A evolução dessa ideia vem desde a Antiguidade e Idade

Média, passando pela Revolução Francesa, com a declaração de 1791, da

Assembleia Nacional, e é reconhecida em nossa época pelas Constituições

e leis ordinárias.

No Brasil, a Constituição Republicana de 1891 (art. 72, § 8º) dispunha

que “a todos é lícito associarem-se e reunirem-se livremente, sem armas”;

as Constituições de 1934, de 1937 e de 1946 mantiveram o princípio; e a

Constituição de 1967, com a Emenda Constitucional de 1969, também

assegurou o direito de reunião, preservado, ainda, pela Constituição de 1988.

Observe-se, com Cretella(1), que “não em essência, mas em intensidade

ou estabilidade, a reunião difere da associação, porque se aquela tem

indubitavelmente o traço da estabilidade, mais forte do que o da simples

aglomeração, a associação se apresenta, por sua vez, com extraordinária


estabilidade e organização e, quando tem em vista finalidade econômica

ou de caráter político, para os associados que a integram, constitui-se,

normalmente, em pessoa jurídica”. Não se poderá negar que “o direito de

associação tem relação íntima com o direito de reunião”.

Compreender a liberdade sindical meramente como garantia da

existência de sindicatos é insuficiente, porque seriam igualadas situações

díspares.

Sistemas jurídicos inspirados em ideias polarmente opostas, desde os

sistemas autoritários até os efetivamente democráticos, equivaler-se-iam.

Bastaria que em ambos a lei previsse sindicatos. Não é esse o sentido de

liberdade sindical, porque o sindicalismo é um fato comum na época contem-

porânea. Assim, liberdade sindical não é um juízo de existência. É um juízo

de valor, dependendo do modo como o sindicato, numa dada ordem jurídica,

é concebido e se relaciona com o Estado, com seus congêneres e com os

seus representados.

(1) CRETELLA. Liberdades públicas. São Paulo: Bushatsky, 1974. p. 127.

36

3. LIBERDADE DE ORGANIZAÇÃO

A questão social atingiu tão profundamente os operários que a

necessidade de defesa comum cresceu penetrando profundamente na

consciência dos trabalhadores europeus. A omissão do liberalismo foi outro

fato relevante que os levou à mesma situação.

A ideia da união evoluiu como condição básica para o movimento de

reivindicação e de luta, de ações pacíficas a conflitos violentos.


A identidade de aspirações vinculou os trabalhadores, relacionando-os

com um sentido de aproximação que impulsiona as pessoas que integram

um grupo social e desde que as pessoas desse grupo tenham um interesse

comum.

A ação dos trabalhadores passou de desorganizada para organizada.

A organização dos trabalhadores, tema a que se dedicam Marcelio de

Cristofaro e Matteo Dell’Olio & Giorgio Branca, apresenta sinais de inegável

relevância:

1º) A organização dos trabalhadores afeta o sistema de relações entre

o trabalho e o capital, uma vez que transpõe, do plano individual para o

coletivo, o diálogo trabalhista, em proveito do trabalhador; individualmente, o

trabalhador tem pouca ou nenhuma chance de negociar com o patrão, como

consequência da sua posição de subordinação jurídica e de dependência

econômica.

2º) A organização dos trabalhadores abre caminho para a resistência

contra o empregador, com os movimentos de paralisação dos serviços, forma

de pressão econômica de efeitos prejudiciais aos interesses da produção, por

isso mesmo arma poderosa que acompanha as reivindicações trabalhistas

nos países democráticos.

3º) A organização dos trabalhadores reveste-se de diversas formas,

dentre as quais o sindicato é a mais ampla, ao lado de outras; fica mesmo

difícil a enumeração completa dessas formas, uma vez que há seções

sindicais, delegados sindicais, comissões de fábrica etc.

4º) A organização dos trabalhadores é espontânea ou preestabelecida


pelo Estado; a organização espontânea resulta da autonomia dos grupos

para a escolha, segundo os critérios que livremente fixarão, dos melhores

meios de união.

É o que se vê na Itália, em cujo ordenamento constitucional, como

explica Gino Giugni, a faculdade de agir, a tutela e a promoção dos interesses

coletivos no mundo do trabalho são atribuídas aos próprios sujeitos

protagonistas do conflito como resultado da sua posição de liberdade. Aos

37

sujeitos é reconhecida a faculdade de coalizão para o fim de promoverem

a defesa dos seus interesses no exercício da própria autonomia. O direito

de organização, continua Giugni, funciona no sentido de inibir o Estado de

praticar atos que possam ferir o direito público subjetivo de liberdade e atua

como uma garantia constitucional conferida aos grupos, não admitindo, por

exemplo, uma legislação com a qual o Estado venha a determinar, com

caráter de exclusividade, os fins ou as formas organizativas da realidade

sindical.

A organização não espontânea, portanto, preestabelecida pelo Estado,

é aquela na qual o modelo sindical é fechado, restrito, uniforme, e as leis não

permitem que os trabalhadores se organizem pelas formas de livre escolha.

Como se vê, a liberdade de organização envolve, também, o problema

da pluralidade sindical ou do sindicato único, ou seja, da permissão legal

para que, numa mesma esfera geográfica, sejam constituídos, no mesmo

setor econômico, mais de um ou apenas um sindicato de pessoas que

originariamente pertenceriam a um mesmo grupo, assunto que, pela sua


relevância, será tratado separadamente.

Inclui, ainda, outro problema: a escolha dos critérios para que se efetive

a representação sindical. Existem sindicatos por setores da indústria, entre

nós os sindicatos por categorias específicas. Há, também, sindicatos por

profissão, uma forma, em nossa lei, de categoria diferenciada. Finalmente,

há sindicatos por empresas, figura entre nós não prevista pela lei. A liberdade

de organização, pela amplitude de que se reveste, compreende também essa

questão, uma vez que há países nos quais a escolha depende dos próprios

interessados e outros em que os interessados se ajustarão aos parâmetros

ordenados pela legislação e ao número de formas que ela determinar.

5º) A liberdade de organização dos trabalhadores põe em evidência as

relações externas do sindicato, configurando-se como o direito conferido

pela ordem jurídica de filiação do sindicato a associações internacionais.

6º) A liberdade de organização quer dizer também o direito de livre

organização interna do sindicato com a escolha, pelos seus componentes,

mediante mecanismos democráticos, dos estatutos que servirão de base

para a estrutura interior do sindicato, os órgãos de que se compõe e as

atribuições conferidas a cada um desses órgãos de administração.

7º) A liberdade de organização abrange o problema do direito de criação

pelos sindicatos de órgãos em nível superior, de coordenação dos sindicatos,

quer no plano horizontal, quer no vertical, denominados uniões, centrais etc.,

além de federações e confederações, portanto, uma estrutura de segundo

nível da própria iniciativa dos interessados.

8º) A liberdade de organização nos põe diante do problema do


reconhecimento e do registro do sindicato como condição da sua existência

38

legal, sendo fácil ver que nos sistemas jurídicos em que o sindicato depende

de reconhecimento do Estado há espaço menor para a liberdade de

organização do que naqueles em que o sindicato pode constituir-se mediante

simples registro independente de ato do Estado.

4. LIBERDADE DE ADMINISTRAÇÃO

A liberdade de administrar o sindicato é decorrência do princípio da

liberdade sindical, expressando-se em duas ideias básicas: a democracia

interna e a autarquia externa.

A democracia interna é condição de legitimidade da vida do sindicato e

princípio que deve inspirar a prática dos principais atos que envolverão a sua

atividade interior.

Pressupõe a redação dos próprios estatutos.

Cabe, segundo o princípio, ao sindicato escolher o tipo de eleições que

adotará, diretas ou indiretas, conforme as peculiaridades do seu quadro. Há

sindicatos com pequeno número e outros com número tão elevado de filiados

que se torna praticamente impossível a realização normal de eleições diretas,

sendo preferível a eleição indireta por meio de delegados que representem as

bases, funcionando como intérpretes do pensamento dos grupos menores.

Na medida em que cresce o sindicalismo, a eleição indireta torna-se cada

vez mais necessária, como meio de evitar o esvaziamento do sindicato,

substituído pelas deliberações locais em âmbito de empresa.

A eleição por aclamação, na opinião de Ojeda Avilés, não é democrática; a


liberdade de consciência de cada um pode deixar-se influenciar por pressões

momentâneas que a aniquilam, especialmente quando as deliberações são

tomadas em clima emocional. O escrutínio secreto permite uma melhor

realização do ideal democrático nas eleições sindicais.

A democracia interna da vida sindical exige, de outro lado, o respeito às

oposições e a admissão de candidaturas de grupos que divirjam da diretoria,

bem como o correlato direito de livre propaganda das metas que a oposição

pretende atingir, quando na direção do sindicato. Nada compromete mais

a democracia interna da vida sindical do que a perturbação do processo

eleitoral sucessório, prejudicado às vezes até mesmo com a prática de

violências físicas e patrimoniais.

A autarquia externa significa a liberdade que deve ser conferida ao

sindicato para que não sofra interferências externas em sua administração.

39

Pressupõe:

1º) A escolha dos próprios dirigentes, contestando ser tarefa do Estado

nomear pessoas para administrar o sindicato, sem desrespeito ao princípio

da liberdade sindical.

2º) O controle e a fiscalização dos atos da diretoria do sindicato pelos

órgãos do próprio sindicato — a assembleia e o conselho fiscal, ou outros

previstos estatutariamente, como instâncias primeiras a serem consultadas.

3º) A proibição de afastamento dos diretores do sindicato sem que os

próprios órgãos sindicais de controle sejam ouvidos.

4º) A fixação das contribuições sindicais, quer quanto aos tipos, quer
quanto ao valor, pelas assembleias sindicais.

5º) A adoção de mecanismos que impeçam a interferência do empregador

no sindicato de trabalhadores e, se for o caso, vice-versa, sendo mais comum

a primeira. Conhecidas são as práticas antissindicais, coibidas por alguns

sistemas jurídicos e por outros não. Sabido, também, que fase houve em que

existiram sindicatos de trabalhadores incentivados ou indiretamente criados

por empregadores, no regime do pluralismo sindical, como técnica de divisão

e enfraquecimento das forças sindicais.

6º) A proscrição da perpetuação, no poder, de dirigentes sindicais que

se acabam identificando com o Estado e terminam totalmente distanciados

da realidade trabalhista de onde emergiram, para agirem como verdadeiros

representantes do Estado no sindicato e não como representantes do

sindicato perante o Estado.

5. LIBERDADE DE EXERCÍCIO DAS FUNÇÕES

Seria incompleta a liberdade sindical se não abrangesse a garantia do

exercício das funções do sindicato, meio pelo qual o sindicato desenvolve a

sua ação destinada a atingir os fins para os quais foi constituído.

De nada adiantaria atribuir funções e negar os meios para que essas

funções sejam cumpridas, com o que dois problemas surgem desde logo: 1º)

a escolha, pela ordem jurídica, das funções do sindicato; 2º) a delimitação

das formas pelas quais devem ser atingidas.

Não há uniformidade quanto à determinação das funções que cabem

ao sindicato.

É fora de discussão que o sindicato cumpre funções de representação


que se desdobram em dois planos, o coletivo e o individual. No plano coletivo,

o sindicato representa os grupos nas suas relações com outros órgãos,

40

sendo essa a sua natural atribuição. Assim, quer perante o Estado, quer

perante os empregadores ou outros órgãos, cabe ao sindicato ser o intérprete

do pensamento do grupo à frente do qual se põe, e cujas reivindicações e

posições interpretará. Não só no nível coletivo, mas, também, no individual,

o sindicato cumpre funções representativas, com maiores ou menores

limitações em cada sistema jurídico, participando de processos judiciais,

praticando atos homologatórios de rescisões contratuais etc.

Outra função, unanimemente reconhecida, é a negocial, para Montoya

Melgar, a principal. Seu desenvolvimento é dos maiores, onde a lei ocupa

espaço menor, como no sindicalismo de negócio dos Estados Unidos com

a amplitude conferida à autonomia coletiva para a instauração de vínculos

jurídicos com base nos quais serão regidas as relações individuais de

trabalho. A Organização Internacional do Trabalho — OIT incentiva a atuação

negocial dos sindicatos, considerando-a instrumento magnífico de paz social

e de grande utilidade como técnica jurídica que permite às próprias partes

de uma disputa trabalhista a escolha das normas a serem observadas para

a composição dos seus conflitos em proveito geral.

Faz do sindicato fonte de produção de direito positivo, complementando

as lacunas da lei, detalhando onde a lei não desce, criando figuras novas e

direitos maiores para os empregados, enfim, construindo um direito paralegal

indispensável para a melhor ordenação das relações trabalhistas.


Se a representação e a negociação são funções próprias do sindicato,

há, no entanto, divergências quanto a outras funções.

É o caso da junção assistencial, que consiste na prestação, aos

representados, de serviços de natureza médica, educacional, hospitalar,

ambulatorial etc., entendendo alguns que são atribuições impróprias e

desviam o sindicato do seu papel principal.

Também discutível é a junção tributária, consistente no poder que é

conferido pela lei ao sindicato para impor contribuições mesmo a pessoas

que não são associadas, de modo obrigatório e sem que os atingidos

tenham a possibilidade de recusar. Esse direito do sindicato é visto como

uma lesão à liberdade sindical individual. Permite, inegavelmente, maiores

fontes orçamentárias para o sindicato, mas, com o controle do Estado sobre

a arrecadação e a destinação desses recursos, possibilita maior ingerência

governamental nos assuntos sindicais.

Permitida em muitos países é a junção econômica, significando o

exercício, pelo sindicato, de atividade comercial, como se fosse uma

sociedade destinada à prática de atos de comércio. Há países nos quais não

são impostas maiores restrições e o sindicato pode ser acionista de empresas,

de bancos etc., desenvolvendo intensa atividade de fins econômicos.

41

Reconhecida é a função de colaboração com o Estado.

Polêmica é a participação do sindicato na política, havendo, em tese,

como aponta Ojeda Avilés, três posições que o sindicato pode assumir:

1ª) A apolítica por oposição ao Estado, própria do sindicalismo


revolucionário, que não acredita no Estado (pregando a sua destruição com

a estrutura capitalista) nem na política como meio de elevação das classes

trabalhadoras. A Carta de Amiens (1906), da França, propõe a abstenção da

atividade política pelo sindicato, devendo os trabalhadores conseguir pelos

seus próprios meios a melhoria da sua condição social.

2ª) A apolítica por aceitação do modelo econômico-político, reconhecidos

o capitalismo e o lucro, desde que sejam respeitados os direitos do trabalhador,

dentre os quais o de greve e o de negociação, sendo essa a posição dos

sindicatos norte-americanos, com variações.

3ª) A participação política, que, por sua vez, tem mais de uma forma. O

sindicato cria partidos políticos, como na Inglaterra, com o governo trabalhista

do Partido Trabalhista, cujo suporte foi o sindicalismo. O sindicato, às vezes,

submete-se a um partido, ao qual pode ficar totalmente subordinado. O

sindicato, em outras vezes, não participa ostensivamente das relações

políticas, mas financia candidatos.

A Organização Internacional do Trabalho — OIT, em 1952, na 35ª

Reunião, expediu Resolução, aprovada por cento e doze votos, com trinta

e sete abstenções, dispondo que “as relações ou atividades políticas dos

sindicatos não devem ser em si mesmas de tal natureza que comprometam a

continuidade necessária do movimento sindical e, por outro lado, não devem

ser para os governos um pretexto para romper essa mesma continuidade”.

Na doutrina estrangeira, Ojeda Avilés sustenta que política não é só a

parlamentar, e que o poder social que encarnam os sindicatos é tão político

quanto o poder econômico detido pelos empresários. Verdier entende que é


ilusória a distinção entre atividade sindical e função política. Para Lyon-Caen,

a distinção entre essas funções é simplista, porque a licitude dos meios

políticos a serviço de fins profissionais é incontestável.

Há leis, como as da Colômbia, que proíbem a função política, dispondo

que “aos sindicatos é proibida qualquer ingerência, direta ou indireta, na política

militante do país”. Na Venezuela, “as organizações sindicais do trabalho, que

formem patrões e trabalhadores, não poderão federar-se como associações

ou partidos políticos nacionais ou estrangeiros, nem filiar-se a eles”.

Observa-se que em alguns países o movimento sindical acercou-se

do poder político, participou dele e o integrou. Não é possível mesmo uma

42

separação completa. Convém distinguir o exercício da política como meio

para atingir fins sindicais, o que é válido, do exercício do sindicalismo como

meio para atingir fins políticos, o que é rejeitável.

Como se vê, a liberdade de exercício das funções sindicais envolve uma

fascinante problemática que longe está de encontrar, até agora, as melhores

soluções para o sindicalismo. No entanto, certo é que na mesma proporção

em que o sindicato intensifica a sua ação política, volta-se contra o Estado,

provocando reações que muitas vezes são fatais e acabam por comprometer

o desenvolvimento de movimentos sindicais que de outro modo floresceriam.

6. LIBERDADE DE FILIAÇÃO E DE DESFILIAÇÃO

Ninguém pode ser obrigado a ingressar ou a não ingressar num sindicato.

Eis, de modo simples, a súmula do princípio da liberdade de filiação sindical.

Sua formulação envolve uma diretriz genérica de amplitude tal que possa
valer como regra fundamental de liberdade individual dos trabalhadores sem

qualquer tipo de especificação.

Depois, é também um comando que visa a amparar trabalhadores que

estão em condições especiais, como estrangeiros, incapazes, mulheres

casadas, certas pessoas jurídicas, uma vez que a razão fundamental do

direito à liberdade de filiação é o “status” trabalhista que deve sempre ser

respeitado, ainda que a lei venha a fazer algumas limitações não interferentes

na preservação da garantia fundamental.

Acrescente-se que o princípio funciona como um direito para o

trabalhador e como um dever para o sindicato; portanto, tem um sentido

positivo para aquele e negativo para este. Numa dimensão maior, porém,

pode ter como destinatário não apenas o sindicato, mas o Estado, quando

faz discriminações.

Vejamos, em separado, a liberdade de filiação e o sindicato, a liberdade

de filiação e o Estado, e a liberdade de filiação e o empregador.

As relações entre o sindicato e os seus filiados são amplas e envolvem

um problema de autoridade do grupo sobre os seus membros e de liberdade

dos membros perante os poderes do sindicato.

Interpretando o direito da França, Verdier sustenta que a autoridade do

sindicato sobre os seus membros é destinada a assegurar a disciplina sindical

e o respeito dos seus membros às suas obrigações. Assim, é admitido o

poder disciplinar do sindicato sobre os seus membros e reconhecidos limites

à autoridade do sindicato, segundo os princípios da especialidade e da

subordinação.
43

De acordo com o primeiro princípio, o grupo não pode usar o seu poder

senão para atender aos seus fins, isto é, a defesa dos interesses profissionais;

desse modo, o sindicato não pode imiscuir-se na vida privada ou religiosa

dos seus aderentes.

De acordo com o segundo princípio, o poder interno do grupo, uma

ordem sindical, não pode ferir os direitos individuais dos seus membros.

Nota-se, desde logo, que nas relações com o sindicato as pessoas não

têm um direito absoluto. Ao contrário, esse direito é limitado, inclusive pelas

cláusulas sindicais. De tal ordem que Verdier o considera plus essentiel

même que la liberté générale d’association.

A Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948), art. XXIII, 4,

dispõe que todo homem tem direito a ingressar num sindicato. No mesmo

sentido, são as Convenções ns. 98 e 83 da Organização Internacional do

Trabalho — OIT (arts. 2º e 5º) e a Convenção de Salvaguarda dos Direitos

do Homem e das Liberdades Fundamentais (1950), art. 11.

A liberdade de filiação sindical, segundo a doutrina, abrange a liberdade

de aderir a um sindicato. Há países que adotam o sistema da sindicalização

obrigatória. Fere a liberdade de sindicalização.

A liberdade de filiação sindical compreende, também, o direito de se

demitir de um sindicato. Práticas, como o mise à i’index, da França — uma

espécie de lista negra dos não filiados —, e o maitenance of membership, da

Inglaterra e Estados Unidos — cláusulas segundo as quais os empregados

que se filiarem voluntariamente a um sindicato devem nele permanecer


durante a vigência da convenção coletiva em que a cláusula é ajustada,

sob pena de dispensa pelo empregador —, são igualmente limitativas da

liberdade do trabalhador.

A liberdade de filiação sindical envolve, igualmente, o direito do

trabalhador de não ingressar em um sindicato, ou seja, a liberdade de não se

filiar, garantida por nossas leis.

O principal aspecto da liberdade sindical e o Estado refere-se às

proibições, por este impostas, à filiação de sindicatos a organizações

internacionais. A Carta Social Europeia (1961, art. 5º) assegura o direito de

filiação a entes internacionais. No mesmo sentido, é a Convenção n. 98, da

Organização Internacional do Trabalho — OIT.

Mediante leis, o Estado proíbe certas classes de trabalhadores de se

filiarem ou organizarem sindicatos como os funcionários públicos, cujo direito

de sindicalização é vedado por algumas legislações. A Convenção n. 98

(OIT) não os discrimina.

44

Os argumentos que são apontados contra a sindicalização dos

funcionários públicos são simples:

1º) não há um contrato de trabalho, mas uma relação jurídica de Direito

Administrativo, com o que estariam os funcionários afastados do âmbito do

Direito do Trabalho, argumento que não prevalece quanto aos servidores

públicos regidos pela lei trabalhista, embora possa impressionar quanto ao

pessoal estatutário;

2º) os funcionários públicos atendem a interesses gerais da comunidade,


desempenhando serviços públicos cujo tratamento jurídico não pode ser

equiparado ao dos empregados das empresas privadas, em especial quanto

ao direito de greve;

3º) como dizem Rouast e Durand, o sindicato de funcionários públicos

apresenta para o Estado o perigo de mesclar a função pública com os

conflitos trabalhistas.

No direito estrangeiro, há países que admitem o direito de sindicalização

dos funcionários públicos; outros, o direito é aceito com limitações, por

exemplo, para as Forças Armadas e para a Magistratura; outros, ainda, em

que aos funcionários é garantido o direito de associação, mas não sob a forma

de sindicato; e finalmente, há sistemas jurídicos em que os funcionários não

estatutários, que são aqueles disciplinados por leis iguais às aplicáveis ao

pessoal das empresas privadas, podem sindicalizar-se.

Há cláusulas sindicais ajustadas em convenções coletivas entre o

sindicato e o empregador que podem inibir o direito de sindicalização do

trabalhador.

A mais antiga é denominada closed shop. O empregador se compromete

a admitir apenas empregados filiados ao sindicato. A empresa é fechada a

não sindicalizados. A Lei Taft-Hartley (1947) considerou-a ilegal.

Há outras cláusulas sindicais: a) open shop, de acordo com a qual a

empresa é aberta a não filiados; b) yellow dog contract, que é um compromisso

de não filiação sindical que o empregado assume para ser admitido pelo

empregador; c) company unions, que é o compromisso de criação de

sindicatos fantasmas; d) unions shop, segundo a qual, após um prazo da


admissão, o empregado se compromete a sindicalizar-se; e) preferencial

shop, que é simples preferência de admissão para filiados ao sindicato; f)

label, que é a marca do sindicato nos produtos do empregador para que

todos saibam que há sindicalização na empresa.

Existem leis que incentivam a sindicalização, ou com a concessão

de privilégios aos sindicalizados ou com a exclusão de direitos a não

sindicalizados. Outras, como a da Espanha (1980), dispõem que os

45

trabalhadores não podem ser discriminados na admissão, pelo fato de serem

ou não filiados a um sindicato. A Constituição da Itália (1947, arts. 1.0 e 39,

§ 1.0) e o Statuto dei Lavoratori (1970) consideram nulo pacto que subordine

a ocupação de um trabalhador à condição de aderir ou não a um sindicato.

7. GARANTIAS DE LIBERDADE SINDICAL

Não teria sentido declarar formalmente a liberdade sindical sem pôr à

disposição das pessoas mecanismos jurídicos de proteção voltados para o

resguardo efetivo dos interesses em jogo, daí a disciplina, mediante leis ou

cláusulas de convenções coletivas, do exercício da liberdade sindical.

No plano coletivo, os sindicatos têm legitimidade para agir em juízo a fim

de obter ordens judiciais amparando as suas pretensões legítimas.

Uma figura do direito italiano é a repressão à conduta antissindical, que,

uma vez ocorrida, gera uma espécie de processo sumaríssimo instaurado

quando o sindicato encontra obstáculos à sua livre atuação na empresa.

Exemplifique-se com o ato do empregador opondo-se à realização de uma

assembleia ou uma reunião no local de trabalho. A lei italiana assegura esse


direito com algumas condições. Outro exemplo está nas medidas punitivas

do empregador contra os participantes de greve ilícita. Em casos dessa

natureza, o art. 28 do Statuto dei Lavoratori prevê um procedimento de

caráter simplificado. O pretor, a pedido dos sindicatos, convocará as partes

e, desde que conclua que há conduta antissindical, ordenará ao empregador

a cessação dos atos infringentes da liberdade sindical.

Tornou-se necessária essa figura no direito peninsular na medida em

que a lei incentivou a representação do sindicato e a representação não sin-

dical dos trabalhadores na empresa, com o que o estabelecimento tornou-

-se, além de unidade do processo econômico, local de legítimo exercício de

direitos sindicais.

A preocupação contra atos perturbadores da liberdade sindical não é

inovação do direito italiano, uma vez que, sob outra roupagem, já existiam

em outros países institutos semelhantes, como o da proibição de práticas

desleais, a que se referem Cabanellas e Monlzón. Para Monzón, “a essência

da prática desleal consiste precisamente em toda conduta do empregador

que, direta ou indiretamente, seja dirigida a prejudicar, perturbar ou obstruir a

ação e o desenvolvimento das associações profissionais de trabalhadores e

dos direitos que, em consequência, se reconheçam aos indivíduos. Em outras

palavras: a prática desleal consiste no desconhecimento, prejuízo ou violação

do interesse coletivo que representa o sindicato; o que, por sua vez, encontra-

-se centralizado na efetiva vigência do direito de associação profissional”.

46

Cabanellas também se refere à mesma figura do direito para dizer que


devem ser entendidas assim as “ações e omissões que, sem constituírem

delito contra a liberdade de trabalho e de associação, dificultem ou perturbem

o livre exercício dos direitos sindicais reconhecidos”.

Outra figura de igual fim é o fuero sindical, nome não apropriado e que

não dá uma ideia precisa sobre o seu significado, uma vez que fuero origina-

-se de fórum, o que não se ajusta à figura.

Fuero sindical é a estabilidade conferida a dirigentes sindicais. Explica

Cabanellas que a expressão se confunde com a prerrogativa, a imunidade

concedida a certos dirigentes sindicais, tomando-se fuero no sentido de

jurisdição ou poder com caráter de privilégio outorgado, nesse caso, a algumas

pessoas, não sujeitas, assim, aos tribunais ordinários. Porém, abrangem um

conjunto de garantias que nada tem a ver com questões processuais.

Do fuero sindical resultam certas garantias ao empregado e que são o

direito de se afastar do emprego para exercer atividade sindical; o direito da

contagem, como de serviço efetivo, do tempo durante o qual esteve afastado

do emprego para exercer funções sindicais; a obrigação da empresa de

reintegrá-lo no emprego tão logo cessarem as suas funções sindicais; e a

estabilidade do dirigente sindical, que é a proibição da sua dispensa sem

justa causa enquanto no exercício do mandato e até um certo tempo depois

de cessadas as suas funções sindicais.

Com a clareza habitual, Cabanellas, explicando os fundamentos da

medida, diz que “num enfoque excessivamente amplo, afirma-se que o

fuero sindical trata de resguardar a liberdade de associação, a fim de que

os trabalhadores não se sintam coibidos de se filiar aos sindicatos, diante do


temor de que desse fato resultem postergações, medidas disciplinares e até

dispensas como represália patronal”.

Justifica plenamente o instituto afirmando que “os dirigentes sindicais têm

de tomar posições opostas aos empresários nas negociações trabalhistas”.

São naturais os atritos que eventualmente surgem; assim, caso não contem

com uma proteção especial que lhes garanta segurança no desempenho das

suas atribuições representativas dos interesses coletivos dos trabalhadores,

terão consideravelmente diminuída a sua força.

Em obra mais recente, o jurista uruguaio Oscar Ermida Uriarte analisa

as práticas antissindicais, sustentando, com acerto, que a sua premissa é a

liberdade sindical em suas dimensões de organização e de atividade.

Conceitua a prática antissindical como “toda atitude ou conduta que

prejudica a causa da atividade sindical ou que a limita além do que surge

do jogo normal das relações coletivas. Em outras palavras, os atos ou

47

práticas antissindicais podem ser definidos como aqueles que prejudicam

indevidamente um titular de direitos sindicais no exercício da atividade

sindical ou por causa desta, ou aqueles mediante os quais se lhes negue

injustificadamente as facilidades ou prerrogativas necessárias para o normal

desenvolvimento da ação coletiva”.

Acrescenta-se que, no plano internacional, a Convenção n. 98 da OIT

traça princípios igualmente protetores da liberdade sindical (art. 1º):

“1. Os trabalhadores deverão gozar de adequada proteção contra todo ato de

discriminação tendente a menoscabar a liberdade sindical em relação ao seu emprego.


2. Esta proteção deverá exercer-se especialmente contra todo ato que tenha por objeto:

a) sujeitar o emprego de um trabalhador à condição de que não se filie a um sindicato

ou a de deixar de ser membro de um sindicato;

b) despedir um trabalhador ou prejudicá-lo de qualquer outra forma por causa da sua

filiação sindical ou de sua participação em atividades sindicais fora das horas de trabalho

ou, com o consentimento do empregador, durante as horas de trabalho.”

Arrole-se, também, o Preâmbulo da Constituição da França, de 1946,

reafirmado em 1958: tout homme peut défendre ses droits et ses intérêts par

l’action syndicale et adhérer au syndicat de son choix.

A estabilidade e a inamovibilidade do dirigente sindical são asseguradas

pela lei brasileira.

48

CAPÍTULO 3

CONCEITOS BÁSICOS DO DIREITO SINDICAL

1. RELAÇÕES COLETIVAS E INDIVIDUAIS

No direito do trabalho, há dois tipos fundamentais, embora não

apenas esses, de relações jurídicas, assim entendidas as relações sociais

disciplinadas pelo direito: as relações coletivas e as relações individuais de

trabalho.

Diferem pelos sujeitos e pelos interesses que as caracterizam.

Nas relações coletivas, os sujeitos são os grupos de trabalhadores e

de empregadores, representados, em regra, pelos sindicatos profissionais

e patronais, apresentando-se como relações intersindicais. São coletivas as

relações entre sindicatos de trabalhadores e, diretamente, uma empresa, ou


mais de uma empresa. Quando o sindicato representa os trabalhadores da

empresa perante esta, sem a intermediação do sindicato patronal, estar-se-á

diante de uma relação coletiva. O sindicato pode representar interesses dos

trabalhadores de uma única empresa e, quando o faz, trata-se de uma relação

coletiva, uma vez que o grupo, e não cada trabalhador, é o representado.

Nessa mesma perspectiva, no direito sindical, há sujeitos coletivos. A

expressão refere-se ao grupo. Este, o grupo, é o sujeito. E é coletivo porque

é considerado de modo global, como um todo, sem destaque de cada um

dos seus participantes. O grupo não tem personalidade jurídica. O ente que

o representa, sim, é que a terá formalizado perante o direito. O grupo é,

simplesmente, a unidade representada.

No direito do trabalho, ao contrário do direito sindical, o sujeito individual

é, de um lado, o trabalhador, e, de outro, o empregador. O trabalhador é a

pessoa física. Não há que se falar em empregado pessoa jurídica. A empresa

será sujeito individual nas relações de trabalho quando a relação jurídica da

qual faz parte é específica, com um ou mais de um empregado, singularmente

considerados. Será, também, sujeito de uma relação coletiva de trabalho,

regida pelo direito sindical, quando parte de uma relação perante o grupo. A

empresa é tanto sujeito numa relação individual como numa relação coletiva.

O que definirá a posição da empresa como sujeito de uma relação de trabalho

será a natureza do seu interesse objeto.

As relações coletivas, que Mazzoni vê como uma nova dimensão do

Direito, complementam as relações individuais. Desempenham uma função

ordenadora das relações individuais. Criam normas gerais e instituem


49

obrigações. São, portanto, integrativas dos ordenamentos jurídicos, enquanto

as relações individuais não têm o mesmo escopo constitutivo, embora

da autonomia individual possam resultar acordos individuais, fundados

no princípio contratual do pacta sunt servanda. A dimensão constitutiva

e normativa das relações coletivas é ampla e genérica, enquanto a das

relações individuais é restrita e concreta à esfera do individual. Das relações

coletivas podem resultar convenções coletivas de trabalho. Das individuais

decorrem contratos individuais de trabalho, ajustes negociais, dos quais

resultam cláusulas do contrato individual de trabalho, denominadas, no

direito do trabalho, de normas e condições de trabalho, denominação que

tem a finalidade de realçar o aspecto material, mais do que o formal, do

contrato de trabalho.

As relações coletivas têm, ainda, finalidade compositiva dos conflitos

coletivos. Paradoxalmente, são relações que podem ser de conflito. Delas

nasce o conflito, e pode surgir, também, a solução do conflito. Daí a sua

fisionomia dupla, conflitiva e pacificadora.

2. INTERESSE COLETIVO E LIBERDADE SINDICAL

Os tipos de interesses, nas relações de trabalho, foram classificados,

num primeiro momento, em interesses coletivos e interesses individuais;

aqueles são interesses do grupo, estes, do indivíduo.

Foi tarefa árdua para a doutrina conceituar, com exatidão, interesse

coletivo, porque nem sempre o número de pessoas envolvidas é aspecto

suficiente para distinguir entre os dois tipos de interesses, os coletivos e os


individuais.

Causa, também, certa dificuldade a concepção de interesse coletivo.

Para alguns doutrinadores do corporativismo italiano, interesse coletivo é a

soma dos interesses individuais dos membros do grupo, constituindo um in-

teresse próprio, acima e diverso daquele que seria o de cada indivíduo, um

interesse de categoria, transcendente e separado dos interesses individuais.

Essa concepção serviu de fundamento para o autoritarismo dos entes repre-

sentativos do interesse coletivo, em detrimento de qualquer possibilidade de

respeito à autonomia individual e ao indivíduo como tal. Fere, em nome da

disciplina coletiva, a dignidade do indivíduo, na medida em que a desconhe-

ce. O corporativismo estatal confundiu o interesse coletivo com o interesse

público, e, com isso, permitiu que o Estado fosse autoritário com os grupos

sociais, cada um destes inflexível diante do interesse individual. No período

pós-corporativista, a teoria sustenta que há uma cadeia de sobreposições: o

interesse público sobre o coletivo, e o coletivo sobre o individual, que as de-

mocracias, como governo das maiorias e do conformismo das minorias, não

50

conseguiu, totalmente, desfazer. A democracia admite um espaço maior entre

os diferentes níveis de interesses do que os regimes políticos autoritários.

Santoro-Passarelli, em Nozioni di diritto del lavoro (1952), definiu como

coletivo “o interesse de uma pluralidade de pessoas por um bem idôneo a

satisfazer as necessidades comuns. Não é a soma dos interesses individuais,

mas sua combinação, e é indivisível, no sentido de que vem satisfazer não

diversos bens destinados às necessidades individuais, mas um único bem


apto a atender às necessidades de uma coletividade”.

Para Giovanni Tarello, em Teorie e ideologie nel diritto sindacale

(1972), o interesse coletivo é econômico, visa a atender a fins econômicos

comuns; é indivisível, refere-se a uma coletividade; é genérico, diante da sua

indivisibilidade; e tem natureza privada.

Pode estar em desacordo com o interesse público, mas este prevalecerá,

em qualquer regime político, totalitário ou democrático. A diferença entre

os sistemas políticos está em que nestes, nos sistemas democráticos, há

possibilidade maior de um diálogo político e social.

O interesse coletivo é indivisível no sentido de vincular pessoas. Se

um grupo de empregados é despedido num mesmo dia, cada empregado

por um motivo diferente, difere da dispensa de muitos empregados em dias

próximos pelo mesmo motivo. Na primeira hipótese, os interesses são indi-

viduais, e, na segunda, há um interesse coletivo. Nesta, o motivo da dispen-

sa é comum a todos os empregados. Nesse sentido, é possível cogitar da

indivisibilidade do interesse coletivo.

A liberdade sindical é defesa de interesses coletivos, num plano de

direito privado.

Há, no direito contemporâneo, a ampliação do estudo dos tipos de

interesses que existem numa sociedade de massas: interesses difusos,

interesses individuais homogêneos, interesses sociais, interpondo-se,

ou pondo-se ao lado dos tipos já reconhecidos. São grandes os esforços

doutrinários para a sua completa configuração, nem sempre compensados.

O sindicato é defensor de todos, inclusive de interesses individuais coletivos,


expressão utilizada pela Constituição brasileira de 1988, como um tipo

diferente, inconfundível com o interesse coletivo. O Ministério Público é

defensor de interesses difusos, instaura inquéritos e ações civis públicas, o

que tem permitido ampliar o estudo dos tipos de interesses e um significativo

avanço doutrinário em nosso país.

O interesse coletivo não é público, é privado. Se fosse público, os

sindicatos seriam pessoas jurídicas de direito público. Não o são. As entidades

sindicais no sindicalismo livre, democrático e desvinculado do Estado são

51

pessoas jurídicas de direito privado. Logo, o interesse que defendem é

privado. Na época do corporativismo, o interesse coletivo era público.

Ao sindicato cabe a defesa do interesse coletivo.

Externa-se, com a presente questão, um aspecto jurídico da maior

importância que merece aclaramento diante dos seguidos problemas que

surgem perante os Tribunais.

Como a Constituição Federal atribui ao Ministério Público Federal promo-

ver a ação civil pública para defesa de direitos coletivos (art. 129, III) por meio

da ação civil pública, função à qual vem se dedicando com a maior eficiência,

e, concomitantemente, confere ao sindicato a defesa dos direitos individuais

ou coletivos da categoria inclusive em ações judiciais (CF, art. 8º, III), atribuição

genuinamente sindical por sua natureza e finalidade, há, ou não, uma ordem

de prioridade para a legitimação ativa processual?

Minha opinião é que a solução não está na legitimação concorrente e

disjuntiva, o que equivaleria a dizer que quanto mais ações no Judiciário melhor
seria para a ordem lógica processual e para os interesses da sociedade.

O correto é exatamente o contrário, poupar o Judiciário de seguidas ações

que permitam dar atendimento à sua tarefa principal na atualidade que é a

celeridade processual, que seria contrariada com a abertura desmedida da

legitimação ativa.

A aceitação da tese da legitimação concorrente e disjuntiva pode levar à

duplicidade de ações judiciais, sucessivas, como no caso, ou concomitantes,

pelo sindicato e pelo Ministério Público do Trabalho, para defesa dos direitos

sociais constitucionalmente garantidos. O certo seria a intervenção oficial

apenas nos casos em que realmente tenham maior expressão e comportem

a atuação da Procuradoria como órgão institucionalmente capacitado a

preservar a ordem jurídica e o interesse público, o que leva à generalidade e

não à especificidade como pressuposto da sua atuação.

Miguel Reale, ao tratar do tema, lembra que infelizmente tem sido comum

a tendência de invocar-se o texto constitucional, oferecendo, no entanto,

pretensos sinônimos aos termos empregados pelo legislador constituinte, do

que às vezes deflui inadmissível alargamento de competência em benefício

de órgãos públicos em matéria que não comporta tal ampliação (v. “Questões

de Direito Público”, São Paulo, 1997).

Teori Albino Zavascki (v. O Ministério Público e a Defesa de Direitos

Individuais Homogêneos, Revista Informação Legislativa n. 117, Brasília, jan./

mar.1993. p. 173) afirma que há barreiras constitucionais a serem respeitadas.

E a prof.ª Ada Pellegrini Grinover (Das class action for damages

à ação de classe brasileira: os requisitos de admissibilidade. Revista


52

Forense, Rio de Janeiro, 2000, v. 1, volume 352), referindo-se à Rule 23 da

class action norte-americana e à luz dos requisitos de admissibilidade das class

actions norte-americanas (da prevalência e da superioridade), defende que

para que se justifique o tratamento coletivo, os aspectos comuns envolvidos

hão de prevalecer sobre os aspectos particularizados, salientando que “... não

há homogeneidade entre situações de fato ou de direito sobre as quais as

características pessoais de cada um atuam de modo completamente diferente”.

Lembra a prof.ª Ada P. Grinover, no referido artigo, que os requisitos da

necessidade e da utilidade “se colocam no plano da economia processual,

porquanto a função jurisdicional, que demanda dispêndio de energias, só

pode ser ativada se for efetivamente necessária e útil”.

E conclui a jurista: “... Uma sentença genérica que não seja idônea

a pacificar com justiça e um processo coletivo incapaz de solucionar

a controvérsia de direito material não podem encontrar guarida num

ordenamento processual moderno, como é o brasileiro. A técnica processual

deve ser utilizada, então, para evitar e corrigir eventuais desvios de caminho

de um processo que há de ser aderente à realidade social”.

Ora, a ação civil pública não nasceu na Justiça do Trabalho e a sua

gênese está intrinsicamente ligada a interesses mais gerais da sociedade.

Na esfera trabalhista, deve comportar adaptações sob pena de, pela sua

amplitude, declinar em seu significado.

O art. 83, III, da Lei Complementar n. 75/1993 confere competência ao

Ministério Público do Trabalho a fim de promover ação civil pública somente


para a tutela de “interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos

sociais, constitucionalmente garantidos”, mas é de toda conveniência uma

gradação entre legitimação do sindicato e legitimação do Ministério Público do

Trabalho e, se não for assim, a ação civil pública poderia ser utilizada para a

defesa de todos os direitos previstos nos arts. 7º e 8º da Constituição Federal

e o sindicato, mesmo que legitimado a defendê-los, ficaria prejudicado,

secundarizado, em danosa contribuição para o seu enfraquecimento em

nosso ordenamento jurídico e que levaria o Ministério Público a ser um braço

sindical.

Assim, a ação civil pública trabalhista não é meio adequado para a

defesa de interesses coletivos específicos no âmbito trabalhista. Não há

dúvida de que a presente lide envolve o sindicato porque distribuição de

folhetos sindicais é um direito da entidade sindical na empresa, matéria

determinada, sobre a qual o sindicato já firmou um acordo coletivo que tem

regras para a distribuição das informações.

Põe-se, assim, uma quaestio juris: os direitos coletivos a que se refere

a Constituição são os pertinentes à esfera de uma categoria profissional ou

são, também, os direitos coletivos que interessam à sociedade?

53

Se a resposta for a segunda, essa ação teria toda a procedência porque

a defesa dos direitos coletivos estaria em consonância com a função precípua

do Ministério Público, que é a tutela do interesse público dos quais os

coletivos gerais são um desdobramento; porém, se a resposta for a primeira,

por se tratar de interesse coletivo específico, nesse caso não se justificaria,


no lugar do sindicato, legitimar-se o Ministério Público para uma ação que

não repercute sobre a sociedade nem se amplia, pela sua expressão.

Um caso circunscrito à esfera de uma só empresa não tem a difusividade

capaz de externar-se para toda a categoria porque o seu âmbito foi o restrito

das relações de trabalho e sindicais no interior de uma unidade empresarial.

3. SUJEITOS DAS RELAÇÕES COLETIVAS

Sujeito das relações coletivas é, pelo lado dos trabalhadores, o grupo.

Quais são, todavia, os sujeitos coletivos?

Como o sujeito de uma relação jurídica é, para usar linguagem kelseniana,

o centro de imputação da norma jurídica, segue-se que é problema de direito

positivo de cada país determinar os entes aos quais atribui essa qualidade,

com o que se diversificam as respostas, segundo os diferentes sistemas

jurídicos.

Ojeda Avilés, em Derecho sindical, referindo-se ao direito da Espanha,

considera sujeitos coletivos as coalizões, os sindicatos, os conselhos

de fábricas, os delegados de fábricas, as assembleias de fábricas, as

associações patronais e o empresário individual.

Na Itália, são sujeitos coletivos não só sindicatos registrados e com

personalidade jurídica, mas, também, sindicatos de fato, institucionalizados,

sem personalidade jurídica, além das Comissões Internas nas empresas,

os delegados dos trabalhadores, os Comitês Unitários de Base e outros. É

conhecida, no direito peninsular, a figura a que os doutrinadores se referem

como associazione sindacale non riconosciuta, que surgiu depois da Segunda

Guerra Mundial, no período da reação doutrinária e institucional contra o


corporativismo e da abertura da autonomia privada coletiva.

Sujeitos coletivos são os protagonistas das relações coletivas de

trabalho. O já citado Avilés os define como pessoas privadas, que intervêm

diretamente na organização em massa das relações de trabalho; em outras

palavras, são os sujeitos titulares dos poderes de autonomia coletiva.

Esta foi valorizada quando o Estado, como observa Giugni, renunciou à

cooptação da organização sindical na própria estrutura constitucional,

permitindo, deliberadamente, a autorresponsabilidade das forças sociais,

para que constituíssem, no exercício legítimo da liberdade de organização,

54

as entidades e representações, sem formas rigorosas previstas em lei, para

o exercício dessa autonomia.

Não só as associações de fato, mas também as coalizões, que são

uniões informais e transitórias, incluem-se no campo dos sujeitos coletivos,

em alguns países, como na Itália e Espanha, sistemas de relações jurídicas

coletivas nas quais existem formações espontâneas, diversamente do

que ocorre no sistema sindical brasileiro, no qual os sujeitos coletivos são

delineados pela lei, que os condiciona, não reconhecendo sujeitos coletivos

institucionalizados, de modo espontâneo, salvo as centrais sindicais.

No Brasil, são sujeitos coletivos de trabalhadores: as categorias,

representadas pelos sindicatos; as federações e as confederações; as

centrais sindicais, que representam as entidades sindicais menores que a elas

aderem; os delegados sindicais, que representam sindicatos; as comissões

de representantes de trabalhadores nas empresas; o representante eleito


pelos trabalhadores na empresa; excepcionalmente, grupos não formalizados

que representam trabalhadores na greve e em negociações coletivas não

conduzidas, por inércia, pelas organizações sindicais, verdadeiras coalizões.

De empregadores são sujeitos coletivos: as categorias econômicas;

as empresas, quando atuam diretamente, sem intermediação sindical, em

relações coletivas; as federações; as confederações; e as centrais sindicais.

Antes da reforma constitucional de 1988, o primeiro degrau do

sindicato era uma associação não sindical. Para a criação de um sindicato,

o grupo tinha de instituir, inicialmente, uma associação não sindical, que

seria, futuramente, transformada ou não em sindicato, dependendo do

reconhecimento do Estado. Esse sistema foi modificado. As associações não

são mais obrigatórias. Pode ser fundado um sindicato sem ter antes sido

uma associação. As associações não têm prerrogativas de sindicato.

Por fim, os sujeitos coletivos são aqueles admitidos em cada ordenamento

jurídico. É o direito, e não a sociologia, que vai declarar quem é sujeito

coletivo, para fins jurídicos, com validade para representar, atuar e negociar,

e os modos de representação dos grupos, ainda, quando a representação

poderá ser informal e espontânea.

Em resumo:

— no direito do trabalho, há dois tipos fundamentais, embora não ape-

nas esses, de relações jurídicas, assim entendidas as relações sociais

disciplinadas pelo direito: as relações coletivas e as relações individuais

de trabalho;

— as relações coletivas e as individuais diferem pelos sujeitos e pe-


los interesses que as caracterizam, porque naquelas os sujeitos são os

grupos de trabalhadores e de empregadores, representados, em regra,

55

pelos sindicatos profissionais e patronais, apresentando-se, preponde-

rantemente, como relações intersindicais, e nestas o sujeito-trabalhador

é considerado em seus direitos e obrigações de modo singular e os

interesses em discussão referem-se à sua pessoa em relação ao seu

empregador e não ao grupo;

— as relações coletivas são da maior importância na sociedade de

massa, a tal ponto que o direito processual civil foi forçado a acrescentar,

dentre os temas que integram o seu âmbito, as ações coletivas nas

quais se discutem direitos e interesses difusos, coletivos ou individuais

homogêneos por meio de processos coletivos e não, como antes,

apenas processos individuais;

— as relações coletivas de trabalho podem ser de conflito e, também,

de solução do conflito, apresentando-se, desse modo, com dupla

fisionomia, a conflitiva e a pacificadora;

— o coletivo não é o mesmo que o pluri-individual, porque nele o

interesse transcende o das pessoas que estão interessadas e a sua

dimensão é metaindividual;

— interesse coletivo não é o mesmo que interesse público, pode com

ele estar em desacordo, mas pode, diversamente, com ele coincidir por

ser o público o domínio do Estado, e o privado, o domínio do interesse

coletivo trabalhista;
— liberdade sindical, no sentido estrito, é a defesa de interesses

coletivos num plano de direito privado e de democracia política;

— sujeitos coletivos são os protagonistas das relações coletivas de

trabalho representados por entes de direito privado;

— não só as associações de fato mas também coalizões, que são

uniões informais e transitórias, incluem-se, em alguns países, no campo

dos sujeitos coletivos;

— no Brasil são sujeitos coletivos de trabalhadores: as categorias,

representadas pelos sindicatos; as federações e as confederações;

as centrais sindicais, que representam as entidades sindicais que a

elas aderem; os delegados sindicais, que representam sindicatos;

as comissões de representantes de trabalhadores nas empresa; o

representante eleito pelos trabalhadores na empresa; e excepcionalmente

grupos não formalizados que representam trabalhadores na greve e em

negociações coletivas não conduzidas pelas organizações sindicais;

— no âmbito dos empregadores, são sujeitos coletivos as categorias

econômicas; as empresas, quando atuam diretamente sem

intermediação sindical em relações coletivas; as federações e as

confederações sindicais.

56

CAPÍTULO 4

OS PRECEDENTES DO SINDICALISMO

1. CARACTERÍSTICAS DO SINDICALISMO E

DAS CORPORAÇÕES DE OFÍCIO


Sustentamos, nesta parte, que o sindicalismo é fruto da sedimentação

de um movimento que percorreu um longo caminho até chegar à fase

contemporânea, na qual, ao mesmo tempo, é um componente indispensável

do Estado de Direito e uma instituição que se encontra diante de um desafio

provocado pelas enormes transformações pelas quais passam as relações

de trabalho. Uma democracia é adulta quando tem condições de preservar a

liberdade sindical, princípio maior da teoria da organização sindical, fruto de

longa evolução das ideias e das estruturas sociais e políticas, cujas origens

remotas são encontradas nas corporações de ofício medievais.

Para defesa coletiva dos seus interesses, os trabalhadores se organizam

sob diferentes formas, dentre as quais a mais importante é a sindical. No

entanto, nem sempre foi assim. A conquista desse direito atravessou uma

trajetória prolongada, repleta de obstáculos, até chegar ao estágio atual,

atravessando um passado e uma história de conquistas.

Para Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino,

em Dicionário de política (1986), o sindicalismo nasceu como reação dos

trabalhadores, fundado, de um lado, na solidariedade e defesa dos interesses

dos trabalhadores e, de outro, na revolta contra o modo de produção

capitalista. Para outros, o sindicalismo foi uma forma de enfrentar os efeitos,

na ordem social, do liberalismo político, econômico e jurídico, inspirado nos

princípios da Revolução Francesa de 1789.

Não se deve, com isso, questionar a Revolução Francesa, cuja

importância, tão bem analisada por Miguel Reale(1), contribuiu para a história

da humanidade. Revelou expoentes do pensamento, afirmou valores, como


a autossuficiência dos direitos inatos do homem, a autonomia da vontade

como fonte geradora da ordem social e política e o livre consentimento como

fundamentação da convivência social e limite conatural do Poder. Mas a ideia

da liberdade absoluta do homem, na procura do seu próprio interesse, sem

interferência do Estado, desfavoreceu a união dos trabalhadores, de vários

modos.

(1) Nova fase do direito moderno. São Paulo: Saraiva, 1998.

57

Primeiro, a supressão das corporações de ofício. Essas instituições

não deixaram de ser uma primeira forma de organização das relações

de trabalho. Tinham estatutos, uma regulamentação trabalhista; embora

não sendo um sindicato, foram, sem dúvida, uma forma de agrupamento

do capital e o trabalho, uma forma de integrar os sujeitos das relações de

trabalho, aproveitada, mais tarde, pelo corporativismo de Estado, com uma

diferença: o corporativismo estatal publicizou o que antes era privado.

As corporações, ou grêmios, como também foram denominadas, tinham

uma estrutura interna diferente da que os sindicatos viriam a ter. Uniam o

que o sindicato separou. Como entes econômicos e profissionais, reu-

niam empregadores (mestres), trabalhadores (companheiros) e menores, os

aprendizes, estes recebendo daqueles ensinamentos metódicos de uma pro-

fissão. Uma corporação era o verdadeiro núcleo de uma classe produtora, e

nesta os mestres eram proprietários de uma oficina ou de um negócio lucrati-

vo, os companheiros eram os prestadores dos serviços, e os aprendizes eram

crianças ou adolescentes que procuravam treinamento para uma profissão.


Muitas eram as corporações. Correspondiam aos setores de atividades

econômicas da época: corporações dos padeiros, dos cordoeiros, dos mar-

ceneiros e inúmeras outras. Eram poderosas. Regulavam preços dos produtos,

produção, margens de lucros e elaboravam regras gerais da profissão. Essas

regras tinham muito de um regulamento jurídico trabalhista.

Talvez as corporações de ofício encontrem correspondência hoje, guar-

dadas as proporções, menos com os sindicatos, e mais com os conselhos

de fiscalização do exercício profissional, com os quais se parecem. Controla-

vam a profissão, conferiam habilitação profissional, puniam os profissionais

autores de atos contrários à ética. Outra diferença, e fundamental, entre

corporações e sindicatos: o sindicato é a bifurcação da corporação; o sin-

dicalismo colocou, em entidades separadas, trabalhadores, de um lado, e

empregadores, de outro lado, ao contrário das corporações.

As corporações foram extintas por diversos motivos. Foram opressivas,

motivo da revolta, nos séculos XV e XVI, dos companheiros contra os mestres

detentores do poder corporativo. O liberalismo da Revolução Francesa de

1789 condenou a existência de corpos intermediários entre o indivíduo e o

Estado, dos quais as corporações foram uma forma. Para ser livre, era o ideário

liberal, o homem não poderia estar subordinado à associação, porque esta

suprime a sua livre e plena manifestação, submetido que fica ao predomínio

da vontade da instituição. Essa doutrina serviu de suporte para a extinção

das corporações de ofício, como, também, mais tarde, para a repressão das

coalizões profissionais no início do movimento sindical, e, com isso, retardar a

possibilidade da criação de associações pelos operários da indústria(2).


(2) Veja-se Georges Lefranc, em Histoire du travail et des travailleurs (1957); Bigat de Morogue,

em De la misère des ouvriers (1832) e Du paupérisme (1834); Eugène Buret, em De la nature

58

A ideia de liberdade de comércio também pesou na supressão das

corporações, acusadas de provocar o encarecimento dos produtos, monopo-

lizar o seu setor econômico, impedir o exercício da profissão fora dos seus

quadros e restringir a autonomia das pessoas, motivos que explicam o edito

de fevereiro de 1776, na França, inspirado por Turgot, precedido de uma

exposição de motivos acusando as corporações de instituições arbitrárias,

impeditivas ao indigente de viver do seu trabalho, ideias admitidas pelo Parla-

mento francês, em nome da defesa da liberdade de comércio e de profissão.

Esse edito declarou extintas as corporações e comunidades de

mercadores e artesãos, e anulou os seus estatutos e regulamentos. Não

obstante, algumas corporações foram reconstruídas. Mas a resistência que

ofereceram foi efêmera. O “Decreto Dallarde” (1790) declarou livre todo

cidadão para o exercício da profissão e ofício que considerasse conveniente,

depois de receber uma patente e pagar um preço.

Depois desse decreto, as corporações deveriam desaparecer; mas

não foi o que ocorreu. Os mestres queriam continuar dirigindo a profissão.

Necessária foi a Lei Le Chapelier, nome do relator da Comissão de estudo do

problema. A Comissão chegou às seguintes conclusões: “a) as corporações

que se formaram tiveram por fim aumentar os preços da jornada de trabalho,

impedir as livres convenções entre os particulares, fazendo-os concordar

com contratos de adesão em ameaça à ordem pública; b) não deveriam


mais existir corporações e no seu lugar deveria haver apenas o interesse

particular de cada indivíduo; c) impunha-se a convenção livre de indivíduo

para indivíduo, para fixar a jornada de trabalho de cada trabalhador; d)

indispensável se tornava uma lei para coibir esses abusos”.

Com essa justificativa, a Lei Le Chapelier decretou a proibição: 1) de

toda espécie de corporação de cidadãos do mesmo estado ou profissão, e

do seu restabelecimento, sob qualquer pretexto, e sob qualquer forma; 2)

das reuniões dos cidadãos, do mesmo estado social ou profissão, obreiros

e companheiros de uma arte qualquer, da designação de presidente,

secretário ou síndico, de lavrar registros, tomar resoluções e sancionar

regulamentações sobre seus pretensos direitos comuns; 3) de todas as

corporações, administrativas ou municipais, de receber qualquer solicitação

ou petição sob o nome de um estado social ou profissão, ou de respondê-las,

ficando obrigadas a declarar nulas as resoluções que tomassem.

É da combinação desses textos, diz Pierre Lavigne(3), em Le travail dans

les Constitutions françaises, que resulta o advento da liberdade individual de

trabalho no direito da França. Essas ideias expandiram-se para os demais

países.

de la misère, de son existence, de ses effets, de ses causes et de l’insuffisance des moyens

propres à en affranchir les sociétés (1840).

(3) Le travail dans les Constitutions françaises. Paris, 1948.

59

Desse modo, as circunstâncias em que as corporações existiram foram

organizadas e extintas, diferem daquelas em que o sindicalismo surgiu,


apesar dos pontos comuns ressaltados, que melhor permitem compreender

os obstáculos encontrados pelos operários da indústria para alcançar o seu

objetivo, o reconhecimento do direito de associação.

Não há dúvida de que a Revolução Industrial do século XVIII criou

condições para a coalizão dos trabalhadores, oprimidos que estavam, como

proletários, engajados pelas fábricas, em precárias condições, no início

da sociedade industrial, fator que influiu no despertar do seu propósito

associativo. Mas esse propósito encontrou uma grande barreira, as mesmas

ideias que levaram à extinção das corporações de ofício. Mais forte foi, no

entanto, a gravidade da questão social, o desequilíbrio nas relações jurídicas

e econômicas entre o trabalho e o capital, a formação do proletariado, a

acentuação da indignidade das condições de vida, fatos que influíram na sua

reação, pela procura de condições de trabalho mais dignas, da consolidação,

crescente, da ideia da união e da defesa dos direitos comuns.

2. REFLEXOS DO INDIVIDUALISMO JURÍDICO

Os primeiros princípios do individualismo, desde o início da fase do direito

moderno, dificultaram a formação de uma estrutura coletiva de relações de

trabalho e a legitimação dos sindicatos(4). Influíram nas diretrizes legislativas

desse tempo, não só na Lei Le Chapelier (1791), que declarou ilícito todo

acordo que, coletivamente, estabelecesse preços para determinados

produtos da indústria ou para o trabalho, mas, também, em outras leis.

O Código Penal de Napoleão (1810) puniu a associação de trabalha-

dores como delito. A antiga elaboração jurisprudencial da common law, da

Grã-Bretanha, como observou Antonio Ojeda Avilés, considerou contrário ao


interesse público todo pacto limitativo da liberdade de comércio individual,

segundo as teorias econômicas que exaltaram a livre-iniciativa. O Combination

Act (1799) proibiu reuniões de trabalhadores enquanto tivessem a finalida-

de de obter melhores salários ou influir sobre as condições de trabalho. O

Codice Penale Sardo (1859), da Itália, aplicado a todo o país, considerou

crime toda forma de coalizão dos empregadores, para reduzir salários, e dos

operários, para suspender o trabalho. O Shermann Act (1890), dos Estados

Unidos da América, restringiu o direito de associação. O Bill of Rights (1689)

e a “Declaração de Virgínia” (1776) tinham por fim reagir contra o absolutis-

mo monárquico. Os seus objetivos fixaram-se numa dimensão política de

defesa do subjetivismo contra o autoritarismo do poder público, mas foram

indiferentes às transformações que surgiam nas relações de trabalho.

(4) Derecho del trabajo. Madri: Tecnos, 1978.

60

Esses foram os motivos que dificultaram, na época, a organização de

sindicatos. Por outro lado, fomentaram o espírito de classe, no proletariado,

um dos fundamentos do direito de associação para defesa dos interesses

coletivos e individuais dos operários.

3. A DISCRIMINALIZAÇÃO DAS COALIZÕES

A coalizão, por algum tempo, foi um movimento considerado criminoso,

uma conspiração.

Na França, a lei de 27 de novembro de 1849 qualificava, tanto a patronal

como a dos trabalhadores, um delito passível de prisão, de seis dias a três

meses, e multa, de 16 a 10.000 francos, diretriz que já era seguida pelo


Código Penal, revogada em 1864.

Na Inglaterra, uma lei de 1824 proclamou a liberdade de coalizão. Nos

Estados Unidos, a lei de conspiração, parte integrante da common law,

raramente foi aplicada. Em 1810, tipógrafos do The Times foram sentenciados

a dois anos de prisão. O direito de coalizão dos trabalhadores afirmou-se

com a alteração do pensamento liberal. Stuart Mill, em On liberty (1859),

disse: o indivíduo é fraco para se impor perante o Estado e a união de forças

é o meio de conseguir esse fim. Com Napoleão III, na França, foi votada lei

eliminando o delito de coalizão.

Na Alemanha (1869) e na Itália (1889), as coalizões dos trabalhadores

deixaram de ser delito.

Em síntese:

— o sindicalismo tem as suas peculiaridades diferenciadoras de

outros tipos de associativismo dentre os muitos existentes e se há um

precedente que embora com o mesmo não se confunda, mas com o

qual tem alguma relação é o sistema de corporações de ofício que o

antecedeu;

— não é exagero dizer que as origens remotas do sindicalismo são

encontradas nas corporações de ofício medievais com as quais guarda

certa ordem de precedência na história dos agrupamentos formais

do trabalho e do capital, só que nas corporações de ofício estavam

reunidas essas duas forças numa só e mesma organização, o que não

ocorre com as entidades sindicais, que separaram em dois lados o

que as corporações haviam unificado em um só; as corporações eram


integradas por mestres, que hoje corresponderiam aos empresários,

artesãos, que hoje seriam os trabalhadores, e menores aprendizes;

— o movimento de ideias da Revolução Francesa de 1789 foi um dos

principais fatores que levaram à extinção das corporações de ofício, ou

61

seja, a ideia de liberdade individual considerada incompatível com a

existência, entre o indivíduo e o Estado, de corpos sociais intermediários

que pudessem — como as corporações — interferir na livre-atividade

das pessoas, o que explica por que em seu início o sindicalismo foi

combatido e até mesmo tipificado como delito;

— a ideia de liberdade absoluta do homem na procura do seu próprio

interesse sem interferência do Estado desfavoreceu a união dos

trabalhadores, de vários modos, e só com o passar do tempo deu-se

valor, novamente, ao direito de associação, o que permite concluir que

o sindicalismo é fruto de uma correção de ideias que se desenvolveram

no tempo.

62

CAPÍTULO 5

A FASE DE TOLERÂNCIA

1. O DIREITO DE ASSOCIAÇÃO SINDICAL

A fase de afirmação das associações de trabalhadores iniciou-se quando

o Estado resolveu revogar as leis penais que puniam a associação dos

trabalhadores e, numa segunda etapa, decidiu aprovar leis que autorizaram

o direito de associação sindical.


2. AS TRADE UNIONS

Na Inglaterra, em 1824, Place, com o auxílio do Partido Radical da

Câmara dos Comuns, principalmente com o de Josephe Hume, conseguiu

a aprovação de projeto dando existência legal aos sindicatos. Em 1834,

fundou-se a União dos Grandes Sindicatos Nacionais Consolidados,

congregando meio milhão de trabalhadores, inspirada por Robert Owen,

proprietário de uma fábrica de tecidos em New Lamark, Escócia, entidade

que comandou o cartismo, movimento de conquista de direitos políticos e

sociais. As organizações sindicais elaboraram, entre 1837 e 1838, uma carta

de reivindicações. Daí o nome do movimento.

Em 1850, foi criado o Amalgamated Society of Engineers, sindicato

nacional, e em 1871, com o Trade Unions Act, surgiu o trade-unionismo, nome

do movimento sindical inglês. O trade-unionismo é o mais antigo sindicalismo

do mundo. Uma só central sindical, a Trade Union Congress, reuniu grandes

sindicatos, de dois tipos fundamentais, os sindicatos por profissão — craft

unions — e os sindicatos por indústria — industrial unions(1). Os gentlemen’s

agreement, acordos negociados pelas trade unions com os empregadores,

são a origem dos convênios coletivos pactuados entre sindicatos e empresas.

O autor inglês Kahn Freund caracteriza como de laissez-faire coletivo

o período no qual, em seu país, surgiram sindicatos fortes (1870 a 1918),

antes mesmo da fundação de partidos políticos trabalhistas. Consolidaram-

-se uniões de trabalhadores, tanto na Inglaterra como na Irlanda. As associações

(1) Sobre sindicalismo na Inglaterra, v. S. e B. Webb, The history of unionism 1866-1920,

Londres, 1920, e Lord Wedderburn, I diritti del lavoro, trad., Giuffrè, 1998. Edouard Dolléans
( Histoire du mouvement ouvrier 1830-1871, Paris, Armand Colin, 1936) afirma que nos jornais

de 1830 apareceu pela primeira vez a expressão Trade Unions, associações de todos os

trabalhadores do mesmo ofício.

63

disputavam a representação dos trabalhadores, pleiteavam aumentos salariais

e a redução da jornada diária para oito horas.

As trade unions criaram fundos para financiamento de campanhas

políticas desde, pelo menos, 1892, quando seis trabalhadores foram eleitos

para a Câmara dos Comuns. A fundação do partido trabalhista, o Labour

Party (1893), expressão política do trade-unionismo, exerceu forte influência

na vida político-partidária da Inglaterra. Os representantes sindicais nas

empresas, os shop stewards ou delegados sindicais, iniciaram negociações

coletivas — a Inglaterra é reconhecida como a pátria autêntica da negociação

coletiva, tanto no setor público como no privado.

3. O CÓDIGO PRUSSIANO

Na Alemanha, o sindicalismo surgiu com as associações fundadas com a

derrogação da proibição das coalizões. O Código Industrial prussiano (1869)

admitiu a associação profissional. Foi reconhecido o direito de associação

(1918). A Constituição de Weimar (1919), no art. 159, declarou: “É garantida

para todos e para cada profissão a liberdade de associação destinada à defe-

sa e exigência de condições de trabalho e econômicas. São ilegais todos os

pactos e medidas que limitem essa liberdade ou que pretendam impedi-la”.

Os sindicatos de trabalhadores seguiram três tendências diferentes, uma

liberal, outra socialista e outra nacional-cristã, e foram filiados a entidades


internacionais que correspondiam a essas tendências. Os empregadores

uniram-se, desde 1890, em associações patronais. Em 1912, tinham uma

central.

4. AS ORIGENS NA FRANÇA

Na França, na década de 1830-1840, foram criadas sociétés de

résistence. A Lei Waldeck-Rousseau (1884) revogou a Lei Le Chapelier

(1791). A Lei Waldeck-Rousseau (1884), para Paul Pic, é a carta fundamental

das associações trabalhistas. Permitiu às pessoas da mesma profissão ou

de profissões conexas organizarem-se, livremente, em associação, sem

autorização do governo, desde que os seus objetivos fossem, exclusivamente,

a defesa dos interesses profissionais e econômicos. Surgiram centrais

sindicais que se uniram, e que se dividiram, num movimento diversificado e

bastante livre. Evoluiu, a partir de 1884, um sindicalismo confederado, com

organismos centrais, como a Fédération des Bourses du Travail, agrupando

as Bolsas de Trabalho, promotoras da oferta e da demanda de trabalho, em

torno das quais se concentrou uma vida sindical.

64

No Congresso de Limoges (1895) surgiu a CGT — Confédération

Générale du Travail, consolidada no Congresso de Montpellier (1902), cujo

fim era unir as Bolsas, as uniões locais, de uma parte, e as federações,

de outra parte, em um organismo único. Foram fundadas centrais: a CGTU

— Confédération Générale du Travail Unitaire, a CGT-FO — Confédération

Générale du Travail-Force Ouvrière, e a CFTC — Confédération Française des

Travailleurs Chrétiens, entidade a que se filiaram, livremente, os sindicatos.


Estes se constituíram por profissões, ainda que similares e conexas, ou

ramos da indústria.

Um documento de importância histórica é a Carta d’Amiens (1906),

sobre a qual, até hoje, não há uniformidade de interpretações. Resultou de

um acordo entre reformistas e revolucionários para eliminar a política no

sindicato. Para CamerIynck e Lyon-Caen, revela o triunfo do apoliticismo no

âmbito sindical. A sua afirmação de autonomia do sindicato, no plano político,

é ambígua. Proclama a independência do sindicato diante de todo partido

político, admite o direito de adesão do trabalhador a um sindicato, qualquer

que seja a sua posição ideológica, mas não exclui tomadas de posição do

sindicato em matéria política. O liame sempre foi muito estreito, na França,

entre a luta reivindicativa econômica, de uma parte, e os problemas políticos,

de outra parte. A acumulação de um mandato político e de um mandato

sindical foi, sempre, vista desfavoravelmente.

Dois grandes acordos, na França, foram negociados entre empregados

e empregadores. Destacam-se pela sua repercussão sobre o Direito do

Trabalho.

Primeiro, o acordo de Matignon (1936), após um período conturbado,

inclusive com a invasão de fábricas, pelos operários, entre os representantes

da CGT e da CGPF, esta última a Confederação Geral do Patronato da

França, dele resultando três princípios que fundamentaram as novas relações

de trabalho: liberdade sindical, convenções coletivas e delegados sindicais.

Segundo, o acordo de Grenelle (1968), resultado das discussões pre-

sididas pelo Primeiro-Ministro Georges Pompidou, presentes representantes


da CGT (CGT-FO e outras organizações de trabalhadores e patronais), pelo

qual foram ajustados 15 pontos, dos quais, no sétimo, o governo obrigou-se

a elaborar uma lei sindical (1968). A Constituição francesa de 1958 declarou:

“todo homem pode defender seus direitos e interesses pela ação sindical e

aderir a um sindicato da sua escolha”.

5. O INÍCIO DO SINDICALISMO NA ITÁLIA

Na Itália, o Codice Penale Zanardelli (1889) considerou lícita a greve

e o locaute, quando não violentos. O movimento sindical expandiu-se, em

1906, com a criação, pelos sindicatos, da Confederazione Generale Italiana

65

del Lavoro, de cunho revolucionário, e com a Confederazione Generale

Italiana, que seguiu a doutrina social da Igreja, ao mesmo tempo em que

foram aprovadas várias leis trabalhistas.

Com a Carta del Lavoro, os sindicatos foram publicizados e sua estrutura

corporativa influiu em diversos países, inclusive no Brasil.

A Constituição Republicana de 1948 (art. 39, 1º) declara: “L’organi-

zzazzione sindacale è libera”, iniciando o período de liberdade sindical

com o afastamento da estrutura corporativista e do imposto sindical. O

patrimônio que os sindicatos haviam construído com o imposto sindical

foi-lhes retirado pelo Estado e as entidades sindicais tiveram de criar

novas formas de financiamento. A nova concepção sindical foi levada

ao máximo grau e a Lei n. 300 estabeleceu algumas garantias sindicais.

O princípio do diálogo social da União Europeia foi valorizado. Existem

sindicatos de fato sem personalidade jurídica, sindicatos com e sem re-


presentatividade sindical, contratos coletivos com efeito erga omnes e

contratos coletivos de direito comum sem esse efeito.

A opinião de Antonio Vallebona ( Il Dirito Sindacale) mostra certa

desorganização do sistema no qual reina a incerteza não evitada pela

jurisprudência e pela interpretação dos juristas que encontram certa

dificuldade em compreender a diversidade de situações que são encontradas.

Em conclusão, é possível dizer que o sistema italiano atual é de pluralidade

sindical ampla.

Finalizando:

— a fase de afirmação das associações de trabalhadores iniciou-se

quando o Estado resolveu revogar as leis penais que puniam a associa-

ção dos trabalhadores e, numa segunda etapa, decidiu aprovar leis que

autorizaram o direito de associação sindical;

— os primeiros suportes jurídicos do sindicalismo só surgiram mediante

acordos maiores com os empregadores e também com o Estado, para

que permitissem as transformações nas leis penais punitivas do delito

de coalização;

— as trade unions da Inglaterra são apontadas como a primeira

organização sindical; tinham os representantes sindicais nas empresas,

os shop stewards ou delegados sindicais; iniciaram negociações

coletivas — a Inglaterra é reconhecida como a pátria autêntica da

negociação coletiva — tanto no setor público como no privado;

— os sindicatos de trabalhadores, numa perspectiva global, seguiram

três tendências diferentes, uma liberal, outra socialista e outra nacional-


-cristã, e foram filiados a entidades internacionais que correspondiam a

essas tendências, enquanto os empregadores uniram-se, desde 1890,

em associações patronais.

66

CAPÍTULO 6

LIBERALIZAÇÃO E CONTROLE

1. A CONCEPÇÃO DO TIPO LIBERAL

Nos Estados Unidos da América, o reconhecimento dos sindicatos deu-

-se por meio de leis, o Shermann Act (1890), revogado pelo Clayton Act

(1914), e o Norris-La Guardia Act (1932). Nos primeiros anos, os sindicatos

representavam artesãos divididos por ofício. O trabalhador industrial come-

çou a sindicalizar-se mais tarde. Houve tentativas de criação de federações,

esmagadas pela resistência dos empregadores. Foi criada a Federação

Americana do Trabalho (1866). Propôs-se a lutar pela jornada de oito horas,

pela proteção do menor e pela adoção de uma política governamental de

transferência de impostos para a sociedade mais rica.

Em 1905, em Chicago, foi fundado o Sindicato dos Trabalhadores In-

dustriais. Surgiram sindicatos radicais, que praticaram violências e causaram

mortes. Os trabalhadores queriam organizações mais fortes. A CIO, central

do segmento industrial, foi criada em 1930. Representou, principalmente, tra-

balhadores das indústrias automobilísticas. Nela havia uma ala de esquerda,

posteriormente eliminada da direção. O mesmo ocorreu com as esquerdas

da AFL. Depois, a maior parte dos sindicatos tornou-se anticomunista e o

movimento sindical uniu-se, aceitando a prática capitalista.


No governo Roosevelt, houve grande inquietação; a economia estava

em péssimo estado, o desemprego atingia 20% a 25% da força de trabalho do

país. Roosevelt sentiu que tinha de fazer alguma coisa para que o movimento

trabalhista não se radicalizasse. Era favorável a uma lei garantindo o direito

de negociação e de sindicalização sem perseguições. Com a política do New

Deal, foi admitido que o interesse público justificava a liberdade sindical.

A legislação sindical foi, e é, escassa: uma lei básica, Lei Wagner, de

1935, emendada em 1947 (Lei Tafty-Hartley), leis especiais no setor público,

e algumas leis estaduais de garantia da negociação coletiva. A lei ocupou-se

da organização do sistema, regulamentando os meios, e não os fins. O fato

final, o resultado da negociação não é matéria legal; resulta do livre acordo

entre as partes interessadas, sendo correto, até certo ponto, dizer que os

sindicatos mais fortes conseguem resultados melhores. A lei garante o direito

de eleição de sindicatos em cada unidade de negociação e a obrigatoriedade

das negociações.

67

Foram proibidas práticas antissindicais, como condicionar a admissão de

trabalhadores pelas empresas à não adesão ao sindicato ( yellow dog contract).

Edificou-se, espontaneamente, um sistema democrático desvinculado do

Estado. Manteve-se uma estrutura uniforme, que poucas modificações

sofreu. Os sindicatos passaram a ter mais força. Os empregadores, com

receio de sindicatos de esquerda, facilitaram a organização de sindicatos de

direita. O sindicalismo de direita desenvolveu-se na década de 1940. Não

evitou discriminações. Os brancos não queriam os pretos em seus sindicatos;


diante disso, surgiram sindicatos de brancos e sindicatos de pretos.

A partir de 1940, duas entidades ganharam, alternativamente, a preferência

dos trabalhadores: a AFL e a CIO. Nesse período, a negociação coletiva era

caótica. Procurava-se uma padronização de salários para toda a indústria.

A Segunda Guerra Mundial deu oportunidade para essa consolidação. O

governo cortejou os sindicatos a ponto de dar emprego em seus quadros para

muitos dirigentes sindicais, inclusive socialistas. Os sindicatos conseguiram ver

atendidas algumas reivindicações, dentre as quais a sindicalização obrigatória

a partir de 60 ou 90 dias de emprego e o desconto, em folha de pagamento

(checkoff), da contribuição do trabalhador para o sindicato.

2. A CONCEPÇÃO DO TIPO SOVIÉTICO-LENINISTA

O controle dos sindicatos pelo Estado, do tipo soviético-leninista, rejeitou

o sindicalismo livre. Sustentou que o movimento operário espontâneo não

podia criar, por si mesmo, mais do que um tipo de trade-unionismo inglês, uma

política sindical considerada burguesa. A classe operária, segundo Lênin,

lutaria se deixada a si mesma, sem os intelectuais, e não para remediar os

males de sua situação e por aquilo que interessava realmente aos operários,

mas por objetivos que interessavam à intelligentsia.

Afirmou Lênin, em O papel e as tarefas dos sindicatos nas condições da

NEP: “Os sindicatos devem ser o colaborador mais ativo e imprescindível do

poder estatal, cuja direção, em todo o seu trabalho político e econômico, está

a cargo da vanguarda consciente da classe operária, do Partido Comunista”.

Leôncio Martins Rodrigues, em Partidos e sindicatos (1990), concluiu

que, “se nos regimes capitalistas a convivência entre o socialismo e o


sindicalismo foi-se tornando problemática, nos regimes socialistas ela se

revelaria impossível”.

Efetivamente, o sistema político adotado na URSS trouxe uma questão:

que fazer com os sindicatos? O núcleo da questão residiu na contradição

entre a existência de um sindicalismo reivindicativo, perante o Estado, e um

Estado no qual o poder político foi assumido pelos trabalhadores. Haveria

68

incoerência: a ação sindical de oposição ao Estado e o Estado, do qual os

trabalhadores eram os detentores teóricos absolutos do poder. Falou-se,

com alguma propriedade, que na Rússia comunista o sindicato não lutava

contra algo, mas por algo, e, com isso, dizer que não haveria condições para

que os trabalhadores reclamassem do Estado medidas que a eles próprios,

representados no poder, caberia tomar. Daí ter-se atribuído aos sindicatos,

no modelo soviético comunista, um papel educativo e político de defesa dos

princípios fundamentais em que se baseia a ideologia dominante do Estado.

Os sindicatos desenvolveram as suas atividades identificados com

o Partido Comunista da União Soviética, força organizadora e diretriz da

sociedade soviética, problema levado, pela Confederação Internacional

das Organizações Sindicais Livres, ao Comitê de Liberdade Sindical,

da Organização Internacional do Trabalho — OIT. O governo da URSS

respondeu que não havia interferência do Estado sobre os sindicatos, porque

os membros do partido eram, também, membros do sindicato, com o que as

deliberações eram tomadas de comum acordo, entre os dois órgãos. Esses

argumentos foram aceitos pelo Comitê de Liberdade Sindical da OIT, que


se limitou a recomendar aos governos que deveriam evitar a transformação

do movimento sindical em instrumento político, e evitar interferências nas

funções normais do sindicato.

Sintetizando:

— antes da extinção da União Soviética, duas concepções completamente

diferentes de sindicalismo afirmaram-se: a liberal das democracias e a

autoritária dos países socialistas do antigo Leste Europeu;

— poucas leis sindicais foram elaboradas no sistema liberal, o que foi

intencional e coerente com o respectivo sistema político, para que os

sindicatos se desenvolvessem espontaneamente sob o signo de um

princípio, a liberdade sindical;

— um problema teórico foi questionado por Lênin quanto aos sindicatos

na antiga União Soviética quando indagou o que fazer com os sindica-

tos num sistema político-jurídico em que os operários instauraram-se no

poder de modo a confundir Estado e sindicato, o que dificultou a ação

sindical controlada pelo Estado no qual se inseriu e o que tolheu as suas

iniciativas quando voltadas contra o poder público;

— a função dos sindicatos nos países da antiga União Soviética e após

a Revolução de 1917 foi limitada e sua principal tarefa foi a de atuar

como correia de transmissão da ideologia do Estado, deixando clara a

experiência da contradição que sempre existe entre Estado sindicalista

e liberdade sindical, ideias contrapostas e que muito dificilmente podem

harmonizar-se sem que o sindicato se fragilize.

69
CAPÍTULO 7

O CORPORATIVISMO DE ESTADO

1. A CONCEPÇÃO DO TIPO

CORPORATIVISTA ESTATAL

Pela influência que exerceu em nosso país, damos destaque ao sistema

corporativista que foi por nós adotado da mesma forma que o foi em alguns

países da Europa. Para que se possam entender as alterações que se

processaram, é indispensável rever essa fase do sindicalismo da qual não

nos libertamos totalmente.

O corporativismo foi um sistema intervencionista no sindicalismo.

Baseamo-nos, nesta parte inicial da exposição, em Leôncio Martins

Rodrigues. Em Partidos e sindicatos (1990), mostra que o corporativismo

é uma forma de organização das classes sociais pela ação reguladora

do Estado, integrativa das forças produtivas, os grupos profissionais e

econômicos, em organizações verticais e não conflitivas, cujas associações,

para terem existência legal, dependem do reconhecimento do Estado, do qual

recebem a delegação do exercício de funções públicas, sendo detentores do

monopólio da representação no interior da sua respectiva categoria.

Mostra que há mais de uma modalidade de corporativismo: o corporati-

vismo societário, não estatal, dos países nos quais a vida associativa atingiu

alto grau, regulada por instituições únicas, não competitivas, detentoras de

exclusividade de representação, verdadeiros agentes da autoridade gover-

namental; e o corporativismo estatal, ou seja, de países em que esse é

um modelo de representação de interesses ou categorias profissionais e


econômicas.

O corporativismo invalidou, também, a espontaneidade do sindicalismo,

acabando por destruir a sua espontaneidade porque partiu, igualmente, da

premissa de que cabe ao Estado disciplinar as relações coletivas de trabalho,

nestas se exercitando interesses públicos e não interesses individuais ou

de grupos. O corporativismo não reconheceu a autonomia coletiva dos

particulares e vinculou as forças produtivas da Nação, assim considerados os

trabalhadores e os empresários, em um sistema organizado unitariamente,

para não permitir a luta de classes em uma estrutura sem espaço para a

liberdade.

70

Suas técnicas são conhecidas no Brasil como o sistema do sindicato

único, o enquadramento sindical oficial pelo Estado, a carta de reconheci-

mento dos sindicatos outorgada pelo Ministério do Trabalho, a imposição do

sistema confederativo sindical, o sindicato por categoria e os tipos de enti-

dades sindicais que poderiam existir, a atribuição de poderes normativos ao

Judiciário para decidir conflitos coletivos, o imposto sindical, a intervenção do

Estado nas organizações sindicais para afastar as suas diretorias, a proibi-

ção da greve e do locaute, e assim por diante.

Para Cunha Gonçalves(1), os imperativos que determinaram o corpo-

rativismo foram basicamente três: 1) o nacionalismo, ou seja, o sentimento

de solidariedade nacional contra o egoísmo estrangeiro; 2) a necessidade

de organização, “lei da natureza e condição de superioridade evolutiva,

impondo-se a organização do trabalho também, e que sendo feita pelo Estado


permite o monopólio”; 3) a pacificação social com a harmonia entre as clas-

ses, suprimida a luta entre os grupos segundo um princípio de cooperação

entre o capital e o trabalho e as ideias básicas do anti-individualismo e do

antissocialismo.

Entende Montoya Melgar que a implantação da organização corporativa

significa a máxima realização alcançada pelas velhas aspirações harmo-

nicistas, desejosas de substituir o dogma marxista da luta de classes pelo

princípio da pacífica colaboração entre estas.

2. OS MEIOS DE IMPLEMENTAÇÃO

Na Itália, foram criados os Collegi dei Probiviri (Lei n. 295, de 15.6.1893),

órgãos paritários para cada ramo da indústria, com um presidente nomeado

pelo Governo e dois representantes classistas, um de empregados e outro

de empregadores. Tinham a função de conciliar ou decidir os conflitos

trabalhistas. As decisões eram adotadas segundo um critério de equidade.

A Confindustria e a Confederação dos Sindicatos Fascistas fizeram o

Pacto do Palácio Vidoni (1925), reconhecendo-se, reciprocamente, repre-

sentantes exclusivos da categoria profissional e econômica. A lei de 1926

(Lei n. 563) limitou o reconhecimento da personalidade jurídica a um só sindi-

cato de trabalhadores e a um só de empregadores, reunidos na corporação,

que era o órgão do Estado. Esses sindicatos detinham a representação única

na categoria e estipulavam contratos coletivos, de eficácia geral, para todos

os membros da categoria.

(1) Princípios de direito corporativo. Lisboa, Instituto Superior de Ciências Econômicas e

Financeiras.
71

A lei declarou que “o complexo da produção é unitário, do ponto de

vista nacional”, e que a organização privada da produção “é uma função de

interesse nacional”; atribuiu aos sindicatos o poder de cobrar da categoria

o imposto sindical e, para evitar a sua atividade reivindicativa, valorizou as

suas funções de assistência, de instrução e de educação moral e patriótica.

A Carta del Lavoro (1927), aprovada pelo grande conselho do fascismo,

contraditoriamente admitiu a liberdade sindical e, ao mesmo tempo, proibiu a

greve e o locaute. No ordenamento corporativo, extinto com a reorganização

do país após a Segunda Guerra Mundial, a iniciativa econômica privada

foi respeitada como força de colaboração para a realização dos superiores

interesses da economia nacional. O corporativismo tutelou de modo

paternalista o trabalho, mas limitou o direito coletivo como meio de evitar a

luta de classes.

Seus princípios expandiram-se para outros países, dentre os quais a

Espanha franquista (1938-1975), com o Fuero del Trabajo (1938), declaração

sobre os fundamentos da organização sindical considerada pública a serviço

do Estado e delineada de acordo com um enquadramento oficial, fundada no

princípio do sindicato único e a sindicalização obrigatória. Nenhum espaço

restou para as negociações coletivas. Foram criados Comitês Paritários,

órgãos de direito público cujos membros eram nomeados pelo Ministério

do Trabalho. Tinham funções normativas e jurisdicionais, sucedidos pelos

Jurados Mistos, definidos como “instituição de Direito Público encarregada de

regular a vida da profissão e de exercer funções de conciliação e arbitragem”.


O franquismo, segundo Valverde, Gutiérrez e Murcia(2), “não é um

período inteiramente homogêneo do ponto de vista político; e durante o seu

transcurso a sociedade e a economia experimentaram transformações muito

consideráveis. Existem, não obstante, vários denominadores comuns de

toda a era de Franco, além da organização do sistema político como regime

autoritário de poder pessoal. No que concerne às relações de trabalho, tais

denominadores comuns são a supressão das liberdades de organização e

ação dos grupos profissionais (liberdade sindical e liberdade do direito de

greve), a manutenção de uma complexa máquina de organismos corporativos

— os chamados sindicatos verticais — com funções de enquadramento e

representação profissional e o protagonismo da Administração do Trabalho

na regulação das condições de trabalho”.

Anotam os mesmos autores que o regime que surgiu com a Guerra Civil

de 1936-1939 suprimiu a raiz do sistema de relações de trabalho do período

anterior, declarou inaplicável a lei de agrupamentos políticos e sociais,

(2) Derecho del trabajo. Madri: Tecnos, 1997. p. 83.

72

decretou a dissolução e a arrecadação dos bens dos sindicatos (Decreto de

13 de setembro de 1936 e Ordem de 10 de janeiro de 1937) e atribuiu como

função exclusiva do Estado a fixação das bases para a regulamentação do

trabalho, sem deixar espaço para a regulamentação de origem profissional,

proibindo as associações criadas para defender, ou representar, total ou

parcialmente, interesses econômicos ou de classes, além de considerar

como delito os atos individuais e coletivos que, de algum modo, perturbassem


a normalidade da produção ( Fuero del Trabajo).

Em substituição às representações profissionais suprimidas, mostram os

mesmos autores que o regime franquista implantou organizações profissionais

em ramos da produção, às quais eram adstritos, obrigatoriamente, todos os

trabalhadores e empresários, sob a forma de sindicatos verticais, entidades

públicas de base profissional, em um sistema de organização unitária, que

teve o nome de Organização Sindical Espanhola.

Portugal sofreu a mesma influência. Alicerçou o regime corporativo na

Constituição Política e no Estatuto do Trabalho Nacional (1933), seguindo

os mesmos princípios de sindicalismo de direito público. A Constituição, nos

arts. 14 e 15, declarou que “ao Estado incumbe autorizar, por intermédio

da autoridade competente e salvo disposição da lei em contrário, todos os

organismos corporativos, morais, culturais ou econômicos, e promover e

auxiliar a sua formação”. O art. 39 dispunha que, “nas relações econômicas

entre o capital e o trabalho, não é permitida a suspensão de atividade por

qualquer das partes, com o fim de fazer vingar os respectivos interesses”. É

a proibição da greve.

Menezes Cordeiro(3) mostra que do Estado Novo em Portugal resultou

uma linha de direito coletivo do trabalho, que, em função das proibições que

incidiram sobre as lutas laborais e a liberdade de associação, apresentou

uma feição distorcida.

Concluindo:

— o corporativismo como sistema intervencionista adotado no passado

pela da Itália, Portugal e Espanha, hoje afastado, padeceu do mesmo


defeito do socialismo do antigo Leste Europeu, também não mais

existente, com a sua característica de regime político autoritário, que

também limita a atuação sindical;

— a palavra corporativismo é plurívoca, significando não só uma

forma de organização das classes sociais pela ação reguladora do

(3) CORDEIRO, Antonio Menezes. Manual de direito do trabalho. Coimbra: Almedina, 1991.

p. 56.

73

Estado, integrativa das forças produtivas, dos grupos profissionais e

econômicos, em organizações verticais e não conflitivas, como também

uma inclinação voltada para a defesa dos interesses da sua corporação,

tomada esta expressão num sentido amplo;

— o corporativismo como sistema político-estatal desapareceu, embora

ainda permaneçam alguns dos seus resquícios, que se refletiram nas

leis sobre organização sindical, inclusive na legislação brasileira, o que

é exemplificado com a contribuição sindical, ex-imposto sindical, e com

a proibição de mais de um sindicato da mesma categoria na mesma

base territorial.

74

CAPÍTULO 8

O SINDICALISMO APÓS A

SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

1. ITÁLIA: A SUBSTITUIÇÃO DO INTERVENCIONISMO

PELA LIBERDADE SINDICAL


Com a extinção do corporativismo, cresceu a ideia da liberdade sindical

e da autonomia coletiva dos particulares; os sindicatos, que recebiam

recursos oficiais, perderam os seus bens e foram substituídos por uma

nova organização sindical, com base democrática, com influência não só

na diversificação de formas de representação dos trabalhadores, internas

na empresa e externas a ela, na coexistência de dois tipos de sindicatos,

os sindicatos não registrados e de fato e os sindicatos registrados e com

personalidade jurídica, mas, também, nos tipos de contratos coletivos de

trabalho, os dotados de eficácia geral e aqueles cujos efeitos foram restritos

aos sócios dos sindicatos.

Na Itália, lei ordinária passou a punir condutas antissindicais (Lei n.

300/70). Essa renovação foi iniciada em 1943. Em 1945, no Congresso de

Nápoles, foi organizada a CGT. Surgiram três grandes confederações: a

CGIL — Confederação Geral Italiana do Trabalho, a CISL — Confederação

Italiana dos Sindicatos Livres e a UIL — União Italiana dos Trabalhadores.

Um período conturbado por lutas sindicais ficou conhecido como

outono quente, no último trimestre de 1969. Foi um movimento de greves,

de diferentes tipos, e em diversas empresas de grande porte. Em sua

maioria, as greves foram curtas, forçando os empregadores a concordar com

contratos em plano de empresa. Seguiu-se a estratégia de pressionar os

empregadores para fazer contratos nacionais, e discutir uma longa pauta de

reivindicações, salariais e não salariais.

A vanguarda do movimento foi liderada pelos metalúrgicos, mas vários

outros setores participaram dele, dentre os quais o dos trabalhadores da


indústria da construção civil, de produtos químicos etc., movimentando todo

o país e a vida política da nação. Os piquetes de greve atuaram com grande

energia, seguidos foram os choques entre grevistas e a polícia, grupos

extremistas infiltraram-se, e os atos de provocação se agravaram. No mês

de novembro, 150 mil trabalhadores fizeram a marcha em Roma.

Os sindicatos foram considerados entes de direito privado, e não mais

públicos, como na época corporativista. Surgiram sindicatos de direito

75

e sindicatos de fato, estes regidos pelas regras de direito civil, aqueles

fundamentados no art. 39 da Constituição italiana. Os estatutos sindicais

passaram a ser aprovados pelas assembleias das entidades sindicais.

Prevaleceu o modelo associativo de organizações territoriais. No

primeiro grau, foram criados sindicatos em nível provincial. Em segundo

grau, federações regionais e nacionais e organizações intercategoriais.

A representação dos trabalhadores no local do serviço cresceu com

as Comissões Internas, que já existiam antes do período contemporâneo.

Essas Comissões não foram mais combatidas pelos sindicatos, quando

passaram estes a delas utilizar-se, encontrando nelas um meio para

penetrar nas empresas. As Comissões foram controladas pelas grandes

centrais e confederações sindicais. Algumas permaneceram autônomas.

Mas foi um privilégio conferido à confederação mais representativa o domínio

da representação sindical na empresa, nos casos em que as Comissões

estivessem articuladas com o movimento sindical. O referendo foi um

instrumento democrático usado pelos trabalhadores para indicar a entidade


que considerassem mais representativa.

O contrato coletivo de trabalho ganhou dimensões maiores, funda-

mentado no princípio doutrinário da autonomia coletiva dos particulares.

Coexistiram contratos coletivos corporativos, que vinham do período anterior

ao da liberdade sindical, e contratos coletivos de direito comum. Foi previsto

um procedimento para dar ao contrato coletivo eficácia geral, e não apenas

aos sócios do sindicato. A contratação coletiva foi praticada em mais de um

nível. A existência de diversos níveis ensejou a contratação coletiva articulada

entre eles, com reserva de competência para cada grau.

Foram negociados acordos interconfederais, abrangendo toda a econo-

mia ou grandes setores desta, contratos nacionais, restritos a determinada

categoria, contratos provinciais e contratos intraempresariais, em nível,

portanto, de empresa ou estabelecimento, o que foi possível porque a lei

não impôs nenhum limite. Mas a articulação centralizou as negociações, em

prejuízo do desenvolvimento dos acordos empresariais.

Em 1993, um protocolo passou a prever contratos coletivos nacionais,

de duração quadrimestral na parte normativa, e bienal na parte econômica.

O critério de hierarquia, adotado para relacionar os contratos coletivos, foi o

cronológico, apesar de tentativas de adoção da regra da estipulação mais

favorável para o trabalhador, esta mais aplicada nas relações entre contrato

coletivo e contrato individual, mas não entre aqueles.

Para que se entenda o significado das alterações introduzidas no direito

sindical italiano, convém esclarecer alguns pontos mais.

76
Da reação anticorporativista nasceu a necessidade de dar nova

conformação ao sistema e encontrar uma teoria que explicasse as novas

figuras dentre as quais o sindicato como pessoa jurídica de direito privado e

não mais de direito público, a contratação coletiva como um instrumento de

direito privado e não de direito público com efeito erga omnes, enfim, novas

ideias e a procura de uma coerência para o sistema.

O ponto de partida da teoria é o sindicato como pessoa jurídica de direito

privado, como uma associação igual às demais previstas pelo ordenamento

jurídico e aplicável às relações entre particulares.

Ora, sendo o sindicato uma associação de direito comum, como

continuar afirmando que sua representação abrange todos os membros de

uma categoria e não apenas aqueles que se inscrevem como sócios? É o

que levou a Itália a ter dois tipos de contratos coletivos, os antigos com efeito

erga omnes e os contratos coletivos de direito comum aplicáveis somente

aos sócios e não a toda a categoria, como acontece com uma associação

civil.

A extensão das cláusulas a todos os que integram um setor condicio-

nou-se à vontade das partes da negociação coletiva e não por efeito natural

e automático do contrato coletivo.

As contribuições cobradas dos trabalhadores restringiram-se aos sócios

e não aos membros da categoria não sócios do sindicato.

Como se vê, a modificação foi grande e deveu-se mais a um imperativo

dogmático de reconstrução do sistema em novas bases. Não há unanimi-

dade entre os doutrinadores italianos nem entre os meios sindicais sobre o


acerto dessas construções jurídicas, pois alguns preferem o que chamam de

neocorporativismo destituído de características publicísticas, esforçando-se

para enquadrá-lo em esquemas de direito privado sem perda de alguns me-

canismos necessários herdados do corporativismo.

Do mesmo pressuposto do sindicato como pessoa jurídica de direito

privado, nasceu a teoria da autonomia privada coletiva, que também é

mesclada com o pluralismo jurídico para justificar a produção normativa dos

sindicatos nas negociações coletivas como uma forma de elaboração do

direito num sistema privado e não mais público, como foi o corporativismo.

Essas observações valem para os estudos que ora são feitos no Brasil

e os problemas jurídicos que enfrentaríamos numa transformação do nosso

modelo, porque certamente o que teríamos pela frente não seria diferente

das mesmas dificuldades enfrentadas pela Itália.

A Itália viveu a experiência de uma forma de organização sindical

com o modelo de representatividade confederal como meio de combater a

77

excessiva proliferação de sindicatos (art. 19 do Statuto dei Lavoratori), para

presumir a maior representatividade pela filiação do sindicato às cúpulas

sindicais em âmbito nacional em detrimento do âmbito da empresa. Mas

chegou à conclusão de que a representatividade em âmbito nacional não

correspondia à realidade das bases, como, também, não correspondia à

realidade a contratação coletiva articulada que era o poder das cúpulas de

fixar, na negociação coletiva, parâmetros máximos e mínimos de reajustes

para que restasse às bases negociar somente dentro desses parâmetros.


Tamanha foi a rejeição das bases sindicais, que a Itália teve de fazer,

em 1995, um referendo no qual as entidades sindicais votaram expressando

a sua vontade. O resultado foi a rejeição desse modelo. Portanto, foi um

referendo ab-rogatório que optou pela representatividade avaliada nas bases

e não nas cúpulas e acabou com o poder das cúpulas de indicar a matéria

que não pode ser negociada em níveis sindicais menores, contrárias, que

foram, às aspirações sindicais e ao princípio da autonomia privada coletiva.

A partir do referendo, a representatividade passou a ser aferida não

mais com referência às cúpulas, mas aos sindicatos que haviam estipulado

contratos coletivos em qualquer nível, inclusive empresarial, na unidade

produtiva.

Assim comenta Antonio Vallebona ( Istituzioni di diritto del lavoro, diritto

sindacale, 1998, p. 89): É na atuação em nível de empresa e não em nível de

cúpula que a representatividade passou a ser medida. A lei italiana, que antes

se ocupava da representatividade em nível confederativo, passou a dar força

às bases. Essa foi a vontade do movimento sindical expressada pelo referen-

do. A política a favor das confederações foi mudada. Os nostálgicos desse

modelo foram derrotados. No novo modelo, a representatividade resulta da

capacidade das bases de se impor ao empregador como contraparte contra-

tual. Valorizou-se a eleição pelos trabalhadores na empresa como meio de

evidenciar a sua vontade. Não basta, para esse fim, a mera adesão formal

ou não a um contrato coletivo estipulado pelas cúpulas, pois é necessária a

efetiva participação do sindicato no procedimento de negociação. O contrato

coletivo é inadequado quando é um mero cálculo de conveniência. A consis-


tência numérica deve conviver com a efetiva demonstração da capacidade

de pactuar contratos coletivos de base. As unidades produtivas pequenas

são incompatíveis com a necessidade de uma coletividade que tenha certa

dimensão para justificar o exercício dos direitos sindicais e as relações entre

trabalhadores-empresas caracterizam-se mais por uma relação interpessoal

em ambiente restrito e menos por uma lógica sindical conflitual, o que leva

a uma diferente organização estrutural. Um sindicato, e não a cúpula sindi-

cal, pode negociar melhores dispensas coletivas e integração salarial com

variações de critérios. Há negociações coletivas aquisitivas, quando visam à

aquisição de novos direitos, ablativas quando visam a manter o precedente

78

tratamento, e administrativas, para administrar crises da empresa e evitar

dispensas. A liberdade de elaboração do estatuto sindical é uma das maiores

expressões da autonomia coletiva. Em toda empresa deve haver um duplo

canal de representação, o sindical e o não sindical, a critério dos seus tra-

balhadores. As categorias devem ser um a posteriori e não um a priori, pois

estas não têm mais sentido. Todo modelo organizativo deve ser horizontal e

vertical, e não apenas vertical.

A experiência italiana, como a espanhola, nos mostra que a representa-

tividade de um sindicato de base não pode ser aferida pela sua inscrição em

uma Central ou uma Confederação porque a representatividade destas não

é difusa sobre as bases, sendo premissa falsa concluir que há uma relação

entre os dois níveis.

2. AS REFORMAS NA ESPANHA: A REPRESENTATIVIDADE


A Espanha também o afastou. Entende Montoya Melgar que a implan-

tação da organização corporativa significava a máxima realização alcançada

pelas velhas aspirações harmonicistas, desejosas de substituir o dogma

marxista da luta de classes pelo princípio da pacífica colaboração entre estas.

Gradativamente se alterou a estrutura sindical. De início, surgiram

centrais sindicais clandestinas, persistindo uma situação não oficial de

evolução do sindicalismo inversamente proporcional à perda de poder de

Franco. Houve uma fase conturbada por greves em tal número que, em 1973,

a Espanha ocupou o terceiro lugar em número de horas perdidas na Europa,

precedida da Itália e da Inglaterra. Em 1974, ocupou o segundo lugar, tendo

à frente a Itália. Mais importante que os novos textos legais promulgados foi

a ratificação, pela Espanha, das Convenções ns. 87 e 98 da Organização

Internacional do Trabalho — OIT, pelo que influíram na liberdade sindical e

nas negociações coletivas de trabalho.

Na Espanha, o sistema é de pluralidade sindical e há três tipos de

entidades sindicais. Com o pluralismo, há o problema comum nesses

sistemas, como na França, de escolha do sindicato mais representativo.

Na Espanha, a maior representatividade é aferida em três níveis espaciais,

em âmbito de Estado, em âmbito de Comunidade Autônoma e em âmbito

territorial e funcional específico. Assim acontece porque, como se sabe, a

Espanha tem uma estrutura política de Comunidades Autônomas, daí as

três regras espaciais indicadas. No sistema espanhol, com críticas de alguns

juristas, acolhe-se a figura da irradiação da representatividade dos níveis

maiores para os menores com o que serão mais representativos também


os sindicatos filiados a outras entidades de nível maior e que sejam mais

representativas.

79

O poder criativo da entidade de cúpula é absoluto e depende unicamente

da sua vontade. Basta que tenha representatividade e atuará como se

transferisse, num toque mágico, o seu estoque de representatividade para os

seus filhos que nascerão sob o seu manto e pátrio poder. Pode, também, a

legitimação das entidades abaixo da maior nascer pelo ato de filiação a uma

sociedade maior, por sua iniciativa, e não por ato criativo da entidade de maior

grau. Assim, Federações e Sindicatos poderão ser criados artificialmente.

Na Espanha, o conceito de irradiação é o seguinte: será mais repre-

sentativa a organização de primeiro ou segundo grau que se filia a uma

organização sindical mais representativa em plano estatal ou é criada por

uma entidade sindical representativa.

É, todavia, diversamente do que se propõe, na Espanha absolutamente

irrelevante o número de filiados, porque é relevante o número de votos obtidos

nas eleições dos Comitês de Empresas, com o que a representatividade

é aferida em uma sede alheia ao sindicato e com base nas eleições da

representação dos trabalhadores na empresa.

Manglano ( Derecho Sindical. Madri, 1996. p. 79) tem a seguinte opinião

sobre a irradiação de representatividade, ou seja, a simples filiação a uma

Central como meio de aquisição de representatividade:

“É uma representatividade fictícia que pode não estar apoiada em

uma realidade que a faça à correspondente organização credora


dessa condição, como (também) pela ofensa comparada com

outras organizações que tenham essa realidade subjacente e que,

não obstante, por falta de afinidade ideológica ou qualquer outro

motivo, tenham impedido o seu acesso à maior representatividade

por não se integrarem a uma organização (maior) que a tenha.”

E continua:

“(Promove) a distorção do mapa sindical, propicia abusos das

organizações maiores sobre as menores, fomenta a imagem

política e burocrática das grandes estrutura sindicais, facilita o

distanciamento entre as cúpulas e as bases.” (p. 84/85)

Antonio Marzal (El sindicalismo en el Derecho español: modelos,

problemas y perspectivas. Fomento Social, n. 184, 1991, p. 485) faz as

seguintes observações: “Aparecem convidados inesperados, particularmente

em alteração ao modelo sindical pensado e projetado pelo Direito”.

Ainda Marzal: “Uma coisa é o conceito de sindicato mais representativo

tal como concebeu a OIT por suas necessidades de estrutura, e outra, o

tratamento jurídico que o Direito espanhol deu a esse conceito, e o perfil

80

do conceito que com esse tratamento conseguiu”. “Conseguiu-se implantar,

por uma via indireta, um modelo sindical a meu juízo aberrante. Urge mudar

isso se queremos sindicatos vivos e operativos.” “Ao fim desse processo eu

vejo um panorama no qual haverá sindicatos sem sindicatos”, “a morte dos

sindicatos”.

3. O SISTEMA DE PORTUGAL: INOVAÇÕES DE 2003


Portugal também modificou o seu sistema legal para permitir maior liber-

dade ao movimento sindical, sem os controles exercidos pelo corporativismo

de Estado.

O Código do Trabalho (2003), seguindo as tendências modernas, declara

que (art. 452, 2) as estruturas de representação coletiva são independentes

do Estado, dos partidos políticos, das instituições religiosas e de quaisquer

associações de outra natureza, sendo proibida qualquer ingerência destes

nas suas organizações e direção, bem como o seu recíproco financiamento,

proibindo o Estado de apoiar ou de discriminar sindicatos.

Abre uma perspectiva ampla de representação coletiva ao dispor que

(art. 451) para a defesa dos interesses e direitos coletivos podem os traba-

lhadores constituir Comissões de Trabalhadores, Subcomissões, Conselhos

de empresas europeus e associações sindicais.

As associações sindicais são sindicatos, federações, uniões e confede-

rações (art. 475, 1). União é a associação de base regional e Confederação,

a associação nacional de sindicatos (art. 476). Existem secções sindicais de

empresas e delegados sindicais que têm o direito de informação e consulta

sobre matéria das suas atribuições na empresa.

As organizações sindicais regem-se pelos seus estatutos (art. 483) e

adquirem personalidade com o registro no Ministério responsável pela área

trabalhista.

O trabalhador não pode ser obrigado a pagar quotas para associação

sindical em que não esteja inscrito (art. 492).

Aos representantes dos trabalhadores a lei assegura um crédito de


horas contado como tempo de serviço para os eleitos na sua atividade pelas

representações coletivas (art. 454), presume sem justa causa a dispensa

dos candidatos a representantes dos coletivos de trabalhadores nos corpos

sociais (art. 456, 2), prevê uma medida cautelar para suspensão do dirigente

sindical antes da sua dispensa, e esta só é permitida por justa causa sob

pena de reintegração e uma indenização.

81

4. O SINDICALISMO ALEMÃO: COGESTÃO E SINDICATO

O nacional-socialismo foi um hiato na vida sindical alemã. Depois de

1933, trabalhadores e empregadores agruparam-se num órgão único, a

Frente de Trabalho Alemã, para a consecução dos objetivos do nazismo,

e foi suprimida a liberdade de união, houve intervenção e ocupação das

sedes dos sindicatos e substituição dos seus dirigentes pelos membros do

partido nazista. Um regulamento de trabalho oficial substituiu as convenções

coletivas. Os empresários também foram submetidos a forte controle estatal,

exercido pelos comissários do Estado. A fonte jurídica decisiva dessas

transformações foi, basicamente, a Lei de Ordenação do Trabalho Nacional

(AOG), de 1934.

Com o término da guerra e a divisão da Alemanha, cindiu-se, conse-

quentemente, o movimento sindical, desdobrando-se em modelo soviético

e modelo autônomo, correspondendo às duas diferentes áreas de ocupa-

ção do país, com a República Democrática da Alemanha (zona soviética)

e a República Federal da Alemanha (zona americana). Nesta, cresceu

um sindicalismo de elevado poder econômico, organizado por setores de


atividade industrial e por diversos tipos de profissões. Restabeleceram-se

as negociações coletivas, desenvolveu-se o direito de greve, foi aprovada

a lei de organização social da empresa (1952) e foram criados Conselhos

de Fábrica que exerceram papel de relevo, influindo na experiência alemã,

bem-sucedida, da cogestão da empresa. A tal ponto chega a relação

entre sindicato e empresa que o sindicato é um complemento do Comitê de

empresa. A Constituição de 1949 declarou o princípio da liberdade sindical,

já previsto na Constituição de 1919, e as diferentes constituições estaduais

passaram a ter disposições semelhantes.

Após a Segunda Guerra Mundial, o sindicalismo desenvolveu-se. O

modelo corporativista foi substituído pelo democrático na Itália, Espanha e

Portugal, crescendo a ideia de autonomia coletiva e independência entre o

Estado e os sindicatos.

5. O SINDICALISMO NORTE-AMERICANO: O LOCAL

Nos Estados Unidos da América, em 1955, fundiram-se duas centrais

sindicais antes separadas, a AFL e a CIO, surgindo a central única AFL-CIO,

como meio de pacificação na luta entre os sindicatos pela preferência

entre os trabalhadores. A AFL-CIO não interferiu na atividade interna dos

sindicatos. Ofereceu-lhes assistência técnica e exigiu do governo federal a

promulgação de leis de interesse dos trabalhadores. Essa central foi sediada

em Washington, com ramificações nos Estados.

82

Hoje o sindicalismo é basicamente por empresas, portanto, o sindicato

representa trabalhadores de uma empresa, os dirigentes são eleitos pelo


colegiado da empresa e são ajustados contratos coletivos em âmbito da

empresa.

Os empregados de uma empresa têm o direito de eleger o sindicato que

quiserem que os represente e as eleições se renovam sempre que metade

mais um dos empregados a pleiteiem, caso em que o empregador é obrigado

a deixar que se realizem. Não há categorias. Há unidades de negociação,

que podem ser maiores ou menores dependendo de cada caso e do número

de envolvidos. O sindicato é, portanto, local — o local. É um sindicalismo por

empresas. Os contratos coletivos são negociados por empresas e alguns

são extensos, com dezenas de cláusulas. O sindicato é como um escritório

de negociação com os patrões.

Quando surgem divergências entre o empregado e o empregador, inicia-

-se um procedimento interno na empresa denominado grievance, que é uma

discussão em diferentes níveis entre os representantes dos trabalhadores

e as chefias empresariais até encontrarem uma solução direta e negociada

para o problema. Não sendo possível o acordo, o caso poderá ser inter-

mediado por um mediador oficial. Não havendo possibilidade de resolver o

conflito nessas instâncias, as partes em conjunto podem confiá-lo a um árbi-

tro que é um particular.

6. O SISTEMA DA ARGENTINA: INFLUÊNCIA DO PERONISMO

A Argentina, com a lei de organização sindical de março de 1988, deu

um passo no sentido da modernização do seu sistema, bastante criativo

em diversos aspectos, embora não conseguindo desprender-se totalmente

das características que sempre marcaram o modelo. A lei assegura o direito


de criar organizações sindicais sem necessidade de prévia autorização do

Estado, cabendo às respectivas associações determinar o seu âmbito de

representação e atuação territorial, devendo o Poder Público abster-se de

limitar a autonomia sindical. Os sindicatos de trabalhadores são constituídos

por setor de atividade ou setores afins, por ofício, profissão ou categoria, ainda

que seus integrantes desempenhem atividades distintas, e por empresa. Há

sindicatos, uniões, federações e confederações.

Os sindicatos podem representar os interesses coletivos quando não

houver na mesma atividade ou categoria associação com personalidade

sindical. Desse modo, existem associações sem e associações com

personalidade jurídica sindical, que é obtida pela entidade, em seu âmbito

territorial e pessoal de atuação, quando se caracterizar como a associação

83

mais representativa e se encontrar inscrita perante a autoridade administrativa.

Mas até a época presente, há influência, maior ou menor, do peronismo nos

grupos sindicais argentinos.

7. O SISTEMA DO URUGUAI: DESREGULAMENTAÇÃO

Um amplo estudo publicado em 1993 pela Fundación de Cultura Uni-

versitaria, do Uruguai, sobre organização sindical, negociação coletiva e

greve na América Latina(1), mostrou o agudo intervencionismo limitativo da

autonomia sindical, da autonomia coletiva e da autotutela que marca o sis-

tema latino-americano, a excessiva regulamentação legal, salvo do Uruguai,

caracterizando-se pela heteronomia, que tem como causas fatores de ordem

econômica do sistema de produção, fatores de natureza histórico-cultural,


dentre os quais as origens romano-germânicas do direito escrito e legislado,

que influiu na formação dos nossos ordenamentos jurídicos, e fatores de

caráter político, como o controle dos sindicatos pelo Estado e a própria fragi-

lidade do sindicalismo.

Essas conclusões continuam de certo modo atuais, mas poderiam

ser outras, com as modificações que ocorreram em alguns países, como a

queda dos Governos Militares, a abertura democrática, o controle da inflação

e os impactos decorrentes da economia de mercado, da globalização e do

desemprego sobre o movimento sindical.

No plano internacional, os instrumentos aprovados pela Organização

Internacional do Trabalho — OIT, a partir do seu documento constitutivo,

propuseram a afirmação do princípio de liberdade sindical, reafirmado pela

Convenção n. 87, definindo-se uma diretriz amplamente garantidora do direito

de organizar sindicatos, sem a necessidade de prévia autorização do Estado.

8. O SISTEMA DA INGLATERRA: LAISSEZ-FAIRE COLETIVO

A circunstância histórica mais importante do período formativo do direito

do trabalho inglês é, como mostra Wedderburn, aquele que vai de 1870 a

1918, quando surgiram fortes sindicatos ligados a partidos políticos novos

vinculados ao proletariado. A legislação desenvolveu-se nos anos 1871,

1875 e 1906, coincidindo com o período em que o pensamento político era o

laissez-faire. A Inglaterra não tinha, como não tem, uma Constituição escrita.

(1) Intervención y autonomía en las relaciones colectivas de trabajo, que reuniu autores

de diversos países, como Goldin (Argentina), Lima Teixeira e Carvalho (Brasil), Guerrero

(Chile), Palomeque López (Espanha), Pessi (Itália), Carlos de Buen (México), Ríos (Peru),
Rosenbaum, Ameglio e Jun Raso (Uruguai), Iturruaspe (Venezuela) e Oscar Ermida Uriarte

(Uruguai), sob a coordenação deste.

84

Mas do mesmo modo que em outros países da Europa, tanto na Inglaterra

como na Irlanda nasceu um movimento operário. A fase não era propícia

para a existência de um direito positivo sobre sindicatos.

Assim, os sindicatos tinham certa imunidade, mas não o respaldo da

lei, e a sua primeira bandeira foi lutar contra a legislação penal repressiva

das entidades sindicais. Nos primeiros momentos, havia diversos tipos de

sindicatos, de artesãos, de categoria e mais tarde sindicatos gerais que se

filiaram sucessivamente a uma estrutura central nacional, a Trade Union

Congress (TUC), de 1868. O fundamento jurídico sobre o qual o sindicalismo

existia era a common law. Os juízes ingleses decidiram diversas questões

relacionadas com greves e um mecanismo que daí surgiu foi a injunction, uma

espécie de interdito proibitório para evitar greves. A jurisprudência insistiu na

tese de que os sindicatos não tinham direito s, mas apenas imunidade. Outra

figura da época é o delito de conspiração. A greve era uma instigação contra

o contrato de trabalho.

É conhecida a expressão de Kahn-Freud. Referiu-se ao direito coletivo

inglês como um laissez-faire coletivo.

Nos anos 1970, surgiram o Ato de 1971 e a legislação sobre o contrato

social com a criação de uma Industrial Relations Court para decidir as

controvérsias trabalhistas.

No período Thatcher e a política neoliberalista (1979-1994), o direito do


trabalho mudou os seus rumos, caracterizado por uma mão de ferro sobre

os sindicatos concebidos como uma associação como as demais e por tal

motivo sem prerrogativas ou privilégios diferentes das demais. Os contratos

coletivos não têm força jurídica e sua obrigatoriedade resulta de um acordo

de cavalheiros.

As leis do direito do trabalho inglês são, em suma: o Employment Acts

(1980 e 1982), o Trade Unions Act (1984), o Public Order Act (1986), o

Employement Acts (1988, 1989 e 1990), o Trade Unions and Labour Relations

Act (1992) e o Trade Union Reform and Employment Rights Act (1993).

Finalizando:

— a Segunda Guerra Mundial marca uma etapa não só da história

política do mundo, mas, também, do sindicalismo, porque, depois do seu

término, coincidentemente deu-se uma reação. As concepções sindicais

corporativistas perderam espaço para os modelos democráticos;

— o direito italiano foi renovado já a partir de 1943. Em 1945, com o

Congresso de Nápoles surgiu a CGT — Confederação Geral dos

Trabalhadores. Os sindicatos foram considerados entes de direito

privado e não mais públicos. Foram criadas organizações sindicais

85

intercategoriais e Comissões Internas nas empresas. O contrato

coletivo ganhou dimensões maiores. A doutrina elaborou o princípio da

autonomia coletiva privada e a Lei n. 300 (1970) passou a punir atos

antissindicais;

— o sindicalismo italiano conseguiu o que o brasileiro ainda não pôde


fazer, deixar para o passado a estrutura sindical corporativista e em seu

lugar instituir um modelo sindical democrático; e se foi possível fazer

assim na Itália, indaga-se por que não seria também possível no Brasil?

— as mudanças ocorridas no sistema peninsular têm um significado

especial para o Brasil não só pela vinculação histórica que sempre nos

prendeu à legislação trabalhista italiana, mas, principalmente, para nos

mostrar que há caminhos para uma reforma sindical que nos afaste

de alguns resquícios que herdamos exatamente da Itália e que já os

abandonou.

86

CAPÍTULO 9

OS NOVOS PARADIGMAS

1. GLOBALIZAÇÃO E DESEMPREGO

Globalização não é um conceito jurídico, mas político, econômico e

social, com reflexos no ordenamento jurídico.

O sociólogo Domenico de Masi, em “Il futuro del lavoro” (1990), expõe

diversas dimensões da globalização, depois de mostrar que a globalização

de que se fala hoje representa, apenas, o êxito mais elaborado de uma eterna

tendência humana, de explorar e, depois, colonizar todo o território que ainda

existe, até fazer dele um único local sob controle; globalização como descoberta

do planeta e do universo para conhecê-lo, de Ulisses a Magalhães, de

Colombo a Gagarin; globalização como troca de mercadorias, dos mercadores

da Mesopotâmia, dos gregos, dos venezianos, dos traficantes de escravos,

da troca de informações científicas entre os laboratórios de todo o mundo;


globalização como colonização, militarizada, de conquista de territórios, do

Império de Ciro II, da armada espanhola de Carlos V, da colonização da América

Latina; globalização como invasão de mercados por produtos estrangeiros;

globalização financeira, de capitais voláteis, do cassino global das apostas

econômicas; globalização das estruturas produtivas, das privatizações, das

multinacionais que se instalam em toda parte onde possa haver lucro e que

fazem desaparecer espaços territoriais nacionais; globalização das ideias

religiosas, políticas, culturais, da violência difundida pelos modernos meios de

comunicação dos telejornais; globalização dos organismos internacionais que

fixam diretrizes econômicas e comerciais, cambiais e científicas; globalização

monopolística de cartéis; globalização das comunicações.

A globalização, no dizer de Stiglitz, é uma onda gigante que pode engolir

as nações ou levá-las para o futuro. Traz efeitos benéficos para a economia

mundial, mas vem distanciando economias, dos países ricos e dos pobres.

Relatório do Banco Mundial (1999) mostra alguns dados. Vivem com menos

de US$ 1,00/dia (dados de 1993):

Regiões

Populações Percentuais

Ásia Oriental e Pacífico

446

26%

Sudeste Asiático

515

43%
África Tropical

219

39%

América Latina e Caribe

110

23%

Europa e Ásia Central

15

3,5%

O. Médio e N. da África

11

4,1%

87

Jeremy Rifkin (1994) vê o declínio inevitável e a redução da força de

trabalho, em níveis mais altos, desde a depressão de 1930. Funções que,

a seu ver, desaparecerão são as de operários, secretárias, recepcionistas,

auxiliares de escritórios, vendedores, caixas de banco, telefonistas,

bibliotecários, atacadistas, gerentes médios; o software, os robôs, os cortes

de pessoal nas grandes empresas, os computadores, as condenam.

Como globalização não é um conceito jurídico, mas tem reflexos sobre

as relações de trabalho, cabe verificar quais são os tipos de mudanças que

provocou no movimento sindical. Parece-nos que foram de dois tipos, em

sentido contrário, de contração e de evolução.

Primeiro, a contração do movimento sindical, premido pelos imperativos


de um processo produtivo num contexto de intensa competição e que levou

as empresas a reduzir, ao máximo tolerável, os custos do trabalho, em

detrimento da concessão de vantagens salariais e da possibilidade de pleitos

visando à melhoria das condições econômicas dos trabalhadores, daí terem

sido centralizadas as reivindicações sindicais em vantagens de natureza

social.

Segundo, a globalização, com a internacionalização econômica,

intensificou a atividade das empresas transnacionais e a instituição de

comunidades econômicas regionais, trouxe um processo de expansão sindical,

como reação natural, impulsionadora de novas formas de representação

dos interesses dos trabalhadores, em plano multinacional e comunitário,

para fazer frente às novas realidades com que se defrontou, em diversas

partes do mundo, e a movimentação internacional do capital, que se desloca

rapidamente, entre diversos países, deixando um rastro de desocupações de

onde é transferido, a um simples aperto de botão de computador.

O desemprego, problema não apenas brasileiro, resultado do

extraordinário avanço tecnológico e do seu potencial de aumento da produção

com a diminuição do número de empregos, atuou, também, no sentido de

conter os sindicatos em uma posição defensiva, não mais reivindicativa, tendo

na manutenção dos empregos existentes a sua bandeira e na participação nas

discussões sobre demissões coletivas e suspensões coletivas dos contratos

de trabalho a sua natural preocupação.

Para o já citado sociólogo italiano, de grande prestígio no Brasil, Domenico

de Masi, em Svolupo senza lavoro, está, definitivamente, chegando ao fim


a sociedade do trabalho humano, cada vez mais escasso, e que começa a

faltar, substituído pelas inovações da tecnologia, do número sempre maior

de produtos fabricados em empresas, cada vez mais eficientes com menor

número de empregados, das compras feitas pela Internet, dispensando a

intermediação de vendedores, da pintura automática dos carros na indústria

88

de automóveis, dos caixas eletrônicos, dos bancos, do teletrabalho e das

dispensas coletivas em massa. Enfim, é uma questão geral da história do

trabalho, em um dos seus períodos agudos, desenhando um novo paradigma

de emprego, na era das tecnologias da informação, fulminando padrões

antes sedimentados, e reformulando o conceito de ocupação.

É, realmente, forte impacto desestruturador do movimento sindical

ver-se diante das profundas transformações da economia de mercado, da

descentralização das atividades pelas empresas, das terceirizações com

as quais os produtos de uma indústria, hoje, serão os insumos de outra,

amanhã. Paradoxalmente à subcontratação de atividades acessórias,

a empresa é multifuncional, de modo que a indústria é, ao mesmo tempo

em que fabrica, uma empresa que, também, oferece produtos financeiros,

créditos diretos ao consumidor, cartões de crédito, empréstimos comerciais,

fundos mútuos, ações, seguros, circunstâncias essas que, sem exceção,

põem em completa destruição as categorias tradicionais, e transformam

as bases de representação sindical, que passam por uma mutação muito

grande, imprevisível e sem controle.

Vê-se, com muita nitidez, que as mudanças na economia mundial exigem


dos sindicatos novas e mais amplas formas de organização, estruturas bem

mais abertas que possibilitem, em espaços maiores, a participação das

representações de trabalhadores nos processos de integração econômica

regional. Abre-se, na atualidade, um novo sindicalismo na União Europeia,

como, também, o será, a se completar, no Mercosul, de diálogo com empresas

transnacionais, com a intensificação da migração de mão de obra nas regiões

econômicas em que o mundo se divide, e com a transferência contínua de

capitais, acompanhada dos deslocamentos, seguidos de trabalhadores, para

atender a demandas que se internacionalizam.

Novas formas de acordos coletivos, em alto nível e de fins macro-

econômicos, são discutidas, de modo tripartite, com a presença sindical,

resultantes de negociações sobre as questões mais importantes, que antes

eram alvo, de modo restrito, unicamente das atenções dos governos, quando

elaboravam metas a serem cumpridas em planos econômicos, mas que, na

atualidade, são formalizados mediante pactos sociais, em diversos países,

como Finlândia (1995), Portugal (1996), Itália (1993 e 1996), Irlanda (1994 e

1997), Espanha (1996), ou mediante acordos interconfederais, como os da

Alemanha, Bélgica, Dinamarca, França e Países Baixos(1).

A concepção nacionalista de proteção do trabalho, tão a gosto dos

países sul-americanos, também cultuada pelo movimento sindical de outros

(1) SERVAIS, Jean-Michel. O acordo social para o emprego. Anais do Seminário Internacional

Relações de Trabalho, aspectos jurídicos, sociais e econômicos. Brasília, Ministério do

Trabalho e Emprego, 1998.

89
continentes, põe-se em rota de colisão com a internacionalização do mercado

de trabalho e confunde os sindicatos, que ficam sem saber se protegem o

trabalhador nacional ou se admitem a concorrência do trabalho estrangeiro

em seu país.

2. A DISCUSSÃO SOBRE O FUTURO DO SINDICATO

O prof. Wolfgang Däubler, da Universidade de Bremen, Alemanha(2),

afirma que a globalização não muda, de forma direta, o marco legal das

negociações coletivas, e que, contudo, na prática, as coisas apresentam-se

diferentes, porque em todos os países europeus há uma tendência à descen-

tralização dos sistemas de negociação coletiva, como na Suécia, explicável

pelos efeitos das mudanças na economia mundial, atingindo, diferentemen-

te, as empresas. Mostra, também, que as empresas europeias, diante da

possibilidade de produzir no exterior, em vez de internamente, reduzem ao

mínimo a posição negociadora dos trabalhadores, e a ameaça do desempre-

go atua como um freio nas negociações salariais.

Cássio Mesquita Barros Júnior(3) afirma: “Além da diminuição do número

de filiados, a influência que os sindicatos exerciam no meio social também já

não é a mesma, por força do aumento do número de trabalhadores informais.

Também o maior acesso às informações, advindo dos meios de comunicação,

colabora para que os indivíduos tenham maiores ambições individuais no seu

trabalho, o que prejudica a atuação coletiva dos Sindicatos. As mudanças não

são somente políticas, mas também sociais e culturais. Nasce uma nova ética

na sociedade moderna: o direito ou o dever do lazer. Os Sindicatos passaram

a se preocupar com faixas da sociedade até então não consideradas, como


mulheres, jovens, autônomos, estudantes e domésticos. No Brasil, o servidor

público, antes excluído, hoje se inclui no movimento sindical. Além disso, os

Sindicatos que até então somente se preocupavam com os trabalhadores

assalariados, única força de trabalho, estão reformulando esta concepção

para nela introduzir, se quiserem conservar ou aumentar sua influência, o

setor informal, os autônomos, os temporários e os aposentados. Há centrais

sindicais europeias que incluem no registro de associados uma categoria

nova: os aderidos ou aderentes, formada por homens e mulheres que vêm

ao Sindicato para tratar da reforma fiscal, habitação, política previdenciária

etc. O Sindicato, em nossos dias, como observa Fernando Pergolesi, além

(2) Globalização econômica e direito do trabalho. Anais do Seminário Internacional Relações

de Trabalho, aspectos jurídicos, sociais e econômicos, Ministério do Trabalho e Emprego.

Brasília, 1998. p. 41.

(3) BARROS JÚNIOR, Cássio Mesquita. Categorias econômicas e profissionais. In: PRADO,

Ney (Coord.). Direito sindical brasileiro. São Paulo: LTr, 1998. p. 97.

90

de uma finalidade essencialmente trabalhista, penetra também em outros

setores da comunidade nacional, desempenhando um papel cultural, técnico,

moral e político. Há, inclusive, Sindicatos preocupados com um problema

crucial: o trabalho de crianças”.

Luiz Carlos Amorim Robortella, em O moderno direito do trabalho (1994),

observa: “Os sindicatos americanos e europeus atravessam grave crise de

identidade e de representatividade. Os índices de filiação estão caindo ano

a ano. O desinteresse dos trabalhadores na participação da vida sindical


suscita preocupação entre os estudiosos que se perguntam sobre as razões

desse afastamento justo no momento em que as entidades se associam à

própria gestão do Estado”.

Caíram as taxas de sindicalização, em muitos países, para a Organização

Internacional do Trabalho, no período de 1985 a 1995, em porcentuais que

chegaram a 42,6% (Portugal), 42,5% (Argentina), 29,6% (França), 21,7%

(Grã-Bretanha), 17,6% (Estados Unidos), 17,6% (Alemanha), 16,7%

(Japão); houve discreto crescimento em outros países: Canadá, Dinamarca

e Noruega(4).

Leôncio Martins Rodrigues, em Destino do sindicalismo (1999), assinala

como causas do declínio do sindicalismo as seguintes: a diversificação de

funções, causada pelas mutações tecnológicas, que leva à fragmentação dos

interesses dos trabalhadores, dificulta a unificação das demandas e diminui

a coesão e a solidariedade; a dispersão dos trabalhadores em diversas

unidades de produção, às vezes espalhadas até por países diferentes; a maior

mobilidade do capital internacional; a redução da dimensão das unidades de

fabricação, a terceirização e o aumento da produção em pequenas empresas,

que dificultam a aglutinação dos trabalhadores da mesma categoria; a

tendência a acordos por empresas e locais de fabricação; a flexibilização da

produção e das normas que regiam as tarefas, hierarquias e carreiras dos

empregados; a maior heterogeneidade da força de trabalho, em virtude do

surgimento de novas profissões. Acrescenta que o problema do sindicalismo

está, hoje, ligado à diminuição e à mudança do caráter do emprego, e que

a meta sindical é preservar, a todo custo, o emprego, tarefa que considera


impossível. Sustenta, também, que o emprego, como o sindicalismo, não

está em crise, mas em declínio, o que leva a pensar menos em emprego e

mais em trabalho. Estão corretas essas observações. Em todos os países

as empresas reduziram custos para enfrentar a competição cada vez maior,

subcontratando as suas atividades. Os sindicatos, que antes detinham a

representação dos trabalhadores, perderam parte dos seus representados

para outros sindicatos. Sofreram a redução de receita. Enfrentaram — e

(4) Doc. OIT-97/28, p. 6.

91

continuam a enfrentar — dificuldades orçamentárias. Tiveram de usar, como

no Brasil, expedientes inéditos para atrair novos sócios, inclusive sorteios de

prêmios.

O avanço tecnológico e a informática criaram um mundo dos

computadores, disponibilizaram mão de obra, novas profissões surgiram,

privatizações de empresas públicas intensificaram-se, sempre com profundas

alterações nas relações de trabalho e no poder dos sindicatos perante o

empregador.

Os sindicatos tiveram de aceitar negociar outros temas antes não usuais:

formas de garantia periódica de empregos, redução dos salários, contratos

a prazo, suspensão temporária do contrato de trabalho, dispensas coletivas,

programas de requalificação profissional em colaboração com os governos,

compensação de horas etc. O professor italiano Vallebona observa, com

razão, que a autonomia coletiva foi chamada a gerir as crises das empresas.

A exclusão social — discussão que surgiu na Europa com o crescimento


dos sem-teto, da pobreza e da marginalização de grupos — fez crescer outras

formas de representação de interesses na sociedade, paralelas à via sindical.

Muitas são nacionais: organizações não governamentais que funcionam com

a colaboração de instituições particulares, como igrejas, associações de

bairro, órgãos de auxílio. Outras, internacionais, como a Anistia Internacional

— criada em 1961 pelo advogado inglês Peter Benenson —, que atua em

cerca de 150 países para defesa dos direitos humanos.

O trabalho autônomo, informal e precário gerou segmentos cada vez

maiores de pessoas que não se socorrem da representação sindical e que

procuram a defesa dos seus direitos em entidades específicas, como as que

atuam na defesa de interesses de vendedores ambulantes de rua e outras.

3. AS PERSPECTIVAS CONTEMPORÂNEAS

É o fim dos sindicatos?

O que resta aos sindicatos? Participar dos esforços voltados para a

realização do bem comum, que exigem a mobilização de toda a sociedade e

do Estado na procura de meios que permitam o desenvolvimento econômico,

a preservação das empresas — fonte dos empregos —, a compatibilização

entre migração da mão de obra nas uniões regionais, proteção dos interesses

do trabalhador nacional e progresso social, reconhecendo que, para esse fim,

a ideia de luta de classes não é tão eficaz como a de parceria e cooperação?

Na Inglaterra, Friedrich Hayek, influente economista no governo de

Margaret Thatcher, defendeu, com algum sucesso, a incompatibilidade entre

92

movimento sindical e economia de mercado, o que o levou a reinterpretar a


liberdade de associação, propondo a necessidade da desestabilização do

coletivismo, a supressão dos privilégios sindicais, assim por ele considerados

o closed shop, greves de boicotagem e o poder de negociar cláusulas dos

contratos coletivos de trabalho vinculantes para todo um segmento de

trabalhadores. Concluiu que os sindicatos, como são associações, não devem

ter tratamento legal diferente das demais associações de direito comum.

Hayek sustenta também, no mais puro figurino liberal, a superioridade

do indivíduo sobre o grupo, o que o leva a entender que o indivíduo não

deve estar sujeito a nenhuma conduta coletiva, em uma sociedade livre e

capaz de afastar o poder coercitivo sindical, considerando a liberdade de

cada trabalhador necessária para o mercado de trabalho. E afirmou que

os sindicatos devem continuar a existir, mas as suas atividades devem ser

confinadas, internamente, ao âmbito da empresa, como uma exigência de

funcionamento da economia de mercado, que não pode ser afetada pelas

dificuldades opostas pelos sindicatos.

Essas propostas de Hayek inspiraram o Act de 1988, seção 17. Não

desfrutam, atualmente, do mesmo prestígio, a partir do governo trabalhista

de Tony Blair, mas continuam a influir, de modo muito forte, nos rumos do

pensamento jurídico-trabalhista nessa região, em contraste com o que ocorre

com os demais países integrantes da União Europeia.

O debate, na América Latina, vem motivando a manifestação dos

especialistas em obras, como El sindicalismo ante los procesos de cambio

económico y social en América Latina, da Fundación Konrad Adenauer e

do Centro Interdisciplinar de Estudios sobre el Desarrollo Latinoamericano


(1998), da qual serão destacadas as que seguem.

Margarita Molteni, focalizando, nesse livro, as transformações eco-

nômicas da Argentina, faz as seguintes afirmações: “O que os sindicatos

perceberam é que as importantes transformações, no nível de empresa, a

partir dos últimos anos, geraram modificações nas formas de contratação e

de trabalho, que se verificaram à margem dos convênios coletivos e que se

impuseram como lógica de sobrevivência, tanto para a empresa como para

os empregados. Em muitos casos, os sindicatos — ao menos no nível mais

alto — ficaram à margem dessas negociações. Portanto, hoje se exige um

esforço especial para manter e fortalecer sua presença na empresa, reco-

nhecendo que esta deve constituir seu campo prioritário de ação”.

Carlos René Veja Fernandez, sobre a Guatemala, afirma: “O novo

discurso da política sindical deve superar a relação adversária que foi

desenvolvida de forma preponderante no campo econômico, suscitando

um caminho de solidariedade no mundo do trabalho” entre aqueles que são

assalariados e aqueles que não são.

93

Enrique de la Garza Toledo, sobre o México, faz a seguinte avaliação:

“A mudança de modelo econômico e na forma do Estado afetaram o sindi-

calismo de maneira importante. O sindicalismo corporativo continuou como

a corrente majoritária apoiada pelo Estado, mas com graves perdas de le-

gitimidade. Trata-se de um tipo de sindicato questionado por sua pouca ca-

pacidade de propostas nos processos de modernização das empresas, não

obstante tenha cumprido um papel na instrumentação das políticas econô-


micas de combate à inflação que afetaram os salários reais. Os sindicatos

independentes também se desgastaram ao buscar a via do confronto com o

Estado e empresas”.

Jorge Bernedo Alvarado, sobre o Peru, assim se manifesta: “A maneira

mais curta de descrever a situação é mediante a palavra crise. Como é possível

assinalar, crise não é necessariamente uma palavra má, uma condenação. É

mais um estado extremo originado por um dano ou enfermidade, na qual se

decide o desenlace, fatal ou de recuperação. É possível que esta acepção

seja mais própria, se recordarmos que a experiência mundial mostra que as

necessidades de organização dos trabalhadores são permanentes, variando

suas táticas, propostas e conflitividade, e, inclusive, seu grau de presença.

Mas não chegam a desaparecer”.

Alfredo Ruprecht, também da Argentina, em Relações coletivas de

trabalho (1995), afirma que o sindicato “deve descobrir políticas alternativas,

voltar às suas funções originais, embora inseridas nas realidades do presente

e do futuro. Numa palavra, deve manter a política reivindicatória que lhe deu

origem, mas, ao mesmo tempo e fundamentalmente, de colaboração. Essa

colaboração deve ser realizada em todos os aspectos da vida laboral, não só

levando em conta as necessidades e anelos de seus membros, mas também

a realidade socioeconômica em que se insere. Vale dizer que, embora seja

conveniente participar da vida econômica da empresa, deve ter presente um

mundo particular. A generalização de normas pode prejudicar uns e beneficiar

outros. Numa palavra, sua política deve procurar coordenar os interesses dos

trabalhadores, das empresas, dos consumidores e da sociedade em geral”.


No Brasil, além das opiniões já citadas e outras que por brevidade

deixam de ser destacadas, alinhem-se as seguintes:

Gilberto Dupas(5) sustenta que “nesse quadro — que está longe do que

se sonhava, sendo apenas o que aí está — talvez haja algumas saídas para

a sobrevivência do movimento sindical: adaptar-se à nova dinâmica social,

abrindo-se para uma nova linha de ação de interesses aos trabalhadores

flexíveis; criar novas estruturas institucionais e procurar encontrar soluções

locais que encorajem a solidariedade com métodos de ação flexíveis, mas

(5) DUPAS, Gilberto. Economia global e exclusão social, pobreza, emprego, Estado e o futuro

do capitalismo. São Paulo: Paz e Terra, 1999. p. 58.

94

estáveis; e abandonar definitivamente a ideia de visar somente os que estão

empregados formalmente. O sindicalismo não só não desaparecerá se, por

evolução natural, souber transformar-se num novo ente adaptado ao trabalho

flexível e à exclusão social”.

O já citado Leôncio Martins Rodrigues faz as seguintes considerações

sobre a nova posição do sindicato: “sem abandonar as premissas antagônicas

e conflituosas, é forçado — o sindicato — pelas modificações introduzidas

na organização de trabalho e nas posições profissionais do pessoal, por

processos de racionalização empresarial, a recorrer a uma lógica que não

se esgote no reivindicacionismo conflituoso. A ação sindical é chamada,

além disso, a influir nas decisões empresariais atinentes às inovações que

se refletem nos níveis ocupacionais e nas posições do trabalho; mas essas

decisões requerem ser postas em discussão após uma adequada informação


sobre a situação da empresa e ser precedida de uma devida consulta com as

representações dos trabalhadores”.

Almir Pazzianotto Pinto, em “Sindicalismo em crise” (in: Curso de direito

coletivo do trabalho, coord. Georgenor de Sousa Franco Filho, 1998), assim

se manifesta: “Observa-se, neste final de século, a mais profunda crise

enfrentada em qualquer época pelo sindicalismo mundial. Na maior parte

dos países industrializados as estatísticas acusam rápida elevação do

desemprego acompanhada de queda vertical no número de sindicalizados.

No Brasil as coisas não se passam de maneira diferente, com a agravante de

inexistirem ações concretas destinadas a combater a redução dos postos de

trabalho, aumentar a oferta de empregos, simplificar as relações contratuais

entre empregados e empregadores e melhorar a distribuição de renda. É

interessante notar que entidades sindicais, extremamente ativas na defesa

das classes assalariadas durante o regime autoritário, aparentam ter perdido

suas melhores condições de atuação, abdicando dos ideais que lhe deram

origem há mais de um século. Rejeitando normas de convivência típicas

do Estado de Direito Democrático, insistindo em ignorar os benefícios da

organização autônoma, o fenômeno da globalização e a realidade do mercado,

essas entidades passam a acusar sintomas de envelhecimento, mostrando-

se, a cada ano, mais impotentes para transmitirem as necessidades objetivas

dos trabalhadores, pondo a perder antiga e gloriosa significação histórica no

século que se avizinha”.

Como se vê, os sindicatos estão diante de um novo quadro sobre o qual

terão de reagrupar forças.


Para esse fim, poderão discutir diversas alternativas, dentre as quais é

provável que se incluam doze pontos principais:

1) a queda das taxas de sindicalização, problema que é importante em

muitos países, mas que não tem a mesma gravidade em um país no qual o

95

sindicato reforça a sua receita com a contribuição compulsória sobre todos os

representados, sócios ou não sócios, o que suscita o dilema entre continuar

com esse imposto, que tem a marca do estado-novismo, ou dispensá-lo e

partir para a procura de novos meios de arrecadação;

2) a economia de mercado, modelo econômico com o qual devem

optar entre aderir, e dele retirar as vantagens possíveis, ou combater, e ficar

marginalizados do processo econômico;

3) a maior heterogeneidade da força de trabalho, em virtude do

surgimento de novas profissões, fonte natural de profundas modificações na

organização do trabalho, forçando os sindicatos a dois tipos de atitude: a que

vê as relações de trabalho como relações industriais ou a que admite que

estamos em uma sociedade pós-industrial;

4) a mudança do emprego, que traz como discussão duas ideias:

preservar, a todo custo, os empregos; ou aceitar novas formalizações ou

semiformalizações do trabalho, dando-lhes suporte, ainda que para isso

tenham de fugir da defesa dos empregos tradicionais;

5) a fragmentação dos interesses dos trabalhadores, que dificulta a

unificação das demandas, diminui a coesão e a solidariedade e provoca

a dispersão dos trabalhadores em unidades de produção menores e


descentralizadas, problema que leva à subcontratação e que põe os sindicatos

diante da descoberta de meios para evitar a perda de representados;

dentre esses meios, se um deles é válido, a possibilidade de eleição, pelos

empregados de uma empresa terceirizada, para decidirem se querem

continuar com o sindicato anterior ou se preferem o novo sindicato, o que só

será possível com a mudança da lei brasileira;

6) as modificações nas formas de contratação e de trabalho, que se

verificaram à margem dos convênios coletivos e que se impuseram como

lógica de sobrevivência, tanto para a empresa como para os empregados, o

que põe os sindicatos diante de um impasse: concordar com a retipificação

dos contratos de trabalho, ou lutar para a manutenção dos parâmetros

tradicionais e, com isso, sujeitar-se ao risco de acertos diretos não sindicais

entre empregados e empregadores;

7) a competição decorrente da liberdade sindical, cada vez maior,

escudando-se nas defesas permitidas pela proibição legal da criação de mais

de um sindicato da mesma categoria na mesma base territorial ou perceber

que, apesar dessa salvaguarda, multiplicou-se o número de sindicatos e

uma forte concorrência vem de fora, das ONGs, que crescem e defendem

interesses sociais relevantes, e não só os daqueles que têm emprego com

carteira assinada;

96

8) a tendência à descentralização dos sistemas de negociação coletiva,

como uma lógica de adequação dos pleitos à situação real de cada empresa,

ou negociar por categoria de modo igual para empresas grandes, médias e


pequenas;

9) a globalização, optando entre incentivar a criação de um sindicalismo

também multinacional ou permanecer voltado para uma política nacionalista;

10) a nova dinâmica social, e com isso permitir concessões, ou man-

ter-se nos padrões tradicionais, que podem distanciá-los da experiência

concreta se não acompanharem as mudanças que se desenvolvem;

11) a estratégia política, entre a política de luta de classes e o apoio a

um Estado forte, ou a política de cooperação entre o capital e o trabalho e de

apoio a um Estado regulador que prestigie a liberdade econômica e sindical;

12) a desconfiança, discutindo-se entre duas posições: a que rejeita toda

simplificação da legislação trabalhista, nela vendo uma estratégia neoliberal

de desmonte dos direitos dos trabalhadores, ou uma política que, despindo-

-se de preconceitos, aceite reformas fundadas na compreensão de que a

atual legislação pode voltar-se contra o trabalho e o sindicato, dependendo

do modo como for interpretada ou aplicada.

Concluindo:

— a globalização, onda avassaladora que destrói, mas que também

renova rumo a uma reconstrução, atingiu os sindicatos de forma negativa

e também positiva;

— de negativo trouxe para o sindicalismo novas formas de atividade

econômica empresarial: a internacionalização das empresas e grupos

de empresas; a descentralização do processo produtivo que dificulta

a concentração de trabalhadores, dispersando-os em detrimento da

sua união; a competitividade entre as empresas com a obsessão pela


redução de custos, que dificulta a concessão de maiores vantagens aos

trabalhadores, tudo atuando no sentido de, praticamente, impossibilitar

a permanência dos antigos métodos sindicais que tiveram de se amoldar

aos novos tempos, especialmente em razão do desemprego e da sua

força atuante no sentido de bloquear o sindicalismo reivindicatório;

— por outro lado, o positivo, o sindicalismo também teve de se

internacionalizar para fazer frente ao direito comunitário e à ampliação

dos níveis e espaços das empresas; a representação dos trabalhadores

elevou-se também para uma dimensão maior que a nacional; o princípio

nacionalista sindical ainda presente na lei brasileira, das demais leis foi

afastado diante da necessidade sindical de ter uma visão internacional

dos problemas trabalhistas; os contratos coletivos de trabalho atingiram

97

dimensões mais amplas em alguns casos para mais de um país; os novos

tipos de profissões fruto do avanço da tecnologia forçaram a reciclagem

para que os trabalhadores adquirissem maiores conhecimentos, tudo

concorrendo como se vê no sentido de forçar a expansão e a mudança

de mentalidade sindical;

— com as novas profissões surgiram novos sindicatos — trabalhadores

de telemarketing — e as terceirizações refletiram-se nos desdobramentos

de categorias e na fragmentação dos trabalhadores até então mais

agrupados e daí por diante descentralizados;

— o desemprego, problema não apenas brasileiro, resultado do

extraordinário avanço tecnológico e do seu potencial de aumento da


produção com diminuição do número de trabalhadores atuou, também,

no sentido de conter os sindicatos em uma posição defensiva, não mais

reivindicativa, tendo na manutenção dos empregos a sua bandeira e na

participação nas discussões sobre demissões coletivas e suspensões

coletivas dos contratos de trabalho a sua natural preocupação;

— a exclusão social encontrou em outras organizações não sindicais,

como as ONGs, um abrigo para as minorias rejeitadas, o que levou os

sindicatos a se preocuparem com faixas da sociedade para as quais

antes não voltavam a sua atenção;

— a economia de mercado trouxe reflexos no mundo do trabalho.

98

CAPÍTULO 10

FUNDAMENTOS DO DIREITO BRASILEIRO:

ORIGENS DO SISTEMA LEGAL

1. PRIMEIRAS FORMAS ASSOCIATIVAS

O direito sindical brasileiro ainda está à procura de um sistema de leis

que o fundamentem em bases democráticas depois de percorrer um longo

caminho na sua história política e trabalhista.

O que pretendemos mostrar nesta parte é que a organização sindical

brasileira não se desprendeu na medida necessária das suas raízes

corporativistas e estratégicas, apesar das mudanças ocorridas em nosso

país, lutando, até mesmo, pela sua manutenção, na suposição de que é

esse o seu melhor caminho. Algumas das questões com que os sindicatos

brasileiros atualmente se defrontam foram apontadas. Outras, certamente,


existirão. Todas passam pela reavaliação da história, forma pela qual se

torna possível, com a experiência do passado, ver o presente.

Como em outros países, também no Brasil as corporações de ofício

precederam os sindicatos, o direito de associação, depois de proibido, foi

restabelecido, o corporativismo do Estado Novo exerceu forte controle sobre

os sindicatos e no fim dos governos militares abriu-se uma nova perspectiva

para o movimento sindical.

Assinala José Martins Catharino(1) que, em Salvador, havia corporações

de oficiais mecânicos e de ourives, em 1699; os ofícios mecânicos eram

agrupados por similitude ou conexão profissional, por exemplo, carpinteiros

reuniam-se com torneiros, marceneiros, entalhadores; as corporações tinham

caráter administrativo e religioso, e conseguiram ter representantes eleitos na

Câmara Municipal, Juízes do Povo e seus Mestres. Mas as corporações não

tiveram — nem poderiam ter — a mesma expressão com que contavam em

países do continente europeu. Tiveram a mesma sorte, no entanto. Foram

extintas, pelas mesmas razões.

As primeiras associações sindicais foram as ligas operárias. Defendiam

salários, redução da jornada de trabalho e assistência.

Citem-se a Liga de Resistência dos Trabalhadores em Madeira (1901), a

Liga dos Operários em Couro (1901) e a Liga de Resistência das Costureiras

(1906). Havia, também, sociedades de socorros mútuos para ajuda material

(1) Tratado elementar de direito sindical. São Paulo: LTr, 1977.

99

dos operários: a Liga Operária de Socorros Mútuos (1872) e a Sociedade de


Socorros Mútuos dos Empregados no Comércio (1906). Outras instituições

prestavam homenagem a vultos estrangeiros: a Sociedade Operária Italiana

Mútuo Socorro “Ettore Fieramosca” (1912) e a Società Mutuo Socorro “Galileo

Galilei” (1914). Outra forma eram as câmaras ou bolsas de trabalho, um tipo

de agência de colocação para pesquisa, cadastramento e colocação da mão

de obra ou preparação da força de trabalho para o exercício profissional.

Outras, ainda, eram caixas beneficentes para formar fundos de assistência

aos trabalhadores doentes, cooperativas, como a Sociedade Cooperativa

Beneficente Paulista (1896) e a Sociedade Cooperativa Tipográfica

Operária (1904), e uniões, como a União dos Trabalhadores em Fábricas de

Tecidos (1907), a União dos Empregados no Comércio (1903), a União dos

Trabalhadores Gráficos (1904) e a União Geral dos Chapeleiros (1904).

A palavra sindicato foi generalizada a partir de 1903. Mas muitas

instituições continuaram com os seus nomes. Pioneiras para Segadas

Vianna foram a Liga Operária (1870), a União Operária (1880) e a União

dos Estivadores (1903). E, para Azis Simão(2), a Liga Operária de Socorros

Mútuos (1872) foi a primeira associação de auxílio mútuo do Estado de

São Paulo e a primeira associação com nome de sindicato foi o Sindicato

dos Trabalhadores em Mármore, Pedra e Granito (1906). Para Júlio Lobos,

pioneiros foram os sindicatos operários ou sindicatos de resistência após o I

Congresso Operário Brasileiro, em 1906.

São traços do início do movimento sindical brasileiro a liberdade

dessas associações, criadas sem restrições, quanto ao seu número e

funções; a influência étnica que sofreram, agrupando pessoas da mesma


nacionalidade, centralizados os italianos em São Paulo e os portugueses

no Rio de Janeiro e em Santos; a diversidade de critérios de representação,

coexistindo a representação da profissão e a de um setor de atividade

econômica; o assistencialismo, previdenciário, de mutualidade e de socorros;

a instabilidade — muitas associações desapareceram, algumas ressurgindo

depois; e a centralização em grau superior, uma vez que um sindicato da

capital podia ser uma central para diversos sindicatos de cidades do interior.

Azis Simão(3) mostra que “as mútuas contribuíram para a emergência

do movimento operário, de um modo geral, mas não deram origem ao

sindicalismo que apareceu quase na mesma época. De fato, no arrolamento

feito das sociedades de trabalhadores, apenas quatro grêmios, daquela

espécie, precederam ao surgimento das ligas operárias propriamente ditas.

Estas já devem ter-se formado como primeiras e tímidas reproduções de

modelos associativos elaborados no sindicalismo europeu”.

(2) SIMÃO, Azis. Sindicato e Estado. São Paulo: Dominus, 1966. p. 203.

(3) Idem.

100

Transcreve trecho do jornal A Plebe noticiando que “as primeiras

organizações operárias no Brasil foram, por certo, as ligas operárias, que

reuniram, quase sempre indistintamente, os operários de diversos ofícios e

indústrias e tinham como objetivo, fora uma ou outra de caráter beneficente,

a defesa dos interesses imediatos e comuns a todas as classes, isto é, a

melhoria de salários e diminuição de horas, e pouca coisa realizaram porque

lhes faltava a força necessária mercê do amorfismo que as caracterizava.


Mais tarde apareceram as sociedades de resistência que já eram núcleos

mais homogêneos surgidos dos primeiros centros ou ligas. São uniões de

ofícios que, ao se desenvolverem, fundam pelo País sucursais ou filiais,

diretamente dependentes da central estabelecida na grande cidade. Ao

lado destas existem uniões autônomas mais ou menos beneficentes — ora

apoiando greves, ora fazendo manifestações políticas”.

2. LEGISLAÇÃO PRECURSORA

Inicia-se o período de disciplina legal dos sindicatos rurais em 1903 e

dos urbanos em 1907.

O Decreto n. 979 (1903) permitiu a sindicalização dos profissionais

da agricultura e das indústrias rurais, tanto pequenos produtores como

empregados e empregadores, com liberdade de escolha das formas de

representação. Para que o sindicato tivesse personalidade jurídica, bastava

o registro de dois exemplares dos estatutos, da ata de instalação e da lista

de sócios no Cartório do Registro de Hipotecas do Distrito. O número mínimo

de sete sócios era suficiente para a fundação de um sindicato, número esse

mantido pela Consolidação das Leis do Trabalho — CLT até o ano 2000, e com

respaldo da jurisprudência dos Tribunais Superiores. Respeitou-se o direito

de cada indivíduo de ingressar ou não e de sair de um sindicato. A função do

sindicato que ganhou destaque foi a assistencial: a criação de caixas para os

sócios e de cooperativas de crédito e de vendas dos seus produtos.

O Decreto n. 1.637 (1907) organizou o sindicalismo urbano de

trabalhadores de profissões similares ou conexas. Definiu como funções

do sindicato o estudo, a defesa e o desenvolvimento dos interesses gerais


da profissão e dos interesses individuais dos seus membros. Previu a

criação de Conselhos Permanentes de Conciliação e Arbitragem para dirimir

as controvérsias entre o capital e o trabalho. Preservou a liberdade de

constituição dos sindicatos, bastando, para esse fim, simples depósito de

cópia dos estatutos na repartição competente.

Pode-se dizer que esses dois decretos assinalam a primeira fase do

nosso sindicalismo, em 1900. Afirma Segadas Vianna(4) que “as organizações

(4) Instituições de direito do trabalho, em coautoria com Arnaldo Süssekind e Délio Maranhão,

8. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1981, v. 2. p. 958.

101

que surgiram, de sindicato apenas possuíam o rótulo. Entre os trabalhadores

do campo não existia uma base intelectual que lhes assegurasse capacidade

para se organizar e, além disso, estavam economicamente subjugados aos

senhores da terra, que não hesitavam em mandar liquidar os que tivessem

coragem de reclamar qualquer medida em seu benefício, já que direitos não

existiam consagrados em textos de lei”.

3. A INFLUÊNCIA DO ANARCOSSINDICALISMO

O anarcossindicalismo é uma doutrina sindical e política que influiu,

poderosamente, no sindicalismo denominado revolucionário. Conseguiu

larga divulgação no Brasil no início do movimento sindical, desde 1890,

desaparecendo por volta de 1920. Para Sheldon Leslie Maram(5), foi a força

ideológica mais influente no início do movimento operário brasileiro.

A sua mensagem centralizava-se em alguns pontos conhecidos: a ideia

do combate ao capitalismo, a evanescência do Estado, a desnecessidade da


existência de leis jurídicas para governar a sociedade, o combate ao governo

e à autoridade, a ação direta como meio de luta, enfim, uma radical crítica a

tudo quanto exista na ordem jurídica, política e social. Suas primeiras fontes

são identificadas nos escritos mutualistas de Pierre Joseph Proudhon, no

coletivismo de Michall Bakunin e no anarcocomunismo de Kroptkin e seus

seguidores(6).

O anarquismo sindical foi propagado, nos meios trabalhistas brasileiros,

pelos imigrantes italianos, em panfletos que aqui publicaram para divulga-

ção das suas ideias, de um sindicalismo apolítico, voltado para a melhoria

das condições dos trabalhadores, e com o emprego de táticas, como a sa-

botagem, a greve geral etc. A União Geral da Construção Civil e o Centro

Cosmopolita, dois importantes sindicatos, foram movidos pelo anarquismo.

Assim, também, o I Congresso Operário (1906), do qual resultou a criação

da Confederação Operária Brasileira — COB, que não chegou a funcionar,

senão por período pouco superior a um mês. Seu declínio foi vertiginoso,

não só pela reação contrária, culminando com a expulsão dos estrangeiros

de 1907 a 1921, mas porque o anarquismo sofreu um esvaziamento com os

conflitos étnicos.

As razões maiores da sua influência estão no núcleo de pessoas no

qual encontrou o seu meio de sustentação, os trabalhadores europeus

vindos para o Brasil, aqui considerados de forma especial, sobrepondo-se

(5) MARAM, Sheldon Leslie. Anarquistas, imigrantes e o movimento operário brasileiro. Trad.

José Eduardo Ribeiro Moretzsohn. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.

(6) COSTA, Caio Túlio. O que é o anarquismo. 5. ed. São Paulo: Brasiliense, 1981.
102

aos nacionais, pela condição técnica e politização superior. Não se pode

dizer que tenha sido um movimento do trabalhador brasileiro. No entanto, foi

inspirador do elevado número de greves em 1919. Não unificou o movimento

operário, quando era necessária a sua unificação, e provocou uma campanha

antissindicalista que teve reflexos que se prolongaram.

4. A AÇÃO SINDICAL

A prática da greve adquiriu acentuada dimensão na fase liberal,

contribuindo para que ocorressem diversos fatores. Não havia leis que a

regulamentassem, com o que o seu exercício foi favorecido pela ausência de

limitações, apesar de um curtíssimo período de proibição pelo Código Penal,

logo descartada.

O pensamento socialista, predominante no I Congresso Operário de

1906, aprovou propostas de resistência ao patronato e de defesa da ação

direta dos trabalhadores, coincidentes com a ideologia anarcossindicalista

e com as doutrinas reformistas em geral. Uma atmosfera altamente

reivindicativa apoderou-se do operariado, incentivado pela orientação dos

líderes, que eram os imigrantes europeus, cuja influência foi marcante nas

origens do movimento sindical, na defesa política de uma sociedade sem

governos, sem leis, constituída por federações de trabalhadores, de acordo

com o pensamento anarquista(7).

Nos primeiros anos da República, as greves eram esporádicas: uma em

São Paulo, em 1890; duas em 1891; quatro em 1893; e, até 1896, uma

a cada ano. Também raras foram as greves em outros Estados, a maioria


por melhores salários e redução da jornada diária de trabalho. Porém, no

começo do século, acentuaram-se.

Em 1900, no Rio de Janeiro, durante três dias, os cocheiros dos bondes

(puxados por animais) protestaram contra um novo regulamento, considerado

vexatório; e os bondes foram paralisados e tombados, intervindo a Força

Pública e o Ministro da Justiça. Os ferroviários da Estrada de Ferro Central

do Brasil da Bahia, em Cachoeira, fizeram greve pela redução das horas de

trabalho, aumento de salário e passagem franca na ponte D. Pedro Il. Em

Santos, os carroceiros paralisaram a cidade. O comércio fechou.

(7) Sheldon Leslie Maram ( op. cit. , p. 30) afirma que o fato diferencial entre trabalhadores

imigrantes e trabalhadores brasileiros era, de um modo geral, que os primeiros ocupavam os

cargos qualificados e semiqualificados; cargos esses de muito mais peso para a continuidade

do sindicalismo. Outra diferença é o fato de existirem, nas comunidades de imigrantes, homens

que já haviam participado de lutas operárias na Europa antes de virem para o Brasil. Esses

homens constituíram o corpo de organizadores do movimento na década de 1890 e começo

do séc. XX e trabalhando, muitas vezes, em suas próprias comunidades étnicas, espalhavam

os ideais e táticas dos movimentos operários europeus.

103

Em 1901, os ferroviários da Estrada de Ferro Sorocabana, de São Paulo,

deflagraram greve porque houve atraso no pagamento do salário. Também

os ferroviários da Estrada de Ferro Paulista, em Rio Claro, abandonaram os

armazéns por dois dias, por aumento de salários. No Rio de Janeiro, de 8 a

12 de novembro, numa fábrica de tecidos de Vila Isabel, protestando contra

maus-tratos e imposições do diretor-gerente, os operários pararam. No Rio


de Janeiro, em 1903, 800 homens das oficinas do Lloyd Brasileiro ficaram

oito dias em greve, em protesto contra a nomeação de um diretor. No Rio

de Janeiro, de 16 a 25 de agosto, houve uma greve pela redução da jornada

diária e aumento de salário. Em setembro, operários de uma companhia

de gás ficaram nove dias sem trabalhar até a dispensa do capataz. Em

novembro, sapateiros e refinadores de açúcar entraram em greve.

Eclodiram, nos anos seguintes, inúmeras outras paralisações: em 1904,

no Ceará e no Rio; em 1905, em Santos, Rio e Recife; em 1906, em São

Paulo, 3.000 ferroviários de Jundiaí, Campinas e Rio Claro; no Rio de Janeiro,

sapateiros; e assim por diante.

Em 12 de junho de 1917, começou a greve de maior repercussão em

São Paulo. Iniciou-se no Cotonifício Rodolfo Crespi, no bairro da Mooca,

quando os operários protestaram contra os salários e paralisaram o serviço.

A fábrica fechou por tempo indeterminado. Os trabalhadores pretendiam 20%

de aumento, tentaram acordo com a empresa, não o conseguindo. Diante

disso, no dia 29 fizeram comício no centro da cidade. Aos 2.000 grevistas

juntaram-se, em solidariedade, mil trabalhadores das fábricas Jafet, que

também passaram a reivindicar 20% de aumento de salário; em 11 de julho,

o número de grevistas, de várias empresas, era de 15.000; no dia 12, de

20.000; os bondes, a luz, o comércio e as indústrias de São Paulo ficaram

paralisados.

O movimento estendeu-se às empresas do interior e ao todo 13 cidades

foram atingidas. Os jornalistas resolveram intermediar. No dia 15 de julho,

um acordo foi aceito para aumento de 20% dos salários e garantia de que
nenhum empregado seria despedido em razão da greve, e o governo pôs

em liberdade os operários presos, com algumas condições: volta ao serviço,

reconhecimento do direito de reunião quando exercido dentro da lei e

respeitada a ordem pública, cumprimento das disposições legais sobre o

trabalho de menores nas fábricas, combate à carestia de vida e proteção ao

trabalhador.

Terminando:

— no plano normativo, o sindicalismo brasileiro remonta a 1903 com o

sindicalismo rural, e 1907 com o sindicalismo urbano, ambos sem maior

ressonância e com significado unicamente histórico;

104

— os movimentos sindicais efetivamente eclodiram com o anarcossin-

dicalismo dos italianos e a influência que exerceram no operariado de

São Paulo, levando-os, por meio de sucessivas greves, a despertar

uma consciência de classe;

— outra etapa importante do nosso sindicalismo foi o movimento do

ABC de ruptura com o sistema legal e desafio aos governos militares;

— no plano normativo, o direito de greve foi assegurado pela Constituição

de 1946, avançou, com a Constituição de 1988, em alguns aspectos,

abrindo parâmetros de equilíbrio entre a liberdade sindical e a punição

dos abusos cometidos.

105

CAPÍTULO 11

FUNDAMENTOS DO DIREITO BRASILEIRO:


O CORPORATIVISMO ESTATAL DE 1937

1. AS PRIMEIRAS MANIFESTAÇÕES

O Estado transformou-se. Tornou-se intervencionista a partir de 1930.

Dessa fase permanecem, ainda, traços não afastados da CLT. A fase da

estrutura legal interferiu na organização e na ação dos sindicatos.

Alguns fatos significativos influíram para que assim fosse: a conquista

do poder político por Getúlio Vargas, dando início a um longo período de

uma política trabalhista interveniente, reação às provocações e a agitação

nos grandes centros, o incontável número de greves, a perda de horas de

produção e a crise na economia em 1929.

O governo resolveu diminuir a influência do trabalhador estrangeiro sobre

o movimento operário brasileiro, em especial o estrangeiro anarcossindicalista,

socialista, comunista ou trotskista, cuja ação sindical era intensa, desviando,

muitas vezes, a reivindicação trabalhista para o plano político e fazendo da

greve geral um lema que poderia atingir proporções alarmantes.

Como resposta, surgiram filosofias políticas de direita, dentre as

quais o fascismo, que florescia na Itália, e o integralismo, além de outras,

propugnando por medidas enérgicas, de um governo forte o suficiente para

impedir o crescimento, no meio operário, das ideologias revolucionárias.

O Estado resolveu pautar a sua política social na ideologia da integração

das classes trabalhistas e empresariais, organizando, sob a forma de

categorias por ele delimitadas, um plano denominado enquadramento

sindical.

Seguindo essa linha, o Estado atribuiu aos sindicatos funções de


colaboração com o Poder Público, publicizou a concepção dos sindicatos para

que, sob o seu controle, não se atirassem, em lutas, o capital e o trabalho.

O governo criou o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio (1930),

atribuiu-lhe, como uma das funções, pôr em prática a política trabalhista e

administrar a organização do proletariado como força de cooperação com o

Estado, e passou a regulamentar, por meio de decretos, direitos específicos

de algumas profissões.

Ainda em 1930, foi promulgada a Lei dos Dois Terços, voltada para

a nacionalização do trabalho. Restringiu a admissão de estrangeiros em

106

nossas empresas, a não ser em certa proporção que fixou. Finalmente, o

Estado promulgou a Lei dos Sindicatos, o Decreto n. 19.770 (1931), fiel

aos princípios acima enumerados: marcadamente intervencionista, um

sindicalismo apolítico, e voltado para a integração das classes produtoras.

Modificações foram introduzidas pelo Decreto n. 19.770, de 1931. O

pensamento revolucionário sempre proclamou, como observa Oliveira

Viana(1), “o propósito de chamar o sindicato para junto do Estado, tirando-o

da penumbra da vida privada, em que vivia, para as responsabilidades da

vida pública. Neste intuito, deu-lhe a representação da categoria e lha deu

duplamente: para efeitos jurídicos e para efeitos políticos. Mais que isto:

investiu-o de poderes de autoridade pública, transferindo-lhe prerrogativas

próprias da pessoa do Estado”.

A influência maior, que se fez sentir, foi a do corporativismo italiano e a

da forma autoritária de organização da vida sindical que impôs, contrastando


com os princípios que, antes de 1930, serviam de base para o nosso sistema:

antes, os sindicatos eram pessoas jurídicas de direito privado, depois, a sua

publicização foi manifesta; antes, os sindicatos eram livremente criados pelos

interessados, com administração e estatutos próprios; depois, sob a custódia

do então Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, passaram a ser órgãos

de colaboração do Governo; antes, seus estatutos eram autoelaborados,

depois, padronizados; antes, os sindicatos tinham autonomia, depois,

tornaram-se dependentes do reconhecimento do Estado, que deles exigia a

apresentação de relatórios da sua atividade.

Para melhor consecução desses fins, adotou-se como estrutura de

representação dos trabalhadores a do sindicato único em cada base territorial,

de modo que ficou comprometida a liberdade de fundação de mais de um

sindicato dos trabalhadores da mesma categoria e base territorial. O critério

de agrupamento foi o de profissões idênticas, similares e conexas em bases

territoriais municipais.

O Estado proibiu: a sindicalização dos funcionários públicos; a dos

empregados domésticos; a filiação do sindicato a entidades internacionais,

sem autorização do Governo; qualquer atividade política e propaganda

de ideologias consideradas sectárias, de caráter social ou religioso. Aos

(1) Problemas de direito sindical. Rio de Janeiro: Max Limonad, s. d. Sobre os reflexos

do corporativismo na organização sindical brasileira, v. MORAES FILHO, Evaristo de. A

organização sindical brasileira , Revista LTr, 42:17, jan. 1978; e Sindicato — organização e
funcionamento. LTr, 44(9):1065, set. 1980. Edgard Carone, em A República nova (1930-1937).

2. ed. São Paulo-Rio de Janeiro: Difel, s. d., analisa a ação governamental de 1930, a política

de aproximação com o operário, os pronunciamentos de Lindolfo Collor, ministro nomeado


para o novo organismo, e a institucionalização da política de controle dos sindicatos.

107

sindicatos foram atribuídas funções assistenciais, o direito de constituição e

administração de caixas beneficentes, agências de colocação, cooperativas,

serviços hospitalares e escolas.

Para a organização de um sindicato, estipulou-se o número mínimo de

30 sócios, observada a regra dos 2/3, fiel ao nacionalismo da Revolução. Foi

permitida a criação de associações sindicais de grau superior. Três sindicatos

podiam formar uma federação e cinco federações tinham o direito de criar

uma confederação, regra até o ano 2000 existente em nossa legislação. Aos

dirigentes sindicais a lei garantiu estabilidade no emprego e inamovibilidade

para evitar a sua transferência para outra localidade de serviço. Criou-se

uma indenização correspondente ao valor de seis meses de salários para o

empregado despedido por causa da sua ação sindical.

Diz Joaquim Pimenta(2) sobre o Decreto de 1931: “Se bem que tivesse

sido uma lei de experiência, que o momento, ainda tumultuoso, reclamava,

se defeitos tinha, não eram estes de molde a justificar a crítica com que

foi veementemente alvejado; de uns, que o consideravam uma cópia da

lei fascista italiana, de outros, um modelo que se inspirava na ideologia

comunista. Nem uma coisa nem outra. Fora, ao contrário, elaborado tendo-

se em conta a situação das classes trabalhadoras no Brasil; os obstáculos

que se antepunham à sua organização e a uma política social que fosse a

expressão de interesses que teriam de ser ritmados por um regime legal que

resultasse de uma aproximação dessas classes com o Poder, mas, de modo


que essa aproximação se fizesse mediante um compromisso por parte do

Estado, de reconhecer no sindicato, mais do que uma simples sociedade civil,

um órgão necessário ao equilíbrio da ordem jurídica na economia nacional”.

Não há dúvida, debateram-se duas propostas de organização sindical:

uma, favorável ao sistema da Revolução de 1930, do sindicato sob controle

do Estado e sem luta de classes; outra, propondo a pluralidade sindical, o

sindicato livre e sem controle estatal. Foi vencedora a primeira, recolhida

pela CLT.

Coerente com a heteronomia do sistema, o Estado aprovou o Decreto

n. 21.761, de 1932, instituindo o direito de contratação coletiva do trabalho,

apesar da ampla regulamentação jurídica, contraditória com a ideia da

autoelaboração das normas e condições de trabalho pelos próprios

interlocutores sociais, que está na base da negociação coletiva. Não é difícil

concluir que não havia espaço maior para a negociação coletiva. Diversos

decretos, expedidos pelo Poder Público, disciplinaram as relações entre os

trabalhadores e os empregadores em diversas profissões.

(2) Sociologia jurídica do trabalho. Rio de Janeiro: Max Limonad, 1944. p. 199.

108

O Decreto de 1931 previu a criação de Conselhos Mistos e Permanentes

de Conciliação, para a composição dos conflitos coletivos. Volta-se, hoje,

após a criação da Justiça do Trabalho — e sem prejuízo das suas atribuições

—, à ideia de comissões de conciliação.

O Decreto n. 21.761, de 1932, deu o nome aos instrumentos coletivos

negociados de contrato coletivo de trabalho, depois modificado para


convenções coletivas de trabalho, reintroduzido, por lei, esse mesmo nome, ao

lado dos que o substituíram. Deu aos sindicatos legitimidade para negociar; e,

também, deu, diretamente, aos empregados e empregadores, ou a qualquer

outro agrupamento de trabalhadores ou patrões, a mesma legitimação, tese

que mais tarde viria a ser acolhida pela Itália e Espanha pós-corporativas,

como forma de superar um modelo de monopólio sindical. Os níveis de

negociação foram, também, mais amplos: o de categoria, de empresa ou

qualquer outro grupo não sindical de trabalhadores e empregadores. O

procedimento das negociações podia ser traçado pelos estatutos deliberados

em assembleia dos interessados, ideia que na atualidade é compatível com

o princípio constitucional de 1988, da não interferência ou intervenção do

Poder Público na organização sindical.

2. A INEFICÁCIA DA LEI PLURALISTA DE 1934

A Constituição de 1934, no art. 120, acolheu como princípio a pluralidade

sindical e a autonomia dos sindicatos. Adotou, assim, proposta formulada por

uma parcela do pensamento brasileiro, em especial do pensamento católico.

O sindicato passou a ser, teoricamente, concebido como pessoa jurídica de

direito privado, com liberdade de ação, de constituição e de administração.

Há objeções a essa interpretação. A exigência de que o sindicato deveria

reunir, no mínimo, 1/3 dos empregados da mesma profissão no mesmo local

fez que em cada localidade só pudesse existir um número limitado, e não

um número ilimitado de sindicatos, como seria num sistema genuinamente

pluralista.

Se a maioria dos países democráticos adota o pluralismo jurídico, como


explicar o seu fracasso no Brasil em 1934?

Geraldo Bezerra de Menezes(3) concluiu que o regime instituído

não foi nem de unidade nem de pluralidade sindical. Não foi respeitada a

plena autonomia sindical. Houve restrições à liberdade de administração

do sindicato, tanto assim que nas assembleias sindicais havia a presença

permanente de um delegado do então Ministério do Trabalho, Indústria e

(3) Política sindical brasileira. Rio de Janeiro: Eugênio Braga da Silva, s. d. p. 26.

109

Comércio. Não é possível, também, concluir que esse sistema de 1934

assegurasse a autonomia da organização sindical; foi elaborado um plano

de confederações, segundo o setor de atividade econômica correspondente,

especificando o número de confederações e suas respectivas áreas.

Esses fatores, somados à falta de condições da classe trabalhadora

para um sindicalismo totalmente liberto do Estado, fizeram da experiência de

1934 algo que não repercutiu.

Segundo a opinião de Oliveira Viana(4), a Constituição de 1934 criou

uma situação que qualifica de lamentável.

Para Segadas Vianna(5), suas consequências foram extraordinariamente

nocivas para o sindicalismo, com o enfraquecimento dos sindicatos e a

opressão dos trabalhadores, divididos pelas empresas ou pelos interesses

políticos.

Há, portanto, contestações ao sistema de 1934. Porém, não há dúvida de

que acenou com a perspectiva da liberdade sindical; em outros países seria

o valor fundante dos sistemas sindicais, princípio acolhido pela Organização


Internacional do Trabalho como diretriz maior inspiradora do modelo sindical

democrático.

Antecipando-se à Constituição, foi promulgado o Decreto n. 24.694, de

1934, dispondo sobre sindicatos profissionais. Previu a unicidade sindical,

compreendida como a proibição legal da criação, na mesma base territorial

e categoria, de mais de um sindicato. Permitiu a 1/3 dos empregados da

mesma profissão e na mesma localidade a fundação de uma entidade.

Foi aprovado dias antes da Constituição, adiantou-se a ela, antecipando

alguns dos seus princípios. Foi um decreto bastante detalhista e interferente.

Previu três níveis de organizações sindicais: os sindicatos, federações e

confederações. Autorizou os sindicatos com sede no mesmo Município a for-

mar uniões para coordenar os interesses gerais das profissões. Estipulou as

funções dos sindicatos. Fixou os requisitos exigidos para a criação dos sindi-

catos. Proibiu a sindicalização dos funcionários públicos. Exigiu dos sindicatos

a obrigatoriedade do pedido de reconhecimento. Enumerou certas exigências

a serem observadas na elaboração dos estatutos sindicais. Impôs algumas

condições essenciais para o funcionamento do sindicato e deliberações da as-

sembleia. Deu garantias aos empregados sindicalizados e fixou penalidades,

estas previstas para a hipótese de inobservância dos seus dispositivos, com

(4) Problema de direito sindical, cit., p. 8.

(5) Instituições de direito do trabalho em coautoria com Arnaldo Süssekind e Délio Maranhão.

8. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1981. v. 2, p. 960.

110

o que, pela dimensão dessa regulamentação legal, não é possível situá-la


entre os ordenamentos que favorecem a maior espontaneidade e a formação

natural do modelo sindical.

3. A CONSTRUÇÃO E A CONSOLIDAÇÃO

DO CORPORATIVISMO SINDICAL

O modelo sindicalista corporativista estatal começou, na verdade, com a

vitória da Aliança Liberal (1930), movimento político que levou Getúlio Vargas

ao poder. Em 1937, o Estado restabeleceu as diretrizes de 1931, liquidou o

modelo do pluralismo de 1934 e aumentou o dirigismo na ordem sindical. A

influência maior exercida sobre o nosso sistema foi a da Carta del Lavoro

(1927), da Itália.

O modelo da Carta Constitucional de 1937 instituiu a organização

corporativa da ordem econômica, à qual foi vinculada a organização sindical.

“A economia da produção” — dispunha o art. 140 — “será organizada em

corporações e estas, como entidades representativas das forças do trabalho

nacional, colocadas sob a existência e proteção do Estado, são órgãos e

exercem funções delegadas de poder público”.

Centralizou, no Conselho de Economia Nacional — órgão composto

de representantes dos ramos da produção nacional designados pelas

associações profissionais ou sindicatos reconhecidos em lei —, as funções

de promover a organização corporativa da economia nacional, bem como de

estabelecer normas reguladoras dos contratos coletivos de trabalho (art. 57).

Curiosamente, apesar de tudo isso, dispunha a mesma Carta de 1937

que “a associação profissional ou sindical é livre” e, ao mesmo tempo, que

“somente o sindicato regularmente reconhecido pelo Estado tem o direito


de representação legal dos que participarem da categoria de produção para

a qual foi constituído, e de defender-lhes os direitos perante o Estado e as

outras associações profissionais, estipular contratos coletivos de trabalho

obrigatórios para todos os seus associados, impor-lhes contribuições e

exercer em relação a eles funções delegadas de poder público” (art. 138).

Como se vê, a declaração de liberdade sindical não foi verdadeira — pelo

menos segundo a ideia que hoje se tem de liberdade sindical —, destituída

de conteúdo real. O princípio adotado foi o do sindicato único na mesma base

territorial, que não permite autonomia na criação de sindicatos. De outro lado,

conferiu aos sindicatos reconhecidos o poder de impor, compulsoriamente,

contribuições sindicais aos seus representados. As funções do sindicato

eram semipúblicas. Cabia-lhes o exercício de funções delegadas pelo Poder

Público. A mesma diretriz foi mantida pela Constituição de 1946, só afastada

pela Constituição de 1988.

111

Nesse sistema, sindicatos, federações e confederações eram como

degraus de uma escada que desembocaria na corporação. Com essa medida,

procurou o Estado ter em suas mãos o controle da economia nacional, para

melhor desenvolver os seus programas de política econômica e trabalhista.

Para esse fim julgou imprescindível evitar a luta de classes; daí a integração

das forças produtivas, os trabalhadores, empresários e profissionais liberais,

numa unidade monolítica e não em grupos fracionados e com possibilidades

estruturais conflitivas.

O maior argumento apresentado para a justificação do sindicato único foi,


como se vê em Oliveira Viana, em Problemas de direito sindical, a contradição

que haveria entre a representação do interesse coletivo da categoria e o

pluralismo sindical. Isto porque o interesse coletivo foi concebido como um só

todo indivisível e identificado como interesse da categoria. Foi um equívoco.

O interesse coletivo tem várias esferas e dimensões, confundindo-se, às

vezes, mas nem sempre, com o interesse de uma categoria, uma vez que

será também coletivo o interesse de grupos menores dentro da categoria, ou

maiores excedentes das dimensões desta.

Quanto às convenções coletivas de trabalho, a Constituição de 1937,

apesar de alguma imprecisão do texto, deu-lhe efeito geral, com aplicação

a toda a categoria. Não limitou a sua eficácia aos associados do sindicato

(art. 137). Nessa altura, o nosso sistema de negociação coletiva, embora

prejudicado pela extensa legislação que se avolumava desde 1930, ganhava

espaço, pequeno é verdade, fortemente centralizado no âmbito da categoria.

A legitimidade para negociar foi adstrita ao sindicato e recusada às entidades

sindicais de grau superior, salvo quanto a categorias inorganizadas em

sindicatos.

Depois da Carta de 1937, foi promulgado o Decreto-lei n. 1.402, de 5

de julho de 1939, que a complementou. Como o Estado queria reorganizar

a ordem sindical, fez uma distinção entre associações e sindicatos, permitiu

a pluralidade de associações, mas só considerou como sindicatos as

associações que obtivessem reconhecimento do Estado. Ao mesmo tempo,

esvaziou as principais atribuições das associações, dando aos sindicatos

prerrogativas para representar a categoria, celebrar convenções coletivas e


instaurar dissídios coletivos. Proibiu a greve, considerando-a recurso nocivo

à economia e prejudicial aos interesses da Nação.

Para maior consistência do seu modelo de organização sindical, o

Estado promulgou (Decreto-lei n. 1.402/39, art. 54) um quadro de atividades

e profissões — o enquadramento sindical — que funciona como um plano

central e oficial de agrupamento das categorias profissionais e econômicas

do País.

112

A intervenção do Estado no sindicato foi autorizada (Decreto-lei n.

1.402/39, art. 17), no caso de “dissídio ou circunstância que perturbe o

funcionamento do sindicato”, caso em que ao ministro, ao intervir nos

sindicatos, foram atribuídos poderes para, por intermédio do delegado do

trabalho, tomar medidas destinadas a normatizar o funcionamento da entidade

sindical com o poder de cassação da carta de reconhecimento do sindicato

(Decreto-lei n. 1.402/39, art. 45), se deixasse de observar exigências de lei,

ou se se recusasse a cumprir ato do Presidente da República ou normas

das autoridades corporativas atinentes às diretrizes da política econômica.

Também cuidou o Estado de fixar as regras sobre administração do sindicato,

seus órgãos, eleições sindicais, proibições de sindicalização e associações

de grau superior.

É possível concluir que esse conjunto de normas jurídicas atingiu o

epílogo de um processo de dirigismo estatal sobre a organização sindical,

não se afastando dessa diretriz a proibição da Constituição de 1937: a “greve

e o lockout são recursos antissociais, nocivos ao trabalho e ao capital e


incompatíveis com os superiores interesses da produção”.

Para dirimir os conflitos entre o capital e o trabalho e evitar a luta de

classes, foi criada a Justiça do Trabalho, com competência para decidir

dissídios oriundos das relações entre empregadores e empregados reguladas

na legislação social.

Os obstáculos legais à greve não se limitaram à Constituição de 1937.

As leis de segurança nacional também se ocuparam do tema desde 1935,

a criminalização da incitação à cessação coletiva do trabalho no setor

público e a tipificação de vários atos como crimes contra a segurança

nacional, relacionados com a greve nos serviços públicos ou nas atividades

essenciais(6).

(6) Oliveira Viana, em Problemas de direito sindical, nega o caráter fascista dessa legislação,

mas reconhece que “essa inclinação para o fascismo não seria, aliás, coisa muito difícil

de compreender. Quando a Constituição de 1937 foi publicada, o regime fascista estava

no esplendor do seu prestígio e do seu êxito. Os tratadistas italianos de Direito Sindical e

de Direito Corporativo nos eram todos conhecidos; suas obras entravam aqui em copiosa

abundância; rumas e rumas delas se acumulavam nas vitrinas dos livreiros. Havia mesmo

casas especializadas na matéria, como a Livraria Boffoni. Esta passou a ser a Meca de todos

os interessados nestes assuntos, novos e fascinantes. Os volumes de Barassi, Zanobini,

Costamagna, Cioffi, Palopoli, Chiarelli, Carnelutti e toda a luminosa plêiade de juristas do

corporativismo mussoliniano ali chegavam e para logo lhe desapareciam das estantes,

absorvidos pela sede de saber dos estudiosos da nova doutrina. Nas palestras dos técnicos e

especialistas improvisados, que se comprimiam em torno dos balcões, faiscantes de vistosas

lombadas, a língua italiana era quase tão falada quanto a portuguesa. Era esse o clima
espiritual dominante na época em que o Presidente da República ordenara fosse elaborada

uma nova lei que regulasse, no espírito do novo regime, a sindicalização profissional”.

113

4. O CONTINUÍSMO DA CLT E DA CONSTITUIÇÃO DE 1946

Como texto básico unificador das normas existentes, a publicação da

Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-lei n. 5.453, de

1º de maio de 1943, tem um significado que não pode ser desconhecido;

porém, vista como meio de aperfeiçoamento do sistema legal sobre relações

coletivas de trabalho, em nada contribuiu para mudar o que havia, não

passando de mera reunião de textos já existentes com algumas pinceladas

pouco ou em quase nada inovadoras.

Incorporou o Decreto-lei n. 1.402, de 1939, sobre organização sindical, o

Decreto-lei n. 2.381, de 1940, sobre enquadramento sindical, e o Decreto-lei

n. 2.377, de 1940, sobre contribuição sindical. Em nada alterou a negociação

coletiva. Não previu o acordo coletivo em nível de empresa, que só mais

tarde, em 1967, foi incluído na legislação.

A Constituição Federal de 1946 restabeleceu o direito de greve, negado

em 1937. Todavia, não modificou a organização sindical, nem mesmo a

concepção corporativista de sindicato.

A observação de Evaristo de Moraes Filho(7), de todo procedente, é a

seguinte: “E isso constitui um fato deveras curioso: a sobrevivência de uma

lei, promulgada para um regime corporativo fascistizante, em pleno quadro

democrático de uma nação”. Acrescenta o ilustre professor: “Embora em

muitos pontos siga a Constituição de 1946 os mesmos princípios adotados


pela de 1934, neste particular é menos precisa que a sua antecessora. Naquela

se garantia, desde logo, a mais completa autonomia sindical e se impunha a

pluralidade sindical. Tal coisa já não se dá com o mandamento constitucional

de 1946. Aqui se declara que é livre a associação profissional ou sindical, mas

deixa-se para a lei ordinária a quase-totalidade da regulamentação desse

assunto. Por isso mesmo é que puderam ser julgados como constitucionais

os cânones da sindicalização do Estado Novo”.

Registre-se a aprovação da primeira lei de greve (Decreto-lei n. 9.070,

de 1946) dias antes da vigência da Constituição de 1946, por tal motivo de

duvidosa constitucionalidade, diante da proibição da greve pela Carta de

1937, mas que os tribunais acabaram por aplicar. Foi minuciosa e detalhista,

regulando a greve de modo excessivo. O Decreto-lei n. 1.632 (1978) a

completou, dispondo sobre greve nas atividades essenciais, que era proibida

pela Constituição de 1967 (art. 162).

Resumindo:

— a repercussão do Estado Novo sobre o sindicalismo brasileiro

foi profunda e deixou raízes que o marcam até os nossos dias bem

(7) O problema do sindicato único no Brasil. São Paulo: Alfa-Ômega, 1952. p. 274.

114

explicadas com o pensamento de Oliveira Viana, para quem o Ministério

do Trabalho deveria ser o guarda-chuva a abrigar os sindicatos que

sozinhos não teriam condições de expandir-se, proposta, menos

que isso, pretexto para a coerência entre a organização sindical e a

ditadura de Getúlio Vargas;


— caracteriza-se a época pela acentuada intervenção do Estado na

vida sindical com a legislação precedente à CLT, pela qual o Estado

estabeleceu as bases da nossa organização sindical, a proibição de criar

mais de um sindicato em uma categoria, o quadro do enquadramento

sindical das categorias profissionais e econômicas desenhado pelo

Estado, a exigência de carta de reconhecimento sindical expedida pelo

Ministério do Trabalho, a proibição da sindicalização dos funcionários

públicos, a proibição da greve, o sistema com três níveis de entidades

sindicais — confederações, federações e sindicatos —, a proibição de

centrais sindicais, o imposto sindical, como se vê, tudo que de mais

importante se fez na vida sindical e por outorga do Governo e não por

conquista sindical;

— o período getulista, como se vê, que viria em 1943 a aprovar por

Decreto-lei a CLT, preocupou-se com os direitos individuais dos

trabalhadores e limitou a organização sindical para que não pudesse

escapar do controle do Estado e, assim, não atuasse contra o Estado;

— contraditória foi a Constituição de 1946 que restituiu a liberdade

política no País e atribuiu aos sindicatos funções delegadas pelo Poder

Público, de modo que o que trouxe em favor da liberdade sindical foi a

restituição do direito de greve que o Estado Novo suprimira;

— os Governos militares não tiveram muita coisa a fazer para o controle

dos sindicatos com a herança que receberam da lei intervencionista

do Estado Novo, apenas a mantiveram porque se prestava aos seus

propósitos em relação aos sindicatos e mais diretamente proibiram


movimentos dos trabalhadores considerados contrários à segurança

nacional;

— o continuísmo é a marca da CLT na parte sindical e atualmente (2008)

se atrita com preceitos instituídos em plano constitucional em 1988.

115

CAPÍTULO 12

A RUPTURA DA ORDEM LEGAL

NOS GOVERNOS MILITARES

1. O REAPARECIMENTO DAS CENTRAIS

No final dos governos militares surgiu um movimento, político e sindical,

de reação contra as intervenções e restrições à liberdade sindical impostas

pelo regime político vigente, relatado, com detalhes, por Betina Schürmann

em Sindicalismo e democracia (1998), período pela autora denominado a

emergência do novo sindicalismo no Brasil (1978-1989).

As Centrais surgiram acima do sistema confederativo, institucionalizando-

-se, de fato, uma estrutura espontânea na cúpula do movimento sindical.

As Centrais propuseram-se a promover a articulação das demais

entidades integrantes do quadro oficial, os sindicatos, as federações e as

confederações.

Nos centros de maior densidade trabalhista do País, como o Estado

de São Paulo e, mais precisamente, na região do Estado denominada ABC

— por reunir as cidades de Santo André, São Bernardo do Campo e São

Caetano do Sul —, altamente industrializadas, em especial com a indústria

automobilística, ergueu-se um movimento sindical espontâneo reivindicativo e


contestatório ao mesmo tempo em que cresceu o Partido dos Trabalhadores,

nova agremiação política, combinando-se a ação política com a ação sindical,

do que resultou uma nova atuação dos trabalhadores no relacionamento com

as empresas.

Foi uma natural contestação às intervenções nos sindicatos, ao

afastamento das diretorias de algumas entidades sindicais e da administração

do Ministério do Trabalho.

Os meios que o sindicalismo usou para romper com o sistema legal

foram os tradicionais: greves, manifestações, protestos, criação de novas

estruturas sindicais e de novas lideranças, iniciativas dos metalúrgicos do

ABC, a criação da CUT e da CGT — divisão provocada por divergências

sindicais internas.

2. AS MODIFICAÇÕES NO PLANO LEGAL

Pouquíssimas modificações de ordem legal ocorreram até a Constituição

de 1988, resumindo-se à Portaria n. 3.100/85 — que revogou a Portaria n.

116

3.337/78, que proibia centrais sindicais; à Resolução de 1985, pela qual

o Governo promoveu a reabilitação de sindicalistas punidos; e à Portaria

n. 3.117/85, sobre eleições sindicais. Uma nova visão sobre o movimento

sindical permitiu maior autonomia dos sindicatos.

O Poder Executivo enviou ao Congresso Nacional, sem obter aprovação,

o Projeto de Lei n. 164, de 22 de junho de 1987, dispondo sobre organização

sindical, negociação coletiva e greve, com a finalidade de revogar não só

o Título V da Consolidação das Leis do Trabalho, que disciplinava as duas


primeiras questões, como também a Lei n. 4.060, de 1964, segunda lei de

greve, elaborada em consonância com princípios considerados restritivos.

O projeto filiou-se às ideias básicas sobre liberdade sindical, em

muitos dos seus aspectos. Essa nova postura oficial foi decorrência do

processo de abertura política e redemocratização do País, iniciado com a

Nova República, com o fim dos governos militares. A democratização das

relações sindicais passou a ser parte do procedimento maior de renovação

policiado pelo Ministério do Trabalho, como era denominado, tendo como

titular o Ministro Almir Pazzianotto Pinto, antes advogado de sindicatos,

que incentivou a negociação coletiva como forma primeira de solução dos

conflitos trabalhistas.

Contrastando com a realidade, a lei manteve os traços corporativistas

e o Estado procurou afastar-se, propenso que estava a respeitar a liberdade

sindical e não intervir na vida das organizações sindicais. Nesse quadro, o

Governo tentou ratificar a Convenção n. 87 da Organização Internacional do

Trabalho e agilizar o processo de ratificação pelo Congresso Nacional, onde

uma das casas, a Câmara dos Deputados, já o aprovara há muito tempo,

restando, no entanto, o aval do Senado.

Parte do movimento sindical, todavia, se opôs à aprovação da Convenção

n. 87, por achar que poderia promover o fracionamento da unidade com as

facilidades que assegurava para a criação de sindicatos e argumentando

que a ratificação poderia incentivar a fundação de sindicatos ideológicos,

conseguindo impressionar os parlamentares, que, como aconteceu,

paralisaram o trâmite legislativo da ratificação. As Centrais surgiram acima do


sistema confederativo fixado pela legislação anterior, institucionalizando-se,

de fato, uma estrutura espontânea na cúpula do movimento sindical com as

centrais sem personalidade jurídica sindical, bastante atuantes, conseguindo

desempenho de realce na articulação das demais entidades integrantes do

quadro oficial, os sindicatos, as federações e as confederações.

Sintetizando:

— em 1988, já encerrado o período dos governos militares, o País, com

a aprovação em Assembleia Nacional Constituinte da nova Constituição,

117

iniciou um período no qual maiores foram as iniciativas de criação de

novos sindicatos e de dissociações de categorias anteriores que se

desdobraram em novos sindicatos;

— no plano legal, o sistema sofreu modificações porque a Constituição

avançou no sentido de assegurar maior liberdade sindical, manteve

o sistema confederativo, criou novas contribuições devidas pelos

membros da categoria aos sindicatos e deu continuidade à proibição

de mais de um sindicato da categoria na mesma base territorial e a CLT

não foi alterada, mantendo o sistema sindical corporativista.

118

CAPÍTULO 13

A CONSTITUIÇÃO DE 1988

1. A ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

Ao mesmo tempo desenvolveram-se os trabalhos da Assembleia

Nacional Constituinte destinados a elaborar a Constituição de 1988 e os


sindicatos conseguiram, de algum modo, neles influir, em especial na

manutenção de dois princípios: a unicidade sindical, ou seja, a proibição, por

lei, da existência de mais de um sindicato da mesma categoria na mesma

base territorial, e a contribuição sindical compulsória fixada por lei.

Importante avanço para a abertura sindical foi a Constituição Federal

de 1988. É um instrumento de efetivação do processo democrático e de

reordenamento jurídico da Nação. Reconheça-se, no entanto, que o sistema

de organização sindical é contraditório. Tenta combinar a liberdade sindical

com a unicidade sindical imposta por lei e a contribuição sindical oficial.

As disposições constitucionais que serviram de base para a nova estrutura

sindical respaldam, em alguns pontos, a livre organização e a ação sindical;

em outros, são restritivas. Porém, as suas limitações foram defendidas por

parte do movimento sindical, não foram impostas pelo Governo e surgiram

dos livres debates na Assembleia Nacional Constituinte; daí ser possível dizer

que expressam uma legalidade consentida, mas não desejável.

As declarações e tratados internacionais contribuíram, de modo

significativo, no sentido da afirmação da liberdade sindical, incorporando-se

no patrimônio cultural da humanidade. Essa é a importância maior do Tratado

de Versailles (1919), por meio do qual foi fundada a Organização Internacional

do Trabalho, e reconhecido “o direito de associação visando a alcançar

qualquer objetivo não contrário às leis, tanto para os patrões como para os

assalariados” (art. 427, item 2º); e da Declaração Universal dos Direitos do

Homem (1948), da Organização das Nações Unidas, que preceitua: “Todo

homem tem direito de organizar sindicatos e a neles ingressar para proteção


de seus interesses”; do Pacto dos Direitos Civis e Políticos e do Pacto dos

Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ambos aprovados pela Assembleia

Geral da ONU (1966), este último assegurando “o direito de toda pessoa

de fundar, com outras, sindicatos e de filiar-se ao sindicato da sua escolha,

sujeitando-se unicamente aos estatutos da organização interessada, com o

objetivo de promover e proteger seus interesses econômicos e sociais”.

119

2. OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

Os princípios declarados pela Constituição Federal de 1988 (art. 8º)

passam a ser enumerados.

Primeiro, o princípio da auto-organização limitada pela unicidade

sindical que permite a livre fundação de sindicatos independentemente de

prévia autorização do Estado, não sendo possível, no entanto, a criação de

mais de um sindicato da mesma categoria profissional ou econômica, na

mesma base territorial, sendo esta, no mínimo, municipal.

Segundo, o princípio confederativo, significando que as formas de

entidades sindicais são previstas em lei, dispondo-se, verticalmente, numa

estrutura piramidal em três níveis, sindicatos, federações e confederações,

não previstas, todavia, apesar de existentes, centrais sindicais, que são

entes sem personalidade jurídico-sindical.

Terceiro, o princípio da representatividade direcionada de modo que a lei

indica os grupos ou interesses representados e que são dois, as categorias

profissionais ou econômicas e as categorias diferenciadas, não sendo

previstos sindicatos por empresa ou outros organismos de representação


sindical.

Quarto, o princípio da liberdade sindical individual restrita, pelo qual

é livre a inscrição de alguém em um sindicato, mas no sindicato único da

categoria.

Quinto, a combinação estatal e não estatal das fontes de receitas para

a formação dos recursos das entidades sindicais provenientes de uma

contribuição sindical oficial, além de outras contribuições fixadas pelas

assembleias sindicais ou negociadas em convenções coletivas.

Sexto, o princípio da negociação coletiva para composição dos conflitos,

sem exclusão de outras vias pelas quais são ajustadas condições de trabalho

que normativamente se refletirão sobre toda a categoria, sobre sócios e não

sócios do sindicato.

Sétimo, o direito de greve, salvo abusivas, casos em que os sindicatos

e trabalhadores têm responsabilidade penal, civil e trabalhista.

Oitavo, a representação dos trabalhadores nas empresas a partir de

determinado número de empregados.

Nono, o princípio das imunidades sindicais.

O dirigente sindical tem imunidades. São garantias conferidas pela lei.

Destinam-se a evitar conduta antissindical da empresa e dificultar ou impedir

retaliações. São de três tipos: a estabilidade, a inamovibilidade e o direito de

exercício das funções na empresa.

120

A estabilidade é garantida a todo exercente de cargo eletivo de direção

ou representação sindical. Encontra fundamento na Constituição Federal


(art. 8º, VIII). A inamovibilidade e o direito de exercício das funções resultam

da CLT (art. 543).

Destaque-se como principal conquista na Constituição de 1988 o

princípio da não intervenção e não interferência do Estado na organização

sindical, que permitiu a ampliação do número de entidades sindicais,

provocou a extinção da Comissão de Enquadramento Sindical do Ministério

do Trabalho e Emprego e ensejou, em plano infraconstitucional, a criação do

Cadastro Nacional das Entidades Sindicais, reformulações expressivas em

relação ao que preexistia.

3. A REFORMA DO JUDICIÁRIO DE 2004 (EC n. 45)

E O DIREITO SINDICAL

As modificações introduzidas pela Emenda Constitucional n. 45, que

instituiu a reforma do Poder Judiciário no Brasil, atendem a um imperativo de

coerência do sistema como um todo, porque havia dispersão da competência

fracionada e agora unificada da Justiça do Trabalho, tanto para questões de

direito individual como de direito coletivo, quando antes muitas destas eram

confiadas ao Judiciário Comum.

A fragmentação trazia inconvenientes. São maiores as dificuldades

para as partes que desconhecem a complexa engrenagem judicial, difícil

até mesmo para o profissional que se inicia; com efeito, a centralização

jurisdicional traz maior facilidade para as partes e seus advogados, que

sabem desde logo o órgão perante o qual a sua lide será apreciada.

A matéria transferida para a Justiça do Trabalho é adequada à esfera

judicial desta, que já conhece melhor do que o Juiz Comum o direito coletivo do
trabalho e as questões de representatividade sindical, que eram apreciadas

apenas incidentalmente nos dissídios coletivos.

O ajuizamento dos dissídios coletivos depende de acordo comum, isto é,

perde a sua unilateralidade, tema controvertido que veio com a Constituição

de 1988.

Há sindicatos que não aceitam o impulso bilateral no dissídio coletivo

econômico. Há problemas para ambos os lados.

Os sindicatos ficaram sem um meio de solução judicial do conflito.

Há uma cultura de solução judicial de conflitos econômicos tradicional

em nosso país que não está à margem da tendência da coletivização das

ações judiciais.

121

Há Tribunais do Trabalho que flexibilizaram a exigência do impulso

bilateral com base no princípio da inafastabilidade da jurisdição.

As ações sobre exercício do direito de greve abrangem uma ampla

possibilidade de medidas no interesse do trabalhador, como a defesa

contra atos antissindicais, e, também, na defesa do empregador, como o

descumprimento do procedimento legal de greve ou dos abusos cometidos

no seu exercício.

O art. 114, II, da CF incluiu na competência da Justiça do Trabalho o

julgamento de atos ilícitos praticados em razão da greve e as ações que

envolvem o direito de greve.

Ao prever, sem especificar, ações que envolvam o exercício do direito de

greve, exige-se uma prévia verificação a respeito de aspectos relacionados


com o tema.

No sistema da Constituição Federal de 1988, a greve em atividades

essenciais ou não essenciais podia ser levada aos Tribunais do Trabalho e o

Tribunal, além de avaliar a legalidade ou ilegalidade da paralisação dos serviços,

decidia também, mediante sentença normativa, os pleitos que a acarretaram,

terminando assim o conflito coletivo com a obrigação de retorno ao serviço

pelos grevistas sob pena de justa causa para a rescisão contratual, além de

multas sobre o sindicato que prolongasse a greve após a decisão judicial.

As inovações foram diversas: a proibição do dissídio coletivo econômico

por impulso unilateral só admitido desde que ajuizado de comum acordo entre

as partes; a manutenção do dissídio coletivo jurídico; as ações judiciais sobre

exercício do direito de greve; a proibição constitucional de greve abusiva que

implica na autorização para a apuração da responsabilidade do sindicato ou

do trabalhador, responsabilidade essa trabalhista, civil e penal; e os meios

judiciais de garantir o grevista contra atos antissindicais.

A greve não se confunde com os pleitos nela reivindicados pelos

trabalhadores, da mesma forma que o meio não é o mesmo que o fim

visado para atingi-lo. Pode haver pleitos coletivos sem greve, resolvidos

sem as vias judiciais por negociação coletiva, como também pode haver

conflitos solucionados pelos meios processuais, com os dissídios coletivos

e sem greve. Esses mesmos pleitos podem ser resolvidos em Tribunais

acompanhados de greve.

Nos conflitos com greve e dissídio coletivo, o Tribunal, numa só

sentença normativa, julga a abusividade ou não da greve e julga os pleitos


controvertidos — rejeitados na negociação pelo empregador.

A proteção do exercício do direito de greve pressupõe amplo direito de

acesso ao Judiciário para questionar atos antissindicais.

122

A casuística dos atos antissindicais é ampla, envolvendo:

— a proteção dos representantes sindicais e de trabalhadores na

empresa, tendo em vista a sua atuação na greve e as garantias legais

respectivas;

— a tutela do trabalhador para ter garantias contra dispensas injustifi-

cadas durante a greve ou logo após o seu término;

— a defesa da liberdade de opinião do trabalhador;

— o direito de publicação e distribuição de material de interesse dos

trabalhadores;

— a defesa do direito de reunião em assembleia para deliberar sobre a

greve e o seu desenvolvimento;

— a punição da violação do dever de boa-fé, garantia recíproca a ambas

as partes;

— o direito de usar meios pacíficos tendentes a persuadir os trabalhadores

a aderirem à greve;

— a arrecadação de fundos; a anulação de medidas do empregador

destinadas a constranger o trabalhador a comparecer ao trabalho, com

o objetivo de frustrar ou dificultar o exercício do direito de greve ou de

permanecer confinado no interior do estabelecimento prestando serviços na

greve;
— o direito dos grevistas de impedir a contratação de substitutos, salvo

nos casos em que é permitida, ações que são admissíveis tanto na greve em

atividades essenciais como não essenciais.

Nos casos de greve e diante da impossibilidade de um entendimento

entre o empregador e o sindicato, aquele pode ingressar nos Tribunais do

Trabalho com dissídio coletivo de greve. Divergem os Tribunais quanto à

possibilidade de o dissídio jurídico de declaração da abusividade ou não da

greve ser acoplado ao dissídio coletivo econômico. É que para o dissídio

coletivo econômico a lei exige o comum acordo das partes.

Como o dissídio coletivo econômico só pode ser ajuizado havendo

comum acordo entre as partes, divergem as interpretações porque, para

alguns, também nos casos de dissídios coletivos de greve, o pleito econômico

está sujeito à mesma exigência da concordância da parte contrária com a sua

propositora e desse modo, se o sindicato dos trabalhadores não concordar

com o dissídio, não deverá ser julgado pelo Tribunal.

Não é o que pensamos.

Sem solucionar a divergência econômica, não será possível terminar

a greve e pacificar o conflito, razão pela qual preferimos sustentar que, nos

123

casos de greve, o dissídio coletivo econômico ajuizado pelo empregador

contra o sindicato não depende da vontade deste para ser julgado.

Enquanto para julgar dissídio coletivo a competência é originária dos

Tribunais, para julgar os demais atos da greve a competência é das Varas

do Trabalho. Estas podem decidir diversas questões, dentre as quais abusos


cometidos pelos grevistas ou atos de violência praticados pelo sindicato

contra a liberdade de trabalho daqueles que querem ingressar no serviço; a

defesa do patrimônio da empresa, quando estiver ameaçado de danificações;

a garantia de funcionamento de serviços mínimos e diversas questões

relacionadas com a greve. No dissídio coletivo, essas questões podem ser

decididas quando adquirirem dimensão coletiva. São cabíveis para o Juiz

da Vara medidas cautelares, por exemplo, urgência em liberar os portões da

fábrica fechados com correntes pelos grevistas para impedir o ingresso dos

outros trabalhadores; piquetes violentos; garantia da manutenção da posse

da empresa invadida por grevistas etc.

A Justiça do Trabalho é competente também para julgar disputas de

registro sindical.

Com o registro no Ministério do Trabalho e Emprego, o sindicato adquire

personalidade sindical e se legitima para representar a categoria.

As ações judiciais sobre registro sindical travam-se ou entre duas

entidades sindicais que o disputam ou entre uma entidade sindical e Ministro

do Trabalho ou Secretário de Relações de Trabalho, que nega ou concede

registro.

A Reforma Sindical não poderia ser implantada sem uma precedente

ou concomitante reforma da Constituição, da qual em diversos pontos se

afastava, o que contribuiu, ao lado de outros fatores, para o seu insucesso.

4. A SITUAÇÃO ATUAL (2008)

O modelo jurídico sindical brasileiro está se modificando.

As reformas são moderadas. Identificam-se os fatores que impediram a


reforma proposta pelo Fórum Nacional do Trabalho para modernizá-lo. Esta

é uma etapa de transição sem plena incorporação dos dogmas internacionais

da OIT.

A acentuada intervenção do Estado na vida sindical advinda da

legislação precedente à CLT, pela qual o Estado estabeleceu as bases

da nossa organização sindical, a proibição de criar mais de um sindicato

em uma categoria, o quadro do enquadramento sindical das categorias

profissionais e econômicas desenhado pelo Estado, a exigência de carta de

124

reconhecimento expedida pelo Ministério do Trabalho para que o sindicato

pudesse adquirir personalidade jurídica sindical, a proibição da sindicalização

dos funcionários públicos, a proibição da greve, o sistema com três níveis de

entidades sindicais — confederações, federações e sindicatos —, a proibição

de centrais sindicais, o imposto sindical, tudo passou, nas discussões do

Fórum, por uma revisão sem sucesso.

A compreensão do sistema de leis sindicais do nosso país desafia o

intérprete porque há uma contradição, se é que se poderia assim dizer, entre

a lei infraconstitucional inspirada nos princípios do intervencionismo e a lei

constitucional que se funda em uma ideia mais aberta de sindicalismo do

que a CLT, e uma tarefa importante não foi ainda feita: a harmonização da

CLT com a Constituição de 1988, o que gera um problema de clareza para o

entendimento do sistema.

Não se deve começar a entendê-lo pela CLT, porque diversos dos seus

dispositivos atritam-se com o princípio constitucional de 1988: a proibição da


intervenção ou da interferência do Poder Público na organização sindical de

tal amplitude que não avança o difícil trabalho de depuração dos dispositivos

não mais válidos da CLT.

A pluralidade sindical no Brasil levaria os entes sindicais a um sistema

que para eles seria de competição entre si e em prejuízo de todos os que

querem manter a situação atual sem perda dos espaços em que atuam e das

categorias de trabalhadores e empregadores que representam.

O argumento de que aumentaria o número de sindicatos é falso, porque

já temos cerca de 18.000 entidades sindicais.

A afirmação de que os sindicatos se enfraqueceriam também é

sofismática, porque o que mais se ouve falar — a meu ver sem total razão — é

que os sindicatos brasileiros não têm força. O que enfraqueceu os sindicatos

foi a reestruturação do processo produtivo mundial, o que também entre

nós aconteceu. A produção de bens foi substancialmente alterada, ficando

longe dos modelos anteriores do fordismo, do taylorismo e do toyotismo, da

fábrica que reunia num mesmo local todos os trabalhadores, o que permitia

a qualquer momento a convocação de uma assembleia sindical que, por

aclamação, aprovava nos portões da fábrica as propostas das lideranças

que com as mesmas conviviam.

O processo produtivo atual é marcado por outro sistema do qual fazem

parte:

— a automação, fruto da velocidade do avanço tecnológico com seus

diversos reflexos, não só com a robotização, que troca empregos por

máquinas, como, também, pela facilidade de comunicação em que uma


pessoa pode conectar-se imediatamente com pessoas de outros países, o

125

que influiu no processo produtivo — é possível num país fazer reservas de

bilhetes aéreos por call center instalado em outro país;

— a difusividade territorial do processo produtivo, que separou o que

estava unido na fábrica em diversas unidades, algumas instaladas em países

diferentes, com a fragmentação da força de trabalho e a dificultação das

assembleias de portão de fábrica, salvo em alguns casos residuais;

— e a terceirização, que, por mais que se pretenda combater, é um novo

sistema incorporado, estruturado e institucionalizado em escala mundial e

que também provocou a pulverização da categoria.

5. O SINDICATO POR INSTITUIÇÕES OU EMPRESAS

Como instituir no Brasil, o que é comum em muitos países, inclusive no

berço do liberalismo, os Estados Unidos, o sindicato por empresa?

E sem a liberdade de criar sindicatos em plano de empresa — e apesar

da proibição da nossa lei, já existem diversos, inclusive no serviço público,

há liberdade sindical?

Para a empresa, negociar um acordo coletivo com a Comissão Interna

— caso a lei dispusesse nesse sentido — pode até ser melhor do que fazê-lo

com o sindicato.

Os sindicatos querem a representação interna de empresa, mas sob

o seu controle, o que também é contrário à liberdade sindical, porque os

trabalhadores da empresa podem querer uma Comissão autônoma.

A lei não permite sindicatos por empresas. Mas no setor público já


existem diversos sindicatos por empresa ou instituições (p. ex., Sindicato

dos Servidores Públicos da USP).

Há enormes resistências em nosso país às Comissões Internas de

Trabalhadores nas empresas e as causas podem estar relacionadas com

uma experiência na indústria de automóvel no ABC e os conflitos violentos

que ocorreram insuflados pela Comissão, o que deixou uma imagem negativa

no empresariado.

As Comissões não têm personalidade jurídica, não são uma associação,

apenas representam os empregados de uma empresa e algumas foram

retaliadas pelos próprios sindicatos que nelas viam uma concorrente que na

verdade não eram.

Não há atrito entre as atribuições do Sindicato e as das Comissões

Internas de empresas porque aquele tem uma postura reivindicatória maior,

126

pode assinar convenções e acordos coletivos e ingressar com dissídios

coletivos na Justiça do Trabalho e estas não têm esses poderes, limitando-

-se a resolver com o empregador questões de rotina, planos de cargos e

salários e planos de participação nos lucros e resultados com a presença de

um representante do Sindicato.

Se às Comissões Internas for atribuída legitimidade para concluir

acordos coletivos diretos com a empresa, haveria razão para a resistência

empresarial? O que é mais simples para o empregador, negociar com o

sindicato ou com a Comissão Interna?

6. O FUTURO DAS CENTRAIS


A legalização das Centrais Sindicais no Brasil é um imperativo de

coerência. Não há sentido em um sistema confederativo — que supõe

como último degrau sindical as Confederações — não se permitir Centrais

Sindicais, sendo incompreensível um sistema com esse desenho porque, se

as Centrais não são legalizadas, por que motivo as Confederações o são?

Nos demais países, as Centrais tornaram-se parte integrante e

indispensável da sua história sindical.

Há entre nós, todavia, um excesso, a exagerada preocupação em

fortalecê-las sem medir convenientemente até que ponto o fortalecimento é

razoável e a partir de que limite tornar-se-á prejudicial às entidades sindicais

de base.

As Centrais devem ter funções que não impliquem a redução dos espaços

autônomos dos sindicatos, porque, se assim for, estes ficarão tolhidos na sua

liberdade de ação, tema da maior importância num país como o nosso, que

agora está voltando a sua atenção para o desenho jurídico das Centrais.

Como conciliar Centrais e Confederações é uma questão aberta, porque

é de toda clareza que, na medida em que o comando da ação sindical é

transferido para entidades acima das Confederações, estas veem reduzido o

seu papel e a sua função.

Melhor seria definir as fronteiras de atuação dos dois tipos de entes, as

Confederações como entes de uma categoria e as Centrais como entidades

supracategoriais.

Centrais que eram em número elevado estão perdendo o seu significado.

Outras, mesmo expressivas, estão se fundindo. Assim nasceu, por exemplo,


a UGT — União Geral dos Trabalhadores, fruto da fusão de três Centrais

Sindicais, reunindo principalmente comerciários.

127

As Federações têm um histórico de bons serviços prestados tanto no

setor patronal como no profissional e a sua influência no sindicalismo da sua

respectiva pirâmide tem sido sentida em toda a história sindical do nosso país.

7. DISSOCIAÇÃO DE SINDICATOS

Os sindicatos são os entes sindicais mais próximos dos trabalhadores

que têm maior possibilidade de prestar diretamente serviços eles, o que

nem sempre tem acontecido e, ao contrário, em alguns casos, há, até

mesmo, posições opostas entre as bases e as lideranças sindicais que não

compreenderam que a sua função é meramente executiva das deliberações

das assembleias de trabalhadores e não impositiva da vontade dos diretores

dos sindicatos aos trabalhadores que representam.

É sempre possível a dissociação de uma organização sindical em outra

(CLT, art. 561), por vontade dos trabalhadores, manifestada em assembleia,

sem interferência do Poder Público, mas existindo categorias profissionais

diferentes, essa diferença, ou não, é matéria que envolve interpretação de

provas que evidenciarão se a categoria é a mesma ou é diferente, questão

sutil e que tem suscitado inúmeras discussões judiciais; em cada caso

concreto o melhor a fazer é uma comparação minuciosa entre as duas

atividades para ver em que pontos coincidem ou se diferenciam, tomando

por base a atividade preponderante.

Um sindicato, no entanto, não pode invadir a base territorial e a categoria


de outro, mas o sistema legal permite desmembramento de uma categoria ec-

lética, que reúna diversas atividades econômicas, em uma categoria especí-

fica de uma dessas atividades, bem como valida a existência de um sindicato

de esfera geográfica ou base territorial menor quando há um maior, como no

caso do desmembramento de um sindicato nacional por um municipal para

que este venha a ser o representante no município e aquele continue com a

representação no restante do País, menos no município desmembrado.

A dissociação de sindicatos do direito brasileiro, de categorias e de bases

territoriais, funciona como uma alternativa para a pluralidade sindical e se for

reelaborado em alguns pontos talvez possa compatibilizar, o que até agora

não se conseguiu, a unicidade brasileira com a liberdade sindical preconizada

pela OIT, porque se houve ampla possibilidade de desdobramentos, e não só

de categorias ecléticas, o princípio da liberdade sindical poderia ser atendido.

As dissociações autorizadas pela lei (CLT, art. 571) referem-se a atividades

ou profissões concentradas não pelo critério da especificidade, mas da

similaridade ou conexidade. Quanto a esses desdobramentos é o que se faz

e que responde pelo alto número de sindicatos que existem no Brasil e assim

128

continuará sendo, porque cada vez mais é maior o número de entidades

sindicais que se desdobram em outras com suporte nesse princípio do nosso

sindicalismo.

O que deve ficar claro na lei no sentido de maior flexibilização do sistema é

que esse tipo de desdobramento deve ser deliberado em assembleia que reúna

apenas aqueles que pretendam separar-se e não em assembleia dos que que-
rem autonomia e dos demais da categoria preexistente.

Maior seria a liberdade sindical se a lei permitisse a dissociação não só

de categorias ecléticas, mas também de específica, contudo isso equivaleria

à pluralidade sindical que traria vantagens em termos de autonomia, mas

dificuldades como a da definição na categoria do sindicato mais representativo,

daí o empecilho que o dificulta ou impede.

Se perguntarmos aos sindicatos se gozam de liberdade sindical,

certamente afirmarão que sim, mas se voltarmos a atenção para a nossa

Constituição, nela encontraremos a proibição de mais de um sindicato da

mesma categoria na mesma base territorial, o que é a negação do mesmo

princípio da liberdade sindical.

A unicidade sindical entre nós é consentida e desejada pelos sindicatos,

o que até hoje impediu durante tantos anos a reforma sindical, imposta por

lei; entretanto, há outro modo de consegui-la: a união não obrigatória pelo

sistema legal, mas pela união espontânea decorrente da ação dos próprios

sindicatos, como na Alemanha.

A OIT consagrou o princípio da liberdade sindical para proteger os

sindicatos da interferência política do Estado; porém, no Brasil não é o que

acontece, pois essa interferência não existe, o Governo é sindicalista, e o

princípio da liberdade sindical é uma arma perigosa de pulverização dos

sindicatos, segundo o que pensam. E a liberdade sindical, como princípio

perdeu significado, porque parece ser vista pelos próprios interessados como

uma ameaça que passariam a sofrer perante outras entidades sindicais.

8. CATEGORIAS DO QUADRO E EXTRAQUADRO


Depois de 1988, uma nova situação surgiu.

Há dois tipos de categorias tanto no lado patronal como no dos

trabalhadores, as categorias do quadro sindical e as categorias do extraquadro

sindical, que foram as fundadas depois de 1988, quando a Comissão de

Enquadramento Sindical do Ministério do Trabalho e Emprego cessou as

suas atividades.

129

Estas surgiram espontaneamente.

Registram-se, observadas algumas formalidades e respeitada a unici-

dade sindical, no Cadastro Nacional de Entidades Sindicais.

Assim, é possível dizer que em nosso sistema existem categorias a priori,

que são as criadas no sistema preexistente pelo Estado, e as categorias a

posteriori, que são as criadas pelos entes sindicais novos que não tinham

carta sindical e que não dependeram do enquadramento sindical oficial.

Essa é a maior modificação que vem ocorrendo na organização sindical

brasileira. É uma passagem de um modelo para outro, de modo empírico e

fora do enquadramento sindical anterior, mesmo porque são entidades que

representam atividades e profissões em muitos casos novas, não cogitadas

quando da elaboração desse quadro.

Em teoria, só é possível dizer que o princípio da organização sindical

brasileira é o da unicidade obrigatória consentida pelos seus destinatários e

categorias a priori e a posteriori.

Os sistemas sindicais de tipo institucional, assim considerados aqueles

nos quais a interferência da lei é mínima, exatamente para que os próprios


interessados possam construir as suas normas de organização e de ação,

sempre dependerão de uma lei.

A Convenção n. 87 da OIT é uma norma jurídica.

Se num país o sistema sindical é legalmente desregulamentado, mas

ratificou a Convenção n. 87 da OIT, o sistema será desregulamentado e

institucionalizado numa perspectiva interna, todavia regido por uma norma,

portanto, normatizado, que é a referida Convenção Internacional.

Os modelos institucionais geram a existência de sindicatos de fato que

não podem deixar de ser admitidos, bastando o reconhecimento patronal

informal deles para a eficácia da sua atuação. Nesse caso, reconhecer é

negociar com o Sindicato.

E a fundação de Centrais, as categorias extraquadro de enquadramento

sindical, os sindicatos por instituição ou empresa e os acordos coletivos

nacionais são fenômenos institucionais que estão ocorrendo em nosso

sindicalismo.

Concluindo:

— a Constituição de 1988 introduziu princípios de direito coletivo, sendo

o principal deles a não intervenção ou interferência do Poder Público

na organização sindical, mas que se contradiz com a proibição de mais

de um sindicato da categoria na mesma base territorial, com o que não

130

pode ser enquadrada entre as Constituições de plena liberdade sindical,

e sim de relativa liberdade sindical;

— as ideias que presidiram a Constituição de 1988 são diferentes das


que motivaram a CLT, daí ser clara a impossibilidade de conviverem os

princípios de direito coletivo desta com os daquela;

— saber o que foi e não foi recepcionado da CLT pela Constituição de

1988 é uma tarefa que não deve ser adiada, porque os Sindicatos a

desestimularam, temerosos de uma redução de direitos a pretexto de

uma atualização das leis;

— a EC n. 45/2004 ampliou a competência da Justiça do Trabalho para

questões de direito coletivo antes não julgadas por ela e a unificação da

competência segue a tendência correta da uniformização das ações de

determinada matéria;

— há transformações espontâneas em nosso sindicalismo, como a

criação de Centrais, os acordos coletivos nacionais, as categorias

extraquadro oficial de enquadramento sindical do Ministério do Trabalho

e Emprego e os sindicatos por empresas ou instituições, embora não

previstos em lei, mas existentes principalmente no setor público.

131

CAPÍTULO 14

A ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL

DO TRABALHO

1. A DEFESA DO DIREITO DE FUNDAR SINDICATOS

Mostraremos, em linhas gerais, os princípios do sindicalismo

democrático, com o escopo de dar elementos para que cada um possa

avaliar, sob essa perspectiva, o sistema legal brasileiro, nele identificando

os pontos que exigem urgente modificação. Justifica-se, plenamente, a


importância da Convenção n. 87, de 1948, da Organização Internacional do

Trabalho, aprovada em 1948, em vigor desde 4 de julho de 1950, a mais

importante para a afirmação do princípio da liberdade sindical e da autonomia

do sindicato perante o Estado.

Destaque-se a atuação da Organização Internacional do Trabalho —

OIT na defesa da liberdade sindical e na condenação à interferência dos

Estados nos sindicatos. Intensa e profícua é a sua atuação, pedagógica e

normativa, destinada a produzir e defender princípios internacionais, muitos

dos quais adquiriram maior importância mundial e grande repercussão em

diversos países.

É possível, mesmo, dizer que a OIT dá relevo especial ao tema

liberdade sindical, nele centralizados os seus maiores esforços, no sentido da

contínua divulgação dos seus princípios, verdadeiros padrões internacionais,

inspiradores do desenvolvimento do sindicalismo democrático.

E o faz, principalmente, aprovando Convenções e Recomendações.

Distinguem-se os dois tipos de instrumentos jurídicos pela aprovação na sua

assembleia de votação e os seus efeitos. As Convenções exigem um quorum

de aprovação maior do que as Recomendações. Criam obrigações para os

Estados que as ratificam. As Recomendações são meramente programáticas,

não dotadas de imperatividade. Desse modo, as Convenções são tratados

multilaterais e podem diretamente incorporar-se ao direito interno de cada

país. Basta que sejam ratificadas pelo país aderente. As Recomendações

não são ratificáveis. Valem como mera orientação que cada governo adotará

ou não mediante instrumentos internos do seu ordenamento jurídico.


A Convenção caracteriza-se — de acordo com a mais autorizada

doutrina — como ato-regra e como ato-condição; ato-regra, no momento em

que exsurge da aprovação pela assembleia da OIT, estabelecendo a sua

vigência positiva depois das ratificações; ato-condição, quando do ato de

cada país, a ratificação pela qual adere à Convenção.

132

Assim, a ratificação, é bom mostrar, é figura de dupla configuração.

Há países, como o Brasil, nos quais o ordenamento jurídico exige um

pronunciamento interno de confirmação da Convenção aprovada pela

assembleia da OIT, em nosso caso, a tramitação no Poder Legislativo e

no Poder Executivo, denominando-se ratificação essa aprovação dos dois

Poderes, condição para que a Convenção venha a ser incorporada ao

ordenamento jurídico. No Brasil, com a ratificação, a Convenção terá valor

equivalente ao de lei federal. Em outros países, a ratificação não é necessária.

Mas ratificação quer dizer, também, a comunicação formal de cada país à

OIT de que resolveu aderir à Convenção, inserindo-a em seu ordenamento

jurídico, no qual passou a ter força obrigatória.

A Convenção n. 87 foi ratificada por mais de 120 países, dentre os

quais Argentina (1960), Bolívia (1965), Colômbia (1976), Costa Rica (1960),

Cuba (1952), República Dominicana (1956), Equador (1967), Guatemala

(1952), Honduras (1956), México (1950), Nicarágua (1967), Panamá (1958),

Paraguai (1962), Peru (1960), Portugal (1977), Uruguai (1954) e Venezuela

(1982), o que mostra a sua importância.

Foi precedida pela Convenção n. 84 (1947), sobre direito de associação


nos territórios não metropolitanos, e os seus principais princípios foram

declarados também no Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais

e Culturais, aprovado pela Organização das Nações Unidas, de 1966,

ratificado pelo Brasil em 24 de janeiro de 1992, por meio do Decreto de

Promulgação n. 591, de 1992.

Sua principal finalidade é fixar parâmetros para pautar as relações entre

o Estado e os sindicatos, numa perspectiva de liberdade de união dos tra-

balhadores para organizar a profissão ou classe, de autonomia interna dos

sindicatos para a sua gestão, e de respeito ao direito individual de filiação e

desfiliação sindical.

Cria, portanto, um anteparo protetor dos sindicatos de trabalhadores

contra a interferência estatal, durante algum tempo, e nos regimes políticos

não democráticos, nada favoráveis à liberdade sindical. E, não obstante essa

preocupação que a inspirou, aplica-se também às organizações patronais, nos

países em que essas instituições têm natureza sindical; daí, expressamente,

referir-se às organizações sindicais de trabalhadores e empregadores, sem

distinção de qualquer espécie.

2. A CONVENÇÃO N. 87, SOBRE LIBERDADE SINDICAL

Numa apreciação resumida sobre os pontos de maior relevância da

Convenção n. 87 da Organização Internacional do Trabalho, ressaltam-se

133

quatro garantias sindicais universais que proclama: as de fundar sindicatos;

administrar sindicatos; garantir a atuação dos sindicatos; e a de assegurar o

direito de se filiar ou não a um sindicato.


A primeira prevê o direito de constituir, sem necessidade de prévia auto-

rização do Estado, entidades sindicais, julgadas convenientes pelos próprios

interessados, trabalhadores ou empresários, bem como o direito, comple-

mentar, de filiação, positivo ou negativo, nessas associações, entendendo-se

como direito positivo o de ingressar, e negativo, o de sair da entidade li-

vremente; assim, defende a autonomia da organização sindical perante o

Estado, e a livre escolha, individual, de cada pessoa, do sindicato em que

pretender inscrever-se como sócio ou do qual quer deixar de ser sócio.

A segunda faculta aos sindicatos o direito de redigir os próprios

estatutos e regulamentos administrativos, de eleger os seus respectivos

representantes, forma de liberdade de gestão, de definição do programa

de ação, e das funções que serão exercidas pelo sindicato, tudo de acordo

com a vontade dos próprios interlocutores sociais; é uma garantia para que

o exercício da autonomia administrativa das associações sindicais possa

desenvolver-se sem intervenção do Estado, de modo democrático, segundo

os objetivos que os sindicatos pretendam alcançar.

A terceira é uma garantia contra a extinção ou a suspensão das

entidades sindicais pelo Estado, por via administrativa; tem por finalidade

impedir o controle arbitrário da autoridade pública na vida sindical.

A quarta assegura o direito das associações sindicais de criar federações,

de filiar-se às organizações internacionais, preservação, portanto, do

relacionamento internacional entre as organizações sindicais internas de

cada país com os organismos sindicais internacionais.

O Brasil, até o início do ano 2000, não ratificou a Convenção n. 87 da


OIT. As suas leis com ela atritam. A Constituição de 1988 proíbe mais de um

sindicato da mesma categoria na mesma base territorial. Com isso, impõe

um modelo sindical obrigatório, enquanto a Convenção n. 87 defende um

modelo sindical espontâneo. Nossa Constituição, seguindo tradição que vem

desde o Estado Novo, autoriza a cobrança compulsória, pelos sindicatos, da

contribuição sindical de todos os trabalhadores, sócios ou não do sindicato.

A Convenção n. 87 assegura a liberdade individual de ingressar ou não num

sindicato. Cobrar, compulsoriamente, uma contribuição de quem não é sócio

não é compatível com essa garantia da Convenção n. 87.

No Governo Eurico Gaspar Dutra, o Poder Executivo encaminhou

ao Congresso Nacional projeto de ratificação da Convenção n. 87 da OIT.

A Câmara dos Deputados o aprovou. O Senado Federal, não. Outras

iniciativas no mesmo sentido foram dificultadas, inclusive por parcelas do

134

próprio movimento sindical, contrárias à extinção da contribuição sindical

e favoráveis à preservação do princípio do sindicato único; supõem que,

sem essa garantia legal, haveria o fracionamento do movimento sindical

brasileiro; não percebem, no entanto, que, apesar dessa proibição, o sistema

sindical brasileiro está bastante dividido. Existem diversas centrais sindicais

(em 2000, cinco) e milhares de sindicatos (no mesmo ano, cerca de 16.500).

Logo, o sistema legal não evita a divisão do sindicalismo. Há mais unidade

sindical em países de pluralidade sindical do que no Brasil, com o sistema da

unicidade sindical. Naqueles, os sindicatos se unem, livremente. Em nosso

país, a mesma lei que os une os condena a viver separados.


3. OUTRAS CONVENÇÕES E RECOMENDAÇÕES

A OIT aprovou outras normas sobre direito sindical e negociação co-

letiva, dentre as quais: a Convenção n. 98, de 1949, dispondo sobre direi-

to de sindicalização, de negociação coletiva e de proteção do trabalhador

contra todo ato de discriminação restritivo da liberdade sindical em relação

ao seu emprego, ratificada pelo Brasil em 1952; a Convenção n. 135, de

1971, sobre proteção dos representantes dos trabalhadores nas empresas

contra atos contrários ao exercício da sua representação, filiação sindi-

cal ou participação em atividades sindicais; a Convenção n. 141, de 1975,

ratificada pelo Brasil, sobre direito de sindicalização rural; a Convenção

n. 144, de 1976, também ratificada pelo Brasil, sobre procedimentos de

consultas às organizações sindicais mais representativas; a Convenção n.

154, de 1981, igualmente ratificada pelo Brasil, que altera a Convenção n. 98,

de 1949, sobre valorização da negociação coletiva; e a Convenção n. 151, de

1981, sobre sindicalização no setor público.

As principais Recomendações são: n. 91, de 1951, sobre convenções

coletivas de trabalho; n. 92, de 1951, sobre conciliação e arbitragem de conflitos

coletivos; n. 113, sobre consulta e colaboração entre as autoridades públicas e

as organizações de empregadores e de trabalhadores nos ramos de atividade

econômica e no âmbito nacional; n. 143, sobre proteção aos representantes de

trabalhadores nas empresas; e n. 149, sobre sindicalismo rural.

Ressalte-se, também, que a Organização Internacional do Trabalho

incentiva a prática da negociação coletiva, considerando-a a melhor forma

de composição dos interesses nas relações de trabalho. As diretrizes dessa


entidade são consubstanciadas em diversos documentos que Arnaldo

Süssekind expõe e analisa(1).

(1) Os direitos sindicais nos tratados internacionais. In: PRADO, Ney (Coord.). Direito sindical

brasileiro. São Paulo: LTr, 1998. p. 76.

135

A Convenção n. 98 dispõe sobre medidas adequadas às condições de

cada país, para incentivar a fixação das normas e condições de trabalho

pelos contratos coletivos. A Convenção n. 154, que altera a anterior, declara

que a prática deve ser observada em todos os ramos de atividade econômica

e, respeitadas as leis de cada país, estendida ao setor público. A mesma

Convenção define negociação coletiva como procedimento destinado

à elaboração de contratos coletivos de trabalho, tendo por fim fixar as

condições de trabalho e emprego, e regular as relações entre empregadores

e trabalhadores ou entre as suas organizações representativas.

A Recomendação n. 163 declara que o direito de negociação deve ser

amplo, assegurado a todas as organizações, em qualquer nível, de empresa,

estabelecimento, ramo de indústria, região ou até nacional, coordenados

esses níveis entre si. Assinala a conveniência da troca de informações entre

as partes, para que ambas possam negociar conhecendo a situação da outra,

o que, também, vale para o Estado, porque dispõe de dados econômicos

e sociais globais do país. O mesmo documento sugere que conste das

convenções coletivas a previsão dos mecanismos que serão adotados pelas

partes para a solução das controvérsias que resultarem da sua aplicação,

como a mediação e a arbitragem privada.


4. O COMITÊ DE LIBERDADE SINDICAL

O Comitê de Liberdade Sindical da Organização Internacional do Tra-

balho, órgão que aprecia queixas de sindicatos sobre eventual violação da

liberdade sindical, considera o direito de negociar elemento essencial da li-

berdade sindical e sustenta que, na negociação, é imprescindível o compor-

tamento da boa-fé pelas partes negociantes, meio de inspiração da mútua

confiança, necessária para o êxito da negociação. Ressalta, também, que os

próprios interlocutores sociais devem ter a liberdade de definir o nível que se

deve dar à negociação, dentre os existentes na organização sindical.

Não há uniformidade de modelos jurídicos de negociação coletiva. Quanto

à amplitude das normas, há modelos legislados, nos quais a lei atropela as

convenções coletivas, colidindo com o seu conteúdo; e modelos negociados,

nos quais é maior o espaço ocupado pelos contratos coletivos de trabalho

no conjunto das normas jurídicas. Quanto à posição do Estado diante das

negociações coletivas, há modelos autônomos, nos quais há plena liberdade

contratual, inclusive para reajustes salariais, e modelos heterônomos, nos

quais convivem leis salariais, ou outras, e cláusulas de contratos coletivos.

No que se refere às relações entre os diferentes níveis de negociação, há

modelos de negociação articulada, como na Itália, inter-relacionando-se os

contratos coletivos das centrais sindicais e os acordos coletivos de categoria

136

e empresa, de modo que os primeiros estabelecem parâmetros máximos e

mínimos que devem ser observados por estes, espécie de negócio jurídico

coligado, iterativo, e há o modelo da negociação desvinculada, como no


Brasil, sendo independentes as convenções e os acordos coletivos.

Terminando:

— não há dúvida, a Organização Internacional do Trabalho deu um

passo importante para beneficiar os sindicatos com a adoção clara do

princípio da liberdade sindical consubstanciado na Convenção n. 87,

que o seu Plenário aprovou, mas não ratificada pelo Brasil;

— a não ratificação da Convenção n. 87 pelo Brasil tem um histórico

peculiar, porque um texto internacional importante, para evitar influência

do Estado sobre os sindicatos, como esse, deveria ser recusado pelo

Estado, mas não é o que acontece, porque os obstáculos criados para

dificultar a sua adoção por nosso país partem dos próprios sindicatos;

— parece, em princípio, difícil explicar o motivo pelo qual os sindicatos

rejeitam a Convenção n. 87 da OIT, que já estava incluída em pauta

para aprovação no Senado, da qual foi retirada por pressão sobre os

congressistas de algumas lideranças sindicais da época;

— reconheça-se que o Governo tem envidado esforços no sentido da sua

ratificação, todavia não encontra ressonância em alguns meios sindicais

influentes, tanto do sindicalismo patronal como no dos trabalhadores, e

a explicação, a nosso ver, está no conflito entre a pluralidade sindical

permitida pela OIT e a unicidade sindical que caracteriza o nosso

modelo;

— a pluralidade sindical levaria os entes sindicais a um sistema que

para eles seria de competição entre si e em prejuízo de todos os que

querem manter a situação atual sem perda dos espaços em que atuam
e das categorias de trabalhadores e empregadores que representam.

137

CAPÍTULO 15

O SINDICALISMO DO TIPO COMUNITÁRIO

1. A UNIÃO EUROPEIA

Nossa impressão é a de que a globalização, que tem inegáveis efeitos

sociais perversos, colocou o sindicalismo europeu diante do desafio de

se unir em níveis mais amplos e em esfera internacional. A criação das

comunidades internacionais, das quais a União Europeia é uma realidade e

o Mercosul uma esperança, veio trazer mudanças na organização e na ação

dos sindicatos, motivados pelas novas situações que tiveram de enfrentar,

e premidos por circunstâncias novas, em que se viram envolvidos, e que

os levou a uma necessidade: aderir e participar da internacionalização da

economia, e dela tirarem o melhor proveito em favor da classe trabalhadora.

A União Europeia procura desenvolver, por meio de diversas declarações

e atos, a ideia do diálogo social europeu como meio de impregnar, no processo

constitutivo da sua comunidade, de fins econômicos, a preocupação com

os aspectos sociais, tentativa de abrir espaços para a participação das

organizações sindicais e representativas dos trabalhadores e empresas em

nível comunitário e encontrar formas que permitam o desenvolvimento da

negociação coletiva em esfera transnacional.

É nesse sentido, também, o Ato Único Europeu, de 1987, que se propõe

a promover o desenvolvimento do diálogo entre as partes sociais em âmbito

europeu, de modo convencional (art. 118-B), e a valorização dos contratos


coletivos, como fonte de normatização comunitária.

Diretriz semelhante é a da Carta Comunitária de Direitos Sociais (1989).

Fixa regras de tutela dos trabalhadores, dentre as quais a liberdade de

associação sindical e a contratação coletiva.

O Tratado de Maastricht (1992) não se afasta dessa linha, a mesma do

Livro Verde — Política Social Europeia (1993), do Livro Branco (1994), sobre

compatibilização entre competitividade e progresso social, e do Tratado de

Amsterdam (1997).

As questões de organização sindical e greve são consideradas internas,

não comunitárias, insuscetíveis de normatização pela União Europeia,

restritas à competência nacional de cada país. Essa restrição é fruto das

imposições da Inglaterra; e, também, porque a regulamentação desses

temas, em dimensão comunitária, poderia produzir efeitos contrários aos

objetivos comunitários. Por esses motivos, o Acordo sobre Política Social, do

138

Tratado da União Europeia, excluiu da competência normativa comunitária

três temas: o direito de associação, o direito de greve e o locaute (art. 2º, 6).

O direito de negociação coletiva, contudo, foi reconhecido. A Carta

Comunitária dos Direitos Sociais Fundamentais, de Estrasburgo (1989),

com restrições do Reino Unido, e o Acordo sobre Política Social, anexo ao

Tratado de Maastrich, o reconhecem. Este último declara: ‘‘O diálogo social

entre partes sociais no nível comunitário pode conduzir, se estes entenderem

desejável, a relações contratuais, incluindo acordos” (art. 4º, 1).

Desenvolveu-se, assim, um sindicalismo comunitário europeu, da criação


de organizações, que existiam mesmo antes da União Europeia: a Organização

Regional da Confederação Internacional dos Sindicatos Livres — ORE-CISL,

de 1950, e, depois, a União das Indústrias da Comunidade Europeia — UNICE

(1958). Iniciado o processo integrativo da comunidade: a União das Indústrias

da Comunidade Europeia — UNICE (1958), o Centro Europeu das Empresas

Públicas — CEEP (1961), o Secretariado Sindical Europeu, do qual se origi-

nou a Confederação Europeia dos Sindicatos Livres da Comunidade — CESL

(1969), a Confederação Mundial do Trabalho (CMT), de 1974, derivada da

Confederação Internacional dos Sindicatos Cristãos — CISC, e a Confedera-

ção Europeia dos Sindicatos Independentes — CESI (1990).

Assinale-se que a negociação coletiva comunitária não só estabeleceu

enlaces jurídicos diretos entre as partes, como, também, serviu de fonte de

diretrizes, que acabaram sendo, em alguns casos, absorvidas pelas normas

da União Europeia. A Diretiva n. 96/34/CE (1996) recepcionou um acordo

coletivo comunitário sobre licenças por motivos familiares, e a Diretiva n.

97/81/CE (1997), um acordo coletivo sobre tempo parcial.

É digna de realce a criação de novas formas de representação dos

trabalhadores em empresas na União Europeia. É um meio de criar um canal

de diálogo entre os trabalhadores e suas empresas transnacionais, assim

consideradas as que se instalaram em mais de um país do território europeu

comunitário. O tema é regido pela Diretiva n. 94/45/CE. Obriga as empresas

com pelo menos 1.000 trabalhadores e que tenham pelo menos duas filiais

em dois Estados-membros da União Europeia, ocupando cada qual, no

mínimo, 150 trabalhadores.


2. O MERCOSUL E A DECLARAÇÃO

SOCIOLABORAL DO MERCOSUL (1998)

No Mercosul, tema examinado com profundidade por Cássio Mesquita

Barros Júnior, na tese Perspectivas do direito do trabalho no Mercosul(1), a

(1) BARROS JÚNIOR, Cássio Mesquita. Perspectivas do direito do trabalho no Mercosul. São

Paulo: EDUSP, 1993.

139

situação é bem diferente. O estágio atual de institucionalização do Mercosul

é inicial, muito distante do longo caminho percorrido pela União Europeia,

sem tempo suficiente, portanto, para os mesmos avanços.

Houve, no entanto, algum progresso. O Mercosul tem um Foro Consultivo

Econômico-Social (FCES), órgão de representação dos setores econômico

e social, previsto pelo Protocolo de Ouro Preto (1996), o que possibilitou a

criação de uma seção brasileira desse Foro, na qual há um canal de diálogo;

dela participam a CGT — Central Geral dos Trabalhadores, a CUT — Central

Única dos Trabalhadores, a FS — Força Sindical, a CNI — Confederação

Nacional da Indústria, a CNA — Confederação Nacional da Agricultura, a

CNC — Confederação Nacional do Comércio e a CNT — Confederação

Nacional do Transporte.

A Organização Regional Interamericana dos Trabalhadores — ORIT (1986)

criou a Coordenadoria de Centrais Sindicais do Cone Sul — CCSCS (1986), o

que permite o desenvolvimento de um trabalho destinado a estabelecer certa

sintonia entre as organizações sindicais de cúpula na esfera sul do nosso con-

tinente, para a coordenação das atividades sindicais em escala regional sul-


-americana.

O lado patronal criou a ADEBIM — Associação de Empresas Brasileiras

para a Integração do Mercosul.

Para a participação dos sindicatos no diálogo social do Mercosul, foram

fundadas comissões tripartites de estudo de diversos temas de relações

de trabalho. Receberam o nome de subgrupos. A Resolução n. 11/91 do

Grupo Mercado Comum instituiu o Subgrupo de Trabalho n. 11-SGT 11 para

assuntos trabalhistas, denominação modificada pela Resolução n. 11/92

para Relações de Trabalho, Emprego e Seguridade Social. Foi reformulado

para Subgrupo 10 (1995) pela Resolução n. 20/95.

Sofreu nova alteração pela Resolução n. 38/95 do Grupo Mercado

Comum — GMC. Foram instituídos grupos especiais ad hoc para os

temas: custos trabalhistas, normas sobre relações de trabalho, seguridade

social, higiene e segurança do trabalho, formação profissional, migrações

trabalhistas e inspeção do trabalho.

A Resolução n. 115/96 restabeleceu as comissões permanentes,

reduzindo-as a três, segundo os temas da competência de cada uma: 1)

relações trabalhistas; 2) emprego, migrações, qualificação profissional

e formação profissional; 3) saúde, segurança, inspeção do trabalho e

seguridade social.

A mesma Resolução aprovou pauta de negociação do Subgrupo 10,

incluindo o projeto de Carta dos Direitos Fundamentais do Mercosul, a

140

Declaração Sociolaboral do Mercosul, assinada pelos Chefes de Estado da


Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. Dedica ao direito sindical seis artigos.

São os seguintes:

“Direitos Coletivos

Direito de associação

Art. 8. Todos os empregadores e trabalhadores têm o direito de constituir as organizações

que considerarem convenientes, assim como de afiliar-se a essas organizações, em

conformidade com as legislações nacionais vigentes.

Os Estados-Partes comprometem-se a assegurar, mediante dispositivos legais, o

direito à livre associação, abstendo-se de qualquer ingerência na criação e gestão das

organizações constituídas, além de reconhecer sua legitimidade na representação e na

defesa dos interesses de seus membros.

Liberdade sindical

Art. 9. Os Trabalhadores deverão gozar de adequada proteção contra todo ato de

discriminação tendende a menoscabar a liberdade sindical com relação a seu emprego.

Deverá garantir-se:

a) liberdade de filiação, de não filiação e desfiliação, sem que isto comprometa o

ingresso em um emprego ou sua continuidade no mesmo;

b) evitar demissões — ou prejuízos a um trabalhador por causa de sua filiação, acordos

e convenções coletivas de trabalho em vigor nos Estados-Partes.

Negociação coletiva

Art. 10. Os empregadores ou suas organizações e as organizações ou representações

de trabalhadores têm direito de negociar e celebrar convenções e acordos coletivos

para regular as condições de trabalho, em conformidade com as legislações e práticas

nacionais.
Greve

Art. 11. Todos os trabalhadores e as organizações sindicais têm garantido o exercício

do direito de greve, conforme as disposições nacionais vigentes. Os mecanismos de

prevenção ou solução de conflitos ou a regulação deste direito não poderão impedir seu

exercício ou desvirtuar a sua finalidade.

Promoção e desenvolvimento de procedimentos preventivos e de autocomposição de

conflitos

Art. 12. Os Estados-Partes comprometem-se a propiciar e desenvolver formas

preventivas e alternativas de autocomposição dos conflitos individuais e coletivos de

trabalho, fomentando a utilização de procedimentos independentes e imparciais de

solução de controvérsias.

Diálogo social

Art. 13. Os Estados-Partes comprometem-se a fomentar o diálogo social nos âmbitos

nacional e regional, instituindo mecanismos efetivos de consulta permanente entre

representantes dos governos, dos empregadores e dos trabalhadores, a fim de

garantir, mediante o consenso social, condições favoráveis ao crescimento econômico

sustentável e com justiça social da região e a melhoria das condições de vida de seus

povos.”

141

A Declaração tem por finalidade mostrar preocupação com a dimensão

social, e não meramente econômica, que deve ser dada ao Mercosul,

condição fundamental para acelerar os processos de desenvolvimento

econômico com justiça social.

Tem efeitos programáticos. Vale dizer que não tem validade jurídica no
sentido de incorporar-se aos ordenamentos jurídicos internos de cada país.

Porém, adquire a dimensão de um conjunto de princípios aos quais esses

ordenamentos devem adequar-se, numa perspectiva de harmonização do

direito do trabalho no Mercosul.

Quanto aos direitos coletivos, defende a liberdade de associação, assegu-

rando aos empregadores e trabalhadores o direito de constituir as organizações

que considerarem convenientes, assim como de afiliar-se a essas organiza-

ções, em conformidade com as legislações nacionais vigentes, ressalva esta

que permite compatibilizar o direito interno brasileiro com o princípio de liberda-

de sindical da Declaração.

O compromisso que o Brasil assumiu pela Declaração de assegurar,

mediante dispositivos legais, o direito à livre associação, abstendo-se

de qualquer ingerência na criação e gestão das organizações sindicais,

além de reconhecer sua legitimidade na representação e na defesa dos

interesses de seus membros, só em parte pode ser cumprido. Discutível é

a sua harmonização com o princípio constitucional que veda a criação de

mais de um sindicato, em qualquer nível, na mesma categoria econômica e

profissional.

A Declaração propõe a adequada proteção dos trabalhadores contra

todo ato de discriminação tendende a menoscabar a liberdade sindical

com relação a seu emprego. A lei brasileira atende a essa exigência, com a

estabilidade e a inamovibilidade do dirigente sindical.

É, pelo nosso direito, assegurada a liberdade de filiação, de não filiação

e desfiliação, sem que isso comprometa o ingresso em um emprego ou sua


continuidade nele. Quanto à defesa do trabalhador contra demissões ou

prejuízos por causa de sua filiação sindical, a lei brasileira não regulamentou,

até fins de 1999, o princípio constitucional da proteção contra dispensa

arbitrária, de modo que a defesa atual é reparatória, indenizatória, nos

mesmos padrões de todo empregado despedido sem justa causa.

Atendidas são as garantias da negociação coletiva e do direito de greve,

previstos em nosso país, que dispõem de um sistema de formas preventivas

e alternativas de autocomposição dos conflitos coletivos de trabalho, com

a utilização de procedimentos independentes e imparciais de solução

de controvérsias, como são os jurisdicionais, precedidos da tentativa da

negociação coletiva e da mediação do Ministério do Trabalho e Emprego e

Procuradoria da Justiça do Trabalho.

142

Por fim, a Declaração, a exemplo do Tratado de Maastrich — e

outros atos europeus —, conclama o capital e o trabalho ao diálogo social,

comprometendo-se os Estados-Partes a incentivá-lo, nos âmbitos nacional

e regional, instituindo mecanismos efetivos de consulta permanente entre

representantes dos governos, dos empregadores e dos trabalhadores, a fim

de garantir, mediante o consenso social, condições favoráveis ao crescimento

econômico sustentável e com justiça social da região e a melhoria das

condições de vida de seus povos.

Concluindo:

— é grande a distância entre a União Europeia e o Mercosul: aquela,

uma instituição que legisla e aprova normas aplicáveis a todos os países


que a integram; este, mera união de fins econômicos;

— a Declaração Sociolaboral do Mercosul é um significativo passo no

sentido de sua evolução.

143

SEGUNDA PARTE

CONSTITUCIONALISMO,

PRINCÍPIOS E SISTEMAS

CAPÍTULO 16

CARACTERÍSTICAS DO

CONSTITUCIONALISMO SINDICAL

1. CONSTITUCIONALISMO DO TIPO SINTÉTICO

Mostraremos, nesta parte, que a liberdade sindical e a autonomia coletiva

dos particulares são dois princípios que as Constituições modernas incluem

entre as garantias fundamentais dos trabalhadores. Um dado que permite

razoável conhecimento dos modelos de relações coletivas de trabalho é

a Constituição de cada país, embora, desde logo, se reconheça que nem

sempre os países incluem na Carta Magna regras sobre essas relações.

Seria demasiado extensa uma enumeração dos diferentes aspectos que a

questão envolve, um dos quais é o critério de classificação dos sistemas

constitucionais.

Ganhou projeção jurídica fundamental a inclusão nas Constituições do

direito de organizar sindicatos como expressão da liberdade sindical, sendo

precedente a Constituição da Suíça, de 1874, emendada em 1896.

Na Europa, com repercussões em outros continentes, iniciou-se um


novo período, no qual ganharam destaque as Constituições de respaldo à

liberdade sindical e não mais de simples reconhecimento dessa liberdade,

como a Constituição do México de 1917, que já assegurava o direito sindical,

o contrato coletivo de trabalho e a greve.

Entende-se por respaldo constitucional sindical a declaração positiva

de ações concretas que devem ser respeitadas e dos atos que não são

permitidos no sentido do efetivo exercício dos direitos sindicais. É mais do

que simples reconhecimento da liberdade sindical.

Trata-se de uma construção jurídica garantidora da sua implementação

e da proscrição dos atos contrários a essa garantia, o que permite classificar

as Constituições, adotando o mesmo critério utilizado, em abstencionistas,

como as dos Estados Unidos da América (1787), Alemanha (1949), China

(1982) e a Constituição não escrita da Inglaterra; em sintéticas, quando

restritas ao reconhecimento do direito sindical, como as Constituições da

Suíça (1874), México (1917), Japão (1946), França (1958), Venezuela (1961)

e Uruguai (1966); e modernas de respaldo constitucional, como as da Itália

(1947), Espanha (1978) e Portugal (1976).

147

A Constituição da Suíça, de 1874, emendada em 1975 e 1985, dispõe

que compete à Confederação Helvética legislar sobre relações entre as

associações de empregados ou operários e as entidades patronais, bem

como sobre a força obrigatória das convenções ou acordos coletivos de

trabalho (art. 34).

A Constituição do Japão, de 1946, art. 28, declara: “O direito dos


trabalhadores de organizar-se, de celebrar acordos e agir coletivamente é

reconhecido”.

Na França, a Constituição de 1958 transfere ao Parlamento competência

para legislar sobre direito do trabalho, direito sindical e seguridade social

(art. 34).

A Constituição do Uruguai de 1967 dispõe (art. 57): “A lei promoverá

a organização de sindicatos gremiais, atribuindo-lhes franquias e ditando

normas para reconhecer-lhes personalidade jurídica”.

A Constituição da Argentina, de 1853, com as reformas de 1860, 1866,

1957 e 1994, incluiu entre os direitos fundamentais a liberdade de associação,

e o art. 14 bis declara: “Organização sindical livre e democrática reconhecida

pela simples inscrição em um registro especial”, e é regulamentada por

dispositivos da Lei n. 23.551. A Constituição do Paraguai de 1992 declara

(art. 96, § 1º): “Todos os trabalhadores públicos ou privados têm o direito de

organizar-se em sindicatos...”. Nos Países Andinos, a Constituição do Peru

de 1993 proclama (art. 28): “O Estado reconhece os direitos de sindicalização,

negociação coletiva e greve”. A constitucionalização do direito sindical

corresponde a uma natural tendência do direito do trabalho, notadamente no

Brasil, que é a correção dos seus rumos, até agora voltados para o direito

individual em detrimento do coletivo. Houve um desequilíbrio entre os dois

setores do direito do trabalho, em virtude, principalmente, das concepções

corporativistas, que em nada favoreceram o direito sindical.

Justifica-se a inclusão dos princípios da liberdade sindical, da autonomia

coletiva dos particulares, do direito de greve, nas Constituições. São garantias


de organização do sistema, e definidoras das relações entre a organização

sindical e o Estado. Portanto, a importância das Constituições que respaldam

esses valores ultrapassa os limites do direito do trabalho para alcançar a

própria essência do regime democrático dos quais fazem parte.

Devemos a um jurista uruguaio, Oscar Ermida Uriarte, a classificação

das Constituições, segundo o ângulo da liberdade sindical, em modelos

abstencionistas ou de autonomia coletiva pura, quando a lei se omite ou não

reprime a liberdade sindical, como as da Itália, Suécia, Inglaterra, República

Federal da Alemanha, Bélgica e Uruguai; em modelos intervencionistas

148

ou regulamentaristas, nos quais é ampla a legislação, como na França,

na Espanha, em Portugal, no Canadá e em toda a América Latina, exceto

Uruguai; e em modelos socialistas, como o da extinta União das Repúblicas

Socialistas Soviéticas, que reprimia a greve.

Efrén Córdova já propusera outra classificação com base no grau

de conflitividade, maior ou menor, em um país, e na centralização ou

descentralização da organização sindical.

Em alguns países, a Constituição não tem normas sobre direito sindical.

É o caso da Constituição dos Estados Unidos da América do Norte (1787),

da Alemanha (1949) e da Grã-Bretanha. Neles, no entanto, há jurisprudência

constitucional sobre direito sindical.

Nesses países, o sistema de relações coletivas de trabalho é desenvol-

vido, a economia tem um vigor conhecido, e a organização sindical surgiu

espontaneamente favorecida pela sua história política e econômica com


base em uma concepção predominantemente sociológica das relações cole-

tivas de trabalho e no convencimento da desnecessidade de dar relevância

constitucional a essas questões, fiéis à postura liberalista do Estado não inter-

vencionista e na preservação da liberdade econômica dos particulares.

O modelo omissivo permite a formação natural das organizações

sindicais, a autorregulamentação das relações coletivas de trabalho pelos

próprios interlocutores sociais e a greve como exercício de uma liberdade.

2. CONSTITUCIONALISMO DO TIPO AMPLO

A tendência atual é a inclusão dos direitos coletivos nas Constituições,

cujos precedentes mais expressivos são a Constituição do México (1917) e

a Constituição de Weimar (1919), na Alemanha.

A Constituição do México (1917) assegura (art. 123, XVI) o direito de

coligação para a defesa dos interesses, tanto de trabalhadores como de

empregadores, se deliberados pelos sindicatos, associações profissionais;

considera lícita a greve quando tiver por finalidade conseguir o equilíbrio entre

os diversos fatores de produção, harmonizando-se os interesses do trabalho

com os do capital; e declara que a greve será ilícita quando a maioria dos

grevistas praticar atos de violência contra pessoas ou propriedade.

Entre as Constituições de respaldo à liberdade sindical está a da

Itália (1948), sobre a qual convém, para melhor compreensão, verificar os

ordenamentos jurídicos sindicais constitucional e infraconstitucional em que

se situou.

149

O direito sindical italiano pós-corporativo inicia-se com a Lei n. 14, de


30 de janeiro de 1941, que assegura a liberdade sindical, seguida de outras

leis, dentre as quais o Código Civil (art. 36), que dispõe sobre associações

não reconhecidas.

A Constituição de 1948 declara (art. 39): “A organização sindical é livre.

Aos sindicatos não pode ser imposta outra obrigação senão o seu registro

junto a cartórios locais ou centrais, segundo as normas da lei”.

Acrescenta: “É condição para o registro que os estatutos dos sindicatos

contenham regras internas com bases democráticas”. “Os sindicatos registra-

dos têm personalidade jurídica. Em função dos seus filiados, podem estipular

contratos coletivos de trabalho com eficácia obrigatória para todos os traba-

lhadores pertencentes às categorias a que se refere o contrato.” “O direito de

greve é exercido no âmbito das leis que o regulamentam.”

Regulamentando-a, foi aprovada a Lei n. 300, de 27 de maio de 1970, que

dispõe sobre o direito de associação e atividade sindical (art. 14); a nulidade

dos atos discriminatórios à liberdade sindical (arts. 15 e 16); a proibição

do financiamento de sindicatos de trabalhadores pelos empregadores (art.

17); a reintegração de trabalhador no emprego do qual é despedido por

motivos sindicais (art. 18); a representação sindical na empresa (art. 19);

as assembleias sindicais (art. 20); o referendo (art. 21); a transferência

de dirigentes sindicais em empresas (art. 22); a permissão de retribuição

para dirigente sindical (art. 23); os casos em que essa retribuição é vedada

(art. 24); o local no estabelecimento para divulgações sindicais (art. 25); a

contribuição sindical e direito de proselitismo (art. 26); e o local da unidade

produtiva à disposição dos representantes sindicais (art. 34).


Dois acordos sindicais completaram as modificações, todas destinadas

a afastar o modelo corporativista da Carta del Lavoro de 1927: o acordo

interconfederal sobre representação sindical unitária nos estabelecimentos,

resultante do Protocolo entre Governo e representações sindicais em julho

de 1993, do qual participaram Confindustria, Intersind, CGIL e UIL, e que

definiu diretrizes sobre composição dos órgãos de representação, liberdade

sindical, eleições e outros temas correlatos; e o acordo interconfederal

para regulamentação da Diretiva n. 94/95/CE, de 22 de setembro de 1994,

subscrito pela CGIL, CISL, UIL, Confindustria e Assicredito, por meio do qual

foram recepcionadas, pelo direito interno, as regras da União Europeia sobre

direito de informação e de consulta dos trabalhadores na empresa e grupo de

empresas de dimensão comunitária e outras questões semelhantes.

A liberdade sindical respaldada pela Constituição permitiu, como mostra

Giuseppe Pera, em Compendio di diritto del lavoro (1992), o desenvolvimento

de um sindicalismo sem nenhuma interferência autoritária do Estado. Os

critérios de representatividade são definidos pelos próprios interessados,

150

tanto por sindicatos por profissão como por setores de indústria, e com total

liberdade de autoenquadramento da categoria; as organizações sindicais de

trabalhadores e de empregadores reciprocamente se reconhecem e entram

em acordo quanto à oportunidade para subscrever contratos coletivos, seus

níveis e alcance; e a greve é garantida como um direito.

Observa Mattia Persiani, em Diritto sindacale (1997), que a Constituição

representou o repúdio à concepção corporativa e às funções públicas dos


sindicatos, fatores inconciliáveis, que vão, com a liberdade, surgindo, assim,

como uma nova forma de interpretar o fenômeno sindical.

E Luisa Galantino, em Diritto sindacale (1992), sublinha que a Constituição

permitiu que cada sindicato definisse o âmbito no qual pretendesse operar,

incluindo a liberdade de constituir mais de uma entidade sindical na

mesma categoria merceológica ou num mesmo setor produtivo, não mais

configurando este último uma realidade ontológica limitativa da experiência

sindical. Sustenta, também, que o princípio da liberdade de organização

implica a possibilidade de constituir sindicatos também numa estrutura não

associativa na qual operam todas as representações de trabalhadores,

independentemente da sua filiação sindical, como as comissões internas de

representação sindical nas empresas, previstas no art. 19 do Estatuto dos

Trabalhadores (Lei n. 300).

A Espanha, depois do período de transição no qual o corporativismo foi

sendo abandonado, seguiu uma trajetória para a liberdade de organização

sindical com ratificação de diversas convenções da Organização

Internacional do Trabalho, inclusive as de números 87, de 1948, e 98, de

1975, que preconizam um sindicalismo democrático. Sancionou a Carta

Social Europeia, de 1961, pela qual os Estados signatários comprometem-se

a não restringir a liberdade sindical. Aprovou diversas leis para consolidar a

transição do regime sindical. Iniciou a prática dos pactos sociais com o Pacto

de Moncloa (1977), seguido por diversos outros. E incluiu na Constituição de

1978 os princípios da liberdade sindical (art. 28.1), da negociação coletiva

(arts. 37.1 e 37.2) e o direito de greve (art. 28.2), desenvolvidos pelo Estatuto
dos Trabalhadores (1980), bem como a Lei Orgânica de Liberdade Sindical

(1985).

A Constituição da Espanha (1978) respalda a liberdade sindical, o direito

de formar sindicatos, o de a eles filiar-se, de constituir confederações e o de

fundar organizações internacionais.

Declara (art. 7): “Os sindicatos de trabalhadores e as associações

empresariais contribuem para a defesa e promoção dos interesses

econômicos e sociais que lhes são próprios. Sua criação e o exercício da sua

atividade são livres dentro do respeito à Constituição e à lei. Sua estrutura

interna e funcionamento deverão ser democráticos”.

151

E o art. 28 dispõe: “Todos têm o direito a sindicalizar-se livremente. A

lei poderá estabelecer limites ou exceções ao exercício desse direito quanto

às forças ou institutos armados e quanto às demais corporações sujeitas

à disciplina militar e regulará as peculiaridades do seu exercício pelos

funcionários públicos. A liberdade sindical compreende o direito de formar

sindicatos e de filiar-se no sindicato da sua escolha, assim como o direito

dos sindicatos de formarem confederações e o de fundarem organizações

sindicais internacionais ou de nelas se filiarem. Ninguém poderá ser obrigado

a filiar-se a um sindicato”.

Outro dispositivo constitucional declara (art. 37): “1. A lei garantirá o

direito de negociação coletiva trabalhista entre os representantes dos

trabalhadores e empresários, assim como a força vinculante dos convênios.

2. É reconhecido o direito dos trabalhadores e empresários de adotar


medidas de conflito coletivo. A lei que regule o exercício desse direito, sem

prejuízo das limitações que possa estabelecer, incluirá garantias precisas

para assegurar o funcionamento dos serviços essenciais da comunidade”.

A Lei Orgânica de Liberdade Sindical (1985) regulamenta o princípio

constitucional da liberdade sindical, regulando a titularidade do direito, as

faculdades que o integram, a tutela da liberdade sindical e repressão às

condutas antissindicais, o regime jurídico sindical, a ação sindical, os critérios

definidores da maior representatividade sindical, as seções e os delegados

sindicais e a representação dos trabalhadores na empresa.

A Constituição de Portugal (1976), bastante abrangente, expõe uma

plataforma completa sobre dimensões da liberdade sindical e suas formas

de realização, compreensivas do sentido coletivo e individual. O seu objetivo

foi afastar as restrições que vinham do corporativismo, dotando o sistema de

características amplas, estimulantes da iniciativa dos sindicatos e capaz de

modernizar as relações coletivas em um clima de democracia e valorização

da espontaneidade.

Assim, a liberdade sindical é declarada como liberdade de criação de

associações sindicais, em todos os níveis: liberdade de inscrição, não podendo

nenhum trabalhador ser obrigado a pagar contribuições para sindicato em

que não esteja inscrito; liberdade de organização e regulamentação interna

das associações; direito de exercício de atividade sindical na empresa; e

direito de tendência, nas formas estabelecidas pelos respectivos estatutos

sindicais.

Dá relevo à democracia interna nos sindicatos, obrigando-os a eleições


periódicas, e por escrutínio secreto. Não impõe a unicidade sindical, mas a

admite ao declarar que “é reconhecida aos trabalhadores a liberdade sindical,

condição e garantia da construção da sua unidade para defesa dos seus

direitos e interesses” (art. 56). Assegura o direito de contratação coletiva e

152

garante o direito de greve, dispondo que “compete aos trabalhadores definir

o âmbito de interesses a defender através da greve, não podendo a lei limitar

esse âmbito” (art. 58). Proíbe, de outro lado, o locaute.

Sobre liberdade sindical, declara (art. 57): “(Liberdade sindical) 1. É

reconhecida aos trabalhadores a liberdade sindical, condição e garantia da

construção da sua unidade para defesa dos seus direitos e interesses. 2. No

exercício da liberdade sindical é garantido aos trabalhadores, sem qualquer

discriminação, designadamente: a) A liberdade de constituição de associações

sindicais a todos os níveis; b) A liberdade de inscrição, não podendo nenhum

trabalhador ser obrigado a pagar quotizações para sindicato em que não

esteja inscrito; c) A liberdade de organização e regulamentação interna das

associações sindicais”.

Assegura o direito de exercício de atividade sindical na empresa.

Dispõe, ainda, que as associações sindicais devem reger-se pelos

princípios da organização da gestão democrática, baseados na eleição

periódica e por escrutínio secreto dos órgãos dirigentes, sem sujeição a

qualquer autorização ou homologação, e assentes na participação ativa dos

trabalhadores em todos os aspectos da atividade sindical.

Considera as associações sindicais independentes do patronato, do


Estado, das confissões religiosas, dos partidos e outras associações políticas,

devendo a lei estabelecer as garantias adequadas dessa independência,

fundamento da unidade das classes trabalhadoras.

E, a fim de assegurar a unidade e o diálogo das diversas correntes sin-

dicais eventualmente existentes, garante aos trabalhadores o exercício do

direito de tendência dentro dos sindicatos, nos casos e nas formas em que

tal direito for estatutariamente estabelecido.

Autoriza as associações sindicais a estabelecer relações ou filiar-se em

organizações sindicais internacionais.

A mesma Constituição tem regras sobre convenções coletivas (art. 58)

e participação sindical nos seguintes termos:

“Direito das negociações sindicais e contratação coletiva

1. Compete às associações sindicais defender e promover a defesa dos direitos e

interesses dos trabalhadores que representem. 2. Constituem direitos das associações

sindicais: a) Participar na elaboração da legislação do trabalho; b) Participar na gestão

das instituições de segurança social e outras organizações que visem a satisfazer

os interesses das classes trabalhadoras; c) Participar no controle de execução dos

planos econômicos e sociais. 3. Compete às associações sindicais exercer o direito de

contratação coletiva. 4. A lei estabelece as regras respeitantes à competência para a

celebração das convenções coletivas de trabalho, bem como a eficácia das respectivas

normas.”

153

Da análise dessas Constituições, é possível dizer que as Constituições

sintéticas têm maior possibilidade de permanência no tempo, desde que se


atenham a declarar princípios fundamentais, como o princípio da liberdade

sindical, o reconhecimento dos convênios coletivos de trabalho, o direto de

greve e o de representação dos trabalhadores no local do serviço. A garantia

genérica de direitos básicos, sem referência a detalhes, evita a desatualização

da Constituição e permite as alterações que se fizerem necessárias na lei

ordinária, sem atrito com a Lei Maior.

Da mesma maneira que não é desejável uma Constituição exagerada-

mente resumida, não o é uma Constituição desmedidamente detalhista, que

perca o equilíbrio necessário, correto para os seus fins, dentre os quais dar

suporte aos principais direitos sindicais.

Em síntese:

— a experiência europeia de instituir uma comunidade que se tornou

uma unidade política, a União Europeia, e um direito supranacional cuja

observância é obrigatória para todos os países que a integram trouxe,

também, uma diversidade de declarações e tratados comunitários,

cujo fim foi demonstrar que a União não tinha objetivos meramente

econômicos, mas também sociais;

— por força dos tratados e declarações da União Europeia, ganhou

importância, dentre os princípios que instituiu, o do diálogo social, para

mostrar que o entendimento e a negociação apresentam-se como os

melhores meios de harmonizar a necessidades empresariais que se

ativam na economia de mercado, e os pleitos dos trabalhadores que

se apresentam nas unidades produtivas empresariais;

— embora o Mercosul não tenha conseguido até agora desenvolvimento


maior, teve avanços, conta com um Parlamento, um sistema de Arbitra-

gem Internacional e uma Declaração Sociolaboral (1998) programática

e alguns juristas entendem que a declaração tem eficácia normativa.

154

CAPÍTULO 17

AS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS

1. O INTERVENCIONISMO COMO PRINCÍPIO

Entendemos que a evolução do constitucionalismo sindical no Brasil

ainda não logrou alcançar os patamares compatíveis com os princípios que

lhe permitiriam incluir-se entre os sistemas modernos. Há uma tradição de

intervencionismo constitucional na organização sindical brasileira desde

1934, mitigado, mas não evitado, com a Constituição de 1988. Desde 1931,

a organização sindical brasileira sofreu o forte impacto do dirigismo estatal.

Esses aspectos já foram assinalados nos capítulos anteriores, nos quais

foi mostrado que a criação de sindicatos dependia do reconhecimento do

Ministério do Trabalho e Emprego e as categorias profissionais e econômicas

foram organizadas pelo Estado, com o enquadramento sindical.

As Constituições não evoluíram muito desde 1934. A de 1934, no art.

120, parágrafo único, dispunha: “A lei assegurará a pluralidade sindical e a

completa autonomia dos sindicatos”. Reconheceu a negociação coletiva.

A greve percorreu uma trajetória: omissão da Constituição de 1934,

proibição em 1937, autorização como direito em 1946, proibição nos serviços

públicos e atividades essenciais em 1967, e ampliação em 1988.

A Carta de 1937, do Estado Novo, inspirando-se na Carta del Lavoro


da Itália (1927), declarou: “A associação profissional ou sindical é livre.

Somente o sindicato regularmente reconhecido pelo Estado tem o direito

de representação legal dos que participarem da categoria de produção para

que foi constituído, e de defender-lhes os direitos perante o Estado e as

outras associações profissionais, estipular contratos coletivos de trabalho

obrigatórios para todos os seus associados, impor-lhes contribuições e exercer

em relação a eles funções delegadas de poder público” (art. 138). Dispôs,

também, que “a greve e o lockout são declarados recursos antissociais,

nocivos ao trabalho e ao capital e incompatíveis com os superiores interesses

da produção nacional” (art. 139).

A Constituição de 1946 contrabalançou o mérito de restabelecer o direito

de greve, com o defeito de manter as funções sindicais, como as delegadas

pelo poder público. Proclamou: “É livre a associação profissional ou sindical,

sendo reguladas por lei a forma de sua constituição, a sua representação legal

nas convenções coletivas de trabalho e o exercício de funções delegadas

pelo poder público” (art. 159). Reconheceu o direito de greve (art. 158, XXI),

salvo nos serviços públicos e atividades essenciais (art. 157, § 7º).

155

As Constituições permitiram a continuidade dos mecanismos de controle

sindical da CLT:

O controle de aprovação: exercitou-se pela exigência do reconhecimento

dos sindicatos, pelo Estado, condição de existência das entidades sindicais,

e da aprovação das eleições (CLT, arts. 532 e 515).

O controle de destituição (CLT, arts. 553 e 554): resultou do poder do


Ministro do Trabalho de determinar o afastamento preventivo de exercente

de cargo ou representação sindical, desde que existentes elementos,

constantes de denúncia formalizada, que constituíssem indício veemente ou

início de prova bastante do fato e da autoria denunciados, e que permitissem

a destituição da administração do sindicato pelo Ministro e a nomeação

de um Delegado para dirigi-lo e proceder, dentro do prazo de 90 dias, em

assembleia geral por ele convocada e presidida, à eleição dos novos diretores

e membros do Conselho Fiscal (CLT, art. 554).

O controle de intervenção (CLT, art. 528): previsto para a ocorrência

de “dissídio ou circunstâncias que perturbem o funcionamento de entidade

sindical ou motivos relevantes de segurança nacional”, casos em que o

Ministro podia intervir no sindicato, por intermédio de Delegado ou de Junta

interventora, com atribuições para administrá-lo, executar e propor medidas

necessárias para normalizar-lhe o funcionamento.

O controle de anulação (CLT, art. 542): poder do Ministério para apreciar

todo ato da Diretoria, do Conselho e da Assembleia do sindicato, quando

lesivo a terceiros e mediante recurso do interessado.

O controle orçamentário (CLT, arts. 550 e 552): a verificação pelo

Ministério dos orçamentos das entidades sindicais e sua aprovação.

Esses controles não são mais exercidos pelo Ministério do Trabalho

e Emprego desde a Constituição de 1988, em decorrência da proibição

constitucional da interferência do Poder Público na organização sindical.

Não houve alterações expressivas em 1967, o que só ocorreu com a

Constituição de 1988.
2. AVANÇOS, CONTINUÍSMO E CONCEITOS

INDETERMINADOS DA CONSTITUIÇÃO DE 1988

Cresceram os reclamos de uma reforma da legislação trabalhista.

Mesclaram-se manifestações político-sindicais. Cogitou-se uma reforma

da Constituição Federal em alguns aspectos. Desatualizou-se a legislação

brasileira, e nesse ponto há consenso entre os principais doutrinadores. Um

156

dos elaboradores da CLT, Arnaldo Süssekind(1), o reconhece ao dizer: “é

certo que a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) está desatualizada

e configura uma intervenção nas relações contratuais de trabalho, que em

1943 se justificava, mas que hoje deve ser atenuada. Não obstante sermos

o único sobrevivente da comissão que a elaborou, reconhecemos que, já

agora, o sistema legal trabalhista brasileiro deve constituir-se de normas mais

gerais, capazes de serem complementadas e terem sua aplicação flexibilizada

pelos instrumentos normativos da negociação coletiva. Mas a autonomia

privada coletiva não pode afastar a atividade legislativa do Estado visando a

estabelecer um mínimo de direitos imperativos e irrenunciáveis, aplicáveis a

todas as categorias de trabalhadores, em todas as regiões do País”.

Como afirma Floriano Vaz da Silva(2), “só uma profunda mudança de

mentalidade aliada a uma mudança na Constituição e na legislação poderiam

trazer a erradicação de sérios males e de sérias distorções existentes

no sindicalismo brasileiro, há décadas com progressivo e crescente

agravamento”.

A Constituição de 1988 manteve defeitos, advindos do corporativismo,


introduziu conceitos indeterminados e sobrepôs uma nova ordem legal à

CLT, nem sempre clara, permitindo divergências de interpretação.

Não há como situá-la no plano da liberdade sindical: veda mais de um

sindicato, da mesma categoria, na mesma base territorial. Seria um marco no

sentido da autonomia coletiva se não cometesse esse pecado. A autonomia

coletiva pressupõe o espaço de liberdade que a Constituição de 1988 não

permite totalmente.

Reconheça-se, no entanto, que trouxe avanços.

Declara que “é livre a associação profissional ou sindical”. Proclama que

é “vedada ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização

sindical”, impedindo, assim, a possibilidade de ingerência direta do Ministério

do Trabalho e Emprego sobre a gestão e os atos internos do sindicato, como

eleições e assembleias, antes sujeitas a impugnações julgadas pelo Ministro

do Trabalho, agora passíveis, apenas, de decisão judicial. Facilita a criação

de sindicatos ao dispor: “a lei não poderá exigir a autorização do Estado para

a fundação de sindicatos, ressalvado o registro no órgão competente”; em

outras palavras, faculta a auto-organização sindical. Assegura a estabilidade

do dirigente sindical ao declarar: “é vedada a dispensa do empregado

sindicalizado a partir do registro da sua candidatura a cargo de direção ou

representação sindical, e, se eleito, ainda que suplente, até um ano após o

(1) Direito constitucional brasileiro. Rio de Janeiro, 1999. p. 47.

(2) Evolução histórica do sindicalismo brasileiro. In: PRADO, Ney (Coord.). Direito sindical

brasileiro. São Paulo: LTr, 1998. p. 142.

157
final do mandato, salvo se cometer falta grave nos termos da lei”. Transfere

para os trabalhadores o direito de definir a sua base territorial sindical: “será

definida pelos trabalhadores ou empregadores interessados, não podendo

ser inferior à área de um município”.

Garante o direito de greve, reprimindo o abuso do seu exercício. Permite,

nas empresas com mais de 200 empregados, a eleição de um representante

dos trabalhadores com a finalidade de promover o entendimento direto com

os empregadores.

Formulou, todavia, alguns conceitos indeterminados.

Primeiro, o conceito de órgão competente para o registro dos sindicatos:

não o indica. Limita-se a dizer que a lei não poderá exigir autorização do

Estado para a fundação de sindicato, ressalvado o registro no órgão

competente. Faltou objetividade. Esse órgão, para alguns, é o Cartório Civil,

para outros o Ministério do Trabalho e Emprego, e para outros, ainda, deve

ser um órgão sindical a ser criado pelos sindicatos. As novas entidades

sindicais registram os seus atos constitutivos no Cartório Civil e fazem a

sua inscrição no Cadastro Nacional das Entidades Sindicais do Ministério do

Trabalho e Emprego.

Segundo, o conceito de categoria: a Constituição declara que ao sindicato

cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria.

Não esclarece o sentido da expressão categoria. Esse conceito, importante

no corporativismo, perdeu relevância com a liberdade sindical, que permite

aos trabalhadores organizarem-se, por categorias ou outras formas, acima

ou abaixo da categoria. É incompatível um sistema de liberdade sindical com


a concepção de categoria como um a priori oficial.

Terceiro, o conceito de interesses individuais da categoria: é uma

contradição porque, se os interesses são individuais, não são da categoria,

e se são desta, ultrapassam a dimensão daqueles. Não há uma posição

intermediária entre interesses individuais e interesses da categoria. São ou

individuais ou coletivos os interesses transindividuais homogêneos ou os

interesses difusos, pelo menos enquanto a doutrina não conseguir aprofundar

o estudo do tema.

Quarto, o conceito de sistema confederativo: declara a Constituição que

a assembleia geral fixará a contribuição que, em se tratando de categoria

profissional, será descontada em folha, para custeio do sistema confederativo

da representação sindical respectiva, independentemente da contribuição

prevista em lei. A expressão sistema confederativo pode ser interpretada

como a restrição da pirâmide sindical a três degraus obrigatórios: sindicatos,

federações e confederações. Mas, se é assim, ficam fora do sistema

confederativo as Centrais Sindicais, porque são interconfederais.

158

Quinto, o conceito de obrigatoriedade da participação dos sindicatos

nas negociações coletivas: faculta duas diferentes conclusões: a restritiva,

acolhida pela jurisprudência que limita a sua aplicação aos sindicatos de

trabalhadores; e a literal, que é ampliativa, segundo a qual a regra é válida

tanto para sindicatos de empregados como de empregadores.

Sexto, o conceito de defesa dos direitos individuais e coletivos da

categoria pelo sindicato na esfera judicial: basta dizer que trouxe a polêmica
em torno da substituição processual, para alguns fundamentada nesse

dispositivo, para outros dependendo de lei infraconstitucional que a delimite.

Não se sabe ao certo se o conceito refere-se às funções do sindicato — a

defesa de interesses dos representados — ou à via processual, por meio da

qual essa defesa pode ser feita, a representação processual e a substituição

processual.

Outra questão: até que dimensão os dispositivos da CLT foram

recepcionados pela Constituição? Há divergências, em vários pontos, dentre

os quais o da estrutura orgânica interna dos sindicatos e o do exercício de

atividades econômicas. Esse exercício é proibido pelo art. 564 da CLT. No

entanto, persistiria diante do princípio da não intervenção do Estado na

organização sindical?

Uma questão que deveria terminar nas instâncias menores do Judi-

ciário, mas que vai ao Tribunal Superior do Trabalho e ao Supremo Tribunal

Federal: o número máximo de dirigentes que o sindicato pode ter. A CLT

(art. 522) dispõe: “A administração do Sindicato será exercida por uma di-

retoria constituída, no máximo, de sete e, no mínimo, de três membros e de

um Conselho Fiscal composto de três membros, eleitos esses órgãos pela

Assembleia Geral”. Esse dispositivo tem outras repercussões. Envolve-se

com a garantia constitucional da estabilidade do dirigente de cargo eletivo

sindical. Analisando a questão, o Tribunal Superior do Trabalho cristalizou

entendimento no sentido de que “o art. 522 da CLT foi recepcionado pela

Constituição Federal de 1988. Fica limitada, assim, a estabilidade a que

alude o art. 543, § 3º, da CLT a sete dirigentes sindicais e igual número de
suplentes.” (Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011)

Divergências permanecem, no entanto, quanto ao problema da dimensão

dos efeitos da Constituição de 1988 nos dispositivos da CLT, o que mantém

sem uma solução unânime uma conclusão sobre os que foram atingidos e os

que estão recepcionados pela Lei Maior.

O Supremo Tribunal Federal (TP, 17.10.1991, maioria, RMS n. 21305/

DF, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 29.11.91, p. 17326-E, vol.-01644-01, PP-

-00093, RTJ, Vol.-00137-03, pág. 1.131) acolheu mandado de segurança

no qual assim decidiu:

159

“... O Pleno da Corte já teve a oportunidade de assentar a recepção, pela atual Carta, das

normas de índole ordinária em tudo que não contrariem a proibição constitucional alusiva

à interferência e à intervenção do Poder Público na organização sindical. Depreende-se

da jurisprudência da Corte que não mais existe campo propício a atos administrativos

do Poder Público que impliquem um dos dois fenômenos — o da interferência ou o da

intervenção. Assim é que, ao julgar a legitimidade de confederações para figurarem

como requerentes em ações diretas de inconstitucionalidade, o Tribunal tem levado

em conta norma da Consolidação das Leis do Trabalho que define tal entidade como

a constituída por três ou mais federações e, com isto, vem rechaçando a possibilidade

de serem tidas como legitimadas aquelas que congregam entes diversos, tais como

sindicatos e associações, sejam de que natureza forem. Destarte, já aqui concluo que

as normas da Consolidação das Leis do Trabalho envolvidas neste caso — artigos 511

e 570 — estão em pleno vigor, especialmente no que definem o que se entende como

categoria diferenciada e a possibilidade de agrupamento de categorias que, pelo número


de integrantes, não possam se sindicalizar eficientemente pelo critério da especificidade,

sendo-lhes assegurada a constituição de sindicato específico tão logo fique viabilizado.

Para o Litisconsorte Passivo necessário, o caso revela organização conjunta de

categorias e surgimento de condições que permitiram aos pilotos de aeronaves civis

sindicalizarem-se eficientemente pelo critério da especificidade. O artigo 570 dispõe

sobre a organização sindical por categorias econômicas ou profissionais específicas,

conforme discriminação do quadro das atividades e profissões a que se refere o artigo

577 ou de acordo com subdivisões que, por proposta da Comissão de Enquadramento

Sindical, forem aprovadas pelo Ministério do trabalho. Já no parágrafo único alude-se

ao agrupamento de categorias em face da dificuldade de sindicalização dos integrantes

de cada qual, considerado sindicato específico.”

Entendemos, com a ressalva de interpretações, das mais judiciosas,

divergentes, que não foram recepcionados pela Constituição de 1988 os

seguintes dispositivos da CLT:

1) registro, reconhecimento pelo Ministério e requisitos para funcionamento de

associações profissionais, transmissão de bens e sua transformação em sindicatos

(CLT, arts. 512, 515, 518, 558 e outros);

2) base territorial distrital de sindicatos (CLT, art. 517);

3) a atribuição, pelo Ministério, de investidura sindical (CLT, art. 519);

4) concessão e cassação de carta sindical pelo então Ministro do Trabalho (CLT, arts.

520, 555, 556 e 557);

5) as condições para funcionamento dos sindicatos (CLT, art. 521);

6) os órgãos internos, administração de sindicatos e número de diretores e membros do

Conselho Fiscal (CLT, arts. 522 a 529, 537 e 539);


7) as eleições sindicais (CLT, arts. 524, 529, 531, 532, 537, 539 e parágrafos do 543);

8) as assembleias sindicais e recurso contra deliberações delas, das diretorias e do

conselho fiscal para o então Ministro do Trabalho (CLT, arts. 526, 540 e 542);

9) o livro de registro do sindicato (CLT, art. 527);

10) a intervenção do Ministro do Trabalho em entidades sindicais (CLT, art. 528);

11) a CES — Comissão de Enquadramento Sindical (CLT, arts. 570, 571, 572, 574, 575,

576 e 577);

160

12) as isenções tributárias para sindicalizados (CLT, art. 547);

13) a aplicação da receita do sindicato (CLT, art. 549);

14) a alienação de imóveis, instruções do então Ministério do Trabalho sobre elaboração

de orçamento e escrituração das operações de ordem financeira de entidades sindicais

(CLT, art. 551);

15) penalidades, afastamento e destituição de dirigentes sindicais pelo então Ministério

do Trabalho (CLT, arts. 553, 554, 555, 556 e 557);

16) a proibição de atividades exercidas pelas entidades sindicais (CLT, art. 564);

17) a proibição da filiação de entidades sindicais a organizações internacionais (CLT,

art. 565);

18) os sindicatos de empresas industriais do tipo artesanal (CLT, art. 574); sindicalização

de servidores do Estado e entes paraestatais (CLT, art. 566).

São dispositivos compatíveis com as Constituições e com a legislação

que instituíram entre nós o corporativismo de Estado na organização sindical,

das quais se afastou a Constituição de 1988. O princípio maior da Lei Magna

de 1988 veda a intervenção e a interferência do Estado na organização


sindical. E o fez exatamente para consagrar a regra da liberdade sindical,

que cede lugar somente quando a própria Carta Maior estabelece restrições.

Não é esse o caso das disposições da CLT acima relacionadas. Não é lícito

ao intérprete restringir onde a Constituição não o faz.

O problema todo reside na estabilidade sindical. Sem um freio, os sin-

dicatos criariam, como alguns fazem, diretorias enormes para estabilizar os

seus dirigentes. Mas a questão pode ser resolvida com a tese do abuso de

direito, à luz de cada caso concreto, como convém, e onde não foi pactuada,

entre os interessados, uma convenção coletiva dispondo sobre a matéria.

Não é razoável exigir das entidades sindicais, pequenas, médias ou gran-

des, de Municípios, Estados ou, mesmo, nacionais, de primeiro grau ou de

segundo grau, o mesmo número máximo de dirigentes, sem condená-las à

ingovernabilidade administrativa. As diferenças regionais do País contraindi-

cam uma solução uniforme para todos os sindicatos.

Das mais controvertidas é a questão sobre o registro sindical que

examinamos em separado (v. Fundação de sindicato). Para alguns basta

o registro em Cartório de Registro de Pessoas Jurídicas. Para outros, o

Ministério do Trabalho e Emprego continua sendo o órgão próprio para o

registro sindical, orientação seguida pelo mesmo órgão.

Acrescente-se, ainda, o autorizado entendimento doutrinário que

considera dispensável revogação expressa dos dispositivos constitucionais

contrários ao princípio da não intervenção e não interferência do Estado na

organização sindical. O argumento de que se vale é que, quando a legislação

infraconstitucional é incompatível com a Lei Maior, a revogação ou derrogação


161

é automática, tácita, e independe de qualquer outra iniciativa legislativa. Seria

o melhor caminho caso não fossem subjetivas as interpretações a respeito

dos dispositivos que estão e que não estão atingidos pela Constituição de

1988, o que leva à insegurança do sistema jurídico, daí a importância da

revogação expressa.

3. A LIBERDADE SINDICAL E O MODELO BRASILEIRO

Pode ser estranho falar em liberdade sindical brasileira porque a liber-

dade não tem nacionalidade, existe ou não existe, mas em legislação sindical

comparada não é bem assim, porque os sistemas legais encontram-se em

alguns países em fase de transição e não têm o mesmo grau de desenvoltura

do que o de outros países.

Avaliado sob o prisma legal, o sistema brasileiro não pode ser

enquadrado entre os de plena liberdade sindical porque a lei não atende ao

primeiro subprincípio da ideia de liberdade sindical, o direito de constituir, sem

necessidade de prévia autorização do Estado, entidades sindicais, julgadas

convenientes pelos próprios interessados, trabalhadores ou empresários,

bem como o direito complementar de filiação, positivo ou negativo, nessas

associações, entendendo-se como direito positivo o de ingressar e negativo

o de sair da entidade livremente; assim, não há como compatibilizar o

nosso sistema com a liberdade plena porque nele é proibido criar mais de

um sindicato na mesma base territorial e categoria, logo, a autonomia das

entidades sindicais é comprometida com essa proibição.

Da mesma proibição resulta uma segunda consequência, nosso sistema


não é de pluralidade sindical, com o que não estamos dizendo que esse

é o melhor sistema, uma vez que também apresenta inúmeros problemas

jurídicos e práticos.

Segue-se também que o trabalhador não tem, diante da unicidade

sindical imposta pela lei, liberdade de escolha de sindicatos, porque o que lhe

é garantido é apenas o direito de ingressar ou de se dissociar do sindicato,

mas o sindicato perante o qual ele terá essa liberdade é apenas um, o único

possível para ele, o sindicato da categoria.

O nosso sistema de categorias a priori está abalado com a criação de

diversos sindicatos que não têm uma categoria para enquadramento no quadro

oficial, mesmo porque esse quadro se mostra totalmente desatualizado e

não corresponde à realidade da situação sindical do País. Não obstante,

o quadro de enquadramento sindical é outra limitação ao sistema de plena

liberdade sindical.

162

O subprincípio da liberdade sindical que faculta aos sindicatos o direito

de redigir os próprios estatutos e regulamentos administrativos, de eleger

os seus respectivos representantes, de liberdade de gestão, de definição

do programa de ação é atendido pelo nosso sistema com a proibição de

intervenção e interferência do Estado na organização sindical.

Quanto às funções que serão exercidas pelo sindicato, a lei constitucional

as aponta, a defesa dos interesses e direitos da categoria e dos seus membros,

de modo que, sendo esta a tarefa precípua sindical, nossa lei, ao ressaltá-la

no plano constitucional, atua num sentido promocional do sindicato.


Outro subprincípio, a garantia contra a extinção ou a suspensão das

entidades sindicais pelo Estado por via administrativa e que tem por finalidade

impedir o controle arbitrário da autoridade pública na vida sindical, é previsto

pela Constituição com o mesmo princípio da não intervenção e interferência

estatal na organização sindical e com o preceito constitucional que proíbe a

dissolução associativa a não ser por ordem judicial.

Há o direito das associações sindicais de criar federações e de filiarem-

-se às organizações internacionais. Respeitado, portanto, o direito de

relacionamento internacional entre as organizações sindicais internas de

cada país com os organismos sindicais internacionais.

O sistema de categorias, porém, limita a iniciativa da criação de

federações e confederações porque em cada categoria e mesma base de

atuação a existência de uma federação ou de uma confederação impede a

existência de outras.

As convenções coletivas têm o efeito erga omnes sobre toda a

categoria, distanciando-se, assim, nesse ponto, o sistema legal de convênios

coletivos dos padrões adotados pelos países que consideram o sindicato

uma associação de direito privado.

Nesses países, as convenções só são aplicadas aos sócios e não aos

não associados.

Sobre esse ponto nossa impressão é que o efeito erga omnes, apesar

das críticas que recebe, evita a necessidade de estender as convenções

coletivas aos não sócios. Essas extensões em alguns países são

administrativas. Nesse caso, parece-nos preferível a extensão por força de


lei, como no Brasil, do que a extensão por ato administrativo.

Esse panorama não nos enquadra nos parâmetros dos sistemas de

liberdade sindical, mas também com os avanços da Constituição de 1988

não deve ser visto como um sistema corporativista que não refletiria a

situação atual das entidades sindicais. Os sindicatos têm plena liberdade

163

perante o Estado. O sistema brasileiro é neocorporativista na medida em que

mescla elementos que identificam um sindicalismo de liberdade sindical com

mecanismos residuais do corporativismo e com os sindicatos como pessoas

jurídicas de direito privado atuando em um modelo de unicidade sindical.

E não se sabe o que é melhor para o Brasil porque a pluralidade sindical

pressupõe sindicatos de direito privado, competitivos, contratos coletivos sem

efeito erga omnes e aplicação dos convênios coletivos apenas aos sócios do

sindicato com extinção do sistema de categorias.

Sintetizando:

— o constitucionalismo social significando a inclusão de direito do

trabalho nas Constituições, iniciado no início de 1900, foi o meio pelo

qual a defesa constitucional dos sindicatos evoluiu ao nível normativo

mais alto em diversos países;

— é o constitucionalismo social meio para a transformação de princípios

de organização sindical, de negociação coletiva e de direito de greve

em direitos fundamentais, mas nem por isso a Constituição deve ter um

conjunto extenso de normas sem conteúdo principiológico mais para

atendimento de interesses episódicos e sem conteúdo para ocupar o


nível constitucional;

— dos dois tipos de constitucionalismo social sindical, o sintético e o

amplo, aquele tem a vantagem de permanecer válido por maior tempo

na medida em que se restrinja a ideias constantes não suscetíveis de

sofrer os abalos contínuos das modificações da vida social, e estes

acabam perdendo logo a sua utilidade, correndo o risco de se tornar

letra morta num ordenamento jurídico que está também sujeito as

transformações exigidas pelo progresso das civilizações;

— as Constituições da Espanha e da Itália são as que mais se coadunam

com o que deve ser um modelo constitucional de organização e de

ação sindical, uma vez que se limitam aos princípios, dentre eles o da

liberdade sindical;

— na história das Constituições brasileiras, sempre houve, a partir

de 1934, um espaço para o direito sindical, ainda que com diferentes

modelos e graus de eficácia, do intervencionismo ao pluralismo de 1934,

da maior eficácia como a da Constituição de 1937, à falta absoluta de

eficácia como foi com a de 1934, da proibição da greve como com a de

1937, à sua restauração como em 1946, e é possível dizer que ainda

estamos à procura do modelo constitucional ideal;

— pode-se concluir que as Constituições brasileiras nunca primaram

por um grau de excelência em matéria sindical, nem mesmo a de 1988;

164

— quanto maior é o número de temas inseridos numa Constituição,

maior é o tempo de duração de um processo judicial, porque pela via de


recursos os processos podem chegar ao Supremo Tribunal Federal em

detrimento da necessária celeridade processual;

— a compreensão do sistema de leis sindicais do nosso país desafia

o intérprete porque há uma contradição, se é que se poderia assim

dizer, entre a lei infraconstitucional inspirada nos princípios do

intervencionismo e a lei constitucional que se funda em uma ideia mais

aberta de sindicalismo do que a CLT;

— uma tarefa importante não foi ainda feita, a harmonização da CLT

com a Constituição de 1988, o que gera um problema de falta de clareza

para o entendimento do sistema;

— para a compreensão do sistema brasileiro não se deve começar pela

CLT, porque diversos dos seus dispositivos atritam-se com o princípio

constitucional de 1988: a proibição da intervenção ou da interferência

do Poder Público na organização sindical.

165

CAPÍTULO 18

CONCEPÇÕES FUNDANTES DA

AUTONOMIA SINDICAL

1. O PLURALISMO JURÍDICO

Na história do pensamento jurídico, o pluralismo surgiu como uma

reação contra a identidade entre o Estado e o Direito, levada ao máximo pelo

monismo. Tem raízes na teoria dos corpos intermediários, de Montesquieu,

em O espírito das leis; no método de interpretação livre, de François Gény

(1861-1938), em Méthode d’interprétation et sources en droit privé positif


(1925), a quem é atribuída a criação da escola sociológica do direito na França;

na escola do direito livre, centro-europeia e antipositivista; na corrente contra

o excessivo legalismo dos países que desenvolveram uma obra codificadora;

na investigação sociológica do direito, da qual os precursores são Eugen

Ehrlich (1862-1922) e Hermann Kantorowicz (1877-1940); no organicismo

jurídico aplicado à teoria das fontes do direito; no jusnaturalismo fundado

na natureza das coisas, de Messner, que faz a defesa da legitimidade de

um direito não estatal, como o produzido pelos sindicatos; em Scholten, e

a validade da concorrência, ao direito estatal, das convenções coletivas e

regulamentos de organizações operárias; em Del Vechio, e a concepção dos

centros de determinações jurídicas, tantos quantos sejam os círculos sociais;

e outros.

A sua afirmação, todavia, deu-se com o institucionalismo, na França, de

Maurice Hauriou(1), Georges Renard(2) e a teoria dos fatos normativos. Para

Hauriou, instituição é uma ideia de obra ou de empreendimento. Realiza-se,

e dura juridicamente, em um grupo social, um poder, que se organiza pela

concretização dessa ideia, que passa da subjetividade dos seus idealizadores

para a objetividade da infraestrutura social, uma formação natural, gerada

pela continuidade da sua prática, incluindo o sindicato como uma instituição,

portanto, uma ideia-ação, uma organização social instituída segundo um

propósito que a inspirou.

A teoria dos fatos normativos foi defendida por Georges Gurvitch

(1894-1965), russo radicado na França, na Revolução comunista de 1917,

professor em Petrogrado-Leningrado, autor de Sociology of law (1942),


que escreveu quando na Europa se propagavam as ideias fascistas e

(1) HAURIOU, Maurice. La théorie de l’institution et de la fondation. 1925.

(2) RENARD, Georges. La théorie de l’institution. 1930.

166

nacional-socialistas da Alemanha. Essas ideias levaram-no a se convencer

das vantagens de uma ordem jurídica democrática contrária a todo tipo de

totalitarismo, inclusive o de esquerda, implantado pela revolução comunista.

Esses fatos influíram no seu pensamento. Convenceu-se de que não há uma

hierarquia preestabelecida entre os ordenamentos jurídicos, o estatal e o

social, este com a função de integração objetiva da comunidade.

O pluralismo encontra em Norberto Bobbio(3) e na teoria do ordenamento

jurídico uma das suas mais atuais e conceituadas manifestações. Bobbio

considera insuficiente, para o conceito de direito, o estudo da norma jurídica.

Utiliza-se, como apoio, da teoria pura do direito, de Kelsen, e da norma

fundamental estudada por essa teoria. Construiu uma teoria geral do direito

estrutural-funcional.

Defende um critério não formal do direito. Não reduz a importância

da visão kelseniana, mas a considera incompleta. Desloca o centro da sua

investigação da norma para o ordenamento jurídico, com base institucionalista.

Entre nós, Miguel Reale, em Lições preliminares de direito(4), o

tridimensionalismo jurídico e o direito como experiência, e em Fontes e

modelos jurídicos(5), nos dá uma visão da experiência jurídica sob o ângulo

das fontes do direito, e dos modelos jurídicos como conteúdo material das

normas. Mostra que, embora o Estado seja detentor da coação jurídica,


existe direito, também, em outras instituições, não só o Estado, do qual é

exemplo o grupo profissional ou sindical que regulamenta as atividades de

classe e estabelece normas protegidas por sanções organizadas.

2. A TEORIA DO DIREITO SOCIAL

A teoria do direito social é expressão do pluralismo jurídico, princípio

fundante dos ordenamentos sociais.

A teoria do direito social tem em Gurvitch um dos seus fundadores, em

suas obras clássicas Le temps présent et l’idée du droit social (1931), L’idée

du droit social (1932) e L’ expérience juridique et la philosophie pluraliste

du droit (1935). Na primeira, sustenta a necessidade de uma fundamental

revisão da teoria das fontes do direito positivo, indispensável para uma

solução satisfatória dos problemas de dois ramos do direito, o direito do

trabalho e o direito internacional.

(3) BOBBIO, Norberto. Teoria dell’ordinamento giuridico. Torino: Giappichelli, 1955 e 1960;

Teoria della norma giuridica. Torino: Giappichelli, 1958.

(4) REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. São Paulo: Bushatsky, 1973; Saraiva, 1994.

(5) REALE, Miguel. Fontes e modelos jurídicos. São Paulo: Saraiva, 1994.

167

Com esse propósito, inicia afirmando que “o estado atual do Direito do

Trabalho é caracterizado, antes de mais nada, pelo papel crescente do direito

extraestatal e inoficial que emana dos grupos espontâneos de interessados

e os seus acordos”. Exemplifica com a organização particular dos sindicatos,

resultante dos costumes operários e, especialmente, das convenções

coletivas de trabalho, centro da preocupação dos seus estudos.


Ressalta o crescimento, que considera impressionante, das convenções

coletivas de trabalho, que “comportam verdadeiras cartas constitucionais

para todo um ramo da indústria”, e o seu reconhecimento, como fontes de um

novo direito objetivo, pela legislação estatal, que veio confirmar a importância

do fenômeno assinalado.

Suscita interessantes questões sobre convenções coletivas, muitas,

até hoje, atuais, dentre as quais a eficácia erga omnes das suas cláusulas.

Analisa a força obrigatória das convenções coletivas, sobrepondo-se às

cláusulas dos contratos individuais de trabalho, de modo a nulificar todas as

disposições contrárias destes perante aquelas. Atribui essa eficácia ao seu

caráter institucional e limitativo da autonomia individual. Vê nas convenções

coletivas uma legislação profissional, um novo direito objetivo e autônomo.

Essas observações levam-no a afirmar que “a força obrigatória da

convenção coletiva de trabalho sobre terceiros e seu caráter inelutável

encontram seu fundamento não nas vontades dos interessados, mas em

uma situação puramente objetiva da totalidade preexistente à convenção”.

Para Ramón Soriano(6), “a ideia central de Gurvitch é a conexão que

estabelece entre sociabilidade e direito, em uma visão plural e entrelaçada

de ambos. Diretamente enfrentando a redução do direito pelo positivismo

jurídico estatal, encontra na sociedade e suas formas espontâneas de

relação entre as fontes plurais do direito, as que chama de fatos normativos,

querendo precisar que dos fatos (os fatos das relações sociais) surgem os

direitos”. E acrescenta: “Em Gurvitch encontramos também umas reflexões

sobre o Estado social e o direito social: o Estado social separado da ideia


do Estado social paternalista, que favorece o bem-estar dos cidadãos, sem

que estes possuam liberdades; o direito social concebido, no entanto, com

acentos abstratos. O direito social, em Gurvitch, é um direito que tem, como

função, a integração objetiva da comunidade, que deriva dela e nela tem o

seu fundamento, sem redução a formas exclusivas”.

3. A TEORIA DA AUTONOMIA COLETIVA DOS PARTICULARES

O direito italiano dá ênfase ao princípio da autonomia coletiva

privada, abandono da concepção publicística do direito corporativo, do

(6) SORIANO, Ramón. Sociología del derecho. Barcelona: Ariel, 1997. p. 137.

168

intervencionismo estatal do fascismo nas relações de trabalho, e meta de

realização de uma nova ordem, pautada em princípios democráticos,

de liberdade sindical.

Na França, o princípio da autonomia coletiva dos particulares desen-

volveu-se com menor intensidade do que na Itália, e com origens diferentes:

a necessidade de abandono dos critérios civilistas na fundamentação do di-

reito coletivo do trabalho. O institucionalismo francês permitiu aos juristas

edificar uma nova ordem sindical, e dar justificação doutrinária à liberdade

sindical e às convenções coletivas, fenômeno social em plena dinâmica, que

reclamava novas ideias justificantes.

O pensamento jurídico francês viu-se, também, diante do desafio

de desvincular a ordem sindical da estatal, à qual se atrelou por força de

prerrogativas regulamentares estabelecidas diretamente pelo legislador, com

todas as consequências de uma ordem sindical diretamente submetida a um


poder legal e sem capacidade de autor-regulamentação.

O direito francês percorreu uma trajetória, com variáveis, desde

Maxime Leroy, para quem os trabalhadores não têm o dever legal de se

agrupar, mas o dever profissional de se agrupar(7), forma de mostrar que

há uma fonte própria de regulamentação profissional-sindical, até a doutrina

contemporânea, do interesse coletivo como um poder, e a pluralidade sindical

como uma realidade institucional.

Que é a autonomia coletiva dos particulares?

Para Giancarlo Perone, em A ação sindical nos Estados-membros da

União Europeia (1996), o seu significado é cambiante: “a natureza e a eficácia

dos atos de autonomia coletiva, a relação entre esta e a normatização estatal,

variam no espaço, de acordo com o ordenamento dos vários Estados, e no

tempo, uma vez que nos Estados se sucederam diversos sistemas sindicais”.

Relaciona autonomia coletiva com as fontes do direito do trabalho, constante

característica do direito do trabalho: normas de origem estatal coexistindo

com disposições de origem sindical.

Há, assim, uma concepção de autonomia coletiva dos particulares, do

ilustre professor italiano, compartilhada por diversos doutrinadores, como

fundamento da negociação coletiva, sua valorização perante o ordenamento

legal.

O cenário que a precedeu é o autoritarismo e a onipotência do Estado

intervencionista e ditatorial do fascismo da Itália de Mussolini, inspirador das

ditaduras de Salazar, em Portugal, Franco, na Espanha, Perón, na Argentina,

e Getúlio Vargas e o Estado Novo, no Brasil, e o do tipo de direito do trabalho


(7) LEROY, Maxime. La coutume ouvrière. Paris: Giard et Brière, 1943.

169

que esses sistemas jurídicos construíram. Contesta a legitimidade do

direito do trabalho que não provém da sociedade, dos grupos econômicos

e profissionais, da espontânea formação de vínculos e normas jurídicas

segundo as iniciativas, não do Estado, mas dos próprios interlocutores

sociais, tendo, nas relações de trabalho, como sustentáculos, dois pilares, a

liberdade sindical e a livre negociação coletiva.

Funda-se na ideia de uma ordem sindical baseada na liberdade política,

sem interferência do Estado, ou com um mínimo de interferência, uma visão

distante do controle estatal sobre a organização e a ação dos sindicatos.

Edificou-se sobre ideias bem claras: a noção de ordenamento jurídico,

de Santi-Romano(8), e o conceito de ordenamento sindical independente e

original, desatrelado do Estado, operando com critérios próprios de legitimi-

dade, de competência e com o uso de instrumentos jurídicos destinados a

instaurar um equilíbrio entre forças sociais contrapostas. “O Direito — disse

Santi-Romano —, antes de ser norma, antes de implicar uma simples rela-

ção ou uma série de relações sociais, é sobretudo organização, estrutura,

posição da sociedade mesma na qual se desenvolve, e que precisamente o

direito constitui uma unidade, como ente com substantividade própria”.

Para Santi-Romano, “existem tantos ordenamentos jurídicos como

instituições”; rejeita, desse modo, a tese reducionista que resume no Estado

o fenômeno jurídico. Sobre as relações de trabalho, afirmou: “Em nosso

entendimento, estamos na presença de um fenômeno jurídico ambivalente,


que não pode ser explicado de modo total se não se admitir que se desenvolve

ao mesmo tempo, e com modalidades diversas e talvez contrárias, em terrenos

que pertencem a dois ordenamentos jurídicos distintos. Um é o estatal, para

o qual, normalmente, é o contrato a única figura que tem relevância, e como

consequência tudo o que não pode se reduzido a essa figura permanece

sem proteção por parte desse ordenamento e corre inclusive o risco de ser

declarado ilegítimo. O outro é o ordenamento particular que se concretiza

em uma ou em várias instituições constituídas de grupos de empresários

e trabalhadores, de maneira que o que para o ordenamento do Estado é

um contrato, para aquele ordenamento é um sistema de direito objetivo por

si, mais ou menos autônomo, que se faz valer com os meios internos de

que a organização dispõe. Tais meios podem ser inclusive extrajudiciais ou

ajurídicos para o Estado, mas são, ao contrário, legítimos para o regime

especial a que se referem. E assim, quando se constata universalmente que as

leis estatais sobre a matéria são inadequadas, isso não tem outro significado

que, à margem ou talvez em oposição a essas leis, foram se constituindo

certos ordenamentos que reclamam, até agora em vão, ser reconhecidos

pelas leis estatais de modo que as sanções que aqueles estabelecem no

(8) SANTI-ROMANO. L’ordinamento giuridico. Firenze: Sansoni, 1917 e 1951.

170

interior das empresas industriais ou dos grupos profissionais etc. podem ser

consideradas mais eficazes do que as estabelecidas pelo Estado”.

Diversos juristas italianos seguiram as lições de Santi-Romano.

Dentre eles, Francesco Santoro-Passarelli(9), que desenvolveu a tese


da autonomia coletiva, reunindo organização profissional, contrato coletivo

e o direito de greve, a partir da noção de interesse coletivo, que analisa com

profundidade, com o que vincula uma pluralidade de pessoas em torno de

um bem idôneo à satisfação de uma necessidade comum, combinação, mas

não soma, dos interesses individuais e indivisíveis no sentido de que um

único bem é capaz de satisfazer as necessidades de uma coletividade.

Santoro-Passarelli integrou, inicialmente, a autonomia coletiva no gênero

autonomia privada, o que permitiu aduzir o conceito de liberdade num espaço

antes ocupado pelo público; assim, viu no momento associativo a condição

necessária da superioridade da autonomia coletiva sobre a individual, fruto

da disciplina e da subordinação do indivíduo à organização à qual adere.

Com isso, justifica a força obrigatória dos contratos coletivos sobre

a autonomia individual, segundo uma visão de categoria, como dimensão

natural, que tem como origem a sociabilidade do ser humano, daí propor a

figura do contrato coletivo de direito comum, restrito aos sócios do sindicato,

forma inovadora e que passou a coexistir, no ordenamento italiano, com o

contrato coletivo erga omnes, do direito corporativo.

Gino Giugni retomou a teoria do ordenamento jurídico, base da sua

análise do direito sindical, em Introduzione allo studio della autonomia

collettiva e em Diritto sindacale. Desenvolve a ideia de ordenamento legal

de leis e, sobretudo, códigos como conjunto de princípios normativos com

uma vida própria, aplicáveis a qualquer pressuposto de fato concreto por

via dedutiva. Esse ordenamento contrasta, no entanto, com a riqueza e

mutabilidade dos fenômenos que interessam ao direito sindical e, com isso,


identifica uma realidade subjacente de força e de poder, de especial relevância

para o conhecimento dos fenômenos das relações sindicais, e que não pode

ser explicada, adequadamente, pelas perspectivas rigidamente formalistas

do direito estatal.

“Isto não impede — diz Giugni —, obviamente, que o ordenamento

intersindical regule uma realidade social que pode ser, também,

relevante para o ordenamento estatal, ou não. As duas valorações

normativas não coincidem necessariamente: o que é lícito para uma

pode ser ilícito para outra; aquilo que para uma é comportamento

(9) SANTORO-PASSARELLI, Francesco. Nozioni di diritto del lavoro. Napoli: Casa Editrice

Dott. Eugenio Jovene, 1995.

171

obrigatório, pode ser indiferente para a outra. Isso explica como boa

parte da realidade das relações intersindicais pode ser interpretada,

à luz do ordenamento estatal, como relações contratuais, sendo

assim que, substancialmente, aparece fundamentada em razões

de equilíbrio que transcende em muito a eficácia da relação

obrigacional e a responsabilidade patrimonial conectada à mesma

sacralizada pelo Direito Civil.”

Entende, no entanto, que esse sistema autônomo atua em contínua

correlação com a ordem estatal, operando como fator de renovação desta.

É o que explica a sua peculiaridade, como sistema de normas produzido

pelas diversas fontes, dentre as quais a legislação, a contratação coletiva

e a jurisprudência, reciprocamente relacionadas. Como consequência


da liberdade sindical, resulta um poder de determinação autônoma das

condições de trabalho. O exercício desse poder se manifesta como função

típica, e qualificante, da organização sindical, ainda que não exclusiva. A

esse fenômeno, de autorregulamentação dos interesses entre grupos

contrapostos, dá o nome de autonomia coletiva.

Ainda na doutrina italiana, o princípio da autonomia coletiva é exposto

por Mattia Persiani, em Saggio sull’autonomia privata collettiva(10), obra que o

analisa em duas perspectivas: uma dimensão mais ampla que a meramente

normativa dos instrumentos coletivos, a do sindicato e a dos contratos coletivos

de trabalho, nesta como fundamento da inderrogabilidade dos convênios

coletivos, naquela como organização do grupo na sociedade, entendendo

por interesse coletivo a projeção do interesse individual potencializado pela

ação sindical.

Não dá à teoria do pluralismo jurídico a mesma importância que atribuiu

à supremacia da vontade do grupo sobre a individual, embora nela se veja

notáveis resultados para a compreensão do ordenamento sindical, como

ordenamento não estatal, por entender que é neste, no ordenamento estatal,

que se encontra o fundamento do reconhecimento dos efeitos jurídicos

das convenções coletivas; mas adverte, também, para a insuficiência

e a inadequação da concepção do direito como norma jurídica para a

compreensão do fenômeno jurídico.

Ao estudo da autonomia coletiva sob o prisma das relações de trabalho

dedicaram-se, também, diversos autores mais recentes, como Ignacio Garcia-

-Perrot Escartín(11), que identifica os tipos de relações existentes entre a lei e os


convênios coletivos, descritas como relações de suplementaridade, de comple-

(10) PERSIANI, Mattia. Saggio sull’autonomia privata collettiva. Padova: Cedam, 1972.

(11) ESCARTÍN, Ignacio Garcia-Perrot. Ley y autonomía colectiva, un estudio sobre las

relaciones entre la norma estatal y el convenio colectivo. Tese de doutoramento, Madri,

Ministerio de Trabajo y Seguridad Social, 1987.

172

mentaridade e de supletividade, para analisar o direito necessário e absoluto,

os máximos estatais necessários, e o problema da colisão e concorrência, estu-

do de questões essencialmente dinâmicas, dependentes do papel atribuído ao

Estado; e examina a autonomia coletiva, segundo as variações do marco legal

e do contexto econômico e social em que se manifesta.

Ao mesmo tema dedica-se Stamatina Yannakourou(12), doutora em

Direito pela Universidade de Paris X-Nanterre, a partir do pluralismo

jurídico, comparando, no direito italiano e no francês, a representatividade

sindical, que considera uma categoria jurídica, um instrumento ou técnica

de comunicação, entre a ordem jurídica do Estado e a ordem jurídica

profissional. Essa comunicação, para a autora, desenvolveu-se numa

dupla perspectiva: na Itália, mediante duas ordens horizontais, repousando

numa representatividade efetiva da ordem profissional como protagonista

social; na França, segundo duas ordens verticais, mediante a integração

da ordem profissional na ordem estatal, por meio de uma noção legal de

representatividade sindical. Entende por autonomia coletiva uma noção que

traduz a capacidade originária dos atores profissionais de produzir normas

jurídicas, engajando os trabalhadores. Considera-a a norma fundamental da


ordem profissional, que lhe confere unidade e coerência, e que explica o

fenômeno criativo de normas no seu interior.

A autonomia coletiva favorece o direito à livre negociação coletiva, a

transferência de poder normativo do Estado para a ordem sindical-profis-

sional, o poder dos grupos sociais de autoelaboração da regra jurídica, a

tutela sindical no lugar da estatal, distinguindo, entre os direitos, aqueles que

devem ser protegidos pela lei e aqueles que podem ser negociados pelos

sindicatos.

Recapitulando:

— o pluralismo jurídico, compreensão do Direito como fruto de uma

produção normativa do Estado e também dos grupos sociais, beneficia o

sindicalismo porque o seu oposto, o monismo jurídico, ao defender que

Direito é unicamente o que o Estado autoriza, ao negar a possibilidade

de reconhecimento de um Direito não estatal, criaria um sério problema

sindical de liberdade e de operacionalidade porque difícil seria conciliar

convenções coletivas de trabalho com o monismo estatal;

— a teoria do direito social, enquanto compreensão do direito como

emanação sociológica e extraestatal, leva à aceitação da importância

do papel desempenhado pelas convenções coletivas de trabalho;

(12) YANNAKOUROU, Stamatina. L’État, l’autonomie collective et le travailleur, étude

comparée du droit italien et du droit français de la représentativité syndicale. Paris: LGDJ,

1995.

173

— a teoria da autonomia privada coletiva é a que mais diretamente


fundamenta e solidifica o direito sindical em suas ambas versões, o

institucionalismo e a teoria do ordenamento jurídico de Santi-Romano;

— Norberto Bobbio admite na sociedade ordenamentos jurídicos

não estatais que atuam como fontes do Direito, o que credencia as

entidades econômicas e profissionais como participantes da construção

do sistema jurídico;

— autonomia coletiva privada é um conceito fundamental no direito

italiano no qual está fundamentada e justificada toda a produção

normativa autoelaborada nas relações de trabalho das quais resultam,

mediante negociações coletivas, as convenções coletivas de trabalho;

— o pluralismo leva a um tipo de sindicalismo correspondente à sua

ideia fundamental de liberdade, o sistema de pluralidade sindical, que é

democrático, mas não deixa de apresentar inconvenientes, e que pode

ser compreendido como um ordenamento jurídico pluricêntrico que

combina os ordenamentos estatal e não estatal.

174

CAPÍTULO 19

DECORRÊNCIAS DOS

PRINCÍPIOS ORGANIZATIVOS

1. ASSOCIAÇÃO

Das dimensões da liberdade sindical decorrem efeitos que se refletem

sobre o sistema sindical a que se referem as doutrinas nacional e estrangeira

pela sua importância(1); para Verdier, a pedra angular do direito sindical

francês interpenetra-se com os princípios do pluralismo, com a concepção


do direito social e com a da autonomia coletiva dos particulares, fundamento

da organização sindical e da negociação coletiva.

Vimos que a Convenção n. 87 da Organização Internacional do Trabalho

deu-lhe projeção mundial, permitindo uma base no plano das ideias para

que as estruturas sindicais fossem organizadas de acordo com determinados

parâmetros.

(1) Na doutrina nacional, entre outros, há os seguintes estudos: MORAES FILHO, Evaristo

de. O problema do sindicato único no Brasil. São Paulo: Alfa-Ômega, 1978; SÜSSEKIND,

Arnaldo; MARANHÃO Délio; VIANNA, Segadas. Instituições de direito do trabalho. Rio de

Janeiro: Freitas Bastos, 1981; CATHARINO, José Martins. Tratado elementar de direito

sindical. São Paulo: LTr, 1977; GOMES, Orlando; GOTTSCHALK, Elson. Curso de direito do

trabalho. Rio de Janeiro: Forense, 1978; MAGANO, Octavio Bueno. Manual de direito

do trabalho. São Paulo: LTr, 1981, e Organização sindical brasileira. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 1981; RUSSOMANO, Mozart Victor. Direito sindical: princípios gerais. Rio

de Janeiro: Konfino, 1976; ROMITA, Arion. Direito sindical brasileiro. Rio de Janeiro: Ed.

Brasília, 1976; BARROS JÚNIOR, Cássio Mesquita. Liberdade sindical e a opção italiana.

São Paulo: LTr, n. 45, 1, e 15, jan. 1981; PAULON, C. A. As cláusulas sindicais e a liberdade

sindical. São Paulo: LTr, n. 45, out. 1981; ROMITA, Arion (Coord.). Sindicalismo. São Paulo: LTr,
1986; PRADO, Ney (Coord.). Direito sindical brasileiro, estudos em homenagem ao

Prof. Arion Sayão Romita. São Paulo, 1998; PINTO, José Augusto Rodrigues. Direito

sindical e coletivo do trabalho. São Paulo: LTr, 1998. Na doutrina estrangeira, v. as obras

e estudos seguintes: OIT, la libertad sindical: un estudio internacional. Genebra, 1977;

SPYROPOULOS, Georges. La liberté sindical. Paris: LGDJ, 1956; TREU, Tiziano. Condolta

antisindacale e atti discriminatori. Milano: ANGELI, Franco. 1974; VERDIER, J. M. Syndicats.

In: Traité de droit du travail (dir. Camerlynck). Paris: Dalloz, 1966; TARELLO, Giovanni.
Teorie e ideologie nel diritto sindacale. Milano: Comunità, 1972; PERSIANI, Mattia. Saggio

sull’autonomia privata collettiva. Padova: Cedam, 1972; GIUGNI, Gino. Diritto sindacale.

Bari: Cacucci, 1980; AVILÉS, Ojeda. Derecho sindical. Madrid: Tecnos, 1980; VALLEBONA,

Antonio. Istituzioni di diritto del lavoro, il diritto sindacale. Torino: Giappichelli, 1998;
GALANTINO, Luisa. Diritto sindacale. Torino: Giappichelli, 1992; URIARTE, Oscar Ermida

(Coord.). Intervención y autonomía en las relaciones colectivas de trabajo. Montevideo:

FCU, 1993.

175

Já mostramos que liberdade sindical tem mais de um significado.

O primeiro é metodológico. Significa um critério de classificação dos

sistemas sindicais, comparados desde as suas origens históricas até o

período contemporâneo. Esses sistemas podem ser avaliados segundo

a dimensão que foi dada à liberdade sindical. Liberdade sindical tem uma

função epistemológica, didático-expositiva do direito sindical, um referencial

de estudo. Sob esse prisma — a garantia ou não da liberdade sindical num

sistema jurídico —, os ordenamentos jurídicos são avaliados em sistemas

com ou sem liberdade sindical.

O segundo é conceitual. Nesse sentido, discute-se o que é liberdade

sindical, quais os valores que a presidem, seu alcance, características,

manifestações e garantias, que devem ser estabelecidas para que, como

princípio jurídico, cumpra a sua função, preservadora ou retificadora dos

desvios, da lei ou da autoridade pública.

O terceiro é coletivo, sistêmico, liberdade sindical na acepção coletiva,

como liberdade de associação, de organização, de administração e de

exercício das funções.


O quarto é individual, liberdade assegurada a cada pessoa de se filiar

ou de desfiliar-se de um sindicato.

Liberdade sindical é manifestação do direito de associação. Pressupõe

a garantia, prevista no ordenamento jurídico, da existência de sindicatos.

Se as leis de um Estado garantem o direito de associação, de pessoas com

interesses profissionais e econômicos, de se agruparem em organizações

sindicais, essas serão leis fundantes da liberdade sindical.

No Brasil, há o direito de associação garantido em esfera constitucional

e com base no mesmo as associações sindicais são uma de suas formas

de expressão. O sindicato é uma associação com características especiais.

Desse modo, todos os fundamentos válidos para fundamentar o direito de

associação valem também para dar suporte aos sindicatos.

Na Inglaterra, entende-se que os sindicatos são associações como as

demais, sem prerrogativas.

As prerrogativas existentes no Brasil e em diversos países fazem do

sindicato uma associação especial que pode pactuar contratos coletivos de

trabalho, declarar greves e representar uma categoria e não apenas os seus

associados.

Assim, liberdade sindical, no sentido agora analisado, caracteriza-se

como o reconhecimento, pela ordem jurídica, do direito de associação sin-

dical, corolário do direito de associação; portanto, liberdade sindical, nessa

perspectiva, é o princípio que autoriza o direito de associação, aplicado ao

âmbito trabalhista.

176
Compreender, no entanto, a liberdade sindical meramente como

garantia da existência de sindicatos é insuficiente. Num país podem existir

sindicatos; mas pode não haver liberdade sindical se os sindicatos forem,

pelo Estado, cooptados, controlados. Se liberdade sindical é conceito que

se exaure no reconhecimento, pelas leis, do direito de fundar sindicatos,

tanto haveria liberdade sindical nos Estados totalitários, que não permitem a

autonomia das associações sindicais, como naqueles em que a autonomia

sindical perante o Estado é plena.

Diferem, também, direito de associação e liberdade sindical. Esta é uma

modalidade específica daquele. Pode um país assegurar o direito de associação

e reprimir a liberdade sindical. No Brasil, a lei sempre garantiu o direito de

associação. A Constituição Republicana de 1891 (art. 72, § 8º) dispunha: “a todos

é lícito associarem-se e reunirem-se livremente, sem armas”. As Constituições

de 1934, de 1937 e de 1946 mantiveram o princípio. A Constituição de 1967,

com a Emenda Constitucional de 1969, também o preservou, como preservado

foi, ainda, pela Constituição de 1988. Mas nem sempre houve liberdade sindical.

O sindicalismo é um fato comum na época contemporânea. Assim, liberdade

sindical não é um juízo de existência. É um juízo de valor, dependendo do modo

como o sindicato, em dada ordem jurídica, é concebido, nas suas relações com

o Estado, com seus congêneres e com os seus representados.

2. ORGANIZAÇÃO

Um segundo efeito das dimensões da liberdade sindical é o direito de

organizar.

O sindicato é uma organização social.


Não apenas isso, mas também uma organização jurídica porque é

regulado pelo Direito mediante leis e outras normas.

Liberdade sindical é autonomia de organização dos trabalhadores.

A ação dos trabalhadores passou de desorganizada para organizada.

A organização dos trabalhadores, da qual a principal, mas não a única

forma, é o sindicato, afeta o sistema de relações entre o trabalho e o capital,

transpondo do plano individual para o coletivo o diálogo trabalhista, em

proveito do trabalhador, que individualmente tem pouca ou nenhuma chance

de negociar com o patrão. É uma decorrência da subordinação jurídica e da

dependência econômica em que se acha o trabalhador diante da empresa.

Essa organização é espontânea ou preestabelecida pelo Estado; a

organização espontânea resulta da autonomia dos grupos quando podem

177

definir os critérios que devem presidir o direito de associação; a organização

não espontânea é a preestabelecida pelo Estado; é aquela na qual o modelo

sindical é fechado, restrito, sem margem à escolha, pelos interessados, das

formas de organização convenientes.

Como se vê, a liberdade de organização envolve o problema da unicidade

ou da pluralidade sindical, ou seja, a permissão legal para que, numa mesma

esfera geográfica, sejam fundados, no mesmo setor, mais de um ou apenas

um sindicato representando pessoas que originariamente pertenceriam a um

só grupo.

Inclui, ainda, outro problema: a escolha dos critérios de representação

sindical pelos representados, aos quais competirá decidir se querem um


sindicato por setor da indústria, por categoria, por profissão ou se querem

um sindicato local, por empresa estadual ou nacional.

A liberdade de organização compreende uma série extensa de aspectos:

as relações externas do sindicato; o direito, conferido pela ordem jurídica,

de filiação a associações internacionais; a estrutura orgânica; o direito de

livre composição dos seus órgãos internos; a escolha dos diretores do

sindicato mediante eleições democráticas; a aprovação dos estatutos da

entidade sindical; as atribuições de cada órgão interno do sindicato; o direito

de criar entidades de nível superior, como uniões, centrais, federações e

confederações; e o direito, preenchidos os requisitos razoáveis, ao registro

do sindicato como condição da sua existência legal.

3. ADMINISTRAÇÃO

A administração do sindicato é questão interna regida pelos seus

estudos. Se o Estado padroniza os estatutos sindicais de acordo com os

interesses do Governo, fica prejudicada uma dimensão da liberdade sindical.

Internamente, como se viu, o sindicato deve pautar-se por uma ideia

básica: a democracia interna como condição de legitimidade da sua vida,

para evitar a eternização dos mesmos dirigentes no poder.

Cabe ao sindicato escolher o tipo de eleições que adotará, diretas ou

indiretas, por escrutínio secreto ou por aclamação, mas desde que o meio

escolhido seja democrático. A aclamação, muito usada nos meios sindicais,

nem sempre permite a realização de um pleito apto, porque pessoas que

não pertencem ao sindicato podem infiltrar-se e votar, o que deslegitima a

deliberação.
Há sindicatos pequenos e outros com grande número de filiados.

As eleições não podem ter a mesma forma nos dois diferentes portes de

178

entidades sindicais. Nos grandes sindicatos, é praticamente impossível

eleições diretas. Porém, se o sindicato dispõe de tecnologia moderna, terá

condições para assim fazer. Na medida em que cresce o sindicalismo, a

eleição indireta torna-se cada vez mais utilizada; é, inclusive, meio de evitar o

esvaziamento do sindicato. Comuns são as deliberações de porta de fábrica,

nos horários de ingresso ou de saída dos trabalhadores nas indústrias.

A eleição por aclamação, na opinião de Ojeda Avilés, como mostramos,

não é democrática, porque, além de impedir a lisura na triagem dos votantes, é

possível que a liberdade de consciência de cada um pode deixar se influenciar

por pressões momentâneas que a aniquilam, especialmente quando as

deliberações são tomadas em clima emocional. O escrutínio secreto permite

melhor realização do ideal democrático nas eleições sindicais. A democracia

interna, na vida sindical, exige, como vimos, de outro lado, respeito às

oposições e a disputa entre chapas concorrentes e candidaturas de grupos

que divirjam da diretoria. É corolário da democracia interna o direito de livre

propaganda pelas oposições que disputam a diretoria do sindicato com a

situação.

4. GARANTIAS

Garantias à liberdade sindical são os mecanismos jurídicos adequados

para que os princípios do direito sindical possam ser efetivados na vida

concreta das entidades sindicais e dos seus participantes.


Em especial, os dirigentes sindicais devem ser protegidos para que

possam, sem retaliações, desenvolver a sua atividade até um limite, o abuso.

A defesa dos interesses e direitos da categoria e dos seus membros é a

atribuição principal das entidades sindicais.

Os representantes sindicais são protegidos contra a prática de atos de

repressão ou antissindicais.

A estabilidade do dirigente sindical, no Brasil, desde o registro da

candidatura até um ano após o fim do mandato, é a principal garantia.

Segue-se a inamovibilidade do dirigente sindical que é o direito de não

ser removido da unidade em que trabalha e representa os trabalhadores.

Em La protección contra los actos antisindicales (1987), o jurista uruguaio

Oscar Ermida Uriarte analisa as práticas antissindicais. Aponta, como sua

premissa, a liberdade sindical de organização e de atividade. Conceitua

ato antissindical como “toda atitude ou conduta que prejudica a causa da

atividade sindical ou que limita a mesma além do que surge do jogo normal

179

das relações coletivas. Em outras palavras, os atos ou práticas antissindicais

podem ser definidos como aqueles que prejudicam indevidamente a um titular

de direitos sindicais no exercício da atividade sindical ou por causa desta ou

aqueles mediante os quais se lhes negue, injustificadamente, as facilidades ou

prerrogativas necessárias para o normal desenvolvimento da ação coletiva”.

De acordo com a Convenção n. 98 da Organização Internacional do

Trabalho, “os trabalhadores deverão gozar de adequada proteção contra

todo ato de discriminação tendente a menoscabar a liberdade sindical em


relação ao seu emprego”.

5. LIMITES À LIBERDADE SINDICAL

A liberdade sindical não é um direito absoluto. Está, como toda garantia,

sujeita a algumas restrições. Devem ser razoáveis e justificadas. Emanam

de diversas fontes.

Uma é o próprio ordenamento sindical. São injustificadas. Impedem a

liberdade de trabalho. Condicionam-na aos sindicalizados. Criam, assim, um

privilégio quando o direito ao trabalho não deve ser assim. Todos devem ter o

direito de trabalhar, preenchidas as condições que a lei impõe. Dentre estas

não podem estar incluídos os interesses corporativos de um sindicato.

Cláusulas sindicais, ajustadas em convenções coletivas entre o

sindicato e o empregador, podem inibir e limitar o direito de sindicalização

do trabalhador, caso em que contrariam o princípio da liberdade sindical. A

mais antiga é a closed shop. O empregador se compromete a admitir apenas

empregados filiados ao sindicato. A empresa é fechada a não sindicalizados.

A lei Taft-HartIey (1947), nos Estados Unidos, considerou-a ilegal. Há outras

cláusulas sindicais: a) open shop, da empresa aberta a não filiados do

sindicato; b) yellow dog contract, um compromisso de não filiação sindical

que o empregado assume para ser admitido pelo empregador; c) company

unions, compromisso de criação de sindicatos-fantasmas; d) unions shop,

após um prazo da admissão o empregado se compromete a sindicalizar-

se; e) preferencial shop, preferência de admissão para filiados ao sindicato;

f) label, marca do sindicato nos produtos do empregador para que todos

saibam que há sindicalização na empresa.


Existem leis que incentivam a sindicalização, ou com a concessão

de privilégios aos sindicalizados, ou com a exclusão de direitos a não

sindicalizados. Outras, como a da Espanha (1980), dispõem que os

trabalhadores não podem ser discriminados na admissão pelo fato de serem

ou não filiados a um sindicato. A Constituição da Itália (1947) e o Statuto dei

Lavoratori (1970) consideram nulo pacto que subordine a ocupação de um

trabalhador à condição de aderir ou não a um sindicato.

180

Outra é o direito internacional. As Resoluções da Organização

Internacional do Trabalho desestimulam o exercício de atividades políticas

pelos sindicatos quando comprometam a continuidade necessária do

movimento sindical. Não são recebidas de modo pacífico. Há sindicatos que

insistem em exercer atividades políticas. Difícil mesmo é encontrar um

sindicato sem uma ideologia política. Alguns são braços de um partido político.

Outra, ainda, é o ordenamento jurídico de direito interno do Estado. As

leis vedam a certas classes de trabalhadores o direito de sindicalização. Nem

todos os funcionários públicos têm esse direito. É negado aos militares por

algumas legislações.

Há, também, restrições da doutrina e da jurisprudência. A teoria do abuso

de direito condena a designação, pelo sindicato, de número desnecessário e

excessivo de diretores.

Ninguém pode ser obrigado a ingressar ou a não ingressar num

sindicato. Eis, de modo simples, o princípio da liberdade de filiação sindical.

Sua formulação envolve uma diretriz genérica, de amplitude tal que possa
valer como regra fundamental de liberdade individual dos trabalhadores, sem

qualquer tipo de especificação. Depois, é também um comando que visa a

amparar trabalhadores que estão em condições especiais, como estrangeiros,

incapazes, uma vez que a razão fundamental do direito à liberdade de filiação

é o status trabalhista, que deve sempre ser respeitado, ainda que a lei venha

a fazer algumas limitações não interferentes na preservação da garantia

fundamental. Acrescente-se que o princípio funciona como um direito para

o trabalhador, e como um dever para o sindicato. Portanto, tem um sentido

positivo, para aquele, e negativo, para este. Numa dimensão maior, porém,

pode ter como destinatário não apenas o sindicato, mas o Estado, quando

faz discriminações.

Vejamos, em separado, a liberdade de filiação e o sindicato, a liberdade

de filiação e o Estado e a liberdade de filiação e o empregador. As relações

entre o sindicato e os seus filiados são amplas e envolvem mais de uma

perspectiva: um problema de autoridade do grupo sobre os seus membros

e uma questão de liberdade, dos representados, perante os poderes

do sindicato. Verdier afirma que a autoridade do sindicato sobre os seus

membros é destinada a assegurar a disciplina sindical e o respeito destes

às suas obrigações, pressupostos do poder disciplinar do sindicato sobre os

seus membros, respeitados limites à autoridade do sindicato, segundo os

princípios da especialidade e da subordinação. De acordo com o primeiro

princípio, o grupo não pode usar o seu poder senão para atender aos seus

fins, isto é, a defesa dos interesses profissionais. Desse modo, o sindicato

não pode imiscuir-se na vida privada ou religiosa dos seus aderentes. De


acordo com o segundo princípio, o poder interno do grupo não pode ferir os

direitos individuais dos seus membros.

181

Nota-se, desde logo, que nas relações com o sindicato as pessoas

não têm um direito absoluto. Abrem mão de uma parcela da sua liberdade.

Há divergências sobre os limites que devem ser estabelecidos para que

haja equilíbrio entre o direito individual e o interesse do grupo. Como a

Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948), art. 1º, XXI 11, 4,

dispõe que todo homem tem direito a ingressar num sindicato e no mesmo

sentido são as Convenções ns. 98 e 53 da Organização Internacional do

Trabalho, e a Convenção de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das

Liberdades Fundamentais (1950), tem-se claro que o direito individual deve

ser respeitado.

A liberdade de filiação sindical abrange a liberdade de aderir a um

sindicato. Um sistema de filiação obrigatória fere a liberdade de sindicalização.

A liberdade de filiação sindical compreende, também, o direito de

se desfiliar de um sindicato. Existem práticas, como o mise à I’index, da

França — uma espécie de lista negra dos não filiados —, e o maintenance of

membership, da Inglaterra e Estados Unidos — cláusulas segundo as quais

os empregados que se filiarem voluntariamente a um sindicato devem nele

permanecer durante a vigência da convenção coletiva em que a cláusula é

ajustada, sob pena de dispensa pelo empregador —, que são contrárias à

liberdade sindical do trabalhador.

A liberdade de filiação sindical envolve, sem dúvida, o direito do


trabalhador de não ingressar em um sindicato, ou seja, a liberdade de não se

filiar. Nossas leis defendem essa garantia, mas proíbem mais de um sindicato

da mesma categoria na mesma base territorial. Com isso, oferecem uma

única possibilidade ao trabalhador: ingressar no único sindicato existente ou

não se inscrever em nenhum outro. Não é essa a melhor forma de preservar

a liberdade sindical individual.

Um dos principais aspectos da liberdade sindical é a filiação de sindicatos

a organizações internacionais. A Carta Social Europeia (1961) assegura o

direito de filiação dos sindicatos a entes internacionais. No mesmo sentido, é

a Convenção n. 98 da Organização Internacional do Trabalho.

Retorne-se ao problema da proibição de sindicalização para alguns

setores de trabalhadores. Mediante leis, o Estado proíbe certas classes de

trabalhadores de se filiarem ou organizarem sindicatos, como os funcionários

públicos e os militares. A organização sindical, nesses setores, é vedada

por algumas legislações. A Convenção n. 98 (OIT) não os discrimina. Os

argumentos apontados contra a sindicalização dos funcionários públicos são

os seguintes: primeiro, a natureza do vínculo de trabalho de funcionários

públicos — uma relação jurídica de direito administrativo, e não de direito do

trabalho, afastando-se, assim, os servidores públicos do âmbito do Direito

do Trabalho, argumento que não pode ser aceito quanto aos servidores

182

públicos regidos pela lei trabalhista, embora possa impressionar quanto ao

pessoal estatutário; segundo, a finalidade do exercício da função pública:

os funcionários públicos atendem a interesses gerais da comunidade,


desempenhando serviços públicos que não podem ser equiparados às

atividades econômicas privadas; terceiro, a ordem política: Rouast e Durand

sustentam que o sindicato de funcionários públicos apresenta, para o Estado,

o perigo de mesclar a função pública com os conflitos trabalhistas.

Há países, em considerável número, que admitem o direito de

sindicalização dos funcionários públicos; outros, nos quais esse direito é

negado para as Forças Armadas e para a Magistratura; outros, ainda, em que

aos funcionários é garantido o direito de associação, mas não sob a forma de

sindicato; e, finalmente, há sistemas jurídicos nos quais os funcionários não

estatutários podem se sindicalizar.

Finalmente, ressalte-se que é restritivo da liberdade sindical um sistema

legal que proíbe a criação de mais de um sindicato da mesma categoria

na mesma base territorial, uma vez que a autonomia sindical tem como

premissa o direito da livre criação de entidades sindicais, em qualquer grau

ou de qualquer tipo, de acordo com a iniciativa dos próprios interessados. Um

sistema legal indiferente para essa questão não é um sistema de liberdade

sindical, ainda que o sindicato, perante o Estado, tenha plena autonomia,

desde que não exista nas relações entre sindicato e representados, impositiva

sempre que a lei fizer essa proibição. Haverá, no entanto, liberdade sindical,

sob esse prisma, quando a união dos representados for espontânea, não

obrigatória por lei. O ordenamento jurídico que não faculta às pessoas decidir

pela entidade que querem que as represente é, sem dúvida, autoritário e

com fortíssimos traços restritivos da liberdade sindical. Nesse caso, o

autoritarismo está na ausência de escolha, própria dos regimes de unicidade


legal. Logo, só haverá, nessa perspectiva, liberdade sindical onde e quando

a lei se abstiver de interferir na livre opção dos representados.

183

CAPÍTULO 20

OS SISTEMAS QUANTO À EXISTÊNCIA

DE REGULAMENTAÇÃO LEGAL

1. OS SISTEMAS DE TIPO INSTITUCIONAL

Nossa opinião, já mostrada no início, e agora reafirmada, é de que

o problema sindical não é apenas sociológico, mas, também, jurídico.

Indispensavelmente, jurídico. Sistemas de tipo institucional são aqueles nos

quais a organização sindical não é regida por lei, tem existência sociológica,

tolerada pelo direito, todavia, não encontra neste o fundamento da sua

validade, que está não no ordenamento jurídico, mas na realidade concreta

da vida social.

Coincidem, de certo modo, com os sistemas denominados, por alguns

juristas, desregulamentados.

Em alguns países não existem leis sindicais. Exemplifique-se com a

Alemanha e o Uruguai.

Em outros, em alguns níveis, há organização sindical do tipo institucional,

não autorizada, e não reprimida, pela lei; em outros níveis, as entidades

sindicais são disciplinadas por lei. No Brasil, as Centrais Sindicais não são

previstas pela Constituição Federal e pela CLT. As confederações, federações

e sindicatos são regidos por leis.

Desse modo, é impróprio pensar em sistema institucional puro, afastado


do ordenamento jurídico, como fenômeno exclusivamente sociológico.

Sistemas sindicais do tipo institucional são desregulamentados no sentido

de que não estão submetidos a uma legislação, mas são parte integrante não

só da realidade social, mas, também, do sistema jurídico do país. Basta a

um país ratificar a Convenção n. 87 da OIT e estará incorporando, no direito

interno, uma norma sindical. Com isso, esse país, embora não tendo leis

sindicais, não deixará de ter normas jurídicas sindicais.

Nos Estados Unidos, não há leis de organização sindical, mas existem

leis, e poucas, sobre boa-fé nas relações coletivas. A principal é o Wagner Act.

As Centrais Sindicais formaram-se espontaneamente. E resolveram

fundir-se, surgindo a AFL-CIO, cuja função é unir os sindicatos. Uma em-

presa pode ter diversas unidades de negociação com diferentes contratos

coletivos, em número variável de até mais de 50. Os salários pagos nas di-

184

ferentes empresas são comparados. Os dados são computados. A AFL-CIO

faz consultas aos sindicatos sobre a forma de negociação que pretendem

fazer, se querem desenvolver uma ação conjunta ou separada. As empresas

fazem o possível para frustrar a coordenação, mas a lei as obriga a aceitá-la.

A negociação conjunta é considerada mais produtiva que a isolada. A greve

será também conjunta em diversas unidades. Os contratos coletivos unifica-

dos são em maior número do que os isolados.

Os maiores sindicatos dos Estados Unidos são: NEA (professores),

Teamsters (trabalhadores em transportes), AFSCME (servidores públicos),

UFCW (trabalhadores em alimentação e comércio), SEIU (empregados


no setor de serviços), UAW (trabalhadores na indústria automobilística),

CWA (trabalhadores em telecomunicações), IAM (engenheiros), USWA

(siderúrgicos), APWU (empregados do correio público), NALC (empregados

do correio privado), UPIU (trabalhadores na indústria de papel), OCAW

(químicos) e UMWA (mineiros) (Fonte: Moody, 1995).

A representação dos trabalhadores num estabelecimento (planta) se

faz por eleição. O sindicato que, no local, organizar os trabalhadores os

representará. Podem os trabalhadores eleger qualquer sindicato de qualquer

setor. O nome do sindicato não tem maior importância, mesmo sem relação

com os representados, embora dê certa identidade ao sindicato.

As negociações dos sindicatos são, diretamente, com as empresas, e não

com associações de empregadores. A representação local dos trabalhadores

é do sindicato que tiver maior número de cartões de representação. O

empregador pode conferi-los; se não os aceitar, pode recorrer ao NLRB —

órgão administrativo que investiga e julga questões sindicais —, que definirá

a representação para o sindicato “A” ou “B” ou determinar a realização de

eleições locais. O sindicato eleito para a negociação passa a ser representante

exclusivo de todos os trabalhadores na unidade. O empregador só poderá

negociar com esse sindicato e não com outro.

É ampla a função da negociação coletiva e dos contratos coletivos

de trabalho; ocupam o vazio decorrente da inexistência de uma legislação

trabalhista. A negociação é um processo contínuo e um direito fundamental

do trabalhador, garantido por lei federal. O empregador tem a obrigação de

negociar de boa-fé, sujeitando-se, em caso contrário, a cominações previstas


em lei. A negociação não é um movimento isolado, praticado somente por

ocasião do que chamamos data-base, mas um procedimento permanente.

É um processo constituído de três partes: a negociação, o cumprimento e o

julgamento.

A duração dos contratos coletivos é, de regra, de três anos. Há acordos com

cerca de 200 páginas. O cumprimento do acordo funda-se nos mecanismos

185

previstos no próprio acordo. Havendo impasse, segue-se um procedimento

denominado grievance, uma sequência de níveis de entendimento na empresa,

visando a uma solução, inicialmente em esferas menores, depois em esferas

maiores, variando em cada acordo. Geralmente, o entendimento inicial se

faz entre o empregado e seu chefe imediato; depois, entre o representante

sindical e o superior ao chefe do empregado; não resolvida a questão, entre

o chefe dos stewards ou um conselho e o diretor da empresa. O julgamento

( adjunction) é necessário quando, percorrido esse caminho, não há solução

negociada. Far-se-á nos termos do contrato coletivo que, geralmente, prevê

uma arbitragem. Parte pequena dos casos, em relação ao seu número total,

chega à arbitragem.

Nos contratos coletivos, são comuns cláusulas sindicais: o closed

shop, que é a proibição de admissão de empregado fora do sindicato;

union shop, que é a obrigação de sindicalização dos empregados trinta dias

após a admissão (90% dos contratos têm essa cláusula); o check-off, que

é o desconto em folha para o sindicato; e o direito do sindicato de se ver

reconhecido pelo empregador, de conformidade com a lei e de acordo com


a eleição dos trabalhadores, com o que o sindicato passa a ser o órgão

da negociação coletiva. Há, também, cláusulas sobre a administração do

contrato, reabertura das negociações após o primeiro ano de duração do

contrato, percentuais de aumento de salário em cada ano etc.

A lei não define unidade de negociação; poderá ser o conjunto de

empregados de um estabelecimento, qualquer que seja a profissão de cada

um deles, mas nada impede que numa empresa alguns empregados, como

os de escritório, se organizem separadamente do restante do pessoal, como

outra unidade de negociação representada por sindicato próprio, tendo em

vista o critério da natureza da profissão.

Assim, é possível dizer que há sindicatos por profissão, há sindicatos que

reúnem pessoas de mais de uma profissão no estabelecimento e sindicatos

organizados por setor de indústria ou serviços. Em grande número de casos,

a unidade de negociação é uma empresa.

Que apreciações seriam pertinentes sobre esse sistema?

É, sem dúvida, democrático, uma vez que permite aos empregados

de uma empresa a livre escolha do sindicato que os representará,

independentemente de enquadramentos impostos pela lei, base de uma

estrutura sindical espontânea, consensual, própria de um Estado de Direito

que pressupõe a autonomia coletiva dos particulares.

Não está centralizado na categoria, nos moldes corporativistas, daí

desconhecer esse conceito, substituído pelo de unidade de negociação,

mostrando, com isso, um sistema que atua em função de um objetivo

186
central, a pactuação de contratos coletivos de trabalho, sendo os sindicatos

verdadeiros escritórios de negociação coletiva livremente escolhidos pelos

trabalhadores na medida da sua eficiência, pelos mesmos substituídos por

outros, desde que não apresentem bons resultados.

Caracteriza-se como um modelo de unidade espontânea, primeiro na

base da representação dos trabalhadores, uma vez que todos os empregados

de uma empresa são representados pelo mesmo e único sindicato na mesma

existente, segundo na cúpula porque só há uma central sindical em todo o

país, resultado de uma fusão espontânea de duas centrais antes existentes,

assegurada autonomia para a liberdade de criação de sindicatos em níveis

mais amplos do que o da planta, em especial sindicatos de uma profissão

que nós denominamos de categoria diferenciada.

Não prescinde, todavia, da presença do Estado, por mais que queira

evitá-la, recorrendo, quando necessário, a um órgão central, administrativo,

mas com poderes investigatórios e judicantes, para apreciar e decidir atos

contrários à negociação coletiva de boa-fé e à liberdade sindical.

2. OS SISTEMAS DE TIPO LEGISLADO

Um sistema equilibrado de relações coletivas de trabalho harmoniza,

adequadamente, fontes estatais e fontes não estatais do direito sindical,

combinando, na justa medida, a lei e a autorregulamentação sindical. O

Estado democrático tem um compromisso com a defesa da liberdade sindical,

da autonomia coletiva dos particulares e da garantia do direito de greve dentro

de limites razoáveis. Sua posição deve ser equidistante, mas não indiferente.

A lei é, também, instrumento para coibir e evitar o abuso do poder sindical


quando confunde liberdade sindical com tomada do poder político.

A segunda apreciação sobre as leis do direito sindical é sobre o seu

conteúdo. O movimento sindical nem sempre confia nos propósitos das

leis, alertado pela repressão que sofreu, pelo controle a que foi submetido

pelo corporativismo e pelas leis que consideraram as coalizões um delito

de conspiração contra o Estado. No período contemporâneo, uma política

legislativa voltada para esses fins contraria o Estado de Direito e as liberdades

públicas.

As modernas leis sindicais, em vez de uma política repressiva, respal-

dam a liberdade sindical, e um exemplo está na Itália, com a Lei n. 300, o Es-

tatuto dos Trabalhadores. Na Espanha da era pós-franquista, com o Estatuto

dos Trabalhadores (Lei n. 8, de 10.3.1980) e a Lei Orgânica de Liberdade

Sindical (Lei n. 11, de 2.8.1985), expressões de um sindicalismo democrático

no qual, como observa Flávio Antonello Benites Filho, na monografia Direito

187

sindical espanhol, a transição do franquismo à democracia (1997), o Estado

não apenas deixa de ter o monopólio da regulamentação das condições de

trabalho, mas perde, também, a sua função tutelar no plano das relações

individuais, ao mesmo tempo em que cessa sua atuação repressiva no plano

das relações coletivas.

Essas duas leis espanholas fortaleceram a representação dos

trabalhadores no local de trabalho, favorecendo a organização dos comitês

de empresa e dos delegados dos trabalhadores, a autonomia da organização

sindical e a negociação coletiva. O Estatuto, refundido em 1995, fixa


percentuais de trabalhadores que na empresa representarão os demais, de

acordo com o porte da unidade e o número de empregados. As empresas são

obrigadas a enviar aos comitês informações trimestrais, a permitir o acesso

aos balanços, às informações sobre a composição do seu capital e a remeter

documentos de rescisões contratuais.

A realização de eleições para escolha dos representantes, a regulamen-

tação do processo eleitoral e a legitimidade do comitê para ingressar com

processo judicial e o efeito erga omnes das convenções coletivas em nível

de empresa, quando aprovadas pela maioria absoluta dos interessados, são

garantidas pela lei. É esta, também, que enumera infrações pela prática de

atos antissindicais pelo empregador.

A Lei Orgânica de Liberdade Sindical assegura a liberdade sindical, o

direito de fundar sindicatos sem autorização prévia do Estado, de filiar-se ao

sindicato de escolha do trabalhador com a única condição de respeitar os

seus estatutos e de eleger livremente os seus representantes. Garante aos

sindicatos o direito de redigir os estatutos, de organizar a sua administração, de

fundar federações, confederações e organizações internacionais, de exercer

atividade sindical na empresa, de declarar greve, de exercer a negociação

coletiva, de apresentar candidatos para eleições nos comitês de empresa,

nas eleições de delegados do pessoal e representantes sindicais em órgãos

da Administração Pública e não permite a sua suspensão ou extinção, a não

ser mediante decisão judicial fundada em grave descumprimento das leis.

É a lei, também, que fixa procedimentos para a aquisição de perso-

nalidade jurídica e protege a autossustentação financeira dos sindicatos; a


impenhorabilidade das contribuições sindicais; enumera os requisitos definido-

res do sindicato mais representativo, dentre os quais o número de delegados

do pessoal e membros dos comitês eleitos na empresa; a filiação à organização

de âmbito nacional mais representativa; confere ao sindicato mais represen-

tativo algumas prerrogativas, como a de negociar pelo grupo, a indicação de

representantes, para participar nas discussões no âmbito da Administração

Pública e o acesso aos locais de trabalho mediante prévia comunicação ao

empregador e desde que não afete as atividades da empresa.

188

O direito de associação dos empresários é regulado em lei separada da

sindical (Lei n. 19, de 1977), em cumprimento aos dispositivos da Constituição,

que distinguiram o direito à liberdade sindical dos trabalhadores e o direito

de associação dos empregadores, este nos mesmos moldes das demais

pessoas jurídicas de direito comum.

Esse importante papel cumprido pela lei, como instrumento de suporte

do movimento sindical, contrasta com a opressão das primeiras leis sindicais,

e significa uma nova política legislativa voltada para a valorização dos

sindicatos.

Ampla é a jurisprudência sindical na Espanha, da qual uma boa fonte é

a Revista espanhola Actualidades Laborales, e na Itália. Exerce importante

papel na formação dos princípios do direito sindical. É da jurisprudência

francesa a tese do abuso de direito na greve. E da alemã, a da greve como

ultima ratio.

No Brasil, os Tribunais julgam questões entre entidades sindicais sobre


interesse próprio, como contribuição sindical; disputas de representação

sindical; de deliberações de assembleias sindicais; de eleições sindicais

como impugnação de chapas que se inscrevem para concorrer à eleição;

de anulação das eleições; suspensão ou exclusão de sócios do sindicato;

recusa de inscrição; divergências sobre estatutos da entidade; expedição

de interditos proibitórios de ocupação de estabelecimentos pelos sindicatos,

boicotagem e sabotagem e outras.

As leis sindicais são constitucionais ou infraconstitucionais, conforme

a sua fonte, a Constituição ou esferas menores; programáticas — como o

princípio da liberdade sindical; de eficácia retida — quando dependem de

lei ordinária para a sua efetivação; e de eficácia imediata — quando não

dependem de lei ordinária para a sua aplicação, apresentando todos os

elementos necessários para esse fim; esparsas, consolidadas ou codificadas:

esparsas, quando não incluídas em texto comum a várias matérias ou quando

dispuserem especificamente sobre determinada matéria; consolidadas,

quando reunidas em diploma legal abrangente das demais áreas do Direito

do Trabalho; codificadas, quando previstas em um Código do Trabalho; são

de organização e de ação as primeiras, sobre a estrutura das entidades

sindicais, as segundas, sobre as atividades destas; proibitivas ou dispositivas,

aquelas, quando vedam aos particulares ajustes em sentido contrário às

suas imposições; estas, quando permitem esses ajustes.

As leis sindicais passaram por grande modificação. Eram impositivas

e repressivas e se transformaram em leis de suporte à liberdade sindical,

com fundamento numa ideia: compete aos interlocutores sociais, e não


ao Estado, a iniciativa autônoma da organização dos grupos e a definição

189

de suas formas de representação. Essa mudança de política legislativa,

atualmente bem nítida, gerou o aparecimento de leis de proteção contra

condutas antissindicais, das quais nos dá notícia Oscar Ermida Uriarte, em

La proteción contra los actos antisindicales (1987), e como, também, já se

referia a Convenção n. 98 da Organização Internacional do Trabalho — OIT.

Concluindo:

— os sistemas sindicais de tipo institucional, assim considerados aqueles

nos quais a interferência da lei é mínima, exatamente para que os

próprios interessados possam construir as suas normas de organização

e de ação, sempre dependerão, por mais desregulamentados que

sejam, de uma lei;

— os modelos institucionais geram a existência de sindicatos de fato;

— o sindicalismo latino-americano sempre pecou pelo excesso de

intervenção do Estado no sistema sindical e há um país que foge da

regra, o Uruguai, no dizer de Uriarte, um modelo abstencionista;

— os sistemas do tipo legislado não devem levar ao máximo a sua

normatização, sob pena de automaticamente assumirem a fisionomia

de um sistema intervencionista;

— o ideal é dosar a dimensão da lei que não deve nem descer a

detalhes muito menos ampliar-se ocupando uma esfera que os próprios

sindicatos podem ocupar;

— uma legislação sindical moderna deve ter duas metas fundamentais


para que possa situar-se num patamar de razoabilidade: primeira, o

seu sentido promocional de apoio ao sindicato por meio de princípios

que o valorizem diante da sua importância num Estado Democrático de

Direito; segunda, algumas limitações indispensáveis para evitar abusos,

como já faz a nossa Constituição em relação à greve.

190

CAPÍTULO 21

OS SISTEMAS QUANTO À LIMITAÇÃO LEGAL

DO NÚMERO DE SINDICATOS: UNICIDADE,

UNIDADE E PLURALIDADE

1. UNICIDADE LEGAL

O melhor sistema sindical é o que permite aos próprios interessados

escolher o tipo de associação que querem constituir, sem entraves legais que

prejudiquem essa escolha. Porém, nem sempre é assim. Unicidade sindical

é a proibição, por lei, da existência de mais de um sindicato na mesma base

de atuação. A proibição pode, como vimos, ser total ou restringir-se apenas a

alguns níveis, como, por exemplo, o de empresa. Nesse caso, há unicidade

sindical quando, na mesma empresa, é vedado mais de um sindicato para

representar os seus empregados. A unicidade poderá significar, também, a

proibição de mais de um sindicato da categoria. As mesmas observações

são pertinentes quanto ao nível da profissão.

A ação sindical é o aspecto dinâmico do qual a organização sindical é

o aspecto estático da mesma realidade. Organização sindical é expressão

que, para Evaristo de Moraes Filho(1), tem três significados correlatos e


inseparáveis: o estudo da forma de constituição dos sindicatos em relação ao

conjunto da atividade ou da profissão; a forma de constituição dos sindicatos

quanto à representação da atividade ou da profissão; o estudo da forma de

se constituírem os sindicatos quanto à hierarquia das entidades sindicais de

diversos graus.

Aí estão as dimensões do estudo da organização sindical: o sindicato

e o conjunto da atividade ou profissão, numa perspectiva global do sistema

sindical correlacionado como um todo; o sindicato e a forma de representação

dos trabalhadores; o sindicato e os graus de entidades sindicais.

Questão diretamente vinculada à anterior é saber se, na mesma

base territorial, deve ser permitida a existência de mais de um sindicato na

mesma categoria. É o problema da pluralidade sindical, quando a resposta

à indagação é afirmativa, ou da unicidade sindical, quando é negada essa

liberdade. Admitindo-se que não deve ser autorizada a existência de mais

de um sindicato da mesma categoria na mesma base territorial, a proibição

(1) V. Sindicato — organização e funcionamento, LTr, 44-9:1065, set. 1980.

191

deve resultar da lei, como no Brasil, ou a lei deve se abster dessa proibição

para permitir a união espontânea, deliberada pelas próprias forças sindicais,

se assim vierem a desejar? É o debate sobre unicidade e unidade sindical.

Unicidade é a união obrigatória e unidade é a união natural e facultativa.

Naquela, impera a autoridade; nesta, a vontade.

Qual é a diretriz correta? Em termos doutrinários, convém que se faça

uma análise mais detida, a começar pelo significado com que são aqui
empregadas as expressões pluralidade, unicidade e unidade sindical.

Com a autoridade de sempre, Arnaldo Süssekind, em Direito constitu-

cional do trabalho (1999), ensina que “na maioria dos países há pluralidade

de direito e de fato (p. ex.: França, Itália, Espanha); em alguns, é facultada

a pluralidade sindical, mas, por conscientização dos trabalhadores, vigora,

de fato, a unidade de representação (p. ex.: Alemanha e Reino Unido); em

outros, o monopólio de representação sindical é imposto por lei (p. ex.: Brasil,

Colômbia, Peru); na Argentina há pluralidade sindical, mas a um só sindi-

cato é conferida personalidade gremial para negociar como representante do

grupo. O princípio da liberdade sindical, como tem ressaltado a OIT, aceita a

unidade fática de representação, exigindo apenas que o sistema jurídico pos-

sibilite a pluralidade de associações, em qualquer nível; admite, outrossim,

a designação do sindicato mais representativo como porta-voz do grupo em

determinadas questões. Quanto à estruturação, devem os trabalhadores ter

a faculdade de organizar sindicatos de categoria, profissão, ofício, empresa

e até estabelecimento”.

Nos Estados Unidos, numa empresa, os empregados escolhem, por

eleição, o sindicato que terá a representatividade única. O sindicato que

ganhar a eleição será o único de todos os empregados da empresa e terá o

direito de representá-los com exclusividade na negociação coletiva.

2. UNIDADE SINDICAL

Unidade sindical é o sistema no qual os sindicatos se unem não por

imposição legal, mas em decorrência da própria opção. Diferem unicidade

(por lei) e unidade (por vontade). A unidade não contraria o princípio da


liberdade sindical; a liberdade pode ser usada para a unidade. A República

Federal da Alemanha é exemplo. É também o sistema da Inglaterra e da

Suécia.

Na doutrina, tanto há defensores do unissindicalismo (Georges Scelle,

Pennachio) como do plurissindicalismo (Roger Bonnard, Spyropoulos, Mario

de La Cueva), e, também, partidários da unidade adquirida, que pressupõe a

liberdade para a escolha da unificação se e quando os sindicatos quiserem,

ou da unidade orgânica com liberdade de ação.

192

Essas correntes encontram adeptos em nosso país, onde foi muito forte

a influência da primeira; conseguiu, mesmo, catalizar a preferência de juristas

dos mais conceituados, como Evaristo de Moraes Filho, Orlando Gomes e

Elson Gottschalk, José Martins Catharino, Segadas Vianna, Tarso Genro, e

dos precursores Oliveira Viana e Joaquim Pimenta.

Arnaldo Süssekind(2) afirma: “Também nós já defendemos o monopólio

de representação sindical e, até hoje, justificamos que Getúlio Vargas

o tenha adotado visando a evitar o fracionamento dos sindicatos e o

consequente enfraquecimento das respectivas representações, numa época

em que a falta de espírito sindical dificultava a formação de organismos

sindicais e a filiação de trabalhadores a eles. Afinal, esse espírito resulta das

concentrações operárias, que dependem do desenvolvimento industrial. Daí

porque, hoje, defendemos a liberdade de constituição de sindicatos, embora

reconhecendo que o ideal seja a unidade de representação decorrente da

conscientização dos grupos de trabalhadores ou de empresários interligados


por uma atividade comum. Outrossim, as centrais brasileiras, de diferentes

matizes filosóficos, criaram uma realidade, que não pode ser desprezada,

justificadora da pluralidade sindical”.

3. PLURALIDADE SINDICAL

Pluralidade sindical é o princípio segundo o qual, na mesma base

territorial, pode haver mais de um sindicato representando pessoas ou

atividades que tenham um interesse coletivo comum. É o sistema da

Espanha, Itália, França e da maioria dos países. “O pluralismo — diz Verdier(3)

— é uma das dominantes do direito sindical e do sindicalismo franceses.”

Pluralidade orgânica e unidade de ação, como, também, unicidade orgânica

e a pluralidade de ação são variáveis do mesmo tema. Orgânica é a

pluralidade na sua acepção maior. É a possibilidade, no sistema sindical,

da coexistência de mais de um sindicato representativo e concorrente. Se

os diversos sindicatos se unem numa atuação conjunta, dá-se a unidade de

ação, embora organicamente sejam sindicatos separados.

Pluralistas ou unitaristas — e não unicitaristas —, lembrando que entre

estes últimos estão os doutrinadores que preferem a unidade espontânea e

voluntária e rejeitam a imposta por lei, e são eles Roberto Barretto Prado,

Délio Maranhão, Eduardo Gabriel Saad, Octavio Bueno Magano, Arion

Romita, Cássio Mesquita Barros Jr., José Augusto Rodrigues Pinto, Ney

Prado, Antônio Álvares da Silva e outros. Essa foi a posição, também, da

Ação Católica Brasileira, que influiu na Constituição de 1934. Com a tese da

(2) SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito constitucional do trabalho. São Paulo: LTr, p. 336.

(3) Syndicats. In: CAMERLYNCK (Coord.). Traité de droit du travail’. de Paris: Dalloz, 1968.
193

unidade na pluralidade, também não impositiva, alinham-se, entre outros,

Russomano, João Régis e Chiarelli.

Podem coexistir pluralidade, em um nível, e unicidade, em outro nível.

É o que ocorre quando na cúpula existem diversas centrais sindicais; na

categoria só é permitido um sindicato na mesma base territorial. Se em nível

de empresa é proibido mais de um sindicato e na categoria pode haver mais

de um, o sistema é misto, de unicidade, na empresa, e de pluralidade, na

categoria. A pluralidade pode, teoricamente, configurar-se na categoria, na

profissão e na empresa. Se na mesma categoria e base territorial, há mais de

um sindicato concorrente; se for assim, também, no âmbito da profissão; ou

se é o que ocorre na esfera interna da empresa, haverá pluralidade.

A pluralidade pode ser: a) total, quando atingidos todos os níveis da

organização sindical; b) restrita, quando coexistentes níveis de pluralidade

e de unicidade. Se os empregados de uma empresa têm o direito de votar

para escolher o sindicato que querem como representante, e sendo o

sindicato eleito o único, vedado outro na empresa, haverá unicidade sindical

em nível de empresa e pluralidade sindical em nível orgânico de sistema.

A possibilidade de escolhas e alternativas caracteriza um sistema sindical

democrático. Garantir aos trabalhadores o direito de escolha é princípio

básico de autonomia de organização sindical.

Liberdade sindical e proibição de livre organização sindical são

conceitos contrapostos e excludentes. A auto-organização sindical passa

pela possibilidade de livre organização. É impossível compatibilizá-la com o


monopólio sindical orgânico. A pluralidade pode prejudicar a união orgânica.

Não impede, contudo, a unidade de ação. A unicidade orgânica pode

assegurar a união formal. Não pode, no entanto, evitar o fracionamento da

ação.

A pluralidade sindical exige corretivos. São assim entendidos meca-

nismos destinados a abrandar as suas consequências. São técnicas que

tendem para atitudes unificadoras.

Na França, esses corretivos têm uma fórmula: o conceito de sindicato

mais representativo. Desse modo, diante de dois ou mais sindicatos na mesma

esfera, o mais representativo atuará em nome dos demais trabalhadores nos

casos de ação conjunta. A lei fixa requisitos para escolha do sindicato mais

representativo: número de efetivos, independência do sindicato, volume das

contribuições, experiência e antiguidade e, até mesmo, sua atuação durante

a ocupação na guerra e a resistência francesa à invasão nazista.

Outra forma corretiva: a comissão de negociação. Quando integrada

por representantes de todos os sindicatos, permite unificar uma ação

conjunta para a discussão de um contrato coletivo aplicável ao âmbito de

representação de todos os sindicatos cujos representantes a integraram.

194

4. O SISTEMA BRASILEIRO

Na mesma base territorial pode haver mais de um sindicato da mesma

categoria? A resposta, em nosso direito, da CLT (1943) e da Constituição

Federal (1988), é negativa. O Brasil adota o princípio da unicidade sindical

em nível confederativo. Esse nível vai dos sindicatos à confederação da


categoria. A lei veda, nesse âmbito, a criação de mais de um sindicato na

mesma base territorial e dentro da mesma esfera de representatividade.

O sistema brasileiro é o monopólio de representação por imposição

da lei. E é nesse sentido que é usada a expressão unicidade sindical. O

nosso sistema não faculta aos trabalhadores a possibilidade de organização

espontânea para formar uma coletividade natural, uma unidade de fato, ou de

elegerem, na empresa, o sindicato que os representará. Estarão adstritos a

um sindicato. O mesmo sindicato que representa a categoria os representará,

também, como membros da categoria que são, ainda nos casos de interesses

específicos coletivos de trabalhadores de uma empresa.

A profissão, também, é organizada pelo mesmo princípio, da unicidade

sindical. Desse modo, numa profissão, e na mesma base territorial, só é

permitido, pela lei, um sindicato. Esclareça-se o que é normal: o sindicato

da categoria e o sindicato da profissão. Ambos coexistem. Podem atuar na

mesma empresa. O sindicato da categoria representará todos os empregados

que nela trabalhem e o sindicato da profissão somente os profissionais que

representa. A categoria representada será definida pela atividade econômica

preponderante: telefonia, comércio, indústria de alimentação, metalurgia etc.;

os trabalhadores, nessas empresas, terão como representante o sindicato

dos trabalhadores correspondente. Os profissionais que nessas empresas

exercem a sua atividade como empregados — engenheiros, médicos,

advogados, motoristas, vigilantes e outros — não são representados pelo

sindicato da categoria geral, mas pelo da categoria diferenciada, o da

respectiva profissão.
O Brasil segue uma tradição legal de unicidade sindical. Não foi assim

no início da sua organização sindical. As leis sindicais de 1903 e de 1907

permitiram a pluralidade sindical e a Constituição Federal de 1934 a manteve,

declarando (art. 120): “A lei assegurará a pluralidade sindical e a completa

autonomia dos sindicatos”.

A unicidade foi introduzida em nosso ordenamento em 1939, pelo

Decreto-lei n. 1.402, nos seguintes termos: “Não será reconhecido mais de

um sindicato para cada profissão”.

A Consolidação das Leis do Trabalho, de 1943 (art. 516), a recepcionou,

assim dispondo: “Não será reconhecido mais de um sindicato representativo

da mesma categoria econômica ou profissional, ou profissão liberal, em uma

dada base territorial”.

195

A Constituição Federal de 1988 a manteve (art. 8º, II): “II — é vedada a

criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa

de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, que será

definida pelos trabalhadores ou empregadores interessados, não podendo

ser inferior à área de um Município”.

É possível apontar, no entanto, duas atenuantes, se assim se pode

dizer, ao rigor da unicidade em nossa legislação.

Primeira, a pluralidade de associações não sindicais. A CLT permitiu

a criação de associações não sindicais, além de sindicatos (arts. 512 e

515). As associações, desde que preenchidos alguns requisitos, podiam, e

podem, ser livremente fundadas e em qualquer número (art. 515). Não têm
prerrogativas de sindicatos (art. 513). Antes da Constituição de 1988, eram

um primeiro momento do sindicato. Dentre elas, uma, a mais representativa,

era reconhecida pelo Ministério do Trabalho como sindicato (art. 520).

Recebia do Ministério a investidura sindical, tendo, daí por diante, poderes

de representação, com exclusividade, da categoria respectiva. Esse sistema

desapareceu com a Constituição de 1988, que proibiu a interferência do

Estado na criação de sindicatos, respeitada a unicidade sindical. Logo, com

a nova legislação constitucional, ao Estado não é dado o poder de impedir

a fundação de um sindicato, quer tenha sido ou não, anteriormente, uma

associação. Um sindicato pode ser fundado sem nunca ter sido associação.

Esse sistema de pluralidade de associações só pode ser visto como

atenuante da unicidade sindical quanto à liberdade para a criação de

associações não sindicais, mas não quanto à fundação de sindicatos, de

modo que é, como atenuante, relativa.

Segunda, e principal, atenuante da rigidez da unicidade sindical é o

desdobramento de categorias. A CLT (art. 516) vedou mais de um sindicato

da mesma categoria na mesma base territorial. Permitiu, no entanto, a

dissociação de categorias. Não de toda categoria. Apenas das categorias

integradas por atividades ou profissões conexas ou similares (art. 571).

Desdobrar uma categoria leva à criação de um segundo sindicato. Mas

esse sindicato representará outra categoria. O desdobramento é permitido

em se tratando de categorias ecléticas, próximas, mas não idênticas e

que formavam, não obstante, uma mesma categoria. Só nesse caso o

desdobramento é lícito. Há uma segunda condição a ser observada para


a dissociação de uma categoria: a possibilidade de vida associativa regular

e de ação sindical eficiente. A dissociação dependia de autorização da

Comissão de Enquadramento Sindical do Ministério do Trabalho. Essa

comissão, no entanto, com o princípio da não interferência do Estado na

organização sindical, foi extinta em 1988. O direito de dissociação continua a

existir, recepcionado que está pela Constituição de 1988.

196

Com os desmembramentos, inúmeras categorias ecléticas, agrupando

atividades similares ou conexas, transformaram-se em categorias e sindicatos

específicos. Multiplicaram-se os sindicatos no Brasil, valendo-se desse meio.

Nas negociações coletivas, em nosso sistema de unicidade, o mesmo

sindicato da categoria é parte legítima para negociar, pela categoria e pelos

trabalhadores da empresa. São dois, portanto, os níveis de negociação

coletiva: o nível de categoria e o de empresa, nos dois atuando o mesmo

sindicato representante dos trabalhadores, o único detentor da titularidade

para negociar nos dois casos. O mesmo sindicato que tem legitimidade para

negociar convenções coletivas aplicáveis a toda a categoria também a terá

para negociar acordos coletivos representando unicamente os empregados

da categoria que trabalhem em uma empresa.

Note-se, também, que grandes empresas, com unidades em diversas

partes do País, e que têm empregados de várias profissões, representados por

diferentes sindicatos de categorias diferenciadas, também terão de negociar

com mais de um sindicato, como nos sistemas de pluralidade sindical: com

o sindicato da categoria principal e com os demais, tantos quantas forem


as profissões exercidas por seus empregados, cada qual com um sindicato

próprio, se existente.

Se os empregados de uma empresa estão em desacordo com os crité-

rios fixados para toda a categoria pelas políticas ou negociações coletivas do

sindicato único, não podem dele se afastar, nem encontrarão meios para fazer

valer os seus objetivos. Essa situação é fonte de alguns atritos entre diretorias

do sindicato e empregados de uma empresa, o que os leva, em alguns casos,

a negociar diretamente com a empresa, quando o sindicato e a federação não

assumem a negociação ou quando a dificultam. É o que acontece quando as

diretorias sindicais não se põem de acordo com o que pretendem os seus re-

presentados em uma empresa.

Quais são os argumentos apontados em defesa da unicidade sindical?

São, basicamente, estes: a) o fracionamento do sindicalismo; b) a criação

de sindicatos pequenos e frágeis; c) a cooptação de sindicatos em nível de

empresa pelo empregador; d) a dificuldade de definição dos critérios para

escolha do sindicato mais representativo; e) a indefinição, pela Constituição,

do órgão competente para registro de sindicatos e solução das disputas

de representação; f) a conflitividade entre sindicatos, que o pluralismo

estimularia. Não nos parecem convincentes, como passa a ser mostrado.

O fracionamento do sindicalismo brasileiro não seria provocado

pela mudança no sistema legal. Em 1996, o número total de sindicatos

registrados no Ministério do Trabalho e Emprego foi de 15.972, incluindo

os de trabalhadores e os patronais; desse número o maior contingente no

197
Estado de São Paulo, 2.365 entidades sindicais, e o menor de Roraima,

40. Nessa mesma época, o número de entidades sindicais registradas

por setores gerais foi o seguinte: 1) urbanas: empregadores, 2.790, e

empregados, 5.621; profissionais liberais: 461; trabalhadores autônomos:

572; servidores públicos: 1.335, somando 10.779; 2) rurais: empregadores,

2.095, e empregados, 3.098, no total de 5.193. Em 1999, esses números

aumentaram e em 2002, e daí por diante, chegam a aproximar-se de 19.500

entidades sindicais.

Os desdobramentos de categorias, em alguns casos artificiais, per-

mitidos pela legislação, geraram esse número crescente de sindicatos. A

atividade industrial e a prestação de serviços sofisticaram-se de tal forma

que os desmembramentos sempre encontram uma forma de justificação. As

subdivisões da indústria são sempre maiores, o setor de prestação de servi-

ços desenvolve-se, as vendas do comércio são feitas também pela Internet

e o meio rural moderniza-se, aspectos que influem nas dissociações de ca-

tegorias e sindicatos.

O fracionamento das categorias encontra outra causa: as terceiriza-

ções. Quando uma empresa repassa para outras os serviços que antes

realizava, a categoria pode subdividir-se; e, quando isso ocorre, os efeitos

não são diferentes daqueles que existem nos sistemas de pluralidade sindi-

cal. O sindicato principal pode perder parte da representação. Os sindicatos

de trabalhadores ficam inertes diante do processo de descentralização do

processo produtivo. Num sistema de liberdade sindical, com direito de esco-

lha, pelos trabalhadores, do sindicato que os representará, esses efeitos são


reduzidos ou neutralizados. Os trabalhadores podem votar pela manutenção

do mesmo sindicato, apesar da terceirização. Num sistema de unicidade sin-

dical, essa escolha é proibida, porque a lei impede opções dos membros de

uma categoria por outra e pela representação pelo sindicato desta.

A segunda objeção, a fragilidade dos sindicatos num regime voluntarista,

é argumento que pesa. Mas que é sindicato fraco? É o com número pequeno

de associados? E que é sindicato forte? É o com número elevado de sócios?

A questão, colocada nesses termos, é simplista. Sindicato forte não é uma

questão apenas de número de sócios. É de força de pressão. E esta não

é resultante do número de associados, mas da capacidade da categoria,

em razão do setor da economia em que atua, de fazer valer as suas

pretensões. Um sindicato de professores, numeroso em associados, se fizer

greve, pouco ou nada pressionará. As aulas ficarão suspensas, o que nem

sempre desagrada aos estudantes. Um sindicato de abastecimento de água,

com poucos associados, poderá criar um problema grave para toda uma

população. Vê-se, logo, que a força de um sindicato não depende apenas do

número de representados.

198

Por outro lado, as centrais sindicais são órgãos que cumprem uma

função de suporte dos sindicatos. Apoiam os sindicatos menores. Prestam-

-lhes assistência. Inclusive financeira. Acrescente-se que, se a pluralidade

fragiliza o movimento sindical, seria difícil explicar como é adotada na maioria

dos países. Difícil, também, seria justificar a Convenção n. 87 da OIT, rati-

ficada pela maioria dos países. Logo, a causa da fragilidade de um sistema


de organização sindical não resulta da pluralidade ou da unidade e terá de

ser procurada em outras razões, e não na liberdade de organização sindical.

Uma terceira objeção é a cooptação de sindicatos pelo empregador.

O voluntarismo da organização sindical permitiria a fundação de sindicatos

de empresa. Nestes, os empregados ficariam subjugados pelo empregador.

Afastem-se, no entanto, generalizações. Nas grandes empresas nacionais ou

multinacionais, em outros países, existem grandes sindicatos. A negociação

coletiva ampla, abrangendo o pessoal de uma empresa, esbarra diante

da divisão geográfica automática de bases territoriais, própria do nosso

sistema de organização sindical, que leva à divisão da categoria em espaços

menores e não permite que os empregados, representados por sindicatos de

diferentes bases territoriais, possam criar um só grande sindicato de todo o

pessoal da empresa.

Uma quarta objeção é a dificuldade em fixar critérios de escolha do

sindicato mais representativo. Mas isso não tem sido dificuldade nos países

de liberdade de organização sindical. O problema foi superado na Espanha,

França e Itália. Nesses países, as leis adotam diversos critérios para definir,

nas disputas entre dois ou mais sindicatos, o mais representativo, que atuará

em nome de toda a categoria: número de sócios, tempo de existência da

entidade, número de contratos coletivos, realização de eleições internas,

estatutos democráticos etc.

Uma quinta objeção é a indefinição do órgão competente para decidir

disputas entre sindicatos que se considerariam mais representativos. A

Constituição Federal de 1988 não define qual é o órgão competente para


registro de sindicatos. Disputas de representação sindical são resolvidas, na

via judicial, em qualquer sistema, o voluntário ou o impositivo.

Uma sexta objeção, a conflitividade que o pluralismo incitaria entre

sindicatos, cai por terra diante dos números. De acordo com os dados da

Coordenadoria-Geral de Registro Sindical, do Ministério do Trabalho e

Emprego (1999), há quase três impugnações recebidas por pedido de registro

de sindicato publicado no Diário Oficial. Seguidas são as ações judiciais de

impugnação, entre sindicatos, federações e confederações. O mesmo órgão

recebeu 1.727 impugnações.

E em favor da liberdade de organização sindical militam dois argumentos

decisivos, suficientes para contrapor-se às críticas. O primeiro é de ordem

político-sindical. Proibir, por lei, mais de um sindicato na mesma categoria

é resquício corporativista de um autoritarismo que não tem espaço numa

199

sociedade pluralista e que quer ter no consenso o fundamento da sua

edificação. O segundo é de ordem prática institucional. Num sistema de

liberdade os sindicatos se unem como, quando e onde quiserem. A lei não os

impede e a auto-organização dependerá da sua disposição, conveniências,

iniciativas e entendimentos com os demais sindicatos.

Enfatize-se:

— as palavras unicidade e unidade, para os nossos fins, não têm ainda

um conteúdo muito claro, porque o seu uso é feito em sentido diferente

pelos doutrinadores, mas o que se quer dizer é que há um sistema de

união sindical espontânea e há um sistema sindical de união obrigatória


por imposição legal, daí os dois vocábulos para designar a diferença

que é importante entre essas duas realidades;

— saber qual o melhor sistema de união; a união não imposta ou

obrigatória, aumenta a densidade representativa do sindicato, mas não

é esse o nosso modelo, uma vez que a imposição legal é defeito advindo

do Estado Novo, quando o Governo exerceu o controle dos sindicatos;

— a rejeição da pluralidade sindical no Brasil é quase uma unanimidade

sindical sob a alegação de que pulverizaria os sindicatos, mas é difícil

dar maior validade a esse fundamento quando sabemos que em nosso

país existem aproximadamente 18.000 sindicatos e que em diversos

países os empregados podem fundar um sindicato na empresa, caso

em que o número de sindicatos é bem maior;

— na medida em que há uma presença sindical na empresa e que a

empresa, habituando-se a essa interlocução direta, afasta a litigiosidade

do sindicato, que deixa de ser contestatório e passa a ser partícipe ou

de colaboração, é possível a convivência harmônica entre as duas

partes e já fica cada vez mais distante a ideia de luta de classes numa

economia de mercado na qual necessária se faz a atuação conjunta

para o desenvolvimento econômico do país;

— nossa cultura é avessa à pluralidade sindical, embora na cúpula da

organização sindical exista pluralidade de centrais sindicais, o que é

contraditório com o que acontece nas bases da pirâmide sindical;

— o pluralismo sindical, embora mais democrático, não é efetivamente

o melhor sistema para o Brasil, recusado que é pelas próprias entidades


sindicais que não sentem a sua necessidade;

— a experiência italiana nos mostra que as transformações pelas quais

passou o sindicalismo peninsular com a transição para a modernidade,

fazendo do sindicato uma associação de direito privado, fez do sindicato

representante somente dos seus associados e da negociação coletiva

um meio de pactuar acordos válidos também apenas para os sócios do

sindicato.

200

CAPÍTULO 22

OS SISTEMAS QUANTO

AO GRUPO REPRESENTADO

1. O SINDICALISMO DE CATEGORIAS

Nossa opinião é que o sindicalismo de categorias tende a perder

espaço para outros critérios de representação sindical, principalmente

quando a categoria é compreendida como um a priori que aprisiona os

grupos, sem outras opções, como se a categoria fosse a única forma de

agrupar pessoas que têm um interesse comum. Há três principais formas de

grupos representados pelos sindicatos, a categoria, a profissão e a empresa,

diferentes, superpostos ou não, com maior destaque para um deles em um

país, menor em outro. No Brasil, o grupo básico representado pelo sindicato

é a categoria; no Chile e nos Estados Unidos, a empresa. Em todos os países

é, também, a profissão.

Que é categoria? Como conceito jurídico, desenvolveu-se no direito

italiano. O Estado agrupou as atividades econômicas em um quadro oficial


para efeito de representação sindical. Vêm desse período as definições de

categoria como as que seguem: “Categoria profissional é a série não limitada

de indivíduos que, por força da sua posição no quadro de atividade produtiva

e do território em que se opera, tem comuns a denominação de interesses

da categoria” (Jaeger); é “o agrupamento de todos aqueles que têm de modo

estável e contínuo uma mesma função em um ciclo de produção dado”

(Sforza); é “uma coletividade de indivíduos que realizam uma determinada

função igual no processo de produção e que reúnem em vista dos tutelados

interesses comuns derivados de tal função” (Olivetti).

O conceito publicizou-se no ordenamento corporativo. Carnelutti

(1936)(1), com sua habitual clareza, explica: “a totalidade dos trabalhadores

e dos empregadores pertencentes ao mesmo ramo de produção se chama

categoria”. Continua: “Todo sindicato tem duas dimensões: a categoria e o

território”. Carnelutti identificou interesse de grupo com interesse público, do

qual a categoria profissional era a individualização, definida por lei, como

categoria merceológica, uma entidade ontológica preexistente ao sindicato,

na conformidade do quadro oficial elaborado pelo Governo, dentro do

(1) CARNELUTTI, Francesco. Teoria del regolamento collettivo dei rapporti di lavoro. Padova:

Cedam, 1936.

201

qual foram relacionadas as atividades econômicas (de empregadores) e

profissionais (de trabalhadores). Assim, a relação entre categoria e sindicato

era a de causa e efeito; aquela, um prius, e este, um a posteriori, como

convinha aos interesses políticos do fascismo, ao encontrar, nessa fórmula,


um meio de controle dos sindicatos. A categoria criava o sindicato e era

criada pelo Estado. E nesta, automaticamente, estavam integrados todos os

que nela exercessem a sua atividade.

Evaristo de Moraes Filho, em O problema do sindicato único no Brasil,

afirmou que “o sindicato não se confunde com a categoria, não é a categoria,

mas é o órgão de representação da categoria, com o que é possível dizer

que a categoria é a matéria de que o sindicato é a forma. O sindicato é a

organização jurídica da categoria”. E categoria e organização também não

se identificam, porque a organização dos grupos não se faz exclusivamente

sob a forma de categoria. A experiência de outros povos vem mostrando que

há outras formas de organização dos grupos, além da sindical. O interesse

coletivo não é uno. Não é, apenas, o interesse da categoria. Há interesses

em esferas menores: representados por uma comissão de fábrica, pelas

seções sindicais nas empresas, pelos comitês de empresas, pelos delegados

do sindicato, pelos diferentes conselhos de representação, formas de

organização inconfundíveis com o sindicato, embora a ele ligadas ou não.

Logo, o conceito de sujeito coletivo não é identificável com o de categoria.

Russomano, em Direito sindical. Princípios gerais (1975), explica que

há duas teorias propostas como critérios para a determinação da categoria:

a subjetiva e a objetiva. Para a teoria subjetiva, é prioritário ver quais são os

sujeitos, as pessoas a serem agrupadas, isto é, trabalhadores e empresários

como massas desorganizadas. Para a teoria objetiva, o que importa é a

profissão exercida em função da qual os agrupamentos se fazem. Entende

que o conceito de categoria depende, em grande parte, da orientação


adotada pelo direito positivo ao traçar as linhas fundamentais do sindicalismo

nacional e que, “acima de qualquer questão meramente normativa, parece

absolutamente certo que é através da profissão ou atividade econômica

exercida que nasce o interesse individual do trabalhador e do empresário.

Por semelhança, esse interesse individual se generaliza entre os exercentes

da mesma profissão ou atividade econômica, de modo a criar-se, entre eles,

um vínculo de solidariedade. Esse vínculo forma a categoria”.

Retome-se o magistério de Russomano na obra acima citada: “Pode

ocorrer que a mesma empresa exerça várias atividades econômicas. Se

essas atividades forem desenvolvidas em conjunto, ligadas por qualquer elo

de conexão, como a empresa é uma unidade, será natural que se procure

estabelecer a atividade prevalente, do ponto de vista econômico e objetivo

da produção. Essa atividade apontará o sindicato adequado, do qual pode

participar o empresário.”

202

Esse sistema, como disseram Orlando Gomes e Elson Gottschalk, em

Curso de direito do trabalho (1978), comporta múltiplas restrições à liberdade

sindical, burocratiza as profissões, os organismos nelas formados, reduzindo

o livre impulso associativo.

Na mesma linha está Evaristo de Moraes Filho, em Sindicato —

organização e funcionamento (LTr, 44(9):1065, set. 1980), que, embora

mantendo a defesa da unicidade sindical, qualifica o instituto de “sobrevivência,

como andaimes mortos, do edifício da organização corporativa, que se

propunha impor no País em 1937; as categorias e as entidades sindicais são


fatos sociais espontâneos, que dispensam a sua criação pelo Estado; a este

cabe somente o reconhecimento do que existe na realidade econômica e

social, que não pode ser prisioneira de prévias e predeterminadas resoluções

administrativas”.

Não poupa críticas, também, José Martins Catharino, em Tratado ele-

mentar de direito sindical (1977), dizendo que “o processo de enquadramento

a priori é, por excelência, um meio ou processo adequado de organizar a

economia nacional à maneira corporativa. De organizar a produção, conside-

rada unitariamente como pública, internada em Estado totalitário, que aspira

moldar a realidade socioeconômica segundo sua própria imagem, e não o

inverso, à mesma moldar-se”.

A CLT (1943) absorveu o modelo corporativista italiano. Não definiu

categoria(2). Refere-se, no entanto, à categoria: é — segundo a CLT — um

vínculo social básico, caracterizado, quanto aos trabalhadores, pela similitude

de condições oriundas da profissão ou trabalho em comum em situação de

emprego na mesma atividade econômica ou em atividades similares ou

conexas; quanto aos empregadores, esse vínculo resulta da solidariedade de

interesses econômicos dos que empreendem atividades idênticas, similares

ou conexas (art. 511, §§ 1º a 4º).

Vê-se, logo, que esses conceitos são insuficientes para uma exata

compreensão do fenômeno a que se referem. Na prática, fala-se em categoria

(2) A CLT (1943) declara (art. 511, § 1º) que “a solidariedade de interesses econômicos dos

que empreendem atividades idênticas, similares ou conexas, constitui o vínculo social básico

que se denomina categoria econômica” e que (art. 511, § 2º) “a similitude de condições de vida
oriunda da profissão ou trabalho em comum, em situação de emprego na mesma atividade

econômica ou em atividades econômicas similares ou conexas, compõe a expressão social

elementar compreendida como categoria profissional”. Acrescenta (art. 511, § 3º): “Categoria

profissional diferenciada é a que se forma dos empregados que exerçam profissões ou

funções diferenciadas por força de estatuto profissional especial ou em consequência de

condições de vida singulares. § 4º Os limites de identidade, similaridade ou conexidade fixam

as dimensões dentro das quais a categoria econômica ou profissional é homogênea e a

associação é natural.”

203

como um grupo organizado ou inorganizado em sindicato, de trabalhadores

ou de empregadores, da mesma atividade, trabalho ou setor da economia:

a indústria, o comércio, a prestação de serviços, a propriedade rural, e suas

inúmeras subdivisões; por estarem nesse exercício, seus integrantes passam

a ter interesses comuns, de natureza econômica ou profissional.

Sindicato por categoria, portanto, é o que representa os trabalhadores

de empresas de um mesmo setor de atividade produtiva ou prestação de

serviços. As empresas do mesmo setor, por seu lado, formam a categoria

econômica correspondente.

Nos demais países, a categoria deixou de ser uma criação do Estado.

Aliás, assim foi somente nos regimes de corporativismo estatal. O sindi-

cato não é mais uma associação sempre vinculada a uma categoria. Mul-

tiplicaram-se as formas de organização dos grupos profissionais, fruto da

auto-organização, da liberdade conferida aos interessados, para a escolha

das formas de representação que reputassem mais indicadas para fundar


a associação sindical. A categoria, tal como concebida nos sistemas cor-

porativistas, perdeu a sua significação original. Passou a conviver com ou-

tras formas de organização do grupo profissional. Estes encontraram, além

da categoria, outros critérios de união e instrumentos para representá-los

na defesa dos seus interesses: coalizões, ofícios, profissões, comissões, seções, delegados, comitês,
unidades, empresas, diversas categorias em

conjunto, tudo numa perspectiva de realidades cambiantes, sujeitas a múl-

tiplos fatores, internos e externos ao movimento sindical, decorrência da

liberdade de que o sindicato goza para definir a sua representação no plano

funcional ou geográfico, representações horizontais — independentemente

do setor de atividade econômica — ou verticais — como a dos sindicatos de

indústria ( industrial union, na Inglaterra), de trabalhadores de um único setor

de atividade empresarial — predominantes na Europa continental.

“Nem sempre — como concluiu Edvaldo Boaventura, em ‘Introdução

ao Enquadramento Sindical’ (1963) — há correspondência entre o

sindicato e a categoria. O sindicato pode cobrir uma categoria —

pelo princípio de identidade profissional, ou princípio das categorias

específicas — como pode também abranger várias categorias —

pelos critérios acessórios de similaridade e conexidade.”

A categoria, no direito sindical moderno, continua sendo um importante

grupo representado por organizações sindicais, porque nela se virtualiza o

interesse coletivo, a existência de vínculos de solidariedade, em razão da

similitude das condições de exercício de uma atividade ou profissão.

O que mudou? Transformou-se a concepção de categoria, de corporativa

e hermética para democrática, num contexto de liberdade sindical. Aquela


204

concepção via, na categoria, a célula integrante de um sistema rígido

instituído e controlado pelo Estado, padronizada em compartimentos

jurídicos fechados e imodificáveis pela vontade dos que a integravam, forma

exclusiva de base de representação por um único sindicato, exercente de

funções delegadas pelo poder público. Esta a vê como um grupo espontâneo,

autoinstitucionalizado, com plena liberdade e fungibilidade, ao lado de

outros, constituído sem interferência do Estado, de modo natural, resultante

da vontade dos próprios interessados.

A categoria foi, no passado, instrumento de realização de funções

públicas, de um sindicalismo de Estado, segundo uma concepção de interesse

coletivo como interesse público, indecomponível, um todo insuscetível de

variações. No presente, o interesse coletivo não é de natureza pública, é

privado, multiforme, expressa-se em uma categoria, mas, também, em

âmbitos maiores, como o de diversas categorias, o interconfederal ou o

transnacional, como em unidades menores do que a categoria, os locais de

serviço, de modo livre, não padronizado pela lei, multiplicando-se as formas

de relações coletivas de trabalho.

A organização sindical brasileira não acompanha as transformações

do movimento sindical no mundo. Concentra-se na representação sindical

por categoria. Os demais sistemas sindicais já se afastaram do padrão

de categoria ontológica cujas origens, em nosso ordenamento jurídico,

remontam ao Decreto-lei n. 1.402, de 1939, e a 1940, quando foi elaborado,

pelo então Ministério do Trabalho, o mapa geral das categorias. A época foi
de reorganização, de mudança de um sistema para o corporativismo estatal

com o enquadramento sindical.

O Estado resolveu interferir no movimento sindical e, para isso, organizou

formalmente as atividades e profissões.

O enquadramento sindical, quadro de atividades e profissões, foi o plano

básico da organização sindical. Foi mantido pela CLT (art. 577). As atividades

e profissões foram distribuídas em categorias. Uma associação não sindical

poderia ser investida, pelo Estado, do poder de representação da atividade ou

profissão numa base territorial; tornava-se, com a carta de reconhecimento, um

sindicato, representante exclusivo da categoria na base territorial. Seria algo

parecido com “selar os sindicatos”, passar uma estampilha sobre eles para que

daí por diante pudessem continuar existindo. A Comissão de Enquadramento

Sindical cuidou dos aspectos técnicos do ato de enquadramento, a partir

das confederações: Confederação Nacional da Indústria, Confederação

dos Trabalhadores na Indústria; Confederação Nacional do Comércio;

Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio etc.

205

Foram criados pelo Estado grupos de atividades. São numerados.

Exemplo de grupos de empregadores: 1º Grupo — Indústrias de Alimentação;

2º Grupo — Indústrias do Vestuário; 3º Grupo — Indústrias da Construção

e do Mobiliário etc. Igual numeração receberam os grupos profissionais.

Abaixo das confederações do comércio foram criados diversos grupos do

setor: Grupo — Comércio Atacadista; Grupo — Comércio Varejista; Grupo —

Agentes Autônomos do Comércio etc.


Em cada grupo, por sua vez, foram incluídas as atividades (categorias

econômicas) e profissões (categorias de trabalhadores) que os integravam:

Grupo — Indústrias da Alimentação: atividades ou categorias econômicas:

indústria do trigo, indústria do milho, indústria do açúcar, indústria de

torrefação e moagem do café, indústria de refinação do sal etc. O plano foi

amplo e detalhado. Procurou seguir um critério de homogeneidade.

Quando a empresa desenvolve atividades de mais de um tipo, às vezes

completamente diferentes, como indústria e comércio, surge um problema: a

definição do seu enquadramento sindical, isto é, saber, exatamente, qual é

a sua categoria econômica. O critério adotado para resolver é o da atividade

preponderante. Em outras palavras, ver qual é a atividade mais ampla do

empregador. Esta prevalecerá sobre as demais.

A estrutura sindical brasileira obedece a um princípio de união, em uma

categoria, não só de atividades econômicas idênticas, mas, também, incluídas

na mesma categoria outras atividades similares ou conexas à atividade

principal. Seria, mesmo, inviável pretender que, no elenco das atividades,

estivessem todos os tipos de setores econômicos. A sua diversidade é muito

grande. Se fossem criadas tantas categorias, econômicas e profissionais,

quantas fossem essas atividades, o número de categorias seria infinitamente

maior. Como o sindicato, em nosso sistema, representa a categoria, o efeito

seria um elevadíssimo número de sindicatos, maior do que o já existente, perto

de 19.500 a partir de 2002. Pequenos e insignificantes sindicatos coexistiriam

com grandes sindicatos. Por esses motivos, o Estado, quando organizou as

categorias, nelas reuniu atividades principais, similares e conexas e a lei


permitiu o desdobramento dessas atividades em sindicatos próprios, antes

de 1988, condicionado às decisões do então Ministério do Trabalho, depois

dessa data sem a necessidade dessa autorização e dependendo do mero

registro sindical.

Estaria essa estrutura legal em vigor?

Em tese, uma primeira resposta seria afirmativa; essa estrutura estaria

integralmente em vigor, mas não teria a mínima condição de ser aceita

porque colide com a Constituição de 1988 em diversos aspectos: a criação, a

206

intervenção do Estado nos sindicatos, as funções das organizações sindicais,

as contribuições que o sindicato pode cobrar dos seus representados, a

organização de sindicatos rurais.

Uma segunda resposta seria negativa; essa estrutura, integralmente,

deixou de existir, porque está fundada no princípio do corporativismo estatal,

incompatível com os avanços introduzidos pela Lei Maior de 1988 no sentido

da liberdade sindical. Essa contraposição de princípios realmente existe,

mas a Constituição de 1988 manteve alguns traços anteriores: a contribuição

sindical compulsória, o sistema confederativo sindical, a unicidade sindical,

entre outros. A Constituição Federal de 1988 manteve o sistema confederativo

da organização sindical por categoria ao declarar que “ao sindicato cabe a

representação dos interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive

em questões judiciais ou administrativas” (art. 8º, III). Deu continuidade à

unicidade sindical ao dispor (art. 8º, II) que “é vedada a criação de mais

de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria


profissional ou econômica, na mesma base territorial...”.

Uma terceira posição, que é a melhor, é a relativa: a CLT continua em vigor

em parte. Há dispositivos afetados e outros recepcionados pela Constituição de

1988. O que se discute é, apenas, a dimensão dos dispositivos recepcionados,

menor, para alguns, como me parece correto, maior para outros.

A Constituição dispõe (art. 8º, I) que “a lei não poderá exigir autorização

do Estado para a fundação de sindicato, ressalvado o registro no órgão

competente, vedadas ao Poder Público a interferência e a intervenção na

organização sindical”.

Já nos posicionamos(3) sobre a questão. Entendemos que o comando

constitucional que veda ao Poder Público a intervenção e a interferência

na organização sindical não seria respeitado caso persistisse a criação

oficial das categorias. Estas devem formar-se espontaneamente, como vem

ocorrendo. Não pode a lei exigir autorização do Estado para a fundação de

sindicato, salvo o registro no órgão competente.

O Ministério do Trabalho e Emprego extinguiu a Comissão de Enqua-

dramento Sindical, órgão que tinha competência para elaborar e atualizar

periodicamente o enquadramento sindical. Com isso, cessou a interferência

do Estado na organização sindical para criar categorias. Logo, a fundação

de sindicatos independe do quadro sindical; o sindicato pode constituir-se

independentemente de autorização ou reconhecimento do Estado, bas-

tando registrar-se no órgão competente e respeitar o princípio da unicidade

sindical.

(3) Direito do trabalho na Constituição de 1988. São Paulo: Saraiva, 1989. p. 231.
207

Houve modificações na forma da criação e desdobramentos de

categorias e sindicatos. O enquadramento sindical não corresponde mais

à realidade. Inúmeras são as categorias novas, bem como os respectivos

sindicatos, não constantes do quadro oficial de categorias do Ministério do

Trabalho e Emprego.

O sindicato não é mais decorrência de uma categoria. O modelo

brasileiro, que era, nesse ponto, fechado, tornou-se aberto. A única exigência

constitucional é o registro no órgão competente e a única restrição é a

observância do princípio do sindicato único; nenhuma das duas permite

concluir que o enquadramento sindical continua em vigor.

O registro a que se refere a Constituição é de sindicatos e não de

categorias. Compete ao sindicato, ao constituir-se, definir, nos estatutos, a

sua base territorial e tipo de representação. A proibição da existência de mais

de um sindicato da categoria na mesma base territorial exige algum tipo de

controle, no caso judicial por meio das ações de impugnação. Estar ou não

prevista no quadro oficial das categorias — o antigo enquadramento sindical

— não é condição para a criação de um sindicato, que pode, agora, ser

fundado mesmo sem estar a categoria previamente definida, pelo Ministério

do Trabalho e Emprego, no referido quadro. O estatuto do sindicato é o

documento que indica a categoria por ele representada e a sua base territorial.

2. O SINDICALISMO DE PROFISSÕES

O sindicato por profissão é a forma contemporânea do antigo sindicato

por ofício. A palavra “profissão” corresponde, de certo modo, no presente,


ao significado dado à palavra “ofício” no passado. Esta, no entanto, lembra

um trabalho manual e aquela uma atividade manual, braçal ou intelectual.

O sindicato por ofício é uma das primeiras formas de organização dos

trabalhadores. O sindicato por profissão representa, como o nome indica,

todos os que exercem determinado tipo de profissão. É o representante

daqueles que exercem o mesmo ofício, função ou ocupação, não importando

em que setor de atividade econômica o façam.

Como mostram Valverde, Gutiérrez e Murcia(4), “esse tipo de sindicato

foi mais comum nos primeiros estágios do movimento sindical, pelo papel

predominante do ofício no sistema produtivo nascido na Revolução Industrial,

e pela influência que na constituição dos sindicatos puderam ter os grêmios,

as irmandades ou confrarias, e as sociedades de socorros mútuos. Ainda que

(4) VALVERDE, Antonio Martín; GUTIÉRREZ, Férmin Rodríguez-Sañudo; MURCIA, Joaquim

García. Op. cit., p. 255.

208

em alguns países mantenham a sua preponderância (Reino Unido), sob uma

perspectiva geral encontram-se atualmente em franco retrocesso, exceto em

certos países em vias de desenvolvimento”.

Desse modo, o sindicato por profissão é o renascimento do sindicato

por ofício adaptado às novas realidades profissionais e econômicas. Reúne

profissões modernas ou liberais, na Espanha: pilotos, controladores aéreos,

médicos; ocupantes de posições relevantes na empresa: técnicos, gerentes,

empregados de alta direção; ou aqueles que resolveram defender os seus

interesses profissionais específicos com um sindicato próprio, por não se


sentirem bem representados pelo sindicato geral da categoria.

No Brasil, denominam-se sindicatos de categoria diferenciada. Os

exercentes da profissão formam, com a criação do sindicato, uma categoria

própria. Farão parte não do sindicato representativo de todos os trabalhadores

do setor econômico da empresa, mas do sindicato da profissão que agrupa

todos os que a exercem, independentemente da natureza do setor produtivo

em que o façam. Assim, para fins de sindicalização, prepondera a profissão

e não a atividade econômica da empresa.

E, por esse motivo, generalizaram-se as expressões sindicatos verticais

ou horizontais, esta, sindicato horizontal, referindo-se à profissão como fator

básico da coletividade representada, aquela, sindicato vertical, quando o

critério de representação não é a profissão, mas o setor econômico. A palavra

“horizontal” é empregada, aqui, linearmente, para abranger, num mesmo

plano, todos os que exercem um tipo de profissão. A palavra “vertical”, ao

contrário, é usada para dar a ideia de uma linha que se ergue de cima para

baixo num mesmo e único setor de atividade econômica, compreendendo

todos os tipos de profissionais que nele trabalhem.

Inúmeras profissões, no Brasil, organizaram-se em sindicatos de catego-

rias diferenciadas: atividades técnicas, intelectuais, artísticas, de saúde, das

quais são exemplos: aeronautas, aeroviários, agenciadores de publicidade,

artistas e técnicos em espetáculos de diversões (cenógrafos e cenotécnicos),

atores teatrais, corpos corais e bailados, atores cinematográficos, cabinei-

ros de elevadores, carpinteiros navais, classificadores de produtos de

origem vegetal, condutores de veículos rodoviários (motoristas), desenhistas


técnicos, artísticos, industriais, copistas, projetistas técnicos, maquinistas e

foguistas (de geradores termoelétricos e congêneres, inclusive marítimos),

jornalistas profissionais (redatores, repórteres, revisores, fotógrafos), músicos

profissionais, oficiais de radiocomunicações da marinha mercante, oficiais

gráficos, operadores de mesas telefônicas (telefonistas em geral), práticos

de farmácia, professores, profissionais de Enfermagem, técnicos, duchistas,

massagistas e empregados em hospitais e casas de saúde, profissionais de

Relações Públicas, propagandistas de produtos farmacêuticos (propagan-

209

distas-vendedores e vendedores de produtos farmacêuticos), publicitários,

secretárias, técnicos de Segurança do Trabalho, trabalhadores em agências

de propaganda, trabalhadores em movimentação de mercadorias em geral,

trabalhadores em atividades subaquáticas e afins, trabalhadores em serviços

de segurança do trabalho — técnicos de Segurança do Trabalho, tratoristas

(exceto os rurais) e vendedores e viajantes do comércio.

Os convênios coletivos dos sindicatos por profissão prevalecem sobre

os gerais da empresa, e estes, a menos que recebam a adesão do sindicato

por profissão, não se aplicam aos empregados, na empresa, da profissão

organizada em sindicato. Os instrumentos coletivos de uma categoria não têm

aplicabilidade em outra. Como os sindicatos por profissão são representantes

de uma categoria diferenciada, as normas coletivas, resultantes das

negociações do sindicato da categoria geral do pessoal da empresa, e as

normas dos instrumentos coletivos dos sindicatos dos profissionais que têm

sindicato horizontal são diferentes e inconfundíveis. Logo, por exemplo, aos


advogados empregados de um banco não é aplicável o acordo nacional dos

bancários, mas o convênio coletivo do sindicato dos advogados.

Que tipo de sindicato, de categoria ou profissão pode melhor representar

os trabalhadores numa economia de mercado?

Os sindicatos por profissão — categoria diferenciada — sofrem os

mesmos efeitos a que estão expostos os demais no atual contexto econômico.

Deparam-se com dificuldades semelhantes. Têm melhores condições para

superá-las, uma vez que não sofrem, na mesma amplitude, os impactos

do desmembramento da categoria eclética, resultante das mudanças no

processo de produção. A categoria eclética desmembra-se mais facilmente.

A profissão, por ser uma coletividade horizontal, consegue manter-se

independentemente das fusões e terceirizações das empresas. Estas afetam

a categoria geral, mas não conseguem cindir a profissão. O sindicato por

profissão, como representante de quantos a exerçam, independentemente

do setor da economia em que o façam, oferece maiores possibilidades de

manter íntegra a sua base de representação. Mas pode haver a dissociação

da base territorial de um sindicato por profissão. Nada impede que, existindo

um sindicato por profissão estadual, venham a ser criados sindicatos por

profissão municipais.

Os sindicatos por profissão sofrem a concorrência dos sindicatos por

empresa. Estes poderão reunir todos os empregados de uma empresa,

independentemente da profissão. Mas, num modelo de liberdade sindical,

os empregados têm o direito de escolher, o que não acontece no sistema de

unicidade. Dependerá dos próprios trabalhadores decidir se querem, como


empregados numa empresa, ser representados pelo sindicato do pessoal da

empresa ou pelo sindicato da categoria profissional.

210

A categoria diferenciada é uma exclusividade da área dos trabalhadores.

Não há categoria diferenciada na esfera patronal. É que os representados,

integrantes de uma categoria diferenciada, são os que exercem um tipo de

profissão. Uma empresa não é um profissional. Logo, não é possível um

sindicato de categoria diferenciada para representar empresas, tendo em

vista o tipo de representados que o sindicato em questão terá.

3. O SINDICALISMO DE EMPRESA

Há um duplo canal de comunicação na empresa nos países de liber-

dade sindical: o sindical e o não sindical. A representação não sindical exer-

cita-se por meio de comissões de representação dos trabalhadores. Essas

comissões quase sempre são vinculadas a sindicatos. Entretanto, podem

existir com total independência deles. São dotadas, em alguns países, de

poderes para negociar acordos coletivos com a empresa, sem a participação

do sindicato.

Os sindicatos de empregados, em uma empresa, são, na história do

sindicalismo, mais recentes. Sempre houve, na história das relações de

trabalho, entendimentos diretos entre os empregados e a sua empresa. O

industrial francês Leclaire, quando dividiu os lucros da sua fábrica com os

seus trabalhadores, o fez sem a participação sindical.

O sindicato por empresa encontra nas empresas maiores a sua motiva-

ção. Atua, principalmente, perante os grandes conglomerados econômicos,


as empresas multinacionais, os grupos econômicos e as comunidades inter-

nacionais.

Nas empresas pequenas, há outras possibilidades, mais simplificadas,

de representação dos interesses dos empregados: não só representações

coletivas, como as comissões, as seções sindicais, mas, também, individuais,

como os delegados e homens de confiança do sindicato. Os sindicatos por

empresas podem estar articulados com sindicatos de categorias ou setores

econômicos, o que não lhes retira a individualidade. Atuam em nome próprio,

inclusive nas negociações coletivas, das quais resultarão acordos coletivos

aplicáveis no âmbito da empresa, nesta encontrando os limites da sua

vigência e eficácia. A coletividade representada pelo sindicato, nesse caso,

será a dos empregados da empresa, em nome dos quais o sindicato atuará

perante o respectivo empregador.

Nem em todos os países a lei permite sindicatos por empresas. No Brasil,

a Constituição de 1988 (art. 8º, II) declara que a base territorial mínima de

um sindicato não poderá ser inferior à área de um município. Essa restrição

não impede negociações coletivas em âmbito de empresa, embora não

211

permita a criação de sindicato na empresa. Nos acordos coletivos restritos

ao âmbito da empresa, a legitimidade para negociar com o empregador será

do sindicato representativo da categoria geral. Os empregados da empresa

são representados não por essa condição, mas porque integram a categoria

da qual o sindicato geral é representante.

Na Itália, existem normas legais que garantem o exercício da


representação dos trabalhadores no âmbito da empresa. O Estatuto dos

Trabalhadores (art. 14) dispõe: “o direito de constituir associações sindicais, de

aderir ou desenvolver atividade sindical, é garantido a todos os trabalhadores

no interior do local de trabalho”. As confederações sindicais reconhecem

os Conselhos de Fábrica, instâncias sindicais de base com poderes de

contratação coletiva no âmbito da empresa. Aos trabalhadores de uma

empresa são garantidos diversos direitos coletivos: realizar assembleias fora

do horário de trabalho, fazer um referendo para escolha de representantes

ou autorizar as negociações coletivas, bem como outros atos de interesse da

coletividade na empresa.

Nos Estados Unidos, é intensa a negociação em âmbito de empresa.

Os sindicatos são, na grande maioria, representantes dos empregados de

uma empresa, portanto, sindicatos locais. Negociam continuamente com o

empregador. A empresa, ou estabelecimento, é uma unidade de negociação.

Os empregados de uma empresa votam para escolher o sindicato que

querem que os represente. Por exemplo, no sindicato dos metalúrgicos

pode ser eleito o representativo do pessoal de um parque de diversões. Os

trabalhadores podem eleger um sindicato de qualquer setor ou podem criar

o próprio sindicato. As negociações dos sindicatos são desenvolvidas com a

respectiva empresa e não com associações de empregadores.

Os sindicatos têm os cartões de representação de cada empregado.

Correspondem ao que seria uma espécie de procuração. Provam, para o

empregador, a sua representatividade. O empregador pode conferi-los.

Se não os aceitar, poderá recorrer ao NLRB — tribunal administrativo —,


que definirá a representação para o sindicato “A” ou “B”, ou determinar a

realização de eleições locais. O sindicato eleito para a negociação passa

a ser representante exclusivo de todos os trabalhadores na unidade. O

empregador só poderá negociar com esse sindicato e não com outro.

É possível fazer uma crítica à sindicalização por empresa: a possibilidade

de cooptação do sindicato pelo empregador. É infundada no caso de grandes

empresas. Pode acontecer no interior de pequenas e microempresas.

Possível, de outro lado, é mostrar um aspecto positivo da sindicalização por

empresa: permite maior proximidade do sindicato com os representados.

Com isso, favorece um desempenho melhor do sindicato na defesa dos

interesses dos trabalhadores. Possibilita negociações coletivas compatíveis

com a realidade de cada empresa, sem os inconvenientes da padronização

212

que têm os acordos que valem para toda a categoria. A situação das empresas

integrantes de uma categoria não é sempre a mesma. Algumas podem dar

aumentos salariais, outras não. Algumas podem dar aumentos maiores,

outras menores. A diferenciação de negociações coletivas é um estímulo

para maiores avanços dos direitos dos trabalhadores nas empresas em

que isso é possível. Esses trabalhadores, quando o acordo é uniforme para

toda a categoria, podem ser prejudicados. A igualdade absoluta em plano

de categoria nem sempre é um princípio razoável. A verdadeira igualdade, é

sabido, está em tratar desigualmente situações desiguais.

4. REPRESENTAÇÃO E REPRESENTATIVIDADE SINDICAL

Há uma questão muito importante quanto aos critérios de representação


do sindicato. Trata-se, agora, de tema que não se confunde com o da natureza

jurídica do sindicato: a natureza do vínculo existente entre representante e

representados.

Que é representação sindical? Representar quer dizer pôr-se à frente

de alguém. Representante é aquele que atua em nome de outrem, para

quem age, defendendo os seus interesses. O sindicato é representante.

Determinar a natureza do vínculo entre o sindicato e o grupo que representa

é questão que comporta mais de uma posição.

A doutrina sublinha a importância da diferença entre representação e

representatividade. Aquela é uma questão de legalidade, esta um problema

de legitimidade. Pode um sindicato ter a representação legal, mas não a real e

efetiva. Nesse caso, é possível dizer que falta representatividade ao sindicato,

embora portador dos poderes legais de atuar em nome dos representados.

Esse problema é mais visível nos sistemas de unicidade sindical. Os sistemas

de unidade espontânea ou de pluralidade oferecem maiores possibilidades

de aproximação entre representação e representatividade.

Em aprofundada análise, Bruno Caruso acentua a diferença entre

representação e representatividade. Em “Rappresentanza e rappresentatività

sindacale” — capítulo de Letture di diritto sindacale —, sustenta que o conceito

de representação pressupõe um critério de legitimação do poder de agir no

interesse de outros, e um critério de imputação da responsabilidade àquele

que age por outros, critérios juridicamente relevantes e normativamente

legítimos. Diversamente, o conceito de representatividade, relacionado à

fase de desenvolvimento e de amadurecimento das organizações políticas


e sociais modernas, ingressou na experiência jurídica, em virtude da

progressiva afirmação da visão pluralista do Direito, em particular na fase

em que o Estado não só reconhece, mas entra em relações de troca com

os grupos organizados que se apresentam como entes exponenciais de

comunidades difusas.

213

A representatividade, diz Caruso, apresenta-se como critério de

qualificação ou de seleção de um sujeito coletivo, e se coloca fora do

âmbito de relevância jurídica. Situa-se na área da sociologia ou fática. Um

sindicato é representativo quando se encarrega, eficazmente, de cuidar dos

interesses dos trabalhadores e responde adequadamente às demandas dos

seus representados: “em tal sentido, representatividade é uma abreviatura

semântica para indicar um sujeito cuja ação de tutela coletiva dos interesses

seja efetiva”; representatividade está a indicar efetividade da ação de

tutela. As grandes confederações sindicais italianas usaram o critério da

representatividade para um mútuo reconhecimento legitimador da negociação

coletiva num ordenamento sindical de fato, do tipo institucional. A doutrina

europeia, pós-corporativista, encontrou na representatividade um conceito

que permite a ruptura com o passado, em correspondência com os princípios

da liberdade sindical, da natureza privada das associações sindicais e da

legitimidade para a negociação coletiva segundo a perspectiva da autonomia

coletiva dos particulares.

Quais são as principais concepções sobre natureza jurídica da repre-

sentação sindical?
Inicialmente, merece referência a concepção publicística, afastada pela

doutrina e pela realidade político-sindical contemporânea. Explica-a, à luz

do ordenamento corporativista, entre nós, Egon Félix Gottschalk, em Norma

pública e privada no direito do trabalho (1944). Depois de analisar diversas

doutrinas, sustenta que representar uma categoria não pode significar o

mesmo que representar uma entidade ou um grupo nem indivíduos unidos

por processo associativo a esse grupo. Nessa perspectiva, a categoria não é

um substrato social que por si possa ter vontade ou agir.

A categoria, por conseguinte — tese hoje rejeitada —, é uma

representação independente de qualquer manifestação de vontade por parte

dos representados; não é igual à representação legal, uma vez que esta

diz respeito ao incapaz. Assim, a “representação sindical da categoria é, na

verdade, uma delegação legislativa conferindo ao sindicato reconhecido o

poder de elaborar normas jurídicas que obriguem todos os indivíduos que

pertençam, em virtude de seu status profissionalis, a determinada categoria”.

Nesse caso, o poder decorrente dessa delegação legislativa é uma “função de

direito público, derivada da própria ordem estatal”. Decorre dessa premissa

a justificação do efeito erga omnes das cláusulas dos convênios coletivos.

Predomina a teoria contratual. A representação sindical é, segundo

os postulados defendidos por essa concepção, de natureza contratual. O

sindicato é o resultado do acordo de vontades daqueles que o instituem. É

um agrupamento voluntário, como as sociedades e as associações, nascido

da troca de consentimentos constitutivos dos interessados. Como tal, os

214
acordos coletivos são restritos aos filiados ao sindicato, e a sua aplicação

aos não filiados depende de mecanismos de adesão ou de extensão.

Subdivide-se a teoria contratual. O tipo de contrato que vincula a cole-

tividade e o sindicato que a representa não é o mesmo. Há entendimentos

divergentes.

Para alguns, é um mandato de direito civil. Porém, o mandato tem

peculiaridades inidentificáveis com a representação sindical, dentre as quais

a revogabilidade, quando é irrevogável a representação sindical.

Outra, a teoria da gestão de negócios. Para Montoya Melgar, em Derecho

del trabajo (1978), é insatisfatória; as entidades representativas sindicais não

atuam sobre negócios alheios.

Inclua-se a teoria da estipulação em favor de terceiro. Sofre críticas; na

representação sindical, os representados pelo sindicato não são terceiros; dos

atos praticados na estipulação de terceiro resultam direitos e na representação

sindical existem direitos e deveres entre representante e representados.

Uma terceira concepção é político-institucional. A representação sindical

assemelha-se à representação política, nos moldes do direito público e das

relações entre comunidade e governantes. Levados em conta são os aspectos

peculiares existentes nas duas formas de representação de interesses

na sociedade como a dos partidos políticos, dos parlamentos. No sistema

político, o problema jurídico da representação restringe-se às relações entre

eleitores e eleitos, o que não ocorre no sindicalismo.

Acrescente-se a teoria da representação de vontades. Parte de uma noção

fragmentária do interesse representado. Não é coletivo, mas individual plúrimo.


Por fim, a concepção institucional. Identifica o sindicato com a categoria,

como se fossem uma só e mesma realidade. Mas há sindicatos que não

representam categorias.

5. O SINDICALISMO DO SETOR PÚBLICO

O sindicalismo nasceu como forma de representação dos trabalhadores

de empresas privadas. A legislação trabalhista passou a ser aplicada,

também, em diversos países, aos trabalhadores do setor público. Com isso,

surgiu uma questão: os institutos peculiares ao direito coletivo do trabalho,

dentre os quais a associação sindical, a negociação coletiva, a greve e a

representação dos trabalhadores no local dos serviços, são exclusivos do

setor privado ou são compatíveis com as relações de trabalho no setor

público?

215

Não é viável uma resposta sem precisar o conceito de setor público

para fins de relações de trabalho. É um conceito relativo e que deve ser

adstrito ao sistema jurídico de cada país.

Em nosso ordenamento jurídico, por setor público entende-se aquele

que abrange a Administração Pública Direta e Indireta, nesta a autárquica, a

fundacional, as empresas públicas e as sociedades de economia mista.

Uma parte do problema fica resolvida. A Constituição Federal, art. 173,

declara: “§ 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública,

da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem

atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de

prestação de serviços, dispondo sobre: II — a sujeição ao regime jurídico


próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações

civis, comerciais, trabalhistas e tributários”. Segue-se, com fundamento no

preceito constitucional, que a legislação trabalhista é aplicável a esses entes.

Não o é, todavia, aos órgãos da Administração Pública Direta, autárquica

e às fundações públicas, tendo em vista o disposto na Lei Magna, art. 37.

O mesmo diploma constitucional: a) no art. 39, estendeu aos funcionários

públicos alguns direitos individuais previstos para empregados do setor

privado; b) no art. 37, VI, garantiu ao servidor público civil o direito à livre

associação sindical; c) no inciso II do mesmo art. 39, assegurou ao servidor

público civil o direito de greve nos termos de lei específica na qual os limites

do seu exercício são definidos; d) reconhece as convenções e acordos

coletivos de trabalho nos dispositivos aplicáveis ao setor privado, e não há

texto que expressamente estenda ao setor público esse reconhecimento.

Como se vê, quanto ao direito de associação sindical, a regra é o

seu reconhecimento. A Lei n. 9.527, de 1997, dispõe sobre a liberação de

ponto de dirigentes sindicais e o pagamento de salários, no setor público.

Quanto à negociação coletiva, é prejudicada pelo regime da legalidade, mas

há discussões doutrinárias sobre a sua admissibilidade no setor público.

Quanto ao direito de greve, é condicionado aos permissivos da legislação

ordinária. Quanto à representação dos trabalhadores no local do serviço, não

há proibição.

A Convenção n. 87 da Organização Internacional do Trabalho não faz

distinções entre pessoal disciplinado pela lei trabalhista e funcionário público,

dispondo que “os trabalhadores e os empregadores, sem nenhuma distinção


e sem autorização prévia, têm o direito de constituir as organizações que

estimem convenientes assim como o de filiarem-se a essas organizações,

com a única condição de observarem os seus estatutos”.

A mesma Convenção remete para a legislação de cada país a disciplina

do direito à sindicalização dos funcionários da polícia e das Forças Armadas.

216

Há países, em maioria, nos quais é livre a sindicalização de funcionários

públicos.

A França excepciona os militares pela neutralidade que devem manter

(lei de 1972 do serviço militar) e proíbe a greve a alguns tipos de funcionários,

como os controladores de tráfego aéreo.

A Espanha aprovou a Constituição de 1978, que declara: “todos têm

direito a sindicalizar-se livremente. A lei poderá limitar ou excepcionar

o exercício desse direito às Forças ou Institutos armados ou aos demais

Corpos submetidos à disciplina militar e regulará as peculiaridades do seu

exercício para os funcionários públicos”.

Nos Estados Unidos da América, há sindicatos exclusivos, de funcioná-

rios públicos, e mistos, representando trabalhadores do setor público e priva-

do. Um dos maiores sindicatos é o dos professores (NEA). A Federação Ame-

ricana dos Empregados do Governo (AFGE) é outra grande entidade sindical.

No Canadá, foi expressivo o crescimento da sindicalização no setor

público, de 150% entre 1962 e 1977.

No Reino Unido, há o Sindicato Nacional dos Servidores Públicos (NUPE).

Em todos os países que ratificaram a Convenção n. 87 da OIT é livre o


direito de sindicalização do funcionário público, restrito, apenas, nos termos

da lei interna, aos funcionários da polícia e das Forças Armadas.

A questão passa pelo problema da isonomia. O princípio da igualdade

fundamenta o direito de sindicalização do funcionário público, nas mesmas

condições asseguradas àqueles que trabalham para o setor privado e pelas

mesmas razões. Há que se considerar, no entanto, que são justificadas

algumas restrições, diante do tipo de atividade exercida no setor público,

e a disponibilidade, maior na empresa privada, e dependendo de previsões

orçamentárias e recursos, no setor público.

6. O PROBLEMA DA CONTRIBUIÇÃO

SINDICAL DOS SERVIDORES PÚBLICOS

Em nosso modelo sindical, as principais fontes de financiamento das

entidades são as contribuições pagas por seus representados, destacando-

-se, dentre elas, a chamada “contribuição sindical”.

Sendo, em sua origem, um imposto, atualmente, permanece compulsória

e fixada por lei. É devida por todos os membros da categoria, independente-

mente de filiação ao sindicato. Via de regra, seu valor corresponde a um dia

de trabalho por ano.

217

Como é sabido, a CLT disciplina, minuciosamente, essa questão nos

arts. 578 a 610. Esses dispositivos estabelecem a obrigatoriedade, o valor e a

forma do seu recolhimento. Tais dispositivos permanecem em vigor conforme

reiterou recentemente o art. 7º da Lei n. 11.648, de 2008, que regulamentou

as centrais sindicais:
“Art. 7º Os 578 a 610 da Consolidação das Leis do Trabalho — CLT, aprovada pelo

Decreto-Lei n. 5.452, de 1º de maio de 1943, vigorarão até que a lei venha a disciplinar

a contribuição negocial, vinculada ao exercício efetivo da negociação coletiva e à

aprovação em assembleia geral da categoria.”

Permanece, portanto, devida por todos os trabalhadores representados

por sindicato, estejam ou não a este filiados.

Vale destacar que também a Constituição Federal de 1988 a recepcionou,

por completo. Surgiram discussões no que se refere à sua cobrança de

servidores estatutários, ou seja, os não celetistas.

Isso porque, além de consagrar a sua obrigatoriedade, a Carta Magna

facultou aos servidores públicos civis a organização de sindicatos para

a defesa de seus interesses, conforme art. 37, inciso VI: “é garantido ao

servidor público civil o direito à livre associação sindical”.

Não há razão, desse modo, para que, em havendo o sindicato, os

servidores estatutários não contribuam, na forma da lei, para garantir o

financiamento dessas entidades. Trata-se, inclusive, de preservar a isonomia

tributária.

Daí a Instrução Normativa n. 1 do Ministério do Trabalho e Emprego,

publicada no Diário Oficial da União em 03/10/2008, fixar que:

“Art. 1º Os órgãos da administração pública federal, estadual e municipal, direta e

indireta, deverão recolher a contribuição sindical prevista no art. 578, da CLT, de todos

os servidores e empregados públicos, observado o disposto nos artigos 580 e seguintes

da Consolidação das Leis do Trabalho”.

Ora, esse ato normativo tem plena validade. Do ponto de vista formal,
o art. 510 da CLT legitima a competência do órgão emanador. A diretriz está

de acordo com a legislação trabalhista e com a jurisprudência dos Tribunais

Superiores.

Nesse sentido, o entendimento cristalizado há tempos pelo Supremo

Tribunal Federal é: os servidores estatutários também estão sujeitos ao

regime das contribuições sindicais compulsórias, conforme a ementa de

caso pioneiro, o RMS n. 217.851, julgado em 20.09.1994, tendo por relator o

Ministro Sepúlveda Pertence:

“Sindicato de servidores públicos: direito à contribuição sindical compulsória (CLT,

art. 578 ss.), recebida pela Constituição (art. 8º, IV, in fine), condicionado, porém, a

satisfação do requisito da unicidade.

218

1. A Constituição de 1988, à vista do art. 8º, IV, in fine, recebeu o instituto da contribuição

sindical compulsória, exigível, nos termos dos arts. 578 ss. CLT, de todos os integrantes

da categoria, independentemente de sua filiação ao sindicato (cf. ADIn 1.076, med.

cautelar, Pertence, 15.6.94).

2. Facultada a formação de sindicatos de servidores públicos (CF, art. 37, VI), não

cabe excluí-los do regime da contribuição legal compulsória exigível dos membros

da categoria (...) (ADIn 962, 11.11.93, Galvão).” (STF, 1ª Turma, Rel. Min. Sepúlveda

Pertence, RMS n. 217.851, DJU 04.11.94.)

O Plenário do STF havia se manifestado acerca da questão ao julgar

a Arguição de Descumprimento de Direito Fundamental n. 962, em que se

questionava um ato do Tribunal de Justiça do Piauí, no sentido de condicionar

o desconto em folha dos servidores à prévia autorização destes. Analisando


essa Medida Cautelar, o STF ressalvou as contribuições compulsórias

devidas ao sindicato, afirmando que o fato de inexistir lei específica para

os servidores estatutários não autorizaria tratamento diferenciado “aquele

conferido aos órgãos representativos dos trabalhadores que, na técnica

constitucional, estão vinculados ao setor privado”. Daí por que suspendeu

o ato administrativo e restabeleceu a obrigação de realizar os descontos

devidos em favor da entidade sindical (STF, Pleno, ADI-MC n. 962, DJ

11.02.1994).

No mesmo sentido desses precedentes, a jurisprudência da mais

alta Corte consolidou-se a esse respeito. Além disso, tal é o entendimento

sedimentado no Superior Tribunal de Justiça.

Desse modo, diante do exposto, resta evidente a obrigatoriedade do

seu desconto dos salários dos servidores estatutários, dos diversos níveis da

Administração Pública, e seu recolhimento pelo órgão público aos respectivos

sindicatos, sob pena de responsabilidade do órgão público e do seu gestor,

como, também, já definido pelo Direito.

Há outras decisões judiciais sobre o recolhimento compulsório da

contribuição sindical com o respectivo desconto, dos salários dos servidores

públiocos, como as que seguem:

“1. Não se configura a decadência se o writ foi impetrado antes de escoado o prazo

de cento e vinte dias da efetiva lesão de direito líquido e certo do impetrante. 2. A

lei específica que disciplina a contribuição sindical compulsória (“imposto sindical”)

é a CLT, nos arts. 578 e seguintes, a qual é aplicável a todos os trabalhadores de

determinada categoria, inclusive aos servidores públicos, observada a unicidade


sindical e a desnecessidade de filiação, segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal

Federal, que considerou recepcionada a exação pela atual Constituição Federal. 3. É

obrigatório o recolhimento do “imposto sindical” pela Administração Pública Municipal a

pedido de qualquer das entidades incluídas no rol dos beneficiários da importância da

arrecadação, como previsto no art. 589 da CLT.” (STJ, 2ª Turma, REsp n. 612.842 —

RS, Rel. Min. ELIANA CALMON, 17.02.2005.)

219

“ I — A controvérsia a ser dirimida restringe-se a saber se existe a possibilidade de

compulsoriedade no desconto em folha de pagamento, do denominado “imposto

sindical”, previsto no art. 578 e seguintes da Consolidação das Leis do Trabalho. II

— Há legislação específica que determina a compulsoriedade da contribuição sindical,

hodiernamente denominada “imposto sindical”. III — Os arts. 578 e seguintes, da

CLT, são aplicáveis a todos os trabalhadores de determinada categoria, inclusive aos

servidores públicos, observada a unidade sindical e a falta de necessidade de filiação,

conforme assentado pela jurisprudência do Colendo Supremo Tribunal Federal, que

considerou recepcionada a exação pela atual Constituição Federal. IV — É compulsório

o recolhimento do denominado “imposto sindical” pela Administração Pública.” (STJ, 1ª

Turma, REsp n. 728.973 — PA, Rel. Min. FRANCISCO FALCÃO, 16.03.2006.)

Renova-se o debate com a Instrução Normativa n. 1 (2008) e a Nota

Técnica n. 36 do Ministério do Trabalho e Emprego (2009) que estabelecem

procedimentos de recolhimento da contribuição sindical de servidores

públicos, inclusive estatutários , e a forma dos recolhimentos que devem ser

feitos pelos órgãos públicos, federais, estaduais e municipais.

Como a Constituição Federal de 1988, art. 37, VI, reconhece aos


servidores públicos a faculdade de criar sindicatos com o objetivo de defesa

dos seus interesses,não haveria razão para a concessão desse direito e

a supressão dos meios de financiamento dos sindicatos do setor público

porque se assim fosse, equivaleria a dar com uma mão e retirar com a outra.

Os sindicatos brasileiros não abrem mão da contribuição sindical como a sua

principal fonte de receita.

7. O SINDICALISMO DO SETOR RURAL

A Convenção n. 11 da Organização Internacional do Trabalho (1921)

dispõe que “todo membro da Organização Internacional do Trabalho que

ratificar a presente Convenção obriga-se a assegurar a todas as pessoas

ocupadas na agricultura os mesmos direitos de associação e de coalizão que

os dos trabalhadores da indústria e a derrogar qualquer disposição legislativa

ou de outra espécie, que tenha por fim prejudicar esses direitos no que

respeita aos trabalhadores agrícolas”. E a Convenção n. 87 (1948), sobre

a liberdade sindical, não faz discriminação entre trabalhadores urbanos e

rurais, fixando os mesmos princípios gerais em relação a ambos. Há dois

princípios de organização do sindicalismo rural. Partem do critério estrutural

do modelo: o princípio da paridade, que não distingue entre o meio urbano

e o rural, fixadas diretrizes comuns de sindicalização, tanto para o campo

como para a indústria e comércio, e o princípio da diversidade, segundo

o qual há leis especiais e diferentes, para o meio rural, inidentificáveis em

suas linhas básicas com as leis atribuídas ao sindicalismo urbano. No Brasil,

passou-se do princípio da diversidade para o da paridade a partir do Estatuto

do Trabalhador Rural (1963), mas não de forma absoluta. A sindicalização


220

rural foi disciplinada antes mesmo da urbana, pelo Decreto n. 979, de

1903, que permitiu a reunião dos profissionais da agricultura e indústrias

rurais, tanto pequenos produtores como empregados e empregadores,

com liberdade de escolha das formas de sindicalização, bastando, para a

aquisição da personalidade jurídica pelo sindicato, o registro dos estatutos

e da ata constitutiva no Cartório de Registro de Hipotecas do Distrito.

Houve modificações legislativas, como a do Decreto-lei n. 8.127 (1945), que

organizou a classe patronal, sob a fiscalização do Ministério da Agricultura,

em associações municipais, federações estaduais e uma confederação.

A essas associações, segundo o Estatuto do Trabalhador Rural, já

revogado, foi facultada a oportunidade de se transformarem em sindicatos,

por deliberação das respectivas assembleias, com poderes de representação

e de negociação coletiva. Em 1944, promulgou-se uma lei de sindicalização

rural (Decreto-lei n. 7.038), sem eficácia. As indecisões quanto aos rumos

a serem adotados foram afastadas, iniciando-se a adoção de medidas

jurídicas que tiveram por escopo fazer que nelas ganhasse corpo uma

estrutura o quanto possível semelhante à urbana. O Estatuto do Trabalhador

Rural foi revogado pela Lei n. 5.889 (1973), que manteve as normas sobre

enquadramento sindical previstas anteriormente. O Decreto n. 73.626

(1974), que disciplinou a referida lei, fez remissão a vários dispositivos da

Consolidação das Leis do Trabalho.

A Constituição Federal de 1988 proclamou dois princípios sobre

organização sindical rural: a aplicação das disposições adotadas para os


sindicatos urbanos (art. 8º, parágrafo único) e a cobrança das contribuições

para o custeio das atividades dos sindicatos rurais, até ulterior disposição

legal, como a do imposto territorial rural, pelo mesmo órgão arrecadador (art.

10, § 2º).

8. O SINDICALISMO DO SETOR PATRONAL

Estaria incompleta a liberdade sindical se não fosse reconhecida também

aos empregadores. Quando dos debates na Organização Internacional

do Trabalho sobre liberdade sindical, em 1927, os empregadores não se

mostravam favoráveis à admissão do princípio. No entanto, as discussões

evoluíram em sentido favorável à sua adoção e extensão aos empregadores

que não se sentiam suficientemente protegidos para escapar da subordinação

perante os Poderes Públicos. Com isso, os representantes patronais, na

Conferência de 1948, deram apoio ao projeto, que, nesse ponto, os colocava

em situação de igualdade com os trabalhadores. A Convenção n. 87 da OIT

não fez distinções, aplicando-se, de forma uniforme, a trabalhadores e a

empregadores.

221

Não há como comparar o sindicalismo de empregadores com o de

empregados. Aquele é formalmente menos desenvolvido e economicamente

mais poderoso, o que não significa ineficácia. Antonio de Lemos Monteiro

Fernandes, em Noções fundamentais de direito do trabalho (1980), observa

que “o ordenamento jurídico português mostra-se consideravelmente lacônico

na cobertura do associativismo patronal”. Néstor de Buen, em Derecho de

trabajo (1976), dissertando sobre o México, afirma: “na realidade o setor


patronal encontra, em outros organismos, centros de filiação forçada, as

Câmaras de Comércio e Indústria, como outras formas eficazes de defesa.

Por essa razão, não proliferaram, no México, os sindicatos patronais”. Há

autores que sequer fazem alusão ao sindicalismo patronal. Não falta quem

entenda que os órgãos patronais não são sindicatos, tanto assim que recebem

denominações diferentes como Câmaras, associações, grêmios e outras.

Na Itália, Gino Giugni sustenta que a exigência de sindicalização

patronal não nasce tanto da necessidade de confrontar a outra parte,

mesmo porque a empresa já é coalizão em si mesma no plano sindical, nele

figurando como um sujeito coletivo das relações de trabalho. Há um interesse

individual relacionado com a concorrência e a necessidade de uniformização

de preços dos produtos, com o que as negociações dos empregadores se

fazem coletivamente.

Importantes organizações patronais existem em diversos países: a

Confederation of British Industries — CBI, na Inglaterra; o Conseil National

du Patronat Français — CNPF; a National Association of Manufacturers —

NAM, nos Estados Unidos; a Confederación Espanhola de Organizaciones

Empresariales — CEOE.

No Brasil, as entidades patronais estão organizadas em sindicatos,

federações e confederações por categorias. São aplicáveis os mesmos

princípios do sindicalismo de trabalhadores, em relação ao qual é simétrico

e bilateral.

Encerrando:

— o sistema de categorias a priori enumeradas pelo Estado num quadro


ao qual nossa lei dá o nome de enquadramento sindical é substituído

cada vez mais pelo sistema de categoria a posteriori, para com isso

designar-se a criação dos grupos não pelo Estado, mas pelos próprios

interessados, caso em que os sindicatos representam categorias que

não constam do quadro oficial;

— no sistema norte-americano, fala-se não em categoria, mas em

unidade de negociação, porque o que importa é saber quem está

conduzindo a negociação e em que espaço ela vai aplicar-se;

222

— o sindicalismo por categoria não é o mesmo que o sindicalismo por

profissão;

— o sindicalismo por categoria tem como princípio uma atividade

econômica preponderante de uma empresa e o sindicato dos

trabalhadores representará todos os empregados nas empresas

independentemente da profissão;

— no sindicalismo por profissão, o vértice do agrupamento não é o

ramo de atividade econômica da empresa, mas o tipo de profissão do

empregado, qualquer que seja a empresa ou setor econômico em que

trabalhe;

— o Fórum Nacional do Trabalho propôs, sem sucesso, a supressão

do sindicalismo por profissão, iniciativa que contraria o princípio da

liberdade sindical;

— saber qual é o melhor modelo sindical, o de categorias ou o de

profissões, é uma questão de opção e de difícil solução, uma vez que


aquele fortalece os trabalhadores de um setor de atividade econômica e

este beneficia um determinado tipo de profissão;

— os empregadores brasileiros não aceitam, salvo exceções, o

sindicato de empresa porque rejeitam, menos que isso, as Comissões

de Trabalhadores nas Empresas;

— a maior dificuldade do sindicalismo dos funcionários públicos está em

compatibilizar negociação coletiva e a dependência, no setor público,

da legislação, para que direitos sejam conferidos aos funcionários;

— outra dificuldade é a greve no serviço público, porque se o serviço é

público não deve faltar à população;

— a tendência, todavia, é ampliar os direitos sindicais para os servidores

públicos e em alguns países existe negociação coletiva no âmbito da

Administração Pública.

223

TERCEIRA PARTE

TIPOS DE ORGANIZAÇÕES SINDICAIS

CAPÍTULO 23

ENTES SINDICAIS DE CÚPULA

1. CENTRAIS SINDICAIS

Centrais — também chamadas uniões ou confederações — são a

maior unidade representativa de trabalhadores na organização sindical.

São entidades de cúpula. Situam-se, na estrutura sindical, acima das

confederações, federações e sindicatos. Representam outras organizações

sindicais que a elas se filiam espontaneamente. São intercategoriais,


expressando-se como um referencial de concentração da pirâmide sindical.

Surgem em congressos de organizações interessadas ou institucionalmente

— mas podem ser previstas em leis —, como necessidade natural, do mesmo

modo com que são criados grupos econômicos.

São organizações intercategoriais, numa linha horizontal, abrangentes

de diversas categorias. Delas são aderentes não os trabalhadores

diretamente, mas as entidades de primeiro grau que os representam ou as de

segundo grau que integram os sindicatos. Portanto, representam sindicatos,

federações e confederações de mais de uma categoria. Atuam numa base

territorial ampla, quase sempre em todo o país.

As organizações complexas — nome dado às entidades de cúpula por

Valverde, Gutiérrez e Murcia(1) —, em boa medida, dependem, como assinalam

os mesmos autores, “da tradição e experiência histórica do movimento

sindical de cada país, mas também das características do sistema produtivo,

das pautas de negociação coletiva e da configuração do sistema de relações

trabalhistas. No pressuposto mais normal, a criação de organizações

complexas segue um processo de progressiva aglutinação de nível inferior;

mas também é conhecida a trajetória inversa, mediante a criação de

delegações ou circunscrições territoriais por parte de uma organização

de ampla implantação. A constituição de organizações sindicais complexas

pode seguir, como o das organizações simples, critérios territoriais ou

funcionais; e pode efetuar-se mediante vínculos diversos, principalmente de

filiação ou integração de umas em outras, de federação ou adesão de uma

a outra, ou de confederação de umas com outras. Como resultado dessas


operações surgiram as federações de ramo ou setor, as uniões territoriais, as

confederações centrais sindicais e as organizações internacionais”.

(1) VALVERDE, Antonio Martín; GUTIÉRREZ, Fermín Rodriguez-Sañudo; MURCIA, Joaquín

García. Op. cit., p. 256.

227

As centrais sindicais são parte integrante do sistema sindical de diversos

países.

Na Inglaterra: o Trade Unions Congress — TUC, com vinculações com

o Partido Trabalhista.

Na França: a CFDT — Confédération Française des Travailleurs Chrétiens;

a CGT — Confédération Générale du Travail, que, em conjunto, pactuaram

com os empregadores o acordo interconfederal de 1966 e outros acordos

em 1970 e 1974 sobre salários e medidas de proteção contra dispensa do

empregado; a Force Ouvrière — FO; a CFTC — dos trabalhadores cristãos; a

CGC — representativa de engenheiros, técnicos, supervisores e outros.

Na Alemanha: a Deutcher Gerverkschafts-Bund — DGB, que é a

Federação Alemã dos Sindicatos, próxima do Partido Social-Democrata, à

qual estão filiados 16 sindicatos nacionais de empregados de diversos setores.

Na Itália: a Confederazione Generale Italiana dei Lavoratori — CGIL;

a Confederazione Italiana di Sindacati dei Lavoratori — CISL; e a Unione

Italiana dei Lavoratori — UIL. As três centrais, em 1972, fizeram um pacto

visando à unidade de fins transitórios, resultando na criação de uma união

entre elas, à qual foi dado o nome de “Federação CGIL, CISL, UIL”.

Na Espanha: as CCOO — Comissões Obreiras, ligadas ao PC; a UGT


— União Geral de Trabalhadores, fundada em 1888; a SOC — Solidariedade

dos Operários Catalões; a ELAS-STV — Solidariedade dos Trabalhadores

Bascos; a INTG — Intersindical Galega; a CGT — Confederação Geral de

Trabalhadores.

Na Suécia: a LO, que é a Confederação dos Sindicatos Suecos; a TCO,

que é a Organização Central dos Empregados Assalariados; e a SACO, que

é a Confederação das Associações Profissionais.

Em Portugal: a CGTP-IN, Confederação Geral do Trabalho Portuguesa-

-Intersindical Nacional; a UGT — União Geral dos Trabalhadores.

Nos Estados Unidos, uniram-se duas centrais sindicais, fundando a

AFL-CIO, que é a fusão da AFL — American Federation of Labor e da CIO

— Congress of Industrial Organizations, em 1955, representando centenas

de sindicatos.

Na Argentina: a CGT; no Uruguai: o Plenário Internacional de Trabajado-

res y Conferencia Nacional de Trabajadores — PIT e CNT; no Chile: a CUT;

no Paraguai: a CUT; na Bolívia: a COB — Central Obreira Boliviana.

No México: a Confederação dos Trabalhadores no México — CTM; a

Confederação Regional dos Obreiros Mexicanos — CROM; e a Confederação

Revolucionária de Obreiros e Camponeses — CROC.

228

Na Guatelama: a União Sindical de Trabajadores de Guatemala —

UNSITRAGUA e a Confederación de Unidad Sindical de Guatemala — CUSG.

No Peru: a Confederación General de Trabajadores del Perú —

CGTP; a Confederación Autónoma de Trabajadores del Perú — CATP; a


Confederación de Trabajadores del Perú — CTP; a Confederación de

Trabajadores Democráticos del Perú — CTDP; a Central de Trabajadores de

la Revolución Peruana — CTRP; a Confederación Nacional de Trabajadores;

e a Central Sindical de Empleados Particulares del Perú.

2. UNIÃO ORGÂNICA E UNIDADE DE AÇÃO

Concluímos que nem sempre é fundamental formalizar a união das

forças sindicais e os mesmos fins que a objetivam podem ser alcançados

com uniões não orgânicas, simplesmente unidades de ação. Observe-se,

como foi no início afirmado, que há uniões orgânicas e unidades de ação. As

primeiras, quando os órgãos de grau superior encontram-se ligados de modo

estrutural, permanente como consequência de um modelo que lhes dá essa

situação estável na organização sindical.

Unidade de ação é mera campanha conjunta de órgãos de grau superior

para determinados movimentos, para unir, num momento necessário, forças

organicamente dispersas para atuar perante os empregadores e o governo,

ou participar de discussões tripartites destinadas a fixar diretrizes maiores,

econômicas e sociais, para o país.

Neste caso, a união não é orgânica, estável, permanente. É ocasional,

efêmera, eventual. Nasce e desaparece. Cada entidade sindical mantém a

sua independência orgânica, que continuará, separadamente, em sua vida

autônoma.

3. CENTRAIS SINDICAIS E PACTOS SOCIAIS

Centrais e pactos sociais relacionam-se quando aquelas participam

destes, no interesse geral, para fixar diretrizes maiores de ação, tendo


por fim o desenvolvimento econômico, o sistema tributário, o combate ao

desemprego e as reformas fundamentais do sistema legal trabalhista.

Os pactos sociais nasceram nos países escandinavos com os Acordos

Básicos Nacionais. Outros países neles buscaram fórmulas semelhantes de

obtenção da paz social e diminuição da conflitividade entre os sindicatos e as

empresas, dentre os quais Itália, Irlanda, Austrália, México, Colômbia, Israel,

Suécia, Holanda e República Federal da Alemanha.

229

Os pactos sociais resultam de entendimentos aos quais, nos países

de língua espanhola, dá-se o nome de concertação social. Este é, portanto,

um procedimento ou método de negociação em plano mais alto do que

o da negociação coletiva. Os pactos sociais têm finalidade mais ampla,

predominantemente programática, mas também organizacional, por meio

da qual é discutido o pacto social. Assim, parece-nos melhor entender por

concertação social o procedimento e por pacto social, o instrumento.

Diversas tentativas de pactos sociais foram feitas, algumas bem-sucedi-

das: o Avenimiento Obrero-Patronal (1958), na Venezuela; a Gran Comisión

(1965), na Colômbia; a Acta del Compromiso Nacional (1973), na Argentina;

o Pacto de Estabilidade e Crescimento Econômico do México (1988); a Con-

certação Programática do Uruguai (1985); e outras.

Documento da Duodécima Conferência dos Estados da América

Membros da Organização Internacional do Trabalho, de Montreal, em março

de 1986, sublinha três conclusões. Primeira, existe a clara consciência, tanto

dos governos como dos interlocutores sociais, de que os problemas atuais


só podem ser bem resolvidos mediante um esforço solidário de todos, para

o qual é indispensável o entendimento. Segunda, as condições necessárias

para realizar, com êxito, a concertação são difíceis de reunir e são poucas

as experiências, na região, que mostram, claramente, que ela é realizável.

Terceira, há bases institucionais e psicológicas que poderiam facilitá-la.

Oscar Ermida Uriarte, em estudo publicado no livro La concertación

social, define-a como a participação do setor sindical, do setor empresarial e

do Estado na planificação ou adoção de decisões que recaem nos diferentes

âmbitos, mas, especialmente, no econômico e no social.

Diversificada é a sua tipologia, incluindo pactos sociopolíticos e pactos

sociotrabalhistas; os primeiros, assinados pelos partidos políticos em

períodos de transição da ordem política, antecedendo uma nova Constituição,

como o Pacto de Moncloa, na Espanha; os segundos, com diversos tipos de

cláusulas sociais e trabalhistas. Estes, por sua vez, subdividem-se: são de

tipo processual, quando fixam um procedimento a ser observado; de tipo

normativo-substantivo, quando estabelecem parâmetros para as condições

de trabalho que poderão incluir-se em plano menor de convenções e acordos

coletivos (ex.: reajustamentos salariais entre 4% e 8%); e de tipo híbrido,

quando suas cláusulas são processuais e substantivas.

O pacto social não é um mecanismo, unicamente, de direito do trabalho.

Envolve questões mais amplas: de economia, de política fiscal, de previdência

social etc. É, preponderantemente, instrumento de propostas de ação e

formas de solução de conflitos coletivos trabalhistas. Visa à efetivação de um

acordo entre os agentes econômicos, o trabalho e o capital. Objetiva alcançar


230

um consenso entre os interlocutores sociais sobre as principais divergências

que os separam. Não é um tipo de convenção coletiva de trabalho. Desta

não participa o governo. Dela difere, também, sob o prisma da coercibilidade

porque as normas jurídicas são coercitivas, enquanto os pactos sociais são

destituídos de sanções, embora se apresentem como compromissos entre os

interlocutores sociais e o governo. Os pactos sociais aproximam-se, em seu

conteúdo, dos planos econômico-sociais sobre diretrizes de elaboração de

leis, pelo Poder Legislativo, como se fossem um anteprojeto de lei emanado

dos grupos sociais interessados, ou de contratos coletivos entre sindicatos

e empresas.

4. AS CENTRAIS SINDICAIS E

O SISTEMA LEGAL BRASILEIRO

As Centrais Sindicais foram proibidas desde o Estado Novo. No sistema

confederativo, não lhes foi dado um lugar. O Estado sempre se acautelou

contra a sua possível ação política.

No início dos anos 1960 e no III Congresso Sindical Nacional, os

trabalhadores decidiram criar uma unidade de coordenação, o Comando

Geral dos Trabalhadores — CGT, de orientação contrária, que vinha

sendo imprimida pela CNTI — Confederação Nacional dos Trabalhadores

da Indústria, não setorial, mas geral. Surgiram, também, o PUA — Pacto

de Unidade de Ação, intersindical, congregando trabalhadores portuários,

marítimos e ferroviários, e o Fórum Sindical de Debates da Baixada Santista.

O CGT comandou várias manifestações, dentre as quais a greve de 1960,


envolvendo 400.000 trabalhadores, e greves políticas. Foi dissolvido em

1964, início dos governos militares.

Durante os governos militares e no seu final, as principais correntes

atuantes no movimento sindical, como relata com detalhes Álvaro Augusto

Comin(2), foram forças diversificadas de representação de grupos da

sociedade, os chamados sindicalistas autênticos identificados com as

lideranças sindicais de São Bernardo, outros mais próximos dos partidos

comunistas, outros, ainda, dirigentes de federações, confederações, militantes

das oposições sindicais, católicos e representantes de movimentos populares

que realizaram os primeiros encontros, em 1980, em João Monlevad, Taboão

da Serra e Vitória, na defesa de maior autonomia sindical. Em 1981, ano da

realização da I Conferência Nacional da Classe Trabalhadora (I Conclat),

(2) COMIN, Álvaro Augusto. A experiência de organização das centrais sindicais no Brasil. In:

O mundo do trabalho, crise e mudança no final do século, Ministério do Trabalho ( sic), Centro

de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho, Instituto de Economia da Universidade

Estadual de Campinas, Página Aberta, 1994. p. 359.

231

presentes 5.036 delegados representando 1.091 entidades entre sindicatos,

associações, federações e confederações, a ideia da criação de uma central

sindical estava cristalizada, apesar de divergências sobre o caráter que

deveria ter, inserida na estrutura oficial sindical existente ou em ruptura a

essa mesma estrutura.

As divergências influíram no adiamento da Conferência, terminaram em

impasse e divisão, seguindo-se a realização de duas conferências em 1983,


das quais restaram a criação de duas centrais correspondentes à divisão do

movimento sindical, uma em São Bernardo, em agosto, da qual resultou a

criação da Central Única dos Trabalhadores — CUT, outra em Praia Grande,

na qual foi criada a Coordenação Nacional da Classe Trabalhadora — Conclat.

A Portaria n. 3.100, de 1985, do Ministério do Trabalho, revogou a

proibição.

Em 1986, foi criada a Central Geral dos Trabalhadores — CGT, daí

desenvolvendo-se as duas centrais correspondentes a duas diferentes

concepções sindicais, o cutismo e o cegetismo; a primeira, a nosso ver, de

ideologia revolucionária e contestadora do sistema; a segunda, de ideologia

reformista e de resultados, sendo a Força Sindical — FS uma dissidência da

CGT, que se afirmou e ganhou amplitude.

A Constituição Federal de 1988 não as autorizou nem as proibiu.

Distinguem-se das confederações. Estas, no modelo brasileiro, são entes

de cúpula numa categoria. As centrais, diferentemente, são organizações de

cúpula de mais de uma categoria.

Em 1989, diante de dissidência entre grupos que a integravam, a CGT

foi dividida em duas, daí resultando a CGT — Confederação Geral dos

Trabalhadores e a CGT — Central Geral dos Trabalhadores.

O aparecimento natural das Centrais correspondeu a uma necessidade

de modificação do sistema, que se mostrou insuficiente, necessidade igual

à de outros países. O período de maior criação das centrais inicia-se no fim

dos governos militares e início da tolerância do Estado, que não as reprimiu

como parte de uma perspectiva de redemocratização reclamada pelo País.


Surgiram diversas: a CUT — Central Única dos Trabalhadores, a CGT

— Central Geral dos Trabalhadores, a USI — União Sindical Independente,

a FS — Força Sindical, a CGT — Confederação Geral dos Trabalhadores, a

CAT — Coordenação Autônoma de Trabalhadores, a CSD — Central Social

Democrática, a CCT — Coordenação Confederativa de Trabalhadores e a

SDS — Social Democracia Sindical.

Esse quadro está alterado porque algumas Centrais perderam força e

expressividade, outras fundiram-se e as duas mais fortes são a CUT e a

232

Força Sindical e a mais nova, a UGT — União Geral dos Trabalhadores, é

fruto da fusão de três Centrais.

Na doutrina, há autores que se posicionam favoráveis à liberdade de

criação de organizações acima das confederações, como Evaristo de Moraes

Filho, em Sindicato. Organização e funcionamento (LTr 44(9)-1065, 1980).

Afirmou que “não há nenhum dispositivo legal que proíba a constituição de

órgãos de cúpula ou de centrais sindicais, mas também não há nenhum

que os autorize. Há certa coerência lógica e ideológica na forma de dispor

da legislação brasileira em vigor, eis que os órgãos de cúpula horizontais

são incompatíveis com o modelo de sindicalismo vertical adotado entre nós

desde 1937. Abandonado, no entanto, esse modelo, nada poderia impedir

os interessados de se organizarem em órgãos globais de ápice, pois tal é

a tendência normal das organizações de empregados e de empregadores,

como fica patente com a existência da Conclap formada por estes últimos”.

Há, entretanto, doutrinadores, também de grande porte, que fazem


restrições ao surgimento dessas entidades.

Segadas Vianna, em Instituições de direito do trabalho (1981), observa

que a legislação não prevê confederações gerais, mas tem ponto de vista

favorável. Afirmou que a organização de uma confederação geral facilita

às classes o exercício dos poderes que a lei confere às confederações, de

indicar; as indicações a que se refere incluem as indicações dos membros de

delegações que comparecem a congressos internacionais etc.

Russomano, em Direito sindical; princípios gerais (1975), sustentou

a tendência natural da organização sindical de ir além das confederações.

Observa, no entanto, que não viu êxito nessa experiência em alguns países,

“não pelo fato em si da impossibilidade lógica da existência e funcionamento

de uma CGT (a expressão que usa no sentido de central). O problema

se desloca do campo puramente jurídico e, embora sem dele se desligar

totalmente, vai à seara das constatações políticas. A CGT, em primeiro lugar,

como órgão central, pode transformar-se em organização todo-poderosa

e passa a exercer, sobre as entidades de menor hierarquia, pressões

deformantes, com prejuízo da liberdade sindical”. Entende, também, que “a

CGT normalmente se transforma em órgão de atuação partidária, interferindo

no jogo das associações políticas e nos planos da administração pública,

com desembaraço e com vigor”.

As centrais sindicais são incompatíveis com a Constituição de 1988? A

Constituição (art. 8º, II) declara: “é vedada a criação de mais de uma orga-

nização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional

ou econômica, na mesma base territorial...”. A Portaria n. 3.100, de 1985, do


então Ministério do Trabalho, revogou a anterior proibição de centrais. Há leis

sobre a participação institucional de centrais em diversos órgãos: o Conselho

233

Curador do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (Lei n. 8.036, de 1990,

art. 3º), o Conselho Nacional da Previdência Social (Lei n. 8.213, de 1991) e

o Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (Lei n. 7.998,

de 1990, art. 18, § 3º). As centrais discutem, em reuniões do Ministério do

Trabalho e Emprego, políticas trabalhistas.

A Constituição de 1988, art. 5º, LXX, autoriza a impetração de mandado

de segurança coletivo por “organização sindical, entidade de classe ou

associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um

ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados”.

O Supremo Tribunal Federal (ADIn n. 505-7, Rel. Min. Moreira Alves,

DJ 2.8.1991) decidiu que as entidades que têm legitimidade para ajuizar

ação direta de inconstitucionalidade são as confederações nacionais de

trabalhadores ou empregadores, e não as centrais sindicais, por não serem

elas entidades de classe de âmbito nacional.

Em outro processo (ADIn n. 928-DF, Rel. Min. Sydney Sanches),

assim se posicionou: “1. A CGT, embora se autodetermine Confederação

Geral dos Trabalhadores, não é, propriamente, uma Confederação Sindical,

pois não congrega federações de sindicatos que representem a maioria

absoluta de um grupo de atividades ou profissões idênticas, similares ou

conexas. 2. Também não é, propriamente, uma entidade de classe, pois não

congrega apenas os integrantes de uma determinada atividade ou categoria


profissional ou econômica. 3. É, sim, uma Central Geral de Trabalhadores,

ou seja, de todas as categorias de trabalhadores. 4. Não sendo, assim, uma

Confederação Sindical nem uma entidade de classe de âmbito nacional, não

tem legitimidade para a propositura de ação direta de inconstitucionalidade

(art. 103, IX, da Constituição Federal)”.

A doutrina posterior à Lei Magna de 1988 é divergente.

Há doutrinadores que entendem que não há espaço para as centrais

sindicais em nosso ordenamento jurídico, diante da inadmissibilidade de

pluralismo sindical de cúpula em face da unicidade sindical do sistema, sendo

essa a posição, entre outros, de Eduardo Gabriel Saad, em Constituição e

direito do trabalho (1989).

Outros sustentam que as centrais não integram o sistema confederativo

e não têm natureza sindical, mas de associações civis, não sujeitas, desse

modo, à proibição constitucional.

Süssekind faz a seguinte observação, em Direito constitucional do

trabalho (1999): a posição das centrais, no cenário sindical brasileiro, é, no

mínimo, extravagante, não dotadas de legitimidade jurídica para decretar

greves, celebrar convenções coletivas ou acordos coletivos, instituir juízo

234

arbitral ou representar a categoria dos trabalhadores em dissídio coletivo

perante a Justiça do Trabalho.

Couto Maciel, em “Papel das centrais sindicais” (v. Curso de direito

coletivo do trabalho, coord. Georgenor S. Franco Filho, 1998), também

sustenta que as centrais sindicais, como organizadas atualmente em nosso


ordenamento jurídico, são associações civis sem poderes de representação

das categorias profissionais ou patronais em razão da unicidade sindical.

Mas concluiu que o art. 8º da Constituição de 1988, ao assegurar a liberdade

de associação profissional, ampara a concretização das centrais, apesar de

não terem a representação da categoria.

As divergências são naturais. A discussão é estimulada pela imprecisão

da lei. Diversos aspectos comportam discussões.

O primeiro: a natureza jurídica das centrais. Se são associações civis, e

não sindicais, nada impede a sua existência e nem sua pluralidade, porque

a unicidade é proibição constitucional direcionada, unicamente, para as

organizações sindicais e não para associações não sindicais. Nesse caso, as

centrais estariam inteiramente respaldadas pelo ordenamento jurídico, nada

impedindo a sua livre criação, tantas quantas quiserem os seus fundadores.

Como associações civis, independeriam de registro no Cadastro Nacional de

Entidades Sindicais e adquiririam personalidade jurídica independentemente

de registro ministerial, tão somente com o registro cartorial dos seus atos

institutivos. É de toda evidência, como já foi salientado por Süssekind e Maciel,

que, se as centrais são associações civis, não gozam de titularidade para a

prática de atos cuja legitimidade é, por lei, reservada às entidades sindicais:

assinatura válida de instrumentos coletivos negociados, a instauração

de dissídios coletivos e a representação das categorias econômicas e

profissionais, poder este restrito, em grau superior, às confederações e

federações.

O segundo: em função da mesma premissa, as centrais não poderiam


sequer indicar representantes dos trabalhadores para participação, pela

classe, em órgãos institucionais. A indicação seria da competência exclusiva

das entidades que legalmente os representam, as confederações. Falta

suporte jurídico para uma associação civil não sindical fazer essas indicações,

porque como associações civis representariam apenas os seus sócios.

Dependeriam, para tal fim, de autorização das confederações. Não poderiam

sobrepor-se a estas, integrantes que são do sistema sindical.

O terceiro: o significado da expressão sistema confederativo, a que se

refere a Constituição Federal de 1988, art. 8º, IV, pode comportar mais de

um entendimento. Primeiro, o de mera autorização constitucional para as

assembleias dos sindicatos definirem formas de custeio das suas entidades:

235

“a assembleia geral fixará a contribuição que, em se tratando de categoria

profissional, será descontada em folha, para custeio do sistema confederativo

da representação sindical respectiva” (grifo nosso). O comando constitucional

seria restrito ao tema fixação e cobrança da contribuição deliberada pelas

assembleias sindicais das respectivas categorias. Não se trata de definição

de um modelo de organização sindical. Este resultaria do princípio maior

(art. 8º, caput): “é livre a associação profissional ou sindical”. Nesse caso,

admitida a liberdade associativa, as centrais sindicais fariam parte do nosso

sistema, não como entidades representativas de categorias, mas, na forma

adequada, como órgãos interconfederais e intercategoriais, o que não lhes

retiraria os poderes inerentes às entidades sindicais.

O nosso entendimento foi manifestado anteriormente, em Direito do


trabalho na Constituição de 1988. Dissemos que nada impede a pluralidade

de centrais sindicais. A unicidade, a que se refere a Constituição, é na

categoria e não fora ou acima dela. Nosso modelo é o de pluralidade de

cúpula e unicidade de base. Em edição anterior deste livro (1989), afirmamos

que não há proibição constitucional para a criação de centrais, embora a Lei

Magna permita interpretações divergentes. A solução está em modificar a lei

e deixar clara a sua diretriz.

5. A LEGALIZAÇÃO DAS CENTRAIS EM 2008

a) A nova lei e sua fundamentação

As Centrais Sindicais foram legalizadas. Sob o aspecto jurídico, é

uma etapa nova que começam a percorrer, uma vez que até agora a sua

existência vinha sendo apenas institucional, já que não havia uma legislação

que as incluísse em nosso ordenamento jurídico.

A legalização deu-se mediante a Lei n. 11.648, de 2008, que entrou em

vigor na data da sua publicação — 1º.4.2008 — precedida de exposição de

motivos com destaque para os seguintes principais aspectos:

a) as suas atribuições, de coordenação e representação dos trabalhadores

por meio das organizações sindicais a ela filiadas e a participação em fóruns,

colegiados de órgãos públicos e demais espaços de diálogo social que

possuam composição tripartite, nos quais estejam em discussão assuntos

de interesse geral dos trabalhadores;

b) a sua criação composta por organizações sindicais de trabalhadores

e a sua natureza de entidade associativa de direito privado;

c) os requisitos de representatividade autorizantes da sua criação como


o número mínimo de entidades sindicais que a ela deverão filiar-se;

236

d) a aferição dos seus índices de representatividade pelo Ministério do

Trabalho e Emprego, órgão que anualmente os divulgará com a relação das

Centrais com base no número de sindicatos às mesmas filiados;

e) a recomposição de percentuais da contribuição de negociação com a

parcela destinada ao financiamento das Centrais.

A exposição de motivos mostra que a nova lei resultou de entendimento

entre o governo e trabalhadores para corrigir o elevado número de entidades

que se apresentavam como tal sem prerrogativas e atribuições definidas.

Deixa claro que não concorrerão com os sindicatos ou comprometerão

as prerrogativas de negociação coletiva destes porque o seu papel será

representar e articular os interesses gerais dos trabalhadores, articulando-os

de modo estratégico numa ação coletiva da maior importância.

Poderão praticar o diálogo social sob outras formas, não pela pactuação

de convênios coletivos de trabalho, atribuição esta que continua sem

alterações em nosso sistema sindical.

Terão competência para indicar integrantes de alguns Conselhos e

Colegiados de Órgãos Públicos, para desenvolver uma política comum aos

interesses gerais dos trabalhadores e para uma atuação integrativa dos

setores que a apoiam, tarefas de inegável relevância para o aperfeiçoamento

do nosso modelo sindical.

b) A desorganização anterior do sistema

A lei veio dar maior consistência organizativa ao sistema que estava


desorganizado e que crescia desordenadamente sem qualquer possibilidade

de controle, o que, para nosso país, foi um mal e um exemplo de que a

liberdade sindical é um princípio a ser cultivado, mas nunca de forma que

possibilite uma experiência igual a que tivemos e que nos deixou clara a

conclusão de que a autonomia absoluta pode levar a uma situação que a

partir de certo ponto passa a negar o próprio fim a que se destina.

Basta essa relação de entidades que se intitulam Centrais para ficar cla-

ro o tamanho do problema: Associação Coordenação Nacional de Lutas do

Estado de Minas Gerais, Associação Estadual de Sindicatos Social-Democra-

tas de São Paulo, Associação Nacional dos Sindicatos Social-Democratas,

Central Autônoma de Trabalhadores — CAT, Central Nacional Democrática

Sindical, Central Nacional dos Motociclistas — CNM, Central Nacional dos

Trabalhadores — CNT, Central Geral dos Trabalhadores do Brasil — CGTB,

Confederação Geral dos Trabalhadores — CGT, Coordenação Nacional de

Lutas — CONLUTAS, Central Única dos Trabalhadores — CUT, Força Sin-

dical — FS, Intersindical da Orla Portuária do Espírito Santo, Nova Central

237

Sindical de Trabalhadores — NCST, Polo Sindical da Região do Livramento,

União Geral dos Trabalhadores — UGT, União Nacional Sindical-Unidade do

Estado de Minas Gerais, União Sindical Brasileira (USB) Brasil, União Sindi-

cal Independente (Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego).

Qual será o destino dessas entidades?

O mesmo até agora, meras associações sem os recursos financeiros

e poderes para indicar representantes do setor, salvo quanto às que


preencherem os requisitos de representatividade sem o que não terão acesso

a esses recursos e a essas atribuições. É inevitável o desaparecimento,

fusões ou incorporações entre essas associações. Terão de se manter do

modo como vinham fazendo até aqui, com recursos próprios. A duplicidade

de associações, as representativas e as não representativas, contraria o

princípio da isonomia? Decididamente não, porque a igualdade está em

tratar desigualmente situações desiguais e nos países de plena liberdade

sindical há aquelas que são consideradas pelo ordenamento jurídico as

mais representativas e que por esse fato podem representar todo o setor,

ao contrário das demais. Temos, agora, de nos acostumar com a noção de

representatividade e não apenas de representação.

Nossos Tribunais também terão de se preparar para avaliações dessa

ordem. Certamente surgirão nos casos concretos. Ressalve-se, no entanto,

que não será o mesmo tipo de avaliação das disputas de representatividade

entre sindicatos que pleiteiam representar uma categoria e que são

resolvidas com base no princípio da unicidade sindical. As questões entre

Centrais serão de impugnação de índices de representatividade, mas não de

unicidade, uma vez que nosso modelo legal admite tantas Centrais quantas

preencham os requisitos da lei.

c) A perspectiva constitucional e o modelo híbrido

A lei é inconstitucional?

Há motivos que afastam a sua inconstitucionalidade.

Primeiro, porque o sistema brasileiro confederativo não proíbe a criação

de Centrais, que se situam acima das Confederações. E onde a lei não proíbe,
não é dado ao intérprete proibir. Some-se a isso o princípio da liberdade

sindical previsto na Constituição de 1988 (CF, art. 8º) e que limita a criação

de mais de uma organização sindical representativa de uma categoria em

qualquer grau. O princípio é válido para as Confederações, Federações e

Sindicatos, mas não é válido para as Centrais porque não representam uma

categoria.

238

Segundo, porque a interpretação do art. 8º, IV, aponta as fontes de

custeio do sistema confederativo e não tem por fim estabelecer o modelo

de organização acima das confederações. Sob essa perspectiva, pode-se

dizer que os recursos financeiros previstos pela Lei Maior é que são voltados

para o financiamento do sistema confederativo, mas não que sejam proibidas

entidades acima das confederações.

Terceiro, pela conexidade entre as Centrais e o sistema confederativo.

Estamos convencidos de que há uma vinculação estreita na pirâmide,

apesar da sua construção gradativa. Não há como negar a relação entre as

Centrais e as organizações sindicais que estão abaixo delas nem entre os

trabalhadores sócios dos sindicatos no território nacional e as Centrais. Daí

ser possível dizer que as Centrais são organizações conexas ao sistema

confederativo, pela sua natureza, atribuições e finalidade. São associações

supracategoriais, mas o seu embrião forma-se na estrutura sindical que as

suporta e nesse sentido é que se exige prova da sua consistência numérica,

das categorias e bases territoriais dos sindicatos que àquelas são filiadas,

como fatores de medição da sua representatividade.


Quarto, porque a legalização das Centrais em nada afeta as entidades

sindicais de níveis menores, uma vez que as alterações se deram na cúpula

do sistema sindical de trabalhadores sem modificar a organização que está

abaixo da cúpula intercategorial. Nada impede um modelo sindical híbrido.

Exemplifique-se como o norte-americano, de unicidade sindical na empresa

e pluralidade sindical em outros níveis. O nosso modelo é híbrido também,

de pluralidade sindical de cúpula e de unicidade sindical na base.

Quinto, porque toda a tendência do sindicalismo moderno é no sentido

de admitir Centrais Sindicais, em outros países com esse nome ou o de

Confederações ou Uniões. Com o tempo será possível sentir até que ponto as

Centrais terão reflexos sobre as nossas Confederações ou se estas tenderão

a se transformarem em Centrais, mas para esse fim terão de desistir da

representação de uma categoria e passar a representar os interesses gerais

dos trabalhadores de mais de uma categoria.

d) O problema do financiamento

O debate maior poderá travar-se quanto ao financiamento.

Receberão 10% do total de 20% da contribuição sindical recolhida

pelo Ministério do Trabalho e Emprego para custeio do FAT — Fundo de

Assistência ao Trabalhador. Argumenta-se que a contribuição sindical, assim

como a contribuição confederativa, tem como destinação o custeio do sistema

confederativo e este termina nas Confederações.

239

Contra-argumente-se, todavia, que a contribuição sindical continua a ter

os seus fins, o que houve foi o desdobramento da parcela destinada ao MTE


e este é que abriu mão de 10% da sua receita sem invadir a parcela que é

para o sistema confederativo.

O sistema de custeio das entidades sindicais ficou assim alterado: para

a Confederação 5% (cinco por cento); para a Central Sindical 10% (dez por

cento); para a Federação 15% (quinze por cento); para o Sindicato 60%

(sessenta por cento); para a Conta Especial Emprego e Salário 10% (dez

por cento). Não havendo sindicato nem entidade sindical de grau superior ou

central sindical, a contribuição sindical será creditada, integralmente, a essa

conta.

O que mudou, portanto, foi a repartição dos 20% da Conta Especial

Emprego e Salário, dos quais as Centrais ficaram com a metade.

O sindicato de trabalhadores indicará ao Ministério do Trabalho e Emprego

a Central a que estiver filiado, como beneficiária da respectiva contribuição

sindical, para fins de destinação dos créditos. Não havendo indicação, os

percentuais que lhe caberiam serão destinados à Conta Especial Emprego e

Salário. As percentagens atribuídas às entidades sindicais de grau superior

e às Centrais serão aplicadas em conformidade com o que dispuserem os

respectivos conselhos de representantes ou estatutos. Os recursos a elas

destinados deverão ser utilizados no custeio das atividades de representação

geral dos trabalhadores decorrentes de suas atribuições legais.

Tem sustentação legal a repartição da Conta Emprego e Salário? Tudo

dependerá da interpretação do art. 8º, IV, da Constituição, que declara:

“a assembleia geral fixará a contribuição que, em se tratando de categoria profissional,

será descontada em folha, para o custeio do sistema confederativo da representação


sindical respectiva, independentemente da contribuição prevista em lei.”

Cabem, aqui, algumas explicações porque subsiste até hoje certa

confusão de conceitos.

Para custeio das suas despesas o sindicato conta com uma principal

fonte de obtenção de recursos, as contribuições pagas pelos representados

e que são quatro: a contribuição sindical (ex-imposto sindical do art. 578 da

CLT), a contribuição confederativa aprovada pela assembleia sindical (do

art. 8º, IV da CF), a taxa assistencial negociada em convenções coletivas e a

mensalidade dos sócios dos sindicatos de fundamento estatutário.

De todas, a contribuição sindical é a mais importante.

A segunda, a contribuição confederativa, tem natureza privada, uma vez

que sua origem é a deliberação da assembleia sindical, mas a contribuição

sindical tem natureza pública porque é criada como imposto por lei e devida

por todos os que exercem uma atividade descrita pelo seu fato gerador.

240

Ambas podem ser destinadas ao custeio do sistema sindical e a questão só

poderá ser bem resolvida na medida em que se reconheça a conexão entre

Centrais e sistema sindical.

Foi vetado o dispositivo da lei segundo o qual as entidades sindicais

teriam de prestar contas ao Tribunal de Contas. Como é um imposto, nada

mais certo do que a fiscalização, pelo Tribunal, da sua utilização. Por outro

lado, essa fiscalização seria inoportuna diante da proibição constitucional

da interferência do Poder Público na organização sindical. As Centrais são

entidades de direito privado. O veto comporta diferentes avaliações jurídicas,


mas, sem nenhuma dúvida, a fiscalização é necessária.

Enquanto a contribuição sindical existir poderá ser fiscalizada pelo

Estado. É o que resulta da sua natureza pública tributária. Assim, se uma

parcela dela — 10% da destinada à Conta Especial Emprego e Salário do

Ministério do Trabalho e Emprego — fica com as Centrais, estas também teriam

de prestar contas dos seus gastos. Não vejo nisso nenhuma interferência do

Poder Público na organização sindical, mas mera fiscalização de contas, o

que pode existir quer quanto a entidades públicas quer quanto a entidades

privadas. A solução está na criação de outra contribuição: a de negociação

coletiva. Esta, sim, terá natureza privada porque sua origem será a autonomia

privada coletiva, a pactuação entre empregadores e empregados.

e) A verificação da representatividade

Como será verificada a representatividade, por quem e com base em

que dados?

Entendo que o meio mais simples é a prova, pela Central requerente, do

cumprimento dos requisitos relacionados na lei.

A lei especifica os requisitos. A Central terá de demonstrar que se

enquadra neles.

O primeiro requisito é a consistência numérica atendida com a

demonstração do número de trabalhadores sócios dos sindicatos filiados à

Central em todo o território nacional.

O segundo é a abrangência territorial dos representados, que pode ser

atendida pela verificação da distribuição dos sindicatos em regiões do País.

O terceiro é a abrangência categorial dos representados, que será a


constatação dos setores da atividade econômica cobertos pelos sindicatos

filiados à Central.

A consistência numérica pode ser provada pela relação informatizada e

nominal dos trabalhadores sócios do Sindicato em todo o País. A abrangência

territorial e a abrangência categorial, pelos estatutos dos sindicatos,

241

registrados em Cartório. Deles devem constar, especificadamente, a base

territorial e as categorias de cada Sindicato filiado à Central. É o quanto basta.

O Ministério do Trabalho e Emprego, pela RAIS, terá os meios suficientes

para cruzamento de informações. É fora de dúvida que é cabível a discussão

judicial.

f) Atribuições

São três as suas funções legais:

— exercer a representação dos trabalhadores por meio das organizações

sindicais a ela filiadas;

— participar de negociações em fóruns, colegiados de órgãos públicos e

demais espaços de diálogo social que possuam composição tripartite, nos

quais estejam em discussão assuntos de interesse geral dos trabalhadores;

— a indicação de representantes para compor os fóruns tripartites.

Conselhos e Colegiados de órgãos públicos como o Conselho Curador

do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (Lei n. 8.036, de 1990, art.

3º), o Conselho Nacional da Previdência Social (Lei n. 8.213, de 1991)

e o Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (Lei n.

7.998, de 1990, art. 18, § 3º).


A indicação é um ato compartilhado e proporcional ao índice de

representatividade de cada Central. Nada impedirá, para os mesmos fins,

um acordo entre as Centrais para indicação conjunta.

Como dissemos, as Centrais não estão legitimadas para a negociação

coletiva, o que significa que a lei não as autoriza direta e isoladamente a

atuar e assinar convênios coletivos de trabalho. Desse modo, as negociações

coletivas continuam sendo da competência dos Sindicatos. As Centrais

poderão participar de espaços de diálogo sociais em órgãos tripartites nos

quais se discutam interesses gerais de trabalhadores. Mas nada impedirá a

sua participação coadjuvante em convenções coletivas, assinando-as com

os Sindicatos — nunca sozinhas — e em pactos sociais, estes praticados em

outros países, mas não conhecidos na experiência brasileira, como mostrei

em Compêndio de Direito Sindical.

É bom que não tenham o excesso de poderes proposto pelo Fórum

Nacional do Trabalho, que contrariava a regra do movimento pendular:

quando um dos pratos da balança pende muito para um lado, o outro lado

fica enfraquecido; as bases sindicais ficariam enfraquecidas.

A palavra fórum, no caso, não se refere aos fóruns judiciais porque

estes são denominados pela lei de outro modo: Tribunais, Juízes, Varas

242

etc. Dessa forma, o significado do referido vocábulo é o que corresponde

ao seu gênero, o de espaço de diálogo social. Colegiados são órgãos

integrados por diversas pessoas. Serão tripartites quando as pessoas que os

integram representarem as três partes envolvidas nos debates de questões


socioeconômicas, governo, trabalhadores e empresários, públicos ou não,

como espaços de diálogo social de interesse geral dos trabalhadores.

g) As opções de filiação

As organizações sindicais optarão pela filiação em determinada Central.

A deliberação deverá ser interna e democrática, no caso dos sindicatos

por meio das assembleias sindicais, no caso de Federações e Confederações

por meio dos respectivos Conselhos. A lei não veda a disparidade de

deliberações entre órgãos de primeiro e segundo graus da mesma categoria.

O que se quer dizer com isso é que na prática poderá um sindicato de uma

categoria em determinada base territorial decidir filiar-se a uma Central, mas,

outro sindicato da mesma categoria de outra base territorial poderá optar

por inscrever-se em outra. Nada haverá de ilegal nisso. A lei não proíbe que

uma situação assim aconteça. Onde a lei não proíbe, não pode o intérprete

impedir.

h) Observações finais sobre a lei

A legalização das Centrais é medida correta.

A lei é equilibrada e não se atrita com a Constituição. Discussões, todavia,

poderão surgir quanto a um dos seus pontos, a destinação de 10% da Conta

Emprego e Salário para o seu custeio e o veto à prestação de contas perante

o Tribunal. A lei terá reflexos sobre as relações entre entidades de cúpula do

nosso sistema. É como um despacho saneador das Centrais institucionais.

Fica modificado o modelo sindical corporativista do sistema confederativo

e é introduzida uma nova forma de organização das cúpulas sindicais.

Nesse sentido, pode-se falar em avanço do sistema sindical brasileiro, de


corporativista para semicorporativista, mas ainda não é pós-corporativista.

6. CONFEDERAÇÕES E FEDERAÇÕES

Confederações são as organizações sindicais de maior grau em

determinada categoria. Diferem das centrais. Estas estão acima das categorias;

as confederações, ao contrário, atuam como órgãos representativos situados

no âmbito de uma categoria. Foram instituídas, no período corporativista,

como entidades sindicais de grau superior, criadas por um número de

federações da categoria, pelo menos três federações (CLT, art. 535) do setor.

243

Existem, no Brasil, diversas confederações, tanto de trabalhadores

como patronais: Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria —

CNTI; Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura — CONTAG;

Confederação Nacional dos Trabalhadores em Comunicações e Publicidade

— CONTCOP; Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes

Terrestres — CNTTT; Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio

— CNTC; Confederação Nacional dos Trabalhadores nas Empresas de

Crédito — CONTEC e outras.

Federações são entidades sindicais de segundo grau, situadas acima

dos sindicatos da respectiva categoria, abaixo das confederações. O número

de federações é maior do que o de confederações. São constituídas por

Estados. Em cada Estado, há diversas federações. Correspondem a cada

uma das diversas categorias econômicas ou profissionais, a atividades

e profissões idênticas, mas, também, similares ou conexas. Exemplos:

a Federação da Agricultura do Estado de São Paulo; a Federação dos


Arquitetos de São Paulo; a Federação dos Contabilistas do Estado de São

Paulo, e assim por diante.

A fundação de confederação segue as Instruções Normativas do

Ministério do Trabalho e Emprego, sobre registro sindical. Essas Instruções

têm sido modificadas. Em linhas gerais, exigem os seguintes requisitos para

a sua criação: a) pedido de registro da confederação dirigido ao Secretário

de Relações de Trabalho, do Ministério do Trabalho e Emprego; b) cópia das

atas das assembleias dos Conselhos de Representantes de cada federação,

das quais constará, expressamente, autorização de cada federação para

constituir a nova entidade e a ela filiar-se; c) edital de convocação dos

fundadores para a assembleia geral de fundação, publicado em jornal de

grande circulação no Estado, bem como no Diário Oficial; d) cópia do estatuto

social, aprovado pela assembleia geral, que deverá conter os elementos

identificadores da representação pretendida, a categoria ou categorias

representadas e a base territorial, no caso nacional; e) recibo de depósito, em

favor do Ministério, relativo ao recolhimento da importância correspondente

ao custo das publicações no Diário Oficial da União, em valor indicado em

Portaria Ministerial.

Esse procedimento é o mesmo nos pedidos de modificação da

representação, tais como desmembramentos e fusões. Convém que

seja precedido de registro da pessoa jurídica, em Cartório de Registro de

Pessoas Jurídicas, embora não exista exigência legal nesse sentido; mas é

natural que uma pessoa jurídica deva registrar-se no órgão próprio para ter

personalidade jurídica.
O Secretário de Relações do Trabalho dispõe de prazo, a contar da data

do protocolo, para examinar o cumprimento das exigências, e determinar

a publicação, no Diário Oficial da União, do pedido de registro. Se houver

244

necessidade de completar o expediente com outros documentos ou

esclarecimentos, o requerente será notificado e terá trinta dias para tal fim.

A entidade sindical cuja representatividade coincidir no todo ou em

parte com a do requerente poderá impugnar o pedido, perante o mesmo

órgão, caso em que o Secretário das Relações do Trabalho mandará ouvir

confederações interessadas, especialmente quanto à unicidade sindical e à

regularidade e autenticidade de representação, para a manifestação.

A impugnação será ou não admitida pelo Secretário e o seu despacho,

publicado no Diário Oficial da União. Sendo admitida, caberá às partes

interessadas dirimir o conflito pela via consensual ou por intermédio do Poder

Judiciário. Durante a pendência judicial, o Ministério do Trabalho e Emprego

não procederá ao registro, aguardando a decisão judicial.

As organizações sindicais podem ser criadas por dissociação de

categorias ecléticas. É o desmembramento de uma categoria que detém

representação múltipla de setores, e que não são idênticos, mas similares

ou conexos. Uma das partes dessa categoria, a similar ou conexa, pode

destacar-se formando uma categoria própria e específica.

A dissociação é autorizada pela Consolidação das Leis do Trabalho,

art. 571: “Qualquer das atividades ou profissões concentradas na forma do

parágrafo único do artigo anterior poderá dissociar-se do sindicato principal,


formando um sindicato específico, desde que o novo sindicato, a juízo da

Comissão de Enquadramento Sindical — atualmente extinta —, ofereça

possibilidade de vida associativa regular e de ação sindical eficiente”.

A jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho autoriza a criação de

sindicatos por desmembramento: “A iterativa jurisprudência desta Eg. Corte

no sentido de admitir a fundação de sindicato por desmembramento desde

que respeitados os requisitos legais de sua constituição (convocação da

categoria e deliberação, registro civil no AESB-MTB, inexistência de disputa

judicial pela representatividade da categoria), observando-se o princípio

constitucional da unicidade na base territorial ...” (TST, SDC, RODC n.

239.943/96, Ac. 809, j. 16.6.1997, Rel. Min. Moacyr Roberto Tesch Auersvald,

DJ 8.8.1997.)

A confederação também pode nascer por criação originária, como

desmembramento. As duas formas são previstas em nosso ordenamento

jurídico. Basta o preenchimento dos requisitos estabelecidos, em linhas

gerais, os mesmos exigidos para a fundação de sindicatos, com algumas

peculiaridades.

Importante decisão sobre criação de confederações foi proferida pelo

Supremo Tribunal Federal (STF, Pleno, MS n. 20.829S, Rel. Min. Célio Borja,

245

3.5.1989), ao apreciar o pleito em que foi interessada a Confederação Nacional

dos Trabalhadores Metalúrgicos impugnada pela Confederação Nacional dos

Trabalhadores na Indústria: “Cabem aqui algumas ponderações. A primeira

é que a lei já não pode mais obstar o surgimento de entidades sindicais de


qualquer grau, senão quando ofensivo do princípio da unicidade, na mesma

base territorial. Depois, deve-se ter presente que caberá aos trabalhadores

ou empregadores definir tal base territorial, que não pode ser menor do que a

área de um município. É vedada, nisto, portanto, a incursão do Poder Público.

A lei pode, por certo, dizer como os trabalhadores e empregadores, nisto

interessados, deverão agir para assegurar a unicidade de sua representação;

mas o Estado não se substitui aos interessados, únicos titulares do direito

de representação e agentes exclusivamente capazes de criar organizações

sindicais”.

As confederações desempenham papel importante na atual criação

de sindicatos. Opinam nos casos de impugnações e da sua manifestação

depende o desfecho do processo de registro sindical de entidade da categoria.

A confederação poderá opinar contra a criação do sindicato da categoria.

Nesse caso, o processo de registro, diante da impugnação e da manifestação

contrária da confederação, ficará prejudicado. Essa circunstância, no

entanto, não impede o interessado de discutir a impugnação perante o Poder

Judiciário.

Para fundar uma federação, é condição a existência de pelo menos

cinco sindicatos da categoria (CLT, art. 534), desde que representem a

maioria absoluta de um grupo de atividades ou profissões.

Uma federação pode transformar-se em confederação? Os requisitos

são os mesmos exigidos pela lei para a criação de uma confederação: a

preexistência de no mínimo três federações e sede na capital da República. As

federações são partes de uma árvore. É nas federações que a confederação


vai buscar a sua legitimação para, na qualidade de entidade em nível maior

e nacional, expressar a representatividade máxima de cúpula da categoria.

Desse modo, sabendo-se que, por sua vez, as federações vão encontrar

apoio nos sindicatos, situando-se também como órgãos por categorias

superpostos aos sindicatos, é a partir destes que se edifica toda a pirâmide

sindical.

As centrais de trabalhadores têm-se comportado, na prática, como órgãos

máximos de representação no seu âmbito, mas a sua definitiva legalização

depende de algumas modificações na Constituição de 1988. Como se vê,

sem sindicatos não há federações, e sem estas não há confederações. O

processo genético da organização sindical numa categoria desenvolve-se

da base para a cúpula, e não desta para aquela. Essa perspectiva mostra

que a criação de uma confederação insere-se num processo institucional de

246

criação espontânea e sedimentação gradativa, de ordem política e jurídica,

em cada degrau, como a construção de um edifício, desde as estacas de

fundação no terreno até a cobertura do telhado.

As confederações e federações têm legitimidade para a negociação

coletiva? O aspecto principal da questão está em saber se o poder normativo,

o direito de negociar convenções coletivas deve pertencer exclusivamente

aos sindicatos ou também às associações de grau superior, caso em que

as convenções coletivas obrigariam, de modo geral, a todos os sindicatos e

empresas situados no âmbito territorial em que as federações convenentes

atuam. Em se tratando de confederações, o mesmo problema se coloca.


Há duas concepções. A primeira é restritiva e confere às associações

de grau superior o papel de agentes coordenadores da categoria. A

segunda é ampliativa: assegura-lhes, além desse, outro papel, o de

agentes de negociações coletivas e que Oliveira Viana denomina agentes

de regulamentação. Para o ilustre jurista, ambas as funções devem ser

atribuídas às federações e confederações, podendo também estas,

para usar suas palavras, “conchavar convenções coletivas que terão, em

consequência, aplicação obrigatória a todo o território nacional”, embora

fazendo algumas ressalvas no sentido de que o nosso meio nacional não

comportaria convenções coletivas para toda a Nação, pela disformidade de

condições econômico-profissionais. Reserva para as confederações uma

função principal de coordenação externa, mas não de coordenação interna

das categorias, sendo esse o sentido em que se deve colocar a sua função

regulamentadora, cujas características são marcadamente públicas na visão

corporativista sobre a qual Oliveira Viana escreveu o clássico Problemas de

direito sindical, no qual faz essas afirmações.

A CLT (art. 611) adotou o princípio da complementaridade: “As

Federações e, na falta destas, as Confederações representativas de

categorias econômicas ou profissionais poderão celebrar convenções

coletivas de trabalho para reger as relações das categorias a elas vinculadas,

inorganizadas em sindicatos, no âmbito de suas representações”.

Com isso, atribuiu a legitimação para negociar e fazer convenções

coletivas de trabalho às entidades de primeiro grau, os sindicatos, e não

às entidades de segundo grau, as federações e confederações. Estas só


poderão negociar representando categorias inorganizadas em sindicatos.

Isso quer dizer que, quando não há sindicato de uma atividade ou profissão, a

federação representativa de quantos façam parte dessa atividade ou profissão

terá poderes para negociar, representando esse pessoal ou essas empresas

em qualquer nível, o de categoria e o de empresa. Na base territorial em que

existir um sindicato, a este compete o monopólio da negociação na sua base

territorial.

247

Diante dessas regras, em nosso sistema legal não é função principal

das federações e confederações negociar convenções coletivas. Essas

associações sindicais aparecerão nas negociações para suprir lacunas

sindicais, cobrindo os espaços representativos em aberto nos quais não há

sindicato constituído. Essa restrição dificulta negociações em níveis mais

elevados da organização sindical. Deve ter sido esse o objetivo do Estado

Novo.

Há, todavia, setores em que, apesar das restrições legais, existem

acordos nacionais, como o setor financeiro, com o acordo nacional dos

bancários anualmente renovado, negociado por comissões de empregados

de duas centrais sindicais, a FS e a CUT e o Sindicato dos Bancos. O

instrumento coletivo resultante é assinado por todos os presidentes de

sindicatos de bancários, o que lhe dá validade nas respectivas bases

territoriais, mas não terá validade na base territorial do sindicato que não o

assinar.

Concluindo:
— as centrais sindicais no Brasil tinham de ser legalizadas como são nos

demais países, nos quais se tornaram parte integrante e indispensável

do sistema sindical de trabalhadores, mas entre nós tem havido uma

exagerada preocupação em fortalecê-las sem medir convenientemente

até que ponto o fortalecimento é razoável e a partir de que limite tornar-

-se-á prejudicial às entidades sindicais de base;

— as centrais devem ter funções que não impliquem a redução dos

espaços autônomos dos sindicatos, porque, se assim for, estes ficarão

tolhidos na sua liberdade de ação, tema da maior importância num país

como o nosso, que agora está voltando a sua atenção para o desenho

jurídico das centrais;

— como conciliar centrais e confederações é uma questão aberta,

porque é de toda clareza que na medida em que o comando da ação

sindical é transferido para entidades acima das confederações, estas

veem reduzido o seu papel e a sua função, e o melhor que poderia

ser feito é definir as fronteiras de atuação dos dois tipos de entes, as

confederações, como entes de uma categoria, e as centrais, como

entidades supracategoriais;

— as federações têm no Brasil um histórico de bons serviços prestados,

tanto no setor patronal como profissional e a sua influência no

sindicalismo da sua respectiva pirâmide tem sido sentida em toda a

história sindical do nosso país, mas há federações, tanto no sindicalismo

de trabalhadores como no patronal, que poderiam ter uma vida sindical

mais ativa.
248

CAPÍTULO 24

ENTES SINDICAIS DE BASE

1. NATUREZA JURÍDICA DO SINDICATO BRASILEIRO

Os sindicatos no Brasil já foram pessoas jurídicas de direito público

no período do Estado Novo. A Constituição de 1946 atribuiu-lhes funções

delegadas de Poder Público, mas, apesar dessas atribuições, tornaram-se

pessoas jurídicas de direito privado porque não são criados pelo Estado, a

sua criação não decorre de lei e o seu ato constitutivo é a assembleia que

aprova os estatutos, a diretoria provisória e a sua fundação.

A partir desse momento, começa a existir como uma associação na forma

do disposto no art. 53 do CC, segundo o qual se constituem as associações

pela união de pessoas que se organizam para fins não econômicos.

Não basta, todavia, que passe a ter prerrogativas sindicais que o

distinguem das demais associações previstas na CLT, art. 513, segundo o

qual entre as principais são prerrogativas sindicais: representar os interesses

gerais da respectiva categoria e os individuais dos seus representados;

celebrar contratos coletivos de trabalho; e impor contribuições sindicais a

todos aqueles que participam da categoria.

O sindicato só terá essas prerrogativas com o registro no órgão

competente, na forma do disposto na Constituição Federal, art. 8º, I, e esse

órgão, por jurisprudência, é o Cadastro Nacional das Entidades Sindicais do

Ministério do Trabalho e Emprego.

Em apreciação final:
— os sindicatos são os entes sindicais mais próximos dos trabalhadores

e que têm maior possibilidade de prestar diretamente serviços a eles,

o que nem sempre tem acontecido, ao contrário, em alguns casos, há

até mesmo posições opostas entre as bases e as lideranças sindicais;

— a função da diretoria do sindicato é meramente executiva das

deliberações das assembleias de trabalhadores e não impositiva da

vontade dos diretores dos sindicatos aos trabalhadores que representam;

— a estrutura interna do sindicato deve ser pelo mesmo traçada e o

instrumento jurídico próprio para esse fim são os estatutos sindicais

aprovados pela assembleia e que podem ter variações, porque está

ultrapassada a fase do estatuto-padrão, que por algum tempo existiu;

249

— a fundação de sindicatos é iniciativa dos próprios interessados e

ficou facilitada a partir de 1988, o que permitiu a ampliação do número

de dirigentes de cada sindicato, em alguns casos injustificável, porque

existem sindicatos formados com o fim de cobrar contribuições sindicais

e não prestar serviços aos representados, e sindicatos criados só para a

finalidade de dar poder aos seus diretores, e não para sentir a vontade

da classe trabalhadora, pondo-se, assim, o problema da representação

e da representatividade como um dos mais delicados em nosso

ordenamento jurídico;

— ao Estado é vedado intervir em desmembramento ou desfiliação

sindical, resguardado o direito de ação judicial;

— em nosso sistema, todos os membros da categoria são automáticos


e obrigatoriamente integrantes de um setor representado pelo sindicato

— a categoria —, de modo que não há escolha de sindicatos por quem

será representado, já que essa é uma situação independente da vontade

dos membros da categoria, e o que a estes é facultado é ingressar ou

não como sócios do sindicato da categoria e dele retirarem-se;

— é sempre possível o desmembramento de uma organização sindical

em outra (CLT, art. 561) por vontade dos trabalhadores, manifestada

em assembleia, sem interferência do Poder Público, mas existindo

categorias profissionais diferentes;

— e quanto a serem diferentes ou não as categorias, é matéria que

envolve interpretação de provas que evidenciarão se a categoria

é a mesma ou é outra, questão sutil e que tem suscitado inúmeras

discussões judiciais;

— em cada caso concreto, o melhor a fazer é uma comparação minuciosa

entre as duas atividades, a desmembrante e a desmembrada, para

ver em que pontos coincidem ou se diferenciam, tomando por base a

atividade preponderante;

— um sindicato não pode invadir a base territorial e a categoria de outro,

mas o sistema legal permite desmembramento de uma categoria eclética

que reúna diversas atividades econômicas em uma categoria específica

de uma dessas atividades, bem como valida a existência de um sindicato

de esfera geográfica ou base territorial menor quando há um maior, como

no caso do desmembramento de um sindicato nacional por um munici-

pal, para que este venha a ser o representante no município e aquele


continue com a representação no restante do País, menos no município

desmembrado;

250

— categorias diferenciadas ou de trabalhadores da mesma profissão —

o que é diferente de categoria preponderante que reúne os profissionais,

de qualquer profissão, num determinado ramo de atividade — não

podem desdobrar-se, pois o disposto no parágrafo único do art. 570

da CLT aplica-se às hipóteses de existência de categorias similares ou

conexas e não de categorias diferenciadas;

— aqueles que querem criar um sindicato devem convocar por edital a

assembleia de fundação, nesta aprovar os estatutos e a diretoria provi-

sória, promovendo, em seguida, o registro em Cartório Civil de Pessoas

Jurídicas e o registro no Cadastro Nacional das Entidades Sindicais, da

Secretaria das Relações de Trabalho, do Ministério do Trabalho e Em-

prego, e este último é que terá validade para atribuir-lhe personalidade

sindical, de modo que entre um sindicato registrado em Cartório Civil e

um sindicato registrado no Ministério do Trabalho e Emprego, este será

o representante legal da categoria e não aquele;

— só o Cadastro Nacional de Entidades Sindicais dispõe de meios

para fiscalizar o cumprimento do princípio da unicidade sindical, porque

tem a relação dos sindicatos, o que não acontece com os Cartórios de

Registro Civil;

— o número máximo de sete dirigentes e sete suplentes em um sin-

dicato tem trazido diversos problemas, não só pela necessidade de o


sindicato maior contar com um adequado e mais amplo número de dire-

tores; a estabilidade do dirigente sindical que se reflete no contrato de

trabalho e interessa ao empregador e o número de diretores e suplentes

do sindicato têm trazido questões judiciais;

— há decisão na qual o Tribunal concluiu que houve, pelo sindicato,

abuso de direito, em razão do elevado número de diretores;

— é indispensável que o sindicato comunique por escrito às empresas

os nomes dos dirigentes eleitos para administrá-lo e o tempo de duração

da gestão;

— as atas de assembleias sindicais devem descrever minuciosamente

todas as deliberações tomadas e o respectivo quorum, porque, se um

dissídio coletivo é movido pelo sindicato sem mostrar com a juntada

da ata, nos autos, a observância dos requisitos estabelecidos pelo

estatuto, pode ficar comprometido o processo por inexpressividade da

representatividade.

2. SINDICATOS: CONCEITO

Minha opinião é que os rumos da sociedade pós-industrial levam à

valorização das formas de representação dos trabalhadores nas bases,

251

das quais o sindicato, embora não sendo a única, é a mais importante e

continuará sendo desde que tenha a percepção das alterações que o novo

contexto está exigindo. Convém começar revendo alguns conceitos básicos

sobre o que é sindicato. Em texto de Gaio ( Digesto, DL 3.T.4. 1), a palavra

sindico tem o sentido de representante. Na França, o vocábulo “sindicato”


designou uma organização parisiense, a Chambre syndicale du bâtiment

de la Sainte-Chapelle (1810), agrupamento de diversas corporações de

empresários, que foi, para Paul Pic, uma federação patronal. A certos grupos

econômicos e mercantis deu-se o mesmo nome. Também na França, em

1867, foi criado o Comité Central des Chambres Syndicales. Outras entidades

patronais denominaram-se sindicais. A União Nacional do Comércio e da

Indústria da França (1908) compreendia 153 câmaras sindicais. O sistema

de representação dos trabalhadores tinha o nome de compagnonnage,

sobrevivência das corporações destruídas.

Fala-se em síndico, atualmente, como representante: síndico da massa

falida, do condomínio etc. Em outros idiomas, empregam-se palavras como

union, syndicat, sindacato, gewerkschaltetc. À união de empregadores,

em alguns países, dá-se preferência às palavras “grêmio”, “agremiação”,

“câmara” ou “associações”. “Síndico” transmite a ideia de administração e

atenção para com uma comunidade. É a pessoa encarregada de representar

interesses de um grupo de indivíduos, um procurador de uma corporação. Os

sindicatos são unidades de base na organização sindical, representantes de

uma coletividade de trabalhadores ou de empregadores.

Há definições de sindicato na lei de alguns países.

Lei Sindical de Portugal (art. 2º): “associação permanente de trabalha-

dores para defesa e promoção dos seus interesses socioprofissionais”. Já

a organização de empregadores tem o nome de associação patronal.

Comentando a definição, Antonio de Lemos Monteiro Fernandes, em Noções

fundamentais de direito do trabalho (1980), observa que o sindicato é uma


associação com fins específicos predeterminados na lei: a defesa e promo-

ção dos interesses socioeconômicos dos seus membros, não comportando

apenas os interesses coletivos atinentes ao exercício da profissão, mas os

de toda a condição social do trabalhador enquanto cidadão, inclusive a ação

sindical centrada em problemas sociais de caráter extraprofissional.

México, Ley Federal del Trabajo (1970, art. 356): “a associação de

trabalhadores ou patrões, constituída para o estudo, melhoria e defesa dos

seus respectivos interesses”, reformulando a definição da lei anterior (1931),

segundo a qual sindicato é “a associação de trabalhadores ou patrões de

uma mesma profissão, ofício ou especialidade, ou de profissões, ofícios ou

especialidades similares ou conexos para estudo, melhoria e defesa dos

252

interesses comuns”. Segundo Néstor de Buen, a definição atual suprimiu o

problema da profissionalidade e suas implicações, por influência de Mario

de La Cueva, que sustenta uma posição mais flexível do sindicato, a fim de

que em sua ação estejam compreendidas todas as atividades que possam

conduzir à melhoria da condição social do trabalhador no âmbito material e

moral.

No Brasil, não há definição legal. A lei limita-se a relacionar prerrogativas

do sindicato (art. 513): “a) representar, perante as autoridades administrativas

e judiciárias, os interesses gerais da respectiva categoria ou profissão liberal

ou os interesses individuais dos associados relativos à atividade ou profissão

exercida; b) celebrar contratos coletivos de trabalho; c) eleger e designar

os representantes da respectiva categoria ou profissão liberal; d) colaborar


com o Estado, como órgãos técnicos e consultivos, no estudo e solução

dos problemas que se relacionam com a respectiva categoria ou profissão

liberal; e) impor contribuições a todos aqueles que participam das categorias

econômicas ou das profissões liberais representadas”.

Na doutrina, citem-se, para exemplificar, as seguintes definições:

Na Espanha, Alfredo Montoya Melgar, em Derecho del trabajo (1978),

conceitua sindicato como uma organização de caráter profissional constituída

para a defesa dos interesses dos associados e para a regulamentação das

condições de trabalho.

Na Itália, Ignazio Scotto, em Manuale di diritto dei lavoro (1974),

afirma que sindicato é “a associação de trabalhadores ou de empregadores

constituída para a tutela de interesses coletivos profissionais”.

Na França, Verdier, em Syndicats (in Traité de droit du travail, 1966),

o define como “agrupamento constituído de pessoas físicas ou morais

exercendo uma atividade profissional, tendo em vista assegurar a defesa

dos seus interesses, a promoção da sua condição e a representação da

sua profissão, para a ação coletiva de contestação e de participação na

organização das profissões tendo em vista a elaboração e o desenvolvimento

da política nacional em matéria econômica e social”.

Para Orlando Gomes e Elson Gottschalk, em Curso de direito do

trabalho (1978), “sindicato é o agrupamento estável de várias pessoas de

uma profissão, que convencionam colocar, por meio de uma organização

interna, suas atividades e parte de seus recursos em comum, para assegurar

a defesa e a representação da respectiva profissão, com vistas a melhorar


suas condições de trabalho”.

Segundo José Martins Catharino, em Tratado elementar de direito

sindical (1977), “é a associação trabalhista de pessoas, naturais ou jurídicas,

253

dirigida e representada pelas primeiras, que tem por objetivo principal a

defesa dos interesses total ou parcialmente comuns, da mesma profissão ou

atividade, ou de profissões ou atividades similares ou conexas”.

Cesarino Júnior, em Direito social (1980), o definiu como “a associação

profissional reconhecida pelo Estado como representante legal da categoria”.

Para Roberto Barretto Prado, em Tratado de direito do trabalho

(1971), vem a ser “a associação que tem por objeto a defesa de interesses

profissionais”.

Délio Maranhão, em Direito do trabalho (1978), o define como “uma

forma de associação instituída para proteger os interesses profissionais dos

que a integram”.

E para João Régis F. Teixeira, em Introdução ao direito sindical (1979),

é “a associação de trabalhadores, empregadores ou de profissionais liberais

ou autônomos, aglutinados em busca de melhores condições de vida e

sobrevivência”.

Como se vê, há certas constantes nessas definições. Todas indicam

a natureza jurídica do sindicato: uma associação, um agrupamento,

uma organização. Todas apontam os seus fins: a defesa e promoção dos

interesses socioprofissionais, a tutela dos interesses coletivos profissionais,

a defesa dos interesses dos associados e a regulamentação das condições


de trabalho, ou a defesa dos interesses, a promoção da sua condição (de

trabalhador) e a representação da sua profissão para a ação coletiva de

contestação e de participação na organização das profissões.

Há definições que incluem a profissionalidade como fator que distingue

sindicato de outras comunidades que reúnem pessoas não profissionais, como

os estudantes. Outras, ainda, apontam, como comunidades representadas,

trabalhadores ou empregadores, ou pessoas físicas ou morais.

Sindicato e sociedade não se confundem. Esta tem fim lucrativo como

seu objetivo principal. Os sindicatos não são entes com finalidade lucrativa.

Os sócios de uma sociedade comercial ou civil não têm o mesmo animus

dos sócios dos sindicatos. Naqueles, há a affectio societatis; nestes, a

solidariedade de classe.

Sindicato e ordem profissional também se distinguem. As funções

dos dois tipos de entidades são diferentes. Uma ordem profissional, como

a ordem dos músicos, dos advogados, dos economistas e tantas outras,

tem conselhos de fiscalização profissional e de punição de infrações éticas

praticadas no exercício profissional, tem poder disciplinar de controle ético

da profissão, guardiã moral da profissão. Essa não é função do sindicato.

254

O sindicato é um sujeito coletivo; para alguns, uma pessoa jurídica; para

outros, uma instituição.

É um sujeito coletivo porque é uma organização destinada a representar

interesses de um grupo, na esfera das relações trabalhistas; tem direitos,

deveres, responsabilidades, patrimônio, filiados, estatutos, tudo como uma


pessoa jurídica. Bastaria dizer, em linguagem kelseniana, que o sindicato é

um centro de imputação da norma jurídica, o que lhe confere legitimidade

para atuar como sujeito de direitos.

Na França, o reconhecimento legal da personalidade jurídica do

sindicato aparece como uma das exigências da liberdade sindical, que

implica a liberdade das atividades dos sindicatos, o que supõe, por sua vez,

a personalidade jurídica.

Oliveira Viana, o grande arquiteto do sistema jurídico corporativista

sindical brasileiro, em Problemas de direito sindical, defendeu a concepção

publicista de sindicato. Segundo os princípios corporativistas, que prevaleciam

na época, o sindicato, como órgão que representa os interesses da categoria,

defende interesses públicos e estes são indecomponíveis, o que o levou a

justificar o princípio do sindicato único.

Sustenta o ilustre jurista e sociólogo que “não é possível assemelhar e

equiparar os sindicatos — que são associações representativas de grupos

econômicos chamados classes, profissões, e, modernamente, categorias —

a associações privadas, do tipo das sociedades mercantis ou de simples

associações desportivas. Esta equiparação só seria possível se os interesses

representados por tais associações de classe se resumissem nos interesses

particulares ou pessoais dos indivíduos que os compõem ou fossem apenas

a soma matemática destes interesses. Se assim fora, o Estado poderia

parar no sindicato de direito privado e dispensar o controle administrativo

sobre esta espécie de associações; mas a verdade é que não é assim.

Estas associações representam, com efeito, aquelas classes ou grupos


sociais cujas atividades, pela sua própria natureza, se destinam justamente

a manter, na contextura de uma sociedade evoluída, as condições da sua

vida fisiológica”.

Prevalecem, atualmente, as concepções privatistas.

Estão afastadas, com o desaparecimento do corporativismo, as con-

cepções publicistas. O interesse coletivo não se identifica com o interesse

público e o estatal. Foram confundidos à época da concepção publicista de

sindicato. Porém, essa posição doutrinária foi superada pelo princípio da li-

berdade sindical. Os sindicatos, nessa perspectiva, são considerados entes

de direito privado, representam particulares, são criados exclusivamente por

iniciativa destes, para a representação e defesa dos seus interesses.

255

Evaristo de Moraes Filho sustenta: “o sindicato é a forma, cuja matéria

é constituída pela profissão concreta dos indivíduos que a exercem.” Em

estudo mais recente concluiu: “o sindicato está para a atividade econômica

e profissional como a forma para a matéria; são duas faces inextrincáveis

do mesmo fenômeno social; nenhuma outra agência poderá substituí-lo em

suas funções de reivindicação e de organização econômico-social”.(1)

Na Itália, existem sindicatos sem personalidade jurídica. São considera-

dos entes de fato, associações não reconhecidas, independem de registro,

justificadas com base no princípio da liberdade sindical. Podem estar em

juízo e negociar contratos coletivos de direito comum segundo as mesmas

regras do Código Civil. Uma razão histórica, o temor do sindicalismo italiano

pela presença do Estado, levou a lei a um mínimo de exigências formais,


inclusive a dispensar o ato de aquisição de personalidade jurídica como pres-

suposto da existência de um sindicato. Desse modo, no direito peninsular, há

sindicatos registrados e sindicatos sem registro. O reconhecimento, nesse

caso, é decorrência não do poder conferido ao sindicato detentor de uma

representação formal, mas da legitimidade do sindicato resultante da repre-

sentatividade real admitida pelos empregadores.

Outra posição é a do sindicato como pessoa jurídica de direito social. Um

dos seus defensores é o mexicano Mario de La Cueva. Justifica-a com o poder

normativo dos sindicatos, assim considerado o poder de, mediante negociações

coletivas, pactuar convênios coletivos, instrumentos de direito privado. A

mesma tese foi defendida por Cesarino Júnior, para quem o sindicato é um

ente jurídico que não se pode classificar exatamente nem entre as pessoas

jurídicas de direito privado nem entre as pessoas jurídicas de direito público.

3. ESTRUTURA INTERNA

A Convenção n. 87 da Organização Internacional do Trabalho, art. 3º,

assegura aos sindicatos o direito de elaborar os seus estatutos e regulamentos

administrativos. Esse direito sofre interferência do direito interno de diversos

países. A estrutura interna do sindicato não é matéria que deveria ser

minuciosamente disciplinada por lei. É uma questão estatutária. A lei deve

omitir-se ou reduzir-se ao mínimo possível. Não tem sido assim.

Bastam alguns exemplos.

Argentina (Lei n. 23.551 e Decreto n. 467, de 1988): os estatutos deverão

ter denominação, domicílio, objeto, zona de atuação, atividade, ofício,

(1) MORAES FILHO, Evaristo de. O problema do sindicato único no Brasil. São Paulo:
Alfa-Ômega, 1978, e “Sindicato, organização e funcionamento”, artigo, São Paulo: LTr, n.

44(9):1065, set. 1980.

256

profissão ou categoria dos trabalhadores representados, direitos e obrigações

dos filiados, requisitos para a sua admissão e procedimento para desfiliação,

direito de defesa, dirigentes sindicais, medo de constituição, administração

e controle do patrimônio social e seu destino em caso de dissolução, regime

de contribuições dos filiados, época, forma de apresentação, aprovação e

publicação de balanços, órgãos de revisão e fiscalização, regime de assembleias

e congressos, procedimentos para deliberar sobre medidas de ação sindical,

procedimento para reforma do estatuto, organização e estrutura sindical.

México (LFT, art. 359): os estatutos sindicais devem dispor obrigatoria-

mente (art. 371) sobre condições de admissão dos seus membros, direitos,

obrigações e punições disciplinares dos sócios, bases para convenção de

assembleias, eleições, número e prazos de mandato dos diretores, formas

de pagamento e valores das quotas sindicais, prestação de contas e normas

para liquidação do patrimônio.

Venezuela (Lei Orgânica do Trabalho, de 1990, arts. 408, 409 e 430):

a lei fixou alguns requisitos e obrigações dos sindicatos perante a Inspeção

do Trabalho.

Brasil (CLT, art. 518): denominação, sede, categoria, afirmação de que

a associação agirá como órgão de colaboração com os poderes públicos e

as demais associações no sentido da solidariedade social e da subordinação

dos interesses econômicos ou profissionais ao interesse nacional,


atribuições, processo eleitoral, votações, perda de mandato, substituição de

administradores, modo de constituição e administração do patrimônio social

e destino que lhe será dado em caso de dissolução da entidade, e condições

para dissolução.

Itália: os sindicatos não registrados são regidos pelo Código Civil, art.

36, c. I, e aos registrados é assegurada a liberdade de determinação do

estatuto como principal manifestação da autonomia coletiva.

França ( Code du Travail, art. L. 411-3): a lei exige o depósito do estatuto

e o nome dos dirigentes.

Espanha (Lei Orgânica Sindical, de 1985, art. 4.2): os estatutos sindicais

conterão ao menos a denominação, domicílio, base territorial e funcional de

atuação do sindicato, órgãos de representação, direção e funcionamento,

regime eleitoral com princípios democráticos, requisitos e procedimentos

para aquisição e perda da condição de filiado, regras de alteração do

estatuto, fusão, dissolução do sindicato, regime econômico, procedência

e destino dos recursos e meios que permitam aos associados conhecer a

situação econômica do sindicato; a lei (art. 4, 1) declara que “os sindicatos

constituídos sob o amparo desta lei, para adquirir personalidade jurídica e

plena capacidade de ação, deverão depositar, por meio dos seus fundadores

257

ou dirigentes, seus estatutos no escritório público competente para tal efeito”.

O escritório dará publicidade aos estatutos para que sejam sanados defeitos,

seguindo-se a publicação definitiva no jornal oficial, da qual constarão ao

menos a denominação, o âmbito territorial e funcional, e a identificação dos


fundadores e signatários da ata de constituição do sindicato. Qualquer pessoa

interessada ou também a autoridade pública poderão promover, perante a

autoridade judicial competente, a impugnação dos estatutos.

Portugal (Lei Sindical, art. 14): devem constar dos estatutos a

denominação, localidade da sede, âmbito subjetivo, objetivo e geográfico, fins,

aquisição e perda de qualidade de sócios e seus direitos e deveres, regime

disciplinar, composição, forma de eleição e funcionamento da assembleia

geral e dos corpos dirigentes, administração financeira, orçamento e contas,

criação e funcionamento de seções e delegações, alteração de estatutos,

extinção, dissolução e liquidação do patrimônio, injunção que, segundo Lobo

Xavier, é de duvidosa compatibilização com os princípios da liberdade sindical.

Melhor seria, num sistema de liberdade sindical, a estrutura administrativa

do sindicato autodeterminada pelos estatutos de cada entidade, aprovados em

assembleia da entidade, adequados às necessidades de cada organização.

Essas necessidades diferem de acordo com o tipo de sindicato, número de

representados, espaço geográfico em que atua e seu porte. Bastaria um

princípio previsto em lei: os estatutos dos sindicatos devem ser democráticos

e o número de diretores não poderá ser abusivo.

A CLT enumera os órgãos que o sindicato deve ter, número de dirigentes,

quorum para assembleias e processo eleitoral. Essas regras não se

compatibilizam com o princípio da não interferência do Estado na organização

sindical, proclamado pela Constituição Federal de 1988. Mudou o sistema

brasileiro. A administração dos sindicatos deveria ser matéria interna corporis.

As questões que eventualmente surgissem seriam resolvidas pelo Judiciário.


Segundo a lei brasileira, são órgãos do sindicato: a diretoria, a assembleia

e o conselho fiscal; o número de diretores será no mínimo de três e no máximo

de sete. Essas exigências não são cumpridas. Na prática, os sindicatos têm

outros órgãos e maior número de dirigentes. Estes são, normalmente, o Pre-

sidente, o Vice-Presidente, o Secretário-Geral, o Tesoureiro e os membros do

Conselho Fiscal. Das assembleias participam os associados. Os membros da

categoria não associados não têm o direito de votar e de serem votados.

4. CATEGORIAS

Categoria é uma ideia que tem como origem o corporativismo.

A CLT tentou defini-la ao dispor (art. 511, § 1º) que “a solidariedade

de interesses econômicos dos que empreendem atividades idênticas,

258

similares ou conexas, constitui vínculo social básico que se denomina

categoria econômica” e que (art. 511, § 2º) “a similitude de condições de

vida oriunda da profissão ou trabalho em comum,em situação de emprego

na mesma atividade econômica ou em atividades econômicas similares

ou conexas, compõem a expressão social elementar compreendida como

categoria profissional”. Acrescenta, ainda, a CLT que (art. 511, § 3º) “categoria

profissional diferenciada é a que se forma dos empregados que exerçam

profissões ou funções diferenciadas por força de estatuto profissional especial

ou em consequência de condições de vida singulares”.

O texto suscita diversas indagações.

Ao indicar a solidariedade de interesses econômicos (empresas) como

o vínculo social básico que se denomina categoria remete a análise para o


plano sociológico. Ao referir-se à similitude de condições de vida oriundas da

profissão ou trabalho, em comum, em situação de emprego (trabalhadores),

também o faz para o nível sociológico.

Acertou a CLT?

É difícil responder que sim porque raramente, por todos esses anos,essas

questões foram discutidas nesses termos.O que se depreende da lei é que

há três tipos de categorias: a categoria econômica, a categoria profissional

e as categorias diferenciadas. Categoria econômica é um agrupamento de

empresas de um mesmo setor de atividades. Categoria profissional é a que

agrupa trabalhadores que exercem a sua atividade para empresas de um

mesmo setor. Categorias diferenciadas são as que agrupam trabalhadores

não pelo tipo de empresas para as quais trabalham, mas que exercem uma

mesma profissão independentemente do setor em que sua empresa atua.

Traduzindo as três situações para os exemplos tem-se os seguintes

quadros:

1) as empresas metalúrgicas constituem uma categoria econômica;

2) os trabalhadores de empresas metalúrgicas constituem uma categoria

profissional, qualquer que seja a função que exerçam, desde o porteiro

até o gerente;

3) categoria diferenciada é a que reúne trabalhadores da mesma

profissão, como motoristas, engenheiros, médicos e outras e que, por

exercerem a mesma profissão, podem se considerados um destaque

das categorias profissionais de modo que, qualquer que seja o tipo de

empresa para a qual trabalham, não serão agrupados pelo critério do


setor de atividade da empresa com a qual mantém relação de emprego,

uma vez que o que determinará o seu agrupamento será a profissão.

259

Categoria e sindicato são realidades diferentes e que orbitam em

campos também diferentes embora conexos, sendo o conceito de categoria

o de base sociológica em que o sindicato vai buscar a sua representatividade

no plano jurídico.Outra forma de diferenciar é ver na categoria a gênese e no

sindicato o resultado de uma aspiração associativa que por ele se concretiza

tornando-se uma unidade ontológica destinada a um fim. A categoria é a

fonte e o sindicato o produto dela emanado.

O sindicato representa uma categoria. A Constituição Federal de 1988,

art. 8º, III, dispõe que cabe ao sindicato a defesa dos direitos e interesses

coletivos e individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou

administrativas.

As empresas que exercem a mesma atividade econômica segundo

o heteroagrupamento promovido no passado pelo Ministério do Trabalho

e Emprego, ou o autoagrupamento que caracteriza a época atual, ou que,

no caso de categoria eclética, exercem atividades econômicas idênticas,

similares e conexas sindicalmente reunidas, são representadas pelo

sindicato da categoria econômica, quer sejam ou não sócias do sindicato,

porque é próprio do nosso sistema o enquadramento automático decorrente

do simples fato do exercício da mesma atividade em dada base territorial.

Os trabalhadores dessas empresas, se tiverem sindicato da categoria

profissional correspondente, serão por ele representados; os profissionais


que tenham um sindicato por profissão serão representados, por se tratar

de categoria diferenciada, pelo respectivo sindicato por profissão e não pela

entidade sindical que represente todos os demais empregados.

A primeira regra, portanto, é a do enquadramento dos empregados no

respectivo sindicato que corresponde à atividade preponderante da empresa,

independentemente da profissão ou função exercida na empresa.

A segunda regra é a da exclusão, dessa categoria, dos profissionais

que são sindicalizados em função do tipo de profissão e que integram outra

categoria com sindicato específico, a categoria diferenciada da qual haverá

um sindicato por profissão atuando na base territorial.

Não há filiação espontânea de trabalhadores ou empresas em entidades

sindicais de primeiro grau à sua escolha. O nosso sistema é o da filiação

automática, dependente unicamente ou do tipo de atividade, em se tratando

de empresa, ou do sindicato representativo dos trabalhadores, segundo a

atividade preponderante da empresa, no lado profissional. A rigor, nem se

poderá em nosso sistema falar em filiação, a não ser de sócios dos sindicatos.

É que é desnecessário qualquer ato ou iniciativa do interessado. Estando

uma empresa numa atividade ou o trabalhador num emprego, os reflexos,

260

para fins de enquadramento sindical, serão naturais e decorrentes, de pleno

direito, do setor econômico da empresa.

Nosso sistema é o de monopólio de representação por imposição da lei.

E é nesse sentido que é usado o termo unicidade sindical. Não faculta aos

trabalhadores a possibilidade de organização espontânea para formar uma


coletividade natural, uma unidade de fato, ou de elegerem na empresa o

sindicato que os representará. Estarão adstritos a um sindicato.

A categoria representada será, portanto, definida pela atividade

econômica preponderante: telefonia, comércio, indústria de alimentação,

metalurgia etc.; os trabalhadores, nessas empresas, terão como representante

o sindicato dos trabalhadores correspondente.

A categoria é compreendida, segundo a perspectiva legal, como um a

priori que aprisiona os grupos, sem outras opções.

Sob essa perspectiva não há liberdade sindical de ingressar ou não

numa categoria e a única opção que é livre é a de ingressar ou não como

sócio do sindicato único da categoria, aspecto que contraria o princípio

democrático. No entanto, o conceito de liberdade sindical não é absoluto

porque se o trabalhador exerce uma determinada profissão representada por

um sindicato, não terá, também, a faculdade de ingressar em outra categoria

e em outro sindicato mas, unicamente, no sindicato da sua profissão.

5. ASSOCIAÇÃO, SINDICATO E DELEGACIA

No sistema anterior à Constituição Federal de 1988, a fundação de

sindicato começava pela criação de uma associação não sindical que depois

de algum tempo podia pleitear, perante o Ministério do Trabalho, a sua

transformação em sindicato.

Há dispositivos da CLT (Título V, Capítulo I, Seção II) sobre

reconhecimento e investidura sindical, descrevendo esse procedimento, que

vigorou desde pelo menos 1943. As associações profissionais são entidades

não sindicais. Não têm prerrogativas de sindicato. O art. 513 da CLT enumera
as prerrogativas do sindicato: “a) representar, perante as autoridades

administrativas e judiciárias, os interesses gerais da respectiva categoria

ou profissão liberal ou os interesses individuais dos associados relativos à

atividade ou profissão exercidas; b) celebrar contratos coletivos de trabalho;

c) eleger ou designar os representantes da respectiva categoria ou profissão

liberal; d) colaborar com o Estado, como órgãos técnicos e consultivos,

no estudo e solução dos problemas que se relacionam com a respectiva

categoria ou profissão liberal; e) impor contribuições a todos aqueles que

participam das categorias econômicas ou profissionais ou das profissões

261

liberais representadas. Parágrafo único. Os sindicatos de empregados terão,

outrossim, a prerrogativa de fundar e manter agências de colocação”.

Os dispositivos legais acima transcritos estão em vigor?

A diferença entre associação e sindicato continua a existir, tendo em

vista as prerrogativas do sindicato. A associação não é órgão sindical, não

representa a categoria, mas, apenas, os associados, não tem legitimidade

para validamente assinar acordos e convenções coletivas de trabalho —

pois apenas os sindicatos é que têm essa faculdade —, não elege nem

designa representantes para a categoria, uma vez que não é sua função

essa representação, mas apenas a dos associados, e, mesmo quanto a

estes, excluídos os atos que são da atribuição da entidade sindical, podem

colaborar com o Estado, mas não na qualidade de voz oficial da categoria,

pois esta é do sindicato, e não tem poderes para impor contribuição sindical,

porque somente o sindicato os tem.


A Constituição Federal de 1988, art. 8º, caput, declara que “é livre a

associação profissional ou sindical”, de modo que nada impede a existência

de uma associação como, também, de um sindicato. Mas são pessoas

jurídicas de funções e atribuições diferentes, como se viu. Ao dispor (art.

8º, I) também que “a lei não poderá exigir autorização do Estado para a

fundação de sindicato, ressalvado o registro no órgão competente, vedadas

ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical”,

criou as condições para a fundação direta de sindicatos, dispensada a etapa

prévia de vida associativa não sindical e o pedido de reconhecimento (CLT,

art. 518), do Ministro do Trabalho e Emprego, da associação como sindicato.

A criação do sindicato independentemente da prévia fundação de uma

associação não sindical é um dos efeitos do novo sistema constitucional

sindical, porque, como a lei não pode exigir autorização do Estado para

a fundação de sindicato, não pode, também, condicionar a fundação do

sindicato à prévia criação de uma associação que se transformará depois

de um tempo, e a critério do Ministro do Trabalho e Emprego, em entidade

sindical.

Nada impede a existência concomitante do sindicato e da associação,

aquele como entidade sindical com prerrogativas decorrentes da

representação da categoria, esta como pessoa jurídica de direito civil, cujas

regras atuais decorrem do Código Civil (CC, arts. 53 a 61).

Não é de hoje que se fala que, no Brasil, o sistema associativo de

instituições que podem representar trabalhadores e empregadores é o da

pluralidade de associações e o da unicidade de sindicato numa categoria


e base territorial (Catharino). Dá-se validade ainda aos dispositivos da CLT

sobre associação (arts. 512 e 558). A associação está respaldada também

262

pelo art. 5º, XVII, da Constituição Federal. O erro a ser evitado é não observar

que o sindicato é uma associação que tem prerrogativas que o diferenciam

das demais associações, e essas prerrogativas são as indicadas pela CLT, art.

513, já mencionado. Doutrinadores interpretam da mesma forma a questão

(SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito constitucional do trabalho. Rio de Janeiro:

Renovar, 2001. p. 365); CARRION, Valentin. Comentários à Consolidação

das Leis do Trabalho. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 433; DELGADO, Mauricio

Godinho. Direito coletivo do trabalho. São Paulo: LTr, 2001. p. 74).

A lei autoriza o sindicato a criar delegacias, que são órgãos integrantes

do sindicato e, portanto, órgãos legalmente autorizados a atuar em nome

do sindicato que as criou. Delegacias ou seções sindicais são células do

sindicato, por ele organizadas, para defesa dos associados e da categoria,

na base territorial em que atuam, dirigidas por delegados sindicais. Estes

são, portanto, representantes do sindicato num pedaço da sua jurisdição.

A Consolidação das Leis do Trabalho, art. 517, § 2º, autoriza a sua criação:

“Dentro da base territorial que lhe for determinada é facultado ao sindicato

instituir delegacias ou seções para melhor proteção dos associados e da

categoria econômica ou profissional ou profissão liberal representada”. Como

a delegacia é uma parte do sindicato no local onde é instituída, nada impede

o desenvolvimento da negociação coletiva por intermédio dela, atuando em

nome do sindicato a que pertence.


Por certo, a convenção ou acordo coletivo será assinado não só pela

delegacia e seus delegados, mas, também, pelo sindicato, por seu presidente

ou diretores com poderes de assinar.

263

CAPÍTULO 25

FUNDAÇÃO DE SINDICATOS

1. OBSERVAÇÕES INICIAIS

Desde que se conclua que há condições de fundar o sindicato, deve ser

elaborada a minuta de estatuto; não há um estatuto-padrão — embora no

passado houvesse —, e dele devem constar dados, sendo, para esse fim, o art.

518 da CLT indicativo: a) a denominação e a sede do sindicato; b) a categoria

econômica ou profissional ou a profissão cuja representação é pretendida

e que deverá constar do nome; c) base territorial de atuação do sindicato;

d) órgãos do sindicato, diretoria, assembleia e conselho, nada impedindo

outros; e) composição, atribuições destes, como número de diretores, cargos,

atribuições, duração do mandato, a assembleia geral e as extraordinárias; f)

condições para convocação da assembleia e para deliberações, em especial

quorum; g) disposições sobre sócios e mensalidade devida ao sindicato; h)

processo eleitoral e de votações; i) perda do mandato e substituição dos

diretores; j) modo de constituição e administração do patrimônio social e o

seu destino no caso de dissolução do sindicato, hipóteses autorizantes da

dissolução do sindicato e fontes de recursos.

São, em tese, cinco as hipóteses de fundação de sindicato em nosso

ordenamento jurídico de acordo com as situações que podem ocorrer: a)


fundação originária, quando não existe sindicato na categoria e o pretendente

é o primeiro que nela vai ser criado; b) fundação por transformação de

associação em sindicato quando uma associação não sindical pretende

transformar-se em sindicato para adquirir as prerrogativas deste; c) fundação

por desmembramento de categoria, uma espécie de cisão, quando existe um

sindicato preexistente que representa mais de uma atividade ou profissão,

dele se destacando uma delas com o propósito de constituir um sindicato

específico para aquela atividade ou profissão; d) fundação por divisão de base

territorial quando na categoria existe um sindicato amplo, nacional, estadual

ou intermunicipal e o novo sindicato pretende situar-se com exclusividade

em uma esfera geográfica de atuação menos ampla, destacando-se da

base maior, caso em que representará a mesma categoria, mas na base

territorial menor, sem prejuízo da continuidade da representação do sindicato

preexistente nas demais bases; e) fundação por fusão de sindicatos, não

vedada pela lei, caso em que um novo sindicato surgirá no lugar dos dois

ou mais antes existentes com ampliação da sua base territorial e da sua

categoria, portanto, o inverso do desmembramento.

264

Conquanto situações diferentes, são, praticamente, igualadas quanto

ao procedimento de fundação, que será o mesmo e com iguais exigências e

procedimento de registro.

O princípio fundamental que preside todas as hipóteses é a proibição

legal de mais de um sindicato da mesma categoria na mesma base territorial

(CF, art. 8º, II, e CLT, art. 516).


A existência legal do sindicato percorre um procedimento para que

tenha validade, como ocorre com todo ato jurídico, com a observância da

forma prescrita no ordenamento jurídico (CC, art. 104, III), e que se divide

em duas partes: a interna, que se desenvolve na esfera interior do sindicato,

e a externa, que se processa perante outros órgãos externos ao sindicato.

Poderá, no caso de sindicato representativo de categorias idênticas,

similares ou conexas, desdobrar-se a categoria. O desmembramento é

autorizado pela CLT, art. 571, segundo o qual qualquer das atividades

ou profissões concentradas poderá dissociar-se, formando um sindicato

específico, desde que apresente condições de vida associativa regular e de

ação sindical eficiente. Desse modo, nada impede que de uma categoria

integrada originariamente por diversas atividades ou profissões, conexas

ou similares, desassocie-se uma atividade similar ou conexa, criando, por

desdobramento, uma categoria específica e com sindicato próprio.

Numerosos têm sido os desdobramentos de categorias após a

Constituição de 1988, já permitidos antes mesmo da nova lei, e o Ministério

do Trabalho e Emprego faz, para a inclusão do novo sindicato no Cadastro

Nacional das Entidades Sindicais, o mesmo procedimento previsto para a

fundação de um sindicato originário, com as mesmas exigências contidas

na Portaria n. 343, de 2000, aplicável tanto para os casos de sindicatos

originários como por desmembramento de categoria.

A jurisprudência admite o desmembramento de categoria.

O Superior Tribunal de Justiça decidiu:

“Princípio da Unicidade Sindical — Desmembramento e Desfiliação — Constituição


Federal, art. 8º, I e II. 1. A liberdade de associação profissional e sindical está erigida

como significativa realidade constitucional, favorecendo o fortalecimento das categorias

profissionais (art. 8º, CF). 2. O princípio da unicidade não significa exigir apenas um

sindicato representativo de categoria profissional, com base territorial delimitada. Tem a

finalidade de impedir que mais de um sindicato represente o mesmo grupo profissional.

O desmembramento e desfiliação de profissionais de conglomerados associados,

mesmo conflitante com o desejo de reforçar as atividades, organizando específico

sindicato com categorias profissionais ou econômicas bem definidas é consequência da

liberdade sindical. Ao Estado está vedado intervir sobre a conveniência ou oportunidade

do desmembramento ou desfiliação. 3. Recurso provido.” (STJ — Ac. REsp n. 153631/

SP; Recurso Especial n. 1997/0078040-6, Fonte DJ: 11.6.2001, pág. 00102 — JBCC

vol.: 00192, pág. 00260, Relator Min. Milton Luiz Pereira — 1ª Turma — decisão por

unanimidade de 15.2.2001.)

265

O Supremo Tribunal Federal tem jurisprudência no seguinte sentido:

“DIREITO CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO.

ORGANIZAÇÃO SINDICAL: UNICIDADE. ALEGAÇÃO DE OFENSA AO ART. 8º,

INCISO II, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. AGRAVO. 1. Não conseguiu o agravante

demonstrar o desacerto da decisão agravada, pois, como salientou o parecer do

Ministério Público Federal, não ocorreu violação à norma do inciso II do art. 8º da

Constituição Federal, havendo afirmado o acórdão recorrido que, ‘em tese, é sempre

possível o desmembramento de uma Organização sindical, em outra (CLT, art. 561),

por vontade dos trabalhadores, manifestada em assembleia, sem interferência do

Poder Público, em existindo categorias profissionais diferentes’. 2. Assim já decidiram


ambas as Turmas (RE n. 180.222, Rel. Min. Moreira Alves, e AGRE n. 212.123, Rel.

Min. Maurício Corrêa).

3. Quanto a serem diferentes, ou não, as categorias em questão, é matéria que, no

caso, envolveu interpretação de provas e que não pode ser revista por esta Corte,

em Recurso Extraordinário (Súmula 279). 4. Agravo improvido.” (STF — Ag. Reg. em

Recurso Extraordinário — AGRRE n. 191492/SP — Relator(a): Min. Sydney Sanches,

Publicação: DJ Data 18.5.01, Julgamento: 20.2.2001 — Primeira Turma — Votação:

Unânime. Resultado: Desprovido.)

“AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DESMEMBRAMENTO

DE SINDICATO. ENTIDADE PREEXISTENTE. MONOPÓLIO DA REPRESENTAÇÃO

SINDICAL EM DETERMINADA BASE TERRITORIAL. PRINCÍPIO DA UNICIDADE SIN-

DICAL. POSSIBILIDADE DE CISÃO. NORMAS DA CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO

TRABALHO. 1. Acolhendo o princípio da não intervenção e não interferência estatal na

organização sindical (CF, art. 8º, I), o legislador constituinte outorgou aos trabalhadores

e empregadores interessados a capacidade para definir a base territorial da entidade

que não poderá ser inferior à área de um Município, afastando a competência do Minis-

tério do Trabalho para delimitá-la na forma prevista no art. 517, § 1º da Consolidação

das Leis do Trabalho.

2. Unicidade sindical. A norma constitucional estabelece que é livre a associação

profissional ou sindical, vedando à lei a exigência de autorização estatal para a

instituição de sindicato, ressalvado o seu registro no órgão competente (Ministério do

Trabalho) a quem cumpre zelar pela observância do princípio da unicidade sindical em

atuação conjunta com os terceiros interessados (sindicatos), de conformidade com as

disposições contidas nas Instruções Normativas ns. 5/90 e 9/90, que lhes facultam, no
prazo nelas fixado, a impugnação do registro de fundação da entidade, competindo à

Administração Pública anular o ato se julgada procedente a alegação. 3. Art. 571 c/c

o art. 570, parágrafo único da Consolidação das Leis do Trabalho. Possibilidade de

cisão do sindicato principal com o objetivo de constituir entidade sindical específica,

desde que observados os requisitos impostos pela norma trabalhista. 3.1. Em face

das disposições contidas nos incisos I e II do art. 8º da Constituição Federal não

mais prevalecem as restrições previstas na CLT. 4. Criação de sindicato por meio de

desmembramento da entidade sindical preexistente. Verificação da regular decisão

tomada pelos trabalhadores e comprovação de que a base territorial da nova entidade

não é inferior à área de um Município. Reexame de provas. Incidência da Súmula n.

279/STF. Agravo regimental não provido.” (STF — Ag. Reg. em Recurso Extraordinário

— AGRRE n. 207910/SP — Relator(a): Min. Maurício Corrêa — Publicação: DJ Data

26.6.98, p. 00007, Ement. v. 01916-03, pág. 00509 — Julgamento: 17.4.1998 — 2ª

Turma — Votação: Unânime. Resultado: Improvido.)

266

“CRIAÇÃO POR DESMEMBRAMENTO — CATEGORIA DIFERENCIADA. A

organização sindical pressupõe a representação de categoria econômica ou profissional.

Tratando-se de categoria diferenciada, definida à luz do disposto no § 3º do art. 511 da

Consolidação das Leis do Trabalho, descabe cogitar de desdobramento, por iniciativa

dos interessados, consideradas as funções exercidas pelos sindicalizados. O disposto

no parágrafo único do art. 570 do referido Diploma aplica-se às hipóteses de existência

de categoria similares ou conexas e não de categoria diferenciada, muito embora

congregando trabalhadores que possuem funções diversas. A definição atribuída aos

trabalhadores e empregadores diz respeito à base territorial do sindicato — art. 8º,


inciso II, da Constituição Federal e não à categoria em si, que resulta das peculiaridades

da profissão ou da atividade econômica, na maioria das vezes regida por lei especial,

como ocorre em relação aos aeronautas. Mostra-se contrária ao princípio da unicidade

sindical a criação de ente que implique desdobramento de categoria disciplinada em lei

como única. Em vista da existência do Sindicato Nacional dos Aeronautas, a criação

do Sindicato Nacional dos Pilotos da Aviação Civil não subsiste, em face da ilicitude do

objeto. Segurança concedida para cassar-se o ato do registro no Ministério do Trabalho.”

(STF — Recurso de Mandado de Segurança — RMS n. 21305/DF — Relator(a): Min.

Marco Aurélio — Publicação: DJ Data 29.11.91, p. 17326, Ement. v. 01644-01, p. 00093

RTJ v. 00137-03, p. 01131 — Julgamento: 17.10.1991 — Tribunal Pleno — Votação: Por

Maioria — Resultado: Deferido.)

2. ATOS PRÉ-CONSTITUTIVOS

Qualquer pessoa pode fundar um sindicato?

Tem havido abusos porque pessoas sem a menor condição de

representar um grupo econômico ou profissional têm-se aventurado a

criar um sindicato por motivos nem sempre associativos, e esse aspecto é

suficiente para autorizar uma interpretação da lei capaz de contribuir para

que os abusos não se verifiquem.

O art. 530, IV, da CLT dispõe que “não podem ser eleitos para cargos

administrativos ou de representação econômica ou profissional, nem

permanecer no exercício desses cargos: IV — os que não estiverem, desde 2

(dois) anos antes, pelo menos, no exercício efetivo de atividade ou da profissão

dentro da base territorial do sindicato, ou no desempenho de representação

econômica ou profissional”. Essas exigências foram instituídas para eleições


sindicais. Não se destinam expressamente à fundação de sindicatos. No

entanto, se para que alguém possa concorrer à eleição de um cargo de

diretoria do sindicato deve provar desempenho de representação econômica

ou profissional desde dois anos antes, com maiores razões para fundar um

sindicato a mesma exigência deve ser feita e pelos mesmos motivos que

levaram o legislador a tomar esse cuidado. Com isso, é impugnável a criação

de sindicato quando os fundadores não cumpram esse requisito, que tem por

finalidade afastar pessoas não identificadas com a atividade econômica ou

profissional da possibilidade de se acharem em condições de representar

uma categoria.

267

As condições a serem examinadas começam pela categoria econômica

ou profissional que será representada pelo novo sindicato, tendo em vista a

proibição legal da existência de mais de um sindicato da mesma categoria

na mesma base territorial. A Constituição Federal, art. 8º, II, veda a criação

de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de

categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial. Logo, se já

existir um sindicato de categoria idêntica, não poderá ser criado outro na

mesma base territorial.

Aqueles que querem criar um sindicato, e desde que legitimados para

isso, devem convocar por edital a assembleia de fundação, e nesta aprovar

os estatutos e a diretoria provisória. Em seguida, promove-se o registro

em Cartório Civil de Pessoas Jurídicas e o registro no Cadastro Nacional

das Entidades Sindicais, da Secretaria das Relações de Trabalho, do


Ministério do Trabalho e Emprego. Esses atos, que em conjunto constituem

o procedimento de fundação do sindicato, passam a ser detalhados e neles

mostradas as questões mais comuns que podem surgir.

Os interessados, evidentemente, devem promover reuniões informais

pré-constitutivas e nelas discutir se há condições para conseguir os seus

objetivos de criar um sindicato que deve representar uma categoria.

O número de interessados em fundar o sindicato deve ser significativo e

ter condições de existência própria para se criar uma categoria econômica ou

profissional, uma vez que, se for inexpressivo e não tiver representatividade,

a iniciativa estará fadada ao fracasso, não fosse por outro motivo diante

da dificuldade que haveria para a motivação e arregimentação do pessoal

ou das empresas, pessoal, em se tratando de sindicato de trabalhadores,

empresas ou empregadores, no caso de sindicato patronal.

Qual é esse número?

A CLT responde indiretamente. O art. 515 dispõe que “as associações

profissionais deverão satisfazer alguns requisitos para serem reconhecidas

como sindicatos, dentre os quais a reunião de um terço, no mínimo, de

empresas legalmente constituídas, sob a forma individual ou de sociedade, se

se tratar de associação de empregadores; ou de um terço dos que integrem

a mesma categoria ou exerçam a mesma profissão liberal, se se tratar de

associação de empregados ou de trabalhadores ou agentes autônomos ou

de profissão liberal”.

A função desse dispositivo legal, todavia, é o de estabelecer requisitos

para a transformação de uma associação em sindicato à época, anterior


à Constituição de 1988, na qual a associação era uma fase obrigatória do

processo de gestação de um sindicato, o que hoje não mais acontece. Portanto,

não é texto legal novo, posterior às modificações introduzidas em 1988.

268

Duas interpretações podem conflitar-se.

Primeira, como não é mais obrigatória a pré-constituição de uma

associação e a sua transformação, depois de três anos de vida, em sindicato

com pedido de reconhecimento ao Ministro do Trabalho e Emprego, não

há mais número mínimo de interessados em fundar um sindicato, que

poderia, portanto, ser criado por qualquer número de empresas, se categoria

econômica, ou trabalhadores, se categoria profissional. Essa interpretação

poderia levar ao absurdo de ser lícita a fundação de um sindicato por duas

pessoas. Não haveria a menor representatividade.

Segunda interpretação, a fundação de um sindicato depende de um

número mínimo de interessados, empresas ou trabalhadores, e, como a

lei é omissa, prevalecem os mesmos indicativos do art. 515 da CLT. Essa

segunda interpretação é a que mais atende a um princípio que não pode

faltar em nenhum sistema sindical, o princípio da representatividade. Desde

que aceita essa premissa, os percentuais previstos no art. 515 da CLT devem

ser observados para a validade da criação de um sindicato, orientação que

nos parece melhor para evitar a proliferação de sindicatos que, na linguagem

prática, são chamados sindicatos de boleto, isto é, criados antes para indicar

juízes classistas para a Justiça do Trabalho, quando havia a representação

classista, hoje afastada dos Tribunais, ou para obter um número de conta na


Caixa Econômica Federal para poder cobrar contribuições sindicais.

Nas discussões prévias, é importante verificar se o grupo que pretende

se transformar em sindicato reúne uma condição fundamental, a solidariedade

de interesses econômicos dos que empreendem atividades idênticas,

similares ou conexas a que se refere o § 1º do art. 511, o vínculo social básico

que se denomina categoria econômica, ou, na hipótese de trabalhadores,

a similitude de condições de vida oriunda da profissão ou trabalho em

comum, em situação de emprego na mesma atividade econômica ou em

atividades econômicas similares ou conexas, expressão social elementar

compreendida como categoria profissional a que se refere o § 2º do mesmo

texto legal, ou, ainda, na esfera dos trabalhadores, se o grupo será integrado

por empregados que exerçam profissões ou funções diferenciadas por força

de estatuto profissional especial, em consequência de condições de vida

singulares, a que se refere o § 3º do mesmo texto, quando alude à categoria

diferenciada ou sindicato por profissão.

Nenhum sindicato poderá ter base territorial menor do que a do

Município (CF, art. 8º, II), o que veda a fundação de sindicato representativo

de empregados de uma empresa, ainda que a empresa tenha unidades em

mais de um Município, uma vez que o sistema brasileiro é o da sindicalização

por categoria e não por empresa.

269

Discutir-se-á previamente, também, a primeira diretoria provisória, cujos

nomes serão apresentados à deliberação da assembleia de fundação, o

primeiro local-sede, o local da assembleia de fundação e a preparação da


redação do edital de convocação.

3. ESTATUTO

O Estatuto deve ser democrático. Não o será, por exemplo, um Estatuto

com mandato de cinco anos para diretoria e conselho e remuneração para

os diretores, em desacordo com a lei, uma vez que o art. 521 da CLT exige

gratuidade dos mandatos e o art. 515, b, duração máxima de três anos para

o mandato da diretoria.

O art. 518 da CLT tem regras indicativas do conteúdo do estatuto, mas

não há um estatuto-padrão, e dele devem constar dados necessários para

a identificação do sindicato, sua representação, órgãos internos, quorum

para deliberação em assembleias, número e atribuições de cada órgão e dos

seus membros, diretores, patrimônio social, fontes de recursos, casos de

dissolução do sindicato e destino do patrimônio.

O art. 54 do Código Civil declara que, sob pena de nulidade, o estatuto

das associações conterá: I — a denominação, os fins e a sede da associação;

II — os requisitos para a admissão, demissão e exclusão dos associados; III

— os direitos e deveres dos associados; IV — as fontes de recursos para a

sua manutenção; V — o modo de constituição e funcionamento dos órgãos

deliberativos e administrativos; VI — as condições para a alteração das

disposições estatutárias e para a dissolução.

Esses requisitos devem ser adaptados, porque o sindicato é represen-

tante da categoria e dos seus membros por força de lei, sendo desnecessária

qualquer referência como a contida no item II do art. 54 do Código Civil, mas

pertinentes quanto aos sócios do sindicato, lembrando sempre que mem-


bro da categoria é todo aquele que nela exerce a sua atividade econômica

ou profissional, e sócio do sindicato é apenas aquele que como tal resolve

inscrever-se nele.

4. EDITAL DE CONVOCAÇÃO DA ASSEMBLEIA

Edital é o meio pelo qual se dá publicidade à pretensão de realizar a

assembleia de fundação do sindicato, como, também, de toda assembleia

para que os interessados tenham dela conhecimento.

Dele devem constar, claramente, o local, horário da assembleia em pri-

meira e segunda convocação, a pauta com a ordem do dia a ser deliberada e

270

o nome de quem faz a convocação. Deve atender à sua finalidade, levando-

-se em conta o seu objetivo de dar publicidade à realização de um ato. O pra-

zo que deve ser observado entre a publicação do edital e a data anunciada

nele para a realização da assembleia deve ser suficiente para permitir que

os interessados tenham conhecimento da convocação com tempo para que

os temas relacionados no edital possam ser discutidos entre os interessados

e para que possam deslocar-se comparecendo no dia e local designados.

Se os interessados são convocados para assembleia com publicação

em um sábado para segunda-feira imediata pela manhã, portanto na

antevéspera, o edital não cumprirá a sua finalidade de dar publicidade com

ampla antecedência para conhecimento de todos os interessados.

Não é por outra razão que para o Ministério do Trabalho e Emprego

(Portaria n. 326, de 2013) o edital de convocação dos membros da categoria

para a assembleia geral de fundação da entidade deve ser publicado com


antecedência mínima de sua realização, prazo que será majorado quando a

entidade interessada tiver base territorial interestadual ou nacional.

O edital tem a finalidade de dar conhecimento aos interessados de que

haverá a assembleia, na qual é esperada sua presença para deliberar sobre

temas anunciados. Não é meio para dificultar o conhecimento da realização

da assembleia, sendo, desde logo, fácil ver que, se a sua publicação se faz

com ampla antecedência, maior é a possibilidade de atingir os objetivos a

que se destina, e, ao contrário, se publicado com um prazo curto, mais difícil

se torna a divulgação, nos meios interessados, da realização da assembleia

na qual as suas presenças são esperadas.

Quando a publicação se faz num sábado e domingo para assembleia

na segunda-feira imediata pela manhã, é quase certo que o edital não tem

condições intrínsecas de atingir os seus fins, e muito provavelmente a sua

publicação, nessas condições, é meramente formal, para dizer que foi

cumprida uma exigência burocrática. Revela nenhum propósito de divulgar,

de dar conhecimento aos interessados, de anunciar com toda a transparência

uma reunião.

A escolha do jornal que publicará o edital deve recair em periódico de

grande circulação no Estado ou Estados abrangidos pela pretensa base

territorial, e, também, se houver, em jornal de circulação no Município

ou região da futura base territorial (Portaria n. 326, de 2013) ou outro de

expressiva circulação.

5. ASSEMBLEIA DE FUNDAÇÃO

A importância do cumprimento dessa exigência reside no fato de que


uma assembleia é forma participativa em regime de democracia. Na assem-

271

bleia de fundação, a presidência deve ser confiada à pessoa diversa da que

vier a participar da diretoria provisória que será eleita. Só haverá validade

nas deliberações se observado o quorum a que se refere o art. 612 da CLT,

na conformidade da seguinte jurisprudência: “13. Legitimação da entidade

sindical. assembleia deliberativa. Quorum de validade. Art. 612 da CLT. Mes-

mo após a promulgação da Constituição Federal de 1988, subordina-se a

validade da assembleia de trabalhadores que legitima a atuação da entidade

sindical respectiva em favor de seus interesses à observância do quorum es-

tabelecido no art. 612 da CLT”. (TST, Orientação Jurisprudencial n. 13, SDC.)

Embora o mencionado dispositivo legal refira-se à assembleia para aprova-

ção de acordos e convenções coletivas, o quorum é o mesmo para assembleia

de fundação de sindicato, no que andou bem porque, se para a negociação co-

letiva, que é o menos, há determinadas exigências de aprovação da categoria,

com muito maior razão as mesmas exigências devem ser feitas para o mais, que

é a criação de entidade sindical.

Não há que se falar em associados em assembleia de fundação de

sindicato, mas de membros do pretenso sindicato, integrantes da categoria.

Dispõe o art. 612 da CLT: “Os sindicatos só poderão celebrar Conven-

ções e Acordos Coletivos de Trabalho por deliberação de Assembleia-Geral

especialmente convocada para esse fim, consoante o disposto nos respec-

tivos Estatutos, dependendo a validade da mesma do comparecimento e

votação, em primeira convocação, de 2/3 (dois terços) dos associados da


entidade, se se tratar de Convenção, e dos interessados, no caso de Acordo

e, em segunda, de 1/3 (um terço) dos mesmos”.

As deliberações, na assembleia, não devem ser tomadas por aclamação.

O art. 524, § 1º, da CLT exige o escrutínio secreto para eleição de diretoria

e conselho.

Na fundação de sindicato por desdobramento de categoria, a assembleia

de fundação será a de integrantes da categoria preexistente ou dos interes-

sados integrantes da atividade similar ou conexas que quer se separar?

A assembleia será a dos interessados no desdobramento porque, se

depender dos membros da categoria que será desmembrada, a possibilidade

de desdobrar será difícil, porque nenhum sindicato quer perder parte da sua

representação. O argumento é reforçado quando se verifica que o interesse

pelo desmembramento é daqueles que integram a categoria similar ou conexa

integrada numa categoria mais ampla e na qual não veem mais possibilidade

de convivência para a defesa dos seus interesses específicos. Nas categorias

ecléticas, os interesses específicos de parte do grupo podem ficar diluídos ao

meio da defesa pelo sindicato dos interesses mais amplos, o que justifica o

desmembramento. Acrescente-se que, segundo o disposto no art. 8º, II, da

272

Constituição Federal, cabe aos trabalhadores ou empregadores interessados

definir a base territorial do sindicato, o que reafirma a conclusão exposta.

Dispunha a OJ n. 14 da SDC que, quando a base territorial excede de

um Município, a fundação do sindicato só será perfeita com a realização de

uma assembleia em cada Município por exigência da seguinte jurisprudência:


“14. Sindicato. A obrigatoriedade de realização de múltiplas assembleias era

uma dificuldade. Se a base territorial do sindicato representativo da categoria

abrange mais de um município, a realização de assembleia deliberativa em

apenas um deles inviabilizava a manifestação de vontade da totalidade dos

trabalhadores envolvidos na controvérsia, pelo que conduzia à insuficiência

de quorum deliberativo, exceto quando particularizado o conflito”. No entanto,

essa Orientação Jurisprudencial foi cancelada.

6. ATA DA ASSEMBLEIA

A ata da assembleia geral de fundação é documento indispensável, sem o

qual não será admitido registro exigido pela Portaria n. 326, de 2013, do MTE.

A ata é o retrato escrito da assembleia sindical, da qual constará

a descrição fidedigna dos atos principais ocorridos, servindo como

documentação da sua realização e prova da regularidade da fundação do

sindicato. A sua redação deve mencionar dia, hora e local da assembleia,

relatar os acontecimentos em ordem sequencial, tal como os fatos se

desenvolveram, as propostas apresentadas, as respectivas deliberações, o

quorum e a forma das votações, o nome e assinatura dos presentes e o que

mais houver de importante a documentar.

Se o conteúdo da ata não corresponder à verdade dos fatos, os

subscritores expõem-se ao risco de ver, por provocação dos interessados,

a assembleia anulada sem prejuízo de medidas penais por crime de

falsidade ideológica. É absolutamente ilegal “fabricar” atas de assembleias

sindicais que na verdade não aconteceram, como, também, a aposição de

assinaturas de pessoas que não estiveram presentes. É pelo número de


assinaturas de pessoas presentes que será possível aferir o cumprimento do

quorum para deliberação válida sobre a fundação do sindicato, bem como a

representatividade do grupo que o pretende fundar.

7. NÚMERO DE DIRIGENTES

Qual é o número máximo de dirigentes eleitos que um sindicato pode ter?

A CLT (art. 522) dispõe que a administração do sindicato será exercida

por uma diretoria constituída, no máximo, de sete e, no mínimo, de três

273

membros, eleitos pela assembleia geral. A Constituição Federal de 1988 (art.

1º) veda a interferência e a intervenção do Poder Público na organização

sindical. O problema jurídico que surgiu está em saber se fere o princípio

constitucional da não interferência do Estado na organização sindical lei que

limita o número de dirigentes de um sindicato. A Lei Maior veda a interferência

do Poder Público na organização sindical de lei menor que fixa o número

máximo que o sindicato pode ter. É difícil compatibilizar essa limitação

com as necessidades atuais das organizações sindicais. Os sindicatos

não observam esses limites, e as empresas agem de dois modos. Oficiam

ao sindicato, pedindo o nome dos dirigentes eleitos, para considerar não

estáveis os excedentes. Aos despedidos a lei faculta ingressar com ação

de reintegração com pedido de liminar. Esta pode ser reapreciada, pela via

do mandado de segurança, pelos Tribunais Regionais. O sindicato patronal

e a empresa têm legítimo interesse em discutir a questão, uma vez que a

estabilidade afeta o contrato individual de trabalho.

Como a indeterminação legal do número de dirigentes levou a abuso


de alguns sindicatos — com o propósito de dar estabilidade no emprego ao

maior número possível de dirigentes —, autorizada jurisprudência concluiu

que houve a recepção do art. 522 da CLT pela Constituição de 1988. É a

diretriz estabelecida pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST, SDC, RODC n.

393.224/ 97, Ac. de 1º.6.1998, Rel. ad hoc Min. Armando de Brito; TST, SDC,

RO n. 423.261/98.0, Rel. Min. Ursulino Santos) e pelo Supremo Tribunal

Federal (RE n. 193.345-3, 2ª T., Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 28.5.1999).

Na última decisão das duas acima mencionadas, o Supremo Tribunal

Federal assim concluiu:

“Abrindo o debate, anoto que o Supremo Tribunal Federal tem já enfrentado a questão

da recepção de normas da CLT, art. 558, que dizem respeito às organizações sindicais.

Assim, por exemplo, relativamente ao registro do sindicato no órgão do Ministério do

Trabalho, conforme decidido no MI 244-SP, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence (RTJ

147/868).

Também quanto aos arts. 511 e 570 da CLT, o Supremo Tribunal Federal proclamou a

recepção, pela CF/88, das disposições deles constantes: RMS 21.305-DF, Relator o

Ministro Marco Aurélio (RTJ 137/1131).

O Supremo Tribunal Federal, quanto ao art. 535 da CLT, afirmou a sua recepção: ‘Por

outro lado, foi recebido pela Carta Magna vigente o art. 535 da CLT, que dispõe sobre a

estrutura das Confederações sindicais, exigindo, inclusive, que se organizem com um

mínimo de três federais.’ (ADIn 505, Relator o Ministro Moreira Alves, RTJ 139/468.)

O Supremo Tribunal Federal decidiu, interpretando o art. 8º, II, da CF, que aos trabalha-

dores de um certo município, que integram sindicato que tem sede em outro município,

mas cuja base territorial abrange aquele município, é assegurado o direito de, em as-
sembleia, criar sindicato de sua categoria, com base territorial no seu município, assim

desmembrando-se do sindicato que tem sede no outro município: RE n. 153.534-SP,

Relator Ministro Carlos Velloso, 2ª Turma, 15.12.98).

274

No caso, penso que não há incompatibilidade entre o que dispõe o art. 522 da CLT, e o

art. 8º, I, da Constituição Federal.

O que deve ser entendido é que a Constituição, que assegura a liberdade sindical,

no sentido de que ‘a lei não poderá exigir autorização do Estado para a formação de

sindicato, ressalvado o registro no órgão competente, vedadas ao poder público a

interferência e a intervenção na organização sindical’ (art. 8º, I), estabeleceu, também,

no mesmo art. 8º, inc. VIII, que ‘é vedada a dispensa do empregado sindicalizado a

partir do registro da candidatura a cargo de direção ou representação sindical, e, se

eleito, ainda que suplente, até um ano após o final do mandato, salvo se cometer falta

grave nos termos da lei’.

É dizer, estabelece a Constituição estabilidade para os dirigentes sindicais. Seria

possível, então, à lei disciplinar a matéria, em termos de número de dirigentes sindicais?

Penso que sim. Caso contrário, podendo o sindicato estabelecer o número de dirigentes,

poderia estabelecer número excessivo, com a finalidade de conceder-lhes a estabilidade

sindical do art. 8º, VIII, da CF, e art. 543, § 3º, da CLT.”

Na Itália, como os dirigentes sindicais têm direito à licença no emprego

durante o mandato sindical, com ou sem retribuição, o Statuto (art. 23, inc.

2º) determina o número de dirigentes que podem ser beneficiados pelo direito

de licença. É proporcional ao número de empregados da categoria que

representem: um dirigente nas empresas com 200 empregados da categoria


até um dirigente para cada 500 empregados ou fração.

Na Espanha, a Ley Orgánica de Libertad Sindical (11/1985, art. 10)

dispõe que, à falta de acordos específicos, o número de delegados sindicais

em cada seção sindical na empresa, dos sindicatos que tenham conseguido

10% dos votos na eleição do Comitê de Empresa ou órgão de representação

nas Administrações Públicas, será determinado segundo a seguinte escala:

de 250 a 750 trabalhadores: um; de 751 a 2.000: dois; de 2.001 a 5.000: três;

de 5.001 em diante: quatro. As seções sindicais que não tiverem obtido 10%

dos votos estarão representadas por um só delegado sindical.

Restringir a sete o número máximo de diretores de uma entidade sindical,

independentemente do seu tamanho, natureza ou número de associados, é

uniformizar o que por natureza não é uniforme: sindicatos nacionais com

os estaduais ou municipais; sindicatos de categorias grandes com os de

categorias pequenas; sindicatos por categoria com sindicatos por profissão;

enfim, situações díspares.

O princípio constitucional da não interferência do Estado na organização

sindical não é restrito ao direito de fundar sindicatos. É dirigido, também, à

liberdade de auto-organização interna do sindicato. Se assim não fosse, os

fins visados pelo princípio em questão não seriam atingidos quando o Estado

resolvesse dificultar a administração do sindicato pela limitação do número

de dirigentes, contrariando, assim, o preceito da liberdade sindical.

275

Saber, por conseguinte, se um sindicato deve ter sete, dez ou vinte

diretores deve ser, no sistema de autonomia sindical, questão interna


corporis, a ser resolvida no âmbito do próprio sindicato. No entanto, como

os dirigentes sindicais têm estabilidade no emprego, o sindicato tem meios

para estabilizar o maior número possível de empregados. Bastaria ter uma

diretoria com número elevado de integrantes.

Há, a nosso ver, dois problemas distintos. Um, o número de diretores

do sindicato, questão interna. Outro, o número de dirigentes do sindicato

com estabilidade no emprego, questão externa, contratual e bilateral. O

que a lei pode limitar é o número de portadores de estabilidade sindical,

mas não o número de dirigentes do sindicato. Os convênios coletivos são

outra forma de solução da questão. Nesse caso, as cláusulas sindicais dos

convênios coletivos serão a norma sobre número de estáveis reconhecido

pela empresa, liberação dos diretores do sindicato para as funções sindicais,

remuneração mantida ou suspensa durante o mandato, local para o sindicato,

no estabelecimento, praticar os atos de sua representação, defesa contra

atos antissindicais etc.

À falta de norma coletiva negociada e inexistindo lei específica sobre

limitação de estáveis — não de diretores — poder-se-á recorrer à teoria do

abuso do direito, que permite uma solução compatível com a variedade e

complexidade multiforme das situações existentes.

Enquanto isso, prevalecem as diretrizes estabelecidas pelas decisões

proferidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF, 13.4.1999, Rel. Min. Marco

Aurélio) e pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST, SDC, Proc. RO-DC n.

423.261/98-0, Rel. Min. Ursulino Santos, DJ 4.12.1998, Seção I, p. 51),

declarando a recepção pela Constituição de 1988 do art. 522 da CLT.


O Comitê de Liberdade Sindical, da Organização Internacional do

Trabalho, fixou jurisprudência no seguinte sentido: a determinação do número

de dirigentes de uma organização deveria ser da competência das próprias

organizações sindicais.

8. GARANTIAS DOS DIRIGENTES: ESTABILIDADE

SINDICAL E INAMOVIBILIDADE

Os trabalhadores que representam e defendem os interesses dos demais

perante o empregador devem ter garantias contra dispensas imotivadas.

Formulam pleitos para a solução de interesses divergentes, de natureza

individual como coletiva, pleitos que podem transformar-se, conforme o caso,

em disputas, na maior parte solucionadas de modo consensual, em outras

gerando conflitos. Expõem-se, em razão do exercício dessa representação, a

276

retaliações que, se não vedadas pela lei, afetam o representante e a própria

representação por eles exercida. Por tais motivos, a esses representantes

são asseguradas garantias contra atos que, na verdade, são antissindicais,

e não apenas pessoais.

Essas garantias são de dois principais tipos, conforme a finalidade do

ato repressivo: a estabilidade sindical e a inamovibilidade sindical.

A estabilidade sindical (CF, art. 8º, VIII; e CLT, art. 543, § 3º) efetiva-se

mediante a nulidade da dispensa imotivada do dirigente sindical. A inamovi-

bilidade (CLT, art. 543) é a proibição da transferência geográfica do local de

trabalho do dirigente sindical de modo a dificultar a sua atuação e obstar o

seu direito de estar em contato com os seus representados.


Convém, em rápida síntese, mostrar o quadro legal vigente no Brasil. A

Constituição de 1988 (art. 8º) confere ao dirigente sindical exercente de cargo

eletivo estabilidade no emprego desde o registro da candidatura até um ano

após o término da gestão. A CLT (art. 543, § 5º) condiciona a estabilidade à

comunicação pelo sindicato ao empregador do registro da candidatura do seu

empregado. Se não é eleito, cessa a estabilidade. Se cometer falta grave,

o seu contrato de trabalho pode ser suspenso com o seu afastamento do

serviço para responder a inquérito judicial para apuração da falta grave, caso

em que do resultado do processo judicial dependerá a extinção do vínculo de

emprego, desde o afastamento ou a sua reintegração, com as vantagens do

período em que permaneceu com o contrato suspenso.

Havendo extinção da empresa ou estabelecimento, a CLT autoriza a

cessação do contrato de trabalho do empregado estável. Portanto, o contrato

de trabalho do dirigente sindical estável cessa também. O Juiz do Trabalho

tem o poder de expedir liminar de reintegração do dirigente sindical afastado

do emprego. Além da estabilidade, o dirigente sindical tem outra garantia,

a inamovibilidade para que não possa ser injustificadamente transferido do

local de trabalho com o propósito obstativo.

O representante pode renunciar à representação ou pedir demissão do

emprego?

Há divergências que resultam do pressuposto a ser estabelecido,

a causa da estabilidade do dirigente sindical; para alguns, a proteção do

dirigente sindical como membro do movimento sindical considerado como

um todo, o que leva a uma interpretação ampla das dimensões da sua


estabilidade; para outros, a proteção como representante de determinada

categoria profissional, nos exatos limites dessa mesma representação, o

que gera, como consequência, uma interpretação restrita e funcional da sua

estabilidade, confinada, nessa hipótese, ao nexo causal entre a categoria e

o seu emprego, mas, também, entre a sua pessoa e o contrato individual de

trabalho, restrito a estas.

277

A titularidade da garantia é dupla, do representante e do grupo

representado, de modo que se trata de imunidade conferida a quem vai agir

em nome de uma categoria ou uma coletividade, proteção, portanto, que

alcança diretamente o indivíduo e indiretamente a comunidade no interesse

da qual atua. Não se trata de titularidade exclusiva e total da categoria, caso

em que ficaria comprometida a liberdade individual do representante, inclusive

para fazer acordos de rescisão do contrato de trabalho. Não é, também, um

direito exclusivo do representante, uma vez que a sua condição como tal

o transforma em agente do grupo que representa. O que não é razoável é

tolher a liberdade do representante de, diante de justificadas razões, extinguir

o contrato de trabalho do qual, e não a coletividade representada, é sujeito,

mesmo porque esta pode ser representada por outra pessoa.

Outro aspecto da questão, os pressupostos para a aquisição da

estabilidade, a situa no exame da sua natureza, subjetiva e objetiva, a

primeira referível à qualidade de dirigente ou representante sindical, sócio

da respectiva entidade, no exercício das suas funções estatutárias, na

plenitude do gozo dos direitos sindicais e a sua inclusão em lista submetida


à eleição em assembleia sindical. Os pressupostos objetivos relacionam-se

com a existência legal da entidade sindical, ao cargo ocupado ou a vir a ser

ocupado, ao número de cargos da entidade sindical, correspondente às suas

necessidades, em função dos quais a garantia é instituída, e à comunicação

do sindicato ao empregador para cientificá-lo da condição estabilitária do

representante.

As Convenções ns. 98 e 135 da Organização Internacional do Trabalho

— OIT condenam atos que possam prejudicar o trabalhador, por qualquer

forma, tendo em vista a sua participação em atividades sindicais. Mas não

instituem a estabilidade sindical, como já interpretou o Comitê de Liberdade

Sindical (Verbete n. 556). Vedam transferências unilaterais, promovidas

pelo empregador, ou outras iniciativas que possam prejudicar o exercício da

representação dos trabalhadores na empresa, tanto a sindical como a não

sindical.

A lei confere estabilidade a diretor de sindicato de categoria diferente

daquela em que na empresa é empregada? Se a representação sindical da

profissão exercida pelo dirigente sindical compete, no empregado, por direito,

a outro sindicato, terá ele, nesse emprego, estabilidade sindical?

Há casos de reintegração judicial liminar e em reclamações cumuladas

com pedido de tutela antecipada ordenando a reintegração no emprego com

fundamento nos arts. 543, § 3º, 659, X, 522 e 543, § 4º, da CLT, e outras

decisões, em sentido contrário, fundamentadas no argumento segundo o

qual nessa situação não há como vincular a reclamada ao direito previsto na

lei em relação aos membros de diretoria de outros sindicatos.


278

Não havendo correspondência entre a categoria sindical do empregado

e a categoria sindical do pessoal da sua empresa, fica comprometida

definitivamente a possibilidade de ser a sua situação enquadrada entre

aquelas que levaram a lei a instituir a estabilidade do dirigente sindical, que

tem como causa a necessidade de garantir o dirigente sindical que atua na

defesa dos interesses coletivos dos integrantes da sua categoria, o que,

evidentemente, não pode acontecer na hipótese apresentada. Nesse caso,

diante da falta de correspondência, justificante da garantia legal, não há como

o dirigente pôr-se diante de uma negociação coletiva ou da deflagração de

uma greve de interesse dos empregados da empresa sem estar invadindo

indevidamente esfera de atuação sindical de outra categoria.

O dirigente sindical de sindicato de categoria diferenciada que não

representa os empregados da empresa em negociação não goza do direito

de estabilidade no emprego não correspondente à sua representação. Nesse

sentido, é a Súmula do TST n. 369, segundo a qual o empregado de categoria

diferenciada, eleito dirigente sindical, só goza de estabilidade se exercer na

empresa atividade pertinente à categoria profissional do sindicato para o qual

foi eleito dirigente.

A Convenção n. 135 da Organização Internacional do Trabalho, de

23.6.1971, nas considerações que servem de base para os seus dispositivos

destinados à proteção dos representantes dos trabalhadores, aponta como

causa da aprovação da medida a necessidade de impedir toda discriminação

voltada contra o exercício da liberdade sindical em relação ao emprego do


representante, in verbis: “A Conferência Geral da Organização Internacional

do Trabalho, convocada em Genebra pelo Conselho de Administração do

Escritório Internacional do Trabalho e reunida na referida cidade em 2 de

junho de 1971 em sua quinquagésima sexta reunião, tendo em conta as

disposições da Convenção sobre o direito de sindicalização e de negociação

coletiva, 1949, que protege os trabalhadores contra todo ato de discriminação

tendente a prejudicar a liberdade sindical em relação com seu emprego”.

O texto mostra que a origem da estabilidade conferida aos representantes

dos trabalhadores está diretamente relacionada com os atos que contra ele,

em relação ao seu emprego, possam ser praticados pelo empregador, o

que justifica a interpretação restritiva, predominante no direito brasileiro, na

doutrina e na jurisprudência. Não difere a impressão que resulta do estudo da

Convenção n. 98, também da Organização Internacional do Trabalho, com

fins semelhantes, e que dispõe (art. I, 1): “Os trabalhadores deverão gozar de

adequada proteção contra todo ato de discriminação tendente a prejudicar

a liberdade sindical em relação ao seu emprego”. O mesmo texto mostra a

necessidade de proteção do trabalhador contra dispensa decorrente da sua

filiação sindical ou de sua participação em atividades sindicais fora das horas

de trabalho.

279

Marco Aurélio Mendes de Farias Mello, em “Estabilidade no emprego de

dirigentes e representantes sindicais” (in Relações coletivas de trabalho. São

Paulo: LTr, 1989. p. 148), sustenta: “A razão de ser da garantia de emprego

está, justamente, na necessidade de viabilizar-se a atuação do dirigente da


associação ou do sindicato, afastando, portanto, o risco de o empregado so-

frer prejuízos considerada a relação jurídica que o aproxima do tomador dos

serviços. Tem por escopo, portanto, evitar que este último, contrariado em

interesses isolados e momentâneos, acabe por intimidar o empregado, im-

pedindo-o, assim, de atuar com desenvoltura no campo das reivindicações.

Na verdade, em prol de um bem maior — o da coletividade de trabalhadores

— acabou-se por retirar do patrimônio do empregador o direito potestativo

de despedir. Assentada esta premissa, conclui-se que o direito está ligado à

existência de nexo causal sempre a exigir o fato de a atuação sindical fazer-

-se em benefício dos demais prestadores de serviços existentes na empresa.

Nem se diga que o texto constitucional não faz distinção. No caso, não se

trata de distinguir onde a lei não distingue, mas simplesmente de considerar

o objetivo da própria norma. Para que haja campo propício à articulação em

torno da garantia de emprego, indispensável é que, primeiro, o empregado

esteja vinculado à entidade que congregue categoria profissional e, segundo,

que esta se faça presente, mediante número expressivo de prestadores de

serviços, na empresa”.

Arnaldo Süssekind, Délio Maranhão e Segadas Vianna ( Instituições de

direito do trabalho. 10. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1987. p. 613) põem

a questão nos seguintes termos: “Conforme escrevemos, juntamente com

Délio Maranhão, em parecer de 11 de junho de 1984, a simples leitura do art.

543, já transcrito, revela claramente que a norma visa a proteger o trabalhador

como empregado, contra atos do seu empregador, que lhe possam impedir

ou dificultar o exercício de seus direitos sindicais”.


A jurisprudência manifestou-se acerca do tema nos moldes que seguem:

“A estabilidade provisória assegurada ao dirigente sindical tem como pressuposto o

exercício da representação da categoria profissional no âmbito empresarial, pois visa

a garanti-lo contra a insatisfação do empregador no desempenho da árdua tarefa de

reivindicar e defender os interesses da coletividade obreira.” (TST, SDI, ERR n. 79/89.0,

29.5.90, Rel. Min. José Ajuricaba, DJU 12.9.90, p. 349.)

“ESTABILIDADE PROVISÓRIA. DIRIGENTE SINDICAL. Os arts. 543, § 3º, da CLT e 8º,

inciso VIII, da Constituição Federal não alcançam hipótese em que o obreiro é dirigente

sindical de categoria diversa da profissional representativa da empresa, porquanto a

estabilidade sindical é proteção que só terá finalidade quando a atividade desenvolvida

pelo dirigente sindical estiver relacionada com o enquadramento profissional dominante

na categoria empresarial.” (TST, RR n. 351341/1997, Decisão: 10.12.1999, Região: 4,

Recurso de Revista, Órgão Julgador — Terceira Turma, DJ Data: 18.2.2000, p.: 226,

Relator Ministro Francisco Fausto.)

280

“A estabilidade provisória a que alude o § 3º do art. 543, da CLT, somente alcança

empregado eleito dirigente de sindicato que representa a categoria profissional dos

empregados da empresa na qual trabalha, sem atingir ou afetar empregadores de

categoria econômica sem correspondência com aquela categoria profissional.” (TST/2ª

T., RR n. 3.742/86, Rel. Min. Feliciano Oliveira, DJU 24.4.87, p. 294.)

“Estabilidade que objetiva amparar o empregado que representa a categoria profissional

no âmbito da empresa, concedendo-lhe garantia contra possível reação do empregador

no exercício dessa representação. Estabilidade que não se configura porque o dirigente

não exerce, na empresa, atividade da categoria profissional de compositor, que


representa na empresa.” (TST/1ª T., RR n. 79/89.0, 27.6.89, Rel. Min. José Carlos da

Fonseca, DJU 13.10.89, p. 15815.)

“A estabilidade sindical tem em conta a garantia do exercício do mandato gremial junto

a empresa cujos funcionários pertençam, em sua maioria, a esse sindicato que elegeu o

trabalhador. O intuito do art. 543 da CLT é possibilitar a ação sindical dentro da empresa

da qual saiu o dirigente eleito. Esse preceito não está em conflito com o art. 8º, VII da

Constituição.” (TRT/15ª Região, 2ªTurma, RO n. 1080/90, Rel. Juiz José Pedro Camargo

R. de Souza, 3.7.1991, DJSP 17.8.90, p. 112.)

A estabilidade, portanto, existe em função de determinada relação

de emprego, com características de bilateralidade, o que pressupõe

a sua compreensão de modo concreto e não genérico e inespecífico.

Estabilidade não é uma armadura protetora contra todas as empresas,

como equivocadamente poderia à primeira vista parecer, porque não teria

sentido a extrapolação dessa garantia a não ser nos restritos limites de

determinada vinculação jurídica. O dirigente sindical representa determinada

categoria. É unicamente em função dessa representação que é portador de

estabilidade, de modo que ampliá-la para outras categorias seria, de modo

indireto, transferir de um para outro contrato de trabalho uma obrigação, o

que não é razoável. É procedente a tese que identifica na relação causal a

razão de ser da estabilidade, porque o dirigente sindical tem a proteção não

como deferência à sua pessoa, mas porque incorpora a representação de

um grupo, de modo que a sua presença intocável se faz pela coletividade de

que é o porta-voz, não o sendo em emprego que nada tem que ver com a

sua categoria, porque nele não poderia falar ou agir em nome de ninguém.
Faltar-lhe-ia legitimidade para tanto.

Membro de Conselho Fiscal é portador da estabilidade de dirigente

sindical? A estabilidade foi criada evidentemente para assegurar diretores

do sindicato. A atuação do Conselho Fiscal é no sentido de fiscalizar a

gestão financeira do sindicato (art. 522, § 2º, da CLT). Foi nessa diretriz o

entendimento do TST, SDI, ROAR n. 718676/2000, Rel. Min. Juiz Convocado

Horácio R. de Senna Pires. A diferenciação estabelecida pela própria

Consolidação das Leis do Trabalho, no artigo já citado, permite a distinção

de funções de diretores e membros do Conselho Fiscal, implicando a não

extensão aos membros do Conselho Fiscal dos privilégios reservados aos

membros da diretoria do sindicato. Esse entendimento é correto desde que

281

se adote como premissa que Conselho Fiscal não é órgão de representação

da categoria, mas de fiscalização da diretoria que a representa.

Registre-se, finalmente, a Súmula n. 369 do TST:

“I — É indispensável a comunicação, pela entidade sindical, ao empregador, na forma

do § 5º do art. 543 da CLT. (ex-OJ n. 34 — Inserida em 29.4.1994)

II — O art. 522 da CLT, que limita a sete o número de dirigentes sindicais, foi recepcionado

pela Constituição Federal de 1988. (ex-OJ n. 266 — Inserida em 27.9.2002)

III — O empregado de categoria diferenciada eleito dirigente sindical só goza de

estabilidade se exercer na empresa atividade pertinente à categoria profissional do

sindicato para o qual foi eleito dirigente. (ex-OJ n. 145 — Inserida em 27.11.1998)

IV — Havendo extinção da atividade empresarial no âmbito da base territorial do

sindicato, não há razão para subsistir a estabilidade. (ex-OJ n. 86 — Inserida em


28.04.1997)

V — O registro da candidatura do empregado a cargo de dirigente sindical durante o

período de aviso-prévio, ainda que indenizado, não lhe assegura a estabilidade, visto

que inaplicável a regra do § 3º do art. 543 da Consolidação das Leis do Trabalho.” (ex-

OJ n. 35 — Inserida, em 14.3.1994)

282

CAPÍTULO 26

REGISTRO DE SINDICATOS

1. O REGISTRO COMO ATO CADASTRAL

Depois dos atos internos de fundação do sindicato, devem ser providen-

ciados os atos externos, assim considerados aqueles que serão exercitados

perante outros órgãos, no caso o Cartório de Registro de Pessoas Jurídicas

e o depósito dos atos constitutivos no Cadastro Nacional das Entidades Sin-

dicais da Secretaria de Relações do Trabalho do Ministério do Trabalho e

Emprego.

O registro do sindicato é um ato necessário para a sua existência no

Brasil. Não há, ao contrário de outros países, sindicatos de fato sem registro.

A Convenção n. 87 da Organização Internacional do Trabalho dispõe que os

trabalhadores e os empregadores, sem nenhuma distinção e sem autorização

prévia, têm o direito de constituir as organizações sindicais que estimarem

convenientes e de a elas se filiar. A Declaração Universal dos Direitos do

Homem, aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1948,

proclama no art. 23, n. 4, que “toda pessoa tem direito de fundar, com outras,

sindicatos e de filiar-se em sindicatos para defesa dos seus interesses”. A


Convenção Europeia dos Direitos do Homem, de 1950, no art. 11, reafirma

o direito de fundação de sindicatos e que “o exercício deste direito só pode

ser objeto de restrições que, sendo previstas na lei, constituírem disposições

necessárias, numa sociedade democrática, para a segurança nacional, a

segurança pública, a defesa da ordem e a prevenção do crime, a proteção da

saúde ou da moral ou a proteção dos direitos e das liberdades de terceiros”.

A exigência legal de registro é discutida sob mais de um prisma.

Primeiro, é, como entendeu o movimento sindical italiano, uma restrição

à liberdade de organizar sindicatos, herança do corporativismo. Segundo, é

um fator de valorização sindical, imprescindível para que o sindicato adquira

personalidade jurídica.

Na Itália, não há necessidade de registro para que o sindicato tenha

existência. Essa é a razão pela qual, no direito peninsular, há sindicatos de

fato. A entidade sindical, afirma Giuliano Mazzoni, se autodetermina, e a sua

norma básica constitutiva é o seu estatuto, pelo qual é definida a sua esfera

de representação.

Gino Giugni mostra que as associações sindicais italianas não são

reconhecidas, nem sequer de acordo com as regras do direito comum.

283

Desvincularam-se os sindicatos dos controles administrativos comuns

durante o corporativismo estatal, e de tal modo que “a associação não

reconhecida constitui uma figura jurídica que qualifica normativamente

fenômenos organizativos significativamente diversos, que vão desde os mais

modestos círculos recreativos ou culturais, até os organismos complexos e


de grandes dimensões e com gestão de importantes meios financeiros”.

Nos países em que o registro é necessário, há duas diferentes

atribuições aos seus efeitos: o efeito de mera publicidade ou o de concessão

de personalidade jurídica. No primeiro caso, é mero depósito, não constitutivo,

apenas para o fim cadastral. A lei, em alguns casos, exige, para o depósito

dos estatutos, algumas formalidades.

A Lei Orgânica da Liberdade Sindical, da Espanha (1985), no art. 4, 1,

declara que “os sindicatos constituídos sob o amparo desta lei, para adquirir

personalidade jurídica e plena capacidade de ação, deverão depositar, por

meio dos seus fundadores ou dirigentes, seus estatutos no escritório público

competente para tal efeito”.

Em Portugal, o Decreto-lei n. 215-8/75, art. 10.0, dispõe que “as

associações sindicais adquirem personalidade jurídica pelo registro dos seus

estatutos no Ministério do Trabalho”. O pedido de registro é acompanhado de

cópia da ata da assembleia constituinte do sindicato. Segue-se a publicação

dos estatutos no Diário do Governo com parecer fundamentado sobre a

legalidade da associação. O Ministério Público pode promover, no prazo de

quinze dias, no caso de os estatutos não se mostrarem na conformidade da

lei, a declaração judicial de extinção da associação em causa.

No Brasil, as duas primeiras leis sindicais asseguraram a livre organização

de sindicatos mediante depósito dos estatutos no Cartório do Registro de

Hipotecas do respectivo distrito, com dois exemplares: da ata de instalação

e da lista dos sócios ou da diretoria (Decretos n. 979, de 1903, e n. 1.637, de

1907). O Decreto n. 19.770, de 1931, exigiu o ato do reconhecimento pelo


Estado. Para esse fim, a criação do sindicato ficou subordinada a alguns

requisitos: número mínimo de sócios, capacidade dos diretores, duração do

mandato, gratuidade dos serviços de administração e abstenção de toda e

qualquer propaganda ideológica. A personalidade jurídica, atribuída a critério

do Ministério do Trabalho, hoje Ministério do Trabalho e Emprego, ficou

adstrita ao cumprimento dessas exigências e à aprovação oficial.

A figura do reconhecimento ganhou âmbito constitucional. A Constituição

de 1934, no art. 120, declarou: “Os sindicatos e as associações profissionais

serão reconhecidos de conformidade com a lei”. O Decreto n. 24.694, de

1934, no art. 8º, § 2º, manteve a exigência do pedido de reconhecimento:

“os estatutos só entrarão em vigor depois de aprovados pelo Ministério do

284

Trabalho, Indústria e Comércio”. Mais amplo foi o Decreto-lei n. 1.402, de 1939,

que fixou uma série de requisitos para o reconhecimento das associações,

declarou que apenas um sindicato poderia ser reconhecido para cada

profissão, e que “a investidura sindical será conferida sempre à associação

profissional mais representativa, a juízo do Ministério do Trabalho, Indústria

e Comércio, constituindo elementos para essa apreciação, entre outros: a) o

número de sócios; b) os serviços sociais fundados e mantidos; c) o valor do

patrimônio”. Reconhecida como sindicato, a associação profissional obtinha

a carta de reconhecimento e a personalidade jurídica sindical, iniciando a sua

existência legal. Essas regras foram recolhidas pela Consolidação das Leis

do Trabalho, em 1943, que as incorporou ao nosso ordenamento jurídico,

o que levou alguns autores a nele verem a pluralidade de associações e a


unicidade de sindicatos por categoria.

A Constituição Federal de 1988 fez modificações profundas. Os sindicatos

passaram a constituir-se independentemente de prévia autorização do Estado,

na forma das diretrizes da Convenção n. 87, da Organização Internacional

do Trabalho. Desse modo, foi revogado o art. 520 da Consolidação das Leis

do Trabalho, que previa a carta de reconhecimento. A Lei Maior transferiu

para a legislação ordinária a indicação do órgão competente para o registro

do sindicato. Desapareceu o ato ministerial de reconhecimento. O sindicato

passou a ter existência legal a partir do registro no órgão próprio. Desapareceu

também a necessidade de prévia fundação de uma associação não sindical

para posterior transformação em sindicato solicitada ao Ministério para

obtenção de carta de reconhecimento.

A lei não definiu o órgão próprio para registro do sindicato. O Ministério do

Trabalho e Emprego, interpretando a Constituição de 1988, deixou de conceder

carta de reconhecimento de sindicatos. Concluiu que a sua atuação passou a

limitar-se a uma função meramente cadastral no registro de sindicatos. Para

esse fim, baixou instruções normativas sobre procedimento para registro de

sindicatos, fixando regras do procedimento a ser observado para esse fim,

perante o Cadastro Nacional das Entidades Sindicais, que criou. As instruções

normativas estabeleceram alguns requisitos para o pedido de registro: ata da

assembleia de fundação, estatutos, registro em Cartório Civil etc.

Como a Constituição Federal de 1988 não aponta o órgão perante o

qual o registro sindical deve ser feito, surgiram interpretações divergentes na

esfera administrativa e judicial.


Para alguns, é o Cartório de Registro de Pessoas Jurídicas, como

decorrência da proibição de interferência do Poder Público na organização

sindical, princípio constitucional do art. 8º, I, segundo o qual “a lei não poderá

exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato, ressalvado o

registro no órgão competente, vedadas ao Poder Público a interferência e a

intervenção na organização sindical”.

285

Para outros, é o Ministério do Trabalho e Emprego, por entenderem

que é o órgão perante o qual o registro vinha sendo feito, e, como nenhuma

lei indicou outro, deve continuar perante o mesmo Ministério, tese que foi

referendada por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF — TP, RMS n.

21.305-1, Ac. de 17.10.1991, e STF, MI n. 1418, Ac. de 3.8.1992, Rel. Min.

Sepúlveda Pertence).

Decidiu, portanto, o STF que, tendo em vista o princípio da unicidade

sindical e como o Ministério do Trabalho e Emprego é que tem condições

para verificar se já existe sindicato na mesma categoria e base territorial —

o que não acontece com os Cartórios de Registro de Pessoas Jurídicas —,

perante o Ministério deve ser feito o registro de entidade sindical, orientação

seguida pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST-RO-DC n. 69.947/93, Rel.

Min. Ney Doyle, DJ de 2.9.1994), ao rejeitar legitimação de sindicato para

atuar em dissídio coletivo sem registro no Ministério do Trabalho e Emprego.

Infere-se, desse modo, que, quanto aos fundamentos das diretrizes em

debate, prevaleceu a tese segundo a qual o registro no Ministério do Trabalho

e Emprego não significa interferência do Estado na estrutura sindical, nem


ato prejudicial à liberdade sindical, mas mera decorrência da manutenção,

pela Constituição de 1988, do princípio do sindicato único, que só pode ser

preservado desde que o pleito de registro se faça perante o órgão que dispõe

de dados cadastrais dos sindicatos e, com base neles, saber se o pleito fere

o princípio do sindicato único.

Se lei nova determinar em outro sentido, não será inconstitucional,

porque a Lei Maior não aponta o órgão perante o qual o registro deve ser

efetuado. É no Ministério do Trabalho e Emprego por força de jurisprudência.

O Ministério do Trabalho e Emprego, que tinha posição diferente por

entender que a Constituição de 1988, ao vedar a interferência do Poder

Público na organização sindical, o impedia de fazer o registro de entidades

sindicais, cumpriu a decisão judicial com a Instrução Normativa GM/MTb n.

3, de 10.8.1994, estando em vigor nessa data a Portaria n. 343, de 4 de maio

de 2000, com a redação da Portaria n. 376, de 23 de maio de 2000.

2. O REGISTO SINDICAL E O PROCEDIMENTO PERANTE

O MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO

a) Aspectos introdutórios

O registro de sindicatos, nos seus aspectos gerais, não deveria oferecer

dúvidas doutrinárias, mas até hoje persistem afirmações com as quais

não concordo, de que o registro é uma interferência indevida do Estado

286

na organização sindical, mas não se trata de interferir e, sim, de verificar

e cadastrar, o que é um imperativo de organização, principalmente em um

sistema de unicidade de base, como o nosso.


Sobre o tema registro no Direito Sindical há um cuidadoso estudo

de Túlio Massoni, artigo com o nome “Sindicatos: criação e registro”. In:

Temas controvertidos do direito coletivo do trabalho no cenário nacional e

internacional (coord. Enoque Ribeiro dos Santos e Otávio Pinto e Silva, LTr,

2006), com análise de doutrina, incluindo Mario de La Cueva, para quem o

registro dos sindicatos parece corresponder, em suas origens, a uma ideia

política, o temor do Estado quanto às associações ocultas e a necessidade

de vigiá-las, tese da qual não compartilha Alfredo J. Ruprecht, para quem

é necessário um processo de organização que passa pelo exame dos

aspectos políticos, sociais e jurídicos, e tema que Romita expõe como exame

de requisitos de fundo e de forma, necessário na organização sindical e

que Efrén Córdova adverte que devem ser requisitos adequados no sentido

de garantir a capacidade de o sindicato desempenhar suas funções de

defesa dos interesses dos trabalhadores e que devem ser razoáveis e não

impeditivos da formação da entidade sindical. O registro, como já deixou

claro a OIT, não é incompatível com a Convenção n. 87 sobre liberdade

sindical. Nossa Constituição o prevê (CF, art. 8º, I) e a jurisprudência também

(STF 677).

b) O procedimento administrativo

O procedimento administrativo descrito na Portaria n. 326 para que os

sindicatos, órgãos de primeiro grau da pirâmidade sindical, possam obter

registro no Cadastro Nacional das Entidades Sindicais, compõe-se de oito

partes: a) pedido de registro e de alteração estatutária; b) publicação do

pedido; c) oportunidade de impugnações; d) solução das impugnações; e)


sustação do procedimento; f) o ato do registro; g) cancelamento do registro;

h) entidades sindicais de grau superior.

c) Pedido de registro e de alteração estatutária

Para a solicitação de registro, a entidade sindical deverá acessar o

Sistema do Cadastro Nacional de Entidades Sindicais — CNES, disponível

no endereço eletrônico <www.mte.gov.br>, e seguir as instruções ali

constantes para a emissão do formulário de pedido de registro e após

a transmissão dos dados e confirmação do envio eletrônico do pedido,

protocolizar o expediente para formação de processo administrativo,

unicamente na Superintendência Regional do Trabalho e Emprego — SRTE

da unidade da Federação onde se localiza a sede da entidade sindical,

vedada a remessa via postal.

287

Os documentos para a formação do expediente pelo interessado são os

seguintes:

— requerimento original gerado pelo Sistema, assinado pelo represen-

tante legal da entidade;

— edital de convocação dos membros da categoria para a assembleia

geral de fundação ou ratificação de fundação da entidade, do qual conste a

indicação nominal de todos os municípios, estados e categorias pretendidas,

publicado, simultaneamente, no Diário Oficial da União e em jornal de

grande circulação diária na base territorial, com antecedência mínima de dez

dias da realização da assembleia para as entidades com base municipal,

intermunicipal ou estadual e de trinta dias para as entidades com base


interestadual ou nacional;

— ata da assembleia geral de fundação da entidade e eleição, apuração

e posse da diretoria, com a indicação do nome completo e número do

Cadastro de Pessoas Físicas — CPF dos representantes legais da entidade

requerente, acompanhada de lista contendo o nome completo e assinatura

dos presentes;

— estatuto social, aprovado em assembleia geral e registrado em

cartório, que deverá conter os elementos identificadores da representação

pretendida, em especial a categoria ou categorias representadas e a base

territorial;

— comprovante original de pagamento da Guia de Recolhimento da

União — GRU, relativo ao custo das publicações no Diário Oficial da União,

conforme indicado em portaria ministerial, devendo-se utilizar as seguintes

referências: UG 380918, Gestão 00001 e Código de recolhimento 68888-6,

referência 38091800001-3947;

— certidão de inscrição do solicitante no Cadastro Nacional de Pessoa

Jurídica — CNPJ, com natureza jurídica específica; e o comprovante de

endereço em nome da entidade.

As maiores alterações, em relação à Portaria n. 343, de 2000, estão

nos tipos de documentos juntados e as indicações que devem ser feitas.

Destinam-se a agilizar e simplificar o procedimento. Assim é que o edital

para a assembleia geral de fundação, com indicação de todos os municípios,

Estados e categorias pretendidas, facilitará a verificação desses dados

muitas vezes obscuros quando um sindicato eclético faz referência limitada


ou incompleta à sua representação, não as relacionando por completo

como nos casos de categorias similares e conexas por ele representadas,

sem especificações sobre quais são essas categorias. É claro que a vaga

referência à representação de categorias similares ou conexas não basta. É

necessário indicá-las.

288

Outra modificação está na juntada do estatuto social registrado em

Cartório de Registro de Pessoas Jurídicas ou outro equivalente, constando

dele a representação atual e a pretendida, o registro no CNPJ com o tipo de

pessoa jurídica que é a de sindicato, o comprovante de endereço em nome da

entidade, a alteração estatutária que se quer registrada e, no caso de fusão

ou incorporação, o novo estatuto resultante desses atos, uma vez que tanto

a fusão como a incorporação, principalmente aquela, faz que desapareça a

pessoa jurídica antes existente, surgindo, em seu lugar, uma nova pessoa

jurídica, fruto da fusão ou da incorporação com o que um novo estatuto é

necessário.

O expediente é encaminhado à Seção de Relações do Trabalho da

SRTE, para conferência dos documentos que acompanham o pedido e

encaminhamento, por meio de despacho, à Coordenação-Geral de Registro

Sindical da Secretaria de Relações do Trabalho — CGRS para fins de análise.

A entidade sindical registrada no CNES que pretenda efetuar o registro

de alteração estatutária, decorrente de mudança na sua denominação,

base territorial ou categoria representada, deverá protocolizar seu pedido

na SRTE do local onde se encontre sua sede. Por se tratar de alteração


estatutária devem ficar bem claros os objetivos do pedido, o que ocorrerá

com a indicação das modificações estatutárias que o sindicato pretende

realizar e os dados sobre o registro original. Essas alterações dependem

de aprovação da assembleia sindical diante do que devem ser anexadas ao

expediente as necessárias comprovações como edital de convocação dos

membros das categorias representada e pretendida, a indicação nominal

de todos os municípios, Estados e categorias pretendidas, para ser dada

a necessária publicidade da assembleia a publicação da sua convocação

no Diário Oficial da União e em jornal de grande circulação diária na base

territorial com antecedência mínima de dez dias da realização da assembleia

para as entidades com base municipal, intermunicipal ou estadual e de trinta

dias para as entidades com base interestadual ou nacional.

d) Análise do pedido

A análise dos pedidos de registro ou de alteração estatutária será feita

pela CGRS — Coordenação Geral de Registro Sindical, que verificará se

os representados constituem categoria, nos termos da lei, bem como a

existência, no CNES — Cadastro Nacional de Entidades Sindicais, de outras

entidades sindicais representantes da mesma categoria, na mesma base

territorial da entidade requerente.

Na análise, haverá a verificação do cumprimento dos pressupostos

formais e que são:

— caracterização ou não de categoria econômica ou profissional para

fins de organização sindical, nos termos da legislação;

289
— insuficiência ou irregularidade dos documentos apresentados;

— coincidência total de categoria e base territorial do sindicato postulante

com sindicato registrado no CNES — Cadastro Nacional de Entidades

Sindicais;

— base territorial requerida que engloba o local da sede de sindicato,

registrado no CNES, representante de idêntica categoria;

— e desatendimento, ao ser protocolado o pedido, do cumprimento de

todas as formalidades, documentos, atas e indicações cuja falta possa pôr

em risco a caracterização de categoria econômica, profissional ou específica.

e) Publicação do pedido

Depois da análise, o pedido de registro sindical ou de alteração

estatutária será publicado no Diário Oficial da União, com a abertura de

prazo para impugnações.

Constatada a existência de dois ou mais pedidos de registro ou

alteração estatutária com coincidência total ou parcial de base territorial

e categoria, observar-se-á a ordem de data do protocolo do pedido; no

caso de documentação incompleta, atender-se-á aquele que em primeiro

regularizar a documentação. Se os interessados estiverem discutindo o

conflito de representação na via judicial, os processos ficarão suspensos, até

decisão judicial. Serão publicadas no Diário Oficial da União e devidamente

certificadas no processo as decisões de arquivamento, das quais poderá o

interessado apresentar recurso administrativo, na forma do Capítulo XV da

Lei n. 9.784, de 29 de janeiro de 1999.

f) Oportunidade de impugnações
Publicado o pedido de registro sindical ou de alteração estatutária, a

entidade sindical de mesmo grau, registrada no CNES — Cadastro Nacional

das Entidades Sindicais, que entenda coincidentes sua representação e a do

requerente, poderá apresentar impugnação, no prazo de trinta dias, contado

da data da publicação, diretamente no protocolo do Ministério do Trabalho e

Emprego, sendo vedada impugnação por qualquer outro meio.

A impugnação deve ser instruída com os documentos necessários

para a elucidação dos pontos controvertidos, a indicação, clara e objetiva,

dos aspectos conflitantes a serem esclarecidos e a coincidência de base

territorial e da categoria, o que será demonstrado com a cópia do registro

sindical expedido pelo MTE — Ministério do Trabalho e Emprego, com

identificação da base territorial e da categoria representada (art. 37 da Lei

n. 9.784, de 1999).

290

Não são aceitas impugnações coletivas, apresentadas por meio do

mesmo documento por um impugnante a mais de um pedido ou por vários

impugnantes ao mesmo pedido.

As impugnações serão analisadas pela CGRS — Coordenação Geral

de Registro Sindical.

Poderão ser arquivadas se apresentadas em desconformidade com

os requisitos exigidos pela Portaria, inclusive se apresentadas por entidade

sindical de grau diverso da impugnada, salvo se o impugnante tiver procuração

para esse fim. Assim, uma Federação não poderá impugnar um Sindicato e

assim por diante.


A não coincidência de base territorial e categoria entre impugnante e

impugnado também é motivo de arquivamento.

Outra causa de arquivamento será quando a base territorial do impugnado

seja menor que a do impugnante, desde que não englobe o município da sede

do sindicato impugnante e não haja coincidência de categoria específica.

Tal se dá diante do princípio do desdobramento geográfico, segundo o qual

sindicatos da mesma categoria podem ser desdobrados em bases territoriais

menores, uma vez que a regra que prevalece é a facilitação desses

desdobramentos em função do nosso modelo legal. A lei autoriza mais que

isso, permite a dissociação de categorias similares ou conexas (CLT, art.

571), atenuante da rigidez do princípio do sindicato único. Assim, se há um

sindicato nacional, a lei não impede a criação de um sindicato estadual na

mesma categoria. E se há um sindicato estadual, nada impedirá a criação de

um sindicato municipal.

g) Solução das impugnações pela autocomposição

Foi criado um mecanismo autocompositivo de solução das controvérsias

sobre dissociação e desdobramento de categorias, o que é acertado tendo em

vista a demora dos processos judiciais e a necessidade de dar um fim mais

rápido à questão. Não há ilegalidade na criação desse trâmite conciliatório.

Há uma lei que prevê o processo administrativo no âmbito da

Administração Pública Federal (Lei n. 9.784, de 1999) na qual a Portaria,

nesse ponto, fundou-se. A rigor, a natureza do conflito de interesses entre

sindicatos não é uma questão administrativa. Todavia, como a tentativa de

conciliação não significa uma forma de interferência na organização sindical,


mas, apenas, um meio oferecido às partes para que pela autocomposição

encontrem a solução direta das suas divergências, e como a Secretaria das

Relações de Trabalho tem poderes sobre a mediação e a arbitragem (Lei

n. 10.192/01, art. 11, caput, § 4º, Lei n. 4.330/64, arts. 11 e 17, Decreto n.

291

908/93, art. 2º, II, Decreto n. 1.572/95, Portaria n. 1/06 e Portaria n. 817/95),

nada a impede de promover a autocomposição porque essa é uma das

funções do Ministério do Trabalho e Emprego.

Não quer isso dizer que foi afastado o controle judicial nem poderia

ser diante do princípío jurídico do direito à jurisdição como direito público

subjetivo.

O procedimento é simplificado e constituído das seguintes fases:

— notificação das partes por via postal com aviso de recebimento, por

telegrama ou outro meio seguro (§ 3º do art. 26 da Lei n. 9.784, de 1999);

— reunião com os representantes legais das entidades impugnantes e

impugnadas, no âmbito da SRT — Secretaria das Relações de Trabalho ou

da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego da sede da entidade

impugnada, designada com antecedência mínima de quinze dias.

O pedido de registro será arquivado se a entidade impugnada,

devidamente notificada, não comparecer à reunião e o pedido de impugnação

será arquivado e concedido o registro sindical ou de alteração estatutária

se a única entidade impugnante, devidamente notificada, não comparecer à

reunião.

Serão arquivadas as impugnações das entidades que não comparecerem


à reunião, evidentemente no caso de mais de uma impugnação, mantendo-se

o procedimento em relação às demais entidades impugnantes presentes.

As reuniões serão públicas, devendo a pauta respectiva ser publicada

em local visível, acessível aos interessados, com antecedência mínima de

cinco dias da data da sua realização.

Presentes as partes, o Secretário de Relações do Trabalho ou o servidor

por ele designado as convidará para que se pronunciem sobre as bases de

uma possível conciliação.

Da reunião será feita uma ata circunstanciada, assinada por todos os

presentes, da qual constará o resultado da tentativa de acordo.

O acordo entre as partes fundamentará a concessão do registro ou da

alteração estatutária que será concedido após a apresentação de cópia do

estatuto social das entidades, registrado em cartório, com as modificações

decorrentes do acordo, cujos termos serão anotados no registro de todas

as entidades envolvidas no CNES — Cadastro Nacional das Entidades

Sindicais.

Não havendo acordo, o pedido ficará sobrestado até que a Secretaria

de Relações do Trabalho seja notificada do inteiro teor de acordo judicial ou

extrajudicial ou decisão judicial que termine a controvérsia.

292

h) O ato do registro

Registro é o ato do Ministério do Trabalho e Emprego pelo qual uma

entidade sindical é incluída no Cadastro Nacional das Entidades Sindicais,

mas é, também, o documento ou certidão que a entidade registrada passa


a ter para comprovar, perante o Judiciário, o Executivo ou terceiros, essa

sua condição. Nos dissídios coletivos, o registro definirá a representatividade

do sindicato para fins de oposição no processo. O registro, enquanto não

desconstituído por decisão administrativa ou judicial, terá validade e deve

produzir os mesmos efeitos decorrentes do reconhecimento da personalidade

jurídica e sindical. Assim como o CNPJ é o registro das pessoas jurídicas

para fins de direito, o Registro Sindical define a personalidade sindical da

respectiva entidade.

A concessão do registro sindical será feita quando não houver impug-

nações, quando elas tiverem sido arquivadas, quando houver acordo entre

as partes e quando houver determinação judicial dirigida ao Ministério do

Trabalho e Emprego.

Essa concessão, bem como de alteração estatutária, será publicada no

Diário Oficial da União.

i) Cancelamento do registro

O registro sindical somente será cancelado por ordem judicial, na via

administrativa, se constatado vício de legalidade no processo de concessão,

a pedido do próprio requerente e na ocorrência de fusão ou incorporação

entre duas ou mais entidades diante da dissolução, nesses casos, da

entidade sindical anterior.

O cancelamento do registro será publicado no Diário Oficial da União e

anotado, com o motivo, no CNES.

j) Entidades sindicais de grau superior

As federações e confederações também devem registrar-se desde que


constituídas na forma exigida pela lei. É facultado aos sindicatos, quando em

número não inferior a 5 (cinco), desde que representem a maioria absoluta

de um grupo de atividades ou profissões idênticas, similares ou conexas,

organizarem-se em federação (CLT, art. 534). As confederações organizar-

-se-ão com o mínimo de três federações (CLT, art. 535).

Dispõe a Portaria que a filiação de uma entidade de grau inferior a mais

de uma entidade de grau superior não poderá ser considerada para fins de

composição do número mínimo previsto em lei para a criação ou manutenção

de uma federação ou confederação.

293

O órgão, no âmbito das federações e confederações, apto para decidir

em assembleia os pedidos, tanto de registro como de alteração estatutária, é

o conselho de representantes.

Os pedidos de registro ou de alteração estatutária de federações e

confederações poderão ser impugnados por entidades do mesmo grau.

Haverá a análise dos pedidos de impugnações e das alterações no

estatuto, para os fins de preservação do princípio da unicidade sindical.

Dispõe a Portaria que estará configurado um conflito de representação

sindical entre entidades de grau superior quando houver a coincidência entre

a base territorial dos sindicatos ou federações fundadoras da nova entidade

com os filiados da entidade preexistente, caso em que o problema poderá

ser solucionado pelos mesmos meios acima previstos para as soluções

dos conflitos entre sindicatos, sempre restando, como última alternativa, o

processo judicial perante a Justiça do Trabalho (EC n. 45).


Na ocorrência de redução de número mínimo de filiados da entidade de

grau superior, o processo de registro sindical ficará suspenso, até que conste

do CNES nova filiação de entidade de grau inferior, que componha o número

mínimo previsto na CLT.

k) Da criação e do registro dos sindicatos na doutrina

Na doutrina de Evaristo de Moraes Filho, “a evolução da existência do

sindicato na sociedade moderna, surgida depois da Revolução Francesa,

caminhou da luta pela sua própria sobrevivência contra o Estado à

existência junto a esse mesmo Estado”. Nessa época, marcada pelo signo

do liberalismo individualista, o Estado temia que as associações de classe se

transformassem em núcleos revolucionários contra a sociedade constituída e

se colocassem entre ele e os indivíduos.

Na lição de Mario de La Cueva, “o registro dos sindicatos parece

corresponder, em suas origens, a uma ideia política. O Estado temia as

associações ocultas e, ao levantar proibições contra a associação profissional,

exigiu, como um mínimo de defesa, que elas se registrassem; seria então

fácil vigiá-las”.

Alfredo J. Ruprecht, ao tratar dos atos preparatórios de formação

dos sindicatos, esclarece que, como qualquer outro tipo de associação, é

necessário um processo de organização, o qual deve ser examinado a partir

de três perspectivas: política, que é a decisão do Estado ante a constituição

do sindicato; social, que corresponde ao exame das necessidades que têm

os trabalhadores de se unirem na defesa de seus interesses; e jurídica, em

que há a implicação do ato constitutivo e o exame de seus elementos.


294

Segundo Romita, os requisitos impostos por lei à fundação do sindicato

podem ser reunidos em dois grupos: requisitos de fundo e requisitos de forma.

Os primeiros, denominados requisitos de fundo, são aqueles relativos à própria

constituição do grupo, isto é, à qualidade das pessoas que possam participar

da organização e às finalidades do órgão. Assim, o sindicato deverá ser

integrado não por qualquer pessoa, mas por empregados, empregadores ou

profissionais liberais, e a finalidade deverá ser a coordenação dos interesses

dessas classes, pois, do contrário, não haverá sindicato (ex.: entidades de

beneficência, de turismo etc., ainda que compostas por empregados).

No segundo grupo, estão os requisitos de forma, os quais correspondem

às formalidades previstas em lei para que se possa considerar fundado o

sindicato. Tais formalidades, explica Ruprecht, são variáveis, sofrendo

mudanças de acordo com as legislações de cada ordenamento jurídico.

Em geral, são necessárias uma assembleia de fundação, a redação do ato

constitutivo, a aprovação de um estatuto, a designação dos dirigentes, dentre

outras. Não cumpridas as formalidades exigidas, o sindicato não pode ter

vida social. Para Ruprecht, a principal formalidade é a aprovação de seu

estatuto que, dando vida ao sindicato, definirá seus fins, os mecanismos de

sua atividade, as relações de seus membros com terceiros, enfim, tudo o que

se relacione com a vida normal de uma instituição.

Defende Zoraide Amaral de Souza que “o registro de uma determinada

entidade sindical não deve pressupor controle por parte da autoridade do País

para a sua existência ...”, conclui que o registro, como mera formalidade, por
exigência da legislação em vigor, não importa no controle acima mencionado.

Para Romita, os requisitos de forma devem restringir-se à publicidade do ato

de constituição do sindicato, de modo que “se o poder público subordina a

constituição do sindicato à prévia autorização, na realidade nega o princípio

da liberdade de fundação (Convenção n. 87 da OIT), do que se depreende

que dois são os regimes possíveis: a) o da prévia autorização, no qual o

poder público procede a uma análise de mérito, não se tratando de requisito

de cunho meramente formal; e b) o do registro ou depósito dos estatutos,

tratando-se apenas de medidas de publicidade”.

Córdova sustenta que a lei poderia estabelecer requisitos mínimos para

a constituição de um sindicato, mas esses requisitos devem ser razoáveis e

adequados no sentido de garantir a capacidade de o sindicato desempenhar

suas funções de defesa dos interesses dos trabalhadores. A legislação poderia,

por exemplo, estabelecer um número mínimo de membros necessários para

a constituição válida de um sindicato; todavia, esse número não deve ser

rígido nem exagerado ou constituir um obstáculo para sua formação.

Referindo-se à expressão sem autorização prévia, entende Córdova que

ela significa “o direito a existir, independentemente de qualquer permissão ou

295

licença outorgada pelas autoridades públicas. Essas poderiam requerer o

registro dos sindicatos para fins de publicidade ou qualquer outra formalidade

que lhes parecesse adequada, a fim de assegurar o funcionamento normal

das organizações profissionais. Não lhes seria permitido, porém, condicionar

a formação de um sindicato a uma autorização discricionária nem colocar


obstáculos ou dilações que resultassem na invalidação do processo de

constituição de um sindicato”.

No entendimento da OIT, a obrigação de se proceder ao registro não é

necessariamente incompatível com a Convenção n. 87.

O alcance das faculdades discricionárias das autoridades é, na prática, o

critério a que, com maior frequência, se recorre para examinar a conformidade

com a Convenção, sobretudo no que concerne à possibilidade de recursos

às autoridades judiciárias contra qualquer decisão na matéria, sendo que

estas últimas apenas deverão negar o pedido de registro em consequência

de fatos graves e devidamente comprovados. O alcance das faculdades

discricionárias é, também, o critério “aplicável nos casos de um procedimento

de registro excessivamente longo e complicado; de qualquer regulamentação

relativa ao registro que se aplique desvirtuando sua legítima finalidade, ou

de um texto legal tão impreciso que favoreça o uso excessivo de uma ampla

margem de apreciação por parte das autoridades administrativas”.

l) Da criação e registro sindical sob a perspectiva da Convenção n. 87

da OIT

Não é demais, para concluir, analisar o tema sob a perspectiva da

Convenção n. 87 da OIT, padrão internacional de liberdade sindical, e que

reflete os princípios e valores desenvolvidos pelos países europeus nas lutas

que empreenderam para escapar da ilegalidade e também da arbitrariedade

do Estado.

O art. 2º da Convenção n. 87 reconhece aos trabalhadores e emprega-

dores, sem nenhuma distinção e sem autorização prévia, o direito de consti-


tuir as organizações que julgarem convenientes.

A Portaria n. 326 não contraria a jurisprudência do Comitê de Liberdade

Sindical da Organização Internacional do Trabalho.

O Verbete n. 294 dispõe que, se as condições para conceder o registro

equivalem a exigir uma autorização prévia das autoridades públicas para

a constituição e para o funcionamento de um sindicato, estar-se-ia diante

de uma manifesta infração da Convenção n. 87. Não obstante, não parece

ser este o caso quando o registro dos sindicatos consiste unicamente numa

formalidade cujas condições não são de tal natureza que exponham a perigo

as garantias previstas na Convenção.

296

O Verbete n. 295 estabelece que o direito ao reconhecimento mediante o

registro oficial é um aspecto essencial do direito de sindicalização, já que este

é a primeira medida que devem adotar as organizações de empregadores

e de trabalhadores para poderem funcionar eficazmente e representar

adequadamente seus membros.

O Verbete n. 298 declara que uma disposição por meio da qual se possa

negar o registro de um sindicato se este está prestes a realizar atividades

que possam representar uma ameaça grave para a segurança e a ordem

públicas poderia dar lugar a abusos e sua aplicação exige a maior prudência

possível. Não se deveria negar o registro senão em virtude de fatos graves

e devidamente comprovados, normalmente sob o controle da autoridade

judicial competente.

O Verbete n. 299 afirma que a obrigação imposta às organizações


sindicais de conseguir o consentimento de uma central sindical para poder

ser registrada deveria ser suprimida.

O Verbete n. 300 dispõe que deveria existir o direito de apelar aos

tribunais contra qualquer decisão administrativa em matéria de registro de

uma organização sindical. Este recurso constitui uma garantia necessária

contra as decisões ilegais ou infundadas das autoridades encarregadas

desse registro.

O Verbete n. 301 declara que a decisão de proibir o registro de um

sindicato que havia sido reconhecido legalmente não deve ter efeito antes de

transcorrido o prazo legal sem que se tenha interposto o recurso de apelação

ou que a decisão tenha sido confirmada em apelação pela autoridade judicial.

O Verbete n. 302 afirma que nos casos em que o encarregado do registro

precisa basear-se em seu próprio critério para decidir se um sindicato reúne

as condições para ser registrado — ainda que sua decisão possa ser objeto

de apelação aos tribunais —, o comitê considerou que a existência de um

recurso judicial de apelação não parece ser uma garantia suficiente; com

efeito, não modifica o caráter das faculdades concedidas às autoridades

encarregadas da inscrição, e os juízes diante dos quais se submetem tais

recursos não terão mais possibilidade de assegurar que a legislação tenha

sido corretamente aplicada. O comitê chamou a atenção para a conveniência

de definir claramente na legislação as condições precisas que os sindicatos

deverão cumprir para poderem ser registrados e de prescrever critérios

específicos para determinar se essas condições se cumprem ou não.

O Verbete n. 303 dispõe que, quando as dificuldades em relação à


interpretação de normas sobre a inclusão dos sindicatos nos registros

estatais pertinentes criam situações em que as autoridades competentes

abusam de suas competências, podem surgir problemas de compatibilidade

com a Convenção de n. 87.

297

O Verbete n. 304 estabelece que os juízes devem poder conhecer as

substâncias das questões relativas à negativa do registro, a fim de determinar

se as disposições em que se baseiam as medidas administrativas recorridas

infringem ou não os direitos que a Convenção n. 87 reconhece a organizações

profissionais.

O Verbete n. 305 enuncia que o controle normal da atividade dos

sindicatos deveria ser efetuado a posteriori pelo juiz; o fato de que uma

organização que busca se beneficiar do estatuto de sindicato profissional

possa envolver-se, em determinado caso, em uma atividade alheia à sindical

não parece constituir um motivo suficiente para que as organizações sindicais

sejam submetidas ao controle a priori no que diz respeito a sua composição

ou à composição de sua comissão gestora. O fato de negar o registro de um

sindicato porque as autoridades, de antemão e por juízo próprio, consideram

que pudesse ser politicamente indesejável seria equivalente a submeter o

registro obrigatório de um sindicato a uma autorização prévia por parte das

autoridades, o que não é compatível com as disposições da Convenção

n. 87.

O Verbete n. 306 pronuncia que em um sistema jurídico no qual o registro

de uma organização de trabalhadores é facultativa, o fato de estar registrada


pode conferir a uma organização algumas vantagens importantes, como

imunidades especiais, isenções fiscais, o direito a ser reconhecida como única

representante para negociação etc. Para conseguir esse reconhecimento,

pode-se exigir que uma organização cumpra algumas formalidades que não

equivalem à autorização prévia e que normalmente não trazem nenhum

problema no que se refere às exigências da Convenção de n. 87.

O Verbete n. 307 dispõe que a demora do procedimento de registro

constitui um grave obstáculo à constituição de organizações e equivale à

negação do direito dos trabalhadores a constituírem organizações sem

autorização prévia.

O Verbete n. 308 enuncia que é considerado razoável o prazo de um

mês para o registro de uma organização.

Como se vê, a Portaria não contraria o direito ao registro nos termos

estabelecidos pela Organização Internacional do Trabalho, e o Ministério

do Trabalho e Emprego certamente cuidará para que essas diretrizes não

venham a ser contrariadas.

m) Conclusão

A Portaria n. 326 editada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, em

2013, não contraria os princípios da Convenção n. 87 da OIT, uma vez que

não interfere na liberdade sindical e as exigências formais que faz são de

298

mera forma, e não de fundo, embora a documentação que os sindicatos

terão de apresentar quer para o registro, quer para as alterações estatutárias

sejam minuciosas, mas não impeditivas dos atos que praticarão.


3. CADASTRO NACIONAL DE ENTIDADES SINDICAIS

O Cadastro Nacional das Entidades Sindicais é órgão integrante

da estrutura da Secretaria das Relações de Trabalho do Ministério do

Trabalho e Emprego, perante a qual está vinculado, tendo como finalidade

promover, como o nome indica, o registro sindical. Passou a exercer

as atribuições antes conferidas ao denominado Arquivo Brasileiro de

Entidades Sindicais.

Foi criado pela Instrução Normativa GM/MTb n. 3, de 10 de agosto

de 1994, art. 2º, nos seguintes termos: “A Secretaria de Relações do

Trabalho organizará o Cadastro Nacional das Entidades Sindicais,

com os estatutos das entidades registrada e a especificação: I — das

categorias ou profissões representadas pelos sindicatos e, respectivas

bases territoriais; II — dos grupos de categorias correspondentes às

federações; III — dos ramos econômicos ou profissionais concernentes

às confederações nacionais”.

A Portaria n. 326, de 2013, dispõe sobre registro de entidades sindicais

na Secretaria das Relações de Trabalho, e Cadastro Nacional das Entidades

Sindicais.

O site do Ministério incluiu no organograma da Secretaria das Relações

de Trabalho a Coordenação-Geral do Registro Sindical e a Divisão de

Cadastro Nacional das Entidades Sindicais.

Mais recentemente, a Portaria MTE n. 326/2013 veio a regular o re-

gistro das entidades sindicais de primeiro grau, os sindicatos. De forma

bastante detalhada e criteriosa, tal norma administrativa trata da solicitação


de registro sindical, onde prevê a forma como pode se dar a fusão entre

sindicatos, a solicitação de registro de alteração estatutária, onde regula a

questão da incorporação sindical. Além disso, ao tratar da análise e decisão

sobre o pedido de registro, regula a forma como a análise e a publicação

dela ocorrerá, a questão relativa às impugnações (prevendo os requisitos e

a análise das mesmas), a solução dos conflitos que podem surgir, o deferi-

mento, indeferimento e do arquivamento do pedido bem como da suspen-

são e sobrestamento dos processos. Por fim, tal Portaria trata do registro

do sindicato no AESB, desde a inclusão e anotação no CNES, a suspensão

e cancelamento do registro sindical, bem como dispõe sobre a atualização

dos dados cadastrais.

299

4. CARTÓRIO DE REGISTRO DE PESSOAS JURÍDICAS

O sindicato, para adquirir personalidade jurídica, deve registrar-se em

cartório civil?

Há duas posições diferentes.

Primeira, a da aquisição da personalidade jurídica de uma associação,

questão disciplinada pelo Código Civil, art. 44, segundo o qual são pessoas

jurídicas de direito privado, entre outras enumeradas pelo mencionado

dispositivo legal, as associações; e art. 48, de acordo com o qual começa a

existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do

ato constitutivo no respectivo registro. No caso do sindicato, o registro é feito

no Ministério do Trabalho e Emprego. Não é nulo registro em órgão diferente

do Cartório Civil. O registro das sociedades de advogados se faz na Ordem


dos Advogados do Brasil. Desse modo, pode-se concluir que basta o registro

ministerial para a aquisição da personalidade jurídica do sindicato.

Segunda interpretação, seria a análoga a alguns sistemas jurídicos,

como o argentino, que distingue dois tipos de personalidade, a sindical,

que denomina personeria gremial, e a comum, de modo que todo sindicato

tem personalidade jurídica como associação, mas somente o registro no

órgão próprio confere personalidade sindical e, em decorrência, poderes

de representação da categoria. A ser aceita essa colocação, ter-se-ia de

distinguir, em nosso ordenamento, os dois registros e seus efeitos, de modo

semelhante ao dos outros regimes sindicais que adotam essa distinção.

De qualquer modo, o principal é o registro ministerial, pois sem ele o

pretenso sindicato não será considerado como tal e não terá as prerrogativas

conferidas aos sindicatos pelo art. 513 da CLT.

O registro dos sindicatos é regularizado perante a Secretaria das

Relações de Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego e o Cadastro

Nacional das Entidades Sindicais. O registro dos estatutos em Cartório Civil

é exigido pela Portaria n. 326, de 2013.

5. CERTIDÃO DE REGISTRO

Certidão de registro sindical é o documento expedido pelo Ministério do

Trabalho e Emprego certificante da regularidade do registro da nova entidade

sindical no Cadastro Nacional das Entidades Sindicais.

Antes de 1988, o documento que cumpria função semelhante era a Carta

Sindical, hoje abolida, porque não há mais necessidade de pedir ao Estado

o reconhecimento. Mas há necessidade de registro do sindicato no mesmo


órgão, e este tem poderes muito mais limitados para a verificação do referido

pedido, limitando-se, quase que por completo, à análise de aspectos formais

300

sem entrar em indagações de mérito da pretensão. Atua, unicamente, como

guardião do princípio do sindicato único para evitar a sua violação, porque

não lhe compete analisar ou intervir sobre a conveniência ou oportunidade

do desmembramento, desfiliação, dissociação ou situações assemelhadas.

A certidão de registro sindical é prevista na Portaria n. 326, de 2013,

e é decorrência da decisão do referido órgão sobre o pedido de fundação

do sindicato, e desde que não tenha havido impugnação de entidade

sindical do mesmo grau conhecida pelo Ministério. Nesse caso, não será

expedida a certidão de registro, dispondo a mesma Portaria que, no caso

de a impugnação ser conhecida, o registro não será concedido, cabendo às

partes interessadas dirimir o conflito pela via consensual ou por intermédio

do Poder Judiciário.

A certidão pode também ser expedida com ressalvas quanto à existência de

impugnação judicial, caso em que deixará claro que o pretenso sindicato ainda

não completou o procedimento integral de registro e, portanto, de fundação.

Havendo impugnação judicial, o Ministério, até que seja notificado do

inteiro teor do acordo entre os interessados ou da sentença judicial final que

decidir a controvérsia, sobrestará o pedido de registro.

A Secretaria das Relações de Trabalho do MTE publicou, em 12 de

junho de 2001, a Portaria n. 12, de 3 de maio de 2001, dispondo que as

entidades sindicais que obtiveram registro até a data de 5 de agosto de 1988


continuarão a utilizar a carta sindical para comprovar a representatividade; já

as entidades sindicais que obtiveram registro após essa data devem requerer

renovação de sua Certidão de Registro Sindical perante esse órgão, porque

esse documento passou a ter a validade de dois anos.

As entidades sindicais que não tenham a referida certidão devem requerê-

-la e as que já a possuem devem renová-la. Os acordos e convenções coletivas

de trabalho são depositados no MTE mediante apresentação dessa certidão.

A Portaria n. 50, de 31.1.2002, do MTE deu caráter definitivo às certidões

de registro sindical emitidas antes delas, dispensando a sua renovação, e

instituiu um modelo para a certidão.

Nos processos judiciais em que se discute a representatividade sindical,

pode o Tribunal solicitar a apresentação do registro e solucionar a questão,

levando em conta esse aspecto.

6. IMPUGNAÇÃO ADMINISTRATIVA

A impugnação do registro de um sindicato pode ser feita por outro

sindicato. Federações e Confederações não têm legitimidade procedimental

301

para fazê-lo. O prazo para impugnação é de 30 dias a contar da publicação

no Diário Oficial do pedido de registro.

Publicado o pedido de registro sindical ou de registro de alteração

estatutária, a entidade sindical de mesmo grau registrada no CNES e a

entidade com o processo de pedido de registro sindical publicado no DOU,

mesmo que se encontre sobrestado, poderá apresentar impugnação, no

prazo de trinta dias, contado da data da publicação de que trata art. 16, nos
termos da Lei n. 9.784, de 1999, diretamente no Protocolo Geral da Sede do

MTE, devendo instruí-la com o comprovante previsto no inciso VIII do art. 3º

e com os seguintes documentos:

I — requerimento, que deverá identificar, por meio do CNPJ, a entidade ou entidades

conflitantes, indicar a coincidência existente de base territorial e/ou de categoria e se o

conflito se encontra no registro ou no pedido em trâmite.

II — documento comprobatório do registro sindical expedido pelo MTE ou comprovante

de publicação do pedido de registro, ressalvada ao interessado a utilização da faculdade

prevista no art. 37 da Lei n. 9.784, de 1999;

III — estatuto social que comprove a existência do conflito identificado, nos termos do

inciso I deste artigo;

IV — atas de eleição e apuração de votos da diretoria e de posse, na forma do inciso

III do art. 38; e

V — cópia do requerimento de atualização sindical, extraído do endereço eletrônico

www.mte.gov.br, devidamente preenchido, assinado e protocolizado no MTE, quando a

entidade sindical possuir registro deferido.

§ 1º A entidade impugnante que estiver com suas informações atualizadas no CNES fica

dispensada da apresentação dos documentos previstos nos incisos III, IV e V deste artigo.

§ 2º As impugnações deverão ser individuais e se referirem a um único pedido de registro.

As impugnações serão arquivadas pelo Secretário de Relações do

Trabalho, após análise pela CGRS, nas seguintes hipóteses:

I — inobservância do prazo previsto no caput do art. 17;

II — insuficiência ou irregularidade dos documentos apresentados, na forma do art. 17;

III — não coincidência de base territorial e categoria entre as entidades indicadas como
conflitantes;

IV — perda do objeto da impugnação, ocasionada pela retirada do conflito;

V — desistência da impugnação pelo impugnante;

VI — se o impugnante alegar conflito preexistente ao objeto da alteração estatutária;

VII — se apresentada por diretoria de sindicato com mandato vencido, exceto quando,

no momento da impugnação, a entidade comprovar ter protocolizado a atualização de

dados de Diretoria, e esta atualização ter sido validada;

VIII — quando o impugnante deixar de apresentar comprovante de pagamento da taxa

de publicação; ou

302

IX — na hipótese de impugnação apresentada por entidade de grau diverso da entidade

impugnada, salvo por mandato.

Na hipótese da invalidação da atualização de diretoria tratada no inciso

VII, a impugnação será arquivada.

A mudança de sede de entidade sindical preexistente ocorrida após a

assembleia de fundação da nova entidade não será considerada para fins de

conflito de sede.

Nos casos em que a impugnação recair sobre processos de dissociação

e desmembramento, a SRT notificará a entidade impugnada para realizar

nova assembleia, no prazo máximo de noventa dias da notificação, para

ratificar ou não o pedido, cumprindo os requisitos previstos nos incisos II, III

e VII do art. 3º, no que couber.

As impugnações que não forem arquivadas, conforme disposto no art.

18, e não se refiram a processos de desmembramento e dissociação, serão


remetidas ao procedimento de mediação previsto nos arts. 22 a 24 da Portaria.

O pedido de desistência de impugnação, assinado por representante

legal da entidade impugnante, somente será acolhido se em original, com

firma reconhecida, acompanhado da ata da assembleia que decidiu pela

desistência, e apresentado diretamente no protocolo geral da sede do MTE.

7. IMPUGNAÇÃO JUDICIAL

Por impugnação judicial designam-se, de modo genérico, todos os

meios judiciais utilizados para provocar a prestação jurisdicional, tendo em

vista as questões suscitadas pelo registro de sindicatos.

O meio judicial adequado depende do ato que se quer discutir e de

quem o gerou, uma vez que de acordo com esses aspectos altera-se a

competência jurisdicional e o tipo de processo a ser ajuizado.

Contra ato do Secretário de Relações de Trabalho que acolhe ou

impugna registro de entidade sindical é cabível: 1) mandado de segurança

interposto na Justiça do Trabalho; 2) ação ordinária na mesma Justiça.

Sindicato pode ingressar contra sindicato, na disputa de representação,

com mais de um tipo de ação: 1) ação declaratória perante uma das Varas

do Trabalho; 2) ação cautelar inominada na mesma Justiça; 3) ação ordinária

também na Justiça do Trabalho.

Em dissídios coletivos nos Tribunais do Trabalho, o interessado pode

pleitear o seu ingresso na relação jurídica processual na qualidade de terceiro

interveniente mediante oposição.

303

CAPÍTULO 27
REPRESENTATIVIDADE SINDICAL

1. SIGNIFICADOS DA EXPRESSÃO

Vimos que a expressão representatividade entrou em nossa linguagem

doutrinária e que somente com a Lei das Centrais ganhou o plano legal.

Com efeito, dispõe a Lei, atual redação do art. 589 da CLT, que a central

sindical deverá atender aos requisitos de representatividade previstos

na legislação específica sobre a matéria e indica os requisitos para que a

Central tenha representatividade e que são: I — filiação de, no mínimo, 100

(cem) sindicatos distribuídos nas 5 (cinco) regiões do País; II — filiação em

pelo menos 3 (três) regiões do País de, no mínimo, 20 (vinte) sindicatos

em cada uma; III — filiação de sindicatos em, no mínimo, 5 (cinco) setores

de atividade econômica; e IV — filiação de sindicatos que representem,

no mínimo, 7% (sete por cento) do total de empregados sindicalizados em

âmbito nacional e que a aferição dos requisitos de representatividade será

realizada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, bem como que o Ministro

de Estado do Trabalho e Emprego, mediante consulta às centrais sindicais,

poderá baixar instruções para disciplinar os procedimentos necessários à

aferição dos requisitos de representatividade, bem como para alterá-los.

Na análise dos índices de representatividade e em decorrência da lei, o

gabinete do ministro baixou em 2099 despacho considerando representativas

a Central Única dos Trabalhadores com índice de representatividade de

36,79%; Força Sindical, índice de representatividade de 13,10%; União

Geral dos Trabalhadores — UGT, índice de representatividade de 7,19%;

Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil — CTB, índice de


representatividade de 6,12%; Nova Central Sindical de Trabalhadores —

NCST, índice de representatividade de 5,47% e CGTB — Central Geral dos

Trabalhadores do Brasil, índice de representatividade de 5,02%.

Assim, numa primeira acepção, representatividade significa o

preenchimento por uma central, dos requisitos exigidos pela lei para que

possa apresentar-se como representante de um grupo de sindicatos e dos

respectivos trabalhadores, perante o ordenamento jurídico.

Num segundo sentido, representatividade quer dizer quase o mesmo

que modelo sindical.

Vimos que a Itália viveu a experiência de uma forma de organização

sindical com o modelo de representatividade confederal como meio de

304

combater a excessiva proliferação de sindicatos (art. 19 do Statuto dei

Lavoratori), para presumir a maior representatividade pela filiação do

sindicato às cúpulas sindicais em âmbito nacional em detrimento do âmbito

da empresa. Mas chegou à conclusão de que a representatividade em

âmbito nacional não correspondia à realidade das bases, como, também,

não correspondia à realidade a contratação coletiva articulada que era o

poder das cúpulas de fixar, na negociação coletiva, parâmetros máximos e

mínimos de reajustes para que restasse às bases negociar somente dentro

desses parâmetros.

Assim, como mostramos, comenta Antonio Vallebona ( Istituzioni di

diritto del lavoro, diritto sindacale, 1998, p. 89) que é na atuação em nível

de empresa e não em nível de cúpula que a representatividade passou a ser


medida. A lei italiana que antes se ocupava da representatividade em nível

confederativo passou a dar força às bases.

Mostramos, também, que a experiência italiana, como a espanhola,

nos indicam que a representatividade de um sindicato de base não pode ser

aferida pela sua inscrição em uma Central ou uma Confederação porque a

representatividade destas não é difusa sobre as bases, sendo premissa falsa

concluir que há uma relação entre os dois níveis.

Numa terceira interpretação, representatividade é o mesmo que força

social de que dispõe um sindicato para fazer valer, perante a sociedade,

a sua capacidade de organização e de ação comandando um grupo de

trabalhadores.

2. REPRESENTATIVIDADE QUANTO À

FORÇA DE ATUAÇÃO DO SINDICATO

É certo que representatividade como força social, o que a difere de

representação oficial na qual pode ou não haver correspondência com essa

força, deve ser aferida com base em requisitos que podem ser considerados

os mesmos exigidos pela das Centrais e que são três, reportando-nos aqui

ao que foi escrito neste livro em “A verificação da representatividade”. O

primeiro requisito é a consistência numérica, entendida como o número

de trabalhadores representados pelo Sindicato, sócios ou não sócios do

sindicato. O segundo é a a abrangência territorial, que quer dizer o espaço

geográfico em que atua o sindicato, o local ou municipal, o estadual e o

nacional. O terceiro é a abrangência categorial, que é a constatação dos

segmentos da atividade econômica cobertos pelo sindicato.


Esses requisitos, exigidos, pela nossa lei, das Centrais, podem ser

aplicados aos sindicatos por analogia.

305

3. BASE TERRITORIAL DE ATUAÇÃO E DESMEMBRAMENTO

Base territorial de atuação é o espaço no qual a entidade sindical exerce

a sua representação.

A Consolidação das Leis do Trabalho (art. 517) faculta a criação de

sindicatos distritais, municipais, intermunicipais, estaduais e interestaduais,

excepcionalmente nacionais. A delimitação da base territorial competia ao

Ministro do Trabalho (CLT, art. 517, § 1º).

A Constituição Federal de 1988 (art. 8º) modificou, substancialmente, o

critério de definição da base geográfica de atuação do sindicato. Dispõe que

essa base será definida pelos trabalhadores ou empregadores interessados,

não podendo ser inferior à área de um Município.

A faculdade atribuída aos sindicatos para delimitar a sua base territorial

pressupõe o respeito à unicidade sindical. Não obstante, são naturais e

frequentes os problemas de disputa de bases territoriais.

O Ministério do Trabalho e Emprego definia bases territoriais. Agora, são

os próprios sindicatos que as definem. A extensão é direta, por disposição

estatutária do sindicato, respeitada a unicidade sindical. Atingirá espaços

não cobertos pela representação de outro sindicato. Se as atingir, surgirá

uma disputa de base territorial.

Algumas regras devem ser delineadas para a solução dos naturais

conflitos sobre bases territoriais. A importância da discussão está em que é a


base territorial que indicará o espaço de atuação do sindicato.

A primeira forma de resolvê-los é o acordo direto entre os sindicatos. A

segunda é a discussão judicial.

A base territorial é definida pelo próprio sindicato quando é criado. Os

seus estatutos e nome a indicam. Por exemplo: Sindicato dos Advogados

do Estado de São Paulo, Sindicato dos Bancários de Curitiba etc. Há bases

territoriais nacionais, interestaduais, estaduais, intermunicipais e municipais,

em correspondência com o que dispõe a lei.

Um sindicato nacional pode sofrer a investida de outro sindicato sobre a

sua base de atuação. Em alguns casos, o fracionamento de uma base terri-

torial é lícito. Um sindicato estadual pode perder parte da sua base territorial.

É o que se verifica quando é criado um sindicato municipal. Um sindicato na-

cional pode perder parte da base territorial para um sindicato estadual. Logo,

a dissociação de bases territoriais não é ilícita.

A que órgão compete deliberar sobre dissociação? Não é o Ministério

do Trabalho e Emprego, porque está proibido, pela Constituição de 1988

306

(art. 8º), de interferir na organização sindical. As entidades sindicais de grau

superior também não estão investidas de poder legal para esse fim. Segue-

-se que a dissociação de bases resulta do pedido de registro de um novo

sindicato, o que está sendo fundado nos mesmos trâmites previstos para a

fundação de um sindicato novo.

O processo de desmembramento se desenvolve no sentido do geral

para o especial. A perda de base territorial, como de parte da categoria,


pode trazer prejuízos ao sindicato: a perda das contribuições sindicais antes

recolhidas na área desmembrada, a aplicação das convenções coletivas

— uma vez que, perdendo a representação sobre a área desmembrada, o

sindicato não a terá para agir em nome dos anteriores representados. Esses

poderes transferem-se, automaticamente, para o sindicato adquirente da

base. Duas situações, de efeitos análogos mas diferentes, são a perda de

representação pela redução da base territorial e a perda da representação

pelo desmembramento de categorias na mesma base ou pela criação de

sindicatos de categorias diferenciadas ou categorias específicas onde

antes estavam representadas, pelo mesmo sindicato, atividades similares

e conexas. O que hoje é uma atividade similar, amanhã poderá ser uma

atividade específica agrupada em categoria própria.

O Tribunal Superior do Trabalho tem jurisprudência autorizando a criação

de sindicatos por desmembramento: “A iterativa jurisprudência desta Eg.

Corte é no sentido de admitir a fundação de sindicato por desmembramento

desde que respeitados os requisitos legais de sua constituição (convocação

da categoria e deliberação, registro civil no AESB-MTB, inexistência de

disputa judicial pela representatividade da categoria), observando-se o

princípio constitucional da unicidade na base territorial ...” (TST, SDC, RODC

n. 239.943/96, Ac. n. 809, j. 16.6.1997, Rel. Min. Moacyr Roberto Tesch

Auersvald, DJ 8.8.1997, p. 35.848.)

307

CAPITULO 28

ENQUADRAMENTO SINDICAL
1. OBSERVAÇÕES INICIAIS

Qual é o significado da expressão enquadramento sindical?

O sentido das palavras pode mudar na conformidade da alteração das

circunstâncias em que as ideias por elas expressadas modificam-se também,

como acontece com enquadramento sindical.

Antes de 1988, enquadramento sindical, nome do Capítulo II do Título

V da CLT, é expressão que aparece no art. 570, que se refere ao quadro de

atividades e profissões ou subdivisões que, sob proposta da extinta Comissão

de Enquadramento Sindical, eram criadas pelo Ministério do Trabalho; e no

art. 577, que faz menção ao quadro de atividades e profissões, que fixa o

plano básico de enquadramento sindical. Os sindicatos, por ato do Ministério

do Trabalho e Emprego, uma vez reconhecidos, e com a carta sindical,

passavam a representar uma categoria. A categoria, portanto, é a dimensão

unitária de uma atividade econômica ou profissional. É um vínculo com força

atrativa sobre as empresas que exercem atividade idêntica, similar ou conexa

ou sobre os trabalhadores em situação de emprego comum.

Nesse contexto, enquadramento sindical tem uma dimensão coletiva,

entendendo-se como tal a definição do grupo a que uma empresa, tendo

em vista o tipo de atividade que exerce, pertence automaticamente na forma

do quadro a que se refere o art. 577 da CLT, e, também, o grupo que um

trabalhador, por seu lado, integra, grupo esse que terá um sindicato para

representá-lo.

Após a Constituição Federal de 1988, extinta a Comissão de Enquadra-

mento Sindical e, com isso, a sua função de definir qual o grupo coletivo que
um sindicato representa, o enquadramento sindical tem outro significado.

Não designa um ato do Poder Público, uma vez que a Constituição Federal

de 1988, art. 8º, veda a intervenção e a interferência deste na organização

sindical, proibição interpretada pelo Poder Executivo como limite da sua

atuação para preservar a liberdade de organização sindical. Porém, como o

sistema sindical continua o de sindicatos por categorias, o enquadramento

sindical ainda é expressão útil para o fim de definir um grupo. A diferença

é que o enquadramento sindical opera-se, hoje, tendo em vista a necessi-

dade de respeitar o princípio do sindicato único mantido pelo art. 8º, II, da

308

CF/1988, de modo natural, resultando, simplesmente, do tipo de atividade

econômica e de exercício profissional, independentemente de qualquer ato

formal do Ministério.

Com efeito, em decorrência do enquadramento sindical oficial, pro-

movido pelo órgão competente, a Comissão de Enquadramento Sindical

do Ministério do Trabalho, anteriormente à Constituição Federal de 1988,

sempre houve diversas categorias econômicas, como, por exemplo, a da

indústria de papel, celulose e pasta de madeira para papel e a da indústria

de artefatos de papel, papelão e cortiça, premissa que também definia não

só o enquadramento sindical e a investidura sindical como a aplicação dos

instrumentos coletivos pertinentes à respectiva categoria.

A Comissão de Enquadramento Sindical do Ministério do Trabalho, órgão

que na época tinha atribuições legais de dirimir dúvidas sobre enquadramento

sindical, mediante decisão proferida, solucionava a questão tendo em vista


a atividade preponderante da empresa. A competência do referido órgão,

atualmente extinto como resultado dos novos princípios estabelecidos, a

partir de 5.10.1988, pela Constituição Federal, fundou-se no então vigente

art. 576, § 6º, da CLT, in verbis: “Além das atribuições fixadas no presente

Capítulo e concernentes ao enquadramento sindical, individual ou coletivo,

e à classificação das atividades e profissões, competirá também à CES

resolver, com recurso para o Ministro do Trabalho e Previdência Social,

todas, as dúvidas e controvérsias concernentes à organização sindical”.

Assim, o correto enquadramento sindical de uma empresa era o definido

pela Comissão de Enquadramento Sindical, do Ministério do Trabalho, em

decisão administrativa. A Constituição Federal de 1988, art. 8º, I, declarou:

“Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte:

I — a lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de

sindicato, ressalvado o registro no órgão competente, vedadas ao Poder

Público a interferência e a intervenção na organização sindical; (...)”. Decisão

da Comissão de Enquadramento Sindical somente poderia ser modificada

por decisão judicial. Logo, hoje, a concessão de Certidão de Registro de

entidade sindical, bem como o respectivo registro no Cadastro Nacional das

Entidades Sindicais, também podem ser modificados por decisão judicial.

Empresas com estabelecimentos ou unidades em diversas localidades

devem seguir alguns critérios para superar os problemas que enfrentarão

quanto ao enquadramento sindical.

O critério geral que deve prevalecer quanto ao sindicato representativo

dos trabalhadores e o das empresas é o local da base territorial sindical


em que se situam. Nem sempre há coincidência dos tipos de sindicatos

existentes em cada base territorial. A empresa deverá efetuar o levantamento

para, em cada localidade, solucionar a questão de modo específico.

309

Quais são as regras básicas a serem observadas?

Quando, em cada base territorial, atua um sindicato de categoria

diferenciada, este terá preferência e será aquele em que os respectivos

profissionais enquadram-se automaticamente.

É o caso de motoristas, secretárias, engenheiros, médicos, advogados,

ascensoristas, desenhistas técnicos ou industriais, telefonistas em geral,

técnicos de segurança do trabalho, vendedores etc., uma vez que esses

tipos de profissionais geralmente, com atuação numa base territorial local

ou estadual, têm sindicatos próprios, para os quais devem ser efetuados

os recolhimentos de contribuições sindicais, assistenciais e mensalidades

sindicais dos respectivos profissionais e aplicadas as cláusulas das

convenções coletivas de trabalho de cada um desses sindicatos.

Quanto aos demais empregados de outras profissões que não estão

organizadas como categorias diferenciadas — como as correspondentes às

demais funções gerais da empresa —, são representados pelo sindicato,

na localidade, por meio do representante dos trabalhadores, de qualquer

profissão ou função, da atividade preponderante da empresa.

A categoria de uma empresa será “indústria” se a sua atividade

preponderante é industrial. Reunirá todos os empregados de qualquer

atividade, menos os que, a exemplo dos acima relacionados, integram


categoria diferenciada com atuação na base geográfica sindical. À falta de

sindicato de categoria diferenciada, esses profissionais são incluídos na

categoria preponderante.

O quadro do enquadramento sindical do Ministério do Trabalho e Em-

prego pode ser consultado, mas sua utilidade não passará de mero conjunto

de dados para informação. Esse quadro não foi mais atualizado pelo Ministé-

rio a partir de 1988, e, como surgiram desdobramentos e novos sindicatos, a

empresa com estabelecimentos e filiais em diversas localidades, para situar-

-se melhor, deve fazer uma consulta a cada filial para que na localidade seja

verificado se existe algum sindicato novo específico representativo da sua

atividade preponderante ou se há sindicato representativo de categoria dife-

renciada com base territorial que alcance a área geográfica onde se localiza

a unidade da empresa.

Para fins práticos, sugerimos que se faça o levantamento da “árvore

sindical” da empresa, mediante consulta a ser encaminhada a cada filial,

indagando:

a) existem sindicatos de categorias diferenciadas representando profis-

sões na base territorial?

b) qual é a atividade preponderante exercida pelo estabelecimento na

base territorial?

310

c) para que sindicato, na localidade, a empresa vem recolhendo

contribuições sindicais e assistenciais?

d) convenções coletivas e acordos coletivos de que sindicato vêm sendo


aplicados na base territorial?

e) quais os sindicatos de trabalhadores, existentes na base territorial

— com base municipal, intermunicipal ou estadual —, representativos das

atividades que mais se aproximam às desenvolvidas pela empresa no local?

f) caso os trabalhadores na base territorial não estejam organizados

em sindicato, qual é a federação sindical de trabalhadores mais próxima da

atividade que exercem?

g) quais são os sindicatos patronais existentes na área territorial da

localidade, representativos da atividade coincidente com as preponderantes

da empresa na mesma localidade?

h) quais os sindicatos que reivindicam, se houver essa situação, a

representação, na localidade: i) dos trabalhadores; ii) da empresa?

As empresas estão obrigadas a cumprir os instrumentos coletivos

firmados pelo sindicato patronal da sua categoria, mas não de outra categoria.

A aplicabilidade desses instrumentos é restrita à esfera de representação

dos sindicatos das categorias econômica e profissional. O fundamento é

o disposto na CLT, art. 611, caput, segundo o qual convenção coletiva de

trabalho “é o acordo de caráter normativo, pelo qual dois ou mais sindicatos

representativos de categorias econômicas e profissionais estipulam

condições de trabalho aplicáveis, no âmbito das respectivas representações,

às relações individuais de trabalho”.

2. ALTERAÇÃO JUDICIAL DO ENQUADRAMENTO

DO MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO

A Justiça do Trabalho, por força do disposto na Constituição Federal,


art. 114, é competente para decidir questões de enquadramento sindical,

embora não se trate de dissídio entre empregados e empregadores. A EC n.

45/04 ampliou consideravelmente a sua competência para julgar questões

de direito sindical. Desse modo, processos que antes eram julgados pela

Justiça Comum agora o são pela Justiça do Trabalho.

Essas questões podem ser de mais de um tipo porque a matéria tanto

pode gerar um conflito entre dois sindicatos, como também um ato do

Ministério do Trabalho e Emprego ou do Secretário de Relações de Trabalho

que exigirá do prejudicado um meio impugnativo judicial. Não nos parece que

311

o Ministério do Trabalho tenha atualmente poderes para enquadrar, de ofício,

um sindicato numa categoria, uma vez que a Constituição Federal proíbe a

intervenção e a interferência do Poder Público na organização sindical (CF,

art. 8º, I). Ora, se o Estado não pode interferir na organização sindical e

esse é um princípio constitucional, o enquadramento sindical seria uma forte

interferência de um Ministério no sistema sindical que agora deve caminhar

numa perspectiva de liberdade, embora com limitação. Mas essa não seria

uma limitação e sim uma direta e indevida intervenção, com o que outras

ideias devem presidir as doutrinas sindicais brasileiras.

Uma discussão técnico-jurídica pode surgir. A competência que a

Constituição (art. 114, III) conferiu ao Judiciário Trabalhista é para julgar

ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e

trabalhadores e entre sindicatos e empregadores. Silencia sobre questões

entre sindicato e Ministério do Trabalho e Emprego. Duas interpretações


podem surgir diante da omissão da lei, uma no sentido de que essas questões

devam ser julgadas pela Justiça Federal, porque o Ministro do Trabalho tem

foro privilegiado; outra que o Secretário das Relações de Trabalho não tem

esse foro e, desse modo, contra esta autoridade não há como contestar

a competência da Justiça do Trabalho. Um imperativo de unificação deve

presidir as interpretações. Se a Justiça do Trabalho decide processos sobre

representação sindical e disputas que sobre a mesma possam ocorrer

entre sindicatos, se a categoria e o sindicato em nosso direito estão ainda

vinculados numa relação direta de antecedente e consequente, não haveria

uma jurisprudência uniforme caso dois órgãos jurisdicionais decidissem o

mesmo tipo de questão. É que resolver a disputa de representação entre

sindicatos leva à definição da categoria que ele representa.

3. INVESTIDURA SINDICAL

Qual é o sentido da expressão investidura sindical?

Antes de 1988, investidura sindical era um ato formal pelo qual o

Ministério do Trabalho, mediante a concessão da Carta Sindical, atribuía a uma

associação a qualidade de sindicato, passando a representar uma categoria

econômica ou profissional. Segundo o art. 519 da CLT, “a investidura sindical

será conferida sempre à associação profissional mais representativa, a juízo

do Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio, constituindo elementos para

essa apreciação, entre outros: a) o número de associados; b) os serviços

sociais fundados e mantidos; c) o valor do patrimônio”.

Hoje, a expressão continua, também, sendo utilizada, mas não há

mais o ato formal, do Ministro do Trabalho, de reconhecimento de uma


associação em sindicato nem a concessão, por ele, de carta sindical, mas

312

apenas o registro do sindicato no Cadastro Nacional das Entidades Sindicais

Brasileiras, com exame de cumprimento de requisitos formais e sem exame

de mérito, após o que lhe é concedida uma Certidão Sindical, provando seu

registro no mencionado órgão do Ministério do Trabalho e Emprego.

4. AVALIAÇÃO DA EXPERIÊNCIA BRASILEIRA

O atual sistema de criação de sindicatos no Brasil, e que permite a

existência de cerca de 19.500 sindicatos, quando num país como a Alemanha

há cerca de 18, fugiu a toda e qualquer possibilidade de controle, permitindo

que minorias inexpressivas intitulem-se representativas de maiorias, tudo

em prejuízo do próprio movimento sindical e em detrimento das autênticas

representações.

A situação que estamos vivendo é de expansão do número de

sindicatos. Para alguns, é necessário encontrar uma forma de evitar que

isso se agrave mediante rigorosa verificação do cumprimento dos requisitos

legais e da jurisprudência para a fundação de sindicatos, para que, à falta da

sua fiel observância, o Judiciário venha a suprir as deficiências do sistema,

depurando-o como se faz necessário.

Nossa Lei tentou combinar o princípio do sindicato único com o des-

membramento de categorias sem os critérios seletivos de representatividade

dos sistemas de pluralidade sindical, com o que, pela via dos desmembra-

mentos, a criação de sindicatos supostamente dissociados é livre, sem con-

trole, sem necessidade de demonstração de número de fundadores ou de


representatividade da entidade sindical que se pretende criar, surgindo sin-

dicatos que não apresentam condições de vida própria, mas que são muito

ativos na cobrança das contribuições sindicais.

O mecanismo de dissociação, no entanto, é uma forma de aproximar

nosso sistema da pluralidade sindical, dela diferindo porque, enquanto a

dissociação não permite mais de um sindicato específico na mesma base

territorial e categoria, na pluralidade isso é possível.

Convém expor melhor esses aspectos.

Por maiores que tenham sido os esforços envidados no sentido de dotar

nosso país, como merece, de uma legislação sindical moderna e compatível

com a sua grandeza, permeados, sem dúvida, de algumas ideias engenhosas

e outras, não menos valiosas, avançadas para o nosso tempo, os resultados

esperados não aconteceram, o que nos leva agora, quando começam a

surgir novas tentativas de revê-la, a retomar o tão importante tema.

E para que assim se faça, há um ponto de início. A identificação e

avaliação dos motivos pelos quais nada se conseguiu até agora.

313

Quais são os problemas que dificultam a reforma sindical?

São de ordem jurídica, de natureza política ou esses dois aspectos

devem estar atuando em conjunto?

Os próprios sindicatos desejam uma reforma?

O primeiro motivo, a nosso ver, é cultural. É a herança que recebemos

do corporativismo e que continua presente, e se isso acontece é porque,

conquanto não faltasse vontade, o peso da ideia de sistema sindical que


acompanha a nossa história é muito forte e dela não conseguimos ainda nos

afastar.

Essa herança, para que seja preservada como é pelos sindicatos, tem

algo do qual os sindicatos não querem abrir mão.

No plano normativo, o sindicalismo brasileiro remonta a 1903, com

as normas para o sindicalismo rural, e 1907, para o urbano. Hoje elas têm

apenas um valor histórico. O anarcossindicalismo conseguiu repercutir. O

Governo evitou o seu alastramento. Não deixou sinais nem se manteve como

ideia inspiradora e capaz de granjear adeptos entre nós. É coisa do passado.

O Estado Novo é a fonte que implantou as raízes que fizeram crescer

a árvore sindical que temos. Esse é o real começo do processo das nossas

entidades sindicais. É a nossa herança genética sindical. Aí está até os

nossos dias.

Oliveira Viana via o Ministério do Trabalho como o guarda-chuva a abri-

gar os sindicatos. E assim se fez com toda a munição coerente com o lema

da época: tudo dentro do Estado, nada fora do Estado, nada contra o Estado.

Esses são os mecanismos do sistema corporativista:

— o enquadramento sindical por categorias criadas pelo Estado;

— o sistema confederativo;

— a proibição das centrais sindicais;

— a carta de reconhecimento sindical;

— o estatuto-padrão;

— o imposto sindical;

— a intervenção do Governo nos sindicatos;


— as convenções coletivas por categorias;

— o efeito erga omnes das cláusulas convencionadas na categoria;

— a proibição da greve;

314

— a unicidade sindical;

— a expulsão dos estrangeiros anarcossindicalistas e assim por diante.

É o produto da Revolução de 1930 consolidado no continuísmo da CLT.

As entidades sindicais amoldaram-se a esse modelo e com ele se

acostumaram. Com isso, impediram a inevitável competição entre entidades

sindicais que haveria se tivéssemos seguido um desenho de liberdade

sindical. As entidades sindicais, nos seus três níveis, sindicatos, federações

e confederações, acomodaram-se à sombra do guarda-chuva ministerial e

dela só saíram em período mais recente da nossa história sindical.

Contraditória foi a Constituição de 1946. Restituiu o direito de greve.

Nada mais avançou. Ao contrário, reteve o modelo preexistente. Atribuiu aos

sindicatos funções delegadas de Poder Público.

Os Governos militares não tiveram muita coisa a fazer. Já receberam

todo o instrumental legislativo para o controle dos sindicatos. Apenas o

mantiveram porque se prestavam aos seus propósitos. Acrescentaram mais

uma ideia: o conceito de segurança nacional em nome do qual qualquer

perturbação sindical passou a ser punida.

A ruptura com a ordem legal por insurgência veio mais fortemente do

movimento sindical dos metalúrgicos no ABC, no Estado de São Paulo.

O novo sindicalismo foi de confrontação com o Governo. O ABC tornou-


-se o centro das atenções do País. Os Governos militares foram desafiados.

Assembleias de grande vulto em locais abertos, como o Estádio da Vila Eu-

clides, e helicópteros militares as sobrevoando foram um cenário habitual.

Fundou-se a CUT, apesar da proibição das centrais pelo Estado. Entre as

suas bandeiras estavam a liberdade sindical e a defesa da Convenção n. 87

da OIT, que declarava os princípios norteadores dessa liberdade.

As Constituições brasileiras nunca primaram por um grau de excelência

em matéria sindical. Nem mesmo, embora com alguns avanços, a de 1988. A

compreensão do nosso sistema passou a ser difícil. Não há coerência. Antes

ao menos isso havia. Os sindicatos tinham muito de pessoa jurídica de direito

público. Dessa premissa resultaram as suas instituições próprias do modelo

que tínhamos e hoje inaceitáveis numa democracia.

Para a compreensão do sistema brasileiro não se deve começar pela

CLT. Os seus dispositivos estão em consonância com o modelo do Estado

Novo.

A Constituição de 1988 tentou combiná-los com o sistema de liberdade

sindical. Evidentemente, não daria certo.

315

A Lei Magna ao mesmo tempo:

— adota o princípio da liberdade sindical;

— proíbe mais de um sindicato na mesma base territorial e categoria, o

que é incompatível com o princípio da liberdade sindical;

— atribui aos sindicatos a defesa dos interesses e direitos da categoria

e dos seus membros.


Se o princípio novo é a liberdade sindical, teria de haver um mínimo

de coerência com essa premissa, mas dela não foram extraídas as ilações

necessárias.

A liberdade sindical pressupõe o modelo sindical pós-Segunda Guerra

Mundial, que marca uma etapa não só da história política do mundo, mas,

também, do sindicalismo, porque depois do seu término deu-se uma reação

contra as concepções sindicais intervencionistas e corporativistas.

Nessa nova diretriz o que fez a Itália?

O direito italiano foi renovado já a partir de 1943. Em 1945, com

o Congresso de Nápoles, foi fundada a CGT — Confederação Geral dos

Trabalhadores. Os sindicatos foram considerados entes de direito privado.

Esse pressuposto reconstruiu todo o sistema, em coerência com ele.

O instrumental que, do princípio do sindicato como pessoa de direito

privado, resultou na Itália foi amplo:

— a plena liberdade da criação de entidades sindicais em qualquer nível;

— a extinção do sistema de categorias substituído pelo conceito de

interesse coletivo que permitiu maior flexibilidade nas negociações coletivas;

— a criação dos contratos coletivos de direito comum;

— a aplicação das cláusulas do contrato coletivo aos sócios;

— a extensão das cláusulas aos não sócios por extensão ou adesão;

— a elaboração dogmática do princípio da autonomia privada coletiva,

fundamento do sistema das negociações coletivas;

— o declínio das convenções coletivas com efeito erga omnes;

— a liberdade de criar comissões de trabalhadores nas empresas;


— a legitimidade para negociar em qualquer nível sindical, inclusive de

comissões de empresa;

— o reconhecimento de uma entidade sindical em nível privatístico, não

mais estatal;

316

— o reconhecimento como ato interpartes, de modo que se ambas

aceitassem negociar, passou a ser o suficiente;

— a existência de sindicatos de fato ao lado de sindicatos com

personalidade jurídica;

— a contribuição sindical devida apenas pelos sócios do sindicato;

— inicialmente, o que foi depois abolido, a contratação coletiva articulada

entre confederações e sindicatos;

— a plena liberdade de greve com restrições nas atividades essenciais

e públicas;

— a instituição de uma comissão de juristas autônomos opina sobre

a greve nas atividades essenciais e públicas, o parecer é publicado na

imprensa com efeitos meramente psicológicos e para fins de pressão da

opinião pública sobre os grevistas, se é desatendido e a greve prossegue, o

Procurador-Geral da República convoca os grevistas para dissuadi-los e, se

não for atendido, inicia sanções que em alguns casos podem chegar à multa

sobre trabalhadores;

— a punição pela lei dos atos antissindicais (Lei n. 300/70).

As mudanças no sistema peninsular têm um significado especial para o

Brasil não só pela vinculação histórica que sempre nos prendeu à legislação
trabalhista italiana, mas, principalmente, para nos mostrar que há caminhos

para uma reforma sindical que nos afaste de alguns resquícios corporativistas

que herdamos exatamente da Itália, que já os abandonou.

Como se vê, a modificação foi grande e deveu-se mais a um imperativo

dogmático de reconstrução do sistema. Não há unanimidade entre os

doutrinadores italianos nem entre os meios sindicais sobre o acerto dessas

construções jurídicas.

Essas observações valem para os estudos que ora são feitos no Brasil

e os problemas jurídicos que enfrentaríamos numa transformação do nosso

modelo, porque certamente o que teríamos pela frente não seria diferente

das mesmas dificuldades enfrentadas pela Itália.

O sistema atual italiano não é perfeito. Mas coerente ele é, o que não

acontece com o nosso.

A Itália viveu a experiência de uma forma de organização sindical com

representatividade confederal, meio de combater a excessiva proliferação

de sindicatos (art. 19 do Statuto dei Lavoratori). A Confederação tinha

força para influir no desenho do modelo. Mas chegou à conclusão de que a

representatividade em nível nacional não correspondia à realidade das bases.

317

Tamanha foi a rejeição das bases sindicais que a Itália teve de fazer, em

1995, um referendo no qual as entidades sindicais votaram expressando a

sua vontade. O resultado foi a rejeição da interferência das confederações e

da contratação articulada.

Houve um referendo ab-rogatório que optou pela representatividade


avaliada nas bases e não nas cúpulas, para evitar o poder das cúpulas de

indicar a matéria que os sindicatos poderiam ou não negociar. Essa situação

estava em direto confronto com o princípio da autonomia privada coletiva.

A partir do referendo, a representatividade passou a ser aferida não

mais com referência às cúpulas, mas aos sindicatos.

Como a Itália avaliou a questão da representatividade?

Como mostramos, Vallebona condena a concentração de poderes nas

cúpulas sindicais e entende que a verdadeira representatividade deve ser

buscada nas bases.

O Fórum Nacional do Trabalho gerou um projeto com inovações. Sequer

caminhou no Congresso.

Tão logo divulgado, foi condenado pelas bases sindicais. Estas não

se conformaram com os poderes das centrais sindicais. Fortaleceram,

exageradamente, as cúpulas sindicais. Trazer para o Brasil o sistema de

irradiação de representatividade foi um entrave à sua aprovação pelo

movimento sindical.

O Brasil não ratificou a Convenção n. 87. O Estado quer a sua ratificação.

Quem não quer são os sindicatos.

Parece, em princípio, difícil explicar o motivo pelo qual os sindicatos

rejeitam a Convenção n. 87 da OIT, que já esteve no Senado incluída em

pauta para aprovação, da qual foi retirada por pressão sobre os congressistas

de algumas lideranças sindicais da época.

O Governo tem envidado esforços no sentido da sua ratificação, mas

não encontra ressonância em alguns meios sindicais influentes, tanto do


sindicalismo patronal como no dos trabalhadores, e a explicação, a nosso ver,

está no conflito entre a pluralidade sindical permitida pela OIT e a unicidade

sindical que caracteriza o nosso modelo.

A ratificação colocar-nos-ia em pleno sistema de pluralidade sindical

também não desejada por nossos sindicatos.

Da legalização à centralização de poderes com os quais as bases

sindicais não concordam vai uma distância e esse foi um equívoco.

Impõe-se dosar com muito equilíbrio até que ponto o fortalecimento das

centrais pode ir e a partir de que limite tornar-se-á prejudicial às entidades

sindicais de base.

318

As centrais devem ter funções que não impliquem a redução dos espaços

autônomos dos sindicatos, porque, se assim for, estes ficarão tolhidos na sua

liberdade de ação.

Os sindicatos são os entes sindicais mais próximos dos trabalhadores.

Têm maior possibilidade de prestar diretamente serviços a eles.

A estrutura interna do sindicato deve ser por ele traçada e o instrumento

jurídico próprio para esse fim são os estatutos sindicais aprovados pela

assembleia e que podem ter variações porque está ultrapassada a fase do

estatuto-padrão que por algum tempo existiu.

Há, no entanto, algumas transformações no nosso sistema sindical. Já

estão em pleno desenvolvimento.

A fundação de sindicatos é iniciativa dos próprios interessados e ficou

facilitada a partir de 1988, o que permitiu a ampliação do número de dirigentes


de cada sindicato.

A maior transformação a que estamos assistindo é no sistema de

categorias.

As categorias — grupos de atividades ou de profissões existentes

no processo produtivo — eram enumeradas pelo Estado no quadro de

enquadramento sindical. Um sindicato, para obter a carta de reconhecimento

sindical — sua certidão de nascimento —, pedia ao Ministério do Trabalho

investidura no quadro oficial das categorias, com o que ganhava a respectiva

representação.

Era como se alguém entrasse em um edifício já pronto, erguido pelas

mãos do Estado, e fosse levado a um dos seus compartimentos, no qual

ficaria acomodado. O edifício passava por uma reforma a cada dois anos.

Quem a fazia era a hoje extinta Comissão de Enquadramento Sindical do

Ministério. Os critérios usados eram jurídicos, mas também políticos.

Em 1988, a Comissão foi extinta. O Ministério entendeu que não pode-

ria existir por incompatibilidade com o princípio constitucional da não interfe-

rência e intervenção do Estado na organização sindical.

Daí por diante tudo mudou.

O quadro oficial das categorias não deixou de existir, mas não foi mais

revisto. Parou no tempo.

O sindicato, agora, é que cria a sua categoria. Pede registro no Ministério

e, obtendo-o, representará a categoria que indicou no pedido de registro

sindical.

Ora, esse não é mais o sistema de categorias a priori. É o de categorias


a posteriori do sindicalismo moderno. Antes a categoria precedia ao sindicato

319

e agora o sindicato precede ou nasce com a categoria. Foi a nossa maior

mudança. O sindicato faz uma assembleia, elege a primeira diretoria

provisória, aprova os seus estatutos e pede registro no Cadastro Nacional

de Entidades Sindicais que publica no Diário Oficial o pedido de registro para

eventuais impugnações. Esse ato é necessário. O sistema é o de unicidade

sindical. O registro não pode ser cadastrado se já existe outro sindicato.

Pode surgir uma disputa judicial.

O edifício das categorias não é mais obra construída pelo Estado, mas

pelos próprios sindicatos. É um passo importante no sentido da liberdade

sindical.

Diante desse quadro é possível dizer que há dois princípios fundantes da

organização sindical brasileira, a unicidade obrigatória consentida pelos seus

destinatários e a criação a posteriori das categorias pelos sindicatos. Nossa

cultura é avessa à pluralidade sindical, embora na cúpula da organização

sindical exista pluralidade de centrais sindicais, o que é contraditório com o

que acontece nas bases.

Os empregadores brasileiros não aceitam, salvo exceções, o sindicato

de empresa. Rejeitam menos que isso: as comissões de trabalhadores nas

empresas. Mas a interiorização das negociações na empresa é uma tendência

irreversível. No setor público já existem diversos sindicatos por instituições.

É melhor e mais produtivo negociar internamente do que externamente com

um sindicato de categoria. As centrais darão suporte aos sindicatos fracos.


Um reformismo moderado é o mais indicado para o Brasil.

Deve começar com uma análise de possibilidades e não com um modelo

pronto. As bases devem ser consultadas. Há meios de fazer a reforma.

320

CAPÍTULO 29

FUNÇÕES DO SINDICATO

1. DEFESA DOS DIREITOS E INTERESSES DOS REPRESENTADOS

As funções dos sindicatos são indicadas pela CF. art. 8º, III: “ao sindicato

cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria,

inclusive em questões judiciais ou administrativas”.

Por defesa dos direitos deve-se entender a exigência do cumprimentos

da lei ao conferir que é direito dos trabalhadores (art. 7º, CF).

Por defesa dos interesses dos representados o que se deve interpretar

é a faculdade que tem o sindicato de postular para os seus representados

vantagens não estabelecidas pela lei por meio da negociação coletiva ou

dissídio coletivo de intesses ou dissídios econômicos.

Interesses coletivos são os que abrangem a totalidade da categoria.

Interesses individuais da categoria são aqueles atribuídos aos membros

da categoria de forma singular como a reivindicação por substituição proces-

sual de direitos não assegurados pelo empregadores aos seus empregados,

previstos nas normas.

Ao sindicato devem ser garantidos os meios para o desenvolvimento da

sua ação destinada a atingir os fins para os quais foi constituído. De nada

adiantaria a lei garantir a existência de sindicatos e negar os meios para que


as suas funções pudessem ser cumpridas. Há divergências sobre as funções

que ao sindicato devem ser permitidas.

O sindicato cumpre funções de representação. Desdobram-se em dois

planos: o coletivo e o individual. No plano coletivo, o sindicato representa

grupos, nas suas relações com outros órgãos e grupos, sendo essa a

sua natural atribuição. Assim, quer perante o Estado, quer perante os

empregadores ou outros órgãos, cabe ao sindicato atuar como o intérprete

das pretensões do grupo à frente do qual se põe e cujas reivindicações

e posições encaminhará. Não só no plano coletivo, mas, também, no

individual, o sindicato cumpre funções representativas, com maiores ou

menores limitações: participando de processos judiciais, praticando atos

homologatórios de rescisões contratuais etc.

Outra função do sindicato é a negocial. Para Montoya Melgar, é a

principal. É ampla nos sistemas em que a lei ocupa espaço menor. É o que

321

ocorre onde é grande a autonomia coletiva para a instauração de vínculos

jurídicos. A Organização Internacional do Trabalho (Convenção n. 98)

incentiva a atuação negocial dos sindicatos, considerando-a instrumento de

paz social e de grande utilidade, técnica jurídica que permite às próprias

partes de uma disputa trabalhista a escolha das normas a serem observadas

para a composição dos seus conflitos. O sindicato, ao normatizar, pela

negociação coletiva, a solução dos seus conflitos, age como uma fonte de

produção de direito positivo, complementando as lacunas da lei, detalhando

onde a lei não desce, criando figuras novas, construindo um direito paralegal
indispensável para a melhor ordenação das relações trabalhistas.

Nesse sentido, declara a Constituição Federal do Brasil (art. 8º, III) que

ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais

da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas.

Se a representação e a negociação são funções próprias do sindicato,

há, no entanto, divergências quanto a outras funções.

É o caso da função assistencial, a prestação aos representados de

serviços de natureza médica, educacional, hospitalar, ambulatorial etc. São

atribuições, para alguns, impróprias, que desviam o sindicato do seu papel

principal e que devem ser exercidas pelo Estado, e não pelo sindicato.

Também é questionada a função parafiscal. É o poder conferido pela

lei ao sindicato, para impor contribuições, mesmo a pessoas que não são

associadas, de modo obrigatório e sem possibilidade de recusa. Esse poder é

tido como uma lesão à liberdade sindical individual. Permite, inegavelmente,

maiores fontes orçamentárias para o sindicato. Mas outros mecanismos

substitutivos, destinados a fazer receita sindical, podem ser utilizados,

como o exercício de atividades econômicas. Quando as contribuições dos

representados são deliberadas pelas assembleias sindicais, adquirem uma

aparência menos autoritária. O sindicato pode exercer funções econômicas.

Pode ser acionista de empresas, de bancos, desenvolver intensa atividade

financeira e colaborar com o Estado.

Polêmica é a participação do sindicato na política. Ojeda Avilés aponta

três posições que o sindicato pode assumir. Primeira, a apolítica, por oposição

ao Estado, própria do sindicalismo revolucionário, que não acredita no Estado,


prega a sua destruição e o identifica com o capitalismo. A Carta de Amiens

(1906), da França, propõe a abstenção da atividade política pelo sindicato.

Proclama que os trabalhadores devem conseguir, pelos próprios meios,

a melhoria da sua condição social. Segunda, a apolítica, por aceitação do

modelo econômico-político do capitalismo e do lucro, respeitados os direitos

do trabalhador, dentre os quais o de greve e o de negociação. É a posição dos

sindicatos norte-americanos. Terceira, a atuação política do sindicato. Dá-se

322

por mais de uma forma. O sindicato cria partidos políticos, como na Inglaterra.

O sindicato criou o Partido Trabalhista, cujo suporte foi o sindicalismo. O

sindicato, às vezes, submete-se a um partido político. Em outras vezes, não

participa ostensivamente das relações políticas, mas financia candidatos.

A Organização Internacional do Trabalho, em 1952, na 35ª Reunião,

expediu Resolução, aprovada por 112 países com 37 abstenções, na qual

declara: “as relações ou atividades políticas dos sindicatos não devem ser

em si mesmas de tal natureza que comprometam a continuidade necessária

do movimento sindical e, por outro lado, não devem ser para os governos um

pretexto para romper essa mesma continuidade”.

Ojeda Avilés mostra que política não é só a parlamentar. O poder social

que encarnam os sindicatos é tão político como o poder econômico detido

pelos empresários. Verdier opina que é ilusória a distinção entre atividade

sindical e função política. Para Lyon-Caen, a distinção entre essas funções é

simplista, porque a licitude dos meios políticos a serviço de fins profissionais

é incontestável.
Há leis que proíbem a função política dos sindicatos. Na Colômbia, a

lei declara: “aos sindicatos é proibida qualquer ingerência, direta ou indireta,

na política militante do país”. Na Venezuela, a lei declara: “as organizações

sindicais do trabalho que formem patrões e trabalhadores não poderão

federar-se como associações ou partidos políticos nacionais ou estrangeiros,

nem filiar-se a eles.”

Em alguns países, o movimento sindical acercou-se do poder político, par-

ticipou dele e com ele se integrou. Diferem, no entanto, duas situações: o exercí-

cio da política como meio para atingir fins sindicais, o que é válido, do exercício

do sindicalismo como meio para atingir fins políticos.

Como se vê, a liberdade de exercício das funções sindicais envolve

uma série de questões que longe estão de encontrar soluções. Na mesma

proporção em que o sindicato intensifica a sua ação política, volta-se contra

o Estado, provoca reações, muitas vezes exageradas, fatais, e se afasta dos

seus fins naturais, embora não únicos, a defesa dos trabalhadores e a prática

da negociação coletiva.

A Constituição de 1988 (art. 8º) atribuiu ao sindicato a função de defender

os direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria. Modificou a

diretriz, que vigorou até a Constituição de 1946, que atribuiu aos sindicatos o

exercício de funções delegadas de Poder Público, na esteira das concepções

corporativistas.

A principal função do sindicato é, sem dúvida, a negocial. Permite compor

conflitos de interesses e instituir, consensualmente, normas de trabalho.

323
Faz do sindicato o titular de um poder normativo de exercício bilateral com

o empregador, o de constituir regras, direitos e obrigações, por acordos e

convenções coletivas, e, com isso, justificar-se plenamente.

A função assistencial desvia o sindicato das suas principais finalidades.

Porém, os sindicatos, desde as suas origens, desenvolvem funções

assistenciais. Os primeiros entes que precederam os sindicatos foram

sociedades de socorros mútuos e de assistência social dos seus associados.

O sindicato, em diversos países, tornou-se o animador de grandes obras

sociais.

A proibição do exercício de atividade econômica pelo sindicato deve

ser interpretada como a restrição para que o sindicato desenvolva atividades

comerciais lucrativas no mundo dos negócios. A Constituição de 1988 não

as proíbe. A CLT as vedou. A Constituição de 1988 proíbe a interferência

do Estado na organização sindical. Não há conclusões sobre todas as

implicações desse princípio sobre as funções do sindicato. Mas o preceito

constitucional deve ser valorizado, e não o seria no caso de proibir-se ao

sindicato o exercício de funções econômicas. Essas funções são necessárias

para mudar o sistema de financiamento dos sindicatos brasileiros.

324

CAPÍTULO 30

FINANCIAMENTO DO SINDICATO

1. OBSERVAÇÕES GERAIS

Para custeio das despesas, o sindicato conta com uma principal fonte

de obtenção de recursos: as contribuições pagas pelos representados.


A CLT (arts. 548 e seguintes) dispõe sobre a gestão financeira do

sindicato e sua fiscalização.

A mesma lei estabelece que constituem o patrimônio das entidades

sindicais as contribuições dos membros da categoria, as contribuições dos

associados, os bens e valores adquiridos, as rendas produzidas por esses

bens, as doações e legado e as multas que revertem para o sindicato.

2. CONTRIBUIÇÕES COMPULSÓRIAS

Compulsórias são as contribuições que os empregados e empregadores

estão obrigados a pagar.

Na época do controle dos sindicatos pelo Estado Novo, foi criado o

imposto sindical — nome mudado para contribuição sindical —, compulsório,

do tipo tributário, com o qual o Estado pretendeu dar uma fonte de recursos

para os sindicatos com nome atribuído pela CLT art. 548, contribuições.

É, até hoje, a principal receita do sindicato, instituída pela Constituição

de 1937, coerente com a concepção publicística que inspirou a organização

sindical corporativista que conferiu aos sindicatos o poder de impor

contribuições e exercer funções delegadas de Poder Público.

Regulamentando o princípio constitucional, o Decreto-lei n. 1.402, de

1939, incluiu entre as prerrogativas dos sindicatos “impor contribuições a todos

aqueles que participam das profissões ou categorias representadas”. Seguiu-

-se o Decreto-lei n. 2.377, de 1940, que a denominou imposto sindical, fixou

os seus valores e épocas de pagamento, o seu desconto em folha, época do

recolhimento pelas empresas para as contas dos sindicatos e o percentual a

ser distribuído pelos sindicatos com as entidades de grau superior. O mesmo


diploma legal atribuiu poderes ao Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio

para baixar normas regulamentares e de fiscalização da cobrança da contri-

buição sindical. Essas regras foram recolhidas pela Consolidação das Leis

325

do Trabalho, de 1943. A Constituição Federal de 1988 (art. 8º, IV) a manteve,

embora criando, sem extingui-la, uma nova contribuição: a contribuição con-

federativa.

E o fez no art. 8º, IV, in verbis: “IV — a assembleia geral fixará a

contribuição que, em se tratando de categoria profissional, será descontada

em folha, para custeio do sistema confederativo da representação sindical

respectiva, independentemente da contribuição prevista em lei”. Essa última

parte do texto legal refere-se à contribuição sindical, ressalvada, como se

viu, pela Constituição, embora criando uma segunda contribuição a ser

deliberada pelo sindicato em assembleia e descontada em folha.

A disciplina legal do antigo imposto sindical é minuciosa. A lei (CLT, arts.

578 a 610) dispõe sobre: as pessoas que estão obrigadas ao pagamento; a

base de incidência — para o empregado, o salário de um dia de trabalho por

ano; para o autônomo, um percentual sobre um valor de referência; e para os

empregadores, um percentual proporcional ao capital social —; os critérios

para o recolhimento aos cofres sindicais; a distribuição dos percentuais, do

seu total, que são das confederações, federações, sindicatos e Ministério do

Trabalho e Emprego — esta última parte repassada, hoje, para o Fundo de

Assistência ao Trabalhador para financiar o seguro-desemprego etc.

Alguns sindicatos dispõem-se a abrir mão da contribuição sindical. Nela


veem um resquício do corporativismo estatal e concordam em contar com

outras fontes de recurso, mas há outra parcela do movimento sindical que se

opõe à sua extinção. Cresce, no entanto, a ideia da sua prescindibilidade. É

compulsória sobre todos os que integram uma categoria, sócios ou não do

sindicato, com o que tem um caráter autoritário que nem por todos é aceito.

A contribuição confederativa foi instituída pela Constituição Federal de

1988 (art. 8º, IV) como uma alternativa da contribuição sindical, com fisionomia

em parte mais democrática, deliberada em assembleia sindical que fixará o

seu valor. É também descontada em folha, nesse ponto identificando-se as

duas contribuições. Diferem num ponto fundamental: a contribuição sindical

é disciplinada pela lei e a contribuição confederativa, não; suas regras são

deliberadas pela assembleia sindical.

No início, alguns sindicatos abusaram. Aprovaram valores elevados.

Nesse equívoco incorreram não só sindicatos patronais como, também,

alguns sindicatos de trabalhadores, o que provocou uma reação contrária.

Cresceu a convicção de que deveria ser introduzido algum limite à liberdade

de deliberação da contribuição confederativa pelas assembleias sindicais.

A principal reação partiu do Poder Judiciário, em especial do Supremo

Tribunal Federal, que proferiu decisões restritivas, limitando-a, apenas, aos

sócios do sindicato, vedada, assim, a cobrança de não associados.

326

Nesse sentido é a seguinte decisão: “A contribuição confederativa

prevista no art. 8º, IV, da CF distingue-se da contribuição sindical por não

possuir natureza tributária (art. 149 da CF: Compete exclusivamente à União


instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de

interesse das categorias profissionais ou econômicas...) e, portanto, não tem

caráter compulsório para os trabalhadores não filiados ao sindicato. Com

base nesse entendimento, a Turma não conheceu recursos extraordinários

interpostos por diversos sindicatos que pretendiam cobrar a referida

contribuição confederativa de todos os membros das respectivas categorias”.

(Ac. RE n. 198.002, RE n. 170.439 e RE n. 193.972, Boletim Informativo do

STF n. 12, de 26 a 30 de agosto de 1996; DJ de 4.9.1996.)

No mesmo sentido é o Precedente Normativo n. 119 (Seção de DC

TST): “Contribuições sindicais. Inobservância de preceitos constitucionais.

A Constituição da República, em seus arts. 5º, XX, e 8º, V, assegura o direito

de livre associação e sindicalização. É ofensiva a essa modalidade de

liberdade cláusula constante de acordo, convenção ou sentença normativa

estabelecendo contribuição em favor de entidade sindical a título de taxa

para custeio do sistema confederativo, assistencial, revigoramento ou

fortalecimento sindical e outros da mesma espécie, obrigando trabalhadores

não sindicalizados. Sendo nulas as estipulações que inobservem tal

restrição, tornam-se passíveis de devolução os valores irregularmente

descontados”.

A jurisprudência foi um freio aos abusos, mas impediu, também,

sindicatos que não exorbitaram de contar, de modo mais amplo, com esses

recursos, limitada a obrigação aos sócios, que são o menor percentual de

representados pelos sindicatos, em muitos casos não chegando a 15% dos

membros da categoria.
Minha opinião é que a jurisprudência restringiu a incidência das

contribuições para defender os não filiados dos sindicatos de cobranças em

valores elevados. A Procuradoria da Justiça do Trabalho teve de interferir,

propondo, perante os Tribunais, a anulação de cláusulas, de convenções

coletivas, pactuadas entre os dois sindicatos, o profissional e o patronal,

aprovadas em assembleias inexpressivas, com baixo comparecimento de

votantes. Mas, a rigor, a lei permite o desconto da contribuição confederativa

dos salários. A contribuição tem por finalidade o custeio do sistema

confederativo. Esse sistema abrange toda a categoria e não apenas os sócios

do sindicato. Portanto, tendo em vista a sua finalidade, é uma contribuição

devida por todo membro da categoria integrante do sistema confederativo e

não apenas os sócios. É interpretação que a lei permite ao declarar: “... será

descontada em folha, para custeio do sistema confederativo da representação

sindical respectiva...”.

327

O desconto de salários, pelo empregador, para cobrança de contribuições

sindicais é condicionado à anuência do empregado. Essa regra geral só tem

duas exceções: a contribuição sindical, por força de dispositivo da CLT, e a

contribuição confederativa, devida para o custeio do sistema confederativo.

Dispõe a CLT (art. 545): “Os empregadores ficam obrigados a descontar na

folha de pagamento dos seus empregados, desde que por eles devidamente

autorizados, as contribuições devidas ao sindicato, quando por este notificados,

salvo quanto à contribuição sindical, cujo desconto independe dessas

formalidades”. Como se vê, é princípio da nossa legislação a facultatividade


das contribuições, a menos que o desconto venha, expressamente, imposto

por lei, como nos dois casos.

3. CONTRIBUIÇÕES FACULTATIVAS

Facultativas são as contribuições que os empregados não estão

obrigados a pagar e a recusa deve ser manifestada na empresa por ocasião

do desconto no salário que não deverá ser efetuado quando o empregado

apresentar uma carta de oposição.

A taxa assistencial é facultativa. É pactuada entre os sindicatos patronais

e profissionais nas negociações coletivas. É um percentual descontado dos

salários. O empregado pode opor-se ao desconto do valor da taxa assistencial

efetuado em seu salário porque não é obrigado a concordar com esse

pagamento, uma vez que a lei (CLT, art. 545) dispõe que os empregadores

ficam obrigados a descontar na folha de pagamento dos seus empregados,

desde que por eles devidamente autorizados, as contribuições devidas ao

sindicato. A jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho é no sentido da

não obrigatoriedade do pagamento pelos não sindicalizados (Orientação

Jurisprudencial n. 17 da SDC).

A mensalidade dos sócios é uma obrigação estatutária. É devida pelos

sócios do sindicato. A sindicalização é facultativa. Segue as regras internas

deliberadas pela assembleia do sindicato. Suas origens remontam às primeiras

leis sindicais, de 1903 e de 1901. Passou para a legislação subsequente e foi

incorporada pela Consolidação das Leis do Trabalho (art. 548), que definiu

como patrimônio das entidades sindicais as contribuições sindicais que

recaem sobre todo membro da categoria, como, também, as contribuições dos


associados, na forma estabelecida nos estatutos ou pelas assembleias gerais.

O Ministério do Trabalho e Emprego expediu a Portaria n. 160, de 2004,

declarada inconstitucional pela STF (ADIn ns. 3.206-2 e 3.353-1), dispondo

que as contribuições instituídas pelos sindicatos em assembleia geral da

categoria, em especial a confederativa e/ou as constantes de convenção ou

acordo coletivo e sentença normativa, em especial a contribuição assistencial,

são obrigatórias apenas para os empregados sindicalizados.

328

Fundou-se na Súmula n. 666 do Supremo Tribunal Federal e no

Precedente Normativo n. 119 do Tribunal Superior do Trabalho, segundo o

qual é ofensivo ao direito de livre associação e sindicalização, previsto nos

arts. 5º, XX, e 8º, V, da CF, cláusula constante de convenção, acordo coletivo

ou sentença normativa estabelecendo contribuição em favor de entidade

sindical a título de taxa para custeio do sistema confederativo, assistencial,

revigoramento ou fortalecimento sindical e outras da mesma espécie,

obrigando trabalhadores não sindicalizados.

Acrescenta a Portaria que o empregador poderá efetuar o desconto,

em folha de pagamento de salário, do valor correspondente às contribuições

devidas pelos empregados aos sindicatos respectivos e previstas em

convenção ou acordo coletivo de trabalho registrados no Ministério do

Trabalho e Emprego, em sentença normativa ou em assembleia geral

sindical, quando notificado do valor das contribuições.

Dispõe, também, que para os empregados não sindicalizados, o des-

conto em folha de pagamento somente poderá ser efetuado mediante prévia


e expressa autorização do empregado, efetuada por escrito, e contendo

diversas informações.

Estabeleceu, ainda, que o desconto em folha de pagamento efetuado

sem a devida autorização do empregado não sindicalizado ou com base em

instrumento coletivo não registrado no MTE sujeita o empregador à autuação

administrativa pela fiscalização do trabalho (Ementa n. 000365-4: Efetuar

descontos nos salários do empregado, salvo os resultantes de adiantamen-

tos, de dispositivos de lei ou convenção coletiva de trabalho).

Em seguida, foi baixada a Portaria n. 180, de 2004, que suspendeu até

31 de maio de 2005 os efeitos da Portaria n. 160/04, que proibia a cobrança

das taxas confederativa e assistencial de trabalhadores não sindicalizados,

o que mostra uma certa desorientação sobre o tema.

Por liminar concedida pela Justiça Federal, foi suspensa a vigência

da Portaria n. 180/04, com o que voltou a prevalecer a Portaria n. 160/04,

situação que não foi do agrado das entidades sindicais por ser limitativa da

cobrança das contribuições sindicais.

Certo, no entanto, é que a jurisprudência dos Tribunais limita a

cobrança da contribuição confederativa e da taxa assistencial aos sócios dos

sindicatos, sendo devida, no entanto, por sócios e não sócios a contribuição

sindical porque é resultante de lei, além da contribuição associativa devida

por aqueles que se inscrevem como filiados ao sindicato.

O projeto de reforma sindical de 2004 aprovado pelo Fórum Nacional

do Trabalho prevê, no lugar dessas quatro contribuições, as seguintes:

1) contribuição de negociação coletiva devida por sócios e não sócios; 2)


contribuição associativa devida por sócios das entidades sindicais.

329

CAPÍTULO 31

ELEIÇÕES SINDICAIS

1. PRINCÍPIO BÁSICO

O princípio básico que deve reger as eleições é o do direito de ampla

participação, mas nem sempre é observado a ponto de em alguns casos as

eleições transformarem-se não só em fonte de diversas questões jurídicas,

como, até mesmo, em violências pessoais, e não é esse o seu objetivo.

Para evitar que venham a ser tumultuadas as eleições, devem ter um

regulamento claro e objetivo com o máximo de cuidados para que os seus

aspectos principais não deixem de ser previamente estabelecidos e de forma

a evitar interpretações equívocas.

Entendo aplicável à matéria, subsidiariamente (CLT art. 8º) o Código

Eleitoral, mas as regras fundamentais são estabelecidas pela CLT, salvo

quando contrariam o princípio democrático.

2. DIRETRIZES

Para que isso seja possível, a redação dos dispositivos escritos que

devem regê-la é tarefa dos advogados e não dos dirigentes sindicais, que,

por maior experiência que possam ter, nunca será suficiente a ponto de

permitir que redijam os textos eleitorais.

Desse modo, o sindicato deve ter normas internas suficientemente

aptas para que a eleição se realize com um mínimo de divergências e de

modo que, quando estas surjam, possam ser resolvidas no próprio sindicato
e com imparcialidade.

Como fazê-lo?

Designar uma comissão. Sua composição deve ser meticulosamente

escolhida para que seja integrada por pessoas com capacidade de conduzir

com neutralidade diante dos interesses das chapas concorrentes, se possível

antigos líderes sindicais afastados da militância e que, se ainda tiverem

vínculos com algumas das correntes, sejam notoriamente bem formados

para que possam desempenhar essa delicada função.

No sistema precedente essa função era exercida pelo Estado. As eleições

eram presididas por um Fiscal do Trabalho, o que hoje não é mais possível

330

diante do princípio constitucional da não intervenção e não interferência

do Poder Público na organização sindical. Diante do mesmo princípio, as

eleições não podem ser presididas pela Procuradoria do Trabalho, que é

órgão de defesa do interesse público, mas não de defesa dos interesses

internos de um sindicato.

O Regulamento Eleitoral pode integrar os Estatutos do sindicato ou não,

porque terá o mesmo efeito quando redigido em um instrumento separado. O

importante é que o Regulamento Eleitoral, assim como os Estatutos, sejam

discutidos e deliberados em assembleia sindical com ampla divulgação da

sua aprovação para que possam eventuais prejudicados pedir reconvocação

da assembleia ou, diante da impossibilidade de solução interna do sindicato,

ingressar com uma ação anulatória nas Varas da Justiça do Trabalho,

demonstrando os fundamentos do pedido de anulação e que devem ser


sérios.

O Regulamento Eleitoral deve ter os dispositivos necessários para

regular os atos e procedimentos eleitorais, isto é, as normas destinadas a

assegurar a organização e o exercício de direitos políticos de votar e ser

votado.

Os mandatários serão escolhidos, direta e secretamente, dentre candi-

datos que integram as chapas que concorrerão à eleição e que fizeram a sua

inscrição no prazo estabelecido no Edital cuja publicação com antecedência

é absolutamente indispensável e em veículo não só interno do sindicato, mas

externo da localidade, que permita o conhecimento de todos os interessados.

3. CAPACIDADE DE VOTAR E SER VOTADO

O Regulamento Eleitoral deve prescrever os requisitos necessários

para que alguém possa inscrever-se numa chapa ou como as chapas devem

promover a sua inscrição perante a Comissão Eleitoral.

A condição de ser votado deve ser a mais ampla possível, sem meios

estratégicos para tornar difícil a uma chapa concorrente a sua participação

no pleito.

Claro que podem ser estabelecidas condições de elegibilidade e

incompatibilidade, que são requisitos que, se não preenchidos, impedirão a

chapa ou um candidato de concorrer, como condenação criminal transitada

em julgado, desaprovação de contas em gestão anterior, um tempo mínimo

de atividade sindical, uma idade mínima etc.

Um problema pode surgir quanto aos requisitos mínimos para que alguém

possa integrar uma chapa: a sua condição de não nacional. Já foi motivo de
331

proibição por decorrência de situações passadas que geraram a aprovação

da lei de expulsão de estrangeiros na época do anarcossindicalismo.

Todavia, na atual fase constitucional, os estrangeiros devem ser, de um

modo geral, equiparados a brasileiros e sua exclusão poderia configurar

discriminação.

Não podem alistar-se eleitores, por coerência com a legislação eleitoral,

que é fonte subsidiária do direito do trabalho, os que não saibam exprimir-se

na língua nacional e os que estejam privados, temporária ou definitivamente,

dos direitos políticos.

Eleitores serão os sócios do sindicato quites com a tesouraria. Mas há

sindicatos que admitem o direito de votar para membros da categoria não

associados da entidade. Tudo depende do Regulamento Eleitoral. Restringir o

direito de votar aos associados não é discriminação, muito menos ilegalidade.

É o que dispõe a legislação sindical em vigor.

Quanto à idade mínima para ter o direito de votar, 18 anos é a recomen-

dável, porque é a idade em que o menor alcança a maioridade trabalhista.

Porém, não seria aberrante um Regulamento Eleitoral que permita o voto de

maiores de 16 anos de idade, porque essa é a idade em que a pessoa pode

trabalhar.

4. O VOTO

O voto não é obrigatório, mas nada impede que o Regulamento Eleitoral

assim disponha e sob pena de uma sanção compatível com a condição

econômica do eleitorado ou mesmo a proibição, por não justificação de


ausência em eleição, de participar de assembleia sindical, e, nesse segundo

caso, algumas ressalvas devem ser previstas, tendo em vista circunstâncias

especiais dos indivíduos como os inválidos, os maiores de 70 anos, os que

se encontrem fora do País, os enfermos etc.

5. COMISSÃO ELEITORAL

É órgão interno máximo das eleições a Comissão Eleitoral. Deve

ser a instância máxima interna. Desaconselhável é permitir recursos das

deliberações da comissão para a diretoria do sindicato, que pode estar

interessada no resultado das eleições. Acima da Comissão Eleitoral é

razoável assegurar recurso das suas deliberações para a assembleia sindical

e das decisões desta restará apenas a via judicial.

332

Reeleição pode ser prevista, mas apenas uma para evitar a monopo-

lização do sindicato por um grupo que nele permanece a perder de prazo.

Não é democrático um Regulamento Eleitoral que permita sucessivas ree-

leições de diretoria.

A votação mais indicada é por escrutínio secreto em cabine de votação.

Se o sindicato, pelo seu porte, puder, melhor será eleição eletrônica como

se faz no Brasil para as eleições políticas. O número de urnas e de seções

eleitorais serão definidas pela Comissão Eleitoral. A guarda das urnas é de

responsabilidade da Comissão Eleitoral.

A apuração dos votos deve ser confiada a uma Comissão de Apuração

constituída de membros com os mesmos requisitos de idoneidade e isenção

exigíveis para a Comissão Eleitoral. A apuração deve ser transparente,


aberta, pública, garantida a fiscalização pelos representantes autorizados

pelas chapas concorrentes.

Da eleição deve ser lavrada uma ata pela Comissão Eleitoral relatando

todas as ocorrências.

O horário das eleições deve ser compatível com a possibilidade de

conciliar o direito de votar com os horários de trabalho. Se o empregado

faltar ao serviço para votar, as horas destinadas a esse fim, e desde que

devidamente comprovadas, devem ser justificadas pelo empregador. É uma

questão de bom-senso. Mas nem todos os empregados poderão deixar

o serviço ao mesmo tempo, de modo que o empregador tem o poder de

ordenar essa liberação.

É válida eleição por aclamação? O Regulamento Eleitoral não deve

permiti-la. A aclamação não é a melhor forma de exercício da democracia

sindical, devendo ser evitada, embora possa simplificar as coisas para aqueles

que querem que suas propostas sejam aprovadas. A aclamação tem muitos

defeitos. Permite a infiltração de estranhos que não têm o direito de voto,

os oradores mais inspirados conseguem convencer uma multidão, não há

como conferir quorum, e sob o aspecto político-eleitoral, deseduca, de modo

que da mesma forma que uma eleição política segue determinados padrões,

o sindicato deve também segui-los no que for possível em suas eleições

internas, como forma de contribuir para o amadurecimento e consolidação da

democracia em nosso país e para o desenvolvimento da cidadania.

6. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO

Caso surjam questões não corretamente decididas internamente e


quando for necessária a atuação jurisdicional, os prejudicados ingressarão

333

com o processo judicial. Será, como já foi dito, perante a Justiça do Trabalho.

Não será denominada reclamação trabalhista, nome usado para o processo

de um empregado contra o empregador. A legislação trabalhista não prevê

esse tipo de processo.

A competência da Justiça do Trabalho para resolver questões sindicais

definiu-se com a EC n. 45/04, que reformou o art. 114 da CF. A natureza da

ação será desconstitutiva ou declaratória, não se excluindo, também, a pos-

sibilidade de ação condenatória. Assim, por exemplo, ação anulatória de atos

eleitorais, ação declaratória de nulidade de eleição, ação anulatória de eleição

sindical, ação impugnatória de inscrição de chapa, ação cominatória de inscri-

ção de chapa etc.

Ao Juiz do Trabalho, como Juiz Eleitoral Sindical, compete:

— cumprir e fazer cumprir o Regulamento Eleitoral;

— oficiar ao Juiz competente se tomar conhecimento de crimes

praticados nas eleições;

— fazer as diligências que julgar necessárias à ordem e presteza do

serviço eleitoral;

— tomar conhecimento das reclamações que lhe forem feitas verbalmente

ou por escrito, reduzindo-as a termo, e determinando as providências que

cada caso exigir;

— dirigir os processos eleitorais e determinar a inscrição e a exclusão

de eleitores;
— mandar organizar relação dos eleitores;

— ordenar o registro e cassação de chapas e candidatos;

— decidir controvérsias sobre mesas receptoras;

— ordenar providências sobre ocorrências que se verificarem nas

mesas receptoras;

— outras determinações necessárias para a normalidade das eleições.

O Juiz do Trabalho só atuará se o prejudicado provocar a sua atuação

por meio do devido processo legal. Mas nada impede que, para solucionar

uma eleição conturbada, assuma a direção dela para que possa transcorrer

dentro de um quadro de legalidade. Exemplificando, se numa eleição surgem

dúvidas sobre a correção da atuação dos membros da Comissão Eleitoral, o

Juiz do Trabalho pode destituí-la e nomear outros membros.

334

Se as militâncias antagônicas entrarem em conflito, nada impede que, se

provocado, o Juiz do Trabalho assuma diretamente a condução do processo

eleitoral, expeça as ordens que julgar oportunas, como apreensão de urnas,

de documentos, reunião dos candidatos das chapas em seu gabinete, oficie

à Polícia Militar para vigiar urnas até a apuração, contribuindo, assim, para a

pacificação do conflito. Nada impede que o Juiz do Trabalho tome por termo a

declaração ou as declarações de pessoas que se apresentarem para relatar

nulidades eleitorais.

335

CAPÍTULO 32

SINDICATO PERANTE O JUDICIÁRIO


1. LEGITIMAÇÃO PROCESSUAL

Com a Constituição Federal de 1988, art. 8º, III, ressurgiram discussões

sobre a legitimação processual do sindicato para atuar, na qualidade de

substituto processual, perante a Justiça do Trabalho, na defesa de direitos

e interesses individuais dos trabalhadores integrantes da categoria que

representa, sócios ou não sócios da entidade sindical.

Três são as posições que, em tese, passaram a ser defendidas: a

substituição ampla e geral; a substituição seletiva; e a representação

processual. A Constituição Federal de 1988 dispõe: “Art. 8º É livre a

associação profissional ou sindical, observado o seguinte: (...) III — ao

sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da

categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas; (...)”. Diverge a

interpretação do texto constitucional, para alguns mera indicação das funções

do sindicato, sem referência ao modo processual, que no caso de substituição,

que é legitimação extraordinária, exigiria especificação. Para outros, um

comando suficiente para que o sindicato possa atuar em juízo na qualidade

de substituto processual dos seus representados, independentemente de

autorização destes.

O sindicato dispõe de diversos mecanismos processuais para atuar

perante a jurisdição. Pode ingressar com mandado de segurança coletivo,

com fundamento na Constituição Federal (art. 5º, LXX, b): “LXX — o

mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por: (...) b) organização

sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em

funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus


membros ou associados”.

Pode ingressar com ação judicial na defesa dos interesses individuais

dos seus representados, na qualidade de representante processual (CLT,

art. 513). Nesse caso, não se trata de substituição. A diferença entre as duas

posições está na exigência ou não da prévia autorização do interessado para

o ingresso do sindicato em juízo.

Pode, ainda, agir em juízo na qualidade de substituto processual. Mas

essa possibilidade tornou-se muito restrita. A Súmula n. 310 do TST, hoje

cancelada, facultou ao sindicato mover processo judicial como substituto

processual de todos os integrantes da categoria que representa, nas demandas

336

sobre reajustes salariais previstos na legislação de política salarial. Porém,

essas leis cessaram de vigorar. E a mesma Súmula declarou que não há

fundamento para substituição processual no art. 3º da CF. Em todo processo

no qual a legitimação do autor é extraordinária — como na substituição

processual —, a atuação do substituto depende de específica autorização

da lei. A CLT, art. 195, § 2º, declara: “arguida em juízo insalubridade ou

periculosidade, seja por empregado, seja por sindicato em favor de grupo

de associados...”. Tem-se, no caso, uma hipótese de autorização da lei

para o sindicato ingressar em juízo em favor de um grupo de associados.

Desnecessária, no caso, será a autorização dos associados, porque os

poderes de que o sindicato está investido para esse fim são decorrentes

da lei. O art. 872, parágrafo único, da CLT permite ao sindicato mover

ação de cumprimento: “quando os empregadores deixarem de satisfazer o


pagamento de salários, na conformidade da decisão proferida, poderão os

empregados ou seus sindicatos, independentes de outorga de poderes de

seus associados, juntando certidão de tal decisão, apresentar reclamação à

Junta ou Juízo competente...”. O texto não tem sido avaliado em toda a sua

literalidade. Em razão da matéria, a autorização para a ação de cumprimento

é para a cobrança de salários fixados em sentença normativa. O sindicato não

dependerá, para esse fim, de autorização dos associados. Mas, certamente,

deverá ter autorização dos não associados.

A Ley de Procedimiento Laboral (art. 20.1), da Espanha, de 1990,

posterior à Constituição de 1978, assim declara: “Os sindicatos poderão

atuar em um processo em nome e no interesse dos trabalhadores filiados

a ele que assim o autorizarem, defendendo seus direitos individuais.

Na demanda, o sindicato terá de comprovar a condição de associado do

trabalhador e a existência da comunicação ao trabalhador da sua vontade de

iniciar o processo. A autorização se presumirá concedida, salvo declaração

em contrário do trabalhador filiado. No caso de inexistir a outorga dessa

autorização, o trabalhador poderá exigir do sindicato a responsabilidade

que for cabível, e que será decidida em processo trabalhista independente”.

O Tribunal Constitucional da Espanha (S. 210/1991) decidiu que “a função

constitucionalmente atribuída aos sindicatos não alcança a transformá-los

em guardiães abstratos da legalidade, qualquer que sejam as circunstâncias

em que esta pretenda fazer-se valer”, interpretando restritivamente, no

sentido material, e não processual, o vocábulo “defesa”. É que defesa não

tem o mesmo sentido de substituição processual.


337

CAPÍTULO 33

ENTES NÃO SINDICAIS DE BASE

1. REPRESENTAÇÃO DOS TRABALHADORES

NO LOCAL DE TRABALHO

A representação dos trabalhadores no local do serviço é antiga institui-

ção. Mencionem-se, na Itália (1906), as Comissões Internas, resultantes de

acordo entre a Federação Italiana Operária Metalúrgica e a fábrica de auto-

móveis Itália, de Torino, suprimidas, posteriormente restabelecidas a partir

de 1943, com a renovação da força de convenções coletivas de trabalho em

plano de empresa. Na Alemanha (1891), a Constituição de Weimar introduziu

a ideia da cogestão nas empresas, com a participação das comissões com

a presença de trabalhadores. Na França, os Conselhos de Usina, de Léon

Harmel, Val-des-Bois (1885), os Representantes de Seção da Fábrica Go-

din (1846) e os Delegados Operários das Fábricas Schneider, em Creusot

(1889), infundiram diretrizes participativas. Na Inglaterra, surgiram os Comi-

tês de Salário Mínimo (1909) e, na Espanha, os Conselhos de Cooperação

Industrial (1922).

Na União Europeia, a Diretiva n. 94/45 dispõe sobre representação

dos trabalhadores. Dá-se: nas empresas com mais de 1.000 empregados

nos Estados-membros e pelo menos em dois deles, com 150 ou mais

empregados; em grupos de empresas com mais de 1.000 trabalhadores ou

mais nos Estados-membros e que tenham, ao menos, duas empresas em dois

desses, com 150 ou mais empregados. A mesma Diretiva europeia autoriza


a direção das empresas a abrir a negociação com as representações, para a

constituição de um Comitê Europeu de Empresas, formado por um número

de três a trinta membros. Disciplina, ainda, a composição, as atribuições e o

procedimento de informação e consulta desses organismos.

Na empresa, os trabalhadores podem melhorar a qualidade das

relações com a direção, caso exista um fluxo das múltiplas questões que a

rotina diária suscita. Como nas médias e grandes empresas seria difícil uma

comunicação diária com cada empregado, pelo número deles, o meio pelo

qual se torna possível esse diálogo é a representação dos trabalhadores.

Normalmente, os órgãos de representação dos trabalhadores na

empresa não são dotados de personalidade jurídica, mesmo quando

colegiados. Sua base constitutiva é uma decisão ou um ato dos próprios

trabalhadores, reconhecido ou não pelo empregador, consubstanciado

338

nos estatutos, que os próprios interessados elaboram, ainda que de forma

simplificada ou até rudimentar, às vezes surgindo de modo consuetudinário.

O próprio regulamento desses órgãos define as formas de organização e

os poderes de que são investidos. Essa representação é unilateral. Leva à

participação dos trabalhadores na vida da empresa. Não é uma integração

orgânica na empresa. Pode ser até uma presença conflitiva. O seu objetivo é

criar um canal de comunicação e uma parceria.

Nem sempre, no entanto, essa ideia norteia as representações de

trabalhadores na empresa. Quando se afasta desse objetivo, podem surgir

resistências patronais. Para a empresa, a representação dos trabalhadores,


quando desmedidamente conflitiva, significa uma interferência no seu poder

de organização da atividade empresarial e não um meio de parceria de

interesse comum. A permanente conflitividade interna, no estabelecimento,

pode comprometer o processo de produção. Esse comprometimento, em

alguns casos, volta-se contra os interesses do trabalhador. Os trabalhadores,

para ter os empregos assegurados, dependem do crescimento da empresa,

embora dos resultados deste nem sempre participem. Daí justificarem-se

as diferentes funções do sindicato, um papel de luta e confrontação, e das

representações internas dos trabalhadores na empresa, a pacificação e a

integração.

O sindicato, quase sempre, tem vinculações internas com o pessoal

de uma empresa ou estabelecimento, embora nem sempre mediante um

relacionamento convergente. Podem surgir, em determinadas ocasiões,

divergências entre interesses da categoria, defendidos pelo sindicato, e dos

trabalhadores no local de serviço. Existem, assim, representações autônomas

e desvinculadas de qualquer dependência sindical.

A representação dos trabalhadores nas empresas não se confunde

organicamente com o sindicato. Este pode ter seções sindicais ou delegados,

na empresa, como ocorre em alguns países. Há, em muitas empresas de

outros países, sindicatos de empresa, caso em que a representação pelo

sindicato supre a necessidade de representação direta não sindical. O

direito sindical reconhece a possibilidade de duplo canal de comunicação

na empresa: o da representação dos trabalhadores e a do sindicato. Se na

empresa há um sindicato representando todos os empregados, desnecessária


é a duplicidade de vias.

O fundamento jurídico da representação dos trabalhadores na empresa

é o direito de associação. Este não se refere à associação sindical. Todo

grupo que exerce atividade lícita deve ter o direito de associação, inerente a

todo ser humano. Os órgãos de representação expressam-se como resultado

de um natural impulso associativo dos trabalhadores. Funda-se, também,

339

no direito de participação dos empregados. Há, também, fundamento,

para a representação, no conceito social de empresa, não como atividade

exclusivamente econômica, mas, também, como organização que cumpre

funções sociais. O empregador é detentor do poder de comando, de direção

e disciplinar dos empregados. A representação dos trabalhadores é uma

forma de criar um equilíbrio no exercício, pelo empregador, desses poderes.

Os modelos de representação dos trabalhadores na empresa são

diversos: a cogestão, nos moldes das empresas da Alemanha; os conselhos

ou comitês de trabalhadores por empresas, estabelecimentos, seções,

departamentos ou locais de trabalho; as seções sindicais na empresa,

por meio das quais o sindicato é legitimado a exercer essa atribuição; a

representação mista, sindical e não sindical; a representação unitária, quando

é uma só e mesma para todos os núcleos de trabalhadores na empresa; a

representação múltipla, quando separada para cada célula de trabalhadores

na empresa; a representação geral, para toda matéria; a representação

específica, para determinado tipo de matéria, como a prevenção de acidentes

de trabalho; a representação colegiada, quando há um órgão ou um grupo


de representantes; e a representação singular, quando há um representante

como o delegado do pessoal ou delegado sindical na empresa.

Essas formas variam, em cada país ou num mesmo país, e, também,

em função do número de empregados na unidade produtiva. Se esse

número é ínfimo, não se justifica a representação, porque, sendo poucos os

empregados, como na microempresa, o fluxo, com o empregador, é direto,

informal e a cada momento. Nesse caso, é desnecessária a representação,

porque os próprios interessados estão presentes diante do empregador.

Tem influência também no direito de representação na unidade produtiva

a natureza da atividade da empresa. Não é idêntico o quadro em empresas

industriais, comerciais, de prestação de serviços, rurais — dispersas em áreas

agrícolas ou pecuárias que dificultam o contato permanente entre os colonos

—, inadequado, quando o trabalho é em domicílio e o local de trabalho é a

própria residência do trabalhador ou em cooperativas — que têm diretorias

eleitas pelos cooperados. No sindicato, como empregador, nada impede a

representação dos seus empregados. Inviável será no trabalho doméstico.

A representação é eletiva. Os trabalhadores organizam, na empresa, a

eleição para a escolha, pelo voto, daqueles que serão os seus representantes.

As eleições são procedidas na forma prevista pelo respectivo regulamento

formal, aprovado pelos trabalhadores ou sindicato, ou informal, quando não

há normas escritas, embora existam de modo consensual.

Os representantes devem ter garantias para o exercício das suas

atribuições, sem as quais seriam passíveis de atos discriminatórios do

340
empregador. A Convenção n. 135 da Organização Internacional do Trabalho

e a Recomendação n. 143 do mesmo organismo defendem essas garantias,

que podem ir até a estabilidade no emprego.

As representações, como órgão, têm direitos, além daqueles assegurados

aos seus membros: a liberação dos seus integrantes em determinado número

de horas mensais para reunirem-se; local para essas reuniões; a circulação

dos representantes, no estabelecimento, com a liberdade necessária

para o desenvolvimento das suas funções. As representações não têm

personalidade jurídica. Porém, nada impede que o direito processual lhes

confira legitimidade para agir em juízo e para assinar acordos coletivos de

trabalho aplicáveis na unidade produtiva, como na Itália.

Os poderes conferidos à representação são, com variações em cada

caso: vigilância, informação, consulta, deliberação e codecisão.

2. LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

No Brasil, a Constituição Federal de 1967, art. 165, V, reconheceu o

direito do trabalhador à integração na vida e no desenvolvimento da empresa,

excepcionalmente com participação na gestão. Não houve a aprovação de

lei regulamentadora do princípio, mas surgiram, empiricamente, algumas

experiências espontâneas nem sempre bem-sucedidas, como no setor

automobilístico de São Paulo, depois reequalizadas pelos trabalhadores.

Em alguns casos, as comissões internas foram criadas como decorrên-

cia de acordos coletivos entre o sindicato e a empresa. Essa forma pode

trazer problemas em cada renovação do acordo. As cláusulas sobre comis-

são de representação dos trabalhadores caracterizam-se como cláusulas


obrigacionais. Não são cláusulas normativas. Criam obrigações que vinculam,

diretamente e entre si, os signatários do acordo.

A Constituição Federal de 1988 (art. 11) dispõe: “nas empresas de mais

de duzentos empregados, é assegurada a eleição de um representante

destes com a finalidade exclusiva de promover-lhes o entendimento direto

com os empregadores”; e, no art. 10: “é assegurada a participação dos

trabalhadores e empregadores nos colegiados dos órgãos públicos em que

seus interesses profissionais ou previdenciários sejam objeto de discussão

e deliberação”.

Ao permitir a eleição, pelos trabalhadores, de um representante nas

empresas com mais de 200 empregados, a Constituição de 1988 o fez em

função da empresa e não de cada estabelecimento dela. É viável concluir que

a representação deve ser em cada unidade produtiva. Cada estabelecimento

341

pode ter questões específicas. Seria, por outro lado, difícil para um só

empregado representar, satisfatoriamente, os empregados de outra unidade

da empresa, principalmente situada em localidade distante. A Constituição

não confere estabilidade ao representante. Assim, o representante somente

a terá se o dispuser uma lei ordinária ou as convenções ou acordos coletivos,

ou com a aplicação adequada da Convenção n. 135 da OIT.

A CLT (art. 164) obriga as empresas, como medida de defesa da vida,

saúde e integridade física do trabalhador, a manter CIPAs — Comissões

Internas de Prevenção de Acidentes de Trabalho. As CIPAs são órgãos

paritários, e não de representação dos trabalhadores, integrados por


empregados eleitos pelos seus pares e por representantes do empregador.

A CIPA é um órgão interno da empresa. Tem funções específicas. Fiscaliza

o cumprimento das normas regulamentares de Medicina e Segurança do

Trabalho instituídas pelo Ministério do Trabalho e Emprego, promove reuniões

e discute as causas de acidentes do trabalho.

As Comissões de Conciliação Prévia, de recente criação no Brasil,

não são órgãos de representação dos trabalhadores, são paritárias, e têm a

finalidade de promover o acordo prévio à atuação jurisdicional.

342

CAPÍTULO 34

OS SINDICATOS E A CRISE

ECONÔMICA DE 2009

1. CRISE ECONÔMICA

Crise econômica é um fenômeno episódico.Tem várias dimensões.

Anda de mão dada com as variações do sistema econômico mundial,

nacional e empresarial e, por consequência, com o problema dos empregos

e a necessidade da sua manutenção. Assim, é companheira, por mais

que se queira evitá-la, do Direito do Trabalho. É correta a culpabilização

do Direito do Trabalho a respeito das consequências da crise econômica?

Evidentemente, não. Suas causas são outras, como ficou a todos evidente

com a crise de 2008 que começou nos Estados Unidos da América, país no

qual o ordenamento jurídico sequer é legislado — salvo raríssimas leis — e é

fundamentalmente negociado entre os sindicatos e empresas.

Como a crise econômica é uma realidade que tem acompanhado


o Direito do Trabalho, com intermitências, convertendo-se, portanto, em

um “companheiro de viagem histórico” dela, como já se falou, no quadro

institucional do nosso Direito é de toda conveniência a previsão de medidas

adequadas para a salvaguarda dos interesses dos trabalhadores dentre

as quais a preservação das empresas sem as quais os empregos serão

perdidos.

A partir da metade dos anos 1970 do século XX, o Direito do Trabalho

e as crises econômicas com desemprego deixaram marcas profundas que

levaram a novas leis, por alguns não compreendidas, a defender não só o

ideal da proteção do trabalhador mas, também, a atender aos interesses da

gestão e da preservação empresarial.

A OIT — Organização Internacional do Trabalho aprovou a Convenção

n. 168, sobre promoção do emprego e proteção contra o desemprego, na

75ª Reunião, 1988, e que está em vigor no plano internacional desde 17 de

outubro de 1991. Foi ratificada pelo Brasil, pelo Decreto Legislativo n. 89, de

10 de dezembro de 1992, do Congresso Nacional, em 24 de março de 1993,

com vigência em 24 de março de 1994.

O Direito do Trabalho brasileiro está preparado para enfrentar a crise

econômica por muitos anunciada e que atingiu diversos países nos quais

milhares de empregados perderam os seus empregos em decorrência da

situação das empresas e da economia dos seus respectivos países?

343

A pergunta não tem sido frequente entre nós, o que é um sinal de que

no passado, dificuldades dessa natureza foram superadas, não deixando,


nas relações entre trabalhadores e empregadores, sequelas que tivessem

merecido uma atenção maior dos nossos historiadores.

Convém, no entanto, numa síntese, mostrar o instrumental de que

dispõe o nosso ordenamento jurídico para os períodos de crise em nossa

economia.

2. INSTRUMENTOS DO NOSSO ORDENAMENTO JURÍDICO

A expressão instrumentos do nosso ordenamento jurídico é usada

para designar o conjunto de normas jurídicas que o integram, destinadas a

estabelecer diretrizes sobre autorização ou proibição à empresa sobre o que

fazer ou não fazer nos casos de crise econômica que tenha reflexos em sua

atividade.

Não se trata, portanto, de outros aspectos do tema, que é multidisciplinar,

envolvendo questões sociais, econômicas e políticas e a questão aqui será

examinada unicamente no plano jurídico para avaliar as disposições legais

sobre dispensas de empregados ou outras medidas alternativas para o corte

de empregados num período de crise mundial da economia. É o que o direito

italiano denomina direito do trabalho de emergência ou de crise ( v. Tosi e

Lunardon. Introduzione al diritto del lavoro. Laterza, 2004).

Estaria nossa lei preparada para a devida proteção dos empregos?

Faculta a dispensa do empregado? Em caso contrário, quais as alternativas

que oferece em substituição à dispensa dos trabalhadores?

Dar-se-á destaque não só ao direito brasileiro mas também ao de

alguns países cujas leis tratam de dispensa por motivos econômicos, como

o italiano, o espanhol e o português, além das diretrizes da União Europeia.


Não é fácil transpor para um país as ideias que prevalecem em outros países;

todavia, não podemos voltar as costas para o que acontece no mundo, em

especial diante de efeitos globalizados da crise econômica. Desde já fica a

nossa impressão de que temos de aperfeiçoar o nosso sistema de leis. É

anacrônico e tem de passar por urgentes modificações.

Dispensa comum no sentido aqui utilizado é aquela que o ordenamento

jurídico brasileiro normatiza para os casos rotineiros nos quais o contrato

individual de trabalho chega ao fim por iniciativa do empregador que desliga

o empregado dos seus quadros.

Na perspectiva da nossa lei, o importante — embora insuficiente

— é verificar se a dispensa é com ou sem justa causa, daí resultando os

parâmetros do equacionamento das reparações devidas pelo empregador.

344

Não há diferença, em nossa lei, entre dispensa por motivos econômicos

e dispensas sem justa causa, porque aquela não é prevista, com o que a

rescisão contratual por motivos econômicos é enquadrada como dispensa

sem justa causa com os mesmos ônus para a empresa e ressarcimentos

para o empregado despedido. Não importa examinar a situação da empresa

ou se nela há um motivo ponderável para autorizar o desligamento do

trabalhador. Nosso sistema é o da dispensa com ou sem justa causa;

neste último caso asseguradas as reparações indenizatórias da dispensa,

mas não a garantia dos empregos. Toda empresa pode despedir os seus

empregados sem justa causa desde que lhes pague as verbas rescisórias. E

no caso de justa causa, as verbas rescisórias são indevidas. O emprego só é


assegurado aos portadores de estabilidades especiais: dirigentes sindicais,

“cipeiros”, gestantes, acidentados ou outras hipóteses previstas em lei ou em

convenções coletivas de trabalho, no caso desta, por exemplo, a estabilidade

pré-aposentadoria.

No sistema constitucional brasileiro, a proteção contra dispensa arbitrária

ou sem justa causa faz-se mediante o pagamento de indenização (CF, art.

10 do ADCT), garantida a estabilidade para casos especiais, como os do

dirigente sindical (CF, art. 8º, VIII), da gestante e do “cipeiro” (CF, art. 10 do

ADCT). Logo, o direito do empregado despedido, nas dispensas individuais,

é à indenização, como regra constitucional geral, no caso o acréscimo sobre

o FGTS, abolida que foi, pela Constituição de 1988, a estabilidade decenal

e generalizado, independentemente de opção, o enquadramento dos

empregados no regime do FGTS, substitutivo da estabilidade decenal, salvo

para os que antes de 1988 adquiriram o direito. A reintegração no posto de

trabalho é garantida apenas para os portadores das estabilidades especiais.

Crise econômica é justa causa para a dispensa dos empregados?

Não está na relação das hipóteses típicas de justa causa da lei (CLT, art.

482) a crise econômica; logo, em um sistema taxativo como é o nosso, nulla

justa causa sine lege. Em outras palavras, só é justa causa o fato típico que

a lei descreve como tal. Portanto, as dispensas de empregados em razão

de crise econômica equivalem, no direito brasileiro, a despedimentos sem

justa causa com os ônus, para a empresa, desse tipo de ruptura contratual,

ou seja, o dever de reparar o trabalhador despedido com as indenizações de

dispensa sem justa causa também chamadas verbas rescisórias.


Discute-se, no entanto, neste ponto, outro aspecto.

Crise econômica é uma situação de força maior?

Se a resposta for afirmativa e se as dispensas resultarem de fechamento

da empresa ou do estabelecimento em que os empregados trabalhavam,

aplicável, preenchidos esses dois pressupostos — força maior e fechamento

345

da empresa ou estabelecimento — é o art. 502 da CLT segundo o qual

“ocorrendo motivo de força maior que determine a extinção da empresa,ou

de um dos estabelecimentos em que trabalhe o empregado, é assegurado

a este quando despedido, uma indenização na forma seguinte: I — sendo

estável, nos termos dos arts. 477 e 478; II — não tendo direito às estabilidade,

metade da que seria devida em caso de rescisão sem justa causa; III —

havendo contrato por prazo determinado, aquela a que se refere o art. 479,

desta Lei, reduzida igualmente à metade”.

São pertinentes as explicações que seguem.

A observação inicial é que havendo força maior que provoque a cessação

das atividades da empresa ou de estabelecimento dela — e em função deste

ou destes estabelecimentos — os estáveis, tendo em vista a cessação das

atividades, terão os seus contratos individuais de trabalho também, como

não poderia deixar de ser, extintos. Segue-se que a empresa não está

desonerada de reparar as dispensas daí decorrentes. As indenizações de

dispensas serão calculadas em valores menores, a metade das verbas

rescisórias integrais.

O problema jurídico que se põe está em saber se crise econômica é


força maior.

O conceito legal de força maior (CLT, art. 501) autoriza a resposta

afirmativa. É que crise econômica é acontecimento inevitável, em relação

à vontade do empregador, e para a realização da qual este não concorreu,

direta ou indiretamente, principalmente uma crise gerada em outro país.

Cabe, contudo, mesmo assim, discussão do caso concreto, por exemplo,

de empresa brasileira que abusou no uso de contratos de derivativos, caso em

que discutir-se-á se o abuso configura ou não a excludente legal, do conceito

de força maior, da imprevidência porque se a empresa foi imprevidente

concorreu para o resultado, com o que a situação não será tipificada como

força maior.

Se a extinção da empresa decorrer de ato do governo provocando a

paralisação definitiva do negócio, a responsabilidade pelas verbas rescisórias

que o empregador pagaria é transferida ao Poder Público, figura que tem o

nome de factum principis (CLT, art. 486).

3. CRISE E DISPENSAS COLETIVAS

Quanto à dispensa coletiva, o principal traço jurídico distintivo da

individual está na natureza de ato instantâneo desta e de ato sucessivo

naquela, na forma em que a prevê a Convenção n. 158 da OIT — Organização

346

Internacional do Trabalho, que define um modelo de procedimento em várias

e sucessivas etapas, a começar de um programa de dispensas, de modo a

preservar os trabalhadores em determinada situação — como os mais antigos

etc. —, seguindo-se a verificação da possibilidade de alternativas, como a


suspensão coletiva do contrato de trabalho por um prazo, as negociações com

a representação dos trabalhadores, a participação de órgãos governamentais

de colocação ou reciclagem profissional, um aviso-prévio prolongado e outras,

que podem diversificar-se em cada situação concreta.

O Governo brasileiro, por meio do Decreto Legislativo n. 68, de 17 de

setembro de 1992, ratificou a Convenção n. 158 da OIT — Organização

Internacional do Trabalho e expediu o decreto de promulgação, publicado

no Diário Oficial da União, de 11 de abril de 1996, com o que a referida

Convenção entrou em vigor em nosso país. Até 1995, ela havia sido ratificada

pela Suécia, Iugoslávia, Espanha, Venezuela, Nigéria, Chipre, Malavi, Zaire,

Camarões, Gabão, Iêmen, França, Zâmbia, Uganda, Etiópia, Eslovênia,

Finlândia, Austrália, Bósnia-Herzegóvina, Brasil, Letônia, Marrocos, Turquia

e Ucrânia, num total de vinte e quatro ratificações.

Como vimos, o Brasil ratificou a Convenção n. 158 (1972), promulgou-a e

publicou-a no Diário Oficial (10.4.1996), e pouco tempo depois da publicação

o Governo brasileiro resolveu denunciá-la (20.11.1996), conforme o Decreto

n. 2.100, de 20 de dezembro de 1996, com o que a referida Convenção

deixou de vigorar em nosso território. Mas as diretrizes que apresenta servem

como roteiro importante para o devido equacionamento da questão que

não está encerrada porque pende no Judiciário ação na qual é discutida a

validade da denúncia. O debate tem como ponto central saber se a denúncia

do Governo brasileiro é válida porque o ato foi praticado pelo Presidente da

República e não pelo Congresso Nacional, como se pretende no processo

cujo julgamento já foi iniciado pelo STF.


Em um dos seus itens, a Convenção declara que havendo dispensas

coletivas por motivos econômicos, técnicos, estruturais ou análogos,

o empregador deverá informar oportunamente à representação dos

trabalhadores, manter negociações com essa representação e notificar a

autoridade competente, cientificando-a da sua pretensão, dos motivos da

dispensa, do número de trabalhadores atingidos e do período durante o qual

as dispensas ocorrerão.

As diretrizes fixadas pela Convenção n. 158 representam os princípios

do direito do trabalho moderno. Autorizam a dispensa dos empregados não

só por motivos subjetivos destes como a indisciplina, mas amplia âmbito das

hipóteses de dispensas para alcançar também, como causas autorizantes

da ruptura dos contratos de trabalho, motivos econômicos, técnicos ou de

reorganização da empresa, diferindo, por tal razão, do nosso direito.

347

4. A SOLUÇÃO NA EUROPA

A Europa segue diretriz comum fixada, para todos os países-membros

da União Europeia, de observância obrigatória, independentemente do

seu direito interno, de normas comunitárias. As dispensas coletivas, no

ordenamento jurídico da União Europeia, seguem diretrizes uniformes em

todos os Estados que a integram, de acordo com as Diretivas ns. 75/129/

CEE, de 17 de fevereiro de 1975, e 92/56/CEE, de 24 de junho de 1992, que

se harmonizam com as regras da Convenção n. 158 da OIT.

A política trabalhista da União Europeia tem por finalidade reforçar a

proteção dos trabalhadores nos casos de dispensas coletivas, tendo em vista


a necessidade de um desenvolvimento equilibrado na Comunidade.

As Diretivas em questão, em resumo, estabelecem um procedimento

prévio de consulta às representações de trabalhadores, com a finalidade de

se chegar a um acordo para evitar ou atenuar as consequências da dispensa

e prever medidas sociais de acompanhamento, especialmente a ajuda para

a reciclagem dos trabalhadores atingidos.

Prescrevem ainda um procedimento de dispensa coletiva, a ser

implementado num prazo de trinta dias, a contar da notificação à autoridade

pública, podendo, no entanto, ser dispensada essa notificação segundo o

direito interno de cada país ou nas hipóteses em que a referida autoridade

solicitar expressamente as informações da empresa, assegurada “a

faculdade dos Estados-membros de aplicar ou introduzir disposições legais,

regulamentares ou administrativas ou de permitir e incentivar a aplicação de

disposições convencionais mais favoráveis, para os trabalhadores” (art. 5º

da Diretiva).

5. A SOLUÇÃO NA ITÁLIA

As normas da União Europeia refletiram-se sobre o direito da Itália, com

a Lei n. 223, de 23 de julho de 1991, no dizer de Luisa Galantino, em sua obra

Diritto del lavoro (1993), “substancialmente atuativa da diretoria comunitária

75/129, de 17 de fevereiro de 1975, sucessivamente modificada pela diretiva

92/56, de 24 de junho de 1992”.

Mostra, a mesma doutrinadora, que as dispensas coletivas, no direito

do seu país, submetem-se a um procedimento sindical, judicial e público.

A fase sindical tem por finalidade a consecução de um acordo coletivo


com base no qual a questão será resolvida. Não ocorrendo o entendimento,

o empregador dará aviso-prévio aos trabalhadores, levando em conta, para

348

efeitos de organização da dispensa, certos fatores pessoais do trabalhador,

como os encargos familiares e a antiguidade.

O controle judicial tem por finalidade julgar eventual impugnação sobre

regularidade do processo, e, em caso de concluir-se que não estão presentes

as exigências para redução do pessoal, a consequência pode consistir na

anulabilidade de cada dispensa.

A intervenção pública resulta da atuação preventiva do Estado quanto

à redução do pessoal e à promoção de medidas de natureza previdenciária,

de desocupação dos trabalhadores, inclusive a promoção de cooperativas

de produção.

6. A SOLUÇÃO NA ESPANHA

Na Espanha, já havia a figura das dispensas por causas objetivas, dentre

as quais as coletivas, por decisão unilateral do empregador, de modo que as

regras da União Europeia pouco ou quase nada acrescentaram ao direito

nacional espanhol. Foram transpostos alguns preceitos para o Estatuto dos

Trabalhadores, que passou por modificações introduzidas pela Lei n. 11, de

19 de maio de 1994, que alterou o art. 51.

Essas disposições, em resumo, são as seguintes:

— dispensa coletiva é a fundada em causas econômicas, técnicas,

organizativas ou de produção, quando, em um período de noventa dias, a

extinção do contrato afetar pelo menos: a) dez trabalhadores em empresas


que ocupem menos de cem; b) 10% do número de empregados de empresa

que ocupe entre cem e trezentos trabalhadores; c) trinta trabalhadores nas

empresas que ocupem trezentos ou mais;

— entende-se que existem as causas de dispensa coletiva quando

esta é destinada a superar uma situação econômica negativa da empresa,

organizativa da produção, que garanta a viabilidade futura da empresa e do

emprego por meio de uma organização mais adequada dos recursos;

— entende-se como coletiva, também, a dispensa que afete a totalidade

do pessoal, sempre que o número de atingidos seja superior a cinco,

presentes as causas já apontadas;

— a empresa deve solicitar autorização para as dispensas por meio

de um procedimento, que terá início mediante solicitação à autoridade

competente de abertura de um período de consultas com os representantes

dos trabalhadores;

— essa solicitação deve ser acompanhada de toda a documentação

necessária para a justificação da dispensa;

349

— recebido o pedido, a autoridade competente verificará se estão

presentes todos os requisitos necessários, ordenando, em caso contrário,

que sejam completados os documentos;

— a referida autoridade comunicará à entidade gestora do seguro-de-

semprego o início do expediente;

— durante o desenvolvimento da fase de consulta, as partes poderão

chegar a um acordo, a uma decisão arbitral, na forma prevista nos contratos


coletivos, ou resolução da autoridade administrativa, que, ao comprovar a

existência de causa econômica, técnica, organizativa ou da produção e a

viabilidade do plano, autorizará o empresário a extinguir os contratos de

trabalho;

— os representantes dos trabalhadores terão prioridade de permanência

na empresa;

— a indenização devida pela empresa pelas dispensas corresponderá a

vinte dias de salários por ano de serviço até o máximo de doze mensalidades,

reduzida para 40% do valor nas empresas com menos de vinte e cinco

trabalhadores.

7. A SOLUÇÃO NA FRANÇA

Na França, também é lícita a dispensa coletiva por motivos econômicos,

que Gérard Coutourier explica como a oposta à decorrente de motivos

pessoais do trabalhador, residindo o critério de distinção na sua causa, que

é a supressão de postos de trabalho em razão das dificuldades econômicas

da empresa.

A lei da França de 1975 autoriza a referida dispensa “por motivo

econômico de ordem conjuntural ou estrutural”; a lei de 1989 definiu dispensa

econômica como a “efetuada por um empregador por um ou muitos motivos

não inerentes à pessoa do empregado resultante de uma supressão ou

transformação do emprego ou de uma modificação substancial do contrato

de trabalho, consequente notadamente das dificuldades econômicas ou de

transformações tecnológicas” (Código do Trabalho, art. 1.321-1). Assim,

como a lei francesa já previa essa forma de dispensa, a Diretiva da União


Europeia de fevereiro de 1975 não trouxe modificações.

A França já dispunha de uma legislação sobre dispensas, pelo menos

desde janeiro de 1975, distinguindo dispensas individuais e coletivas. O

mesmo autor, Gérard Coutourier, resume o sistema de dispensas em três

categorias: as dispensas individuais (lei de 1973), as grandes dispensas

coletivas, que pressupõem um procedimento de entendimentos (lei de 1975),

350

e as pequenas dispensas coletivas, assim consideradas aquelas que afetam

de dois a nove empregados, acrescentando que a reforma legislativa de

1986 e a de 1989 deram uma certa unidade ao sistema.

Para dispensas decorrentes de motivos econômicos, tecnológicos ou

de reorganização da empresa, é obrigatório um procedimento que tem início

com a elaboração, pela empresa, de um plano de dispensas, a reunião com

os representantes do pessoal, participação de um perito contábil remunerado

pela empresa para esclarecer questões técnicas sobre a situação econômica

da empresa, um período de reflexão previsto no acordo nacional interpro-

fissional de segurança do emprego de 1969, o envio de cartas de dispensa

após o decurso do período, medidas sociais de acompanhamento aos tra-

balhadores atingidos, que podem prever diversas alternativas e providências

paralelas — redução da jornada, trabalho em tempo parcial, conversão por

acordo da dispensa em suspensão do contrato de trabalho e por um período

que pode ir de quatro a dez meses e com pagamento de 65% dos salários

pelo Fundo Nacional de Emprego —, reciclagem profissional, ajuda para a

procura de novo emprego, preservação dos mais idosos, aviso-prévio mais


prolongado, que pode chegar a dois meses, e participação do Estado por

meio da autoridade administrativa.

Inicialmente, as dispensas coletivas dependiam de autorização do Minis-

tério do Trabalho, que, assim, exercia controle administrativo, dependendo,

portanto, a extinção do contrato de autorização da autoridade. Atualmente,

a participação da autoridade administrativa restringe-se a apontar irregula-

ridades no processo de dispensa, e a necessidade dessa autorização foi

suprimida em 1986, de modo que o sentido que na atual legislação está pre-

sente é o de mero acompanhamento do processo, que é fundamentalmente

uma negociação, e o controle judicial do Conseil de Prud’Hommes refere-se

mais à regularidade do processo e à garantia de indenizações à falta de cau-

sa real e séria para a dispensa ou de ausência dos motivos econômicos ou

estruturais da empresa.

8. A SOLUÇÃO EM PORTUGAL

Em Portugal, o Código do Trabalho de 2003 (arts. 419 a 422) disciplina

o procedimento de despedimentos coletivos.

Desenvolve-se em quatro partes.

Primeira, as comunicações escritas e obrigatórias, do empregador à

representação dos trabalhadores, com cópia para o Ministério, ou, à sua

falta, às comissões sindicais da empresa e, na falta dessas entidades, a cada

um dos trabalhadores, que podem criar uma comissão que os represente.

351

As comunicações devem ser acompanhadas de descrição dos motivos do

despedimento, quadro de pessoal por setores organizacionais da empresa,


critérios de seleção para as dispensas, número de trabalhadores a serem

despedidos, categorias profissionais abrangidas, período de duração da fase

de despedimento coletivo e vantagens a mais a serem concedidas, além da

indenização legal ou do contrato coletivo.

Segunda, as informações e a negociação, nos dez dias posteriores à

data da comunicação, visando a um acordo ou a adoção de outras medidas,

dentre as quais a suspensão do contrato de trabalho, a redução da jornada,

a reconversão e a requalificação profissional e as reformas ou pré-reformas.

Terceira, a intervenção do Ministério responsável pela área, que participa

do procedimento visando a superar as dificuldades e tentar conciliação, e, a

pedido de qualquer das partes ou das entidades acima referidas, dos serviços

regionais de emprego, da formação profissional e da seguridade social para

soluções de suas respectivas áreas.

Quarta, a decisão com o acordo ou, à sua falta, a comunicação de

dispensa a cada empregado pelo empregador, com menção expressa do

motivo e da data da cessação do contrato, montante de compensação, forma

e lugar do pagamento, com cópia para o Ministério e para a representação

dos trabalhadores.

9. CONCLUSÕES SOBRE A DISPENSA COLETIVA

A comparação dessas leis permite conclusões que deixam claros os

rumos para os quais se dirige o moderno direito do trabalho. Há nítidos

instrumentos de controle da dispensa do trabalhador, mediante procedimentos

que envolvem consultas às representações trabalhistas, autorizações

administrativas e atuação jurisdicional.


Distinguem-se as dispensas coletivas das dispensas individuais,

aquelas autorizadas nos casos de exigências econômicas, mas precedidas

de um período no qual se organizam todos os seus atos, visando à proteção

do trabalhador, sua recolocação, preferências de readmissão, ordem

preferencial de dispensa, tendo em vista encargos familiares etc.

As dispensas individuais são motivadas, causadas, dependentes de

uma justificação.

As novas linhas que presidem a disciplina jurídica da dispensa estão

nítidas no resultado do confronto entre as legislações modernas e de tal

modo que as diretrizes que as inspiram podem ser identificadas sem muito

esforço.

352

A ideia básica é a proteção do empregado.

Para esse fim, os sistemas jurídicos restringem a liberdade do empre-

gador, rompendo a simetria antes existente entre as partes do contrato.

Quebra-se, assim, a pretensa igualdade, meramente formal, entre empregado

e empregador, na desconstituição do vínculo, com efeitos que se refletem,

primeiramente, sobre o aviso-prévio, não mais submetido à disciplina recíproca

e sim a tratamento desigual, mais oneroso para a empresa, especialmente

quanto à sua duração. Para a demissão, as regras estabelecidas são mais

flexíveis. Para a dispensa, mais rigorosas.

O ato da dispensa é concebido como um procedimento constituído

de fases que devem ser rigorosamente percorridas antes que a rescisão

se perfaça, incluindo um período que para alguns é de reflexão, isto é,


destinado a permitir entendimentos de fins conciliatórios, de ordenamento

das conciliações e, sendo inevitável, de organização de prioridades na lista

de dispensa, tudo com o objetivo de resguardar os trabalhadores de situação

pessoal ou trabalhista suscetível de merecer maior proteção legal ou de

preferência para futura e eventual readmissão.

No procedimento de dispensa, são utilizados diferentes mecanismos de

controle que incluem órgãos pertinentes ao âmbito da empresa, os sindicatos

ou o Poder Público, havendo casos nos quais a dispensa depende de prévia

autorização do Ministério do Trabalho.

Nenhum sistema prescinde da tutela jurisdicional, sendo amplo o direito

de ação que o empregado pode exercitar impugnando a dispensa que não se

conformar com as normas legais ou convencionais.

A diversificação dos tipos de dispensa e das reparações é outra

característica da concepção contemporânea, discriminando-se entre

dispensas decorrentes de motivos econômicos e não econômicos, dispensas

individuais e coletivas, dispensas com ou sem justa causa etc.

Cada hipótese típica tem um tratamento próprio, uma vez que os

interesses econômicos são respeitados e as razões de ordem técnica ou

financeira são consideradas na fixação dos efeitos da dispensa.

A teoria da dispensa nula, assim considerada aquela que não atender

às exigências de forma ou de fundo, tem sido utilizada. Os seus efeitos

são amplos, uma vez que sendo nula a dispensa o contrato foi preservado,

cabendo ao empregador cumpri-lo.

Alguns cuidados maiores são notados quanto à figura da reintegração,


já que não são poucas as preocupações com a inconveniência do constrang-

imento sobre o empregador para manter um empregado com o qual não

pretende contar. A alternativa da manutenção do contrato com o pagamento

353

dos salários, ainda que sem trabalho prestado, ou uma diversidade de in-

denizações que se combinam para uma reparação ampla, não só pela perda

do emprego mas pelos “lucros cessantes”, são as fórmulas adotadas.

É injustificável a omissão do Estado brasileiro diante da crise por não

dotar a Justiça do Trabalho de mecanismos legais suficientes para enfrentá-la.

10. AS DIFICULDADES DA JUSTIÇA DO TRABALHO

Diante da falta de um instrumental jurídico sobre dispensas coletivas,

em face dos casos concretos que se generalizaram em 2009 a Tribunais

Regionais do Trabalho, por iniciativa do Ministério Público do Trabalho, foi

fixado uma diretriz criando uma tese que não é prevista em lei por ausência

de legislação a respeito de demissões em massa: toda demissão coletiva

obrigatoriamente deve ser precedida de negociação entre a empresa e o

sindicato, sob pena de suspensão das mesmas.

A obrigatoriedade da negociação coletiva é prevista pelo art. 616 da

CLT ao dispor que “os sindicatos representativos de categorias profissionais

e econômicas e as empresas, inclusive as que não tenham representação

sindical, quando provocados, não podem recusar-se à negociação coletiva”.

A obrigatoriedade é da participação no processo de negociação mas não

significa que as partes negociantes são obrigadas a encontrar uma solução

porque, por força do disposto na CLT, art. 611, a pactuação do acordo ou


convenção coletiva é facultativa. Nem poderia ser diferente porque se a lei

obrigasse as partes a uma composição, então não estaríamos diante de um

acordo mas de uma imposição.

Impedir a dispensa dos empregados em princípio constitucional é uma

interpretação válida.

O princípio da valorização da dignidade do ser humano é postulado

constitucional (CF, art.1º, III). É o princípio dos princípios. Todavia, sempre

que uma empresa dispensa empregados o estará violando? Se assim

fosse, o direito do trabalho não poderia acolher a figura da dispensa de

empregados nem mesmo quando justificada por crise econômica mundial.

E qual é o princípio específico de dispensas de empregados? É o art. 7º, I,

da Constituição segundo o qual a proteção contra dispensa arbitrária ou sem

justa causa far-se-á mediante pagamento de uma indenização que deve ser

prevista em lei complementar e enquanto não aprovada (CF, Disposições

Transitórias, art. 10, I), consubstanciar-se-á pelo disposto na legislação do

FGTS, isto é, a multa por dispensa sem justa causa. Não se pode deixar de

lembrar, também, que dispensa por motivos econômicos é autorizada por

todos os países, inclusive pela Convenção n. 158 da OIT.

354

11. A CRISE ECONÔMICA EUROPEIA DE 2012

Os problemas gerados pela Grécia refletiram-se na zona do euro de

modo a exigir medidas que afetaram, principalmente na Espanha e na Itália,

as relações de trabalho. Os Governos alteraram in pejus as leis trabalhistas

em diversos pontos, dentre os quais dois de extrema sensibilidade, os


salários, que foram reduzidos, e as dispensas de empregados, que foram

flexibilizadas.

A reação dos Sindicatos foi imediata com as greves e protestos que não

surtiram efeito.

Na Grécia foram adotadas medidas que fizeram parte do plano de

austeridade exigido por credores internacionais para a liberação de um

pacote de auxílio de 130 bilhões de euros.O parlamento da Grécia aprovou

um corte de 12% nas aposentadorias superiores a 1.300 euros por mês e de

22% no salário mínimo.

Na Espanha as medidas foram mais amplas. A indenização de dispensa

foi reduzida do valor correspondente a 45 dias por ano de serviço para 33 dias;

as dispensas coletivas, por causas econômicas, técnicas e de organização

ampliaram-se; os acordos coletivos em nível de empresas passaram a

sobrepor-se aos demais em nível de categorias; admitiu-se a suspensão

do contrato de trabalho em dimensões mais ampolas; a modificação das

condições de trabalho por acordos estendeu-se a jornadas, salários, funções

e outras; e diversas medidas foram implementadas na legislação trabalhista

voltadas para a solução dos problemas da economia.

Na Itália os acordos coletivos entre sindicatos e empresas passaram a

ter prioridade sobre os demais instrumentos coletivos, inclusive sobrepondo-

-se à lei.

355

CAPÍTULO 35

ALTERNATIVAS PARA OS DESPEDIMENTOS


VISANDO À PROTEÇÃO DOS EMPREGOS

1. SUSPENSÃO NEGOCIADA DOS CONTRATOS DE TRABALHO

A lei brasileira oferece alternativas à dispensa coletiva. Devem ser

priorizadas diante das demissões em massa porque salvam empregos. São

meios de menor impacto traumático na vida do trabalhador e da sua família.

Mas dependem de negociação coletiva com o sindicato e nem todo sindicato

está disposto a entender assim.

Primeira, é a suspensão dos contratos de trabalho.

A ideia é substituir a dispensa do empregado pela suspensão do contrato

individual de trabalho por até alguns meses, dependendo do tempo de serviço

de cada empregado, e que pode chegar a cinco meses com prorrogação para

mais dois meses. Durante o afastamento, o empregado deve ser submetido

a um curso de requalificação profissional.

Depende de acordo com o sindicato e anuência formal do empregado,

nos termos do disposto na CLT, art. 476-A. A requalificação profissional deve

ser promovida pela empresa à qual caberá, durante a suspensão contratual,

o pagamento de uma ajuda compensatória sem natureza salarial, além de

outras vantagens que o empregador espontaneamente atribuir-lhe.

Se ocorrer a dispensa do empregado no transcurso do período de

suspensão contratual ou nos três meses subsequentes ao seu retorno ao

trabalho, o empregador pagará a ele, além das verbas rescisórias, multa

estipulada no acordo coletivo no valor mínimo de 100% sobre a última

remuneração mensal anterior ao afastamento (CLT, 476-A).

A interpretação que o texto permite parece-nos a que segue. Não há,


em decorrência da suspensão contratual, estabilidade no emprego mas, sim,

reparações para o caso de dispensas, critério que deve ser também adotado

se o empregado, ao retornar ao emprego no fim da suspensão contratual,

vier a ser dispensado sem justa causa. A dispensa por justa causa poderá

configurar-se mesmo durante a suspensão do contrato desde que os fatos se

relacionem com o empregado e o empregador.

Terminado o prazo da suspensão, o empregado afastado reapresentar-

-se-ia à empresa para prosseguimento normal do seu contrato de trabalho.

Cabem outras observações.

356

A figura da suspensão coletiva dos contratos de trabalho é prevista de

modo mais amplo para outros casos. Há diversos tipos de suspensões do

contrato de trabalho. Ruprecht aponta as seguintes: a) suspensão absoluta

e relativa — na primeira não há salário nem trabalho (ex.: força maior), na

segunda há salário (ex.: doença do empregado); b) suspensão individual (de

um ou poucos empregados) e coletiva (da maioria); c) suspensão com ou

sem justa causa.

Preferimos um quadro mais amplo: a) quanto ao número de empregados,

individual ou coletiva; b) quanto à fonte: formal, legal, convencional ou

judicial; c) quanto ao interesse visado: do empregado, do empregador (ex.:

férias coletivas), de ambos (ex.: compensação de dias), ou de nenhum

(ex.: acontecimentos políticos), aqui entendido interesse no sentido imediato

trabalhista; d) quanto à duração: prolongada ou curta; e) quanto aos efeitos:

com a supressão de uma, algumas ou diversas das obrigações recíprocas.


A suspensão, portanto, poderá decorrer em razão do número de

empregados, quando será individual ou coletiva, na medida em que envolva

um empregado ou mesmo mais de um, contanto que os motivos sejam

diferentes, ou diversos empregados por um motivo comum a todos, a saber:

— Suspensão individual do contrato, por exemplo, a licença, remunerada

ou não, concedida pela empresa a um dos seus empregados para fins

particulares ou a um dirigente sindical, para exercer as suas funções perante

a entidade sindical da qual é diretor; considera-se de licença não remunerada,

salvo assentimento do empregador ou cláusula contratual, o tempo em que o

empregado se ausentar do trabalho no desempenho de funções eletivas de

cargo de administração sindical ou representação profissional, inclusive em

órgão de deliberação coletiva, não podendo a empresa impedi-lo do exercício

dessas atribuições (CLT, art. 543 e § 3º);

— Suspensão coletiva do contrato:

— a greve, direito assegurado pela Constituição Federal (art. 9º)

aos trabalhadores, aos quais compete “decidir sobre a oportunidade de

exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender”, e que,

segundo a lei (Lei n. 7.783, de 1989, art. 7º), observadas as formalidades

exigidas, “suspende o contrato individual de trabalho, devendo as relações

obrigacionais durante o período ser regidas pelo acordo, convenção, laudo

arbitral ou decisão da Justiça do Trabalho”;

— suspensões coletivas dos contratos de trabalho por acordo com o

sindicato em períodos de crise da empresa para evitar o desemprego —

A OIT — Organização Internacional do Trabalho, Convenção n. 168, sobre


promoção do emprego e proteção contra o desemprego, 75ª Reunião,

1988, em vigor no plano internacional em 17 de outubro de 1991 e no Brasil

357

pelo Decreto Legislativo n. 89, de 10 de dezembro de 1992, do Congresso

Nacional, ratificada em 24 de março de 1993, com vigência em 24 de março

de 1994, prevista pela lei da Espanha, pelo Estatuto dos Trabalhadores (art.

47), ao dispor sobre a suspensão do contrato de trabalho por causas técnicas,

econômicas, organizativas, de produção ou derivadas de força maior, da

Itália (Lei n. 5.55, 1968, art. 2), que regulamenta a redução dos horários

de trabalho durante crises econômicas da empresa, da Argentina (Lei do

Contrato de Trabalho, art. 238, e Lei Nacional de Emprego, de 1992, art. 98),

que a admite em casos de força maior, causas econômicas ou tecnológicas

e do Brasil (CLT, art. 476-A), para evitar dispensas coletivas, desde que

previstas por acordo ou convenção coletiva de trabalho e aquiescência

formal do empregado, por período de dois a cinco meses, asseguradas, aos

empregados, as vantagens previstas no instrumento coletivo, dentre as quais

uma ajuda compensatória mensal sem natureza salarial de valor definido

pelas partes, e um programa de requalificação profissional.

A suspensão do contrato de trabalho pode fundar-se em fonte formal,

legal, convencional ou judicial.

De fonte legal, quando se trata de alterações previstas na lei, que

são, por exemplo, a suspensão coletiva por acordo com o sindicato para

requalificação profissional (CLT, art. 476-A) e a paralisação temporária do

trabalho em decorrência de ato do Estado (CLT, art. 486).


De fonte convencional são as suspensões previstas em acordo ou

convenção coletiva de trabalho ou pelo contrato individual de trabalho, meios

pelos quais os efeitos da crise econômica sobre os empregos podem ser

resolvidos diretamente de comum acordo pelos atingidos.

Quanto ao interesse visado, o contrato individual de trabalho pode ser

suspenso por motivo do empregado (ex.: doença, licença para fins particulares

etc.), do empregador (ex.: férias coletivas ou suspensão disciplinar de até 30

dias — CLT, art. 474), de ambos (ex.: compensação de dias) ou de nenhum

(ex.: acontecimentos políticos), aqui entendido interesse no sentido imediato

trabalhista.

Quanto aos efeitos, a suspensão do contrato individual de trabalho

excluirá alguns direitos ou todos os direitos, dependendo do motivo que a

determinou.

O tema é amplamente estudado no direito do trabalho (Yamaguchi ( La

théorie de la suspension du contrat de travail et ses applications pratiques

dans le droit des pays membres de la C. E., Paris, LGDJ, 1963), Guillermo

Lopez ( La suspensión de la relación de trabajo, Buenos Aires, Ed. Astrea,

1973), Enrique Rayon Suárez ( Las interrupciones no periódicas de la

prestación laboral, Madrid, 1975, tese), Carlo Igelmo ( La suspensión del

358

contrato de trabajo, Bosch, 1959), Giovanni Lavagnini ( La sospensione del

rapporto di lavoro, Milano, Feltrinelli, 1961) e Giorgio Branca ( La sospensione

nelle vicende del rapporto di lavoro, Padova, CEDAM, 1971).

2. REDUÇÃO NEGOCIADA DA JORNADA E


DO SALÁRIO PREVISTA PELA LEI N. 4.923/65, ART. 2º

A empresa que, em face de conjuntura econômica, devidamente com-

provada, se encontrar em condições que recomendem, transitoriamente, a

redução da jornada normal ou do número de dias do trabalho, poderá fazê-

-lo, mediante prévio acordo com a entidade sindical representativa dos seus

empregados, homologado pela Delegacia Regional do Trabalho, por prazo

certo, não excedente de 3 (três) meses, prorrogável, nas mesmas condições,

se ainda indispensável.

Esta lei dispõe que a redução do salário mensal resultante não será

superior a 25% (vinte e cinco por cento) do salário contratual, respeitado o

salário-mínimo regional e reduzidas proporcionalmente a remuneração e as

gratificações de gerentes e diretores.Todavia, a CF de 1988 não estabelece

limites para a redução salarial. Desse modo, os percentuais de redução dos

salários serão os resultantes da negociação coletiva.

Para o fim de deliberar sobre o acordo, a entidade sindical profissional

convocará assembleia geral dos empregados diretamente interessados,

sindicalizados ou não, que decidirão por maioria de votos, obedecidas as

normas estatutárias.

A redução não é considerada alteração unilateral do contrato individual

de trabalho.

As empresas não poderão, até 6 (seis) meses depois da cessação desse

regime, admitir novos empregados, antes de readmitirem os que tenham

sido dispensados pelos motivos que hajam justificado a citada redução ou

comprovarem que não atenderam, no prazo de 8 (oito) dias, ao chamado


para a readmissão.

É igualmente vedado às empresas trabalhar em regime de horas

extraordinárias, ressalvadas estritamente as hipóteses previstas no art. 61, e

seus §§ 1º e 2º, da Consolidação das Leis do Trabalho.

Nos casos de emergência ou de grave situação social, poderá o Fundo

de Assistência ao Desempregado, mediante expressa autorização do Ministro

do Trabalho e Previdência Social, prestar ajuda financeira a trabalhadores

desempregados, na hipótese da impossibilidade do seu reemprego imediato.

359

3. REDUÇÃO SALARIAL POR ACORDO COLETIVO

(CF, ART. 7º, INCISO VI)

Depende sempre da negociação coletiva sindical e dos termos em que

for estabelecida pelas partes negociadoras.

O salário é elemento essencial do contrato de trabalho, mas a regra

não é absoluta, tanto que na doutrina (v. Cotrim Neto. Contrato e Relação

de Emprego, 1944. p.117) propõe-se o direito do empregador de reduzir o

salário de um empregado quando este revelar-se ineficiente, incapaz de

desempenhar de maneira razoável as obrigações contratuais assumidas

e para não ser despedido mas apenas rebaixado de função. Entretanto, a

redução salarial por motivo econômico é admitida pelo Direito do Trabalho,

não só no Brasil como em outros países (v. Cassì. La retribuizone nel

contratto di lavoro, 1954, Guidotti, La retribuizone nel rapporto di lavoro,

1956, Sanseverino, Diritto del lavoro, 1958, Privitera , Il contrato dímpiego

privato, 1952).
Ao autorizar a redução salarial por acordo ou convenção coletiva, a

Constituição de 1988 não recepciona a Lei n. 4.923, de 1965.

Para que haja a recepção de uma lei infraconstitucional pela Constituição

é imprescindível fazer uma pergunta. A Constituição e a lei dispõem de modo

idêntico sobre a matéria? Se a lei fosse elaborada depois da Constituição,

teria as mesmas diretrizes da Lei Maior?

As duas perguntas são, por mim, respondidas negativamente.

A Lei (art. 2º) declara: “a empresa que em face da conjuntura econômica,

devidamente comprovada, se encontrar em condições que recomendem,

transitoriamente, a redução da jornada normal ou do número de dias do

trabalho, poderá fazê-lo, mediante prévio acordo com a entidade sindical

representativa dos seus empregados, homologada pela Delegacia Regional

do Trabalho, por prazo certo, não excedente de três meses, prorrogável, nas

mesmas condições, se ainda indispensável, e sempre de modo que a redução

do salário mensal resultante não seja superior a 25% (vinte e cinco por

cento) do salário contratual, respeitado o salário-mínimo regional e reduzidas

proporcionalmente a remuneração e as gratificações de gerentes e diretores”.

A referida lei é de 1965.

Em 1988, a Constituição Federal, art, 7º, VI, passa a dispor: “irredutibili-

dade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo”.

Ora, comparados os dois textos verifica-se a disparidade quase total

entre ambos e lei posterior revoga lei anterior, em especial lei constitucional.

360

Ampliada foi, pela Constituição de 1988, a redução salarial, o critério


que estabeleceu é inovador e diferentes são os motivos autorizantes da

redução salarial.

Não há mais limite de 25% com o que a redução poderá ser maior ou

menor o que atende, a meu ver, a um princípio de igualdade porque, se

para uma grande empresa suficiente será a diminuição de 25%, para uma

pequena ou microempresa a sua situação econômica só poderá ser resolvida

com uma redução salarial maior.

A lei anterior apontava o motivo autorizante da redução: a conjuntura

econômica devidamente comprovada. A Constituição de 1988 alterou o

critério e não aponta mais o motivo da redução, preferindo omiti-lo para

considerar válida toda redução qualquer que seja a sua causa, desde que

com ela o sindicato concordar. Basta, para isso, a pactuação coletiva com o

sindicato.

O fundamento legal atual para diminuição do salário não é mais a Lei

n. 4.923, mas o art. 7º, VI da Constituição e nos seus termos. A razão pela

qual a jornada, sempre por negociação coletiva, pode ser reduzida é porque,

como a Constituição autoriza, por acordo, a redução do salário sem redução

do trabalho, com muito maior razão, por beneficiar o trabalhador, é possível

a redução do salário com a respectiva redução do trabalho.

Depois da Constituição de 1988, uma lei, como a mencionada, não po-

deria ser aprovada porque seria inconstitucional. Logo, a Lei n. 4.923 não foi

recepcionada pela Constituição.

4. PROGRAMA DE DISPENSA VOLUNTÁRIA — PDV

Uma alternativa para a dispensa comum é um programa oferecido pela


empresa, com incentivos para que o empregado se disponha a ser despedido.

Como explico em meu Curso de Direito do Trabalho (Saraiva, 2009),

programa de dispensa voluntária é uma forma de extinção do contrato que

nasceu como decorrência da prática de empresas que, tendo como finalidade

reduzir o quadro do pessoal, quer por motivos de ordem econômica, quer

tendo em vista razões de reorganização, oferecem uma oportunidade para

aqueles que quiserem ser dispensados do emprego, possibilitando-lhes

direitos mais amplos do que os previstos em lei, mediante o pagamento,

além dos valores devidos por lei, de uma indenização.

A sua justificação, portanto, é encontrada nas exigências do processo

produtivo, em situações nas quais forem inafastáveis providências para

regularização do número de empregados, ou porque esse número ultrapassa

as dimensões de que a empresa necessita, ou porque a nova tecnologia

361

supre a necessidade de um quadro de pessoal numeroso, ou porque novas

metas de orçamentos gerenciais são fixadas pela empresa.

Os custos da dispensa voluntária são mais elevados, por serem parte

integrante da motivação para que os empregados a aceitem, oferecer um plus,

que é o que os induzirá a aceitar a dispensa, e que poderá ser a indenização

especial ou outra vantagem, como complementação de aposentadoria — no

caso de coincidir a extinção do contrato com a aposentadoria —, um plano de

seguro de vida, continuidade da assistência à saúde nos planos da empresa,

cursos de reciclagem profissional, prioridade para eventual readmissão e

outras concessões.
A implementação do programa se faz por um prazo determinado,

anunciado pela empresa, por escrito, com as vantagens e condições que

instituir, de modo unilateral. Pode, também, resultar de negociação com as

representações dos trabalhadores na empresa ou de acordo coletivo com o

sindicato. Não há forma definida em lei. Aliás, a lei não prevê essa forma de

extinção do contrato, que não é ilegal sempre que não forem reduzidos, mas,

ao contrário, aumentados os direitos ou pagamentos do empregado que a lei

prevê para as dispensas sem justa causa.

Do programa escrito constam, também, os prazos de adesão pelos

empregados interessados, períodos a partir dos quais terão início os

desligamentos, vantagens decrescentes ou proporcionais ao tempo de serviço,

critérios de contagem do tempo de serviço para o cálculo da indenização a

mais, remuneração básica para esses cálculos, ressalvas como setores da

empresa ou funções para as quais o plano não será estendido, possibilidade

ou não de desistência pelo empregado aderente e regras para aceitação das

adesões pelo empregador.

Como questões jurídicas que o Programa de Dispensa Voluntária

oferece, sublinhem-se as que seguem: a) a sua validade, já admitida pela

jurisprudência (TST, RO-AR n. 43.586/98, SDC, rel. Min. Moacyr Roberto

Tesch Auersvald); b) a possibilidade de reclamação, pelo empregado, de

outros títulos não quitados (TRT/SP, 7ª T., RO n. 2.970.330.959, rel. Gualdo

Amauri Formica); c) o direito do empregado de impugnar judicialmente quando

a empresa descumprir as obrigações a que se propôs com o oferecimento

do plano (TRT/12ª Reg., 766.396, rel. Humberto D. Rufino); d) a natureza


indenizatória do pagamento acrescido em razão da dispensa (TST, RR n.

238.021/95, 4ª T., rel. Min. Milton de Moura França); e) a não incidência de

imposto de renda sobre a indenização (TST, SDI-I, OJ n. 207); f) e os efeitos

de quitação exclusivamente sobre as parcelas e os valores constantes do

recibo, não alcançando outras não especificadas em título quantitativo pago

(TST, SDI-I, OJ n. 270).

O Programa, para a empresa, oferece, como vantagem, a redução dos

custos da folha de pagamentos de empregados. Mas corre um risco: perder

362

os melhores empregados, porque são estes que estão mais à vontade para

conseguir novos empregos, com o que lhes será favorável obter ganhos de

dispensa em valores maiores do que os que receberiam normalmente da

legislação. Há críticas segundo as quais o Programa de Dispensa Voluntária

adquire caráter impositivo porque se o empregado não aderir corre o risco de

ser despedido, mais adiante, sem as vantagens que oferece.

5. FÉRIAS COLETIVAS (CLT, ART. 139)

Quando a empresa não consegue dar escoamento à sua produção, o

primeiro recurso de que se utiliza, como tem ocorrido no setor das montadoras

de automóveis, é a concessão de férias coletivas aos empregados. Mas por

se tratar de férias, a sua duração é limitada a dois períodos anuais cada um

com duração de até 10 dias ou, em outra hipótese, a 20 dias corridos.

A vantagem das férias coletivas está em ser uma solução menos

traumática que preserva os empregos desde que a empresa volte à

normalidade após o transcurso da sua duração.


6. CONCLUSÕES

Nosso sistema de leis trabalhistas não está devidamente preparado para

o enfrentamento de crises econômicas em qualquer das suas dimensões,

desde a menor que é a crise que afeta a uma empresa ou a um dos seus

estabelecimentos, até a crise maior que é a globalizada como a de 2008, que

se reflete, em maior ou menor escala, sobre os demais países.

Faltam, em nossa lei, mecanismos utilizados em outros países como a

previsão de dispensas coletivas por motivos econômicos. Nosso direito só

se ocupa de dois tipos de dispensas, com justa causa e sem justa causa,

hipóteses completamente diferentes e que, portanto, deveriam ter efeitos

também diferentes.

Nosso modelo de atendimento aos imperativos de uma crise econômica

passa pelo princípio da irredutibilidade salarial, salvo acordo ou convenção

coletiva, mecanismo que é uma saída para os casos de extrema gravidade,

já usado em nosso país, em outras ocasiões, por exemplo, no setor das

montadoras de automóveis.

Nada impede, quando justificada, a suspensão coletiva dos contratos

individuais do trabalho por acordo sindical com os efeitos salariais estipulados

pelas partes negociadoras, ao que parece a melhor solução alternativa para

a dispensa dos empregados.

Certo é que a crise econômica convive com o Direito do Trabalho;

razão suficiente para que este dela se ocupe, estabelecendo salvaguardas

indispensáveis ao aperfeiçoamento da nossa anacrônica legislação.

363
CAPÍTULO 36

O SINDICATO BRASILEIRO E A

LIBERDADE SINDICAL

1. EVOLUÇÃO DO MODELO BRASILEIRO

O modelo sindical brasileiro evoluiu. Não é mais igual ao de 1947.

Deixou de ser corporativista. Não é ainda pós-corporativista. Seu estágio

atual o inclui entre os modelos semicorporativistas.

Os sinais desse novo desenho estão presentes em diversas figuras da lei.

São diversos.

O primeiro refere-se às atribuições sindicais.

E eram o exercício de funções delegadas de poder público (CF, 1946),

e agora são a defesa dos direitos e interesses da categoria e dos seus

membros (CF, 1988) que de públicas tornaram-se privadas.

O segundo é sobre a criação de categorias.

No modelo corporativista, o quadro do enquadramento sindical relaciona

as categorias. O sindicato, por ato do Estado, era o seu representante. Hoje,

o sindicato é fundado pelos interessados, diretamente, em assembleia, com

a eleição de uma diretoria provisória e a aprovação dos primeiros estatutos,

e passa a representar a categoria indicada nos estatutos; há decisão do STF

no sentido da recepção do quadro de enquadramento sindical pela CF de

1988, a criação seguida de novas categorias pelos sindicatos com o que a

categoria que era um a priori do sindicato passou a ser um a posteriori dele.

O terceiro reside na proibição constitucional de intervenção ou interfe-

rência do poder público na organização sindical, salvo o registro sindical e


a unicidade. A Constituição de 1988, art. 8º, I, é literal, nesse sentido, abrin-

do apenas duas exceções, o registro sindical em órgão definido por lei e a

unicidade sindical, esta o grande problema do nosso modelo para compati-

bilizar-se com as diretrizes da Convenção n. 87 da OIT, mas na atualidade

com atenuações.

O quarto, esta é uma das atenuações, o modelo híbrido de pluralidade no

nível das Centrais e de unicidade sindical nos demais patamares. Há países

364

que mantêm a unicidade sindical nas bases ou em nível de empresa e nem

por tal motivo o seu modelo é declarado incompatível com a liberdade sindical.

O quinto é a valorização dos estatutos das entidades sindicais que

são livremente elaborados por elas e servem de diretriz para a solução dos

conflitos que possam surgir nas eleições sindicais.

O sexto está na finalidade do registro sindical: antes, a carta sindical,

um ato constitutivo de reconhecimento, pelo MTE, da representação sindi-

cal, agora, o Arquivo Nacional das entidades sindicais, ato meramente ca-

dastral sem força constitutiva mas simplesmente indicativa.

O sétimo encontra-se na natureza facultativa das contribuições para o

custeio do sistema, conforme jurisprudência, salvo a contribuição sindical

compulsória, como compulsórias também são as denominadas contribuições

negociais de alguns países.

O oitavo, a validade dos acordos e convenções coletivas de trabalho,

antes dependente de homologação do MTE, agora resultante de mero

depósito dos instrumentos normativos no referido órgão público.


Nono, a legalização das Centrais Sindicais.

Houve, portanto, avanços, embora nem todos os desejados.

A legalização das Centrais é uma etapa nova da vida dessas organizações.

A sua existência de institucional passou a jurídica.

A legalização deu-se por meio da Lei n. 11.648, de 2008, que entrou

em vigor na data da sua publicação — 1º.4.08 — precedida de exposição de

motivos com destaque para os seguintes principais aspectos:

A lei veio dar maior consistência organizativa ao sistema. Estava

desorganizado. Crescia sem controle.

Destaque-se o fator representatividade.

A lei das Centrais Sindicais é a primeira da história sindical brasileira

que introduziu o fator representatividade como pressuposto da criação de

uma organização sindical. Sem representatividade uma entidade não pode

ser uma Central Sindical. Seis, das associações pretendentes, preencheram

essa exigência e se credenciaram a receber os recursos destinados pela lei.

O MTE anualmente divulgará a relação das Centrais. Portanto, a repre-

sentatividade poderá ser rotativa.

Como será verificada e com base em que dados?

Já os vimos e são aqui repetidos.

365

O primeiro é a consistência numérica atendida com a demonstração do

número de trabalhadores sócios dos sindicatos filiados à Central em todo o

território nacional. Esses dados podem ser extraídos da relação informatizada

e nominal dos trabalhadores sócios do Sindicato em todo o País.


O segundo é a abrangência territorial dos representados que pode

ser demonstrada pela verificação do número de sindicatos distribuídos em

regiões do País.

O terceiro é a abrangência categorial dos representados que será a

constatação dos setores da atividade econômica cobertos pelos sindicatos

filiados à Central.

Tanto a abrangência territorial como a categorial podem ser esclarecidas

pelos estatutos dos sindicatos que se filiaram a uma Central.

Deles consta a base territorial e a categoria de cada sindicato. As

informações da Rais também podem ajudar.

Nossos Tribunais avaliarão em decisão final os índices de representa-

tividade.

Já decidiu o STF antes da lei pela ilegitimidade ativa da Central para

atuar em Juízo.

Com efeito, concluiu que “sendo que a autora constituída por pessoas

jurídicas de natureza vária, e que representam categorias profissionais

diversas, não se enquadra ela na expressão — entidade de classe de

âmbito nacional —, a que alude o art. 103 da Constituição, contrapondo-se

às confederações sindicais, porquanto não é uma entidade que congregue

os integrantes de uma determinada atividade ou categoria profissional ou

econômica, e que, portanto, represente, em âmbito nacional, uma classe.

— Por outro lado, não é a autora — e nem ela própria se enquadra nesta

qualificação — uma confederação sindical, tipo de associação sindical de

grau superior devidamente previsto em lei (CLT, arts. 533 e 535), o qual ocupa
o cimo da hierarquia de nossa estrutura sindical e ao qual inequivocamente

alude a primeira parte do inciso IX do art. 103 da Constituição. Ação direta de

inconstitucionalidade que não se conhece por falta de legitimação da autora”.

Essa jurisprudência deve ser reavaliada?

As Centrais são pessoas jurídicas de direito privado. Como tal, legitima-

ram-se para atuar em Juízo, tanto civil como trabalhista.

Na Justiça do Trabalho, não poderão ingressar com dissídios coletivos.

Se o dissídio coletivo é o sucedâneo da negociação coletiva frustrada, e

como as Centrais não têm entre as atribuições que lhes foram conferidas pela

lei, a função negocial, portanto, não podem pactuar acordos e convenções

coletivas de trabalho, também não poderão propor dissídios coletivos de

natureza econômica.

366

Quanto aos dissídios coletivos de natureza jurídica, tudo dependerá das

situações que se apresentarem e dos pleitos nos mesmos formulados.

Quanto à ação de inconstitucionalidade, de acordo com o art. 103, IX, da

CF, podem propô-la confederação sindical ou entidade de classe de âmbito

nacional. Esse segundo pré-requisito está atendido porque a Central é uma

associação da classe trabalhadora de âmbito nacional.

Sua competência, todavia, de acordo com a Lei das Centrais, é

coordenar a representação dos trabalhadores por meio das organizações

sindicais a ela filiadas.

Se a interpretação correta é a gramatical, o problema da legitimidade

ativa para agir em juízo não estará resolvido na medida em que as Centrais
atuam por intermédio das entidades sindicais que representa. Se assim for, a

legitimidade seria dos sindicatos representados e não da Central.

Outra hipótese é a apreciação do caso sob a perspectiva do art. 7º do

CPC segundo o qual toda pessoa que se acha no exercício dos seus direitos

tem capacidade para estar em juízo. As pessoas jurídicas são representadas

em juízo por quem os seus estatutos designarem. As Centrais são pessoas

jurídicas. Logo, teriam legitimidades ativa e passiva.

Prefiro essa última hipótese; mas reconheço que podem surgir

divergências. Aceita essa diretriz, a interpretação da lei das Centrais ao

dispor que estas coordenarão e representarão os trabalhadores por meio das

organizações sindicais filiadas deve ter um significado não processual, mas

de direito material. Significa que as Centrais não representam trabalhadores.

Representam sindicatos.

O princípio da liberdade sindical previsto na Constituição de 1988 (CF,

art. 8º) limita a criação de mais de uma organização sindical representativa de

uma categoria em qualquer grau. O princípio é válido para as Confederações,

Federações e Sindicatos, mas não para as Centrais porque não representam

uma categoria.

As Centrais são organizações conexas ao sistema confederativo, mas

não integrantes dele.

Nada impede um modelo sindical híbrido.

Exemplifique-se como o norte-americano, de unicidade sindical na

empresa e pluralidade sindical em outros níveis. O nosso modelo é híbrido

também, de pluralidade sindical de cúpula e de unicidade sindical na base.


Toda a tendência do sindicalismo moderno é no sentido de admitir

Centrais.

367

CAPÍTULO 37

OS SINDICATOS E A FLEXIBILIZAÇÃO

DO DIREITO DO TRABALHO

1. LEIS FLEXIBILIZADORAS

Esta é uma tentativa de examinar o tamanho da flexibilização das leis

trabalhistas no Brasil e de avaliar os seus efeitos reais. A abordagem que

passa a ser feita é técnico-jurídica e não político-ideológica, muito embora

não se desconheça a influência deste naquele fator. A diferença entre os dois

métodos de estudo reside numa questão de prioridade. Priorizamos a análise

da flexibilização em nosso ordenamento jurídico, sendo esse o âmbito da

nossa preocupação. Assim, será possível saber se o debate sobre o tema é

natural ou artificialmente provocado.

A tarefa é difícil, principalmente porque embora ainda não se tenha uma

ideia clara das suas dimensões e efeitos nas relações de trabalho, os debates

sobre o tema dividem as opiniões separando as ideias flexibilizadoras,

mais aplaudidas pelos empregadores, das concepções antiflexibilizadoras,

ardentemente sustentadas por aqueles que a consideram um expediente

neoliberalista para suprimir vantagens dos trabalhadores e favorecer as

empresas, sem que se chegue a uma conclusão embora todos possam supor

que tenham encontrado a solução.

É importante um juízo de valor sobre essa questão, mas isso não pode
ser feito ao sabor dos impulsos sentimentais. Pressuposto de uma conclusão

serena é saber a trajetória da flexibilização em nosso Direito em todo o seu

traçado, desde a sua implantação até os nossos dias.

Quando se deu o seu ingresso em nosso País?

Foi em decorrência de um projeto flexibilizador e de modo concentrado

num mesmo e único momento da história das nossas relações de emprego?

A sua penetração em nosso meio foi difusa mediante leis esparsas em

momentos políticos e culturais diferentes?

Quais foram as suas principais causas?

Para que se tenha uma visão de amplitude do tema, julgamos melhor

reuni-lo em um quadro demonstrativo da sua trajetória no Brasil indicando o

ano em que houve uma medida flexibilizadora e o tema flexibilizado com o

que cada intérprete poderá chegar à sua conclusão.

368

Há uma longa trajetória durante a qual a flexibilização instaurou-se

em nosso ordenamento jurídico, por força, principalmente, das leis, mas,

também, da jurisprudência.

Nosso direito do trabalho abriu as portas para a flexibilização.

1965. A redução negociada da jornada e dos salários.

1966. Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) opcional.

1967. Acordos coletivos por empresa; depósito e não mais a homologação

pelo Ministério do Trabalho e Emprego dos acordos e convenções coletivas

entre sindicatos e empresas.

1974. Trabalho temporário.


1988. Contrato a prazo determinado com redução de encargos;

compensação ou banco de horas; redução negociada de salários; ampliação

negociada de seis para oito horas dos turnos de revezamento.

1989. Liberação do trabalho das mulheres.

1993. Terceirização de atividades de apoio das empresas.

1994. Desindexação dos salários; descaracterização do vínculo de

emprego entre cooperado e cooperativas.

1997. Programa de demissão voluntária dos servidores públicos.

1999. Participação nos lucros ou resultados da empresa, desvinculada

dos salários; instituição facultativa de comissões de conciliação extrajudicial

dos direitos trabalhistas.

2001. Suspensão temporária do contrato de trabalho por acordos

coletivos para requalificação profissional do trabalhador; separação das

utilidades e dos salários; limitação da inclusão do tempo de trajeto na jornada

de trabalho; contrato a tempo parcial de 25 horas com salário proporcional.

2005. Falência e recuperação da empresa para limitar o privilégio dos

créditos do trabalhador e preservar a empresa.

Foi introduzida não só por um único Governo ou em uma única fase do

pensamento político dominante, uma vez que a sua configuração deu-se de

modo difuso e em diferentes momentos da nossa história política.

Como a sua trajetória prolongou-se num largo tempo desde o seu

início até hoje, a flexibilização foi no Brasil produto de mais de um Governo,

tanto de um Governo neoliberal como de um Governo social-democrata e,

também, de um governo político-social, muito embora ser de toda a evidência


a propensão maior dos primeiros para a sua adoção em consonância com

369

o princípio da não intervenção do Estado na ordem econômica e social,

rejeitado, de certo modo, mas não de todo, pelos dois outros tipos de Governo.

Uma das suas características no Brasil é a sua instauração gradativa

desenvolvida em épocas diferentes durante diversos anos e não instantânea

mediante um só e único ato que a tivesse concentrado para instaurar-se de

uma só vez.

Um aspecto positivo que resulta da sua instauração gradativa

distribuída no tempo e por leis esparsas é a ausência de traumas, ou seja,

a sua absorção sem conflitos sociais, embora seja penoso para alguns

trabalhadores, certamente a minoria, sofrer os seus impactos, a menos que,

por absurdo que possa parecer, tenha também mostrado o seu lado positivo

para o trabalhador como nas situações em que da flexibilização resultou a

preservação que poupa a perda do emprego.

Os sindicatos dela participaram efetivamente pela via das negociações

coletivas.

Com efeito, surgiu em 1965 para permitir que diretamente os próprios

trabalhadores e empregadores estabelecessem critérios de enfrentamento

de uma situação específica, a conjuntura econômica adversa.

A mesma lei voltou a ser debatida em 2009 com o propósito de os

empresários da indústria renegociarem esses dois temas como alternativa

para a dispensa de empregados em face da crise econômica de 2008 que os

levou a reduzir o quadro de pessoal.


As causas que deram origem à invocação dessa lei não foram políticas,

mas econômicas, dado que é impossível negar os efeitos da crise mundial

em nosso País e seu perverso resultado sobre os empregos. É público e

notório o decréscimo das atividades do processo produtivo e do número de

empregos no Brasil em 2008/2009 bastando, para essa conclusão, verificar

os dados oficiais do Governo. Não é uma medida neoliberal porque foi

prestigiada por Governos de tendências políticas e sociais diferentes, desde

os Governos militares.

Com a regulamentação, ainda em fase de configuração, depois da

crise mundial da economia em 2008, de um novo modelo de economia, os

modelos em questão aproximaram-se na medida em que o Estado viu-se

obrigado a interferir na economia; tudo indica que a sua trajetória continuará,

e com maior razão.

Atravessou o período da Velha República, o reinício do processo demo-

crático, o final da presidência de João Batista Figueiredo, a era de transição

de José Sarney, a época de Fernando Collor, de Itamar Franco, de Fernando

Henrique Cardoso e continuou com Lula e a lei de recuperação de empresas.

370

Essa trajetória retira da flexibilização das leis trabalhistas no Brasil

qualquer viés político-ideológico.

Não é liberal. Não é social-democrata. Aconteceu em todas essas

fases da nossa história. Portanto, é uma questão técnico-jurídica além de

econômico-social e não ideológica porque se expressa, em nosso País, em

diversas ideologias.
É parte integrante do direito do trabalho a ser estudada principalmente

no direito individual do trabalho no curriculum das universidades.

É um fenômeno de economia, de sociologia, de direito individual de

trabalho e tem algumas conexões com o direito coletivo do trabalho, com a

ação sindical e diretamente com a gestão empresarial.

Não se voltou para um determinado tipo de direito, mas para diversos

tipos de direitos, alguns marcados pelo seu significado e efeitos, outros nem

tanto, caracterizando-se, assim, pela diversificação de finalidades.

Ao contrário dos registros históricos de outros países nos quais começou

com a crise do petróleo na Europa (1970), em nosso País antecederam-na

duas medidas legislativas dos anos 1960, a redução da jornada e o salário

por negociação coletiva e o fundo de garantia de tempo de serviço, a maior

flexibilização da dispensa do empregado em nosso País, tornando-a um

direito potestativo do empregador com o poder que adquiriu sem as amarras

da estabilidade decenal ou sem a necessidade de um motivo para desligar

o empregado.

Relevante, também, foi a desindexação salarial promovida pelo Plano

Real que transferiu os reajustes coletivos de salários do plano estatal com

base nos planos econômicos do Governo, para a esfera privada e a livre ne-

gociação coletiva entre sindicatos e empresas, mudança essa que teve forte

resistência na época pelos sindicatos mas que mais tarde veio se mostrar

um meio eficaz de combater a inflação que daí por diante desde o governo

Fernando Henrique Cardoso e que com o Governo Lula estabilizou-se.

Outro efeito que trouxe foi a ampliação dos contratos a prazo iniciada
em 1967, por iniciativa do Ministro Arnaldo Süssekind, quando foi criado um

novo nível de negociação coletiva, a negociação em nível de empresa, além

do nível mais amplo dos ajustes por categorias sindicais que já existia, feliz

iniciativa que permitiu, daí por diante, entendimentos diretos do empregador

com o sindicato para solucionar questões de interesse específico das

relações com os seus empregados hoje bastante utilizados como os acordos

de participação nos lucros e resultados, os acordos de compensação de

horas e outros.

371

Depois da fase inicial, não perdeu vigor, ao contrário, intensificou-se

a partir de 2000 com a participação nos lucros ou resultados da empresa

desvinculada dos salários (2000), a instituição facultativa de comissões para

conciliação — transação extrajudicial dos direitos considerados irrenunciáveis

— (2000), a suspensão temporária do contrato de trabalho por acordos

coletivos para requalificação profissional do trabalhador (2001), a separação

das utilidades e dos salários (2001), a limitação do tempo in itinere a alguns

percursos (2001) e o contrato a tempo parcial de 25 horas semanais com

ganho proporcional (2001), medida, esta, sem ressonância no empresariado,

embora muito usada em outros países ( part time).

Foi abertamente destinada a atender aos interesses da empresa na

época atual (2005) com a lei de falências e recuperação de empresas que

alterou dois institutos: o privilégio dos créditos trabalhistas, que foi reduzido,

e a sucessão do empregador, uma vez que antes o adquirente da massa

falida era, e depois da lei não é mais, responsável pelo passivo trabalhista.
Da gradatividade da sua inserção em nosso ordenamento jurídico

resulta outra característica: disseminou-se entre nós sem traumas, sem

conflitos sociais, embora no campo intelectual tenha suscitado manifestações

ardorosas dos seus opositores, maiores do que a sua repercussão social.

Tem sido aceita por alguns sindicatos, como no caso da convenção

coletiva de trabalho do setor hospitalar, fixando jornada de trabalho de 12 por

36 horas e que se renova há muito tempo nesse setor, com outros setores

que a seguiram, na maioria dos casos com aval judicial.

Suas causas em nosso País foram diversas, abrangendo a recomposição

das jornadas de trabalho, a modificação do modelo de dispensa, a facilitação

da contratação de empregados, a autonomia privada coletiva, a promoção do

trabalho da mulher, a descentralização da atividade produtiva, o combate ao

maior inimigo dos salários que é a inflação, o incentivo para a concessão do

empregador de vantagens sociais aos seus empregados, o oferecimento, à

empresa, de alternativas para evitar a dispensa dos empregados e, também,

a preservação dos empregos; constatação que permite ver que não é,

portanto, um mecanismo voltado para prejudicar os empregados, mas para

permitir a continuidade das relações de emprego.

O meio pelo qual se manifesta é a alteração da lei mas, paralelamente,

também, os contratos coletivos de trabalho e a jurisprudência dos Tribunais

do Trabalho estão também exercendo um certo peso na sua evolução.

Há três causas principais da flexibilização das leis trabalhistas: a crise

econômica, a redução de custos como meio de enfrentamento da competição

empresarial e o avanço tecnológico que permite maior produção com menor


número de empregados.

372

É possível concluir que a flexibilização tem causas necessárias, todavia,

também poderá ter motivos de pura estratégia produtiva comercial ou,

ainda, pode resultar do aproveitamento de inovações e novos processos de

produção de bens e de serviços que reduzem a extensão do trabalho humano

ou o substituem com maior eficácia — nova organização do trabalho.

O movimento sindical perdeu muito do seu poder de negociar, e o seu

número de filiados diminuiu, apesar das ações que desenvolve no sentido

da sua afirmação e da defesa dos interesses dos trabalhadores, alterando-

-se a fisionomia das pautas de reivindicações periódicas, antes centrada em

melhores salários, agora em manutenção de empregos, retreinamento e van-

tagens sociais mais do que econômicas.

Aumentaram as negociações coletivas em nível de empresa, embora

subsistam as discussões no plano das categorias e, até mesmo por força da

globalização dos mercados, na esfera internacional, responsável, também,

pela instituição de comunidades, como a União Europeia, que traz como

decorrência natural a formação de um direito do trabalho comunitário e de

convenções coletivas, em nível de empresa, comuns a mais de um país.

A classe trabalhadora começou a lutar por bandeiras diferentes das

tradicionais, dentre as quais a redução das horas de trabalho como meio de

combate ao desemprego, na medida em que o tempo preenchido em horas

extras com um empregado poderia servir à ocupação de outro. Na Europa,

mediante acordos coletivos, houve significativas reduções da jornada de


trabalho; exemplificando-se: na Alemanha, com o acordo entre a Volkswagen

e o sindicato dos trabalhadores, que permitiu a conservação de cerca de

30.000 empregos.

É elevado o número de pessoas no mundo desempregadas ou

subempregadas. As estimativas são de crescimento desse contingente,

e o direito do trabalho ainda não encontrou meios eficazes de enfrentar o

problema que caracteriza o período contemporâneo com a nova questão

social, resultante do crescimento do exército de excedentes atingidos pela

redução da necessidade de trabalho humano, substituído pela maior e mais

barata produtividade da tecnologia, fenômeno desintegrador que não poupou

nem mesmo os países de economia mais consistente.

A reengenharia do processo produtivo, a informática e a globalização

levaram as empresas a reestruturar os serviços transferidos para unidades

menores e a dispensar por motivos econômicos, tecnológicos ou estruturais,

aumentando a produção com um número menor de empregados. Surgiram

novos tipos de trabalho, que os computadores e a televisão criaram, como o

teletrabalho na residência do prestador, mas também a economia, como um

todo, mudou algumas de suas características.

373

A economia ainda debate perplexa alguns dos seus postulados no

sentido de ser menos Adam Schmidt, pai do liberalismo econômico, quando

sustenta que a riqueza das nações só é possível mediante a espontaneidade

e o interesse de quem trabalha e para esse fim a pessoa deve ser livre (v. A

riqueza das Nações), e mais keynesiana (v. A treatise on money, 1930, The
economic consequences of the peace, 1919 e 1936), quando se propõe a

salvar o regime da empresa privada afastando-se do laissez-faire integral.

A posição da Organização Internacional do Trabalho — OIT diante da

questão é mostrada em três principais estudos: “O emprego no mundo”

(1996/97), “As políticas nacionais na era da globalização” (1996) e “A

atividade normativa da OIT na era da globalização” (1997). O seu diretor,

Héctor G. Bartolomei de la Cruz, no Seminário Internacional sobre Relações

de Trabalho, realizado no Brasil (1997), mostrou que esses documentos

revelam uma preocupação de que a atual e precária situação do emprego

venha a agravar-se, porque os rápidos progressos técnicos estão trazendo

consigo um crescimento que não cria empregos e coloca-nos diante de um

quadro de deterioração quase universal das condições de trabalho, com

diminuição do pessoal, supressão de postos de trabalho e redução dos

salários dos trabalhadores não qualificados, mas afirma que não se pode

estabelecer uma relação direta entre a liberalização do comércio internacional

e as perdas de empregos, preconizando uma política econômica e social

coordenada com o desenvolvimento de programas de ação, que devem ser

apreciados sob o prisma da justiça social.

Admitiu-se a redução dos níveis de proteção do trabalhador como

alternativa para as dispensas e forma de diminuir o desemprego, partindo

da premissa de que os empregadores estariam mais dispostos a admitir

trabalhadores caso não tivessem de responder por altos encargos trabalhistas

ou não encontrassem dificuldades para a descontratação. Para esse fim, a

receita da flexibilização é o estimulo à maior espontaneidade das forças de


mercado para ajuste direto entre os seus interesses.

Assim, a diversificação dos temas centrais do direito do trabalho

e das relações de trabalho em um novo quadro socioeconômico, no qual

se combinam elementos de flexibilização e intervencionismo diante da

fragmentação do mercado de trabalho e da redução de empregos, caracteriza

a época pela retipificação dos contratos de trabalho.

No novo quadro desenhado no período contemporâneo, a lei trabalhista

desenvolve-se em duas linhas paralelas, uma figura binária que reúne

garantismo e flexibilização.

Diversamente do Brasil, na Itália a flexibilização nasceu planejada e

concentrada, resultado de um estudo programático e cultural iniciado com a

publicação do Livro Branco (2001) do qual resultou uma Lei Delegada (n. 30/03).

374

O modelo italiano, na descrição de Tosi e Lunardon (v. Introduzione al

diritto del lavoro, 2004) é o resultado de uma série de estudos que abrangem

o Projeto Alleva, o Projeto D’Antona, o Projeto Luca Tamajo e finalmente

o Projeto Biagi, deste resultando a Lei Biagi com base em um estudo

denominado Proposta per uno Satuto dei lavori.

O que deu motivo a esse estudo foi, segundo os autores, o envelheci-

mento do aparato protetivo do direito do trabalho, no curso dos anos 1980,

em especial do sistema dual subordinação-autonomia diante da visível

intersecção entre ambos de novos sistemas produtivos e de novas atividades

profissionais que não se enquadram nem em um nem em outro grupo.

Diante disso, a doutrina construiu a teoria da parassubordinação e a


Lei Biagi a nova tipologia dos contratos de trabalho coordenado ou, sim-

plesmente, contrato de trabalho sem qualquer adjetivação. A proposta prevê

a passagem do estatuto estático do emprego para o estatuto dinâmico da

atividade com suas múltiplas conotações: atividades autônomas, atividades

subordinadas, atividades associativas, atividades formativas ou de qualifi-

cação profissional, atividades empreendedoriais etc. A mudança do cenário

não pode deixar de ser vista.

Como mostramos, dois foram os documentos básicos que fundamentaram

a flexibilização concentrada da Itália: o Libro Bianco (2001) e a Lei Biagi.

O Libro Bianco, redigido por um grupo de trabalho coordenado por

Maurizio Sacconi e Marco Biagi, do qual participaram Carlo Dell’Aringa,

Natale Forlani, Paolo Reboani, Paolo Sestito é um estudo doutrinário

socioeconômico com uma série de considerações da qual resultou a Proposta

per uno Statuto dei lavori.

É um documento extenso, de modo que serão assinaladas as principais

análises e ideias nele contidas. A análise é do mercado de trabalho na Itália e

a proposta central é para uma sociedade ativa e por um trabalho de qualidade.

Considero-o uma interessante experiência de diálogo social e entre as

suas finalidades está a de garantir uma taxa de ocupação razoável próxima

de um crescimento econômico sustentável e de reunir propostas para uma

reforma legislativa.

Não interfere nos instrumentos de política econômica, fiscal e industrial

destinados a garantir um crescimento sustentável recomendando; no

entanto, a progressiva redução dos encargos sociais e contributivos que


gravam o custo do trabalho e dificultam o incremento dos empregos, além

de uma reforma do sistema de previdência social, de modo a ampliar a base

contributiva deste.

375

A Itália, que em 2000 apresentou um índice de desemprego de 53,5%,

visa a atingir em 2010 uma taxa de ocupação razoável diante de um mercado

de trabalho inflado por diversos fatores, como a mais intensa participação dos

jovens, das mulheres, dos idosos, uma difusão maior do trabalho autônomo e

diferentes formas de trabalho irregular.

Na definição dos novos critérios de regulação do trabalho, foram con-

siderados dois aspectos centrais, o garantismo e a flexibilidade com o pro-

pósito de superar o que foi denominado a estéril abordagem ideológica que

determinou a paralisia ou a falência de muitas reformas, priorizando-se uma

política de trabalho que não pode prescindir da realidade múltipla de um país

de dimensões maiores e no qual devem ser adotadas medidas diferentes

para as situações diversas que apresenta em suas regiões.

A estrutura social avaliada denotava uma acentuada caracterização

assistencialista e pensionística, resultado de uma regulamentação trabalhista

rígida da qual estava ausente uma intervenção estrutural que favorecesse

a demanda e a oferta de trabalho, quando a experiência de outros países

da Europa demonstrava a conveniência de conjugar num sistema incentivos

e amortizações que concorram para a realização de um equilíbrio entre

segurança e flexibilidade, de modo a acrescer as vagas de trabalho e diminuir

as formas de precarização do trabalho da qual pode surgir uma fratura no


tecido social.

Assim, ao legislador nacional cabe intervir com uma normativa-moldura

em diálogo com as regiões e interlocutores sociais e cumpre a cada esfera

territorial uma ampla regulação que valorize o mercado de trabalho e supere

a estratificação do ordenamento jurídico.

O ordenamento jurídico, propôs a reforma italiana, deve ser sempre mais

baseado sobre o management by objectives do que sobre o management by

regulation.

Entre nós, com efeito, como vimos, a flexibilização começou em 1965 com

a lei de redução da jornada e dois salários, diante da conjuntura econômica,

seguiu-se o fundo de garantia do tempo de serviço opcional à estabilidade

decenal (1966), o depósito e não mais a homologação pelo Ministério do

Trabalho e Emprego dos acordos e convenções coletivas entre sindicatos e

empresas (1967), o trabalho temporário (1974), a desindexação dos salários

(1994), a liberação do trabalho das mulheres (1989) e a descaracterização

do vínculo de emprego entre cooperado e cooperativas (1994), o programa

de demissão voluntária dos servidores públicos — dentre os quais há os

“celetistas” (1997), o contrato a prazo determinado com redução de encargos

(1998) e a compensação ou banco de horas (1998), a possibilidade de

negociar com o sindicato a redução de salários e a ampliação dos turnos de

revezamento (1988).

376

Intensificou-se a partir de 2000: participação nos lucros ou resultados

da empresa desvinculada dos salários (2000), instituição facultativa


de comissões para conciliação — transação extrajudicial dos direitos

considerados irrenunciáveis — (2000), suspensão temporária do contrato de

trabalho por acordos coletivos para requalificação profissional do trabalhador

(2001), separação das utilidades de salários (2001), limitação do tempo in

itinere a alguns percursos (2001), contrato a tempo parcial (2001).

Ampliou-se, a seguir: abertura das portas da Justiça do Trabalho para

ações judiciais promovidas por trabalhadores não subordinados (2004) e

falências e recuperação de empresas (2005).

As novas leis mostram que o direito do trabalho se encaminha para

mais de uma direção.

Preponderam, nas suas novas dimensões, leis flexibilizadoras do

contrato individual de trabalho para facilitar a administração do pessoal, como

a ampliação da compensação de horas e a validade da redução de salários

por acordos ou convenções coletivas de trabalho, mas dentre as medidas que

se enquadram nessa perspectiva, algumas não tiveram eficácia, sendo esse o

caso da permissão para admissão de pessoal acima do quadro fixo da empresa

e para suspensão temporária do contrato individual mediante acordo coletivo,

e outras não tiveram aceitação das empresas, como a jornada a tempo parcial.

Há leis de concessão de ganhos sociais ou não salariais, como a des-

vinculação de algumas utilidades do âmbito do salário, dentre as quais os

gastos de educação com os empregados, o transporte gratuito de ida e volta

do serviço, a assistência médica, hospitalar, odontológica, seguro-saúde, se-

guro de vida, seguro de acidentes pessoais e previdência privada, vantagens

que se tivessem natureza salarial penalizariam, com os reflexos salariais,


a empresa concedente e que uma vez eliminados podem incentivar a sua

concessão em benefício do trabalhador, que sofrerá menores deduções no

salário, e da empresa, que terá reduzidos os seus encargos sociais.

Outras leis têm um sentido tutelar, absolutamente correto, como as que

vedam discriminações, em especial à mulher, e procuram facilitar a inserção

do portador de necessidades especiais no mercado de trabalho; outras

leis, ainda, têm como característica preponderante o sentido ético, como a

tipificação, como infração penal, da sonegação de contribuição previdenciária,

assim considerada, também, a falta de anotação da Carteira de Trabalho

e Previdência Social e de formalização de pagamentos do empregador ao

empregado.

Outras leis incentivam a valorização da solidariedade social, como a

lei do trabalho voluntário sem a configuração do vínculo de emprego, para

permitir que as pessoas exerçam uma atividade de colaboração e assistência

aos carentes e necessitados.

377

Outras leis, ainda, têm a finalidade de promover a requalificação

profissional e a formação da mão de obra profissional, como a nova legislação

sobre aprendizagem do menor.

E outras leis possuem a clara finalidade de atender aos interesses da

gestão empresarial, como a priorização da recuperação da empresa pré-falida

para preservação de empregos, a imposição, na falência, de teto para o valor

dos créditos privilegiados dos trabalhadores, ficando, o remanescente, para

a categoria dos créditos quirografários, a exclusão, do conceito de sucessão


de empresas, da aquisição do acervo de empresa falida para que o passivo

não se transfira para os adquirentes e os contratos individuais de trabalho

com o adquirente iniciem-se como vínculos de trabalho novos, e a ampliação

da idade máxima do aprendiz no contrato de aprendizagem.

Subsistem diversos problemas.

Um deles, a complexidade da organização sindical, agravada pelos

desdobramentos de categorias, pela criação de sindicatos de categorias

diferenciadas, pelas divisões de bases territoriais e pela criação indiscriminada

de sindicatos que entre si disputam a representação de categorias tradicionais.

A ampliação da negociação coletiva é um fato. Basta ver a modalização

jurisprudencial que dá validade aos acordos coletivos para diversos fins,

dentre os quais a compensação de horas, os planos de participação nos lucros

ou resultados da empresa, as jornadas de trabalho, em casos excepcionais

e justificáveis, em limites que superam os estabelecidos pela lei, como as

jornadas de 12 horas de trabalho com 36 horas de descanso ou, até mesmo,

de 24 horas de trabalho com 36 de descanso, a exigência da comprovação

do esgotamento da negociação coletiva para que um Sindicato possa propor

dissídio coletivo nos Tribunais do Trabalho, a redução dos intervalos de

jornadas de trabalho, em casos nos quais a atividade econômica justifique,

para duração de meia hora apesar do limite mínimo de uma hora fixado pela

lei e a compensação de horas em atividade insalubre.

O problema do choque entre o negociado e o legislado não tem o

mesmo impacto na Itália e na Espanha, porque a legislação trabalhista,

nesses países, ocupa um espaço bem menor, com o que a esfera natural dos
convênios coletivos é maior. Entre nós, dá-se o contrário. O espaço da lei,

no Brasil, é amplo, o que gera atritos inevitáveis com os convênios coletivos.

A supremacia da Constituição Federal é absoluta, só que as Constituições

da maioria dos países são sintéticas e não analíticas como a nossa.

Cresce a tendência para uma modificação. No lugar de uma CLT ampla,

mas que não cobre a realidade atual das relações de trabalho, uma lei geral

do trabalho com um quadro de direitos básicos imperativos, genérica para

378

trabalhador hipossuficiente, integrando o trabalho eventual, o autônomo e o

trabalho parassubordinado. Outros mantêm-se fiéis à diretriz que considera

necessária uma lei não para todo trabalho, mas apenas para o trabalho

subordinado. Uma lei menos ampla e detalhista, no estilo do Estatuto dos

Trabalhadores da Espanha ou do Statuto dei Lavoratori da Itália, seria mais

eficaz e permitiria a ampliação da negociação coletiva.

As inúmeras regulamentações profissionais especiais disciplinadas

por lei, da década de 1930, favoreceram algumas profissões. Teriam, nas

convenções coletivas, um melhor instrumento jurídico. Assinale-se, ainda, que

sobram razões para um tratamento especial favorecido para microempresas

e para diferenciação dos direitos trabalhistas de diretores empregados,

estatutários e altos executivos, cujas garantias devem estar no contrato e

não na lei, nada justificando que a lei seja a mesma do operário.

A tendência da matéria objeto da legislação intervencionista é encami-

nhar-se para a tutela da personalidade, da saúde, da segurança, do trabalha-

dor em seu meio ambiente de trabalho, valores que a lei deve prestigiar e que
não podem ser entregues à lei do mercado, sendo indispensável a atuação

do Estado pelos seus mecanismos de administração pública do trabalho.

Certo é, todavia, que de nada adiantam leis sem a manutenção do

necessário equilíbrio com a clara percepção de que o exagero do avanço do

econômico sobre o social pode levar à exclusão social e desproteção social,

além dos permissivos econômicos.

A problemática epistemológica do direito do trabalho no atual quadro

das discussões sobre as ideias que o presidem e os fins que deve cumprir na

sociedade não se completaria sem uma verificação, ainda que rápida, sobre

a nova terminologia que vem sendo desenvolvida nos textos doutrinários e

nos debates acadêmicos em que o direito do trabalho é avaliado.

Uma expressão atualmente utilizada no debate doutrinário latino-ameri-

cano, o garantismo, inclusive por Oscar Ermida Uriarte, quando, ao examinar

as alternativas para o direito do trabalho, aponta, como uma delas, o que

chama de “flexibilização à italiana, que supõe uma substituição do garantis-

mo heterônomo pelo garantismo coletivo, convertendo as disposições esta-

tais em normas disponíveis pela autonomia coletiva”, seria neologismo em

nosso idioma, embora conhecida em língua espanhola.

Dispomos da palavra garantia para designar a mesma ideia, que

não é exatamente igual a paternalismo, que pressupõe a substituição da

capacidade de alguém de deliberar sobre o que é melhor para si próprio

pela determinação de outra pessoa supostamente em melhores condições

de resolver, o que é indesejável, forma de despotismo iluminado que não

pode ser aceita. Já a garantia no sentido aqui empregado está muito mais
379

próxima de tutela, conquanto com ela também não se confunda, já que esta é

uma assistência de alguém sobre outrem, e não é exatamente esse o sentido

de “garantismo”, que supõe uma concepção de direito do trabalho inflexível e

indisponível quanto a determinados direitos, que, por serem de ordem pública

social e fundamentais para o trabalhador, são assegurados, pela legislação,

como mínimos e inderrogáveis; garantia essa da qual não são cercados os

demais direitos acima desse patamar imodificável.

Uma dimensão da garantia, além da estatal, é a convencional, resultante

dos instrumentos coletivos negociados entre os interlocutores sociais, fundada

na autonomia privada coletiva e, por esse mesmo motivo, flexibilizável pelo

mesmo mecanismo instituidor: a negociação coletiva.

Desregulamentação é vocábulo que deve ser restrito ao direito coletivo

do trabalho, e não aplicado, portanto, ao direito individual do trabalho, para o

qual existe a palavra flexibilização. Distinguem-se ambas quanto ao âmbito

a que se referem, uma vez que se desregulamenta o direito coletivo e

flexibiliza-se o individual. Portanto, desregulamentação é a política legislativa

de redução da interferência da lei nas relações coletivas de trabalho, para que

se desenvolvam segundo o princípio da liberdade sindical e a ausência de

leis do Estado que dificultem o exercício dessa liberdade, o que permite maior

desenvoltura do movimento sindical e das representações de trabalhadores,

para que, por meio de ações coletivas, possam pleitear novas normas e

condições de trabalho em direto entendimento com as representações

empresariais ou com os empregadores.


Rerregulamentação, expressão usada por Gino Giugni, é a

desregulamentação para nova regulamentação; é a reforma da legislação

para que tenha outro sentido, menos corporativista e mais coerente com os

imperativos sociais, portanto, uma desregulamentação que não visa a criar

um espaço vazio, mas uma esfera preenchida por normas que redirecionem

o ordenamento jurídico democrático.

Direito positivo agrupa-se em sistemas encontrados no tempo e no

espaço, cada um com algumas características identificadoras com os

demais, mas, também, com peculiaridades que os distinguem, segundo,

principalmente, os aspectos políticos e econômicos em que se inserem. Renê

David classifica os sistemas de direito comum, quanto ao aspecto jurídico,

da seguinte forma: a) romano-germânico; b) anglo-saxônico; c) socialista; d)

sistemas religiosos, como o islâmico, hindu etc.

O direito do trabalho também é classificado quanto aos seus sistemas

político-econômicos, como o corporativista, o socialista e o neoliberalista.

Sob o prisma jurídico, a classificação, elaborada a partir da teoria das fontes

e do tipo predominante de norma que preside o sistema, é tríplice: sistemas

negociados, legislados e comunitários. Trata-se de mera preponderância

380

do tipo de norma que tipifica o sistema, porque, na verdade, todos são, ao

mesmo tempo, legislados e negociados.

Os sistemas negociados apresentam o predomínio da autonomia

da vontade, coletiva e individual, e o tipo fundamental, e quase único, de

norma jurídica são os contratos coletivos de trabalho, centralizados ou


descentralizados, sendo menor a esfera ocupada pela lei. A base do sistema

está na iniciativa dos próprios interlocutores sociais, que desenvolvem

intensa produção normativa direta e sem intervenção do Estado, que

se limita a legislar sobre temas que reputa de maior generalidade. São

desregulamentados, o que significa que as suas normas não são impostas

pelo Estado. Valorizam a ideia do contrato, sobrepondo-a à da lei. O direito

coletivo encontra amplo desenvolvimento, com base nos princípios da

liberdade sindical, dos contratos coletivos e do direito de greve. As formas de composição dos
conflitos são, basicamente, privadas, por meio da mediação

e da arbitragem facultativa, raramente atuando a jurisdição.

As empresas têm um poder discricionário maior sobre o pessoal, e

as divergências trabalhistas que nelas ocorrem são, via de regra, em seu

interior solucionadas. As Constituições são omissivas, nada ou quase nada

dispondo sobre direito do trabalho.

É o caso dos Estados Unidos da América. Há algumas e poucas leis

esparsas, e a ideia do código do trabalho é ignorada. A relação entre o Estado

e os contratos de trabalho é mínima. Há a lei de suporte à negociação coletiva,

coibindo a má-fe (Wagner Act, 1935), o salário-mínimo geral, o Tribunal

Administrativo em Washington, para investigar e punir atos antissindicais,

e o Ministério do Trabalho, que põe à disposição dos interessados serviços

de mediações, quando solicitados por ambos. O movimento sindical

desenvolveu-se com acentuada espontaneidade, independentemente de

leis. As duas centrais sindicais antes existentes fundiram-se, constituindo a

AFL-CIO. Como a organização sindical não é moldada pela lei, há sindicatos

locais, de trabalhadores de uma empresa, de ramos de atividades etc.


Numa empresa, os trabalhadores têm o direito de promover a eleição de um

sindicato que julgarem em condições de defendê-los. Desde que metade

mais um dos empregados da empresa votem por um sindicato, será este que

os representará.

Os conflitos são solucionados na empresa por meio de um procedimen-

to interno de diálogo denominado grievance, por degraus, de acordo com as

cláusulas previstas no contrato coletivo, de modo que no primeiro degrau

o empregado e o chefe devem procurar uma solução direta; não havendo,

passa-se para o segundo degrau, caso em que o representante dos traba-

lhadores dialogará com alguém acima do chefe, subindo-se, assim, sucessi-

vamente, pelas instâncias de negociação fixadas pelo contrato coletivo. Não

381

sendo possível a solução na empresa, há a mediação do Ministério do Tra-

balho, que é facultativa, salvo se obrigatória pelo contrato coletivo. Frustrada

a mediação, as partes podem submeter o conflito a um árbitro. Este é um

particular escolhido pelas partes de uma lista de nomes inscritos numa asso-

ciação. A arbitragem é feita no local indicado pelas partes. A estas cabe o pa-

gamento das despesas e honorários do árbitro. Geralmente, cada parte arca

com a metade. O sindicato responde pelo pagamento para o trabalhador. A

arbitragem é irrecorrível, e o laudo arbitral não é reexaminado pelo Poder

Judiciário, salvo em seus aspectos formais, como uma nulidade relacionada

com a pessoa do árbitro. Nos conflitos coletivos, a composição deve resultar

da negociação. Se impossível, restam a mediação e a arbitragem. A atuação

do Judiciário é restrita a alguns pronunciamentos da Corte Suprema, inter-


pretando questões de constitucionalidade e eventuais decisões de juízes em

poucos casos. O juiz pode expedir ordem de paralisação de uma greve que

considerar ilegal. É a injunction.

Os sistemas legislados são caracterizados pela amplitude da lei, cons-

titucional e infraconstitucional, pela presença do dirigismo do Estado nas re-

lações de trabalho e na menor amplitude da autonomia da vontade e das

negociações coletivas, dos quais o brasileiro da CLT, agora transformando-

-se, é um exemplo. A América Latina, que aqui pode enquadrar-se, merece

referência especial.

Os sistemas comunitários surgiram na época contemporânea com

a globalização e a União Europeia pelo Tratado de Maastricht (1992).

Caracterizam-se pela elaboração de um direito do trabalho internacional,

comum aos Estados integrantes da Comunidade, que o aplica prioritariamente

ao seu direito interno. As normas são elaboradas por um Parlamento

da Comunidade. Os casos concretos de direito do trabalho que surgem

em decorrência da aplicação do direito comunitário são apreciados pelos

tribunais de cada país, que podem suspender os julgamentos, aguardando

a decisão do Tribunal da Comunidade. Os Estados-Partes continuam a

desenvolver a sua atividade normativa. Os Legislativos fazem leis, os

Executivos fiscalizam as relações de trabalho e os sindicatos desenvolvem

negociações coletivas em seus respectivos âmbitos de representação,

mas as diretivas comunitárias prevalecem e passam a influir no direito

interno diretamente. Surgem representações sindicais e patronais em nível

comunitário. Esboçam-se contratos coletivos comunitários. A circulação dos


trabalhadores na Comunidade é livre, com raras restrições em casos de

interesse e ordem pública ( v. item 43, União Europeia).

382

QUARTA PARTE

CONFLITOS COLETIVOS E

FORMAS DE SOLUÇÃO

CAPÍTULO 38

CONFLITOS COLETIVOS

1. CONCEITO E FUNÇÃO

Se uma reivindicação do trabalhador é resistida pelo empregador perante

o qual é apresentada, dá-se um conflito de trabalho. O vocábulo “conflito”,

de conflictus, significa combater, lutar, designa posições antagônicas. Outra

palavra usada é controvérsia. Para Carnelutti, surge uma controvérsia quando

alguém pretende a tutela do seu interesse, relativo à prestação do trabalho

ou seu regulamento, em contraste com interesses de outrem e quando

este se opuser, mediante a lesão de um interesse ou da contestação da

pretensão. Alcalá-Zamora e Cabanellas afirmam que conflito laboral é toda

oposição ocasional de interesses, pretensões ou atitudes entre um ou vários

empresários, de uma parte, e um ou mais trabalhadores a seu serviço, por

outro lado, sempre que se origine do trabalho e uma parte pretenda solução

coativa sobre outra.

Os sociólogos se dividem quanto ao estudo da sociedade e dos conflitos.

Uma teoria, a sociologia dos conflitos, sustenta a natureza conflitante dos

grupos sociais e a consequente impossibilidade da sua integração como


modo natural do desenvolvimento dos movimentos sociais. Outra teoria, a

sociologia da integração, afirma que há um caráter integrativo dos conjuntos

sociais, não obstante a sua oposição, sendo possível uma ordem social sem

conflitos.

Na infinidade de grupos existentes na sociedade, há diversos fatores

que atuam neles e nas relações com outros grupos, como a solidariedade

de interesses materiais e espirituais, a interação, o predomínio dos laços

de aproximação sobre os motivos de afastamento, a consciência comum

unificante, a uniformidade de sentimentos, de modo que o que ocorre dentro

de um grupo pode, também, suceder nas relações entre as pessoas e entre

os grupos.

O trabalho é traço instituidor de um grupo, como a atividade econômica

comum é outro. Os trabalhadores, como classe social, podem ter interesses

contrapostos aos dos empregadores como segmento. O conflito de classes

existe. Mas a possibilidade de convivência, apesar da contraposição de

interesses, também.

Conflitos trabalhistas, como são denominados aqueles que surgem

entre os trabalhadores e os empregadores, nascem em um conjunto de

385

circunstâncias fáticas, econômicas e outras, como a insatisfação com a

própria condição pessoal, social ou profissional.

O conflito não é apenas a insatisfação com as condições de trabalho, mas,

também, a exteriorização dessa insatisfação, expressada como ruptura com o

modelo jurídico, pondo em crise a relação de trabalho. A ruptura não observa


uma unidade de forma e, às vezes, tem a máxima evidência, como na greve.

Outras vezes, a exteriorização é mínima, como no pleito de novas condições

de trabalho visando à negociação. Desse modo, há conflitos pacíficos e

violentos. O encaminhamento de um dos dois tipos de conflitos depende de

uma série de fatores, não só pertinentes à esfera dos trabalhadores, como a

ideologia de um grupo sindical, como, também, ao âmbito dos empregadores,

como a sua política mais aberta ou fechada de receptividade ao diálogo e

a sua maior ou menor sensibilidade diante dos problemas do trabalhador.

Assim, há aqueles que só acreditam no conflito como meio de exteriorizar

insatisfações e outros que não participam dessa convicção.

O conflito leva a uma reformulação da situação existente, conquanto

não seja a única forma pela qual essa situação possa ser reformulada. Em

sua base está, também, uma problemática de produção de novos modelos

jurídicos, de estruturas normativas como unidades integrantes de um conjun-

to fático-axiológico. A tensão de novos fatos e novas exigências rompe de-

terminada ordem que nunca se mantém imutável, num movimento normativo

contínuo de destruição e reconstrução em que se desenvolve dialeticamente

o Direito. Esse processo não se completaria sem um ato decisório, entendido

este como a manifestação da qual resulta a escolha, dentre várias opções,

da que for eleita. Esse ato decisório pode, também, resultar não de uma es-

colha, mas da imposição de um poder institucionalmente constituído ou con-

tratualmente assim investido. Mas a solução do conflito sempre terá maior

eficácia quando resultar do consentimento dos conflitantes no exercício da

autonomia da vontade. Em outras vezes, uma parte é levada a se submeter


às pressões ou maior organização da outra. Sendo assim, o conflito não é

apenas um fenômeno de dimensões sociológicas. É também um fato jurídi-

co, estruturado em conjunto com instrumentos criados pela cultura jurídica

dos povos, incluído nos sistemas de organização normativa da sociedade,

indispensáveis para o equilíbrio da vida na sociedade e nas relações entre

as pessoas e os grupos.

2. CONFLITOS INDIVIDUAIS OU COLETIVOS

O direito do trabalho estuda os conflitos. Classifica-os, tendo em vista os

sujeitos conflitantes, em duas espécies básicas, embora não as únicas: con-

flitos individuais e coletivos. Essa distinção não é aceita de modo uniforme.

386

O motivo da divergência existente resulta da dificuldade em estabelecer a

exata diferença entre ambos e das suas motivações de ordem prática. Pode-

-se, no entanto, entender por individuais os conflitos entre um trabalhador

ou diversos trabalhadores, individualmente considerados, e o empregador.

São conflitos sobre o contrato individual de trabalho de cada um. O conflito

coletivo, ao contrário, é mais amplo. Não surge de um contrato de trabalho,

individualmente considerado, nem é destinado a superar as controvérsias

em torno dele. Alcança um grupo de trabalhadores e um ou vários empre-

gadores e se refere a interesses gerais do grupo, ainda que possa surgir de

questões sobre os contratos individuais de trabalho.

Assim, os conflitos são coletivos quando, em razão dos seus sujeitos, os

grupos de trabalhadores, abstratamente considerados de um lado, e o grupo

de empregadores, de outro lado, objetivar em matéria de ordem geral. O


grupo não é uma simples soma ou reunião de pessoas. Esse é o seu aspecto

objetivo. Há, para que seja um grupo, um vínculo intersubjetivo entre essas

pessoas. Esse vínculo, para Maunier, é a uniformidade de sentimentos, a

autoridade que os ordena, a comunidade de entendimentos, fatores que a

simplificação do direito do trabalho prefere designar por interesse coletivo. O

grupo de trabalhadores é, normalmente, representado pela sua organização

sindical. Mas pode, também, o ser por uma comissão ou um representante não

sindical. O empregador pode legitimar-se passivamente em duas posições:

como empregador ou integrando um grupo de empregadores, neste caso

representado pelas suas associações de classe. Nada impede, portanto, um

conflito entre o sindicato de empregados e uma empresa. Nem por esse

aspecto deixará de ser coletivo, se o interesse em disputa não é individual.

3. CONFLITOS ECONÔMICOS OU JURÍDICOS

Os conflitos, por outro lado, sob o prisma da finalidade, são econômicos

ou jurídicos.

Econômicos, ou de interesse, são os conflitos nos quais os trabalhadores

reivindicam novas e melhores condições de trabalho. Jurídicos, ou de direito,

são os conflitos em que a divergência reside na aplicação ou interpretação

de uma norma jurídica. A diferença entre os dois tipos de conflitos está na

finalidade de um e de outro.

Nos primeiros, a finalidade é a obtenção de um novo contrato coletivo

de trabalho. Nos segundos, não é a obtenção, mas a declaração sobre o

sentido de um contrato coletivo ou de uma ou mais de uma cláusula de

um contrato coletivo ou a execução de uma norma que o empregador não


cumpre; exemplifique-se, para este segundo caso, com o conflito resultante

de atraso no pagamento dos salários.

387

CAPÍTULO 39

FORMAS DE COMPOSIÇÃO

1. INTRODUÇÃO

No direito, e segundo os estudos de Alcalá-Zamora y Castillo, os

conflitos, nas diversas etapas da história, foram solucionados por meios

diferentes, cuja amplitude alterou-se com o tempo. Nas sociedades

primitivas, prevaleceu a autotutela, imposição do mais forte ao mais fraco

mesclada com os juízos de Deus.

Os conflitos eram resolvidos por duelos, combates, liças, ordálias com

a exposição física das pessoas a toda sorte de atrocidades para que, no

caso de as resistirem, tornarem-se vitoriosas, práticas que o direito procurou

afastar, apesar de, nas épocas em que eram comuns, terem aceitação social.

Num segundo período, os conflitos passaram a ser resolvidos pelo

processo, quando o direito aperfeiçoou o estudo das técnicas de solução e

desenvolveu o conceito de jurisdição, hoje inafastável do Estado Democrático

de Direito. Ganhou relevância, também, a solução dos conflitos diretamente

pelas partes, não pela imposição do forte ao fraco, e sim pelo entendimento

ou a negociação.

O direito deu forma a várias técnicas destinadas a esse fim.

2. AUTOCOMPOSIÇÃO E HETEROCOMPOSIÇÃO

Os conflitos são resolvidos mediante autocomposição ou hetero-


composição. Há autocomposição quando as próprias partes, diretamente, o

solucionam. Haverá heterocomposição quando, não sendo resolvidos pelas

partes, os conflitos são solucionados por um órgão ou uma pessoa supraparte.

Forma autocompositiva é, principalmente, a negociação coletiva para

os conflitos coletivos e o acordo ou a conciliação para os conflitos individuais,

acompanhados ou não de mediação. A aproximação das partes, por um

terceiro que tem a incumbência não de decidir mas de ajudar o acordo, é a

mediação.

São técnicas heterocompositivas a arbitragem e a jurisdição do Estado.

Acompanhando essas formas, podem as partes, quando autorizadas ou não

proibidas pela legislação do país, pôr em prática técnicas de autodefesa: a

greve e o locaute.

388

Esses conceitos centrais permitem a classificação das diversas formas

compositivas no direito do trabalho, com maior ou menor amplitude.

As formas de solução dos conflitos de interesses, no setor privado, pode

não coincidir com as do setor público; a dos conflitos jurídicos, com a dos

econômicos; a dos conflitos individuais, com a dos conflitos coletivos.

A greve pode ser, para alguns, forma de solução dos conflitos e para

outros não, apenas meio de pressão que pode conduzir a uma forma de

solução do conflito.

A conciliação e a mediação, para alguns, apresentam características

que permitem distingui-las; para outros, são técnicas iguais.

Alguns doutrinadores defendem uma lista maior de meios de composição


dos conflitos. Para Emilio Morgado Valenzuela, as técnicas compositivas

são as seguintes: para conflitos coletivos de interesses no setor privado, a

negociação coletiva, a greve, a conciliação, os informes oficiais, a investigação

dos fatos, as fórmulas mistas de conciliação, a mediação, a arbitragem, as

decisões judiciais e as decisões administrativas; em alguns ordenamentos,

concentra-se, demasiadamente, a solução jurisdicional, como no Brasil,

enquanto em outros, a arbitragem; enfim, a temática do direito do trabalho,

da qual se está dando apenas uma ideia geral, é ampla.

3. ARBITRAGEM

No Brasil, as soluções jurisdicionais centralizaram o sistema. Em ou-

tros países, como os Estados Unidos, destaca-se a arbitragem. Em todos,

procura-se dar ênfase à autocomposição coletiva, e cercar-se de garantias

à vontade do trabalhador nas composições individuais. Em todos os ordena-

mentos coexistem diversas formas que compõem um sistema. Há, portanto,

um sistema de composição dos conflitos trabalhistas, o que pressupõe, como

diz Emilio Morgado, que as partes que o integram estejam entrelaçadas e

ordenadas conforme uma sequência rígida.

A arbitragem não conseguiu, ainda, no Brasil, a mesma aceitação

que tem em outros países, nem com a previsão da Constituição de 1988,

facultando-a para a composição dos conflitos coletivos. Tem crescido. Há

experiências de arbitragens em alguns setores, em especial em São Paulo.

Em outros ordenamentos jurídicos, a arbitragem é obrigatória para alguns

tipos de questões, como as de greve em atividade essencial, e facultativa

em outros. No Brasil, é facultativa. O laudo arbitral, para ser fortalecido, deve


ser comparado a título executório extrajudicial. Se o for, terá força executiva

judicial. Nesse caso, descumprido pelo empregador, poderá ser executado

perante a jurisdição.

389

Arbitragem e conciliação diferem: aquela é forma heterocompositiva e

esta, autocompositiva. Entretanto, não é possível excluir outra interpretação.

Tudo dependerá do aspecto a que for dado relevo: a posição do árbitro ou

a iniciativa da adoção da arbitragem. A arbitragem, quanto à sua adoção, é,

quase sempre, facultativa e voluntária. Esse aspecto não deve desautorizar

a sua classificação entre as figuras autocompositivas. Porém, a decisão

proferida na arbitragem não é fruto do poder decisório destas, mas do árbitro,

investido por elas de poderes para esse fim, sendo esse o seu aspecto

heterônomo.

A conciliação pode ser função jurisdicional pré-processual ou prática ex-

trajudicial. Tudo depende da organização do sistema jurídico e do momento

em que nele a arbitragem é inserida. No Brasil, sempre foi judicial. A Reforma

do Poder Judiciário (1999) propôs a criação de Comissões de Conciliação,

Mediação e Arbitragem extrajudiciais. Experiências espontâneas foram bem-

-sucedidas. Uma, no setor financeiro, em São Paulo. Outra, na categoria dos

vigias e vigilantes. Em Patrocínio, desenvolveu-se uma eficiente forma de

tentativa extrajudicial de composição dos conflitos, incentivada pela própria

Justiça do Trabalho. O Tribunal Superior do Trabalho elaborou projeto para a

instituição de Comissões Paritárias de Conciliação nas empresas. Em janeiro

de 2000, foi aprovada a Lei n. 9.958, que instituiu Comissões de Conciliação


Prévia nas empresas, grupos de empresas ou intersindicais.

4. JURISDIÇÃO

A jurisdição é um componente de todo sistema. O que muda, nos diversos

países, é a amplitude com que é usada. Mas não há ordenamento jurídico

sem a correspondente jurisdição, porque esta é a forma de atuar aquele.

As normas jurídicas, legais, consuetudinárias, contratuais, podem ter

mais de um significado. Para interpretá-las é necessário o pronunciamento

de um órgão. Mas não basta que alguém as interprete. A sua interpretação

deve ter força sobre as demais para que seja a última, sem o que poderia

sempre haver, a menos que os interessados diretamente se componham,

um choque de interpretações que caracterizaria uma situação de conflito

permanente. Cabe à jurisdição, sem a qual nenhum sistema de solução de

conflitos pode manter-se — a não ser pela imposição de um sobre outro

interessado —, a interpretação definitiva e oficial das normas que integram

o ordenamento jurídico, precedida de uma diversidade de mecanismos

internos, que podem existir nas empresas e nos sindicatos, para permitir

soluções autocompostas, céleres e simplificadas, como convém para a

maioria dos conflitos trabalhistas.

Os conflitos coletivos econômicos, no Brasil, sempre foram solucionados

pela via jurisdicional. As Constituições deram à Justiça do Trabalho um

390

poder normativo para fixar normas e condições de trabalho. No entanto, a

jurisprudência do Supremo Tribunal Federal cresceu no sentido de limitar

esse poder. Passou a distinguir entre matéria de lei e matéria de dissídio


coletivo e concluiu que, havendo lei, não pode a Justiça do Trabalho fixar,

pelos dissídios coletivos, normas e condições de trabalho em desacordo com

os seus dispositivos.

O Supremo Tribunal Federal (RE n. 19.7911-9-PE, j. 24.9.1996, Rel.

Min. Octavio Gallotti) reduziu a amplitude do poder normativo dos Tribunais

do Trabalho, ao decidir, interpretando o art. 114 da CF, que a Justiça do

Trabalho, no exercício desse poder, “pode criar obrigações para as partes

envolvidas nos dissídios desde que atue no vazio deixado pelo legislador

e não se sobreponha ou contrarie a legislação em vigor, sendo-lhe vedado

estabelecer normas e condições vedadas pela Constituição ou dispor sobre

matéria cuja disciplina seja reservada pela Constituição ao domínio da lei

formal”.

Em continuidade a esse gradativo esvaziamento, a Reforma do Poder

Judiciário, discutida pelo Congresso Nacional (1999), propôs a extinção

do poder normativo da Justiça do Trabalho, salvo nos casos de greve em

atividades essenciais, com base na tese segundo a qual o meio próprio para

a composição dos conflitos econômicos ou de interesses é a negociação

coletiva, como nos demais países, ficando para o Judiciário a decisão dos

conflitos, individuais ou coletivos, jurídicos.

A Constituição de 1988 (art. 114) dispõe que, frustrada a negociação

coletiva, as partes, de comum acordo, podem ingressar com dissídio coletivo

na Justiça do Trabalho para a solução jurisdicional do conflito de interesses.

Admite, também, a atuação judicial em casos de greve e dissídios coletivos

jurídicos ou de direito.
Assim, dissídio coletivo é um processo judicial de solução dos conflitos

coletivos econômicos e jurídicos, que no Brasil ganhou máxima expressão

como importante mecanismo de criação de normas e condições de trabalho

por meio dos Tribunais Trabalhistas, que proferem sentenças denominadas

normativas quando as partes que não se compuseram na negociação coletiva

acionam a jurisdição.

A legitimação ativa para ingressar com o processo é dos sindicatos

e nos casos de greve ou do sindicato patronal ou da empresa na qual o

trabalho foi paralisado.

A EC n. 45/04, ao exigir o acordo das duas partes para o seu ajuizamento,

trouxe interpretações diferentes ao declarar que, “recusando-se qualquer

das partes à negociação coletiva ou à arbitragem é facultado às mesmas,

de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo

391

a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas

legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente”.

Há Tribunais Regionais do Trabalho que admitem o dissídio coletivo ainda

que movido por uma das partes por entender que não poderia ser impedido

o sindicato de ingressar em juízo diante do princípio da inafastabilidade da

jurisdição, e há outros Tribunais Regionais que não seguem essa diretriz,

exigindo a concordância, expressa ou tácita, do suscitado para o trâmite

do processo. O Tribunal Superior do Trabalho tem seguido essa segunda

orientação.

Para o dissídio coletivo de greve é necessária a concordância da parte


contrária?

Entendemos que não, porque nesse caso estaria descumprida a lei

constitucional segundo a qual, fracassada a tentativa de negociação, cabe o

dissídio coletivo, e se for exigida a concordância do sindicato que deflagrou

a greve, o que certamente não ocorreria, criar-se-ia uma situação na qual o

conflito, contrariando o interesse social, prolongar-se-ia indefinidamente.

A Constituição Federal (art. 9º, § 2º), ao sujeitar os responsáveis por

abusos cometidos na greve, leva à admissibilidade do dissídio coletivo de

greve porque de nada adiantaria a lei estabelecer uma punição e o Judiciário

impedir o exercício dos meios judiciais destinados a efetivá-la. Ora, o abuso

pode ser individual e coletivo, nesse último caso quando a greve contraria

as exigências legais para a sua deflagração ou quando o pedido por sua

natureza é abusivo. O sindicato como pessoa jurídica está sujeito a responder

civilmente pelos prejuízos ilícitos que causar e essa questão é oriunda das

relações de trabalho, logo, da competência da Justiça do Trabalho.

Há quem entenda que nesse caso cabível é só o dissídio coletivo jurídico

para a declaração da abusividade ou não da greve.

A greve, todavia, sem o esgotamento do conflito econômico, não termina,

daí entendermos que, nos casos de greve, o suscitante pode ingressar com

o dissídio coletivo jurídico e o econômico concomitantemente, aquele para a

apreciação da legalidade ou não da paralisação e este para que o Tribunal

decida os pontos controvertidos do pleito econômico.

5. MEDIAÇÃO

As convenções e os acordos coletivos podem resultar diretamente de um


acerto entre as partes, mas, em outras vezes, da mediação, que, como define

Ruprecht, é um meio de solução dos conflitos coletivos de trabalho, pelo qual

as partes comparecem perante um órgão ou uma pessoa, designados por

392

elas ou instituído oficialmente, o qual propõe uma solução, que pode ou não

ser por elas acolhida. A mediação é praticada em todos os países.

Não é uma decisão. Não contém, implícitas, as características de

um pronunciamento decisório, ao contrário dos arbitrais e jurisdicionais. O

mediador não substitui a vontade das partes. Restringe-se a propor a solução

às partes e estas terão plena liberdade para aceitar ou não a proposta. Se

a proposta for aceita por uma, mas recusada pela outra parte, não haverá

composição do conflito, exaurindo-se, assim, a mediação. Se as duas partes

concordarem com a proposta, elas estarão se compondo porque para tanto

se dispuseram.

O mediador adota o discurso persuasivo, e não o impositivo. A

mediação tem, em sua base, um componente autocompositivo, que é da

sua substância, e do qual não pode afastar-se sem se descaracterizar.

Pode ser combinada, como se viu, com a arbitragem. Nesse caso, não será

mediação.Terá fisionomia híbrida, de mediação-arbitragem. Originariamente,

é, como observa Francisco Gómes Valdez, uma técnica intermediária

entre a conciliação e a arbitragem. É mais do que conciliação, na opinião

predominante, porque permite uma perspectiva maior de iniciativas. É

menos do que arbitragem, porque não autoriza atos decisórios nem investe

o mediador para tanto. Se o investir, o mediador estará sendo transformado


em árbitro.

Há mediações: a) facultativas ou obrigatórias, estas quando as partes

são obrigadas a se submeter a um processo de mediação — o que não

significa que terão de aceitar o resultado; b) unipessoais e colegiadas, estas

por uma equipe e aquelas por uma pessoa; c) públicas ou privadas, aquelas

por um órgão da Administração Pública ou um serviço especial do Ministério

do Trabalho, estas quando o mediador é um particular escolhido pelas partes.

A mediação é um instrumento que acompanha, com grande proveito, a

negociação coletiva. O mediador atua em dimensão maior quando, além de

participar do processo de negociação, acompanha a aplicação das cláusulas

da convenção coletiva durante a sua vigência, para interpretá-las nos casos

de divergências que possam surgir entre os interessados no curso da vigência

da convenção.

A Consolidação das Leis do Trabalho (art. 616) autoriza o Ministério do

Trabalho e Emprego a convocar as partes de um conflito para a mediação

— mesa-redonda na DRT. O Decreto-lei n. 2.065, de 1983, criou o Sistema

Nacional de Relações de Trabalho. No entanto, o sistema não logrou

atingir os objetivos visados. A Portaria n. 3.097, de 17 de maio de 1988, do

Ministério do Trabalho estabeleceu regras para o procedimento de mediação

nos conflitos coletivos, dentre as quais a exigência do encaminhamento da

393

pauta de reivindicações para o órgão; a autuação do pedido; a notificação

por via postal para que a parte contrária compareça à reunião designada;

a representação, na reunião, do sindicato, por seu presidente ou diretores,


e da empresa, por seu titular, diretor ou preposto, implicando o não

comparecimento a lavratura de um termo de ausência. O mediador pode

solicitar informações e esclarecimentos.

A Procuradoria da Justiça do Trabalho convoca as partes, durante

investigação prévia ou inquérito civil público que precede à instauração de

ação civil pública, para um entendimento que, sendo positivo, será formalizado

em um Termo de Ajuste de Comportamento, que tem força executiva perante

a jurisdição, como título extrajudicial executivo.

Nos processos de conflitos coletivos, há uma fase de conciliação,

perante o Juiz, da qual pode resultar um acordo em dissídio coletivo, forma de

extinção do processo sem julgamento de mérito, de natureza autocompositiva

e conciliatória, com força semelhante à de decisão judicial.

6. CONCILIAÇÃO

A conciliação é uma forma consensual de solução dos conflitos

trabalhistas, e, nesse ponto, é um modo de autocomposição. Mas não

é mediação. É utilizada para a composição dos conflitos individuais. Nos

conflitos coletivos desenvolve-se um procedimento de negociação entre as

partes. Os convênios coletivos podem prever órgãos de conciliação e as

regras para a sua atuação, como no Brasil (CLT, art. 625-C). A conciliação tem

limites maiores do que os da mediação. O conciliador não tem as mesmas

possibilidades de iniciativa do mediador. A extensão dessas possibilidades

não é bem delineada pela doutrina. A diferença entre as duas figuras está

menos na sua função e perspectivas de atuação do agente, e mais no âmbito

em que é exercida. A mediação é um mecanismo basicamente extrajudicial e


a conciliação é judicial e extrajudicial.

A conciliação, como foi visto, pode ser uma fase pré-processual ou

intraprocessual, na conformidade das leis, que tanto podem dar-lhe um como

outro caráter. Pode ser uma fase anterior ao processo judicial ou uma fase

dele, no seu início ou enquanto não estiver proferida a decisão judicial.

Diferem conciliação e mediação: a mediação tem produzido efeitos

muito bons nos conflitos coletivos de interesse e a conciliação nos conflitos

individuais jurídicos. Assim, a conciliação é, também, um ato processual,

enquanto a mediação não, a menos que se designe a atuação conciliatória

judicial como ato de mediação. A conciliação, se assim dispuser o ordenamento

jurídico, pode ser um ato administrativo ou um ato judicial, e a tendência da

394

mediação é a de ser um procedimento particular. Mas as funções das duas

figuras são muito próximas.

Tem-se, como medida acertada para o aperfeiçoamento do sistema

de composição dos conflitos em nosso país, a ampliação da conciliação

extrajudicial com a criação de Comissões, nas empresas e nos sindicatos,

para tentar a conciliação antes da propositura da ação judicial, como meios

de reduzir os conflitos que vão bater às portas do Judiciário.

O acerto da medida é manifesto e não há como evitá-la, uma vez que é

um imperativo determinado pela necessidade de descentralização do nosso

sistema, marcado pelo exagerado apego aos processos judiciais, mesmo em

disputas trabalhistas menores e que poderiam ser resolvidas de outra forma,

como a que agora é valorizada.


Discutem-se três principais pontos:

Primeiro, a obrigatoriedade ou facultatividade da tentativa de conciliação

prévia ao processo judicial. Se facultativa, como prevaleceu, menor será a

aceitação dessa prática, porque, ficando a critério das empresas instituir ou

não comissões, muitas, por diferentes motivos, deixarão de fazê-lo, embora

outras, sem dúvida, vejam aspectos positivos que as incentivarão a adotar

essa prática.

Segundo, a inafastabilidade do direito de acesso à jurisdição, tema sobre

o qual não há unanimidade, uma vez que há duas formas contrapostas de

interpretá-lo. A tentativa de conciliação prévia à propositura de uma reclamação

trabalhista perante o Judiciário não pode impedir aquele que quiser diretamente

dirigir-se à jurisdição e ingressar com o processo, sem submeter a questão

à Comissão, diante do princípio da inafastabilidade do acesso ao Judiciário.

Nesse caso, as Comissões perderiam muito da sua razão de ser. Em outra

interpretação, não contraria o referido princípio, traduzindo-se, simplesmente,

em uma condição para a propositura da ação, semelhante a tantas outras

previstas pelo Código de Processo Civil, entendimento que nos parece mais

coerente com os propósitos da criação das Comissões.

Terceiro, a segurança jurídica do ato homologatório ou decisório da

Comissão. Se for passível de revisão judicial no mérito, de nada adiantará a

conciliação, porque, nesse caso, sua validade seria relativa, não impedindo

a rediscussão judicial dos mesmos temas e valores quitados. O documento

resultante da Comissão deve ter o valor equivalente ao de sentença transitada

em julgado, cabível, apenas, discussão judicial de aspectos formais e de


nulidades que eventualmente venham a configurar vício do ato jurídico.

A lei brasileira permite, também, a criação de Núcleos Intersindicais de

Conciliação (CLT, art. 625-H), igualmente para conflitos individuais.

395

Quando as Comissões de Conciliação Prévia são instituídas em

empresas ou grupo de empresas, obrigatoriamente deverão ter composição

paritária, serão compostas de, no mínimo, dois e, no máximo, dez membros,

metade dos seus membros será indicada pelo empregador e a outra metade

eleita pelos empregados, em escrutínio secreto, fiscalizado pelo sindicato da

categoria profissional (CLT, art. 625-B).

Por outro lado, a CLT (art. 613, V) dispõe sobre o conteúdo das

convenções e acordos coletivos: “As Convenções e os Acordos deverão

conter obrigatoriamente: (...) V — normas para a conciliação das divergências

surgidas entre os convenentes por motivo de aplicação dos seus dispositivos;

(...)”. No entanto, os sindicatos nunca se interessaram em dar efetividade a

esse preceito legal, e raros foram os acordos coletivos contendo cláusula

obrigacional instituindo Comissões de Conciliação.

396

QUINTA PARTE

A AUTONOMIA NEGOCIAL

DAS PARTES

CAPÍTULO 40

A NEGOCIAÇÃO COLETIVA E AS ESTRUTURAS

NORMATIVAS DO DIREITO DO TRABALHO


1. NEGOCIAÇÃO COLETIVA E PLURINORMATIVISMO

Se há uma instituição do direito do trabalho característica do

plurinormativismo do direito é a negociação coletiva. O direito é uma estrutura

normativa com um conteúdo material visto como modelo, uma expressão de

dever-ser. Miguel Reale(1) ensina que essas estruturas implicam a existência

de alguém dotado de um poder: de decidir sobre o seu conteúdo, de optar

entre várias vias normativas possíveis, de eleger aquela que é obrigatória.

Por tal razão, sendo o poder de escolher elemento essencial ao seu processo,

essas estruturas diversificam-se em modalidades que correspondem a esse

poder de decidir. Essas estruturas adquirem juridicidade quando preenchem

os pressupostos condicionantes da sua validade e vigência. Nesse caso,

tornam-se obrigatórias. São normas jurídicas. Nascem de um procedimento,

descrito no ordenamento jurídico, e são aplicáveis pela jurisdição. Assim, são

fontes dos modelos jurídicos.

São quatro, prossegue Reale, as modalidades de Pontes: a legal,

que resulta do poder estatal de editar leis; a consuetudinária, proveniente

das diversas formas de comportamento do grupo social; a jurisdicional,

expressando-se pelas decisões do Poder Judiciário; e a negocial, decorrente

do poder da vontade humana para pactuar.

O ordenamento jurídico é o macromodelo. Alberga essas diversas

espécies de fontes formais ou microestruturas jurídicas, das quais o livre

jogo das iniciativas dos particulares é uma espécie. O contrato tem força de

lei entre as partes. A autonomia da vontade é fonte geradora de regras de

direito. A fonte negocial, mostra o conceituado jusfilósofo, é um dos canais


mais relevantes da revelação do direito. Cresce de importância, tanto no

campo internacional como no interno, como meio de solução dos conflitos

individuais e coletivos. Significa a exteriorização da liberdade como valor

supremo do indivíduo, tanto como cidadão quanto como produtor.

O direito do trabalho não foge dessas premissas. As suas estruturas

normativas provêm de diversos centros de positivação, organizados ou não;

(1) Fontes e modelos jurídicos. São Paulo: Saraiva, 1994.

399

da Organização Internacional do Trabalho — OIT, que aprova convenções

internacionais e recomendações que se inserem ou não no direito interno de

cada país, segundo as prescrições nele estabelecidas; do Estado, que legisla

e firma tratados internacionais com outros Estados; da União Europeia, para

o seu âmbito, no que há uma regulamentação trabalhista aplicável a todos

os países que a integram; das empresas que têm regulamentos internos; dos

Tribunais que elaboram farta jurisprudência; da sociedade ou partes dela,

que adotam práticas costumeiras e usuais; e dos grupos de trabalhadores e

empresas que, diretamente ou por meio de representações, ajustam normas

e condições de trabalho em negociações coletivas.

A ordem jurídica reconhece e dá validade a esses instrumentos. Integra-

-os no seu macromodelo jurídico, desde que preenchidos os pressupostos

de elaboração e validade estabelecidos pela legislação. Negociação coletiva

é um dos procedimentos que fazem parte desse amplo quadro. É uma fonte

de produção de regulamentação jurídica. O modelo de direito do trabalho de

um país pode ser medido sob o ângulo da negociação coletiva. O espaço


que a negociação coletiva ocupa no direito interno é um critério que permite

classificar o sistema de relações de trabalho de um país. Daí os modelos

abstencionistas ou desregulamentados e os modelos regulamentados. A ne-

gociação coletiva é expressão do princípio da autonomia coletiva dos parti-

culares e da liberdade sindical. Uma das principais funções do sindicato é,

exatamente, a negociação coletiva.

O empregado é um subordinado jurídico. A hipossuficiência — expressão

de Cesarino Júnior — caracteriza o segmento social integrado pelos que

vivem do trabalho e dependem do salário. Georges Lefranc, em Histoire

du travail et des travailleurs (1975), e Bugarola, em Sociología y teología

de la técnica (1957), descrevem a história do proletariado. O equilíbrio nas

relações de trabalho não foi encontrado, diretamente, pelos interessados.

O princípio da autonomia individual, que George Bry defendeu, em

Les lois du travail et de la prévoyance sociale (1921) — segundo o qual “a

liberdade de trabalho deve ser a base de nossa legislação industrial, porque

é a consequência lógica e necessária de liberdade individual” —, não logrou

compensar a desigualdade econômica do trabalhador com a superioridade

do empregador.

O dirigismo contratual substituiu a autonomia individual nas relações

de trabalho. As leis restringiram a liberdade de contratar, na defesa do

trabalhador. O direito de associação possibilitou a criação dos sindicatos.

E a negociação coletiva permitiu a reivindicação de melhores condições de

trabalho. A contratação coletiva supriu a insuficiência do contrato individual

de trabalho. O trabalhador, sozinho, nem sempre tem condições de negociar


400

com o empregador. Surgiu a negociação coletiva, solidificando-se com a

afirmação dos sindicatos e como meio de solução dos conflitos coletivos de

trabalho.

A contratação coletiva é respaldada no plano constitucional. Há Consti-

tuições omissivas ou prescritivas; dentre as omissivas, exemplifique-se com

as Constituições da antiga União Soviética (1977), Cuba (1976), Paraguai

(1967) e República Popular da China (1982); prescritivas são, entre outras,

as Constituições da Espanha (1978), que dispõe (art. 37, 1): “A lei garantirá

o direito de negociação coletiva trabalhista entre os representantes dos tra-

balhadores e empresários, assim como a força vinculante dos convênios”; de

Portugal (1976), que declara (art. 57, 3): “Compete às associações sindicais

exercer o direito de contratação coletiva, o qual é garantido nos termos da

lei”; e do Brasil (1988), que dispõe (art. 7º, XXVI): “reconhecimento das con-

venções e acordos coletivos de trabalho”.

2. CONTRATAÇÃO COLETIVA E LEGISLAÇÃO

Convenção e legislação aproximam-se num ponto: a sua finalidade de

estabelecer regras destinadas a compor a ordenação jurídica. Examinar,

comparativamente, o processo negocial e o estatal importa em formar um

juízo de valor sobre a atuação do Estado nas questões trabalhistas. Não

prescindiria da análise do papel do Estado perante a ordem econômica e

social. No Estado corporativo, deu-se às convenções coletivas fisionomia

análoga à da lei, desta diferindo pelo modo de sua elaboração, mas não

quanto à sua concepção e aos seus efeitos gerais, como lei da categoria,
parte de um ordenamento jurídico público, no qual o interesse coletivo foi

considerado um interesse público, a categoria um ente ontológico criado pelo

Estado, e o sindicato um órgão exercente de funções delegadas pelo Poder

Público, unitariamente representante dos sócios e não sócios.

Sindicato e negociação coletiva, todavia, compõem um binômio, de

maneira que as modificações no modo de conceber o sindicato refletem

diretamente sobre a forma de compreender a negociação coletiva. No

Estado pós-corporativo, separaram-se a lei e a convenção coletiva, que

se desenvolveu num quadro privatístico, o princípio da liberdade sindical

desatrelou os sindicatos do Estado, construiu-se o princípio da autonomia

coletiva dos particulares como expressão da vontade coletiva e não do

interesse público, os sindicatos passaram a representar os sócios e a

convenção coletiva distanciou-se da lei, aproximando-se do contrato, tudo

como construção jurídica para fundamentar o ordenamento sindical fora das

estruturas normativas do Estado.

401

A negociação coletiva é, como procedimento, mais simplificada do que

a lei. Menores são os seus trâmites, comparados com os da legislação, e

as suas formalidades, reduzidas, em alguns países, simplesmente, àquelas

que os próprios interlocutores sociais estabelecem. Além de mais simples,

é mais rápida. A elaboração da lei pode demorar, passa por debates entre

partidos políticos, comissões e mais de uma casa do Legislativo, uma série

de obstáculos nem sempre facilmente transponíveis. A negociação tem

maior possibilidade de atender às peculiaridades de cada setor econômico e


profissional, ou cada empresa para a qual é instituída. A legislação é geral,

uniforme, para toda a sociedade. A negociação é específica para segmentos

menores. Permite a autorregulamentação de detalhes que a lei, norma de

ordem geral, para toda a sociedade, não pode nem deve reger.

A legislação é o veículo da concretização do princípio protetor. Os

direitos fundamentais do trabalhador devem ser assegurados pela lei.

Os direitos humanos sociais têm como fundamento a necessidade de

estabelecer garantias mínimas e inderrogáveis que a negociação coletiva

nem sempre pode assegurar. Existem direitos trabalhistas que não podem

ser entregues à liberdade convencional. Não se situam no âmbito próprio da

autonomia coletiva dos particulares. Interessam a toda a sociedade, como

direitos de ordem pública: o direito à proteção da integridade física, da saúde,

do descanso, a liberdade de trabalho, de consciência, de convicção política,

são garantidos pela legislação.

Pelo conteúdo, convenção e legislação nem sempre podem ser diferen-

ciadas, porque podem ter o mesmo salário: tanto podem ser disciplinados

pela legislação como pelas convenções coletivas; o mesmo ocorre quanto

à jornada, descansos, aviso-prévio, indenizações de dispensa, estabilidade

e assim por diante. A matéria é a mesma. Da dualidade de fontes jurídicas

com o conteúdo idêntico resulta um problema: o da hierarquia no direito do

trabalho. A concepção tradicional o resolve pelo princípio da prevalência da

norma favorável ao trabalhador. Desse modo, o conteúdo não permite uma

satisfatória diferenciação. A legislação pode, no entanto, estabelecer a reser-

va de tratamento de determinada matéria, proibindo a negociação em torno


dela, como ocorre, às vezes, com salários, especialmente em períodos de

indexação ou de rígida política salarial de combate à inflação.

Se o conteúdo não permite uma exata delimitação das duas figuras, a

extensão oferece melhor base. A legislação é genérica, aplicável, de modo

geral, a todos os membros da sociedade que se enquadram na sua tipicidade.

A convenção é limitada a determinado espaço geográfico, a base territorial

do sindicato, e a um número restrito de pessoas, as representadas por ele. A

lei é geral; a convenção é específica.

Outro ângulo de distinção é o processo de elaboração. Na legislação,

compete ao Estado e a seus órgãos; na convenção, aos interlocutores sociais

402

interessados que, diretamente, desenvolvem um procedimento destinado à

sua aprovação. Assim, o processo de elaboração da lei é público e o da

convenção é privado. Aquele é estatal. Este é particular. A legislação é um

ato de vontade do Estado, enquanto a convenção é um ato de vontade dos

particulares.

Resumindo, as convenções coletivas distinguem-se da lei pelo processo

de formação, pois as leis, no sentido estrito, emanam de um órgão estatal e as

convenções coletivas resultam de negociações produzidas pelo grupo social

interessado; pela esfera de aplicação, na lei, abrangendo toda a sociedade

política, na convenção, limitando-se ao âmbito econômico-profissional; pelo

conteúdo, na lei, mais geral e diversificado, na convenção, mais particular

e restrito, embora o conteúdo da lei e da convenção possa ser, como é,

comum; pela supremacia das leis de ordem pública, porque, nesse caso,
a convenção não poderá derrogar a lei, apesar de poder, normalmente,

mencionar disposições mais favoráveis ao trabalhador do que as previstas

na lei; e pela fonte de poder, pois a lei é imposta e a convenção coletiva é

consentida.

As relações entre a convenção e a legislação, por Ignacio Garcia-Perrot

Escartín, em L’autonomía colectiva (Madri, Ministerio de Trabajo y Seguridad

Social, 1987), são descritas nos seguintes termos. O primeiro tipo de relação

é de exclusividade, na medida em que, pela reserva, a legislação define um

campo que lhe é próprio. O segundo é de concorrência, atuando tanto a lei

como a convenção em campo comum, às vezes com a supremacia da lei;

outras, com a predominância da convenção. O terceiro é de complementari-

dade, quando a lei faz remissão à convenção, transferindo-lhe a incumbência

de regular determinada matéria.

Escartín prefere falar em relação de suplementaridade, observando que

desde as origens do direito do trabalho essa é a mais típica forma de relação

entre a lei e a convenção coletiva, significando a fixação de um mínimo, pela

lei estatal, melhorado, em favor do trabalhador, pela convenção coletiva, que

acrescenta um plus à primeira: “Dessa forma, o modelo tradicional e ainda

hoje prevalecente na relação norma estatal convenção coletiva estrutura-

-se sobre as seguintes bases. A norma estatal estabelece um tratamento

normativo mínimo que a convenção deve necessariamente respeitar e, se

for o caso, melhorar no sentido favorável para os trabalhadores. Por outro

lado, proíbe-se à autonomia negocial coletiva derrogar o tratamento estatal

em sentido desfavorável para os trabalhadores, assim como administrar as


previsões normativas estatais em tal sentido pejorativo. Ou para dizê-lo de

outra forma: se a norma ou preceito estatal se conforma como mínimo, isso

significa que é inderrogável in pejus pela convenção e que, pelo contrário,

é derrogável in mellius por esta”. Assim, na concepção do autor, as normas

estatais são um mínimo inderrogável em sentido relativo não só para a auto-

403

nomia individual, mas, também, para a autonomia negocial coletiva, questão

que exige uma análise mais ampla diante da verificação de que há conven-

ções coletivas que são desfavoráveis ao trabalhador, como as que, entre

nós, existem, prevendo a redução da jornada de trabalho e do corresponden-

te salário diante da conjuntura econômica da empresa.

Faz o autor espanhol uma diferença entre relação de complementaridade

e relação de supletividade, ao explicar que a primeira pressupõe a existência,

concomitante, conjunta, simultânea, de um preceito estatal e de um preceito

convencional, e a segunda, ao contrário, pressupõe preceitos independentes,

que não se necessitam reciprocamente. Na relação de complementaridade,

“o preceito da norma básica e o preceito da norma complementar, ao

requerer a sua aplicação simultânea, aparecem engrenados entre si como

as distintas peças do mesmo mecanismo normativo. Finalmente, o meio ou

instrumento que estabelece essa relação de complementaridade é a remissão

ou o reenvio da norma básica (a norma estatal) à norma complementar (a

convenção coletiva)”.

Fica, assim, dimensionada a posição da lei, que é de supremacia, no

sentido de que, em seu campo de reserva, a convenção não poderá penetrar


para tratar do mesmo tema, para tratá-lo de modo favorável ao trabalhador

ou ainda para discipliná-lo de modo menos favorável ao trabalhador, tudo

dependendo da lei. A convenção não pode fazer a mesma reserva, uma vez

que a autonomia privada não pode sobrepor-se à vontade estatal, embora

esta possa transferir àquela o âmbito da sua disciplina.

De difícil compreensão é esse tema, mas não a ponto de ser inacessível.

Pode até mesmo ser simplificado, desde que se afirme que a convenção é

liberada para atuar sempre que a lei não o proibir. A dificuldade maior está

em que nem sempre ficam claras e literais as proibições da lei. Há casos em

que essas proibições estão meramente implícitas.

As leis trabalhistas apresentam-se com uma multiplicidade de

características, o que dificulta a solução do problema, que deve começar pela

diferença entre leis dispositivas e proibitivas. Dispositivas são as leis que não

vedam ajustes decorrentes da autonomia privada e permitem que um ato

negocial constitua um direito de modo diverso do por elas preceituado. Nada

impede que empregado e empregador ajustem férias de duração superior à

da lei. Proibitivas são as leis que impedem os particulares de dispor de modo

diverso do estabelecido por elas. É o que ocorre quando a lei comina de

nulidade o ajuste contrário à sua letra, como as leis de política salarial. Assim,

as leis proibitivas impossibilitam a autonomia privada coletiva e, também, a

individual. Ainda quando a lei não contém uma literal proibição, pode, mesmo

assim, produzir efeitos restritivos que impedem uma convenção coletiva

sobre a mesma matéria. Basta que se trate de uma lei de ordem pública,

conceito este que não é de fácil conhecimento.


404

Pode também haver, como já foi observado por Otto Kahn Freund, maior

influência da lei como decorrência de uma situação na qual os sindicatos

estejam próximos do poder político e, nas decisões deste, influem de modo

favorável às suas pretensões. Nesse caso, pode haver repercussões sobre

a legislação, ampliando-se a sua esfera de atuação. A mesma repercussão

pode resultar de outra circunstância, a fragilidade dos sindicatos, obrigando

o Estado a cobrir a ordem jurídica legislando, diante da impossibilidade de

obtenção, pelos sindicatos, de normas sobre condições de trabalho fixadas

mediante negociações com os empresários.

Não se completaria esta exposição, sobre as relações entre a legislação

e a convenção coletiva, sem uma referência, ainda que breve, a um aspecto

— a tendência natural de migração dos direitos inicialmente previstos nas

convenções para o âmbito das leis. É possível dizer que essa transposição de

direitos entre os dois instrumentos jurídicos ocorre até com maior frequência

do que se supõe, bastando mostrar, como exemplo, a gratificação natalina,

cuja passagem dos usos para as convenções e, depois, para a legislação

deu-se em diversos países, inclusive no Brasil. Alguns tipos de estabilidades

especiais, de origem convencional, transladam-se para as leis, como a

estabilidade da gestante. O inverso também pode acontecer. Disposições

inicialmente previstas em leis com o tempo recebem melhor tratamento pelas

convenções coletivas, como o valor dos acréscimos pagos ao trabalhador

pela prestação de horas extraordinárias, de tal modo diversificado entre nós

nas convenções coletivas que os percentuais gerais mínimos ordenados


pelas leis não têm maior expressão. Esses dois movimentos de sentidos

inversos obedecem a razões diferentes. Uma aspiração de generalidade

leva a lei a recolher das convenções coletivas alguns dos seus dispositivos,

enquanto um imperativo de descentralização move a passagem de um direito

da lei para as convenções coletivas.

3. CONTRATAÇÃO COLETIVA E JURISDIÇÃO

A diferença entre contratação coletiva e jurisdição é simples, porque

não há como confundir um instrumento jurídico destinado ao ajuste negocial

dos interesses opostos, como a convenção, com um mecanismo de decisão

estatal das aspirações em conflito, como é a jurisdição.

A diferença se aproxima na medida em que ambas as funções venham

a ser vistas como uma dimensão constitutiva, de jurisdição na acepção

moderna de equidade ou fonte de criação do direito e o juiz como poder para

não só decidir mas, também, criar a norma, geral ou individualizada, por

delegação da lei ou para que possa cumprir o dever de julgar quando não

há lei a aplicar. Colocada a questão dessa forma, a convenção coletiva e a

405

sentença são tipos, embora diferentes, de normas jurídicas, compreendidas

como normas individualizadas, na linguagem kelseniana. E, se cogitarmos

de sentença normativa, guardam, entre si, uma relação de sucessividade,

porque a sentença normativa é o sucedâneo da convenção coletiva frustrada,

para repetir frase tradicional.

Não há concorrência entre o procedimento negocial e o jurisdicional

porque os dois estão situados em patamares diferentes: o primeiro na


esfera da autonomia coletiva dos particulares; o segundo na atuação do

Estado, cumprindo o exercício do poder jurisdicional de decidir as questões

submetidas ao seu conhecimento.

4. CONVENÇÃO E PACTO SOCIAL

Apenas alguns aspectos serão lembrados, além dos que já foram

oportunamente examinados, quando foi demonstrada a relação entre a ação

das centrais sindicais e — um dos importantes instrumentos para esse fim

— os pactos sociais. Mostrar-se-á, apenas, a diferença entre convenção

coletiva e pacto social.

Os pactos sociais são acordos macroeconômicos tripartites —

entre governo, trabalhadores e empregadores — ou bilaterais — entre

trabalhadores e empregadores —, também denominados entendimentos,

acordos nacionais ou concertação social.

O conteúdo dos pactos sociais é mais amplo. Abrange, frequentemente,

questões da mais alta envergadura, de ordem econômica, trabalhista e

política, de modo a caracterizar-se como macroacordo, planejamento geral

de natureza socioeconômica. Podem ter por objeto muitos dos mesmos

temas das contratações coletivas: salários, preços, emprego, desemprego,

sindicalização e outros. Oscar Ermida Uriarte concluiu que “a leitura de certos

acordos sociais, especialmente dos primeiros pactos sociais espanhóis,

efetuada com a necessária referência à realidade que os cercou, nos deixa

a impressão de encerrar uma espécie de transação na qual se estabelecem

certas pautas salariais e de emprego, assim como se concedem certos

reconhecimentos sindicais e oportunidades participativas, em troca de uma


diminuição da conflitividade”.

A ideia sobre o conteúdo dos pactos sociais é a de colaboração dos

grupos sociais com o governo, para elaboração conjunta de um plano de

política econômica e social, em troca de deveres que as partes assumem,

visando à consecução do objetivo comum, o que leva alguns autores a ver

nos pactos sociais um instrumento de tipo neocorporativista, na medida em

que resultam da integração das forças sociais nos esforços do governo.

406

Os sujeitos das convenções coletivas de trabalho são, normalmente,

sindicatos e as empresas, delas não participando o governo. Nos pactos

sociais, o governo está, quase sempre, presente, ou se engaja na

consecução das suas metas, o que os caracteriza como instrumentos

tripartites, embora, excepcionalmente, bilaterais, caso em que perdem um

pouco dessa característica. As partes das convenções coletivas de trabalho

são previamente definidas em lei, apesar de exceções, enquanto as partes

dos pactos sociais não o são, definindo-se a partir da própria negociação e

do grau de participação dos grupos sociais.

As convenções coletivas têm eficácia sobre os estipulantes e os

pactos sociais não têm eficácia jurídica, mas, apenas, programática, como

planos, econômicos ou sociais, não dotados de sanção, de modo que o seu

descumprimento não autoriza o prejudicado a pedir a tutela jurisdicional. As

convenções coletivas de trabalho, ao contrário, se descumpridas, permitem

ao prejudicado ingressar com ação judicial para obter sentença judicial que

ordenará o seu cumprimento.


Os pactos sociais podem servir de inspiração para as convenções

coletivas de trabalho, que neles podem encontrar parâmetros, de modo que,

nesse sentido, balizam as convenções coletivas, verdadeiras fontes primeiras

dos demais acordos coletivos desenvolvidos em níveis menores.

Como os acordos menores projetam-se em diversos níveis, como os

de estabelecimentos, de empresas, de profissões, de categorias, e sendo

o pacto social um instrumento geral, acima das categorias econômicas e

profissionais, tem-se que os efeitos das duas figuras diferem, projetando-

se em níveis não coincidentes, o geral e nacional, dos pactos sociais, e o

descentralizado, das convenções coletivas.

5. CONVENÇÃO E CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO

Viu-se que a convenção coletiva procura suprir a insuficiência do

contrato individual de trabalho. Cronologicamente, o contrato individual de

trabalho posiciona-se, em relação às convenções coletivas de trabalho, como

um antecedente, estas significando uma evolução natural daquele, passando

a negociação de individual e singular — entre o trabalhador e o empregador

— para coletiva — entre os órgãos representativos do trabalhador e o

empregador.

A convenção coletiva tem natureza instrumental. Destina-se, na parte

normativa, a criar normas que vão projetar-se sobre os contratos individuais

de trabalho. Esse aspecto envolve outras questões, da maior importância,

como a natureza das convenções coletivas. Os contratos individuais não

407

são a convenção coletiva estipulada por um grupo; a autonomia dos dois


instrumentos é plena. As cláusulas das convenções coletivas subsistem

de forma autônoma e independente. Valente Simi, em II contratto collettivo

di lavoro (Padova, Cedam, 1980), sustenta que a posição dos contratos

coletivos se concretiza como forma supraordenada perante as manifestações

da autonomia individual e as fontes não escritas de direito do trabalho, com

o que sublinha a sua função garantidora de um nível mínimo de direitos dos

trabalhadores em relação a essas fontes.

Acrescentem-se as seguintes observações:

Francesco Carnelutti, em Teoria del regolamento collettivo dei rapporti di

lavoro (1936), sob a influência do ordenamento jurídico corporativista, viu no

contrato individual de trabalho uma relação jurídica em que os contraentes

dispõem in re propria, na tutela do seu interesse, criando direitos e obrigações

recíprocos; na convenção coletiva, uma relação jurídica na qual as partes

não modificam a já existente, mas o sindicato estabelece o regulamento para

relações entre sujeitos diversos daqueles que o concluem.

É célebre a sua frase: il contratto colletivo è un ibrido, che hà il corpo del

contratto e l’anima della legge.

Rivero e Savatier distinguem as duas figuras pelo objeto: nas convenções

coletivas, a fixação de certo regime de trabalho com base no qual são

desenvolvidas as relações individuais de trabalho; no contrato individual de

trabalho, a constituição de obrigações diretas entre as partes.

Mario de La Cueva os distingue: pelos sujeitos; pela natureza não

obrigacional das condições convencionadas nas convenções coletivas; pela

necessidade de atos jurídicos concretos — os contratos individuais — para


a realização das convenções coletivas; pela independência das relações

individuais diante dos contratos coletivos, não obstante, para a sua validade,

sujeitarem-se às cláusulas e às condições gerais de trabalho.

Em síntese, nas convenções coletivas, as partes contraentes agem para

constituir condições aplicáveis a terceiros, quando nos contratos individuais

agem in re propria; nos contratos individuais visa-se à criação de direitos e de-

veres, quando nas convenções coletivas o objeto é a instituição de normas de

conduta que serão aplicadas às relações individuais (cláusulas normativas) e

obrigações entre os sujeitos coletivos estipulantes (cláusulas obrigacionais);

os contratos individuais são autossuficientes e as convenções coletivas ne-

cessitam de contratos individuais nos quais se atualizam.

6. A NATUREZA JURÍDICA DAS CONVENÇÕES COLETIVAS

A natureza jurídica das convenções coletivas depende do contexto

jurídico-político em que estão inseridas: o corporativismo estatal publicizou

408

os sindicatos e o interesse coletivo, fazendo das convenções coletivas

regulamentos erga omnes de eficácia normativa; o liberalismo privatizou os

sindicatos e as categorias, fazendo das convenções coletivas contratos de

direito comum, aplicáveis aos sócios das associações estipulantes ou, em

outra versão, acordos de cavalheiros ( gentlemen agreements, na Inglaterra)

sem natureza normativa ou eficácia jurídica.

A doutrina divide-se entre duas concepções: a contratual e a regulamentar.

A concepção contratual sustenta o caráter obrigacional das convenções

coletivas, como resultado da autonomia privada dos particulares, forma de


negócio jurídico, um contrato de direito comum ou com as formas tradicionais

do direito civil — o mandato, a estipulação em favor de terceiros, o contrato

inominado, a gestão de negócios, a representação, o contrato preliminar, o

contrato de adesão — ou um contrato sui generis, resultado da solidariedade

necessária (Rouast), do pacto social (De Visscher) ou do costume (Lambert,

Paul Pic, Garroud).

Nossa opinião é que, independentemente da natureza contratual ou

regulamentar, a convenção coletiva é uma norma, desde que se dissocie

o conceito de norma do conceito de lei ou ato estatal. Na teoria jurídica

moderna, norma não é, unicamente, um ato estatal. Há normas privadas.

O contrato é, também, norma. Norma individualizada, como ensina Kelsen.

De outro lado, o pluralismo jurídico demonstra que há produção do direito

positivo não estatal, do qual as convenções coletivas são uma forma.

Mario de La Cueva sustenta que há contratos e contratos-lei; afirma que

há convenções que produzem efeitos apenas sobre os sócios do sindicato

convenente — os contratos — e outras que se estendem a toda a categoria

— os contratos-lei.

Cuidadosa é a pesquisa de Giancarlo Perone, em A ação sindical nos

Estados-membros da União Europeia (1996), mostrando que não há defi-

nição legal de contrato coletivo na Irlanda, Itália, Reino Unido e Dinamar-

ca, incumbindo-se dessa definição a jurisprudência ou a doutrina. Há, no

entanto, definição legal em outros países: França (art. 1332-1, do Code du

Travail), Bélgica (art. 5º da Lei de 5 de dezembro de 1968), Luxemburgo

(art. 1º da Lei de 12 de junho de 1965), Países Baixos (art. 1º da Lei de 24


de dezembro de 1927), República Federal da Alemanha (arts. 1º e 2º da

Lei de Contrato Coletivo, de 1946), Grécia (Lei n. 1.876, de 1990), Portugal

(Dec.-lei n. 519, de 29 de dezembro de 1979), Espanha (Lei n. 8, de 10 de

março de 1980), Suécia (Lei sobre Codeterminação, de 1976), Áustria (Lei

de 1974) e Finlândia (Lei de 1946).

Ojeda Avilés e Ermida Uriarte, em La negociación colectiva en América

Latina (1993), publicam os textos legais sobre convenções coletivas dos

409

seguintes países: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica,

Cuba, Equador, Guatemala, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru,

República Dominicana, Uruguai e Venezuela.

7. SUJEITOS

A legitimação para negociar, figurando como sujeito da contratação

coletiva, é das organizações sindicais ou de grupos não formalizados como

sindicatos. Na França, Países Baixos, Finlândia, Áustria, Suécia, Bélgica,

Luxemburgo, Grécia e Portugal, como mostra Perone, só as associações

sindicais podem ser partes de um contrato coletivo regulado por lei, mesmo

se, de fato, venha a ser concluído por outros sujeitos — como comissões

de trabalhadores e delegados sindicais —, caso em que dependerão da

homologação sindical. Outra é a situação nos casos de contratos coletivos de

direito comum, para os quais estão legitimados mesmo grupos não sindicais.

Desse modo, quando a lei limita a legitimação para negociar às associações

sindicais, outras representações ficam proibidas de fazê-lo.

Em alguns casos, a lei autoriza um grupo de trabalhadores a contratar.


É assim no Regulamento de la Ley de Trabajo, da Venezuela (art. 360), e

no Código de Trabajo, do Chile (art. 279). Na Argentina (Lei n. 14.250/88),

os sindicatos que têm personalidade gremial podem celebrar convênios

coletivos, embora permitidos acordos internos, de empresas, que não

podem ser homologados. Exclusiva dos sindicatos é a negociação no México

(Lei Federal do Trabalho, art. 386), Cuba (Código do Trabalho, art. 235),

Guatemala (Código do Trabalho, art. 38), Costa Rica (Código do Trabalho,

art. 54) e República Dominicana (Código do Trabalho, art. 92). No Peru, não

havendo sindicato, os representantes de mais da metade dos trabalhadores

de uma empresa podem negociar (Decreto-lei de Relações Coletivas

de Trabalho, 1992, art. 41). Do lado dos patrões, podem negociar tanto a

associação representativa como a empresa (Venezuela, Colômbia, México,

República Dominicana e Costa Rica).

Às seguintes conclusões chegou Perone, em A ação sindical nos

Estados-membros da União Europeia (1996): “O reconhecimento do

poder de estipular contratos coletivos a favor de grupos de trabalhadores

organizados não de forma associativa, mas, em vez, de forma institucional

ou, como quer que seja, de estrutura descentralizada do sindicato, reflete-se

na problemática do contrato empresarial e da coordenação entre os diversos

níveis de contratação. Por outro lado, a exclusiva legitimação para a conclusão

de contratos coletivos em favor das associações sindicais, sobretudo se

nacionais, facilita não só a satisfação e o respeito dos interesses coletivos de

dimensões mais amplas, mas, também, a composição do interesse coletivo

com o interesse geral da coletividade nacional”.


410

Referindo-se à América Latina, Tomas Sala Franco, em “Intento de

aproximação a uma tipologia de instrumentos colectivos na América Latina”,

na obra coletiva coordenada por Ojeda Avilés e Ermida Uriarte, concluiu

que, do lado dos empregadores, a maior parte dos ordenamentos atribui

legitimação para negociar tanto aos empregadores isolados como em grupo,

como às organizações empresariais institucionalizadas como grupos de

empresas ou setores econômicos, mas o normal é a lei referir-se a um ou

vários empregadores ou a uma ou diversas organizações de empregadores;

do lado dos trabalhadores, a maior parte das legislações se inclina por

atribuir legitimação negocial unicamente aos sindicatos (federações e

confederações), com ou sem a exigência de determinados requisitos.

O Código do Trabalho do Equador (art. 227) faz referência ao comitê de

empresa como sujeito negociador.

Quanto ao setor público, no plano internacional, é reconhecido o direito

de contratação coletiva de trabalho, na forma das Convenções ns. 87 e

98 da Organização Internacional do Trabalho. Segundo Efrén Córdova, é

importante acrescentar que as negociações coletivas abrangem hoje tanto

as empresas do setor privado como as do setor público, mas excluem-se da

negociação a administração do Estado, centralizada ou descentralizada, e

as empresas em que o Estado tenha financiado mais de 50% do orçamento

nos últimos dois anos.

A prevalecer a tendência de sindicalização no serviço público, haverá

a ampliação da negociação, inibida, no entanto, pelo sistema orçamentário


público, menos apto a permitir das gerências empresariais a mesma

disponibilidade de recursos para negociar, e a mesma flexibilidade e

simplificação das empresas privadas.

Acrescente-se que a multiplicação das organizações sindicais nos

serviços públicos vem provocando a ampliação do direito de negociar, e a

Convenção n. 151 da Organização Internacional do Trabalho, que contava

no início de 1987 com a ratificação de Cuba, Chipre, Dinamarca, Espanha,

Finlândia, Guiné, Guiana, Itália, Noruega, Peru, Polônia, Portugal, Reino

Unido, Suécia, Suíça, Suriname e Zâmbia, dispõe de modo claro no art. 7:

“Deverão ser adotadas, se necessário, medidas adequadas às condições

nacionais para estimular e fomentar o pleno desenvolvimento e utilização de

procedimentos de negociação entre as autoridades públicas competentes e

as organizações de empregados públicos sobre condições de emprego, ou

de qualquer outro método que permita aos representantes dos empregados

públicos participar da determinação dessas condições”.

Na mesma diretriz, o Comitê de Liberdade Sindical, da Organização

Internacional do Trabalho, tem-se pronunciado, em diversas decisões,

no sentido de afirmar o direito de contratação coletiva em empresas

nacionalizadas ou organismos públicos.

411

8. MODELOS DE CONTRATAÇÃO COLETIVA

Quanto às relações com a organização sindical, há modelos de

pluralidade de organização e unidade de negociação, como, também,

modelos de unidade de organização e pluralidade de negociação, de modo


que é fundamental a escolha do sistema de um país para que se definam as

suas características.

A unidade sindical não é garantia da ação conjunta, porque, apesar

dela, o fracionamento pode dividir os sindicatos, até mesmo em múltiplas

negociações na mesma empresa, como nos casos de sindicatos por cate-

gorias profissionais diferenciadas negociando isoladamente com o emprega-

dor. Inversamente, num sistema de pluralidade sindical pode haver unidade

de negociação, na medida em que os interessados elejam uma comissão de

negociação para representar os diversos sindicatos ou, ainda, quando, numa

empresa, os seus empregados resolvam eleger um só sindicato, dentre os

diversos que nela atuam, para negociar no interesse geral dos trabalhadores

da referida empresa.

Quanto à posição do Estado, há sistemas autônomos ou heterônomos,

os primeiros também considerados voluntaristas e os segundos intervencio-

nistas.

Aqueles são caracterizados pela ausência de regulamentação legal

ou, ainda, pela existência de um mínimo de regulamentação legal, de apoio,

unicamente, à livre negociação, para permitir maior espaço de autonomia

das partes: quer quanto à definição dos níveis de contratação; quer quanto

aos procedimentos utilizados no diálogo entre elas; quer quanto aos prazos

de vigência dos instrumentos coletivos; quer quanto aos seus efeitos gerais

ou específicos sobre associados; quer quanto às relações entre mais de uma

contratação dentre as concomitantemente em vigor nas esferas sindicais ou

não sindicais; quer, ainda, quanto ao conteúdo a ser negociado.


Estes são modelos com exaustiva regulamentação legal, disciplinadora

de todos os principais aspectos: a legitimidade para a contratação; o

procedimento; o conteúdo; os efeitos sobre os contratos individuais de

trabalho etc. O grau máximo de heteronomia exercita-se quando o Estado

suspende, transitoriamente, as negociações coletivas como, em alguns

países, medida extrema de combate à inflação.

A classificação encontra correspondência com outra: modelos voluntários

e modelos estatais, sobre a qual Perone afirma: “A escolha, porém, entre lei

e contrato coletivo depende também de outras razões. Entre estas, leva à

preferência pelo citado modelo ‘voluntário’ a relutância (se não a explícita

recusa) dos sindicatos com relação a uma hipoteca legislativa que tire seu

espaço e não se revela em sintonia com os penosos equilíbrios alcançados

412

nas relações de força entre as partes sociais e no seu interior. São dessa

natureza os motivos que têm levado o sindicato italiano a recusar os projetos

de execução legislativa do art. 39 da Constituição e o sindicato inglês a se

opor veementemente às intervenções legislativas com as quais, de 1982 a

1990, o governo britânico tornou, de fato, ilegítima a prática da closed shop”.

As mesmas razões justificam outro tipo de classificação: sistemas

autorregulamentados e legalmente regulamentados. Exemplo destes últimos

é o latino-americano. O modelo europeu é preponderantemente contratual.

9. A ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO

A Organização Internacional do Trabalho incentiva a negociação

coletiva como forma democrática de composição dos conflitos coletivos


de trabalho. Pretende que os próprios interlocutores sociais encontrem o

adequado entendimento para as suas divergências, e cheguem a um acordo,

fruto do livre debate, sem interferência do Estado. Não adotou uma posição

oficial quanto às vantagens ou desvantagens da negociação centralizada ou

descentralizada. Prefere recomendar que cada país encontre a sua fórmula,

de acordo com as suas características e necessidades a atender.

Afirma, em La negociación colectiva (1986), que as negociações em

nível menor são mais simples: “os trabalhadores podem reunir-se sem

dificuldades; a negociação não exige um aparelho complicado; a escolha

dos porta-vozes dos trabalhadores não tem ou não deveria ter problemas; as

trocas de informações e de documentos são mais fáceis, quando a empresa

não é muito grande, o empregador pode conduzir ele mesmo a negociação,

tratando com pessoas que ele conhece”. Como inconveniente, a negociação

de empresa pode causar diferenciação de ganho entre os assalariados das

diferentes empresas, o que não acontece com igual dimensão quando a

negociação é em relação à categoria. O pessoal das microempresas não

consegue obter ganhos salariais iguais.

As diretrizes da OIT sobre negociações coletivas estão consubstanciadas,

principalmente, em Convenções, que, nesta matéria, são integrantes de um

conjunto de normas de garantia da liberdade sindical, uma vez que essa

liberdade não se limita à organização. Compreende a ação sindical, cujo

exercício se faz, especialmente, pela negociação coletiva, visando ao ajuste

de contratos coletivos entre sindicatos de trabalhadores e empregadores.

A Convenção n. 154 fixou regras segundo as quais a prática da


negociação coletiva deve ser observada em todos os ramos de atividade

econômica, respeitadas as leis de cada país, inclusive no setor público. A

mesma Convenção define negociação coletiva como procedimento destinado

à elaboração de contratos coletivos de trabalho, tendo por fim fixar as

413

condições de trabalho e emprego e regular as relações entre empregadores

e trabalhadores ou entre as suas organizações representativas.

A Convenção n. 98 sugere a adoção de medidas adequadas às condições

de cada país, para o fomento dos procedimentos de negociação voluntária,

com o objetivo de regulamentar, pelos contratos coletivos, as condições de

emprego.

A Recomendação n. 163 da mesma instituição internacional declara que

o direito de negociação deve ser amplo, assegurado a todas as organizações,

em qualquer nível, de empresa, estabelecimento, ramo de indústria, região

ou até em âmbito nacional, coordenados esses níveis entre si. Assinala a

conveniência da disponibilidade de informações facilitadas entre as partes,

para que ambas possam negociar conhecendo a situação da outra, e,

também, pelo Estado, que dispõe de dados econômicos e sociais globais do

país. O mesmo documento sugere que conste das convenções coletivas a

previsão dos mecanismos que serão adotados pelas partes para a solução

das controvérsias que resultarem da sua aplicação, como a mediação e a

arbitragem privada.

O Comitê de Liberdade Sindical, da Organização Internacional do

Trabalho, órgão que aprecia queixas de sindicatos sobre eventual violação da


liberdade sindical no país, considera o direito de negociar elemento essencial

da liberdade sindical, zelando pelo comportamento da boa-fé pelas partes

negociantes, meio de inspiração da mútua confiança, necessário para o êxito

da negociação. Ressalta, também, que os próprios interlocutores sociais

devem ter a liberdade de definir o nível em que se deve dar a negociação,

dentre os existentes na organização sindical. Considera o direito de negociar,

livremente, elemento essencial da liberdade sindical, como forma por meio

da qual os sindicatos podem lutar pela melhoria das condições de vida dos

trabalhadores, que as autoridades públicas devem abster-se de qualquer

medida capaz de restringir esse direito; que não apenas sindicatos, mas,

também, federações e confederações devem ter legitimidade para negociar,

e que essa legitimação deve ser admitida nos casos de entidades sindicais

registradas e não registradas.

São poucos os princípios estabelecidos pelo Comitê de Liberdade Sindi-

cal, da Organização Internacional do Trabalho, sobre o procedimento das ne-

gociações. O principal ocupa-se do caráter voluntário de que deve revestir-se,

daí o Informe n. 614, cujo teor é o seguinte: “Nenhuma disposição do art. 4º da

Convenção n. 98 obriga um governo a impor, coercitivamente, um sistema de

negociações coletivas a uma organização determinada, intervenção governa-

mental que, claramente, alteraria o caráter de tais condições”.

No mesmo sentido, da espontaneidade do procedimento, é o Informe n.

615: “Quando um governo, em virtude da sua legislação, reconhece o direito

414

dos sindicatos de regulamentar as relações de trabalho, não está obrigado a


fazer obrigatórias as negociações coletivas”.

A boa-fé é princípio básico da negociação, inspirador da confiança

mútua das partes. Os trabalhadores devem ter o direito de escolher as

representações sindicais que em nome deles atuarão nas negociações.

É incompatível com o direito de negociação coletiva a interferência dos

Ministérios do Trabalho para fixar normas relativas a salários, jornada de

trabalho, descanso, férias e condições de trabalho. Os próprios interlocutores

sociais devem ter autonomia para decidir qual o nível de negociação apto à

solução das suas disputas.

Devem ser evitadas exigências legais submetendo as convenções

coletivas de trabalho à homologação da autoridade pública.

10. A UNIÃO EUROPEIA

O modelo de contratação coletiva da União Europeia funda-se no prin-

cípio do diálogo social, valorizado pela quase-totalidade dos seus Estados-

-membros; legitima institutos de natureza consensual, assim considerados

os acordos resultantes de entendimentos, desenvolvidos em esferas mais

elevadas, pelas representações empresariais e de trabalhadores, com ou

sem a participação dos governos ou das altas autoridades. Assinalar-se-á o

que há de mais importante.

Em 1995, foi assinado o primeiro acordo coletivo em plano comunitário.

Assegurou aos trabalhadores da comunidade, salvo os do Reino Unido,

licença remunerada de no mínimo três meses e licenças para assuntos

familiares.

O Acordo sobre Política Social incentiva os entendimentos coletivos,


em plano comunitário, permite a aplicação de diretivas pelos acordos

coletivos, porém, excluiu da competência comunitária, e com isso da esfera

da negociação coletiva, as seguintes matérias: remuneração, direito de

associação e sindicalização, direito de greve e locaute (art. 2º, § 6º).

A Diretiva n. 94/45/CE torna obrigatória a constituição de uma comissão

interna de representação dos trabalhadores, o comitê de empresa, ou a

criação de um procedimento de informação e consulta dos trabalhadores

nas empresas e grupos de empresas. Essa regra é aplicável às empresas

que tenham, pelo menos, 1.000 trabalhadores e, no mínimo, duas filiais

em dois Estados-membros da União, tendo cada uma, pelo menos, 150

trabalhadores.

Em 1997, foi pactuado acordo coletivo para melhoria do emprego

na agricultura, entre a FEA — Federação Europeia Agrícola e a CES —

415

Confederação Europeia de Sindicatos, de um lado, e a GEOPA — Grupo

Europeu de Organizações Patronais Agrícolas e a COPA — Confederação

de Organizações Patronais Agrícolas, de outro lado.

Como mostra Luisa Galantino, em Lineamenti di diritto comunitario

del lavoro (1997), na União Europeia “os contratos coletivos podem surgir

diretamente do diálogo entre as partes sociais em nível comunitário ou no

curso do processo de consulta as partes podem informar à Comissão da

sua disponibilidade em concluir acordos coletivos, iniciando uma negociação

de duração normalmente não superior a nove meses. Lembre-se de que

existem, no sistema europeu de relações de trabalho, representações em


nível comunitário”.

Além da contratação coletiva, outro instrumento utilizado para a

realização do diálogo social é a consulta entre as partes sociais, prevista pela

Carta Comunitária dos Direitos Sociais Fundamentais dos Trabalhadores

(art. 17) como mecanismo pelo qual são desenvolvidas a informação e a

participação dos trabalhadores, consideradas as práticas observadas nos

diversos países, nas empresas e grupos de empresas, em especial nos

seguintes momentos: a) na introdução de mudanças tecnológicas que possam

ter uma acentuada incidência nas condições de trabalho e na organização

do trabalho; b) por ocasião da reestruturação ou fusão de empresas com

reflexos sobre os empregos; c) quando determinada política ocupacional

seguida pela empresa possa ter repercussões sobre os trabalhadores.

A Diretiva n. 75/129 (art. 2º) declara que, quando o empregador pretender

efetuar dispensas coletivas, deve proceder a consultas aos representantes

dos trabalhadores, tendo em vista a verificação da possibilidade de um

acordo, examinar as possibilidades de evitar as dispensas ou reduzir as suas

dimensões e impactos, sendo facultada aos representantes dos trabalhadores

a possibilidade de formular propostas e o direito de receber do empregador

informações úteis sobre os motivos das dispensas, número dos que serão

despedidos, total de empregados na empresa e período durante o qual as

rescisões contratuais ocorrerão. A dispensa coletiva, segundo a mesma

Diretiva, é um procedimento no qual a consulta é valorizada, precedendo

o possível acordo que definirá as condições a serem cumpridas para a

sua efetivação, cumprindo, assim, uma importante função, motivadora do


entendimento entre as partes. Como se vê, a consulta não é o acordo. É um

mecanismo introdutório dele ou meramente de troca de informações, ainda

que sem acordo.

11. A AMÉRICA LATINA

A América Latina, de acordo com estudos da Organização Internacional

do Trabalho, de 1978, tinha as seguintes características: a) a diversidade do

416

quadro de cada país, de acordo com a sua realidade econômica e social;

b) a existência, em quase todos, de mecanismos auxiliares da negociação;

c) a prevalência, na região, da negociação em plano de empresa, por

meio do sindicato e raramente por um grupo inorganizado em sindicato;

d) o conteúdo predominantemente salarial das cláusulas negociadas; e) a

indispensabilidade da lei para estabelecer garantias e evitar acentuadas

disparidades entre os direitos dos trabalhadores.

Em 1981, novo estudo do mesmo organismo internacional, dirigido por

Efrén Córdova, com a colaboração de Geraldo Von Potobsky, Emilio Morgado,

Arturo S. Bronstein e Oscar Hernandez, detectou, na expressão de Córdova,

“uma mescla de autonomia e intervenção estatal, de cooperação e conflito,

de aspectos institucionais e relativos ao comportamento, de centralização

e descentralização”, dentro de certos limites, apresentando uma dinâmica

própria, apesar do peso da tradição e dos esquemas legislativos de tipo

intervencionista, e, no dizer de Bronstein, “um comportamento mais autônomo

das partes”.

Mais recentemente, em 1993, em Intervención y autonomía en las


relaciones colectivas de trabajo, Oscar Ermida Uriarte, coordenador da

pesquisa, no relatório final, assinalou a excessiva intervenção do Estado na

negociação coletiva sobre o procedimento, tornando-o rígido e formal, sobre

o conteúdo, afetando-o, em alguns casos, com resoluções administrativas

ou decisões judiciais, e na estrutura da negociação, com a determinação dos

níveis em que pode dar-se.

Outro estudo, de direito comparado, focalizando o mesmo tema, é La

negociación colectiva en América Latina, coordenado por Antonio Ojeda Avilés

e Oscar Ermida Uriarte (1993), no qual são analisadas as circunstâncias

em que se desenvolvem as contratações coletivas, os procedimentos

adotados, a intervenção administrativa na negociação e as vicissitudes

do acordo coletivo, com farta documentação, incluindo a legislação dos

seguintes países: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica,

Cuba, Equador, Guatemala, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru,

República Dominicana, Uruguai e Venezuela. São assinaladas as mudanças

pelas quais o continente passou, ultimamente, no plano político e econômico,

o afastamento dos velhos paradigmas e os desafios presentes, dentre os

quais a adaptação da contratação coletiva aos novos esquemas de proteção

flexível dos trabalhadores, problema sobre o qual um dos autores do livro,

Arturo Hoyos, assim afirmou: “O caminho para essa meta é, sem dúvida,

longo, mas se exige que seja percorrido desde agora, a fim de assegurar

a sobrevivência de instituições básicas do Direito do Trabalho na América

Latina, frente ao embate dos grandes problemas do desemprego e de uma

nova ordem econômica internacional”.


417

12. OUTROS ASPECTOS DOS MODELOS

DE NEGOCIAÇÃO COLETIVA

Quanto aos níveis de negociação, há diversos: a empresa, a categoria,

diversas categorias ou, até mesmo, os trabalhadores como um todo. Essas

instâncias podem agir com absoluta autonomia, independendo uma das

outras ou de modo integrado, relacionando-se segundo uma divisão de

competências.

Quanto à relação entre os níveis: articulados e não articulados. Nos

primeiros, os diversos níveis de contratação coletiva entrelaçam-se. Não se

unificam. Cada um conserva a sua individualidade. Mas compõem um todo

num sentido. As contratações intercategoriais estabelecem regras, em razão

da matéria ou dos procedimentos, que as demais instâncias seguem. As

organizações sindicais de cúpula cuidam dos temas de maior generalidade,

do macromodelo econômico-social. Podem, também, estabelecer limites

mínimos e máximos de reajustes salariais. Em outras palavras, entre as

diferentes instâncias negociadoras ergue-se uma pirâmide sindical-negocial,

repartidas as competências. Redunda, na prática, em uma forma de controle

das entidades sindicais de cúpula sobre as de nível menor. Portanto, a

contratação articulada traduz-se num conjunto de convênios coletivos

escalonados, em diferentes níveis, relacionados entre si, a partir de um

acordo maior, o acordo-marco, entre organizações sindicais de segundo

grau. Forma-se, assim, um feixe de acordos em degraus diferentes, de modo

que o mais amplo, e primeiro, comanda os demais.


Suas origens são atribuídas à Itália, na década de 1960, com prece-

dentes que guardam certa semelhança com os meister contracts norte-

-americanos e com os mustervertage alemães. A contratação articulada tem,

para Ojeda Avilés, a natureza de negócio jurídico coligado. O ilustre jurista

espanhol descarta a tese do acordo integrativo e a teoria dos subcontratos,

porque, apesar da sua conexão econômica ou teleológica, a vê como acor-

dos que se conservam como negócios perfeitos, cada um mantendo a sua

individualidade. A Itália vem afastando a articulação. Trouxe problemas de

autonomia de entidades sindicais entre si.

Nos modelos independentes, os diversos níveis de negociação, inclusive

na mesma categoria, são totalmente autônomos, não existindo reserva de

competência para determinadas instâncias ou tipos de entidades sindicais ou

restrições sobre o conteúdo a ser negociado em cada esfera do mesmo setor

sindical, o que permite maior liberdade para as bases.

Quanto à concentração, os modelos de contratação coletiva são

concentrados ou descentralizados. Os primeiros são unificantes, a negociação

é centralizada em um nível mais alto na escala sindical. Os segundos são

difusos, distribuindo-se pelas diversas esferas de representação sindical. A

418

centralização dificulta a liberdade de negociação em níveis menores, mais do

que no sistema de articulação. Este é descentralizado, mas há o comando do

nível mais alto sobre os demais. Com o pós-corporativismo intensificou-se a

tendência de descentralização, acentuando-se, no período contemporâneo,

com as negociações coletivas de empresa.


13. O MODELO ITALIANO E O ESPANHOL

Mostraremos alguns aspectos comparados do modelo italiano e do

espanhol, pela importância do direito do trabalho dos dois países.

A obrigatoriedade: na Itália não há; o contrato coletivo pode prever a

obrigatoriedade do empregador, para negociar com determinado sindicato;

na Espanha, ambas as partes “estão obrigadas a negociar sob o princípio da

boa-fé” (art. 89).

Os sujeitos estipulantes: na Itália são um sindicato, comissões internas,

representações sindicais na empresa ou coalizões não estáveis e pelo

lado patronal uma associação, uma delegação ad hoc ou uma empresa.

Na Espanha, nos convênios de empresa ou âmbito inferior, o comitê de

empresa, delegado do pessoal ou as representações sindicais. Existem

comissões de negociação. Nos contratos coletivos de âmbito empresarial

ou inferior, são constituídas pelo empresário ou seus representantes, de

um lado, e pelos representantes dos trabalhadores, de outro. Em âmbito

superior à empresa, as comissões ficam validamente constituídas quando

os sindicatos, federações ou confederações e as associações empresariais

representam, no mínimo, a maioria absoluta dos membros dos comitês de

empresa e dos delegados do pessoal, como também, no lado empresarial,

estes terão de representar a maioria dos empresários afetados pelo convênio.

A designação dos membros das comissões é das partes negociadas, que,

de mútuo acordo, poderão designar um presidente e assessores, com voz

mas sem voto. Nos convênios empresariais, nenhuma das partes superará o

número de dois membros e, nos de âmbito superior, quinze membros.


Os tipos de convênios coletivos: na Itália, e no caso de sindicato de

fato, não registrado e sem personalidade jurídica, os contratos coletivos são

regidos pelo direito comum, construção jurídica para completar o espaço

que resultou da concepção privatística das convenções coletivas; no caso

de sindicato registrado, com personalidade jurídica e representação unitária

(Constituição, art. 39), os contratos coletivos têm efeitos gerais, segundo

Giugni, de pouco uso.

Os níveis: na Itália são o interconfederal, nacional, categorial, profissio-

nal, territorial não nacional e empresarial; na Espanha, mediante acordos

419

interprofissionais ou convenções coletivas, as partes podem estabelecer a

estrutura das negociações para os diferentes níveis, definindo também a

competência para a negociação em nível maior e a competência remanes-

cente para os níveis menores.

O conteúdo: na Itália, as cláusulas são obrigacionais como as cláusulas

de articulação da contratação em diversos níveis, pactos de trégua, direito

sindical de informação e consulta e criação de comissões intersindicais e

normativas sobre remuneração, jornada de trabalho, dispensa etc.; na

Espanha, será toda a matéria de natureza econômica, laboral, sindical e

assistencial e, em geral, quantas outras afetem as condições de emprego e o

âmbito das relações dos trabalhadores e suas organizações representativas

com o empresário e as associações empresariais, e a lei prevê “um conteúdo

mínimo” (Estatuto, art. 85.2) formal quanto à determinação das partes, âmbito

pessoal, funcional, territorial e temporal; forma e condições de denúncia, prazo


de pré-avisos para a denúncia e designação de uma comissão paritária da

representação das partes para conhecer questões que lhes sejam atribuídas.

Os efeitos: na Itália, são limitados aos sócios do sindicato nos contra-

tos coletivos de direito comum, e aplicáveis a toda a categoria nos contratos

coletivos erga omnes; na Espanha, os efeitos aplicam-se à unidade de nego-

ciação, assim considerado o âmbito de aplicação que as partes acordarem

(Estatuto dos Trabalhadores, art. 83), com o que o Estado se exime de fixar

categorias oficiais e transfere para os próprios interessados a delimitação da

esfera de aplicabilidade das convenções; nas respectivas unidades de nego-

ciação, as partes legitimadas para negociar poderão aderir, de comum acor-

do, à totalidade do convênio em vigor, sempre que não estiverem afetadas por

outro, e o Ministério do Trabalho poderá estender as disposições a determi-

nadas empresas e trabalhadores sempre que exista especial dificuldade para

a negociação ou se deem circunstâncias sociais e econômicas de notória

importância no âmbito afetado.

A hierarquia: na Itália, as cláusulas dos contratos coletivos podem

articular os diversos níveis; entre os contratos coletivos concomitantes

prevalece o critério cronológico e entre o contrato coletivo e o individual, o

princípio da norma favorável ao trabalhador; na Espanha, as partes podem

fixar regras para solução dos conflitos de concorrência entre convênios.

A forma: na Itália é livre, normalmente escrita; na Espanha, é escrita,

sob pena de nulidade, e os convênios são registrados perante o órgão estatal

competente no prazo de quinze dias; uma vez registrados, são remetidos ao

Instituto de Mediação, Arbitragem e Conciliação para depósito (art. 90.2) e


publicados em dez dias no Boletim Oficial do Estado ou órgão de imprensa

da Província, entrando em vigor na data ajustada pelas partes.

420

O prazo: na Itália, há convênios por prazo indeterminado que cessam

por mútuo consenso e por prazo determinado, via de regra, por três anos; na

Espanha, será o que as partes determinarem, podem ser fixadas durações

diferentes para cada matéria específica do mesmo convênio e, salvo

disposição em contrário, os convênios são prorrogados de ano em ano,

quando não denunciados; se as partes não chegarem a um acordo, perderão

a vigência as cláusulas obrigacionais, mas continuarão a vigorar as cláusulas

normativas (art. 86.3).

Nenhum modelo escapa das críticas.

Na Itália, Gino Giugni observa que, se na teoria dos contratos coletivos

de direito comum as cláusulas são aplicáveis apenas aos sócios dos sindica-

tos e inaplicáveis aos não sócios, na prática são aplicáveis a todos, sócios ou

não, por iniciativa do empregador, que, se não agisse assim, teria pela frente

um problema técnico de elaboração de duas contabilidades trabalhistas, e um

problema político de crescimento da força sindical em sua empresa, uma vez

que os não associados procurariam ingressar como sócios do sindicato para

obter as vantagens da convenção coletiva, força que certamente o empre-

gador não há de querer em sua empresa, com o que ele generaliza a todos

os seus empregados a convenção, beneficiando também os não sócios do

sindicato.

De outro lado, se o empregador não é filiado à associação de emprega-


dores com a qual os trabalhadores fizeram o contrato, não estará obrigado

a cumpri-lo, como ocorre normalmente no direito comum com os não con-

tratantes. O contrato não vincula os não contratantes. Os problemas que

resultam dessa restrição levaram a jurisprudência italiana a decidir que “a

aplicação espontânea, constante e uniforme, de múltiplas cláusulas de um

contrato coletivo, pelo empregador não inscrito na associação estipulante,

vale como implícita adesão ao contrato”.

Segundo Giugni, não foi bem-sucedida a tentativa de restringir a aplicação

do contrato coletivo aos sócios do sindicato. Primeiro, pela dificuldade de

aplicação unitária, já que a formação dessa representação, à qual se atribuiu a

legitimação para atuar, pressupõe uma determinação precisa do número dos

filiados em cada sindicato. Cada sindicato que integra essa representação

sindical conjunta, constituída para determinada negociação de âmbito mais

geral, extinguindo-se em seguida, tem um número de votos proporcional ao

número de inscritos. Poderiam surgir dúvidas sobre os números de apuração

necessários para ser definida a representação. Segundo, pela dificuldade

para a determinação do âmbito de aplicação do contrato diante da liberdade

de enquadramento e o princípio de autonomia privada coletiva do sistema de

liberdade sindical do país peninsular, com o que a autonomia organizativa e a

autonomia negocial nem sempre coincidirão, como pode suceder num regime

421

de pluralidade sindical. A terceira, e maior dificuldade, é de ordem política — a

disputa sindical por uma posição melhor no órgão de representação unitária.

O quadro que se formou, no direito italiano, é, por Scotto, descrito como


absurdo. De um lado, há o reconhecimento da necessidade da extensão

geral dos contratos coletivos; de outro lado, é atribuída natureza privada a

esses contratos, estipulados por sindicatos não reconhecidos, o que levaria

à impossibilidade de dar eficácia ilimitada a essas pactuações.

Outro problema é o reflexo dos acordos nacionais ou mesmo dos

provinciais sobre os de empresa. Como se sabe, na Itália há acordos-marcos

que fixam diretrizes gerais a serem cumpridas nos demais níveis inferiores de

negociação, em especial a negociação por empresa. No entanto, os contratos

nacionais são descumpridos pelos contratos de empresa, infirmando-se o

princípio da generalidade e da duração.

Questionada, também, é a compatibilidade entre a pluralidade sindical

e a eficácia vinculante dos contratos coletivos, com o que foi preciso que

se criasse uma figura, um órgão colegiado, designado por representação

unitária, constituído de representantes de diversos sindicatos, para atuar em

nome deles. A concepção é privatística, mas os contratos, que deveriam ser

aplicados por coerência apenas aos filiados, acabam tendo eficácia geral

mediante mecanismos da adesão e de outras figuras. Apesar dessas obje-

ções, Scotto não se mostra favorável à maior utilização da lei, entendendo

que “a lei representa gravíssimo inconveniente, já que, embora adaptando-

-se aos grandes princípios, não é adequada para situações particulares, e é

rígida e estranha no ambiente em que deve atuar, uma vez que o sindicato

conhece muito melhor a vida dos trabalhadores que o legislador”.

A tendência do ordenamento jurídico italiano, depois do Statuto dei

Lavoratori, para Giuliano Mazzoni, é, decisivamente, para a negociação


coletiva em nível de empresa, entre as comissões internas e o empregador,

em cada unidade produtiva, comissões que, nos termos de acordo

interconfederal de 1966, têm a finalidade de “concorrer para a manutenção

da normalidade nas relações entre os trabalhadores e a direção da empresa

para o regular desenvolvimento da atividade produtiva segundo um espírito

de colaboração e de recíproca compreensão”.

Quanto à Espanha, Manuel Alonso Garcia observa que a liberdade

sindical incide sobre o processo de negociação, de um lado, com o princípio do

pluralismo, dela decorrente, e a predeterminação de unidades de negociação

configuradoras da legitimação dos sujeitos pactuantes; de outro lado, impede

o sindicato de outorgar ao convênio coletivo eficácia geral, a não ser em

virtude de mecanismos que transcendem a autonomia coletiva.

Desse modo, a problemática das relações de trabalho, dentro do novo

contexto de liberdade sindical, que supõe o possível desenvolvimento de

422

um pluralismo associativo, inclusive atomizado, vai desembocar, de início,

quanto à negociação coletiva, em um dilema a resolver como opção, não

somente técnica, mas de indubitáveis conotações políticas, a saber: a)

convênio coletivo de eficácia limitada, cuja característica essencial radica em

que suas cláusulas obrigam aos sindicatos e associações pactuantes e aos

seus filiados, e somente a estes; b) convênio coletivo de eficácia geral com

efeito erga omnes, cuja definição se centraliza substancialmente em seus

efeitos, que se estendem não só aos filiados, aos sindicatos e associações

pactuantes, e àqueles e a estas, mas também a terceiros estranhos, filiados


a outros ou nenhum sindicato e associação não pactuantes.

Com isso, a determinação do alcance pessoal de aplicação dos convênios

transcende os puros mecanismos operativos do conceito de representação

de direito civil ou privado, para incidir sobre a ideia de representatividade.

Manuel Alonso Olea, professor da Universidade de Madri, afirma

que “o problema da determinação das unidades de contratação é de uma

complexidade real e extremada”, não excluindo a hipótese da configuração

de âmbitos de contratação absurdos e arbitrários, sem fundamento objetivo

nenhum, divorciados da estrutura industrial e profissional real.

Antonio Ojeda Avilés, sobre o âmbito de vigência dos convênios,

observa que há disparidade de regime jurídico na matéria em decorrência do

Estatuto dos Trabalhadores. Os convênios coletivos propriamente ditos são

regidos pelo direito do trabalho. Ao lado deles, há os pactos coletivos regidos

pelo direito comum, de eficácia jurídica igual à dos contratos de direito civil,

inclusive figuras informais encontradas na realidade cotidiana das empresas,

não comportando sequer as formalidades de um convênio ou não sendo

possível formalizar-se como um convênio.

O modelo dos Estados Unidos da América tem entre as suas

características a ausência de leis e a intensa prática das negociações coletivas

como principal meio de adoção de regras para as relações de trabalho, de

acordo com um processo contínuo, no qual o consenso é a base, a ideia

do contrato é o suporte jurídico, a unidade de negociação é o parâmetro

territorial que fixa os limites da contratação e o efeito, restrito aos filiados do

sindicato contratante, o princípio de aplicação.


14. O MODELO NORTE-AMERICANO

Há uma lei de 1935 (Lei Wagner), emendada em 1947 (Lei Tafty-Hartley),

leis especiais no setor público, e algumas leis estaduais; a lei garante o

direito de eleição de sindicatos em cada unidade de negociação, dando-lhe

caráter obrigatório e segundo um princípio de boa-fé, que, uma vez violado,

423

sujeita o empregador a penalidades impostas por um Tribunal administrativo.

Quando é usada a palavra “contrato”, o que se quer dizer é contrato coletivo,

substitutivo do contrato individual.

Os trabalhadores elegem o sindicato que os representará na negociação

coletiva na unidade de negociação, esta, na maior parte dos casos, a

empresa. O sindicato é eleito pelo pessoal de uma empresa e será agente

exclusivo, representante de todos os empregados da unidade produtiva,

inclusive daqueles que foram voto vencido ou que se abstiveram de votar. O

empregador, por sua vez, não poderá negociar com outro sindicato, nem se

recusar a negociar.

Não há uma data-base e a negociação coletiva é um processo contínuo.

A negociação leva a um acordo escrito ( agreement) e sua duração é de cerca

de três anos, mas pode ter duração menor. Há acordos com centenas de

cláusulas, que são de dois tipos fundamentais: as cláusulas sobre condições

de trabalho ( working condictions), como salários, horas de trabalho, feriados

pagos, duração das férias, direitos decorrentes da antiguidade do empregado

( seniority), como ordem preferencial de dispensas, maior número de dias de

férias para os mais antigos, promoções etc., tornando-se o tempo de serviço


padrão para determinar ações do setor de pessoal. Há a seniority list (lista

de antiguidade), publicada periodicamente sobre benefícios (seguro-doença,

pensões previdenciárias, atendimentos médico e odontológico etc.). São

negociadas, também, cláusulas de reabertura de negociações. Estas serão

reabertas em função, principalmente, da necessidade de reajustar os salários,

cláusulas, seguros de saúde pagos pelo empregador etc. Os percentuais

de salários são em princípio fixados para toda a contratação e podem ser

gradativamente crescentes; são fixadas as horas máximas semanais (p. ex.,

40 horas) e o adicional pelas horas excedentes da semana.

Raramente o contrato define justa causa. Às vezes, dispõe que o

empregado não poderá ser dispensado sem justa causa. Há uma espécie de

common law para servir de base para o conceito de justa causa. Por exemplo,

insubordinação, violências, faltas etc. Os árbitros, havendo controvérsia,

decidem.

Os acordos incluem cláusulas sindicais: o closed shop, proibição de

admissão de empregado fora do sindicato; a union shop, obrigação de

sindicalização dos empregados 30 dias após a admissão (90% dos contratos

têm essa cláusula); o check-off, desconto em folha para o sindicato; e o

direito do sindicato de se ver reconhecido pelo empregador, de conformidade

com a lei e de acordo com a eleição dos trabalhadores, com o que o sindicato

passa a ser o órgão da negociação coletiva.

Há, também, cláusulas sobre a administração (execução) do contrato,

sobre a reabertura das negociações após o primeiro ano de duração do

424
contrato, sobre os percentuais de aumento de salário em cada ano etc. O

cumprimento do convênio segue regras não previstas em lei e decorrentes

do próprio acordo. Quando não cumprido o acordo, a solução se faz pelo

procedimento interno da empresa. Trata-se de uma sequência de níveis de

entendimento na empresa visando a uma solução, inicialmente em esferas

menores, depois em esferas maiores, variando em cada acordo. Geralmente

o entendimento inicial é tentado entre o empregado e seu chefe imediato;

depois entre o steward (representante sindical) e, pela empresa, o superior ao

chefe do empregado; não resolvida a questão, entre o chefe dos stewards ou

um conselho e o diretor da empresa. O julgamento ( adjunction) é necessário

quando, percorrido esse caminho, não houve solução negociada e se fará

nos termos previstos pelo contrato, geralmente a arbitragem facultativa.

Parte pequena dos casos, em relação ao número total, chega à arbitragem.

O árbitro não é um juiz; é um particular escolhido pelas partes para julgar. A

maior parte dos Estados tem um estatuto de arbitragem que indica os casos

em que a decisão arbitral pode ser levada à discussão judicial. Por exemplo,

se o árbitro excede a sua autoridade ou se houve fraude.

Os empregados não representados por sindicatos, em maioria, não têm

direitos fundados em contratos coletivos. É o que ocorre em uma empresa

sem sindicato e contrato. Os direitos do empregado de empresa nessas con-

dições são os por ela concedidos. Dificilmente serão mais amplos do que os

conferidos por contratos coletivos. Muitas vezes, serão iguais. Acrescentam-

-se os direitos básicos previstos nas leis federais para funcionários públicos e

os direitos já citados, assegurados, também, para o setor privado, dentre os


quais salário-mínimo, previdência social oficial, defesa contra conduta discri-

minatória por atividade sindical, sexo, idade, cor etc.

15. PROCEDIMENTO DA NEGOCIAÇÃO

A negociação coletiva é uma série sucessiva de atos, de tratos seguidos

entre os protagonistas de uma disputa coletiva, para a discussão das

reivindicações formuladas por uma das partes à outra, desde a preparação,

o desenvolvimento e a conclusão, com a formalização de um instrumento

de acordo ou o impasse, superável pela mediação, arbitragem ou decisão

judicial.

Giancarlo Perone, em A ação sindical nos Estados-membros da União

Europeia (1996, trad.), mostra, corretamente, que “o procedimento de

estipulação dos contratos coletivos, embora marcado por fases que ocorrem

com uma certa uniformidade nos vários sistemas de relações sindicais,

não se presta a rígidas esquematizações, estando, consideravelmente,

condicionado pela prática típica de cada sistema individual”.

425

A estrutura do procedimento de negociação é de dois tipos, de acordo

com o princípio que o ordena: o legislado e o autorregulamentado; aquele,

quando o procedimento é descrito pela lei; este, nos sistemas de omissão

da lei para que os interessados combinem regras do procedimento. A lei não

esgota todos os atos praticados pelas partes numa negociação. Desse modo,

em todo sistema sempre haverá um procedimento híbrido, legal e empírico.

Há países nos quais a lei não prevê obrigação alguma de negociar nem

sanções contra o empregador que se recusar a fazê-lo, como na Itália. A


jurisprudência italiana, interpretando o art. 28 do Estatuto dos Trabalhadores,

condena, apenas, a discriminação pela empresa, arbitrariamente, da

negociação de um ou alguns sindicatos. Na Inglaterra, não há lei que obrigue

a empresa a reconhecer ou negociar com um sindicato. O sistema da Irlanda

aproxima-se do inglês.

Essa obrigação é prevista nas leis da França, sob sanções penais; da

Espanha, por força do disposto na Constituição, art. 37, I, que garante o

direito à negociação coletiva entre representantes dos trabalhadores e dos

empresários; de Luxemburgo; da Grécia; do México, por força da Ley Federal

del Trabajo (art. 387); da Costa Rica, nos termos do Código de Trabajo (art.

56); da Venezuela, de acordo com a Ley de Trabajo (art. 50); e outras. No

Chile, a lei prevê multas ao patrão que não negociar. Na Argentina, a recusa

à negociação configura prática desleal (Lei n. 23.551/88, art. 53), o mesmo

ocorrendo no Panamá e na República Dominicana.

Perone, avaliando o modelo europeu, concluiu que, “na maior parte dos

ordenamentos jurídicos, o equilíbrio nas relações de trabalho é alcançado sem

imposição da obrigação de negociar, no convencimento de que o apoio legal

à força dos sindicatos pode ser limitado pela previsão de procedimentos para

a atribuição de eficácia erga omnes aos contratos coletivos já concluídos”(2).

Observação diversa é a de Antonio Ojeda Avilés sobre a América Latina:

“Não entendemos — diz o renomado jurista espanhol — como é possível

existirem mais países com dever de contratar que de negociar, quando o

primeiro supõe uma clara ruptura com o ordinário no direito privado”, citando,

dentre os países nessas condições, Bolívia, Costa Rica, Equador, Guatemala,


México, Panamá e Paraguai(3).

A Ley Federal del Trabajo, do México (art. 387), dispõe: “O patrão que

empregue trabalhadores membros de um sindicato terá obrigação de celebrar

com este, quando se solicite, um contrato coletivo”.

(2) PERONE, Giancarlo. A ação sindical nos Estados-membros da União Europeia. São

Paulo: LTr, 1996.

(3) AVILÉS, Antonio Ojeda. Los deberes de negociar y de contratar. In: AVILÉS, Uriarte

(Coord.). La negociación colectiva en América Latina. Madri: Trotta, 1993. p. 55.

426

Agentes da negociação são profissionais da área, especialistas em

negociar, com qualificações, dentre as quais conhecimentos de legislação

trabalhista, de economia, de psicologia e vocação para comunicar-se com

outras pessoas. Saber se os agentes devem ou não estar munidos de

procuração ou carta de preposição é tema que deve obter resposta nos

parâmetros da lei de cada país.

Se falta representatividade ao grupo que se apresenta para negociar,

apesar de ter a representação oficial, a eficácia das obrigações assumidas

fica comprometida e a negociação não consegue atingir os seus objetivos de

pacificação no setor ou categorias envolvidas.

As reuniões são preparatórias ou prévias, principais ou acessórias.

Preparatórias, via de regra, são reuniões internas, de cada parte, isoladamente,

para discutir estratégias e possibilidades e conveniências, das mais diversas

finalidades, inclusive a do alvo a atingir. Os sindicatos de trabalhadores

negociam, às vezes, com o patronal e, em outras vezes, diretamente com


uma empresa que consideram adequada para esse fim, contando com

margens de êxito que depois podem influir nas negociações com outras

empresas do setor. No lado patronal, as reuniões prévias são definidoras

dos agentes que negociarão e dos pleitos que serão ou não admitidos para

a discussão. São principais as reuniões de decisões. É o caso da reunião

conclusiva sobre a redação do texto do instrumento acordado. Acessórias

são reuniões para tratar de detalhes, como agendar dias, locais e horários de

encontros. A ordem das questões a serem discutidas e o procedimento que

será seguido podem ser estabelecidos em reuniões prévias e acessórias,

destinadas a estabelecer os trabalhos que serão desenvolvidos.

O desenvolvimento das negociações é imprevisível. Sujeita-se a marchas

e contramarchas, a avanços e recuos, a entendimentos e desentendimentos,

não faltando a possibilidade de radicalizações que podem levar a um impasse,

a anúncios, velados ou expressos, de greve nem sempre deflagrada, e a

comunicações, pela imprensa, para esclarecimento da opinião pública.

O mais alto grau de radicalização dá-se por diversas formas: recusa do

empregador de receber ou examinar a pauta de reivindicação do sindicato;

deflagração da greve antes de esgotadas as negociações; abandono da sala

de reuniões com a recusa de prosseguir as discussões etc.

As discussões podem seguir um encaminhamento cordial e fácil, que

é o ideal, mas podem, também, assemelhar-se à batalha de uma guerra.

Inúmeros percalços, durante o seu trâmite, podem surgir. Os agentes devem

ser pessoas em condições de bom-senso suficiente para enfrentá-los e

superá-los, da melhor maneira possível. É desaconselhável o agente do tipo


“pavio curto”, como, também, o obstinado em suas demandas inaceitáveis,

impossíveis para se chegar a um acordo.

427

Tornou-se conhecido o boulwarismo, termo derivado do nome de um

vice-presidente de relações de trabalho de uma grande empresa norte-ame-

ricana, cuja política era anunciar sua posição final no início da negociação,

como meio de evitar os desgastes da negociação com as graduais modifi-

cações de posturas anteriores e suas modificações, o que, na sua opinião,

só serve para melhorar o prestígio do sindicato e diminuir o do empregador.

Tem o inconveniente de fazer do sindicato um inútil, desnecessário para a

negociação, além de ser uma postura impositiva, de pegar ou largar, em

nada flexível, e que não preserva o processo de negociação. Essa prática,

no entanto, não foi condenada pelos tribunais, que não a identificaram com a

recusa de negociar, porque há uma proposta, nem com um comportamento

contrário à ética da negociação.

O comportamento das partes, durante a negociação, deve pautar-se

em um critério básico, o princípio da boa-fé. É o dever ético de agir com

honestidade, sinceridade, fidelidade. A boa-fé é um dos elementos necessários

à formação de todo negócio jurídico de qualquer natureza, pressupondo, das

partes que querem fazer um contrato, idoneidade e correção. É um princípio

fundamental da negociação coletiva e da sua observância depende, em

grande parte, a confiança necessária para o êxito dos entendimentos durante

as discussões de um acordo. A boa-fé é um princípio geral do direito contratual

e mais se justifica na negociação coletiva trabalhista. A sua inobservância


pode prejudicar o sucesso da negociação, sendo essa a sua maior sanção.

Mas há sistemas jurídicos que, como o norte-americano, penalizam a conduta

de má-fé e as práticas injustas nas relações coletivas de trabalho. É o caso

do National Labor Relations Act (1935).

O dever de informação destina-se a fornecer ao sindicato os dados

disponíveis, pelo empregador, úteis ou necessários para a avaliação das

pretensões, em especial de reajustes salariais ou participação nos lucros

ou resultados. Não é bem recebido pelo empregador. A concorrência é o

principal motivo que leva a empresa a restringir a transparência dos seus

dados. Mas há outros, como a confidencialidade de alguns dados que

envolvam interesses de clientes.

A conclusão dos entendimentos é parte final da negociação. Segue-se a

elaboração do texto final, que já vem sendo construído durante os debates, e

a redação preliminar final, que será reexaminada pelas partes. Quase sempre

surgem divergências sobre o significado de uma ou outra expressão. Podem

ser secundárias, porém, conforme o caso, podem alterar substancialmente

o propósito do acordo. A linguagem das cláusulas pactuadas é da maior

importância. O sentido jurídico das expressões deve ser seguido, para evitar

futuras controvérsias que podem aparecer na aplicação do instrumento

normativo.

428

Esses atos, em conjunto, constituem o procedimento da negociação,

que, como se vê, é a fase que antecede a conclusão do acordo ou a

caracterização do impasse.
Em alguns países, o procedimento da negociação coletiva é acertado entre

os próprios interessados, e em outros, como o Brasil, é estabelecido pela lei.

Em diversos, a lei exige homologação dos convênios coletivos para que

adquira efeito erga omnes, sendo a homologação ato da competência dos

Ministérios do Trabalho.

Em outros, basta o arquivamento do instrumento negociado nos

Ministérios do Trabalho. No Chile, há um procedimento legal para que o

sindicato se habilite a fazer greve, não bastando a negociação (Lei n. 19.069).

No México, não há um procedimento fixado pela lei para a negociação, embora

exista para a conciliação na greve (Lei Federal do Trabalho, art. 926). No Peru

(Decreto-lei de Relações Coletivas de Trabalho, de 1992, arts. 51 e outros),

existem algumas disposições da lei sobre prazos para início das negociações.

Quanto ao conteúdo específico, há algumas formas peculiares: a)

acordos cooperativos, que têm alguns traços comuns ao acordo-marco,

negociação conjunta e cooperativa (Chamberiam e Kuhn), entre sindicatos

e patrões, para estabelecer bases mínimas de defesa da empresa diante

dos competidores nacionais ou internacionais, com a colaboração dos

sindicatos trabalhistas, e estabelecer diretrizes consensuais que envolvem

temas econômicos e de imediato interesse da produção; b) acordos de

produtividade, a que se refere Ojeda, nos quais há determinada exigência,

dos empregadores aos trabalhadores, de um trabalho mais efetivo ou uma

troca mais ajustada nas práticas laborais; são acordos visando a incrementar

a produtividade; para esse objetivo ser alcançado pelo processo produtivo são

feitas algumas concessões aos trabalhadores, na expectativa da obtenção,


em troca, de certos sacrifícios na prestação do serviço; sua finalidade

é trazer um estímulo econômico para a aceitação de ônus, instituindo-se

medidas para levar o trabalhador a produzir mais mediante vantagens que

possam interessá-lo; c) acordos tecnológicos destinados à composição dos

interesses divergentes, quando a empresa se vê diante de imperativos de

concorrência e modernização que a levam a introduzir uma nova tecnologia, e

o desemprego que essas medidas podem ocasionar, permitem uma transição

menos turbulenta na troca dos equipamentos obsoletos pela automação.

16. CLÁUSULAS OBRIGACIONAIS OU NORMATIVAS

Deve-se à doutrina germânica do começo do século XX a diferença entre

os tipos de cláusulas estipuladas nos acordos coletivos para, de acordo com

a natureza de cada tipo, reconhecer-lhes um efeito próprio e um tratamento

diverso.

429

Foi nesse sentido que Sinzheimmer observou que existiam preceitos

voltados para os contratos individuais e outros para as entidades sindicais

e empresas. O direito internacional reconheceu diferença semelhante

nas obrigações das altas partes contratantes e, de outro lado, no seu

conteúdo, destinado a reger, normativamente, os comportamentos dos seus

representados.

As cláusulas estipuladas nos convênios coletivos são de dois tipos,

obrigacionais e normativas.

As cláusulas obrigacionais criam direitos e deveres entre os sujeitos

estipulantes, destacando-se as garantias para facilitar o exercício da


representação sindical no estabelecimento. Que são cláusulas obrigacionais?

Não se incorporam nos contratos individuais de trabalho, porque a eles não

se referem. Sublinhem-se as lições de Ojeda Avilés, em Derecho sindical

(1980): a parte obrigacional compreende os direitos e obrigações das partes

firmantes, enquanto a normativa abrange as normas jurídicas sobre relações

individuais de trabalho, o estabelecimento e a participação dos trabalhadores

na empresa; enquanto uma não apresenta diferença das cláusulas de

qualquer contrato, outra ordena o marco jurídico de terceiros, quer dizer, os

trabalhadores e empresários individuais não intervenientes na negociação

coletiva.

Assim, de modo geral, o conteúdo das convenções coletivas é constituído

de dois tipos fundamentais de cláusulas: as obrigacionais e as normativas,

segundo os seus destinatários; as primeiras, as cláusulas obrigacionais, são

dirigidas aos sindicatos e empresas signatárias dos acordos; as cláusulas

normativas, e que são as mais expressivas, são dirigidas aos empregados

e empresas e aos seus respectivos contratos individuais sobre os quais se

projetarão.

Ilustre-se esse ponto com as explicações de alguns doutrinadores.

Na Itália, o critério é, igualmente, adotado. Ensina Valente Simi: “A

doutrina agrupa, em geral, as cláusulas dos contratos coletivos em duas

partes: a primeira, normativa, voltada para a criação de normas que disciplinam

os interesses típicos, e sempre operantes quando, no desenvolvimento das

relações individuais, verifica-se a tipicidade prevista; a segunda, com o fim

de fixar obrigações diretas entre os sujeitos coletivos estipulantes”.


Assim, o conteúdo obrigacional dos acordos coletivos abrange as

estipulações que recairão diretamente sobre os contratantes, como se fossem

partes de um contrato de direito comum, assumindo deveres e ajustando

direitos que diretamente cumprirão.

Alguns exemplos tomados da doutrina estrangeira serão agora

indicados, para que se tenha melhor ideia sobre as cláusulas obrigacionais.

430

São assim consideradas as cláusulas: de organização da atividade

sindical na empresa, destinadas a fazer que o sindicato possa cumprir as

suas funções normais de representação; de segurança sindical, como as

proibições de admissão de trabalhadores não sindicalizados, muitas em

lesão à liberdade sindical individual; que fixam o dever de informação da

empresa ao sindicato dos trabalhadores; que criam órgãos como Comissões

de negociação, de arbitragem, delegados sindicais, seções sindicais na

empresa; que preveem multas de cobrança de contribuições sindicais

(Monteiro Fernandes); de alargamento da esfera de ação sindical (Valente

Simi) e do contrato coletivo; sobre conciliação e a arbitragem; sobre o dever

de paz; sobre tréguas; de introdução de novas tecnologias e seus efeitos

sobre o pessoal; de retreinamento e requalificação profissional; para liberação

de dirigentes sindicais do serviço; para descontos em folha de contribuições

e taxas assistenciais e repasse para o sindicato; para descontos de

mensalidades sindicais e repasse para o sindicato; de comunicação sindical;

de trânsito de dirigentes sindicais no estabelecimento; em geral, de relações

com o sindicato e comunicação ao sindicato de admissões e dispensas; de


informação ao sindicato de compromisso de distribuição de comunicados

do sindicato; de composição de comissão de avaliação de responsabilidade

de empregados em acidentes de trabalho; e de instituição de comissões de

relações de trabalho.

A doutrina germânica sustenta que a cláusula de paz está implícita,

fundamentando-a na teoria dos deveres imanentes dos acordos coletivos,

segundo a qual todo acordo normativo pressupõe tacitamente o cumprimento

de três deveres: sua aplicação, seu cumprimento pelos representados e a

abstenção de conflitos. Há também quem fundamente o mesmo dever no

princípio da boa-fé dos contratantes.

As cláusulas normativas são as que se destinam, pela sua natureza, a

aplicar-se às relações individuais de trabalho. São consideradas da maior

importância. Monteiro Fernandes afirma: “a quase-totalidade do clausulado

aparece, não como um conjunto de compromissos entre os outorgantes (à

imagem dos contratos em geral), mas como um complexo de autênticas

normas jurídicas endereçadas aos trabalhadores e aos empregadores, que

cabem no âmbito originário ou derivado da convenção. Essas normas definem

um ‘modelo’ para as relações individuais de trabalho que se desenvolvam

nesse âmbito; são, pois, normas reguladoras dos contratos de trabalho”.

O conteúdo normativo é o núcleo dos acordos e a sua parte principal,

a sua verdadeira razão de ser: a constituição das normas para os contratos

individuais de trabalho.

Sobre a matéria, os autores não são unânimes. Octavio Bueno Magano,

baseando-se na classificação alemã, faz a seguinte classificação das cláu-


431

sulas dos contratos coletivos: I — normas de benefício individual, que são as

disciplinadoras de salários, jornadas, férias etc.; II — normas de conclusão,

que dizem respeito às formalidades a serem observadas na celebração dos

contratos individuais; III — normas solidárias, que são aquelas que bene-

ficiam o trabalhador não individualmente, mas como membro da empresa,

como as cláusulas de higiene e segurança etc.; IV — normas relativas à

constituição interna da empresa; e V — normas sobre instituições comuns,

como caixas de compensação de salários, instituições de previdência etc.

Observe-se que se mostram como normativas cláusulas: salariais, como

reajustes, aumentos reais, gratificações, auxílios, proteção ao pagamento,

pisos, adiantamentos, acúmulo de funções, remuneração dos repousos,

licenças, faltas justificadas etc.; outras são cláusulas sociais, que dispõem

sobre alimentação, transporte, educação, seguro de vida, assistência médica,

auxílio a filhos com necessidades especiais, natalidade, amamentação,

estabilidade da gestante, do acidentado que retorna ao serviço, do menor

em idade de prestação do serviço militar, pré-aposentadoria etc.

Lobo Xavier, em Iniciação ao direito do trabalho (1994), mostra, em

função do ordenamento jurídico de Portugal, que a contraposição entre

cláusulas obrigacionais e normativas não é rigorosa, já que há cláusulas que

estão a meio caminho entre os dois tipos. Exemplifica com a instituição de

mais um dia de descanso semanal, de um plano de carreira, de um sistema de

promoções que, se não representam mero acordo entre as partes outorgantes

da convenção, não podem, por outro lado, funcionar imediatamente como


cláusulas dos contratos individuais de trabalho: “Trata-se, nestes casos, de

compromissos para emissão de normas organizacionais que, analogamente

a muitos contratos-promessa, são, quanto a nós, insuscetíveis de execução

específica e não se integram diretamente no conteúdo do contrato de

trabalho, o que quer dizer, portanto, que um trabalhador não poderá, se o

seu empregador não cumpre a cláusula da convenção que determina que

será concedido um dia de descanso semanal complementar, pedir ao tribunal

que se substitua ao empregador e defina o dia em que será gozado esse

descanso — o cumprimento desta cláusula envolve tarefas de organização

da empresa que estão subtraídas ao campo de decisão do juiz”.

17. AS FUNÇÕES DA NEGOCIAÇÃO COLETIVA

A negociação cumpre uma principal função, a compositiva, forma de

superação dos conflitos entre as partes, ao lado das demais previstas pela

ordem jurídica.

Tem por fim harmonizar os interesses contrapostos dos trabalhadores e

os dos empregadores, evitar a greve e o recurso ao órgão jurisdicional, casos

432

em que não encontrariam solução célere para o impasse. Daí a finalidade

compositiva da negociação, nesse sentido, verdadeira alternativa para as

demais formas de solução das disputas trabalhistas. Destina-se a estabelecer

as diretrizes que servirão de parâmetros aos quais os grupos que estão em

desacordo vão aderir.

Apresenta a vantagem de toda forma autocompositiva ao consenso

entre as partes conflitantes, meio de dar maior consistência e acatamento


ao que for pactuado, técnica pacífica, portanto, de decisão das divergências.

Evita os desgastes e danos que resultam de uma disputa violenta, e os

prejuízos que o processo produtivo e os sindicatos de trabalhadores podem

sofrer, aquele, evitando horas de paralisação na produção, estes, os gastos

de fundos de greve.

É possível, ainda, aduzir outra função da negociação, a criação de normas

que serão aplicadas às relações individuais de trabalho, desenvolvidas no

âmbito da sua esfera de aplicação. Essa é a sua função precípua, presente

desde as primeiras negociações sobre tarifas, nas relações de trabalho dos

países europeus, destinadas a fixar o preço do trabalho. A sua importância,

como fonte de regulamentação dos contratos individuais de trabalho, é das

maiores, sendo essa a sua missão, e por si justificadora da sua existência.

A negociação tem a função de criar obrigações e direitos entre os próprios

sujeitos estipulantes, sem nenhum reflexo sobre as relações individuais

de trabalho. Com essa finalidade, a negociação é usada para estabelecer

deveres e faculdades a serem cumpridas pelas organizações pactuantes, de

caráter nitidamente obrigacional entre elas, sem qualquer projeção fora da

esfera dos sujeitos, não atingindo os empregados e empregadores do setor.

Cumpre, ainda, a negociação coletiva outras funções, não jurídicas,

dentre as quais a função política. E assim é enquanto forma de diálogo entre

grupos sociais numa sociedade democrática, para a valorização da ação

pacífica do capital e do trabalho, porque é do interesse geral que ambos

superem as suas divergências.

O equilíbrio do sistema político pode ser prejudicado quando os conflitos


sociais assumem proporções maiores e passam a afetar a sociedade.

Podem, quando tal ocorre, trazer instabilidade política. Não é do interesse da

sociedade a luta permanente entre as classes sociais. A negociação coletiva

é um instrumento de estabilidade nas relações entre os trabalhadores e as

empresas; a sua utilização passa a ter um sentido que ultrapassa a esfera

restrita das partes interessadas, para interessar à sociedade política.

A negociação coletiva cumpre, também, uma função econômica. É

meio de distribuição de riquezas numa economia em prosperidade, ou de

redução de vantagens do assalariado numa economia em crise. Exerce

433

papel ordenador numa economia debilitada e em recessão. Permite ajustes

entre possibilidades da empresa, segundo o seu tamanho e necessidades

do trabalhador. Os sindicatos, por meio delas, formulam pleitos econômicos

e sociais. Pedem reajustes e aumentos de salários. Em alguns casos, é um

meio de promover a participação dos trabalhadores nos lucros ou resultados

da empresa.

Desempenha, ainda, uma função social, a participação dos trabalhadores

no processo de decisão empresarial. Contribui para a normalidade das

relações coletivas e da harmonia no ambiente de trabalho, dela se valendo,

inclusive, a lei, que para ela transfere a solução de inúmeras questões de

interesse social e de pacificação social. Funciona como uma fumaça da paz

aspirada entre os interessados e por certo prazo: é o que ocorre nos países

que têm por prática a pactuação de cláusulas, nas convenções coletivas,

proibitivas da greve durante a sua vigência. Os sindicatos trabalhistas


compenetram-se de que não devem reivindicar, e os patrões sabem que

nenhuma nova exigência lhes será feita, em benefício da harmonia nas

relações de trabalho. Promove a cultura da parceria social.

Que são contraditórios os interesses entre o trabalhador e o empresário

não há dúvida, nada havendo nessa afirmação de exacerbação da luta

de classes, mas de simples constatação da realidade, feita, com muita

propriedade, por Otto Kahn Freund,(4) ao concluir que as legítimas expectativas

de empresários e trabalhadores pertencem à classe das que inevitavelmente

entram em conflito:

“Os empresários podem, legitimamente, aspirar a encontrar força

de trabalho a um preço que lhes permita uma margem razoável

para o investimento, e os trabalhadores, do mesmo modo, podem,

legitimamente, aspirar a que o seu nível real de salários não

permaneça estancado, senão que se incremente progressivamente.

Os empresários podem expressar seu interesse legítimo em

encontrar o trabalhador mais adequado para cada posto de trabalho;

os trabalhadores podem expressar um interesse legítimo em obter

um posto de trabalho para cada trabalhador em desemprego. Os

empresários podem e devem sempre esperar que os instrumentos

sociais (por meio das leis ou de outras vias) lhes assegurem que

a mobilidade da força de trabalho seja a máxima possível, tanto

no sentido geográfico como funcional; os trabalhadores devem

sempre insistir em assegurar-se uma razoável dose de estabilidade

no emprego que lhes permita planificar a sua vida e da sua família.”


(4) Labour and the law. Londres: Sweet and Maxwell, 1983.

434

Acrescentem-se, também, a função de preservação do equilíbrio dos

custos sociais. A negociação coletiva possibilita à empresa prever os custos

trabalhistas, o cálculo dos gastos com o fator trabalho, a diminuição de riscos

que podem afetar a normalidade da sua saúde financeira.

Registre-se que houve alterações nas funções da negociação coletiva

desde as suas origens até a época contemporânea caracterizadas por um

processo cumulativo, sem a perda do sentido inicial mas com o acréscimo de

outras funções, mantidas as anteriores. As normas jurídicas que regem as

relações de trabalho são parte do processo maior da história e do desenvol-

vimento econômico e cultural, e as suas características estão relacionadas

com o tipo de sociedade que temos, com todas as suas condicionantes, polí-

ticas, econômicas e sociais, o que explica as transformações da negociação

coletiva no tempo. Giancarlo Perone, em A ação sindical nos Estados-mem-

bros da União Europeia (1996), assinala que “a natureza e a eficácia dos

atos de autonomia coletiva, a relação entre esta e a normatização estatal,

variam no espaço, de acordo com o ordenamento dos vários Estados, e no

tempo, uma vez que nos Estados se sucederam diversos sistemas sindicais”.

No período inicial, a função da negociação coletiva foi promover a

união dos trabalhadores para o seu fortalecimento nas contratações salariais

com o empregador fragilizadas na estipulação individual e como forma de

afirmação do poder sindical. No segundo período, a função da negociação

coletiva foi criar normas e condições de trabalho com efeito erga omnes
sobre toda a categoria, expressão de um direito coletivo corporativista no

qual as categorias econômicas e profissionais ganharam dimensão maior no

ordenamento jurídico, inseridas, no entanto, em uma concepção publicística

de relações coletivas e das normas que deveriam regê-las.

No terceiro período, a função das negociações coletivas foi estabelecer,

de modo bilateral ou trilateral, como submodalidades de pactos sociais, regras

de implementação de uma política socioeconômica de bases democráticas,

com a participação das entidades de cúpula representativas dos interesses

dos trabalhadores e empregadores, com a interveniência do Governo e, de

outro lado, transformá-la em instrumento normativo de âmbito comunitário e

regional. No período contemporâneo, sem prejuízo das funções anteriores,

destinam-se, também, a coordenar os interesses dos trabalhadores e dos

empregadores, funcionando, quando necessário, como instrumento de

administração de pessoal, empresa ou do setor econômico-profissional. Na

França, registre-se a experiência da jornada de 35 horas semanais (Lei n.

2.000/37, de 19.1.2000), cujos objetivos, a criação de novos empregos, o

aumento da competitividade entre as empresas e o maior equilíbrio entre

a vida profissional e pessoal do trabalhador, ainda não foram atingidos. A

lei admite, por acordos coletivos, médias anuais da jornada semanal. Em

435

outras palavras, as 35 horas normais são a média anual, desde que haja

conformação anual de jornada em 1.600 horas anuais. Por acordo coletivo

a lei permite a redução de intervalo interjornadas para menos de 11 horas

para determinadas atividades, regimes especiais de tempo parcial, trabalho


sazonal e jornada de trabalho de executivos.

A situação geral, na visão do professor espanhol Rodriguez-Piñero,

é de uma diversidade de funções do convênio coletivo como instrumento

para reintroduzir flexibilidade no mercado, levando a cabo uma operação

de desregulamentação controlada e condicionada, valorização da autonomia

coletiva e normas mais abertas, mais dinâmicas, mais adaptáveis, tendo

em conta as circunstâncias concretas da conjuntura do setor e da empresa.

Procura-se na ampliação relativa da esfera da autonomia coletiva não a

introdução de novas regras, mas o aperfeiçoamento das existentes. Em todo

caso, o problema não é só de modificação das relações entre norma estatal

e norma coletiva, mas de mudança de funções no papel do convênio coletivo

e, mais genericamente, dos atos ou negócios de tutela coletiva.

O professor italiano Vallebona observa, com razão, que a autonomia

coletiva foi chamada a gerir as crises das empresas.

O que se verifica é que o modelo tradicional de convenção coletiva

está se transformando profundamente, e a contratação coletiva já não é

necessariamente um instrumento para a formalização de acordos vinculantes

entre as partes, deixou de ser um mecanismo unilateral de introdução de

melhorias em nível coletivo para os trabalhadores, passando a ser um

instrumento bilateral cujo conteúdo é também gerencial e administrativo,

concessivo ou recessivo, perante um sindicalismo mais maleável e disposto

a considerar as situações pelas quais uma empresa pode passar, as suas

dificuldades e crises e a necessidade de ação conjunta visando ao interesse

comum da defesa dos empregos.


A ampliação da negociação coletiva é um fato. Basta ver a modalização

jurisprudencial no Brasil, que dá validade aos acordos coletivos para diversos

fins, dentre os quais a compensação de horas, os planos de participação

nos lucros ou resultados da empresa, as jornadas de trabalho, em casos

excepcionais e justificáveis, em limites que superam os estabelecidos pela

lei, como as jornadas de 12 horas de trabalho com 36 horas de descanso ou,

até mesmo, de 24 horas de trabalho com 36 de descanso, a exigência da

comprovação do esgotamento da negociação coletiva para que um sindicato

possa propor dissídio coletivo nos Tribunais do Trabalho, a redução dos

intervalos de jornadas de trabalho, em casos nos quais a atividade econômica

justifique, para duração de meia hora, apesar do limite mínimo de uma hora

fixado pela lei e a compensação de horas em atividade insalubre.

436

O problema do choque entre o negociado e o legislado não tem o mesmo

impacto na Itália e na Espanha, porque a legislação trabalhista nesses países

ocupa um espaço bem menor, com o que a esfera natural dos convênios

coletivos é maior. Entre nós, dá-se o contrário. O espaço da lei, no Brasil, é

amplo, o que gera atritos inevitáveis com os convênios coletivos.

A supremacia da Constituição Federal é absoluta, só que as Constituições

da maioria dos países são sintéticas e não analíticas como a nossa.

A tendência da legislação intervencionista é encaminhar-se para a tutela

da personalidade, da saúde, da segurança, do trabalhador em seu meio

ambiente de trabalho, valores que a lei deve prestigiar e que não podem ser

entregues à lei do mercado, sendo indispensável a atuação do Estado pelos


seus mecanismos de administração pública do trabalho, temas que pela sua

significação não podem ser deixados à livre negociação no mercado.

O avanço tecnológico e a informática criaram um mundo dos computado-

res, disponibilizaram mão de obra, novas profissões surgiram, privatizações

de empresas públicas intensificaram-se, sempre com profundas alterações

nas relações de trabalho e no poder dos sindicatos perante o empregador.

Os sindicatos tiveram de aceitar negociar outros temas, antes não

usuais: formas de garantia periódica de empregos, redução dos salários,

contratos a prazo, suspensão temporária do contrato de trabalho, dispensas

coletivas, programas de requalificação profissional em colaboração com os

Governos, compensação de horas etc.

18. EFEITOS DAS CLÁUSULAS

O estudo dos efeitos das cláusulas dos contratos coletivos de trabalho

é direcionado a dois aspectos, o subjetivo e o objetivo; o primeiro refere-se

às pessoas representadas pelos sindicatos, e o que se discute é se esses

efeitos recaem somente sobre sócios dos sindicatos convenentes ou aos não

sócios integrantes da categoria ou unidade por ele representada; o segundo

envolve a questão da eficácia dos contratos coletivos no tempo e a discussão

sobre a sua ultratividade nos contratos individuais de trabalho depois do

término da vigência do instrumento coletivo não renovado.

Não há uniformidade de critérios, nos sistemas jurídicos dos diferentes

países, quanto aos efeitos subjetivos, como passa a ser mostrado.

Argentina: quando os convênios são homologados, os efeitos são

ilimitados; a extensão dos convênios coletivos — forma de imprimir-lhe


efeito ilimitado — pelo Ministério do Trabalho é prevista.

437

Chile: o Código de 1931 prevê o efeito ilimitado; a lei de 1979, no

entanto, limitou-o, e é facultada a estipulação de cláusulas comuns a mais de

um empregador e a subscrição posterior de um contrato coletivo de empresa

pelos trabalhadores.

Peru: segundo o Decreto-lei de Relações Coletivas de Trabalho, de 1992,

arts. 9 e 47, o efeito é ilimitado, dependendo do número de representados; o

sindicato deve para tal fim representar a maioria absoluta dos trabalhadores

da empresa, sem o que a convenção coletiva aplicar-se-á só aos sócios do

sindicato.

Venezuela: as convenções coletivas têm efeito restrito, mas, a Lei

Orgânica do Trabalho, art. 398, prevê a extensão do convênio coletivo, pelo

Ministério do Trabalho, aos não sócios do sindicato.

França: os contratos coletivos são aplicáveis aos sócios do sindicato,

mas, nos termos do art. 133.1, do Code du Travail, o Ministro do Trabalho

pode atribuir-lhes eficácia geral, após parecer da Comissão Superior dos

Contratos Coletivos, composta de vários ministros, representantes das

partes e outros, inclusive representantes dos consumidores, tendo em vista

não só os interesses profissionais, mas, também, os interesses gerais da

coletividade.

Alemanha: os contratos coletivos têm efeito limitado, mas o Ministro

do Trabalho ou o Ministro de Lander, conforme o caso, podem declarar

a aplicabilidade geral; o provimento de extensão é condicionado a três


requisitos: pedido de uma das partes contratuais, solidez da empresa de

modo a empregar pelo menos 50% dos trabalhadores a serem beneficiados

com a extensão e razões de interesse público que recomendem a extensão.

Itália: à época em que vigorava o sistema corporativista, os contratos

coletivos tinham eficácia erga omnes, a todos os pertencentes à categoria

representada pelo sindicato estipulante; revogado esse sistema, a

Constituição (art. 39) prevê um contrato coletivo com eficácia a todos os

integrantes da categoria, mas tal previsão não foi regulamentada pela

legislação ordinária; decisões judiciais podem, interpretando a Constituição,

estender as cláusulas a todos os que, mesmo não sócios do sindicato, figurem

num processo; os contratos coletivos de direito comum, que são a maioria,

aplicam-se aos sócios do sindicato (Vallebona); o empregador que aderir ao

contrato coletivo terá incentivos de redução de contribuição previdenciária;

sindicatos registrados — na Itália, há sindicatos de fato não registrados —

têm personalidade jurídica e podem representar, unitariamente, estipulando

contratos coletivos de eficácia erga omnes; na prática, mostra Gino Giugni,

os contratos coletivos são aplicáveis a todos, sócios e não sócios, por

iniciativa do empregador, para evitar problemas técnicos, como a elaboração

438

de dupla contabilidade, uma relativa a pessoal abrangido e outra a pessoal

não abrangido, bem como um problema político, qual seja, enfrentar o

crescimento da força sindical em sua empresa, uma vez que os empregados

não associados procurariam ingressar no sindicato para obter as vantagens

da convenção coletiva.
Portugal: o princípio é o da filiação (art. 7º da Lei de Relações Coletivas

de Trabalho), pelo qual as cláusulas normativas aplicam-se às relações

de trabalho existentes entre trabalhadores e empregadores inscritos nas

associações outorgantes; quanto aos empregadores, àqueles que celebram,

diretamente, as convenções coletivas de trabalho.

Espanha: as convenções coletivas têm efeito limitado; as convenções

coletivas estatutárias têm efeito erga omnes; assim são consideradas as que

preenchem requisitos exigidos pela lei (Estatuto dos Trabalhadores, arts.

83.3 e 87): representatividade na unidade de negociação e generalização da

eficácia do convênio mediante um ato da autoridade trabalhista (Valverde,

Gutiérrez e Murcia); os convênios extraestatutários não são dotados de

eficácia ilimitada.

Inglaterra: não há a possibilidade de extensão da eficácia do contrato

coletivo que, no ordenamento geral, não é automaticamente vinculante

nem para os filiados dos sindicatos estipulantes (Perone); a aplicação do

contrato coletivo é remetida à sua incorporação nos contratos individuais que

os indivíduos resolvem fazer, independentemente da sua filiação sindical;

no direito inglês, o contrato coletivo não tem, salvo prova em contrário de

previsão de uma enforcement clause, natureza de um verdadeiro contrato,

mas, como é costumeiro, de um acordo de cavalheiros (art. 18 da TYLRA,

de 1974), e as sanções que comporta são sociais, do ordenamento sindical,

mas não jurídicas.

Grécia: o Ministro do Trabalho, após ouvido o conselho competente,

segundo a Lei de Regulamentação dos Conflitos Coletivos de Trabalho, pode


determinar a extensão erga omnes dos contratos coletivos, nas empresas

que tenham, pelo menos, 3/5 de trabalhadores interessados.

Em conclusão, o não associado de um sindicato não tem direito à

aplicação das cláusulas dos contratos coletivos; há, no entanto, exceções, e,

na prática, as empresas estendem os efeitos, ou uma autoridade trabalhista

o faz.

Passa-se a examinar os efeitos objetivos. A questão central está em

saber se, finda a vigência da convenção coletiva e não havendo a sua

renovação ou a de algumas das suas cláusulas, os direitos estabelecidos

pelas cláusulas não renovadas desaparecem ou se ficam incorporados ao

439

contrato individual de trabalho, passando a ter como fundamento este, com

vida autônoma e independente da sorte daquela. Está-se diante, em outras

palavras, do problema da incorporação das cláusulas, das convenções

coletivas, nos contratos individuais de trabalho. A mesma questão é conhecida

como a ultratividade das cláusulas das convenções coletivas.

Enquanto vigorar, a convenção coletiva produz efeitos, nos seus

exatos termos e da legislação vigente em cada país, como, também, não se

controverte que a convenção coletiva posterior substitui a anterior, do mesmo

modo que lei posterior revoga a precedente.

O que se estuda, como acima está colocado, é se, cessada a vigência

dos convênios coletivos, as cláusulas não renovadas perdem o efeito ou

permanecem incorporadas nos contratos individuais de trabalho como

direitos adquiridos? O debate não é pacífico, e a resposta deve encontrar


fundamentos em função do ordenamento jurídico de cada país.

Primeira tese doutrinária: a incorporação, nos contratos individuais de

trabalho, das cláusulas fixadas nos instrumentos coletivos, após o termo

final do acordo, mantendo-se as condições de trabalho, dele advindas,

independentemente da convenção coletiva, sendo irrelevante o fato de esta

ter sido ou não renovada. A expiração do prazo avençado não terá, segundo

esse entendimento, efeito desconstitutivo dos direitos, sendo cada um dos

contratos individuais o fundamento da perdurabilidade.

A convenção coletiva, nessa perspectiva, funciona como fonte de

produção de cláusulas que subsistem, mesmo depois de desaparecerem,

e o contrato individual de trabalho tem uma função receptícia; a convenção

coletiva e o contrato individual acasalam-se para a transposição do direito,

da esfera do coletivo para o âmbito do individual, neste como norma que

por si se manterá, não necessitando mais do acordo coletivo para viver, do

mesmo modo que o satélite lançado pelo foguete no espaço desprende-se

e gira, por força própria, ao redor da Terra, enquanto o foguete cai e perde a

sua função.

Os principais fundamentos jurídicos dessa tese são dois: o direito

adquirido, segundo o qual a cláusula coletiva tem o efeito natural de se

incorporar, definitivamente, no quadro de direitos subjetivos do trabalhador;

e a inalterabilidade das condições individuais de trabalho sem a anuência do

trabalhador, quando a ele prejudiciais, funcionando o instrumento coletivo

como simples veículo transmissor para que o direito venha a instalar-se no

contrato individual.
Segunda corrente: a não incorporação. A expiração do prazo da

convenção coletiva tem efeito jurídico extintivo da vigência das condições de

440

trabalho nele previstas, manifesta que é a vontade das partes estipulantes

de pactuar os direitos coletivos por um prazo que é o previsto para a vigência

da convenção coletiva, atuando o término do prazo como força suficiente,

não apenas sobre as relações de trabalho que se estabelecerem ad futurum,

mas também sobre as relações de emprego em curso de execução.

Os argumentos jurídicos desse entendimento encontram suporte: no

princípio do pacta sunt servanda; na natureza contratual dos instrumentos

coletivos, de modo que o prazo faz lei entre as partes, como os demais

efeitos, desejados e estipulados, pelas partes contratantes; na inexistência

de suporte legal determinativo da ultratividade dos efeitos das cláusulas, de

modo que, não sendo um efeito previsto ou autorizado pela lei, dependerá, e

só poderá resultar, da vontade das partes, perspectiva da coexistência, nas

convenções coletivas, de cláusulas por prazo determinado ou indeterminado,

prorrogáveis ou não prorrogáveis, tudo segundo o que foi contratado; na

atuação da teoria do direito adquirido apenas no plano dos direitos individuais,

e não nos instrumentos coletivos, pelas suas funções na ordem jurídica,

adstritas a conteúdo variável no tempo; no desestímulo à negociação que

resulta da incorporação, sério obstáculo a concessões, em detrimento dos

interesses dos trabalhadores, que perderão, assim, uma via adequada para

a obtenção de vantagens maiores do que as previstas em lei ou integradoras

das lacunas da legislação.


Terceira corrente, com origens na doutrina germânica do começo do

século XX: incorporação ou não, dependendo dos tipos de cláusulas, cada

qual com um efeito próprio. Observou Sinzheimner que algumas cláusulas

são voltadas para os contratos individuais e, outras, para as entidades

sindicais e empresas. A mesma distinção há, também, no direito internacional:

obrigações das altas partes contratantes e, de outro lado, o conteúdo

normativo dos comportamentos dos seus representados.

A doutrina passou a distinguir entre cláusulas obrigacionais e normativas,

aquelas obrigando os sujeitos estipulantes — os sindicatos e empresas —

e que não se incorporam aos contratos individuais, uma vez que não são

destinadas a criar normas e condições de trabalho, mas, ao contrário,

compromissos que as entidades pactuantes entre si fixam. Sublinhem-se

as lições de Ojeda Avilés, em Derecho sindical (1980): a parte obrigacional

compreende os direitos e obrigações das partes firmantes, enquanto a

parte normativa abrange as normas jurídicas sobre relações individuais de

trabalho, o estabelecimento e a participação dos trabalhadores na empresa;

enquanto uma não apresenta diferença das cláusulas de qualquer contrato,

outra ordena o marco jurídico de terceiros, quer dizer, os trabalhadores e

empresários individuais não intervenientes na negociação coletiva.

441

Essas cláusulas são obrigacionais. Fixam, portanto, compromissos

entre a empresa e o sindicato. Têm natureza contratual e não normativa. Sua

vigência cessa, inequivocamente, com o término do prazo do acordo coletivo,

não produzindo efeitos além do período em que vigoraram, daí porque, não
renovado o acordo, a empresa não tem mais obrigação de cumpri-las.

A minha opinião é que as cláusulas de natureza obrigacional não se

incorporam nos contratos individuais de trabalho porque não têm essa

finalidade, e, dentre as cláusulas normativas, há que se distinguir, em razão

do prazo estabelecido e da natureza da cláusula, aquelas que sobrevivem e

as que desaparecem. Um adicional por tempo de serviço é, por sua natureza,

algo que se insere nos contratos individuais de trabalho, se as partes não

estipularam condições ou limitações à sua vigência. Um adicional de horas

extraordinárias é obrigação que, tendo em vista a sua natureza, vigora pelo

prazo em que a convenção coletiva perdurou. Desse modo, a resposta

depende da verificação, em cada caso concreto, da cláusula em questão.

A tendência atual é no sentido da validade das cláusulas pelo prazo de

vigência da convenção ou do acordo coletivo, portanto, a não incorporação,

como acontece com as sentenças normativas cuja validade é por um ano.

19. CLÁUSULAS IN MELLIUS E IN PEJUS

Dá-se o nome de cláusulas in mellius às estipulações mais benéficas para

o trabalhador e in pejus, àquelas que reduzem vantagens antes existentes.

O convênio coletivo é um instrumento para estipulações daquelas como

regra geral, e destas como exceção nas ocasiões em que é absolutamente

necessário contornar crises econômicas da empresa e reduzir vantagens

para preservar empregos.

Não é difícil entender que as cláusulas in mellius promovem a elevação

dos níveis de proteção dos trabalhadores, permitindo-lhes maiores e

melhores direitos, acima daqueles previstos em lei, atuando, desse modo,


no sentido da elevação das concessões que o empregador resolve atribuir

aos empregados, como forma de garantir-lhes um padrão de relações de

trabalho cada vez mais alto.

Se discussões poderiam suscitar, são tão somente saber se deve a lei

estabelecer um teto para as vantagens salariais em períodos de emergência

e no interesse da economia. Nada impede a prática, pelo governo, de uma

política salarial dirigida, como meio de combate à inflação, no interesse da

estabilização da economia e preservação de uma relação entre preços dos

produtos e salários. Nesse caso, justifica-se a restrição quando absolutamente

necessária, desde que transitória, fundada na limitação da autonomia coletiva,

442

mediante provimentos administrativos ou legais de proteção dos interesses

da comunidade nacional, no confronto entre as pretensões profissionais e

os imperativos do bem comum, o que aconteceu, por exemplo, nos Países

Baixos, no final da Segunda Guerra Mundial, com o controle, pelo Colégio dos

Mediadores do Estado, do conteúdo dos contratos coletivos, inclusive com

poderes de aprová-los ou não. Outra forma é a cominação de nulidade, pela

lei, de reajustes salariais pactuados em contratações coletivas, quando ferir

a política econômica do governo ou provocar aumento de tarifas públicas. Na

Bélgica, em 1976, a lei previu a suspensão, por nove meses, da indexação

das escalas mais altas dos salários. Na Itália, em 1977, a lei proibiu a escala

móvel de salários. No Cone Sul, do continente americano, leis de política

salarial, destinadas a controlar a inflação, interferiram no conteúdo salarial

das convenções coletivas por algum tempo.


Perone, em A ação sindical nos Estados-membros da União Europeia

(1966), chega à seguinte conclusão: “Tem-se verificado, entretanto, em todos

os países europeus, a necessidade de limitar e controlar os resultados da

autonomia coletiva e, em particular, o nível dos salários, a fim de assegurar

um desenvolvimento ordenado da economia nacional, sem aguçar a inflação

e a desocupação. Trata-se, enfim, do problema fundamental do comando da

economia, que envolve assim o princípio da liberdade sindical, cujo respeito

depende da forma e da intensidade da intervenção pública”.

Maiores são as divergências quanto às cláusulas in pejus, admissí-

veis por meio da autonomia coletiva, vetadas, como regra, pela autonomia

individual. Nem todas as cláusulas dos contratos coletivos têm a mesma

natureza. Não é possível comparar cláusulas não essenciais à proteção do

trabalhador com cláusulas fundamentais para a sua defesa, o que permite

diferir o tratamento a ser dispensado a umas e a outras, aquelas passíveis

de redução, estas não permitindo, por sua função, a mesma flexibilidade;

diferem, também, cláusulas de ordem pública de cláusulas não revestidas

da mesma imperatividade, o que justifica interpretações também diferen-

tes, aquelas imunes às estipulações in pejus, estas em nada as impedindo.

Citem-se como exemplos de leis com absoluta inderrogabilidade pelas con-

venções coletivas as que proíbem discriminação de trabalhadores em razão

de sexo, por motivos sindicais, de religião, de raça, como as da Irlanda,

Países Baixos, Itália, Bélgica e Reino Unido.

É razoável distinguir duas situações, conforme a fonte do direito reduzido

ou suprimido: direitos previstos em lei e direitos estabelecidos pela negociação


coletiva; aqueles são gerais, estes são específicos. As estipulações in pejus

de direitos assegurados por lei, quando autorizadas por lei, são admitidas,

porque é a lei a expressão da vontade geral e, por expressar o interesse

geral, pode sobrepor-se ao particular. As vantagens conseguidas pelos

443

trabalhadores pela negociação coletiva, não garantidas pela lei, mas apenas

nos contratos coletivos, não são gerais, são específicas, não resultam de um

imperativo legal, são direitos conseguidos pela negociação coletiva, motivo

pelo qual podem ser reduzidos ou suprimidos pela mesma via. O fundamento

da validade da redução é o mesmo princípio que autoriza a estipulação mais

vantajosa, a autonomia coletiva dos particulares, que não é via de uma só mão,

de duas, funcionando tanto para promover os trabalhadores, mas, também,

em especial na economia moderna, para administrar crises da empresa e da

economia, o que justifica a redução dos salários dos empregados de uma

empresa, pela negociação coletiva.

Põe-se em debate, neste ponto, o princípio da irrenunciabilidade dos

direitos trabalhistas. É construção destinada a atuar na esfera do direito

individual, mas não do direito coletivo do trabalho, daí a sua inaplicabilidade

às relações coletivas, regidas que são pelo princípio da liberdade sindical e da

autonomia coletiva dos particulares, e não pelas regras de estrita aplicação

aos contratos individuais de trabalho, inteiramente diferentes, portanto, os

dois âmbitos da realidade jurídica, a do interesse individual e a do interesse

coletivo.

20. HIERARQUIA
Dois princípios são aplicáveis quando, sobre a mesma matéria, estiver

em vigor um contrato coletivo de trabalho: o princípio cronológico, para

solucionar o problema da sucessividade dos contratos coletivos, de modo

que o posterior revoga o anterior, da mesma forma que o princípio é aplicado

para determinar a lei vigente; e o princípio da norma favorável ao trabalhador

— com exceções —, que se situa no plano das relações entre os contratos

coletivos e os contratos individuais de trabalho.

Desse modo, quando o problema é de eficácia da convenção coletiva

no tempo, aplicável é o princípio do tempus regit actus.

O princípio da norma mais favorável é princípio de hierarquia entre as

normas jurídicas em geral, em algumas legislações.

Em Portugal, a Lei do Contrato de Trabalho (1969), no art. 13, dispõe:

“As fontes de direito superiores prevalecem sempre sobre as fontes inferiores,

salvo na parte em que estas, sem oposição daquelas, estabelecem tratamento

mais favorável para o trabalhador”.

No México, a Lei Federal do Trabalho, art. 18, está assim redigida: “Na

interpretação das normas de trabalho serão consideradas as suas finali-

dades”, e, “em caso de dúvida, prevalecerá a interpretação mais favorável

ao trabalhador”.

444

Na Argentina, a Lei do Contrato de Trabalho, no art. 9º, declara: “Em caso

de dúvida sobre a aplicação de normas legais ou convencionais, prevalecerá

a mais favorável ao trabalhador, considerando-se a norma ou conjunto de

normas que discipline cada uma das instituições do direito do trabalho. Se a


dúvida recair sobre a interpretação ou o alcance da lei, ou na apreciação da

prova nos casos concretos, os juízes ou encarregados de aplicá-la decidirão

no sentido mais favorável ao trabalhador”.

Na França, Nikitas Aliprantis mostra que “a aplicação da norma mais

favorável aos assalariados é uma das expressões maiores a favor do direito

do trabalho para a garantia dos assalariados. É um princípio de caráter geral

no direito francês, o que vale dizer que é legalmente aplicável tanto nas

relações das convenções coletivas como dos contratos de trabalho”.

O mesmo autor sustenta que o princípio da norma mais favorável

não prevalecerá quando a aplicação de uma norma conduzir à vantagem

de uma categoria de assalariados em desvantagem de outra categoria

de assalariados. Exemplifica com uma convenção coletiva que fixa uma

ordem preferencial de dispensas de trabalhadores por causas econômicas,

tendo-se em vista a carga de família em coeficientes de ponderação muito

mais elevados do que aqueles previstos em um regulamento de empresa,

conduzindo essa diferença, em concreto, ao sacrifício de diversas pessoas,

conforme se aplicar a convenção ou o regulamento. Propõe que, em casos

dessa natureza, seja aplicada a norma superior, a convenção.

A questão não poderá ser resolvida na sua totalidade sem distinguir

situações. Primeira, a relação entre ordenamento estatal e ordenamento

negociado; segunda, a diferença, no ordenamento negociado, entre os

diferentes níveis de contratação coletiva, para saber se o contrato coletivo

de categoria sobrepõe-se ou não ao de empresa, ou seja, o problema das

relações entre os contratos coletivos de diversos níveis.


Entendemos que a interpretação do princípio da norma favorável não é

separada das premissas que solucionam a questão das cláusulas in pejus e in

mellius, acima analisada. É, sem dúvida, uma necessidade a hierarquização

das normas do direito do trabalho, como em todo ramo do direito, e, se assim

não fosse, concorreriam, dentre as inúmeras normas do ordenamento jurídico,

uma conflitividade desordenada dificultando a solução dos casos concretos.

E a hierarquia das normas trabalhistas não pode deixar de atender ao aspecto

teleológico, às funções que as leis trabalhistas cumprem na sociedade, o

que leva à regra da favorabilidade. Ao contrário do direito comum, em nosso

direito, a pirâmide que entre as normas se forma é dinâmica, e não estática,

e terá como vértice, observados os preceitos constitucionais, as disposições

que mais beneficiam o trabalhador. As tendências atuais voltam-se para a

prevalência do direito estatal de garantias mínimas e de defesa dos direitos

445

fundamentais do trabalhador, protetores de valores básicos que não podem

ser entregues à economia de mercado, como a proteção da vida, saúde,

integridade física, dignidade e outros semelhantes, permitido ao direito

profissional como expressão do pluralismo, um espaço de atuação que

encontra limites específicos, mas não absolutos.

Quanto às relações entre os convênios coletivos de diferentes níveis,

não há dúvida de que cabe ao ordenamento jurídico de cada país determinar

as regras aplicáveis, que tanto podem pender para a supremacia dos

interesses da categoria, como no corporativismo estatal, como da profissão

ou, seguindo a tendência descentralizadora contemporânea, à situação


da empresa. Persiani, em Diritto sindacale (1997), sobre o direito italiano,

afirma: “Durante um certo tempo, a jurisprudência era orientada no sentido de

assinalar a prevalência da disciplina coletiva mais favorável ao trabalhador,

prescindindo do nível em que fosse expressada. Essa orientação, adotada

e justificada em um período no qual a fragilidade das organizações sindicais

poderia considerar suspeita toda derrogação de vantagens do trabalhador,

não leva em conta as funções dos diversos níveis de autonomia coletiva e,

via de regra, leva a uma equivocada leitura da disciplina legislativa”. A sua

conclusão é que cada nível sabe adequar-se às situações específicas, e o

nível de âmbito menor sempre prevalece sobre o de maior amplitude porque

atende a uma disciplina adequada e específica para cada situação territorial

ou empresarial.

Os diversos níveis de contratação coletiva evocam a necessidade de

interpretação que considere a função de cada um. Há acordos nacionais,

que podem fixar mínimos inderrogáveis, obrigatórios para as instâncias

negociais menores; acordos de empresa, para evitar dispensas coletivas, e

que podem suspender, temporariamente, os contratos individuais de trabalho

como forma de defesa do emprego; existem regras gerais de interesse de

uma profissão fixadas pelos contratos coletivos de sindicatos de categorias

diferenciadas; numa região do país, os sindicatos podem ser suficientemente

fortes para atuar perante o poder econômico; em outras, a situação não é

igual. A compreensão do fenômeno atual da autonomia coletiva não pode

ser adstrita aos parâmetros do período em que o corporativismo estatal

considerou como público o interesse coletivo e como ontológicas as


categorias, porque o quadro contemporâneo pós-corporativo e da sociedade

pós-industrial apresenta outras características. Se a lei de um país ordena

a aplicação do contrato coletivo mais favorável, entre os de diferentes

níveis, não há dúvida de que essa será a regra que deve ser observada,

mas, se norma de hierarquia superior abre exceções, como a redução de

salários pela contratação coletiva, nessa matéria a autonomia coletiva estará

autorizada a hierarquizar os níveis não em função da favorabilidade, mas da

excepcionalidade, o que leva, portanto, a um novo princípio. Vallebona, em

446

Istituzioni di diritto del lavoro (1998), sobre o ordenamento jurídico italiano,

conclui: “E, assim, o princípio do favor, vigente nas relações entre contrato

coletivo e contrato individual, não será aplicável às relações entre contratos

coletivos, pois a autonomia coletiva deve ser liberada para modificar também

in pejus os precedentes tratamentos coletivos, ainda nos diferentes níveis,

quando a nova situação o exigir”. Entende que os grupos menores podem

ser tão livres como os grupos maiores, justificação plena para a validade das

suas estipulações coletivas, ainda que diferentes daquelas que os grupos

maiores pactuarem entre si.

No direito contemporâneo, Itália e Espanha priorizaram os acordos

coletivos em nível de empresa. Passaram a ter prioridade hierárquica sobre

os demais instrumentos coletivos e sobre a lei.

447

CAPÍTULO 41

O SISTEMA LEGAL BRASILEIRO


1. EVOLUÇÃO DA LEGISLAÇÃO

As bases legais em que está fundamentada a negociação coletiva

situam-se no ordenamento jurídico intervencionista do corporativismo estatal,

que prestigia a lei em detrimento da autonomia coletiva dos particulares,

marcado pelo contraste entre o controle do sindicalismo pelo governo

(Decreto n. 19.770, de 1931) e o reconhecimento, meramente formal, das

convenções coletivas de trabalho (Decreto n. 21.764, de 1932), em manifesta

contraposição, como se fossem harmonizáveis a intervenção do Estado na

organização sindical e a liberdade de negociação coletiva dos sindicatos.

O propósito inicial do Estado, de transformar o proletariado numa força

de cooperação com o Poder Público, segundo uma diretriz corporativista,

voltada para a integração das classes produtivas, própria do pensamento

político da época, não se coadunou com a autorização da prática negocial

pelos sindicatos, sendo esse o contexto no qual surgiu a legislação sobre

negociação coletiva em nosso país.

Se fôssemos resumir a legislação brasileira sobre convenções coletivas,

bastaria o seguinte quadro das normas promulgadas em nosso ordenamento

jurídico: Decreto n. 21.761, de 23.8.1932; Constituição Federal de 1934, art.

121, § 1º, j, que reconhece as convenções coletivas; Constituição Federal de

1937, art. 137, a, que estende os efeitos dos contratos coletivos a sócios e

não sócios dos sindicatos estipulantes e fixa um conteúdo obrigatório mínimo

para eles; Decreto-lei n. 1.237, de 2.5.1939, art. 28, d, que organiza a Justiça

do Trabalho e investe o Conselho Nacional do Trabalho de poderes para

estender a toda a categoria, nos casos previstos em lei, os contratos coletivos


de trabalho; Consolidação das Leis do Trabalho, de 1943, que regulou, de

modo mais amplo, a convenção coletiva de trabalho como instrumento

normativo de efeitos erga omnes sobre toda a categoria representada pelo

sindicato único; Constituição Federal de 1946, art. 157, XIII, que mantém o

reconhecimento das convenções coletivas de trabalho e inseriu a Justiça

do Trabalho no Poder Judiciário, investindo-a de poderes normativos para,

nos dissídios coletivos, estabelecer normas e condições de trabalho (art.

123, § 2º); Decreto-lei n. 229, de 28.2.1967, que criou o nível de negociação

coletiva até então inexistente no País: os acordos coletivos entre o sindicato

da categoria e uma ou mais empresas; Constituição de 1988, que atribuiu à

448

negociação coletiva a função de administrar crises na empresa, ao admitir

a redução dos salários por acordos e convenções coletivas e condicionar a

propositura de dissídios coletivos à prévia tentativa de negociação (art. 114).

Como se vê, não se retrata, nesse conjunto legislativo, uma preocupação

maior de dar ênfase à negociação coletiva, o que é explicado pelo contexto

no qual foi instituída, o corporativismo do Estado e a convicção de que a lei

era o melhor instrumento para resolver o problema do trabalhador, premissas

que fundaram a política trabalhista da Revolução de 1939, com os Decretos

por profissões expedidos pelo Poder Executivo, as leis que atribuíram aos

sindicatos o exercício de funções delegadas de Poder Público como órgãos

de colaboração com o governo, e a forma autoritária de tratar as relações

coletivas de trabalho em total desacordo com os princípios democráticos que

mais tarde seriam valorizados.


A primeira lei, o Decreto n. 21.761, de 23.8.1932, publicado no Diário

Oficial de 25 de agosto de 1932, assinado por Getúlio Vargas, Salgado

Filho, Francisco Campos e Oswaldo Aranha, instituiu a convenção coletiva

de trabalho com as seguintes características: 1) conceituando-a como

“o ajuste relativo às condições do trabalho, concluído entre um ou vários

empregadores e seus empregados, ou entre sindicatos ou qualquer outro

agrupamento de empregadores e sindicatos, ou qualquer outro agrupamento

de empregados”, uma concepção ampla, de legitimação, não limitada

à associação sindical ao permitir negociação coletiva também entre

empregadores e os empregados (art. 1º); 2) condicionando a negociação

coletiva do sindicato à deliberação da assembleia sindical (art. 1º, § 2º); 3)

exigindo a forma escrita, em três vias, assinadas por duas testemunhas, uma

delas registrada no Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, e as cópias

fixadas nos estabelecimentos das empresas (art. 2º), entrando em vigor 30

dias após a assinatura pelas partes, se outro modo não tiver sido ajustado

(art. 4º); 4) projeção dos seus efeitos sobre os sindicatos ou agrupamentos

pactuantes ou os que viessem a aderir à convenção, estes não ficando

exonerados das obrigações assumidas no caso de retirarem a adesão (art.

5º); 5) exoneração de qualquer compromisso de cumprimento da convenção

pelo sindicato que não a tivesse ratificado, que tivesse votado contra ela ou

que não tivesse comparecido à assembleia ratificadora, bastando demitir-

se, por escrito, em dez dias, a contar da assembleia (art. 5º, § 2º); 6) o

conteúdo mínimo obrigatório da convenção coletiva (art. 6º), o prazo mínimo

de um ano de vigência, salvo outra estipulação, e máximo de quatro anos


(art. 7º), a prorrogação automática quando, no termo final, as partes não se

manifestassem em contrário (art. 7º, § 1º) e a permissão de convenções por

prazo indeterminado, caso em que cessariam os seus efeitos por vontade

de qualquer das partes convenentes (art. 7º, § 4º); 7) a possibilidade de

convenção coletiva para determinado serviço, pelo prazo máximo de quatro

449

anos (art. 7º, § 6º); 8) a suspensão dos efeitos da convenção sobre o

contrato individual do empregado convocado para o serviço militar durante

a convocação (art. 8º) e para todos os empregados a juízo das Comissões

de Conciliação, em caso de comprovada força maior, como falta de matéria-

prima, energia, acidentes coletivos, epidemias, crises que acarretassem

escassez de fundos ou de encomendas e outros de idêntica relevância (art.

9º); 9) previsão de multas por descumprimento da convenção, impostas aos

sindicatos, agrupamentos ou aos empregados (art. 10); 10) possibilidade

de extensão, por ato do Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio, ouvida

a Comissão de Conciliação, da convenção coletiva celebrada em um ou

mais Estados ou Municípios por 3/4 dos empregadores ou empregados do

mesmo ramo de atividade profissional, para outros Estados ou Municípios,

para o mesmo ramo de atividade e em equivalência de condições, se assim

o requeresse um dos convenentes (art. 11); 11) atribuição de poderes

para solução das divergências e dissídios resultantes da inobservância da

convenção às Comissões de Conciliação.

Como se vê, essa ampla regulamentação estabeleceu um tipo

contratual de convenção coletiva da qual cada membro do grupo convenente


podia evadir-se à obediência e deixar de cumpri-la, desde que fizesse o

pagamento de uma multa; e uma segunda espécie, a convenção coletiva

por extensão, mediante ato da autoridade pública, por solicitação da maioria,

caso em que obrigava setores da mesma atividade profissional, situados em

outros Municípios ou Estados, ainda que não convenentes, como meio de

uniformização normativa das condições de trabalho nessa categoria, embora

em bases territoriais diferentes.

A Constituição de 1934 incluiu entre os direitos dos trabalhadores o

“reconhecimento das convenções coletivas de trabalho”. Esse reconhecimento

constitucional já encontrara, antecipadamente, no Decreto n. 21.761, a sua

regulamentação.

A Carta Constitucional de 1937 deu prosseguimento à mesma diretriz,

declarando que “os contratos coletivos de trabalho concluídos pelas

associações, legalmente reconhecidas, de empregadores, trabalhadores,

artistas e especialistas, serão aplicados a todos os empregados, trabalhadores,

artistas e especialistas que elas representam”, e, com isso, introduziu duas

modificações: primeira, o nome, de convenção coletiva para contrato coletivo;

segunda, o efeito obrigatório sobre todos os representados pelo sindicato,

acentuando-se, assim, o caráter normativo, apesar do nome de “contrato”,

quando teria sido mais adequado conservar o nome “convenção”.

O Conselho Nacional do Trabalho, dentre os seus poderes, passou a ter

um com amplos reflexos, no futuro do nosso modelo de solução de conflitos:

a extensão a toda a categoria, nos casos previstos em lei, dos contratos

coletivos de trabalho. Foi, de um lado, a transferência da competência de um


450

ato, antes da esfera do Ministro do Trabalho, para um órgão colegiado, não

obstante o condicionamento anterior estar sujeito à manifestação também de

um órgão, a Comissão de Conciliação.

Uma estrutura ampla (1934 e 1937) precedeu a Justiça do Trabalho:

Conselhos Permanentes de Conciliação e Arbitragem (Decreto-lei n. 1.637,

de 1907), criados para solucionar divergências entre o capital e o trabalho

— no dizer de Souza Neto, em Da Justiça do Trabalho; a sua organização

e competência (1938), modalidade rudimentar de jurisdição do trabalho; Co-

missões Mistas de Conciliação (Decreto n. 21.396, de 1932), nos municípios

em que existiam sindicatos — coincidindo com a autorização legal para a ne-

gociação coletiva, pelo Decreto n. 21.761, de 1932 —, organismos que The-

otonio Monteiro de Barros Filho, em A Justiça do Trabalho (1938), considerou

frágeis, e Orlando Gomes, em A Justiça do Trabalho no Brasil (1974), apa-

ratosa inutilidade; Juntas de Conciliação e Julgamento (1932), para dirimir

dissídios individuais; Conselhos Regionais do Trabalho, que resultaram nos

Tribunais Regionais do Trabalho; e Conselho Nacional do Trabalho (Decreto-

-lei n. 1.237, de 1939), correspondendo ao Tribunal Superior do Trabalho,

judicializada em 1946 pela Constituição, e o Decreto-lei n. 9.777, de 9 de

setembro de 1946.

O Decreto n. 21.761, de 1932, definiu convenção coletiva de trabalho

(art. 13) como “o ajuste relativo às condições do trabalho, concluído entre

um ou vários empregadores e seus empregados, ou entre sindicatos ou

qualquer outro agrupamento de empregadores e sindicatos, ou qualquer


outro agrupamento de empregados”.

A lei disciplinou: a) o procedimento da negociação coletiva; b) a forma

escrita, a publicação, o início da vigência, a adesão dos interessados à

convenção; c) a forma de extensão dos seus dispositivos a âmbitos mais

amplos; d) alguns requisitos sobre conteúdo, a vigência de um ano, a

prorrogação, o registro e arquivo no então Ministério do Trabalho; e e) a

decisão ministerial sobre a extensão das suas cláusulas. O Estado expediu,

também, instruções para a elaboração das convenções coletivas, modelo

oficial para acordo de prorrogação de horas, e normas sobre o registro no

Ministério.

A Constituição de 1934 (art. 121, 1) reconheceu as convenções coletivas.

A Constituição de 1937 (art. 137) dispôs sobre: a) aplicação das

cláusulas das convenções coletivas a todos os empregados representados

pelas associações sindicais; b) conteúdo das convenções coletivas quanto à

duração do contrato, quantia e modalidades de salários, disciplina interna e

horário de trabalho; c) limitou (art. 138) aos sindicatos reconhecidos o direito

de “estipular contratos coletivos de trabalho obrigatórios para todos os seus

associados”.

451

A Carta Constitucional de 1937 declarou: “os contratos coletivos

de trabalho concluídos pelas associações, legalmente reconhecidas, de

empregadores, trabalhadores, artistas e especialistas, serão aplicados

a todos os empregados, trabalhadores, artistas e especialistas que elas

representam”.
A Consolidação das Leis do Trabalho (1943) reproduziu, em parte,

as diretrizes do Decreto-lei n. 21.761, de 1932: 1) a aplicação do contrato

coletivo aos associados dos sindicatos convenentes, podendo tornar-se

extensivo a todos os membros das respectivas categorias, mediante decisão

do Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio (art. 612); 2) a forma e prazos

previstos (art. 613); 3) o conteúdo mínimo obrigatório do contrato (art. 619);

4) a possibilidade de suspensão, por ato da autoridade administrativa e

sempre que não houvesse dissídio entre as partes convenentes, da vigência

temporária ou definitiva do contrato, diante de motivo de força maior (art.

623); 5) a multa pela estipulação de contratos individuais contrários aos

coletivos (art. 624); 6) a competência, agora da Justiça do Trabalho, para

dirimir as questões oriundas do contrato coletivo; definiu contrato coletivo

de trabalho (art. 611) como: “o convênio de caráter normativo pelo qual dois

ou mais sindicatos representativos de categorias econômicas e profissionais

estipulam condições que regerão as relações individuais de trabalho, no

âmbito da respectiva representação”.

Inovou nos seguintes pontos: 1) a competência, atribuída ao ministro,

para homologar contratos coletivos (art. 615); 2) a extensão do contrato

coletivo, por ato do ministro, aos membros das categorias profissionais

e econômicas não sócios dos sindicatos, dentro das respectivas bases

territoriais, desde que fosse do interesse público (art. 616); 3) a redução

do prazo máximo de duração para dois anos (art. 620); 4) a previsão da

denúncia ou revogação (art. 622).

A Constituição de 1946 (art. 157, XIII) mudou a denominação de contrato


para convenção coletiva de trabalho.

Duas alterações foram introduzidas pelo Decreto-lei n. 229, de 28 de

fevereiro de 1967, quando ocupava a Pasta do Trabalho Arnaldo Lopes

Süssekind: a transformação de contratual para regulamentar com eficácia

normativa; em um segundo nível de negociação, o de empresa, nos

seguintes termos: “É facultado aos sindicatos representativos de categorias

profissionais celebrar Acordos Coletivos com uma ou mais empresas da

correspondente categoria econômica, que estipulem condições de trabalho,

aplicáveis no âmbito da empresa ou das empresas acordantes às respectivas

relações de trabalho”.

Em 1964 (Decreto n. 54.018), o Estado iniciou um longo período de

controle dos reajustes salariais. Os salários passaram a ser indexados. O

452

Programa de Ação Econômica do Governo atendeu à necessidade de um

tratamento de choque de combate à inflação. Diversas leis foram promulgadas.

A Constituição de 1988: 1) exigiu a participação obrigatória dos sindicatos

nas negociações (art. 8º, VI); 2) instituiu o princípio da irredutibilidade do

salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo (art. 7º, VI),

reforçada, assim, a finalidade da negociação, não apenas como meio de

obtenção de vantagens para o trabalhador, mas, também, como instrumento

de administração das crises da empresa; 3) permitiu a arbitragem facultativa

dos conflitos coletivos (art. 120, § 1º); 4) proibiu a redução pelos Tribunais

do Trabalho de vantagens previstas em convenção coletiva; 5) condicionou

o dissídio coletivo à prévia tentativa de negociação; 6) permitiu a ampliação,


para mais de seis horas, da duração diária do trabalho em turnos ininterruptos

de revezamento, desde que por acordo ou convenção coletiva.

O Plano Real (Lei n. 8.880, de 1994) devolveu os reajustes dos salários

à livre negociação.

Em conclusão, é possível dizer que houve a ampliação da contratação

coletiva, mas alguns fatores a inibiram em nosso país. Primeiro, a fragilidade

dos sindicatos, para a qual contribuiu o sistema de unicidade sindical,

impeditivo da liberdade sindical. Segundo, as restrições impostas pelo

sistema legal de contratação coletiva quanto à legitimidade para negociar e

aos níveis de contratação. O monopólio das entidades sindicais de primeiro

grau, de 1937, tornou-se uma regra, recolhida pelo art. 611 da CLT, segundo a

qual compete aos sindicatos negociar, e não às federações e confederações,

a estas permitido negociar nos casos de categorias não organizadas em

sindicato. Terceiro, a unicidade sindical imposta por lei, contrária à liberdade

sindical prevista pela Convenção n. 87 da Organização Internacional do

Trabalho, e que concentra a negociação no nível de categoria, e ao sindicato

único o seu agente exclusivo, em detrimento de outras opções que os

interlocutores sociais queiram seguir. Quarto, o poder normativo da Justiça

do Trabalho, ao qual recorrem os sindicatos, transferindo para o Estado, pela

via do dissídio coletivo, a fixação das regras a serem observadas à falta de

consenso. É uma proteção aos sindicatos frágeis, mas, ao mesmo tempo,

institui uma cultura de intervenção do Estado que não favorece a autonomia

coletiva dos particulares.

O Projeto de Lei n. 5.483-D, de 2001, que altera o art. 618 da Consolidação


das Leis do Trabalho, aprovado pela Câmara dos Deputados e em fase de

apreciação pelo Senado, suscitou grande polêmica ao dar a seguinte nova

redação para o art. 618 da CLT:

“Art. 618. Na ausência de convenção ou acordo coletivo firmados por manifestação

expressa da vontade das partes e observadas as demais disposições do Título VI desta

Consolidação, a lei regulará as condições de trabalho.

453

§ 1º A Convenção ou acordo coletivo, respeitados os direitos trabalhistas previstos na

Constituição Federal, não podem contrariar lei complementar, as Leis n. 6.321, de 14

de abril de 1976, e n. 7.418, de 16 de dezembro de 1985, a legislação tributária, a

previdenciária e a relativa ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço — FGTS, bem

como as normas de segurança e saúde do trabalho.

§ 2º Os sindicatos poderão solicitar o acompanhamento da central sindical, de

confederação ou federação a que estiverem filiados quando da negociação de

convenção ou acordo coletivo previstos no presente artigo.”

2. A DOUTRINA

A primeira obra clássica é a de Orlando Gomes, A convenção

coletiva de trabalho (1936). Fez as seguintes observações principais: “A

convenção coletiva de trabalho é produto do desenvolvimento industrial

e do crescimento das associações profissionais. No Brasil, a indústria é

incipiente e a sindicalização recente. Aqui não há, pois, clima mui propício

ao desenvolvimento do fenômeno. Não obstante, já está regulamentada pelo

Decreto n. 21.761, de 23 de agosto de 1932, publicado no Diário Oficial de

25 do mesmo mês e ano. E a Constituição Federal, no art. 121, § 1º, letra


j, determinou que a legislação do trabalho observe o reconhecimento das

convenções coletivas. Devido ao demorado desenvolvimento dos fatos que

condicionam a evolução da convenção coletiva, a lei, aqui, se antecipou ao

fato”.

Seu livro, tese de cátedra na Faculdade de Direito e de Ciências

Econômicas da Universidade Federal da Bahia, expõe as teorias sobre a

natureza jurídica da convenção coletiva de trabalho: as teorias contratualistas

do mandato, da gestão de negócios, da estipulação em favor de terceiros; as

teorias de Nast, De Visscher; as explicações normativistas, o institucionalismo,

o realismo de Duguit; a teoria do direito social de Gurvitch; analisa a estrutura

da convenção coletiva e o direito positivo.

Outra obra fundamental é Problemas de direito corporativo (1938),

de Oliveira Viana. Defendeu a solução jurisdicional dos conflitos coletivos

e o poder normativo da Justiça do Trabalho. Reconhece que o modo mais

comum de solução desses conflitos é o convencional e considera convenção

coletiva de trabalho um fecundo instrumento jurídico como fonte do direito

positivo, “pela sua generalidade, pela sua obrigatoriedade e pela extensão

cada vez mais larga do seu campo de ação, partilhando dos atributos da lei

formal”.

“O contrato coletivo — diz Oliveira Viana —, mesmo na sua forma

mais elementar e primitiva, de acordo entre os empregados

de um determinado estabelecimento com o seu patrão, surgiu

454

justamente como meio de estabelecer uma norma comum e geral,


a vigorar dentro de uma pequena área: a área de uma fábrica

ou de uma empresa. Dentro desta área restrita, dentro deste

grupo limitadíssimo, a necessidade de uma norma geral, de uma

norma obrigando não apenas os contratantes, mas todos os que

pertencessem, ou viessem a pertencer, à empresa, se fez sentir

como um imperativo de justiça ou de ordem.”

E defendeu a “existência de um sistema de leis ou normas gerais, tão

imperativas e gerais como as que o Estado estabelecer, mas que o Estado

desconhece, porque formadas sem a colaboração dele, criadas e instituídas

em convenções coletivas ou corporativas, regendo não mais a atividade de

indivíduos ou desta ou daquela empresa; mas de categorias todas; mas de

grupos profissionais inteiros; mas de organizações econômicas de vastidão

nacional ou internacional e, às vezes, continental ou, mesmo, intercontinental”.

A exemplo das sentenças normativas proferidas nos dissídios coletivos,

sustentou a eficácia normativa das convenções coletivas como reflexo da

“tendência da própria economia industrial moderna para os regimes de

regulamentação uniforme e geral das condições de trabalho”.

Para Oliveira Viana, “convenção coletiva de trabalho e contrato coletivo

de trabalho são, em técnica de Direito Social, coisas formal e substancialmente

distintas”, espécies absolutamente inconfundíveis: o objeto do contrato coletivo

é distinto da convenção coletiva. É que assemelhou o contrato coletivo com o

contrato individual plúrimo ou um contrato de equipe: “quando um patrão ou

sindicato de patrões conchava com um grupo de empregados ou sindicato de

empregados um contrato coletivo, o que eles contratam é trabalho, é serviço,


é energia aplicada, é esforço produtivo, físico ou intelectual, desenvolvido

não mais por um único trabalhador, como no contrato individual, mas por uma

pluralidade deles, visando a um objetivo comum — um serviço ou uma obra

realizada em cooperação ou colaboração. Essa modalidade de contrato de

trabalho é muito frequente em nosso país. Quando, por exemplo, um grupo

de estivadores contrata com uma firma o descarregamento de uma partida

de trigo, este grupo faz um contrato coletivo de trabalho, pois que o trabalho

é executado cooperativamente, sob a direção de um capataz, escolhido pelo

grupo. Se falta porventura um estivador, cabe ao capataz substituí-lo por

outro, não intervindo a firma nessa substituição — pois é o grupo e não cada

estivador isolado que é responsável perante a firma pela descarga —, o que

mostra o caráter coletivo ou cooperativo do trabalho contratado. O salário

por sua vez é pago de uma só vez ao capataz, representante do grupo,

que o redistribui, depois, proporcional ou equitativamente, com os demais

componentes do grupo ou tropa”.

455

E concluiu: “É, o contrato coletivo, como se vê, um verdadeiro feixe de

contratos individuais de trabalho; o seu caráter coletivo resulta do modo de

execução do trabalho, e não da própria relação jurídica estabelecida; esta é

sempre de natureza individual”.

Por convenção coletiva, entendeu um instrumento que fixa normas

— e não que contrata serviços —, pelas quais se deverão reger os futuros

contratos de trabalho. Por tal motivo, foi coerente a sua interpretação da

Constituição de 1934: o que mandou que o legislador ordinário reconhecesse


foi o contrato coletivo de normas, e não o contrato coletivo de trabalho.

Outras questões que Oliveira Viana analisou foram: o problema

da intensidade da força normativa da convenção coletiva; o problema da

extensão dessa força normativa; os projetos de lei existentes na época.

Ruy de Azevedo Sodré, em Os contratos coletivos de trabalho no Brasil.

História, denominação, sistema legal vigente, causas impeditivas de sua

expansão (1958), criticou a falta de eficácia social das convenções coletivas:

“os contratos coletivos de trabalho não tiveram, no Brasil, o desenvolvimento

normal. Não foram, como anunciavam os seus legisladores, o instituto

dinâmico e poderoso, fadado a compor as relações de trabalho entre as

categorias econômicas e profissionais. Não foram a fonte do nosso direito

social. Para isso concorreram diversos fatores. Em primeiro lugar porque,

como de início assinalamos, ao contrário do que ocorreu em outros países, o

nosso direito social não foi alimentado pelos contratos coletivos, pelos usos

e costumes, pelos regulamentos de fábrica. O nosso direito social nasceu

da lei, alimenta-se da lei e acompanha a realidade social através da lei, pois

um regime onde não há clima em que possa germinar o contrato coletivo.

Outro fator é o processo burocrático a que está sujeito o contrato. Para a sua

elaboração a lei estabelece uma série de atos, cuja observância retarda a

conclusão do contrato pelo menos por dois meses, sem contar o tempo gasto

entre os sindicatos contratantes para se ajustarem nas cláusulas e condições

integrantes do contrato”.

Henrique Stodieck, em Convenção coletiva de trabalho (LTr 32:5, 1968),

sobre o Decreto-lei n. 229, de 1967, disse: “A nova redação da CLT introduz


outra fase na evolução legal de nossas convenções. Se no Decreto de 1932,

quaisquer grupos podiam firmar uma convenção, com a Consolidação de

1943, essas convenções, então denominadas contratos coletivos, eram

privativas de sindicatos e podiam ser estendidas por ato do Ministro; agora,

as convenções, propriamente ditas e assim designadas, nascem válidas para

as categorias inteiras, econômicas e profissionais — dispensada a extensão.

Com outra denominação — acordo coletivo — podem ser pactuadas no

âmbito de uma só empresa, sendo o empregador uma das partes e de outro

lado o sindicato, ou se este se desinteressar, os próprios empregados”.

456

A doutrina contemporânea recebeu valiosa contribuição com as

monografias de Carlos Alberto Gomes Chiarelli, Sindicato e contrato coletivo

de trabalho (1965), Octavio Bueno Magano, Convenção coletiva de trabalho

(1972); Carlos Moreira de Luca, Convenção coletiva de trabalho (1991);

José Francisco Siqueira Neto, Contrato coletivo de trabalho (1991); Flávio

Antonello Benites Filho, Negociações tripartites na Itália e no Brasil (1995);

Otávio Pinto e Silva, A contratação coletiva como fonte do direito do

trabalho (1998), e Mônica Sette Lopes, A convenção coletiva e sua força

vinculante (1998).

Vimos que diversos dispositivos da Constituição de 1988 abriram a porta

da negociação, analisados pela doutrina: irredutibilidade de salários, salvo o

disposto em acordo ou convenção coletiva (art. 7º, VI); jornada de seis horas

para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo

negociação coletiva (art. 7º, XIV); duração do trabalho normal não superior
a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação

de horário e a redução da jornada mediante acordo ou convenção coletiva

de trabalho (art. 7º, XIII); obrigatoriedade da participação dos sindicatos

nas negociações coletivas (art. 8º, VI); negociação coletiva como condição

para propor dissídio coletivo (art. 114, § 2º); e poder normativo da Justiça

do Trabalho, respeitadas as disposições convencionais e legais mínimas de

proteção ao trabalho (art. 114, § 2º).

Cabem, quanto a esse tema, alguns comentários:

Primeiro, a amplitude do preceito constitucional (art. 7º, VI) sobre

irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo.

Prevalece o entendimento segundo o qual por salário, para esse fim, deve

ser entendida toda prestação de natureza salarial. É o que afirma Arnaldo

Süssekind, em “Direito constitucional do trabalho” (1999): “qualquer prestação

de natureza salarial (salário básico, gratificações, percentagens, adicionais etc.),

cujo princípio da irredutibilidade pode ser vulnerado por convenções ou acordo

coletivo de trabalho”. Concordamos com essa interpretação, como dissemos

em Direito do trabalho na Constituição de 1988 (1989). A redução estará

inteiramente autorizada não só quando atingir o salário-base, mas, também,

as demais formas complementares de pagamento denominadas, em nosso

direito, de remuneração. Se o principal, que é o salário básico, é redutível,

com maior razão o será o acessório, que são as formas complementares de

remuneração; o acessório segue o principal. Desse modo, é válido acordo

ou convenção coletiva de trabalho que reduz, por exemplo, o valor de um

adicional salarial, o percentual de comissões, a gratificação contratual e


assim por diante. Irany Ferrari, em Curso de direito constitucional do trabalho,

proteção do salário (1991), mostra que o salário continua irredutível em

plano individual e pode ser reduzido a coletivo por empresa (acordo coletivo)

457

ou por categoria (convenção coletiva). Entendemos que o acordo coletivo

tem efeito derrogatório salarial sobre a convenção coletiva de trabalho. A

Constituição prevê, para a licitude da redução, duas vias, a convenção ou o

acordo coletivo.

Segundo, o mesmo dispositivo constitucional trouxe à discussão outro

tema: a redução, não só de salários, mas de outros direitos. Nesse caso, o

princípio teria uma aplicação ampliada, uma vez que tem por objeto apenas

salários e não todos os direitos do trabalhador, de modo que a sua extensão

depende de reforma constitucional.

Terceiro, a jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos

ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva (art. 7º, XIV): não

surgiram divergências quanto à validade da ampliação da jornada normal

de trabalho, nos sistemas de revezamento, para mais de seis e até oito

horas diárias, por acordo ou convenção coletiva, nem quanto à licitude da

eliminação do regime de revezamento com a fixação da jornada normal de

oito horas, pelas mesmas vias.

Quarto, a duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e

quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horário e a redução

da jornada mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho (art. 7º, XIII):

discutiu-se se a compensação de horário exige negociação coletiva ou se é


válida mediante acordo individual. Milton Moura França, em Compensação

de horas de trabalho, imprescindibilidade de acordo ou convenção coletiva

(art. 7º, XIII, da CF), breves considerações (LTr, 60-11/1451), sustentou:

“E neste contexto de transformações, para ajustar as relações de trabalho

à nova realidade, houve radical mudança de tratamento, por parte do

constituinte, em relação ao instituto da compensação de horário. Não só foi

elevado em nível constitucional, como inclusive passou a ser disciplinado

de forma diferente da prevista na CLT, uma vez que se lhe impôs, como

pressuposto de sua validade, a imprescindível participação do sindicato, via

convenção ou acordo coletivo de trabalho, na sua adoção por empregados

e empregador (art. 7º, XIII, da CF). Conclusivo, pois em face da redação tão

enfática do referido dispositivo não há, data venia, como admitir-se que o

acordo individual entre empregado e empregador, previsto no art. 59, § 2º, da

CLT, tenha sido recepcionado pela nova ordem jurídica constitucional, como

instrumento válido à implantação do regime de compensação de horário de

trabalho”. Em sentido semelhante posicionaram-se Octavio Bueno Magano,

em Procedimentos de autocomposição dos conflitos coletivos (LTr 54-2/151),

e Arnaldo Süssekind, em Instituições de direito do trabalho. Essa é, também,

a nossa conclusão, em Curso de direito do trabalho (1999), como dispõe

a lei constitucional. O Tribunal Superior do Trabalho, no entanto, admitiu

a compensação de horas pactuada em acordo individual (TST, E-RR n.

233.901/1995-2, SBDI-1, 21.9.98, Rel. Min. Hermes Pedrassani).

458

Quinto, a obrigatoriedade da participação dos sindicatos nas negociações


coletivas (art. 8º, VI). Uma corrente que defendemos, que é, também, a de

Celso Ribeiro Bastos, sustenta que a legitimidade para negociar passa, por

força da Constituição, das empresas para os sindicatos e o acordo coletivo

deve ter a participação obrigatória do sindicato patronal. Outra corrente, de

Arnaldo Süssekind, em Direito constitucional do trabalho (1999), e Pinho

Pedreira, em Curso de direito constitucional do trabalho, negociação coletiva

(1991), concluiu que o sindicato patronal não está obrigado a celebrar o

acordo coletivo e a legitimidade continua a ser direta, das empresas, porque

estas, e não aquele, é que assumem a obrigação acordada; o sindicato

patronal está obrigado a participar apenas da convenção coletiva, porque é

um entendimento em nível de categoria. Faz uma distinção entre participar e

celebrar para dizer: “Destarte, porque o inciso constitucional não distinguiu

entre sindicatos de trabalhadores e de empregadores, nem entre convenção e

acordo coletivo, cumpre concluir que as entidades sindicais das duas classes

terão de participar de todas as negociações coletivas. No entanto, os sindicatos

de empregadores não assinarão, como partes, os acordos coletivos. O papel

da associação sindical, nesse caso, será o de assistente. Assistência que se

justifica, como poder moderador, visando a evitar um desnível acentuado nas

condições de trabalho entre empresas da mesma categoria econômica”.

Sexto, a negociação coletiva como condição para propor dissídio coletivo

(art. 114, § 2º). Arion Romita, em Negociação coletiva como condição da

ação (LTr 53-11/1.295), mostrou: “A negociação coletiva (ou a arbitragem)

é condição específica da ação coletiva trabalhista (dissídio coletivo de

natureza econômica). O art. 114, § 2º, da Constituição de 1988, só autoriza


o ajuizamento do dissídio coletivo se qualquer das partes se recusar à

negociação coletiva ou à arbitragem. Inexistindo prova do preenchimento

desse requisito, é impossível a sentença de mérito; o suscitante é carecedor

da ação e o processo se extingue sem julgamento de mérito, nos termos do

art. 267, inciso VI, do Código de Processo Civil”.

Sétimo, o respeito, nas sentenças proferidas em dissídios coletivos, das

disposições convencionais e legais mínimas de proteção ao trabalho (art.

114, § 2º): é clara a Constituição no sentido de retirar do âmbito da sentença

normativa a diminuição de conquistas vigentes em cláusulas de acordos ou

convenções coletivas de trabalho.

3. A JURISPRUDÊNCIA

A jurisprudência incentiva a prática da negociação coletiva, limitando

o poder normativo dos Tribunais do Trabalho quando investe em esfera já

disciplinada pela lei.

459

A Constituição Federal (art. 114, § 2º) declara que, recusando-se qual-

quer das partes à negociação ou à arbitragem, é facultado aos respectivos

sindicatos ajuizar dissídio coletivo, podendo a Justiça do Trabalho estabele-

cer normas e condições, respeitadas as disposições convencionais e legais

mínimas de proteção ao trabalho.

A Súmula n. 190 do TST dispõe que, “decidindo ação coletiva ou

homologando acordo nela havido, o TST exerce o poder normativo

constitucional, não podendo criar ou homologar condições de trabalho que o

STF julgue iterativamente inconstitucionais”.


O Supremo Tribunal Federal (RE n. 19.799911-9-PE, j. 24.9.1996, Rel.

Min. Octavio Gallotti) reduziu a amplitude do poder normativo dos Tribunais

do Trabalho ao decidir, interpretando o art. 114 da Constituição, que a Justiça

do Trabalho “pode criar obrigações para as partes envolvidas nos dissídios

desde que atue no vazio deixado pelo legislador e não se sobreponha ou

contrarie a legislação em vigor, sendo-lhe vedado estabelecer normas e

condições vedadas pela Constituição ou dispor sobre matéria cuja disciplina

seja reservada pela Constituição ao domínio da lei formal”.

O Tribunal Superior do Trabalho condiciona a ação judicial coletiva à

prévia e obrigatória tentativa de solução do conflito pela negociação coletiva.

A Instrução Normativa n. 4, de 8 de junho de 1983, do TST, inciso I, dispõe:

“Frustrada, total ou parcialmente, a autocomposição dos interesses coletivos

em negociação coletiva promovida diretamente pelos interessados, ou

mediante intermediação administrativa do órgão competente do Ministério

do Trabalho, poderá ser ajuizada a ação de dissídio coletivo”.

Diversas outras diretrizes foram fixadas pela jurisprudência: “Convenção

coletiva, formalizada sem prévia audição do órgão oficial competente, não

obriga sociedade de economia mista” (Súmula n. 280, TST); “A legitimidade

do sindicato para propor ação de cumprimento estende-se também à

observância de acordo ou de convenção coletivos” (Súmula n. 286, TST).

A Seção de Dissídios Coletivos do Tribunal Superior do Trabalho

aprovou Orientações Jurisprudenciais, dentre as quais: “01. Acordo coletivo.

Descumprimento. Existência de ação própria. Abusividade da greve deflagrada

para substituí-la. O ordenamento legal vigente assegura a via da ação de


cumprimento para as hipóteses de inobservância de norma coletiva em vigor,

razão pela qual é abusivo o movimento grevista deflagrado em substituição

ao meio pacífico próprio para a solução do conflito.” “24. Negociação prévia

insuficiente. Realização de mesa-redonda perante a DRT. Art. 114, § 2º, da

CF/88.Violação.” “11. Greve. Imprescindibilidade de tentativa direta e pacífica

da solução do conflito. Etapa negocial prévia. É abusiva a greve levada a

efeito sem que as partes hajam tentado, direta e pacificamente, solucionar o

460

conflito que lhe constitui o objeto.” “34. Acordo extrajudicial. Homologação.

Justiça do Trabalho. Prescindibilidade. É desnecessária a homologação,

por Tribunal Trabalhista, do acordo extrajudicialmente celebrado, sendo

suficiente, para que surta efeitos, sua formalização perante o Ministério do

Trabalho (art. 614 da CLT e art. 7º, inciso XXXV, da Constituição Federal).”

4. A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

O Ministério do Trabalho e Emprego não interfere na negociação coletiva

a não ser quando, por iniciativa das partes, como mediador do conflito

coletivo, promove a reunião delas na mesa-redonda da DRT. A CLT (art. 616)

o autoriza a convocar as partes compulsoriamente. Todavia, na prática, as

partes são convidadas; se chegam a um entendimento, é formalizado, entre

elas, o acordo ou a convenção coletiva, depositado, em seguida, no mesmo

órgão. À falta de composição, é elaborado um termo que tem a finalidade de

documentar a reunião, terminando a participação do Ministério.

A Portaria MTb/GM n. 865, de 14 de setembro de 1995, estabelece

critérios de fiscalização de condições de trabalho constantes de convenções


ou acordos coletivos, dispondo que a incompatibilidade entre as cláusulas

referentes às condições de trabalho pactuadas em convenção ou acordo

coletivo e a legislação ensejará apenas a comunicação do fato à chefia

imediata, que o submeterá à consideração da autoridade regional. Em outras

palavras, a fiscalização trabalhista não autuará a empresa que tiver, por

acordo ou convenção coletiva, pactuado disposições incompatíveis com as

previstas pela lei. Trata-se de um meio de incentivar a prática da negociação

coletiva e a sua sobreposição, se for assim decidido pelas partes, às regras

estabelecidas pela legislação. Por outro lado, a mesma Portaria declara que

o descumprimento de norma referente às condições de trabalho constantes

de convenção ou acordo coletivo de trabalho ensejará a lavratura de auto

de infração, o que quer dizer que não só são tipificadas como infrações

trabalhistas as que são previstas em lei, mas, também, as constantes dos

instrumentos coletivos negociados.

5. AS CONVENÇÕES COLETIVAS

A negociação coletiva desemboca em dois tipos de instrumentos jurídicos

que formalizam o entendimento concluído entre as partes: a convenção

coletiva de trabalho, mais ampla; e o acordo coletivo de trabalho, de esfera

de aplicação menor.

A CLT, no art. 611, define convenção coletiva de trabalho como “o acordo

de caráter normativo pelo qual dois ou mais sindicatos representativos de

461

categorias econômicas e profissionais estipulam condições de trabalho

aplicáveis, no âmbito das respectivas representações, às relações individuais


de trabalho”.

Segue-se que convenção coletiva de trabalho é um instrumento negociado

em âmbito de categorias econômicas e profissionais, representadas pelos

respectivos sindicatos.

Em que âmbito pessoal é aplicada? Tem vigência normativa, uma vez

que o texto legal em questão a define como o acordo de caráter normativo,

o que significa que as suas cláusulas aplicam-se a sócios e não sócios dos

sindicatos convenentes, portanto, a todos os membros das categorias, quer

empregadores quer empregados, não havendo necessidade, assim, de

extensão dos seus efeitos no âmbito das categorias representadas pelos

sindicatos estipulantes. O efeito normativo é o meio adotado pelo nosso

ordenamento jurídico para produzir os mesmos resultados que, em outros

países, são alcançados por outras formas, como a extensão dos contratos

coletivos a não associados, a adesão espontânea de empresas que não

assinaram o contrato de trabalho e o ato da Administração Pública, que

amplia as normas e condições de trabalho, previstas num contrato coletivo, a

pessoas ou entes que dela não participaram mas que, por motivos isonômicos,

devem ser regidas pelas mesmas regras.

Havendo desdobramento das categorias profissionais ecléticas, que

agrupam todos os trabalhadores do setor, qualquer que seja a profissão nele

exercida, as novas categorias desdobradas serão representadas, por sua

vez, por novos sindicatos, e estes terão legitimidade para negociar pelos

seus representados. Não há um dispositivo legal previsto, expressamente,

para reger os efeitos dos desdobramentos sobre as convenções coletivas. É


razoável, no entanto, sustentar que deve ser mantida a convenção coletiva

em vigor à época do desdobramento, até a data final da sua vigência

normal e só depois de findo o prazo da sua expiração e com uma nova

negociação coletiva, agora pelo sindicato adquirente da representação do

grupo desdobrado, o novo instrumento coletivo passaria a ter eficácia sobre

o grupo em questão.

Existem, como vimos, categorias diferenciadas, que na realidade são

agrupamentos de profissionais, como engenheiros, por exemplo. Nesse

caso, sendo representados por um sindicato específico, não integram a

categoria geral. Os sindicatos de categorias diferenciadas têm legitimidade

para negociar convenções coletivas para o seu pessoal. O fato de existir uma

convenção coletiva da categoria geral não o impede.

Cada categoria, a econômica, pelo lado patronal, e a principal e as

diferenciadas, pelo lado dos trabalhadores, poderá ter o seu sindicato. Assim,

462

um sindicato é sempre o representante de uma categoria. O sindicato dos

metalúrgicos representa os trabalhadores em indústrias metalúrgicas em uma

base territorial, qualquer que seja a profissão deles, abrangendo o pessoal

desde a mais baixa até a mais alta hierarquia nas empresas e o pessoal de

todas as empresas do setor na referida base territorial. Se, porém, existir na

base territorial categoria diferenciada, dos motoristas, por exemplo, todos os

que exercem como empregados essa profissão, qualquer que seja o setor

de atividade econômica onde o fizerem, serão agrupados separadamente.

Haverá, nesse caso, o sindicato de motoristas. É o sindicato por profissão.


O sindicato é, como foi mostrado, o representante da categoria. Essa é a

sua natural função. Assim, numa base territorial, o sindicato de trabalhadores

é o representante de todos os que trabalham em empresas do mesmo setor.

As categorias diferenciadas também serão representadas pelos respectivos

sindicatos. Não há pluralidade sindical. O sindicato é único. Atuará como

representante de todos os interessados em dada base territorial, filiados ou

não filiados do sindicato. O sindicato representa a categoria. Nesta se incluem

todos os que, pelo tipo de relação de emprego, pertencem ao mesmo ramo.

Excluem-se apenas aqueles que integram categorias diferenciadas, pelo tipo

de profissão.

Assim, enquanto sujeitos estipulantes são os sindicatos, partes das

convenções coletivas são as categorias, uma vez que é sobre estas que

os efeitos das convenções coletivas se projetam. A convenção coletiva é

um instrumento de regulamentação das condições de trabalho de uma

categoria. É, também, uma forma de definição de obrigações entre os sujeitos

estipulantes, caso em que sujeitos e partes se confundem.

A CLT (art. 611, § 2º) declara que “as Federações e, na falta destas, as

Confederações representativas de categorias econômicas ou profissionais

poderão celebrar convenções coletivas de trabalho para reger as relações

das categorias a elas vinculadas, inorganizadas em sindicatos, no âmbito de

suas representações”.

Como se vê, a lei atribuiu legitimidade subsidiária às entidades sindicais

de grau superior a que se refere, as Federações e as Confederações. Não

incluiu as Centrais Sindicais. Autoriza-as a celebrar convenções coletivas de


trabalho. Não deu a mesma autorização para acordos coletivos de trabalho.

Subsidiariedade significa que essas instituições não poderão negociar no

lugar dos sindicatos. Estes sempre terão a prioridade para fazê-lo. A atuação

das Federações e Confederações é permitida, pela lei, em favor de categorias

não organizadas, na sua base territorial, em sindicatos. É a inexistência da

representação pelo sindicato, portanto, a condição que permitirá a legitimação.

Qual é o conteúdo das convenções coletivas? Ao dispor que as

convenções e os acordos coletivos estipulam condições de trabalho, a CLT

463

indica o seu objeto que, como se vê, é, por um lado, amplo. As condições

de trabalho, a que se refere a lei, são cláusulas normativas, destinadas a

produzir efeitos sobre os contratos individuais de trabalho.

As cláusulas obrigacionais não se incluem entre as condições de

trabalho, uma vez que têm natureza diversa, instituindo obrigações diretas

entre os sujeitos pactuantes. Embora não previstas pelo art. 611, por

evidente desnecessidade, nada impede a sua inclusão nas convenções

coletivas, mesmo porque não foram proibidas pela lei. Mas está claro que a

preocupação do citado dispositivo legal foi o contrato individual de trabalho.

Segundo a lei (art. 616), a negociação é obrigatória. A contratação, não.

Os sindicatos, quando provocados, não podem se recusar à negociação

coletiva. Por provocação entende-se a apresentação, pelo sindicato, de um

pleito. A forma de apresentação não é disciplinada pela lei, mas, segundo a

praxe, é escrita. Não há penalidade prevista para a recusa da negociação.

6. OS ACORDOS COLETIVOS
A negociação coletiva por empresa é adequada sempre que for

necessário atender a peculiaridades do relacionamento entre a empresa e

o seu pessoal. Nada impede a negociação ainda mais descentralizada por

estabelecimento. Os sindicatos serão, da mesma forma, os representantes

dos interessados. A legitimação para negociar, pelos trabalhadores, sempre

será do sindicato da categoria, embora no caso não se trate de negociação

em nível de categoria.

Acordos coletivos de trabalho são estipulados em plano de empresa.

Diferem das convenções coletivas de trabalho ajustadas em plano de

categoria e que foram, durante algum tempo, a única forma de contratação

coletiva admitida pela lei brasileira. No entanto, com o Decreto-lei n. 229,

de 28 de fevereiro de 1967, foi incluído o § 1º no art. 611 da Consolidação

das Leis do Trabalho, que acrescentou, ao lado das convenções coletivas,

os acordos coletivos, facultado aos sindicatos, representativos de categorias

profissionais, celebrá-los com uma ou mais empresas da correspondente

categoria econômica, para estipular condições de trabalho, aplicáveis, no

âmbito da empresa ou das empresas acordantes, às respectivas relações

de trabalho.

Há ainda outra diferença entre a convenção e o acordo coletivo. Da

assembleia para a autorização à diretoria do sindicato, a fim de que proceda

à negociação, para a convenção coletiva, participam apenas os sócios

do sindicato. Os não associados não têm direito de voto. Todavia, das

assembleias para fins de negociação de acordos coletivos participam os

interessados (CLT, art. 617, § 2º).


464

A CLT (art. 611, § 1º) define: “É facultado aos sindicatos representativos

de categorias profissionais celebrar Acordos Coletivos com uma ou mais

empresas da correspondente categoria econômica, que estipulem condições

de trabalho, aplicáveis no âmbito da empresa ou das empresas acordantes

às respectivas relações de trabalho”.

Qual é a sua aplicação? Restringe-se a uma empresa, uma vez que

é uma contratação coletiva em plano de empresa. Será possível, também,

a sua aplicação a duas ou mais empresas, no caso de negociação direta

com elas. E não com o sindicato patronal. O âmbito pessoal de aplicação

do acordo coletivo é, portanto, a empresa, diferindo, nesse e em outros

pontos, da convenção coletiva, que é aplicável a uma categoria econômica

ou profissional. O acordo coletivo com mais de uma empresa distingue-se da

convenção coletiva porque esta é instrumento jurídico por lei normativo sobre

toda a categoria, enquanto aquele não tem essa amplitude, uma vez que sua

eficácia tem, como limite, a empresa ou as empresas estipulantes, ficando

fora do alcance dos seus efeitos as demais empresas do setor. Portanto, é

pela dimensão horizontal da sua aplicabilidade que se distinguem, nesse

particular, os dois instrumentos coletivos negociados, no caso da convenção

coletiva mais ampla, a categoria, e no do acordo coletivo menor, a empresa

ou as empresas convenentes.

Vimos que as convenções coletivas acima analisadas têm vigência

normativa e as suas cláusulas aplicam-se a sócios e não sócios dos

sindicatos convenentes, portanto, a todos os membros das categorias, quer


empregadores quer empregados. Já quanto aos acordos coletivos, pela sua

dimensão, as cláusulas são aplicáveis a todos os empregados da empresa

signatária, representados pelo sindicato estipulante, sócios ou não sócios

dele. Observe-se, no entanto, que podem atuar na mesma empresa dois ou

mais sindicatos, uma vez que, além do sindicato que representa a categoria

principal, os empregados que exercem profissões que têm sindicatos de

categorias diferenciadas serão por eles representados, e não por aquele.

Nessa circunstância, o acordo coletivo negociado pelo sindicato da categoria

principal não é aplicável aos representados por sindicatos de categorias

diferenciadas, porque o acordo de um setor não tem efeito sobre setor diverso

da representação sindical que o pactuou. São, todavia, comuns, na prática,

cláusulas, no acordo coletivo do sindicato principal, prevendo a sua aplicação

ao pessoal de categorias diferenciadas quando mais benéficas. Terão

eficácia porque a empresa se comprometeu a assim agir. Será uma forma

de extensão, por ato voluntário da empresa, dessas cláusulas a pessoas não

representadas pelo sindicato estipulante, sendo essa a causa jurídica da sua

obrigatoriedade. Duvidosa, todavia, será a mesma conclusão na hipótese de

cláusulas, ao pessoal diferenciado, de tratamento menos favorável do que o

estipulado pelo seu respectivo sindicato em acordo próprio. Nessa hipótese,

465

inequívoco será o direito dos prejudicados de reclamar a aplicação do acordo

coletivo do seu sindicato e não o de outro. Esse direito tem por fundamento uma

razão: não pode um sindicato que não representa os trabalhadores, no caso

o da categoria geral, comprometer-se, com a empresa, a reduzir vantagens


conquistadas pelo sindicato, que é o representante legal dos trabalhadores

afetados, porque apenas a este a lei confere esse poder (CF, art. 7º, VI).

A que sujeitos a lei atribuiu legitimidade para negociar acordos

coletivos? Ao sindicato da categoria que, no caso, embora representante

geral de todos os trabalhadores dela, atuará representando o pessoal da

empresa contratante, como autoriza o art. 611, § 1º, da CLT. Por força do

art. 611, § 2º, da CLT, as Federações e, na falta destas, as Confederações

representativas de categorias econômicas ou profissionais são investidas,

por lei, de legitimidade substitutiva, não incluindo as Centrais Sindicais,

para negociar no lugar dos sindicatos omissos, permitindo, ainda, que os

trabalhadores, diretamente, possam negociar um acordo coletivo, por meio

de uma representação ad hoc, à margem da esfera sindical desinteressada.

A legitimação substitutiva nos acordos coletivos é diferente da legitima-

ção subsidiária. É prevista pelo art. 617, § 1º, da CLT: “Expirado o prazo de 8

(oito) dias sem que o sindicato tenha se desincumbido do encargo recebido,

poderão os interessados dar conhecimento do fato à Federação a que estiver

vinculado o Sindicato e, em falta dessa, à correspondente Confederação, para

que, no mesmo prazo, assuma a direção dos entendimentos. Esgotado esse

prazo, poderão os interessados prosseguir diretamente na negociação coleti-

va, até final”. Trata-se da atuação das Federações e Confederações no lugar

de sindicato desinteressado e não no lugar de sindicato inexistente. Aqui, há

um sindicato representativo da categoria na base territorial. Só que, embora

provocado pelos trabalhadores, não os representou. Desinteressou-se de fa-

zê-lo. Para que não fique bloqueada a via negocial, a lei permite que as entida-
des sindicais de grau superior assumam a negociação e assinem a convenção

coletiva, que terá total validade. Vai mais além, prevendo a possibilidade de

inércia também das entidades sindicais superiores. Autoriza os trabalhadores

a, diretamente, negociar e, por meio de uma representação, ainda que ad hoc,

para o ato, fechar o acordo, caso em que, igualmente, o acordo coletivo será

lícito, para todos os efeitos legais. Trata-se de uma hipótese de legitimação

extraordinária para negociar à margem da esfera sindical.

De duas formas pode-se interpretar a expressão interessados, a

estrita, no sentido de associado empregado da empresa cujos trabalhadores

pretendem negociar, e a ampla, no sentido de todo empregado da empresa,

sócio ou não do sindicato, como parece correto. Se a interpretação fosse a

estrita, em empresas nas quais nenhum empregado se filiasse ao sindicato

não poderia haver acordos coletivos por falta de trabalhadores com

capacidade para votar.

466

Outra situação pode ocorrer: a inexistência de sindicato representativo

da categoria. Portanto, a hipótese é a mesma, analisada nas convenções

coletivas, de categorias inorganizadas em sindicato. A CLT (art. 611, § 2º)

autoriza a legitimação subsidiária para o efeito de convenção coletiva de

trabalho, já que a ela se refere especificamente para essa contratação em

âmbito de categoria, com o que não autoriza a mesma legitimação para as

contratações de acordos coletivos. A omissão da lei não deve ser interpretada

restritivamente. É razoável a interpretação analógica, autorizada pela lei (CLT,

art. 8º). Desse modo, os empregados de uma empresa não representados


por sindicato de categoria podem, se decidirem celebrar acordo coletivo

com o empregador, dar ciência à Federação e, sucessivamente, havendo

omissão desta, à Confederação, ficando autorizados a negociar, diante do

desinteresse desta, por meio de uma representação ad hoc.

Qual é o conteúdo dos acordos coletivos? Ao dispor que as convenções

e os acordos coletivos estipulam condições de trabalho, a CLT indica o

seu objeto, que, como se vê, é comum e, por um lado, amplo, abrangendo

cláusulas obrigacionais e normativas, econômicas ou jurídicas. As condições

de trabalho a que se refere a lei são cláusulas normativas, destinadas a

produzir efeitos sobre os contratos individuais de trabalho.

O acordo coletivo também terá efeito normativo sobre todo o pessoal da

empresa representado pelo sindicato convenente. Ao se referir às pessoas

autorizadas a votar, na assembleia de deliberação para negociar, a CLT

(art. 617) refere-se aos interessados, e estes são todos os empregados da

empresa, representados pelo sindicato legitimado, sócios ou não dele. A

palavra “interessados” não é restritiva a associados. Se o fosse, numa empresa

sem sócios do sindicato, como vimos, os empregados ficariam impedidos de

negociar acordos coletivos com o empregador, o que contrariaria um direito

assegurado a eles pela lei.

As cláusulas obrigacionais não se incluem entre as condições de

trabalho, uma vez que têm natureza diversa, instituindo obrigações diretas

entre os sujeitos pactuantes. Embora não previstas pelo art. 611, nada impede

a sua estipulação nos acordos coletivos, porque não foram proibidas pela lei.

Segundo a lei (art. 616), a negociação, para o acordo coletivo, a exemplo


das convenções coletivas, é obrigatória e a contratação, não; as empresas,

quando provocadas, não podem se recusar à negociação, o que não significa

que estão obrigadas a aceitar o pleito. Recusa de negociar não é o mesmo

que recusa do pleito. O diálogo é obrigatório, ainda que para em nada resultar.

Assim, havendo uma resposta da empresa, mesmo que por ofício, telegrama

ou fax, negando-se a aceitar as pretensões, com ou sem contraproposta, não

se configura a recusa em negociar, mas a rejeição do pleito. Ressalte-se,

também quanto ao acordo coletivo, que não há penalidade prevista para a

recusa da negociação.

467

7. O CONTRATO COLETIVO DE TRABALHO

Contrato coletivo de trabalho é expressão introduzida em nosso direito

pela Lei n. 8.542, de 1992. Essa lei dispõe que as normas e condições de

trabalho serão fixadas, entre outros meios, por contratos coletivos. A Lei n.

8.630, de 1993, Lei dos Portuários, prevê, para estes, o contrato coletivo de

trabalho.

A CLT usa a expressão, para essa figura, “contrato coletivo de trabalho”.

Já a utilizou em outros casos (CLT, arts. 59 e 611, e CF, 1937, art. 137).

Alterou-a para convenção coletiva de trabalho (Decreto n. 21.761, de 1932,

e art. 611 da CLT). Mas não a modificou no art. 59 da CLT. E, agora, uma

nova lei a ela se refere (Lei n. 8.542/92), mas não a definiu. O sentido não é o

mesmo do art. 59 da CLT. Neste, a expressão originou-se da legislação geral,

que à época assim se referia, e foi mantida por lapso do legislador.

O contrato coletivo de trabalho surgiu por força da Lei n. 8.542, de 1992,


art. 1º, que declara: “A política nacional de salários, respeitado o princípio da

irredutibilidade, tem por fundamento a livre negociação coletiva e reger-se-á

pelas normas estabelecidas nesta Lei”.

O § 1º tem a seguinte redação: “As cláusulas dos acordos, convenções

ou contratos coletivos de trabalho integram os contratos individuais de

trabalho e somente poderão ser reduzidas ou suprimidas por posterior

acordo, convenção ou contrato coletivo de trabalho”.

E o § 2º da mesma Lei dispõe: “As condições de trabalho bem como as

cláusulas salariais, inclusive os aumentos reais de ganhos de produtividade

do trabalho e pisos salariais proporcionais à extensão e complexidade

do trabalho, serão fixados em contrato, convenção ou acordo coletivo de

trabalho, laudo arbitral ou sentença normativa, observadas, dentre outros

fatores, a produtividade e a lucratividade do setor ou da empresa”.

A Medida Provisória n. 1.675-42, de 25.9.1998, art. 19, revogou os §§

1º e 2º dessa lei, acima transcritos. O Supremo Tribunal Federal (ADIn n.

1.849-DF) suspendeu, por liminar, a eficácia do art. 19 da referida Medida

Provisória, que revogara, por sua vez, os dois parágrafos citados.

O Supremo Tribunal Federal, no entanto, na sentença final do processo

em que deferiu a liminar, assim decidiu:

“Tratando-se de ação direta de inconstitucionalidade contra medida provisória, é

necessário o aditamento da petição inicial quanto às reedições posteriores da medida

inicialmente impugnada, sob pena de a ação ser considerada prejudicada, uma vez que

seu objeto fica restrito à norma que não está mais em vigor.”

Com base nesse entendimento, o STF não conheceu da ADIn n. 1.849-DF


e julgou prejudicada a liminar concedida.

468

Em outras palavras, a decisão do STF não interferiu na Medida Provisória

que revogou os dois parágrafos da lei, exatamente os dispositivos acima

citados, o § 1º, segundo o qual “as cláusulas dos acordos, convenções ou

contratos coletivos de trabalho integram os contratos individuais de trabalho

e somente poderão ser reduzidas ou suprimidas por posterior acordo,

convenção ou contrato coletivo de trabalho”; e o § 2º, que dispõe que “as

condições de trabalho bem como as cláusulas salariais, inclusive os aumentos

reais de ganhos de produtividade do trabalho e pisos salariais proporcionais à

extensão e complexidade do trabalho, serão fixados em contrato, convenção

ou acordo coletivo de trabalho, laudo arbitral ou sentença normativa,

observadas, dentre outros fatores, a produtividade e a lucratividade do setor

ou da empresa”. Esses parágrafos estão revogados pela Lei n. 10.192/01,

com isso, desapareceu a base legal para a incorporação.

Resta em vigor o art. 1º, caput, que declara: “A política nacional de

salários, respeitado o princípio da irredutibilidade, tem por fundamento a livre

negociação coletiva e reger-se-á pelas normas estabelecidas nesta Lei”.

Surgiu um debate conceitual sobre o que é contrato coletivo de trabalho

e diferentes foram as interpretações formuladas.

Primeira, a limitativa, segundo a qual o contrato coletivo de trabalho

não é um novo nível de negociação, confunde-se com os existentes, sendo,

desse modo, o mesmo que convenção ou acordo coletivo de trabalho com

uma denominação diferente, tratando a nova lei de mera alteração de


nomenclatura, mas não de conteúdo. A lei, porém, não tem palavras inúteis e

resolveu, ao lado das convenções coletivas e dos acordos coletivos, introduzir

o contrato coletivo de trabalho, é claro que o fez em sentido diferente e para

fins diferentes dos que já existem.

Segunda, a ampliativa, para a qual o contrato coletivo de trabalho é um

novo nível de negociação coletiva e de legitimação para negociar, diferentes

dos já existentes, não se confundindo com as convenções coletivas, de

categoria, e os acordos coletivos, de empresa, sendo, portanto, um nível mais

amplo do que o da categoria, podendo abranger mais de um setor econômico

ou profissional para permitir, por exemplo, um acordo nacional, como os que

existem, de modo juridicamente forçado, no setor dos bancários.

Terceira, a reformista, preconizada por algumas correntes sindicais que,

motivadas com a criação, por lei, do contrato coletivo, por ele entendem uma

superação do corporativismo e a valorização da autonomia coletiva, com

maior espaço para a atuação direta dos interlocutores sociais, inclusive quanto

à organização sindical. O contrato coletivo de trabalho, nessa perspectiva,

é um motivo para rediscussão e reelaboração de conceitos e dos institutos

tradicionais, com os quais pretende romper, possibilitando, espontaneamente,

469

a ação direta dos próprios interessados na construção de novas bases para

o modelo de relações de trabalho em nosso país, como reflexo da Resolução

n. 163 da Organização Internacional do Trabalho, que recomenda a prática

da negociação coletiva em todos os níveis, legitimada para todos os sujeitos

coletivos, e não, como em nossa lei, com as restrições que impõe, quer em
razão dos sujeitos como dos níveis de contratação.

Quais são os efeitos jurídicos sobre o contrato coletivo de trabalho,

em decorrência das modificações introduzidas pela Medida Provisória e a

decisão do Supremo Tribunal Federal? Está mantido ou foi revogado?

O contrato coletivo de trabalho preconizado pela nova lei não vinha

sendo praticado. Não chegou a ter um uso sindical. Os questionamentos

dos seus aspectos legais e as imprecisões da legislação que o criou foram,

possivelmente, as causas do desinteresse por ele.

Os dois dispositivos da Lei n. 8.542/92 que o previam estão revogados.

O contrato coletivo de trabalho, por conseguinte, permanece como

uma pretensão, mas não uma realidade vigente no ordenamento jurídico. A

negociação coletiva continua a ser praticada em dois níveis, o de categoria

pelas convenções coletivas de trabalho, o de empresa com o acordo coletivo

de trabalho e, quando há necessidade de sair desses padrões, como no caso

do acordo nacional dos bancários, a forma jurídica adotada é a da convenção

coletiva de trabalho assinada pelos representantes de quantos sindicatos, de

diferentes bases territoriais, vierem a ela a aderir.

8. TIPOS DE CLÁUSULAS

Mostramos que o direito do trabalho deve à doutrina germânica do co-

meço do século XX a diferença entre os tipos de cláusulas estipuladas nos

acordos coletivos para, de acordo com a natureza de cada tipo, reconhecer-

-lhes um efeito próprio e um tratamento diverso, a partir da verificação, de

Sinzheimmer, de que existiam preceitos voltados para os contratos individuais

e outros para as entidades sindicais e empresas, surgindo a classificação das


cláusulas em dois grandes tipos: as cláusulas obrigacionais e as normativas.

Vimos, também, que as cláusulas obrigacionais criam direitos e deveres

entre os sujeitos estipulantes e não se incorporam nos contratos individuais

de trabalho, e as cláusulas normativas destinam-se, pela sua natureza, a

aplicar-se às relações individuais de trabalho.

A legislação brasileira não prevê cláusulas obrigacionais. O art. 611 da

CLT dispõe, unicamente, sobre estipulação de condições de trabalho, de

470

caráter normativo, aplicáveis às relações individuais de trabalho, o que não

quer dizer que as cláusulas obrigacionais são vedadas pelo ordenamento

jurídico.

O art. 613, V, VI e VIII, dispõe que as convenções e acordos deverão conter

obrigatoriamente “normas para a conciliação das divergências surgidas entre

os convenentes por motivos da aplicação de seus dispositivos”, “disposições

sobre o processo de sua prorrogação e de revisão total ou parcial de seus

dispositivos” e “penalidades para os sindicatos convenentes, os empregados

e as empresas em caso de violação de seus dispositivos”. Há normas sobre

prorrogação, revisão, denúncia ou revogação (art. 615). Por outro lado, o art.

621 declara que “as convenções e os acordos poderão incluir, entre suas

cláusulas, disposição sobre a constituição e funcionamento de comissões

mistas de consulta e colaboração, no plano da empresa e sobre a participação

nos lucros. Estas disposições mencionarão a forma de constituição, o modo

de funcionamento e as atribuições das comissões, assim como o plano de

participação, quando for o caso”.


São, no entanto, cláusulas obrigacionais: as normas para a conciliação

das divergências surgidas entre os convenentes; sobre aplicação de seus

dispositivos; sobre o processo de prorrogação e de revisão total ou parcial

de seus dispositivos, denúncia ou revogação; constituição e funcionamento

de comissões mistas de consulta e colaboração, no plano da empresa; sobre

a participação nos lucros; penalidades para os sindicatos convenentes, em

caso de violação de seus dispositivos. São, pela natureza, obrigacionais,

caracterizando-se como deveres assumidos pelas partes convenentes,

exigíveis entre si, aspecto suficiente para que assim sejam consideradas.

Outras cláusulas obrigacionais resultam da contratação coletiva:

cláusulas de liberdade sindical; frequência livre de dirigentes sindicais;

quadro de avisos; desconto de contribuições sindicais em folha de salários

e recolhimento aos sindicatos; CIPA; exames médicos específicos; política

sobre Aids; comissão de segurança; multa por descumprimento da convenção

ou acordo; qualificação ou requalificação profissional; comissões paritárias.

Quanto às cláusulas normativas, na prática, são, dentre outras: a) salá-

rios: reajuste salarial; salário de ingresso; salário após 90 dias da admissão;

adiantamento do 13º salário; salário do substituto; b) adicionais salariais:

adicional por tempo de serviço, adicional de horas extras, adicional notur-

no, adicional de insalubridade, adicional de periculosidade; c) gratificações:

gratificação de função, gratificação de caixa, gratificação de compensador

de cheques; d) auxílios: auxílio-refeição, auxílio-cesta alimentação, auxílio-

-creche, auxílio-babá, auxílio a filhos excepcionais, auxílio a portadores de

necessidades especiais, auxílio-educação, auxílio-funeral, ajuda para deslo-


camento noturno, vale-transporte; e) abonos: de faltas ao serviço, de falta

471

do estudante, de ausências legais; f) estabilidades: provisórias, do dirigente

sindical, da gestante, do cipeiro, pré-aposentadoria; g) benefícios: comple-

mentação de auxílio-doença, de auxílio previdenciário, de auxílio acidentário,

seguro de vida em grupo; h) indenizações: por morte, por incapacidade de-

corrente de assalto, por dispensa arbitrária, por danos; i) obrigações de dar e

fazer: uniforme, transporte, cesta básica, refeições; j) intervalos: de digitado-

res, de lanche; k) assistências médica e hospitalar a empregado despedido;

l) prazo para homologação de rescisão contratual; m) férias proporcionais; n)

carta de dispensa; o) abono único; p) adiantamento de salários.

As cláusulas salariais sofreram restrições, a partir de 1964, quando

o combate à inflação padronizou os reajustes e aumentos, disciplinados

pelas leis de política salarial que interferiram na autonomia coletiva dos

particulares, estabelecendo diretrizes para a recomposição do salário real

médio e, depois, fornecendo, mediante decretos, índices a serem aplicados,

imperativamente, para, com a Lei n. 6.708, de 1979, basear a correção

salarial no Índice Nacional dos Preços ao Consumidor. Diversas modificações

foram introduzidas nas leis, todas no mesmo sentido, do dirigismo estatal na

recomposição dos salários, em detrimento da contratação coletiva, e diversos

índices de correção foram estabelecidos como forma de consecução dos

Planos Econômicos do governo. Os sindicatos ingressaram com dissídios

coletivos perante os Tribunais do Trabalho ou, na qualidade de substitutos

processuais dos representados, pleitearam diferenças salariais, o que levou


o Tribunal Superior do Trabalho a fixar jurisprudência estabelecendo critérios

interpretativos a respeito das leis e medidas provisórias promulgadas sobre

a matéria.

A CLT, art. 623, proibiu, cominando de nula de pleno direito, disposição

de convenção ou acordo coletivo que, direta ou indiretamente, contrarie

proibição ou norma disciplinadora da política econômico-financeira do

governo ou concernente à política salarial; a mesma cominação fez quanto

à cláusula convencional de aumento ou reajuste salarial que implique a

elevação de tarifas ou de preços sujeitos à fixação por autoridade pública

ou repartição governamental, sem prévia audiência dessa autoridade ou

repartição e sua expressa declaração no tocante à possibilidade de elevação

da tarifa ou preço e quanto ao valor dessa elevação.

Com o Programa de Estabilização Econômica (Lei n. 8.880, de 1994),

foi restabelecida a livre negociação dos salários, cessando a vigência das

normas disciplinadoras da política salarial que vigoraram até essa ocasião.

Valendo-se do permissivo constitucional do art. 7º, XI, segundo o qual a

participação nos lucros ou resultados é desvinculada da remuneração, entre

empresas e seus trabalhadores, com a assistência do sindicato profissional,

cresceram os acordos coletivos pelos quais foram ajustadas formas dessa

472

participação. É menos onerosa para os empregadores, uma vez que estão

desobrigados de pagar encargos sociais sobre os valores estabelecidos; e

para os trabalhadores que, igualmente, não sofrem, nas quantias recebidas,

descontos que pesam sobre salários. Em muitos casos, convencionou-se


um valor fixo proporcional ao salário de cada empregado e não, como seria

correto, uma participação calculada com base em critérios claros e objetivos e

capaz de incentivar o interesse, do trabalhador, no aumento da produtividade

da empresa.

O salário-mínimo, no Brasil, é fixado por lei e atos do Poder Executivo,

independendo, como na Itália, de negociações coletivas, mas estas levam à

fixação de pisos salariais de categorias, variáveis e com critérios diversificados

estabelecidos na contratação coletiva.

9. O PROCEDIMENTO

Os sindicatos e empresas, inclusive as que não tenham representação

sindical, quando provocados, não podem recusar-se à negociação coletiva

(CLT, art. 616). Verificando-se recusa, cabe ao interessado dar ciência do

fato à Delegacia Regional do Trabalho que convidará as partes para a mesa-

-redonda, que é uma tentativa de acordo com a sua mediação.

A CLT disciplina o procedimento da negociação coletiva, nem sempre

seguido e que pode ser resumido assim: a) assembleia do sindicato de

trabalhadores para autorizar a Diretoria a iniciar as negociações (art.

612); b) discussões entre os dirigentes dos sindicatos de empregados

e de empregadores (art. 616); c) possibilidade de mediação do Delegado

Regional do Trabalho visando à aproximação entre as partes e com poderes

de convocação compulsória delas para o diálogo, ato que tem o nome de

mesa-redonda na Delegacia Regional do Trabalho (art. 616); d) havendo

ajuste, segue-se a redação num documento das cláusulas negociadas

(art. 613); e) aprovação do ajuste pelas assembleias dos dois sindicatos


convenentes; f) depósito do documento redigido na Delegacia Regional do

Trabalho no prazo de oito dias da sua assinatura pelos representantes das

partes (art. 614 e § 1º); g) publicidade da convenção com a sua afixação, de

modo visível, nas sedes dos sindicatos e empresas, dentro de cinco dias da

data do depósito; h) início da vigência após três dias do depósito; i) duração

máxima de dois anos, sendo difícil, na prática, exceder de um ano, permitida

a prorrogação, revisão e denúncia, significando prorrogação a ampliação do

prazo da vigência, revisão, a reapreciação de cláusulas antes do termo final,

e denúncia, a comunicação de uma parte à outra demonstrando que quer pôr

fim (antecipado) à vigência da convenção ou de uma ou algumas de suas

cláusulas.

473

É obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas?

A Constituição de 1988, art. 8º, VI, declara: “é obrigatória a participação

dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho”. Como se vê, a lei

constitucional não limita a obrigatoriedade à representação sindical dos

trabalhadores. Logo, refere-se aos dois sindicatos, o patronal e o profissional,

entendimento pacífico quanto às convenções coletivas de trabalho que são,

como foi visto, negociações em nível de categoria. Surgiram discussões,

porém, quanto à mesma exigência nos acordos coletivos de trabalho e quanto

ao sindicato patronal, uma vez que esses acordos são feitos em âmbito de

empresa e esta é que, antes da Constituição de 1988 e segundo a CLT, art.

611, § 1º, tem legitimidade direta para negociar.

Na doutrina, Arnaldo Süssekind, em Direito constitucional do trabalho


(1999), faz uma distinção entre participar e celebrar o acordo que formaliza

o ajustado no diálogo com os sindicatos, concluindo que o art. 8º, VI, da

Constituição, quando declara que é obrigatória a participação dos sindicatos

na negociação coletiva, quer dizer que os sindicatos de empregadores não

assinarão, como partes, os acordos coletivos que serão firmados pela ou

pelas empresas acordantes, sendo o papel desses sindicatos, nesse caso,

de assistente, com poder moderador, visando a evitar um desnível acentuado

nas condições de trabalho entre empresas da mesma categoria. Entendemos

que exatamente o propósito de evitar esse desnível e impedir o fechamento,

por uma ou outra empresa, de acordos coletivos com intuitos concorrenciais

na categoria é que levou o constituinte a, com todas as letras, declarar que

é obrigatória a participação dos sindicatos e, não apenas, do sindicato dos

trabalhadores. Há jurisprudência que dispensa a presença do sindicato

patronal nos acordos coletivos, levando em conta os aspectos práticos, a

burocratização das negociações em âmbito de empresa se tivessem de

contar com a participação do sindicato patronal; mas é contrária ao texto

constitucional.

O início da negociação depende da aprovação, dos representados,

em deliberação de assembleia. A CLT, art. 612, dispõe que “os sindicatos

só poderão celebrar convenções ou acordos coletivos de trabalho por

deliberação de assembleia geral especialmente convocada para esse fim,

consoante o disposto nos respectivos estatutos”.

Nos casos de inércia da organização sindical em acordos coletivos, a lei

(CLT, art. 617, § 1º) dispõe que a assembleia será dos interessados, que são
os trabalhadores da empresa.

Segundo a CLT, a assembleia será convocada consoante o disposto

nos respectivos estatutos sindicais (art. 612); sua validade dependerá do

comparecimento e votação, em primeira convocação, de 2/3 dos associados

da entidade, se se tratar de convenção, e dos interessados, no caso de

474

acordo, e em segunda, de 1/3 destes; o quorum de comparecimento e

votação será de 1/8 dos associados em segunda convocação, nas entidades

sindicais que tenham mais de 5.000 associados.

Para a negociação de acordo coletivo, a CLT (art. 617) dispõe que os

empregados de uma ou mais empresas darão ciência da sua resolução por

escrito ao sindicato representativo da categoria profissional, que terá o prazo

de oito dias para assumir a direção dos entendimentos entre os interessados,

devendo tal procedimento ser observado pelas empresas interessadas

com relação ao sindicato da respectiva categoria econômica. O sindicato

convocará assembleia geral dos diretamente interessados, sindicalizados

ou não (art. 617, § 2º). Expirado o prazo sem que o sindicato se tenha

desincumbido do encargo recebido, poderão os interessados dar conhe-

cimento do fato à federação e, em falta dessa, à confederação para que, no

mesmo prazo, assuma os entendimentos; esgotado esse prazo, poderão os

interessados prosseguir diretamente na negociação, até final.

Os agentes que atuam na negociação são a linha de frente. Participam

das reuniões, em suas áreas recebem instruções sobre os limites dos

compromissos que podem assumir, comunicam-se, durante as reuniões,


com aqueles que têm poder de decisão, alternam-se nos entendimentos,

assumem papéis às vezes figurativos como estratégias de convencimento da

parte contrária, desgastam-se com as divergências e são enaltecidos com os

sucessos alcançados.

O instrumento negociado será escrito (CLT, art. 613, parágrafo único), sem

emendas ou rasuras, em tantas vias quantos forem os sindicatos ou empresas

e serão depositadas pelos convenentes, conjunta ou separadamente, dentro

de oito dias, na Delegacia Regional do Trabalho, entrando em vigor três

dias após a data da entrega nos órgãos (CLT, art. 614). Cópias autênticas

dos instrumentos devem ser afixadas, de modo visível, pelos sindicatos ou

empresas, nas respectivas sedes ou estabelecimentos, dentro de cinco dias

da data do depósito (CLT, art. 614, § 2º); o prazo máximo de estipulação será

de dois anos (CLT, art. 614, § 3º).

Não será permitido estipular duração de convenção ou acordo superior

a dois anos (CLT, art. 614, § 3º).

10. PRORROGAÇÃO, REVISÃO, DENÚNCIA OU REVOGAÇÃO

Os mecanismos previstos pela CLT com os nomes de prorrogação,

revisão, denúncia ou revogação constituem efeitos, que podem ter os acordos

e convenções coletivas, e que, uma vez efetivados, promovem modificações

sobre a vigência desses instrumentos coletivos.

475

A CLT (art. 615) os considera processos subordinados à aprovação

de assembleia geral dos sindicatos convenentes ou partes acordantes —

observadas as mesmas exigências — para a validade das demais assembleias


que autorizam a contratação coletiva, exige o depósito dos respectivos

instrumentos no mesmo órgão em que houve o registro do acordo ou

convenção coletiva (art. 615, § 2º) e fixa prazos para o início da vigência das

modificações resultantes desses processos. Quando a CLT exige assembleia

dos sindicatos convenentes, refere-se às convenções coletivas de trabalho;

e, das partes acordantes, quando se trata dos acordos coletivos. Cada

entidade ou parte fará a sua respectiva assembleia autorizante do processo

que estará pretendendo iniciar; não se trata, portanto, de assembleia comum,

entre as partes signatárias dos instrumentos coletivos.

Prorrogação é o processo pelo qual o prazo de vigência do acordo ou

convenção coletiva é estendido. A CLT (art. 614, § 3º) dispõe que “não será

permitido estipular duração de convenção ou acordo superior a 2 (dois) anos”.

Como esse é o prazo normal máximo de vigência do instrumento coletivo

autocomposto, prorrogação é a ampliação desse prazo; portanto, prorrogar

é estender o prazo de vigência da convenção para além do término previsto

pelas partes, como estabelecido por elas em cláusula do instrumento.

Discute-se se a prorrogação é limitada a dois anos — porque esse é o prazo

máximo de duração — ou se pode ir além.

A prorrogação pode ultrapassar os dois anos, por mais de um motivo:

prorrogar é ampliar a duração do instrumento coletivo para durar mais do

que pode regularmente, e limitar a dois anos não é prorrogar, é usar o prazo

normal; a situação que se forma quando, findo o prazo, novo acordo é ajustado

entre as mesmas partes é igual à que ocorre quando há prorrogação; logo,

não há razão para burocratizar quando mais prático é prorrogar.


Admitidas são tantas prorrogações quantas os interessados pactuarem,

porque a lei não limita o número de prorrogações.

A estipulação de cláusula com validade por prazo indeterminado, em

princípio, pode parecer contrária à lei que veda a duração aos limites que

estabelece, portanto, dois anos. No entanto, surgem situações práticas nas

quais, ultrapassado o termo final, o objeto do acordo continua a ser cumprido

pelas partes. Nessas situações, não é razoável entender que há nulidade

nas condições de trabalho; estas devem ser preservadas, e o meio de dar

fundamento a essa situação é admitir o ajuste tácito, quando as partes não

se opuserem à prática que, consensualmente, estão cumprindo.

Revisão é o processo pelo qual as partes signatárias do acordo ou

convenção coletiva pactuam a alteração, parcial ou total, do acordo, durante

a sua vigência. Nesse caso, novo instrumento será redigido, com o nome de

476

revisão de acordo ou convenção coletiva, após aprovação das assembleias

dos sindicatos convenentes ou concordância das partes acordantes, e

encaminhado para depósito, para fins de registro e arquivamento, na

Delegacia Regional do Trabalho, passando as modificações a vigorar três

dias após.

Denúncia é ato unilateral pelo qual uma das partes do acordo ou

convenção coletiva dá à outra parte ciência da sua decisão de não mais

cumprir uma ou mais cláusulas do instrumento em vigor. Na linguagem do

direito contratual, denúncia é a notificação de uma parte à outra, para dar

por findo um contrato. Os efeitos da denúncia serão extintivos quando o


denunciado concordar, e suspensivos quando não concordar, caso em que,

à falta de renegociação, os interesses contrapostos serão apreciados e

decididos por um terceiro, o mediador, o árbitro ou a jurisdição.

Revogação é o ato bilateral pelo qual as partes do acordo ou convenção

coletiva resolvem desfazer, total ou parcialmente, o instrumento pactuado.

Será escrita e depositada no órgão perante o qual o instrumento coletivo foi

depositado e arquivado.

11. EFEITOS DAS CLÁUSULAS

Vimos que, quanto ao aspecto subjetivo, a questão de maior importância

é saber se as cláusulas dos contratos coletivos de trabalho são aplicáveis

somente aos sócios dos sindicatos convenentes ou, também, aos não sócios,

erga omnes; verificamos, também, que há mais de um critério adotado pelos

demais ordenamentos jurídicos. Em alguns, os efeitos são aplicáveis aos

sócios (Itália, Portugal, Inglaterra); em outros, aos sócios e não sócios; em

outros, ainda, há os dois efeitos, dependendo do tipo de contratação coletiva

e da sua extensão por uma autoridade (Argentina, Chile, Peru, Venezuela,

França, Alemanha, Espanha, Grécia).

A Consolidação das Leis do Trabalho, no art. 611, atribuiu aos instru-

mentos coletivos efeito normativo. Suas cláusulas têm efeito erga omnes.

Assim, as cláusulas das convenções coletivas de trabalho são aplicáveis a

todos os membros da categoria, filiados ou não aos respectivos sindicatos

estipulantes, tanto no lado profissional como no patronal. Os acordos coleti-

vos de trabalho aplicam-se a todos os empregados da empresa pactuante,

sócios ou não do sindicato.


Examinamos, também, outra questão: finda a vigência da convenção

coletiva e não havendo a sua renovação ou a de algumas das suas cláusulas,

os direitos estabelecidos pelas cláusulas não renovadas desaparecem ou se

incorporam ao contrato individual de trabalho?

477

Mostramos que há mais de uma tese na doutrina: a da incorporação;

a da não incorporação; e a da incorporação de cláusulas de um tipo e não

incorporação das que têm outro tipo.

A Consolidação das Leis do Trabalho foi omissa, nada dispondo sobre a

projeção dos efeitos da convenção coletiva não renovada após o prazo final

da sua vigência. Incluiu entre o conteúdo obrigatório desses instrumentos

(art. 613, II) o prazo de vigência, o limite máximo deste (art. 614, § 3º), que

é de dois anos, a possibilidade de prorrogação (art. 615) e a nulidade de

disposições do contrato individual de trabalho que contrariem as normas das

convenções e acordos coletivos (art. 619).

Como mostramos, a Lei n. 8.542, de 1992, art. 1º, § 1º, dispõe que

“as cláusulas dos acordos, convenções ou contratos coletivos de trabalho

integram os contratos individuais de trabalho e somente poderão ser

reduzidas ou suprimidas por posterior acordo, convenção ou contrato coletivo

de trabalho”. A Lei n. 10.192, de 2001, revogou os §§ 1º e 2º da Lei n. 8.542.

O Supremo Tribunal Federal (ADIn n. 1.849-DF) suspendeu, por liminar, a

eficácia do art. 19 da referida Medida Provisória, que revogara, por sua vez,

os dois parágrafos citados.

O Supremo Tribunal Federal, na decisão final do processo em que de-


feriu a liminar, no entanto, assim decidiu, não conheceu da ADIn n. 1.849-DF

e julgou prejudicada a liminar concedida. Desse modo, está revogado pela

Medida Provisória o dispositivo legal de acordo com o qual as cláusulas dos

acordos, convenções ou contratos coletivos de trabalho integram os contra-

tos individuais de trabalho e somente poderão ser reduzidas ou suprimidas

por posterior acordo, convenção ou contrato coletivo de trabalho. Segue-se

que não há mais suporte, nessa lei, para a incorporação das cláusulas, dos

instrumentos coletivos, nos contratos individuais de trabalho.

A Súmula n. 277 do Tribunal Superior do Trabalho, em sua redação dada

pela Res. n. 10.188, DJ 3.3.1988, dispunha que “as condições de trabalho

alcançadas por forma de sentença normativa vigoram no prazo assinado,

não integrando, de forma definitiva, os contratos”. Definia ela, então, um

critério aplicável às sentenças normativas. Há um paralelismo de situações

entre estas e as convenções e acordos coletivos, embora diferentes os

seus pressupostos e natureza. De acordo com uma interpretação, se as

cláusulas fixadas pelos Tribunais, em sentenças normativas, não vigoram

além do prazo de vigência destas, que normalmente é um ano, nenhuma

razão objetiva existe para que critério diferente venha a prevalecer quanto às

cláusulas resultantes dos acordos e convenções coletivas.

Na doutrina, Rodrigues Pinto, em Direito sindical e coletivo do trabalho

(1998), após citar o Enunciado n. 277, afirma: “Essa orientação, obviamente, foi

estendida à Convenção Coletiva, dada a similaridade de situações. Vencidos

mas não convencidos, lembramos apenas que esse modo de interpretar

478
se choca visivelmente com o adotado pela mesma Corte no Enunciado n.

51, a respeito do regulamento da empresa, o qual, quando elaborado pelo

empregador com a participação dos empregados, integra com a Convenção

Coletiva, a família dos instrumentos da negociação coletiva”.

A jurisprudência específica, do Egrégio Tribunal Superior do Trabalho, é

divergente. Há acórdãos pela incorporação, como os a seguir mencionados:

“As convenções coletivas de trabalho vigoram enquanto não alteradas por outra norma

de igual nível, uma vez que as condições de trabalho nelas estabelecidas se incorporam

ao contrato individual de trabalho e se projetam indeterminadamente, a menos que

surja uma nova norma de igual nível que a modifique” (TST, Ac. 5.505, 2ª Turma, DJ.

25.3.1988, p. 6524, Rel. Min. Aurélio Mendes de Oliveira).

Em sentido oposto, é o seguinte pronunciamento:

“Cláusula de convenção coletiva não pode viger por período superior ao da convenção

se não foi renovada.” (TST, 1ª Turma, RR 3554/82, Rel. Min. Fernando Franco, in

Calheiros Bomfim, “Dicionário”, 19ª ed., p. 138, n. 1.167.)

A minha opinião é que as cláusulas de natureza obrigacional não se

incorporam nos contratos individuais de trabalho porque não têm essa

finalidade e, dentre as cláusulas normativas, há que se distinguir, em razão

do prazo estabelecido e da natureza da cláusula, aquelas que sobrevivem e

as que desaparecem. Um adicional por tempo de serviço é, por sua natureza,

algo que se insere nos contratos individuais de trabalho, se as partes não

estipularam condições ou limitações à sua vigência. Um adicional de horas

extraordinárias é obrigação que, tendo em vista a sua natureza, vigora pelo

prazo em que a convenção coletiva perdurou. Desse modo, a resposta


depende da verificação, em cada caso concreto, da cláusula em questão.

Mas a redação dessa Súmula veio a ser alterada na sessão do Tribunal

Pleno realizada em 14.9.2012 (Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26

e 27.9.2012), quando passou a prever que “As cláusulas normativas dos

acordos coletivos ou convenções coletivas integram os contratos individuais

de trabalho e somente poderão ser modificadas ou suprimidas mediante

negociação coletiva de trabalho”.

Tem-se aí profunda alteração de entendimento, em face de todo o até

aqui já exposto, de modo que, a partir de sua nova redação o entendimento

é o de que, estabelecido um direito em norma coletiva, a ele passa a integrar

os contratos individuais aos quais se aplicar, só podendo ser retirados por

posterior negociação coletiva.

12. EFICÁCIA NO TEMPO E NO ESPAÇO

Foi mostrado que, nos ordenamentos jurídicos estrangeiros, cláusulas

in mellius são estipulações mais benéficas para o trabalhador; in pejus são

479

as cláusulas que reduzem vantagens para contornar crises da empresa e

preservar empregos, estas suscitando maiores divergências, mas admissíveis

por meio da autonomia coletiva, vetadas, como regra, pela autonomia

individual.

Há, portanto, uma discussão sobre o conteúdo das convenções e

acordos coletivos de trabalho que se sucedem no tempo quanto às vantagens

asseguradas, pelo instrumento coletivo anterior, ao trabalhador, para saber

se o instrumento coletivo posterior, necessariamente, terá de dispor em


sentido benéfico ou se pode reduzir as vantagens antes existentes, por lei ou

pela própria negociação coletiva.

A CLT não tem uma regra específica para solucionar o problema, embora

disponha de outra, para resolver o problema da hierarquia entre acordos

coletivos e convenções coletivas (CLT, art. 620), mas a Constituição Federal

autoriza a redução de salários por meio de acordos e convenções coletivas

de trabalho (CF, art. 7º, VI).

Quanto à eficácia no tempo, o que se discute é se o acordo ou a

convenção coletiva posteriores revogam o anterior. Em nosso ordenamento

jurídico, a matéria não é resolvida pela legislação, mas, a prevalecer os

critérios adotados no direito estrangeiro, aplica-se o princípio cronológico

da sucessividade, caso em que o acordo ou a convenção coletiva posterior

revoga o anterior, da mesma forma que, quanto às leis, aplicável é o princípio

do tempus regit actum.

A relação entre os instrumentos coletivos concomitantemente vigentes,

entre si e em relação à lei, em nosso ordenamento jurídico, pautou-se,

sempre, pelo princípio da norma mais favorável ao trabalhador.

Examinamos os critérios estabelecidos pela legislação estrangeira; a

prevalência das fontes de direito superiores sobre as inferiores, respeitado o

tratamento mais favorável para o trabalhador (Portugal, México, Argentina);

em função de determinadas situações, a norma superior (França).

A questão, no direito do trabalho, é examinada separando-se os

diferentes tipos de normas e as relações entre si: a) os instrumentos coletivos

e o contrato individual de trabalho; b) os instrumentos coletivos relacionados


entre si; c) os instrumentos coletivos e a lei. Acrescentaria mais um tipo

de comparação: a matéria objeto das normas jurídicas, porque entendo

que sempre há a prevalência das normas de ordem pública previstas pela

legislação como condição de eficácia da vontade geral voltada para a

realização do bem comum.

A interpretação do princípio da norma favorável não é separada das

premissas que solucionam a questão das cláusulas in pejus e in mellius,

480

anteriormente analisadas. A hierarquia das normas trabalhistas não pode

deixar de atender ao aspecto teleológico, às funções que as leis trabalhistas

cumprem na sociedade, e as tendências atuais voltam-se para a prevalência

do direito estatal de garantias mínimas e de defesa dos direitos fundamentais

do trabalhador, protetores de valores básicos que não podem ser entregues

à economia de mercado.

Quanto às relações entre os convênios coletivos de diferentes níveis,

a CLT, art. 620, declara que “as condições estabelecidas em convenção,

quando mais favoráveis, prevalecem sobre as estipuladas em acordo”,

orientada, portanto, no sentido de assinalar a prevalência da disciplina

coletiva mais favorável ao trabalhador, prescindindo do nível em que fosse

expressada.

A questão das relações entre os instrumentos coletivos e os contratos

individuais de trabalho são resolvidas de acordo com a regra específica, do

art. 444, que declara: “as relações contratuais de trabalho podem ser objeto

de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha


às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos (atualmente

convenções coletivas) que lhes sejam aplicáveis e às decisões das

autoridades competentes, ficando clara, assim, a supremacia da convenção

coletiva sobre o contrato individual”.

A Constituição Federal de 1988, art. 7º, VI, assegura a irredutibilidade

de salário, salvo o disposto em acordo ou convenção coletiva, com o que

deu tratamento especial ao conteúdo salarial dos acordos e convenções

coletivas, para dar validade à prevalência do instrumento coletivo redutor ou

in pejus.

Quanto à eficácia das convenções coletivas no espaço, a questão é

resolvida pela regra da base territorial dos sindicatos convenentes. O âmbito

geográfico de atuação das suas cláusulas é aquele em que o sindicato

profissional exerce a sua representação: a base territorial. Não quer isso

dizer que os limites de aplicação da convenção coincidam sempre com o

Município em que os sindicatos são sediados. A base territorial sindical é

muito diversificada. Há sindicatos com base municipal, mas, também, há

outros com base intermunicipal, estadual, interestadual ou, por exceção, até

mesmo nacional. Desse modo, correspondentemente, existem convenções

coletivas aplicadas num Município, todavia, há outras em mais de um

Município, incluindo, portanto, todas as empresas e todos os trabalhadores

dessas empresas, integrantes de um setor de atividade econômica. Contudo,

há, também, convenções coletivas com aplicação estadual, interestadual e,

até mesmo, nacional, tudo na razão direta da base territorial dos sindicatos

convenentes.
481

Interfere, também, na aplicação, outro aspecto. É preciso observar

que, sendo a convenção coletiva um acordo bilateral, entre o sindicato dos

trabalhadores e o de empregadores, cada sindicato terá a sua base territorial,

que poderá não ser totalmente coincidente. É possível que o sindicato

dos trabalhadores tenha, por exemplo, base estadual, e o sindicato dos

empregadores com quem negociou, base municipal. Nesse caso, a aplicação

da convenção coletiva será no Município. Quando a base territorial do

sindicato patronal é menor do que a do sindicato dos trabalhadores, a esfera

geográfica de aplicação da convenção coletiva não pode ultrapassar o limite

da representação do sindicato patronal. Se o sindicato dos trabalhadores

quiser que a convenção tenha efeitos mais amplos, terá de negociar,

conjuntamente, com o ou os demais sindicatos patronais que atuam nas

outras bases territoriais.

Pode, em tese, ocorrer também o inverso: a base territorial do sindicato

dos trabalhadores é menos ampla e a do sindicato dos empregadores, mais

ampla, caso em que a mesma limitação verificar-se-á.

A convenção coletiva não será aplicada territorialmente além dos limites

da base do sindicato de trabalhadores.

A regra que resolve os problemas de aplicação da convenção coletiva,

nesses casos de não coincidência das bases territoriais dos sindicatos

convenentes, é a da limitação àquela de menor amplitude de qualquer dos

dois sindicatos.

Há empresas que, pelo seu porte, têm estabelecimentos situados


em diversas bases territoriais. Nesse caso, em cada base será aplicada

a convenção coletiva do respectivo sindicato. Essas diversas convenções

podem ser semelhantes ou diferentes, de modo que, de acordo com cada

convenção coletiva, os direitos dos trabalhadores da empresa não coincidirão

na medida em que diversos vierem a ser os sindicatos e as bases. É claro

que, se os estabelecimentos situarem-se numa só e mesma base territorial,

uma só convenção coletiva será aplicada em toda a empresa.

A extensão ou a redução da base territorial pode interferir na aplicação

da convenção coletiva. Quando a base é ampliada, a convenção coletiva

alargará também o seu raio de eficácia, porque acompanhará a ampliação

dela. Se a base é reduzida, efeito inverso ocorrerá. A convenção terá a sua

esfera de incidência consequentemente diminuída. Os espaços que antes

ocupava passam a ser cobertos pelas convenções dos sindicatos que daí por

diante neles exercerem a sua representação nos espaços da base reduzida.

A mudança da empresa, para localidade não mais compreendida na

base territorial do sindicato patronal, traz, também, implicações no problema

da aplicação das convenções coletivas. Opera-se, no caso, a modificação da

482

base, com o efeito peculiar que é a alteração da convenção coletiva aplicável.

A empresa sujeita-se à norma coletiva que vigora na localidade para onde se

transferiu. É o que ocorre por ocasião do seu fechamento numa localidade

para abertura em outra, com a transferência de empregados. O fato de a

empresa não ter participado da negociação de que resultou a convenção

que terá de aplicar em nada a favorece. Há jurisprudência dispondo que a


empresa não estará desobrigada do cumprimento da nova convenção nestes

termos: “Empresa que, embora sediada em outro local, passa a desenvolver

sua atividade econômica em base territorial onde vigore Convenção Coletiva

intersindical, deve observar as condições de trabalho e salariais vigentes no

local da prestação de serviços, sob pena de criar inadmissível disparidade

no tratamento, principalmente remuneratório, entre trabalhadores de mesma

categoria. O fato de a empresa não ter participado da negociação coletiva

não a desobriga do cumprimento da Convenção, pois esta tem natureza

ampla e a representação é prerrogativa da entidade sindical, por força de lei,

sem necessidade de qualquer delegação”. (Ac. TRT, 9ª Reg., 2ª Turma, RO

n. 893/86, Rel. Juiz Euclides Rocha, DJ, 10.set.1986.)

Essa regra tem fundamento lógico.Todavia, discute-se qual é o momento

inicial da aplicação da nova convenção coletiva, se o início da atividade da

empresa na base territorial ou se o início da convenção coletiva subsequente,

mantendo, aos empregados transferidos, as cláusulas da norma vigente até

o termo final da sua duração. A CLT não tem uma regra específica para a

solução do problema que fica, assim, entregue à interpretação de cada caso

concreto.

Quando as disposições previstas na convenção coletiva em vigor na

base territorial originária são mais benéficas ao trabalhador e as que são

praticadas na base territorial nova são menos favoráveis, surgirá o problema

da redução das vantagens dos empregados. Trata-se de problema que leva

à discussão sobre a incorporação das cláusulas dos instrumentos coletivos

nos contratos individuais de trabalho, já examinada.


Há decisão judicial sobre a questão: empregado que muda o local de

trabalho e reclamação de direitos previstos na convenção coletiva que não

vigora na nova localidade: “Pedido formulado com base em cláusula de

convenção coletiva não pode ser atendido se, mudando o local de trabalho,

o empregado deixou de ser alcançado pela referida convenção. Vantagem

dessa espécie restringe-se aos empregados que trabalham no limite da

representação do sindicato convenente”. (TRT, 9ª Reg., 2ª Turma, RO n.

11.045/86, Rel. Juiz Leonardo Abagge, DJ, 2 de abril de 1986.) Se é correto

que os direitos do empregado são os resultantes da convenção coletiva

vigente na localidade da prestação de serviços, é também necessário não

violar o princípio do direito adquirido, questão que está intimamente ligada

483

à já citada divergência sobre incorporação das cláusulas das convenções

coletivas nos contratos individuais de trabalho.

A convenção coletiva aplicável numa empresa é a do local da prestação

de serviços dos empregados, ficando assim resolvida a questão quanto à

base territorial. Todavia, não apenas esse aspecto deve ser considerado. No

local da prestação de serviços, além do sindicato representante da categoria

profissional da atividade preponderante na empresa, poderão atuar, também,

outros sindicatos, de categorias profissionais diferenciadas, caso em que, na

mesma empresa, mais de uma convenção coletiva terá de ser cumprida. Os

empregados da empresa, qualquer que seja a profissão, enquadram-se no

sindicato que representa a atividade preponderante exercida pela empresa.

Se, porém, uma profissão estiver organizada em sindicato formando uma


categoria diferenciada, como cabe ao respectivo sindicado representá-la e

negociar com as empresas da área territorial, a convenção coletiva aplicável

aos profissionais em questão será a específica e não a genérica ou principal.

O Tribunal Superior do Trabalho (Orientação Jurisprudencial SDI n. 55) de-

cidiu: “Empregado integrante de categoria profissional diferenciada não tem

o direito de haver do seu empregador vantagens previstas em instrumento

coletivo do qual a empresa não foi representada por órgão de classe de sua

categoria”.

Repita-se que as cláusulas da convenção coletiva de trabalho são

aplicáveis no âmbito das categorias convenentes, a profissional e a

econômica, incidindo sobre todos os seus membros, sócios ou não dos

sindicatos estipulantes, decorrência do efeito normativo atribuído pela lei

às convenções coletivas (CLT, art. 611). Assim, os trabalhadores, mesmo

não filiados ao sindicato da categoria, serão beneficiados, e as empresas,

igualmente, obrigadas ao cumprimento do convencionado. Em outras

palavras, o efeito das cláusulas é erga omnes, geral, abrangente, não restrito

aos sócios dos sindicatos.

13. PROCEDIMENTOS DE DEPÓSITO, REGISTRO E ARQUIVO

Normas internas do Ministério do Trabalho e Emprego disciplinam os

procedimentos de depósito, registro e arquivo dos acordos e convenções

coletivas de trabalho, inclusive definindo conceitos nos seguintes termos: a)

instrumento coletivo é a convenção ou acordo coletivo e seus respectivos

termos aditivos; b) depósito é o ato de entrega do requerimento transmitido

via internet por meio do sistema MEDIADOR, no protocolo dos órgãos


do Ministério, para fins de registro; c) registro é o ato administrativo de

assentamento da norma depositada; d) arquivo é o ato de organização e

guarda dos documentos registrados para fins de consulta; e) solicitante é a

484

entidade sindical ou a empresa a quem foi atribuída a responsabilidade de

elaborar e transmitir, via internet, o instrumento coletivo para o Ministério;

f) signatárias são todas as entidades sindicais e empresas participantes do

instrumento coletivo.

O Ministério não pode rejeitar o depósito dos acordos e convenções

coletivas porque, na sua própria definição, depósito é mera entrega de

documentos. A avaliação dos instrumentos não pode ir além de aspectos

de nulidade formal, mas não de conteúdo. Assim, ainda que uma cláusula

do instrumento coletivo dispuser em sentido contrário à lei, o depósito

terá de ser efetuado porque somente o Poder Judiciário poderá declarar a

validade ou não da cláusula. E há decisões judiciais que validam cláusulas

mesmo contrárias à lei desde que justificadas. Ex.: validade da pactuação de

participação nos lucros e resultados com pagamento mensal. Outro exemplo:

validade da jornada de 12 por 36 horas estipulada em convenção coletiva.

485

SEXTA PARTE

DIREITO DE GREVE

CAPÍTULO 42

A CONCEPÇÃO DEMOCRÁTICA

1. A GREVE NO DIREITO DO TRABALHO


PÓS-CORPORATIVISTA

Uma ideia sobre as diretrizes para as quais o direito de greve encaminhou-

-se nos ordenamentos jurídicos pós-corporativistas pode ser mostrada pela

Itália.

Depois de terminado o período das ditaduras fascistas, e na medida em

que os governos totalitários de esquerda cedem lugar para regimes políticos

democráticos, a greve passou a ser considerada um direito assegurado

pelas leis e proclamado em diversas declarações internacionais de direitos

fundamentais, dentre estas o Pacto Internacional da ONU sobre direitos

econômicos, sociais e culturais e pela Carta Social do Conselho da Europa

(1961), nos quais é reconhecido o direito de ação coletiva para trabalhadores

e empregadores.

As Constituições pós-corporativistas garantem o direito de greve. A

Constituição da Itália (1947) declara: “o direito de greve exerce-se no âmbito

das leis que o regulam” (art. 40). A da Espanha (1978) dispõe: “reconhecido

o direito dos trabalhadores à greve para a defesa dos seus interesses. A

lei que regular o exercício deste direito estabelecerá garantias destinadas

a assegurar a manutenção dos serviços essenciais à comunidade”. (art. 28,

n. 2.). A de Portugal prescreve: “garantido o direito à greve. Compete aos

trabalhadores definir o âmbito de interesses a defender através da greve,

não podendo a lei limitar esse âmbito” (art. 59).

Igual diretriz é seguida em Constituições de países latino-americanos. A

Constituição da Argentina dispõe: “fica garantido aos grêmios... o direito de gre-

ve” (art. 14 bis). A Constituição do México também assegura o direito de greve


para “conseguir o equilíbrio entre os diversos fatores da produção, harmoni-

zando os direitos do trabalho com os do capital” (art. 123). A do Uruguai (1934)

dispõe: “declara-se que a greve é um direito gremial. Sobre essa base se regu-

lamentará seu exercício e efetividade” (art. 57).

É sabido que a Itália passou a desenvolver esforços, a partir de 1948,

no sentido de dotar o seu sistema de relações de trabalho de características

democráticas, anticorporativistas, de autonomia privada coletiva, criando

um direito sindical fundado na liberdade de organização das formas

de representação dos trabalhadores (OIT, Convenção n. 87), na livre

489

administração dessas organizações pelos próprios interessados, na

intensificação das negociações coletivas articuladas em vários níveis e

no princípio da autotutela sindical, segundo o qual a solução dos conflitos

coletivos entre o capital e o trabalho deve competir, diretamente, aos próprios

interlocutores sociais, com o maior grau possível de independência perante

o Estado.

Para a consecução desses objetivos, cuidou-se de saber qual seria a

melhor forma para que essas diretrizes se refletissem sobre o sistema jurídico,

e a ideia acolhida teve como pressuposto a desvinculação das relações

coletivas dos esquemas legais, o quanto se fizesse viável, valorizado o

entendimento de que a lei limita; consequentemente, a liberdade deve ser

encontrada fora dos seus quadros e deve florescer do exercício concreto das

relações sociais.

A ação sindical tornou-se dinâmica e não reprimida e a sua mais


relevante manifestação passou a ser encontrada no exercício do sciopero,

consistente na abstenção do trabalho por certo número de empregados, para

a tutela de um interesse comum.

A greve, que era proibida no direito peninsular autoritário, passa a ser

permitida, no Estado liberal, não mais como delito, mas como liberdade,

mais que isso, como direito protegido pelo Estado. A fórmula adotada foi o

reconhecimento do direito de greve em plano constitucional, sem limitações,

com remissão, da regulamentação do exercício do referido direito, para a

legislação ordinária.

Em consequência, a Constituição de 27 de dezembro de 1947, no art.

40, dispõe:

“O direito de greve exerce-se no âmbito das leis que o regulam.”

Tudo indica que a omissão às outras referências foi proposital, como

parte de um programa destinado a permitir a maior flexibilidade possível do

exercício do direito de greve, com o cuidado de deferir poderes, ao legislador

ordinário, para, pela lei, estabelecer os marcos básicos julgados oportunos

segundo a nova concepção política.

Como afirma Carlo Smuraglia(1), a greve é considerada, em função

eminentemente instrumental, como um dos meios mais importantes para

a realização da igualdade substancial, e não meramente formal, entre os

cidadãos, máxima aspiração social-econômica da Constituição italiana. O

Estado não intervém, diretamente, mas cria garantias para que os traba-

lhadores atuem na procura de melhoria da sua condição social, segundo

(1) La costituzione e il sistema del diritto del lavoro. Milano: Feltrinellii, 1958. p. 207.
490

o convencimento de que, “através do exercício da ação sindical direta, os

trabalhadores poderão adquirir uma ulterior consciência da própria possibili-

dade e mais facilmente conquistar os direitos de participação na organização

política, econômica e social do país, considerada pela Constituição como a

meta principal a atingir”.

Apesar do comando constitucional, não foi elaborada a lei ordinária que

deveria reger o âmbito de exercício do direito, com o que, como explica Gino

Giugni(2), a falta de uma legislação regulamentadora fez que o exercício do

direito de greve se tornasse objeto de decisões dos tribunais, criando-se uma

jurisprudência limitadora do texto constitucional.

Essas mesmas questões foram debatidas na doutrina, altamente

esclarecedora e da maior influência na solução dos casos concretos.

Ao mesmo tempo, os próprios interessados pelas negociações coletivas

intensificaram o número e a matéria das cláusulas obrigacionais de natureza

procedimental, detalhando os principais itens a serem seguidos para fins de

declaração e comunicação da greve, bem como suas limitações em algumas

hipóteses, portanto, uma autolimitação não heterônoma, não imposta pelo

Estado, mas alcançada pela compreensão das partes do contrato coletivo

de trabalho ou, ainda, prevista nos regulamentos dos sindicatos. A título

exemplificativo dessa autorregulamentação da greve, basta citar as normas

sobre exercício do direito de greve fixadas pelo sindicato unitário do setor

telefônico, nas quais é assumido o compromisso de não paralisar o pessoal

estritamente necessário ao funcionamento de centrais telefônicas, a fim de


possibilitar o seu funcionamento por turnos(3).

Está clara a extralegalização do direito de greve italiano, como ficou

demonstrado até aqui, de modo a não restar dúvidas sobre o modelo jurídico

que se formou, apesar da previsão constitucional de uma legislação.

Ficou evidente, também, o aumento consequente da importância das

decisões judiciais nos conflitos coletivos em que se discutia matéria constitu-

cional, cabendo à Corte de Cassação e ao Tribunal Constitucional decidir os

dissídios para julgar a licitude ou ilicitude das greves e a inaplicabilidade ou

a aplicabilidade de sanções penais.

Foi vantajosa a adoção dessa diretriz?

A impressão que fica é a de um relativo recuo dessa posição inicial,

por motivos facilmente compreensíveis e não ocultados por alguns juristas

peninsulares, dentre os quais Ignazio Scotto(4), cujas afirmações são

(2) Diritto sindacale. 5. ed. Bari: Cacucci, 1980. p. 200.

(3) Ibidem, p. 295.

(4) Manualle di diritto del lavoro. Roma: Italedi, 1974. p. 163.

491

formuladas com a maior clareza: “A falta de promulgação da lei sindical

depois de decorridos mais de 25 anos de carência legislativa (1948-1974)

— e hoje estamos em 1986 —, em tal campo é, obviamente, a causa de

gravíssimos inconvenientes que hoje são lamentados”. É que, não definido

pela lei, o exercício da greve nem por isso deixou de apresentar problemas

que geraram controvérsias, dentre os quais a titularidade da proclamação,

a comunicação ao empregador para evitar a greve-surpresa, a greve e


outros atos de autotutela, surgindo doutrina e jurisprudência de caráter

limitativo do boicote, da sabotagem, da violência, a greve de zelo, a greve de

solidariedade, a greve política, a greve em atividades essenciais e no setor

público etc. Ficou evidenciada a necessidade de um posicionamento jurídico

prévio sobre esses ângulos do problema, como forma de evitar a reprodução

de outros conflitos.

Assentou-se, como o fez Gino Giugni, que há limites ao exercício do

direito de greve, apesar da inexistência de lei, e que são, inicialmente, aqueles

resultantes dos outros princípios constitucionais, diante da necessidade de

compatibilizar os interesses garantidos pelo direito de greve com outros

interesses garantidos pela própria Carta Magna; limites que o referido autor

denomina externos, para distingui-los de outros, a que dá o nome de internos,

decorrentes da própria noção de greve.

Chegou-se a algumas conclusões da jurisprudência, com respaldo da

doutrina, levadas em conta naturais divergências, como passo a expor.

A greve é admitida no setor público, salvo para militares e policiais;

quanto a estes, há pronunciamentos distinguindo polícia civil de polícia militar.

À falta de lei, não pode haver limitação à greve nos serviços e atividades

essenciais, embora conveniente a autorregulamentação do seu exercício

pelos próprios sindicatos e empregadores.

A greve de solidariedade não tem sido enquadrada no âmbito da viola-

ção de natureza penal. Há autores que rejeitam a sua licitude (Santoro-Pas-

sarelli, Ardan, Mengoni, Sanseverino, Battaglini, Amaduzzi etc.), outros não a

condenam (Giugni etc.), e a Corte Constitucional admitiu a sua legitimidade


desde que presente indubitável comunicação de interesses entre as catego-

rias, a que reivindica e a que lhe dá, com a greve, apoio.

A greve política divide os doutrinadores, inclinando-se para a sua

ilicitude uma corrente de tratadistas (Santoro-Passarelli, Battaglini, Ardan,

Scotto, Sermonti, Rabaglietti, Mazziotti etc.), enquanto outra é favorável à sua

admissibilidade (Natoli, Smuraglia, Giugni etc.). A Corte Constitucional, em

1974, declarou inaplicáveis dispositivos da legislação penal que incriminam

greves não contratuais, portanto, aquelas que, como a greve política, não

visavam a fins econômico-trabalhistas. Sustentou esse tribunal que a greve

492

constituía, sempre, uma manifestação de liberdade constitucionalmente

reconhecida e, como tal, não suscetível de constrangimentos jurídicos, salvo

em se tratando de casos de subversão do ordenamento constitucional. A

jurisprudência predominante, porém, considera ilícita a greve política (v. Rep.

giur. it., Foro it., Mass. giur. lav. etc.).

Entende Scotto(5) que “a greve política deve ser considerada ilegítima

porque a greve, repita-se, tem sempre um caráter econômico ou, melhor

dizendo, contratual enquanto tende à melhoria das condições de trabalho da

categoria”. Acrescenta que uma greve contra a inflação ou as diretrizes da

política interna ou externa, fatos completamente estranhos à disponibilidade

do empregador, está fora do fenômeno, inclusive sob o prisma sociológico.

Sermonti(6) sustenta, na mesma linha, que a desautorização da greve

política resulta do art. 40 da Constituição, que colocou o instituto da greve no

capítulo relativo à ordem econômica, enquanto Gino Giugni(7) entende que, à


falta de limitação constitucional, o seu exercício é pleno.

Essas são as características gerais da ordem jurídica peninsular quanto

ao direito de greve, sua proteção constitucional e a disciplina doutrinária,

jurisprudencial e autorregulamentada do seu exercício.

O Senado da República italiana acabou por aprovar, em 14 de julho de

1988, lei dispondo sobre “normas destinadas a garantir o funcionamento dos

serviços públicos essenciais no âmbito da tutela do direito de greve”. O texto

legal, na primeira parte, estabelece diretrizes e, na segunda parte, trata das

comissões para relações sindicais nos serviços públicos.

A lei italiana considera serviços públicos essenciais (art. 1º), indepen-

dentemente da natureza jurídica da relação de trabalho, aqueles que se

referem à proteção “da vida, da saúde, da liberdade e da segurança das

pessoas, da liberdade de circulação, da assistência social, da instituição e da

liberdade de comunicação”.

Em especial, são relacionados (art. 1.2) os serviços que se referem a:

“a) higiene e saúde; b) transportes públicos, ainda que em concessão, e a

disciplina do tráfego; c) a produção e a distribuição de energias, recursos

naturais e bens de primeira necessidade, além da gestão e manutenção

das respectivas unidades; d) a proteção civil; e) a administração da justiça;

f) o correio, as telecomunicações e a informação radiotelevisiva pública; g)

a instrução, com especial referência a escrutínios e exames das escolas

(5) Op. cit. , p. 167.

(6) Il diritto di sciopero e i suoi limite. Foro Pad., 1948. IV, col. 145.

(7) Associazioni sindacale e contratti colletivi. Roma, 1950, v. 1. p. 51.


493

públicas e legalmente reconhecidas de qualquer ordem de instrução, além dos

exames conclusos dos ciclos de instrução universitária; h) a distribuição de

cheques e de indenizações com fins de sustento; i) as operações de aduana

e de controle de mercadorias perecíveis; j) Ia reccolta e lo smaltimento dei

rifini urbani e di quelli speciali”.

O direito de greve é exercido segundo um procedimento que prevê

aviso-prévio de cinco dias, com a indicação da duração da greve, além

das medidas destinadas a permitir níveis indispensáveis de funcionamento

do serviço, e que são garantidas por meio da continuidade do trabalho do

pessoal necessário para esse fim.

O público usuário dos serviços deve ser informado, pelos meios

adequados, com pelo menos dois dias de antecedência, dos meios e do

tempo de distribuição dos serviços mínimos que serão mantidos no curso da

greve e sobre o restabelecimento deles. Dos atos de concessão de serviços

públicos deve constar a indicação das medidas idôneas a serem observadas

pelas instituições, tendo em vista a garantia do funcionamento dos serviços

mínimos indispensáveis ou alternativos.

Há penalidades aplicáveis aos trabalhadores e aos sindicatos.

Os trabalhadores que entrarem em greve sem a observância do aviso-

-prévio, ou que não prestarem os serviços necessários para assegurar os

níveis indispensáveis de funcionamento do serviço essencial, ficam sujeitos

a sanções disciplinares proporcionais à gravidade da infração; mas essas

penalidades não compreendem a dispensa ou a transferência definitiva deles


(art. 4º).

Os sindicatos, no caso de greve ilegal, sujeitam-se a sofrer suspensão,

por período não inferior a um mês, de algumas vantagens patrimoniais (Lei

n. 300/70, arts. 23 e 26), revertendo para o fundo do seguro-desemprego as

contribuições sindicais.

Os prepostos e dirigentes das entidades ou empresas que descumprirem

a lei são, igualmente, passíveis de sanções administrativas, como a

suspensão do cargo por período não inferior a quinze dias e não superior

a seis meses, cabendo a aplicação ao chefe da Administração Pública

competente, mediante decreto.

Oportunamente, a empresa deve dar publicidade ao número de

trabalhadores que participaram da greve, a duração desta e as medidas que

foram tomadas.

Nos casos de fundado perigo de prejuízo grave e inerente aos bens

protegidos pela lei como a vida, a saúde, a liberdade e os demais relacionados

494

pela lei, o prefeito ou o presidente do Conselho de Ministros, este em se

tratando de conflito nacional, convidará as partes a que desistam das

atitudes que determinem essa situação. Mantendo-se a situação, é expedida

uma ordem destinada à imposição das medidas idôneas para assegurar os

níveis indispensáveis de financiamento dos serviços. Os trabalhadores que

descumprirem a ordem são passíveis de multa diária de, no mínimo, 50.000

e, no máximo, 300.000 liras, revertidas para o seguro-desemprego. Se o

descumprimento for dos dirigentes, a penalidade prevista é a suspensão do


cargo, de trinta dias a um ano. A ordem pode ser discutida em Juízo.

A lei prevê a criação de uma Comissão, com o objetivo de avaliação e

estudo dos conflitos, e que pode apresentar propostas de solução extrajudicial

da controvérsia. A Comissão é independente do governo. É integrada por

especialistas em Direito do Trabalho, como professores, juristas, advogados

e outros profissionais designados pelo governo. A Comissão se reúne

para avaliar a greve nos serviços públicos, emite um parecer levado ao

conhecimento da opinião pública pelos jornais. O parecer pode recomendar

o fim da greve e propor a solução que considerar adequada para a solução

dos conflitos. Se as propostas forem aceitas, o conflito terminará por

autocomposição das partes. Quando as propostas não forem aceitas e a

greve prosseguir, a Procuradoria da República pode convocar os grevistas

e tomar medidas judiciais para a aplicação das penalidades previstas na lei.

Outra experiência que deve ser vista é a da Espanha. Com a

remodelação do ordenamento jurídico espanhol pela Constituição de 1978,

o Estatuto dos Trabalhadores, o Decreto-lei n. 17, de 1977 e outras normas

legais, a concepção de greve adquiriu um sentido menos corporativista e

mais democrático.

O caminho seguido foi o de, em plano constitucional, garantir o direito

de greve e fixar condições para a sua efetivação nos serviços essenciais.

De outro lado, foi mantida uma lei pré-constitucional (Decreto-lei n. 17/77),

apesar de limitar o exercício do direito de greve.

A Constituição de 29 de dezembro de 1978, que se propõe a defender,

como valores superiores do seu ordenamento jurídico, a liberdade, a justiça,


a igualdade e o pluralismo político, declara (art. 28, n. 2):

“É reconhecido o direito dos trabalhadores à greve para a defesa dos seus interesses. A

lei que regular o exercício desse direito estabelecerá garantias destinadas a assegurar

a manutenção dos serviços essenciais da comunidade.”

Discutiu-se a extensão do conceito de interesses, cuja defesa a

Constituição permite pela greve, entendendo-os, alguns, no sentido amplo

e indeterminado, de modo a compreender todo tipo de interesse dos

trabalhadores: interesses profissionais, trabalhistas, culturais, econômicos,

495

políticos, em geral todo aquele do homem que vive em sociedade de economia

de mercado, o que leva a um modelo no qual a greve é exercitável erga omnes

perante todas as instâncias de poder que afetem os trabalhadores. Outros,

ao contrário, concebendo a greve como uma técnica trabalhista, interpretam

a expressão interesse no sentido profissional-contratual, não político, restrito

à esfera das relações trabalhistas perante o empregador e não outras fontes

de decisões que se refletem sobre o empregado, concepção que exclui as

formas de ação de natureza política ou de solidariedade.

Com a aplicação do Decreto-lei n. 17/77, adaptados alguns dispositivos

pela doutrina e jurisprudência, a área de licitude da greve enquadra-se nos

limites da referida legislação, cujo art. 11 dispõe:

“A greve é ilegal:

a) quando se inicie ou sustente por motivos políticos ou outro fim alheio ao interesse

profissional dos trabalhadores afetados;

b) quando seja de solidariedade ou apoio, salvo quando afetar diretamente o interesse


profissional daqueles que a promovam ou mantenham;

c) quando tenha por objeto alterar, no seu período de vigência, o pactuado em um

Convênio Coletivo ou o estabelecido por um laudo;

d) quando contravier o disposto no presente real Decreto-lei, ou o expressamente

pactuado em Convênio Coletivo para a solução de conflitos.”

Há decisão do Tribunal Constitucional, de 8 de abril de 1981 (Bo.,

25.4.1981), com longa fundamentação analisando os aspectos dessa norma

em confronto com a Constituição, sem alterá-la nos pontos substanciais.

A greve de funcionários públicos não é proibida nem autorizada pela

Constituição, com o que surgiram divergências de interpretação. Na prática, há

greves de funcionários públicos. O art. 11 da Lei veda greves de fins alheios aos

profissionais, com o que proíbe, também, as greves de funcionários públicos.

O governo pode decidir sobre a manutenção dos serviços essenciais

ordenada pela Constituição.

É o que ocorreu no caso dos transportes ferroviários (Real Decreto

n. 266/80), do pessoal do metrô (Real Decreto n. 495/80), do pessoal da

televisão espanhola, dos transportes aéreos, dos transportes urbanos etc.

O Tribunal Constitucional, no mesmo pronunciamento acima indicado,

decidiu que não é inconstitucional a lei ordinária que atribui à autoridade do

governo o poder de ordenar medidas essenciais à comunidade por meio da

jurisdição do trabalho.

A declaração de greve compete aos trabalhadores ou seus representantes,

em reunião de que participam, no mínimo, 75% dos interessados e com

aprovação de, no mínimo, 25% dos trabalhadores.


496

O aviso-prévio é de cinco dias, ampliando-se para dez dias nos casos

de serviços públicos, para conhecimento também dos usuários. O referido

tribunal já decidiu que a greve-surpresa, sem aviso-prévio, pode caracterizar-

-se como abusiva.

A mesma lei ordinária que disciplina a greve dispõe (art. 17) sobre

dissídio coletivo perante a autoridade administrativa, prevê a possibilidade

de arbitragem e a remessa à Magistratura do Trabalho se as partes não

chegarem a acordo nem designarem árbitros (art. 25). Declara também que,

“quando os trabalhadores utilizarem o procedimento do dissídio coletivo, não

poderão exercer o direito de greve” (art. 17, 2).

Em aprofundado estudo, o jurista espanhol Martín Valverde(8) sustenta

uma dimensão ampla de greve.

Defende um conceito “polivalente”, um direito “exercitável” erga omnes,

diante de todas as instâncias de poder cujas decisões afetam os interesses

dos trabalhadores. As consequências normativas dessa colocação não são

difíceis de extrair. Em primeiro lugar, a greve, que tem como finalidade a

pressão ou protesto diante de decisões do Poder Público, não é, em princí-

pio, ilícita, salvo se, por seu objeto e por suas modalidades, lesiona outros

interesses ou valores vitais para o funcionamento de uma sociedade demo-

crática. A segunda consequência normativa da virtualidade erga omnes da

greve refere-se à polêmica questão dos conflitos de solidariedade ou simpa-

tia com trabalhadores de outras unidades produtivas ou setores de atividade,

dentro ou fora do mesmo país (hipótese esta cada vez mais significativa, le-
vando-se em conta a intensificação das relações econômicas internacionais

e a proliferação de empresas com centros de trabalho em diversos países). É

claro que o modelo “polivalente” do direito de greve legitima a sua utilização

em conflitos com essa finalidade.

Por último, em ordem à determinação dos interesses protegidos, a con-

cepção do direito de greve como direito exercitável erga omnes amplia-lhes

o âmbito a todos os interesses econômicos e sociais da classe trabalhadora,

e não só, como ocorre no “modelo laboral”, os interesses dos trabalhadores

enquanto categoria profissional, ou, como ocorre no “modelo contratual”, os

interesses dos trabalhadores enquanto sujeitos e destinatários da negocia-

ção coletiva.

Apesar dessa conceituação larguíssima, Martín Valverde admite três

tipos de limites ao exercício do direito: “O primeiro refere-se à greve em

determinados serviços ou funções públicas que ponham em perigo, em

concreto e de maneira direta, a saúde ou a segurança pessoal dos cidadãos.

(8) La huelga in Europa. IEL, 1975.

497

O segundo é o da greve perante os órgãos políticos de vontade popular

— os parlamentos — que, por suas dimensões e por suas características,

apresentem um inequívoco caráter coativo. Neste segundo caso, é preciso ter

presente a distinção entre pressão e coação; a primeira, é perfeitamente lícita

e, inclusive, normalmente benéfica para a autenticidade da vontade popular,

como contrapeso às pressões mais sinuosas do poder econômico privado;

a segunda, ao contrário, é ilícita, por ser incompatível com a livre expressão


dos órgãos parlamentares. Esta forma de ilicitude não pode ser apreciada

nunca nas greves de protesto, limitadas, por natureza, no tempo; e não pode

ser apreciada tampouco nas greves de protesto ou luta que pretendam influir

no exercício de poderes discricionários das autoridades administrativas. O

terceiro tipo de hipótese de exercício ilícito do direito de greve é o das greves

de luta diante de atos regulamentados pelo Poder Público em cumprimento

às leis elaboradas democraticamente”.

Outro jurista, Sagardoy Bengoechea(9), afirma que, em seu país, a

greve-delito transformou-se em greve-liberdade e, a partir de 1975, tornou-

-se greve-direito, com as normas jurídicas que a formalizaram, inclusive na

Constituição, como direito fundamental e liberdade pública, ao lado de outros

direitos básicos de uma economia de mercado, dentre os quais “o direito dos

trabalhadores e empresários de adotar medidas de conflito”.

Entende que, em matéria de greve, a legislação deve ser mínima, não

pode ser excessivamente formal ou regulamentadora. Nesse tema o direito

tem mostrado a sua ineficácia, o que não pode levar ao menosprezo da

legislação. Ao menos algumas coordenadas constitucionais mostram-se

necessárias. Admitir a força dos fatos seria dissolvente.

Não concorda com o modelo “polivalente”, anteriormente descrito,

afirmando:

“Tal concepção, válida em um Estado democrático e social, tem

seus limites na — a meu juízo — própria essência da democracia:

a soberania popular.”

Defende uma concepção de direito limitado, como acontece, inclusive,


com o direito à vida, mas admite que o trabalhador não se limite na defesa

dos seus interesses, ao puro marco contratual, entendendo que ele pode

defender, também, os interesses de classes transcendentes do plano

individual, penetrando na esfera do interesse coletivo.

Com efeito, afirma que “interpretar a Constituição no sentido de que

ampara a greve puramente política é distorcer o sentido da disposição

(9) Las relaciones laborales en la Constitución. In: El derecho del trabajo en España. IES,

1981, t. 1, p. 93.

498

constitucional, e, mesmo assim, restringir-se em uma interpretação estrita

e estanque dos interesses dos trabalhadores reduzindo-os aos meramente

profissionais — jornada, salário e outras condições de trabalho — parece-me

um excesso de literalismo. Ainda que sabendo como é difícil a clarificação

dos objetivos de uma greve, creio que se pode pensar na constitucionalidade

das greves cujo objetivo principal seja a defesa dos interesses econômicos

e profissionais e, ainda, quando acessoriamente entrelacem interesses e

objetivos metaprofissionais”.

Outra observação do mesmo autor é a de na Espanha surgir “uma

concepção, vamos dizer emocional, da sociedade espanhola laboral, que

teve, nos últimos anos, um amparo legislativo — muito formalista e inclusive

triunfalista — quanto ao direito do trabalho, e um desamparo, quando não

perseguição, quanto ao direito de greve. Tal emotividade creio que inclinou a

balança a favor de um realce máximo do direito de greve que, ainda quando

seja substancial às sociedades industriais democráticas, não deveria ter


supremacia sobre o direito ao trabalho”.

Outra opinião sobre o sistema espanhol, a do jurista Ramirez Martinez(10),

ao ressaltar que não teria sentido a valorização constitucional da greve e, por

outro lado, a sua limitação até reduzi-la à mínima expressão, a ponto de se

tornar inoperante, como se fosse um fenômeno negativo.

Acha plenamente justificado o direito de greve diante da situação de

inferioridade em que se acham os trabalhadores, caracterizado como um

meio e não um fim, um direito instrumental de luta visando a remover ou

diminuir desigualdades.

O reconhecimento desse direito supõe a admissão, pelo Estado, da sua

incapacidade para empreender, por si, a tarefa da transformação social e

da consecução de uma democracia real e não só formal, conferindo aos

trabalhadores um meio de autotutela numa estrutura política pluralista.

Afirma que a Constituição da Espanha, ao reconhecer o “direito de greve

dos trabalhadores para a defesa dos seus interesses”, não constitui uma

norma programática, mas uma norma preceptiva imediatamente aplicável,

ainda que fazendo alusão a uma futura regulamentação, pela lei ordinária,

respeitadora do conteúdo essencial do direito.

Esse conteúdo essencial não é só a não produção de sanções quando

o trabalhador participar de uma greve legal. De outro lado, entende que o

direito de greve não é absoluto, porque nenhum direito o é, e que o comando

(10) Huelga y cierre patronal en la Constitución española. In: El derecho del trabajo en España, op.
cit. , p. 583.

499

da Constituição, para a manutenção dos serviços essenciais, é razoável,


uma vez que os interesses dos cidadãos são superiores relativamente aos

interesses dos trabalhadores. Desse modo, a lei ordinária deve fixar limites

ao exercício do direito, como a obrigação de aviso-prévio, proibição de greves

selvagens, assim consideradas as sem controle do sindicato, a proibição de

greves anômalas, que são atípicas, não enquadráveis no conceito de greve

etc. Acha viável a proibição absoluta em alguns setores públicos, como

polícia, serviço militar, magistratura etc.

Ressalta também que, quando a Constituição declara a greve um direito,

é inconstitucional qualquer lei penal sobre a matéria, porque não teria sentido

a penalização de um ato que tem a tutela constitucional.

A concepção de greve política, que sustenta, é ampla, por entender

que, “se se admite o projeto de um Estado verdadeiramente pluralista, no

sentido da admissão de todos os interesses sociais na determinação dos

assuntos públicos, a greve política não aparece, então, como uma disfuncio-

nalidade do sistema político”. Acrescenta que, “se a greve é um meio para

reequilibrar as estruturas ou relações de poder, se é um meio para superar

obstáculos que impeçam uma igual capacidade de participação na esfera

do econômico-social, em sentido estrito, não há razão para que não sirva,

igualmente, como instrumento reequilibrador, enquanto meio de pressão, na

esfera do político. Nesse sentido, a qualificação da greve político-econômica

como válido exercício de um direito e da greve política pura como simples

liberdade, parece uma conclusão criticável, por não ser consequente com

as implicações das premissas de que se parte. Em todo caso, a solução do

tema da licitude da greve política adquire uma importância primordial, pois


dela dependerá o modelo do sistema constitucional de relações industriais

(ou, lato sensu, econômicas) que prevalece, em sistema da constituição for-

mal ou em sistema da constituição real”.

Conclui, dizendo que, no mundo atual, os objetivos do partido político

e do sindicato identificam-se em torno das grandes reformas sobre saúde,

habitação, previdência social, transportes, educação etc., de modo que a

diferença está não nos fins pretendidos, mas nos meios de ação de que se

utilizam; os partidos políticos usam, como meio de ação, a procura do apoio

eleitoral, e os sindicatos se utilizam da negociação coletiva e da greve, nada

coincidindo com os princípios da Constituição, dentre os quais o da autonomia

coletiva, uma interpretação restritiva da ação sindical reduzida a questões

econômico-profissionais e de modo apolítico, já que “a Constituição contém

uma visão superada da radical separação entre o político e o econômico”.

As modificações ocorridas em Portugal também são significativas. A

compatibilização da greve com o regime democrático foi tentada, inicialmente,

em 1974, com o Decreto-lei n. 392, que a reconheceu como um direito dos

500

trabalhadores, diversamente do que ocorria antes, por influência, em especial,

da Constituição de 1933, que a proibiu, e das normas subsequentes, todas

de limitação da greve.

A tentativa foi cautelosa e o referido Decreto-lei n. 392/74 reconheceu o

direito de greve para “defesa e promoção dos interesses coletivos profissionais

dos trabalhadores” (art. 2º), declarou ilícitas greves deflagradas por motivos

políticos ou religiosos ou, ainda, as de solidariedade (art. 6º), relacionou a


greve com a negociação coletiva, a conciliação ou a mediação, regulando,

detalhadamente, o seu exercício, absorvendo tendências de outros países

da Europa Ocidental, especialmente quanto às restrições à greve política.

Essas diretrizes foram modificadas, num sentido de maior flexibilização,

em consequência das alterações do sistema jurídico, decorrentes da

aprovação, em 2 de abril de 1976, pela Assembleia Constituinte, da nova

Constituição da República Portuguesa, com amplo destaque para os

direitos sociais, inclusive a greve, que, no art. 57, da Carta Magna, é assim

disciplinada:

“1. É garantido o direito à greve.

2. Compete aos trabalhadores definir o âmbito de interesses a defender através da

greve, não podendo a lei limitar esse âmbito.”

O item n. 1 foi aprovado pela Constituinte à unanimidade, e o item n. 2

teve dez votos contra(11).

Nota-se, claramente, que o propósito do constituinte foi retirar do plano

constitucional, na maior medida possível, aspectos constrangedores ao

exercício do direito, que foi, assim, apresentado, com tal dimensão que pode

levar a supor que a greve é direito absoluto.

Reconhece o jurista português Antonio de Lemos Monteiro Fernandes(12),

de renome conhecido no Brasil, que, “à luz deste preceito, ficou naturalmente

em causa a possibilidade de limitação do direito de greve, em função dos mo-

tivos. Mas, por outro lado, permaneceu aberto o espaço para que o legislador

ordinário limitasse o exercício do direito assim reconhecido, quer no plano das

formas que tal exercício pode assumir (isto é, dos tipos de comportamento
em que a própria greve se traduz: paralisação parcial, ocupação dos locais

de trabalho, braços caídos, alteração de cadência etc.), quer no das regras

processuais a observar no seu desencadeamento (competência exclusiva,

ou não, dos sindicatos e delegados sindicais; aviso-prévio, comunicações a

autoridades administrativas etc.)”.

(11) Cf. LOPES, Victor Silva. Constituição da República portuguesa anotada, 1976.

(12) Noções fundamentais de direito do trabalho. Coimbra: Almedina, 1983. v. 2, p. 283.

501

Com efeito, não obstante os larguíssimos horizontes descortinados

pela Constituição, foi expedida, em 26 de agosto de 1977, a Lei n. 65, que

disciplina o texto constitucional, e mantém o Decreto-lei n. 637, de 20 de

novembro de 1974, que dispõe sobre requisição civil. A Lei n. 30/92 aprovou

algumas modificações nesse diploma legal.

A Lei n. 65/77 reproduz o texto constitucional, declarando também que

“a greve constitui, nos termos da Constituição, um direito dos trabalhadores”

e que compete a estes “definir o âmbito de interesses a defender” pela greve,

acrescentando que o direito à greve é irrenunciável.

Atribuiu legitimidade para a declaração de greve às associações

sindicais, às assembleias de trabalhadores na empresa em que a maioria

não tiver sindicato, por voto secreto, a pedido de, pelo menos, 20% ou 200

empregados e por aprovação da “maioria absoluta dos votantes” (art. 2º).

Permite a deliberação, também, por uma comissão (art. 3º).

Considera “nulo e de nenhum efeito todo ato que implique coação,

prejuízo ou discriminação sobre qualquer trabalhador por motivo de adesão


ou não à greve”, com o que veda a discriminação e assegura a liberdade

individual dos discordantes (art. 10).

Admite “o exercício do direito à greve na função pública” (art. 12),

remetendo a regulamento especial a disciplina do seu exercício, e excluindo

do direito as “forças militares e militarizadas” (art. 13).

Estabelece que a “associação sindical ou a comissão de greve podem

organizar piquetes para desenvolver atividades tendentes a persuadir os

trabalhadores a aderirem à greve, por meios pacíficos, sem prejuízo do

reconhecimento da liberdade de trabalho dos não aderentes” (art. 4º).

Obriga a expedição de aviso-prévio escrito ou pelos meios de

comunicação social, com o prazo mínimo de quarenta e oito horas, ao

empregador ou sua associação e ao Ministério do Trabalho, comunicando a

declaração da greve (art. 5º).

Veda a substituição dos grevistas e a admissão de novos empregados

durante a greve (art. 6º).

Considera a greve suspensão do contrato individual de trabalho para os

aderentes, cessando o direito ao salário, mas incluída a duração da greve no

tempo de serviço (art. 7º).

De outro lado, quanto às atividades essenciais, a lei exige a garantia da

continuidade dos serviços mínimos, enumerando-os e prevendo sanções.

Desse modo, o art. 8º dispõe:

“1. Nas empresas ou estabelecimentos que se destinam à satisfação de necessidades

sociais impreteríveis, ficam as associações sindicais e os trabalhadores obrigados a

502
assegurar, durante a greve, a prestação dos serviços mínimos indispensáveis para

acorrer à satisfação daquelas necessidades.

2. Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se empresas ou

estabelecimentos que se destinam à satisfação de necessidades sociais impreteríveis

os que se integram, nomeadamente, em alguns dos seguintes setores:

a) correios e telecomunicações;

b) serviços médicos, hospitalares e medicamentosos;

c) funerários;

d) serviços de energia e minas;

e) abastecimento de água;

f) bombeiros;

g) transportes, cargas e descargas de animais e gêneros alimentares deterioráveis.”

A inobservância da lei “faz incorrer os trabalhadores grevistas no regime

de faltas injustificadas” (art. 11). Esse regime, pelo art. 27 da Lei de Férias,

Feriados e Faltas (Decreto-lei n. 874, de 1976), caracteriza como “infração

disciplinar grave” faltar injustificadamente durante três dias consecutivos ou

seis interpolados num período de um ano. Os comentários do autor português

José de Barros Moura(13) são os seguintes: “Os dias de greve irregularmente

declarados não constituem verdadeiramente faltas injustificadas. Embora

seja permitido o desconto da retribuição correspondente a esses dias, é

de todo inquestionável que, pelo menos, não é permitida a perseguição

disciplinar dos grevistas por esse motivo. O entendimento contrário permitiria

ao empregador reprimir o exercício, embora irregular, de direitos coletivos

fundamentais.” Outra, no entanto, é a opinião de Monteiro Fernandes(14), para


quem o exercício ilegal da greve possibilita o preenchimento de justa causa

de despedimento com as faltas injustificadas consecutivas ou interpoladas.

Complementando a legislação ordinária, o Decreto-lei n. 637, de 20 de

novembro de 1974, dispõe sobre a requisição civil que “compreende o conjunto

de medidas determinadas pelo governo necessárias para, em circunstâncias

particularmente graves, se assegurar o regular funcionamento dos serviços

essenciais de interesse público ou de setores vitais da economia nacional”

(art. 1º, 1). A requisição civil “tem um caráter excepcional, podendo ter por

objeto a prestação de serviços, individual ou coletiva, a cedência de bens

móveis ou semoventes, a utilização temporária de quaisquer bens ou serviços

públicos e as empresas públicas de economia mista ou privada” (art. 1º, 2).

Os serviços públicos ou empresas, que podem ser objeto de requisição

civil, são relacionados no art. 3º, 1, do Decreto-lei n. 637/74:

(13) Compilação de direito do trabalho. Coimbra: Almedina, 1980. p. 145.

(14) Op. cit., p. 309.

503

“a) o abastecimento de água (captação, armazenagem e distribuição);

b) a exploração do serviço de correios e de comunicações telefônicas, telegráficas,

radiotelefônicas e radiotelegráficas;

c) a exploração do serviço de transportes terrestres, marítimos, fluviais ou aéreos;

d) as explorações mineiras essenciais à economia nacional;

e) a produção e distribuição de energia elétrica, bem como a exploração, transformação

e distribuição de combustíveis destinados a assegurar o fornecimento da indústria em

geral ou de transportes públicos de qualquer natureza;


f) a exploração de serviços dos portos, aeroportos e estações de caminhos de ferro ou

de camionagem, especialmente no que respeita à carga e descarga de mercadorias;

g) a exploração de indústrias químico-farmacêuticas;

h) a produção, transformação e distribuição de produtos alimentares com especial

relevo para os de primeira necessidade;

i) a construção de reparação de navios;

j) indústrias essenciais à defesa nacional;

k) o funcionamento do sistema de crédito;

l) a prestação de cuidados hospitalares, médicos e medicamentosos;

m) a salubridade pública, incluindo a realização de funerais.”

A requisição civil é feita por portaria ministerial, com a indicação do seu

“objeto, duração, autoridade responsável pela execução, modalidade de

intervenção das forças armadas quando tenha lugar, regime de prestação

de trabalho dos requisitados e o comando militar a que fica afeto o pessoal

quando sujeito a foro militar” (art. 4º, 4).

A “requisição civil de pessoas pode abranger todos os indivíduos maiores

de dezoito anos, mesmo os não abrangidos pelas leis de recrutamento ou

isentos do serviço militar” (art. 7º, 1), e não concede direito a outro pagamento

que não seja “o vencimento ou salário decorrente do respectivo contrato de

trabalho ou categoria profissional” (art. 9º).

Comentando essas normas, José de Barros Moura(15) diz que “a requi-

sição civil apenas pode ser aplicada, sem prejuízo do exercício do direito à

greve, se, nas empresas ou estabelecimentos definidos no art. 8º da Lei de

Greve, os grevistas e as associações sindicais não assegurarem os serviços


mínimos indispensáveis para a satisfação das necessidades sociais impre-

teríveis (e não de todos os serviços e todas as necessidades sociais)”, e,

como exemplos, cita a efetivação da medida, em 1977, na greve do pessoal

de limpeza de Lisboa e, no mesmo ano, na greve dos pilotos da Transportes

Aéreos Portugueses — TAP.

(15) Op. cit., p. 571.

504

A requisição civil, portanto, é uma previsão legal acauteladora dos

interesses da sociedade quanto à inobservância, pelos grevistas, do dever

de prestar os serviços mínimos nas atividades essenciais, para que não

sofram total paralisação.

Por se tratar de uma ação disciplinar, a requisição civil, como observa

Monteiro Fernandes(16), tem sido posta em prática em casos relativamente

raros.

Feita a análise da greve no direito português contemporâneo, é possível

tentar algumas observações, de cunho comparativo com o sistema brasileiro

da Lei n. 4.330, de 1964. Em alguns pontos, o modelo luso é, realmente,

mais democrático, enquanto em outros mostra severidade maior.

O modelo português é mais democrático quanto aos motivos da greve,

uma vez que a legislação não os indica; portanto não os limita, embora a

jurisprudência o faça. Cabe aos trabalhadores a determinação do âmbito de

interesses a definir na greve. Com isso, são lícitas todas as greves, ainda

que não socioprofissionais, as greves políticas e greves de solidariedade.

Há, contudo, divergência entre os autores, bastando indicar a


interpretação de Lobo Xavier,(17) que é bastante flexível, a ponto de sustentar

que, diante da Constituição, não é dado ao legislador ordinário restringir

a área confiada à autonomia coletiva dos trabalhadores, exercitando-se o

direito à paralisação, em face da ocorrência de interesses diretos e próprios

do trabalhador enquanto tal, o que leva à possibilidade de licitude das greves

de solidariedade e políticas, diante de problemas que afetem a condição

social e econômica dos trabalhadores.

Já a interpretação de Monteiro Fernandes(18) “apresenta maior rigidez,

ao distinguir entre âmbito de interesses e natureza de interesses, com o que

limita, consideravelmente, o espaço aberto pela Constituição”. Com efeito,

afirma que “o âmbito dos interesses é coisa diferente da natureza deles:

diz respeito à maior ou menor generalidade, às dimensões categorial e

geográfica da pretensão deduzida, não à qualidade intrínseca desta”, com o

que imprime um caráter que procura dizer que a liberdade ampla, atribuída

aos trabalhadores, tende mais para a definição da amplitude da greve (por

empresas, por setores, local, regional, nacional etc.) e menos para os fins da

greve.

Se não bastassem essas afirmações, o mesmo jurista português

sustenta que “é forçoso reconhecer que a motivação da greve não é, não

(16) Op. cit., p. 307, rodapé.

(17) A licitude dos objetivos da greve, RDE, 2:267, jul./dez. 1979.

(18) Op. cit., p. 284.

505

pode ser constitucionalmente irrelevante. A paralisação coletiva de trabalho


não é objeto de um direito absoluto e irrestrito”(19).

Essa conclusão coincide com a jurisprudência e com Parecer da Procu-

radoria-Geral da República.

A jurisprudência pode ser exemplificada com o acórdão (Ac. Rel.

Coimbra, 4.12.1979, Col. Jur. 1979, t. 4, p. 1434), segundo o qual a greve

experimenta limites “que resultam de não poder perseguir objetivos que

colidam com os interesses fundamentais da coletividade e dos cidadãos, aos

quais a mesma Constituição garante e protege, sem excluir os interesses

políticos do próprio Estado”.

A Procuradoria-Geral da República emitiu parecer (n. 125/76-B)

sustentando que “a greve com fins políticos é ilícita quando se propõe a atacar

o organismo político do Estado e lesa ou põe em perigo a sua personalidade,

seja relativamente aos seus elementos constitutivos (soberania, autonomia,

independência), seja relativamente às instituições constitucionais, seja

relativamente aos direitos públicos dos cidadãos”, acrescentando que “não

é legítima a greve que tenha por objeto a lesão de interesses que não seja

consequência necessária e imediata da obtenção ou cessação de trabalho,

traduzindo, antes, uma exasperação de conflitos, suscetível de atingir

interesses pessoais e patrimoniais legalmente protegidos”(20).

Dessa maneira, há limitações, uma vez que nem todas as motivações

são acolhidas pelo direito, apesar da declaração constitucional e diante da

legislação ordinária, da jurisprudência e de pareceres oficiais.

Outro aspecto no qual o direito português é um pouco mais liberal do

que o brasileiro é o das exigências formais para a deflagração da greve,


bastante simplificadas, limitadas à indicação de um quorum mínimo para a

deliberação e aprovação, ao aviso-prévio, ao empregador e à comunicação

ao Ministério do Trabalho.

Igualmente maior é o direito de proclamação da greve, atribuído aos

sindicatos, assembleias de trabalhadores ou comissões de greve.

Quanto aos salários, não há o direito, enquanto no Brasil haverá ou não,

dependendo do acordo entre as partes; à falta deste, os salários dos dias de

greve serão indevidos.

Outro ponto a salientar é a greve nas atividades essenciais. O trata-

mento legal é permissivo, mas exige a manutenção dos serviços mínimos

necessários para o atendimento da população. Se nisso o sistema é mais

(19) MONTEIRO, Fernandes. Noções fundamentais de direitos do trabalho, p. 285.

(20) Ibidem, p. 286.

506

democrático, em contrapartida é muito mais rigoroso e interferente com a

figura da requisição civil, que é a convocação dos trabalhadores para o ser-

viço militar, nas situações antes explicadas.

Enfim, a democratização da greve em Portugal confina-se aos limites

jurídicos estabelecidos pelo Estado, dentre os quais o da greve não

como liberdade ou simples fato social, mas como ato jurídico passível de

conformação com o interesse da sociedade e os imperativos da razão.

2. CONCEITO

A greve é estudada em diversos ramos das ciências sociais, como

a sociologia, que se ocupa de retratá-la tal como ocorre na infraestrutura


social, do levantamento das greves como são como fator de pressão de um

grupo social, do seu número e motivos, dos setores de atividade onde é mais

frequente, enfim, da greve como movimento operário tal como se dá e não

como a descrevem as leis; ângulo que amplia muito o universo em estudo e

que compete aos sociólogos.

O conceito jurídico de greve não oferece dificuldade, uma vez que é

incontroverso que se configura como tal a paralisação combinada do trabalho

para o fim de postular uma pretensão perante o empregador; não é greve,

ensinam os juristas, a paralisação de um só trabalhador, de modo que a sua

caracterização pressupõe um grupo que tem um interesse comum.

O conceito de greve, no direito, está diretamente relacionado com o

estudo dos atos coletivos que não se configuram como greve, a sua causa

material, formal e final, o estudo da natureza jurídica da greve e os efeitos da

greve sobre o contrato individual de trabalho.

3. ATOS COLETIVOS NÃO ENQUADRADOS NO CONCEITO

A greve é uma ação conflitiva, mas não é a única. Existem outras, que

não estão compreendidas no conceito de greve e que não são um direito,

mas uma prática de natureza excedente do âmbito do direito, na medida em

que se traduzem em práticas violentas, e, como tal, enquadráveis em outros

setores da ordem jurídica.

É o caso da sabotagem, palavra que se origina de sabot, significando

calçado(21). Sabotagem ficou sendo o nome atribuído ao ato pelo qual os

operários, com a utilização de tamancos, deliberadamente inutilizavam

(21) Cf. CUNHA, Antonio Geraldo da. Dicionário etimológico. Nova Fronteira.
507

as máquinas com que trabalhavam, como protesto contra o empregador.

Com o tempo, essa palavra passou a ter outras acepções, todas, porém,

relacionadas com atos de violência para danificar instalações, produtos ou

ferramentas de trabalho, tudo com o fim de prejudicar intencionalmente a

produção da empresa durante um conflito coletivo.

O tema já foi estudado amplamente no direito italiano, e a conclusão a

que se chegou, praticamente unânime, é de que a sabotagem não pode ser

considerada uma forma de greve, não só por se tratar de violência contra

coisas, mas porque é um ato comissivo, enquanto a greve é uma atitude

omissiva, posição essa adotada, entre outros, por Brioschi e Setti, Stendardi,

Battaglini, Pergolesi, Severino, Marchi, Piazzalunga, Simi, Ardau, Palermo,

Santoro-Passarelli, Scotto etc.

Não poderia ser diferente a conclusão, sabendo-se que sabotagem

significa a destruição, a inutilização, o dano doloso a bens, prática que sai

da esfera do direito do trabalho para configurar infração penal. Logo, não

pode mesmo ser agasalhada na esfera do direito coletivo, a menos que se

queira instaurar nas relações sociais a normalidade da violência, ainda que

se queira ver na desigualdade social uma coação econômica exercida pelo

empregador.

Outra figura que não está no conceito de greve, embora aqui haja diver-

gência, é a ocupação de estabelecimento. Para pressionar o empregador, os

trabalhadores não se retiram do local de trabalho, ou o invadem, nele per-

manecendo mesmo nas horas não compreendidas na jornada de trabalho,


chegando mesmo, às vezes, ao sequestro de pessoas, como observa Roux(22).

O sequestro de pessoas que acompanha a ocupação é, por si, um ato

penalmente tipificado e que expõe os autores às sanções previstas pela

legislação penal.

A ocupação surgiu, para alguns, na Itália (1919), onde é considerada

delito, prevista no Código Penal (art. 508), ao punir a “invasão e ocupação

arbitrária de empresas agrícolas ou industriais”. Mas há decisão pretoriana

(Pádua, 1979) pela licitude, quando a ação se encontrar instrumentalmente

ligada ao interesse que se pretende tutelar por via sindical. O direito peninsular

é controvertido porque há decisão da Corte de Apelação de Milão ( Rep. giur.

it. , 1954, col. 1.648) concluindo que, “se é verdadeiro que a Constituição

reconhece ao trabalhador o direito de greve como meio de resolver um

conflito trabalhista ou de conseguir uma mais favorável regulamentação

da preexistente relação, é verdade também que não reconhece o direito

de ocupação da fábrica e de substituição do empregador na direção”. Há

(22) L

’occupation

des

lieux

des

de

lieux

travail
de

et

travail la

et séquestration

la

de

séquestration

personnes.

de

Revue de Droit Social,

p. 359, 1975.

508

outras decisões nesse sentido, do mesmo e de outros tribunais. Na doutrina,

Baldini(23) afirma que “a ocupação do estabelecimento pelos trabalhadores

não pode ser considerada forma de greve lícita porque ultrapassa os limites

da greve constitucionalmente tutelada”.

Na Espanha, Valdes Dal-Re(24) afirma que, “de início, considerar que

toda greve com ocupação de fábrica lesiona forçosamente o direito de

propriedade do empresário e justifica intervenções enérgicas voltadas para

a desocupação, implica renunciar a uma concreta valoração dos interesses

em jogo. O argumento, válido nas hipóteses de ocupação em que exista

um animus spoliandi, isto é, uma intenção de apropriar-se ou de destruir os

bens retidos, carece de fundamento nas situações de ocupação pacífica. A

objeção, fácil mas simplista, de que a expressão ‘ocupação pacífica’ encerra


uma contradição, já que toda ocupação se efetua sempre com violência,

levando-se em conta a oposição expressa ou tácita do proprietário, não

aparece suficientemente fundamentada. Para a existência de violência

tipificadora do animus spoliandi, não basta uma vontade em contrário do

proprietário; é preciso, como observa a jurisprudência italiana mais moderna,

que se haja realizado veri e propiatti di violenza materiale o morale. Em outras

palavras, a ideia que se quer emitir é a de que não cabe inferir a ilicitude da

greve com a ocupação, prescindindo da sua finalidade ou motivação. Em tal

sentido, a técnica de ocupação pacífica dos centros de trabalho se revela

como instrumento auxiliar de uma greve, através da qual se pode, por outra

parte, reequilibrar posições contratuais relacionadas com uma negociação

coletiva e, orientar, por outra parte, a iniciativa privada para fórmulas de

maior utilidade social”.

Como se vê, a ocupação de estabelecimento contraria alguns princípios:

1º) o direito de propriedade, que não autoriza a ação ofensiva de sentido

expropriatório à margem da autorização estatal;

2º) a tomada do poder na empresa, que só é admitida mediante as

práticas participativas ou autogestionárias, cuja instauração se procede

normalmente pela via negocial ou legal;

3º) a liberdade individual de trabalho e o direito de discordar daqueles

que pretendem ingressar no estabelecimento para trabalhar.

4. CAUSAS MATERIAL, FORMAL E FINAL

A greve tem uma causa material, final e formal, como passa a ser

mostrado.
(23) Serrata e occupazione d’azienda. Foro Pad., 1955. I, v. 337.

(24) Límites al derecho de huelga; apuntes críticos. In: El derecho del trabajo en España, op.

cit., p. 631.

509

Causa material é a paralisação ou diminuição do trabalho por mais de

um trabalhador, por uma ou mais jornadas diárias de trabalho.

Como é possível ver, a causa material pressupõe a cessação do

trabalho, que se caracteriza, para alguns, como suspensão do contrato

de trabalho, para outros, como interrupção, mas nunca como extinção do

contrato ou abandono do emprego. Admitem-se, também, formas atípicas de

greves, como a simples redução do ritmo do trabalho, para alguns, atos de

sabotagem não protegidos pela lei.

A diferença entre suspensão e interrupção do contrato de trabalho

se explica em função da nossa doutrina, segundo a qual suspensão é o

afastamento do empregado no qual cessam a contagem do tempo de serviço

e o pagamento de salário pelo empregador, enquanto na interrupção não

desaparecem essas duas obrigações.

Quanto à causa final, a doutrina ressalta a concertação, que significa

a combinação de vontades ou de interesses, a intenção dos trabalhadores

de se unirem numa ação conjunta de pressão visando à realização direta

de uma pretensão. A finalidade da greve é definida pelo interesse coletivo

defendido e que será trabalhista, econômico ou político, diante do disposto

na Constituição Federal (art. 9º).

A Constituição brasileira de 1988 seguiu orientação muito parecida com


a da Constituição de Portugal, quando dispõe que compete aos trabalhadores

definir a oportunidade e os interesses a defender pela greve — regra polêmica

e que suscita divergentes interpretações.

Que se deve entender por interesses?

Num sentido amplo, significa todo e qualquer juízo que se possa fazer

sobre o que será defendido pela greve, se um interesse próprio ou de outra

categoria, por apoio ou solidariedade, a reivindicação de novas e melhores

condições de trabalho, o cumprimento pelo empregador de obrigações que

não venha observando uma pretensão puramente trabalhista, uma ação

política, especialmente de política econômica do governo.

Interesse, na acepção ampla, não é uma questão de forma de ação a

ser desenvolvida, mas de conteúdo da reivindicação ou, para usar linguagem

do direito processual, do tipo de pretensão a ser defendida mediante a

greve, o que se relaciona, com maior proximidade, ao problema dos fins a

serem alcançados com a greve e não com os meios adotados para o seu

desenvolvimento.

Num sentido restrito, o interesse deve ser interpretado não como a causa

final da greve, mas como a amplitude dela em função do grupo que estará

envolvido, a categoria, a empresa, o estabelecimento, todos os trabalhadores

510

do país — questão que se refere ao direito de greve por categoria ou outra

unidade de agrupamento, maior ou menor, dos trabalhadores. Nesse caso,

o aspecto a ser considerado seria unicamente o da dimensão da greve,

parcial ou total, ou seja, do pessoal que dela participaria, sentido esse que é
perfeitamente defensável, como já o foi por doutrinadores portugueses.

A imprecisão do conceito pode gerar divergência, que só ficaria dirimida

com a interpretação definitiva, e a única é a judicial, que, no caso, não estaria

imune a componentes políticos, restritos ou ampliativos, de acordo com o

caso concreto, e a extensão, maior ou menor, dos efeitos prejudiciais da

paralisação sobre a sociedade, de modo que a questão ficará em aberto até

que os tribunais a definam.

Oportunidade da greve deve ser conceito correlato não ao de momento,

caso em que seria lícita até mesmo a greve na vigência de uma convenção

coletiva, mas ao de conveniência da paralisação.

Essa ação coletiva que é a greve não tem a finalidade de romper o contrato

de trabalho definitivamente. A greve não extingue o contrato individual, diante

da sua função, que é a manutenção do vínculo em condições diferentes das em

que se verifica. Com isso, fica totalmente afastada a hipótese da greve como

abandono de emprego, à falta do elemento intencional do abandono, que é

o propósito de dar por rescindido o contrato. A intenção dos trabalhadores na

greve não é resolutória, mas suspensiva da relação jurídica.

Eles resolvem coordenar-se para superar uma disputa em que se

envolvem. Nega-se a possibilidade de caracterização da greve quando

há apenas um interessado, sob o argumento de que, sendo a greve um

fenômeno de relação coletiva de trabalho, não existe teoricamente a hipótese

de greve de uma só pessoa. Não há, no entanto, número mínimo ou máximo

de pessoas. A greve pode ser de alguns empregados, de diversos, de uma

seção, departamento, empresa, categoria ou, mesmo, mais de uma categoria.


A greve é uma atuação coletiva, plural e não individual.

Como conflito, a greve não se configura com o elevado absenteísmo

de diversos trabalhadores porque, nesse caso, falta o intuito conflitivo e,

com isso, o elemento intencional. As mesmas observações podem ser fei-

tas quanto às paralisações técnicas ou econômicas da empresa, que são

períodos nos quais cessa coletivamente o trabalho por imperativos de orga-

nização da empresa ou de dificuldades de ordem econômico-financeira. Não

há a menor possibilidade de ser vislumbrada greve nessas ocasiões, porque

nelas não há a causa final indispensável para que ela se configure.

A causa formal é a observância de um procedimento usual, legal,

estatutário ou convencional a ser seguido desde a proclamação da greve

até o seu término. É normal a existência de um período de preparação para

511

a greve, a deliberação pelos interessados, um aviso-prévio ao empregador

e uma comunicação a órgãos do Estado — a proclamação, seguindo-se

a cessação do trabalho. Durante a paralisação há garantias e há deveres

atribuídos aos grevistas. Quando as exigências formais para o exercício

do direito tornam-se excessivas, pode ficar comprometido o próprio direito

obstaculizado pelos requisitos previstos para a sua realização.

5. NATUREZA JURÍDICA

Um dos problemas centrais é a determinação da natureza jurídica da

greve, entendendo-se como tal a verificação do setor a que pertence a greve

na ciência, pressuposto do qual decorrerão implicações quanto à sua exata

dimensão.
A greve é estudada nos vários ramos das ciências sociais, como a

sociologia, que se ocupa do levantamento das greves, tal como se exercem

no grupo social quanto aos tipos, ao número, aos motivos, aos setores de

atividade, enfim, o retrato da greve como movimento operário, tal como se

dá, e não como a descrevem as leis; ângulo que amplia bastante o universo

em estudo e que compete aos sociólogos. A greve é compreendida como fato

social, valorado por algumas, unicamente registrado por outras correntes da

sociologia.

A ciência da economia também se ocupa da greve, em especial dos

efeitos das horas paradas na produção da empresa e do país, os danos

causados pela greve à economia, o mal que representa em termos de

produtividade etc.

Igualmente, a ciência da administração estuda a greve combinando os

aspectos econômicos com os das relações humanas, para tentar harmonizá-

-los com a adoção de técnicas capazes de evitar a greve, desmobilizar os

trabalhadores, oferecer-lhes alternativas, como os meios de participação na

empresa por intermédio de comissões de fábrica, integração na vida e de-

senvolvimento da empresa e outras formas.

A ciência do direito tem como ponto de partida da sua investigação as

normas jurídicas sobre a greve e suas diferenciações no espaço e no tempo,

no sentido descritivo e valorativo, de modo a compreender a greve nas suas

diversas dimensões, a greve como fato, a greve como valor e a greve como

norma. Em correspondência com esses três ângulos jurídicos resultam dois

diferentes métodos de estudo, o integrativo, para o qual os três aspectos se


implicam como partes de um só e mesmo fenômeno, e o desintegrativo, que

os separa como se fossem estanques e incomunicáveis.

512

Para uma teoria, a greve é um fato social. Apenas isso, mero fato

social, sem nenhuma relevância na ordem jurídica, um acontecimento que

se desenvolve na vida concreta das relações de trabalho, a abstenção do

trabalho por um grupo de assalariados.

Nesse caso, a sua efetividade é apenas histórica e cultural, mas não

enquadrável no direito, por se tratar de algo cuja realidade é anterior ou

exterior ao direito, por este não qualificável.

Há mais de um fundamento apresentado para essa teoria.

A greve é um fato social em decorrência da sua intrínseca antijuridicidade,

a sua total incompatibilidade como meio de direta coação com o direito, que

proscreve a coação direta substituindo-a por outras formas de solução dos

conflitos, em especial a jurisdição do Estado. A greve, sob esse prisma, é a

negação do direito, a falência do Estado, equiparável às guerras, rebeliões etc.

Alguns teóricos sustentam a contradição entre greve e Justiça do Trabalho,

por entenderem que, se o Estado oferece alternativas para a composição

dos conflitos, não se justificaria a via direta da greve ou do lockout. Ganha

relevo a doutrina segundo a qual os conflitos coletivos de natureza jurídica

devem ter solução e não outra. A Carta do VI Congresso Ibero-americano

de Derecho del Trabajo y de la Seguridad Social, reunido em Caracas, em

1977, declara que, “da mesma forma que o processo coletivo do trabalho é

compatível com a greve, esta deve ceder diante da sentença nos países que
admitem a solução jurisdicional dos conflitos coletivos de trabalho”(25).

A incompatibilidade entre a greve e a jurisdição foi defendida vigoro-

samente pelos juristas italianos da era fascista, com o argumento de que “a

ninguém é dado fazer justiça com as próprias mãos” e com o princípio da

soberania do Estado.

Hoje, todavia, não é mais aceita essa colocação, como afirmam corre-

tamente Orlando Gomes e Elson Gottschalk(26), que bem situaram a questão

ao dizer que “em verdade, porém, o direito de greve é compatível com os sis-

temas jurídicos, como o nosso, em que existem órgãos estatais destinados

à arbitragem obrigatória nos conflitos coletivos de trabalho. Seu reconheci-

mento não implica, como se pensava, a sonegação da autoridade judiciária,

nem renúncia, pelo Estado, de sua soberania”.

A greve não é um fato social antijurídico, porque a tendência do direito

dos países democráticos é a do seu reconhecimento legal e a de afastar a sua

concepção negativa de violência contra a soberania estatal, situando-se no

âmbito das relações jurídicas de natureza privada, entre o trabalho e o capital.

(25) Cf. LTr, p. 10-11, jan. 1978.

(26) Curso de direito do trabalho. Rio de Janeiro: Forense, 1978. v. 2. p. 898.

513

Há boas razões para sustentar a teoria da greve como mero fato

social, não porque seja antijurídica, mas porque pela sua natureza não

pode ser objeto do direito, embora não o contrarie. A greve seria, assim,

ajurídica fora do direito, mas não contra o direito. Seria um fenômeno social

insuscetível de regulamentação. Deve manifestar-se espontaneamente, tal


como se dá, infrutíferas que são as tentativas de enquadrá-la em esquemas

formais. Assim, a greve teria uma justificativa social expressando-se como

acontecimento, e como tal deve ser considerada. Acrescenta-se que a

legislação elaborada pelo Estado é ineficaz no sentido de fixar limitações ao

seu exercício, como nas proibições descumpridas de greve dos funcionários

públicos, em atividades essenciais, e outras restrições não observadas que

acabam comprometendo a autoridade da lei. Dessa maneira, prefere-se

ver a greve solta, sem freios, como fato inerente à vida dos grupos em

sociedade.

A lei jurídica não tem sempre a força suficiente para impedir ou

promover determinados comportamentos humanos. A sua função é a de

considerá-los lícitos ou ilícitos, tal como se dão, livremente, na conduta

dos homens e dos grupos, sendo que a diferença entre a relação social

e a relação jurídica reside exatamente na configuração jurídica do fato

social.

Não obstante, seria insustentável ver a greve como mero fato social

diante das inúmeras normas jurídicas que sobre ela dispõem diversos

países, como seria difícil conceber que um fenômeno social coletivo de tal

importância não se elevasse à condição de fato jurídico.

Mesmo porque é hoje aceita a estrutura tridimensional do direito,

a que se refere Miguel Reale(27), de modo que, “onde quer que haja um

fenômeno jurídico, há, sempre e necessariamente, um fato subjacente (fato

econômico, geográfico, demográfico, de ordem técnica etc.); um valor, que

confere determinada significação a esse fato, inclinando ou determinando


a ação dos homens no sentido de atingir ou preservar certa finalidade ou

objetivo; e, finalmente, uma regra ou norma, que representa a relação ou

medida que integra um daqueles elementos ao outro — o fato ao valor”. Ao

contrário, coexistem numa unidade concreta, exigindo-se reciprocamente,

o que explica a dimensão fática e a dimensão jurídica da greve. A greve é

um fato social, mas não apenas isso, é um fato jurídico em sua dimensão

de norma legal, convencional ou judicial, como sempre ocorre. Nem pode

viver apenas como fato, a menos que não se queira atribuir-lhe a natureza

de direito dos trabalhadores.

(27) Lições preliminares de direito. São Paulo: Saraiva, 1980. p. 64.

514

Para outra teoria, a greve é uma liberdade.

A concepção da greve como liberdade nasceu quando o Estado liberal

passou a afastar os mecanismos jurídicos de direito penal que puniam a

greve como crime.

Os Estados que antes inscreviam a greve entre as infrações previstas

pelos Códigos a retiraram dessa relação, e, embora não a admitindo

expressamente, viveram um período de tolerância no qual as greves puderam

ser realizadas sem repressão, mas também sem autorização legal.

Saber se a greve é ou não uma liberdade é questão que não foi ainda

resolvida pela doutrina, e os estudos são escassos.

“Liberdade é a qualidade daquilo que não está sujeito a nenhum

tipo de constrangimento físico, intelectual, psicológico ou moral. É

uma qualidade negativa, já que resulta precisamente da ausência


de qualquer constrangimento.” (Jacques Robert)

Nesse caso, a greve não ficaria dependente de nenhuma lei e se

justificaria, por si mesma, em qualquer caso, desvinculada da ordem jurídica,

perante a qual nenhuma relação teria ideia que leva à greve como faculdade

irrestrita e absoluta, o que não corresponde com o que ocorre. As restrições

à greve, quando não decorrem da lei, resultam da jurisprudência, de atos

diretos do Poder Executivo ou de autorregulamentação sindical.

Cabe examinar a questão a partir de dois pontos. Primeiro, se a greve

é uma liberdade, trata-se de liberdade pública ou privada? Segundo, as

liberdades exigem limitações ou disciplina legal?

As liberdades públicas diferem das privadas porque são exercitáveis

contra o Estado. Como ensina Cretella Júnior(28), “classifica-se a liberdade

em pública, quando é oponível verticalmente ao Estado e outorgada a

todos, sem distinção, de tal modo que, exercendo-a, o titular não fira o

direito de outro ao exercício da mesma liberdade; e em privada, quando

oponível horizontalmente por um particular a outro particular, como direito de

propriedade”.

Se assim é, a greve não pode ser considerada uma liberdade pública,

porque não é oponível ao Estado, mas a outro particular, o empregador contra

o qual se exercita, com o que se caracteriza como liberdade particular. Não

poderia equiparar-se às liberdades públicas, como a de culto, de expressão,

de informação, embora possa perfeitamente significar uma garantia de

imunidade perante os mecanismos de responsabilidade criminal. Ainda que

(28) Liberdades públicas. São Paulo: Bushatsky, 1974. p. 33.


515

por liberdade pública se entenda aquela não oponível contra o Estado,

mas por este garantida, haveria dificuldades para ver na greve uma liberdade

pública. Essa garantia só se faria por meio de normas jurídicas. Logo, a greve

seria um direito nos termos previstos pelas normas jurídicas.

Observe-se, também, que a greve tem uma inafastável dimensão

privatística, como fruto da autonomia privada coletiva, fundamento da

liberdade sindical.

Ainda que se pretenda nela ver uma emanação da liberdade de trabalho,

é preciso considerar que, se o homem não pode ser constrangido a trabalhar

contra a sua vontade, de outro lado, o trabalho é dever social, limitação

natural da liberdade de trabalho em função do significado do trabalho como

meio de realização do bem comum.

Acrescente-se que a liberdade humana é uma liberdade situada, en-

quadrada no real, sob condição, relativa, como diz Gurvitch, expressando-se

como possibilidade de escolha.

Daí a conclusão de Monteiro Fernandes, acompanhando Santoro-

-Passarelli, de que: “o reconhecimento da liberdade de greve não basta para

descaracterizar a paragem do trabalho como violação do contrato, por isso

que, embora tal paragem se comporte nos limites de um direito perante o

Estado, de um direito público de liberdade, nem por isso deixa de assumir,

perante o empregador, a dimensão individual do incumprimento da obrigação

laboral fundada no trabalho. O trabalhador é socialmente livre de participar

da abstenção coletiva de trabalho, não podendo ser por isso incriminado ou


sancionado, mas, noutro plano, tal participação envolve necessariamente o

inadimplemento de um débito pelo qual permanece responsável. É a con-

sequência do despedimento pelo empregador (da ruptura do contrato), com

eventual ressarcimento de prejuízos”.

Ora, o que garante o trabalhador é a norma jurídica ao prever hipóteses

em que ele poderá ou não ser despedido, se a greve é causa de extinção

ou de suspensão do contrato de trabalho e se o Estado poderá ou não

reprimi-la, de modo que a lei é a garantia da liberdade, com o que é ilusória

a possibilidade da greve como liberdade sem leis, pois são estas que regem

o seu exercício, as garantias dos grevistas e os interesses da sociedade. As

liberdades expressam-se como direitos subjetivos. A liberdade jurídica, como

bem salienta García Maynez(29), “não é poder, nem capacidade derivada da

natureza, mas direito”.

Prevalece a teoria da greve como um direito.

A greve é um direito subjetivo. A greve é um direito porque é garantida,

disciplinada e limitada pela lei, pelas cláusulas dos acordos coletivos e

(29) Introducción al estudio del derecho. México: Porrúa, 1971. p. 216.

516

pela jurisprudência dos Tribunais. Tem a respaldá-la o acolhimento, pelas

Constituições de diversos países, de normas que a garantem, como, o que já

foi visto, a Constituição da Itália, de 1947, segundo a qual o direito de greve

exerce-se no âmbito das leis que o regulam, a Constituição da Espanha, de

1978, que a reconhece como direito dos trabalhadores para a defesa dos

seus interesses, a Constituição de Portugal, de 1975, que dá poderes aos


trabalhadores para definir o âmbito de interesses a defender por meio da

greve e que proíbe a lei de limitar esse âmbito, como a do Brasil, de 1988,

que autoriza a greve e a responsabilidade dos grevistas diante de abusos

que possam cometer e pelas Constituições de outros países.

Não há, também nesse ponto, uma só doutrina unificando as conclusões

daqueles para os quais a greve é mais que um fato social ou uma liberdade,

é um direito? Subdivide-se, portanto, a teoria jurídica em função de um

aspecto, o tipo de direito que a greve configura.

Para alguns a greve é um superdireito, um direito natural cuja funda-

mentação é metajurídica. A concepção jusnaturalista valoriza o justo acima

do legal e autoriza a greve como meio de resistência contra as injustiças.

Josserand questiona essa colocação. Observa que uma verdade inquestio-

nável não pode deixar de ser reconhecida. A greve é admitida na sociedade

com um fim específico, que é o atendimento dos interesses profissionais, e

essa arma não pode ser posta a serviço, a não ser desses interesses, sob

pena de converter-se em um instrumento perigoso nas mãos daqueles que o

usam a ponto de comprometer a estabilidade do sistema jurídico.

Para outros a greve é um direito potestativo. Santoro-Passarelli, ao

sustentar essa tese, fundamenta-a num aspecto. O seu exercício põe o

empregador em posição de mera sujeição, sem possibilidade de se opor.

Outros afirmam que a greve é um direito de igualdade. O seu exercício tende

a restituir à parte mais fraca, o trabalhador, uma posição de igualdade diante

da desigualdade econômica em que se acha perante o empregador, aspecto

que, para Pera, apenas aponta as razões do exercício da greve, mas não o
tipo de direito que é.

Outros, ainda, a definem como autotutela dos trabalhadores diante

das condições econômicas ou do descumprimento das obrigações pelo

empregador; tese que recebe uma crítica, a autotutela é a reação contra uma

ofensa e a greve seria não uma defesa, mas uma iniciativa dos trabalhadores.

É difícil tomar partido nesse debate, porque cada tese tem as suas

próprias justificações. Na obra coletiva coordenada por Oscar Ermida

Uriarte, Intervención y autonomía en las relaciones colectivas de trabajo

(1993), um estudo comparado das leis de diversos países, os organizadores

517

da pesquisa, da qual participaram Adrián Goldin (Argentina), Lima Teixeira

e Luiz Inácio Barbosa Carvalho (Brasil), Francisco Tapia Guerrero (Chile),

Manuel Carlos Palomeque López (Espanha), Roberto Pessi (Itália), Carlos de

Buen Unna (México), Alfredo Villavicencio Ríos (Peru), Jorge Rosembaum,

Eduardo Ameglio e Juan Raso (Uruguai) e Francisco Iturraspe (Venezuela), o

capítulo da greve, sobre o qual discorreram todos os autores, é denominado

intervenção estatal e autotutela, nesta última a análise da greve.

A característica fundamental da autotutela está na imposição. Uma

parte, autorizada pelo ordenamento jurídico, impõe a solução do conflito à

outra parte. É o emprego da força como fator decisivo na solução da disputa,

e esse fator está presente na greve. É uma reação e não uma iniciativa. O

conceito de greve como autotutela pressupõe a aceitação de uma premissa,

a da greve como defesa e não como ataque, diante das condições de trabalho

reputadas insustentáveis ou da inobservância do contrato de trabalho pelo


empregador.

Caracterizada a greve como um direito, não é um direito potestativo,

porque este pressupõe pela ausência total da possibilidade de reação da

parte contrária, o que não ocorre no caso. Se é certo que o empregador não

pode evitar a paralisação do trabalho, não é possível dizer que a ele não são

dados meios de reação. Há esses meios, conferidos pelas leis, que admitem

a dispensa dos grevistas. A greve tem um caráter defensivo que a situa

como forma de autodefesa, assim compreendidas as autorizações da ordem

jurídica para que alguém empreenda uma reação diante de uma atitude

constrangedora. No caso, a reação é contra a resistência do empregador. É

a tese de Alcalá-Zamora y Castillo.

Toda a questão está centralizada na postura da ordem jurídica diante

da greve, variando de uma concepção valorativa da greve como instrumento

de luta política a uma posição juslaboralista de greve, como pressão dos

trabalhadores no marco da relação de emprego: a primeira, gerando um

modelo político-trabalhista, e a segunda, um modelo trabalhista contratual.

O conceito político-trabalhista parte de premissas bem definidas, que

passam a ser expostas.

1ª) Dá realce às funções políticas do sindicato, consideradas indissociá-

veis das suas normais atribuições, sustentando que seria, mesmo inviável,

uma absoluta separação entre o domínio econômico-social e o político, com

o que o sindicato não deixa de ser um ente destinado a influir nas decisões

do governo do grupo social.

2ª) Situa-se numa linha progressista voltada para a promoção de


modificações na estrutura política e econômica, visando à reforma social,

ainda que mediante ações conflitivas.

518

Valdes Dal-Re(30) distingue o modelo de greve, que denomina contratual,

da greve econômico-profissional, relacionada com a negociação coletiva.

Defende o modelo que qualifica de dinâmico, da greve erga omnes, não

restrita às questões da relação de emprego, abrangente das coordenadas

de ordem política e social. Traça uma diferença entre os dois modelos a partir

da função, da noção e das limitações da greve.

A função da greve no modelo contratual é a de “instrumento de equilíbrio

das forças contratuais, meio que estimula o processo de negociação coletiva

e integra o poder de contratação das partes”, enquanto para o modelo

dinâmico a greve “não é meio de autodefesa de interesses laborais, mas

prática emancipatória da classe trabalhadora, isto é, mecanismo de pressão,

luta e resistência dos trabalhadores em todos os terrenos da vida social

em que se adotem decisões sobre seus interesses. A função do direito de

greve é a de remover energicamente as desigualdades que subsistem entre

a classe que detém a propriedade e o controle, mediato ou imediato, dos

meios de produção e a classe que fica excluída dessa propriedade e controle,

colaborando na construção de uma democracia caracterizada pela igualdade

substancial de todos os cidadãos”.

Quanto à noção de greve, o modelo contratual a situa no âmbito das

relações trabalhistas, a partir de uma definição preestabelecida, da qual se

excluirão as formas que, segundo o critério da legislação, não devem ser


enquadradas no conceito. O modelo dinâmico parte não da norma, mas da

realidade histórica, cultural, econômica, social e política para fixar os seus

parâmetros, nunca os estabelecendo de modo apodíctico, uma vez que

“serão as formas de atuação do exercício do direito as que irão perfilando o

seu conteúdo e delimitando seu âmbito de proteção”.

No que se refere aos limites da greve, o modelo contratual os prevê por

meio da norma jurídica. O modelo dinâmico “é refratário a toda regulamentação

legislativa e inclusive negocial, exercitando-se livremente sem mais limitações

que as decididas pelos trabalhadores em luta e o respeito a outros direitos

fundamentais valorados com caráter prioritário e concretizados, em todo

caso, em bens juridicamente protegidos e reconhecidos pelo ordenamento

positivo; vida, liberdade etc.”. A greve tem uma função criativa, e seus únicos

limites de caráter externo são os “derivados da colisão entre o interesse

garantido com tal direito e outros interesses igualmente garantidos no seio do

ordenamento e que, em última instância, tendem a coincidir com as medidas

de autodisciplina sindical”.

(30) Límites al derecho de huelga; apuntes críticos. In: El derecho del trabajo en España.

Madrid: IES, 1981. t. 1. p. 607.

519

Desse modo, Valdes Dal-Re defende a desconexão entre a negociação

e o direito de greve, porque o acordo na negociação faz cessar o conflito

atual mas não modifica, em favor dos trabalhadores, a estrutura de mercado

e as suas condições globais na sociedade.

O autor esforça-se para defender a greve política “perante todas as


instâncias cujas decisões afetem os trabalhadores”, afastar a diferenciação

entre o “político” e o “econômico”, condenar as cláusulas de paz social, “falsa

imagem de caráter esquisitamente técnico”, admitir a greve de protesto

e os modernos métodos de luta sindical, como as greves rotativas, a não

colaboração, a ocupação pacífica do estabelecimento, a greve de braços

cruzados, coerente com a sua concepção de greve como instrumento político

de liberação da classe operária.

A greve, portanto, é uma arma de ataque e não de defesa, é instrumento

de luta de classes, não só em plano de empresa, mas da sociedade em

geral, com dupla função, política e trabalhista, diante da insuficiência dos

mecanismos normais de melhoria da condição social dos trabalhadores e

segundo um princípio de sindicalismo revolucionário que se utiliza, também,

com os mesmos fins, da greve geral.

Não há dúvida de que essa compreensão da greve é refratária a

qualquer tipo de restrição formal ou substancial tendente a equacioná-la

num esquema normativo, daí admitir a greve política, assim entendida, a

exercida contra o poder político. Hélene Sinay(31) define greve política como

a de “protesto contra a orientação política ou econômico-política do governo,

da qual o assalariado participa em sua dupla qualidade de trabalhador e

cidadão”.

A tendência que se observa é a da ilicitude da greve política, tornada a

palavra “política” no sentido estrito. É que seria difícil sustentar a licitude da

greve, por exemplo, contra a soberania do Estado, o regime republicano, a

democracia, de apoio a movimento separatista, de incitação ao terrorismo,


de fins político-partidários etc.

A greve revolucionária, destinada a subverter o ordenamento

constitucional, foi declarada ilegal pelo Tribunal Constitucional da Itália (1974).

A greve política foi considerada, pelo Tribunal do Trabalho da Alemanha

(1955), conduta socialmente inadequada do trabalhador, justa causa para a

sua dispensa.

Complica-se a questão no caso de greve político-econômica, que é

a de fundo trabalhista. Não há como negar que os trabalhadores, fazendo

greve para reivindicação de uma correta política salarial, política de emprego

(31) La grève. In: Traité de droit du travail. Paris: Dalloz, 1966. p. 184.

520

etc., estarão praticando um ato no qual é difícil uma clara separação entre

o aspecto político e o trabalhista, daí a Organização Internacional do

Trabalho admiti-la como mera imposição econômico-política, vinculada com

as relações de trabalho. É o que decidiu o Tribunal Constitucional da Itália

(1962), ao declarar que a greve política revolucionária é uma legítima forma

de expressão dos trabalhadores no sentido da remoção dos obstáculos de

ordem econômica e social que impedem o pleno desenvolvimento da pessoa

humana e efetiva participação de todos os trabalhadores na organização

política, econômica e social do país.

A objeção maior que é apresentada, não só à greve político-econômica

como à política no sentido estrito, decorre do fato de não permitirem

negociação com o empregador, já que não está na disponibilidade deste o

atendimento da reivindicação, pois dependerá do governo. É possível mesmo


que o empregador até esteja de acordo com o protesto político; não obstante,

com a paralisação do trabalho, a perda da produtividade causar-lhe-á danos,

e ele não terá meios para impedir o protesto, o que leva Segadas Vianna(32) a

dizer que lhes falta “a finalidade de reivindicação que possa ser atendida pelo

empregador, pois seus objetivos visam a governos e a autoridades, visam

a instituições, cujas falhas e erros se solucionam, no regime democrático,

através de eleições ou reforma básica, obtidas com a manifestação do voto

da nação inteira e não apenas pela vontade do proletariado”.

Para a concepção econômico-profissional, a greve é um instrumento de

ação sindical cuja esfera não transcende a das relações entre os trabalhadores

e os empregadores, com o que fica afastada a sua utilização política contra o

Estado ou com qualquer outra motivação estranha ao interesse estritamente

trabalhista.

Separa o domínio da política, em especial a política partidária, e

do contrato de trabalho, para admitir a possibilidade de pressões dos

trabalhadores, coalizados contra os respectivos empregadores, tendo por fim

a melhoria das condições de trabalho ou o cumprimento de obrigações que

o empregador tenha assumido e descumprido.

Dentro dessa perspectiva, a greve é um acessório da negociação

coletiva, para cujo desenvolvimento contribui diante da pressão que exerce

contra as resistências do empregador ao negociar.

Para a concepção da greve como instrumento negocial, o direito de

greve se justifica na medida em que o seu exercício se relacionar com

a disponibilidade de atendimento da reivindicação pelo empregador,


entendendo-se a função da greve dentro do marco contratual.

(32) Instituições de direito do trabalho (coautoria Arnaldo Süssekind e Délio Maranhão). Rio de

Janeiro: Freitas Bastos, 1984. v. 2. p. 1.110.

521

A greve é uma arma posta à disposição dos sindicatos para tutelar

interesses estritamente profissionais e não outros tipos de interesses que se

afastem do âmbito da relação de trabalho.

Assim compreendida a questão, segue-se que há um pressuposto

claro da legalidade de toda e qualquer paralisação coletiva do trabalho, o

binômio greve-negociação com o empregador, parâmetro básico que definirá

a licitude ou não da ação sindical voltada para a obtenção de melhores

condições de trabalho em face do conflito de natureza econômica, ou ainda,

para alguns, dirigida não só à obtenção de novo contrato, mas também à

aplicação do mesmo contrato em vigor quando descumpridas cláusulas,

atraso de pagamento de salário, diante de conflito de natureza jurídica.

Não só as razões até aqui expendidas são reconhecidas, como também

os danos causados pela greve, tanto ao trabalhador, que perde os salários e,

às vezes, também o emprego, quanto ao empregador, que perde a produção,

são fatores considerados acima mesmo dos motivos de ordem política.

Assim, a greve é compreendida como um instrumento do livre jogo de

forças econômicas no sistema capitalista, circunscrita ao campo do trabalho,

cabendo a luta política aos partidos políticos e o protesto popular por meio

do voto em eleições livres — meio hábil para promover as reformas políticas

de que o país necessita.


Há dois sistemas legais sobre a titularidade da greve: o da titularidade

individual (Inglaterra, França e Itália) e a orgânica (Alemanha, Suécia, Grécia);

naquele competindo aos trabalhadores deliberar sobre a conveniência e

oportunidade da greve, neste sendo a competência da entidade sindical pelo

grupo interessado. As leis guardam certa relação entre a titularidade da greve

e a legitimidade para a negociação coletiva. Nos países em que a negociação

coletiva é privativa do sindicato, a titularidade da greve é orgânica, e onde

não há essa reserva sindical de competência para negociar, geralmente, a

greve pode ser deliberada pelas comissões não sindicais ou diretamente

pelos trabalhadores da empresa.

No Brasil, a Constituição Federal (1988) declara que compete aos

trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercer o direito de greve.

Seguiu a diretriz estabelecida pela Constituição de Portugal (1976), que, ao

garantir o direito de greve, dispõe que “compete aos trabalhadores definir o

âmbito de interesses a defender através da greve, não podendo a lei limitar

esse âmbito”, e a Lei n. 65/77, que a regulamenta, declara que “a greve

constitui, nos termos da Constituição, um direito dos trabalhadores”.

A tese mais ampla é a da greve como superdireito, como direito do

homem, em plano constitucional. Essa colocação foi defendida, entre nós,

por Washington Luiz da Trindade, durante o I Fórum Brasileiro da Justiça do

522

Trabalho, em Gramado, 1984(33), nos seguintes termos: “Ora, a greve está

prevista na Constituição brasileira como um erro muito grande, o de que

deva ser regulada em lei, ordinária. Mas a greve somente pode ser entendida
como uma espécie de insurreição dos fatos contra a imobilidade da lei, que

é a causa mais próxima da injustiça social.

“Estando acima dos interesses individuais considerados de pessoa a

pessoa, é uma contradição vê-la regulada em lei ordinária, porque não se

compreende que a sociedade que a institucionaliza é a mesma que a permite

contra as normas que sedimenta essa sociedade, em determinado momento

e lugar.

“A greve, pela sua natureza de superdireito, é a arma por excelência

da desobediência à lei, uma vez que ataca o mencionado imobilismo dos

sistemas positivos, que somente se rompem por meio de mudanças penosas,

e um deles é a greve.”

A referência à greve como superdireito é encontrada anteriormente

em Josserand(34), ao afirmar que “a tese do direito absoluto contou com

partidários desejosos de fazer do direito de greve um direito sagrado, um

superdireito. Para eles a greve levaria, em si mesma, sua própria justificação,

sua própria legitimidade, ao menos se não é acompanhada de manobras

que caiam sob a lei penal; se encontraria no terreno do Direito Civil uma

escola de impunidade. Esta tese — prossegue Josserand — fracassou tanto

na doutrina como na jurisprudência; é antissocial e singularmente perigosa,

desconhecendo esta verdade inquestionável — que o direito da coalizão foi

instituído pelo legislador em atenção a um fim determinado, à salvaguarda

dos interesses profissionais. Esta arma não poderia ser posta além do serviço

da profissão; se é utilizada com fins extraprofissionais, converte-se em um

perigo para aqueles que a usam”.


Não nos convence a teoria da greve como direito potestativo dos

trabalhadores, direito de provocar, com o simples exercício do direito coletivo,

a paralisação da relação de trabalho sem que o empregador, como sujeito

passivo, tenha meios de impedir — tese que Auletta considera um inútil luxo

dogmático. Mas há a autoridade inclusive de Santoro-Passarelli, a defender

a tese do direito potestativo coletivo; potestativo porque, perante o seu

exercício, o empregador se põe em posição de mera sujeição coletiva, pois

conferido a um grupo de trabalhadores para tutela do seu interesse comum.

Outra proposta é a da greve como direito de igualdade; com o seu

exercício tende a restituir à parte mais fraca, o trabalhador, uma posição de

igualdade com a parte economicamente mais forte, o empregador, diante da

(33) V. Anais, p. 3.

(34) Évolutions et actualités. Paris, 1939. p. 99.

523

desigualdade real entre ambos existente. Tese que, no dizer de Simi, não

explica como a greve pode globalmente restabelecer o equilíbrio econômico

e que, para Giuseppe Pera, apenas descreve as razões determinantes do

direito sem precisar a sua natureza.

Para alguns doutrinadores, a greve é um direito de liberdade cujo

exercício pertence à esfera da liberdade individual de cada trabalhador

perante o Estado, correspondendo a uma potestade do sindicato mediante a

proclamação da greve.

Há também a teoria da greve como direito absoluto da pessoa, de

natureza associativa, relacionada com interesse coletivo, tese que exclui a


limitação ao exercício do direito e pressupõe uma tutela Constitucional ampla.

Acrescente-se a tese da greve como direito instrumental ou adjetivo,

no sentido de que é um substantivo, teoria que dá realce à greve não como

forma de solução do conflito, mas como meio utilizável para solucioná-lo por

meio das formas autônomas ou heterônomas.

As dificuldades na definição da natureza jurídica da greve não podem ser

razoavelmente superadas sem a aceitação da sua mutabilidade em função

de cada ordenamento jurídico, do qual a solução do problema dependerá.

Assim, trata-se, antes de tudo, de uma questão de direito positivo. Há regimes

políticos democráticos e autoritários; nestes, a greve é um delito, naqueles,

um direito.

A greve não é mero fato social porque, na medida em que esse fato é

regido pelo direito, passa a ser fato jurídico.

Definida como um direito, a greve, como instituto de direito coletivo

do trabalho, não é um direito potestativo, porque este se caracteriza

pela total ausência de possibilidade de reação do destinatário, o que

não ocorre nesse caso. Se é certo que o empregador não pode evitar

a suspensão do trabalho, não é possível dizer que a ele não são dados

meios de reação, dentre os quais a dispensa dos empregados, se não

durante, logo após a greve, a lista negra — tão comum em diversos

países, ações judiciais etc.

A greve não é, também, um direito absoluto, porque os sistemas

jurídicos limitam de algum modo o seu exercício. Gino Giugni desenvolve,

longamente, o que chama de limites internos e externos do direito de greve.


Há, no entanto, um caráter defensivo na greve, que a situa entre as

formas de autodefesa, entendidas assim as autorizações do ordenamento

jurídico para que alguém empreenda uma reação diante de uma ação

constrangedora. No caso, a reação é contra a resistência do empregador

524

diante da reivindicação de melhores condições de trabalho. Desse modo, a

tese da greve como autodefesa, já enunciada por Alcalá-Zamora y Castillo, é

a que melhor explica a sua natureza jurídica.

6. GREVES TÍPICAS E ATÍPICAS

Não é possível resumir todos os tipos de greve numa classificação,

dada a variedade de formas que se verificam, com a correspondente

multiplicidade de nomes atribuídos às greves.

Diante disso, serão aqui ressaltados apenas alguns ângulos classifica-

tórios, em torno dos quais serão agrupados os principais tipos de greve.

Essa classificação tem interesse jurídico, na medida em que permite

a análise de alguns tipos de ações coletivas sobre os quais possa haver

alguma controvérsia.

Desde logo é possível afirmar que há greves típicas e atípicas: as

primeiras, observando os padrões clássicos e rotineiros, e as segundas,

distanciando-se desses mesmos padrões.

As greves típicas classificam-se segundo a duração e a extensão.

As greves atípicas identificam-se com formas de não colaboração dos

trabalhadores com o empregador, o que leva autores a admitirem greve sem

paralisação de trabalho.
Tanto as greves típicas como as atípicas podem, por sua vez, subdividir-

-se segundo o seu fim.

As greves típicas podem ter prazo determinado ou indeterminado;

no primeiro caso quando, em seu início, já é fixado pelos trabalhadores

o seu termo final, como, por exemplo, na greve de vinte e quatro horas,

de uma semana etc. Geralmente coincidem com protestos e não com

reivindicações. São demonstrações de descontentamento. Procuram

deixar claro que há mobilização dos trabalhadores suficiente para a

efetivação de uma paralisação de maior amplitude. São advertências

ou sinais de força, de caráter preventivo, início de ações futuras que

poderão ser desenvolvidas caso não haja a correção dos fatores de

descontentamento ou de lesão.

Greves por prazo indeterminado são as em que no início não é fixado

o seu termo final, com o que a cessação do trabalho é deflagrada como

uma luta, sem fim previsto, a ser mantida enquanto não forem atendidas as

pretensões dos trabalhadores.

525

Nessas greves, os trabalhadores se coalizam também para a garantia

de uma organização que permita mantê-los durante o período no qual

não receberão salários, daí os “fundos de greve”, os “donativos” e outras

práticas que geralmente não são condenadas pela lei, ao contrário, são

expressamente admitidas, em razão do imperativo econômico e social da

subsistência do trabalhador e da sua família.

Há quem sustente que não há necessidade de paralisação total, isto


é, de toda a jornada de trabalho, de modo que também há greves de horas

extraordinárias, sem prejuízo da regular prestação do trabalho no horário

normal, greves de curta duração, como a cessação da atividade durante

apenas parte da jornada normal de um dia de trabalho, como, também, greves

intermitentes, cuja execução se divide em vários momentos, distribuídos

dentro do dia de trabalho ou em períodos superiores, modalidade de greve esta

que, na Espanha, segundo Antonio Ojeda Avilés,(35) “goza de um favor cada

vez maior dos trabalhadores, enquanto permite manter o estado de conflito

sem necessidade de permanecer em paralisação a pleno tempo. Apresenta

muitas semelhanças com a greve de duração fixa, da qual se distingue

por sua execução dividida em momentos sucessivos: como regra geral, os

trabalhadores escolhem os momentos de pico da atividade da empresa ou

os dias próximos dos fins de semana ou festividades, garantindo assim a

concorrência à paralisação e o efeito multiplicador; mesmo assim, começa

a ser frequente a graduação na intensidade da paralisação, começando por

um dia de greve na primeira semana, dois dias na segunda, três dias na

terceira, para negociar um novo acordo” — o que difere a intermitência da

diversidade de greves e o objetivo ou plano comum válido para todas as

paralisações que, assim, se efetivam em cadeia.

Em Portugal, Monteiro Fernandes refere-se à greve rotativa ou articulada,

por alguns chamada, também, de greve por turnos, que é a paralisação

sucessiva ou alternada de setores da empresa ou de determinados grupos

de trabalhadores, embora interessados todos os trabalhadores da empresa,

com o objetivo estratégico de atingir um setor de cada vez e, desse modo,


manter uma pressão contínua mesmo sem a paralisação concomitante de

todos os empregados. Portanto, não há simultaneidade na cessação do

trabalho porque, apesar de o interesse ser de todos, cada grupo faz a greve

em momentos não coincidentes, embora concatenados.

Outra modalidade de greve é denominada, por Monteiro Fernandes, em

Portugal, Ojeda Avilés, na Espanha, além de outros, com expressões não

comuns entre nós: a greve trombose ou greve nevrálgica ou, ainda, greve

tampão, caracterizada pela paralisação de parte dos trabalhadores, apenas

aqueles que atuam num setor vital ou estratégico da empresa e que, uma vez

(35) Derecho sindical. Madri: Tecnos, 1976. p. 283.

526

atingida, pode impedi-la de funcionar. A posição dos trabalhadores é crucial

em relação ao processo produtivo, daí o seu efeito paralisante e às vezes

fulminante sobre o empregador.

Ocorrem na Itália com o nome de sciopero a scacchiera; na França,

com a denominação de grève tournante; nos países anglo-saxônicos, como

rolling strike; na Espanha, como huelgas rotativas etc.

Há discussões quanto aos aspectos jurídicos que apresentam. Há

entendimentos, em especial na França, segundo os quais, onde a lei não as

proíbe, são lícitas, embora algumas decisões judiciais as considerem abuso

de direito quando objetivem promover a total desorganização do sistema

produtivo. Na Itália, dividem-se as avaliações entre a sua exclusão do conceito

de greve, o que as afasta da licitude; a sua desconformidade com o princípio

da reciprocidade de sacrifícios, de modo a alterar o sinalagma entre o dano


sofrido pelo empregador e a perda dos salários pelos empregados; e a sua

licitude como um dos diversos modos pelos quais a greve pode manifestar-

se, tese que está em consonância com o princípio segundo o qual, onde a lei

não limita a greve, não é dado ao intérprete fazê-lo.

A forma de maior dimensão de greve quanto à amplitude é a greve

geral, de toda uma categoria ou mesmo de todos os trabalhadores de um

país, quase sempre com forte motivação política, com o que se suscita o

problema da sua licitude, e exigindo altíssimo grau de mobilização.

Cabe agora uma referência especial à greve de solidariedade que, para

Gino Giugni(36), ocorre quando “um grupo de trabalhadores se põe em greve

sem uma pretensão que influa sobre a sua relação de trabalho, mas para se

solidarizar com reivindicações de outros grupos apresentadas contra a lesão

dos interesses de um trabalhador”. Talvez seja possível uma concepção mais

ampla para considerar-se como tal, também, o apoio às pretensões de outro

grupo de trabalhadores.

Haverá sempre, como nota fundamental do conceito, a inexistência

de uma pretensão própria dos grevistas, já que, em caso afirmativo, se a

pretensão é dos grevistas, a greve não será de solidariedade. Como segunda

nota, haverá o apoio a uma reivindicação de terceiros, que será um único

trabalhador, um grupo de trabalhadores dela ou, ainda, de outra categoria.

Em princípio, a greve de solidariedade não é afastada pela Constituição

Federal brasileira (1988), uma vez que, ao transferir para os trabalhadores a

definição da oportunidade e dos interesses a serem defendidos mediante a

paralisação do trabalho, não ficou excluído o apoio a outra categoria ou, na


mesma categoria, a outros trabalhadores.

(36) Diritto sindacale, p. 227.

527

Podem existir greves sem a abstenção do trabalho?

Embora o conceito de greve pressuponha a paralisação do trabalho, não

é afastada por parte da doutrina a possibilidade de greve sem a cessação

do serviço. Essa hipótese é admitida em outros países, como em Portugal,

por Monteiro Fernandes, e na Espanha, por Antonio Ojeda Avilés, ambos se

referindo às greves atípicas.

É o caso da greve de zelo, na qual os trabalhadores executam o

trabalho de modo detalhado e minucioso, para causar desorganização no

processo produtivo da empresa; uma variante da greve de zelo é a greve de

observância dos regulamentos, por meio da qual os empregados conseguem

congestionar as atividades da empresa mediante o cumprimento rigoroso de

cada uma das exigências regulamentares previstas para o seu funcionamento.

Exemplifique-se com a greve dos pilotos da aviação comercial, que causa o

atraso em todos os voos das companhias aéreas com a observância de todos

os detalhes do regulamento. Mas há restrições da doutrina e jurisprudência

de alguns países, fundadas no pressuposto de que greve é a abstenção do

trabalho franca, direta e leal.

Outra figura é a greve de rendimento ou de braços cruzados, caracteri-

zada pela diminuição do volume de trabalho. Os trabalhadores, deliberada-

mente, decidem diminuir a produção e reduzir o ritmo de trabalho a níveis

baixos, para pressionar o empregador. Comparecem ao emprego normal-


mente, permanecendo em seus postos e prestando os serviços, só que o

fazendo lentamente, com o que o processo produtivo é prejudicado. Ojeda

Avilés(37) afirma que essa greve “para os sindicatos tem a virtualidade do

seu fácil cumprimento pelos trabalhadores mais refratários a uma greve com

abandono do posto de trabalho, mas oferece os inconvenientes de permitir

uma aparência de normalidade na empresa que beneficia o antagonista —

é uma greve de baixa pressão — e de não ser factível ou eficaz em muitas

atividades de fácil recuperação”. Observe-se ainda que, na greve de braços

cruzados, poderá haver não apenas a redução, mas a total supressão do

trabalho, mantendo-se todavia os empregados em seu local de serviço. Há

que se notar também que os empregados que ganham salário por produção

podem ficar prejudicados em relação àqueles que ganham por mês ou hora,

diante da queda de produção.

São encontradas, ainda, a chamada greve da mala (Portugal) nos

transportes coletivos, como nos casos de falta de cobrança dos bilhetes dos

passageiros de ônibus ou liberação das catracas do metrô, e a greve de

amabilidade, que se traduz pela ausência de cortesia no atendimento aos

clientes etc.

(37) Derecho sindical, p. 284.

528

A questão jurídica que se apresenta com as greves atípicas resulta do

seu atrito com o conceito de greve, que pressupõe a paralisação do trabalho,

o que não ocorre no caso. Seria possível enquadrar essas omissões no

conceito de greve? Em princípio, a impressão que fica é negativa, porque


greve e cessação do trabalho são dados que se completam. É preciso, porém,

convir que a não colaboração é menos prejudicial do que a paralisação total

da produção. Não colaborando, os trabalhadores estariam sujeitos a punições

por desídia, ao passo que, abstendo-se totalmente do trabalho, nenhuma

punição sofreriam. Estariam fazendo uma greve. Admita-se também que

a conflitividade é maior com a greve-paralisação do que com a greve-não

colaboração. É melhor para a empresa manter uma produção reduzida do

que nada produzir.

529

CAPÍTULO 43

ATIVIDADES ESSENCIAIS

1. O PROBLEMA DAS ATIVIDADES ESSENCIAIS

O estudo tem sido às vezes unitário, mediante uma apreciação conjun-

ta, como se fossem iguais as premissas e as características do setor público

e das atividades essenciais. Outras vezes se faz em separado e com con-

clusões próprias e autônomas: a análise, de um lado, do setor público, de

outro lado, das atividades essenciais. De qualquer modo, um ponto comum

às duas esferas, na medida em que as atividades essenciais vierem a ser

compreendidas como aquelas que o Estado desenvolve.

Como no direito os dois temas, embora correlatos, são tratados separa-

damente, será melhor examinar em conjunto os aspectos afins, e, em sepa-

rado, os ângulos específicos de cada área.

Em relação a um posicionamento genérico, pertinente tanto à greve no

setor público como nos serviços essenciais, é possível dizer que o principal
argumento daqueles que são favoráveis à sua proibição é o da natureza

desses serviços. Como serviços públicos e essenciais, não poderiam sofrer

solução de continuidade sem prejuízo para a coletividade. Aqueles que a

admitem baseiam-se no princípio da igualdade perante a lei, sustentando

que não se justificará o tratamento discriminatório do pessoal desses setores.

Como se vê, os dois argumentos são poderosos.

A autorização da greve, no serviço público e nas atividades essenciais,

subordinará interesses da sociedade a interesses de classes.

De outro lado, a proibição genérica da greve nesses setores colocará o

interesse comum acima do interesse de classe, mas prejudicará o princípio

da igualdade.

Além da prevalência do interesse público sobre o particular, o princípio

da legalidade do regime jurídico do servidor público tem sido outro argumento

apontado contra a liberalização. Se é a lei e não o contrato a fonte dos direitos

e dos deveres do pessoal estatutário e se não há negociação coletiva para o

pessoal “celetista” da Administração Pública, não há que se falar em greve. O

Estado não pode negociar com o dinheiro público e, sendo assim, não seria

viável permitir a greve para levá-lo às concessões que envolvem o interesse

público, cujo único intérprete deve ser o Congresso Nacional.

530

Respondem alguns que nada impede a negociação no setor público,

como acontece nas atividades essenciais, em especial, quanto ao pessoal

regido pela Consolidação das Leis do Trabalho e, notadamente em relação

aos entes paraestatais, especialmente as empresas públicas, já que estas


são disciplinadas mediante as normas de direito privado.

Argumenta-se, ainda, que a greve só terá sentido se funcional. Sua

capacidade de pressão se direciona contra as empresas privadas, uma

vez que estas são lucrativas. Greve contra o Estado ou os seus órgãos

é disfuncional, não exerce pressão econômica e acaba redundando em

aumento de impostos sobre todos os contribuintes.

A objeção que se faz é que a greve, se não traz prejuízo econômico,

acarreta desgaste político do Estado; logo, exerce algum tipo eficaz de

pressão.

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento dos Mandados de Injunção

670, 708 e 712, ajuizados, respectivamente, pelo Sindicato dos Servidores

Policiais Civis do Estado do Espírito Santo (Sindpol), pelo Sindicato dos

Trabalhadores em Educação do Município de João Pessoa (Sintem) e pelo

Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário do Estado do Pará (Sinjep),

onde os sindicatos buscavam assegurar o direito de greve para seus filiados e

reclamavam da omissão legislativa do Congresso Nacional em regulamentar

a matéria, conforme determina o art. 37, inciso VII, da Constituição Federal,

decidiu pela aplicabilidade das disposições da Lei n. 7.783/89 à greve

dos servidores públicos, até que o Congresso Nacional venha a regular a

matéria.. Ao resumir o tema, o ministro Celso de Mello, relator do julgamento,

salientou que “não mais se pode tolerar, sob pena de fraudar-se a vontade

da Constituição, esse estado de continuada, inaceitável, irrazoável e abusiva

inércia do Congresso Nacional, cuja omissão, além de lesiva ao direito

dos servidores públicos civis — a quem se vem negando, arbitrariamente,


o exercício do direito de greve, já assegurado pelo texto constitucional —,

traduz um incompreensível sentimento de desapreço pela autoridade, pelo

valor e pelo alto significado de que se reveste a Constituição da República”.

2. LIMITES E ABUSO DO DIREITO

São abusos as ações ou omissões que venham a contrariar o conceito

de greve, deste se distanciando, aqui se incluindo os atos de protesto

coletivo que não configuram greve, como a ocupação de estabelecimento,

a sabotagem, o boicote, a violência contra o patrimônio, a agressão física,

o piquete não destinado ao simples convencimento dos trabalhadores para

obter a sua adesão à paralisação, a obstrução da livre circulação de pessoas

531

e de mercadorias etc. Esses atos sabidamente não estão enquadrados no

conceito de greve, que é unicamente a abstenção coletiva, combinada e

pacífica do trabalho para a reivindicação de algo.

Há atos de não colaboração ou de obstrução que também podem

enquadrar-se no conceito de abuso do direito. Ensina López-Monís(1) que “por

atos de não colaboração ou de obstrução entendem-se duas modalidades

de comportamento trabalhista: a) a diminuição voluntária e concertada

do rendimento normal no trabalho (greve de trabalho lento, rallentamento

concertado, grève perlée, slowdown strike), consistindo frequentemente

na renúncia pelos trabalhadores aos incentivos e pretendendo unicamente

assegurar a produtividade correspondente ao salário base; b) a estrita

observância dos regulamentos de trabalho (greve de zelo, grève de zèle,

ostruzionismo, work to rule), especialmente nos serviços públicos (ferroviário,


alfandegário). Efetivamente, tanto a jurisprudência francesa como a italiana e

a espanhola orientam-se no sentido de considerar ilícitas tais práticas, com

base nas teses contratuais da boa-fé, reciprocidade de sacrifícios, lealdade

na luta, ou, ainda, na negação pura e simples da existência de uma greve e,

por isso, da possível proteção dela”.

Não será inconstitucional jurisprudência que os Tribunais do Trabalho

venham a construir considerando abuso de direito a greve política no

sentido estrito. Como ensina o mesmo López-Monís, as greves políticas,

em sentido estrito (a greve política insurreicional ou revolucionária), são

qualificadas como delito; a greve política não revolucionária frequentemente

é tolerada, mas não constitui exercício válido de um direito; a greve mista ou

econômico-política tem sido considerada, pelo direito comparado, lícita ou

ilícita contratualmente, segundo os diferentes ordenamentos.

No direito italiano, já em 1952, Calamandrei observava que, desde

o momento em que a greve aceitou converter-se em direito, adaptou-se,

necessariamente, à prefixação de condições ou restrições ao seu exercício

que, se não são estabelecidas pela lei, devem ser, com base nos princípios

constitucionais, fixadas pela jurisprudência. Esses limites são classificados

por Gino Giugni em internos e externos; aqueles resultantes do próprio

conceito de greve, estes, do atrito entre o direito de greve e outros direitos

também defendidos pela Constituição. Como a greve é conceituada como a

abstenção combinada do trabalho para a tutela de um interesse profissional

coletivo, todas as formas de luta sindical que não se enquadram nesse

conceito ficam excluídas, daí resultando a formulação da doutrina do dano


injusto, configurado sempre que a greve provocar a quebra da comutatividade

de sacrifícios. Assim, é ilegal a greve que produzir danos ao processo

(1) O direito de greve; experiências internacionais e doutrina da OIT. São Paulo: LTr, 1986.

p. 58.

532

econômico, superiores aos que são derivados da simples paralisação do

trabalho. A falta de aviso-prévio ao empregador pode ocasionar-lhe danos

maiores do que os que correspondem à abstenção do trabalho, uma vez que

essa omissão impede a empresa de tomar providências capazes de evitar

prejuízos excedentes dos decorrentes da greve.

A doutrina italiana do dano injusto é, no entanto, criticada por parte dos

doutrinadores, com base em argumentos que são resumidos por Giugni nos

seguintes termos(2): “Em conclusão, a teoria da comutatividade dos sacrifícios

aparece como inaceitável, de um lado porque representa, sob um ponto de

vista de política do direito, uma operação interpretativa dirigida a despotenciar

a arma de luta que a greve supõe, construindo-a de forma antinatural dentro

da lógica das relações privadas de obrigação; e por outro, porque se baseia

sobre um elemento (o dano), que em sua dimensão quantitativa não tem

nenhum ponto de referência formal para que possa ser considerada relevante

no processo de definição da instituição”.

Os limites externos que o direito italiano estabelece à greve por meio

da doutrina derivam do atrito do direito de greve com as demais garantias

fixadas pela Constituição, com as quais venha a conflitar-se, como a

liberdade, a vida, a integridade física, a propriedade dos cidadãos etc., o


que leva à ilegalidade da greve na qual, paralisadas todas as atividades de

um hospital, por exemplo, os pacientes deixem de receber a assistência

hospitalar necessária.

3. RESPONSABILIDADE CIVIL

O princípio da responsabilidade norteia todo o direito e se reflete sobre

todos os atos das pessoas, físicas ou jurídicas, que vivem na sociedade, não

devendo comportar exceções que venham a conferir privilégios ou consagrar

regalias, daí a sujeição, a ele, dos sindicatos e dos dirigentes sindicais.

Esse princípio se desdobra em duas variantes, conforme os sujeitos

passivos sejam os sindicatos ou os dirigentes sindicais.

As organizações sindicais, pelos excessos praticados no exercício

das atividades inerentes à vida sindical e que tragam prejuízos resultantes

de ações ilícitas ou caracterizadas pelo abuso de direito, sujeitam-se às

reparações civis previstas no Código Civil, consubstanciadas na regra

segundo a qual quem causar dano a outrem terá de repará-lo.

Há um aspecto cuja apreciação não pode ser afastada e que resulta

de uma realidade. Toda greve traz um dano ao empregador. Com efeito,

(2) Diritto sindacale, p. 249.

533

suspensa a produção, a empresa, diante da greve, fica impossibilitada de dar

continuidade ao seu processo produtivo normal e sofre prejuízos.

Não é, por conseguinte, simplesmente a ocorrência de dano a motivação

da responsabilidade civil, mas o dano resultante de culpa ou dolo, pelo abuso

do direito. A greve em si é um ato jurídico que tem respaldo na Constituição,


e do seu exercício não se poderá concluir que o sindicato tenha de ser

responsabilizado.

A greve, sem a observância das exigências constitucionais, por exemplo,

com a não manutenção dos serviços considerados indispensáveis para a

sociedade, caracterizará a responsabilidade civil e a reparação de perdas e

danos.

Os dirigentes sindicais, como pessoas físicas, estão submetidos às

mesmas regras que atingem toda pessoa física segundo as leis civis e penais,

e, desse modo, a sua sujeição ao princípio da responsabilidade não decorre,

nem poderia decorrer, da sua condição de dirigente sindical. Essa condição,

ao contrário, o favorece com algumas garantias perante o empregador,

dentre as quais, além da estabilidade no emprego, a inamovibilidade. A sua

responsabilidade é como pessoa física e nos mesmos termos fixados em

função de cada um e de todos os membros da sociedade.

4. ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO

A Organização Internacional do Trabalho considera setor público a

Administração Pública e as empresas que gerenciam serviços públicos.

Não estão compreendidas as empresas privadas que exercem atividades

essenciais.

As Convenções ns. 87 (1948) e 98 (1914), sobre liberdade sindical,

direito de sindicalização e de negociação coletiva, não fazem alusão ao

tema, o mesmo ocorrendo com a Convenção n. 151 (1978), sobre relações

de trabalho na Administração Pública.

O Comitê de Liberdade Sindical da Organização Internacional do


Trabalho já decidiu:

“O reconhecimento do princípio da liberdade sindical aos funcio-

nários públicos não implica, necessariamente, o direito de greve.”

Pronunciou-se, também, em outra ocasião, nos seguintes termos:

“O direito de greve na função pública pode ser objeto de restrições

e inclusive de proibições.”

A Organização Internacional do Trabalho incentiva a conciliação e a

arbitragem como alternativas para os setores nos quais a greve pode ser

534

proibida e sustenta que a greve, nesses setores, não deve ser penalizada

como delito, embora passível de penas administrativas.

A Reunião de Peritos (1963) decidiu:

“Os procedimentos voluntários de conciliação e arbitragem, tal

como estão definidos na Recomendação n. 92 sobre Conciliação

e Arbitragem Voluntárias (1951), deveriam ser estabelecidos em

todos os níveis administrativos adequados, levando-se em conta o

aspecto jurídico e os costumes nacionais em matéria de relações

coletivas na função pública.”

A Conferência Técnica sobre Serviço Público, realizada em Genebra,

em 1975, igualmente sugere a negociação, a conciliação e a arbitragem para

que, nas funções públicas, não se tenha de recorrer a outras medidas.

Há levantamentos estatísticos da Organização Internacional do Traba-

lho, em relatórios de 1970, mostrando que é frequente a greve em países

que a proíbem.
Quanto aos serviços essenciais, o Comitê de Liberdade Sindical

os considera aqueles cuja interrupção pode colocar em perigo a vida, a

segurança ou a saúde das pessoas, em parte ou na totalidade da população,

e não simples incômodo aos cidadãos.

Há manifestações desse órgão, considerando como tais os serviços

ferroviários, telefônicos, postais, telegráficos, de funcionamento e manutenção

de aeroportos, prevenção de contrabando e os serviços alfandegários.

Não considerou essenciais bancos, empresas petroleiras, monopólios

estatais de álcool, fumo, sal, casa da moeda e agência gráfica do Estado.

O Comitê de Liberdade Sindical sustenta que a greve pode ser limitada

ou proibida e defende a adoção de mecanismos alternativos nos casos de

supressão do direito.

535

CAPÍTULO 44

A GREVE NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

1. EVOLUÇÃO DA LEGISLAÇÃO

Desde logo é possível dizer que, no período liberal que se iniciou com

a República, a greve foi considerada uma liberdade dos trabalhadores, sem

leis que a regulamentassem, sendo logo descartada a sua proibição pelo

Código Penal. A prática da greve adquiriu uma dimensão maior; o Estado

liberal a tolerou, mas, esporadicamente, a reprimiu. A inexistência de leis de

greve agiu como uma faca de dois gumes, permitindo o seu exercício, sem

restrições, e, de outro lado, a eventual intervenção do Estado.

No I Congresso Operário, de 1906 até 1920, quando os trabalhadores,


em grande parte, eram influenciados pelos anarquistas com o positivismo,

defensor da greve como recurso válido(1) e com as doutrinas reformistas em

geral, a greve foi valorizada como uma necessária forma de pressão que não

poderia ser recusada aos trabalhadores(2).

As Constituições de 1824 e de 1891 silenciaram sobre a greve que não

era disciplinada por leis trabalhistas, mas foi proibida pelo Código Penal, de

1890 (Decreto n. 847, de 11 de outubro), mesmo quando pacífica. Nosso

Código foi influenciado pelo Código Penal da Itália, de 1889.

A proibição não se manteve por muito tempo. Não havia coerência em

dar à greve tratamento penal, quando o princípio político era o liberal.

Em consequência, o Decreto n. 1.162, de 12 de dezembro de 1890,

passou a punir, apenas, a violência no exercício da greve, orientação que, para

Evaristo de Moraes, pode ser interpretada como o primeiro reconhecimento

do direito de greve em nosso país.

Foi uma grande conquista da época considerar ilícita a violência

praticada no seu exercício, mas não a greve em si, solução que coincide com

a adotada pelos países europeus que democratizaram a greve, separando

nitidamente o direito em si e os abusos ou excessos ocorridos, enquadráveis

nas figuras típicas das leis criminais como a lesão corporal, o crime de dano,

o sequestro etc.

Entendeu-se que, como todo cidadão que comete atos de violência

contra pessoas ou coisas é passível de incriminação penal, não é a greve

(1) História do positivismo no Brasil. São Paulo: Nacional, 1964. p. 563.

(2) Movimentos operários no Brasil, 1877-1944. São Paulo-Rio de Janeiro: Difel, 1979. p. 197.
536

fato excludente da criminalidade, talvez apenas atenuante, em razão do

animus ou elemento subjetivo que move o agente.

Com a Revolução de 1930, o governo provisório e a política trabalhista

de Getúlio Vargas, inicia-se um período em que a greve, apesar da postura

omissiva da Constituição de 1934, submete-se a critérios restritivos e

corporativistas.

É sabido que o corporativismo defende uma sociedade sem luta de

classes, voltada para a paz social, integrativa das forças produtivas da Nação

— os trabalhadores e os empresários. A influência corporativa é predominante

durante a maior parte do período de Vargas, adquirindo proporções máximas

de autoritarismo com a Constituição de 1937, cujo texto é categórico:

“Art. 139. Para dirimir os conflitos oriundos das relações entre empregadores e

empregados, regulados na legislação social, é instituída a Justiça do Trabalho, que será

regulada em lei e à qual não se aplicam as disposições desta Constituição relativas à

competência, ao recrutamento e às prerrogativas da Justiça comum.

A greve e o lockout são declarados recursos antissociais, nocivos ao trabalho e ao

capital e incompatíveis com os superiores interesses da produção nacional.”

Outros diplomas legais sobre greve foram promulgados, dentre os quais

o Decreto-lei n. 431 (1938), sobre segurança nacional, considerando crime o

incitamento de funcionários públicos à greve; o Decreto n. 1.237 (1939), que

se transformou no art. 722 da Consolidação das Leis do Trabalho, prevendo

punições aos empregados que, coletivamente e sem prévia autorização

do Tribunal do Trabalho, viessem a abandonar o serviço ou desobedecer


à decisão judicial; e o Código Penal (1940), que pune a violência contra

coisa e pessoa em razão de greve, considerando, também, como infração

penal a paralisação de trabalho seguida de perturbação da ordem pública ou

contrária ao interesse coletivo (arts. 200 e 201).

Esse último texto (CP de 1940, art. 202) pune com reclusão, de um a

três anos, o ato de “invadir ou ocupar estabelecimento industrial, comercial

ou agrícola, com o intuito de impedir ou embaraçar o curso normal do

trabalho ou, com o mesmo fim, danificar o estabelecimento ou as coisas nele

existentes ou delas dispor”.

Não há dúvida sobre as ideias básicas que presidiram nosso sistema

de relações de trabalho durante esse longo período restritivo, de cerca de

dezesseis anos, voltados para a concepção publicista das relações coletivas

de trabalho, de modo que os sindicatos deveriam, como afirmou Oliveira

Viana(3), gravitar em torno e à sombra do Ministério do Trabalho. A criação

concomitante da Justiça do Trabalho, hoje totalmente desvinculada das suas

(3) Problemas de direito sindical. Rio de Janeiro: Max Limonad, 1943.

537

origens políticas, fez parte do mesmo projeto corporativista. Foi instituída

para evitar conflitos de grupos sociais, exercendo o poder normativo para a

composição judicial dos dissídios coletivos, no lugar da negociação direta,

praticamente sem espaços para as técnicas que a complementam no direito

privado, a mediação e a arbitragem. No Estado Novo, talvez se acreditasse

que seria possível construir uma sociedade sem disputas trabalhistas.

O certo é que, nesse quadro, não houve ambiente propício para a greve,
que não foi um direito dos trabalhadores. Ampliou-se, consideravelmente, a

legislação atribuindo direitos individuais aos trabalhadores; inicialmente, com

os decretos por profissões e depois com a CLT (1943). Os direitos coletivos

foram contidos e disciplinados sob o rigor de uma legislação antidemocrática.

Modificam-se, a partir de 1946, as ideias sobre a greve, até então ilegal;

a greve passou a ser direito dos trabalhadores, protegido pela ordem jurídica.

Tudo indica que uma das principais razões dessa mudança foi de ordem

internacional. A Conferência de Chapultepec reuniu, no México, de 21 de

fevereiro a 8 de março de 1945, as nações americanas que aprovaram, como

também o Brasil, recomendação favorável ao reconhecimento do direito de

greve.

Daí a aprovação, pelo governo brasileiro, do Decreto-lei n. 9.070,

de 1946, primeira lei ordinária que disciplinou a matéria, definiu a greve,

permitindo-a nas atividades acessórias.

Houve discussões sobre a sua inconstitucionalidade, já que surgia

em plena vigência da Carta de 1937, que, taxativamente, proibia a greve.

Contudo, levada a questão ao Judiciário, o Supremo Tribunal Federal (RE

n. 48.207-SP, Rel. Min. Gallotti) considerou compatíveis as duas normas

jurídicas, passando a ser essa, também, a orientação do Tribunal Superior

do Trabalho.

A controvérsia perdeu todo o sentido com a Constituição de 1946,

precedida pelo Decreto-lei n. 9.070/46, que, no art. 158, declarou:

“É reconhecido o direito de greve, cujo exercício a lei regulará.”

Imprimiu-se, assim, a nova orientação sobre a greve, agora como


direito, e não mais como delito, em consonância com as constituições de

outros países, como a da Itália (1947), ao declarar que “o direito de greve se

exercita no âmbito da lei que o regule” (art. 40), e a da França (1946), que —

no preâmbulo — dispõe que “o direito de greve se exerce no quadro das leis

que o regulamentam” (alínea 7), e outras.

Com o referido Decreto-lei, a greve passou a ser um direito com

limitações, exercitado depois de esgotados os meios legais para remediar as

suas causas, portanto, como ultima ratio.

538

Não é por outra razão que, somente depois de ajuizado o dissídio

coletivo na Justiça do Trabalho, a greve poderia ser deflagrada (art. 9º); e “a

cessação do trabalho, em desatenção aos processos e prazos conciliatórios

ou decisórios previstos nesta Lei, por parte dos empregados em atividades

acessórias, e, em qualquer caso, a cessação do trabalho por parte de

empregados em atividades fundamentais, considerar-se-á falta grave para

os fins devidos, e autorizará a rescisão do contrato de trabalho” (art. 10).

Diante da proibição da greve nas atividades essenciais, os Tribunais

do Trabalho foram investidos de poderes para determinar a ocupação do

estabelecimento e nomear depositário para assegurar a continuidade dos

serviços até a cessação da paralisação (art. 11, parágrafo único).

A relação dessas atividades pela lei foi a seguinte (art. 3º): serviços de

água, energia, fontes de energia, iluminação, gás, esgotos, comunicação,

transportes, carga e descarga nos estabelecimentos de venda de utilidades

ou gêneros essenciais à vida das populações, matadouros, lavoura e na


pecuária, colégios, escolas, bancos, farmácias, drogarias, hospitais e serviços

funerários, indústrias básicas ou essenciais à defesa nacional, permitida a

inclusão de outras atividades por ato do Ministro.

Não se afastou a conotação penal de alguns atos que, a rigor, não

deveriam ter esse caráter, como “deixar o presidente do sindicato ou o

empregador, em se tratando de atividade fundamental, de promover solução

de dissídio coletivo” (art. 14, 1); além da penalidade de destituição do cargo,

a lei previu a intervenção no sindicato pelo Estado.

Nada dispunha o referido Decreto-lei sobre greve de funcionários

públicos.

Esse foi o sistema jurídico vigente até 1964 e que se tornou ineficaz

à época das greves políticas e econômico-salariais verificadas durante o

governo de João Goulart, de tal modo que terminou essa fase com uma

acentuada divergência entre as normas legais e a realidade social, com o

que foram iniciados estudos para a elaboração de nova lei de greve, capaz

de corresponder melhor às necessidades que o governo desejava atender.

Com as modificações políticas ocorridas a partir de 1964, foi promulgada

nova Lei de Greve (Lei n. 4.330/64).

A Nova República passou a conviver com uma contradição, a diferença

entre norma e práxis: aquela, restritiva do exercício do direito; esta, fazendo

tábula rasa das restrições legais à greve — os fatos se distanciaram, bastante,

da lei.

A primeira questão que sobre essa lei surgiu foi a da inconstitucionalidade.

Estabelecia condições para a greve em atividades essenciais, enquanto a


Constituição de 1964, que estava em vigor, não o fazia; ressurgiu no debate

539

um tema de sempre: a garantia ilimitada do direito, na Carta Magna, e a adoção

de critérios restritivos na lei ordinária. No entanto, os Tribunais do Trabalho

interpretaram a nova lei, afastando as alegações de inconstitucionalidade.

A Constituição de 1967 proibiu a greve nos serviços públicos e atividades

essenciais (art. 162).

O segundo ponto é a origem da Lei n. 4.330/64: para alguns, produto da

Revolução de 1964; para outros, fruto de ideias anteriores. Segundo o Min.

Arnaldo Lopes Süssekind(4), a elaboração da norma é anterior à Revolução

de 1964. Este é o depoimento:

“A Lei n. 4.330 não é um produto da Revolução de 64. Se os

senhores verificarem a data em que ela foi promulgada, vão

constatar que ela é de 5 de junho de 1964. Ora, como seria possível

uma revolução, cujo governo Castello Branco, tomou posse no

dia 11 de abril de 1964, ter mandado um projeto, ao Congresso

Nacional, aprovado pela Câmara e pelo Senado Federal, para ser

promulgada a 3 de junho? Na realidade, trata-se de um projeto de

iniciativa da Câmara dos Deputados, feito tal como a lei física de

Newton: ‘A toda ação corresponde uma reação igual ou contrária’;

feita em 1963, pela Câmara dos Deputados, para reagir contra a

multiplicação de greves que eclodiram nos anos de 1962 e 1963,

quando tudo parava, a todo momento, por qualquer motivo.

Esse foi o projeto substituído por outro, no Senado Federal, com a


participação bastante ativa do senador do Rio Grande do Sul, cujo

nome pronuncio com reverência, o Senador Daniel Krieger.

Esse substitutivo voltou à Câmara e aí aprovado, já então, no gover-

no Castello Branco. A Lei n. 4.330 não é um produto da Revolução

de 64, não decorreu de mensagem do Poder Executivo; foi uma

resultante da reação do Congresso Nacional diante das greves.”

O terceiro aspecto que sobre a lei foi levantado é quanto à sua avaliação

da greve. Para alguns, como Segadas Vianna(5), “somente por eufemismo

poderíamos admitir que temos, na legislação brasileira, consagrado o direito

de greve”. Justifica a sua posição dizendo: “como falar em direito de greve, se

as entidades sindicais temem se manifestar, porque seus dirigentes podem ser

punidos, porque os orçamentos são sujeitos ao crivo do Ministério do Trabalho

e se a quase-totalidade deles se sustentam graças à chamada contribuição

sindical?” Para Orlando Gomes e Elson Gottschalk(6), “a atual lei de greve cria,

realmente, sérios obstáculos ao seu exercício, no seu conjunto”.

(4) Anais do I Fórum Brasileiro da Justiça do Trabalho. Gramado, 1984. p. 8.

(5) A greve e o direito constitucional. São Paulo: LTr, 49 (9):1051, set. 1985.

(6) Curso de direito do trabalho. Op. cit. , p. 94.

540

O quarto problema são as limitações da greve.

A visão dos sindicatos, com o apoio de alguns políticos, foi, francamente,

contrária à legislação vigente como também a qualquer tipo de legislação.

Tornou-se frequente falar sobre a Lei n. 4.330/64, de Lei Antigreve, destinada

a impedir o direito de greve, no contexto da Revolução de 1964 e como


parte do arsenal jurídico coativo do regime militar, acompanhada de outros

instrumentos legais de igual finalidade, como a Lei de Segurança Nacional

e a lei sobre greve em atividades essenciais e nos serviços públicos. A Lei

de Segurança Nacional (Lei n. 6.620, de 1978) previu punições àqueles que

incitassem a paralisação de serviço público e atividades essenciais, bem

como aos grevistas. Introduziu-se proibição na Constituição Federal (art.

162) e penalidades na legislação ordinária (Decreto-lei n. 1.632, de 1978,

para servidores públicos, art. 6º). A proibição estendeu-se ao pessoal das

autarquias e órgãos da Administração direta, regidos pela Consolidação das

Leis do Trabalho (Lei n. 6.158, de 1978), e aos empregados das sociedades

de economia mista (Lei n. 6.128, de 1974).

Foram, também, proibidas greves das pessoas que exerçam atividades

essenciais (CF, art. 162) enumeradas pela lei (Decreto-lei n. 1.632, de 1978):

greves políticas, de solidariedade, fins religiosos, sociais, portanto, as que

não tivessem fins trabalhistas (Lei n. 4.330, de 1964).

Como a Lei n. 4.330, ao definir greve, o fez sublinhando que esse

direito era assegurado àqueles que prestam serviços a empregador,

surgiram interpretações no sentido de que foi garantido o direito apenas aos

empregados, excluídos os autônomos, eventuais, temporários e avulsos.

O quinto problema, talvez o de menos difícil solução, foi o das

formalidades exigidas, pela lei, para a proclamação da greve: o procedimento

sindical de assembleia, quorum para a aprovação, escrutínio secreto, prazos,

comunicações, aviso-prévio etc.

O sexto problema foi o dos mecanismos de tutela do Estado, incluindo:


uma fase extrajudicial, de convocação compulsória dos interlocutores sociais

para mediação oficial pela Delegacia Regional do Trabalho, denominada

mesa-redonda; e uma fase judicial, o dissídio coletivo perante a Justiça do

Trabalho, no qual foi prevista a declaração da ilegalidade da greve, arma

do empregador, para dispensa dos grevistas, com o que, como questão

complementar e de igual importância, surgiu a indagação, ainda não

satisfatoriamente respondida; o empregado que participa de greve ilegal

incorre em justa causa?

Há decisões como a seguinte: “Não constitui falta grave a participação

passiva do empregado em greve cuja eclosão fora determinada pelo

correspondente sindicato” (TST, RR n. 2.473/66, 3ª Turma, 28.3.67, Rel.

Min. Arnaldo Süssekind, in Acórdãos no TST. São Paulo, LTr, 1968, p. 73.).

541

O mesmo Tribunal também tem decisões em contrário: “A participação,

embora pacífica, em greve ilegal, constitui falta grave” (TST, RR n. 196/70,

17.3.70, 2ª Turma, Rel. Min. Mozart Victor Russomano, in “Leis do trabalho e

jurisprudência”, São Paulo, Mapa Fiscal, 5:21, 1978.).

Há outras decisões: “a participação pacífica em greve, em atividade não

enquadrável como essencial, face ao Dec.-lei n. 1.632, de 4.8.78, não autoriza

a punição do empregado” (TST, RR n. 1.129/83, 1ª Turma, Rel. Min. Marco

Aurélio Mendes de Farias Mello, in Calheiros Bomfim e Silvério dos Santos,

Dicionário. 20. ed. Rio de Janeiro: Trabalhistas, 1985. p. 320.). O mesmo

Tribunal decidiu, também, que, “não tendo havido excessos e constituindo

o aliciamento pacífico uma garantia dos grevistas, o reclamante não poderia


ter sido punido com a rescisão do seu contrato de trabalho” (TST, RR n.

6.229182, Ac. 680/84, 3ª Turma, Rel. Min. Orlando Teixeira da Costa, DO,

4.5.84, p. 6.742.).

Outro pronunciamento: “É discricionária e, portanto, injusta a despedida

de apenas alguns, dentre todos os empregados que participaram do

movimento grevista da empresa” (TST, RR n. 4.554/81, Ac. n. 2.421/82, 3ª

Turma, 6.8.82, Rel. Min. Luiz Roberto de Rezende Puech, LTr, 47(3):326.).

Entendemos que a participação do empregado em greve ilegal configura

justa causa para a sua dispensa na medida proporcional à sua influência na

deflagração, continuidade ou não encerramento do movimento abusivo, ou se

durante o mesmo incorrer em uma das hipóteses previstas na CLT, art. 482.

Ainda dentro das questões que surgiram está a da instauração, de

ofício, de dissídio coletivo.

Quanto à ideia de greve-delito, remanescente na Lei n. 4.330/64 — ao

considerar crime contra a organização do trabalho “promover, participar ou

insuflar greve ou lockout com desrespeito à lei” —, não foi adequada à ideia

de que a greve deve gerar medidas dentro do direito do trabalho, ficando

para o direito penal apenas a punição dos atos de crime comum.

A exata dimensão atribuída à greve pela Constituição de 1988 não foi

interpretada de modo uniforme pelas forças sociais interessadas. Surgiram

entendimentos divergentes, desde a compreensão da greve como um

direito irrestrito e insuscetível de qualquer tipo de limitação, defendida por

parte do movimento sindical, até a visão da greve como ato passível de

constrangimento e de punições. Divergiu-se, também, sobre a possibilidade


da regulamentação do seu exercício, já que, para alguns, não caberia, sem

atritos com a Constituição, a elaboração, pelo Congresso Nacional, de uma

lei ordinária de greve.

A primeira posição assumida pelo Poder Legislativo foi a de se omitir,

deixando de aprovar um texto legal, não por falta de projetos, já que diversos

542

haviam sido apresentados, mas em razão da própria indefinição sobre

os rumos a serem imprimidos à questão, postura que, de algum modo,

somada às dificuldades encontradas pelo governo para enfrentar a inflação

e aos efeitos que se refletiram sobre os salários, estimulou o aumento do

número de greves no País. Há dados do governo segundo os quais foram

deflagradas, em 1985, 1.289 greves; em 1986, 2.282; em 1987, 2.313; em

1988, 2.241; de janeiro a abril de 1989, 1.288 greves. A maior conflitividade

verificou-se no setor público: 60% do total das greves. A frequência da greve

em atividades essenciais, como transportes, repercutiu negativamente sobre

boa parte da população, além de provocar reações do Estado, no sentido

de ser regulamentado o texto constitucional. Esse é, em linhas muito gerais,

o contexto em que surgiu a Medida Provisória n. 50, expedida pelo Poder

Executivo.

A Medida Provisória n. 50 expressou uma concepção restritiva do direito

de greve, mediante dispositivos destinados a formalizar o período prévio

à declaração da greve pelos trabalhadores: a enumeração das atividades

essenciais, nas quais a greve só pode ser exercida sob a condição da garantia

do atendimento dos serviços inadiáveis de que necessita a comunidade; a


requisição civil de pessoas, para que prestem esses mesmos serviços; e a

penalização, como infrações penais, de diversos atos que foram considerados

excessivos ou abusivos.

Os especialistas que se manifestaram sobre a referida Medida, embora

concordando com a conveniência da regulamentação legal do exercício

do direito de greve, não deixaram de formular algumas críticas a aspectos

técnicos do texto.

Cássio Mesquita Barros Júnior(7) fez as seguintes observações: “A

Medida Provisória n. 50 dispõe que o direito de greve só pode ser exercido

pelo sindicato dos trabalhadores e não por coalizões informais. Duas ordens

de considerações podem servir de suporte a essa postura: 1) a greve sendo

uma instituição conexa à negociação coletiva só pode ser utilizada por

entes dotados de capacidade negociadora; 2) os agrupamentos ocasionais

não têm capacidade negociadora e por isso os sindicatos ou as empresas

devem ser necessariamente partes. Essas considerações esquecem, porém,

que: a) essa posição priva do direito de greve os trabalhadores onde não

exista sindicato organizado; b) os trabalhadores aceitam uma representação

enquanto esta lhes proporciona uma autotutela explicando a variedade de

representações que estão sempre a escolher para a promoção de seus

interesses e, bem assim, que o direito de greve pertença aos trabalhadores

individualmente, inclusive perante o próprio sindicato”. Acrescentou que “a

(7) A greve e a medida provisória.

Folha de S. Paulo, B2, 12 maio 1989.


543

exigência do referido quorum da greve em assembleia à qual compareçam

1/3 (um terço) dos associados da entidade sindical constitui uma importante

limitação do direito de greve. O quorum preconizado se mede em relação aos

associados do sindicato. Isso quer dizer que os trabalhadores de uma empresa

que desejam se meter em greve devem submeter as suas reivindicações ao

crivo dos associados da entidade sindical a que pertençam”.

Não há dúvida de que a expedição desse ato do Poder Executivo refletiu

o propósito, reclamado por forças atuantes, de uma sinalização do Estado,

capaz de mostrar que a ilimitação do direito de greve não seria aceita.

Reconhece-se, também, que, sob o aspecto político, a iniciativa não poderia

ser bem recebida pelas correntes, no Congresso Nacional, representativas

dos interesses dos sindicatos de trabalhadores, pelo seu alcance efetivamente

inibitório do direito de greve.

Recebida e processada a mencionada Medida, operava-se, desde logo,

a sua rejeição pelo Congresso Nacional, que em seu lugar editaria uma lei de

conteúdo mais brando, expurgada dos mecanismos considerados exagerados.

Para esse fim, o Legislativo dispunha do prazo de trinta dias, findo o qual

cessaria a vigência da norma. Decorrido o prazo, não houve consenso dos

parlamentares em torno da proposta apresentada pelo Senador Ronan Tito,

relator do projeto, e que em vários aspectos atendia à ideia de adequação

das novas regras aos imperativos políticos e sociais. Diante da expiração do

prazo de vigência da Medida Provisória n. 50 e à falta de aprovação de lei

pelo Congresso, o Poder Executivo, para evitar um vácuo legislativo, usou o


expediente de reproduzir o mesmo ato, agora como Medida Provisória n. 59,

com o prazo de trinta dias de vigência, permitindo que o Congresso pudesse

dispor de um pouco mais de tempo para a efetivação dos acertos políticos

capazes de levar a um consenso das lideranças partidárias em torno de um

texto em condições de receber o apoio da maioria.

Pelo projeto de lei de conversão da Medida Provisória n. 59, o Congresso

Nacional aprovou a Lei n. 7.783, de 28 de junho de 1989, que passou a reger

a matéria.

A comparação entre a nova lei de greve e as normas anteriores mostra

a sua concepção mais flexível, em consonância com a Constituição Federal

de 1988.

2. DEFINIÇÃO

A Constituição de 1988 não conceitua greve. No entanto, fixa a sua

dimensão, de modo amplo, ao dispor que compete aos trabalhadores definir

a oportunidade e os interesses a defender por meio da greve (art. 9º), com o

544

que tanto a conveniência da greve (a sua oportunidade) como a sua finalidade

(tipos de interesses) serão determinados pelos próprios trabalhadores.

A impressão inicial que se tem é que o direito de greve é ilimitado. Mas

não é assim, já que as limitações são resultantes do próprio conceito de

greve. Com efeito, o que a Constituição protege é a greve. Não dá respaldo

a outros atos coletivos de protesto, não enquadráveis no conceito de greve.

Estes, não tendo o respaldo constitucional, afiguram-se como atos ilícitos.

Ao dizer que compete aos trabalhadores definir a oportunidade e os


interesses a defender pela greve, a Constituição está dizendo, o que não

está muito claro, quem é detentor da titularidade do direito de greve. Como a

lei ordinária exige deliberação da assembleia sindical para a greve, segue-se

que ao sindicato compete declarar a greve, mas não fazer a greve, uma vez

que só os trabalhadores de fato a podem exercer. Lobo Xavier, em Iniciação

ao direito do trabalho (1994), comentando a lei portuguesa — nesse ponto

semelhante à brasileira —, assim se posiciona: “Os sindicatos e organizações

de trabalhadores podem decidir da greve, mas só os trabalhadores

individualmente considerados a podem de fato exercer. Assim se disse, já

expressivamente, que os sindicatos não podem fazer a greve, mas apenas

declará-la. Com efeito, a greve decidida e não desconvocada pode afinal não

se verificar. Se os trabalhadores se negarem a acatar a ordem de greve do

seu sindicato ou a acolher ao convite que a organização sindical lhes está

a dirigir, não se poderá falar com plena propriedade de situação de greve”.

Desse modo, ganha importância o conceito de greve, e desde logo é

possível afirmar que dele resulta a dimensão do exercício do direito.

Não é por outra razão que os defensores da concepção ampla, que

são contrários a uma definição legal, a defende — uma conceituação não

dedutiva de um enunciado a priori, mas alcançada indutivamente a partir da

práxis, segundo o desenvolvimento histórico dos movimentos grevistas.

A Lei n. 7.783, de 1989, art. 2º, declara que, “para os fins desta Lei,

considera-se legítimo exercício do direito de greve a suspensão coletiva,

temporária e pacífica, total ou parcial, de prestação pessoal de serviços a

empregador”, daí resultando o conceito de greve que passa a ser analisado.


Primeiro aspecto a observar é que greve é a suspensão da prestação

de serviços, de modo que fica afastada do conceito a denominada greve de

zelo, durante a qual os empregados continuam em serviço, mas, se esmeram

na sua execução para provocar propositado atraso, o que não deixa de ser

uma forma de boicotagem. Os trabalhadores cumprem rigorosamente os

regulamentos da empresa, todavia, fazendo-o com a finalidade exatamente

de prejudicar a produção como forma de protesto. Se greve é a cessação do

trabalho, não é greve a prestação negligente do serviço com fins conflitivos.

545

A greve de zelo, contrariando o conceito legal de greve do art. 2º da Lei

n. 7.783, de 1989, é ilegal ou abusiva. É o trabalho lento, defeituoso, com

falta de colaboração, quadro esse que não coincide com a paralisação da

prestação de serviços a que se refere a lei ao definir greve.

Segundo ângulo a sublinhar é que greve é a paralisação coletiva do

trabalho de um grupo, um número indeterminado, sempre de uma coletividade,

não sendo greve um ato individual.

Terceiro traço a ressaltar é que greve é paralisação temporária do

trabalho, por certo tempo, e não definitiva, porque, se o propósito manifesto

é este, haverá abandono de emprego e não greve. O abandono de emprego

pressupõe o ânimo, a intenção de romper definitivamente o contrato de

trabalho, e só quando estiver claro esse aspecto subjetivo é que ficará

caracterizado.

Quarta nota definidora da greve é a natureza pacífica da paralisação;

assim, o conflito violento, com o constrangimento à pessoa ou coisa,


desvirtua-se dos parâmetros do art. 2º da Lei n. 7.783/89, passando, com o

desvio, a constituir abuso de direito.

Quinto sinal distintivo da definição da greve é a extensão total ou parcial

da paralisação, medida não em função do trabalho não prestado por um

empregado, mas do número de empregados envolvidos na paralisação, de

forma que a greve poderá atingir parte de uma seção da empresa, toda a seção,

um departamento, um setor, apenas os horistas, os horistas e mensalistas, o

pessoal da oficina, o pessoal da administração, ambos, uma categoria, parte

de uma categoria, diversas categorias, todos os trabalhadores etc.

A Constituição Federal, art. 9º, imprimindo flexibilidade ao direito de

greve, declara que compete aos trabalhadores “decidir sobre a oportunidade

de exercê-lo e sobre os interesses que devem por meio dele defender”, texto

reproduzido pelo art. 1º da Lei n. 7.783, de 1989, de modo que os comentários

que aqui se fazem adequados são os mesmos expendidos sobre o texto

constitucional.

Oportunidade quer dizer conveniência, mas, também, ocasião favorável,

com o que é preciso saber qual o sentido do texto constitucional que confere

aos trabalhadores o poder de decidir a oportunidade da greve (CF, art. 9º).

Não há dúvida de que cabe aos trabalhadores resolver se convém

fazer greve. É uma decorrência natural da titularidade do direito. O juízo

da conveniência da greve é atribuído aos trabalhadores, sendo esse o

significado da expressão “oportunidade”. Se o sentido da expressão fosse

o de ocasião favorável, não haveria como compatibilizá-la com a proibição

natural de greves na vigência de convenções ou acordos coletivos, bem


546

como de sentenças normativas, uma vez que esses instrumentos coletivos

consubstanciam exatamente a decisão do conflito. Não teria sentido,

solucionada a disputa, voltar à greve em torno das mesmas pretensões

que já foram objeto de negociação ou de decisão judicial. Essas razões

são suficientes para mostrar que seria ilógico interpretar que a greve

pode ser deflagrada a qualquer momento. Em outros países são usuais

as “cláusulas de paz”. São cláusulas que as partes incluem nos contratos

coletivos e por meio das quais os trabalhadores se comprometem a não

fazer greve na vigência do acordo que firmaram. O descumprimento da

obrigação convencionada caracteriza abuso de direito. No Brasil, não há

a utilização dessas cláusulas porque a lei (Lei n. 4.330/64) generaliza a

referida proibição. Se a proibição for mantida por lei, nenhuma ofensa

à Constituição haverá, uma vez que a greve não pode contrariar a sua

natural função de instrumento oportuno de defesa de interesses dos

trabalhadores. A inoportunidade da greve não encontra agasalho no

sistema constitucional, nem no conceito de greve.

3. ATIVIDADES ESSENCIAIS E SERVIÇOS INADIÁVEIS

No Brasil, a primeira norma disciplinadora da matéria é de 1943, o

Decreto-lei n. 5.452 (CLT), ao dispor, no art. 725, § 1º, hoje revogado, que

a paralisação de serviços públicos sujeitaria os infratores a penalidades

restritivas da liberdade de locomoção.

Seguiu-se o Decreto-lei n. 9.070, de 1946.

Relacionou as atividades fundamentais: serviços de água, energia,


fontes de energia, iluminação, gás, esgoto, comunicações, transportes,

carga e descarga nos estabelecimentos de venda de utilidades ou gêneros

essenciais à vida das populações, matadouros, na lavoura e pecuária, nos

colégios, escolas, bancos, farmácias, drogarias, hospitais, serviços funerários

e nas indústrias básicas ou essenciais à defesa nacional.

Permitiu ao Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio, atualmente

Ministro do Trabalho e Emprego, incluir, por portaria, outras atividades.

Autorizou o Tribunal do Trabalho a ordenar a ocupação do estabeleci-

mento, nomeando depositário para assegurar a continuidade dos serviços

“até que cesse a rebeldia do responsável”.

Capitulou como crime contra a organização do trabalho deixar o

presidente do sindicato de promover a solução do dissídio.

A Constituição de 1946 nada dispôs sobre a matéria.

547

Diante da omissão do texto constitucional, surgiram dúvidas sobre a

constitucionalidade do Decreto-lei n. 9.070/46, restritivo que era.

O Supremo Tribunal Federal, no entanto, decidiu que não houve a

revogação do decreto-lei pela Constituição (RE n. 48.207, DJ, 16 jun. 1963,

pág. 3074), e declarou falta grave a participação do empregado nessas greves

(AI n. 19.758, DJ, 27 jun. 1960, pág. 918); e o Tribunal Superior do Trabalho

traçou diretriz segundo a qual, até que lei ordinária regulamentasse o direito

de greve a que aludia a Constituição, o Decreto-lei n. 9.070/46 estaria em

vigor (TST, Proc. n. 1.267/49, DJ, 5 jun. 1953, p. 1553).

A norma seguinte foi a Lei n. 4.330, de 1964.


Proibiu a greve de funcionários públicos e servidores da União, Estados,

Territórios, Municípios e autarquias, salvo em se tratando de serviço industrial

e se o pessoal não recebesse remuneração fixada por lei ou estivesse

amparado pela legislação trabalhista (art. 4º).

Relacionou as atividades fundamentais com uma lista menor do que a

do Decreto-lei n. 9.070/46, considerando-as os serviços de água, energia,

luz, gás, esgoto, comunicações, transportes, carga e descarga, serviço

funerário, hospitais, maternidades, venda de gêneros alimentícios de

primeira necessidade, farmácias e drogarias, hotéis e indústrias básicas ou

essenciais à defesa nacional (art. 12).

Dispôs que nos transportes terrestres, marítimos, fluviais e aéreos, a

paralisação do trabalho em veículos em trânsito e dos respectivos serviços só

seria permitida após a conclusão da viagem, nos pontos terminais (art. 13).

Previu a possibilidade de funcionamento de turmas para guarnecer

e fazer funcionar os serviços fundamentais que não pudessem ser

interrompidos (art. 14), bem como de turmas de emergência, a requerimento

do empregador e por determinação do Tribunal do Trabalho, com o pessoal

estritamente necessário à conservação das máquinas e de modo a permitir o

reinício dos trabalhos logo após a greve (art. 15).

Fixou em dez dias o prazo do aviso-prévio de greve (art. 10) e em setenta

e duas horas nos casos de greve por falta de pagamento de salários (art. 16).

A Constituição de 1967, com a Emenda Constitucional de 1969, proibiu

a greve no setor público e atividades essenciais definidas em lei.

Não há dúvida de que a Constituição remeteu para a lei ordinária a


enumeração das atividades essenciais nas quais a greve era proibida. O

Decreto-lei n. 1.632, de 1978, refere-se aos serviços públicos federais,

estaduais e municipais, de execução direta, indireta, delegada ou concedida

(art. 1º, § 2º). A Lei n. 6.185, de 1974, proíbe a greve do pessoal do setor

público contratado pela Consolidação das Leis do Trabalho (art. 3º).

548

Em cumprimento ao mandamento constitucional de 1967 foi expedido

o Decreto-lei n. 1.632, de 1978, que incluiu o tema na esfera do interesse da

segurança nacional, relacionando entre as atividades essenciais, nas quais a

greve é proibida, as relativas à água, esgoto, energia elétrica, petróleo, gás e

outros combustíveis, bancos, transportes, comunicações, carga e descarga,

hospitais, ambulatórios, maternidades, farmácias e drogarias, bem assim as

de indústrias definidas por decreto do Presidente da República. Essa parte

final é de constitucionalidade discutível, uma vez que, de acordo com a

Constituição Federal de 1961, a lei, e não o decreto, é a norma por meio da

qual podem ser feitas as referidas restrições.

O mesmo Decreto-lei n. 1.632/78 declarou que são igualmente

essenciais e de interesse da segurança nacional os serviços públicos

federais, estaduais e municipais, de execução direta, indireta, delegada ou

concedida (art. 1º, § 2º).

Ampliou o conceito de greve, para declarar como tal não apenas a

paralisação, mas também a diminuição do ritmo de trabalho (art. 2º).

Fixou penalidades para os grevistas, qualificando expressamente como

falta grave a participação do trabalhador nessas paralisações (art. 3º).


Atribuiu ao Ministro do Trabalho e Emprego competência para o reconhe-

cimento de greve nessas atividades; medida estranhável e desnecessária,

porque, se entendida como competência para declaração de legalidade ou

ilegalidade, esta é do Poder Judiciário, nos termos da jurisprudência do Tri-

bunal Superior do Trabalho (Súmula n. 189).

A Constituição de 1988 assegura o direito de greve ao servidor público

civil. No entanto, o exercício do direito de greve pelo servidor público civil

depende de lei complementar, de modo que o dispositivo constitucional não é

autoaplicável (arts. 37, VI, e 42, § 5º). Foi editado, para reger os procedimentos

a serem adotados em casos de paralisações dos serviços públicos federais,

o Decreto n. 1.480, de 1995.

A greve, na Constituição de 1988 (art. 9º), é permitida em todos os

serviços, incluindo os essenciais para a vida da comunidade, o que retira

toda e qualquer possibilidade de sua ilicitude nesses serviços, ao contrário

dos critérios que vinham sendo seguidos até agora pela nossa legislação.

Caberá às autoridades e aos sindicatos promover as medidas que

julgarem adequadas para a manutenção dessas atividades essenciais, na

medida em que não venha a ser afetado o interesse maior da sociedade e

dos seus membros, que necessitarem da prestação dos serviços durante a

greve, aspecto que põe em discussão, primeiro, quais são essas atividades

e, segundo, como os sindicatos cumprirão o preceito constitucional que os

investiu de um poder e de uma responsabilidade.

549

A Constituição não confere aos sindicatos o poder de definir quais são


os serviços cuja manutenção é indispensável ao atendimento mínimo das

necessidades inadiáveis da sociedade, mas apenas lhes dá um encargo,

o de mantê-los, o que faz persistir a necessidade de uma regulamentação

esclarecedora.

No Decreto-lei n. 1.632, de 1978, há uma relação de atividades con-

sideradas essenciais que, para alguns intérpretes, é exagerada e deve ser

reduzida a partir de uma noção capaz de distinguir entre os serviços cuja

paralisação possa efetivamente prejudicar a comunidade e àqueles cuja au-

sência pode simplesmente causar um incômodo aos seus membros.

A análise do tema revela também que não seria de todo adequado

catalogar esse elenco por categorias, porque numa categoria há setores que

são e outros que não são imprescindíveis.

Razões dessa ordem levam à conclusão de que será melhor uma nova

legislação ordinária, relacionando os serviços que devem ser mantidos, e um

bom critério nos é dado pelos estudos segundo os quais essas atividades

são as que se destinam à proteção da vida, da saúde e da segurança das

pessoas. A mesma legislação poderá estabelecer critérios que sirvam de

base para a ação sindical de manutenção das atividades, mas será muito

difícil à lei encontrar a medida em que estará ou deixará de estar afetado o

interesse da sociedade. Esta é uma questão de caso concreto, própria de

um pronunciamento judicial, único capaz de avaliar as implicações de cada

situação específica. Mas não fica fora de cogitação o tratamento do problema

por meio de lei. Há o interesse da comunidade, que deve ser protegido,

portanto, um interesse geral, de toda a sociedade, o que faz da lei o meio


mais adequado para o tratamento do tema em nosso país.

A greve nos serviços essenciais é um direito sob condição. Não é

proibida pela Constituição e permitida, desde que sejam mantidos os serviços

indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade

e comunicado ao empregador e aos usuários dos serviços, com antecedência

mínima de setenta e duas horas (art. 13).

De acordo com a Constituição Federal (art. 9º, § 1º), “a lei definirá

os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das

necessidades inadiáveis da comunidade”.

Essa definição está na Lei n. 7.783, de 1989, art. 10, que dispõe: “São

considerados serviços ou atividades essenciais: I — tratamento e abastecimento

de água, produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis; II

— assistência médica e hospitalar; III — distribuição e comercialização de

medicamentos e alimentos; IV — funerários; V — transporte coletivo; VI —

captação e tratamento de esgoto e lixo; VII — telecomunicações; VIII — guarda,

550

uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares;

IX — processamento de dados ligados a serviços essenciais; X — controle de

tráfego aéreo; XI — compensação bancária”.

Nessas atividades, os sindicatos, os empregadores e os trabalhadores

ficam obrigados, de comum acordo, a garantir, durante a greve, a prestação

dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da

comunidade (art. 11). Trata-se de uma obrigação multilateral cujo atendimento

se dará mediante acordo entre o sindicato ou a comissão de representação


dos trabalhadores e o dos empregadores.

Não havendo acordo, esses serviços serão assegurados pelo Poder

Público (art. 12), mas a lei não indica por intermédio de que meio, se com

pessoal próprio do Estado, caso em que as corporações militares colaborariam,

ou se mediante os próprios trabalhadores da empresa, hipótese em que a lei

não prevê a requisição civil.

Nem todas as atividades são consideradas inadiáveis; apenas aquelas

que, “não atendidas, coloquem em perigo iminente a sobrevivência, a saúde

ou a segurança da população” (art. 11, parágrafo único). Os conceitos são

genéricos e se limitam às atividades que se desenvolvem nas categorias

relacionadas pela lei (art. 10). Assim, a assistência médica e hospitalar, desde

que necessária para a garantia da sobrevivência ou da saúde da população,

não pode, durante a greve em hospitais, cessar. O controle de tráfego aéreo

não poderá deixar de ser prestado na medida em que estiver em jogo a

segurança da população.

Será necessária a criação de jurisprudência pelos tribunais para que

fiquem claramente estabelecidas as exatas dimensões dos arts. 10, que

relaciona os serviços essenciais, e 11, parágrafo único, que conceitua as

necessidades inadiáveis da comunidade, a rigor, as únicas em que a greve

é proibida, de modo que o efeito da técnica legislativa utilizada, de tratar, em

dois dispositivos, da relação das atividades essenciais e das necessidades

inadiáveis da comunidade, trará o problema jurídico da exata conjugação

entre os dois âmbitos.

4. LIMITES LEGAIS E ABUSO DO DIREITO


A greve respaldada pela Constituição não é um direito amplo e irrestrito,

porque está sujeita a algumas limitações.

A primeira é intrínseca ao próprio conceito de greve como paralisação

coletiva temporária e pacífica da prestação de serviços, ficando afastados

551

da proteção constitucional os atos conflitivos que não se manifestarem na

conformidade das exigências dessa definição.

Observe-se ainda que o conceito de greve pressupõe que seja

estabelecida a diferença entre greve e outras formas de protesto coletivo, de

modo que estas não se enquadram nos parâmetros daquela; não obstante,

podem receber tratamento legal, restritivo ou não, em cada país. A tendência

que predomina é a da diferença entre formas gerais de protesto coletivo

e greve. Esta é admitida nos países democráticos; aquelas, mesmo nas

democracias, são rejeitadas quando violentas ou desproporcionais.

Não se confundem greve e outros atos coletivos de obstrução, que são

encontrados nos movimentos trabalhistas dirigidos contra o empregador, e

que configuram descumprimento contratual pelo trabalhador. São as figuras

a seguir enumeradas:

Boicote, de boicotar, significa fazer oposição aos negócios de uma

pessoa, de uma classe ou de uma nação. Quer dizer, não comprar

propositadamente uma determinada mercadoria ( Dicionário Melhoramentos

da língua portuguesa). Consiste na falta de cooperação dos trabalhadores

com a produção. A palavra vem de James Boycott, que foi, numa região da

Irlanda, na segunda metade do século XVIII, latifundiário, e teve de abandonar


a localidade onde vivia em decorrência da recusa dos trabalhadores em

ajudá-lo, negando-lhe toda a colaboração, a ponto de ficar marginalizado. A

essa represália deu-se o nome de boycott.

Seus meios de execução, segundo Montoya Melgar, são os seguintes:

a) um bloqueio de consumo; b) um bloqueio de emprego, impedindo os

trabalhadores contratar com um empresário ou rompendo os contratos de

trabalho mantidos com ele; c) um bloqueio de resposta, negando-se os

empregados a trabalhar com matérias-primas elaboradas por trabalhadores

não sindicalizados ou em greve. Quando, por exemplo, estivadores se

recusam a fazer a carga ou descarga de um navio ancorado no porto, em

protesto contra a sua bandeira, há um boicote.

Sabotagem consiste na destruição ou inutilização de máquinas, de

stocks etc. pelos trabalhadores, como forma conflitiva, caracterizando um

atentado contra a propriedade, punido em alguns sistemas jurídicos como

infração penal.

Os piquetes são uma técnica de pressão laboral, normalmente

complementar da greve (Montoya Melgar). Os trabalhadores anunciam à

opinião pública o conflito coletivo; tentam dissuadir outros trabalhadores de

ingressar no serviço, concitando-os à greve; outras vezes, usam de violência

para impedi-los de trabalhar durante a greve.

552

O piquete é considerado lícito na Inglaterra ( Conspiracy and Protection

of Property Act, de 1875); se pacífico, é reconhecido como legal ( Trade

Disputes Act, de 1906); ilegal será, no entanto, se prejudicial à ordem pública


ou com violação da propriedade, acarretando danos a pessoas ou coisas. É

lícito também na Itália e na Alemanha, desde que pacífico e fora do serviço.

No Brasil, o aliciamento pacífico foi garantido aos grevistas pela Lei n. 7.783,

de 1989, com o que o piquete pacífico e de simples convencimento é lícito;

será ilícito o aliciamento não pacífico, isto é, o piquete com emprego de

violência ou constrangimento contra pessoas.

Para pressionar os empregadores, em alguns movimentos paredistas,

os trabalhadores não se retiram do local de trabalho, nele permanecendo

mesmo contra a vontade do patrão — é a ocupação do estabelecimento.

Surgiu na Itália (1919), com aspectos mais políticos do que trabalhistas,

expandindo-se para a França (1936). Para Krotoschin, “é um ato de agressão

contra a propriedade, que excede o legítimo exercício do direito de greve”.

De Ferrari mostra-se de certo modo favorável à sua licitude, afastando a

comparação entre invasão de domicílio e de estabelecimento.

Excesso de zelo é uma forma de boicote. É a denominada greve de zelo.

Os empregados continuam em serviço, mas, se esmeram na sua execução,

para provocar propositado atraso, sob a alegação de dedicação ao processo

de produção de bens. Sob outra forma, o regulamento interno da empresa é

cumprido à risca, provocando atrasos consideráveis. Quando os pilotos de

companhia de aviação anunciam que cumprirão todas as normas de tráfego

aéreo, como parte de um protesto trabalhista, há greve de zelo.

Trabalho lento é a grève perlée, ou seja, o trabalho defeituoso, com

descumprimento dos deveres funcionais e negligência no desempenho

das funções; a falta de colaboração para fazer serviços que normalmente o


trabalhador faria, sob a alegação de que não estão compreendidos nas suas

atribuições, pode também configurá-la.

A segunda limitação ao exercício do direito de greve é decorrente da

Lei n. 7.783, de 1989, art. 6º, § 1º, ao declarar que, “em nenhuma hipótese,

os meios adotados por empregados e empregadores poderão violar ou

constranger os direitos e garantias fundamentais de outrem”, o que mostra que

a greve é um direito constitucional que não invalida outros direitos do mesmo

nível, dentre os quais o primeiro (CF, art. 4º, VII) é o direito constitucional de

solução pacífica dos conflitos.

São também garantias fundamentais de outrem, a que se refere o art.

6º, § 1º, da Lei n. 7.783, de 1989, o direito à vida, à liberdade, à segurança, à

propriedade (CF, art. 5º, caput), a livre manifestação do pensamento daqueles

que são contrários à greve (CF, art. 5º, IV), o direito de indenização por

553

dano material, moral ou à imagem (CF, art. 5º, V), o respeito às convicções

políticas, filosóficas e crenças religiosas (CF, art. 5º, VIII), a inviolabilidade

da intimidade e da vida privada das pessoas (CF, art. 5º, X), o livre exercício

de qualquer trabalho, ofício ou profissão (CF, art. 5º, XIII) e o direito de livre

locomoção (CF, art. 5º, XV), garantias que merecem proteção diante do

direito de greve e que o restringem para que possam ser preservadas e se

exercitem na plenitude do seu significado.

A Lei n. 7.783, de 1989, não tem um dispositivo expresso, autorizante

ou proibitivo, da greve de solidariedade, e, ao declarar que compete aos

trabalhadores decidir sobre os interesses a defender por meio da greve,


não impede que a paralisação tenha por finalidade o apoio à reivindicação

de outros trabalhadores, com os quais o interesse dos grevistas se mostrar

vinculado de algum modo que beneficie os seus respectivos contratos

de trabalho, portanto, quando afetar diretamente o interesse profissional

daqueles que a promovam ou mantenham.

Não poderia a Lei n. 7.783/89 vedar a greve de solidariedade sem atritar

com a Constituição Federal (art. 9º), que preserva a decisão dos trabalhadores

sobre o tipo de motivação que desejam defender pela greve.

Não altera a conclusão o fato de a greve só poder ser exercida na

defesa de um interesse próprio e a tese da inexistência desse interesse, se

a finalidade da paralisação é a solidariedade a outros trabalhadores; é que o

ponto central da questão está em saber se é ou não interesse dos grevistas

apoiar a greve de outros trabalhadores, e exatamente esse aspecto é que

deve ser examinado. Não é viável entender que terceiros não têm interesses,

até mesmo próprios, em conflitos de outras pessoas, especialmente em se

tratando de reivindicações trabalhistas.

Não há uma literal vedação da Lei n. 7.783, de 1989, à greve política,

e sob esse ângulo da análise explícita de textos, a Lei n. 4.330, de 1964, a

proibiu; a Constituição Federal de 1988 é silente e a mesma orientação é

seguida pela lei ordinária que a regulamenta, com o que há, em tese, duas

ordens de interpretações que podem ser feitas, uma restritiva e outra não.

A interpretação sistemática leva a uma conclusão restritiva da greve por

motivos não profissionais, diante do art. 3º da Lei n. 7.783/89, que condiciona

o exercício da greve à observância de uma condição: a prévia tentativa de


negociação. Somente depois de frustrada a negociação é que pode começar

a greve. É evidente que a negociação coletiva gira em torno de reivindicações

profissionais, trabalhistas, as únicas que o empregado poderá negociar. É

impossível a negociação, pelo empregador, de pretensões políticas, porque

estas são pleiteadas contra o Estado.

554

Complica-se a questão quando se vê, como o fez o jurista inglês Otto

Kahn Freund, que, quando os conflitos trabalhistas são considerados políticos,

isso não significa que não se referem a uma reivindicação trabalhista. Há

conflitos político-econômicos de conteúdo profissional, e seria mesmo muito

difícil dizer que não é trabalhista uma greve contra a política econômica do

governo.

As conclusões, que já expendi(8), permanecem. Embora aparentemente

simplista a solução do problema quanto à admissibilidade ou não da greve

política, permanecem todas as dificuldades próprias da questão. A greve ex-

clusivamente política é vedada pela lei, como a greve contra as instituições

da República, sendo diferente a greve político-trabalhista, de conteúdo pro-

fissional, hipótese em que, se a pretensão pode ser exercitável perante o

empregador e, com este, objeto de negociação, não há proibição legal. O

problema não está, portanto, centralizado na polaridade entre greve política,

de um lado, e greve trabalhista, de outro lado, mas na caracterização de

cada greve, se eminentemente política ou se também trabalhista.

A Constituição (art. 9º, § 2º) dispõe que “os abusos cometidos sujeitam os

responsáveis às penas da lei”, abrindo-se, em consequência, a necessidade


de construção pela via da jurisprudência, da lei, ou de ambas, de diretrizes

que funcionarão como um elemento de contrapeso à aparente ilimitação da

greve.

Constitui abuso do direito de greve a inobservância das normas,

contidas na Lei n. 7.783, de 1989, e o prosseguimento da greve após acordo,

convenção ou decisão da Justiça do Trabalho (art. 14).

A inobservância da lei, como fator que caracteriza o abuso do direito,

abre um leque enorme na esfera de atos que configuram o abuso, e que

serão de natureza formal e material.

Sob o aspecto formal e material, a falta do aviso-prévio ao empregador

ou de comunicação aos usuários dos serviços essenciais é inobservância da

lei, como também o será a falta de prévia tentativa de negociação coletiva ou

de arbitragem, o uso de meios violentos contra coisas ou pessoas, a violação

de garantias fundamentais de outrem, a recusa de formação de equipes de

manutenção dos equipamentos, a falta de prestação de serviços inadiáveis à

comunidade, todos atos que contrariam as disposições da lei, configuráveis

nos seus termos, como abuso de direito.

Outra figura de abuso do direito, além da inobservância da lei, é a

manutenção da greve após decisão judicial ou acordo, salvo nos casos em

(8) Direito do trabalho na Constituição de 1988. São Paulo: Saraiva, 1989. p. 301.

555

que a greve tenha por objetivo exigir o cumprimento do acordo ou da decisão,

ou quando tiver surgido fato novo ou acontecimento imprevisto que modifique

substancialmente a relação de trabalho (art. 14, parágrafo único, I e II).


Cabe exigir do sindicato reparação pelas perdas e danos que causar

com uma greve ilícita abusiva em face do princípio geral da responsabilidade

civil a que se sujeitam todas as pessoas jurídicas. O Código Civil, art. 927,

declara que “aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187) causar dano a outrem,

fica obrigado a repará-lo”.

O art. 186 do CC, ao dispor que “aquele que, por ação ou omissão

voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem,

ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”, deve ser interpretado

em função do tipo de greve. A greve em si é um direito constitucional. Os

abusos, no entanto, sujeitam-se aos dispositivos acima citados.

Em relação aos diretores do sindicato, aplicável é o art. 50 do CC,

segundo o qual “em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado

pelo desvio da finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a

requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no

processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações

sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios”.

Quanto à greve para o efeito de cumprimento do acordo ou da decisão

judicial, seria possível objetar que a via própria para esse fim é o processo judi-

cial, especialmente a ação de cumprimento das sentenças normativas. Todavia,

a falta de celeridade nas decisões desses processos e o princípio jurídico da

exceptio non adimpleti contractus, segundo o qual uma das partes do contrato

não é obrigada a cumpri-lo se a outra parte, por sua vez, não cumpriu a sua

obrigação, justificam a norma. É o caso do não pagamento dos salários previs-

tos em sentença normativa ou convenção coletiva, que não configurará abuso


de direito ainda que deflagrada greve durante a vigência do acordo ou da sen-

tença proferida no dissídio coletivo.

Percebe-se que o equilíbrio necessário que deve ser mantido entre o

poder sindical e o interesse econômico e social não mais será encontrado

mediante da oposição do Estado aos trabalhadores, como se a greve fos-

se uma questão invariavelmente estatal. As ideias que resultam das novas

concepções são todas marcadamente privatistas, induzindo soluções que

venham a poupar o Estado e a provocar a ação empresarial, que poderá

valer-se do escudo do abuso de direito. Diante da greve abusiva, o emprega-

dor é que deve opor-se, e não o Ministério do Trabalho e Emprego, fazendo

uso dos instrumentos jurídicos respaldados pela norma constitucional.

Observa-se, também, que a contraposição do processo econômico para

o estabelecimento do equilíbrio com a amplitude do direito de greve é agora

556

deslocada, uma vez que, pelos critérios que vinham sendo considerados,

competia à lei, previamente, fazer proibições que, descumpridas, sujeitavam

os grevistas às sanções correspondentes, dentre as quais, a mais comum, a

rescisão do contrato por dispensa. Daqui por diante, é substituída a noção de

greve ilegal pela de greve abusiva, e esta só ficará caracterizada a posteriori,

dependendo da realização da greve e das características com que se mostrar.

Uma lei não poderá enumerar, taxativamente, todas as figuras típicas de

abuso de direito. Sempre haverá hipóteses não previstas, e que o Judiciário

certamente terá de apreciar. É, assim, discutível o acerto de uma legislação,

que venha a incursionar nessa área da pretensa indicação completa dos


abusos que podem ser cometidos, por meio da utilização do direito de greve.

Desse modo, o conceito de abuso de direito pode ser apenas exemplificado,

mas não completado.

A Constituição (art. 11) dispõe que compete aos trabalhadores decidir

sobre a oportunidade e os interesses a defender por meio da greve, permite

a greve nas atividades e serviços essenciais, desde que condicionado o

seu exercício ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade,

e transfere para a lei ordinária não só a listagem dessas atividades como,

também, a previsão das penalidades aplicáveis àqueles que incorrerem em

abuso de direito, sem defini-lo.

Essas são as regras básicas de nível constitucional que a lei procurou

cumprir.

Reproduz (art. 1º) o texto constitucional, declarando que “é assegurado o

direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade

de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender”.

Relaciona onze atividades e serviços essenciais (art. 10), dispondo

que, nesses casos, os sindicatos, os empregados e os trabalhadores ficam

obrigados, de comum acordo, a garantir, durante a greve, a prestação

dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis

da comunidade; declara que essas atividades são as que, não sendo

atendidas, colocam em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a

segurança da população, facultando ao poder público tomar iniciativas para

prover o atendimento nos casos de omissão daqueles que devam fazê-lo

(arts. 11 e 12).
Evita a conceituação de abuso de direito (art. 14), limitando-se a

caracterizar como tal a inobservância das exigências da lei e a continuidade

da greve após decisão judicial.

Não institui penalidades próprias, ao contrário da Medida Provisória n.

59, optando pela aplicação das sanções que já são previstas na esfera penal,

civil e trabalhista, ao dispor que (art. 15) “a responsabilidade pelos atos

557

praticados, ilícitos ou crimes cometidos, no curso da greve, será apurada,

conforme o caso, segundo a legislação trabalhista, civil ou penal”.

Como se vê, o critério seguido foi o da simplificação e o da descrimina-

lização da greve.

A simplificação resulta da eliminação das formalidades, antes muito

comuns, como na Lei n. 4.330, de 1964, que descia a detalhes que

dificultavam a deflagração da greve, como a exigência de um quorum para a

aprovação, o que na prática jamais foi observado, de cumprimento de prazos,

que igualmente não foram observados, de formalidades para a votação da

assembleia, como o escrutínio secreto, também nunca seguido, de modo

que as novas regras, afastando essas inúteis exigências, aproximam, de

modo mais eficaz, o ato jurídico da realidade social em que é e como é

praticado.

Essa aproximação torna-se possível, principalmente, com a transferência

das formalidades do procedimento prévio de aprovação da greve, da lei

para os estatutos dos respectivos sindicatos (art. 4º), com a autorização da

lei, segundo a qual “caberá à entidade sindical correspondente convocar,


na forma do seu estatuto, assembleia geral que definirá as reivindicações

da categoria e deliberará sobre a paralisação coletiva da prestação de

serviços” e, também, de que “o estatuto da entidade sindical deverá prever

as formalidades de convocação e o quorum para a deliberação, tanto da

deflagração como da cessação da greve”.

A descriminalização da greve resulta da inexistência de punições para

ela. O seu exercício, como decorrência do art. 15, prevê ilícitos em geral da

lei civil, com o que vem à discussão o delicado problema da possibilidade da

reparação de danos por prejuízos causados pela greve, se os atos de que

resultarem estiverem enquadrados nas mesmas hipóteses previstas pelo

Código Civil e pela lei trabalhista.

Além de dispor sobre esses temas que a Constituição Federal de 1988

predispôs, a lei incursionou em outros, dentre os quais três deles devem ser

sublinhados: a legitimação de comissões de negociação para representar

os grevistas na falta de entidades sindicais, podendo fazê-lo inclusive

perante a Justiça do Trabalho (art. 5º); a revogação da obrigatoriedade de

pagamento de salários dos dias de paralisação, com a transferência da

solução do problema para a negociação ou a decisão judicial (art. 7º); e

a proibição do lockout, que, como é sabido, é a cessação das atividades

pelo empregador, ao declarar a lei (art. 17) que “fica vedada a paralisação

das atividades, por iniciativa do empregador, com o objetivo de frustrar

negociação ou dificultar o atendimento de reivindicações dos respectivos

empregados ( lockout)”.

558
5. PROCEDIMENTO

A greve não é submetida pela lei a um ritual, como ocorria com a Lei

n. 4.330, de 1964, de modo que o seu exercício se faz, agora, de forma

simplificada, atendidas duas ordens de exigências: primeiro as da lei, que

são poucas, segundo as dos estatutos de cada sindicato dos trabalhadores,

que certamente serão também reduzidas e adequadas à realidade de cada

categoria.

As formalidades básicas e que não podem ser descumpridas são as

seguintes: a prévia tentativa de negociação ou a verificação da possibilidade

de arbitragem (art. 3º); a convocação de assembleia geral pelo sindicato (art.

4º); a definição, pela assembleia, das reivindicações da categoria (art. 4º); o

aviso-prévio de greve à entidade patronal correspondente ou aos emprega-

dos diretamente interessados, com antecedência mínima de quarenta e oito

horas, nas atividades não essenciais, e de setenta e duas horas, nas ativida-

des e serviços essenciais (arts. 3º, parágrafo único, e 13); neste último caso,

extensivo o aviso aos usuários dos serviços.

São formalidades cuja regulamentação cabe aos estatutos de cada

entidade sindical ou, não havendo, à assembleia dos trabalhadores

interessados e à sua respectiva comissão de negociação, o quorum e a

forma de votação para a deliberação da greve, o meio e a antecedência

de convocação da assembleia e outras exigências que o sindicato julgar

oportunas, restritas, obviamente, ao procedimento prévio de aprovação da

paralisação e aos meios a serem seguidos para a consecução desses fins.

Desse modo, não é ilegal greve aprovada por aclamação, desde que
os estatutos sindicais não a proíbam, como, também, poderá haver greve

deliberada por votação secreta, se for essa a norma estatutária.

O quorum de votantes, resultando, também, dos estatutos e não sendo

mais fixado por lei, será variável, segundo os dispositivos estatutários internos

de cada sindicato, com o que o quorum tanto será lícito quanto ilícito, na

medida da sua conformidade ou desconformidade com os estatutos sindicais.

Assim, se estatutos do respectivo sindicato dispuserem que poderão votar

somente os sócios do sindicato, nenhuma irregularidade haverá, como, ainda,

será possível dispor que poderão votar na assembleia todos os membros da

categoria.

Uma das objeções ao critério da fixação do quorum e formalidades

de aprovação da greve pelos próprios sindicatos, e que levaram à posição

restritiva das Medidas Provisórias revogadas, é a facilidade maior para a

deliberação de greve, que depende unicamente dos próprios sindicatos dos

trabalhadores.

559

Essa consequência é inevitável porque está claro que a tendência dos

sindicatos será a desburocratização, o quanto possível maior, de empecilhos.

O número de votantes que os estatutos das entidades sindicais fixarem,

os prazos de convocação dos interessados e de publicação dos editais,

certamente serão menores do que aqueles que a lei estabeleceria, uma vez

que todas essas medidas serão equacionadas em função do interesse do

sindicato de fazer a greve.

Se é certo que assim é, por outro lado, por maiores que sejam esses
inconvenientes, é preciso convir que as experiências anteriores mostram

que a lei é ineficaz quando pretende fixar formalidades para a aprovação

da greve, com o que surge um dilema. O que é melhor, fazer uma lei para

ser descumprida ou uma lei que abra mão de algumas questões que vinha

tentando disciplinar mas que não conseguiu? É melhor salvar a autoridade

da lei nos aspectos em que é possível a transigência do legislador, em

benefício da eficácia da norma jurídica. Se essa perspectiva é a correta,

a transferência, das formalidades prévias à greve, da lei para os estatutos

sociais, é acertada.

As mesmas observações podem ser feitas quanto à votação que, em

tese, se faz por escrutínio secreto, por voto nominal ou por aclamação.

Qualquer dessas três formas de votação que vierem a ser adotadas pelos

estatutos do sindicato serão válidas, como também o será a combinação

delas com a previsão tanto de uma como de outras para determinados

casos concretos. Como a lei deixa a critério dos sindicatos dispor sobre a

matéria, a opção a ser escolhida é da própria entidade sindical, e de acordo

com a realidade da sua categoria. Diante dessa diretriz, que agora vem a

ser estabelecida, nada se poderá objetar à adoção de urnas itinerantes por

empresas, se essa solução melhor atender à organização dos trabalhadores

e aos seus interesses, não cabendo nenhum tipo de impugnação à forma de

votação escolhida pelos próprios interessados.

Essa amplitude de organização do procedimento prévio à greve, visando

a apurar a vontade da categoria ou dos interessados, não é tão ampla a ponto

de conferir ao sindicato um poder absoluto capaz de contrariar o princípio


democrático da votação e a garantia de livre manifestação das minorias, porque

os estatutos que contivessem normas atritantes com essas garantias seriam

inequivocamente ilegais. A democracia interna é uma decorrência do princípio

maior da liberdade sindical a que se refere a Constituição Federal, art. 8º.

Se os estatutos do sindicato se afastam dessa regra, nenhum efeito

trarão em decorrência da sua inconstitucionalidade. Não seriam democráticos

estatutos que, por exemplo, impedissem as minorias de votar, fixassem

exigências diferentes para dificultar determinados tipos de votantes não

simpáticos à diretoria do sindicato, estabelecessem entraves aos membros

560

da oposição sindical, permitissem convocações de assembleias com

antecedência mínima, a ponto de frustrar o comparecimento de membros

da categoria pertencente a áreas mais distantes da base territorial etc.

Expedientes dessa ordem poderiam comprometer a normalidade do

procedimento de deliberação da greve, com efeitos que incluiriam até mesmo

a discussão judicial da ilegalidade dos estatutos e, portanto, da greve.

Caso não se queira admitir a configuração da ilegalidade, estaria, então,

caracterizado o abuso de direito a que se refere a Constituição.

6. CADUCIDADE DO AVISO-PRÉVIO

Quando o sindicato envia aviso-prévio de greve à empresa e a paralisa-

ção não se inicia, no futuro não poderá aproveitar esse mesmo aviso-prévio

diante da sua caducidade. Terá de pré-avisar novamente. A finalidade do

aviso-prévio de greve é permitir que a empresa se prepare para enfrentar a

paralisação tomando as providências necessárias para manter-se o quanto


possível em atividade. Se depois de se preparar e a greve não começar, é

claro que a empresa cessa a sua expectativa de paralisação e preparação

para a mesma, retornando às atividades normais. Ora, sendo assim, o início

de uma greve programada para o passado, mas não começada, exige novo

aviso-prévio com as mesmas finalidades, diante das quais essa medida foi

instituída por lei.

7. TRABALHADORES AVULSOS, AUTÔNOMOS,

EVENTUAIS E TEMPORÁRIOS

Ao se admitir que o art. 2º da Lei n. 7.783, de 1989, é indicativo do âm-

bito pessoal da sua aplicação, assim se considerando as pessoas ou tipos de

relações de trabalho a que se refere, é possível concluir que a greve a que se

reporta a lei não é a de todo trabalhador, mas apenas do trabalhador que pres-

ta serviços a empregador, portanto, mediante relação de emprego.

É que o mencionado artigo declara que a greve e a suspensão da

prestação pessoal de serviços a empregador, e, se assim é, aquele que

trabalha para empregador é unicamente o empregado, o que exclui outras

relações de trabalho. Greve é a paralisação dos serviços pelos empregados.

Nesse caso, a lei rege apenas a greve dos assalariados que são empregados

e que cessam a atividade que exercem para o respectivo empregador.

Aceitos esses pressupostos, a lei não se aplicaria à greve de trabalha-

dores não empregados, como os trabalhadores autônomos, os eventuais,

os avulsos, os temporários, já que diferem do empregado e cada um dos

referidos tipos de trabalhadores que não prestam serviços a empregador,

simplesmente porque não são empregados.


561

A exclusão desses trabalhadores do âmbito de aplicação da lei deve ser

interpretada não como a negação do direito de greve, porque a Constituição

Federal, art. 9º, não contém essa restrição da lei ordinária. Com efeito, a Lei

Magna dispõe (art. 9º) que “é assegurado o direito de greve, competindo

aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os

interesses que devam por meio dele defender”. Como a titularidade do

direito é dos trabalhadores, segue-se que não apenas aos empregados mas

a outros tipos de trabalhadores o direito é assegurado, não pela lei ordinária,

mas pela Constituição.

Como decorrência da garantia constitucional do direito aos trabalhadores,

aos quais não é aplicável a lei ordinária, resulta o problema da forma do

exercício da greve a eles, se a da lei ordinária ou outra qualquer, e a resposta

é pela primeira assertiva. O fundamento dessa extensão está na analogia

admitida pela Consolidação das Leis do Trabalho (art. 8º), de modo que, no

que couber, a greve de trabalhadores avulsos, por exemplo, deve observar

as mesmas regras da Lei n. 7.783, de 1989.

8. SERVIDORES PÚBLICOS

A Constituição Federal (art. 37) garantiu o direito de greve ao

servidor público civil, remetendo as regras sobre o seu exercício para a lei

complementar. Proibiu a greve do servidor público militar (art. 42, § 5º). A

Lei n. 7.783, de 1989, art. 16, declara que, “para os fins previstos no art.

37, VII, da Constituição, lei complementar definirá os termos e os limites

em que o direito de greve poderá ser exercido”, com o que fica certo que a
Lei n. 7.783/89 é aplicável ao setor privado e não aos servidores públicos.

O direito destes é exercido nos termos de lei especial, dualidade que traz a

necessidade de precisar exatamente quem é servidor público.

A noção mais geral de servidor público é a de que é todo aquele que

presta serviços para a administração pública, mas essa noção deve ser

completada, porque é sabido que a administração pública é direta e indireta.

Aos servidores públicos da administração direta em regime único, aos

estatutários e aos “celetistas”, não é aplicável a Lei n. 7.783/89, o mesmo

ocorrendo com os servidores autárquicos, inclusive de autarquias especiais,

e os fundacionais, porque todos estão incluídos na categoria de servidores

públicos, da administração direta e indireta. O pessoal das empresas públicas

e das sociedades de economia mista são abrangidos pela Lei n. 7.783/89.

A Constituição Federal, art. 173, § 1º, dispondo que “a empresa pública, a

sociedade de economia mista e outras entidades que explorem atividade

econômica sujeitam-se ao regime jurídico próprio das empresas privadas,

inclusive quanto às obrigações trabalhistas e tributárias”, remete à esfera da

562

Lei n. 7.783/89 a regulamentação do exercício do direito de greve do pessoal

dessas entidades, nos termos aplicáveis ao setor privado em geral.

A conflitividade no setor público tem-se evidenciado de modo mais

intenso do que no setor privado, com repercussões sobre a normalidade

da vida da comunidade, especialmente quando são atingidas atividades

inadiáveis, de interesse da população, caso em que, se esses serviços são

prestados por servidores públicos, o exercício do direito de greve só se inicia


a partir da lei complementar que define os termos e os limites da greve no

setor público, em atividades acessórias ou essenciais.

Como já citado anteriormente, o Supremo Tribunal Federal, no

julgamento dos Mandados de Injunção 670, 708 e 712, onde os sindicatos

buscavam assegurar o direito de greve para seus filiados e reclamavam

da omissão legislativa do Congresso Nacional em regulamentar a matéria,

conforme determina o art. 37, inciso VII, da Constituição Federal, decidiu

pela aplicabilidade das disposições da Lei n. 7.783/89 à greve dos servidores

públicos, até que o Congresso Nacional venha a regular a matéria.

A proibição de greve do servidor público militar não foi reproduzida pela

Emenda Constitucional n. 20/98, que alterou a redação do art. 42 da Lei Magna.

9. CONDIÇÕES PARA O EXERCÍCIO DO DIREITO

A Lei n. 7.783, de 1989, fixa condições para o exercício do direito

de greve e que são comuns às atividades acessórias ou essenciais ou

específicas desta.

Nas atividades acessórias, a primeira condição é a convocação da

assembleia de trabalhadores para deliberar sobre a paralisação e definir as

reivindicações a serem defendidas (art. 4º), na forma do estatuto da entidade

sindical. Na falta de entidade sindical, a assembleia geral dos trabalhadores

interessados deliberará, constituindo comissão de negociação (art. 4º, § 2º).

A segunda condição é a tentativa de negociação coletiva, de forma

que a greve é a consequência do impasse na negociação. A Lei (art. 3º)

declara que, “frustrada a negociação ou verificada a impossibilidade de

recurso à via arbitral, é facultada a cessação coletiva de trabalho”, com o


que os trabalhadores ficam obrigados, antes da greve, a tentar a arbitragem

privada do conflito, verificando com o empregador essa possibilidade. Se o

empregador concordar, em vez da paralisação do serviço será procedida

à arbitragem, com a escolha, de comum acordo pelas partes, do árbitro

que desejarem, e que será um especialista em questões trabalhistas no

qual confiarem, da área jurídica, econômica, de administração de recursos

humanos etc. Poderá ser contratado um escritório neutro para a arbitragem,

563

que é técnica não estatal de solução do conflito, razão pela qual o árbitro é

remunerado pelas partes.

Não há contradição entre a Constituição Federal, art. 114, § 2º, ao dispor

que, “recusando-se qualquer das partes à negociação ou à arbitragem, é

facultado aos respectivos sindicatos ajuizar dissídio coletivo”, e a Lei n.

7.783/89, art. 3º, ao declarar que, “frustrada a negociação ou verificada a

impossibilidade de recurso à via arbitral, é facultada a cessação coletiva do

trabalho”. Os dois textos se completam, e não há dúvida sobre a natureza da

negociação, como condição prévia para a greve ou o dissídio nos tribunais,

e a arbitragem, como equivalente jurisdicional facultativo, do qual resultará

um laudo arbitral que desempenhará função semelhante à das sentenças

normativas. Tanto a negociação como a arbitragem suspendem o início

da greve, porque a paralisação só poderá começar depois de verificada a

impossibilidade de composição do conflito, mediante um desses dois meios.

Caberá aos trabalhadores, para afastar dúvidas sobre o cumprimen-

to dessas condições, evidenciar por meio de documentação a observância


dessas exigências, e para esse fim, como a lei não indica forma especial,

qualquer forma de praticar o ato jurídico será válida.

A terceira condição é a notificação, ao empregador, com antecedência

mínima de quarenta e oito horas, nas atividades acessórias (art. 3º, parágrafo

único), e de setenta e duas horas nas atividades essenciais (art. 13); após

a recusa de negociar, o impasse na negociação, a negativa empresarial de

utilização da arbitragem ou o silêncio patronal diante das reivindicações

apresentadas, o que equivale à recusa.

10. DIREITOS E OBRIGAÇÕES RECÍPROCOS

No transcurso da greve, há direitos e deveres recíprocos, dos trabalha-

dores e dos empregadores.

Os trabalhadores têm, entre outros, direito ao emprego de meios

pacíficos tendentes a persuadir ou aliciar os colegas (art. 6º, I), o que

quer dizer que o piquete pacífico é válido e o violento é vedado; direito à

arrecadação de fundos e à livre divulgação do movimento (art. 6º, II); direito

à proteção do emprego contra dispensa imotivada, uma vez que é vedada a

rescisão do contrato de trabalho durante a greve, bem como a contratação

de trabalhadores substitutos, salvo os necessários para a manutenção de

equipamentos ou atividades inadiáveis (art. 7º, parágrafo único).

São deveres dos trabalhadores a abstenção da prática de meios que

poderão violar ou constranger os direitos e garantias fundamentais de

outrem (art. 6º, § 1º); o dever de evitar manifestações e atos de persuasão

564

para impedir o acesso ao trabalho, a ameaça ou o dano à propriedade ou


pessoa (art. 7º, § 3º), estando obrigados a dar plena garantia de liberdade

aos trabalhadores que durante a greve desejarem trabalhar; a manutenção,

“mediante acordo com a entidade patronal ou o empregador diretamente,

de equipes de empregados com o propósito de assegurar os serviços cuja

paralisação resultem em prejuízo irreparável, pela deterioração irreversível

de bens, máquinas e equipamentos, bem como a manutenção daqueles

essenciais à retomada das atividades da empresa quando da cessação do

movimento” (art. 9º); e, nas atividades essenciais, a “prestação dos serviços

indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade”

(art. 11, parágrafo único).

São direitos dos empregadores contar com o trabalho daqueles que

não quiserem aderir à greve (art. 6º, § 3º); ver respeitados e não constrangi-

dos os seus direitos fundamentais (art. 6º, § 1º), dentre os quais o direito de

locomoção e o direito à propriedade; contar com o trabalho de equipes de

empregados para a manutenção dos equipamentos que não podem parar,

podendo inclusive contratá-los fora do quadro do seu pessoal, se não houver

acordo para esse fim com o sindicato ou a comissão de representantes dos

grevistas (art. 9º, parágrafo único); ver mantidos os serviços indispensáveis

ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade (art. 11); e des-

pedir, mesmo durante a greve, os empregados que se recusarem a prestar

serviços para a manutenção dos equipamentos (arts. 7º, parágrafo único, e

9º) ou incorrerem em abuso de direito (arts. 7º, parágrafo único, e 14).

Os empregadores terão, entre outros, os deveres de tolerar o piquete

(art. 6º, I); não violar ou constranger os direitos e garantias fundamentais de


outrem (art. 6º, § 1º); não adotar meios para constranger o empregado ao

comparecimento ao trabalho, bem como capazes de frustrar a divulgação

do movimento (art. 6º, § 2º); não despedir grevistas imotivadamente (art. 7º,

parágrafo único), nem contratar substitutos para trabalhadores ilegalmente

despedidos.

11. SALÁRIOS DOS DIAS DE PARALISAÇÃO

Modificou-se o sistema legal sobre os salários dos dias de greve,

havendo nítida diferença entre aquele que resultava da Lei n. 4.330, de 1964,

e o que emana da Lei n. 7.783, de 1989.

Antes, os salários eram devidos sempre que atendidas as reivindicações

dos trabalhadores, total ou parcialmente, por acordo ou negociação.

A partir da lei de 1989, os salários e demais obrigações trabalhistas

relativos ao período da greve serão negociados pelas partes, resultando do

565

acordo entre elas e nos termos que fixarem. Não havendo acordo, essas

questões serão julgadas pela Justiça do Trabalho ou decididas pelo árbitro.

A greve não rescinde, apenas suspende o contrato de trabalho, “devendo

as relações obrigacionais durante o período serem regidas pelo acordo,

convenção, laudo arbitral ou decisão da Justiça do Trabalho” (art. 7º). Não

havendo o acordo, os salários são indevidos, sendo essa a tendência da

atual jurisprudência dos Tribunais do Trabalho: “A participação do empregado

em movimento grevista importa na suspensão do contrato de trabalho e,

nesta circunstância, autoriza o empregador a não efetuar o pagamento

dos salários dos dias de paralisação. A lógica é uma só: sem prestação de
serviços inexiste cogitar-se de pagamento do respectivo salário. Este é o

ônus que deve suportar o empregado na oportunidade em que decide aderir

ao movimento grevista. De outro lado, impõe-se observar que o fato de o

empregador deixar de pagar o salário pelos dias de paralisação não implica

a possibilidade de o empregado rescindir o seu contrato de trabalho por justa

causa, nos termos preconizados pelos arts. 483, d, da CLT, em face da lei

considerar suspenso o contrato no respectivo período do exercício de greve,

ainda quando considerado não abusivo o movimento” (TST, E-RR n. 383.124,

Ac. SBDI-1, 27.9.99, Rel. Min. Leonaldo Silva, LTr 63-11/1495).

12. SOLUÇÃO DO CONFLITO

Uma forma processual nova de legitimação para agir no dissídio

coletivo resulta da Lei n. 7.783, de 1989, art. 5º, que autoriza a comissão

de negociação, eleita pela assembleia dos trabalhadores inorganizados em

sindicato a postular em juízo, representando-os no dissídio coletivo.

Trata-se de uma extensão do conceito de parte no referido processo,

antes restrito a pessoas jurídicas, a entidades sindicais, patronais e de

empregados, e às próprias empresas, e agora ampliado para a comissão de

negociações, que não é dotada de personalidade jurídica.

A medida tem por finalidade permitir o acesso à via judicial dos

trabalhadores não representados por sindicato, federação ou confederação,

e sob esse aspecto é positiva. Contudo, não deixa de pecar pela violentação

de critérios técnicos, especialmente quando a Constituição Federal, art. 114,

§ 2º, faculta aos sindicatos ajuizar dissídios coletivos. Se é facultado aos

sindicatos, não é facultado a outros órgãos ou grupos.


A Justiça do Trabalho decidirá sobre a abusividade ou não da greve.

Sobre o pleito econômico que a gerou há divergências a respeito de um

requisito a ser preenchido para que a empresa ingresse com o processo, o

acordo do sindicato com o pleito econômico.

566

Entendemos que a exigência justifica-se nos dissídios coletivos

econômicos, mas quando o pleito econômico é incidental, para a solução

da abusividade da greve não há como deixar de examiná-lo para pôr fim à

paralisação dos serviços.

O sistema de julgamento das greves em atividades não essenciais

pelos Tribunais do Trabalho, por meio de dissídio coletivo movido pela

empresa depois de frustradas todas as tentativas de negociação coletiva,

vinha funcionando bem.

Atenuava os inconvenientes que uma greve sempre traz para os dois

lados, para as empresas com os prejuízos da paralisação da sua produção,

e para os grevistas com os riscos da perda dos dias parados e a tensão em

que o conflito os coloca.

O Tribunal fazia uma proposta de conciliação. Se não aceita, julgava os

pleitos dos trabalhadores recusados pela empresa. Com a sentença, a greve

tinha de terminar, encerrando-se a disputa e reativando-se as atividades da

empresa.

Se não era um sistema perfeito, no mínimo apontava um caminho para

que o impasse fosse superado. Atendia, assim, aos interesses dos dois

lados porque sempre havia um arbitramento dos pontos que as levavam


à discordância. Removidas, pelo Tribunal, as pendências, os grevistas

retornavam ao trabalho.

Ficou difícil, agora, resolver uma greve por dissídio coletivo a continuar

a resistência de Tribunais que entendem que todo dissídio coletivo, inclusive

o de greve, só pode ser movido de comum acordo pelas partes.

Em 2004, a Constituição (Emenda Constitucional n. 45) introduziu esse

requisito — que não havia — para que o dissídio pudesse ser iniciado: a

concordância das duas partes com a sua tramitação. A diferença entre o

preexistente e o atual está no impulso do processo.

Antes a empresa podia fazê-lo unilateralmente. Agora, só se o sindicato

estiver de acordo em submeter as demandas ao Tribunal. Caso não o queira,

o conflito não será resolvido pelo Tribunal. Só o será se os dois lados, de

comum acordo, entenderem que devem levá-lo para a arbitragem do Tribunal.

Com isso, se a empresa apelar para o Tribunal para solucionar as

pendências e terminar a greve, não poderá fazê-lo por sua vontade exclusiva.

Terá de contar com a concordância dos grevistas.

Não havendo o dissídio, a greve prosseguirá. Até quando, não se sabe.

Só se a negociação coletiva for reaberta e as partes cederem. Nesse caso,

o acordo coletivo entre ambas encerrará a disputa. Mas isso é difícil. Com a

greve raramente haverá clima para um entendimento. As partes já estarão

traumatizadas e a força substituirá a razão.

567

A greve passou a ser mesmo um ato de força. Ou há um acordo ou

vencerá quem resistir mais.


A greve é um direito. Em São Paulo, a primeira greve geral que paralisou

a cidade foi em 1917. O Estado Novo as proibiu. Os Governos Militares deram

sequência a essa diretriz. Em 1946, foi parcialmente restabelecida, salvo em

atividades essenciais. Em 1988, o seu respaldo jurídico foi ampliado. Foi

admitida também nas atividades essenciais com algumas formalidades.

Com a modificação de 2004, pela primeira vez na sua história em

nosso país ficará excluída do Poder Judiciário. Os abusos cometidos pelos

grevistas, no entanto, não estarão salvaguardados. E o sindicato pode ser

responsabilizado pelos danos e prejuízos que indevidamente causar.

Ficam fora dessa proteção as atividades essenciais, como os transportes

públicos. Mas há atividades não essenciais, como a siderúrgica, que sofre

danos irreparáveis no caso de paralisação dos seus fornos. Não podem

deixar de funcionar. Os prejuízos serão inevitáveis.

Os Tribunais do Trabalho podem evitar essa situação. Basta uma

interpretação razoável da lei para os outros casos que justifiquem a sua

atuação para fazer cessar a greve. O bom-senso mostra que esse é o melhor

caminho no interesse da produção do País.

A greve sem dúvida é um direito. É um mal necessário. Os seus

inconvenientes devem ser evitados.

Convém, na mesa-redonda que precede o dissídio coletivo, uma

declaração conjunta das partes, de que submetem o dissídio coletivo ao

Tribunal do Trabalho.

A arbitragem é outra forma de solução de greves.

A arbitragem é irritual no sentido de que não há um procedimento legal


que deva ser cumprido. O árbitro não é um Juiz. É um particular. A sua margem

de atuação é mais livre do que a do Juiz. Arbitrará tantas questões quantas

as partes submeterem ao seu pronunciamento. A decisão do árbitro terá a

forma de um laudo arbitral. Seu valor é equiparável ao de título extrajudicial

exequível.

O Tribunal terá a menor margem de decisão do que o árbitro. Terá de

respeitar as vantagens já conseguidas pela categoria de trabalhadores no

instrumento coletivo anterior (CF, art. 114). Não poderá julgar matéria que

já esteja disciplinada pela lei. Essa é a jurisprudência. O árbitro não está

subordinado a essas exigências legais.

Nas atividades essenciais, o fim da greve não terminada por acordo é

na via judicial.

568

As atividades essenciais são aquelas que, uma vez paralisadas,

prejudicam os interesses da sociedade. São enumeradas pela lei. É o caso,

por exemplo, dos transportes públicos, dos hospitais etc. Nelas a greve não é

proibida. Contudo, um mínimo dos serviços tem de ser mantido. Os sindicatos

indicam quais serão. Se não o fizerem, o Tribunal do Trabalho o fará.

Nelas a greve tem um tratamento legal diferente. A forma de solução

judicial do conflito também é diferente nos dois casos. A Procuradoria do

Trabalho pode ingressar com o dissídio coletivo de greve.

A Procuradoria pode, antes do dissídio coletivo, convocar os sindicatos

e empresas para uma reunião visando a um acordo. Nesse caso, será

elaborado um termo de ajuste de conduta. Terá ampla validade. Se forem


descumpridos os seus termos, a parte inadimplente responderá por sanções,

dentre as quais uma multa. O sindicato pode ser penalizado com multa

diária no caso de continuidade da paralisação depois de assinar o termo. E

a empresa estará sujeita à execução judicial das obrigações que no termo

assumiu, acrescidas, também, de multa.

Não havendo acordo perante a Procuradoria do Trabalho e propondo

esta o dissídio coletivo, não será exigível, ao contrário do que acontece nas

atividades não essenciais, a concordância da parte contrária para o trâmite

do processo.

A Procuradoria representa o interesse público e tem por incumbência a

defesa do ordenamento jurídico. Com a decisão dos Tribunais do Trabalho, a

greve terá de terminar qualquer que seja o resultado do julgamento.

Se os grevistas descumprirem a decisão judicial, poderão incorrer em

justa causa para a dispensa pela empresa e o sindicato estará sujeito a

responder por perdas e danos diante dos abusos que cometer.

A greve não deve ser frustrada com atos antissindicais obstativos do

cumprimento dos seus fins, razão pela qual dispensas e transferências

de empregados grevistas são medidas punitivas passíveis de controle

judicial. Atos punitivos de empregados estão sujeitos à anulação judicial.

Em um caso a dispensa durante a greve é admitida: havendo justa

causa do empregado (CLT, art. 482). Nesse caso, não há necessidade

de esperar o término da greve para despedir. Imediatamente a rescisão

contratual pode ser feita. Não há formalidade especial e a dispensa terá

o mesmo trâmite das demais, salvo quanto a portadores de estabilidade


sindical, que são os diretores do sindicato. Nesse caso, exige-se o inquérito

judicial para apuração da falta grave.

569

13. LOCAUTE

A Lei n. 7.783, de 1989, art. 17, dispõe que “fica vedada a paralisação

das atividades, por iniciativa do empregador, com o objetivo de frustrar

negociação ou dificultar o atendimento de reivindicações dos respectivos

empregados”.

Trata-se da proibição do lockout, que é a cessação das atividades pela

empresa, como forma de conflito trabalhista apenas, não vedado, pela lei, se

a sua finalidade não for essa. Os salários dos empregados são assegurados

durante o lockout (art. 17, parágrafo único).

14. PENALIDADES

Dispõe a Lei n. 7.783, de 1989, art. 15, que “a responsabilidade pelos

atos praticados, ilícitos ou crimes cometidos, no curso da greve, será apurada

conforme o caso, segundo a legislação trabalhista, civil, ou penal”.

Evitou, assim, a tipificação de penalidades próprias, preferindo valer-se

das que já são previstas no ordenamento jurídico. Logo, as penalidades são

as do Código Penal, dentre as quais as infrações penais que são caracteriza-

das com a prática de violência a pessoas ou coisas, como as vias de fato, as

lesões corporais, o crime de dano, os crimes contra a honra etc. Do Código

Civil resulta a figura da indenização por perdas e danos, utilizável nos casos

de abuso de direito ou de ilegalidade da greve, executável no juízo competen-

te e da mesma forma que os demais pleitos dessa natureza, figurando como


réu aquele que tiver dado causa ao dano, o sindicato, a comissão dos traba-

lhadores, um trabalhador ou, até mesmo, cabível o litisconsórcio passivo.

No âmbito trabalhista, as penalidades previstas são a suspensão

disciplinar (CLT, art. 474), a advertência, admitida pela jurisprudência, e a

dispensa por justa causa; nas hipóteses cabíveis do art. 482 da CLT, como

as ofensas físicas ou morais etc. A greve em si não é justa causa; é um

direito constitucional. O abuso de direito autoriza a dispensa por justa causa.

A simples adesão a uma greve ilegal ou abusiva, sem nenhuma iniciativa na

sua promoção, não configura justa causa, mas a iniciativa para a deflagração

de greve ilegal pode configurar justa causa.

570

SÉTIMA PARTE

A REFORMA SINDICAL DO FÓRUM

NACIONAL DO TRABALHO (2004)

CAPÍTULO 45

NECESSIDADE DE REFORMAR

O SISTEMA SINDICAL

1. A DESORGANIZAÇÃO POSTERIOR A 1988

O Ministério do Trabalho e Emprego interpretou as novas disposições

constitucionais de 1988 como uma abertura legal no sentido da liberdade

sindical, tendo em vista os preceitos do art. 8º impeditivos da intervenção

e da interferência do Poder Público na organização sindical, motivo pelo

qual se afasta da atuação administrativa sobre os sindicatos, instituiu um

procedimento interno meramente cadastral de novos sindicatos, expediu


diversos atos voltados para esse fim e definiu que as impugnações de

entidades sindicais passariam a ser dirimidas pelos interessados no Poder

Judiciário.

Desativou a Comissão de Enquadramento Sindical — CES (art. 576 da

CLT), integrada por representantes do governo, das categorias econômicas e

das categorias profissionais, que tinha por principal função fazer o quadro de

enquadramento sindical, revisto de dois em dois anos e com base no qual os

sindicatos constituíam-se, representando uma das categorias desse quadro,

e estas, as categorias, reuniam atividades idênticas, similares ou conexas.

Cabia à mesma Comissão resolver, com recurso para o Ministro do

Trabalho, as dúvidas e controvérsias concernentes à organização sindical,

solucionar as disputas de representatividade e avaliar se uma associação

não sindical, depois de atuar nessa condição durante um período probatório

de estágio prévio, apresentava condições suficientes para ser transformada

em sindicato por investidura concedida pelo Ministro do Trabalho mediante

a carta sindical.

Com a desativação da Comissão de Enquadramento Sindical, as suas

atribuições deixaram de ser exercidas pelo Ministério do Trabalho e Emprego,

o quadro do enquadramento sindical deixou de ser revisto e atualizado

(CLT, art. 577), as disputas de representatividade entre entidades sindicais

deixaram de ser apreciadas na esfera do Ministério do Trabalho e Emprego

ou em outra qualquer esfera administrativa e o modelo sindical, por essas

razões, passou por grandes transformações.

O Governo não mais interferiu nas organizações sindicais e na sua


criação que passou a ser livre, as categorias que eram um a priori passaram

573

a ser um a posteriori, resultantes da própria iniciativa da criação livre de

sindicatos, de tal modo que do sistema anterior no qual a categoria era o

pressuposto da existência de uma entidade sindical, passou-se ao sindicato

como causa constitutiva da qual decorria uma categoria, o que afetou o

quadro de enquadramento sindical oficial.

A implementação dessas novas diretrizes, pelo Ministério do Trabalho e

Emprego, tiveram o propósito de valorizar a liberdade sindical, em consonância

com o princípio da Convenção n. 87 da Organização Internacional do

Trabalho, não ratificada pelo Brasil, mas acolhida em parte pela Constituição

de 1988.

Surgiram dúvidas sobre em que órgão deveriam ser registrados os

sindicatos e o Supremo Tribunal Federal decidiu que o registro sindical

deveria ser feito não em Cartórios Civis, mas no Ministério do Trabalho e

Emprego.

As disputas de representatividade sindical, que passaram a ser muitas

diante do elevado número de sindicatos que foram fundados — cerca de

18.000 —, em grande parte por desdobramento de categorias ecléticas e sem

qualquer pressuposto ou requisito a ser preenchido, não mais resolvidas pelo

Ministério do Trabalho e Emprego, passaram a ser apreciadas e decididas

pela Justiça Comum.

Divergências de interpretação dos efeitos da Constituição de 1988

sobre a CLT levaram ao Supremo questões sobre o que estava ou não


recepcionado. O STF julgou recepcionados: o quadro de enquadramento

sindical que acompanha a CLT; o número de dirigentes sindicais — sete —;

a unicidade sindical; o órgão competente para o registro sindical, o MTE

(Supremo Tribunal Federal, TP, 17.10.91, maioria, RMS n. 21.305/DF, Rel.

Min. Marco Aurélio, DJ 29.11.91, p. 17.326 e v. 01644-01, p. 00093, RTJ, v.

00137-03, p. 01131).

Surgiram diversas Centrais Sindicais. Instituiu-se um sistema, parado-

xalmente, de unicidade sindical no plano legal, mas de pluralidade sindical

de fato. Algumas categorias tradicionais, econômicas e profissionais, conse-

guiram manter-se intactas.

A facilidade de fundar sindicatos permitiu a criação de sindicatos sem

expressão, não representativos, e cisões de categorias econômicas e

profissionais.

O trabalho autônomo, informal e precário gerou segmentos cada vez

maiores de pessoas que não se socorrem da representação sindical e que

procuram a defesa dos seus direitos em entidades específicas como as que

atuam na defesa de interesses de vendedores ambulantes de rua e outras.

574

2. OS NOVOS DILEMAS SINDICAIS

Os sindicatos viram-se diante de uma nova situação e tiveram de

enfrentar diversas questões geradas pelas transformações no processo

produtivo, mas que vêm sendo postergadas.

Uma delas que poderá afetar os sindicatos e que não é só do nosso

país é a queda das taxas de sindicalização. Não chega a ser um grande


problema num sistema sindical em que todos os que integram uma categoria,

sócios ou não do sindicato, têm de contribuir para a sua receita, como ocorre

no Brasil com a contribuição sindical que é devida pelos trabalhadores e

empregadores, independentemente de serem filiados ao sindicato que

representa a categoria. Mas poderá tornar-se um grande problema daqui por

diante porque o sindicato, para ter personalidade sindical, terá de comprovar

representatividade e um dos requisitos exigidos para esse fim é a taxa de

sindicalização mínima de 20% de sócios, com o que as entidades sindicais

terão de rever essa questão.

Outra questão adiada é dimensionar os impactos da economia de

mercado no movimento sindical e nos empregos. Não é possível voltar

as costas para o que acontece no mundo todo. A economia de um país é

fundamental para aumentar ou diminuir a importância dos sindicatos e

a preservação de empregos, o que terá reflexos diretos na concepção de

sindicalismo e, mais ainda, na ideia de negociação coletiva.

As mesmas causas econômicas provocaram maior heterogeneidade da

força de trabalho em virtude do surgimento de novas profissões, fonte natural

de profundas modificações na organização do trabalho numa sociedade

pós-industrial e do fracionamento de categorias e dos interesses dos

trabalhadores, que dificulta a unificação das demandas, diminui a coesão e a

solidariedade e provoca a sua dispersão em unidades de produção menores

e descentralizadas, multiplicando-se o número de sindicatos, especialmente

tendo em vista as terceirizações, e os sindicatos devem encontrar uma forma

de enfrentar o problema e que só pode ter sucesso na medida em que maior


poder de decisão seja conferido aos sindicatos na base e não na cúpula.

Mudaram, também, as formas de contratação e de trabalho, à margem

dos convênios coletivos e que se impuseram como lógica de sobrevivência,

tanto para a empresa como para os empregados, muitas exigindo uma regra

clara que ainda não foi feita.

A competição decorrente da liberdade sindical, que de fato passamos

a ter a partir de 1988, evoca um complicado dilema: como combinar

adequadamente a liberdade sindical e, ao mesmo tempo, impedir que da

sua preservação, da qual nenhum sistema democrático pode abrir mão,

não resultem abusos como os que todos viram no Brasil, com a criação

575

indiscriminada de sindicatos sem nenhuma legitimidade? Teriam sido

adequadas as dimensões propostas para o novo modelo sindical com os

requisitos que passa a exigir para que se mantenha um sindicato verdadeiro?

E a centralização do sistema no Fórum Nacional do Trabalho com poderes

amplos de enquadramento sindical por setores e ramos de atividade

econômica? E o sindicalismo orgânico que permite a criação de estruturas

organizativas próprias das cúpulas, sem a necessidade de dar atendimento

a qualquer exigência de legitimidade de entidades sindicais da sua pirâmide

criada discricionariamente?

A centralização da negociação coletiva com a reserva de matéria de

uma entidade de cúpula, o que significa um contrato coletivo de nível maior,

pode proibir temas que em um sistema livre poderiam ser negociados em

níveis sindicais menores, pode limitar a liberdade de negociação coletiva das


bases sindicais, o que contraria o princípio da autonomia privada coletiva

e desautoriza a ideia de que em âmbito de empresa há necessidades

e questões próprias que só as bases, e não as Centrais, poderão melhor

resolver mantendo entendimentos com a empresa segundo uma lógica de

adequação dos pleitos à situação real de cada empresa.

O agrupamento não mais por categoria, mas com base em ramos

de atividade e setores de atividades econômicas, poderá trazer uma

reunião de sindicatos que atualmente não representam nem ramo nem

setor de atividade econômica. Incluam-se os sindicatos de categorias

diferenciadas, que são sindicatos por profissão, além do sindicato de

aposentados, o sindicato de trabalhadores avulsos e inúmeros outros que

teriam de desaparecer para se integrar no ramo econômico mais próprio de

acordo com a atividade preponderante da empresa perante a qual atuam.

Tão delicado é esse problema que se cria a possibilidade de o Conselho

Nacional do Trabalho regulamentar especificamente esses sindicatos, o que

não é uma garantia para eles, nem a certeza de que todos os sindicatos

por profissão ou peculiares serão regulamentados pelo Conselho com os

poderes discricionários que disporá.

A desigualdade de tratamento sindical contraria o princípio constitucional

da isonomia e aparece, claramente, como decorrência do sistema de

sindicalismo orgânico no qual uma Central pode criar, em sua própria estrutura

ou pirâmide sindical, entidades a seu critério, sem autenticidade, sindicatos

biônicos que, ao contrário daqueles que não merecerem esse privilégio, não

terão de preencher diversos requisitos para que obtenham personalidade


sindical no Ministério do Trabalho e Emprego. É uma questão delicadíssima

na medida em que entrega, nas mãos de uma entidade de cúpula, todo o

poder no seu setor, inclusive o de criar, por mero ato de vontade e sem

nenhuma regra, entidades para concorrer com outras que não tenham a sua

simpatia política.

576

A globalização põe os sindicatos diante de uma outra perspectiva que

leva à discussão da ideia que deve presidir o sindicalismo, a nacionalista

ou a internacionalista ou, ainda, uma terceira postura capaz de combinar o

que de melhor e mais positivo possa cada concepção oferecer. É sabido que

para enfrentar as multinacionais, o sindicalismo terá de se internacionalizar.

Para pactuar contratos coletivos de empresas com unidades em mais de um

país, os esquemas nacionalistas de negociação coletiva devem mudar e se

tornarem mais abertos. Como ficará, por exemplo, a lei dos dois terços do

Brasil e o Mercosul?

Haverá vantagens ou desvantagens da centralização do modelo sindical

em um órgão tripartite ligado ao Poder Executivo com poderes para interferir

e intervir na organização sindical?

577

CAPÍTULO 46

MEIOS INSTITUCIONAIS PRECONIZADOS

1. A ESTRUTURA DO FÓRUM NACIONAL DO TRABALHO

O Fórum Nacional do Trabalho, apesar da sua forma compositiva

tripartite, de legitimidade, sendo públicas as divergências que surgiram quanto


à sua composição, que não foi eletiva, mas por designação do Governo com

base em indicações de trabalhadores, empregadores e representantes do

Executivo, à efetiva possibilidade de atuar nas questões que foram escolhidas

para a sua discussão, o que explica que dele se retiraram alguns dirigentes

sindicais de trabalhadores e Centrais Sindicais, e a predominância, nas suas

deliberações, das cúpulas sindicais, algumas das quais não representativas,

em detrimento das bases sindicais, apesar das reuniões regionais, o que

provocou a objeção de que foi um sistema de diálogo social que partiu de

cima para baixo quando mais democrático seria se partisse das bases para as

cúpulas, com predomínio de voz exatamente das entidades sindicais maiores

que foram em parte responsáveis pela desorganização do nosso sistema

sindical após a Constituição de 1988, com o que a cúpula hegemônica foi a

produtora da reforma.

Outra observação foi a de que sua composição não sendo eletiva, mas

por designação do Governo, mediante indicação de algumas entidades

sindicais e outros órgãos, perdeu sob a perspectiva da legitimidade da sua

composição.

Participaram do Fórum três bancadas, a dos trabalhadores, a dos

empregadores e a do Governo, integradas pelos seguintes representantes

(Fonte: Relatório Final, FNRT, Ministério do Trabalho e Emprego, 2004):

Bancada dos Trabalhadores Coordenada por Luiz Marinho

Adalberto de Souza Galvão, Ademar Bertucci, Antônio Carlos dos Reis,

Antônio de Souza Ramalho, Antônio Santos Neto, Arnaldo Benedetti, Bruno

Ribeiro, Carlos Cavalcante Lacerda, Danilo Pereira da Silva, Denise Mota


Dau, Edgar Viana, Eleno José Bezerra, Eleuza Macari, Francisco Miguel

Lucena, Francisco de Souza Filho, Genildo Leandro da Costa, Geraldo Balod

Geraldinho Santos, Gilmar José Pedruzzi, Hugo Perez, João Aparecido

Lima, João Domingos Gomes dos Santos, João C. Gonçalves (Juruna), João

Batista da Silva, José Calixto Ramos, José Gustavo de Oliveira Neto, José

Lopes Feijó, José Moacyr Malvino Pereira, Lourenço Ferreira do Prado, Luiz

578

Cláudio Marcolino, Luis Eduardo Gautério Galo, Nair Goulart, Nilson José

da Silva Cruz, Paulo César Rossi, Paulo Teixeira Sabóia, Pascoal Carneiro,

Rosane da Silva, Ricardo Patah, Rita Zanotto, Roberto Antonio Von der

Osten, Roberto Santiago, Rozani Holler Rubens dos Santos Craveiros,

Sérgio Butka, Sérgio Luiz Leite, Sidnei de Paula Corral, Ubiraci Dantas de

Oliveira, Wagner Fajardo, Wagner Francisco Alves Pereira.

Bancada dos Empregadores

Coordenada por Antonio Oliveira Santos,

Presidente da Confederação Nacional do Comércio — CNC

Adriana Giuntini, Ágide Meneguette, Antônio Bornia, Antonio Carlos

Mendes Gomes, Antônio Ernesto de Salvo, Alencar Rossi, Armando

Monteiro Neto, Carlos José Kurtz, Clesio Andrade, Clóvis Veloso de Queiroz,

Dagoberto Lima Godoy, Ercílio Santinoni, Fábio de Salles Meirelles, Fernando

Tadeu Perez, Nilton Gibson, Flávio Roberto Sabbadini, Francisco Carlos

Nascimento, Gabriel Jorge Ferreira, Guilherme Paes Brandão, Ivo Palmeira,

Jerônimo Tadeu, José Almeida de Queiroz, José Luiz Rodrigues Bueno, José

Pastore, José Ribamar Brasil Chehebe, José Tarcísio da Silva, Joseph Couri,
Josias Silva de Albuquerque, Leandro Teixeira Pinto, Lucimar Coutinho, Luis

Antonio Guimarães, Marcos Aurélio Ribeiro, Marcos Carnieli, Marcos Tavares

Leite, Meton Soares Junior, Osmani Teixeira de Abreu, Paulo Afonso Ferreira,

Patrícia Duque Coimbra, Pio Guerra Junior, Renato Rodrigues, Renato Rossi,

Robson Braga Andrade, Sidney Batalha, Valter Trigo, Verônica de Lima.

Bancada do Governo Coordenada por Ricardo Berzoini

Ministro do Trabalho e Emprego

Antônio Ibañez Ruiz, Celino de Carvalho, Cláudia Duranti, Darci

Bertholdo, Domingos Lino, Eliana Mendonça, Fernando Magalhães Furlan,

Fernando Schimidt, Geraldo Imediato, Jair Meneguelli, José Chaves, Luiz

Flávio Rainho, Mônica Valente, Nelson Santos, Nilton Freita, Paul Singer,

Paulo Well, Pedro Raimundo, Rosiver Pavan, Sandra Cabral, Sérgio

Mendonça, Tereza Cristina Lins e Cavalcante, Vicente Paulo da Silva.

A Coordenação do Fórum é a seguinte: Presidente Ricardo Berzoini,

Ministro de Estado do Trabalho e Emprego; Coordenador Geral Oswaldo

Martines Bargas, Secretário de Relações do Trabalho do MTE; Coordenador

Adjunto Marco Antonio de Oliveira, Secretário-Adjunto de Relações do

Trabalho do MTE; Coordenador Técnico José Francisco Siqueira Neto,

Advogado e Consultor da OIT; Coordenadores Adjuntos Paulo Cezar Bezerra

de Lima, Chefe de Gabinete do MTE, Ruth Beatriz Vasconcelos Vilela,

Secretária de Inspeção do Trabalho do MTE e Maria Abadia Alvez, Chefe da

Consultoria Jurídica do MTE.

579

A Comissão de Sistematização contou com três Coordenadores:


Oswaldo Martines Bargas pelo Governo, Paulo Pereira da Silva, da Força

Sindical pelos Trabalhadores e Lúcia Maria Rondon Linhares da Confederação

Nacional da Indústria — CNI pelos Empregadores.

Os Grupos de Trabalho foram assim coordenados: Grupo de Trabalho

1 — Organização Sindical, Coordenador do Governo Osvaldo Martines

Bargas, Coordenador dos Trabalhadores Arthur Henrique Silva Santos e

Coordenador dos Empregadores Rodolfo Tavares; Grupo de Trabalho 2 —

Negociação Coletiva, Coordenador do Governo José Francisco Siqueira Neto,

Coordenador dos Trabalhadores Luis de Oliveira Rodrigues, Coordenador

dos Empregadores Magnus Ribas Apostólicos; Grupo de Trabalho 3 —

Composição de Conflitos de Trabalho: Coordenador do Governo Marco

Antonio de Oliveira, Coordenador dos Trabalhadores Almir D’Ávila Pereira,

Coordenador dos Empregadores Ana Lúcia Monteiro.

Algumas propostas aprovadas pelo Fórum foram contestadas por alguns

sindicatos de base e federações sindicais, com as quais não concordam. Três

Centrais Sindicais, a Força Sindical, a Confederação Geral dos Trabalhadores

e a Social Democracia Social, suspenderam a sua participação no Fórum

alegando que o Governo não estaria respeitando os acordos nele firmados.

Foi criado o Fórum Sindical dos Trabalhadores, ao qual aderiram diversas

Centrais, Confederações e Sindicatos, separado e em desacordo com o

Fórum Nacional do Trabalho, para apresentar uma proposta divergente.

A Ordem dos Advogados do Brasil — OAB não teve assento no Fórum.

A Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho — Ana-

matra expediu manifestação (Infojur de 27.10.04) mostrando-se preocupada


com a proposta que considera uma redução de garantias da liberdade sindi-

cal, principalmente quando permite que parte razoável da estrutura sindical

possa ser alterada por lei ou medida provisória, entendendo que alguns res-

quícios de atrelamento dos sindicatos ao Estado mantiveram-se com o texto

da reforma do FNRT.

2. OS DOCUMENTOS PRODUZIDOS PELO FNRT

Os trabalhos do Fórum Nacional do Trabalho foram sintetizados no

Relatório da Comissão de Sistematização entregue ao Presidente da

República em 7 de abril de 2004, com base no qual foram elaborados quatro

projetos e a eles aduzidos dois, o Projeto Vicentinho — Maurício Rhands de

Representação dos Trabalhadores no Local de Trabalho e o Projeto de Ações

Coletivas na Justiça do Trabalho, no total de 234 artigos, em sua maioria

580

consensuais no Fórum, alguns, como os dois aduzidos, incorporados ao texto

com a ressalva de que não obtiveram consenso no Fórum, todos reunidos em

documento do qual resultou um Anteprojeto com o nome Reforma Sindical,

de 23.8.2004.

Mais de 500 pessoas estiveram envolvidas nas discussões, para a

elaboração do Relatório inicial, houve 36 reuniões oficiais e reuniões regionais

em 27 unidades da Federação, coordenadas pelas Delegacias Regionais do

Trabalho. Foi ouvido o Tribunal Superior do Trabalho, o Ministério Público

do Trabalho, a Comissão Especial de Reforma Trabalhista da Câmara dos

Deputados e a Comissão Permanente de Trabalho, Administração e Serviços

Públicos da Câmara dos Deputados.


Foi elaborado, também, um Projeto de Emenda Constitucional, uma vez

que as propostas para alteração da lei infraconstitucional só se viabilizariam

mediante a modificação da Constituição de 1988 em alguns pontos

como a unicidade sindical, a contribuição confederativa e a ampliação da

representação dos trabalhadores na empresa(1).

As metas estabelecidas para a reforma sindical voltaram-se para a

modernização do sindicalismo brasileiro e, em especial, o fortalecimento

das entidades sindicais pela exigência de requisitos que possam demonstrar

a sua representatividade, a centralização do controle sobre a fundação de

sindicatos de modo a permitir a sua seletividade, e a atribuição de poderes

às centrais sindicais que passam a ser o centro de imputação da criação de

entidades sindicais e dos contratos coletivos de trabalho.

A discussão da Reforma Sindical no Fórum visou a atender a dois

imperativos, abrir o diálogo social e atribuir legitimidade às decisões

aprovadas com consenso pelo referido órgão, embora não se possa dizer o

mesmo quanto à matéria a respeito da qual não houve consenso no Fórum,

incluída no Anteprojeto como diretriz pela qual optou o Governo.

O Coordenador Oswaldo Bargas, Secretário das Relações de Trabalho

do Ministério do Trabalho e Emprego, fez inúmeras visitas a órgãos de classe,

patronais e profissionais, para debater a Reforma.

(1) Fora do Fórum Nacional do Trabalho foram produzidos outros textos de reforma

sindical, dentre os quais, além da PEC 29 sobre representação dos trabalhadores na

empresa, do Deputado Vicentinho, que foi incorporado ao anteprojeto do Fórum, a PEC

121, de 2003, do Deputado Valdir Moura, a PEC 314 de 2004, do Deputado Ivan Valente,
a PEC 40, do Senado Federal, dos Senadores Pedro Simon, Jefferson Peres e outros, e o

Projeto do Deputado Sérgio Miranda.

581

CAPÍTULO 47

DIRETRIZES GERAIS

1. BASES DO SISTEMA

Todo sistema sindical, para caracterizar-se como democrático, deve

apoiar-se em dois princípios: o princípio da liberdade sindical e o princípio da

autonomia coletiva dos particulares. Do primeiro resultam quatro garantias

universais: a de fundar sindicatos, a de administrar sindicatos, a de assegurar

a atuação dos sindicatos e a de preservar o direito de filiação ou não filiação

sindical. Do segundo segue-se o direito à negociação coletiva em todas as

esferas sindicais, aos grupos organizados, não organizados e às empresas.

A organização sindical, inspirada no sindicalismo orgânico defendido pela

CUT, prevê estruturas organizativas próprias a partir das Centrais, constantes

do anteprojeto de 23.8.2004, aprovado pelo Fórum Nacional do Trabalho.

Suas propostas aplicam-se ao setor privado. Não abrangem o setor

público. Os servidores públicos, autárquicos e fundacionais, apesar da

importância e urgência na regulamentação da sua organização sindical,

ficaram para uma segunda etapa.

O que passa a ser relatado refere-se, portanto, à organização sindical

no setor privado.

A primeira grande modificação é sobre o critério de agrupamento.

O agrupamento de trabalhadores e empregadores nas respectivas


entidades sindicais, não é mais por categorias econômicas, profissionais e

diferenciadas, mas por setor econômico e ramo de atividade econômica ou

coordenação entre eles, definidos os setores e ramos de atividade econômica

por ato do Ministro do Trabalho e Emprego mediante proposta de iniciativa

do CNRT, com o reconhecimento das entidades sindicais pelo Ministério do

Trabalho e Emprego.

A segunda alteração importante refere-se à representatividade sindical.

A entidade sindical, para ser reconhecida como tal, terá de ser representativa.

São previstos dois tipos de entidades sindicais em qualquer plano: a de

representatividade comprovada, quando satisfeitos determinados requisitos

em cada âmbito de representação, e a derivada, quando transferida de

central sindical, confederação ou federação que tenha esses requisitos acima

do exigido, que, assim, atuará como uma fonte transferidora e suficiente

582

de criação de outras entidades sindicais em sua estrutura organizativa.

Serão beneficiadas, premiadas com a investidura sindical que lhes será

outorgada pela Central ou Confederação. Mesmo que nada representem,

estarão sob o agasalho da entidade maior que lhes deu vida e à cuja sombra

viverão. Outros sindicatos, também, desde que a entidade sindical superior

tenha estoque de sobra de requisitos de representatividade, poderão ser

beneficiados. Basta que sejam escolhidos pela entidade-mãe.Terão, como

contrapartida, de se vincular à árvore sindical da entidade maior. Portanto,

integrarão a estrutura organizativa. Sem isso não poderão obter, do Ministério,

personalidade sindical. No entanto, a preservação da personalidade sindical


de confederação de trabalhadores ou de federação da estrutura organizativa

da entidade transferidora prescinde da transferência de sobra de índice de

representatividade comprovada.

Com efeito, propõe-se:

“Art. 10. A representatividade da entidade sindical será:

I — comprovada, quando satisfeitos os requisitos de representatividade em cada âmbito

de representação;

II — derivada, quando transferida de central sindical, confederação ou federação

possuidora de representatividade comprovada.

Art. 11. A obtenção de personalidade sindical por representatividade derivada pressupõe

índice de representatividade comprovada acima do exigido para a preservação da

personalidade sindical da entidade transferidora e suficiente para a aquisição ou

preservação da personalidade sindical pela entidade beneficiada.

§ 1º A aquisição ou a preservação da personalidade sindical por representatividade

derivada vinculará a entidade beneficiada à estrutura organizativa da entidade

transferidora, na forma do estatuto desta última.

§ 2º A aquisição ou a preservação da personalidade sindical de confederação de

trabalhadores ou de federação de trabalhadores ou de empregadores prescinde da

transferência de índice de representatividade comprovada.

Art. 12. Os índices de representatividade deverão ser confirmados sempre que houver

contestação por qualquer outra entidade com ou sem personalidade sindical no mesmo

âmbito de representação, desde que seja observado o intervalo mínimo de 3 (três) anos

a partir da data da aquisição da personalidade sindical ou da última confirmação da

representatividade.
§ 1º Os procedimentos e prazos relativos à contestação e à confirmação de

representatividade serão definidos e propostos pelo CNRT e publicados por ato do

Ministro do Trabalho e Emprego.

§ 2º Quando não for confirmada a representatividade, a entidade perderá a personalidade

sindical.

Art. 13. São atribuições e prerrogativas da entidade dotada de personalidade sindical:

I — representar os interesses do respectivo âmbito de representação, perante as

autoridades administrativas e judiciárias;

583

II — propor e participar de negociação coletiva;

III — celebrar contratos coletivos de trabalho;

IV — atuar em juízo como legitimado ordinário ou extraordinário;

V — estabelecer contribuições de negociação coletiva.”

Terceira grande modificação é a personalidade sindical. Já é conhecida

pelo direito argentino. Para ter prerrogativas sindicais, a entidade sindical

deverá obter, no Ministério do Trabalho e Emprego, personalidade sindical.

É o que a habilitará ao exercício das atribuições e das prerrogativas

sindicais. Decorrerá de ato do Ministro do Trabalho e Emprego. Para obter

personalidade sindical, a entidade pleiteante terá de preencher requisitos

de representatividade. A entidade sindical que quiser exclusividade de

representação terá de obter personalidade sindical. E a aquisição desta

depende de prévio registro dos atos constitutivos da entidade e do seu

reconhecimento pelo Ministro do Trabalho e Emprego. Este, para autorizar o

sindicato, avaliará os requisitos. As Centrais, no entanto, para criar entidades


sindicais por transferência de representatividade, independem da verificação

de qualquer requisito a ser preenchido pelas entidades beneficiadas.

As prerrogativas sindicais das entidades, condição para que — com

a ressalva acima para as que mesmo não representativas integrarem uma

estrutura organizativa representativa — tenham personalidade jurídica são

as conhecidas: a) representar, perante as autoridades administrativas e

judiciárias, os interesses da respectiva base de representação; b) propor e

participar de negociação coletiva; c) celebrar contratos coletivos de trabalho;

d) atuar em juízo como legitimado ordinário ou extraordinário na forma da lei;

e) estabelecer contribuições de negociação coletiva. Não se vê alusão, como

prerrogativa, à deflagração de greve. Isso talvez se deva a uma concepção

de greve: a diretamente anunciada pelos trabalhadores, fora do sindicato.

Diferem personalidade jurídica e personalidade sindical. Necessária

será a inscrição dos atos constitutivos e estatutos das entidades sindicais

no Registro Civil de Pessoas Jurídicas na forma da Lei n. 6.015, de 31

de dezembro de 1973, com o que adquirirão personalidade jurídica, mas

só obterão personalidade sindical com um segundo registro, com o que o

registro em Cartório Civil não bastará para a entidade sindical exercer as

prerrogativas sindicais, o que só acontecerá se obtiver, também, registro no

Ministério, cuja concessão será condicionada à comprovação de requisitos

de representatividade ou pela simples opção criativa de Centrais ou

Confederações (representatividade derivada).

Há regras introdutórias aplicáveis tanto às entidades sindicais de

trabalhadores como de empregadores, e que são o direito a constituir


entidades para fins sindicais, sem autorização prévia, cumprindo ao Ministério

584

do Trabalho e Emprego — MTE o reconhecimento de representatividade,

o direito de livre filiação, participação, permanência e desligamento das

entidades sindicais que escolherem, o direito de eleger livremente seus

representantes, organizar sua estrutura representativa e sua administração,

formular seu programa de ação, filiar-se às respectivas organizações

internacionais e elaborar seus estatutos, observando princípios democráticos

que assegurem ampla participação dos representados, a independência

entre as entidades patronais e profissionais sendo-lhes vedadas, direta

ou indiretamente, todas as formas de ingerência política, financeira ou

administrativa destinadas a desvirtuar, impedir ou dificultar a atuação

sindical e a agregação de trabalhadores e de empregadores, nas respectivas

entidades sindicais, definida por setor econômico, por ramo de atividade

ou, quando se tratar de Central Sindical, pela coordenação entre setores

econômicos e ramos de atividades que serão definidos por ato do Ministro do

Trabalho e Emprego, mediante proposta de iniciativa do CNRT, respeitadas

as diferenças de organização entre as entidades sindicais de trabalhadores

e de empregadores e asseguradas a compatibilidade de representação dos

atores coletivos para todos os níveis e âmbitos da negociação coletiva.

A aquisição da personalidade sindical, que habilita o exercício das

atribuições e das prerrogativas sindicais, depende de prévio registro dos

atos constitutivos da entidade e do reconhecimento da representatividade.

Os atos constitutivos e os estatutos das entidades sindicais serão inscritos


no Registro Civil de Pessoas Jurídicas, na forma da Lei n. 6.015, de 1973. O

reconhecimento da representatividade será requerido pela entidade sindical

e será acompanhado de cópias autenticadas do estatuto, bem como das atas

da assembleia de fundação e da última eleição de diretoria. A personalidade

sindical será atribuída por ato do Ministro do Trabalho e Emprego sempre

que forem preenchidos os requisitos de representatividade estabelecidos

pela Lei, ressalvada a hipótese de exclusividade de representação. O MTE

deverá providenciar ampla e periódica divulgação das entidades dotadas de

personalidade sindical nos respectivos âmbitos de representação, indicando

o número de representados e o índice de filiação de cada uma delas.

585

CAPÍTULO 48

ENTIDADES SINDICAIS DE TRABALHADORES

1. NÍVEIS

Passa-se, agora, também, de modo exclusivamente narrativo, a

descrever as proposições apresentadas para reger as entidades sindicais

de trabalhadores que serão organizadas em novo enquadramento sindical

por ramos de atividade e setores econômicos, dotadas de representatividade

comprovada ou, meramente, derivada.

As entidades sindicais de trabalhadores poderão ter os níveis de

centrais, confederações, federações e sindicatos em âmbito de atuação

nacional, interestadual, estadual, intermunicipal e municipal, surgindo, como

inovação, a legalização das Centrais de Trabalhadores.

Uma Central será constituída em âmbito nacional, a partir de sindicatos


de qualquer setor econômico ou ramo de atividade, sendo-lhe permitida

a criação de confederações, federações e sindicatos como parte de sua

estrutura organizativa.

As Confederações serão filiadas ou vinculadas à Central, e quando não

o estiverem, serão constituídas em âmbito nacional, a partir de sindicatos do

mesmo setor econômico, sendo-lhes permitida a criação de federações e

sindicatos como parte de sua estrutura organizativa.

As Federações serão filiadas ou vinculadas à Central, e quando não

o estiverem, serão constituídas a partir de sindicatos do mesmo ramo de

atividade, em âmbito territorial mínimo correspondente a Estados, sendo-lhes

permitida a criação de sindicatos como parte de sua estrutura organizativa.

Os Sindicatos serão constituídos pelo critério do ramo de atividade

preponderante dos empregadores em âmbito territorial correspondente ao

Município.

2. REQUISITOS

Havendo dois tipos de representatividade, a comprovada, mediante

o preenchimento de requisitos, e a derivada, mediante a criação de outra

entidade sindical do setor e que, por sua vez, tenha preenchido os requisitos

que autorizam o reconhecimento da representatividade, ganha importância a

definição desses requisitos.

586

A central sindical obtém representatividade mediante a observância de

três dos seguintes requisitos:

I — filiação de sindicatos com representatividade comprovada em pelo


menos 18 unidades da Federação, distribuídos nas cinco regiões do País;

II — filiação de sindicatos com representatividade comprovada em pelo

menos nove unidades da Federação, com índice de filiação igual ou superior

a 15% do total de trabalhadores em cada uma delas;

III — filiação de trabalhadores aos sindicatos filiados à central sindical

em número igual ou superior a 22% do total de trabalhadores nas respectivas

bases de representação;

IV — filiação de trabalhadores aos sindicatos filiados à central sindical,

em pelo menos sete setores econômicos, em número igual ou superior a 15%

do total de trabalhadores em cada um desses setores em âmbito nacional.

A confederação obtém legitimidade mediante filiação à central sindical

ou com a observância dos seguintes requisitos:

I — filiação de sindicatos com representatividade comprovada em pelo

menos 18 unidades da Federação, distribuídos nas cinco regiões do País;

II — filiação de sindicatos com representatividade comprovada em pelo

menos nove unidades da Federação, com índice de filiação igual ou superior

a 15% do total de trabalhadores em cada uma delas;

III — filiação de trabalhadores aos sindicatos filiados à confederação em

número igual ou superior a 22% do total de trabalhadores nas respectivas

bases de representação.

A federação obtém autenticidade mediante filiação à central sindical ou

a confederação ou mediante a observância dos seguintes requisitos:

I — filiação de trabalhadores aos sindicatos filiados à federação em

número igual ou superior a 22% do total de trabalhadores nas respectivas


bases de representação desses sindicatos;

II — filiação de trabalhadores aos sindicatos filiados à federação

em número igual ou superior a 15% do total de trabalhadores na base de

representação da federação.

O sindicato obtém representatividade mediante vinculação à central

sindical, ou à confederação, ou à federação ou à filiação de número igual ou

superior a 20% dos trabalhadores da base.

A aferição dos requisitos será feita com base na relação entre o

número de filiados e o número de trabalhadores que estejam efetivamente

empregados no âmbito de representação do sindicato.

587

Há estimativas de que no Brasil o índice de sindicalização é por volta de

17%, mas os dados estatísticos não são claros.

3. DIREITO DE VOTAR E SER VOTADO

O direito de voto e a investidura em cargo de direção sindical são

condicionados ao preenchimento, pelos interessados, dos seguintes

requisitos:

I — ser filiado à entidade sindical e estar empregado no respectivo

âmbito de representação;

II — ser maior de 16 anos para votar e maior de 18 anos para ser votado.

São proibidos de concorrer a cargo de direção sindical ou permanecer

no seu exercício, quem:

I — tiver rejeitadas suas contas de exercício em cargo de administração

sindical;
II — houver comprovadamente lesado o patrimônio de qualquer entidade

sindical.

A direção das entidades sindicais será exercida por uma diretoria

constituída por um número mínimo de membros, considerada a base de

representação de até 1.000 trabalhadores, acrescida para um número maior

de membros a cada 1.000 trabalhadores a mais na base de representação

até um limite máximo de diretores.

4. GARANTIAS AOS DIRIGENTES SINDICAIS

São asseguradas as seguintes garantias aos dirigentes sindicais:

I — proteção contra despedida arbitrária a partir do registro da

candidatura e, se eleito, ainda que suplente, até um ano após o final do

mandato, salvo se cometer falta grave nos termos da lei;

II — proteção contra transferência unilateral que dificulte ou torne

impossível o desempenho das atribuições sindicais, ressalvado o caso de

extinção de estabelecimento.

Para efeito das garantias, a direção das entidades sindicais observará

o seguinte limite:

I — 81 dirigentes na central sindical;

II — 81 dirigentes na confederação;

588

III — 81 dirigentes na federação;

IV — 81 dirigentes no sindicato.

Nas empresas do âmbito de representação das entidades sindicais,

poderá haver um dirigente a cada 200 ou fração superior a 100 trabalhadores,


limites que poderão ser ampliados mediante contrato coletivo. Os dirigentes

afastados do trabalho a pedido da entidade sindical serão por ela remunerados,

salvo o disposto em contrato coletivo.

A entidade sindical notificará o empregador, dentro de 48 horas, e por

escrito, sobre o dia e a hora do registro da candidatura de seu empregado e,

em igual prazo, sua eleição e posse, fornecendo-lhe comprovante no mesmo

sentido.

589

CAPÍTULO 49

ENTIDADES SINDICAIS DE EMPREGADORES

1. NÍVEIS

As entidades patronais poderão ter a forma de confederação, federação

e sindicato, em âmbito de atuação nacional, interestadual, estadual,

intermunicipal e municipal.

Uma Confederação será constituída mediante filiação de federações e

de sindicatos do mesmo setor econômico, em âmbito nacional, sendo-lhe

permitida a criação de federações e sindicatos como parte de sua estrutura

organizativa.

A Federação que não estiver filiada ou vinculada à confederação poderá

ser constituída mediante filiação ou vinculação de sindicatos do mesmo

ramo ou setor econômico, em âmbito territorial mínimo correspondente aos

Estados, sendo-lhe permitida a criação de sindicatos como parte de sua

estrutura organizativa.

O Sindicato patronal será constituído pelo critério de setor econômico


ou de ramo de atividade preponderante das empresas ou das unidades

econômicas em âmbito territorial mínimo correspondente ao Município.

2. REQUISITOS

A confederação obterá representatividade mediante a observância de

três dos seguintes requisitos:

I — filiação de sindicatos, com representatividade comprovada, em pelo

menos 18 unidades da Federação, distribuídos nas cinco regiões do País;

II — filiação de sindicatos, com representatividade comprovada, em pelo

menos 12 unidades da Federação, com índice de filiação igual ou superior a

20% da soma das empresas ou unidades econômicas correspondentes às

bases de representação desses sindicatos;

III — filiação de sindicatos, com representatividade comprovada, em

pelo menos 18 unidades da Federação, nas quais a soma do capital social

das empresas ou unidades econômicas filiadas aos sindicatos vinculados

à confederação seja igual ou superior a 20% da soma do capital social

das empresas ou unidades econômicas correspondentes às bases de

representação desses sindicatos;

590

IV — filiação de sindicatos, com representatividade comprovada, em

pelo menos 18 unidades da Federação, nas quais a soma do número de

empregados das empresas ou unidades econômicas filiadas aos sindicatos

vinculados à confederação seja igual ou superior à soma de 20% dos

empregados das empresas ou unidades econômicas correspondentes às

bases de representação desses sindicatos.


Para efeito de comprovação da legitimidade, serão considerados os

sindicatos filiados à federação que estiver filiada à confederação.

A federação obterá autenticidade mediante filiação ou vinculação à

confederação ou com a observância de três dos seguintes requisitos:

I — filiação de sindicatos, com representatividade comprovada, em pelo

menos três ramos de atividade econômica;

II — filiação de sindicatos, com representatividade comprovada, cuja

soma das empresas ou unidades econômicas filiadas seja igual ou superior a

20% da soma das empresas ou unidades econômicas nas respectivas bases

de representação;

III — filiação de sindicatos, com representatividade comprovada, cuja

soma do capital social das empresas ou unidades econômicas filiadas seja

igual ou superior a 20% da soma do capital social das empresas ou unidades

econômicas nas respectivas bases de representação;

IV — filiação de sindicatos, com representatividade comprovada, cuja

soma do número de empregados das empresas ou unidades econômicas

filiadas seja igual ou superior a 20% da soma do número de empregados das

empresas ou unidades econômicas nas respectivas bases de representação.

A federação que não estiver filiada ou vinculada à confederação será

constituída mediante filiação ou vinculação de sindicatos do mesmo ramo ou

setor econômico, em âmbito de atuação estadual ou interestadual, sendo-lhe

permitida a criação de sindicatos como parte de sua estrutura organizativa.

A criação de federação nacional por ramo de atividade é prerrogativa

de confederação com personalidade sindical, que integrará a estrutura


organizativa da entidade criadora.

O sindicato obterá representatividade mediante vinculação à

confederação ou à federação ou com a observância de dois dos seguintes

requisitos:

I — filiação de número igual ou superior a 20% das empresas ou

unidades econômicas em sua base de representação;

II — filiação de empresas ou unidades econômicas, cuja soma do capital

social seja igual ou superior a 20% da soma do capital social das empresas

ou unidades econômicas na respectiva base de representação;

591

III — filiação de empresas ou unidades econômicas, cuja soma do

número de seus empregados seja igual ou superior a 20% da soma do número

de empregados das empresas ou unidades econômicas na respectiva base

de representação.

3. DIREITO DE VOTAR E SER VOTADO

São proibidos eleição e exercício de cargo de direção sindical para quem:

I — tiver rejeitadas as suas contas de exercício em cargo de administração

sindical;

II — houver comprovadamente lesado o patrimônio de qualquer entidade

sindical.

592

CAPÍTULO 50

EXCLUSIVIDADE DE REPRESENTAÇÃO

1. SUBSTITUIÇÃO DA UNICIDADE PELA EXCLUSIVIDADE


A exclusividade de representação é uma nova figura que substituirá

a unicidade sindical e será uma prerrogativa de entidade sindical que se

encontrar na situação que corresponde aos dados abaixo relacionados, pela

concessão de personalidade sindical a um único sindicato no respectivo

âmbito de representação e que, afastará, portanto, a pluralidade sindical

nesse âmbito.

2. REGISTRO ANTERIOR À LEI E ADAPTAÇÃO DO ESTATUTO

Terá exclusividade o sindicato que obteve registro antes da vigência

dessa Lei, e desde que haja deliberação de assembleia geral de filiados e

não filiados e a inclusão, em seu estatuto, de normas destinadas a garantir

princípios de liberdade organizativa, democracia interna e de respeito aos

direitos de minoria.

É fixado prazo de 12 meses, contado da data da aprovação pelo Mi-

nistério do Trabalho e Emprego dos requisitos estatutários propostos pelo

CNRT, para comprovação, pela entidade sindical, dos requisitos para obter

exclusividade, período durante o qual o sindicato conservará a exclusividade

no respectivo âmbito de representação.

Será possível a existência, no âmbito de representação, de mais de

um sindicato com personalidade sindical, portanto, entidades sindicais por

representatividade comprovada e entidades sindicais por representatividade

derivada, alterando-se, assim, o sistema da unicidade pelo da pluralidade

relativa.

É assegurado o direito de fusão entre sindicato com exclusividade de

representação e outro que tiver optado pela liberdade de organização, caso


em que a assembleia de filiados e não filiados definirá se a prerrogativa

da exclusividade será ou não mantida, salvo se existir outro sindicato com

personalidade sindical no novo âmbito de representação.

Poderá ser cancelada, pelo MTE, a exclusividade de representação do

sindicato se até o término do período de transição não for comprovada a

593

representatividade, hipótese em que poderá existir mais de um sindicato no

mesmo âmbito de representação. No entanto, será conservada, pelo sindicato,

a sua personalidade sindical quando se vincular a central sindical, confederação

ou federação, tratando-se de entidade de trabalhadores, ou confederação ou

federação, tratando-se de entidade de empregadores, por se tratar de um

sistema sindical orgânico de estruturas organizativas próprias a partir das

entidades de cúpula.

594

CAPÍTULO 51

A PROPOSTA DE FINANCIAMENTO

1. CONTRIBUIÇÕES ATUAIS

Propõe-se a modificação das fontes de receita sindical tendo em vista a

necessidade de recursos financeiros para que as entidades sindicais possam

cumprir os seus objetivos.

Atualmente, essas receitas são atendidas, basicamente, pela contribui-

ção sindical fixada pela CLT, a contribuição confederativa introduzida pela

Constituição de 1988, a taxa assistencial não prevista em lei mas negociada

em convênios coletivos ou estabelecida em sentença normativa de dissídios


coletivos e a mensalidade sindical paga por aqueles que tomam a iniciativa

de se inscreverem como sócios ou filiados ao sindicato.

2. NOVAS CONTRIBUIÇÕES

Essas contribuições serão substituídas por duas, a contribuição de

sócios, que é uma nova forma para a mensalidade sindical, e a contribuição

de negociação coletiva, prevista em instrumentos coletivos. Ficariam extintas

a contribuição sindical, a contribuição confederativa e a taxa assistencial.

3. CONTRIBUIÇÃO ASSOCIATIVA

A contribuição associativa será paga por filiado que se inscreve como

sócio da entidade sindical, é espontânea e fundada no vínculo associativo

em favor das entidades sindicais, conforme o disposto no estatuto e

deliberações de assembleia, sendo prerrogativa da entidade sindical

de trabalhadores, quando autorizada expressamente por seus filiados,

requisitar, por escrito, à empresa, o seu desconto em folha de pagamento,

cabendo à empresa efetuar o seu repasse para o sindicato, até o décimo

dia subsequente ao desconto, sob pena de multa no valor de 10% sobre

o montante retido, acrescido de juros de mora sobre o principal da dívida,

sem prejuízo de cominações penais, em especial a apropriação indébita;

o desconto ou pagamento será realizado mediante apresentação, ao

empregador, de documento assinado pelos subscritores de instrumento

coletivo, informando a celebração do contrato coletivo ou a frustração da

595

negociação coletiva, acompanhada das respectivas atas das assembleias

que fixaram e aprovaram os valores ou percentuais das contribuições.


4. CONTRIBUIÇÃO DE NEGOCIAÇÃO COLETIVA

A contribuição de negociação coletiva é o valor devido em favor das

entidades sindicais, com periodicidade anual, pela participação da negociação

coletiva ou no efeito geral do seu resultado, ainda que por meio de sentença

arbitral.

O desconto ou pagamento será realizado mediante a celebração do

contrato coletivo ou da comprovação da frustração da negociação coletiva,

de acordo com os respectivos valores ou percentuais das contribuições

determinadas pelas respectivas assembleias de sindicatos envolvidos nas

negociações.

A proposta do valor da contribuição será submetida, anualmente,

à apreciação e deliberação de assembleia geral dos destinatários da

negociação coletiva, filiados ou não à entidade sindical.

Desaparece o direito de oposição, antes possível em relação às

contribuições facultativas — taxa assistencial, contribuição confederativa

ou qualquer outro tipo de contribuição não previsto em lei —, em relação à

contribuição de negociação coletiva aprovada em assembleia geral.

O contrato coletivo ou documento assinado pelos subscritores de

instrumento coletivo ou ata de assembleia que aprovou a contribuição

indicará as entidades sindicais para as quais serão feitos os repasses

correspondentes à sua participação na contribuição de negociação coletiva,

sendo que, quando mais de uma entidade sindical participar da negociação

coletiva, os valores correspondentes à contribuição serão distribuídos de

maneira proporcional ao índice de sindicalização de cada uma delas.


Os valores correspondentes à contribuição de negociação coletiva serão

distribuídos de maneira proporcional à representatividade das entidades

dentro da estrutura organizativa a que pertencem.

Ato do Ministro do Trabalho e Emprego, ouvido o CNRT, regulará o

recolhimento e os procedimentos de repasse da contribuição de negociação

coletiva.

O valor da contribuição de negociação coletiva dos trabalhadores será

limitado ao máximo de 1% do valor da remuneração recebida no ano anterior

ao do desconto, o seu pagamento será em no mínimo três parcelas mensais,

a partir do mês de abril, independentemente do número de contratos coletivos

596

celebrados nos diversos âmbitos de negociação da entidade sindical, tendo

como base de cálculo a mesma da Declaração Anual de Rendimentos do

Imposto de Renda.

Assim, a base de cálculo corresponderá ao “Total dos Rendimentos”

indicado no “Comprovante de Rendimentos pagos e de Retenção de Imposto

de Renda na Fonte”, deduzidas as quantias correspondentes ao imposto de

renda retido na fonte e às contribuições previdenciárias oficial e privada.

Será aplicado o critério da proporcionalidade do pagamento quando

o contrato de trabalho do trabalhador for extinto antes do desconto da

contribuição. O empregador terá o dever de informar ao sindicato, até o final

do mês de abril, o valor total dos salários, bruto e líquido, considerados para

o pagamento da contribuição e o número de trabalhadores abrangidos.

O sindicato terá a prerrogativa para a cobrança de contribuição


de negociação coletiva, cumprindo aos empregadores descontá-la da

remuneração dos trabalhadores abrangidos.

O repasse da contribuição será efetuado até o décimo dia subsequente

ao desconto, sob pena de multa no valor de 10% sobre o montante retido,

acrescidos de juros de mora sobre o principal da dívida, sem prejuízo de

cominações penais, em especial as relativas à apropriação indébita.

O rateio da contribuição aos demais integrantes da estrutura organizativa

da entidade que participou da negociação coletiva será feito segundo

procedimento proposto pelo CNRT e aprovado pelo Ministério do Trabalho e

Emprego, com os seguintes percentuais:

I — 10% às centrais sindicais;

II — 5% às confederações;

III — 10% às federações;

IV — 70% aos sindicatos;

V — 5% ao Fundo Solidário de Promoção Sindical — FSPS.

Quando a entidade sindical que participou da negociação não estiver

filiada ou vinculada a qualquer dessas entidades, os valores a que teria

direito serão destinados ao FSPS.

A contribuição de negociação coletiva das entidades sindicais patronais

será paga por todas as empresas ou unidades econômicas independentemente

do porte e do número de trabalhadores, ficando isentas de pagamento as

empresas ou unidades econômicas que não tiveram empregados no ano

anterior à estipulação da contribuição, conforme a Relação Anual das

Informações Sociais — RAIS.


597

O valor da contribuição patronal será limitado a 0,8% do valor do

capital social da empresa ou unidade econômica registrada nas respectivas

juntas comerciais ou órgãos equivalentes, ou para o setor rural, valor da

terra nua tributável declarada no Imposto sobre a Propriedade Territorial

Rural — ITR.

O recolhimento da contribuição efetuado fora do prazo previsto no artigo

anterior será acrescido de multa de 10% sobre o montante devido, além de

juros de mora sobre o principal da dívida.

A Secretaria da Receita Federal poderá celebrar convênios com

as entidades sindicais do setor rural com a finalidade de fornecer dados

cadastrais de imóveis rurais que possibilitem a cobrança da contribuição de

negociação coletiva a elas devidas.

O repasse da contribuição patronal será feito até o décimo dia

subsequente ao desconto, sob pena de multa no valor de 10% sobre o

montante retido, acrescidos de juros de mora sobre o principal da dívida,

sem prejuízo de cominações penais, em especial as relativas à apropriação

indébita.

Há um valor mínimo da contribuição patronal, equivalente a R$ 100,00

(cem reais), revisto anualmente com base na média de reajustes salariais

concedidos pelo setor respectivo no ano anterior, não podendo ultrapassar a

quantia equivalente a 800 vezes o valor mínimo.

A confederação representativa de cada setor econômico poderá propor,

à assembleia, tabela de contribuição de negociação coletiva, observados os


critérios referidos nos artigos anteriores.

O rateio da contribuição com os demais integrantes da estrutura

organizativa da entidade que participou da negociação coletiva será efetuado

segundo procedimento proposto pelo CNRT, aprovado pelo Ministro do

Trabalho e Emprego, com os seguintes percentuais:

I — 10% às confederações;

II — 20% às federações;

III — 65% aos sindicatos;

IV — 5% ao FSPS.

Quando a entidade sindical que participou da negociação coletiva não

estiver filiada ou vinculada a qualquer dessas entidades, esses recursos

serão destinados ao FSPS.

598

5. OUTRAS FONTES DE RECEITAS

Passam a ser admitidas as seguintes receitas sindicais:

I — contribuição associativa;

II — contribuição de negociação coletiva;

III — frutos dos rendimentos de seu patrimônio;

IV — doações e legados, quando aceitos na forma dos seus estatutos;

V — multas e outras rendas.

Ficará proibido, às entidades sindicais, o exercício de atividades com

finalidade lucrativa, facultado, na forma de seus estatutos, o desempenho de

atividade econômica.

599
CAPÍTULO 52

PRESTAÇÃO DE CONTAS PELAS

ENTIDADES SINDICAIS

1. LANÇAMENTOS CONTÁBEIS

É prevista a prestação de contas pelas entidades sindicais apesar de

não serem entes públicos, daí os mecanismos de controle e fiscalização que

passam a ser indicados.

As entidades farão lançamentos contábeis de forma a permitir o

acompanhamento das transações, dos débitos e dos créditos, o recolhimento

e o repasse das contribuições, o conhecimento da composição patrimonial, a

determinação dos custos dos serviços, o levantamento dos balanços gerais,

a análise e a interpretação dos resultados econômicos e financeiros.

2. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS DIRIGENTES

DAS ENTIDADES SINDICAIS

Haverá responsabilidade solidária dos dirigentes sindicais pela violação

aos deveres de:

I — proceder à regular escrituração contábil e à prestação anual de

contas na forma e segundo os padrões e normas da contabilidade pública,

ajustados às peculiaridades das respectivas entidades;

II — manter disponíveis à livre consulta de qualquer representado, do

Ministério Público e da autoridade competente do MTE, pelo prazo de cinco

anos, o balanço, os balancetes orçamentários, a memória completa dos

lançamentos contábeis dos créditos e dos repasses referentes à contribuição

de negociação coletiva, a cópia do estatuto da entidade vigente no período


respectivo e relação nominal atualizada dos dirigentes sindicais, com a

respectiva ata de posse;

III — proporcionar, por todos os meios em seu alcance, o acesso dos

seus representados aos estatutos e às informações aludidas nos incisos

anteriores deste artigo.

É exigida a manutenção, na entidade sindical, de registro atualizado dos

nomes e dos endereços de seus filiados.

Serão comunicadas, ao MTE, das alterações na diretoria e no estatuto

da entidade sindical.

600

CAPÍTULO 53

REPRESENTAÇÃO DE TRABALHADORES

NOS LOCAIS DE TRABALHO

1. ORIGENS DA PROPOSTA

Por iniciativa do Deputado Vicentinho e do Deputado Maurício Rhands,

foi elaborado um projeto sobre representação dos trabalhadores a partir do

local de trabalho, separado do projeto do Fórum Nacional do Trabalho e

depois, em suas linhas gerais, apesar da discordância dos empregadores,

incorporado a este. Os dois textos, agora unificados, partem de pressupostos

diferentes, um valorizando a representação das bases na empresa e o outro

optando pela criação de sistemas organizativos sindicais a partir das cúpulas,

em especial as Centrais sindicais.

Segundo a Constituição de 1988, art. 11, “nas empresas de mais de

duzentos empregados, é assegurada a eleição de um representante destes


com a finalidade exclusiva de promover-lhes o entendimento direto com os

empregadores”.

A proposta de reforma dá outra estrutura à representação dos trabalha-

dores no local de trabalho, com as diretrizes que passam a ser mostradas.

2. BASES DA REPRESENTAÇÃO

A Representação será eletiva e nos locais de trabalho, integrará o sistema

sindical e, sem prejuízo de sua autonomia, atuará em colaboração com as

entidades sindicais com a finalidade exclusiva de promover o entendimento

direto com o empregador.

Serão observadas as normas da Recomendação n. 143 e da Convenção

n. 135 da Organização Internacional do Trabalho — OIT, aprovada pelo

Decreto Legislativo n. 86, de 14 de dezembro de 1989, ratificada em 18 de

maio de 1990 e promulgada pelo Decreto n. 131, de 22 de maio de 1991.

Haverá apenas uma representação por local de trabalho.

Suas atividades e exercício serão definidos pelo seu regimento aprovado

em assembleia.

601

3. OBJETIVOS

São seus objetivos:

I — promover a integração dos trabalhadores na empresa;

II — representar os trabalhadores perante a administração da empresa;

III — promover o diálogo e o entendimento no ambiente de trabalho com

o objetivo de prevenir conflitos;

IV — facilitar o acesso dos trabalhadores à formação e ao aprimoramento


profissional;

V — buscar soluções para os conflitos decorrentes da relação de

trabalho, de forma rápida e eficaz, visando à efetiva aplicação das normas

legais e contratuais;

VI — mediar e conciliar os conflitos individuais do trabalho;

VII — assegurar tratamento justo e imparcial aos trabalhadores e impedir

qualquer forma de discriminação por motivo de sexo, idade, raça, cor, religião,

opinião política, atuação sindical, nacionalidade ou origem social;

VIII — aprimorar o relacionamento entre a empresa e seus trabalhadores,

incrementando os mecanismos de comunicação e de definição de metas

comuns, com base nos princípios da boa-fé e do respeito mútuo;

IX — encaminhar reivindicações específicas dos trabalhadores, na

forma estabelecida em contrato coletivo;

X — fiscalizar e acompanhar o cumprimento das leis trabalhistas,

previdenciárias e dos contratos coletivos.

4. CONTROLE SINDICAL

A Comissão será instalada pelo sindicato com personalidade sindical,

por sua iniciativa ou por solicitação escrita de 20% dos trabalhadores com

mais de seis meses na empresa e a instalação será comunicada, pelo

sindicato, ao empregador e ao órgão local do MTE.

A Comissão poderá ser criada de forma conjunta quando existir mais de

um sindicato no mesmo âmbito de representação, conjunta, pelos sindicatos,

sendo que a recusa de um deles não poderá impedir a iniciativa do outro.

O sindicato terá o prazo de 30 dias para convocar as eleições contados


da solicitação dos trabalhadores.

602

5. PROPORCIONALIDADE

O número de membros da comissão será proporcional ao de trabalha-

dores da empresa:

I — de 30 a 80 trabalhadores, um representante;

II — de 81 a 150 trabalhadores, dois representantes;

III — de 151 a 300 trabalhadores, três representantes;

IV — de 301 a 500 trabalhadores, quatro representantes;

V — de 501 a 800 trabalhadores, cinco representantes;

VI — de 801 a 1.000 trabalhadores, seis representantes;

VII — acréscimo, na empresa com mais de 1.000 trabalhadores, de mais

dois representantes para cada 1.000 ou fração superior a 500 trabalhadores.

Na empresa com menos de 30 trabalhadores, a Comissão será criada

por contrato coletivo.

Na empresa que possua no mesmo âmbito de representação sindical

mais de um estabelecimento com menos de 30 trabalhadores cada, mas

que, somados, alcancem esse número, de todos os trabalhadores, será

constituída a comissão com referência ao total de trabalhadores, indicando,

o sindicato, em qual estabelecimento será constituída a representação, cujos

membros deverão ser eleitos e atuar nos respectivos locais de trabalho.

Para fixar o número de representantes será considerada a quantidade

de trabalhadores na empresa no período de três meses anteriores à data

marcada para a eleição.


6. ELEIÇÕES

Convocar eleição para escolha de representantes dos trabalhadores na

Comissão será atribuição do sindicato com personalidade sindical na base

de representação.

As eleições serão convocadas com antecedência de 30 dias, e será

promovida de forma conjunta existindo mais de um sindicato no mesmo

âmbito de representação, e a recusa de um deles não impedirá a realização

do processo eleitoral, observado o princípio do sufrágio livre, pessoal, direto

e secreto e por meio de chapas.

Será assegurada igualdade de condições dos candidatos, em especial

no que concerne ao tempo de campanha e à disposição dos nomes na cédula

eleitoral, para os candidatos à representação.

603

A composição da representação dos trabalhadores será determinada

pela proporcionalidade dos votos obtidos pelas chapas que alcançarem no

mínimo 20% dos votos válidos.

É obrigação do empregador oferecer os meios necessários para o

normal desenvolvimento do processo eleitoral.

Terão capacidade de votar, como eleitores, todos os trabalhadores na

empresa há mais de seis meses e terão capacidade de ser votados, para

serem eleitos, os trabalhadores com mais de 18 anos de idade e empregados

na empresa há mais de 12 meses, contados os períodos descontínuos.

Não poderão votar ou serem eleitos os ocupantes de cargos de gestão

na empresa, e perderá o mandato o representante promovido a um desses


cargos de gestão.

Apurados os votos, serão declarados os eleitos, que tomarão posse no

primeiro dia útil seguinte à eleição ou ao término do mandato anterior.

Os eleitos indicarão, de comum acordo, o coordenador e o secretário da

representação.

O sindicato é obrigado a guardar, à disposição para livre consulta de

qualquer trabalhador, do Ministério Público do Trabalho e do MTE, pelo prazo

de seis anos, os documentos referentes ao processo eleitoral.

Os seguintes documentos essenciais são exigidos para o processo

eleitoral:

I — ata da reunião que indicou os integrantes da mesa eleitoral, da

comissão eleitoral e o presidente do processo eleitoral;

II — edital de convocação;

III — cópia do requerimento de registro de chapa e fichas de qualificação

individual dos candidatos;

IV — lista de eleitores;

V — exemplar da cédula eleitoral;

VI — ata de votação;

VII — ata de eleição;

VIII — cópia das impugnações e das decisões;

IX — ata de posse.

A solução, nos casos de omissões na disciplina do processo eleitoral,

observarão as disposições do estatuto do sindicato destinadas a regulamentar

a eleição dos dirigentes sindicais.


604

O mandato dos representantes será de três anos, permitida uma

reeleição.

É proibida a redução no número de representantes e a extinção da

comissão antes do término do mandato, ainda que haja diminuição de

trabalhadores, ressalvado o caso de encerramento das atividades da

empresa.

Necessária será deliberação de assembleia, especialmente convocada

para esse fim pelo sindicato ou por no mínimo 1/3 dos trabalhadores da

empresa, para destituição de representantes, decidida pelo voto da maioria

absoluta dos trabalhadores, mediante sufrágio pessoal, livre, direto e secreto,

com a observância dos princípios do contraditório e da ampla defesa.

No caso de vacância, será realizada eleição para a escolha do substituto

que concluirá o mandato e caso fique comprovado que a vacância decorreu

de ato discriminatório do empregador, o representante afastado retornará à

representação, sem prejuízo do mandato do substituto.

É obrigatória comunicação da vacância, da substituição e da extinção

do mandato ao MTE.

Os trabalhadores serão informados sobre o exercício do mandato da

representação.

7. GARANTIAS DOS REPRESENTANTES

Os membros das Comissões representantes dos trabalhadores terão

garantias contra todo ato de discriminação em razão de sua atuação,

contemporânea ou pregressa, inclusive as seguintes:


I — proteção contra despedida arbitrária a partir do registro da

candidatura e, se eleito, até o final do mandato, salvo se cometer falta grave

nos termos da lei;

II — proteção contra transferência unilateral, exceto no caso de extinção

do estabelecimento;

III — liberdade de opinião, garantindo-se a publicação e distribuição de

material de interesse dos trabalhadores.

Os representantes, para o exercício de suas funções, terão um crédito

mensal de horas, conforme o disposto em contrato coletivo.

A empresa disponibilizará local adequado, na empresa, para que a

representação possa desenvolver suas atividades, além de um ou vários

quadros de aviso.

605

Será punida conduta antissindical diante da violação das garantias

destinadas à proteção dos representantes e à instalação, eleição,

funcionamento e renovação da representação dos trabalhadores.

A representação terá direito de acesso às informações da empresa,

necessárias ao efetivo cumprimento de suas atribuições, obrigando-se

os representantes que tiverem acesso às informações, a preservá-las,

guardando sigilo com a expressa advertência do caráter confidencial, o qual

será observado mesmo após o final do mandato.

8. NEGOCIAÇÃO COLETIVA PELA REPRESENTAÇÃO

Os trabalhadores terão o direito de se reunirem em assembleia, que

poderá ser convocada pela representação ou por pelo menos 20% dos
trabalhadores da empresa.

É necessário acordo com o empregador para assembleia na empresa

durante o horário de trabalho.

A negociação coletiva, na empresa, será conduzida pela representação

dos trabalhadores diretamente com o empregador, caso em que, no prazo

de cinco dias antes da assembleia geral convocada pela representação dos

trabalhadores, o sindicato será comunicado sobre o objeto da negociação e

poderá avocar sua direção, presumindo-se, no silêncio, que a representação

dos trabalhadores está autorizada a prosseguir na negociação coletiva.

O sindicato terá o direito de avocar, até a aprovação da proposta pela

assembleia de trabalhadores, a direção da negociação coletiva.

Após a aprovação da proposta na assembleia, a representação dos

trabalhadores comunicará o ajuste ao sindicato para a celebração do contrato

coletivo.

Na recusa do sindicato em celebrar o contrato coletivo é prevista a

legitimidade de outro sindicato para atuar e, não havendo, autorização para

negociação direta com os trabalhadores da empresa.

A negociação coletiva na empresa poderá ser conduzida diretamente

pela representação dos trabalhadores.

No prazo de até cinco dias antes do início da negociação coletiva, o

sindicato deverá ser notificado sobre o objeto da negociação e poderá avocar

sua direção.

Em caso de omissão do sindicato, presume-se que a representação dos

trabalhadores está autorizada a prosseguir na negociação coletiva.


606

9. CONCILIAÇÃO PRÉVIA DOS CONFLITOS INDIVIDUAIS

Os trabalhadores poderão requerer à representação que promova

tentativa de conciliação com o empregador.

O pedido de conciliação deverá esclarecer o objeto da pretensão e será

formulado por escrito ou reduzido a termo pela representação, entregando-

-se cópia datada e assinada ao empregador e ao trabalhador.

A representação terá o direito de mediar conflito individual mediante

pedido de mediação formulado por escrito à representação, sendo entregue

cópia datada e assinada ao empregador e ao trabalhador, e o sindicato

deverá ser comunicado do requerimento, com 72 horas de antecedência da

data designada para a reunião, para que possa participar.

Será fornecida, ao empregado e ao empregador, pela Comissão,

declaração da tentativa conciliatória frustrada com a descrição de seu objeto,

firmada pela representação, pelo empregador e pelo trabalhador.

Haverá Termo de Conciliação assinado pelo trabalhador, pelo

empregador, pelo representante do sindicato e pela representação dos

trabalhadores, fornecendo-se cópias às partes com força de título executivo

extrajudicial e eficácia liberatória em relação às parcelas que forem

expressamente discriminadas.

Estará suspenso o prazo prescricional a partir do requerimento de

mediação, recomeçando a fluir, pelo que lhe resta, a partir da data da

declaração de frustração.

O termo discriminará o objeto e as condições do ajuste. A eficácia


liberatória dar-se-á somente em relação aos títulos e períodos que nele

forem expressamente discriminados.

607

CAPÍTULO 54

NEGOCIAÇÃO COLETIVA E CONTRATO

COLETIVO DE TRABALHO

1. PRINCÍPIOS BÁSICOS

A importância da negociação coletiva e do contrato coletivo de trabalho,

nova denominação genérica para as convenções coletivas e os acordos

coletivos de trabalho, motivou a proposta a rever os fundamentos do nosso

sistema legal, modificando-o em diversos pontos, inclusive quanto aos

níveis legais legitimados para negociar, a atribuição de poderes maiores

para as Centrais e Confederações quanto aos entendimentos no seu nível,

a adoção de critérios gerais de hierarquia na relação entre os instrumentos

coletivos de diferentes níveis e da lei, a explicitação do princípio da boa-fé

nas negociações e a opção pela natureza jurídica obrigacional dos contratos

coletivos considerados negócios jurídicos.

A negociação coletiva e o contrato coletivo de trabalho obedecerão ao

disposto neste Título e, no que for cabível, às normas das Convenções n. 98

e n. 154 da Organização Internacional do Trabalho — OIT.

As negociações tripartites serão conduzidos pelas centrais sindicais

e pelas entidades sindicais de empregadores, conforme a natureza dos

interesses envolvidos.

A negociação coletiva e o contrato coletivo de trabalho poderão ter


abrangência nacional, interestadual, estadual, intermunicipal e municipal.

As confederações, federações e sindicatos de trabalhadores e de

empregadores poderão instaurar a negociação coletiva e celebrar o contrato

coletivo.

As diferenças de organização e de critérios de agregação entre as

entidades sindicais de trabalhadores e de empregadores não poderão ser

invocadas como justificativa para a recusa à negociação coletiva.

O Estado incentivará para que os contratos coletivos tenham aplicação

ao maior número possível de trabalhadores e de empregadores.

A negociação observará o princípio da conduta de boa-fé caracterizado

pelo dever de:

I — participar da negociação coletiva quando regularmente requerida,

salvo justificativa razoável;

608

II — formular e responder a propostas e contrapropostas que visem a

promover o diálogo entre os atores coletivos;

III — prestar informações quando definidas de comum acordo, no prazo

e com o detalhamento necessário à eficácia da negociação;

IV — preservar o sigilo das informações que forem prestadas com esse

caráter;

V — obter a prévia autorização da assembleia para propor a negociação

coletiva.

A violação ao dever de boa-fé equipara-se à conduta antissindical.

Manter o dever de participar da negociação coletiva, mas não a obrigação


de celebrar o contrato coletivo.

É definida a negociação coletiva como procedimento adotado pelos

atores coletivos visando à celebração de contrato coletivo ou à resolução de

conflitos coletivos de trabalho.

É definido o contrato coletivo como negócio jurídico por meio do qual se

estabelecem as condições de trabalho e as relações obrigacionais entre os

atores coletivos.

São considerados sujeitos coletivos para as negociações: as entidades

sindicais, os empregadores e as representações dos trabalhadores nos

locais de trabalho.

2. NÍVEIS DE NEGOCIAÇÃO

São ampliados os níveis de negociação coletiva para níveis de empresa

ou unidade econômica, grupo de empresa, ramo ou setor econômico e

abrangência nacional, interestadual, estadual, intermunicipal e municipal,

sendo que o âmbito da negociação coletiva deverá combinar com o nível de

atuação dos atores coletivos, salvo delegação.

O nível inicial da negociação coletiva corresponde à organização dos

sindicatos de trabalhadores.

3. PROCEDIMENTO

Havendo recusa devidamente comprovada à negociação por parte das

entidades representativas, será conferida à outra entidade sindical do mesmo

ramo ou setor de atividade a titularidade da negociação coletiva.

609

Não existindo entidade com personalidade sindical de qualquer nível


disposta à negociação, os trabalhadores e empregadores poderão deliberar

diretamente.

A recusa reiterada à negociação caracteriza conduta antissindical e

sujeita as entidades sindicais de trabalhadores ou de empregadores à perda

da personalidade sindical.

A recusa em celebrar o contrato coletivo não caracteriza recusa à

negociação coletiva.

É exigida deliberação de assembleia geral dos sindicatos especialmente

convocada para autorizar a negociação coletiva e celebrar contratos coletivos,

conforme o disposto nos respectivos estatutos.

Os sindicatos darão ampla e efetiva divulgação, com antecedência

razoável, da assembleia.

Na negociação de abrangência superior ao âmbito de atuação dos

sindicatos, a participação na assembleia será definida no estatuto da entidade

de atuação mais abrangente.

Quando existir mais de uma entidade com personalidade sindical no

mesmo âmbito de representação, quem tomar a iniciativa da negociação

deverá comunicar os demais atores coletivos para que possam participar do

procedimento.

A negociação será conduzida por comissões formadas na proporção da

representatividade dos atores coletivos.

Os sujeitos coletivos estabelecerão, de comum acordo, o limite numérico

para a composição das respectivas bancadas, a pauta de negociação e os

procedimentos de consulta aos representados.


4. RESERVA DE MATÉRIA

O contrato coletivo de nível superior poderá indicar as cláusulas que

não serão objeto de modificação em níveis inferiores.

O sindicato ficará vinculado ao contrato coletivo de abrangência superior

se não requerer sua exclusão até o momento de sua celebração.

5. APLICAÇÃO

O contrato coletivo poderá ser celebrado por qualquer entidade sindical

que participar da negociação e terá por abrangência todos os representados

na empresa, ramo ou setor de atividade.

610

A entidade sindical que não celebrar o contrato coletivo não ficará

vinculada ao negócio jurídico.

6. FORMA

Os contratos coletivos observarão a forma escrita e deverão conter as

condições ajustadas e ementa indicando os sujeitos, o nível e a abrangência

da representação dos atores coletivos.

No prazo de oito dias da data da celebração, os atores coletivos

promoverão o depósito de uma via do contrato coletivo no órgão competente

do MTE.

O MTE deverá providenciar ampla e periódica divulgação das ementas

dos contratos coletivos registrados.

7. VIGÊNCIA

A vigência dos contratos coletivos será de até três anos, salvo acordo

em sentido contrário.
Os contratos coletivos poderão estabelecer as regras para que os

efeitos de suas cláusulas subsistam após o término de sua vigência.

Os efeitos do contrato coletivo subsistirão durante os 90 dias

subsequentes ao término da vigência, após o que as partes, de comum

acordo, poderão ajustar nova prorrogação.

8. COMPROMISSO ARBITRAL

Em caso de impasse, os interessados, desde que de comum acordo

e mediante autorização das respectivas assembleias, poderão requerer à

Justiça do Trabalho ou a órgão arbitral a solução do conflito de interesses.

611

CAPÍTULO 55

DIREITO DE GREVE

1. AS REGRAS ANTERIORES

A Constituição Federal de 1988, art. 9º, assegura o direito de greve,

competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e

sobre os interesses que devam por meio dele defender, remete para a lei

infraconstitucional relacionar os serviços ou atividades essenciais e dispor

sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade e respon-

sabiliza aqueles que cometerem abusos.

A Lei n. 7.783, de 1989, será revogada e, com isso, os seus dispositivos

sobre garantias dos grevistas, o dissídio coletivo pelo qual a legalidade ou

abusividade da greve é declarada pelo Tribunal do Trabalho e a configuração

do abuso do direito de greve e o dever, do Ministério Público, de ofício, de

requisitar a abertura do competente inquérito e oferecer denúncia quando


houver indício da prática de delito.

2. AS NOVAS REGRAS

As novas disposições passariam a ser as que seguem.

A greve é direito fundamental dos trabalhadores e seu exercício será

disciplinado pela presente Lei.

Entende-se por greve a suspensão coletiva e temporária, total ou parcial,

da prestação pessoal de serviços.

A titularidade do direito de greve e a oportunidade de sua deflagração

pertencem aos trabalhadores.

O estatuto da entidade sindical estabelecerá as formalidades de

convocação da assembleia geral e o número mínimo de trabalhadores para

deliberar sobre a deflagração da greve.

O empregador ou suas entidades sindicais serão comunicados por

escrito com antecedência mínima de 72 horas do início da paralisação.

Na greve motivada por atraso no pagamento do salário ou por

descumprimento de contrato coletivo ou de sentença arbitral, fica dispensado

o prévio aviso, salvo nos serviços e atividades essenciais à comunidade.

612

3. GARANTIAS AOS GREVISTAS

Aos grevistas são assegurados o emprego de meios pacíficos tendentes

a persuadir os trabalhadores a aderirem à greve, a arrecadação de fundos e

a livre divulgação do movimento.

Os meios adotados por empregados e empregadores não poderão

violar nem constranger os direitos e garantias fundamentais.


As manifestações e os atos de persuasão não poderão causar dano à

pessoa nem à propriedade.

É vedado ao empregador constranger o trabalhador a comparecer ao

trabalho com o objetivo de frustrar ou dificultar o exercício do direito de greve.

É nulo de pleno direito todo ato que represente discriminação em razão

do exercício do direito de greve.

4. SALÁRIOS

A greve implica suspensão do contrato de trabalho, podendo seus

efeitos ser regidos por contrato coletivo ou por sentença arbitral.

O pagamento correspondente aos dias de paralisação dependerá de

estipulação em contrato coletivo ou em sentença proferida em arbitragem

voluntária.

5. ESTABILIDADE

É vedada a dispensa do trabalhador durante a greve, bem como a

contratação de mão de obra destinada à substituição de grevistas.

6. SOLUÇÃO DAS CONTROVÉRSIAS

As reivindicações de greve que tenham por objetivo a criação,

modificação ou extinção de direitos serão objeto de contrato coletivo ou de

sentença arbitral.

Apenas mediante requerimento formulado em conjunto pelos atores

coletivos envolvidos na greve o Tribunal do Trabalho poderá criar, modificar

ou extinguir condições de trabalho.

7. EQUIPES PARA MANUTENÇÃO DOS SERVIÇOS

Durante a greve, a entidade sindical de trabalhadores, mediante acordo


com o empregador, deverá manter equipes com o objetivo de assegurar os

613

serviços cuja paralisação resulte em danos a pessoas ou prejuízo irreparável

pela deterioração irreversível de bens, além de garantir a manutenção dos

serviços necessários à retomada das atividades.

A entidade sindical de trabalhadores e os empregadores, ou suas

entidades sindicais, poderão, previamente ou durante a greve, definir os

setores e o número de trabalhadores necessários à preservação dos serviços

mínimos enquanto perdurar a paralisação.

Não havendo acordo, o empregador, enquanto perdurar a paralisação,

poderá contratar diretamente os serviços mínimos, definindo, de modo

razoável, os setores e o número de trabalhadores, sem comprometer

o exercício e a eficácia do direito de greve, sob pena de caracterizar ato

antissindical.

8. CARACTERIZAÇÃO DOS SERVIÇOS

ESSENCIAIS E ATIVIDADES INADIÁVEIS

São considerados serviços ou atividades essenciais à comunidade,

independentemente do regime jurídico da prestação de serviços:

I — tratamento e abastecimento de água, produção e distribuição de

energia elétrica, gás e combustíveis;

II — assistência médica e hospitalar;

III — distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos;

IV — funerários;

V — transporte coletivo;
VI — captação e tratamento de esgoto e lixo;

VII — telecomunicações;

VIII — guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos

e materiais nucleares;

IX — processamento de dados ligados a serviços essenciais;

X — controle de tráfego aéreo;

XI — compensação bancária.

Nos serviços ou atividades essenciais, as necessidades inadiáveis

da comunidade serão atendidas mediante a manutenção de equipes com

o objetivo de assegurar os serviços cuja paralisação resulte em danos a

pessoas ou coisas ou prejuízo irreparável pela deterioração irreversível de

bens, além de garantir a manutenção dos serviços necessários à retomada

614

das atividades, mediante acordo para definição desse atendimento, permitido

ao empregador, à falta do acordo, contratar diretamente os serviços mínimos,

de modo razoável e sem comprometer a eficácia do direito de greve sob

pena de caracterização de conduta antissindical.

São necessidades inadiáveis da comunidade aquelas que, quando não

atendidas, coloquem em perigo iminente a vida, a saúde ou a segurança das

pessoas.

Na greve em serviços ou atividades essenciais, a Administração poderá

propor e participar da negociação coletiva visando a garantir a satisfação das

necessidades inadiáveis da comunidade.

Na greve em serviços ou atividades essenciais, a entidade sindical de


trabalhadores deverá comunicar à população a data do início da paralisação

e o empregador ou suas entidades sindicais deverão comunicar os serviços

mínimos que deverão ser mantidos, com antecedência de 48 horas.

9. LOCAUTE

É vedada a paralisação das atividades por iniciativa do empregador

( lockout).

A paralisação por iniciativa do empregador assegura aos trabalhadores

o direito ao pagamento dos salários durante o período.

10. RESPONSABILIDADE PELOS ATOS ILÍCITOS

E ATUAÇÃO JURISDICIONAL

A responsabilidade pelos atos ilícitos ou crimes cometidos no curso da

greve será apurada, conforme o caso, segundo a legislação trabalhista, civil

e penal.

Legitimidade para o ajuizamento de demanda destinada a garantir

serviços mínimos e a coibir conduta antissindical durante a greve pelas

entidades dotadas de personalidade sindical, no âmbito de sua representação,

e os empregadores, bem como do Ministério Público do Trabalho para

demanda quando não forem assegurados os serviços mínimos nas atividades

essenciais à comunidade ou assim exigir o interesse público ou a defesa da

ordem jurídica.

Tem competência para o julgamento da demanda:

I — o Tribunal Superior do Trabalho, quando o conflito coletivo exceder a

competência territorial dos Tribunais Regionais do Trabalho, salvo o disposto

no art. 12 da Lei n. 7.520, de 15 de julho de 1986;


615

II — o Tribunal Regional do Trabalho do local em que ocorrer o conflito

coletivo que conduziu à greve;

III — a Vara do Trabalho do local da paralisação, o julgamento da demanda

de prevenção e repressão à conduta antissindical praticada durante greve em

que não houver a necessidade da preservação de serviços mínimos.

A decisão será imediatamente executiva, do Tribunal do Trabalho, para

ordenar, podendo expedir carta de ordem para a execução das decisões

que proferir, a cessação do comportamento abusivo e a eliminação de

seus efeitos, ou para ordenar à entidade sindical representativa que os

trabalhadores que cumpram o acordo ou assegurem os serviços mínimos

durante o período em que perdurar a greve, ou para ordenar ao empregador

que reduza imediatamente o contingente de trabalhadores temporários

ao número necessário para a simples preservação dos serviços mínimos,

ou para ordenar à entidade sindical representativa que os trabalhadores

mantenham os serviços mínimos durante o período que julgar necessário

para o treinamento ou para a contratação de pessoal especializado, quando:

I — os trabalhadores deflagrarem greve sem garantir os serviços mínimos

destinados ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade;

II — os trabalhadores deflagrarem greve sem garantir os serviços

mínimos destinados a evitar danos a pessoas ou o prejuízo irreparável ao

patrimônio do empregador ou de terceiros;

III — os trabalhadores não cumprirem o acordo de que trata o art. 112

dessa Lei, prejudicando os serviços mínimos destinados ao atendimento


das necessidades inadiáveis da comunidade ou destinados a evitar danos

a pessoas ou o prejuízo irreparável ao patrimônio do empregador ou de

terceiros;

IV — o empregador contratar trabalhadores em número superior ao

que for razoável para garantir a continuidade dos serviços mínimos destina-

dos ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade ou desti-

nados a evitar danos a pessoas ou prejuízo irreparável ao seu patrimônio

ou de terceiros;

V — a paralisação envolver serviços técnicos especializados nos quais

é impraticável recrutar pessoal treinado ou que possa ser treinado durante

o período de prévio aviso, configurando grave risco de danos a pessoas

ou de prejuízo irreparável ao patrimônio do empregador, de terceiros ou à

continuidade de atividades essenciais à comunidade.

Será devida multa coercitiva paga pelo empregador ou pela entidade

sindical representativa, destinada à conta da representação do prejudicado

no FSPS.

616

11. EXTINÇÃO DO DISSÍDIO COLETIVO

Apenas mediante compromisso arbitral celebrado pelos atores coletivos

envolvidos na greve, o Tribunal do Trabalho poderá criar, modificar ou

extinguir condições de trabalho, sendo que a petição inicial será autuada

e encaminhada ao juiz competente, na forma do Regimento Interno, que

deverá designar audiência para tentativa de conciliação, apresentação de

defesa e instrução no prazo de até 48 horas, formulação, pelas partes, na


audiência, a convite do juiz, de propostas de acordo e caso não se conciliem,

o juiz apresentará proposta de solução que lhe pareça adequada para a

solução do conflito.

O Tribunal expedirá carta de ordem ao juiz do local da paralisação para

a tentativa de conciliação e para as diligências que julgar necessárias ao

esclarecimento do litígio, com a presteza que a urgência da situação exigir,

sempre que a greve ocorrer fora da sede do Tribunal.

Alcançada ou não a conciliação e depois de realizadas as diligências

necessárias ao esclarecimento dos fatos, o juiz deverá restituir os autos à

secretaria com o seu “visto” em até 24 horas, para a inclusão em pauta de

julgamento, sem revisor, na primeira sessão, no prazo de até 24 horas.

Se julgar necessário, o representante do Ministério Público do Trabalho

presente à sessão de julgamento apresentará parecer oral, o qual constará

da certidão.

Concluído o julgamento ou homologada a conciliação, o acórdão

deverá ser lavrado em até 48 horas e será publicado no órgão oficial para o

conhecimento geral.

617

CAPÍTULO 56

CONSELHO NACIONAL

DE RELAÇÕES DE TRABALHO

1. ESTRUTURA E COMPOSIÇÃO

Cria-se o Conselho Nacional de Relações de Trabalho — CNRT.

Sua composição será tripartite, mas não eletiva, e terá duas Câmaras
paritárias, a patronal e a dos trabalhadores, inseridas no âmbito do Ministério

do Trabalho e Emprego, semelhante à Comissão de Enquadramento Sindical

do Ministério do Trabalho e Emprego, extinta em 1988.

Os seus integrantes serão indicados pela União Federal, pelos

trabalhadores e pelos empregadores e nomeados pelo MTE, observadas as

indicações das respectivas representações.

Sua atividade é considerada de relevante interesse público e não

confere o direito ao pagamento de qualquer remuneração.

Os mandatos dos representantes dos trabalhadores e dos empregadores

terão caráter institucional, facultando-se às respectivas entidades sindicais

substituir seus representantes, na forma do Regimento Interno do CNRT,

sendo que os representantes dos trabalhadores e dos empregadores terão

mandato de três anos, permitida uma recondução.

Haverá renovação, a cada três anos, de pelo menos 1/3 dos represen-

tantes dos trabalhadores e dos empregadores.

É permitida a convocação de suplentes assegurada mediante a

justificativa da ausência do respectivo titular, na forma do Regimento Interno

do CNRT.

As decisões do Ministro do Trabalho e Emprego em matéria de

competência do CNRT serão motivadas, sob pena de nulidade.

A Câmara Tripartite é constituída por 15 membros e respectivos

suplentes, assim definidos:

I — cinco representantes dos trabalhadores, indicados pelas centrais

sindicais com personalidade sindical;


II — cinco representantes dos empregadores, indicados pelas

confederações com personalidade sindical;

618

III — cinco representantes do Governo, indicados pelo Ministro do

Trabalho e Emprego.

As Câmaras Bipartites serão compostas, cada uma, por dez membros e

respectivos suplentes, assim definidos:

I — cinco representantes dos trabalhadores, indicados pelas centrais

sindicais com personalidade sindical, e cinco representantes do Governo,

indicados pelo Ministro do Trabalho e Emprego;

II — cinco representantes dos empregadores, indicados pelas

confederações com personalidade sindical, e cinco representantes do

Governo, indicados pelo Ministro do Trabalho e Emprego.

Será vedada, aos membros da Câmara Tripartite, a participação na

composição das Câmaras Bipartites.

O preenchimento das vagas dos representantes dos trabalhadores no

CNRT, quando necessário, far-se-á segundo o princípio da proporcionalidade

da representação das centrais sindicais.

A Presidência e Vice-Presidência do CNRT serão exercidas pelas

mesmas pessoas que ocuparem a Presidência e a Vice-Presidência da

Câmara Tripartite.

O mandato da Presidência da Câmara Tripartite será definido e alternado

entre as representações, na forma do Regimento Interno.

A Vice-Presidência da Câmara Tripartite será exercida por um


representante do Governo, quando a presidência couber à representação dos

trabalhadores ou dos empregadores, e será indicada dentre os integrantes

dessas representações quando a presidência couber ao Governo.

A Coordenação das Câmaras Bipartites será alternada entre as

respectivas representações, na forma do Regimento Interno do CNRT, sendo

exercida pelo MTE, quando couber à representação do Governo.

O critério de desempate na votação será fixado no Regimento Interno

do CNRT.

2. ATRIBUIÇÕES

Entre outras, o CNRT terá diversas atribuições.

A principal será propor, para a deliberação do Ministro do Trabalho e

Emprego, os critérios de agregação por setores e ramos de atividades das

entidades sindicais de trabalhadores e empregadores, ou seja, elaborar um

619

novo quadro de enquadramento sindical que substituirá aquele que vigorou

até 1988 por força de dispositivo da CLT que o Supremo Tribunal Federal

considerou recepcionado pela lei constitucional.

Poderá, também, propor a revisão de critérios e dirimir dúvidas relativas

aos setores e ramos de atividade, e definir os setores econômicos e os

ramos de atividade suscetíveis de representação específica, tendo, dessa

forma, o poder de autorizar ou não estruturas organizacionais específicas

que poderão reger a sindicalização, por exemplo, de trabalhadores avulsos,

rural ou portuária, além de outras que a seu critério forem consideradas como

específicas e relevantes para esse fim.


Outras atribuições, no entanto, terão grande relevância como propor,

para a deliberação do Ministro do Trabalho e Emprego, as disposições

estatutárias mínimas a serem observadas pelos sindicatos que postularem a

exclusividade de representação; portanto, preparar uma espécie de estatuto

padrão a ser seguido pelas entidades sindicais que quiserem ter exclusividade

de representação no ramo ou setor de atividade econômica.

Destaque-se, ainda, a função do CNRT para aprovar o procedimento

de recolhimento e da prestação de contas dos valores da contribuição

de negociação coletiva, propor os procedimentos e prazos relativos à

confirmação da personalidade sindical, acompanhar as greves em serviços

e atividades essenciais para fins de estatística, propor a alteração do rol de

serviços ou atividades essenciais previsto nesta Lei.

Segue-se, além das já expostas, uma longa lista de atribuições do

CNRT:

1) aprovar o seu regimento interno; 2) propor os procedimentos e

prazos relativos à confirmação da personalidade sindical; 3) examinar, a

cada oito anos, a necessidade de revisão dos critérios de representatividade

das entidades sindicais e propor as alterações que julgar cabíveis; 4)

propor diretrizes de políticas públicas e opinar sobre programas e ações

governamentais no âmbito das relações de trabalho; 5) opinar sobre as

matérias previstas no art. 5º da Convenção 144 da OIT, aprovada pelo Decreto

Legislativo n. 6, de 1º de junho de 1989, e promulgada pelo Decreto n. 2.518,

de 12 de março de 1998; 6) opinar na elaboração de pareceres do MTE sobre

projetos legislativos em tramitação no Congresso Nacional, no âmbito das


relações de trabalho; 7) propor disposições normativas sobre assuntos afetos

às relações de trabalho; propor a alteração do rol de serviços ou atividades

essenciais previsto nesta Lei; 8) propor diretrizes sobre as estatísticas e as

informações referentes às relações de trabalho, representatividade, índice

de filiação sindical, práticas antissindicais, celebração de contratos coletivos

e sentenças arbitrais proferidas; 9) propor a alteração do rol de serviços ou

atividades essenciais.

620

As Câmaras paritárias, uma de empregadores e outra de trabalhadores,

poderão opinar nas impugnações ao reconhecimento de personalidade

sindical, mediar e conciliar os conflitos de representatividade sindical e

opinar sobre os pedidos de reconsideração das decisões de cancelamento

da exclusividade de representação e de perda da personalidade sindical.

Compete às Câmaras Bipartites, nas respectivas esferas de represen-

tação:

I — definir a lista dos setores econômicos e dos ramos de atividade,

submetendo-a à apreciação da Câmara Tripartite;

II — propor critérios para a utilização dos recursos do FSPS à Câmara

Tripartite;

III — gerir o FSPS;

IV — selecionar programas a serem financiados com recursos do FSPS;

V — encaminhar à Câmara Tripartite subsídios para a elaboração da

proposta orçamentária do FSPS;

VI — acompanhar a execução dos programas financiados com recursos


do FSPS;

VII — proceder à prestação anual de contas referentes ao FSPS;

VIII — elaborar os relatórios de execução orçamentária e financeira do

FSPS;

IX — recomendar soluções ao Ministro do Trabalho nas contestações

ao reconhecimento de personalidade sindical;

X — mediar e conciliar os conflitos de representatividade sindical;

XI — analisar o desempenho dos índices de sindicalização, conforme

os critérios de representatividade definidos em lei;

XII — recomendar soluções ao Ministro do Trabalho sobre pedidos

de reconsideração das decisões de cancelamento da exclusividade de

representação e de perda da personalidade sindical.

3. FUNDO SOLIDÁRIO DE PROMOÇÃO SINDICAL — FSPS

É criado um Fundo vinculado ao MTE, destinado ao custeio das

atividades do CNRT e de programas, estudo, pesquisas e ações voltadas à

promoção das relações de sindicais e do diálogo social.

O FSPS é constituído pelos recursos da contribuição de negociação

coletiva a ele recolhido e é composto de duas contas, a conta da contribuição

621

dos trabalhadores e a conta da contribuição dos empregadores; a

administração da respectiva conta deverá observar as normas de direito

financeiro aplicáveis à espécie. Serão elaborados relatórios periódicos de

acompanhamento físico e financeiro dos recursos aplicados apresentados

pelos responsáveis pela execução dos programas financiados pelo FSPS


às Câmaras Bipartites. Haverá a observância, no que couber: I — da

compatibilidade entre os níveis de atuação das entidades sindicais de

trabalhadores e de empregadores para efeito de negociação coletiva; II —

dos índices oficiais de estatística em matéria de relações de trabalho.

O Fundo terá, como atribuições, as seguintes: 1) propor critérios

para a utilização dos recursos do FSPS, instituído pela Lei, considerando

as propostas elaboradas pelas Câmaras Bipartites, definir critérios para a

utilização dos recursos do FSPS; 2) elaborar a proposta orçamentária do

FSPS; 3) deliberar sobre a prestação de contas e os relatórios de execução

orçamentária e financeira do FSPS; 4) fiscalizar a administração do FSPS,

podendo solicitar informações sobre contratos celebrados ou em vias de

celebração e quaisquer outros atos, sem prejuízo das competências dos

órgãos de controle interno e externo; 5) dar publicidade, com periodicidade

anual, dos critérios de alocação e de uso dos recursos do FSPS.

622

CAPÍTULO 57

TUTELA JURISDICIONAL NOS

CONFLITOS COLETIVOS DECORRENTES

DAS RELAÇÕES DE TRABALHO

1. INTRODUÇÃO

No fracasso da negociação coletiva destinada à celebração ou à

renovação da norma coletiva, as partes poderão, de comum acordo, provocar

a atuação do Tribunal do Trabalho, de árbitro ou de órgão arbitral para o fim

de criar, modificar ou extinguir condições de trabalho.


Consideram-se normas coletivas o contrato coletivo e a sentença

proferida pelo Tribunal do Trabalho, por árbitro ou por órgão arbitral para a

solução de conflito coletivo de interesses.

Sob pena de nulidade, todas as entidades com personalidade sindical

no mesmo âmbito de representação deverão ser notificadas da instauração

do processo judicial ou arbitral.

A entidade sindical que não participar da instauração do processo não

ficará vinculada à coisa julgada.

A sentença atingirá todos os representados pelas entidades sindicais e

produzirá efeitos: I — a partir da data de sua publicação, quando o processo

for instaurado após o prazo legal; II — a partir do dia imediato ao termo final

de vigência da norma coletiva, quando o processo for instaurado dentro do

prazo legal.

2. AÇÕES COLETIVAS

Essa parte da Reforma Sindical invade o exercício das atividades

jurisdicionais e melhor seria a sua discussão em outro projeto, o da Reforma do

Poder Judiciário e sua regulamentação, para evitar proposições conflitantes.

Destaquem-se, como inovações, a extinção do Poder Normativo da

Justiça do Trabalho com o fim dos dissídios coletivos de natureza econômica,

assim compreendidos os destinados a criar, por sentença normativa,

normas e condições de trabalho quando frustrada a negociação coletiva e

uma das partes provocar a atuação judicial, a valorização da arbitragem,

privada e pública, esta pela Justiça do Trabalho mediante impulso bilateral

623
dos interessados, a criação de diversos tipos de ações para defesa coletiva

de direitos individuais cuja solução é atribuída originariamente às Varas do

Trabalho com competência recursal para os Tribunais, com ênfase para a

substituição processual.

O Tribunal do Trabalho decidirá nos limites do requerimento conjunto,

sendo-lhe vedado conceder mais do que foi postulado, atribuir coisa diversa

da que foi reivindicada ou oferecida e deixar de decidir sobre cláusula a cujo

pronunciamento está obrigado.

Institui normas sobre a defesa dos direitos coletivos mediante três tipos

básicos de ações, embora de modo não taxativo, uma vez que estabelece

que para defesa dos direitos coletivos decorrentes da relação de trabalho

são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua

tempestiva, adequada e efetiva tutela jurisdicional.

A defesa coletiva dos direitos decorrentes da relação de trabalho será

exercida quando se tratar de:

I — direitos coletivos, assim entendidos os transindividuais, de natureza

indivisível, de que seja titular grupo de pessoas ligadas entre si ou com a

parte contrária por uma relação jurídica base;

II — direitos individuais homogêneos, assim entendidos os de natureza

divisível, de que sejam titulares pessoas determinadas, que tenham origem

no mesmo fato ou ato jurídico e que sejam caracterizados pela prevalência

das questões comuns sobre as questões individuais;

III — direitos individuais, assim entendidos os de natureza divisível e

de que sejam titulares pessoas determinadas sempre que apresentarem


afinidade de questões por um ponto comum de fato ou de direito, nas

hipóteses previstas nessa lei.

3. PROCESSO, PROCEDIMENTO E COMPETÊNCIA

Ações de defesa de direitos individuais homogêneos serão propostas

por entidades dotadas de personalidade sindical, no âmbito de sua

representação, bem como o Ministério Público do Trabalho, em nome próprio

e no interesse dos trabalhadores, como demanda coletiva para prevenção ou

reparação de danos individuais derivados de origem comum.

Às ações coletivas de que trata a lei aplicam-se os dispositivos do

Título X da Consolidação das Leis do Trabalho, que disciplinam o processo

judiciário do trabalho, naquilo que for compatível e sem prejuízo da aplicação

subsidiária do processo comum.

624

As demandas coletivas serão processadas e julgadas pela Vara do

Trabalho: 1) do foro do lugar da prestação de serviços; 2) do foro da sede ou

da filial do réu, quando se tratar de pedido de âmbito intermunicipal, estadual,

interestadual ou nacional.

A legitimidade para a ação seria para entidades dotadas de personalidade

sindical, no âmbito de sua representação, bem como o Ministério Público do

Trabalho, este em defesa do interesse público ou social, têm legitimidade

concorrente para a ação coletiva e, quando não ajuizar demanda, o Ministério

Público do Trabalho atuará como fiscal da lei, desde que presente o interesse

público ou social.

O sindicato dotado de personalidade sindical, no âmbito de sua


representação, poderá propor, em nome próprio e no interesse dos seus

filiados, demanda coletiva para defesa de direitos individuais nas hipóteses

previstas no § 2º do art. 195 da CLT e no art. 25 da Lei n. 8.036, de 11 de

maio de 1990, e visando ao cumprimento de cláusula de contrato coletivo ou

de sentença.

4. MEDIDAS DE URGÊNCIA

São previstos provimentos de urgência, sendo relevante o fundamento

da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final,

quando será lícito ao juiz, mediante requerimento da parte, conceder a tutela

liminarmente ou após justificação prévia, podendo ser a liminar revogada ou

modificada, a qualquer tempo, em decisão fundamentada.

Em ações de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz poderá conceder

tutela específica ou determinará providências que assegurem o resultado

prático equivalente ao do adimplemento.

A obrigação de fazer ou não fazer poderá ser convertida em perdas e

danos, se pela conversão optar o autor ou se for impossível a tutela específica

ou a obtenção do resultado prático correspondente.

A indenização por perdas e danos não prejudica a multa.

O juiz poderá, na liminar ou na sentença, impor multa diária ao réu,

independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com

a obrigação, fixando prazo razoável para o cumprimento do preceito.

Poderá, também, o juiz, para a tutela específica ou para a obtenção do

resultado prático equivalente, determinar as medidas necessárias, tais como

busca e apreensão, remoção de coisas e pessoas, desfazimento de obra,


impedimento de atividade nociva, além de requisição de força policial.

625

Poderá, ainda, o juiz, de ofício, modificar o valor ou a periodicidade

da multa, caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva, bem como

providenciar a imediata execução da quantia já vencida.

A multa será devida desde o dia em que se houver configurado o

descumprimento à ordem, depositada, em instituição oficial de crédito, até o

trânsito em julgado da decisão.

O valor da multa será destinado a fundo público cuja finalidade guarde

conexão com o objeto da demanda.

Em ação para entrega de coisa, o juiz, ao conceder a tutela específica,

fixará o prazo para o cumprimento da obrigação, sob pena de busca e

apreensão ou de imissão de posse, conforme se tratar de coisa móvel ou

imóvel, sem prejuízo da aplicação da multa.

O réu será citado para comparecer à audiência de conciliação, instrução

e julgamento, que será a primeira desimpedida depois do prazo de 15 dias.

A entidade sindical poderá se conciliar com o réu mediante fórmula

genérica, que fixará as condições do acordo e os critérios para que os

beneficiados possam ser identificados na liquidação.

Vincular-se-ão às condições de conciliação os beneficiados que

requererem a liquidação individual dentro do prazo ajustado no acordo e os

filiados à entidade sindical que, após a comunicação pela entidade de que

está sendo proposta a ação, não requererem sua exclusão da liquidação

coletiva.
Será extinto o processo, sem julgamento do mérito, quando se verificar

que a origem do direito em que se ampara o pedido não é comum aos

integrantes do grupo ou que as questões individuais prevalecem sobre as

questões comuns.

Em caso de procedência do pedido, a condenação será genérica,

fixando a responsabilidade do réu pelos danos causados e os critérios para

que os beneficiados possam ser identificados na liquidação.

Haverá ampla divulgação, pela entidade sindical, da propositura da

demanda e da sentença de homologação da conciliação ou da sentença

de condenação para que os interessados possam requerer a liquidação

individual.

Interromper-se-á o prazo de prescrição das pretensões individuais dos

integrantes do grupo com o ajuizamento da demanda coletiva, e a prescrição

interrompida recomeça a correr da data do último ato do processo coletivo.

626

5. LIQUIDAÇÃO-EXECUÇÃO

A liquidação e execução serão promovidas pelo trabalhador ou

pelas entidades dotadas de personalidade sindical, no âmbito de sua

representação, em nome próprio e no interesse de seus filiados ou em nome

de seus representados.

A liquidação poderá ser individual ou coletiva, podendo ser requerida no

foro da prestação de serviços dos beneficiados, acompanhada de certidão

da sentença de homologação da conciliação ou de certidão da sentença de

condenação, da qual deverá constar a ocorrência ou não do trânsito em julgado.


A petição inicial da liquidação coletiva terá a identificação dos

beneficiados, as informações individuais necessárias à fixação do crédito

e será acompanhada ou de prova de filiação à entidade sindical ou dos

instrumentos de mandato dos representados.

Poderá, o juiz, limitar o número de substituídos ou de representados na

liquidação quando este comprometer o rápido julgamento da pretensão ou

dificultar a defesa; o pedido de limitação interromperá o prazo para resposta,

que recomeçará da intimação da decisão.

Quando for necessário provar fato novo, a liquidação far-se-á por artigos,

um para cada fato que se pretenda demonstrar, observado o procedimento

comum da Consolidação das Leis do Trabalho.

Será dispensada audiência e a contestação será apresentada em

Secretaria, para imediato julgamento, se for desnecessária a produção de

prova oral.

Caberá agravo de petição contra sentença de liquidação mediante o

depósito da quantia nela fixada, atualizada e acrescida de juros de mora e

de honorários advocatícios.

Quando a petição inicial estiver acompanhada de memória discriminada e

atualizada dos cálculos, com a justificativa dos valores e suficiente identificação

dos beneficiados, poderá ser promovida a efetivação da decisão, imediatamente

executiva, decorrente de antecipação de tutela em matéria de salário.

Será permitida execução coletiva decorrente de sentença condenatória

e que abrangerá os indivíduos cujos créditos já tenham sido fixados em

sentença de liquidação, sem prejuízo do ajuizamento de outras execuções.


6. EFEITOS DA DECISÃO GENÉRICA

Diversas disposições referem-se ao efeito da coisa julgada nas ações

coletivas, com definições diferentes, conforme o caso, ou ultra partes, mas

627

limitado ao grupo, ou erga omnes nas hipóteses de procedência para beneficiar

todos os integrantes do grupo, bem como na liquidação coletiva de direitos

individuais homogêneos, erga omnes também no caso de procedência ou

improcedência para beneficiar ou prejudicar o autor da demanda e o titular

da relação jurídica controvertida, sendo que a coisa julgada não prejudicará

direitos individuais dos integrantes do grupo, aspectos altamente técnico-

processuais que deveriam ser tratados não em reforma sindical, mas em

reforma da legislação processual trabalhista.

7. AÇÃO POR PRÁTICA DE ATO ANTISSINDICAL

Será admissível ação por prática de ato antissindical sempre que

o empregador, direta ou indiretamente, impedir ou limitar a liberdade e a

atividade sindical, bem como o exercício do direito de greve, caso em que

o juiz do Trabalho, em decisão imediatamente executiva, poderá ordenar a

cessação do comportamento ilegítimo e a eliminação de seus efeitos.

Haverá legitimidade concorrente para o ajuizamento da demanda, da

entidade dotada de personalidade sindical, no âmbito de sua representação,

e do prejudicado pela conduta antissindical.

Configura conduta antissindical todo e qualquer ato do empregador que

tenha por objetivo impedir ou limitar a liberdade ou a atividade sindical, tais

como:
I — subordinar a admissão ou a preservação do emprego à filiação ou

não a uma entidade sindical;

II — subordinar a admissão ou a preservação do emprego ao

desligamento de uma entidade sindical;

III — despedir ou discriminar trabalhador em razão de sua filiação a

sindicato, participação em greve, atuação em entidade sindical ou em

Representação dos Trabalhadores nos Locais de Trabalho;

IV — conceder tratamento econômico de favorecimento com caráter

discriminatório em virtude de filiação ou atividade sindical;

V — interferir nas organizações sindicais de trabalhadores;

VI — induzir o trabalhador a requerer sua exclusão de processo

instaurado por entidade sindical em defesa de direito individual;

VII — contratar, fora dos limites desta Lei, mão de obra com o objetivo

de substituir trabalhadores em greve;

VIII — contratar trabalhadores em quantidade ou por período superior

ao que for razoável para garantir a continuidade dos serviços mínimos nas

628

atividades essenciais à comunidade ou destinados a evitar danos a pessoas

ou prejuízo irreparável ao próprio patrimônio ou de terceiros;

IX — constranger o trabalhador a comparecer ao trabalho com o objetivo

de frustrar ou dificultar o exercício do direito de greve;

X — não divulgar à comunidade os serviços mínimos que serão mantidos

durante a greve em serviços e atividades essenciais;

XI — deixar de descontar ou repassar para as entidades sindicais as


contribuições incidentes sobre os salários dos trabalhadores.

Será devida multa punitiva sem prejuízo da aplicação da multa coercitiva

destinada ao cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer.

A execução da multa punitiva dar-se-á por iniciativa do juiz e a multa

será destinada à conta da representação do prejudicado no FSPS.

Podem ser adotadas providências judiciais destinadas à prevenção e

repressão da conduta antissindical, inclusive a condenação no pagamento

da multa punitiva, cabíveis quando a entidade sindical de trabalhadores:

I — induzir o empregador a admitir ou dispensar alguém em razão de

filiação ou não a uma entidade sindical;

II — interferir nas organizações sindicais de empregadores;

III — violar o sigilo das informações que lhe forem prestadas com esse

caráter em negociação coletiva;

IV — provocar greve sem a prévia comunicação à empresa;

V — se houver greve, a conduta será considerada antissindical.

629

CAPÍTULO 58

ARBITRAGEM

1. ANTECEDENTES

A Constituição Federal, art. 114, § 1º, permite a arbitragem dos conflitos

coletivos de trabalho, ao dispor que “frustrada a negociação coletiva, as

partes poderão eleger árbitros”.

Não obstante essa faculdade assegurada pela lei desde 1988, são

praticamente desconhecidos casos de arbitragem de conflitos coletivos e


as partes resolvem o impasse ou por meio de negociação coletiva ou por

dissídio coletivo perante os Tribunais do Trabalho.

É ampliada a arbitragem e substituirá o dissídio coletivo econômico.

2. TIPOS E COMPROMISSO ARBITRAL

O processo arbitral deverá respeitar os princípios do contraditório, da

igualdade das partes, da publicidade, da imparcialidade e do livre convenci-

mento do árbitro.

Quando existir cláusula compromissória e houver resistência na instituição

da arbitragem, o interessado poderá requerer a citação da parte contrária

para comparecer ao Tribunal do Trabalho, a fim de lavrar-se o compromisso

arbitral, na forma do art. 7º da Lei n. 9.307, de 23 de setembro de 1996.

Frustrada a conciliação, a arbitragem far-se-á cláusula a cláusula,

mas, ao mesmo tempo, a proposta prevê o acolhimento integral da proposta

formulada por uma das partes, o que significa que será arbitragem por oferta

final que não permita ao árbitro fracionar cláusulas propostas, uma vez que

terá de arbitrar acolhendo uma ou outra proposta globalmente.

A arbitragem será transformada em relação jurídica processual no

caso de recusa na celebração do compromisso arbitral, hipótese na qual

as demais entidades envolvidas na negociação coletiva serão citadas para

integrar a relação processual.

3. PROCEDIMENTO

A arbitragem observará as normas a seguir expostas:

Fracassada a negociação coletiva, poderá haver arbitragem pública

ou privada, requerida pelos sujeitos coletivos, à Justiça do Trabalho ou


630

pessoas ou instituição privada registradas junto ao MTE, para solucionar o

conflito coletivo de trabalho, vedado, na arbitragem, conceder mais do que foi

ajustado no compromisso arbitral, atribuir coisa diversa do que foi oferecida e

deixar de decidir sobre cláusula a cujo pronunciamento está obrigado.

Em atividades submetidas a controle tarifário, em nenhuma hipótese,

quer pela via do contrato coletivo, quer pela via da arbitragem, a concessão

de reajuste ou aumento de salário poderá ser utilizada para justificar

reivindicação de aumento de tarifa.

As nulidades, no procedimento de arbitragem, não serão declaradas

senão mediante provocação das partes, as quais deverão argui-las na

primeira oportunidade que tiverem de falar em audiência ou nos autos, nos

termos dos arts. 794 a 798 da CLT.

No processo arbitral, serão sempre respeitados os princípios do

contraditório, da igualdade das partes, da publicidade, da imparcialidade do

juiz e de seu livre convencimento.

A arbitragem pública será feita pela Justiça do Trabalho, competindo

ao Tribunal Superior do Trabalho, quando o conflito coletivo exceder a

competência territorial dos Tribunais Regionais do Trabalho, salvo o disposto

no art. 12 da Lei n. 7.520, de 15 de julho de 1986, e ao Tribunal Regional

do Trabalho do local em que ocorrer o conflito coletivo, cabendo à Vara do

Trabalho da localidade em que os atos forem praticados, decidir as ações

incidentais à negociação coletiva e à arbitragem privada.

Será assinado um compromisso de arbitragem indicando:


I — os sujeitos coletivos e o respectivo âmbito de representação;

II — as cláusulas da norma coletiva que serão objeto da arbitragem;

III — as propostas de redação da cláusula e seus fundamentos.

O compromisso de arbitragem será autuado e encaminhado ao juiz

competente, na forma do Regimento Interno, que deverá designar audiência

para tentativa de conciliação, no prazo de até três dias, notificando as partes.

Havendo recusa na celebração do compromisso arbitral, as demais

entidades envolvidas na negociação coletiva serão citadas para integrar

a relação processual e comparecer à audiência destinada à tentativa de

conciliação, oportunidade em que deverão apresentar a proposta de redação

da cláusula controvertida e as razões que a justificam, sob pena de ser

acolhida a proposta do requerente.

Na audiência, o juiz convidará as partes a formularem suas propostas

de acordo; caso não se conciliem, sugerirá a solução que lhe pareça

631

adequada, sendo que as propostas das partes, bem como a solução

sugerida pelo juiz, serão registradas em ata.

Não alcançada a conciliação, o juiz deverá restituir os autos à Secretaria

com o seu “visto” em até três dias, para inclusão em pauta de julgamento,

sem revisor, na primeira sessão no prazo de até três dias.

Se julgar necessário, o representante do Ministério Público do Trabalho

presente à sessão de julgamento apresentará parecer oral, o qual constará

da certidão.

Frustrada a conciliação, a arbitragem far-se-á cláusula a cláusula,


mediante o acolhimento integral da proposta formulada por uma das partes.

Concluída a arbitragem ou homologada a conciliação, a sentença

arbitral deverá ser lavrada em até 48 horas e será publicada no órgão oficial

para conhecimento geral.

A sentença arbitral comporta apenas recurso de embargos de declaração.

Vigorará:

I — a partir da data de sua publicação, quando a arbitragem for requerida

após o prazo previsto nesta lei;

II — a partir do dia imediato ao termo final de vigência da norma coletiva,

quando a arbitragem for requerida dentro do prazo previsto nesta lei.

A arbitragem privada seguirá o disposto na Lei n. 9.307, de 23 de

setembro de 1996.

632

CAPÍTULO 59

AÇÕES DE ANULAÇÃO, DECLARAÇÃO

E REVISÃO DE NORMA COLETIVA

1. QUADRO ANTERIOR

Atualmente são cabíveis ações anulatórias de cláusulas de convenções

coletivas de trabalho propostas, em especial, pela Procuradoria do Trabalho

quando as considera ofensivas ao interesse dos trabalhadores, como no

caso de cláusulas que fixam contribuições sindicais em valores excessivos.

2. NOVA DISCIPLINA

Essas ações, bem como as declaratórias e de revisão de normas

coletivas, que serão os contratos coletivos e os laudos arbitrais, já que é


proposta a extinção dos dissídios coletivos desaparecendo, com isso, as

sentenças normativas, terão nova disciplina, como é a seguir mostrado.

Terá competência originária o Tribunal do Trabalho que proferiu a

sentença arbitral ou aquele a quem competiria a arbitragem.

Ação de anulação de norma coletiva ajuizada pelos sujeitos do contrato

coletivo, pelas partes do processo de arbitragem ou pelo Ministério Público

do Trabalho, nos termos do art. 83 da Lei Complementar n. 75, de 20 de maio

de 1993.

Anulação da sentença arbitral quando:

I — proferida pela Justiça do Trabalho, incorrer em qualquer dos vícios

previstos no art. 485 do CPC;

II — proferida por entidade privada, incorrer em qualquer dos vícios

previstos no art. 32 da Lei n. 9.307, de 1996.

A anulação da sentença arbitral privada enseja a aplicação do disposto

no § 2º do art. 33 da Lei n. 9.307, de 1996, salvo se for requerida a arbitragem

da Justiça do Trabalho.

Os contratos coletivos poderão ser anulados como os negócios jurídicos

em geral, na forma prevista em lei.

Qualquer das partes poderá requerer a arbitragem da Justiça do

Trabalho para o caso de anulação do contrato coletivo ou de alguma de suas

cláusulas, apresentando na petição inicial a proposta de redação da cláusula.

633

A petição inicial da demanda de anulação obedecerá aos requisitos do

art. 282 do CPC, incumbindo ao autor:


I — cumular ao pedido de anulação, se for o caso, o requerimento de

arbitragem, apresentando a proposta de redação da cláusula controvertida,

justificando-a quando estiver presente a hipótese prevista no art. 187 desta

lei;

II — comprovar o depósito da quantia correspondente a cem vezes o

menor piso salarial do ramo de atividade ou do setor econômico, ou referência

equivalente, a título de multa, que reverterá para o réu caso a pretensão seja

declarada inadmissível ou improcedente, dispensados do depósito entes da

Administração Pública.

A demanda para a anulação de norma coletiva observará o procedimento

comum do Código de Processo Civil e deverá ser proposta no prazo de até 90

dias contados da celebração do contrato coletivo ou da ciência da sentença

ou da decisão de embargos de declaração.

O juiz relator deverá designar audiência para tentativa de conciliação.

Anulada a norma coletiva, reputam-se de nenhum efeito todas as suas

cláusulas; todavia, quando o vício incidir somente sobre uma cláusula, que

seja independente das outras, o Tribunal declarará a nulidade parcial do

contrato coletivo ou da sentença arbitral.

O acolhimento da pretensão de impugnação à sentença arbitral não

importará na restituição das vantagens já recebidas pelos trabalhadores.

Será admissível ação declaratória de norma coletiva proposta pelas

entidades dotadas de personalidade sindical, no âmbito de sua representação,

o Ministério Público do Trabalho ou qualquer outra entidade que tenha

participado da celebração da norma coletiva ou do processo arbitral, visando


à obtenção de certeza quanto à aplicação ou interpretação de cláusula de

norma coletiva.

Também é prevista a ação de revisão de norma coletiva proposta por

entidades dotadas de personalidade sindical, no âmbito de sua representação,

Ministério Público do Trabalho ou qualquer outra entidade que tenha

participado da celebração da norma coletiva ou do processo arbitral, sempre

que, por fato superveniente e imprevisível, sobrevier modificação no estado

de fato ou de direito.

634

CAPÍTULO 60

PERÍODO DE TRANSIÇÃO

1. ADAPTAÇÃO DAS ENTIDADES SINDICAIS

É previsto um período de transição, entre a velha e a nova lei, para

que nele possam os interessados adaptarem-se às novas disposições e

exigências legais.

Será de:

I — 36 meses para as entidades de trabalhadores, prorrogáveis por 24

meses, por solicitação da entidade sindical ao MTE, conforme análise de

desempenho dos índices de sindicalização pela Câmara Bipartite, contados

da data de início da vigência desta lei;

II — 60 meses para as entidades de empregadores, prorrogáveis por

24 meses, por solicitação da entidade sindical ao Ministério do Trabalho e

Emprego, conforme a análise de desempenho dos índices de sindicalização

pela Câmara Bipartite, contados da data de início da vigência desta lei.


Durante o período de transição, a entidade sindical com registro conce-

dido anteriormente ao início da vigência desta lei preservará a personalidade

sindical.

A personalidade sindical será cancelada se, até três meses após o término

do período de transição, a entidade não comprovar a representatividade

perante o Ministério do Trabalho e Emprego.

A central sindical obtém representatividade transitória mediante a

observância de três dos seguintes requisitos:

I — filiação de sindicatos com representatividade comprovada em pelo

menos 18 unidades da Federação, distribuídos nas cinco regiões do País;

II — filiação de sindicatos com representatividade comprovada em pelo

menos 12 unidades da Federação, com índice de filiação igual ou superior a

5% do total de trabalhadores nessas unidades da Federação;

III — filiação de trabalhadores aos sindicatos vinculados à central

sindical em número igual ou superior a 20% do total de trabalhadores nas

respectivas bases de representação;

IV — filiação de trabalhadores aos sindicatos vinculados à central sindical,

em pelo menos cinco setores econômicos, em número igual ou superior a 5%

do total de trabalhadores nesses setores econômicos em âmbito nacional.

635

A confederação obtém representatividade mediante filiação à central

sindical ou com a observância dos seguintes requisitos:

I — filiação de sindicatos com representatividade comprovada em pelo

menos 18 unidades da Federação, distribuídas nas cinco regiões do País;


II — filiação de sindicatos com representatividade comprovada em pelo

menos nove unidades da Federação, com índice de filiação igual ou superior

a 15% do total de trabalhadores no respectivo âmbito de representação em

cada uma dessas unidades federativas;

III — filiação de trabalhadores aos sindicatos filiados à confederação em

número igual ou superior a 20% do total de trabalhadores nos respectivos

âmbitos de representação.

A federação obtém representatividade mediante filiação à central sindical

ou à confederação ou mediante a observância dos seguintes requisitos:

I — filiação de trabalhadores aos sindicatos filiados à federação em

número igual ou superior a 20% do total de trabalhadores nos respectivos

âmbitos de representação desses sindicatos;

II — filiação de trabalhadores aos sindicatos filiados à federação em

número igual ou superior a 5% do total de trabalhadores no âmbito de

representação da federação.

2. EXTINÇÃO DA CONTRIBUIÇÃO SINDICAL E ASSISTENCIAL

A contribuição sindical dos trabalhadores será extinta no período de três

anos, a partir do início da vigência da Lei, e corresponderá a:

I — 75% de um dia de trabalho no primeiro ano;

II — 55% de um dia de trabalho no segundo ano;

III — 35% de um dia de trabalho no terceiro ano.

Durante o período de transição, o percentual de repasse da contribuição

sindical será de 5% para as confederações; 15% para as federações; 60%

para os sindicatos; e 20% para a “Conta Especial Emprego e Salário”, e o


sindicato deverá indicar a confederação e a federação para as quais serão

destinados os recursos referidos no parágrafo anterior.

A contribuição sindical dos empregadores será extinta no período de

cinco anos e corresponderá a partir do terceiro ano contado do início da

vigência da lei a:

I — 75% no terceiro ano;

636

II — 55% no quarto ano;

III — 35% no quinto ano.

Durante o período de transição, o percentual de repasse da contribuição

sindical será de 5% para as confederações; 15% para as federações; 60%

para os sindicatos; e 20% para a “Conta Especial Emprego e Salário”, sendo

que o sindicato deverá indicar a confederação e a federação para as quais

serão destinados os recursos referidos no parágrafo anterior.

No decurso do prazo, a entidade sindical que comprovar sua represen-

tatividade ou obtiver declaração expressa da confederação respectiva do

setor econômico garantindo o cumprimento dos critérios de representatividade

poderá substituir a cobrança da contribuição sindical pela contribuição de

negociação coletiva.

As entidades sindicais deverão ajustar seu sistema de prestação de

contas aos critérios fixados nesta lei, no prazo de um ano após entrarem em

vigor.

Fica extinta a contribuição assistencial e qualquer outra existente sob

igual hipótese de incidência ou base de cálculo.


3. SETOR PÚBLICO

O setor público será regido por lei específica e enquanto não aprovada

reger-se-á pelas normas vigentes, sempre respeitados os usos e costumes.

4. PROPORCIONALIDADE PROVISÓRIA

DAS COMISSÕES DE EMPRESAS

Durante o período de três anos após o início da vigência dessa Lei, a

representação dos trabalhadores nos locais de trabalho será constituída nas

empresas conforme a seguinte proporção:

I — de 100 a 200 trabalhadores, um representante;

II — de 201 a 300 trabalhadores, dois representantes;

III — de 301 a 500 trabalhadores, três representantes;

IV — de 501 a 800 trabalhadores, quatro representantes;

V — de 801 a 1.000 trabalhadores, cinco representantes.

Nos três anos seguintes ao período de início da vigência da lei, a

representação dos trabalhadores será constituída conforme a seguinte

proporção:

637

I — de 50 a 100 trabalhadores, um representante;

II — de 101 a 200 trabalhadores, dois representantes;

III — de 201 a 400 trabalhadores, três representantes;

IV — de 401 a 600 trabalhadores, quatro representantes;

V — de 601 a 800 trabalhadores, cinco representantes;

VI — de 801 a 1.000 trabalhadores, seis representantes.

5. INSTALAÇÃO DO CNRT
Caberá ao MTE instalar o CNRT no prazo de 30 dias a contar da

publicação dessa lei.

Nos primeiros 12 meses contados da sua instalação, a Câmara

Tripartite será composta por 18 membros e respectivos suplentes, observada

a proporcionalidade da representação.

Nos primeiros 12 meses contados da sua instalação, as Câmaras Bipar-

tites serão compostas, cada uma, por 12 membros e respectivos suplentes,

observada a proporcionalidade da representação.

Caberá à representação do Governo as duas primeiras Presidências e

Coordenações da Câmara Tripartite e das Câmaras Bipartites, respectiva-

mente.

As representações dos trabalhadores e dos empregadores serão

exercidas pelas entidades sindicais participantes do Fórum Nacional do

Trabalho, referidas no inciso II do § 2º do art. 2º do Decreto n. 4.796, de 29

de julho de 2003.

6. NORMAS DE EFICÁCIA DA LEI NO TEMPO

E REGRAS PROCESSUAIS

As normas de direito processual judiciário dessa lei aplicar-se-ão desde

logo, sem prejuízo da validade dos atos praticados antes da vigência delas.

7. EXTINÇÃO DAS COMISSÕES DE CONCILIAÇÃO PRÉVIA

Ficam revogados os arts. 511 a 625, 625-A a 625-H e 856 a 875 da CLT,

assim como a Lei n. 7.783, de 28 de junho de 1989, e a Lei n. 8.073, de 30

de julho de 1990.

638
Os arts. 511 a 625 dispõem sobre organização sindical, enquadramento

sindical, contribuição sindical e convenções coletivas de trabalho.

O art. 625 trata de Comissões de Conciliação Prévia. Como o projeto

atribuiu à representação dos trabalhadores na empresa a função de mediar

e conciliar os conflitos individuais do trabalho, as Comissões de Conciliação

Prévia que são externas, passam a existir com outra roupagem, internamente,

nas empresas.

A Lei n. 7.783, de 1989, dispõe sobre o exercício do direito de greve.

A Lei n. 8.073, de 1990, trata de substituição processual.

639

CAPÍTULO 61

ASPECTOS CONSTITUCIONAIS

1. NECESSIDADE DE EMENDA CONSTITUCIONAL

A implementação da lei nos termos propostos pelo Fórum Nacional

do Trabalho pressupõe, para contornar atritos que redundariam em

discussões judiciais perante o Supremo Tribunal Federal, em alteração

de alguns dispositivos da Constituição Federal de 1988 com os quais

não se compatibilizam, motivo pelo qual foi elaborado projeto de Emenda

Constitucional destinado a superar a questão.

2. MODIFICAÇÕES

A PEC substitui a expressão categoria por âmbito de representação,

para instituir o reenquadramento sindical por setores econômicos e ramos de

atividades econômicas e não mais por categorias econômicas e profissionais.

O inciso V do art. 8º, que prevê a contribuição confederativa além da


prevista em lei, é alterado para dele constar a contribuição de negociação e

a de sócio.

O art. 11, segundo o qual, nas empresas de mais de duzentos empregados,

é assegurada a eleição de um representante destes com a finalidade exclusiva

de promover-lhes o entendimento direto com os empregadores, passa a

dispor que é assegurada a eleição de representantes dos trabalhadores

com a finalidade exclusiva de promover-lhes o entendimento direto com os

empregadores, na forma da lei, para permitir a ampliação da representação

dos trabalhadores, tanto quanto ao porte das empresas como em relação ao

número proporcional de representantes.

O art. 37 que assegura aos servidores públicos o direito de greve é

ampliado para garantir, também, o direito à negociação coletiva.

A principal proposta é a revogação dos dispositivos constitucionais

sobre unicidade sindical, o que abrirá caminho para a adoção de um sistema

de exclusividade sindical.

A segunda modificação relevante é a supressão da palavra categoria

para surgir, em seu lugar, a expressão âmbito de representação para permitir,

pela via infraconstitucional, mudar o sistema de categorias para o sistema de

ramos de atividade econômica ou setores econômicos como fundamento de

um novo enquadramento sindical.

640

A terceira alteração básica é a inclusão das figuras da contribuição de

negociação e da contribuição associativa, o que se pretende fazer suprimin-

do-se o texto “a assembleia geral fixará a contribuição que, em se tratando


de categoria profissional, será descontada em folha, para custeio do siste-

ma confederativo da representação sindical respectiva, independentemente

da contribuição prevista em lei”, passando, em seu lugar, a constar do diplo-

ma constitucional as duas novas contribuições e o seu desconto em folha,

desaparecendo, assim, a contribuição confederativa, a taxa assistencial, a

contribuição sindical e a antiga mensalidade sindical. A expressão sistema

confederativo sai fora do texto constitucional, abrindo caminho para a inclu-

são das Centrais Sindicais no sistema.

641

CONCLUSÕES

1. Reformar a organização sindical e a negociação coletiva é uma

necessidade num sistema de relações de trabalho que pendeu, durante a

sua história, para a disciplina legal dos contratos individuais de trabalho,

que até 1988 adotou um sistema corporativista e conduzido pelo Estado e

que, a partir de 1988, abriu-se para uma liberdade sindical de fato que o

levou a uma desorganização. A reforma tem defeitos apontados não com a

finalidade de deslustrar o trabalho construtivo e meritório que se desenrolou

por cerca de dois anos, mas com o objetivo de levantar aspectos que podem

ser rediscutidos.

O seu objetivo principal foi a correção dos seus defeitos, mas o que se

debate é se os meios adotados para esse fim retornam nossa organização

sindical a parâmetros anteriores a 1988 com o grau de centralização e controle

que passa novamente a ter ou se os seus defeitos podem ser corrigidos com

medidas mais brandas que valorizem as bases e não as submetam a um


controle organizativo que parte das Centrais sindicais.

2. A discussão sobre o método jurídico, entre alterar a CLT e elaborar

uma lei sindical esparsa, separada da CLT, pode ser equacionada com a

avaliação das vantagens e desvantagens de cada uma das duas alternativas.

As leis trabalhistas gerais são, conforme o sistema legal, codificadas,

consolidadas ou esparsas; regra aplicável também às leis de organização

sindical. Em nosso país, as duas primeiras leis sindicais, de 1903 para o

sindicalismo rural, e de 1907 para o sindicalismo urbano, foram esparsas;

em 1943, a Consolidação das Leis do Trabalho, mudando o critério, as

unificou no seu texto geral sobre relações individuais e relações coletivas,

critério que agora passa a ser rediscutido, optando, alguns, pela alteração

dos dispositivos da CLT, outros pela elaboração de uma lei sindical esparsa.

Há países que têm uma lei trabalhista e, separadamente, uma lei

sindical, caso da Espanha com o Estatuto dos Trabalhadores e a Lei

Orgânica de Liberdade Sindical (Lei n. 11, de 2.8.1985), expressões de um

sindicalismo democrático no qual, como observa Flávio Antonello Benites

Filho, na monografia Direito Sindical Espanhol, a Transição do Franquismo

à Democracia (1997), o Estado não apenas deixa de ter o monopólio da

regulamentação das condições de trabalho, mas perde, também, a sua função

643

tutelar no plano das relações individuais, ao mesmo tempo em que cessa

sua atuação repressiva sobre as relações coletivas. O direito de associação

dos empresários é regulado em lei separada da sindical (Lei n. 19, de

1977), em cumprimento aos dispositivos da Constituição, que distinguiram


o direito à liberdade sindical dos trabalhadores e o direito de associação dos

empregadores, este nos mesmos moldes das demais pessoas jurídicas de

direito comum. Na França, a legislação, com o Code du Travail, é unificadora.

Se levarmos em conta que a CLT desempenha, pelo próprio nome,

importante papel na história e na cultura das nossas relações de trabalho, é

o que basta para recomendar que todos os esforços sejam feitos no sentido

de preservá-la como estrutura formal, embora com profundas modificações

de fundo, absolutamente necessárias. Nesse caso, em respeito à tradição da

CLT, melhor seria não uma lei esparsa, mas a alteração dos seus dispositivos

sobre a matéria.

O mais importante, todavia, não é a forma, mas o conteúdo das leis,

a sua eficácia e adequação à realidade do país, com a preservação dos

princípios básicos que fundamentam a organização sindical e a negociação

coletiva.

3. Se, todavia o propósito da reforma é valorizar a liberdade sindical,

então o começo da alteração deveria partir da ratificação da Convenção n.

87, da Organização Internacional do Trabalho, que consagra os princípios

da autonomia, da liberdade e da democracia, preocupação essa que não foi

valorizada.

4. O sindicalismo de categorias é substituído pelo agrupamento com

base em setores econômicos e ramos de atividades econômicas, o que

alija os atuais sindicatos de categorias diferenciadas que são sindicatos por

profissão, não se vendo como compatibilizar o princípio da OIT — segundo o

qual os trabalhadores terão o direito de se organizarem do modo e pela forma


que julgarem aptos para o seu direito associativo — com a impossibilidade de

existência de sindicatos de categorias diferenciadas, que terão de se fundir

com outros mais amplos e que representarem um ramo de atividade e não

uma profissão. Por exemplo: sindicatos de jornalistas terão de se unir com

outro mais amplo, o sindicato dos empregados em empresas jornalísticas ou

de comunicação. E não mais exclusivamente sindicatos de jornalistas.

5. Pode-se considerar o sistema brasileiro em transformação, porque

até 1988 prevaleceu o critério de categoria a priori prevista no quadro de

enquadramento sindical oficial e cada sindicato, para ser criado, pressupunha

uma categoria como sua autorizante de funcionamento oficial.

Há três principais formas de grupos representados pelos sindicatos,

a categoria, a profissão e a empresa, diferentes, superpostos ou não, com

644

maior destaque para um deles em um país, menor em outro. No Brasil, o

grupo básico representado pelo sindicato sempre foi a categoria; no Chile e

nos Estados Unidos, a empresa. Em todos os países é, também, a profissão.

Há dificuldade conceitual de categoria, já definida, no direito italiano,

no qual foi buscar as suas origens, como a série não limitada de indivíduos

que, por força da sua posição no quadro de atividade produtiva e do território

em que se opera, tem comuns a denominação de interesses da categoria”

(Jaeger) ou como “o agrupamento de todos aqueles que têm de modo estável

e contínuo uma mesma função em um ciclo de produção dado” (Sforza).

Reconheça-se, no entanto, que a categoria, no direito sindical moderno,

continua sendo um importante grupo representado por organizações sindicais,


porque nela virtualiza-se o interesse coletivo, a existência de vínculos de

solidariedade, em razão da similitude das condições de exercício de uma

atividade ou profissão, de modo que o importante e decisivo não é a sua

configuração no desenho da organização sindical, mas o grau de liberdade

criativa de que goza na práxis da sua existência real, daí serem compatíveis

as mesmas críticas e as mesmas laudações tanto ao sistema de categorias

como ao sistema de setores econômicos e ramos de atividades econômicas,

quando ambos são previstos em um quadro oficial de enquadramento sindical

com um plano básico da organização sindical.

Insista-se que como o atual sistema admite categorias econômicas

(patronais), de trabalhadores e categorias diferenciadas (sindicatos pelo

critério da profissão e não da atividade preponderante da empresa) e o sistema

de setores econômicos e ramos de atividades econômicas não contempla

categorias diferenciadas porque profissão, base da sua edificação, não é

nem ramo nem setor de atividade econômica, tem-se que o atual sistema

é mais amplo na medida em que não impede a criação de sindicatos por

profissão e que, uma vez não respaldados pela lei, levariam nosso sistema

a aumentar as dificuldades de sua consonância com o princípio da liberdade

sindical segundo o qual os trabalhadores devem escolher as formas de

sindicalização que lhe agradarem.

6. A unicidade é uma blindagem contra a criação de sindicatos

concorrentes no mesmo grupo e espaço geográfico e só pode ser quebrada

com o desdobramento de categorias ecléticas que são as integradas

por atividades idênticas, similares ou conexas (categorias ecléticas). A


exclusividade não é uma blindagem contra a criação de sindicatos concorrentes

porque, desde que um destes cumprir requisitos de representatividade que

o indiquem como o mais representativo em dado momento, a exclusividade

anteriormente adquirida pode ser perdida, transferida, que será, para o novo

sindicato mais representativo.

645

Lembramos que, com a autoridade de sempre, Arnaldo Süssekind,

em Direito Constitucional do Trabalho (1999), ensina que “na maioria dos

países há pluralidade de direito e de fato (p. ex.: França, Itália, Espanha);

em alguns, é facultada a pluralidade sindical, mas, por conscientização dos

trabalhadores, vigora, de fato, a unidade de representação (p. ex.: Alemanha

e Reino Unido); em outros, o monopólio de representação sindical é imposto

por lei (p. ex.: Brasil, Colômbia, Peru); na Argentina há pluralidade sindical,

mas a um só sindicato é conferida personalidade gremial para negociar

como representante do grupo. O princípio da liberdade sindical, como tem

ressaltado a OIT, aceita a unidade fática de representação, exigindo apenas

que o sistema jurídico possibilite a pluralidade de associações, em qualquer

nível; admite, outrossim, a designação do sindicato mais representativo

como porta-voz do grupo em determinadas questões. Quanto à estruturação,

devem os trabalhadores ter a faculdade de organizar sindicatos de categoria,

profissão, ofício, empresa e até estabelecimento”.

Talvez a melhor solução seja a já aventada por Arnaldo Süssekind:

“Também nós já defendemos o monopólio de representação sindical e,

até hoje, justificamos que Getúlio Vargas o tenha adotado visando a evitar
o fracionamento dos sindicatos e o consequente enfraquecimento das

respectivas representações, numa época em que a falta de espírito sindical

dificultava a formação de organismos sindicais e a filiação de trabalhadores

aos mesmos. Afinal, esse espírito resulta das concentrações operárias, que

dependem do desenvolvimento industrial. Daí porque, hoje, defendemos a

liberdade de constituição de sindicatos, embora reconhecendo que o ideal

seja a unidade de representação decorrente da conscientização dos grupos

de trabalhadores ou de empresários interligados por uma atividade comum.

Outrossim, as centrais brasileiras, de diferentes matizes filosóficos, criaram

uma realidade que não pode ser desprezada, justificadora da pluralidade

sindical”.

7. Outra forma corretiva da infeliz iniciativa de extinguir sindicatos por

profissão para facilitar a unificação da negociação coletiva na empresa é a

Comissão de negociação. Quando integrada por representantes de todos

os sindicatos, permite unificar uma ação conjunta para a discussão de um

contrato coletivo aplicável ao âmbito de representação de todos os sindicatos

cujos representantes a integraram, sem a necessidade de afetar os sindica-

tos por profissão e preservando-se a liberdade sindical.

8. Em conclusão, o sistema constitucional vigente é o da unicidade

sindical, sua transformação contraria parte do movimento sindical que pela

sua manutenção tem se expressado, uma vez que poderia afetar as categorias

tradicionais da nossa organização sindical e provocar um fracionamento

mais pernicioso do que o resultante do desdobramento de categorias com a

representatividade derivada proposta.


646

9. Em tese seria possível, também, embora difícil, um referendo sindical

para que as entidades sindicais deliberem definindo uma diretriz, porque a

melhor maneira de saber qual é a vontade dos trabalhadores que, em última

instância, são os interessados diretos quanto às suas organizações, é a eletiva,

que sempre faltou na história do nosso sindicalismo e que com os recursos

eletrônicos pode ser realizada.

10. Que são estruturas organizativas próprias? Como são criadas?

É o sindicalismo orgânico como base da organização sindical.

Consiste na possibilidade, dentro do sistema sindical, da criação, pelas

entidades de cúpulas, de estruturas próprias nos demais níveis que, assim,

dependem da sua fonte ou matriz constitutiva que é a própria entidade sin-

dical de grau superior. Nesse caso, as Centrais podem criar a sua pirâmide

sindical de confederações, as confederações, por sua vez, de federações,

e estas, também, de sindicatos, todos integrantes, organicamente, de uma

mesma árvore sindical do setor. É uma pirâmide que tem no seu topo a enti-

dade sindical maior, da qual dependerão existencialmente as entidades sin-

dicais menores.

O poder criativo da entidade de cúpula é absoluto e depende unicamente

da sua vontade. Basta que tenha representatividade e atuará como se

transferisse, num toque mágico, o seu estoque de representatividade, para

os filhos que nascerão sob o seu manto e pátrio poder. Pode, também, a

legitimação das entidades abaixo da maior, aquisitiva da representatividade,

nascer, como em um ou outro país, pelo simples ato de filiação a uma


sociedade maior, por sua iniciativa, e não por ato criativo dela. Se não o fizer,

estará marginalizada do sistema, a menos que preencha, por si, os requisitos

legais de representatividade comprovada.

Nessa diretriz é a proposta, de dois tipos de representatividade das

entidades sindicais em qualquer nível, a representatividade comprovada

quando satisfeitos os requisitos de representatividade em cada âmbito

de representação, e a representatividade derivada, quando transferida de

central sindical, confederação ou federação dotada de representatividade

comprovada que tenha índice de representatividade acima do exigido para a

preservação da personalidade sindical da entidade transferidora e suficiente

para a aquisição ou preservação da personalidade sindical pela entidade

beneficiada, e que vinculará esta última à estrutura organizativa da entidade

transferidora.

Esse modelo de sindicalismo não foi aceito. A legalização das Centrais,

em 2008, retirou os poderes excessivos que as Centrais teriam, caso fosse

aprovado (v. A legalização das Centrais em 2008).

647

11. A coexistência, no mesmo sistema de organização sindical, de

entidades sindicais que se legitimam quando cumprem requisitos legais

exigidos para esse fim, e outras entidades que podem existir pelo simples fato

de, ainda que não preenchido nenhum desses requisitos, resolva inscrever-se

numa entidade de grau superior ou ser criada por essa entidade maior, é de

difícil compatibilização com o princípio constitucional da isonomia, na medida

em que trata os entes sindicais com critérios constitutivos diferentes, gerando


maiores dificuldades para alguns, e nenhuma dificuldade para outros. O que,

por sua vez, permite, também, a manipulação política organizativa sindical

fortemente incrustada não só no mesmo setor ou categoria, mas, também,

atingindo sindicatos que gostariam de ser autônomos, mas que terão, por

uma questão de sobrevivência, de ingressar na pirâmide sindical específica

comandada pela entidade sindical de grau superior.

Trata-se de uma forma de permitir a coexistência de sindicatos com

e sindicatos sem prerrogativas sindicais, estas, unicamente, para as en-

tidades sindicais com personalidade sindical, o que equivale a dizer que

podem existir sindicatos e associações não sindicais pois estas não têm

prerrogativas sindicais, ou, ainda e em outras palavras, sindicatos que são e

sindicatos que não são sindicatos, fórmula que pode significar uma tentativa

de mostrar externamente ao país que há liberdade sindical, uma vez que a

Organização Internacional do Trabalho não considera contrário ao princípio

da liberdade sindical o mecanismo da maior representatividade.

Exemplifique-se com o sistema da Argentina.

Podem existir diversos sindicatos, todos com personalidade jurídica,

mas só o sindicato autorizado pelo Ministério do Trabalho e no mesmo inscrito

terá, com exclusividade, personalidade sindical que o habilita a exercer as

atribuições próprias de sindicatos.

12. O sistema brasileiro das associações sindicais e dos sindicatos que

vigorou até 1988 é outro exemplo. A CLT autoriza a criação de associações

não sindicais que devem cumprir, como requisitos, um número de associados,

prestar serviços sociais fundados e mantidos e considerado o valor do seu


patrimônio (CLT, art. 519), cumprir, também, um estágio prévio de comprovação

da sua efetividade (CLT, art. 515), após o qual têm o direito de pleitear a

sua transformação ou reconhecimento em sindicato. Uma vez concedida por

carta sindical do Ministério do Trabalho a sua investidura sindical (CLT, art.

512), ficam habilitadas, daí por diante, a atuar como sindicato, e praticar

os atos previstos pelo art. 513 da CLT, ou seja, representar, perante as

autoridades administrativas e judiciárias os interesses gerais da respectiva

categoria ou os interesses individuais dos associados relativos à atividade;

celebrar contratos coletivos de trabalho; eleger ou designar os representantes

da respectiva categoria; colaborar com o Estado, como órgãos técnicos e

648

consultivos, no estudo e solução dos problemas que se relacionam com a

respectiva categoria; impor contribuições a todos aqueles que participam

das categorias econômicas ou profissionais; e, quanto aos sindicatos de

empregados, fundar e manter agências de colocação.

13. A personalidade jurídica, formalizada pelo registro em Cartório Civil,

e a personalidade sindical, decorrente de registro no Ministério de Trabalho,

são uma duplicidade desnecessária, tanto que o Ministério do Trabalho não

considera o registro em Cartório pressuposto para o registro no Arquivo

Nacional das Entidades Sindicais. O que vale é a personalidade sindical que

confere às entidades a verdadeira condição de sindicatos, uma vez que a

personalidade jurídica obtida com registro em Cartórios, não atributiva de

prerrogativas sindicais, faz da entidade uma associação não sindical e não

um verdadeiro sindicato, duplicidade que complica a burocracia sindical e


sem nenhum proveito para a vida sindical. A Constituição de 1988 ordena um

só registro, no órgão próprio que, por decisão do Supremo Tribunal Federal,

é o Ministério do Trabalho e Emprego, no qual há o Arquivo Nacional das

Entidades Sindicais.

14. A proliferação de sindicatos novos e inexpressivos deu-se

principalmente pelo desdobramento de categorias permitido pela CLT (art.

571), subordinado até 1988 à decisão da CES e com a extinção desta

passando a ser livre sem condições para que a dissociação se verificasse, o

que explica o grande número de sindicatos que surgiram.

A causa é essa e a correção dos seus efeitos depende da reavaliação da

causa, o direito de desdobrar categorias que, portanto, deve ser dificultado,

embora não impedido, combinando o legítimo direito das categorias

tradicionais de se manterem unidas com a necessidade de renovação no

movimento sindical quando novas atividades econômicas possam exigir

modificações.

15. Os requisitos apresentados pela Reforma Sindical são em alguns

pontos complexos. Não se apresentam em condições melhores do que seria

a exigência de estágio prévio para que uma associação não sindical possa

transformar-se em sindicato, o que recomenda a volta do regime anterior

abandonado pelo MTE.

Se o sistema das associações não sindicais como estágio prévio ou

requisito constitutivo da fundação de entidades sindicais é incompatível com

a liberdade sindical, o que não nos parece exato porque se trata de mera

condição que não impede a livre criação de sindicatos, como, também, a


exigência de requisitos de representatividade são uma condição, embora

de diferente consistência e pressupostos, é, reconheça-se, mais objetivo e

menos artificial porque se traduz, na verdade, em demonstração explícita de

que os requisitos existem, ou seja, a demonstração da representatividade

649

efetiva pela prática dos atos que possam conduzir a essa conclusão durante

um prazo aferindo-se a representatividade pela práxis e não por dados

estatísticos de certeza discutível. Por outro lado, atende, muito mais, à

necessidade de dar legitimidade aos sindicatos e acabar com os sindicatos

fantasmas ou biônicos do que a representatividade derivada por ser uma

outorga discricionária de uma entidade sindical maior para outra menor do

seu setor, sem nenhuma comprovação de representatividade efetiva, o que

pode incentivar um sindicalismo autêntico ao lado de outro sindicalismo

artificial apresentando os mesmos problemas que a reforma procura corrigir.

16. O Conselho Nacional de Relações de Trabalho terá enormes

poderes e, não obstante, sua composição não é eletiva, mas por indicações

e designações.

Não é despropositada a criação de um órgão tripartite que assuma um

grau relativo do controle do movimento sindical, o que justifica um Conselho

Nacional de Relações de Trabalho, como poderia haver órgãos estaduais em

vez de Câmaras Bipartites, uma empresarial outra profissional, na estrutura

que tem no topo o Ministro do Trabalho.

O Conselho tem como antecedente, guardadas as proporções, a Co-

missão de Enquadramento Sindical extinta pelo Ministério do Trabalho com


a Constituição de 1988, por entender que as suas atribuições contrariavam a

proibição constitucional da interferência ou intervenção do Estado na organi-

zação Sindical, o que leva à discussão de uma questão que não é irrelevan-

te. Se o princípio constitucional da proibição da intervenção e interferência do

sindicato na organização sindical levou, por incompatibilidade com o mesmo,

à extinção, pelo Ministério do Trabalho e Emprego, da Comissão de Enqua-

dramento Sindical, haveria razões diferenciadoras da mesma inconstitucio-

nalidade diante da criação do Conselho Nacional de Relações de Trabalho,

cujas atribuições são até maiores do que as da antiga e extinta Comissão?

A composição do CNRT proposta pela Reforma Sindical desequilibra

as suas soluções. O desequilíbrio está no número de representantes dos

trabalhadores, indicados pelas Centrais, igual ao número de representantes

do Governo, que são, no atual Governo, também sindicalistas, ficando a

representação patronal sempre em minoria.

Câmaras bipartites, a patronal e a dos trabalhadores, são uma instância

a mais para complicar o processo, daí a sua desnecessidade, bastando um

órgão, no caso, o Conselho.

O CNRT não poderá dirimir definitivamente disputas de representatividade

sindical diante do princípio constitucional da inafastabilidade do Judiciário:

650

“A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de

direito” (CF, art. 5º, XXXV).

17. Não provou bem a experiência da solução das impugnações sindicais

no Judiciário pela Justiça Comum, com o que, diante da impossibilidade de


afastar o Judiciário, foi deslocada, pela EC n. 45/04, a competência para

decidir essas questões para a Justiça do Trabalho.

18. No atual sistema há quatro contribuições: a contribuição sindical —

ex-imposto sindical —, a contribuição confederativa criada pela Constituição

de 1988, a taxa ou desconto assistencial, que resulta de negociação coletiva

ou sentença normativa em dissídio coletivo, e a mensalidade sindical paga

unicamente por aqueles que tomam a iniciativa de se inscreverem como

sócios do sindicato.

No sistema proposto haverá duas: a contribuição de negociação, cobrada

sempre que houver negociação coletiva em qualquer nível, e a contribuição

associativa de sócios unicamente.

Para os trabalhadores é irrelevante pagar uma ou mais contribuições,

pois o importante é saber qual o valor total que pagarão, no novo e no

antigo sistema, com o que, mais importante do que a forma ou o número

de contribuições, serão os seus valores ou quantitativos, que não estão

muito claros. Para os empregadores, mantidos os mesmos critérios atuais

de contribuição incidente sobre valores do capital das respectivas empresas

com um teto, nenhuma alteração substancial é esperada.

19. A negociação coletiva na perspectiva da reforma sindical ampliar-

-se-á quanto aos níveis, inclusive com a possibilidade de contratos coletivos

nacionais por setor econômico entre Centrais e Confederações Patronais,

como decorrência do princípio do sindicato orgânico, segundo o qual a

Central Sindical pode criar a sua própria estrutura organizativa fundando

sindicatos por representatividade derivada, bastando que a entidade criada


à mesma se associe.

A Central terá legitimidade para negociar contratos coletivos com as

confederações patronais, o que é bom, nos quais será admitida a reserva

de matéria, o que não é bom, ou seja, a proibição, em razão da matéria, de

negociação coletiva em outros níveis, para que prevaleça, portanto, o que

foi estatuído no contrato coletivo, daí estabelecer-se que contrato coletivo

de maior abrangência deverá indicar as cláusulas que não serão objeto

de modificação em níveis inferiores e que o sindicato ficará vinculado ao

contrato coletivo de abrangência superior se não requerer sua exclusão até

o momento de sua celebração.

A importância da negociação coletiva e do contrato coletivo de

trabalho, nova denominação genérica para as convenções coletivas e os

651

acordos coletivos de trabalho, motivou a proposta no sentido de rever os

fundamentos do nosso sistema legal, modificando-o em diversos pontos,

com a atribuição de poderes maiores para as Centrais e Confederações

quanto aos entendimentos no seu nível, a explicitação do princípio da boa-fé

nas negociações e a opção pela natureza jurídica obrigacional dos contratos

coletivos considerados negócios jurídicos.

Para cumprir essas diretrizes, o contrato coletivo é definido como

negócio jurídico por meio do qual se estabelecem as condições de trabalho e

as relações obrigacionais entre os atores coletivos, com o que, embora não

se enquadrando totalmente nos parâmetros do contrato coletivo de direito

comum do direito italiano, abre a possibilidade de solução das questões


jurídicas decorrentes da aplicação do contrato coletivo segundo as regras

subsidiárias compatíveis do direito das obrigações.

A ampliação dos níveis de negociação coletiva, mantidos os anteriores,

para o de unidade econômica, grupo de empresa, ramo ou setor econômico

e com abrangência, além da interestadual, estadual, intermunicipal e mu-

nicipal, combinadamente com o nível de atuação das entidades sindicais e

empresas, amplia, sem dúvida, um horizonte de incentivo, bem como a intro-

dução explícita, embora já anteriormente implícita, do princípio da conduta

de boa-fé na negociação coletiva, caracterizado por diversos deveres que

as partes deverão observar, equiparando à violação ao dever de boa-fé a

conduta antissindical.

Não se excluiu a legitimidade dos trabalhadores para negociar dire-

tamente com a empresa ou o sindicato patronal, como hoje é possível nos

casos de omissão sindical em assumir uma negociação coletiva, ressalvan-

do-se que, não existindo entidade com personalidade sindical de qualquer

nível disposta à negociação, os trabalhadores e empregadores poderão de-

liberar diretamente.

Aumenta-se a vigência dos contratos coletivos para até três anos, salvo

acordo em sentido contrário, os contratos coletivos poderão estabelecer as

regras para que os efeitos de suas cláusulas subsistam após o término de sua

vigência e os seus efeitos subsistirão durante os 90 dias subsequentes ao

término da vigência, após o que as partes, de comum acordo, poderão ajustar

nova prorrogação e, no caso de impasse, poderão celebrar compromisso

arbitral.
20. A contribuição de negociação coletiva será devida não só quando o

contrato coletivo for pactuado, mas, ainda que não o seja, pelo simples fato

de o sindicato ter iniciado, embora sem resultado, uma negociação, o que, em

circunstâncias normais, pode ser aceitável, mas não impedirá, excepcionalmente,

um sindicato de lançar uma campanha com fins arrecadatórios mesmo

sabendo que não há, pela natureza do pleito, possibilidade maior de concluir

o contrato.

652

21. Não é possível perder de perspectiva os fatos precarizadores das

relações de trabalho como a redução geral dos empregos, mas, por outro

lado, a criação de novos setores produtivos com tecnologias modernas e

crescimento do setor de serviços, a descentralização das atividades da

empresa para empreendedores periféricos por meio das subcontratações, a

informalização do trabalho da pessoa física com o crescimento do trabalho

autônomo e de formas parassubordinadas de contratação do trabalho e o

lado cruel da tecnologia, fatores que não podem ser desconsiderados na

avaliação do problema das negociações coletivas.

Com efeito, o problema mais inquietante é o do emprego emergente,

a destruição de postos de trabalho pelos sistemas industriais robotizados,

os novos sistemas organizacionais, a agricultura tecnológica e laboratorial

(Rifkin) . É certo que os contratos coletivos não são instrumentos para

regular a economia e o mercado de trabalho; porém, criando condições de

trabalho que se expõem no nível da atividade econômica, relacionam-se,

inafastavelmente, com os fatos, aspecto, que, por sua vez, leva à discussão
sobre o papel que devem desempenhar os sindicatos no relacionamento

direto com a empresa, e o grau de interferência na relação da Central Sindical

com a base sindical.

Dentre esses diferentes aspectos, a questão é saber qual é a função da

negociação coletiva no atual contexto: obter melhores condições de trabalho,

cobrir os espaços que a lei deixa em branco, administrar crises da empresa

ou todas essas funções, inclusive a última, como deixou claro o constituinte

brasileiro de 1988 ao incluir, entre os preceitos da Constituição Federal, a

autorização para que, pela via da negociação coletiva, sindicatos e empresas

possam discutir redução de salários e de jornada de trabalho.

22. A greve é fortalecida com a proposta de afastar a apreciação da sua

abusividade pelo Judiciário.

A Constituição Federal de 1988, art. 9º, assegura o direito de greve, com-

petindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre

os interesses que devam por meio dele defender, remete para a lei infra-

constitucional relacionar os serviços ou atividades essenciais e dispor sobre

o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade e responsabiliza

aqueles que cometerem abusos, princípio que se mostrou válido desde a sua

introdução, não dificultou greves e criou um sentido ético ao possibilitar a res-

ponsabilização por atos abusivos, o que é do interesse da sociedade.

A greve, direito fundamental dos trabalhadores, cuja titularidade continua

a ser dos trabalhadores aos quais caberá, como já é assegurado pelo

ordenamento jurídico atual, a definição da oportunidade de sua deflagração

pertencem aos trabalhadores, continua a ser deliberada por assembleia


sindical e o estatuto do sindicato estabelecerá as formalidades de sua

653

convocação e o número mínimo de trabalhadores para deliberar sobre a

deflagração da greve.

De outro lado, os meios adotados por empregados e empregadores

não poderão violar nem constranger os direitos e garantias fundamentais

e as manifestações e os atos de persuasão não poderão causar dano à

pessoa nem à propriedade, sendo, como é correto, vedado ao empregador

constranger o trabalhador a comparecer ao trabalho com o objetivo de frustrar

ou dificultar o exercício do direito de greve.

O pagamento correspondente aos dias de paralisação dependerá de

estipulação em contrato coletivo ou em sentença proferida em arbitragem

voluntária.

23. Desaparece o dissídio coletivo de greve se considerado dissídio

coletivo econômico que dependerá da concordância de ambas as partes para

o seu ajuizamento, será mantido, no entanto, se interpretado como dissídio

coletivo jurídico que independe da mútua concordância postulatória, e as

reivindicações de greve que tenham por objetivo a criação, modificação ou

extinção de direitos serão objeto de contrato coletivo ou de sentença arbitral.

Interessa à sociedade e ao Estado a questão da greve nos serviços

ou atividades essenciais à comunidade, independentemente do regime

jurídico da prestação de serviços, cuja relação costumeira é mantida e nos

quais as necessidades inadiáveis da comunidade serão atendidas mediante

a manutenção de equipes com o objetivo de assegurar os serviços cuja


paralisação resulte em danos a pessoas ou coisas ou prejuízo irreparável

pela deterioração irreversível de bens, além de garantir a manutenção dos

serviços necessários à retomada das atividades, mediante acordo para

definição desse atendimento, permitido ao empregador, à falta do acordo,

contratar diretamente os serviços mínimos.

Caberá à Procuradoria do Trabalho (EC n. 45/04) propor o dissídio

coletivo de greve diante de perigo de grave lesão ao interesse público, ficando

aberta a discussão sobre a possibilidade de atuação supletiva sindical nos

casos de inércia do órgão legitimado.

Acrescenta-se que são necessidades inadiáveis da comunidade aquelas

que, quando não atendidas, coloquem em perigo iminente a vida, a saúde ou

a segurança das pessoas.

É mantida a responsabilidade pelos atos ilícitos ou crimes cometidos

no curso da greve que será apurada, conforme o caso, segundo a legislação

trabalhista, civil e penal.

24. Discutir-se-á a PEC substitutiva do art. 8º da Constituição de 1988

e toda Emenda Constitucional é promulgada em conjunto pelas Mesas da

Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com aprovação de um terço

654

no mínimo dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado ou do

Presidente da República, discutida e votada em cada casa do Congresso

Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos,

três quintos dos votos dos respectivos membros. Se rejeitada, não poderá

ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa (CF, art. 60).
Dependem de Emenda Constitucional as propostas de agregação de

trabalhadores e de empregadores nas respectivas entidades sindicais por

setor econômico, o ramo de atividade se confrontado com o sistema de

categorias a que se refere a Constituição, sabendo-se que categoria difere de

setor ou ramo econômico, na medida em que abrange outras possibilidades,

como a categoria diferenciada, da qual resulta o sindicato por profissão; a

legalização das Centrais Sindicais, porque o sistema confederativo, previsto

na Constituição, tem, como instância sindical última e maior, as confederações,

tanto que o Supremo Tribunal Federal (ADIn n. 505-7, Rel. Min. Moreira

Alves, DJ 2.8.1991) decidiu que as entidades que têm legitimidade para

ajuizar ação direta de inconstitucionalidade são as confederações nacionais

de trabalhadores ou empregadores, e não as centrais sindicais, por não

serem elas entidades de classe de âmbito nacional; a extinção da unicidade

sindical substituída pela pluralidade relativa sob a forma de exclusividade de

representação, mediante comprovação de requisitos de representatividade;

supressão da contribuição confederativa, porque também expressa no texto

constitucional, embora a simples criação da contribuição de negociação

não dependa de emenda constitucional, porque a atual já admite, além da

contribuição confederativa, outra criada por lei, sem especificá-la, com o que

esta pode ser a contribuição de negociação no lugar da contribuição sindical;

os critérios de proporcionalidade para a composição da representação dos

trabalhadores na empresa, porque a Constituição refere-se a um representante

por empresas com mais de 200 empregados; a reserva de matéria de

negociação coletiva para as Centrais Sindicais, porque a Constituição


reconhece as convenções e os acordos coletivos sem limitações e, onde a

Lei Maior não limita, não é dado à lei infraconstitucional fazê-lo confrontando-

-se o princípio constitucional com o propósito de estabelecer, para o contrato

coletivo de maior abrangência, o poder de indicar as cláusulas que não serão

objeto de modificação em níveis inferiores; a extinção do dissídio coletivo

econômico para criar normas e condições de trabalho e o dissídio de greve,

uma vez que a Constituição assegura aos interessados o direito de ingressar

com dissídio coletivo perante os Tribunais do Trabalho, o que também põe

em discussão a transformação do poder normativo em atuação arbitral;

a proibição do julgamento da legalidade ou ilegalidade da greve em face

do princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição nos casos de

discussões sobre lesões de direitos; a desigualdade de tratamento entre

sindicatos, em confronto com o princípio constitucional da isonomia, uns

655

dependendo de comprovação de requisitos de representatividade para que

possam existir outros, desde que inseridos em estrutura organizativa própria

de uma Central Sindical ou Confederação, podendo existir sem a necessidade

de comprovar a representatividade e mediante simples inscrição na entidade

sindical de grau superior.

Para atingir esse primeiro objetivo foi proposta a alteração do texto

constitucional de 1988, embora até agora ainda não regulamentado, quando

a regulamentação poderia remover algumas das causas apontadas como

prejudiciais ao fortalecimento das entidades sindicais dentro de parâmetros

já estabelecidos pelo ordenamento jurídico maior, que foi um avanço em


termos de liberdade sindical.

A regulamentação, e não a alteração do art. 8º da Constituição de 1988,

não afastaria o princípio da unicidade sindical, e persistiria a crítica da sua

incompatibilidade com um sistema de liberdade e não de pluralidade sindical

plena. A reforma, porém, ao transformar a unicidade em exclusividade, em

substância pouco modifica, porque a exclusividade é, também, uma proibição

da coexistência de sindicatos com prerrogativas sindicais na mesma esfera

de atuação, nesse ponto igualando-se as duas figuras, com o que não

resolve a questão de modo satisfatório, nem mesmo com a prevista perda

da representatividade do sindicato exclusivo que não demonstrar requisitos,

clara que é a maior proximidade da exclusividade com a unicidade e que, nos

termos da reforma, poderia ser regulamentada sem se atritar com o princípio

constitucional vigente.

A suposição de que a reforma criará sindicatos representativos é

verdadeira, mas ao lado destes haverá outros não representativos, que serão

aqueles que vierem a ser criados por entidades sindicais de grau superior

por sua iniciativa e sem exigência de requisitos de representatividade,

convivendo, se aprovada como está, os dois tipos de sindicatos, figuras

denominadas representatividade comprovada e representatividade derivada,

esta promovida pela entidade maior, aquela quando o sindicato não for criado

por entidade de grau superior, o que prejudicará os sindicatos autônomos

que estarão afastados da estrutura orgânica que é objetivada pela reforma.

Essa situação fica comprovada com a do critério, da reforma, que confere

ao Estado o poder de atribuir personalidade sindical não só às entidades


que, na forma da lei, atenderem a requisitos de representatividade, mas,

também, de agregação que assegurem a compatibilidade de representação

em todos os níveis e âmbitos da negociação coletiva, uma segunda forma

autorizante da instituição de um sindicato, sendo que agregar é filiar-se a

uma Central Sindical.

Quando o texto constitucional habilita o sindicato a promover a

defesa dos interesses coletivos e individuais do âmbito da representação,

656

inclusive em questões judiciais e administrativas, evitaria uma discussão

se fosse explicitamente acrescentado que a defesa judicial será promovida

na qualidade de substituto processual dos representados, o que evitaria

interpretações divergentes a respeito da questão, sabendo-se que substituição

processual, por ser uma figura de legitimação extraordinária, deve sempre

estar expressamente autorizada pela lei.

É sabido que o texto da atual Constituição (art. 8º, VI), ao dispor que

é obrigatória a participação das entidades sindicais na negociação coletiva,

levantou uma questão nos Tribunais quanto à mesma obrigatoriedade em

relação ao sindicato patronal em acordos coletivos em nível de empresa,

prevalecendo o entendimento segundo o qual a exigência restringe-se,

nesse nível de negociação, ao sindicato de trabalhadores, o que poderia ser

definido pela PEC.

A meta de uma democracia sindical mais se aproxima da realização na

medida em que é respeitado o princípio da liberdade sindical da Convenção n.

87 da Organização Internacional do Trabalho. Este ainda é o melhor princípio


fundante das organizações sindicais após a Segunda Guerra Mundial. Os

desvios que o excesso de liberdade podem acarretar devem ser corrigidos,

mas não justificam o afastamento, cada vez mais, dos valores que servem

de base para esse princípio. Encontrar um sistema no qual os trabalhadores

tenham a liberdade de organizar as suas próprias formas associativas não

forjadas em estruturas organizativas próprias impostas de cima para baixo,

é uma necessidade para os países que desejam promover mais um avanço

no sentido da democracia sindical, assim como reconhecer, de modo amplo,

a negociação coletiva como um valor, é a única forma de compatibilizar um

sistema de relações de trabalho com o princípio da autonomia coletiva dos

particulares e, fora disso, é o retorno ao que se pensava sobre sindicatos no

período do Estado Novo.

25. O futuro da proposta de reforma sindical apresentada pelo Fórum

Nacional do Trabalho é incerto. As atividades do Fórum não tiveram a mesma

continuidade, houve falta de apoio político das entidades sindicais, que

avaliaram o projeto depois de concluído pelo Fórum, o movimento sindical,

tanto de trabalhadores como de empregadores, dividiu-se na sua posição

diante da proposta e os aspectos que tiveram consenso são em número bem

menor do que aqueles que são rejeitados, o que indica que, sem profundas

alterações, o projeto não terá condições de aprovação.

657

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SUMÁRIO
PRIMEIRA PARTE
SEGUNDA PARTE
TERCEIRA PARTE
QUARTA PARTE
QUINTA PARTE
SEXTA PARTE
CONCLUSÕES
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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