Você está na página 1de 384

Estudos de

Direito
Sistêmico
abordagens | percepções
ORGANIZAÇÃO
Sami Storch
Roberta Rotta Messias de Andrade
Amilton Plácido da Rosa
Karla Ramos da Cunha
Estudos de
Direito
Sistêmico
abordagens | percepções
ORGANIZAÇÃO
Sami Storch
Roberta Rotta Messias de Andrade
Amilton Plácido da Rosa
Karla Ramos da Cunha
© by Faculdade Innovare – 2022

ficha técnica

Diagramação:
Atelier Tagore Editora

Arte final da capa


Victor Tagore

Revisão
Os autores

Supervisão editorial
Rafaela Nascentes

Conselho editorial
Sami Storch
Roberta Rotta Messias de Andrade
Karla Ramos da Cunha
Lizandra Cericato
Inácio Junqueira Moraes Júnior

DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)

AvH477p Storch, Sami (org).


Estudos de Direito Sistêmico – Volume 1 / Sami Storch, Roberta Rotta Mes-
sias de Andrade, Amilton Plácido da Rosa, Karla Ramos da Cunha (organiza-
dores) – Brasília : Tagore Editora, 2022.
384p.

ISBN: 978-85-5325-104-9

1. Constelações Familiares. 3. Direito 4. Justiça Brasileira 2. Psicoterapia.


3. Terapia familiar I. Título

CDU 616.89156

Catalogação na publicação: Iza Antunes Araujo CRB1/079

Todos os direitos reservados de acordo com a lei.


Composto e impresso no Brasil. Printed in Brazil.

Ta g o r e E d i t o r a
SIG Q. 8 lote 2345, sala 100 | CEP: 70.610-480, Brasília, DF.
www.tagoreeditora.com.br
Sumário

PREFÁCIO .....................................................................................................................................................15

PRINCÍPIOS QUE IMPULSIONAM AO INFINITO ......................................................... 15


Sami Storch

PRINCÍPIOS DO DIREITO SISTÊMICO E A NECESSÁRIA ADEQUAÇÃO DAS NORMAS


DO DIREITO DE FAMÍLIA ............................................................................................. 21
Sami Storch

01. INTRODUÇÃO - O DIREITO SISTÊMICO: O RECONHECIMENTO DA SUPERIORIDADE


DOS PRINCÍPIOS SISTÊMICOS NATURAIS QUE REGEM OS RELACIONAMENTOS .......... 21
02. O TRABALHO DE BERT HELLINGER E SEU ALCANCE NAS DIVERSAS ÁREAS DO
CONHECIMENTO HUMANO .................................................................................................. 26
03. OS PRINCÍPIOS SISTÊMICOS CONFORME DESCRITOS POR BERT HELLINGER ........ 27
04. ORDEM DE PRECEDÊNCIA NA FAMÍLIA ....................................................................... 29
05. PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DO MENOR (INFÂNCIA E JUVENTUDE) ........... 33
06. VIOLAÇÃO DAS LEIS SISTÊMICAS PELA OITIVA JUDICIAL DOS FILHOS .................. 34
07. COBRANÇA DE ALIMENTOS E O PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE ............................ 35
08. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 39
09. REFERÊNCIAS .................................................................................................................. 41

JUSTIÇA RESTAURATIVA E DIREITO SISTÊMICO: UM DIÁLOGO POSSÍVEL ............. 43


Egberto de Almeida Penido
Renata Torri Saldanha Coelho
Sttela Maris Nerone Lacerda

01. INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 43


02. A JUSTIÇA RESTAURATIVA ............................................................................................ 43
03. O DIREITO SISTÊMICO .................................................................................................... 56
04. JUSTIÇA RESTAURATIVA E DIREITO SISTÊMICO ......................................................... 65
04. 1. CONVERGÊNCIAS ............................................................................................................................... 66
04. 2. DISTINÇÕES .......................................................................................................................................... 67
04. 3. INTERAÇÕES E DIÁLOGOS POSSÍVEIS ........................................................................................ 69
04. 4. DESAFIOS............................................................................................................................................... 70
05. CONCLUSÃO .................................................................................................................... 71
06. REFERÊNCIAS .................................................................................................................. 73

A RELAÇÃO DE CONVERGÊNCIAS E DIVERGÊNCIA ENTRE OS CONCEITOS DE JUSTIÇA


E LEI À LUZ DO DIREITO SISTÊMICO E DAS CONSTELAÇÕES FAMILIARES .................76
Elodéa Palmira Perdiza
Inês Fernandes Guitério Vaz
Luciana Macedo Vieira Gonçalves da Silva
Luiz Eduardo Novaes de Alcantara

01. INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 76


02. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ........................................................................................ 77
02. 1. BERT HELLINGER................................................................................................................................. 77
02. 2. AS ORDENS DO AMOR OU LEIS SISTÊMICAS .......................................................................... 80
02. 3. A CONSTELAÇÃO FAMILIAR ORIGINAL HELLINGER ............................................................. 82
02. 4. O DIREITO SISTÊMICO E A ADVOCACIA SISTÊMICA ............................................................. 84
03. DESENVOLVIMENTO DE CASOS CONCRETOS ............................................................. 88
03. 1. HERANÇA ............................................................................................................................................... 89
(I) PARTE JURÍDICA ..................................................................................................................................... 91
(II) DESCRIÇÃO DA CONSTELAÇÃO ..................................................................................................... 92
(III) PERCEPÇÕES ......................................................................................................................................... 94
(IV) ANDAMENTO E RESULTADO PROCESSUAL .............................................................................. 94
03. 2. EMPRESA FAMILIAR ........................................................................................................................... 95
(I) PARTE JURÍDICA ..................................................................................................................................... 95
(II) DESCRIÇÃO DA CONSTELAÇÃO ORGANIZACIONAL ............................................................. 95
(III) PERCEPÇÕES .......................................................................................................................................100
(IV) ANDAMENTO E RESULTADO ........................................................................................................102
04. CONCLUSÃO ..................................................................................................................102
05. REFERÊNCIAS ................................................................................................................104

O DIREITO SISTÊMICO COMO FERRAMENTA DA CULTURA DE PAZ PARA A


RESOLUÇÃO DE CONFLITOS..................................................................................... 106
Ana Carmem de Sousa Silva
Karla Ramos da Cunha
Mariela Marcantonio Paiva
Marisa Santos Souza Petkevicius

01. INTRODUÇÃO ...............................................................................................................106


02. O FUNDAMENTO JURÍDICO PARA UTILIZAÇÃO DAS CONSTELAÇÕES FAMILIARES
ATRAVÉS DA MEDIAÇÃO E NO PODER JUDICIÁRIO BRASILEIRO ..................................107
03. AS LEIS SISTÊMICAS DE BERT HELLINGER ................................................................111
04. DIREITO SISTÊMICO .....................................................................................................115
05. AS CONSTELAÇÕES FAMILIARES E SUA APLICAÇÃO NO DIREITO BRASILEIRO ....116
06. DIREITO SISTÊMICO PARA A DISSOLUÇÃO DE CONFLITOS ....................................117
07. PROJETO OLHAR CONSCIENTE – FÓRUM CENTRAL DE MOGI DAS CRUZES ........118
08. RESULTADOS .................................................................................................................127
09. CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................129
10. REFERÊNCIAS ................................................................................................................131

PAI E MÃE: QUESTÕES PREVIDENCIÁRIAS .............................................................. 133


Ana Emília Pascoal
Claudia Maria Alves Chaves
Marcos Antonio Ferreira de Castro

01. INTRODUÇÃO ...............................................................................................................133


02. A CONSTELAÇÃO FAMILIAR E SEU ALICERCE FENOMENOLÓGICO ........................134
03. AS LEIS SISTÊMICAS .....................................................................................................137
03. 1. PERTENCIMENTO..............................................................................................................................137
03. 2. HIERARQUIA .......................................................................................................................................139
03. 3. EQUILÍBRIO .........................................................................................................................................139
04. A INTRODUÇÃO DA CONSTELAÇÃO FAMILIAR NO CAMPO JURÍDICO ..................140
05. O DIREITO PREVIDENCIÁRIO E A VISÃO SISTÊMICA ...............................................142
06. A CONSTELAÇÃO FAMILIAR COMO MODELO PACIFICADOR ..................................143
07. O DIREITO DA RECONCILIAÇÃO ..................................................................................147
08. CASOS DE APLICAÇÃO DA CONSTELAÇÃO FAMILIAR NO JUIZADO ESPECIAL
FEDERAL DE BOTUCATU/SP ...............................................................................................148
08. 1. A APLICAÇÃO DA CONSTELAÇÃO FAMILIAR NO AMBIENTE INTERNO DA
INSTITUIÇÃO (ENTRE SERVIDORES E MAGISTRADOS) ...................................................................149
08. 2. A APLICAÇÃO DA CONSTELAÇÃO FAMILIAR COM OS JURISDICIONADOS ..............151
09. ENCONTRAR ALTERNATIVAS MAIS EFETIVAS PARA A RESOLUÇÃO DOS
CONFLITOS: UM GRANDE DESAFIO DO PODER JUDICIÁRIO .........................................154
10. PROJETO DE APRESENTAÇÃO DAS LEIS SISTÊMICAS E DO DIREITO SISTÊMICO NO
INSS.......................................................................................................................................156
11. CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................157
12. REFERÊNCIAS ................................................................................................................159
GUARDA COMPARTILHADA, ASPECTOS LEGAIS E VISÃO FENOMENOLÓGICA -
RELATO DE EXPERIÊNCIA ......................................................................................... 161
Eulice Jaqueline da Costa Silva Cherulli

01. INTRODUÇÃO ...............................................................................................................161


02. DA GUARDA COMPARTILHADA – UM PERCURSO SOBRE A PRÁTICA ....................163
03. DA VISÃO FENOMENOLÓGICA COMO FERRAMENTA PARA A GUARDA
COMPARTILHADA ...............................................................................................................168
04. CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................181
05. REFERÊNCIAS ................................................................................................................182

UM OLHAR SISTÊMICO NO CONTEXTO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR 184


Alline Matos Pires Ferreira

01. INTRODUÇÃO ...............................................................................................................184


02. INFLUÊNCIA DA FILOSOFIA HELLINGERIANA NO CAMPO JURÍDICO ....................185
02. 1. UM POUCO MAIS SOBRE ESSAS LEIS........................................................................................186
03. CONSTELAÇÕES FAMILIARES E O DIREITO SISTÊMICO............................................188
04. ASPECTO LEGAL – POSSIBILIDADES ..........................................................................190
05. DINÂMICAS OCULTAS FREQUENTES NO CAMPO DO RELACIONAMENTO DE UM
CASAL QUE PODEM EVOLUIR PARA UM ATO VIOLENTO ................................................191
05. 1. RESPEITO..............................................................................................................................................191
05. 2. A FILHINHA DO PAPAI E O FILHINHO DA MAMÃE .............................................................191
05. 3. A EQUIVALÊNCIA ..............................................................................................................................192
05. 4. DUPLA TRANSFERÊNCIA ...............................................................................................................193
05. 5. SENTIMENTOS PRIMÁRIOS E SECUNDÁRIOS ........................................................................194
05. 6. RECORTE DE UM SEMINÁRIO ......................................................................................................195
06. DISCUSSÃO E ANÁLISE DE RESULTADOS ..................................................................196
06. 1. ESTUDO DE CASO ............................................................................................................................196
06. 2. ALGUMAS EXPERIÊNCIAS DO CENÁRIO NACIONAL ..........................................................197
07. CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................198
08. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................199

APLICABILIDADE DAS LEIS SISTÊMICAS NOS PROCESSOS DE ADOÇÃO .............. 201


Alessandra Helena da Silva Camerino
Janine Ferro Lobo
Juliana Gomide Resende de Mello

01. INTRODUÇÃO ...............................................................................................................201


02. CONSIDERAÇÕES INICIAIS ..........................................................................................202
03. HISTÓRIA DA ADOÇÃO NO BRASIL ............................................................................203
04. AS ORDENS DO AMOR .................................................................................................205
05. ORDENS DA AJUDA ......................................................................................................208
06. ADOÇÃO ........................................................................................................................209
07. APLICABILIDADE DO DIREITO SISTÊMICO NA ADOÇÃO .........................................212
08. CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................222
09. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................224

PERCEPÇÕES SISTÊMICAS: O DESPERTAR DE UMA NOVA CONSCIÊNCIA JURÍDICA . 226


Fernando Cattelan Cordeiro
Janaína Ramos Mendes de Souza Vieira
Valéria Perez
Vanessa Aufiero da Rocha

01. INTRODUÇÃO ...............................................................................................................226


02. A FILOSOFIA HELLINGERIANA A SERVIÇO DA JUSTICA ..........................................229
03. PROCEDIMENTO METODOLÓGICO ............................................................................233
04. O CURSO “PERCEPEÇÕES SISTÊMICAS: O DESPERTAR DE UMA NOVA CONSCIÊNCIA
JURÍDICA”.............................................................................................................................234
05. CONSCIÊNCIA FAMILIAR E SUAS LEALDADES ..........................................................236
06. AS ORDENS DO AMOR .................................................................................................236
06. 1. EXPANSÃO DE CONSCIÊNCIA .....................................................................................................237
07. CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................237
08. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................238

SUCESSÃO SISTÊMICA .............................................................................................. 240


Fernanda Michel Andreani
Isabela Romina Albernas Diniz

01. INTRODUÇÃO ...............................................................................................................240


02. A FILOSOFIA SISTÊMICA DE HELLINGER SOBRE A HERANÇA .................................243
03. AS ORDENS DO AMOR NA SUCESSÃO .......................................................................245
04. A SUCESSÃO LEGAL E O EQUILÍBRIO SISTÊMICO FAMILIAR ...................................247
05. A SUCESSÃO NAS EMPRESAS .....................................................................................248
06. A FILOSOFIA DE BERT HELLINGER NA ADVOCACIA COLABORATIVA ...................250
07. CONSTELAÇÃO FAMILIAR NO PROCESSO DE INVENTÁRIO.....................................252
08. A JUSTIÇA PELA ABORDAGEM SISTÊMICA NO CASO CONCRETO .........................253
09. CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................256
10. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................257
MEDIAÇÃO SISTÊMICA: UM OLHAR HUMANIZADO PARA AS RESOLUÇÕES DE
CONFLITOS ................................................................................................................ 258
Amilton Plácido da Rosa
Geraldo Garcia Antero da Silva
Isabel Cristina Pires
Marisa Sandra Luccas
Marlene Elias Leite

01. INTRODUÇÃO ...............................................................................................................258


02. ASPECTOS HISTÓRICOS DA RESOLUÇÃO DE CONFLITOS .......................................260
03. MEDIAÇÃO SISTÊMICA ................................................................................................263
03. 1. AS ABORDAGENS SISTÊMICAS HELLINGERIANAS QUE DÃO EMBASAMENTO À
MEDIAÇÃO SISTÊMICA ................................................................................................................................264
03.1.1 CONSTELAÇÃO FAMILIAR ........................................................................................................266
03.1.2 DIREITO SISTÊMICO ....................................................................................................................267
03. 2. ELEMENTOS QUE DÃO SUPORTE À MEDIAÇÃO SISTÊMICA ...........................................269
03.2.1 SISTEMA, PENSAMENTO SISTÊMICO, CAMPO MORFOGENÉTICO E RESSONÂNCIA
MÓRFICA APLICADOS À HELLINGER® SCIENCIA.........................................................................269
03.2.2 OS VÁRIOS TIPOS DE AMOR, O EMARANHAMENTO E O DESTINO ..........................270
03.2.3 ORDENS DO AMOR E OS TIPOS DE CONSCIÊNCIAS ......................................................270
03.2.3.1 PERTENCIMENTO......................................................................................................................272
03.2.3.2 HIERARQUIA/ORDEM, O LUGAR QUE CADA UM OCUPA NO SEU SISTEMA .....273
03.2.3.3 COMPENSAÇÃO: EQUILÍBRIO ENTRE O DAR E O TOMAR.........................................274
03.2.3.4 CONSCIÊNCIAS QUE EMANAM DAS TRÊS ORDENS DO AMOR .............................275
03.2.4 A FENOMENOLOGIA ...................................................................................................................277
03.2.5 REPRESENTAÇÃO E REPRESENTANTES ...............................................................................278
03.2.6 AS ORDENS DA AJUDA ..............................................................................................................280
03.2.7 AS ORDENS DO SUCESSO ........................................................................................................281
03. 3. FORMA DE APLICAÇÃO DA MEDIAÇÃO SISTÊMICA ..........................................................282
03.3.1 A POSTURA SISTÊMICO-FENOMENOLÓGICA...................................................................282
03.3.2 REALIZAÇÃO DE INTERVENÇÕES SISTÊMICO-FENOMENOLÓGICAS .....................283
03.3.3 REALIZAÇÃO DAS CONSTELAÇÕES DENTRO DA MEDIAÇÃO SISTÊMICA ............284
04. CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................289
05. REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO ...................................................................................291
A ATITUDE SISTÊMICA NA PRÁTICA DA ADVOCACIA ............................................. 293
Márcia Villares de Freitas
Maria Aparecida Pappi Simões
Maria Cláudia Canto Cabral

01. INTRODUÇÃO ...............................................................................................................293


02. METODOLOGIA .............................................................................................................295
03. FUNÇÃO SOCIAL DA ADVOCACIA ..............................................................................296
03. 1. A ADVOCACIA E A GÊNESE NO DIREITO BRASILEIRO ........................................................297
04. CONSTELAÇÃO FAMILIAR E A FILOSOFIA HELLINGERIANA....................................301
04. 1. SISTÊMICA FENOMENOLÓGICA .................................................................................................304
05. DIREITO SISTÊMICO .....................................................................................................305
06. ADVOCACIA SISTÊMICA - RESULTADOS E CONSIDERAÇÕES FINAIS .....................310
07. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................315

A POSTURA SISTÊMICA-FENOMENOLÓGICA NO ATUAR JURÍDICO DE UMA JUÍZA E


DE DUAS DEFENSORAS PÚBLICAS .......................................................................... 317
Tatiane Colombo
Larissa Leite Gazzaneo
Gabriela Souza Cotrim

01. INTRODUÇÃO ...............................................................................................................317


01. 1. TEMAS E DELIMITAÇÃO .................................................................................................................317
01. 2. JUSTIFICATIVA ...................................................................................................................................318
01. 3. OBJETIVO E METODOLOGIA ........................................................................................................318
02. DA POSTURA SISTÊMICA-FENOMENOLÓGICA APLICADA AO DIREITO ................319
03. CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................328
04. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................329

A EXPERIÊNCIA DA VISÃO SISTÊMICA NA ÁREA DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA...... 330


Lizandra dos Passos

01. CONSIDERAÇÕES INICIAIS ..........................................................................................330


02. A MULTIDISCIPLINARIDADE COMO UM CAMINHO SEM VOLTA .............................331
03. BASES DA VISÃO SISTÊMICA ......................................................................................332
04. A EXPERIÊNCIA DO PROJETO JUSTIÇA SISTÊMICA NO ÂMBITO DO JUDICIÁRIO
GAÚCHO ..............................................................................................................................337
05. A VISÃO SISTÊMICA SEGUNDO BERT HELLINGER NA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA ...339
06. CONSIDERAÇÕES FINAIS. ............................................................................................344
07. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................344
SEPARAÇÃO DE CASAL DE FORMA LITIGIOSA COMO VÍNCULO............................ 346
Lairton da Silva

01. INTRODUÇÃO ...............................................................................................................346


02. AS CONSTELAÇÕES FAMILIARES E AS LEIS SISTÊMICAS .........................................348
03. CASAMENTO E RELACIONAMENTOS NA VISÃO SISTÊMICA ...................................349
04. DIVÓRCIO, SEPARAÇÃO LITIGIOSA E MEDIAÇÃO.....................................................350
05. PARTE PRÁTICA ............................................................................................................352
06. CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................353
07. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................355

A ADOÇÃO E OS PROCEDIMENTOS SISTÊMICOS SOB A VISÃO FILOSÓFICA DAS


CONSTELAÇÕES FAMILIARES DA HELLINGER® SCIENCIA ...................................... 357
Adriana Carneiro Batista
Christiana Lovimo Pereira
Mateus de Souza Santos
Mônica de Azevedo Mendonça Gardés

01. INTRODUÇÃO ...............................................................................................................357


02. MARCO TEÓRICO ..........................................................................................................358
02. 1. CONSTELAÇÃO FAMILIAR .............................................................................................................358
02. 2. VIDA E AUTOESTIMA .......................................................................................................................360
02. 3. ALMA .....................................................................................................................................................361
02. 4. ESPÍRITO ...............................................................................................................................................361
02. 5. ORDENS DO AMOR E CONSCIÊNCIAS ......................................................................................362
02. 6. DIREITO SISTÊMICO .........................................................................................................................364
02. 7. ADOÇÃO ..............................................................................................................................................364
03. METODOLOGIA .............................................................................................................366
03. 1. ABORDAGEM DE PESQUISA .........................................................................................................366
03. 2. UNIDADES DE ANÁLISE E OBJETIVOS ......................................................................................368
03. 3. ANÁLISE DOS DADOS .....................................................................................................................369
04. DISCUSSÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS ...............................................................374
05. CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................377
06. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................379
P R E FÁ C I O

PRINCÍPIOS QUE IMPULSIONAM AO


INFINITO

Sami Storch

Este livro traz uma coletânea com os trabalhos dos primeiros pós-gra-
duados em Direito Sistêmico no mundo, que ousaram cursar – e lograram
concluir - o primeiro curso do gênero, promovido pela Hellinger®schule (da
Alemanha para o mundo), em parceria com a Faculdade Innovare. Depois
dessa turma, outras vieram, assim como muitos outros cursos passaram a
surgir pelo Brasil afora. Mas a história dos cursos de pós-graduação em Direito
Sistêmico começou com a turma da qual fizeram parte os autores deste livro.
Trata-se, portanto, de uma obra que representa um avanço importante
na história do Direito Sistêmico e de sua expansão e influência nos destinos de
milhares de pessoas e da própria ciência jurídica.
Tive a grata satisfação e a honra de participar dessa parceria épica, bem
como de acompanhar, na condição de coordenador e professor, a origem e
o desenvolvimento desse curso dirigido diretamente por Sophie Hellinger.
Dos tantos incomensuráveis ganhos que pude obter durante esse
trabalho, um que eu reconheço foi o de ter contato e desenvolver boa ami-
zade com os valorosos alunos do curso, autores destes artigos que agora são
publicados para o mundo. De modo geral, todos já chegaram com currículos
admiráveis, próprios de quem sempre busca ir além de si mesmo e alcançar
o horizonte, que cada vez mais se amplia.
Guardadas as características, talentos e interesses de cada um, in-
dividualmente, há um campo coletivo que os une e destaca: o da coragem
de se lançar, de forma pioneira, na aventura de uma vivência aprofundada,
emocionante e transformadora, onde ninguém jamais havia pisado.
Não se tratava de um curso pronto, testado e avalizado, mas sim de algo
incipiente, que nem mesmo nós que o idealizamos poderíamos saber como

15
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

seria. O próprio conteúdo do curso foi se construindo a partir da caminhada


e das experiências pessoais dos alunos. Estes não foram, portanto, somente
alunos (no sentido daqueles que recebem o conhecimento transmitido pelos
professores), mas certamente autores e protagonistas do próprio conteúdo
que se propuseram a aprender. Como “não são as respostas que movem o
mundo, são as perguntas” (frase atribuída a Albert Einstein), também a
evolução do campo de estudo do Direito Sistêmico se movimentou e cresceu
expressivamente a partir dos estudos desta turma de pioneiros.
Quando falamos em estudos, no âmbito de um curso da Hellinger®s-
chule, não se trata de mera leitura ou transmissão de conhecimentos. Aliás,
diferentemente dos cursos de pós-graduação convencionais, nesse curso às
vezes pouco falamos, mas muito sentimos. Cada aula é profundamente viven-
ciada, entre palavras essenciais, silêncios e movimentos profundos da alma.
Durante essa jornada de dois anos, estivemos sempre energizados pela
força das constelações e vivências fenomenológicas que possibilitaram que
viajássemos através de séculos e lugares de histórias ancestrais, vivenciando os
movimentos próprios dos diversos temas que frequentam o universo jurídico
– os mesmos presentes nos relacionamentos e na vida, nos conflitos e dores
emaranhadas entre os vínculos que nos unem à nossa família ancestral, ao
nosso povo, à nossa religião, à nossa profissão, e assim por diante.
As leis sistêmicas descritas por Bert Hellinger, tão soberanas, puderam
mostrar suas muitas facetas e interações na sala de aula a partir das questões
vividas pessoalmente nos campos de cada aluno, expandindo o seu signifi-
cado ao mesmo tempo em cada um expandia sua capacidade de perceber
e enxergar as dinâmicas sistêmicas outrora ocultas, mas que, para quem o
presenciou, converteram-se em ciência comprovada pela própria experiência.
Mas o campo acadêmico clama por leituras de base, experiências an-
teriores documentadas capazes de sustentar e esclarecer aquilo que se está
aprendendo em cada momento.
E a verdade é que ao início do curso (em setembro de 2016) e até a
sua conclusão, salvo pela obra farta e magnífica de Bert Hellinger tratando
da filosofia e da ciência prática do Familienstellen (constelações familiares)
em todas as áreas da vida, inexistiam suficientes referências anteriores de
experiências e publicações sobre os diversos temas e possibilidades próprias

16
PRINCÍPIOS QUE IMPULSIONAM AO INFINITO

do Direito Sistêmico, fato que constituiu um desafio considerável. Não havia


e ainda não há cartilha, manual ou receita pronta para uma tal jornada. Teve
que ser, como nos versos de Antonio Machado1, o caminho que se faz ao
caminhar.
Mas um filho, quando não recebe dos pais muito senão a vida em si,
o básico para se manter e a educação básica na infância, no próprio desafio
de não ter recebido tudo pronto pode encontrar também a chance e a força
de realizar por si mesmo o que for preciso para o próprio desenvolvimento.
Esse é o filho que se realiza, cresce, aprende algo que somente ele mesmo,
a partir das próprias dificuldades, pode aprender; chega além de onde já se
havia chegado até então e depois, com a experiência adquirida, pode contar
da sua vitória, tornando-se inspiração aos mais jovens.
De forma análoga, o pioneirismo dos autores deste livro nos estudos
de Direito Sistêmico na primeira turma do primeiro curso de pós-graduação
da área também impulsionou um desenvolvimento autoral, de mérito pró-
prio de cada um que desbravou em terras antes inexploradas, fazendo por
si mesmos descobertas e avanços que, posteriormente, abriram caminhos e
agora auxiliam a guiar todos os que vêm depois.
A elaboração dos estudos que constituiriam o TCC (Trabalho de Con-
clusão de Curso), posteriormente adaptados para esta publicação, incluiu,
em cada um dos artigos, um elemento original de experiência prática, per-
mitindo o mapeamento de territórios até então pouco ou nada explorados.
Assim é que esta obra traz o potencial de contribuir na jornada dos
novos expedicionários nos campos já trilhados pelos autores, que incluem:

▶ A relação entre o Direito Sistêmico e a Justiça Restaurativa (Egberto de


Almeida Penido, Renata Torri Saldanha Coelho e Sttela Maris Nerone
Lacerda;
▶ O desenvolvimento de um projeto bem-sucedido no âmbito de um
Tribunal, com ampla repercussão na comunidade (Fernando Cattelan

1. “Caminante, son tus huellas /el camino y nada más; /Caminante, no hay camino, /se hace camino al
andar. /Al andar se hace el camino, / y al volver la vista atrás /se ve la senda que nunca / se ha de volver
a pisar. / Caminante no hay camino / sino estelas en la mar”. (Caminante - Antonio Machado)

17
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

Cordeiro, Janaína Ramos Mendes de Souza Vieira, Valéria Perez e Vanessa


Aufiero da Rocha);
▶ Conceitos de Justiça e Lei à luz do Direito Sistêmico e das Constelações
Familiares (Elodéa Palmira Perdiza, Inês Fernandes Guitério Vaz, Luciana
Macedo Vieira Gonçalves da Silva, Luiz Eduardo Novaes de Alcantara);
▶ Mediação sistêmica com enfoque hellingeriano (Amilton Plácido da Rosa,
Geraldo Garcia Antero da Silva, Isabel Cristina Pires, Marisa Sandra
Luccas, Marlene Elias Leite)
▶ O Direito Sistêmico, com a postura e a atitude sistêmica na
resolução de conflitos em geral e, especificamente, nas atividades
de juízes, defensores públicos e advogado (Ana Carmem de
Sousa Silva, Karla Ramos da Cunha, Mariela Marcantonio Paiva e
Marisa Santos Souza Petkevicius)
▶ A postura sistêmica-fenomenológica no atuar jurídico de uma juíza e
de duas defensoras públicas (Tatiane Colombo, Larissa Leite Gazzaneo,
Gabriela Souza Cotrim)
▶ A atitude sistêmica na prática da advocacia (Márcia Villares de Freitas,
Maria Aparecida Pappi Simões, Maria Cláudia Canto Cabra)
▶ Questões previdenciárias, relacionadas por meio das constelações às
relações com pai e mãe (Ana Emília Pascoal, Claudia Maria Alves Chaves
e Marcos Antonio Ferreira de Castro);
▶ Direito sucessório sob o prisma sistêmico (Fernanda Michel Andreani e
Isabela Romina Albernas Diniz);
▶ Visão sistêmica na violência doméstica (Alline Matos Pires Ferreira;
Lizandra dos Passos);
▶ Separação de casais (Lairton da Silva);
▶ Guarda compartilhada (Eulice Jaqueline da Costa Silva Cherulli);
▶ Leis, filosofia e práticas sistêmicas aplicadas ao processo de adoção
(Alessandra Helena da Silva Camerino, Janine Ferro Lobo, Juliana Gomide
Resende de Mello; e Adriana Carneiro Batista, Christiana Lovimo Pereira,
Mateus de Souza Santos e Mônica de Azevedo Mendonça Gardés); e
▶ Princípios sistêmicos e a necessária adequação das normas do Direito
de Família (Sami Storch).

18
PRINCÍPIOS QUE IMPULSIONAM AO INFINITO

Se, por um lado, para os autores e para a coordenação do curso estes


artigos são frutos do estudo e do trabalho dedicado dos autores, agora publi-
cados eles significam frutos a serem colhidos por muitas pessoas mais, e são
também sementes e fertilizantes para novos plantios que, um dia, haverão
de cobrir o mundo com sombra e alimento tão necessários à humanidade
em sua busca de relacionamentos mais sadios.
Desejo a todos uma excelente leitura!

19
20
PRINCÍPIOS DO DIREITO SISTÊMICO
E A NECESSÁRIA ADEQUAÇÃO DAS
NORMAS DO DIREITO DE FAMÍLIA

Sami Storch

01. INTRODUÇÃO - O DIREITO SISTÊMICO: O RECONHECI-


MENTO DA SUPERIORIDADE DOS PRINCÍPIOS SISTÊMICOS
NATURAIS QUE REGEM OS RELACIONAMENTOS

A expressão “Direito Sistêmico”, termo cunhado quando do lança-


mento do blog Direito Sistêmico2 (STORCH, 2010), deste autor, surgiu da
análise do direito sob uma ótica baseada nas ordens superiores que regem as
relações humanas, segundo a ciência das constelações familiares sistêmicas
desenvolvida pelo filósofo alemão Bert Hellinger.
A aplicação do direito sistêmico vem mostrando resultados inte-
ressantes na minha prática judicante em diversas áreas, notadamente na
obtenção de conciliações e soluções harmônicas em processos da Vara de
Família e Sucessões, mesmo em casos considerados bastante difíceis, mas
também no tratamento de questões relativas à infância e juventude e à área
criminal. Também em outras áreas, experiências vêm sendo realizadas com
resultados expressivos, conforme relatos de profissionais atuantes em Varas
Empresariais, Previdenciárias, Cíveis em geral e na Justiça do Trabalho.
As constelações familiares desenvolvidas por Bert Hellinger são uma
abordagem sistêmica e fenomenológica, originalmente usada como forma
de terapia, que revela que diversos tipos de problemas enfrentados por um
indivíduo (bloqueios, traumas e dificuldades de relacionamento, por exemplo)
podem derivar de fatos graves ocorridos no passado não só do próprio indi-
2. www.direitosistemico.wordpress.com

21
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

víduo, mas também de sua família, em gerações anteriores, e que deixaram


uma marca no sistema familiar. Mortes trágicas ou prematuras, abandonos,
doenças graves, segredos, crimes, imigrações, relacionamentos desfeitos de
forma “mal resolvida” e abortos são alguns dos acontecimentos que podem
gerar emaranhamentos no sistema familiar, causando dificuldades em seus
membros, mesmo em gerações futuras.
Segundo Hellinger (2005), cada família constitui um sistema, integrado
por todos os seus membros, e nenhum desses indivíduos é totalmente livre e
independente em relação às dinâmicas que marcam a história desse sistema.
Os membros de uma família estão profundamente vinculados entre si. São
membros do sistema familiar de qualquer indivíduo todos aqueles que têm
ou tiveram uma importância determinante na continuidade da vida e no
destino nessa família, como ambos os pais e todos os avós, bisavós e demais
ancestrais.
Entre esses ancestrais, os que têm parentesco vertical consanguíneo
(pais, avós, bisavós, etc.) são sempre membros do sistema, mesmo que tenham
sido excluídos ou se afastado por qualquer motivo. O sistema inclui também
outras pessoas que desempenharam um papel fundamental na sobrevivência
de seus membros, como pais adotivos ou pessoas que lhes salvaram a vida,
e aqueles que trouxeram alguma vantagem ao sistema familiar por meio de
sua morte ou destino (por exemplo, quando a família enriqueceu às custas
da morte, doença ou exploração de outras pessoas, também estas devem ser
consideradas no sistema). Também fazem parte do sistema os irmãos, os
irmãos dos pais, os irmãos dos avós, e assim por diante, não somente pela
influência que os irmãos têm na formação do indivíduo, pois também per-
tencem ao sistema os que morreram precocemente, incluindo os abortados
(HELLINGER, 2005, p. 135).
Além disso, as pessoas possuem vínculo sistêmico com alguém que
tenha matado um membro da família, ou sido morto por ele, e que, portanto,
teve participação determinante no destino da família (HELLINGER, 2001,
p. 91). Hellinger descobriu, ainda, que outras pessoas têm com o sistema
familiar de um indivíduo vínculo capaz de condicionar, em certa medida, o
seu destino. Por exemplo, uma pessoa está vinculada a outra que de alguma

22
PRINCÍPIOS DO DIREITO SISTÊMICO E A NECESSÁRIA ADEQUAÇÃO DAS NORMAS DO DIREITO DE FAMÍLIA

forma tenha lhe cedido lugar, e que graças a isso essa pessoa pode existir
ou ter lugar.
Assim, alguém que tenha tido um relacionamento amoroso anterior,
desfeito de uma forma desequilibrada ou “mal resolvida”, com o indivíduo
ou com um de seus pais ou avós antes de um segundo relacionamento que
gerou a família atual, também pertence ao sistema, pois foi somente graças
ao término daquele primeiro relacionamento que o segundo pôde se realizar
e resultar na procriação e formação da família em questão. Exemplo disso é
o caso da filha do segundo casamento do seu pai que comumente se vincula,
inconscientemente, à primeira mulher dele (HELLINGER, 2001, p. 287-288).
A partir da observação fenomenológica, realizada por meio das cons-
telações familiares, Hellinger percebeu que diversos transtornos e dificul-
dades que as pessoas enfrentam podem ter origem nos fatos traumáticos já
mencionados, que causam os tais “emaranhamentos sistêmicos” e tendem a
se repetir, geração após geração, por força de uma identificação inconsciente
do indivíduo com outros membros de seu sistema familiar3 4.
Esse vínculo profundo existente entre os membros de uma mesma
família foi explicado por Hellinger pelo que ele denominou de uma “alma
familiar” que abrange todo esse sistema, de modo que o destino trágico de
um membro pode afetar os outros, inclusive com a tendência inconsciente
de incorrer no mesmo destino, fazendo com que se repita a tragédia. Pessoas
que tenham sido excluídas da família têm um peso ainda maior nesse siste-
ma, cuja alma procura uma forma de honrar a pessoa excluída, fazendo-o
3. Nas palavras de Sophie Hellinger: “Por anos, Bert havia oferecido cursos sobre análise de script de
vida, desenvolvida por Eric Berne, o criador da análise transacional. [...] Esse autor descobriu que con-
duzimos nossa vida de acordo com um plano secreto, um roteiro, que representamos quase literalmente
no ‘palco da vida’. Com suas experiências, Bert compreendeu que esse roteiro já foi representado por
outra pessoa da nossa família, e que dela assumimos em grande parte esse roteiro e, basicamente, o
repetimos. Demorou muito até que ele conseguisse ‘compor um quadro’ a partir das peças do quebra-
-cabeças que ele ia reconhecendo. Esse ‘quadro’ somente viria a público bem mais tarde. Subitamente,
Bert percebeu que nossa vida poderia estar ligada ao destino de outro membro da família. Trata-se aqui
de pessoas que desapareceram da família, seja porque foram esquecidas ou porque foram excluídas por
seu comportamento. Mais tarde, Bert chamaria essa ligação de ‘emaranhamento’” (HELLINGER, S.,
2019, p. 18).
4. Essa tendência à repetição de sintomas comportamentais, de fatos trágicos e até mesmo de doenças
não genéticas em uma mesma família, a despeito de qualquer traço físico ou genético que evidenciasse
tais tendências, depois de ter sido constatada e explicada por Hellinger através das constelações familia-
res desde os anos 80, passou a constituir um novo ramo da biologia, denominado “epigenética”, que teve
suas primeiras publicações científicas a partir de 2006 - cf. US National Library of Medicine – http://
www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed).

23
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

através de um membro da geração posterior que, sem o saber, acaba seguindo


destino semelhante.
Nas palavras de Úrsula Franke:

Nossas percepções adquirem um outro significado se partirmos


do princípio de que percebemos, como corpos de ressonância, as
vibrações, experiências e os conhecimentos vividos e armazenados
ao nosso redor. Bert Hellinger descreve como uma dinâmica básica a
adoção de experiências, estados e tarefas de gerações anteriores. Uma
criança assume ou desenvolve um sintoma que faz sentido dentro da
dinâmica do sistema familiar. Essa dinâmica não se restringe somente
aos sentimentos, mas abarca também comportamentos, impulsos e
pensamentos. (2006. p. 57)

As constelações familiares segundo Bert Hellinger consistem em um


trabalho onde pessoas são convidadas a representar membros da família de
uma outra pessoa (um cliente, por exemplo) e, ao serem posicionadas umas
em relação às outras, são tomadas por um movimento que as faz sentir como
se fossem as próprias pessoas representadas, expressando seus sentimentos
de forma impressionante, ainda que não as conheçam. Com isso, vêm à tona
as dinâmicas ocultas no sistema do cliente que lhe causam os transtornos,
mesmo que relativas a fatos ocorridos em gerações passadas, e pode-se propor
frases e movimentos que desfaçam os emaranhamentos, restabelecendo-se a
ordem, unindo os que antes foram separados e proporcionando paz a todos
os membros da família.
Assim, as constelações trazem à luz a origem da desordem no sistema.
Da mesma forma, evidenciam quais os movimentos que curam essa desordem,
trazendo paz e harmonia para os membros da família. Esses movimentos
podem consistir na mudança de posição (aproximação, afastamento, mudar
o lado, etc.) de membros em relação a outros, no pronunciamento de frases
de reconhecimento do lugar de cada membro, em uma reverência ou mesmo
um simples olhar. Por meio da observação fenomenológica, os participantes
e observadores percebem o efeito que cada movimento tem sobre o sistema.

24
PRINCÍPIOS DO DIREITO SISTÊMICO E A NECESSÁRIA ADEQUAÇÃO DAS NORMAS DO DIREITO DE FAMÍLIA

Com sua experiência na prática das constelações, Hellinger descobriu


a presença de leis naturais que regem os sistemas familiares e que, quando
violadas, causam os tais emaranhamentos sistêmicos. A essas leis ele deu o
nome de “ordens do amor”, que foram objeto de detalhamento minucioso
em livro com esse mesmo nome, em que também tratou dos envolvimentos
sistêmicos e suas soluções. A obra posterior de Hellinger tratou de descrever
a atuação dessas ordens nas mais diversas situações.
No contexto jurídico, o mero conhecimento das ordens do amor,
conforme descritas por Hellinger, permite a compreensão das dinâmicas dos
conflitos e da violência de forma mais ampla, além das aparências, facilitando
ao julgador e às partes em conflito adotarem, em cada caso, o posicionamento
mais adequado à pacificação das relações envolvidas.
Por não se tratar de normas mutáveis ao sabor da compreensão humana
de cada época, mas sim de leis naturais e soberanas, superiores a qualquer
regra que se queira positivar em um sistema jurídico qualquer, as ordens do
amor constituem verdadeiros princípios.
Os princípios revelam estruturas dogmáticas e valores por trás das
codificações e da jurisprudência. Sendo o direito uma ciência jurídica do
“dever-ser” nas relações humanas, as ordens do amor observadas por Bert
Hellinger revelam a essência de como se ordenam e se desenvolvem tais
relações. Daí dizer que se trata da ciência dos relacionamentos.
O que denominamos direito sistêmico é, justamente, a visão do direito
positivado, com seus princípios e regras, à luz dos princípios sistêmicos, que
são superiores àqueles e produzem seus efeitos independentemente da vontade
do operador do direito e da solução que a lei ou seu intérprete lhe der.
O objetivo deste trabalho é, após descrever brevemente as principais
ordens sistêmicas descobertas por Bert Hellinger, traçar alguns pontos em
que elas podem se inserir no direito de família brasileiro atual, bem como
apontar aspectos onde a supremacia dos princípios sistêmicos conduz à in-
compatibilidade de alguns pontos da ordem jurídica atual ou com a forma
com que ela tem sido interpretada, no tocante a determinadas matérias.
Nesses casos, tendo em vista a supremacia do direito sistêmico, pro-
põe-se a mudança na lei ou a sua interpretação mais adequada para que
possa resultar na harmonização das relações em geral.

25
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

02. O TRABALHO DE BERT HELLINGER E SEU ALCANCE NAS


DIVERSAS ÁREAS DO CONHECIMENTO HUMANO

Ao longo da história, os pensadores do direito têm considerado os


efeitos que as leis criadas pelos homens produzem sobre as relações huma-
nas, buscando-se geralmente o desenvolvimento de um sistema jurídico
que favoreça a paz e a harmonia nessas relações. Esta é a própria função da
ciência jurídica e é certo que, enquanto ciência humana, ela vem evoluindo
nesse sentido.
Bert Hellinger caminhou em diversos campos da ciência como a fi-
losofia, a pedagogia, a teologia e a psicanálise, tendo se dedicado ao estudo
de teorias de vanguarda em sua época como a terapia primal e a análise
transacional. Dos movimentos que levam ao conhecimento, Bert não se vale
do método científico exploratório, e sim utiliza o caminho fenomenológico,
que não detém seu olhar para um objeto específico, mas para o todo no qual
esse objeto está inserido (HELLINGER, 2001, p. 14).
Entretanto, o trabalho e as descobertas de Bert Hellinger, inicialmente
advindas do contexto da psicoterapia no atendimento de famílias, mostram
ser uma verdadeira ciência dos relacionamentos5. Pela força com que se
manifestam as leis sistêmicas através das constelações, de forma tocante e
além de qualquer julgamento racional, mesmo os observadores mais céticos
se sensibilizam e aceitam a sua existência. Trata-se de leis às quais todas as
pessoas e todos os sistemas estão sujeitos, e que, assim como a lei da gravida-
de, atuam independentemente da vontade ou do conhecimento das pessoas.
Assim, com a descoberta dessa nova ciência, seus estudiosos e prati-
cantes vêm abrindo novos caminhos em diversas áreas onde as leis sistêmicas
atuam e, quando são usadas a favor dos objetivos das pessoas e organizações,
favorecem o desenvolvimento das atividades de forma fluida e livre de ema-
ranhamentos, auxiliando na paz e no progresso nesses sistemas.
Já são conhecidos relevantes resultados com as constelações aplicadas,
por exemplo, à medicina (HAUSNER, 2010), à educação (FRANKE-GRICKS-
CH, 2005; GARCIA, 2019), e à consultoria organizacional (STAM, 2006), além
5. A ciência oriunda das constelações familiares recebeu de seu descobridor e de sua esposa Sophie
Hellinger, com quem as constelações familiares continuaram a se desenvolver, o nome de Hellinger®
sciencia.

26
PRINCÍPIOS DO DIREITO SISTÊMICO E A NECESSÁRIA ADEQUAÇÃO DAS NORMAS DO DIREITO DE FAMÍLIA

de experiências bem sucedidas no marketing, na diplomacia e na assistência


social, sendo digno de nota o trabalho de Dan Cohen (Ph.D.), nos Estados
Unidos, realizado com presidiários que cumpriam penas de longo prazo
pela prática de crimes hediondos, com duração que lhes conferia caráter
de prisão perpétua. Tal trabalho foi relatado pelo autor em seu livro I carry
your heart in my heart (COHEN, 2009).
Importante lembrar, entretanto, que Bert Hellinger fez em seus se-
minários experiências precursoras com temas próprios de cada uma dessas
áreas, conforme registradas em seus muitos livros. Foram as experiências de
Hellinger que abriram os caminhos e as possibilidades para que os especia-
listas acima citados, e muitos outros, pudessem desenvolver novos trabalhos,
como continua sendo feito até hoje.
Essas mesmas descobertas científicas, ligadas diretamente aos relacio-
namentos humanos e capazes de neles promover novas compreensões e tão
significativas melhoras, mostram o potencial de causar impactos relevantes
também no direito – ciência dedicada justamente a ordenar e pacificar as
relações humanas, mas que atualmente não tem atendido de modo satisfa-
tório a sociedade, que na prática se ressente da falta de Justiça, e por isso
também não sente paz.

03. OS PRINCÍPIOS SISTÊMICOS CONFORME DESCRITOS POR


BERT HELLINGER

Boa parte da obra bibliográfica de Hellinger é dedicada ao comparti-


lhamento da observação de como essas leis atuam nas mais diversas questões
que se apresentam na vida das pessoas e organizações humanas, e de con-
siderações filosóficas de Hellinger nos muitos seminários e cursos que vem
realizando desde a década de 1980, a partir da observação fenomenológica
das constelações.
Apesar de serem muitas as manifestações práticas dessas leis, da obra
de Hellinger extrai-se que elas podem ser resumidas em três leis básicas, que
podem também ser consideradas princípios gerais:

27
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

1. Pertencimento: todos os membros de um sistema têm o mesmo


direito de pertencer a ele.
2. Precedência/hierarquia: quem veio primeiro tem precedência
sobre quem veio depois.
3. Equilíbrio entre o dar e o receber nos relacionamentos. Exceção:
entre pais e filhos (os pais dão e os filhos recebem).

Quando violados tais princípios sistêmicos, ocorrem conflitos e de-


sequilíbrios, vivenciados por gerações por meio de emaranhamentos sis-
têmicos. O conflito inerente ao relacionamento humano é, desde tempos
imemoriais, regulado pelo direito. Daí o direito sistêmico tratar do essencial
no que origina o conflito.
Há contextos em que o direito civil tem maior aproximação com o
direito sistêmico – por exemplo, no direito contratual, em que a lei busca
resguardar o equilíbrio contratual, e em certa medida nas leis e políticas que
visam assegurar a inclusão social de pessoas que outrora foram marginali-
zadas. Por outro lado, há aspectos em que o direito sistêmico traz uma nova
compreensão, ainda não considerada no nosso sistema jurídico – um exemplo
notável é a importância crucial de respeitar-se o direito de pertencimento
dos pais biológicos, mesmo em casos de destituição do poder familiar e de
adoção por famílias substitutas.
A tese ora defendida é que as normas legais, quando aplicadas em
desconformidade com as leis sistêmicas, podem até extinguir processos
judiciais e trazer algum alívio momentâneo às partes (quando o fazem),
mas sua eficácia se limita à manifestação mais superficial dos conflitos, pois
não resolvem as questões mais profundas que os originaram e, se não forem
tratadas, tenderão a originar novos conflitos e processos, que se multiplicarão
de forma descontrolada e interminável, como tem ocorrido.
Por outro lado, quando os princípios do direito sistêmico são observa-
dos e respeitados, coloca-se em ordem o que estava em desordem nas raízes
dos conflitos, resultando na inclusão dos que foram excluídos, na união dos
que estavam separados e na paz para todo o sistema. Conforme Bert Hellinger:

28
PRINCÍPIOS DO DIREITO SISTÊMICO E A NECESSÁRIA ADEQUAÇÃO DAS NORMAS DO DIREITO DE FAMÍLIA

Os relacionamentos tendem a ser orientados em direção a ordens


ocultas. (…) O uso desse método faz emergir novas possibilidades de
entender o contexto dos conflitos e trazer soluções que causam alívio
a todos os envolvidos. E isso não está restrito somente ao sistema fa-
miliar. O entendimento de como funciona o trabalho com as ordens
pode ser usado de forma eficaz para resolver conflitos também em
outros sistemas, bem como as organizações. (in FRANKE-BRYSON,
2013, p. 15)

Com efeito, por ser a família o sistema primeiro e mais essencial


de todo ser humano, pois é a partir de uma relação de casal que cada vida
humana é gerada, os emaranhamentos sistêmicos de origem familiar são a
base dos conflitos na área de família, onde a validade do direito sistêmico é
mais óbvia. No entanto, também na área de infância e juventude a influência
do direito sistêmico é direta.
Quanto à área criminal, sabe-se que grande parte dos crimes ocorre
no âmbito da família, e mesmo quanto aos crimes cometidos em outros
contextos, observa-se que os autores agiram sob a influência de emaranha-
mentos sistêmicos familiares – reproduzindo comportamentos e situações
já observados em seus ancestrais ou devido a vícios e carências oriundos do
desequilíbrio provocado por desordens sistêmicas, por exemplo.
No presente trabalho, fica delimitado o tema para a análise dos prin-
cípios sistêmicos em relação à sua incidência nas ações típicas da vara de
família, notadamente de cobrança de alimentos.

04. ORDEM DE PRECEDÊNCIA NA FAMÍLIA

Numa família constituída de pai, mãe e filhos, a aplicação da primeira


ordem sistêmica (o pertencimento) é clara: todos e cada um tem o direito
de pertencer.
Quanto à ordem da precedência ou hierarquia, está diretamente ligada
ao tempo em que cada membro passou a pertencer ao sistema. Quem che-
gou primeiro tem precedência em relação aos que chegaram depois. Nesse
sentido, entende-se que o primeiro vínculo necessário para a constituição da

29
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

família é aquele formado pelo relacionamento do casal. A família se inicia


com esse relacionamento, de modo que ambos – homem e mulher – têm a
precedência na família e não tem hierarquia entre si, porque ambos entraram
no sistema ao mesmo tempo.
Como já dissemos, pode acontecer de um ou ambos já terem tido um
relacionamento anterior, que nesse caso teria a precedência em relação ao
atual. Isto também deve ser considerado para que o relacionamento atual
prospere. Mas, em relação aos filhos, a precedência vem dos seus pais. Por-
tanto, os pais vêm primeiro e, na família, são os grandes. Depois, em outro
nível hierárquico, vêm os filhos, que na família são os pequenos, conforme
a ordem de chegada (primeiro, segundo, etc.).
É importante notar a diferença da hierarquia existente na ordem de
precedência entre irmãos, em relação à existente entre pais e filhos. Naquela,
os irmãos nasceram todos do mesmo casal e estão no mesmo nível geracional.
São colaterais e, apesar da necessidade de respeito à ordem de precedência
para que sua relação seja harmônica, trata-se de uma hierarquia horizontal.
Em geral, nela é possível haver uma troca onde o equilíbrio entre o dar e o
receber (terceira ordem sistêmica) seja respeitado, em certo nível. Mas isso
nem sempre acontece, pois há casos onde a precedência de um irmão impõe
um grande desnível em relação ao outro, impossibilitando que tal troca ocorra
na mesma medida. Exemplo disso é quando, por alguma circunstância, o
irmão mais velho ajuda a criar os mais novos, dando-lhes algo impossível
de ser retribuído.
Quanto à ordem entre pais e filhos, esta é vertical, de modo que ambos
jamais estarão nivelados a ponto de o equilíbrio entre dar e receber ocorrer
na mesma medida. Os pais deram a vida aos filhos. Sendo a vida algo tão
grandioso, maior que qualquer outro bem que uma pessoa pode ter, os filhos
não têm como retribuir aos pais o que deles receberam. Perante os filhos, os
pais são sempre os grandes; e os filhos, perante os pais, são sempre pequenos.
Entre grandes e pequenos, não há troca paritária.
Como explica Hellinger:

Pertence às ordens do amor entre pais e filhos, em primeiro lugar,


que os pais deem e os filhos tomem. Os pais dão a seus filhos o que

30
PRINCÍPIOS DO DIREITO SISTÊMICO E A NECESSÁRIA ADEQUAÇÃO DAS NORMAS DO DIREITO DE FAMÍLIA

antes tomaram de seus pais e o que, como casal, tomaram um do outro.


Os filhos tomam, antes de tudo, seus pais como pais e secundaria-
mente aquilo que os pais lhes dão por acréscimo. Em compensação,
aquilo que tomaram dos pais posteriormente transmitem a outros e,
principalmente, como pais, aos próprios filhos (2009, p. 35).

Como princípio sistêmico, a ordem de precedência entre pais e filhos,


quando desrespeitada, tem consequências danosas a todos – principalmente
aos filhos, que somente podem se desenvolver de forma saudável quando per-
cebem que são pequenos perante seus pais. Como ensina Hellinger, somente
o filho que é pequeno perante seus pais pode ser grande perante seus filhos.
Isso significa, entre muitas coisas, que quando os filhos querem salvar
os pais, preocupando-se com seu destino e tomando para si suas tarefas,
posicionam-se como se fossem os grandes perante seus próprios pais. Essa
inversão das ordens do amor pelos filhos é punida internamente por ele
próprio. Vinculado que está à consciência coletiva da família, atrai para si
um fracasso que pode se refletir em diferentes aspectos da vida, de modo
que seja colocado novamente no lugar de pequeno, compensando o dese-
quilíbrio anterior.
Assim, não cabe ao filho julgar os pais, ou estaria se arvorando a al-
guém superior, sendo que o filho nunca tem a real dimensão dos sacrifícios,
dos sofrimentos e do amor que os pais precisaram ter para fazer tudo o que
fizeram. Da posição que o filho ocupa no sistema familiar nunca lhe será
acessível a realidade em que os pais estão inseridos.
Não lhe cabe intrometer-se em questões de relacionamento entre os
pais, pois o filho pode conhecer sua relação de filho com o pai e com a mãe,
mas não sabe como é ser esposa de um ou marido da outra; não conhece os
segredos e dinâmicas ocultas existentes entre eles, portanto não tem qualquer
condição de julgar quem está certo ou errado nas questões do casal. Quando
o filho se intromete na relação entre os pais, julgando um ou outro deles
como errado, desrespeita ambos. Invariavelmente, sente-se mal e se frustra,
pois ainda que algum deles pareça aprovar, sua intromissão não é bem vinda
por nenhum deles, e não é capaz de ajudar efetivamente. A tendência é que

31
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

depois o próprio filho procure uma forma de se punir, inconscientemente, por


ter se arrogado a juiz dos próprios pais, sendo ele tão pequeno para tal ato.
Além disso, não cabe ao filho reivindicar qualquer coisa dos pais. Estes
já lhe deram a vida, que é muito grande. Um filho, por mais que se dedique a
ajudar os pais, nunca irá conseguir retribuir a vida recebida. Nunca poderá dar a
vida de volta aos pais ou morrer em seu lugar. E, além da vida, os pais lhe deram
o que de melhor puderam dar.
Não se trata, aqui, de dizer se é certo ou errado, por exemplo, os pais
deixarem de fornecer o sustento material dos filhos até a maioridade, ou de
dedicarem os cuidados necessários à sua saúde ou educação. É certo que os
pais, na medida de suas possibilidades, deem aos filhos o que este necessita
para seu desenvolvimento e formação, até que estes cheguem à idade de
poderem cuidar de si mesmos e prover os próprios sustentos.
No entanto, é para o próprio filho que não é certo cobrar dos pais o que
estes deixaram de lhe dar. Ao fazê-lo, assim como no caso da intromissão em
sua vida afetiva, o filho os estaria julgando, considerando-se maior que eles.
Tal atitude tem como consequência, outra vez, a frustração e a insatisfação.
E mais que isso: o filho que reivindica dos pais não cresce. Para crescer, ele
teria que tornar-se adulto, o que significa fazer as coisas por si mesmo, sem
esperar que outros as façam por ele. No entanto, ao reivindicar dos pais o
que não lhe foi dado, o filho permanece criança, mesmo quando chega à
idade adulta.
Por outro lado, a relação do pai com a mãe se dá entre adultos, com
equivalência na ordem de chegada ao sistema, portanto, sem hierarquia entre
si. No âmbito do casal (e de ex-cônjuges ou ex-companheiros), o princípio
da isonomia material assegurado pela Constituição Federal em seu artigo
5º se aplica em maior amplitude, pois o princípio do equilíbrio entre o dar
e o receber, para o casal, é plenamente válido, não havendo qualquer supe-
rioridade entre os dois.
Sendo assim, é necessário que tal equilíbrio alcance também as res-
ponsabilidades de cada um em relação aos filhos, fundamentando para
aquele que detém a guarda dos filhos o direito de reivindicar a contribuição
do outro no sustento e demais cuidados relativos a eles.

32
PRINCÍPIOS DO DIREITO SISTÊMICO E A NECESSÁRIA ADEQUAÇÃO DAS NORMAS DO DIREITO DE FAMÍLIA

05. PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DO MENOR (INFÂNCIA


E JUVENTUDE)

O princípio do melhor interesse do menor (ou do superior interesse


da criança ou adolescente) não se encontra expresso na Constituição Federal
ou no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90 - ECA), mas
é reconhecido como inerente ao princípio da proteção integral, previsto
no artigo 227, caput, da Constituição Federal, e está expresso também de
forma pulverizada em diversos dispositivos da Lei nº 8.069/90. Trata-se de
princípio com status de direito fundamental, que deve ser observado por
todos, incluindo o Estado, os pais, a família, os juízes, os educadores e toda
a sociedade.
Também aqui atuam os princípios sistêmicos, que precisam ser re-
conhecidos na aplicação das normas para que estas atendam, de fato, ao
melhor interesse do menor – que obviamente nem sempre é o que a própria
criança ou adolescente verbaliza como tal, mas sim o que lhe proporcionará
maior vantagem no sentido de alcançar os valores fundamentais previstos
no artigo 227 da CF (“o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao
lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma
de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”).
Sistemicamente, entende-se que o filho, em sua “alma”, é constituído
pelo seu pai e pela sua mãe, compondo, juntamente com os demais ante-
passados da família, uma “alma familiar”, à qual cada membro dessa família
está vinculado. Quando há respeito pela presença de ambos os pais e de suas
famílias a integrar a alma do filho, este se sente respeitado e amado. Sua “alma
individual” está diretamente vinculada a todo o seu sistema familiar, que é
formado pelos sistemas familiares de ambos os pais. Da mesma forma, o filho
passa a compor ambos os sistemas, que nele se unem em um só.
Como resume, com propriedade, Bert Hellinger:

Uma pessoa se sente completa quando todos os que pertencem à


sua família têm um lugar em sua alma. Sempre que ela exclui alguém
de sua família, experimenta isso como uma perda. Por exemplo, quem

33
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

despreza e exclui seus pais, sente-se vazio. Ele se priva da plenitude da


vida. Se dei a todos que a mim pertencem, um lugar em minha alma,
sinto-me não somente completo, mas também livre. (2005, p. 312).

Defende-se, aqui, que no bojo do princípio do melhor interesse do


menor se inclua a necessidade primordial de que todos os membros de sua
família sejam considerados como fundamentais e dignos de pertencimento,
cada um em seu lugar, bem como o direito dos filhos de não serem subme-
tidos ao constrangimento de opinar em litígios existentes entre seus pais,
nem de serem obrigados a tomar parte de um deles em detrimento do outro.

06. VIOLAÇÃO DAS LEIS SISTÊMICAS PELA OITIVA JUDICIAL


DOS FILHOS

A lei processual, ao possibilitar a oitiva dos filhos em juízo, permite


que os filhos sejam colocados numa situação delicada, a de ter que escolher
com qual dos pais querem ficar. Em geral, já chegam à audiência instruídos
por uma das partes (aquela cuja influência lhe é maior) em relação ao que
devem dizer. Os que promovem isso não sabem, porém, que enquanto as partes
disputam dessa forma quem fica em partes e em conflito interno é o filho.
Diz Bert Hellinger:

Em casos de divórcio, acontece com frequência que os filhos são


confiados a um dos pais e tirados do outro. Ora, os filhos não podem ser
tirados dos pais. Mesmo após o divórcio, estes mantêm integralmente
os seus direitos e deveres de pais. O que se desfaz é somente a relação de
parceria. Da mesma forma, não se deve perguntar aos filhos com quem
querem ficar. Caso contrário, serão forçados a decidir entre seus pais,
a favor de um e contra o outro. Isto não se pode exigir deles. Os pais
devem combinar entre si com quem ficarão os filhos e então dizer-lhes
como isso se fará. Mesmo que os filhos protestem, sentem-se livres e
satisfeitos porque não precisaram decidir entre os pais (2001, p. 39).

A solução, para qualquer tendência a intromissão dos filhos em relação


aos motivos da separação ou a como os pais resolverão a questão da guarda, é

34
PRINCÍPIOS DO DIREITO SISTÊMICO E A NECESSÁRIA ADEQUAÇÃO DAS NORMAS DO DIREITO DE FAMÍLIA

que estes digam aos filhos: “Isso não diz respeito a vocês. Nós nos separamos,
mas continuamos sendo seus pais” (idem, ibidem).
Portanto, o melhor interesse do menor, nesse caso, é não lhe ser per-
guntado com qual dos pais prefere ficar, mas sim ter o direito de ficar com
ambos os pais no coração, independente do que eles decidam – ou das dis-
cussões entre eles que levarem o Juiz a decidir.
Sugere-se, em relação a isso, a alteração na lei para resguardar os
filhos menores de idade de serem submetidos a depoimentos judiciais em
ações que versem sobre conflitos entre seus pais, mesmo que em relação
à guarda. A oitiva dos filhos nessas ações deve ser evitada ao máximo e,
quando não houver outro meio de prova suficiente, as partes e advogados
devem ser esclarecidas quanto aos danos a que os filhos estão sujeitos caso
insistam no depoimento.
Quando necessário, o procedimento da oitiva deve se dar por meios
que minimizem os danos, nos moldes dos depoimentos especiais já utilizados
com vítimas de violência sexual.
Temos obtido bons resultados com a utilização de bonecos para que
a criança possa constelar sua família na própria audiência de instrução, ao
invés de prestar depoimento oral. É uma forma de ela expressar sua verdade
livre de pressões e influências, tornando visíveis seus sentimentos em relação
a cada uma das partes, sem que precise contrariar qualquer uma delas.
Contudo, a participação dos pais nas vivências de constelação tem se
mostrado suficiente, na maioria dos casos, para que eles se “coloquem em
seu devido lugar”, isto é, o lugar de pais, com a responsabilidade e autoridade
que isso traz, de modo a vencerem os obstáculos e poderem resolver, eles
mesmos, a questão, poupando os filhos de tal sacrifício.

07. COBRANÇA DE ALIMENTOS E O PRINCÍPIO DA SOLIDA-


RIEDADE

O princípio da solidariedade se encontra com o direito sistêmico


quando se fala no direito a alimentos, que segundo o Código Civil é recíproco
entre pais e filhos (art. 1.696 - “O direito à prestação de alimentos é recíproco

35
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação


nos mais próximos em grau, uns em falta de outros”).
O artigo 1.698, por sua vez, torna nítida a concreção desse princípio
no âmbito da família, ao menos entre os ascendentes, no que diz respeito
aos alimentos dos filhos, ao dispor que “se o parente, que deve alimentos em
primeiro lugar, não estiver em condições de suportar totalmente o encargo,
serão chamados a concorrer os de grau imediato; sendo várias as pessoas
obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer na proporção dos
respectivos recursos, e, intentada ação contra uma delas, poderão as demais
ser chamadas a integrar a lide”.
Todavia, em que pese a inquestionável necessidade de a lei estabe-
lecer a obrigação dos pais e demais ascendentes em relação à prestação
de alimentos aos filhos, notadamente os menores de idade, a lei vigente
favorece a violação de um importante princípio do direito sistêmico, o
da hierarquia, que se manifesta, entre outras formas, na lei sistêmica pela
qual um filho não tem o direito de reivindicar ou cobrar qualquer coisa
dos pais (ou dos que vieram antes).
Com efeito, ao dar legitimidade aos filhos para cobrar alimentos dos
pais, evidentemente a fim de que os primeiros possam ter suas necessidades
(inclusive as básicas, relativas à sua própria sobrevivência e saúde) atendi-
das, a lei leva os filhos a se envolverem diretamente no conflito com aquele
de quem estão cobrando – que é quase sempre o pai. Mais que isso, quem
assume uma posição de cobrança está, na verdade, julgando e condenando
o outro, pois em seu coração é esse o sentimento.
Na lição de Bert:

A hierarquia é violada quando alguém que veio mais tarde quer


assumir uma posição superior àquela que lhe cabe. [...] As violações
mais frequentes da hierarquia observamos nas crianças. Em primeiro
lugar quando se colocam acima de seus pais. Por exemplo quando se
sentem melhores do que eles e se comportam de forma correspon-
dente. (2009, p. 57)

36
PRINCÍPIOS DO DIREITO SISTÊMICO E A NECESSÁRIA ADEQUAÇÃO DAS NORMAS DO DIREITO DE FAMÍLIA

É exatamente o caso do filho que ajuíza uma ação contra um dos


genitores. Se o faz por sua própria vontade, coloca-se em posição de supe-
rioridade perante quem lhe deu a vida e veio antes na família. O preço que
o filho paga pela violação dessa ordem é o sofrimento. Prossegue Bert:

Essa violação da ordem hierárquica é, na verdade, como se sabe,


um orgulho que precede a queda. [...] Quais são as consequências
dessa transgressão? A primeira é o fracasso. A pessoa que se coloca
acima dos pais, seja com amor ou sem amor, fracassa. (ibidem, p. 57)

Assim, um filho que assume tal postura perante o pai é bastante preju-
dicado, e geralmente não obtém o que realmente deseja (mas, por lealdade à
mãe, não pode assumir), que é uma maior presença do pai em sua vida. Para
que o pai se aproxime é preciso, ao contrário do que normalmente ocorre,
respeito e reverência à sua precedência. Uma atitude de cobrança, que inclui
uma reclamação (e, portanto, uma rejeição) em relação ao tanto que o pai está
dando ou a como ele é, só tem o condão de afastar as partes uma da outra, ainda
que enseje uma condenação e o respectivo pagamento. Isso pode satisfazer
algumas necessidades, mas não aquela carência mais profunda, que o filho às
vezes sequer se permite expressar, para não desagradar a própria mãe.
Em geral, o filho é levado a assumir essa postura de cobrança não
por vontade própria, mas por influência da mãe, e independentemente
do ajuizamento da ação e de quem seja legitimado a ajuizá-la. Contudo,
sendo sua a legitimidade, é também seu o crédito dos valores acumulados,
de modo que o filho pode, mesmo depois de adulto, continuar cobrando
eventuais créditos antigos decorrentes de prestações alimentícias atra-
sadas. Muitas vezes o faz.
Na iniciativa da ação, entretanto, observa-se uma grave falácia:
diz-se que o filho menor ingressa com a ação representado (ou assistido)
por sua mãe. Porém, na verdade, ele é quem está representando ou assis-
tindo sua mãe. O desejo de processar o ex-marido ou ex-companheiro é
da mãe, e o filho, sem perceber (ou mesmo sem o saber) é usado para tal
intento. Se, num primeiro momento, ele é colocado involuntariamente
nesse lugar de parte adversária do próprio pai, depois permanece nessa

37
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

condição por inércia, apenas para cobrar o crédito já estabelecido. Assim


continua seu sacrifício, por lealdade (denominada de amor cego) à mãe.
No entanto, conforme Bert Hellinger, “quando um filho infringe a
hierarquia do dar e tomar, ele se pune com severidade, frequentemente
com o fracasso e o declínio, sem tomar consciência da culpa e da conexão”
(ibidem, p. 38).
Com isso, no entanto, apesar de adulto na idade, o filho permanece
infantil, culpando o pai pelas suas dificuldades e sem desenvolver sua própria
força para o seu próprio sustento. Na verdade, o crédito do filho perante seu
pai em nada o auxilia em seu desenvolvimento, senão de afastá-lo do pai.
Imagine-se uma situação bastante corriqueira em nossos fóruns: uma
execução de alimentos em que é decretada a prisão do pai e este é levado à
prisão, ou cede a essa coação e finalmente paga o que lhe está sendo cobrado.
Que efeito isso tem no filho? E se a mãe, triunfante, comemora sua vitória
sobre aquele “irresponsável e sem-vergonha”, ensinando ao filho a fazer esse
mesmo julgamento em relação ao pai? Como se sente o filho, em sua alma?
A dinâmica que atua, nesse caso, é a de exclusão do pai.
Como, então, fazer com que se possa cobrar do pai os alimentos
necessários ao sustento do filho, sem que este se envolva e tome para si as
dores e julgamentos de qualquer das partes?
A única forma de poupar os filhos dos terríveis efeitos colaterais des-
sas ações é deixá-los de fora do conflito. Primeiramente e mais importante,
conscientizando as pessoas envolvidas (familiares, advogados e outros profis-
sionais) das dinâmicas sistêmicas ocultas nessa relação. E, no plano jurídico,
dando legitimidade àquele que sustenta esse filho (a mãe, no exemplo mais
frequente) para que cobre, em seu próprio nome, a parte cuja responsabili-
dade cabe ao outro devedor dos alimentos. O titular da ação pode ser, então,
o outro genitor, outro parente ou quem quer que esteja responsável pela
guarda e sustento do alimentando, inclusive o responsável pela instituição
de acolhimento (que exerce a guarda legal dos menores acolhidos)
Dessa forma, se o filho estiver sob a guarda da mãe, esta saberá o custo
de seu sustento e será a melhor pessoa para efetuar a cobrança do pai ou dos
avós. Na prática, é quase sempre o que ocorre, pois é a mãe (ou quem está com
a guarda) quem procura a Justiça, quem reúne os documentos probatórios

38
PRINCÍPIOS DO DIREITO SISTÊMICO E A NECESSÁRIA ADEQUAÇÃO DAS NORMAS DO DIREITO DE FAMÍLIA

e quem, de fato, litiga com o devedor. Faz isso na condição de representante


legal (se o alimentando for menor de 16 anos) ou de assistente (se ele tiver
entre 16 e 18 anos), e geralmente continua à frente do processo e das medidas
necessárias depois disso, quando o filho ainda estuda e não provê seu próprio
sustento. Mas, conforme a lei atual, o titular da ação é o filho.
Porém, atribuir a legitimidade a quem exerce a guarda tem o efeito
jurídico – e sistêmico – de liberar o filho desse conflito, pois ele não mais
será “parte” no processo. Os adultos resolvem entre eles. Isso não é proble-
ma de criança (e, diante das desavenças entre os pais, os filhos são sempre
pequenos). Fazendo-se dessa forma, respeita-se o fato de que o filho tem
ambos os pais no coração e que assim é que deve ser. Deixa-se os filhos em
paz, na condição de beneficiários, preservados do conflito.
Propõe-se, portanto, que seja atribuída ao guardião ou tutor do alimen-
tando a legitimidade para discutir e cobrar a obrigação de prestar alimentos,
reservando-se ao menor, exclusivamente, o papel de beneficiário da pensão
alimentícia, mas não o de legitimado para a cobrança.

08. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os princípios são de vital importância para o sistema jurídico, por


estabelecerem os valores e parâmetros básicos para a interpretação e apli-
cação das normas aos casos concretos, nos inúmeros aspectos e situações
envolvidos nas relações humanas, a ensejar leis que facilitem a obtenção
do equilíbrio e da justiça e, consequentemente, a pacificação das relações.
Entretanto, com a evolução histórico-cultural da sociedade, é natural
que surjam novos princípios, e que os mesmos princípios adquiram novos
significados, mais coerentes com a realidade de cada tempo. Por outro lado,
é possível que haja também princípios eternos e essenciais, talvez até mesmo
imutáveis, pois relativos à própria natureza humana.
As constelações familiares de Bert Hellinger revelam a existência e
atuação desses princípios naturais sobre as condutas humanas, e na prática
vêm demonstrando uma eficácia extraordinária na resolução dos conflitos em
que costumam se envolver as pessoas. Tornam visíveis as ordens sistêmicas
que, quando violadas, geram emaranhamentos nos sistemas familiares e que,

39
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

independentemente da vontade consciente de seus membros, levam-nos a


envolverem-se em novas dificuldades e conflitos de relacionamentos.
Reconhecer e considerar a presença desses princípios naturais no
estudo e aplicação do direito pode significar uma luz no tratamento dos
conflitos, que assim se tornam mais compreensíveis e, portanto, fáceis de
serem resolvidos.
Outrossim, se a introdução formal das leis sistêmicas ao ordenamento
jurídico vigente parece uma ideia extravagante, é certo que em alguns casos
isso já vem gradativamente se realizando – como no tratamento legal da
adoção, em que desde a Lei nº 12.010/09 foi dado o direito ao adotado de
conhecer sua origem familiar, ou no advento da Lei nº 12.318/10 (a chamada
Lei da Alienação Parental), por exemplo.
Nestes casos, a evolução legislativa veio a partir de novas compreensões
oriundas das experiências e estudos na área de psicologia e assistência social,
que confirmam as descobertas que Bert Hellinger vem realizando desde que
iniciou seu trabalho com as constelações familiares, na década de 1980. Há
um certo consenso de que tais inovações são benéficas e trazem progresso
nas relações humanas, e espera-se que outras inovações igualmente benéficas
venham a constituir o sistema legal.
Nesse contexto da evolução do direito, conclui-se citando belíssimo
voto proferido pelo Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira:

A vida, enfatizam os filósofos e sociólogos, e com razão, é mais


rica que nossas teorias. A jurisprudência, com o aval da doutrina,
tem refletido as mutações do comportamento humano no campo do
Direito de Família. Como diria o notável De Page, o juiz não pode
quedar-se surdo às exigências do real e da vida. O Direito é uma coisa
essencialmente viva. Está ele destinado a reger homens, isto é, seres
que se movem, pensam, agem, mudam, se modificam. O fim da lei
não deve ser a imobilização ou a cristalização da vida, e sim manter
contato íntimo com esta, segui-la em sua evolução e adaptar-se a ela.
Daí resulta que o Direito é destinado a um fim social, de que deve o
juiz participar ao interpretar as leis, sem se aferrar ao texto, às palavras,
mas tendo em conta não só as necessidades sociais que elas visam a

40
PRINCÍPIOS DO DIREITO SISTÊMICO E A NECESSÁRIA ADEQUAÇÃO DAS NORMAS DO DIREITO DE FAMÍLIA

disciplinar como, ainda, as exigências da justiça e da eqüidade, que


constituem o seu fim. Em outras palavras, a interpretação das leis não
deve ser formal, mas, sim, antes de tudo, real, humana, socialmente
útil. Indo além dos contrafortes dos métodos tradicionais, a herme-
nêutica dos nossos dias tem buscado novos horizontes, nos quais se
descortinam a atualização da lei (Couture) e a interpretação teleológica,
que penetra o domínio da valorização, para descobrir os valores que a
norma se destina a servir, através de operações da lógica do razoável
(Recasens Siches). Se o juiz não pode tomar liberdades inadmissíveis
com a lei, julgando contra legem, pode e deve, por outro lado, optar
pela interpretação que mais atenda às aspirações da Justiça e do bem
comum. Como afirmou Del Vecchio, a interpretação leva o juiz quase
a uma segunda criação da regra a aplicar. Reclama-se, para o juiz
moderno, observou Orosimbo Nonato na mesma linha de raciocínio,
com a acuidade sempre presente nos seus pronunciamentos, quase
que a função de legislador de cada caso, e isso se reclama exatamente
para que, em suas mãos, o texto legal se desdobre num sentido moral
e social mais amplo do que, em sua angústia expressional, ele contém.
(REsp. n°. 222.445 – PR 1999/0061055-5).6

09. REFERÊNCIAS
COHEN, Dan B. I carry your heart in my heart. Alemanha, Carl-Auer Verlag, 2009.
FANTAPPIÉ, Marcelo. Epigenética e Memória Celular. In Revista Carbono #03 [Sono,
Sonho e Memória], inverno 2013. Disponível em: <http://http://revistacarbono.com/artigos/
03-epigenetica-e-memoria-celular-marcelofantappie/> Acesso em: <04 de junho de 2015>
FRANKE, Ursula. Quando fecho os olhos vejo você: as constelações familiares no atendi-
mento individual e aconselhamento: um guia para prática. Patos de Minas: Atman, 2006
FRANKE-BRYSON, Ursula. O rio nunca olha para trás. São Paulo: Editora Conexão Sis-
têmica, 2013.
FRANKE-GRICKSCH, Marianne. Você é um de nós: percepções e soluções sistêmicas para
professores, pais e alunos. Patos de Minas: Atman, 2005.
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito Civil: di-
reito de família – As famílias em perspectiva constitucional. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
GAGLIANO, Pablo Stolze. Entrevista publicada no site Consultor Jurídico em 23/12/2014.

6. Voto nos autos do REsp nº 222.445 (STJ – Relator Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, julgado em
7/3/2002, publicado em 29/4/2002).

41
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

“Projeto de guarda compartilhada trará o aumento das demandas judiciais”. Disponível


em: <http://www.conjur.com.br/2014-dez-23/projeto-guarda-compartilhada-trara-aumen-
to-demandas-judiciais> Acesso em: <13 de março de 2015>
GARCIA, Angélica Patricia Olvera. Pedagogia Hellinger. Mogi das Cruzes: Terra Úmida, 2019.
HAUSNER, Stephan. Constelações familiares e o caminho da cura. São Paulo: Cultrix, 2010.
HELLINGER, Bert. A simetria oculta do amor: por que o amor faz os relacionamentos
darem certo. São Paulo: Cultrix, 1998.
HELLINGER, Bert. Ordens do amor: um guia para o trabalho com constelações familiares.
São Paulo: Cultrix, 2001.
HELLINGER, Bert. A fonte não precisa perguntar pelo caminho. Patos de Minas: Atman, 2005.
HELLINGER, Bert. Um lugar para os excluídos: conversas sobre os caminhos de uma
vida. Patos de Minas: Atman, 2006.
HELLINGER, Bert. Constelações familiares: o reconhecimento das ordens do amor. São
Paulo: Cultrix, 2007.
HELLINGER, Bert. O amor do espírito na Hellinger Sciencia. Patos de Minas: Atman, 2009.
HELLINGER, Bert. Carta. In FRANKE-BRYSON, Ursula. O rio nunca olha para trás. São
Paulo: Editora Conexão Sistêmica, 2013.
HELLINGER, Sophie. A Própria felicidade – fundamentos para a constelação famíliar – v.
1. Brasília: Tagore, 2019.
PELIZZOLI, Marcelo; SAYÃO, Sandro (org.). Diálogo, Mediação e Justiça Restaurativa:
Cultura de Paz. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2012.
STAM, Jan Jacob. A alma do negócio: as constelações organizacionais na prática. Patos
de Minas: Atman, 2006.
STORCH, Sami. Relato da primeira vivência “Adolescentes e Atos Infracionais – a desco-
berta dos vínculos sistêmicos familiares”. Artigo publicado no blog Direito Sistêmico em
04/06/2014. Disponível em: <http://direitosistemico.wordpress.com/2014/06/04/relato-da-
-primeira-vivencia-adolescentes-e-atos-infracionais-a-descoberta-dos-vinculos-sistemicos-
-familiares/> Acesso em: <22 de outubro de 2014>
STORCH, Sami. Direito Sistêmico: as leis sistêmicas que regem as crianças colocadas em
famílias substitutas. Artigo publicado no blog Direito Sistêmico em 14/07/2014. Disponível em:
<http://direitosistemico.wordpress.com/2014/07/14/direito-sistemico-as-leis-sistemicas-que-
-regem-as-criancas-colocadas-em-familias-substitutas/> Acesso em: <22 de outubro de 2014>
STORCH, Sami. Direito Sistêmico: a resolução de conflitos por meio da abordagem sistêmica
fenomenológica das constelações familiares. In Entre aspas: revista da Unicorp / Tribunal
de Justiça do Estado da Bahia – ano. 1, n. 1, (abr.2011) – Salvador: Universidade Corporativa
do TJBA, 2011, vol. 5, p. 305-316.
STORCH, SAMI. Direito Sistêmico na Vara de Família. In Prêmio Innovare, edição XIV
– Cadastro de Práticas Deferidas, Instituto Innovare, 2017. Disponível em: <https://pre-
mioinnovare.com.br/pratica/direito-sistemico-na-vara-de-familia/print> Acesso em: <18
de novembro de 2018>.
STORCH, Sami. Guarda de menor: as partes unidas no coração da criança (decisão judi-
cial sistêmica em ação de guarda de menor). Artigo publicado no blog Direito Sistêmico em
07/03/2018. Disponível em: <https://direitosistemico.wordpress.com/2018/03/07/guarda-de-
-menor-as-partes-unidas-no-coracao-da-crianca/>

42
JUSTIÇA RESTAURATIVA E DIREITO SISTÊMICO: UM DIÁLOGO POSSÍVEL

JUSTIÇA RESTAURATIVA E DIREITO


SISTÊMICO: UM DIÁLOGO POSSÍVEL

Egberto de Almeida Penido


Renata Torri Saldanha Coelho
Sttela Maris Nerone Lacerda

01. INTRODUÇÃO

O presente trabalho busca expor os pontos convergentes e as diferen-


ças de dois grandes movimentos jurídicos emergentes dentro do Sistema de
Justiça Brasileiro e para além dele, os quais vêm contribuindo de modo signi-
ficativo para a ressignificação na forma de harmonizar situações de conflito
e violência por meio de uma nova forma de vislumbrar tais fenômenos, e
ainda, pela utilização de novas metodologias não punitivas.
Dentro de um paradigma comum de “Cultura de Paz” e “Cultura de
Convivência”, estes movimentos sistêmicos e complexos possuem iden-
tidades próprias que não se confundem, os quais têm o desafio comum
de não se esvaírem quando inseridos no Sistema de Justiça ou mesmo
nas interações práticas e teóricas entre si.
Assim, importa ressaltar as características básicas destes movimentos,
suas metodologias e suas dinâmicas de implementação, para que na clareza
de suas identidades, possam dialogar entre si nas potências transformadores
que possuem, contribuindo para a expansão qualificada de cada qual e para
a efetiva mudança do paradigma punitivo.

02. A JUSTIÇA RESTAURATIVA

Inicialmente, busca-se trazer senão um conceito, uma noção básica


daquilo que vem se entendendo como Justiça Restaurativa, pois conceituá-

43
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

-la tem sido um imensurável desafio para aqueles que praticam, refletem e
produzem conhecimento sobre tal temática.
De plano, ressalte-se que o conceito “Justiça Restaurativa” se trata de
um “conceito aberto”. Tal característica se constitui em um “ponto forte”
e ao mesmo tempo “um calcanhar de Aquiles” ao seu claro entendimento.
Um “ponto forte”, pois, desta forma, a Justiça Restaurativa não se apresenta
como um “modelo fechado” (“uma receita de bolo”) que padroniza uma
visão de mundo, uma metodologia e uma gestão de implementação única.
Na Justiça Restaurativa é de suma importância considerar a natureza da
relação esgarçada, bem como do conflito ou da situação de violência a
ser trabalhada. Há ainda a peculiaridade de enxergar o contexto social,
institucional e cultural onde tal prática se realiza. Por outro lado, ao se ter
esta “abertura”, tem-se o risco de que “qualquer” prática “humanizante”
seja considerada como restaurativa.
O desafio é tão grande que alguns autores, como Myléne Jaccoud (2005,
p. 163) chegaram a declarar que a “justiça restaurativa recupera orientações,
elementos e objetivos tão diversificados que é provavelmente mais pertinente
considerar a justiça restaurativa como um modelo eclodido”.
Embora seja compreensível entender a razão de tal crítica, não se
compactua com a mesma, acompanhando-se o entendimento de inúmeros
outros autores, que tanto têm trabalhado para que a Justiça se torne uma
realidade e tanto têm contribuído para o entendimento claro do que seja
uma prática restaurativa ou não restaurativa, ainda que, em alguns momen-
tos, uma zona cinzenta possa se fazer presente7. Como bem pontuado pela
professora Alisson Moris (2005, p. 440):

Parece-me que a maior parte das críticas que vêm surgindo são
baseadas em equívocos fundamentais sobre o que a justiça restaurativa
busca obter, em aplicações diluídas e distorcidas de seus princípios
ou em interpretações errôneas das pesquisas empíricas feitas sobre o
assunto”, ressaltando, inclusive, distinguir críticas de cunho filosófico,
que não se confundem com as críticas de ordem empírica.

7. Nesse sentido, Howard Zehr, Kay Pranis, Elizabeth M. Elliot, Dorothy Vaandering, entre outros.

44
JUSTIÇA RESTAURATIVA E DIREITO SISTÊMICO: UM DIÁLOGO POSSÍVEL

De fato, a Justiça Restaurativa possui valores, princípios e diretri-


zes claros e eles, como nos ensina Howard Zehr, são as bússolas para o
entendimento do que seja uma prática restaurativa. Assim, mais do que
uma metodologia específica, “a essência da justiça restaurativa não é a
escolha de uma determinada forma sobre outra; é, antes disso, a adoção
de qualquer forma que reflita seus valores restaurativos e que almeje
atingir os processos, os resultados e os objetivos restaurativos” (MORRIS,
2005, p. 442-443).
Desta forma, a Justiça Restaurativa não se reduz a uma metodologia
ou técnica (embora estas sejam de fundamental importância), mas acima
de tudo trata-se de uma filosofia que considera não apenas uma dimensão
relacional dos conflitos, mas também uma dimensão institucional e social dos
mesmos, cuidando das situações conflitivas e de violência em sua comple-
xidade, antes e após o surgimento do dano8. Caso a Justiça Restaurativa seja
reduzida a uma metodologia, será imensa a probabilidade de ela ser cooptada
e desvirtuada por aquilo que se pode chamar de um “Sistema Punitivo”, que
muitas vezes exila a humanidade de casa pessoa em sua dignidade, dentro
de uma racionalidade penal dissociada com o valor Justiça. Além disso, é
certo que as metodologias restaurativas não se limitam a uma modalidade
específica, havendo um conjunto de metodologias restaurativas, que cuidam
da dimensão transformadora e social da Justiça Restaurativas, considerando a
complexidade do fenômeno da violência. Tais metodologias possuem aspec-
tos comuns (como, por exemplo: o preparo do encontro; passos específicos

8. “A influência cultural sobre o nosso entendimento sobre o que Justiça é referida com muita sensi-
bilidade por Robert Solomon: “Nosso conhecimento de Justiça começa com a experiência do nosso
lugar no mundo. Nosso senso de justiça é antes de tudo a nossa resposta emocional para o mundo que
nem sempre correspondente às nossas necessidades e expectativas. Nosso senso de justiça, em outras
palavras, tem suas origens em emoções tais como ressentimento, inveja, indignação, vingança, como
também com o que você se importa e, sobretudo com a compaixão.” Não por outro motivo, um dos
principais livros sobre a Justiça Restaurativa tem o sugestivo título: “Trocando as lentes”. Seu magistral
autor (Howard Zehr) nos aponta o caminho: trocar as lentes através dais quais nossos olhos “enxergam”
a realidade; perceber outras perspectivas; formular novas perguntas; reconhecer novas respostas e agir
de acordo com elas, de modo transformado e sempre refletindo. Se assim for, para além da técnica
de resolução e transformação de conflito que venha a ser adotada, devemos nos debruçar com mais
vagar sobre o contexto cultural dentro do qual aquilo que entendemos como “Justiça” é definida e
materializada no dia-a-dia, olhando para nós mesmo e para a ambiência onde estamos inseridos, para
que as ações que visam a sua implementação tenham uma probabilidade maior de se tornarem efetivas
e não serem cooptadas por sistemas institucionais que não estejam em sintonia com seus princípios”
(PENIDO, 2016, p. 71/72).

45
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

no fluir do encontro; e um pós-encontro) e, por outro lado, apresentam


elementos próprios, mas que sempre dialogam com os princípios, valores
e diretrizes da Justiça Restaurativa. Além disso, trabalham tanto de modo
preventivo, quanto após a ocorrência do dano/violência.
Portanto, para além do desafio da própria conceituação do termo
“Justiça” (com seus critérios e muitas vezes com suas antinomias, como
por exemplo: “dar a cada um de acordo com suas necessidades”; ou “dar a
cada um de acordo com seus méritos”; ou, ainda, “de acordo com o que a
lei atribui”, entre tantos outros parâmetros), pode-se ousar declarar que o
conceito de Justiça Restaurativa é tão libertário que não é possível “prendê-lo
numa única conceituação”, por isso se trata de um conceito “aberto” ou de
modo poético, um “conceito livre”.
Considerando que o conceito de Justiça Restaurativa é um conceito
“aberto”, e de grande amplitude em sua complexidade, há riscos de sua
práxis ser confundida com práticas que também lidam com o conflito e
com situações de violência sem meios violentos ou coercitivos, como as
Constelações Sistêmicas – que possuem um contexto filosófico, jurídico e
modos de implementação próprio e diversos, como será exposto de modo
mais detalhado neste trabalho.
A Justiça Restaurativa surge como um movimento de ressignificação
do Sistema Formal de Justiça e também como um movimento social siste-
matizado nas comunidades e na sociedade civil, surge no final da década de
60 do século XX em diversos países, fruto da grande insatisfação de muitos
não só com o Sistema Criminal posto, baseado no paradigma penal puni-
tivo, como também em virtude da ineficiência e ineficácia das dinâmicas
tutelares e assistencialistas que buscavam temperar o sistema, as quais não
geravam a responsabilização e a reparação dos danos e tampouco focavam
nas necessidades das vítimas e das comunidades impactadas pelo ato danoso9.
9. Uma abordagem mais crítica não vacilaria em apontar a falência estrutural de um modelo histórico.
Estamos, afinal, ao que tudo indica, diante de um complexo e custoso aparato institucional que, em
regra, não funciona para a responsabilização dos infratores, não produz justiça, nem se constitui em um
verdadeiro sistema. Quando se depara com delitos de pequena gravidade, o Direito Penal é demasiado;
quando se depara com crimes graves, parece inútil.
Em um texto clássico para o movimento conhecido como Justiça Restaurativa, Zehr (2003:71) assinalou
que: “quando um crime é cometido, nós assumimos que a coisa mais importante que pode acontecer é
estabelecer a culpa. Este ponto focal de todo o processo criminal: estabelecer quem praticou o crime.
Sua preocupação, então, é com o passado, não com o futuro. Outra afirmação que incorporamos é que

46
JUSTIÇA RESTAURATIVA E DIREITO SISTÊMICO: UM DIÁLOGO POSSÍVEL

Entre tais insatisfações, é possível citar: (a) a pouca efetividade da


função dissuasória e intimidatória da pena, que não se mostram como
respostas eficazes na contenção da violência e na harmonização social;
(b) a baixa realidade da perspectiva de ressocialização, diante da lógica do
encarceramento e de suas instituições; (c) o custo e a complexidade do
sistema de encarceramento; (d) da baixa responsabilização que a dinâmica
punitiva promove e a não reparação do dano (seja individual ou coletiva). A
desresponsabilização no sistema punitivo ou assistencial se já é grande em
termos individuais, torna-se abissal em termo coletivos, vez que em referido
sistema a responsabilidade é sempre individual e não se buscam as corres-
ponsabilidades (da família, da comunidade e sociedade); (e) a associação da
noção da Justiça como retaliação ou vingança e não como um valor; e (f) a
não satisfação invariavelmente da vítima, cujas necessidades que emergem
como o dano ficam sem cuidado.
Acrescente-se que o paradigma punitivo vê a infração como
uma violação a um mandamento legal em uma mera operação lógica,
subsumindo um fato a uma norma, reduzindo a multiplicidade de
interações sociais a um crime e reduzindo pessoas a papéis, o que já
evidencia a violência com que o sistema jurídico atua. Como conse-
quência da violação a uma norma, surge uma pena, a qual tem como
finalidade dominar pela força, sendo evidente, pelo próprio signifi-
cado da palavra, seu caráter aflitivo. Nesse sentido, explica Zaffaroni
(2001, p. 204):

O próprio nome ‘pena’ indica um sofrimento. Sofrimento, existe,


entretanto, em quase todas as sanções jurídicas: sofremos quando nos
embargam a casa, nos cobram um juro definitivo, nos anulam um
processo, nos colocam em quarentena, nos conduzem coercitivamente
como testemunhas, etc. Nenhum desses sofrimentos é denominado
‘pena’, pois possuem um sentido, ou seja, de acordo com modelos
abstratos, servem para resolver algum conflito. A pena, ao contrário,
como sofrimento órfão de racionalidade, há vários séculos procura
as pessoas devem ter aquilo que merecem; todos devem receber as consequências dos seus atos... e o
que merecem é a dor. A lei penal poderia ser mais honestamente chamada de ‘lei da Dor’ porque, em
essência, esse é um sistema que impõe medidas de dor” (ROLIM. 2004, p.07).

47
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

um sentido e não o encontra, simplesmente porque não tem sentido


a não ser como manifestação de poder.

Ademais, além de seu caráter aflitivo, a pena possui um caráter coer-


citivo, trazendo uma conotação de violência à pena. Assim, a violência do
crime é combatida com a violência da pena. O Direito Penal, dessa forma,
atua retroalimentando a violência, em uma espiral crescente de violência.
Trata-se de uma racionalidade penal desumanizante.
Como já tivemos oportunidade de ressaltar:

“Diante das imensas e urgentes demandas que se fazem presentes


para a expansão e desenvolvimento da Justiça Restaurativa, se per-
demos de vista a “humanidade profunda” que a norteia – tanto no
seu propósito como na forma de sua implementação –, corremos o
risco de a essência da Justiça Restaurativa (“sua alma” e sua “razão de
ser”) ser “estrangulada”; ser “cooptada” por estruturas, dinâmicas e
sistemas que levaram e perpetuam as mazelas que ela visa transcen-
der1. Ou seja: o caminho nos levará a fazer “mais do mesmo”, apenas
sob uma “nova roupagem”. E fazer “mais do mesmo”, sem qualquer
surpresa, invariavelmente, nos levará ao mesmo lugar: o predomínio
do “paradigma punitivo”; o império da política de encarceramento, a
perpetuação da cultura do medo e da guerra, ainda que sob um véu de
uma racionalidade, com um verniz de humanidade, como bem pon-
tuou o jurista e professor Álvaro Pires em seu texto “A Racionalidade
Penal Moderna, O Público e os Direitos Humanos”. O referido autor,
ao refletir sobre o modo de pensar e de fazer em matéria penal, aponta
características “do ‘sistema de pensamento’ e da estrutura normativa
da justiça penal”: O primeiro consiste em que o crime (norma de
comportamento) será definido pela pena tanto no direito como no
saber jurídico e, muitas vezes, das ciências sociais. No direito, essa
maneira de definir o crime produzirá uma imediata dogmatização da
relação crime/pena (aflitiva). Assim, Von Feuerbach dirá de maneira
lapidar, entre a descrição e o dogma: ‘Não há crime sem pena’. “ (…) “
O segundo problema é que se produzirá uma ilusão de simplicidade

48
JUSTIÇA RESTAURATIVA E DIREITO SISTÊMICO: UM DIÁLOGO POSSÍVEL

quanto ao trabalho do legislador e do juiz no momento da escolha


da sanção: tender-se-á a crer que eles devem privilegiar a escolha da
pena aflitiva, particularmente a de prisão, de modo que ela aparecerá
como uma resposta evidente. E o terceiro problema se verifica no plano
filosófico: a combinação entre crime e pena aflitiva engendrará uma
formidável ilusão de necessidade e identidade quanto à natureza dessa
associação, o que se manifesta sob dois aspectos. Em primeiro lugar,
supõe-se que as normas de comportamento e sanção são igualmente
obrigatórias (…)”. (…) “ Em segundo lugar, estabiliza-se a suposição
de que a sanção que afirma a norma no direito penal deve ser estri-
tamente negativa, de modo que entre o crime e a sanção deve haver
uma identidade de natureza: uma vez que o crime é visto como um
mal (de ação), a pena também deve ser concebida como um mal (de
reação), buscando direta e intencionalmente produzir um mal para
“apagar” o primeiro mal ou para efeito de dissuasão. (PIRES, 2004,
p. 41/42). (PENIDO-CNJ, 2016, p.165/166).

Vê-se, deste modo, que a Justiça Restaurativa, como pontua Cláudia


Cruz Santos (2014, p. 09) “nasce da confluência sobretudo da criminologia
crítica e do abolicionismo penal com a vitimologia, com o pensamento
feminista na criminologia e com a criminologia da pacificação”, junto com
análises sociológicas e antropológicas de culturas ancestrais ou diversas da
ocidental. Nesse sentido:..

“(...) reconhece-se que as práticas restaurativas são muitos antigas


e estão alicerçadas nas tradições de muitos povos no oriente e no
ocidente. Princípios restaurativos teriam mesmo caracterizado os
procedimentos de justiça comunitária na maior parte da história dos
povos do mundo. Essas tradições foram sobrepujadas pelo modelo
dominante de Justiça Criminal tal como o conhecemos hoje em
praticamente todas as nações modernas o que torna especialmente
difícil imaginar a transposição de seu paradigma. De fato a ideia de
Justiça Criminal como o equivalente de “punição”, parece já assentada
no senso comum o que é o mesmo que reconhecer que ela tornou

49
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

cultura. Zehr (1990) descreve o problema afirmando que: ‘É muito


difícil compreender o paradigma que consideramos tão natural, tão
lógico, tem, de fato, governado nosso entendimento sobre o crime e
justiça por apenas alguns poucos séculos. Nós não fizemos sempre
da mesma forma e, ao invés desse modelo, as práticas de Justiça Co-
munitária acompanharam a maior parte de nossa história. Por todo
esse tempo, técnicas não-judiciais e forma não-legais de resolução de
conflitos foram amplamente empregadas. As pessoas, tradicionalmen-
te, eram muito relutantes em apelar para o Estado, mesmo quando
o Estado pretendia intervir. De fato, quem apelasse ao Estado para a
persecução penal poderia ser estigmatizado por isso. Por séculos, a
intervenção do Estado na área de persecução criminal foi mínima.
Ato contínuo, era considerado um dever das comunidades resolver
suas próprias disputas internas’. Todo este largo período da história
da civilização aparece para a noção de direito como que subsumido
pela extensão das práticas de vingança pessoal e pela imposição de
medidas violentas e arbitrárias. Por certo, poderemos selecionar um
conjunto de práticas com essas características e concluir que as tra-
dições que antecedem o direito penal moderno foram, tão somente,
um sinônimo para a vontade do mais forte. O que os autores como
Zehr pretendem demonstrar é que conclusões do tipo desconsideram
a concomitância de outras práticas pelas quais valores importantes e
não-violentos foram afirmados (ROLIM. 2004, p. 10).
E como não bastasse, o movimento restaurativo, se inspirou
ainda, no conhecimento produzido por diversas ciências de
outras áreas (como da Física, com todas descobertas da “Física
Quântica”10).
10. “Observa-se que na ciência do Direito, ainda que continue existindo um predomínio da dogmá-
tico-positivista, diante do que estamos chamando de “crise do Direito” e diante das novas visões das
ciências, se iniciou uma mutação no mencionado paradigma e, consequentemente, uma nova maneira
de pensar e aplicar o Direito, e de harmonizar os conflitos sociais, está emergindo, ainda que de maneira
incipiente. Uma maneira que busca resgatar a completude do conhecimento. Se a “crise do Direito”
revela a falência do paradigma até então vigente, as novas percepções das ciências apontam para o sur-
gimento de um novo paradigma, o qual tem como características a percepção da desmaterialização da
matéria (ex: matéria mais como processo do que como coisa); da impermanência (do vazio quântico);
da presença da consciência (vida e inteligência estão presentes no tecido do universo inteiro); e da in-
terconexão. As bases deste paradigma consubstanciam-se, assim, nas teorias científicas surgidas no séc.
XX (no campo da Física: Teoria da Relatividade, Teoria Quântica, Teoria Holográfica e Teoria Geral dos

50
JUSTIÇA RESTAURATIVA E DIREITO SISTÊMICO: UM DIÁLOGO POSSÍVEL

A somatória, então, destes saberes e conhecimentos contribuíram


para o surgimento de um conjunto de ações que foram ganhando corpo
e sendo sistematizadas para que a resposta ao mal feito passasse a se efe-
tivar considerando a complexidade do fenômeno da violência e de modo
não-violento, numa perspectiva de corresponsabilidade, de modo ativo e
não passivo, considerando os valores e necessidades de cada comunidade
e materializando o valor justiça de forma consensual. A este conjunto de
dinâmicas se denominou Justiça Restaurativa.
Nesse contexto, o que a Justiça Restaurativa propõe é alterar a racio-
nalidade de pensar o sistema punitivo, principalmente alterando a noção de
punição para a de responsabilidade, por meio de inclusão e diálogo; bem
como considerando a violência como um fenômeno complexo, e se pautando
por uma visão que considera a interconexão em suas relações.
Por isso, Howard Zehr, uma das principais referências teóricas sobre
Justiça Restaurativa, metaforiza o paradigma restaurativo como uma troca de
lentes, a saber: “o crime é uma violação de pessoas e relacionamentos inter-
pessoais. As violações acarretam obrigações. A principal obrigação é corrigir
o mal praticado” (ZEHR, 2013, p. 31-32) E continua: “a Justiça Restaurativa
responde de outra forma, focalizando em primeiro lugar as necessidades da
vítima e consequentes obrigações do ofensor” (ZEHR, 2013, p. 33).
Esclarece ainda referido autor que na visão tradicional da Justiça
Criminal, “o crime é uma violação da lei e do Estado”, sendo que “as vio-
lações geram culpa” e a “Justiça exige que o Estado determine a culpa e
imponha uma punição (sofrimento)”. Portanto três perguntas devem ser
feitas neste paradigma, a saber: “Que leis foram infringidas? Quem fez isso?
O que o ofensor merece?”. Por sua vez, na visão da Justiça Restaurativa, as
três perguntas a serem feitas são outras: “Quem sofreu danos?”, “Quais são
suas necessidades?”, “De quem é a obrigação de suprir essas necessidades”
(ZEHR, 2013, p. 33).

Sistemas; no campo da Biologia: Teoria dos Campos Morfogenéticos; no campo da Psicologia: Teoria
da Sincronicidade, o inconsciente coletivo e a existência de arquétipos – elementos dinâmicos e trans-
pessoais da psique -, Psicologia Transpessoal; no campo da Parapsicologia: “psicocineses”, experiência
extra sensorial etc). Junto com estas novas visões das ciências, acrescente-se, também, a nova perspecti-
va que aflora com a desconstrução do ser humano pela psicanálise (Freud), pela linguística (Saussure),
e pela etnologia (Darwin).”(PENIDO, 2006. p. 571/572)

51
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

Além disso, essa troca de lentes para enxergar o crime e a violência


implica em conceber que o crime, além de não ser uma mera desobediência
legal, é um fenômeno social e complexo. Assim, o crime é um fenômeno
social e universal que integra a vida em sociedade, sendo parte constituinte
das próprias manifestações humanas.
Percebe-se, assim, que a Justiça Restaurativa valoriza a riqueza da
conflitividade, permitindo que as dimensões perdidas no conflito sejam
resgatadas (GIAMBERARDINO, 2014, p. 134). Por meio das práticas res-
taurativas oportuniza-se a busca da raiz da situação conflituosa e, sobretudo,
a compreensão das questões subjacentes que contribuíram para que esse
conflito viesse à tona (FROESTAD, SHEARGIN, 2005, p. 93-94).
Consequentemente, reitere-se, na Justiça Restaurativa emerge claro que
o núcleo é a (co)responsabilização e não a punição. Há uma responsabilidade
holística pelo conflito, de tal modo que as responsabilidades são assumidas
perante as relações comunitárias e não perante o Estado ou a norma. A so-
ciedade, como um todo, encontra o seu lugar na cadeia de responsabilidades
daquele conflito (SALM, LEAL, 2012, p. 209).
A corresponsabilização enfatiza a lógica sistêmica e de rede com que
ocorre a procedimentalidade da Justiça Restaurativa. Na medida em que a
pessoa assume a sua responsabilidade pelo conflito social frente a própria
sociedade, todos atuam para restaurar o laço social rompido com esse crime,
vez que todos são membros dessa sociedade. O esforço é tanto para atender
as necessidades da vítima, quanto para reintegrar o ofensor, estabelecendo-se
um plano de ação.
Assim, essa visão sistêmica de mundo e de interconexão se torna um
dos elementos chaves da Justiça Restaurativa, porque a partir do momento
em que a pessoa toma consciência de que faz parte de uma comunidade e
que suas ações afetam a si e ao grupo, ela se torna verdadeiramente respon-
sável pela construção de seu entorno. Nesse sentido, argumenta Howard
Zehr (2013, p. 47).

Subjacente à Justiça Restaurativa está a visão de interconexão


mencionada acima. Estamos todos ligados uns aos outros e ao mundo
em geral através de uma teia de relacionamentos. Quando essa teia

52
JUSTIÇA RESTAURATIVA E DIREITO SISTÊMICO: UM DIÁLOGO POSSÍVEL

se rompe, todos são afetados. Os elementos fundamentais da Justiça


Restaurativa (dano e necessidades, obrigações e participação) advêm
dessa visão. Mas esse valor da interconexão deve ser equilibrado por
um apreço pela particularidade de cada um. Ainda que estejamos
todos ligados, não somos todos iguais. A particularidade é a riqueza
da diversidade. Isto significa respeitar a individualidade e o valor de
cada pessoa, e tratar com consideração e seriedade os contextos e
situações específicos nos quais ela se insere.

Na Justiça Restaurativa é por meio da escuta-diálogo que essa res-


ponsabilidade é trabalhada, pelo encontro face-a-face com o(s) outro(s),
em um movimento de acolher, sem pré-julgamento, e incluir a fragilidade
humana que está em si e no outro (PELIZZOLI, 2008). Por isso, é possível
afirmar que a noção de justo, para a Justiça Restaurativa, é uma construção.
Para cada caso há uma solução, que é fruto de uma bricolagem pelas pessoas
envolvidas, com base em valores.
Assim, há uma verdadeira experiência de Justiça, que se afasta de
operações de lógica ou soluções pré-determinadas. Howard Zehr (2013, p.
192) afirma com propriedade que é preciso vivenciar a justiça, que a sensação
de Justiça vem a partir de uma experiência.
No Brasil, desde de 2004/2005 se iniciaram diversos projetos de Justiça
Restaurativa, onde percebeu-se que a Justiça Restaurativa não se limitava a
uma metodologia voltada à resolução de conflitos – apesar de contar com
um rol delas, como, por exemplo o processo circular e os círculos de paz
– mas se tratava de um verdadeiro instrumento de transformação social,
tendo como foco a mudança de paradigmas da estrutura de convívio social,
a partir de uma série de ações nas esferas relacional, institucional e social,
tendo com amalgama os princípios da humanidade, inclusão, participação,
corresponsabilidade, respeito, atendimento às necessidades, consubstanciada
em dinâmicas dialógicas não julgamentais.
Com base nessas linhas mestras, em decorrência dos êxitos dos pro-
jetos, no ano de 2016 foi editada a Resolução nº 225 do Conselho Nacional
de Justiça (CNJ), que conceitua a Justiça Restaurativa como “um conjunto
ordenado e sistêmico de princípios, métodos, técnicas e atividades próprias,

53
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

que visa à conscientização sobre os fatores relacionais, institucionais e sociais


motivadores de conflitos e violência, e por meio do qual os conflitos que
geram dano, concreto ou abstrato, são solucionados de modo estruturado”.
Referida resolução ainda elenca que para uma prática ser considerada
restaurativa, deve haver a participação de todos os envolvidos no fato danoso,
das famílias e das comunidades, com o foco na satisfação das necessidades
legítimas de todos os envolvidos.
Para os fins deste trabalho, adota-se, portanto, que o conceito de Jus-
tiça Restaurativa é fruto de diversas práticas que antecederam a Resolução
225 do Conselho Nacional de Justiça, segundo o qual a Justiça Restaurativa
é “um conjunto ordenado e sistêmico de princípios, métodos, técnicas e
atividades próprias, que visa à conscientização sobre os fatores relacionais,
institucionais e sociais motivadores de conflitos e violência”. Assim, reitere-se,
a Justiça Restaurativa:

não se limita a uma técnica de resolução de conflitos, mas a um


feixe de ações coordenadas (um programa) que prevê metodologias de
resolução e transformação de conflitos; bem como, concomitantemente,
prevê ações que levem à mudança da instituição onde tais práticas
são desenvolvidas; e, ainda, prevê a articulação de “redes locais” em
torno dessas ações (PENIDO, MUMME, 2014, p. 76).

Como se verifica, a Justiça Restaurativa tem princípios claros e meto-


dologia própria, consubstanciada no diálogo, que foca em dimensões rela-
cionais, institucionais e sociais, que demanda uma gestão de implementação
baseada numa lógica sistêmica e de rede, com base em uma visão inter e
transdisciplinar; bem como intersetorial e interinstitucional. Portanto ela
se faz com resultado de uma construção coletiva e para que a comunidade
possa garantir suporte às necessidades de todos os envolvidos, direta ou
indiretamente atingidos, no conflito, em procedimentos de resolução de con-
flitos plurais, dialógicos e coletivos, sempre buscando cuidar das dimensões
relacionais, sociais e institucionais.

54
JUSTIÇA RESTAURATIVA E DIREITO SISTÊMICO: UM DIÁLOGO POSSÍVEL

Importa, também ressaltar, que a Justiça Restaurativa, entende a Jus-


tiça como um valor para além das ambiências jurídicas e se faz de modo
extrajudicial ou judicial, com várias dinâmicas de prevenção da violência.
Por fim, frise-se que se tem observado que diversos projetos que se au-
todenominam de Justiça Restaurativa se distanciam de seus propósitos, como
alertado pelo Professor Zehr (2013, p. 15-17):

Como toda tentativa de mudança, a Justiça Restaurativa muitas vezes


se desencaminhou no curso de seu desenvolvimento e disseminação. Na
presença de cada vez mais programas que se intitulam ´Justiça Restau-
rativa´, não raro o significado desse termo se torna rarefeito ou confuso.
Devido à inevitável pressão do trabalho no mundo real, amiúde a Justiça
Restaurativa tem sido sutilmente desviada ou cooptada, afastando-se dos
princípios de origem.
(...)
Experiências anteriores para promover mudanças no campo da
Justiça nos advertem que desvios e deformações acontecem inevita-
velmente, apesar de nossas melhores intenções. Se os defensores da
mudança não estiverem dispostos a reconhecer e atacar esses prováveis
desvios, seus esforços poderão acabar produzindo algo muito diferente
do que pretendiam. De fato, as ´emendas´ podem acabar sendo muito
piores que o ´soneto´ que planejavam reformar ou substituir.
Uma das salvaguardas mais importantes contra tais desvios é dar a
devida atenção aos princípios fundamentais. Se estivermos bem cons-
cientes eles, se planejarmos nossos programas com esses princípios em
mente, se nos deixarmos avaliar por esses mesmos princípios, é bem mais
provável que nos mantenhamos na trilha correta.
A questão é que o campo da Justiça Restaurativa tem crescido
com tanta rapidez e em tantas direções que às vezes não é fácil ca-
minhar para o futuro com integridade e criatividade. Somente uma
visão clara dos princípios e metas poderá oferecer a bússola de que
precisamos para encontrar o norte num caminho inevitavelmente
tortuoso e incerto.

55
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

Tais riscos de desvios, ocorrem não apenas quando a Justiça Restaurativa


é inserida em estruturas hierárquicas ou em comunidades com dinâmicas de
poder sobre o outro bem cristalizadas, mas também quando suas práticas se
misturam com outras, sem que interajam com os cuidados necessários. Neste
sentido, recente pesquisa oriunda do CNJ em muito contribui para apontar os
imensos desafios de implementação da Justiça Restaurativa em sua essência,
tendo em vista que muitas ações ainda se fazem dentro de um paradigma retri-
butivo, misturando elementos de tal paradigma com elementos do paradigma
restaurativo (FUNJAB, 2017).
A mesma pesquisa ainda indicou que as principais práticas utilizadas
são os Círculos de Paz, os Círculos Restaurativos, a Mediação Vítima Ofensor
e as Conferências, havendo também a associação das práticas restaurativas
com Constelações Familiares, de maneira crescente (FUNJAB, 2017). Con-
tudo, conforme já afirmado, embora a Constelação Familiar seja uma prática
humanizante e não punitiva, ela possui identidade e contornos próprios. O
mesmo pode-se dizer da “mediação vítima-ofensor”.
Partindo desses pressupostos, passa-se agora ao estudo das Constelações
Familiares dentro do Sistema Judiciário, com a menção dos projetos existen-
tes, bem como do movimento daí decorrente intitulado Direito Sistêmico.

03. O DIREITO SISTÊMICO

Dentro das práticas de Constelações Familiares no Poder Judi-


ciário foi criado o termo Direito Sistêmico pelo juiz Sami Storch, que
desde 2006 vem ministrando palestras e workshops de constelações
familiares, favorecendo a resolução autocompositiva dos conflitos.
Conforme informações do CNJ, o juíz conseguiu 91% de conciliação
quando uma das partes participou da vivência de conciliação e 100%
quando ambas as partes estavam presentes11.
O magistrado percebeu que os conflitos trazidos ao Poder Judiciário
são frutos de um desequilíbrio mais profundo do que uma mera relação
jurídica, então por meio da abordagem das constelações familiares ele
11. Conselho Nacional de Justiça. Juiz consegue 100% de acordos usando técnica alemã antes das
sessões de conciliação. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/62242-juiz-consegue-
-100-de-acordos-usando-tecnica-alema-antes-das-sessoes-de-conciliacao Acesso em: 10 fev. 2019.

56
JUSTIÇA RESTAURATIVA E DIREITO SISTÊMICO: UM DIÁLOGO POSSÍVEL

conseguiu trazer à luz as raízes do conflito, que normalmente remetem


à questões mal resolvidas do sistema familiar de cada uma das pessoas
em litígio. Conforme ressalta Storch (2017, p. 307):

Trata-se de uma abordagem sistêmica e fenomenológica, original-


mente usada como forma de terapia, segundo a qual diversos tipos
de problemas enfrentados por um indivíduo (bloqueios, traumas e
dificuldades de relacionamento, por exemplo), podem derivar de fatos
graves ocorridos no passado não só do próprio indivíduo, mas também
de sua família, em gerações anteriores, e que deixaram uma marca no
sistema familiar. Mortes trágicas ou prematuras, abandonos, doenças
graves, segredos, crimes, imigrações, relacionamentos desfeitos de
forma “mal resolvida” e abortos são alguns dos acontecimentos que
podem gerar emaranhamentos no sistema familiar, causando dificul-
dades em seus membros, mesmo em gerações futuras.

Esse conhecimento sistêmico-fenomenológico é fruto do trabalho de


vida de Bert Hellinger, terapeuta alemão criador das Constelações Familiares.
Bert Hellinger tem formação em filosofia, pedagogia e teologia e com 20 anos
de idade foi ser missionário católico na África do Sul, local onde conheceu
a teoria de grupo (HELLINGER, 2006b, p. 19-21).
Além da teoria de grupo, Bert Hellinger continuou estudando diver-
sas abordagens terapêuticas, como a gestalt-terapia, terapia primal, análise
transacional de Eric Berne e análise do script, bem como a hipnoterapia de
Milton Erickson e a programação neurolinguística (HELLINGER, 2006b,
p. 25-29).
Todo esse estudo, principalmente na busca de autoconhecimento,
permitiu com que Bert Hellinger desenvolvesse o trabalho com as Conste-
lações Familiares, o qual sempre está em movimento, sendo na atualidade
mais adequado falar em Constelação Sistêmica, o que permite a utilização
de Constelações nos mais diversificados âmbitos, incluindo-se o jurídico.
Bert Hellinger acredita que todas as pessoas estão a serviço de forças
superiores e que essas forças superiores são amorais, pois o que elas possibi-
litam é um desenvolvimento da consciência humana (HELLINGER, 2006b,

57
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

p. 47). Dessa forma, esses conflitos também estão a serviço de nossa evolução
enquanto seres humanos.
Além disso, Bert Hellinger crê que existe uma alma coletiva da qual
todas as pessoas fazem parte. É uma alma onisciente e onipresente, ou seja,
sabe de tudo e compreende tudo o que está presente e tudo o que já passou.
A esse respeito, Hellinger (2005, p. 51) afirma:

Mas, o que é a alma? Creio que, em primeiro lugar, precisamos


nos despedir da ideia ocidental de que o ser humano tem uma alma.
Uma alma pessoal que lhe pertence e que ele vela pela sua salvação,
por assim dizer, que está aprisionada no seu corpo e que almeja, mais
tarde, a imortalidade. Essa é a ideia ocidental que remonta a Platão.
As experiências que se mostram nas constelações familiares são
bem outras. Mostram que participamos de uma “grande alma”, isto
é, que não temos uma alma, mas que estamos numa alma. Essa alma
maior ou, aliás, a alma mostra-se em duas funções. Como primeira
função, une algo a um todo, por exemplo, une tudo o que está em
nosso corpo a uma unidade. Assim, pertence ao corpo como princí-
pio unificador. Como segunda função, a alma dirige. Conduz nosso
corpo e nossa vida. Como, não sabemos. É, portanto, um princípio
condutor, algo que une e algo que conduz.

Em síntese, Bert Hellinger percebeu que ao colocar uma constelação


familiar um campo de força é criado, de maneira que fica mais evidente a
constatação de que todos estão em ressonância, vivos ou mortos. Assim,
qualquer forma de exclusão gera um desequilíbrio. São posicionadas pessoas
como representantes, e elas se entregam ao movimento, possibilitando a visão
do todo (HELLINGER, 2005, p. 200-202).
Dentro dessa perspectiva que é estruturado o conceito de sistêmico
para Bert Hellinger. O sistêmico é a união do uno ao todo, de modo que todos
fazem parte e, portanto, estão conectados e são igualmente importantes para
o todo. Ou seja, todos os seres humanos são iguais e estão conectados por um
conjunto de traços comuns: “a mesma natureza, o mesmo anseio, a mesma
felicidade e infelicidade, o mesmo começo, a mesma vida e a mesma morte.

58
JUSTIÇA RESTAURATIVA E DIREITO SISTÊMICO: UM DIÁLOGO POSSÍVEL

O que nos liga também é a mesma ameaça, os mesmos medos, o mesmo


desafio e o mesmo fracasso e sucesso” (HELLINGER, 2010, p. 102-103).
Em complemento, para Bert Hellinger (2005, p. 25) o fenomenológico
é a pura contemplação, de tal modo que o que estava oculto, latente, consiga
se manifestar. É a exposição a um fenômeno, sem medo, sem julgamento,
sem amor e sem intenção, inclusive de ajudar. Não há uma teoria pré-de-
terminada para trabalhar com o fenomenológico, se trabalha apenas com
o momento presente.
Essa compreensão do pensamento sistêmico gera uma transformação
pessoal que modifica a maneira como a pessoa enxerga a si própria, o mundo
e o outro, ampliando a percepção de que no fundo é o amor que conecta a
todos. Para Hellinger (2007b, p. 114), “amor significa reconhecer que todos,
da maneira como são e apesar de suas diferenças, são iguais a mim diante
de Algo maior”. É o amor que motiva todas as ações e movimenta o mundo,
conforme ressalta o autor em resposta a entrevista de Norbert Linz:

O aspecto mais importante foi reconhecer que o amor atua por trás
de todos os comportamentos, por mais estranhos que nos pareçam,
e também de todos os sintomas de uma pessoa. Por esse motivo, é
fundamental na terapia que encontremos o ponto onde se concentra
o amor. Então, chegamos à raiz, onde se encontra também o caminho
para a solução, que sempre passa também pelo amor (HELLINGER,
2007a, p. 407)

De uma perspectiva sistêmica, os conflitos constituem-se em


tentativas frustradas de amar. Assim, cabe ao terapeuta encontrar
onde está o amor que alimenta o problema e, assim, redirecioná-lo
(HELLINGER, 2012, p. 139). É justamente essa visão do todo (essa
amplidão de olhar), que permite enxergar a solução que traga um equi-
líbrio sistêmico, que traz paz para todos os envolvidos. A verdadeira
reconciliação transcende julgamentos entre o bem e o mal.
É no amor que se assentam as três leis superiores que regem todos
os relacionamentos humanos: o pertencimento, a hierarquia e o equilíbrio.

59
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

São também essas leis que atuam de maneira oculta por trás dos conflitos
que geram as demandas judiciais.
De maneira fenomenológica, Bert Hellinger compreendeu que a
consciência é um conceito muito volátil, sendo equivocada a crença de
que a consciência é a voz de Deus na alma. Hellinger então descobriu a
existência de três consciências: a consciência individual, a consciência
de grupo (coletiva) e a consciência espiritual.
Também é o amor que está por trás dessas consciências, mas
é o alcance do amor que as diferencia. A consciência pessoal serve a
um grupo limitado e representa o que a pessoa faz para pertencer a
esse grupo, excluindo os julgados diferentes. A consciência coletiva
pressiona para incluir aqueles que foram rejeitados pela consciência
pessoal. Já a consciência espiritual transcende qualquer diferenciação
e dedica-se de forma igual a todos (HELLINGER, 2009, p. 55-56).
A consciência pessoal então protege o direito de pertencer, assegurando
a sobrevivência da pessoa naquele grupo específico, desde que a pessoa aja
de acordo com as exigências do grupo. Dessa forma, a consciência pessoal
permite que a pessoa se julgue melhor do que os outros, legitimando conflitos.
Por isso, Bert Hellinger compreendeu que os maiores conflitos retiram
da boa consciência a sua força, observando que muitos autores de crimes
legitimam suas ações de “consciência tranquila” e sentem-se no direito de
cometer crimes contra os outros (2006b, p. 65-66). Nessa consciência há
apenas o amor cego, a fidelidade estreita ao pertencimento (HELLINGER,
2006a, p. 17).
A consciência coletiva tenciona para a inclusão de todos e assim,
aquele que é considerado diferente volta a pertencer ao grupo, pois todos
têm o mesmo direito de participação. Ela obriga, portanto, outra pessoa do
grupo a representar o excluído (desta ou de outra geração), honrando seu
direito de pertinência.
Logo, é na consciência coletiva que surgem inicialmente os conflitos.
Ela preserva o sistema familiar, fazendo com que os excluídos voltem a
pertencer. Assim, os que foram excluídos voltam a ser inseridos no sistema
por meio de “representação” dos membros mais novos, o que é sentido

60
JUSTIÇA RESTAURATIVA E DIREITO SISTÊMICO: UM DIÁLOGO POSSÍVEL

principalmente como dor, porque o destino da pessoa excluída é algo pesado


(HELLINGER, 2012, p. 29).
O sistema familiar é representado (entendido) pela unidade (integra-
ção) entre um filho e os seus irmãos, os pais e seus irmãos, os avós e pon-
tualmente algum de seus irmãos, caso tenham tido algum destino especial
e eventualmente um ou outro bisavô. Incluem-se os mortos, os natimortos,
os abortos (espontâneos ou provocados) e os meios-irmãos, para os quais
a consciência coletiva não faz nenhuma diferenciação. Pertencem ainda ao
grupo familiar as pessoas que, embora não tenham relação de parentesco,
ocasionaram alguma vantagem (econômica ou afetiva) ao sistema, como
relacionamentos anteriores dos pais e dos avós ou recebimento de bens ou
valores patrimôniais (HELLINGER, 2009, p. 36).
Bert Hellinger percebeu que vítimas e perpetradores também fazem
parte do mesmo sistema, especialmente em questões envolvendo vida e morte.
Logo, se uma pessoa se torna vítima de um crime violento, o assassino se
torna membro da família e vice-versa (HELLINGER, 2009, p. 52-53).
Por isso, esses comportamentos acabam por se repetir e histórias
de assassinatos muito similares acontecem no seio de uma mesma família,
mas com a inversão dos papéis de vítima e perpetrador. Pela integralidade
do grupo, todos devem ter um lugar e a repetição de um destino difícil é a
maneira com que o campo encontra para que a pessoa excluída retome seu
lugar e nesse movimento possa ser vista e incluída. A esse mesmo respeito,
Hellinger (2010, p. 105) explica:

Situações não-resolvidas do passado expressam-se em relaciona-


mentos posteriores sob a forma de ações impulsivas e deslocadas ou
de sentimentos exagerados. A identificação com outra pessoa gera im-
pressões como “parece que não sou eu” ou “alguma coisa tomou conta
de mim”. Sempre que uma pessoa exibe emoções inusitadamente fortes
ou comportamentos incompreensíveis, nos termos da situação atual,
podemos suspeitar da existência de alguma complicação sistêmica. Isso
também é verdadeiro quando a pessoa tem dificuldades inexplicáveis
para conversar com outra ou reage de maneira incompreensível — como
se estivesse sob o jugo de conflitos e ansiedades invisíveis. Pessoas que

61
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

teimam sempre em ter razão costumam estar com emaranhamentos.


Quando “brigam” com veemência e mordacidade excessivas, talvez
estejam representando algum outro membro do sistema. Havendo um
bode expiatório na família atual, usualmente houve outro na geração an-
terior e convém observar isso com cuidado. Qualquer reação ou emoção
exagerada, deslocada ou ampliada pode denunciar uma identificação.

De toda forma, ainda que essa representação do comportamento


que gerou a exclusão pelo membro mais novo seja algo pesado, ao mesmo
tempo essa representação une tudo, em um movimento profundo de amor
(HELLINGER, 2007b, p. 56).
Como a consciência coletiva busca a integridade do grupo, Bert Hellin-
ger (2007b, p. 64) acredita que é a necessidade de restauração que atua nessa
consciência. Quando é possível integrar no próprio coração um membro
excluído, a pessoa sente-se mais inteira.
O último estágio da consciência é a consciência espiritual, que consegue
(se propõe) harmonizar e incluir os diferentes grupos e sistemas de forma
equânime. Todas as religiões, todas as culturas, toda a diversidade, tudo faz
parte e tem o mesmo valor.
Pensei em inserirmos aqui um gráfico, tipo 3 círculos concêntricos
representando os 3 níveis de consciência.
Assim, na consciência espiritual os opostos são dignificados em um
nível mais elevado, por meio de um movimento da alma. Há uma reconci-
liação do que antes parecia irreconciliável (HELLINGER, 2005, p. 247). Há
uma sintonia com o mundo, tal como ele é. Na “grande alma” existe apenas
pura conexão, todos estão ligados uns aos outros (HELLINGER, 2005, p. 49).
Para Bert Hellinger, a segunda ordem do amor é o equilíbrio, a com-
pensação entre o dar e o tomar que representa o início das relações humanas:

As relações humanas começam com o dar e o tomar, e com o dar


e o tomar começam também nossas experiências de culpa e inocên-
cia. Pois quem dá tem também direito de reivindicar, e quem toma
se sente obrigado. Reivindicação, de um lado, e obrigação, de outro,
constituem para cada relação o modelo básico de culpa e inocência.

62
JUSTIÇA RESTAURATIVA E DIREITO SISTÊMICO: UM DIÁLOGO POSSÍVEL

Esse modelo está a serviço da troca entre o dar e o tomar. Pois doadores
e tomadores não descansam até que se chegue a uma compensação,
com a inversão dos papéis (HELLINGER, 2004, p. 17).

A relação entre o dar e o tomar é o fluxo da vida, gerando para quem


dá o direito de reivindicar e para quem recebe, a obrigação de retribuir. É
por meio dessas trocas que as relações humanas vão se equilibrando.
Uma compensação pode acarretar o fim de um relacionamento, vez
que a necessidade de troca foi satisfeita. Mas é possível iniciar um novo fluxo
de troca, renovando-se o dar e o tomar (HELLINGER, 2009, p. 18).
A reconciliação só é possível quando há uma compensação: “caso se
queira a reconciliação, o ofendido tem não só o direito, mas o dever de exigir
reparação. E o ofensor tem não só o dever, mas o direito de arcar com as
consequências de seus atos” (HELLINGER, 2012, p. 26).
No caso de uma relação entre vítima e perpetrador, a retribuição da
ofensa deve ser em menor medida, para não se confundir com o desejo de
vingança, ou seja, a retribuição de um “mal” com um “mal” ainda maior
(HELLINGER, 2007b, p. 52). Assim, a retribuição sempre deve ser feita
também com amor. Hellinger (2009, p. 180) é categórico ao afirmar que “a
roda do conflito gira de uma maneira em que, alternadamente, os ‘bons’ são
vistos como ‘maus’ e vice-versa”.
Por derradeiro, a última ordem do amor identificada por Bert Hellinger
é a hierarquia, pela qual se entende que quem veio primeiro tem precedência
sobre os que vieram depois (HELLINGER, 2009, p. 29).
Dessa forma, quando os filhos se colocam acima dos pais há uma
violação à hierarquia, pois a terceira ordem do amor exige que as pessoas se
sujeitem às limitações do tempo.
Essa hierarquia não é só dentro do sistema familiar, mas também
em um contexto muito mais amplo, da própria ordem social, já que o per-
tencimento, o equilíbrio e a convenção social têm a função de preservar os
grupos sociais. A culpa, dentro da ordem, então é a transgressão da ordem
e o medo do castigo e a inocência é a lealdade (HELLINGER, 2012, p. 18).
O Direito está compreendido na terceira ordem do amor, pois representa
uma convenção social que limita o agir humano.

63
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

São essas três leis sistêmicas que limitam os relacionamentos humanos


ao mesmo tempo em que os tornam possíveis e a violação a essas ordens
que geram os conflitos. A reconciliação, dessa forma, consiste em verificar
onde está o amor.
Como é o amor que move o mundo “um assassino não pode mover-se
nem mudar enquanto não for amado. Esse é aqui o fator revolucionário. So-
mente o amor coloca algo em movimento” (HELLINGER, 2007b, p. 46-47).
Essa percepção então foi incorporada pelo Poder Judiciário e as Cons-
telações Sistêmicas passaram a ser utilizadas como uma abordagem filosófica
auxiliando na resolução de conflitos, principalmente pela alteração das lentes
para olhar para o conflito, em uma perspectiva integradora, mais humana
e sistêmica.
Assim, com a utilização das Constelações Sistêmicas, o que se busca
não é o culpado pelo conflito, mas a responsabilidade de cada qual para a
sua eclosão, diante do reconhecimento dos laços profundos que conectam
ofensor e vítima e da necessidade de equilibrar tal relação de modo a rever-
berar em todo o sistema.
Embora inicialmente o Direito Sistêmico consistisse na prática de
constelações sistêmicas, atualmente práticas diversificadas compõem o
movimento, que pode inclusive ser visto como uma postura interna dos
facilitadores e operadores do sistema judicial. Assim, por meio de perguntas,
frases e meditações essas pessoas conseguem proporcionar um momento
para que as próprias partes reflitam porque estão enredadas em tal conflito.
Conforme informações oficiais do CNJ, em 2018 dezesseis estados
brasileiros já utilizavam as constelações sistêmicas em projetos junto ao
Poder Judiciário, além do Distrito Federal, sendo Mato Grosso, Mato Grosso
do Sul, Goiás, Bahia, Minas Gerais, Rondônia, Paraná, Rio de Janeiro, São
Paulo, Pará, Ceará, Amapá, Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte, Santa

64
JUSTIÇA RESTAURATIVA E DIREITO SISTÊMICO: UM DIÁLOGO POSSÍVEL

Catarina e Sergipe12, havendo ainda registro de que Alagoas também vem


aplicando tal filosofia13, além de projetos junto à Justiça Federal14.
As Constelações Sistêmicas são aplicadas nas mais diversas áreas, como
violência doméstica, adolescentes em conflito com a lei, adoção, divórcio,
falências, área criminal, sistema penitenciário, tratamento de vícios, bem como
pelos Centros Judiciários de Solução de Conflito e Cidadania (CEJUSC), ora
como método autocompositivo autônomo, ora mesclada com elementos de
mediação ou Justiça Restaurativa.
Existem ainda Comissões de Direito Sistêmico criadas junto à Ordem
dos Advogados do Brasil no Estado do Ceará, Alagoas, Minas Gerais, Rio de
Janeiro, São Paulo, Mato Grosso do Sul, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande
do Sul, em que advogados trabalham com a difusão do conhecimento sis-
têmico. Atualmente são mais de cem comissões espalhadas por quase todos
os estados brasileiros.
Em suma, as Constelações Sistêmicas também podem ser considera-
das como um movimento eclodido junto ao Sistema de Justiça Brasileiro,
auxiliando na resolução de conflitos de maneira humanizante, contribuindo,
a sua maneira, para a construção de uma Cultura de Paz.

04. JUSTIÇA RESTAURATIVA E DIREITO SISTÊMICO

Embora existam projetos que mesclem a Justiça Restaurativa e as


Constelações Sistêmicas, tais movimentos não podem ser confundidos. De
fato, ambos propõem uma ampliação da forma com que o conflito trazido
ao Judiciário é observado, mas também cada um possui contornos próprios,
conforme será visto.

12. Conselho Nacional de Justiça. Constelação Familiar: no firmamento da Justiça em 16 Estados e no


DF. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/86434-constelacao-familiar-no-firmamento-da-
-justica-em-16-estados-e-no-df. Acesso em 10 fev. 2019.
13. Conselho Nacional de Justiça. Semana Justiça pela paz em casa: 66 sentenças proferidas em Ala-
goas.. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/noticias/judiciario/87579-semana-justica-pela-paz-em-ca-
sa-66-sentencas-proferidas-em-alagoas Acesso em 10 fev. 2019.
14. Conselho Nacional de Justiça. Constelação Familiar: juízes federais e servidores concluem curso.
Disponível em http://www.cnj.jus.br/noticias/judiciario/88080-constelacao-familiar-servidores-e-jui-
zes-da-justica-federal-tem-curso Acesso em 10 fev. 2019.

65
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

04. 1. CONVERGÊNCIAS

Muitas convergências existem entre os movimentos de Justiça Res-


taurativa e o Direito Sistêmico, sendo que este trabalho se limitará a expor
apenas algumas, de modo pontual, sem qualquer pretensão de esgotamento.
A começar, tanto a Justiça Restaurativa, como o Direito Sistêmico, se
fazem sob égide de uma Cultura de Paz, buscando metodologias e/ou abor-
dagens próprias que não se consubstanciam no paradigma punitivo e buscam
a responsabilização e corresponsabilização, bem como a transformação dos
conflitos e não apenas a resolução dos mesmos.
Ambos os paradigmas têm na sua centralidade a humanidade de cada
ser, em sua dignidade, complexidade, que não se define ou se reduz em um
ato, mas transborda no mistério que cada um “é-sendo” de modo contínuo
em relação concomitante consigo mesmo, com o outro, com o mundo e seus
sistemas, buscando a convivência harmônica.
Os dois movimentos se inspiram em tradições ancestrais, saberes
de outras culturas e com o conhecimento da pós-modernidade de diversas
ciências, buscam a inclusão em suas metodologias de harmonização dos
conflitos e nas lidas das situações de violência.
Tanto a Justiça Restaurativa, como Direito Sistêmico, trabalham com
a noção de interconexão das relações com seus sistemas familiares, comuni-
tários, sociais e institucionais, sendo que trabalham com visões sistêmicas,
complexas e holísticas.
Tem-se também que a ampliação do olhar é essencial para os dois
movimentos, sendo na Justiça Restaurativa orientado para a análise do fato
conflituoso e no Direito Sistêmico o foco encontra-se direcionado para a per-
cepção de fatos gerados pelo campo morfogenético que transmite informações
a partir da memória do campo familiar, impulsionando comportamentos.
Os dois movimentos buscam honrar as histórias de cada pessoa e suas
relações intersubjetivas, sendo que o reconhecimento dos sentimentos de
todos os participantes é importante para que se abram espaços para eventuais
transformações comportamentais que necessitam ser feitas.
Ambos os movimentos podem ser feitos dentro ou fora do Sistema
de Justiça, bem como antes ou depois de uma situação que gerou um dano.

66
JUSTIÇA RESTAURATIVA E DIREITO SISTÊMICO: UM DIÁLOGO POSSÍVEL

Por fim, neste breve “pontuar” de convergências, os movimentos de-


mandam formações qualificadas, presenciais, contínuas e com supervisão
constante.

04. 2. DISTINÇÕES

Apesar de terem pontos em comum, importa pontuar as distinções da


Justiça Restaurativa e do Direito Sistêmico, pois se tratam de movimentos
com identidades muito próprias, histórico de constituição diverso; afora
terem metodologias próprias que não se confundem, bem como gestão de
implementação e desenvolvimento de política pública distintos; e, ainda,
muitas vezes, inclusive, focam em conflitos de natureza diversa.
Na realidade, as metodologias utilizadas pela Justiça Restaurativa
são totalmente diversas das utilizadas no Direito Sistêmico que não são
intercambiáveis.
A Justiça Restaurativa se consubstancia em técnicas dialógicas e com
diversos momentos de escuta ativa para todos, o que não se faz presente no
Direito Sistêmico, onde eventualmente fala e a escuta ativa é centrada no
facilitador.
Na metodologia da Justiça Restaurativa, o diálogo das partes é essencial,
a expressão oral e a oportunidade real para que as partes possam responder
às perguntas que lhe são dirigidas pelo facilitador: a voz encontra um espaço
especial nas práticas de Justiça Restaurativa. Já no Direito Sistêmico o diálogo
é inexistente, a comunicação é mínima, e a parte responde apenas a algumas
perguntas durante a “Constelação”.
Ressalte-se que na Justiça Restaurativa a solução é ou pode ser cons-
truída de forma coletiva, a partir das falas, sugestões dos integrantes dos
círculos. É, portanto, “audível”. No Direito Sistêmico a solução surge de uma
imagem, que deve ser registrada apenas com a integração do olhar e dos sen-
timentos, eventualmente mediante uma fala curta que é repetida. O Direito
Sistêmico se consolida na observação de uma imagem, nos movimentos
corporais dos representantes. Assim, no Direito Sistêmico a repercussão da
solução acontece na esfera íntima, individual, abrindo caminho para futura
composição, que ocorrerá em outro momento.

67
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

Além disso, a Justiça Restaurativa apresenta não apenas uma infinidade


de metodologias (círculos restaurativos, processos circulares, círculos de paz,
conferência familiar e tantas outras) como, em algumas destas metodologias
há submetodologias (ex.: círculos de apoio; círculos de tomada de decisão
ou construção de consenso; círculos de diálogos, entre outros). Ocorre que,
no Direito Sistêmico, a metodologia é a Constelação Familiar.
Nas metodologias da Justiça Restaurativa há encontros prévios com
os diversos participantes, há um cuidado na preparação dos envolvidos. Por
sua vez, no Direito Sistêmico o encontro é pelo método fenomenológico.
Consequentemente, em práticas sistêmicas é possível, inclusive, trabalhar
os aspectos relacionais sem a presença dos envolvidos.
Além disso, afora a dimensão relacional, a Justiça Restaurativa foca
também numa dimensão institucional e social, a fim de que sejam instituídos
planos de ações transformadores do maior número possível de variáveis que
contribuem para a situação de violência.
O Direito Sistêmico, foca em sistemas diversos, como já visto, mas a
transformação almejada não recai na própria estrutura institucional, social
ou cultural.
As duas práticas também se distanciam no que diz respeito ao acom-
panhamento dos resultados. Nas Constelações Familiares, se entende que não
se deve buscar por efeitos para além daquilo que se torna visível no momento
da Constelação. O distanciamento entre a pessoa que traz o problema e o
facilitador, neste caso, é indispensável, sendo inoportuno investigar o êxito
ou o resultado do trabalho. Por sua vez, na Justiça Restaurativa, se busca
fazer o acompanhamento daquilo que porventura vier a ser acordo no pro-
cedimento, sendo comum a realização de pós-círculos.
Se por um lado o Juiz, ou o Promotor, não devem integrar os círculos
de Justiça Restaurativa e suas presenças são dispensadas, no Direito Sistêmico,
todos os auxiliares do Juiz são bem-vindos e podem integrar a Constelação,
seja como representantes ou como observadores, sendo possível ainda, que
qualquer deles venha a ser o facilitador, conduzindo os trabalhos.
A Justiça Restaurativa se encontra há mais tempo institucionalizada
no Brasil, pois sua sistematização e práticas se iniciaram antes pelas mãos de
diversas pessoas, havendo atualmente normativas legais e infralegais prevendo

68
JUSTIÇA RESTAURATIVA E DIREITO SISTÊMICO: UM DIÁLOGO POSSÍVEL

suas práticas. No Direito Sistêmico, este processo de institucionalização e


normatização é recente.
Ressalte-se, ainda, que na Justiça Restaurativa ocorre tanto em am-
biências forenses, como na comunidade, sendo que atualmente sua gestão
de implementação se estrutura por meio de “Núcleos ou Centrais de Justiça
Restaurativa”, “locus” que proporcionam que seus princípios e práticas se
irradiem. Por sua vez, o Direito Sistêmico está no início do desenho do perfil
mais adequado de suas ambiências institucionais.

04. 3. INTERAÇÕES E DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Tem se visto, ainda de modo embrionário, a possibilidade de serem


feitas Constelações Familiares antes ou após procedimentos restaurativos.
Prepondera a realização de Constelações Familiares em momento anterior
a um procedimento restaurativo, após desvelados aspectos do conflito que
necessitam ser tratados pelas práticas restaurativas.
Do mesmo modo, pode ser que após um procedimento restaurativo,
fique clara a necessidade de algum dos envolvidos ser encaminhado para
uma prática de Constelação Familiar.
Como já teve oportunidade de escrever o Juiz de Direito Sami Storch,
responsável pela introdução pioneira das constelações familiares nas am-
biências do Sistema de Justiça:

Ora, na área criminal, a Justiça Restaurativa representa um avanço


por não se restringir à aplicação da pena para o autor do crime, como
prescrevia a abordagem punitiva tradicional, e sim incluir em seu
foco de atenção também a vítima e sua satisfação, buscando condu-
zir o autor do delito à consciência da necessidade de reparação dos
danos causados pela sua conduta. Ao olhar para um contexto maior,
em que o agressor, a vítima e a sociedade compõem um sistema, e
buscar restaurar as relações e a satisfação dos membros desse siste-
ma, a Justiça Restaurativa também aplica, de certa forma, uma visão
sistêmica, trazendo soluções mais responsáveis e eficazes nos caos em
que é possível, por patê de quem causou o dano, o reconhecimento da

69
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

gravidade do fato e uma atitude que proporcione a sua reparação ou


minimização, resultando na reaproximação das partes envolvidas. (...)
Neste contexto, as constelações familiares se apresentam como
uma poderosa ferramenta para que essa aproximação ocorra, na
medida em que permite um olhar mais amplo de cada uma das partes
envolvidas em relação às outras, incluindo o seu passado familiar e
ancestral, com os traumas e fatos marcantes que podem ter vivido os
seus antepassados e que fizeram com que cada uma se tornasse o que
é e fizesse o que fez (STORCH, 2016, p. 179-180).

O magistrado ainda frisa que o conhecimento das leis sistêmicas


possibilita uma compreensão mais ampla das dinâmicas dos conflitos e da
violência, permitindo a adoção de uma postura mais adequada para a paci-
ficação de cada conflito (STORCH, 2016, p. 180).

04. 4. DESAFIOS

Diversos são os desafios postos para ambos os movimentos, sendo


que apenas serão pontuados quatro a título exemplificativo, demonstran-
do o extremo cuidado e a necessidade de permanente supervisão que tais
práticas exigem.
Com efeito, tanto a Justiça Restaurativa como o Direito Sistêmico, em
suas metodologias, gestão de implementação e visão das situações conflitivas
e situações de violência, muitas vezes despertam grande entusiasmo para
aqueles que entram em contato com suas práticas e os êxitos das mesmas,
fazendo com que queiram aplica-las rapidamente em diversas situações.
Contudo, tem-se visto que ambas as práticas requerem muitas horas
de formações qualificadas, constantes discussões de casos e permanente
checagem para ver se as mesmas estão se distanciando de seus princípios,
métodos e propósitos. Pode-se assegurar com absoluta certeza que tais prá-
ticas não são fáceis de serem implementadas e executadas com a qualidade
que necessitam.
Vê-se também que muitas vezes alguns praticantes, bem intencionados,
acabam “misturando” técnicas da metodologia restaurativa com técnicas da

70
JUSTIÇA RESTAURATIVA E DIREITO SISTÊMICO: UM DIÁLOGO POSSÍVEL

metodologia das Constelações Familiares, gerando uma miscelânea que en-


fraquece e distorce a potência de tais metodologias. Algumas vezes, inclusive,
se misturam ambas as técnicas com outras que sequer dizem respeito a elas
(ex.: justiça terapêutica; dinâmicas emocionais, “dragon dream” etc). Talvez
uma boa imagem que pode ser usada para mostrar que tais “bricolagem”,
invariavelmente, são desastradas, seria fazer uma analogia com um buffet,
onde uma pessoa acaba por misturar comidas que são saudáveis mas que não
combinam entre si, acabando com a potência dos sabores de cada qual, bem
como de seus nutrientes, levando a um enjoo e não a um bem estar saudável.
Outro grande desafio de ambas as metodologias são os contextos
sociais, culturais e institucionais em que elas são inseridas, muitas vezes
hierárquicos e com dinâmicas punitivas, que acabam balizando tais práticas
e as desvirtuando de seus propósitos.
Enfim, como dito, incontáveis são os desafios para a aplicação e para
expansão tanto da Justiça Restaurativa como do Direito Sistêmico15.

05. CONCLUSÃO

A Justiça Restaurativa e o Direito Sistêmico são movimentos


inovadores, ousados, complexos e sistêmicos, que vêm contribuindo de
modo significativo para a ressignificação na forma de tratar (proceder)
em situações de conflito e violência por meio de uma inovadora postura
na condução de tais fenômenos e pela utilização (harmonização) de
15. Talvez o risco de “estrangulamento” da essência da Justiça Restaurativa não se apresente tão percep-
tível em um primeiro momento, no qual aparentemente as diferenças (entre um caminho perpassado
pela “humanidade profunda” e um caminho rápido e pragmático, com resultados superficiais e midiá-
ticos) não se mostram tão gritantes e são até “justificadas” diante de resultados individuais e pontuais
satisfatórios; bem como diante das “dimensões macro” dos contextos de expansão e diante da urgência
das demandas. Mas caso se opte pelo caminho fácil e rápido de implementação, com ações sem enrai-
zamento, as quais não respondam ao fenômeno da violência na amplitude e profundidade necessárias
e que não busquem a construção de uma política pública de Justiça Restaurativa, o distanciamento
com a essência da Justiça Restaurativa aumentará, e o véu da inovação desfasar-se-á e logo ir-se-á para
a direção já nossa velha conhecida. Muitas reformas bem-intencionadas do “Sistema de Justiça” e que
visavam o seu aprimoramento seguiram por essa senda e, em graus diversos, se perderam e se corrom-
peram nos seus propósitos originais. Pode-se dizer de modo poético que um caminho que se faz sem
alma não é um caminho, mas uma via sem saída; e, mais cedo ou mais tarde, teremos que retornar
novamente e novamente2, até conseguirmos seguir juntos o caminho com o coração (não mais com
nossos egos). A pergunta que importa é: “Este caminho tem coração?” (CASTANEDA,1996, p.4/5). A
Justiça Restaurativa só se constituirá em uma via efetiva de aprimoramento e evolução para o Sistema
de Justiça se de fato não se distanciar de seus princípios e valores, ou seja, de seu coração (PENIDO-C-
NJ, 2016, p. 166/165).

71
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

novas metodologias não punitivas. Vale dizer, ambos os movimentos


têm contribuído para as resoluções e transformações dos conflitos
numa perspectiva de pacificação (Cultura de Paz)
É possível afirmar ainda que os movimentos estão “no começo do
começo”, estreiando suas práxis (ainda que já se tenha uma significativa pro-
dução de conhecimento baseada na prática); na construção de suas gestões
de implementação em ambiências institucionais diversas, particularmente
no Sistema de Justiça.
A presente contribuição não tem a pretensão de esgotar o tema
das identidades de ambos os movimentos, suas convergências e dis-
tinções, suas possíveis interações, que em muito podem contribuir na
resolução e transformação dos conflitos; bem como buscou-se apenas
apontar os concretos riscos que devem ser observados para que estas se
façam sem fragilizar as identidades e as potencias de cada movimento;
sobremaneira, para que não se perca o propósito na harmonização
social dos conflitos e na potencialização da convivência, conforme já
manifestado:

Inúmeros são os desafios para a implementação da Justiça Restau-


rativa como visto. As matrizes de violência culturais estão fortemente
arraigadas em nossas instituições (muitas vezes de modo sutil, sofisti-
cado e não perceptível) e são notórios que diversos contra movimentos
surgem para que não sejam transformadas; especialmente para que
as novas práticas seja incorporadas ao Sistema já posto – inclusive é
muito comum que de ´tempo em tempo´ surja alguma ´novidade para
ser cooptada pelo Sistema, a fim de se continuar fazendo a mesma
coisa com uma nova roupagem.
Para que a Justiça Restaurativa enraíze em sua potência no Brasil
e seja um caminho efetivo para a materialização do valor Justiça de
forma viva, é necessário uma ação coletiva para além dos egos, que
não se limite na disseminação de uma técnica de resolução de conflito;
mas que esteja de fato comprometida com a implementação de uma
Cultura de Paz, promovendo ações complementares – tão importante
como o aprendizado da técnica – que busquem de modo efetivo trans-

72
JUSTIÇA RESTAURATIVA E DIREITO SISTÊMICO: UM DIÁLOGO POSSÍVEL

formar ambiências institucionais e sociais que criam e retroalimentam


visões e dinâmicas que estejam mantendo um sistema de violência; e
que promovam a transformação consciente de cada um que escolha
seguir e contribuir com este caminho (PENIDO, 2016, p. 84-85).

Embora escrito com foco na Justiça Restaurativa, tal entendimento


também se adequa ao Direito Sistêmico, ou seja, para estes dois grandes
movimentos inovadores tão importantes.
Espera-se que nesta jornada em prol da construção de uma Cultura
de Paz efetiva, o Direito Sistêmico e a Justiça Restaurativa se apoiem com os
cuidados necessários contribuindo de modo efetivo para a implementação da
harmonização dos conflitos e das situações de violência e para a construção
de relações saudáveis de convivência.
Neste sentido, investir em formações de qualidade e contínuas são
fundamentais, bem como a construção de espaços de compartilhamentos
das experiências realizadas - dentro e fora do Sistema de Justiça – pois só
em cooperação e em conjunto, que de fato se conseguirá transformar o para-
digma punitivo ou assistencial em um paradigma Restaurativo e Sistêmico.
Com máxima cautela e humildade, afirma-se que tanto a Justiça Res-
taurativa como o Direito Sistêmico devem avançar com suas práticas, mas
sempre de modo reflexivo, evitando que se distanciem de suas identidades,
de seus princípios e propósitos, e assim, contribuam para que em um futuro
próximo o paradigma alicerçado em uma Cultura de Paz e Convivência seja
preponderante.

06. REFERÊNCIAS
CNJ – CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Constelação Familiar: juízes federais e servi-
dores concluem curso. Disponível em http://www.cnj.jus.br/noticias/judiciario/88080-cons-
telacao-familiar-servidores-e-juizes-da-justica-federal-tem-curso Acesso em 10 fev. 2019.
___. Constelação Familiar: no firmamento da Justiça em 16 Estados e no DF. Disponível
em: http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/86434-constelacao-familiar-no-firmamento-da-jus-
tica-em-16-estados-e-no-df. Acesso em 10 fev. 2019.
___. Juiz consegue 100% de acordos usando técnica alemã antes das sessões de conciliação.
Disponível em: http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/62242-juiz-consegue-100-de-acordos-u-
sando-tecnica-alema-antes-das-sessoes-de-conciliacao Acesso em: 10 fev. 2019.
___. Resolução nº 125/2010. Disponível em http://www.cnj.jus.br/busca-atos-adm?docu-

73
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

mento=2579 Acesso em 17 nov. 2018.


___. Semana Justiça pela paz em casa: 66 sentenças proferidas em Alagoas.. Disponível em:
http://www.cnj.jus.br/noticias/judiciario/87579-semana-justica-pela-paz-em-casa-66-sen-
tencas-proferidas-em-alagoas Acesso em 10 fev. 2019.
FROESTAD. Jan. SHEARGIN. Clifford. Prática da Justiça – o Modelo Zwelethemba de Re-
solução de Conflitos. In: SLAKMON, C., R. De Vitto, e R. Gomes Pinto, org., 2005. Justiça
Restaurativa. Brasília – DF: Ministério da Justiça e Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento – PNUD. p. 79-123.
FUNJAB - FUNDAÇÃO JOSÉ ARTHUR BOITEUX (Santa Catarina, SC). Pesquisa “Pilo-
tando a Justiça Restaurativa: O papel do poder judiciário” 2004-2017. Disponível em: http://
www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2017/10/552d371330ac678e682e18267e4dd440.pdf.
Acesso em: 18 jan. 2019.
GIAMBERARDINO. André Ribeiro. Um modelo restaurativo de censura como limite ao
discurso punitivo. 2014. 238 f. Tese (Doutorado em Direito). Universidade Federal do Paraná.
HELLINGER. Bert. A fonte não precisa perguntar pelo caminho. Tradução: Tsuyuko Jin-
no-Spelter. Revisão: Wilma Costa Gonçalves Oliveira. Patos de Minas: Atman, 2005.
____. A simetria oculta do amor. Tradução: Gilson César Cardoso de Sousa. São Paulo:
Cultrix, 2012.
____. Conflito e paz: uma resposta. Tradução: Newton Araújo Queiroz. São Paulo: Cultrix,
2007b.
____. O amor do Espírito na Hellinger Sciencia. Tradução Filipa Richter, Lorena Richter,
Tsuyuko Jinno-Spelter. Patos de Minas: Atman, 2009.
____. Liberados somos concluídos: textos tardios. Tradução de Rainer Brockerhoff. Patos
de Minas: Atman, 2006a.
___. No centro sentimos leveza: conferências e histórias. Tradução: Newton Araújo Queiroz.
São Paulo: Cultrix, 2004.
___. Ordens do Amor: um guia para o trabalho com constelações familiares. tradução
Newton de Araújo Queiroz; revisão técnica Heloisa Giancoli Tironi, Tsuyuko Jinno-Spelter.
São Paulo: Cultrix, 2007a.
____. Ordens do sucesso. Tradução: Tsuyuko Jinno-Spelter. Goiânia: Atman, 2011.
____. Pensamentos sobre Deus. Tradução: Lorena Richter, Tsuyuko Jinno-Spelter. Patos de
Minas: Atman, 2010.
____. Um lugar para os excluídos. Tradução: Newton Araújo Queiroz. Patos de Minas:
Atman, 2006b.
JACCOUD. Mylène. Princípios, Tendências e Procedimentos que cercam a Justiça Restau-
rativa In: SLAKMON, C., R. De Vitto, e R. Gomes Pinto, org., 2005. Justiça Restaurativa.
Brasília – DF: Ministério da Justiça e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
– PNUD. p. 163-183.
MORRIS. Alisson. Criticando os críticos. Uma breve resposta aos críticos da justiça-restau-
rativa. In: SLAKMON, C., R. De Vitto, e R. Gomes Pinto, org., 2005. Justiça Restaurativa.
Brasília – DF: Ministério da Justiça e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
– PNUD. p. 439-472.
PELIZZOLI, Marcelo Luiz. Fundamentos para a restauração da justiça, resolução de con-
flitos na Justiça Restaurativa e a ética da alteridade e diálogo, 2008. Disponível em https://

74
JUSTIÇA RESTAURATIVA E DIREITO SISTÊMICO: UM DIÁLOGO POSSÍVEL

www3.ufpe.br/ppgdh/images/documentos/mp_frj.pdf. Acesso em 10 dez. 2018.


PENIDO, Egberto de A. O valor do sagrado e da ação não-violenta nas dinâmicas restau-
rativas. In: SLAKMON, Catherine; MACHADO, Maíra Rocha; BOTTINI, Pierpaolo Cruz
(Org.). Novas Direções na Governança da Justiça e da Segurança. Brasília, DF: Ministério
da Justiça, 2006, p. 567-582.
___Cultura de Paz e Justiça Restaurativa: uma jornada de alma In: PELIZZOLI, Marcelo Luiz.
(Org.) et al. Justiça Restaurativa: caminhos da pacificação social. Caxias do Sul, RS: Educs;
Recife, PE:UFESP, 2016. p. 69-85.
___. MUMME, Mônica. Justiça restaurativa e suas dimensões empoderadoras: como São
Paulo vem respondendo o desafio de sua implementação. Revista do Advogado: mediação
e conciliação. São Paulo, v. 123, p. 75-82, 2014.
___. Justiça Restaurativa e Sua Humanidade Profunda. In: Justiça restaurativa: horizontes
a partir da Resolução CNJ 225. Brasília, DF: CNJ, 2016, págs. 163-214. Disponível em: http://
crianca.mppr.mp.br/arquivos/File/publi/cnj/justica_restaurativa_cnj_2016.pdf. Acesso em
23/07/2020.
ROLIM, Marcos; SCURO NETO, Pedro; DE VITTO, Renato Campos Pinto; PINTO, Renato
Sócrates Gomes. Justiça Restaurativa: Um Caminho para os Direitos Humanos? Porto Alegre:
Ed. IAJ – Instituto de Acesso à Justiça. Coleção Textos para Debates, 2004.
SALM. João. LEAL. Jackson da Silva. A Justiça Restaurativa: multidimensionalidade humana e
seu convidado de honra. Doi: http://dx.doi.org/10.5007/2177-7055.2012v33n64p195. Revista
Sequência, Florianópolis, n. 64, p. 195-226, jul. 2012.
SANTOS, Claudia Cruz. A Justiça Restaurativa: Um modelo de reação ao crime diferente
da Justiça Penal. Porquê, para quê e como? Coimbra: Coimbra Editora, 2014.
STORCH. Sami. Direito Sistêmico: a resolução de conflitos por meio da abordagem sistêmico
fenomenológica das constelações familiares. Revista Entre Aspas. UNICORP (Tribunal de
Justiça da Bahia), Salvador, vol. 5, p. 305-315, 2017.
____. O Direito Sistêmico: quando o reconhecimento das leis sistêmicas promove a conciliação.
In: PELIZZOLI, Marcelo Luiz. (Org.) et al. Justiça Restaurativa: caminhos da pacificação
social. Caxias do Sul, RS: Educs; Recife, PE:UFESP, 2016. p. 177-186.
ZAFFARONI, Eugenio Raul. Em busca das penas perdidas: a perda da legitimidade do
sistema penal. Tradução: Vania Romano Pedrosa, Amir Lopes Conceição. Rio de Janeiro:
Renavan, 5ª edição. Janeiro de 2001.

ZEHR, Howard. Justiça Restaurativa. São Paulo: Palas Athena, 2013.

75
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

A RELAÇÃO DE CONVERGÊNCIAS E
DIVER‑GÊNCIA ENTRE OS CONCEITOS
DE JUSTIÇA E LEI À LUZ DO DIREITO
SISTÊMICO E DAS CONSTELAÇÕES
FAMILIARES

Elodéa Palmira Perdiza


Inês Fernandes Guitério Vaz
Luciana Macedo Vieira Gonçalves da Silva
Luiz Eduardo Novaes de Alcantara

01. INTRODUÇÃO

O objetivo do presente artigo científico é apresentar, por meio de


abordagem teórica e descrição de casos práticos, a atuação jurídica integral-
mente pautada pelas leis sistêmicas – as “Ordens do Amor”, segundo Bert
Hellinger, mais especificamente no âmbito da advocacia.
Referida atuação é regida pelo autoconhecimento, especialmente por
meio das constelações familiares e organizacionais, e do olhar sistêmico, de
forma que se faz imprescindível a observação da relação de convergências e
divergências entre os conceitos de justiça e lei.
O tema sob análise tem por base a problematização da ausência de
consciência dos profissionais do Direito acerca da importância do auto-
conhecimento e da auto-observação, no sentido de perceber, por meio da
fenomenologia e da própria ressonância energética, os eventos que acon-
tecem à sua volta. Tal ausência de consciência resulta na atuação jurídica
permeada de julgamentos, projeções e, especialmente, intenções íntimas do

76
A RELAÇÃO DE CONVERGÊNCIAS E DIVER‑GÊNCIA ENTRE OS CONCEITOS DE JUSTIÇA E

profissional do Direito ao atuar em um caso, seja referido profissional uma


juíza ou juiz, um advogado ou advogada, uma promotora ou um promotor
de justiça, servidores ou detentor de qualquer outro título.
O prejuízo resultante dessa atuação inconsciente é patente, não ape-
nas para o cliente/beneficiário que recebe um atendimento e/ou suporte
permeado por intenções e projeções pessoais do profissional do Direito,
mas também para o profissional, que, ao invés de atentar às suas questões
pessoais refletidas nos casos que lhe são apresentados, acaba por intervir em
sistemas alheios de maneira egóica e despreparada.
Nesse sentido, por meio de relato de experiência prática própria e caso
concreto, bem como de bibliografia pertinente, o objetivo do presente artigo
científico é a demonstração do funcionamento experimental da referida forma
de atuação, de advogados e advogadas, apoiados por equipe multidisciplinar
de suporte, composta por consteladores e psicólogos, voltados integralmente
para a inteligência sistêmica. Vale ressaltar que tais posturas e práticas de
autoconhecimento e sistêmicas precisam ser aplicadas não apenas nos casos
práticos de clientes, como também, em particular, pessoalmente e na vida
diária de quem atua na área jurídica. Isso porque só é possível transmitir e
aplicar o que está legitimamente integrado dentro de cada um.
A fim de ilustrar o tema, trazemos abaixo, além da fundamentação
teórica, dois relatos de experiências acerca da realização de constelações
familiares e organizacionais, no âmbito de casos jurídicos.

02. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Passamos a abordar a fundamentação teórica que embasa o presente


artigo científico, bem como a atuação jurídica, no âmbito do Direito Sistê-
mico, ou seja, pautada pela inteligência das leis sistêmicas, das constelações
familiares e organizacionais, e pelo olhar sistêmico.

02. 1. BERT HELLINGER

Foi o terapeuta, teólogo, filósofo e psicanalista Bert Hellinger, nascido


em 1925, na Alemanha, que desenvolveu a abordagem sistêmico-fenome-
nológica originalmente conhecida como “Constelações Familiares”. Em seu

77
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

estágio atual, recebe o nome de “Novas Constelações Familiares” ou “Cons-


telação Familiar Original Hellinger”.
Na introdução de seu livro “Ordens do Amor”, Hellinger comenta que
as constelações familiares ajudam:

“(...) a revelar o que nos enreda nos destinos de outros membros da


família e do grupo familiar, bem como os efeitos desses envolvimentos.
Traz à luz, sobretudo, quando, como e de acordo com que leis é possível
desprender-se de tais enredamentos.” 16

Bert Hellinger criou esta abordagem e toda filosofia que a embasa e


fundamenta partindo de suas experiências e estudos pessoais, ao longo de
toda sua vida. Comenta Gabriele Ten Hovel que:

“O próprio Hellinger seguiu desde os seus 20 anos um caminho de


contemplação e purificação interior. Ele não aderiu a nenhuma ideologia.
Isso pode ser percebido por qualquer pessoa que realmente se ocupe com
o trabalho dele. Talvez tenha sido esse o seu caminho: não se perder
num mundo composto de bem e mal.”17

Assim, fica evidente a marca de Bert Hellinger, uma construção interna


legítima e contundente, por meio de seu caminho pessoal de autoconheci-
mento, que viabilizou a criação do universo sistêmico como abordado no
presente estudo e tão praticado, difundido e estudado na atualidade nos mais
diversos países do mundo.
Tendo saído de casa aos dez anos de idade, por sua vontade, para um
internato católico, em 1936, Bert Hellinger começou seu caminho de busca,
autoaprimoramento e autodescoberta. Seu estudo no internato durou até seus
quinze anos, tendo passado pelo exército por um curto período de tempo e
ingressado em uma Ordem Religiosa aos dezenove anos, para aprender sobre
a vida monástica. Em pouco tempo, foi enviado a Mariannhill, na África,
como missionário, onde trabalhou por mais de quinze anos.

16. HELLINGER, Bert. Ordens do Amor: um guia para o trabalho com constelações familiares. São
Paulo: Cultrix, 2007, p. 9.
17. TEN HOVEL, Gabriele. Um lugar para os excluídos. 4.ª Edição, Divinópolis/MG: Atman, 2016, p. 15.

78
A RELAÇÃO DE CONVERGÊNCIAS E DIVER‑GÊNCIA ENTRE OS CONCEITOS DE JUSTIÇA E

Em 1964, conheceu a dura realidade do apartheid e trabalhou, fa-


vorecido pela visão mais aberta dos padres anglicanos, com dinâmicas de
grupo. Segundo Hellinger, “esses grupos eram frequentados por negros,
brancos, indígenas, mestiços, católicos e protestantes. Todos aprendiam
juntos”2. Seguindo por este caminho, Hellinger passou a conduzir grupos
de terapia, ainda no âmbito da Ordem Religiosa. Retornou à Alemanha e
estudou Gestalt terapia; após dois anos de estudos, deixou sua ordem reli-
giosa e se tornou psicoterapeuta. Hellinger diz ter sido “expulso” da igreja
ortodoxa, possivelmente por sua postura disruptiva e sempre inovadora.
Estudou diversas teorias psicoterapêuticas: Psicanálise; Terapia Primal, de
Arthur Janov; Análise de Estórias (Terapia do Script), com Eric Berne; Análise
Transacional (com Fanita English); Hipnoterapia (segundo Milton Erickson);
e Programação Neurolinguística (PNL). Nos anos 1970, teve contato com o
trabalho de Virginia Satir, encantando-se pelo fenômeno da representação
familiar desenvolvida por ela (que passou a se chamar “Escultura Familiar”).
Começou, assim, a refletir sobre a consciência e as forças que atuam nos grupos
familiares. Nos últimos anos, dedicou-se a expandir sua visão sistêmica em
diversos países, dentro e fora da Europa: Estados Unidos, América do Sul,
América Central, Oriente Médio e Ásia. Para Bert Hellinger, “o importante
sempre foi o crescimento interno”18.
É com base nessa lógica, que trazemos as seguintes premissas no
presente estudo:

(i) não há como lidar de forma satisfatória com pessoas e suas


questões, por meio da atuação jurídica, sem um caminho
pessoal de investigação interna e de autoconhecimento; bem
como,
(ii) não há como se falar em justiça, por meio da mera aplicação
de um sistema legal elaborado sem qualquer apreciação acerca
da psique humana.

Consideramos que a justiça, o equilíbrio, a pacificação e a composição


no âmbito das relações, dependem diretamente do grau de compreensão do
18. TEN HOVEL, Gabriele. Um lugar para os excluídos. 4ª Edição, Divinópolis/MG: Ed. Atman, 2016,
p. 35 e 17.

79
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

próprio mundo interno de cada pessoa e do caminho de vida de cada um,


pautado sempre e sem exceção por questões transgeracionais e ancestrais, e
são estes os temas mais presentes na realização das constelações familiares.

02. 2. AS ORDENS DO AMOR OU LEIS SISTÊMICAS

Uma das principais descobertas feitas por Bert Hellinger durante


todo seu caminho de aprofundamento no estudo do funcionamento da
psique e comportamento humano diz respeito à atuação de três ordens, que
influenciam diretamente os sistemas familiares e demais coletivos aos quais
pertencemos ao longo de nossas vidas, chamadas por ele e conhecidas como
“Ordens do Amor” ou “Leis Sistêmicas”: 1.ª) o pertencimento – o direito de
pertencer; 2.ª) a hierarquia – ordem de precedência; e 3.ª) o dar e tomar – em
equilíbrio, nas relações. Segundo Sophie Hellinger (esposa de Bert Hellinger)
essas leis fundamentam a vida, são princípios básicos e pré-condições para
a saúde e o sucesso de todos19.
A primeira Lei Sistêmica revelada por Bert Hellinger diz respeito
ao Pertencimento, ao direito de pertencer. De acordo com ele20:

“(...) todos aqueles que pertencem têm o mesmo direito de pertencer.”

Essa lei abarca todos os integrantes de uma família e de um cole-


tivo, inclusive aqueles já mortos. É essencial que todos sejam incluídos e
reconhecidos para que o sistema esteja pleno. Do mesmo modo, para que
os integrantes do sistema, individualmente, sintam-se plenos e completos,
todos devem ter um lugar de honra e ser reconhecidos como pertencentes.
Quando se afirma que todos devem pertencer, inclui-se também aqueles
que, muitas vezes, não admiramos, não gostamos ou não desejamos, pois
fizeram algo que, em nossa percepção, prejudica e/ou envergonha a família,
como os criminosos ou alcóolatras. Todos os integrantes de uma família
pertencem a ela e devem ser, assim, reconhecidos.

19. Vídeo de Sophie Hellinger. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=zuKHlEUNHFg>.


Acessado em: 27.02.2019 (a partir do minuto 2:20).
20. HELLINGER, Bert. A fonte não precisa perguntar pelo caminho. 3ª edição, Goiânia: Editora Atman,
2012, p. 121

80
A RELAÇÃO DE CONVERGÊNCIAS E DIVER‑GÊNCIA ENTRE OS CONCEITOS DE JUSTIÇA E

A segunda Lei Sistêmica é a Hierarquia. Refere-se à precedência das


pessoas que vieram primeiro e que são pertencentes a um sistema familiar21.
Assim, os pais têm precedência sobre os filhos. No mesmo sentido, se um dos
cônjuges foi casado anteriormente, o seu cônjuge anterior tem precedência
sobre o atual22, assim como o filho mais velho tem precedência sobre o mais
novo. Quem entrou e fez parte primeiro de um sistema tem precedência sobre
aqueles que vieram depois. Para a harmonia do sistema, esta ordem deve ser
honrada, pois ela serve à vida e permite que ela se desenvolva23.
Por fim, há a terceira Lei Sistêmica, que é a lei do Equilíbrio entre
o Dar e o Tomar. Conforme esta lei, em um sistema deve haver equilíbrio
entre aquilo que um integrante toma e que o outro dá. Isso é notado mais
facilmente nos relacionamentos entre casais. Segundo Bert Hellinger, o re-
lacionamento de casal dá certo quando existe uma contínua compensação
com algum acréscimo24. Cada cônjuge deve reconhecer que um precisa do
outro e assim dar o que lhe cabe e tomar do outro o que o outro traz de si.
Quando um dos cônjuges recebe do outro, através do seu amor, acrescenta
algo e devolve. Com isso, há equilíbrio e o casal prospera.
Vale observar que esta terceira lei não se aplica para a relação entre
pais e filhos. Isso porque os pais deram o que há de mais precioso aos filhos
e que estes, portanto, jamais poderão retribuir: a Vida. Por isso, os filhos
devem tomar e honrar os seus pais, agradecendo por tudo o que receberam
e o que não receberam, já que não serão nunca capazes de devolver aos pais
algo que seja equivalente à Vida.
Neste âmbito, ressalta-se a valiosa percepção de Bert Hellinger de que
os desequilíbrios nas Ordens do Amor acima tratadas geram conflitos, rom-
pimentos, doenças, dores, distorções, projeções e toda sorte de infortúnios,
para as famílias, grupos e coletivos em geral.

21. HELLINGER, Sophie. A própria felicidade – Fundamentos para a Constelação Familiar – Volume 1.
1ª edição, Brasília/DF: Tagore Editora , 2019, p. 26.
22. HELLINGER, Bert. Ordnungen der Liebe. 11ª edição em alemão. Heidelberg: Carl-Auer Verlag
GmbH, 2015, p. 34.
23. HELLINGER, Bert. Worte die Wirken, Band. 2. Berchtergaden: Hellinger Publications, 2012, p. 363.
24. HELLINGER, Bert. A fonte não precisa perguntar pelo caminho. 3ª edição, Goiânia: Editora Atman,
2012, p. 89.

81
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

Assim, foram desenvolvidos procedimentos para aplicação das cons-


telações familiares e organizacionais, de forma fenomenológica e prática,
muito efetiva, para identificar tais desequilíbrios nas mencionadas Ordens
do Amor e, possivelmente, criar ou possibilitar um novo movimento para
desfazer os emaranhamentos, reequilibrar sistemas e, por consequência, os
indivíduos.

02. 3. A CONSTELAÇÃO FAMILIAR ORIGINAL HELLINGER

A Constelação Familiar, como desenvolvida por Bert Hellinger ao


longo dos anos, é um gênero que abarca as Constelações Familiares, as
Constelações Organizacionais e todas as outras configurações que surgiram e
foram desenvolvidas posteriormente, alcançando o estágio atual das “Novas
Constelações Familiares” ou “Constelação Familiar Original Hellinger”.25
De acordo com Bert Hellinger, nas Constelações Familiares não te-
mos uma prévia imagem do que é certo, de como as coisas deveriam ser e
de como as pessoas envolvidas deveriam se comportar26. A pessoa que se
dispõe a ser uma consteladora não tem um diagnóstico, como um médico,
ou uma pré-concepção de como a situação é ou deveria ser, como ocorre
com muitos terapeutas. Segundo Sophie Hellinger, “O constelador também
entra nesse sistema, mas já que é o último a chegar, ele fica em último lugar”27.
Essas pessoas e aquelas que participam de uma constelação devem se entre-
gar aos movimentos e ao que surge, sem julgamentos, permitir que sejam
tomadas pela força que se manifesta no campo28 de forma respeitosa com o
destino que se manifesta. Somente assim é possível ser tomado pelo próximo

25. Como o próprio Bert Hellinger afirma neste vídeo: <https://www.youtube.com/watch?v=uzB8U1F-


qQBM>, a Constelação Familiar tem uma longa história de desenvolvimento e ele descreve o momento
atual das “Novas Constelações Familiares”. Acessado em 27.02.2019.
26. HELLINGER, Bert, vídeo disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=yfrCzwAYOH0>.
Acessado em: 27.02.2019. A partir do minuto 7:25.
27. HELLINGER, Sophie, A própria felicidade: fundamentos para a Constelação Familiar. Brasília. Ta-
gore Editora, 2019, p. 154.
28. Sobre o campo, Bert Hellinger explica como o constelador e os representantes em uma constelação
entram em ressonância com tudo que pertence ao campo particular do sistema constelado e tudo que
a ele pertence. HELLINGER, Bert, vídeo disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=9Ms-
D4HhZpZo>. Acessado em 27.02.2019.

82
A RELAÇÃO DE CONVERGÊNCIAS E DIVER‑GÊNCIA ENTRE OS CONCEITOS DE JUSTIÇA E

movimento que quer se manifestar e que busca uma solução à situação, de


modo a servir à vida.
Nesse sentido, o Instituto Ipê Roxo, de Florianópolis/SC, adota a
seguinte descrição a respeito das Constelações Familiares:

“É uma nova abordagem da Psicoterapia Sistêmica Fenomenoló-


gica criada e desenvolvida pelo alemão Bert Hellinger após anos de
pesquisas com famílias, empresas e organizações em várias partes do
mundo, buscando o diagnóstico e solução de problemas e conflitos. O
resultado desses experimentos se transformou em um trabalho simples,
direto e profundo que se baseia em um conjunto de “leis” naturais que
regem o equilíbrio dos sistemas que o próprio Bert gosta de chamar de
“Ordens do Amor”.29

Diante disso, pode-se afirmar que as Constelações Familiares nos


auxiliam a identificar os desequilíbrios ocorridos nas “Leis Sistêmicas”
e emaranhamentos nelas existentes, seja em uma família, um grupo, um
coletivo, uma empresa, uma sociedade, um país, um casal, ou até dentro
de nosso universo interno. Torna-se possível observar dinâmicas de amor,
saúde, doença ou exclusão, entre outras, que não eram perceptíveis. Somente
sendo vistas, tomando-se consciência dessas dinâmicas, será possível, dentro
da constelação, observar e seguir para o próximo movimento.
No tocante às Constelações Organizacionais a Hellinger® Sciencia,
traz o seguinte recorte:30

“Os contextos e dinâmicas essenciais de um problema profissional, uma


determinada posição ou mesmo de uma empresa inteira são rapidamente
reveladas dentro de um período mínimo de tempo através das Constelações
Empresariais, Profissionais e Organizacionais de Bert e Sophie Hellinger.
Conflitos com superiores e funcionários mostram imediatamente a sua
origem. Por meio da aplicação da Constelação Familiar Hellinger® as
medidas de reestruturação de uma empresa podem ser verificadas

29. Disponível em: <https://iperoxo.com/constelacao-sistemica-e-familiar/>. Acessado em 27.02.2019.


30. Disponível em: <https://www.hellinger.com/pt/pagina/seminario/hellingerr-negocios-e-gestao/>.
Acessado em: 27.02.2019.

83
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

quanto ao seu potencial de sucesso ou de fracasso, garantindo uma


economia de recursos... Assim, soluções concretas são buscadas e en-
contradas. De maneira surpreendente e clara os contextos, dinâmicas
e áreas contraproducentes até então encobertos se revelam... Uma
vez que as dinâmicas de fundo são descobertas, o resultado é uma
nova habilidade para agir que supera os respectivos bloqueios para
o sucesso... as ordens e leis da Vida descobertas por Bert Hellinger nos
sistemas familiares possuem a mesma validade no interior das empresas”.

Observamos que a Constelação Familiar, portanto, sai do seu território


tradicional das dinâmicas da família e se espraia para diversas áreas e con-
textos da vida em sociedade, como empresas, escolas, organizações sociais,
tribunais, escritórios de advocacia, entre outros. Isso porque tais temas, de
forma geral, estão relacionados à própria família, seja a família atual ou
mais ampla, englobando outras relações anteriores ou contemporâneas aos
indivíduos31.
De fato, todos carregam seus sistemas consigo onde quer que estejam
e onde quer que atuem. Por isso, as constelações e a filosofia desenvolvida
por Bert Hellinger, e que segue sendo pesquisada no contexto da Hellinger
Sciencia®, são valiosas formas de se observar como diversos sistemas sociais
têm se organizado, as dinâmicas não aparentes e não conscientes e qual o
movimento que o destino anseia para servir à vida.

02. 4. O DIREITO SISTÊMICO E A ADVOCACIA SISTÊMICA

Segundo o precursor na sistematização e aplicação do Direito Sistêmico


aqui no Brasil, o juiz de Direito Sami Storch32:

“A expressão ‘direito sistêmico’, no contexto aqui abordado, surgiu


da análise do Direito sob uma ótica baseada nas ordens superiores que
regem as relações humanas, segundo a ciência das constelações sistêmicas
desenvolvida pelo terapeuta e filósofo alemão Bert Hellinger.”

31. HELLINGER, Bert. Leis Sistêmicas na Assessoria Empresarial. Belo Horizonte: Atman, 2014, p. 7.
32. Disponível em: <https://direitosistemico.wordpress.com>. Acessado em: 27.02.2019.

84
A RELAÇÃO DE CONVERGÊNCIAS E DIVER‑GÊNCIA ENTRE OS CONCEITOS DE JUSTIÇA E

Nesse sentido, o Direito Sistêmico emerge como uma forma direta de


se aplicar às relações e casos jurídicos, as premissas das Ordens do Amor, das
Constelações Familiares e a postura e olhar sistêmicos, conforme ensinados
por Bert Hellinger.
Como filosofia e metodologia autônoma, o Direito Sistêmico surgiu
de uma inquietação do Dr. Sami Storch que, já apropriado do conhecimento
acerca das Constelações Familiares, percebeu que as soluções jurídicas e,
portanto, legais, muitas vezes não traziam justiça e/ou equilíbrio real aos
sistemas familiares e às relações. Segundo Sami Storch:

“O direito sistêmico se propõe a encontrar a verdadeira solução.


Essa solução não poderá ser nunca para apenas uma das partes. Ela
sempre precisará abranger todo o sistema envolvido no conflito, porque
na esfera judicial – e às vezes também fora dela – basta uma pessoa
querer para que duas ou mais tenham que brigar. Se uma das partes
não está bem, todos os que com ela se relacionam poderão sofrer as
consequências disso.
(...)
A abordagem sistêmica do Direito, portanto, propõe a aplicação
prática da ciência jurídica com um viés terapêutico – desde a etapa
de elaboração das leis até a sua aplicação nos casos concretos. A pro-
posta é utilizar as leis e o direito como mecanismo de tratamento das
questões geradoras de conflito, visando à saúde do sistema ‘doente’ (seja
ele familiar ou não), como um todo” (grifo nosso).” 33

Na prática, o Direito Sistêmico pode ser utilizado não apenas por meio
da aplicação das Constelações Familiares aos casos jurídicos, como também
por meio de exercícios teóricos e práticos mais simplificados. Além disso, de
forma mais sutil, os profissionais do Direito podem adotar a abordagem e a
postura sistêmicas para olhar para o caso de forma mais ampla. Interessa-nos
neste estudo, especialmente a atuação das advogadas e advogados.
No que tange a este tema, a advogada e consteladora Bianca Piazzatto
Carvalho, autora da Obra “Constelações Familiares na Advocacia Sistêmica

33. Disponível em: <https://direitosistemico.wordpress.com>. Acessado em: 27.02.2019.

85
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

– Uma Prática Humanizada”, trata dos Pressupostos do atendimento sistê-


mico, que seriam34:

(i) Pensamento sistêmico: seria a percepção primordial de que o


mundo é composto por sistemas e que as partes que integram
um sistema serão afetadas por ele e o afetarão, invariavelmente;
(ii) Presença: seria o exercício constante de trazer a consciência
para o momento presente, por meio dos cinco sentidos e de
nossa sensibilidade inata. Aqui, resgatamos a percepção de
que, atuar no modo “piloto automático”, ou permeado de
emoções causadas por uma questão pessoal, pode interferir
radicalmente no caso de um cliente, trazendo consequências
sérias para a vida e o sistema do interlocutor de um operador
do Direito. Neste âmbito, para Bianca, é imprescindível res-
gatar a essência primária da função da advogada / advogado
sistêmico, na busca de nossa verdade interna e da real missão
do advogado, dando suporte necessário ao cliente, para que,
com consciência, possa encontrar a solução adequada para
seu caso;
(iii) Percepção sistêmica: tal percepção conecta-se com a premissa
de que o advogado ou advogada possam enxergar o cliente e
sua questão, bem como todo conflito, processo, sistema, sem
intenção pessoal e sem querer mudar nada, conectando-se
com um sentimento de respeito e com a disponibilidade in-
terna de estar a serviço daquele sistema, com seus destinos
e peculiaridades;
(iv) Postura sistêmica: a postura sistêmica seria o que Bianca
designa como um “estágio avançado de presença”, em que o
advogado ou advogada se afasta da intenção de querer ajudar
o cliente, interpretando o que é certo ou errado, bom ou ruim
para o interlocutor. O ideal seria a postura de acolhimento,

34. CARVALHO, Bianca Pizzatto. Constelações Familiares na Advocacia Sistêmica – Uma Prática Hu-
manizada. 1ª edição, Joinville/SC: Manuscritos Editora, 2018.

86
A RELAÇÃO DE CONVERGÊNCIAS E DIVER‑GÊNCIA ENTRE OS CONCEITOS DE JUSTIÇA E

em que o advogado ou advogada não é um destino ou um


fim para a solução, mas uma ferramenta;
(v) Linguagem sistêmica: frases com mensagens que sensibili-
zam - neste item, é frisado que o trabalho do advogado ou
advogada sistêmica é de mudança de posições ou de estados
e, portanto, das imagens cristalizadas trazidas pelo cliente.
Nesse sentido, as frases e a linguagem sistêmica, de forma
geral, são instrumentos muito eficazes, para que o cliente já
possa enxergar a situação por outro prisma e, quiçá, encontre
uma solução de forma autônoma para sua situação.35

Além desses pressupostos, o profissional do Direito Sistêmico e, es-


pecialmente os advogados e advogadas, devem se lembrar que estão na
posição de ajudantes e por isso devem seguir as “Ordens da Ajuda”, confor-
me definidas por Bert Hellinger. As advogadas e advogados não devem se
colocar na posição de salvadores, tampouco na posição de mestres que irão
ensinar ao cliente como agir frente a determinadas situações. Nesses casos,
a ajuda pode ser perigosa, podendo causar uma intervenção prejudicial no
movimento de outra pessoa36. Eles são ajudantes que devem buscar a sintonia
com seus clientes37, sendo necessário que entrem na mesma vibração para
poder entendê-los e se despedir de suas intenções, do que deve e precisa
ser feito. Somente assim será possível exercer a atividade jurídica de forma
efetivamente prestativa e livre de projeções e transferências. Paraentrar
nessa sintonia, é fundamental que as advogadas e advogados conheçam as
“Ordens da Ajuda” na forma como definidas por Bert Hellinger38. Segundo a
primeira dessas ordens, deve-se dar apenas o que se tem e somente esperar e
tomar o que se necessita. Para os profissionais do direito é importante saber
os limites de sua profissão e o que ela pode oferecer ao cliente, deixando isso
claro para delimitar o que pode ser realizado. A segunda ordem talvez seja

35. CARVALHO, Bianca Pizzatto. Constelações Familiares na Advocacia Sistêmica – Uma Prática Hu-
manizada. 1ª edição, Joinville/SC: Manuscritos Editora, 2018, p. 81.
36. HELLINGER, Bert. Worte die Wirken, Band 1. Berchtergaden: Hellinger Publications, 2012, p. 218.
37. Segundo Bert Hellinger, “sintonia é a percepção que vem de dentro”. Sobre essa sintonia e o papel
do ajudante: HELLINGER, Bert. Ordens da Ajuda. Goiânia: Atman, 2013, p. 21.
38. HELLINGER, Bert. Ordens da Ajuda. Goiânia: Atman, 2013, pp. 14 a 19.

87
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

uma das de maior dificuldade, pois exige uma submissão às circunstâncias


existentes e uma atuação e um apoio apenas na medida do que elas permi-
tirem. Desse modo, advogadas e advogados devem se submeter ao sistema e
ao destino do cliente e entrar em sintonia com isso para poder observar com
qual movimento é possível ajudá-lo. A postura exigida para isso representa
a terceira ordem da ajuda: o profissional do direito deve se colocar como
um adulto perante outro adulto que procura sua ajuda. O cliente não é uma
criança ou uma pessoa que precisa ser salva, ele é um adulto que deve ser
olhado como tal para ser possível trabalhar adequadamente com seu caso.
A quarta e quinta ordens vêm complementar as três já apresentadas
e aprofundam essa postura que o ajudante deve ter diante do cliente. Não
deve haver uma empatia pessoal, um relacionamento pessoal com o cliente,
o advogado e a advogada devem ter uma visão sistêmica, incluindo toda a
família e tudo que pertence ao sistema do cliente (quarta ordem). Isso só é
possível se o advogado ou a advogada puder desenvolver amor pelo cliente
da forma que ele é, por mais diferente que seja. Esse cliente adulto deve ser
amado e visto em seu sistema familiar para que o operador do direito possa
entrar em sintonia com ele e prestar um serviço que efetivamente o ajude.
Diante disso, fica evidente que a forma de atuação sistêmica, no âmbito
da advocacia e das profissões jurídicas em geral, é uma maneira completa-
mente inovadora e diferenciada de lidar com as questões e casos jurídicos,
criando um ambiente de acolhimento ao cliente, retirando o protagonismo
do advogado ou da advogada, tão recorrentes na atualidade, e trazendo à
consciência e à superfície as potenciais causas reais, efetivas e essenciais, de
um conflito ou processo.

03. DESENVOLVIMENTO DE CASOS CONCRETOS

Com base no quanto acima tratado, far-se-á a descrição de dois relatos


de experiência prática própria e casos concretos de atendimentos sistêmicos,
realizados no âmbito da advocacia sistêmica a clientes. Antes, porém, é ne-
cessária uma breve abordagem teórica, por ser relevante para analisarmos
o caso descrito abaixo que trata de herança.

88
A RELAÇÃO DE CONVERGÊNCIAS E DIVER‑GÊNCIA ENTRE OS CONCEITOS DE JUSTIÇA E

03. 1. HERANÇA

O ordenamento jurídico brasileiro prevê a possibilidade de a pessoa


natural dispor de seus bens após a morte por meio de testamento. Testamento
é um negócio jurídico unilateral, por meio do qual a pessoa pode estabelecer
a forma como seus bens devem ser distribuídos após a sua morte. No entanto,
há limites legais a essa disposição, sendo o principal deles o previsto no artigo
1789 do Código Civil, que afirma que, em “havendo herdeiros necessários,
o testador só poderá dispor da metade da herança”39.
Os herdeiros necessários são aqueles elencados no artigo 1.845 do
mesmo Código: os descendentes, os ascendentes e o cônjuge.
Dessa forma, se a pessoa não possuir descendentes, ascendentes,
tampouco cônjuges vivos na data em que falecer, ela poderá dispor de todos
os seus bens por testamento. Caso contrário, havendo qualquer pessoa que
se encaixa em uma dessas categorias, apenas a metade do patrimônio estará
livre para ser distribuída como aprouver ao testador.
Por isso, quando se olha sob a perspectiva do ordenamento jurídico
brasileiro, constata-se que os filhos têm direito a receber a herança deixada
por seus pais. Os pais podem vir a morrer sem deixar nenhum bem mate-
rial, mas, se houver bens após a morte, os filhos têm direito de recebê-los a
título de herança.
Além disso, o artigo 1.835 do Código Civil determina que os filhos
herdam “por cabeça”. Isso quer dizer que têm direito a valores iguais da
herança; sendo, por exemplo, dois filhos, eles teriam direito, cada um, a
metade da herança. Diante disso, caso os pais queiram deixar bens em valor
superior a um dos filhos, devem fazê-lo por meio de testamento com o limite
de cinquenta por cento mencionado acima.
Como é costume que as pessoas morram e deixem parte do patrimô-
nio construído durante a vida para seus sucessores, é usual haver herança
a ser distribuída. Com isso, é correto dizer que os filhos têm direitos iguais
à herança deixada pelos pais, caso não haja testamento que acrescente algo
ao patrimônio de um dos filhos. Na existência desse costume protegido

39. BRASIL, Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil Brasileiro. Disponível em: <http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/l10406.htm>. Acessado em 12 de junho de 2018.

89
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

legalmente, muitos filhos, sabendo do seu direito, passam a proteger e até


mesmo exigir que os pais deixem parte de seu patrimônio, quando estes
vierem a falecer.
Sob a visão sistêmica, a exigência desse direito pelos filhos causa
dinâmicas prejudiciais à família e a eles mesmos40. Por isso, sob o ponto de
vista sistêmico, os filhos não têm o direito de exigir herança material de seus
pais, que podem fazer o que bem entenderem com os bens que acumularem
durante suas vidas. Segundo a visão preconizada pela Filosofia Hellingeriana,
os pais já deram tudo que o filho precisa, ao dar-lhe a vida, algo que nunca
será possível retribuir, ou seja, os filhos já nascem devedores de seus pais.
O filho que olha para a herança desejando-a, exigindo-a, olha para trás e
não reconhece tudo aquilo que recebeu dos pais41. Para libertar-se, o filho
deve olhar para frente e ter gratidão ao reconhecer que recebeu tudo o que
precisava, tudo o que era o certo receber. Para Bert Hellinger, para merecer
uma herança, quem a recebe deve colocá-la à disposição da vida por meio
de um serviço, para que se torne um símbolo de gratidão e amor por aqueles
de quem receberam42.
Ademais, é válido ressaltar que, do ponto de vista sistêmico, a herança
recebida pelos filhos e demais sucessores não abarca apenas “bens ativos” e
elementos “positivos”, mas toda bagagem transmitida de maneira transge-
racional, sejam padrões de comportamento, disputas, questões relacionais e
demais elementos intangíveis. Ainda do ponto de vista sistêmico, os filhos
não têm direito de pleitear o recebimento de bens em valor igual ao recebido
por seus irmãos. Os pais têm a discricionariedade para determinar a quem e
quanto pretendem deixar de herança, se o fizerem. Apesar de certas limita-
ções legais, de acordo com as leis sistêmicas, um filho não pode questionar
a decisão tomada por seus pais ao decidir o valor e a forma de distribuição
de uma herança. Essa breve abordagem teórica é relevante para análise do
caso em questão.
40. Bert Hellinger afirma de forma contundente que “aquele que espera por uma herança e planeja seu
destino, espera, na verdade, pela morte de quem a deixa. (...) Uma herança assim facilmente se torna
uma maldição. Ela tira algo ao invés de dar.” HELLINGER, Bert. Leis Sistêmicas na Assessoria Empresa-
rial. Belo Horizonte: Atman, 2014, p. 114.
41. BERTATE, Renato. Aula ministrada para a Turma 1 de Direito Sistêmico da Faculdade Innovare. São
Paulo, 19 e 20 de maio de 2018.
42. HELLINGER, Bert. Leis Sistêmicas na Assessoria Empresarial. Belo Horizonte: Atman, 2014, p. 115.

90
A RELAÇÃO DE CONVERGÊNCIAS E DIVER‑GÊNCIA ENTRE OS CONCEITOS DE JUSTIÇA E

(i) Parte jurídica

O cliente procurou as advogadas informando pontualmente sobre


uma penhora de sua conta bancária, na qual ele recebia os proventos de
sua aposentadoria. Ao destrinchar o caso, o cliente contou que referida
penhora era proveniente de uma decisão judicial no âmbito de uma ação
monitória, tendo por objeto Contrato de Venda e Compra de um imóvel.
Referido imóvel era de propriedade do cliente e de sua irmã, em condomí-
nio de caráter necessário, já que havia sido herdado de seus pais. Os irmãos
haviam pactuado a venda do imóvel, que não foi efetivada. O autor da ação,
comprador do imóvel, afirma ter firmado o contrato de compra e venda de
imóvel com os réus (cliente em tela e sua irmã), momento em que deu um
sinal de R$ 15.000,00, comprometendo-se a aguardar o final do inventário, do
qual o imóvel era objeto, para regularização de sua propriedade por meio do
pagamento do valor remanescente, entrega da posse e lavratura da escritura.
O autor alegou que, quando o inventário ficou pronto, em 2004, os réus (o
cliente e sua irmã, proprietários da casa) teriam desistido da venda. Assim,
de acordo com o contrato, teriam que ter devolvido o valor do sinal dado.
Na versão dos vendedores, o autor teria desistido da compra por
não ter dinheiro suficiente para arcar com o valor remanescente do preço
de aquisição da casa no momento da lavratura da escritura. Sabendo desse
fato e considerando que a venda seria cancelada, a irmã do cliente não com-
pareceu ao cartório para assinar a Escritura de Venda na data programada.
Diante dessa divergência de comunicação, a escritura não foi formalizada e
as partes deixaram de se falar.
Em 2015, entretanto, o autor ajuizou a ação acima referida, cobrando
o sinal atualizado (cerca de R$ 150 mil). A irmã do cliente ora tratado con-
testou a ação, mas não apresentou provas de que foi o autor que desistiu do
negócio. Já o cliente em tela não se manifestou na ação. A sentença condenou
o cliente e a irmã a ressarcirem o autor. Em virtude disso, a irmã interpôs
recurso de apelação. Para o cliente, a sentença transitou em julgado, gerando
a determinação de penhora de sua conta e de seus bens. Foram penhoradas
a conta poupança e a aposentadoria do cliente e de sua esposa. Além desse
contexto processual, foi possível apurar que o cliente é o irmão mais velho

91
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

da família e que os irmãos herdaram o imóvel em proporções distintas,


tendo a irmã do cliente restado com a maior fração ideal do imóvel objeto
da ação descrita. Nesse cenário, era perceptível a dor do cliente diante dessa
diferenciação feita entre ele e sua irmã para fins de apuração da herança.
Foram apresentadas pelas advogadas diversas petições requerendo o
cancelamento da penhora por ilegalidade, porém todas foram negadas. Foi
então que o cliente concordou em realizar uma constelação familiar para
que fosse possível verificar o que estaria ensejando esses desdobramentos. Os
irmãos não se falavam havia anos e um dos motivos era o fato de a irmã ter
recebido a maior parte da herança, em virtude de ser uma mulher, de acordo
com as razões expressadas pelos seus pais (fato este desconhecido por ela).

(ii) Descrição da Constelação

Parte 1:

Foram posicionados representantes para o cliente, a irmã, o pai, a mãe


e o imóvel onde, por sinal, a irmã do cliente reside até hoje. A constelação
foi silenciosa e ninguém sabia quem ou o que estava representando. A re-
presentante da casa saiu para longe, para fora do campo, dizendo que estava
bem incomodada ali onde fora colocada. Lentamente, formou-se um círculo
com os demais representantes, ficando todos imóveis, distantes entre si.
Foi feito o alinhamento43 entre a representante da casa e o representante
do pai, uma vez que este a tinha construído (era o seu sonho). Ele agradeceu
por tudo, em profundo reconhecimento, mas a representante da casa insistia
que sentia muito peso na situação. A representante da mãe estava próxima
do representante do pai, porém com sinais de muito desconforto. Os repre-
sentantes dos filhos estavam mais distantes, apenas observando.
Após o alinhamento com a casa, a representante da mãe e o repre-
sentante do pai puderam se olhar, mas a representante da mãe manifestava
profunda raiva pelo representante do marido e se afastou, tendo dificuldade
para olhá-lo. O representante do pai caiu no chão chorando, demonstran-
do grande sofrimento, dizendo que “não via mais saída”. Neste momento,
43. Os autores definem alinhamento como frases de solução que auxiliam a dissolver os nós dos rela-
cionamentos, trazendo à luz aquilo que estava inconsciente.

92
A RELAÇÃO DE CONVERGÊNCIAS E DIVER‑GÊNCIA ENTRE OS CONCEITOS DE JUSTIÇA E

surgiu o movimento (depois houve a confirmação): ele havia se suicidado


dentro da casa e isso era um segredo no sistema familiar. Foram feitos os
alinhamentos entre o representante do pai e a representante da mãe. Cada
um pôde agradecer e assumir a sua parte da responsabilidade por tudo. Os
representantes dos filhos foram convidados a agradecer aos representantes
dos pais (alinhamento com os pais) e à representante da casa. Ao falar da
sua gratidão pela casa, o representante do filho (cliente) trouxe a informação
de que lamentava não poder chamar a casa de “lar”; sentia um profundo
incômodo, uma injustiça44.
Com esta informação, foi colocada na constelação um outro represen-
tante, o sentimento de injustiça. Houve então um novo alinhamento – agora
entre os representantes dos irmãos. O representante do irmão reconheceu a
presença do sentimento de injustiça, que se aproximara muito dele, e pôde
agradecer por sua presença todos esses anos. Depois conseguiu dizer que
não precisava mais dele. A representante da irmã pôde reconhecer os sen-
timentos do representante do irmão e se colocou no seu lugar. Com isso,
irmã e irmão foram se aproximando e ficaram lado a lado na constelação,
também próximos da representante da casa.

Parte 2:

Além dos representantes já inseridos, dois novos representantes foram


chamados e convidados a encontrarem seus lugares: a justiça e o autor da ação.
O representante do autor da ação posicionou-se quase de frente para
o representante do cliente, e o representante da justiça colocou-se próximo,
observando; manifestou tranquilidade e ar de simpatia diante do cliente. A
representante da irmã e a representante da casa estavam presentes no campo,
só que mais distantes.
Foram feitos os alinhamentos entre o representante do cliente e o
representante do autor da ação. O representante do cliente agradeceu pela
intenção. A representante da justiça manifestou, então, desconforto quanto
44. Esta foi a primeira vez que o cliente levantou a cabeça desde o início da Constelação e se interessou
pelo que estava ocorrendo. Antes mantinha-se apático. Fato: o pai, ao morrer, havia deixado em testa-
mento 75% da herança para a filha e 25% para o filho, por ser homem e mais velho, e por ter, segundo
seu pai, condições de não depender da herança. Também no falecimento da mãe, mesmo com nova
divisão, esta porcentagem se manteve: 75% para a irmã, 25% para o irmão.

93
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

à presença do representante do autor da ação. Foi então feito o alinhamento


entre o representante do autor da ação, o representante do cliente e a repre-
sentante da irmã, com a representante da justiça posicionada junto a eles.
Com isso, o representante do autor da ação se inclinou e foi se retirando,
praticamente saindo do campo.

(iii) Percepções

a) O suicídio ficou claro a partir dos sentimentos e sensações


manifestados pelo representante do pai. Esposa e filhos não
conseguiam sequer se aproximar dele;
b) Com a divisão da herança, ficou 75% para a filha mulher e 25%
para o filho homem. Embora nunca tenha se manifestado, o cliente
confessou que se sentira extremamente injustiçado na época e
até aquele momento, por isso, não quis tomar iniciativa para se
defender no processo, só o fazendo porque teve a poupança e a
conta onde recebia sua aposentadoria penhoradas;
c) A irmã, que não tinha a menor consciência da mágoa e do
ressentimento do irmão por conta da injustiça que sentia, após a
constelação entendeu o motivo da distância dele e a razão de não
se falarem há tantos anos;
d) Tão logo foi encerrada a constelação, os irmãos se abraçaram
chorando e ficaram um bom tempo juntos, muito emocionados.
Foram embora juntos.

(iv) Andamento e resultado processual

Após a realização da constelação, seguiu a atuação jurídica no processo


judicial. Em pouco tempo o recurso apresentado pelas advogadas que atuaram
no caso foi provido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. Não apenas a pe-
nhora foi cancelada, como também foi reconhecida a prescrição da pretensão
do autor de cobrar o valor entregue como sinal para a compra do imóvel.

94
A RELAÇÃO DE CONVERGÊNCIAS E DIVER‑GÊNCIA ENTRE OS CONCEITOS DE JUSTIÇA E

03. 2. EMPRESA FAMILIAR

(i) Parte jurídica

Do ponto de vista jurídico, havia uma questão societária gerando incô-


modos recorrentes aos integrantes do sistema de uma empresa de corretagem
de imóveis. A empresa familiar, cujos sócios eram pais, filhos e irmãos, vinha
enfrentando questões de hierarquia interna e desentendimentos por conta
de temas de gestão e financeiros.
Por isso, um de seus sócios solicitou a realização de uma Constelação
Organizacional, a fim de identificar os emaranhamentos por trás das dinâ-
micas relacionais instituídas.

(ii) Descrição da Constelação Organizacional

Representantes:

1– “D” - Pai do cliente


2– “A” - Tio do cliente, irmão mais novo
do pai
3– “R”- cliente
4– “L” Avô do cliente, fundador da
imobiliária
5– “E” - Empresa (Imobiliária)
6– Dissolução
7– Cisão
8– O que a Alma pede
9– Avó
10– Continuidade

95
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

A Constelação

O cliente “R” relatou que estava insatisfeito com o desempenho da


empresa como um todo. “R” é um dos sócios. Atualmente o pai “D” tem 45%
de participação, o tio “A” outros 45% e ele, “R”, 10% - os quais foram doados
pelo avô “L”, quando “R” completou 25 anos de idade. “R” sente-se obrigado
a administrar o negócio por conta do pai. Gostaria de sair da empresa, mas
sente culpa. Quer que a empresa feche, seja vendida ou ocorra uma cisão.
“R” trabalha desde os 13 anos de idade na empresa. O avô faleceu há
4 anos. Tanto “R” quanto “D” sentiam-se injustiçados quanto à divisão de
lucros, tendo em vista que ambos entendem que trabalham muito mais que
o outro sócio “A” (tio de “R”).
Após o avô falecer a situação piorou porque para “A” suas duas filhas,
que também trabalham na empresa, mereciam a mesma participação na
sociedade, como forma de herança do avô.
“R” relatou que se sentia obrigado a tocar o negócio, por conta de seu
pai “D”, que tem estado doente. Ao mesmo tempo, sente culpa, caso decida
sair, mas também percebe que as primas não têm autonomia nem competência
para tocar o negócio. Há muito tempo existe esse conflito entre o pai “D” e

96
A RELAÇÃO DE CONVERGÊNCIAS E DIVER‑GÊNCIA ENTRE OS CONCEITOS DE JUSTIÇA E

o tio “A”. De acordo com “R”, haveria uma rivalidade velada entre ambos.
Ainda, segundo “R”, “D” aprecia “A” como irmão, mas não como sócio.
Ao trazer a questão para o campo, “R” diz que gostaria que a empresa
acabasse. De toda forma, três possíveis caminhos são sugeridos, quais sejam:
Dissolução (6); Cisão (7), com a saída do tio; e Continuidade (10), com uma
nova divisão interna;
Parte da questão consiste na sensação de “R” e “D” de que ”A” não
contribuiu nem com trabalho, nem com ideias para o crescimento da em-
presa. Mas, ainda assim, recebe a mesma porcentagem que seu irmão mais
velho “D”. Diante deste cenário, “R” gostaria de ver, através da Constelação,
qual o melhor destino para essa empresa familiar.
“R” posiciona os representantes, que não sabiam quem estavam repre-
sentando (constelação silenciosa). Foram utilizados números como crachás,
para identificação de cada representante.
”D” foi posicionado no centro, ”A” acima e “L” ao lado de “D”. Ele
coloca-se abaixo do avô “L”, e a Empresa próxima a ele.
Foi decidido incluir os três novos elementos em algum momento:
Dissolução da empresa (6); Cisão da empresa (7), com a saída do tio “A”; e
“O que a alma pede” (8).
No primeiro momento, apenas o 8 entrou no campo com os demais
e eram estes os posicionamentos:

97
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

Foi feito o primeiro movimento, então o pai “D” fica acima, “R” no
meio, e a Empresa abaixo dele. O tio “A” fica excluído, e “o que a alma pede”
fica ao lado.
Num próximo movimento a Empresa busca “R” pela mão, mas o
representante “R” não lhe dá a mão. A representante de “E” posiciona-se
frente a “R” e diz: “Sinto vontade de ficar perto de você, R”.
Com um movimento, dizendo sentir-se puxado, “R” diz ainda que
sente também vontade de ficar perto de “I”, para ser “escudo” de “D”.
“O que a alma pede” está angustiada, dizendo que queria ficar perto
de “E” (Imobiliária) e do tio “A”, mas que eles não estão perto.
O avô “L” diz estar tenso, e que a Empresa e “R” o deixam confortável,
e que não entende “A”. Neste momento, coloca-se a avó “M”, que também
ajudou no início da empresa familiar.
E então, um novo movimento se faz. O Pai “D” e o avô “L” ficam
próximos. A Empresa faz um par com “R”, e mais recuados está o tio “A”
com a Avó “M”.
E “o que a alma pede” fica no meio das duplas: “I” + “R”, “A” + “M” e
“D” + “L”. Neste momento, percebe-se que alianças são formadas.
A avó “M” diz querer ficar perto do tio “A”, e olha para “R”. O tio “A”
diz que não gosta da avó “M” ao lado, mas que ela iria ajudar.
Aqui percebemos uma exclusão do tio “A” no sistema, e pede-se para
a avó dizer para o tio: - “Você faz parte”!
O tio diz que não sente que faz parte.
“O que a alma pede” diz que tem vontade de ir até “A” e até a Empresa.
O avô “L” vai para frente de “o que a alma pede”. A avó “M” sente-se
incomodada ao olhar para o avô “L”.
Vale ressaltar que os avós se divorciaram quando o pai “D” ia se casar. E
o avô “L” teve outras relações afetivas enquanto estava casado com a avó “M”.
“D” diz que “M” está se intrometendo em algo que não lhe diz respeito.
A Empresa diz querer ir até o “A” e “M” (os excluídos) e que ficou feliz
de ouvir que “A” pertence.
Já “R” diz que “A” não pertence, mas que se sente mais próximo após
a fala. “A” diz que, com “M” ao lado, ele não se aproxima dos demais.

98
A RELAÇÃO DE CONVERGÊNCIAS E DIVER‑GÊNCIA ENTRE OS CONCEITOS DE JUSTIÇA E

Neste momento são incluídos na constelação os outros dois repre-


sentantes:

6– Dissolução da Empresa;
7– Cisão da Empresa, com a saída do tio “A”.

Com a entrada destes dois representantes, nova configuração se apre-


senta, ficando da seguinte forma:

Ao entrar esses dois representantes a Empresa cai no chão, perde a


força. “O que a alma pede” olha para o chão e para o tio “A”. A “dissolução
da empresa” fica entre “D” e “R”. “A” senta-se.
O Avô “L”, fundador da Imobiliária, também se senta emocionado.
Ele olha para “A”, filho mais novo que ficara excluído. “R“ também se senta
e abaixa a cabeça.
“L” diz estar bem, e diz que queria ficar no mesmo nível da Empresa,
a qual representa todo o seu legado. A “cisão da empresa” mostra-se incon-
formada com a tristeza da Empresa.
A Empresa perde a força e diz sentir simpatia pelo avô, o fundador dela.

99
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

Essa foi a última imagem da Constelação:

Assim encerramos a Constelação, entendendo que, baseada nas Ordens


do Amor, esta Constelação incluiu o tio “A”, que estava excluído do sistema45,
e também a avó, que pertencia, uma vez que estava com o fundador desde o
início da Empresa familiar, mas não era lembrada como alguém que fazia parte,
com recorrência. Ademais, foi dado ao filho mais velho o reconhecimento de
ter contribuído mais com a força de trabalho e realizações, honrando o seu
lugar de primogênito. O tio “A” teria ficado excluído, ocupando o lugar do
pai, quando os pais se separaram. E, por fim, a Empresa ganha força ao lado
de “R”, o qual se mostra mais preparado para dar continuidade à Empresa,
talvez com um enquadre diferente e desde que honre os seus antecessores.

(iii) Percepções

Esta constelação de base organizacional evidenciou o quanto os con-


flitos entre os sócios de uma empresa vão além do bom relacionamento entre
as partes, profissionalmente. Em especial, neste caso, por ser uma empresa
45. Segundo Bert Hellinger, os excluídos fazem falta ao sistema, sem eles a vida não fica plena e as
pessoas se tornam mais infelizes. No entanto, importante lembrar que eles nunca se vão realmente, eles
se fazem notar de diversas maneiras, seja em sentimentos, comportamentos de algum outro membro da
família, em doenças, etc. A Constelação propicia um reencontro desse excluído com o sistema dentro
de um amor maior e cria espaço para o desenvolvimento da vida. HELLINGER, Bert. Worte die Wirken,
Band 1. Berchtergaden: Hellinger Publications, 2012, p. 50-51.

100
A RELAÇÃO DE CONVERGÊNCIAS E DIVER‑GÊNCIA ENTRE OS CONCEITOS DE JUSTIÇA E

familiar, ficou evidente que os emaranhamentos familiares afetaram dire-


tamente a atividade profissional, não sendo possível separar vida familiar e
vida profissional e ignorar as questões humanas que permeavam o cenário.
Aqui também foi possível perceber que estar atento às novas possi-
bilidades de resolução, através das Constelações, baseadas nos princípios
sistêmicos, abriu a possibilidade de compreensão e esperança para um novo
futuro da Empresa em tela.
Ao aclarar a visão sistêmica, reestabelecendo o equilíbrio nas relações
através do reconhecimento da desordem oculta, foi possível perceber que
o fluxo foi liberado.
Aqui, vale salientar que a visão sistêmica fenomenológica é composta
de dois elementos:

1.º) Sistêmico - diz respeito aos sistemas. Assim como uma família,
uma empresa também é um sistema e, portanto, funciona por meio
de elementos que estão de alguma maneira conectados;
2.º) Fenomenológica - diz respeito à observação do que está pre-
sente no sistema, do que acontece de fato, e não das opiniões ou
julgamentos de comportamentos. O sistema, seja ele familiar ou em-
presarial, está sempre em busca de equilíbrio, em benefício de todos.

Outro elemento que foi revelado por meio da Constelação foi a ex-
clusão de um dos sócios e do não-reconhecimento da avó como alguém
que fazia parte indiretamente da empresa, o que, evidentemente, gerou um
desequilíbrio no sistema.
Também foi desrespeitada a lei do Dar e Tomar (Receber), quando o
pai igualou as partes entre os dois filhos, não reconhecendo que o filho mais
velho havia contribuído em maior proporção para a construção da empresa.
Ademais, por ser uma empresa familiar cabe falar em heranças. A
organização, em termos sistêmicos, pertence à sociedade. Além disso, os
cargos não devem ser, meramente, herdados, mas sim, assumidos por quem
tiver maior capacidade e perfil para tanto. Mas, para que um processo de
transmissão de cargo seja bem-sucedido, ele deve ser oficializado. O novo
“diretor” deve ser empossado e reconhecido por todos da empresa.

101
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

Do ponto de vista sistêmico, é importante ressaltar que, para a empresa


manter-se viva, deve haver o constante equilíbrio entre “dar”, proporcionando
benefícios à sociedade e, então, “receber” por isto. O foco não pode estar
apenas no lucro, mas também em contribuir para o sistema (social, no caso)
de maneira geral.
Às vezes, o fundador ou sucessores chegam ao limite do que têm a
oferecer e, então, são perdidos os horizontes ou a capacidade para expandir.
Este é o momento de deixar que alguém mais capacitado tome posse ou
assuma, a fim de que a empresa não morra. Foi exatamente essa a solução
que a Constelação apontou.

(iv) Andamento e resultado

Após um curto período de tempo, “R” nos informou que foi contrata-
da uma consultoria, a qual, depois de diversos estudos, chegou à conclusão
de que a melhor solução, neste momento, seria a nomeação de “R” como
Diretor Geral, ou seja, é ele quem deverá passar a tomar todas as decisões.
O pai “D”, foi nomeado presidente e o tio “A” vice-presidente. Ambos
atuando como conselheiros – significando que todas as decisões terão que
ser analisadas por eles.
Este retorno fornecido pelo cliente, acerca da solução encontrada
para sua Empresa, logo após a realização da Constelação Organizacional,
veio corroborar o quanto o procedimento não apenas evidenciou um novo
caminho possível, como também desatou os emaranhamentos que impos-
sibilitavam a resolução do conflito.

04. CONCLUSÃO

A partir do que foi exposto neste trabalho, fica evidente a contribui-


ção inestimável para a atuação jurídica da aplicação da postura e do olhar
sistêmico, bem como das Ordens do Amor, através especialmente da prática
das constelações familiares e organizacionais; ou seja, do Direito Sistêmico,
de forma geral.
Foi possível verificar, nos dois casos trazidos para o presente trabalho,
que o Direito Sistêmico pode ser utilizado na prática por meio das Cons-

102
A RELAÇÃO DE CONVERGÊNCIAS E DIVER‑GÊNCIA ENTRE OS CONCEITOS DE JUSTIÇA E

telações Familiares ou das Constelações Organizacionais, com resultados


favoráveis aos clientes. Importante ressaltar que tanto os advogados como
os parceiros que realizaram as citadas constelações basearam toda sua pos-
tura e prática na filosofia hellingeriana e nos conteúdos aprendidos durante
toda a formação.
No primeiro caso citado, que se refere à herança, chegou-se rapi-
damente a uma solução, como mencionado. Em relação ao segundo caso
apresentado, relativo à Empresa Familiar, a resolução veio por intermédio
da clareza da necessidade de se contratar uma consultoria, a fim de que fosse
encontrada a melhor solução, tanto para a empresa como para seus sócios
e demais integrantes, o que de fato aconteceu.
Assim, verificamos por experiência e prática que o Direito Sistêmico
utilizado por meio da aplicação das Constelações Familiares para as relações
e casos jurídicos trouxe um novo olhar, mais amplo, humanizado e neutro,
respeitando o sistema familiar com o qual se está lidando, seus destinos e
peculiaridades.
Inegável e também indispensável lembrar que o Direito, tal qual ele nos
foi trazido como formação e profissão, e vem sendo exercido até hoje, tem
seu lugar privilegiado e de honra reconhecido por todos aqueles que agora
se voltam para o Direito Sistêmico. Essa nova forma de atuar somente pôde
surgir graças ao que o Direito já vinha desenvolvendo; para os profissionais
seguirem nessa prática devem honrar sua trajetória pretérita e terem gratidão
por tudo que o Direito proporciona.
Sentimos que a convergência se dá quando tanto os conceitos de justiça
e lei como a visão sistêmica, proporcionada agora pelo assim denominado
Direito Sistêmico, promove as soluções efetivas aos desafios sociais que são
colocados. Para isso, é necessário que se busque resolver os conflitos sem a
exaustiva litigância, sem as contendas que se verificam nos processos que
muitas vezes demandam anos para que se chegue a uma decisão final, e,
ainda assim, em geral com uma parte que se sente vencedora e outra que se
sente perdedora, mas ambas, muitas vezes, insatisfeitas.
A respeito da divergência, esta se dá apenas pela forma de atuação
dos advogados e demais profissionais ligados ao exercício do Direito, uma
vez que para se trabalhar com a visão sistêmica, com o Direito Sistêmico,

103
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

há necessidade, como já vimos no presente trabalho, de se adentrar em


profundo processo de mudança de perspectiva, proporcionada pelo auto-
conhecimento que a filosofia hellingeriana proporciona. Isso faz com que o
profissional primeiro olhe para si, para a sua família, para as suas relações,
depois experimente, pratique os exercícios teóricos e práticos, para então
finalmente poder buscar a sintonia com o cliente e seu sistema. Assim, da
forma mais sutil, como já mencionado, os profissionais do Direito podem
adotar a abordagem e a postura sistêmicas para olhar para o caso de forma
mais ampla e abrirem-se para a solução que quer emergir.
Segundo Sami Storch o Direito Sistêmico, na prática, viabiliza:

“Uma visão sistêmica do direito, pela qual só há direito quando a


solução traz paz e equilíbrio para todo o sistema”46.

Trazer paz e equilíbrio para o(s) sistema(s) envolvido(s) na questão


jurídica que se apresenta deve ser o objetivo daqueles que pretendem atuar
a partir dos ensinamentos da Hellinger® Sciencia47 dentro da área do Direito.

05. REFERÊNCIAS
BERTATE, Renato. Aula ministrada para a Turma 1 de Direito Sistêmico da Faculdade Innovare.
São Paulo, 19 e 20 de maio de 2018.
BRASIL, Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil Brasileiro. Disponível em: <http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/l10406.htm>. Acessado em 12 de junho de 2018.
CARVALHO, Bianca Pizzatto. Constelações Familiares na Advocacia Sistêmica – Uma Prática
Humanizada. 1ª edição, Joinville/SC: Manuscritos Editora, 2018.
HELLINGER, Bert. Leis Sistêmicas na Assessoria Empresarial. Belo Horizonte: Atman, 2014
HELLINGER, Bert. Ordens da Ajuda. Goiânia: Atman, 2013.
HELLINGER, Bert. Ordens do Amor: um guia para o trabalho com constelações familiares.
São Paulo: Cultrix, 2007.
HELLINGER, Bert. Ordnungen der Liebe – Ein Kursbuch. 11ª edição em alemão, Heidelberg:
Carl-Auer Verlag GmbH, 2015.
HELLINGER, Bert. A fonte não precisa perguntar pelo caminho. 3ª edição, Goiânia/GO:
Atman, 2012.
HELLINGER, Bert. Worte die Wirken, Band 1 und 2. Berchtergaden: Hellinger Publications, 2012.

46. Disponível em: <https://direitosistemico.wordpress.com>. Acessado em: 27.02.2019.


47. Ciência do amor do espírito que se funda nas descobertas e ensinamentos de Bert Hellinger e, sendo
uma ciência aberta, continuar se desenvolvendo. Mais informações em: <https://www.hellinger.com/pt/
pagina/constelacao-familiar/hellinger-scienciar/>. Acessado em 27.02.2019.

104
A RELAÇÃO DE CONVERGÊNCIAS E DIVER‑GÊNCIA ENTRE OS CONCEITOS DE JUSTIÇA E

HELLINGER, Bert. Conexão entre representantes e representados nas Constelações Familiares


- Bert Hellinger. Vídeo disponível na plataforma Youtube em: <https://www.youtube.com/
watch?v=9MsD4HhZpZo>. Acessado em 27.02.2019.
HELLINGER, Bert. Novos Olhares para as Constelações Familiares - Bert Hellinger. Vídeo
disponível na plataforma Youtube em: <https://www.youtube.com/watch?v=uzB8U1FqQBM>.
HELLINGER, Bert. Os efeitos e força de nossas imagens internas. Video disponível na plataforma
Youtube em: <https://www.youtube.com/watch?v=yfrCzwAYOH0>. Acessado em 27.02.2019.
HELLINGER, Sophie. A própria felicidade – Fundamentos para a Constelação Familiar – Vo-
lume 1. 1ª edição, Brasília/DF: Tagore Editora, 2019.
HELLINGER, Sophie. TV Supren Brasilia - Sophie Hellinger erklärt die Hellingerschule deuts-
ch-portuguese 20.09.2016. Video disponível na plataforma Youtube em: <https://www.youtube.
com/watch?v=zuKHlEUNHFg>. Acessado em 27.02.2019.
TEN HOVEL, Gabriele. Um lugar para os excluídos. 4ª Edição, Divinópolis/MG: Ed. Atman,
2016
Blog Direito Sistêmico mantido pelo Juiz Sami Storch. <https://direitosistemico.wordpress.
com>. Acessado em 27.02.2019.
Hellinger Sciencia. <https://www.hellinger.com/pt/pagina/>. Acessado em 27.02.2019.
Instituto Ipê Roxo. <https://iperoxo.com/constelacao-sistemica-e-familiar/>. Acessado em
27.02.2019.

105
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

O DIREITO SISTÊMICO COMO


FERRAMENTA DA CULTURA DE PAZ
PARA A RESOLUÇÃO DE CONFLITOS

Ana Carmem de Sousa Silva


Karla Ramos da Cunha
Mariela Marcantonio Paiva
Marisa Santos Souza Petkevicius

01. INTRODUÇÃO

Dentre as possibilidades de solução de conflitos em andamento


perante a Justiça, a fim de contribuir para a celeridade do julgamento dos
processos, além de proporcionar eficácia em seus julgamentos, há uma
nova proposta implantada com pleno êxito desde 2006 pelo Juiz brasileiro,
Dr. Sami Storch, denominada “Direito Sistêmico”.
Diante disso, o objetivo deste trabalho é identificar de que forma
o Direito Sistêmico pode contribuir como ferramenta para dissolução de
conflitos jurídicos. Para isso, foram analisadas as Constelações Familiares
no meio jurídico e os benefícios de sua implantação no Direito Brasi-
leiro, ressaltando o Novo Código de Processo Civil, a Lei de Mediação
e a Resolução nº 125/10, do Conselho Nacional de Justiça, através do
“Projeto Olhar Consciente” realizado no Fórum Central da comarca de
Mogi das Cruzes.
As atividades do Projeto realizadas por meio de palestras e media-
ções com abordagem sistêmica tiveram como objetivo central o despertar
da comunidade para a humanização de suas questões, trazendo assim um
olhar consciente para os conflitos e situações que as traziam até o Judiciário.

106
O DIREITO SISTÊMICO COMO FERRAMENTA DA CULTURA DE PAZ PARA A RESOLUÇÃO

O presente trabalho se justifica pela necessidade de se buscar ferra-


mentas que auxiliem a reverter a excessiva morosidade do Poder Judiciário,
bem como a redução do ajuizamento de novas lides e os benefícios que o
Direito Sistêmico oferece em ações conflituosas trazem a pacificação social,
oferecendo muitas vezes uma visão clara do problema originário, facilitando
o encontro de solução para este. A pesquisa é de grande relevância para o
meio acadêmico, pois, a proposta do Direito Sistêmico é algo novo para a
sociedade, para as ciências sociais/humanas e a área do direito, necessitando
assim de pesquisas e práticas, e vem apresentando resultados positivos.
A pesquisa utilizada para o presente trabalho foi sistematizada por
meio de estudos bibliográficos e, posteriormente, a implementação do projeto
Olhar Consciente, com palestras e mediações na abordagem sistêmica, as
quais foram acompanhadas e serviram de ampla pesquisa de campo. A pes-
quisa bibliográfica foi feita a partir do levantamento de referências teóricas
publicadas por meios escritos e eletrônicos, como livros, artigos científicos,
páginas de web sites. A pesquisa de campo caracterizou-se pela coleta de
dados junto às pessoas que participaram do Projeto, não só durante a palestra
e o trabalho de mediação, mas após a realização das palestras e mediações
também, através do preenchimento de um questionário com perguntas sobre
os efeitos da palestra e da mediação na solução dos conflitos e na melhora
do relacionamento das partes envolvidas no conflito.

02. O FUNDAMENTO JURÍDICO PARA UTILIZAÇÃO DAS CONS-


TELAÇÕES FAMILIARES ATRAVÉS DA MEDIAÇÃO E NO PODER
JUDICIÁRIO BRASILEIRO

O Conselho Nacional de Justiça, por meio da Resolução 125, de 29


de novembro de 2010, instituiu os Centros Judiciais de Solução de Confli-
tos e Cidadania (CEJUSCs), onde são realizadas audiências de Conciliação
e Mediação. Para reforçar esse entendimento, o novo Código de Processo
Civil trouxe no artigo 3º, § 3º, que os métodos de solução consensual de
conflitos devem ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos
e membros do Ministério Público, a qualquer tempo do procedimento ju-
dicial (BRASIL, 2015).

107
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

A Resolução nº 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça – CNJ


estabelece a Política Pública nacional de tratamento adequado aos conflitos
através da utilização de meios consensuais de tratamento de litígios, como a
mediação e a conciliação, assegurando à sociedade o direito de resolver seus
conflitos por meios adequados à sua natureza e peculiaridade. (BRASIL, 2015).
No artigo 4º da Resolução reitera-se uma das atribuições do Conselho
Nacional de Justiça que é promover ações de incentivo à autocomposição
de litígios e à pacificação social por meio da conciliação e da mediação,
prevendo a implementação do programa com a participação de uma rede
de todos os órgãos do Poder Judiciário, bem como pelas entidades públicas
e privadas parceiras e as entidades de ensino. Cabe destacar que a Resolu-
ção menciona a conciliação e a mediação como instrumentos efetivos de
pacificação social, de modo a solucionar e prevenir os litígios, já que sua
prática em programas pioneiros no país tem reduzido a excessiva judicia-
lização dos conflitos de interesses, a quantidade de recursos e de execução
de sentenças, devendo servir de base para a criação de Juízos de resolução
alternativo de conflitos, verdadeiros órgãos judiciais especializados na
matéria (SCHMIDT, 2008).
A publicação da Lei 13140/15 trouxe o marco regulatório da mediação
no Brasil e o Novo Código Civil de 2015 consagrou um novo paradigma
ao Direito pátrio, voltado, então, para os meios consensuais de solução de
conflitos (BRASIL, 2015). A mediação é definida pelo parágrafo único do
artigo 1º do diploma legal supracitado, como atividade técnica exercida por
terceiro imparcial sem poder decisório, que, escolhido ou aceito pelas partes,
as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para
a controvérsia (BRASIL, 2015).
A Lei 13140/15, instituiu a implementação da mediação na esfera
judicial e extrajudicial, abrindo campo para o procedimento que mais exige
das partes conhecimento, consciência e maturidade. Trata-se, assim, de um
procedimento que pode levar os envolvidos ao autoconhecimento, crescimento
pessoal e, então, ao preparo para a melhor diligência da vida e dos futuros
relacionamentos. Dessa forma, para o sucesso da mediação é fundamental a
destreza do mediador, a habilidade de condução e preparo das partes para o
diálogo, negociações e acordos, pois embora ele figure como o terceiro com

108
O DIREITO SISTÊMICO COMO FERRAMENTA DA CULTURA DE PAZ PARA A RESOLUÇÃO

menor exercício de interferência na tratativa propriamente dita, lida com o


procedimento mais delicado e mais transformativo das pessoas envolvidas
(BRASIL, 2015).
A mediação é um procedimento voluntário e confidencial pelo qual o
Mediador atua como um terceiro neutro e imparcial que conduzirá a sessão
de mediação buscando facilitar e reestruturar o diálogo entre as partes, de
modo a lhes oportunizar a autorresponsabilidade para que, por eles próprios,
seja realizada a composição que melhor se adeque para a realidade de cada
um. Sendo assim, o Mediador apenas “facilita” o diálogo se utilizando de
técnicas que possibilite a autonomia das partes para melhor adequar as suas
questões ao caso concreto e assim construírem o seu acordo.
Não se pode perder de vista a natureza reconciliatória da Mediação
como continuidade das relações humanas, mas o seu objetivo central não
pode ser necessariamente o acordo e sim uma forma de oportunizar o me-
lhor diálogo e compreensão para o conflito que se apresenta e proporciona
a identificação de onde houve a falha na comunicação, de modo que o en-
tendimento possa, de alguma maneira, ser compreendido em outra análise
após a sua ocorrência.
Em se tratando da Mediação Familiar, verifica-se a possibilidade do
seu desenvolvimento em diversos casos em que ocorrem os litígios no âmbito
do Direito de Família, como por exemplo: divórcio, guarda de filhos, pensão
de alimentos, herança, adoção, alienação parental, entre outros casos.
Diniz (2010, p. 360) expõe que como os conflitos gerados na separa-
ção judicial ou no divórcio, além dos problemas jurídicos, trazem questões
de ordem psíquica, por envolverem sentimentos, já que aludem às relações
entre pais e filhos menores, dificultam ao Poder Judiciário uma decisão que
atenda satisfatoriamente aos interesses e às necessidades dos envolvidos,
pois o ideal seria respeitar o exercício da autoridade parental conjunta, em
que cada um dos pais reconheça o lugar do outro.
O Novo Código de Processo Civil (CPC) entrou em vigor no dia18 de
março de 2016, consolidando a inclinação do Direito Brasileiro para solução
consensual de conflitos, como se observa em seu artigo 3ª que assim reza:
Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito.

109
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

[...] § 2º O Estado promoverá, sempre que possível, a solução


consensual dos conflitos;
§ 3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução con-
sensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados,
defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no
curso do processo judicial.

Em relação à audiência, está disposto que somente não se realizará se


ambas as partes manifestarem desinteresse (artigo 334, parágrafo 4°, CPC).
Ademais, o ato de conciliar é um direito subjetivo das partes que vivem o
conflito, isto é, autor e réu.
Portanto, a audiência prévia de conciliação ou mediação é uma reali-
dade processual e, também, uma obrigatoriedade, no que tange a sua mar-
cação ou verificação com as partes sobre a necessidade de designação. Não
existe a ideia de mera liberalidade do juízo em agendar ou não a audiência, o
magistrado deve sempre chamar as partes ao feito e dar a elas o direito de se
manifestar, preservando assim a cooperação e confiança entre autor, juiz e réu.
O CPC/2015 determina que os tribunais criem centros de solução
consensual de conflitos para a realização de audiências. O artigo 694 do
CPC reza que:

Nas ações de família, todos os esforços serão empreendidos para a


solução consensual da controvérsia, devendo o juiz dispor do auxílio
de profissionais de outras áreas de conhecimento para a mediação e
conciliação.
Parágrafo único. A requerimento das partes, o juiz pode deter-
minar a suspensão do processo enquanto os litigantes se submetem
a mediação extrajudicial ou a atendimento multidisciplinar.

No que tange à utilização das constelações familiares no Poder Judi-


ciário, o dispositivo acima deixa evidente a possibilidade de utilização desta
ferramenta quando traz explicitamente o termo “devendo o juiz dispor do
auxílio de profissionais de outras áreas de conhecimento para a mediação
e conciliação.” (destacamos)

110
O DIREITO SISTÊMICO COMO FERRAMENTA DA CULTURA DE PAZ PARA A RESOLUÇÃO

Nesse sentido, tem-se que o conhecimento de outras áreas, como é o


caso das Constelações Familiares, quando observadas através do seu aspecto
amplo em que buscam a reconciliação como forma de evidenciar a cultura
de paz, poderão ser amplamente aplicadas como uma maneira eficaz para
a resolução dos conflitos.
A mediação e a conciliação tem seu espaço previsto na letra da Lei e
cabe aos juristas e operadores do direito se adequarem aos institutos, a fim
de tornar a pacificação social uma realidade mais presente no cotidiano do
Judiciário. O apoio da mediação familiar contribuirá para que se propague
a conscientização das partes sobre seus direitos e deveres e que atuam como
sujeitos sociais, para que possam alcançar seus objetivos de vida e enfrentar
as situações litigiosas presentes no seu cotidiano, principalmente sob a pers-
pectiva de que o processo é instrumento da Justiça e da pacificação social.

03. AS LEIS SISTÊMICAS DE BERT HELLINGER

Jakob Robert Schneider retrata a evolução das Constelações Fami-


liares na Psicologia, quando descreve a sua trajetória desde os psicodramas
desenvolvidos pelo médico J.L.Moreno, bem como as interações familiares
desenvolvidas por Virginia Satir.
A sensibilidade de Bert Hellinger para métodos psicoterapêuticos
úteis, ordens familiares e intervenções essenciais, visando à imediata expe-
riência e compreensão, fez com que ele adotasse o método da constelações
de pessoas, para condensá-lo à sua própria maneira. Bert Hellinger logo
reconheceu que as constelações são um método excelente para representar
processos psíquicos e vinculações familiares. Utilizando livres movimentos
dos representantes, trocas intencionais de posições, introdução de pessoas
excluídas e curtos diálogos liberadores, elas permitem provocar processos
favoráveis num cliente. (SCHNEIDER, 2005, p. 16)
Bert Hellinger observou que os relacionamentos humanos e a constitui-
ção dos sistemas ou grupos sociais carecem da satisfação de três necessidades
essenciais: a necessidade de pertencimento ou de vinculação ao grupo; a
necessidade de ordem (hierarquia), estruturação do sistema em relação: ao
ingresso/tempo de chegada, à função e à hierarquia; a necessidade de manter

111
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

o equilíbrio de trocar, dar e receber, entre os membros. Trata-se da consciên-


cia pessoal que se inter-relaciona com estes três princípios ou necessidades.
O Primeiro Princípio ou lei diz que todos têm o igual direito de per-
tencer. Essa lei diz que não importa o que uma pessoa faça de “condenável”,
“pecaminoso”, “reprovável” ou “errado” ela continua tendo o direito de
pertencer ao sistema familiar. Suas atitudes não o isentam de repreensões,
de restrições, de punições legais e podem até diminuir sua confiabilidade e
proximidade, mas isso não tira seu direito de pertencer ao sistema familiar.
Quando algum membro da família é excluído se cria um efeito colateral
em que os mesmos comportamentos reprováveis acabam por reaparecer em
alguns membros das gerações seguintes (filhos, netos ou bisnetos) ou como
um problema entre irmãos ou casal. Esse princípio, também, é válido para
os filhos que não foram reconhecidos e pessoas que foram prejudicadas em
favor de alguém da família. Por exemplo, em separações em que a felicidade de
alguém foi fruto da infelicidade de outro. Quando esses membros da família
são reconhecidos, pode haver a reconciliação pacífica entre todos. Contudo,
isso requer grande coragem, pois exige que os membros da família superem
seus julgamentos morais em favor da inclusão daquele membro excluído e
que se dê um lugar a ele em seus corações. Assim, todos podem sentir a paz
que foi interrompida pelos acontecimentos dolorosos do passado, e para o
membro que carregava a sensação de não ser aceito, essa sensação acaba e
a felicidade se torna possível.
O Segundo Princípio ou Lei: o equilíbrio entre o dar e receber. Bert
Hellinger percebeu que nas famílias existe uma ordem natural do dar e re-
ceber entre pais e filhos e entre casais. A ordem natural vem do mais antigo
para o mais jovem. Os pais dão e os filhos recebem. Os pais dão a vida e os
filhos a tomam. Os pais dão amor e os filhos o tomam em seu coração. Aqui
se dá um grande aprendizado: os filhos precisam dos pais, mas os pais não
precisam dos filhos. Quando essa ordem é invertida os problemas começam.
Muitos pais, voltados para seus problemas íntimos, sobrecarregam
seus filhos na tentativa de trazê-los para o aqui e agora e fazê-los felizes. Os
filhos, em sua inocência, inconscientemente, dizem: “eu vou no seu lugar”
ou “eu sofro por você”, e acabam ficando doentes para que os pais se unam
e sejam felizes. Esse amor é cego e além de não solucionar o problema agra-

112
O DIREITO SISTÊMICO COMO FERRAMENTA DA CULTURA DE PAZ PARA A RESOLUÇÃO

va a situação, pois os pais abandonam seus relacionamentos para nutrir as


necessidades dos filhos e, embora inconscientemente, eles pagam com um
sentimento de expiação. Ocorre que toda expiação é sem sentido e não traz
crescimento, pois nenhum mal se paga com sofrimento. No momento que
os pais percebem que a criança passou a ter mais importância na família, é
hora de reassumirem o papel de pais e deixarem seus filhos livres para que
sigam suas vidas.
O Terceiro Princípio ou Lei estabelece que haja uma hierarquia de
tempo: os mais antigos vêm primeiro e os mais novos vêm depois. A hierar-
quia diz que quem vem primeiro tem prioridade sobre quem vem depois,
assim, os pais têm prioridades sobre os filhos. Os pais são grandes e os filhos
pequenos; os pais dão e os filhos recebem. Quando essa ordem fica inver-
tida e os filhos se sentem maiores do que os pais, a alma do filho sente um
desconforto que se manifesta em forma de sofrimento autoimposto. Essa
arrogância acaba por trazer à vida dos filhos muitos fracassos, doenças e
destinos difíceis. Os filhos devem receber o amor dos pais da forma como
lhes é dado, e serem gratos. Quando os filhos reivindicam dos pais além
do que eles podem dar, cria-se uma desordem na hierarquia, deixando-os
amargos e duros consigo mesmo.
Cada uma dessas três necessidades submetem o indivíduo a forças que
desafiam seus desejos e ânsias pessoais, controlando, exigindo obediência
e coagindo. Essas necessidades operam, então, como leis que limitam as
vontades e expressões individuais, mas também tornam possíveis os rela-
cionamentos íntimos com outras pessoas. Nesse sentido, tais forças agem
como princípios da vida, arbitrários como leis físicas, químicas e biológicas
(HELLINGER, 2003, p. 23)
Hellinger chamou tais princípios ou forças de Ordens do Amor. Per-
cebe-se, nesse sentido, que da mesma maneira que um organismo precisa
de células, órgãos e sistemas para se estabelecer na função da vida, uma
organização humana necessita de unidade, ordem e reciprocidade para seu
desenvolvimento íntegro e sadio e para sua evolução (VERDE, 2000).
Para Tescarolli e Gonçalves (s.d.) a lei do pertencimento diz respeito
à vinculação e ao reconhecimento estabelecidos para cada pessoa que nasce
em um sistema. Isto é, cada um de nós necessita do reconhecimento como

113
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

membro constituinte de um lugar e um papel dentro de uma dinâmica fa-


miliar. A lei da hierarquia ou ordem de chegada, diz respeito à posição ou
lugar em que o indivíduo chegou ou surgiu na família. Refere-se à prioridade
de chegada em relação aos demais. Esses mesmos autores descrevem que
os mais velhos possuem um lugar prioritário, uma vez que foi através deles
que a família veio se mantendo. Assim, por exemplo, ocorre em relação aos
pais e filhos, o pai é hierarquicamente superior ao filho e o filho mais velho
é hierarquicamente superior ao filho mais novo.
A Lei do Equilíbrio entre dar e receber, segundo Bert Hellinger citado
por Tescarolli e Gonçalves (“s.d.”) é algo de fundamental importância para
o funcionamento e manutenção dos sistemas de uma forma geral. O pai
dá a vida ao filho, que a recebe. Como o filho não pode dar a vida ao pai a
retribui tendo filhos e vivendo a própria vida plenamente.
As Ordens do Amor ou Lei Sistêmicas são a base para se criar o pen-
samento sistêmico, que regem as relações humanas e auxiliam os operadores
do direito a utilizar o olhar sistêmico nos conflitos judiciais (STORCH, 2015).
Estas Leis Sistêmicas ou Ordens do Amor, atuam independente de
crença ou vontade do indivíduo, posto que a sua existência se dá através de
algo maior, ou, ainda, como se verifica através da lei da gravidade e assim
fazem parte de uma consciência individual da qual todos possuem. Sophie
Hellinger, esposa de Bert Hellinger, assim define:

A consciência individual é vivenciada como um sentido, através


do qual registramos o que é necessário ao nosso pertencimento.
Assemelha-se ao senso de equilíbrio: quando perdemos o equilíbrio,
sentimos tontura. Isto faz com que corrijamos imediatamente a nossa
postura para voltarmos ao equilíbrio e ficarmos firmes. A consciência
individual age de forma semelhante. Quando alguém se desvia daquilo
que é válido na sua família ou no seu grupo, portanto quando a pes-
soa tem motivos para temer que o seu comportamento coloque seu
pertencimento em risco, ela fica com a consciência pesada. A cons-
ciência pesada é tão desagradável que faz com que a pessoa mude seu
comportamento para voltar a pertencer. (HELLINGER, S. 2019, p. 19)

114
O DIREITO SISTÊMICO COMO FERRAMENTA DA CULTURA DE PAZ PARA A RESOLUÇÃO

04. DIREITO SISTÊMICO

A abordagem sistêmica, o fenômeno da constelação familiar e as técni-


cas desenvolvidas por Bert Hellinger tiveram origem no campo terapêutico.
Hellinger não foi o criador das constelações familiares e sim desenvolvedor
delas. A geração do próprio trabalho partiu da junção de saberes de comuni-
dades tribais, e de teorias e métodos de muitos autores da filosofia, teologia,
psicologia, psicanálise, pedagogia, etc. Dessas aquisições e das experiências
em consultório, Hellinger extraiu princípios nos quais fundamentou sua
filosofia que, com a extensão atingida, passou a perceber e apresentar como
ciência (STORCH, 2015).
O Juiz de Direito Dr. Sami Storch conheceu a terapia criada por Bert
Hellinger mesmo antes de ser magistrado. Contudo, só após seu ingresso na
magistratura é que ele passou a utilizar timidamente a técnica. A expressão
Direito Sistêmico surgiu da análise do direito sobre uma ótica baseada nas
ordens superiores que regem as relações humanas. “O estudo das leis sistê-
micas faz com que operador do direito tenha um olhar que vai além do que
aparece no processo judicial” (STORCH, 2015).
O Direito Sistêmico não se trata de um ramo do direito, por assim
dizer. Inicialmente, importante destacar que o seu lugar encontra aplicação
nas relações humanas, tal qual acontece com as constelações familiares.
Assim, a sua aplicação se dá através do profissional da área jurídica que
internaliza e vivencia as leis sistêmicas através do desenvolvimento do seu
trabalho como uma filosofia de vida, uma postura frente às questões que lhes
são apresentadas. É uma nova forma de viver e de compreender as relações
humanas, buscando o equilíbrio entre o dar e o receber, de modo a trazer
paz para os envolvidos em um conflito.
O termo “Direito Sistêmico” desenvolvido por Sami Storch, por volta
do ano de 2006, surgiu da interligação de duas áreas das ciências humanas: o
direito e a psicologia, a partir da teoria das Constelações Familiares, desen-
volvida por Bert Hellinger. Desse modo, pode-se dizer que o Direito Sistê-
mico é uma ciência que integra essas duas áreas, com o interesse de propor
estratégias de resoluções de conflitos, a partir de uma análise e compreensão
profunda das relações interpessoais envolvidas (STORCH, 2015).

115
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

05. AS CONSTELAÇÕES FAMILIARES E SUA APLICAÇÃO NO


DIREITO BRASILEIRO

De acordo com VERDE, a Constelação Familiar, em uso prático, por


exemplo, ocorre da seguinte forma:

Primeiro é necessário para o cliente ter uma razão específica para


colocar sua constelação. O requisito é frequentemente uma pergunta
acerca da causa de certos sentimentos conflitantes (depressão, sen-
timento de culpa, etc.) ou acerca da causa de relações perturbadas
na família. Primeiro o cliente dá ao terapeuta fatos essenciais acerca
da sua família nas últimas 02 ou 03 gerações. Perguntas importantes
que precisam ser respondidas são: Quem morreu cedo (antes dos
25 anos)? Houve crimes cometidos por membros da família? Por
acaso algum membro da família carrega um pesado sentimento de
culpa por alguma razão? Os pais tiveram relações amorosas prévias,
e elas tiveram consequências dignas de nota (ex: agressões, emigra-
ções, nascimentos fora do casamento, adoção, etc.)? Então o cliente
escolhe entre os membros do grupo, pessoas para representar seus
pais, irmãos, a si mesmo e outros membros importantes da família.
Também são representados membros da família que já morreram.
Espontaneamente e centrado, o cliente posiciona cada representante,
um em relação ao outro, na área de trabalho. Os representantes em
seus respectivos lugares, sentem as relações desse sistema e percebem
sentimentos das pessoas que elas representam. Esse efeito é ainda um
fenômeno inexplicável. Durante o trabalho prático com constelações, o
terapeuta aprende a confiar nesse fenômeno mais e mais e a deixar-se
levar por ele. (VERDE, 2000, s/p).

O termo constelação familiar é comumente utilizados para descrever o


mesmo fenômeno: o acesso à consciência sistêmica de determinado sujeito a
partir de sua solicitação a um constelador familiar. A manifestação do campo
sistêmico pode ser realizada de forma individual, somente na presença do
cliente e do facilitador, com a utilização de bonecos ou outros objetos para

116
O DIREITO SISTÊMICO COMO FERRAMENTA DA CULTURA DE PAZ PARA A RESOLUÇÃO

representar os membros do sistema, ou em grupo, por meio de uma dinâmica


na qual os participantes se dispõem a representar membros do sistema do
sujeito sob a condução do facilitador, constelador. Na dinâmica de grupo, os
representantes percebem sensações e movimentos que expressam as forças
ocultas que operam no sistema (VERDE, 2000).
Observa-se que a procura da constelação familiar pelo cliente visa
a identificação de sintomas e questão por ele exposta. A satisfação desse
desejo requer mais do que a vontade aparente do cliente, exige uma entrega
verdadeira, o desapego aos sentimentos e emoções que incidem e alimentam
o problema. O uso das constelações familiares na esfera jurídica brasileira
trouxe um significado específico para a expressão Direito Sistêmico. Consti-
tuindo-se, assim, como nomenclatura para abordar o direito sob a perspectiva
sistêmica da ciência desenvolvida por Hellinger, bem como, a aplicação da
abordagem da constelação para as problemáticas trazidas ao campo jurídico.
Sami Storch foi o primeiro juiz a utilizar a abordagem da constelação
familiar no Poder Judiciário brasileiro. Segundo ele, ao ingressar na magis-
tratura no início de 2006, na comarca de Castro Alves no interior da Bahia,
deparou-se com a tradicional avalanche de processos somada à extrema
precariedade de pessoal, sem assessor jurídico, sem oficial de justiça, contava
somente com poucos funcionários do cartório para atender as demandas.
Coincidindo, à época, estar cursando sua primeira formação em constelações,
Dr. Sami utilizou a visão sistêmica para entender as dinâmicas dos conflitos
trazidos a ele e alcançar as melhores soluções para cada caso (STORCH, 2015).

06. DIREITO SISTÊMICO PARA A DISSOLUÇÃO DE CONFLITOS

As Ordens do Amor ou Lei Sistêmicas são a base para se criar o pen-


samento sistêmico, que regem as relações humanas (HELLINGER, 2003) e
auxiliam os operadores do direito a utilizar o olhar sistêmico nos conflitos
judiciais.
Um momento oportuno para a realização desta prática dentro do
âmbito processual é antes da audiência de conciliação ou mediação, me-
diante vivências coletivas. As partes envolvidas em um processo judicial são
convidadas, não intimadas, a comparecerem à dinâmica, momento em que

117
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

conseguirão ver melhor o emaranhamento no qual se encontram envolvidas,


ampliando mais a consciência; por consequência, as partes passam a ver a
situação com uma visão mais profunda e ampliada, por que não apenas o
problema foi visto, mas o sistema familiar de cada um, assim, os envolvidos
ficam mais propensos a firmaram um acordo em audiência (STORCH, 2015).
O Direito Sistêmico, segundo Storch (2010), propõe-se a atuar na
origem do problema e, com esse viés terapêutico, trazer a possibilidade da
identificação de solução capaz de sanar o conflito, de promover a conciliação
profunda e definitiva entre os envolvidos, trazendo-lhes a paz.
A abordagem sistêmica do direito fundamentada nos princípios sistê-
micos trazidas por Bert Hellinger se estende a pensar desde a elaboração da
lei até sua aplicação na prática. O olhar sistêmico ocorre sem juízo de valor,
integrando a participação de todos na construção e desconstrução do conflito,
respeitando e trazendo à responsabilidade cada indivíduo, preservando as
relações de amor, visando à saúde do sistema adoecido (STORCH, 2010).

07. PROJETO OLHAR CONSCIENTE – FÓRUM CENTRAL DE


MOGI DAS CRUZES

O Projeto Olhar Consciente surgiu por meio da vontade da Juíza da


1ª Vara de Família da Comarca de Mogi das Cruzes, Dra. Ana Carmem de
Souza Silva, de ampliar os atendimentos de Mediações dentro da perspectiva
da ciência das Constelações Familiares segundo os preceitos de Bert Hel-
linger, nos moldes do embasamento do Direito Sistêmico trazido pelo Dr.
Sami Storch, com a atuação das mediadoras Dra. Karla Ramos da Cunha e
Dra. Marisa Santos Souza Petkevicius e da conciliadora Dra. Mariela Mar-
cantônio Paiva.
Em se tratando de um formato inovador, no fim do ano de 2017 e
durante todo o ano de 2018, o formato do projeto foi testado e ajustado. O
projeto terá sua continuidade no ano de 2019 e, como contribuição à expansão
do Direito Sistêmico é avaliado e se mantém com o propósito de atualização
constante, pois o objetivo principal é a implementação da filosofia de direito
e cultura de paz, sendo a pacificação consciente o principal objetivo.

118
O DIREITO SISTÊMICO COMO FERRAMENTA DA CULTURA DE PAZ PARA A RESOLUÇÃO

Os trabalhos foram iniciados em 27/11/2017, com uma palestra di-


recionada aos demais Magistrados da Comarca, bem como servidores e
advogados, em que foram apresentados os princípios básicos e a forma de
atuação da equipe que, resumidamente, consiste no encaminhamento pelas
Varas de processos elegíveis às sessões de mediação sistêmica. Assim sendo,
foi conceituado o Direito Sistêmico e sua aplicabilidade, vez que a área de
atuação não se resume apenas à mediação, mas também pode auxiliar o juiz
em processos específicos. Ademais, o Direito Sistêmico permite a harmoni-
zação das relações de trabalho entre os servidores, vez que as leis sistêmicas
têm a sua aplicabilidade em todas as relações humanas.
Após esta palestra, foi iniciado o Projeto direcionado às partes e
advogados de processos em curso. Desde então, ao longo do ano de 2018,
foram feitos atendimentos a 91 processos, com acordos em 45 processos. Em
40 processos os acordos foram feitos durante as sessões de mediação. Em 2
processos os acordos foram protocolados após as sessões de mediação. Dois
processos foram extintos por falta de interesse das partes tendo em vista
a reconciliação do casal e em 3 processos os acordos foram feitos após as
palestras, representando 51,6% de processos finalizados por acordo. Além
disso, houve 1 pedido de suspensão do processo para composição de acordo.
Os processos atendidos foram previamente selecionados e direcio-
nados por sua maior complexidade: divórcios litigiosos, regulamentação de
guarda e visitas. Por sua vez, o CEJUSC, neste mesmo período, atendeu a
446 processos tendo finalizado o total de 175 acordos, representando 39,2%,
basicamente para definição de alimentos.

Inicialmente os trabalhos foram estruturados da seguinte forma:

DATA HISTÓRICO
27/11/2017 “PALESTRA” NO TRIBUNAL DO JÚRI
DO FÓRUM DE MOGI DAS CRUZES. NESTE
ENCONTRO TIVEMOS A PARTICIPAÇÃO DE
SERVIDORES, JUÍZES E ADVOGADOS.

119
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

18/12/2017 APRESENTAÇÃO PARA PARTES E AD‑


VOGADOS DESTES PROCESSOS, ABRANGENDO
CERCA DE 100 PESSOAS, SENDO QUE NESTE
DIA, FOI FEITA 1 CONSTELAÇÃO COM O GRUPO
E OUTRAS TRÊS INDIVIDUAIS, COM BONECOS.
AINDA NESTE DIA, FORAM FEITOS 3 ACORDOS
EM AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO.
29/01/2018 07 SESSÕES DE MEDIAÇÃO
30/01/2018 09 SESSÕES DE MEDIAÇÃO
31/01/2018 08 SESSÕES DE MEDIAÇÃO
05/02/2018 05 SESSÕES DE MEDIAÇÃO
16/04/2018 08 SESSÕES DE MEDIAÇÃO
04/06/2018 08 SESSÕES DE MEDIAÇÃO
TOTAL 45 PROCESSOS

Quadro 1: Formato dos Atendimentos no Início do Projeto Olhar Consciente


Fonte: elaborada a partir dos controles da 1a. Vara de Família e Sucessões da Comarca de Mogi das
Cruzes

Dados em relação aos 44 casos em que houve a mediação:

ACORDOS REDESIGNAÇÕES SEM AUSENTES AUSENTE 1 DAS


ACORDO PARTES

29/01/2018 2 2 2 0 1
30/01/2018 4 0 5 0 0
31/01/2018 1 3 3 0 1
05/02/2018 1 1 1 1 1
16/04/2018 3 0 3 0 2
04/06/2018 2 0 5 1 0
TOTAL 13 6 19 2 5

Tabela 1: Resultados da 1a. Fase do Projeto Olhar Consciente


Fonte: elaborada a partir dos controles da 1a. Vara de Família e Sucessões da Comarca de Mogi das
Cruzes
Muito embora o resultado tenha se mostrado significativo, nas sessões
de mediação realizadas, foi possível perceber que muitas partes e advogados
não haviam participado da palestra, verificando assim a necessidade de
reformular o formato para os próximos atendimentos.
Houve uma grande repercussão na comunidade da Comarca, desta-
cando-se os conciliadores voluntários do CEJUSC que se mostraram interes-
sados em saber um pouco mais sobre o Direito Sistêmico e as Constelações

120
O DIREITO SISTÊMICO COMO FERRAMENTA DA CULTURA DE PAZ PARA A RESOLUÇÃO

Familiares. Sendo assim, foram realizadas “Rodas de Conversa”, para o fim


de levar o conhecimento do “Projeto Olhar Consciente”, nas seguintes datas:

Data Histórico
09/04/2018 “Roda de Conversas” para os mediadores e conciliadores do
CEJUSC de Mogi das Cruzes. Foram abordados os seguintes
pontos: início do Direito Sistêmico, quem é Bert Hellinger e o
que são as Constelações Familiares.
25/04/2018 “Roda de Conversas” para os mediadores e conciliadores do
CEJUSC de Mogi das Cruzes, onde foi abordado o tema: Me-
diação e Direito Sistêmico.
25/04/2018 “Roda de Conversas” para os servidores da 1ª. Vara da Família,
onde foi abordado tema sobre: As Constelações Familiares e o
Projeto Olhar Consciente.

Quadro 2: Rodas de Conversa CEJUSC da Comarca de Mogi das Cruzes


Fonte: elaborada a partir do Projeto Olhar Consciente

Ainda dentro deste movimento, houve a oportunidade de ministrar


a primeira palestra sobre o referido tema na OAB local, que foi realizada
dia 04/06/2018, e assim culminou na formação da Comissão de Direito
Sistêmico naquela Seccional (a Comissão de Direito Sistêmico - subseção
da OAB Mogi das Cruzes/SP que foi criada em agosto de 2018). Conforme
o depoimento da Presidente da Comissão, Dra. Carla Patricia de Aguiar
Calderaro Mendonça-OAB/SP 300.240:

Entendo que foram algumas motivações que me levaram a unir


com amigos advogados e criar a comissão. Como por exemplo, o
grande movimento que vem surgindo, muitos cursos, palestras, “boom
sistêmico”; meu primeiro contato com o direito sistêmico ocorreu
em abril deste ano assistindo uma palestra da Dra. Vanessa Aufiero
no teatro Gazeta em SP e logo após uma palestra com a Dra. Karla
e Marisa; na OAB/ Mogi e, desde então, me apaixonei. Também de-
vido à fadiga e frustação com a advocacia tradicional, a vontade de
inovar, aprender, de atuar com as ferramentas que o direito sistêmico
proporciona e assim através do pensamento sistêmico proporcionar e
fazer uma advocacia diferente, mais humana e acolhedora; aliado ao

121
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

fato de perceber que nós advogados estávamos meio perdidos sobre


o tema e por saber que o judiciário já vinha utilizando de ferramentas
como constelações e de certa forma a advocacia estava sendo “pega
de surpresa”. Penso que a advocacia tradicional está com os dias
contados, assim como o pensamento cartesiano que aprendemos a
ter desde que nascemos. Mergulhei neste universo e estou estudando
e participando de cursos, palestras e cada vez mais compreendo que
estamos no caminho certo, uma vez que o futuro do direito depende
e muito desta ampliação no olhar e maneira de atuar de todos nós
operadores do direito.

Após este período, ante o espaçamento de datas entre a realização


da palestra e as sessões de mediação, muitas pessoas que não haviam parti-
cipado da palestra no início do ano participaram das sessões de mediação
designadas no decorrer do ano com uso do Direito Sistêmico. Com isso, foi
verificado que o índice de acordos declinou, optando-se, então, por segmentar
e direcionar um pouco mais os atendimentos.
No segundo semestre, houve a formatação de um cronograma diferente,
convocando para as palestras um número menor de processos e fazendo as
mediações num espaço de tempo mais curto, em torno de 15 dias após a
palestra, e os resultados mudaram substancialmente, a saber:

DATA HISTÓRICO
06/08/2018 “Palestra” no Tribunal do Júri do Fórum de Mogi
das Cruzes.
20/08/2018 11 Sessões de Mediação
10/09/2018 “Palestra” no Tribunal do Júri do Fórum de Mogi
das Cruzes.
24/09/2018 09 Sessões de Mediação
17/10/2018 “Palestra” no Tribunal do Júri do Fórum de Mogi
das Cruzes.
29/10/2018 10 Sessões de Mediação
05/11/2018 “Palestra” no Tribunal do Júri do Fórum de Mogi
das Cruzes.

122
O DIREITO SISTÊMICO COMO FERRAMENTA DA CULTURA DE PAZ PARA A RESOLUÇÃO

26/11/2018 08 Sessões de Mediação


03/12/2018 “Palestra” no Tribunal do Júri do Fórum de Mogi
das Cruzes.
10/12/2018 08 Sessões de Mediação
TOTAL 46 processos

Quadro 3: Atual configuração do Projeto Olhar Consciente


Fonte: elaborada a partir dos controles da 1a. Vara de Família e Sucessões da Comarca de Mogi das
Cruzes
Dados Estatísticos em relação aos 46 casos em que houve a mediação:

ACOR‑ REDESIG‑ SEM AUSENTE 1


AUSENTES
DOS NAÇÕES ACORDO DAS PARTES
20/08/2018 3 5 2 1 0
24/09/2018 6 0 2 1 0
29/10/2018 8 1 1 0 0
26/112018 3 0 3 1 1
10/12/2018 7 0 0 0 1
TOTAL 27 6 8 3 2

Tabela 1: Resultados 2a. Fase do Projeto Olhar Consciente


Fonte: elaborada a partir dos controles da 1a. Vara de Família e Sucessões da Comarca de Mogi das
Cruzes

Percebe-se que houve um melhor resultado com grupos menores de


participantes nas palestras e com um período menor entre a palestra e a
sessão de mediação.
Na segunda fase do Projeto Olhar Consciente, a partir de 04/06/2018, foi
apresentado às partes e advogados em cada sessão de mediação sistêmica um
questionário para avaliação das sessões. O questionário era de preenchimento
facultativo e sem identificação. A avaliação é importante para mensurar a re-
ceptividade dos envolvidos no conflito e abrange tanto os aspectos práticos das
sessões de mediação, como avaliação do ambiente ou tempo de duração, assim
como aspectos relacionados à percepção das partes com relação ao conflito
em si. Ressalta-se que a avaliação foi realizada de forma genérica, ou seja, não
tratando de cada conflito individualmente, atentando assim à preservação da
confidencialidade. Tivemos o retorno de 83 atendidos, incluindo aqui partes

123
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

e advogados, em que foi possível constatar observar uma receptividade muito


favorável, conforme ilustrado nos gráficos abaixo:

Gráfico 1: Grau de satisfação dos participantes da Oficina


Fonte: elaborada a partir dos controles da 1a. Vara de Família e Sucessões da Comarca de Mogi das
Cruzes
Pela análise deste primeiro gráfico consta-se que 42,2% dos participan-
tes da mediação sistêmica ficaram muito satisfeitos com a sessão de mediação,
ao passo que 53% dos participantes ficaram satisfeitos. Por outro lado, apenas
2,4% dos participantes ficaram pouco satisfeitos e 2,4% ficaram insatisfeitos.
Com isso, conclui-se que para os participantes da mediação sistêmica, sejam
partes ou advogados houve o reconhecimento da efetividade da técnica.

Avalie a sessão segundo estes aspectos:


Ótimo Bom Regular Péssimo

40

20

0
Apresentação Material Instutores Espaço Duração

Gráfico 2: Avaliação dos Participantes quanto ao conteúdo e infraestrutura.


Fonte: elaborada a partir dos controles da 1a vara de família e sucessões da Comarca de Mogi das
Cruzes.

124
O DIREITO SISTÊMICO COMO FERRAMENTA DA CULTURA DE PAZ PARA A RESOLUÇÃO

Nesse segundo gráfico foram avaliados os aspectos da mediação sis-


têmica em sua apresentação, material empregado, qualidade dos instrutores,
espaço físico e duração da sessão. Verifica-se que de todos os aspectos da
sessão de mediação aquele que mais teve resultado favorável foi a atuação
das mediadoras com conhecimento de Direito Sistêmico.

Gráfico 3: Reflexão em relação à parte oposta após a oficina


Fonte: elaborada pelas autoras

Nesse terceiro gráfico 78,3% dos participantes assinalaram que a


mediação sistêmica os ajudou a refletir sobre a forma de agir em relação
ao seu ex-parceiro ou cliente. Esse gráfico complementa o anterior, desta-
cando que a técnica empregada na sessão de mediação sistêmica teve papel
fundamental para a satisfação dos envolvidos e reflexão sobre as questões
trazidas para a sessão.

125
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

Gráfico 4: Reflexão dos Participantes quanto ao relacionamento com os filhos


Fonte: elaborada pelas autoras
Neste quarto gráfico também se constata que a sessão de mediação sistê-
mica propiciou a grande maioria dos envolvidos maior reflexão sobre a forma
de agir em relação aos seus filhos (percentual de 82,4%). Insta salientar que
nas sessões de mediação sistêmica houve o emprego do conhecimento das
leis sistêmicas a fim de que as partes pudessem de forma explícita ou implícita
compreender qual era o seu papel na dinâmica da família e se havia alguma
desordem ou emaranhamento conforme as Leis Sistêmicas do Pertencimento,
da Hierarquia e do Equilíbrio entre o dar e receber.

Gráfico 5: Opinião dos Participantes quanto a obrigatoriedade da Mediação em casos de divórcio -


Fonte: elaborada pelas autoras
Tanto este quinto gráfico como o sexto gráfico, logo abaixo, enfatizam a
importância que os envolvidos deram à sessão de mediação sistêmica. 72,3%
dos envolvidos afirmou que a sessão de mediação deveria ser obrigatória nos

126
O DIREITO SISTÊMICO COMO FERRAMENTA DA CULTURA DE PAZ PARA A RESOLUÇÃO

casos de divórcio e apenas 1 participante disse que não indicaria a sessão


para outras pessoas.

Gráfico 6: Opinião dos Participantes quanto a indicação da Mediação à terceiros - Fonte: elaborada
pelas autoras

08. RESULTADOS

Importante ressaltar que o Projeto Olhar Consciente não tem como


objetivo principal melhorar os índices de acordos da Vara, mas sim, possi-
bilitar às partes e seus advogados uma nova roupagem ao conflito. Consta-
tou-se que a postura e prática no Direito Sistêmico conduzem à percepção
de novos paradigmas:

▶ Ressignificar;
▶ Internalizar;
▶ Comando Interno;
▶ Postura Sistêmica;
▶ Presença;
▶ Olhar ampliado;
▶ Filosofia Hellingeriana (Hermenêutica).

O estudo indica que a ciência desenvolvida por Hellinger introduzida


na esfera jurídica potencializa a solução de ações em curso por meio de acor-
do entre as partes, pois as constelações familiares/sistêmicas permitem aos
indivíduos em conflito entrarem em contato com as raízes que os levaram à

127
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

questão e abrem a possibilidade para a mudança da imagem que provocou


o problema.
Em comparação com o percentual de acordos realizados no CEJUSC
da comarca de Mogi das Cruzes relativamente aos feitos de família, obser-
va-se que a mediação sistêmica é mais efetiva que a mediação tradicional,
posto que alcançou percentual de 51,6% de acordos, em contraste com o
percentual de 39,2% obtido com a mediação tradicional implementada no
CEJUSC. Ademais, os casos enviados ao CEJUSC eram em sua maioria menos
complexos que os casos enviados à mediação sistêmica, o que destaca ainda
mais a efetividade da técnica.
As constelações não trazem, no entanto, uma solução mágica e sim
requerem o esforço das partes, para aceitar as fatalidades, para saírem de
uma postura de rigidez, de uma paralisia, repartindo responsabilidades
sobre ganhos e perdas, materiais e imateriais, e então poderem negociar. A
constelação provoca os indivíduos a se olharem com respeito e com aceitação,
só assim promove uma reorganização, com a transformação do que estava
pesado e destrutivo, em algo mais leve e fluido.
Trata-se de uma mudança de percepção interna e pessoal não haven-
do um prazo determinado para que as pessoas envolvidas em um conflito,
após uma constelação familiar, tenham um resultado predeterminado. Esta
é uma evolução muito particular de cada um, mas, se percebe em movi-
mentos sutis que estas pessoas fazem algumas descobertas durante a sessão
de mediação e é daí que surgem os efeitos que expomos quando trazemos o
assunto conflito para o ponto de vista de Bert Hellinger e Sami Storch. Por
certo que em algumas situações, não há como acessar as dores que as partes
estão sentindo e em outras situações a intervenção do Estado é necessária.
Mas percebe-se que aos poucos estes paradigmas vêm sendo mudados. A
humanização do Direito nos faz entender a real necessidade da aplicação
do Direito Sistêmico nos conflitos.
O “Projeto Olhar Consciente” trouxe à Comarca de Mogi das Cruzes
uma nova percepção quanto à resolução de conflitos e a equipe pretende
ampliar sua atuação no ano de 2019, com aprimoramento constante e a pos-
sibilidade de expandir o alcance do conhecimento sistêmico. Há previsão de
uma série de workshops para os conciliadores voluntários do CEJUSC, bem

128
O DIREITO SISTÊMICO COMO FERRAMENTA DA CULTURA DE PAZ PARA A RESOLUÇÃO

como o atendimento individual, para alguns casos na Casa da Família a ser


implementada em breve. Também está em expansão a viabilidade de contato
com outras Comarcas para estudar uma forma de mensuração de resultados
com uma avaliação das sessões de mediação padronizada, tendo em vista a
necessidade de mensurar os efetivos resultados que este trabalho traz.

09. CONSIDERAÇÕES FINAIS

De acordo com o que foi exposto no presente trabalho, o Direito Sis-


têmico é um mecanismo de suporte que pode ser utilizado para a solução
rápida e consensual de conflitos.
Trata-se de instrumento psicológico utilizado pelos operadores do
direito e pelo magistrado que, quando em contato com as partes, propor-
cionará a identificação dos antecedentes que ocasionaram a obstrução de
fatos passados. A utilização do recurso de efeito terapêutico denominado
Constelações Familiares gerará nos litigantes a necessidade de investigar o
sentimento que se encontra estagnado no seu subconsciente, advindo, muitas
vezes, de atritos pendentes até então não solucionados no âmbito familiar.
É pertinente ressaltar que a eficácia e o êxito atestados pelo precursor
do Direito Sistêmico no Brasil, Dr. Sami Storch, que incentiva o uso desse
método entre os operadores do direito, a fim de possibilitar mais um recurso
para a tão almejada solução pacífica de conflitos foram comprovados no
presente trabalho.
O presente trabalho explanou também sobre a importante ferramenta
no Direito Sistêmico, a mediação. Identificou-se que a mediação busca au-
xiliar as pessoas a construir consensos sobre uma determinada desavença,
ao passo que a conciliação tem nos acordos o seu maior objetivo, quando
não o único. A mesma privilegia a restauração da relação das partes, des-
construindo o conflito, permitindo a manutenção de um diálogo entre as
partes, o que se revela fundamental para a construção da solução, sobretudo,
nas relações familiares.
Portanto, a expressão Direito Sistêmico representa a atuação dos
operadores do direito, não com um olhar apenas processualista, mas sim,

129
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

sistêmico, onde as Leis Sistêmicas são aplicadas aos conflitos, seja em vivên-
cias coletivas ou em audiências de mediação.
Através da Fenomenologia observada nos campos sistêmicos e apli-
cando as Ordens estabelecidas por Bert Hellinger, há a possibilidade de
identificar as dinâmicas ocultas que se apresentam em diversas situações.
Trata-se de uma identificação aprofundada de questões que interferem na
harmonia pessoal.
O Direito Sistêmico tem uma atuação muito mais profunda que a
mera celeridade nos processos com os acordos firmados. Trata-se de uma
mudança de paradigma quanto à cultura do litígio. Alcança não apenas as
partes que necessitam de uma solução para suas questões, mas também os
advogados que as atendem, bem como também auxilia aos Juízes trazendo
possibilidades de solução sempre pautadas nas regras e determinações à luz
do Direito em sua concepção e grandeza.
O Direito Sistêmico traz um ganho imensurável para a sociedade,
quando percebido que as partes envolvidas em um conflito conseguem ter
contato com a sua dor e assim, conseguem enxergar e incluir a dor do outro
e chegar a uma solução olhando também para essa dor.
Muitos ensinamentos foram tirados da experiência de realizar este
projeto, de modo a trazer um crescimento pessoal e profissional para todas
as integrantes da equipe. Perceber o alívio que um pai tem ao reconhecer
sua antiga parceira como mãe certa para seus filhos, o reconhecimento de
uma mãe de que necessita de apoio psicológico para poder seguir na vida e
que isso é possível a partir do momento que ela olhe para a dor da perda do
filho primogênito sem que isso pese ao filho que veio depois, perceber casais
que se reconciliaram por entender que o amor consegue superar algumas
dificuldades que perdem a força diante de algo muito mais grandioso.
Não obstante, importante também ressaltar o comportamento das
partes ao final das sessões. Nas mediações realizadas através da abordagem
e integração sistêmica, em muitas sessões ficou evidente que, muito embora
não tenha havido uma composição naquela ocasião, a mediação se mostrou
altamente frutífera e eficaz para um novo olhar e daí, inclusive, a essência
do nome do projeto: olhar consciente, cujo intuito é o restabelecimento das

130
O DIREITO SISTÊMICO COMO FERRAMENTA DA CULTURA DE PAZ PARA A RESOLUÇÃO

relações, de modo que haja o melhor convívio entre os indivíduos envolvidos


no conflito, com respeito e auto-responsabilidade.
Humanizar o Direito através do Direito Sistêmico como concebido
por Sami Storch se faz necessário se quisermos deixar para toda a sociedade,
através dos nossos filhos, um mundo mais leve e verdadeiro. As Constelações
Familiares segundo Bert Hellinger mostram que isso é possível.

10. REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília:
Senado, 1988.
BRASIL. Código Civil. In: palácio do Planalto, 2002. Disponível em: http://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 28 nov. 2018.
______. Lei n.º13.105 de 16 de março de 2015a. Código de Processo Civil. In: palácio do
Planalto, 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/
lei/l13105.htm. Acesso em: 28 nov. 2018.
BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Resolução nº 125, de 29 de novembro de 2010.
BRASIL. Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015. Brasília. Congresso Nacional, 2015.
BRASIL. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Azevedo, André Gomma de (Org.). Manual
de Mediação Judicial, 6ª Edição (Brasília/DF: CNJ), 2016.
BRASIL, Ordem dos Advogados do. Código de Ética e Disciplina da OAB. Brasília, DF:
OAB. 2005.
FONSECA, João José Saraiva da. Metodologia da pesquisa científica. Ceará: Universidade
Estadual do Ceará, 2002.
HELLINGER, Bert. Ordens da ajuda. Patos de Minas: Ed. Atman, 2005.
HELLINGER, Bert. Ordens do amor, um guia para o trabalho com constelações familiares.
São Paulo, Cultrix, 2003.
HELLINGER, Sophie. A própria felicidade: Fundamentos para a Constelação Familiar.
Vol. 1. Brasilia: Ed. Tagore. 2019.
INGO, E.; SARLET, A.; WOLFGANG, J. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais,
na constituição federal de 1988. São Paulo: Saraiva, 2007.
PENA JÚNIOR, Moacir César. Direito das pessoas e das famílias: doutrina e jurisprudência.
São Paulo: Saraiva, 2008.
SCHNEIDER, Jakob Robert. A Prática das Constelações Familiares. Pato de Minas, Atman,
2007.
SCHMIDT, João Pedro. Para entender as políticas públicas: aspectos conceituais e meto-
dológicos. In: REIS, Jorge Renato. LEAL, Rogério Gesta (org.). Direitos Sociais e Políticas
Públicas: desafios contemporâneos. Tomo 8. Santa Cruz: EDUNISC, 2008.
STORCH, Sami. O que é direito sistêmico. 2010. Disponível em: https://direitosistemico.
wordpress.com/2010/11/29/o-que-e-direito-sistemico/. Acesso em: 28 nov. 2018.
______. Direito Sistêmico: Primeiras experiências com constelações no judiciário. 2015.

131
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

Disponível em: https://direitosistemico.wordpress.com/2016/08/23/publicado-artigo-so-


bre-as-primeiras-experiencias-com-constelacoes-no-judiciario/ Acesso em: 04 dez. 2018.
SZYMANSKI, H. Viver em Família como experiência de cuidado mútuo. In: Serviço Social
e Sociedade. [s.n.], 2002.
TESCAROLLI, Lilian. GONÇALVES, Fernando AB. Leis Sistêmicas. p. 3. Disponível em: http://
www.carpesmadaleno.com.br/gerenciador/doc/09e7d4994e8515df65380e9e0a690b48leis_sis-
temicas.pdf. Acesso em: 04 dez. 2018.
VERDE, Celma Nunes Villa. A constelação familiar no atendimento individual. 2000.
Disponível em: http://www.consteladoressistemicos.com/publicacoes/264-a-constelacao-
-familiar-no-atendimento-individual-celma-nunes-villa-verde. Acesso em: 28 nov. 2018.
VIANNA, Marcio dos Santos. Mediação de conflitos: Um novo paradigma na Administração
da Justiça. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XII, n. 71, dez 2009. Disponível em: http://www.
ambito- juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=6991.
Acesso em: 04 dez. 2018.

132
PAI E MÃE: QUESTÕES PREVIDENCIÁRIAS

PAI E MÃE: QUESTÕES


PREVIDENCIÁRIAS

Ana Emília Pascoal


Claudia Maria Alves Chaves
Marcos Antonio Ferreira de Castro

01. INTRODUÇÃO

A escolha do tema está relacionada à experiência de trabalho de alguns


integrantes do grupo que atuam na área da Justiça Federal com processos
de Direito Previdenciário e busca-se evidenciar a importância do pai e da
mãe na vida das pessoas, bem como mostrar eventuais consequências que
a falta dos pais pode ocasionar, relacionadas aos processos previdenciários
de benefício por incapacidade para o trabalho.
Efetivamente a vida se inicia com o “sim” dos pais. Através deles
recebemos a vida e tudo o que dela decorre. Este é o nosso maior presente!
A vida vem acompanhada de diversos desafios e, através deles, de infinitas
possibilidades de crescimento e evolução. Um caminho exigente para se
alcançar a felicidade e que, como dito, somente se concretiza com esse mo-
vimento de receber/tomar tudo o que vem de nossos pais.
O primeiro passo desta proposta consiste em definir o papel da mãe e
do pai, pois ambos possuem funções distintas. O relacionamento com a mãe
define o êxito no trabalho, na profissão. Já o pai tem a função de mostrar o
mundo aos filhos, abrir os caminhos. Isso pode ser notado antes mesmo da
concepção: o espermatozoide segue em busca do óvulo, atravessa um caminho
bastante perigoso e, para permanecer vivo, deverá continuar sua jornada,
vencer todos os obstáculos até chegar à sua meta. O óvulo tem a função de

133
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

receber o espermatozoide e implantar-se no útero, sustentar-se durante o


período necessário para garantir o sucesso da gravidez.
O pai, ao abrir os caminhos, representa o próprio futuro. Já a mãe
sustenta esse futuro. Juntos eles garantem o êxito na vida e na profissão!
O que se pode perceber é que a ausência dos pais gera graves conflitos,
não somente nos filhos, mas em todo o sistema familiar; e, não raras vezes,
constatamos que pessoas ingressam com demandas no Poder Judiciário como
forma de compensar esta ausência. O verdadeiro conflito, quando analisado
de forma mais ampla e profunda, está no acesso interrompido a esses pais.
Muitas ações são ajuizadas, mas o Poder Judiciário não consegue,
por si só, resolvê-las, até mesmo porque grande parte dessas demandas
são apenas transferidas para o Judiciário, mas não é neste órgão que se
encontrará a solução. É dizer: o Judiciário pode até encerrar a ação com
uma sentença, mas também é costumeiro notar que essa mesma sentença,
porque se mostra um ato violento (substitui a autocomposição/vontade e
autorresponsabilidade das partes), não põe termo ao conflito e por isso é
imperioso evidenciar o real interesse na demanda (interesse oculto), além
de ser essencial a comunicação entre as ciências para que se entenda tudo
que o litígio efetivamente apresenta.

02. A CO N S T E L AÇ ÃO FA M I L I A R E S E U A L I C E R C E
FENOMENOLÓGICO

De maneira bastante simples, até para que possamos facilitar o en-


tendimento e não discorrer extensivamente sobre o tema, podemos dizer
que o método fenomenológico proposto por Bert Hellinger está contido na
seguinte expressão: “Aceitar as coisas como elas são” (MANNÉ, 2008, p. 18).
Ainda, nas palavras de Hellinger (1996, p. 91):

A serenidade e a lucidez diante dos acontecimentos tornam-se


possíveis pelo fato de “aceitar o mundo como ele é”, sem a intenção
de fazê-lo mudar. Só essa aceitação torna possível a percepção. Essa
postura está na origem dos movimentos de onde decorre a harmonia.

134
PAI E MÃE: QUESTÕES PREVIDENCIÁRIAS

De imediato cumpre esclarecer que esta postura de “aceitação” não


deve ser confundida com conformismo. Evidentemente que exige “estar de
acordo”. Porém, ela vai muito além de uma mera concordância; demanda
“aceitar tal como é” e colocar-se em sintonia com a realidade sem quaisquer
objeções ou julgamentos. Uma postura que se concentra nos fatos, e não
em possíveis inferências.
Trata-se de um assentimento exigente, que concorda com tudo, respeita
a informação que foi revelada e a ela se submete. E, a partir desta verdade,
aqui entendida segundo o termo grego A-létheia, que significa “o que não
está oculto, aquilo que foi desvelado” (HÖVEL, 2006), surge a possibilidade
de um novo caminho, talvez antes não previsto ou imaginado, mas que traz
uma direção rumo à (re)conciliação. Efetivamente falamos de uma postura
onde o “estado de presença” fomenta e permite que o fenômeno se apresente
“por si mesmo”, livre de interferências preconcebidas.
Se à primeira vista alguns conceitos parecem demasiadamente filo-
sóficos e até certo ponto complexos, cumpre mencionar que a Constelação
Familiar tem uma base puramente empírica; vale dizer: a partir da experiência
vivida em sua profundidade e do sentimento que brota desta experiência é
que a parte teórica ocupa o seu devido lugar.
A propósito, a preciosidade deste modelo reside no fato de que as
soluções se apresentam espontaneamente, após cada um experienciar o
processo como um todo. Não se trata de algo pensado, imaginado ou que,
em última análise, possa ser controlado. Longe disso. Há uma essência que
o homem não pode aprisionar apenas para si e, por isso, a solução que se
apresenta serve a todos os envolvidos. Busca-se a verdade que não pode ser
vista ou capturada num primeiro instante de forma racional.
Em seu livro Um lugar para os excluídos, Bert relata:

(...) a realidade começa a falar por si mesma. Quando quero tirar


proveito dela, ela se afasta de mim, mas quando deixo de colocar-me
acima dela, ela me revela algo essencial. O termo grego que designa a
verdade significa “o que não está oculto”. A verdade está, portanto, do
lado de fora, é externa, não está em mim ou em minhas conclusões.

135
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

Ela vem ao meu encontro. Entretanto, mostra-se apenas aos poucos,


jamais por inteiro (HELLINGER; HÖVEL, 2006, p. 19).

Esta é a proposta oriunda da Constelação Familiar para se alcançar


uma compreensão especial, que não está adstrita a um caminho estreito e
limitado, mas vasto, rumo à plenitude, e que se posiciona efetivamente a favor
da paz. Essa abordagem nos mostra um contexto mais amplo. É preciso se
expor ao todo e, assim, permitir que o fenômeno (e aquilo que está detrás)
se apresente, sem nenhuma intenção de ajudar. Aqui temos à disposição um
verdadeiro caminho fenomenológico do saber, que não é freado somente ao
encontrar a razão; ao contrário, vai além desse conhecimento restrito, limitado.
É evidente que não podemos nos descurar das normas existentes
em nosso ordenamento jurídico. Elas representam o norte que o legislador
encontrou para que toda a sociedade possa conviver em harmonia e segu-
rança. Contudo, ao julgador cabe a valoração das normas preestabelecidas
e sua aplicação ao caso concreto. Esta é a sua tarefa. De algum modo haverá
um juízo de valor e, neste contexto, a Constelação Familiar traz a diretriz
para se alcançar uma boa solução: todos os envolvidos no processo devem
ser reconhecidos. Ela nos convida a incluir o todo, pois este todo, com suas
partes evidentes e ocultas, é parte do sistema, e cada parte também preserva
o seu lugar, dada sua singularidade.
Uma solução harmônica toma em consideração não somente as par-
tes envolvidas no processo, mas também todo o complexo sistema que as
abrange. É necessário perceber além das aparências; olhar para os fatos e
todas as circunstâncias especiais que os envolvem; distanciar-se e expor-se
àquilo que se apresenta. Nesta postura, a decisão emerge em sintonia com
uma Força Superior e, por esta razão, espelha ordem e reconciliação.
E como chegamos a esta imagem capaz de dissolver conflitos? Ela se
revela a partir de um determinado recolhimento; exige um olhar inclusivo,
que abre espaço a tudo e a todos e, assim, se expõe amplamente à realidade. A
partir deste centro se alcança uma decisão equilibrada, que serve e contempla
a todos com o mesmo respeito. Cada um recebe o necessário e o essencial
para seguir adiante em sua própria força. E porque foi olhado com respeito,
segue a sua marcha e toma o seu destino.

136
PAI E MÃE: QUESTÕES PREVIDENCIÁRIAS

Este centramento é a postura do constelador/facilitador (aquele que


facilita o processo em uma constelação) ou de qualquer pessoa que tenha de
orientar, prestar ajuda ou mesmo exercitar a “arte de julgar”. Portanto, esta
abordagem enquadra-se de maneira bastante própria a todos os operadores
do Direito, estimula cada um a escutar a demanda e olhar para o lugar de cada
parte envolvida, além de fomentar a resolução de conflitos por intermédio
de alternativas adequadas e mais efetivas.

03. AS LEIS SISTÊMICAS

As Leis Sistêmicas foram percebidas e desenvolvidas pelo alemão


Bert Hellinger, teólogo, filósofo e pedagogo, a partir de suas experiências
missionárias na África do Sul e em sua vida.
Bert Hellinger sustenta o trabalho da Constelação Familiar em três
princípios filosóficos, também denominados Ordens do Amor. São verda-
deiros pressupostos que atuam nos relacionamentos humanos e determi-
nam a sensação de estar de “boa” ou “má” consciência, assim entendidos
como inocência e culpa, respectivamente, em relação ao sistema familiar
em que a pessoa nasce.
As três Ordens do Amor são: o Pertencimento, a Hierarquia e o Equilí-
brio entre o dar e o tomar, que permeiam as relações de um sistema familiar.

03. 1. PERTENCIMENTO

No sistema familiar reina, na profundeza, uma lei fundamental. Po-


demos ver o que ela exige através dos seus efeitos. Essa lei diz: Todos aqueles
que nascem em uma família têm o seu lugar e o mesmo direito de pertencer
a ela. Todos, inclusive os mortos. Na verdade, os mortos não estão fora do
sistema, estão presentes de uma forma especial. Quando os mortos que foram
excluídos ou esquecidos são reinseridos na família, os outros vivenciam isso
como completude. Quando todos estão lá, os vivos se sentem completos e,
ao mesmo tempo, livres (HELLINGER, 2012, p. 121).
O direito de pertencer trata-se de uma necessidade primordial que
envolve a todos, porque ninguém pode ser excluído. A alma não tolera exclu-
sões ou mesmo esquecimento, e qualquer exclusão gera graves consequências

137
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

para o sistema familiar. Aquele que foi excluído será honrado por um outro
membro do sistema, que poderá repetir sua história ou seu comportamento,
de forma a incluir o antepassado.
E por qual razão essa repetição ocorre? A resposta é simples: repetir
o comportamento do excluído é um ato de amor e lealdade sistêmica.
Esse amor por uma pessoa excluída da família é uma lealdade invisível
ao sistema de origem, que não caminha para a solução. Ao contrário, acaba
por perpetuar a dor. Quando repete o comportamento, a pessoa está dizendo
internamente: “Por te amar e porque você também faz parte, eu faço exatamente
como você. Eu vejo o quanto foi difícil e faço o mesmo, assim você permanece
com um lugar de honra em meu coração. Você estará sempre entre nós”.
Existe uma consciência maior que envolve a todos e que, como dito,
não admite qualquer tipo de exclusão. Através das constelações familiares é
possível transformar esse amor cego, que repete uma história de sofrimento,
em uma nova postura, que permite trazer conciliação e cura para o sistema,
incluindo novamente aquele que foi excluído, sem a repetição da sua história.
Aqueles que permanecem precisam “olhar” para todos do sistema e dizer:
“Eu vejo vocês e dou um lugar a todos em meu coração. O que vocês fizeram,
ao preço que custou para vocês, não foi em vão. Todos vocês, assim como
eu, fazemos parte dessa família. Obrigado!”
Essa consciência que nos vincula à família ou a determinados grupos
no decorrer da vida está ligada à própria ideia de sobrevivência. Sentimo-nos
pertencentes quando agimos exatamente de acordo com as regras do grupo.
E estamos ameaçados quanto ao vínculo quando nos desviamos das condi-
ções estabelecidas pelo grupo. É um grande desafio desbordar das normas
do grupo e, ao mesmo tempo, continuar pertencendo. Mas essa postura de
buscar novos horizontes também é responsável pelo crescimento e evolução.
Logo, é possível ter êxito em fazer algo diferente, desde que permaneça o
respeito entre todos. Com humildade e em honra a todos os que pertencem,
recebo a permissão para fazer algo diferente. E todo o sistema cresce!

138
PAI E MÃE: QUESTÕES PREVIDENCIÁRIAS

03. 2. HIERARQUIA

Uma outra lei básica se manifesta na atuação da consciência de grupo:


em cada grupo há uma hierarquia que se orienta pela precedência no tempo.
Isso significa que, de acordo com essa ordem, quem chega primeiro tem
precedência sobre os que chegam depois. Por exemplo, um avô tem prece-
dência sobre um neto, um primogênito tem precedência sobre os demais
irmãos e um tio tem precedência sobre seu sobrinho. A relação de casal tem
precedência sobre a relação com os filhos.
É o tempo, como critério cronológico, que define a hierarquia nos
vínculos.
Assim, essa consciência de grupo não permite que os sucessores in-
terfiram nos assuntos dos antecessores, seja para fazer valer o direito deles,
seja para expiar a culpa em seu lugar, seja ainda para resgatá-los, mesmo
posteriormente, de seu destino funesto. Influenciado pela consciência de
grupo, o sucessor reage à própria presunção com uma necessidade de fracasso
e declínio (HELLINGER, 2015, p. 32).
A Constelação Familiar mostra que existe uma ordem prévia e que
deve ser respeitada, porquanto ela determina o papel de cada um dentro do
sistema. Os relacionamentos humanos têm grande chance de êxito quando
em sintonia com esta ordem que a tudo abarca e, como dito, precede. Por-
tanto, só o amor não basta, é preciso se ajustar a essa ordem antecedente.

03. 3. EQUILÍBRIO

Aqui falamos de equilíbrio entre aqueles que estão em uma mesma


linha de hierarquia, como, por exemplo, os membros da mesma geração do
sistema familiar. Isso porque entre pais e filhos a dinâmica é distinta. Os pais
são aqueles que nos deram a vida. E isso é grande e valioso. A compensação
que os filhos podem oferecer é seguir em frente, repassar essa grandeza
adiante, seja construindo sua própria família, gerando seus filhos, seja rea-
lizando-se profissionalmente.
De acordo com Bert Hellinger, os sistemas têm uma profunda neces-
sidade de compensação interna. Essa necessidade ultrapassa frequentemente

139
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

os limites estabelecidos. A necessidade de equilíbrio serve ao relacionamento.


Quando, por exemplo, na família, o homem faz algo de bom para a sua mulher,
ela fica sob a pressão da compensação. Com isso, ela lhe faz também algo de
bom e, porque o ama, faz para ele um pouco mais do que ele havia feito para
ela. Então, ele fica sob pressão e lhe dá um pouco mais e, assim, a união da
necessidade de compensação e do amor conduz a um intercâmbio crescente.
Isso é a base da felicidade num relacionamento. Por isso, a necessidade de
compensação é tão importante (HELLINGER, 2012, p. 83).
E quando algum deles faz algo que causa dor ao outro? Também
nesta dinâmica a compensação é necessária. Porém, em vez de fazer algo
ainda mais cruel, o cônjuge faz um “mal menor” e que equilibra a relação.
Os relacionamentos permeiam neste equilíbrio entre “créditos” e “débitos”.
O respeito ao equilíbrio traz harmonia. No campo da área jurídica
falamos de um verdadeiro sistema de checks and balances, de pesos e con-
trapesos, que se ajustam por intermédio de uma justa compensação e que
proporcionam a paz quando o dar e o receber se apresentam de maneira
equivalente.

04. A INTRODUÇÃO DA CONSTELAÇÃO FAMILIAR NO CAMPO


JURÍDICO

No Brasil, a introdução da Constelação Familiar na área jurídica


começou com o Juiz de Direito Sami Storch, que há alguns anos começou
a utilizar a Constelação Familiar para auxiliar na resolução dos conflitos
apresentados ao Judiciário.
O resultado foi a obtenção de altos índices de conciliação e o alcance
de soluções surpreendentes através de oficinas de constelações, inicialmente
na área de família; posteriormente, esta experiência positiva se estendeu
até a esfera criminal, notadamente em Varas da Infância e Juventude, com
adolescentes que praticaram atos infracionais. Atualmente, o alcance dessa
filosofia se mostrou ainda mais abrangente, pois ela tem sido utilizada com
sucesso para se criar um ambiente de trabalho mais saudável e equilibrado.
O magistrado foi o pioneiro na utilização desta filosofia na Justiça.
Sua inovadora forma de atuar permitiu o surgimento de um novo campo no

140
PAI E MÃE: QUESTÕES PREVIDENCIÁRIAS

Direito, denominado por ele Direito Sistêmico, que visa aplicar o Direito à
luz dos ensinamentos trazidos pelo alemão Bert Hellinger com a Constelação
Familiar. Para Sami Storch,

(...) a aplicação do Direito Sistêmico para e pelos profissionais


do direito pode se dar de diversas formas. Trata-se de uma ciência
dos relacionamentos, válida para relações humanas, organizacionais
e relações jurídicas em geral, uma vez que toda relação constitui um
sistema ou se constitui dentro de um (...) O estudo dessa ciência amplia
a compreensão sobre as dinâmicas ocultas nos conflitos. Cada parte
no conflito tem motivos para ter se envolvido nele do modo como
fez (seja como agressor, vítima, reivindicador ou devedor), e esses
motivos podem ter raízes profundas, que não dizem respeito à outra
parte no processo, mas sim ao passado familiar de cada um, inclusive
de gerações anteriores. (STORCH, 2017)

É de se pontuar que no campo jurídico este modelo de solução de con-


flitos pode ser aplicado de diversas formas, seja no desenrolar do processo ou
mesmo antes de seu início, como medida apta a evitar a instauração da lide.
A título de exemplificação, eis algumas hipóteses: em audiências, mediante
abordagens profundas e um olhar do magistrado incluindo, com respeito e
sem prejulgamentos, todos os envolvidos no processo; antes da realização
de mutirões de conciliação, como forma de preparação para a reconciliação;
nas mediações, conciliações e convenções de arbitragem, nas dependências
do Fórum, buscando-se maior humanização nas relações, dentre tantas
outras possibilidades.
Através dessa visão sistêmica, o indivíduo não é considerado de forma
isolada, mas sim como parte de um grande sistema que interage, afetando e sendo
afetado por todos os sistemas dos quais ele participa. É um grande conjunto de
engrenagens, onde cada engrenagem representa uma parte do todo e guarda
relação direta com todas as outras peças que compõem esse conjunto; um sistema
de interdependência em que todos estão ligados entre si e são influenciados pelas
três Leis Sistêmicas que embasam a Constelação Familiar.

141
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

Com essa abordagem, as partes deixam o Judiciário reconciliadas in-


ternamente e se evita a propositura de novas ações judiciais. É preciso olhar
com amor e apreço para cada processo, pois ele representa a vida de muito
mais do que uma única pessoa. Efetivamente, guarda ressonância com todos
os que pertencem ao sistema familiar daquele que buscou o Poder Judiciário.
Aquilo que afeta a um dos envolvidos no processo de alguma forma também
ressoa nos demais que pertencem ao mesmo sistema, afinal todos mantêm
esse forte vínculo decorrente do pertencimento.

05. O DIREITO PREVIDENCIÁRIO E A VISÃO SISTÊMICA

O Direito Previdenciário é o ramo do Direito Público que tem por


objeto o estudo, a análise e a interpretação dos princípios e normas consti-
tucionais, legais e regulamentares que se referem ao custeio da Previdência
Social e às prestações previdenciárias devidas a seus beneficiários (LAZZARI,
2001, p. 61).
Para ter direito aos benefícios previdenciários, a pessoa deve ser um
segurado da Previdência Social. Os segurados são os principais contribuintes
do sistema de seguridade social, como previsto na ordem jurídica nacional:
em função do vínculo jurídico que possuem com o regime de previdência,
devem verter contribuições ao fundo de previdência para obter benefícios
previdenciários (LAZZARI, 2001, p. 122).
O auxílio-doença é o benefício previdenciário devido ao segurado que
ficar incapacitado para seu trabalho ou para sua atividade habitual por mais
de 15 (quinze) dias consecutivos (LAZZARI, 2001, p. 495).
Na área previdenciária, a maior parte dos conflitos judiciais refere-se
ao requerimento judicial de benefício por incapacidade, de auxílio-doença
e aposentadoria por invalidez, que em parte não são devidos, em razão da
ausência de incapacidade para o trabalho.
Pretende-se demonstrar que o Direito Sistêmico, através da Constelação
Familiar, cuja efetividade já foi premiada pelo Conselho Nacional de Justiça,
se revela uma abordagem bastante eficaz também na resolução dos conflitos
previdenciários. Com o reconhecimento das Leis Sistêmicas desenvolvidas

142
PAI E MÃE: QUESTÕES PREVIDENCIÁRIAS

por Bert Hellinger, é possível garantir a paz entre todos os envolvidos e, desse
modo, evitar que novas demandas sejam propostas.
Através do estudo das Constelações Familiares, percebe-se o pano de
fundo (interesse oculto) dos conflitos previdenciários. Devido aos problemas
relativos ao pai ou à mãe, os segurados ficam desprovidos da força que viria
deles para realizar seu trabalho e conquistar, desse modo, sua dignidade e
independência financeira. Depositam, então, no Estado as expectativas para
solucionar suas necessidades através de benefícios por incapacidade laboral.
Ao introduzir esta ciência é possível chegar à origem do problema e,
desse modo, permitir que as pessoas encontrem, por exemplo, o caminho
de volta para os seus pais, quando poderão resgatar sua força de vida e de
trabalho, alcançando sua liberdade e os êxitos pessoal e profissional.
Observamos que quando as Leis Sistêmicas são transgredidas surgem
as compensações. E estas compensações se apresentam de forma bastante
variada: desmotivação, depressão, doenças sem causa aparente, fracasso
na vida profissional, problemas nos relacionamentos, sentimento de culpa,
vingança, rancor, dentre tantos outros sintomas.
A consequência é que as doenças e os sintomas apresentados por uma
pessoa acarretam a necessidade do trabalhador se afastar de suas atividades
laborais e buscar o amparo do Estado, no recebimento de benefício previ-
denciário, junto ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), autarquia
federal que tem a atribuição de pagar tais benefícios aos segurados que
cumprirem os requisitos legais.
O intuito desse olhar sistêmico é oferecer uma nova visão em que as
partes possam compreender, por si mesmas, as dinâmicas que as levaram
ao Judiciário ou, se necessário, submeter-se ao auxílio do Estado somente
por um breve período, até encontrar aquilo que falta para que alcancem
a própria paz ou, por assim dizer, se reconciliem primeiramente consigo
mesma e com o seu próprio sistema.

06. A CONSTELAÇÃO FAMILIAR COMO MODELO PACIFICADOR

Bert Hellinger foi indicado ao prêmio Nobel da Paz com a Conste-


lação Familiar, em 2011. Como é de conhecimento geral, este é um prêmio

143
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

do mais alto prestígio em favor da paz. A propósito, o próprio Alfred Nobel


assim descreveu essa honraria: (...) o prêmio deveria distinguir a pessoa que
tivesse feito a maior ou melhor ação pela fraternidade entre as nações, pela
abolição e redução dos esforços de guerra e pela manutenção e promoção
de tratados de paz. (NOBEL da Paz)
Ainda que Bert Hellinger não tenha sido o vencedor naquele ano, seu
trabalho foi reconhecido mundialmente por promover a paz entre os povos.
E isso tem força!
Por isso este modelo reúne qualidades inestimáveis a serviço da paz.
Entretanto, da maneira como hoje o Judiciário se apresenta, o que se percebe
é um aumento excessivo no número de demandas, sem que as partes saiam
do Judiciário reconciliadas, mesmo quando recebem o bem da vida pleiteado.
Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça, existe uma projeção
de 114,5 milhões de processos para 2020. Se compararmos à população
brasileira de maio/2018, estimada em aproximadamente 209 milhões de
habitantes, segundo sítio eletrônico do IBGE, em breve teremos 01 processo
para cada 02 cidadãos brasileiros! Se pensarmos que no mínimo uma de-
manda envolve duas partes (autor e réu), conclui-se que teremos em pouco
tempo um processo judicial por habitante!
Ademais, essa nova visão do Direito Sistêmico nos traz a compreensão
de que um processo não representa apenas um número, tampouco a vida de
uma só pessoa, estando envolvido também todo o seu sistema. Esse olhar
bem mais amplo demonstra que o número de pessoas envolvidas no conflito
é ainda maior.
Ainda há outro dado alarmante. Em 2015, o Conselho Nacional de
Justiça publicou uma estatística nacional acerca dos processos judiciais. Após
uma padronização dos assuntos propostos em juízo, foi possível constatar
as maiores demandas no Judiciário. Seja no Juizado Especial Federal ou
Estadual, o dano moral é o assunto que envolve a maior concentração de
demandas. Esses dados demonstram que grande parte da população brasi-
leira sente que sua dignidade não está sendo respeitada. E, nesse compasso,
surge algo a ser questionado: o Judiciário, por si só, está em condições de
resgatar esta dignidade?

144
PAI E MÃE: QUESTÕES PREVIDENCIÁRIAS

Resgatar a dignidade de um povo envolve uma ampla questão social a


ser encarada em toda a sua profundidade, não somente pelo Poder Judiciário,
mas por todos aqueles que compõem o Estado Democrático de Direito, no-
tadamente cada indivíduo, ser único e especial, que provém de uma família
e que, no ato de receber a vida, foi agraciado com os pais certos para o seu
crescimento e evolução. Dentro da Lei da Ordem, é forçoso reconhecer que
algo aconteceu muito antes, que existe uma origem a ser honrada e respeitada
para se resgatar a força em plenitude e abundância.
O Judiciário não pode ser utilizado como órgão substitutivo daquilo
que a parte não encontrou e que poderia ter encontrado, por si mesma, em
seu próprio sistema de origem. Eventuais queixas e reclamações do autor de
uma ação judicial que trazem como “pano de fundo” questões internas do
sistema familiar somente serão resolvidas com este olhar amplo proposto
pela Constelação Familiar. Podemos dizer, a título de exemplificação, que o
vazio causado pela exclusão de um ente querido no sistema, como por exem-
plo o pai do demandante, jamais será suprido por uma quantia pecuniária
arbitrada a título de dano moral ou material.
Enquanto não houver uma decisão que tome em consideração o “grande
sistema” que se apresenta em juízo, outras demandas serão propostas, mais
e mais indenizações serão pleiteadas, e esse demandante contumaz ainda
assim não encontrará uma resposta que preencha este vazio. Qual a razão?
Em profundidade ele almeja apenas encontrar novamente o caminho em
direção ao seu pai, que lhe seja permitido amar o pai exatamente como é,
sem restrição ou julgamentos, independentemente do destino difícil que
tenha tido. Este é o caminho mais curto para se encontrar e restaurar a dig-
nidade do indivíduo: auxiliá-lo a encontrar o seu lugar de ser “apenas” filho
e desenvolver-se em sua força.
No âmbito dos Juizados Especiais Federais Cíveis, um volume expres-
sivo de demandas é gerado em desfavor do Instituto Nacional de Seguro
Social (INSS), especialmente onde a parte autora alega estar doente e requer
a concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez. São dinâmicas
frequentes e que se perpetuam como rotina nos Fóruns Federais.
A parte ingressa em juízo alegando estar incapacitada para o trabalho.
É submetida à perícia médica, realizada por um médico de confiança do

145
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

juízo. Quando o laudo pericial é favorável à parte autora, na grande maioria


das vezes, o pedido será julgado procedente. Se o perito atesta que a pessoa
tem condições de trabalhar, a ação será julgada improcedente.
Cumpre ressaltar que um percentual expressivo dessas ações constata
uma incapacidade temporária, de maneira que, depois de um determinado
período, presume-se que o autor poderá retornar ao trabalho. Esse tempo
de recebimento do benefício é justamente para que o autor tenha condições
de se manter durante o período estimado para a recuperação da doença/
incapacidade. Assim, o autor da ação, comprovando estar incapaz tempora-
riamente, receberá um auxílio-doença. Ele é considerado vencedor da ação e
deixa o Judiciário ciente de que o seu benefício deverá perdurar apenas por
um determinado período. Se, após o período estimado para se recuperar, o
autor ainda permanecer incapaz, por exemplo porque houve agravamento da
doença, ele deverá requerer a prorrogação deste benefício junto à autarquia
administrativa.
Ocorre que, ao término do tempo estimado para a recuperação da
doença, e com a cessação do benefício pela autarquia previdenciária (INSS),
muitas vezes o Judiciário é novamente acionado. A parte ingressa com nova
ação asseverando que sua incapacidade ainda persiste e que necessita con-
tinuar recebendo o benefício. Já aquele que perdeu a demanda anterior por
ser considerado capaz para exercer atividade laborativa, após algum tempo
também retorna ao Judiciário, desta vez com o argumento de que está muito
pior, que a doença se agravou e que ele precisa do auxílio do Estado. Em
ambos os casos, seja aquele que venceu a demanda e que recebeu um be-
nefício mediante provocação do Poder Judiciário, seja aquele que ficou um
tempo sem receber, ambos retornam insatisfeitos e dão origem a um novo
processo. E, assim, as demandas multiplicam-se ante a superficialidade da
entrega da prestação jurisdicional.
Cabe registrar que no Juizado Especial Federal de Botucatu, conside-
rado um juizado de volume pequeno de ações (em média 4.500 processos
em tramitação), foram designadas, de maio de 2017 a maio de 2018, um
total de 2.511 perícias, sendo que, desse montante, 491 perícias somente
na área de psiquiatria. Destaca-se a psiquiatria porque nela se verifica uma
grande quantidade de jovens (de 25 a 40 anos) que ingressam em juízo

146
PAI E MÃE: QUESTÕES PREVIDENCIÁRIAS

com o argumento de que não têm condições de trabalhar por estarem com
depressão ou algum outro transtorno de ordem intelectual, o que merece
nossa especial atenção.
A Advocacia-Geral da União-AGU, através da Procuradoria-Geral
Federal, atua na defesa judicial do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS)
e constatou em suas estatísticas que 60% (sessenta por cento) das ações pre-
videnciárias têm por objeto o recebimento de benefícios por incapacidade
de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez. Em alguns locais, esse
percentual se revela ainda maior. No Juizado Especial Federal de Botuca-
tu/SP, por exemplo, as ações propostas em desfavor do INSS representam
quase 80% (oitenta por cento) do acervo. O grande percentual desse tipo de
ação revela o quanto a visão sistêmica das Constelações Familiares poderá
contribuir para a redução de demandas judiciais do INSS em todo o país.

07. O DIREITO DA RECONCILIAÇÃO

A palavra “reconciliação” está ligada à ideia de paz, harmonia, recone-


xão em uma esfera mais ampla e profunda. Reconciliar significa unir o que
anteriormente estava separado. Podemos afirmar que o Direito Sistêmico é
esse Direito da Reconciliação, que, com o uso da Constelação Familiar, res-
tabelece a paz que em algum momento foi perdida, violada. E, desse modo,
cumpre a finalidade intrínseca à jurisdição, restabelecendo a paz social.
O Direito Sistêmico propõe essa comunicação entre as diversas ciên-
cias. Encontra laços na Teoria Geral dos Sistemas do jurista e sociólogo
alemão Niklas Luhmann, onde a comunicação tem o seu elemento central.
Esse é o ponto que une a filosofia da Constelação Familiar ao Direito. Uma
junção de distintas áreas de conhecimento que convivem em harmonia, que
utilizam suas próprias bases principiológicas e seguem a serviço da vida, da
paz e da reconciliação.
Nesse aspecto, vale transcrever os dizeres de Robert Sapolsky, cientista,
escritor e professor norte-americano que durante muitos anos se aventurou
na África. Ao estudar o comportamento dos babuínos, ele contribuiu sobre-
maneira para se compreender melhor a própria natureza humana:

147
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

Eu amo ciência e me incomoda pensar que muitos têm medo


desse assunto ou sentem que escolher ciência significa que você não
pode também escolher compaixão ou artes ou admirar a natureza. A
ciência não serve para nos curar do mistério, mas para reinventá-lo
e revigorá-lo. (SAPOLSKY, 1997, s/p)

A proposta do Direito Sistêmico é olhar para o litígio de uma forma


mais ampla. Fazer uma análise estática do conflito proposto inicialmente
identificando as posições, interesses e necessidades das partes. Contudo,
sem se descurar que esta análise do conflito é dinâmica e pode se alterar (ou
mesmo emergir) no transcurso da lide. Vamos imaginar que foi proposta
uma demanda judicial. Quem são os envolvidos no conflito? Existem ter-
ceiros que também fazem parte nesta relação conflitiva ou que podem ter
ingerência na solução?
Essa é uma pergunta importante nessa visão sistêmica. Se outrora
avançamos ao reconhecer que um processo judicial é bem mais que um
simples número, que reflete a vida de uma pessoa, agora vamos além: o
processo guarda consonância com todo o sistema familiar daqueles que
estão em litígio. Vale dizer: quando uma parte apresenta um determinado
conflito, não se trata apenas de uma inquietação isolada, pois é cediço que
cada ser faz parte de um grande sistema e também atua em nome desse
sistema, ainda que inconscientemente.
A indignação trazida por um dos componentes desse sistema está ne-
cessariamente ligada a tantos outros que dele também são parte integrante. E
aquilo que afeta um dos membros, inevitavelmente ressoa nos demais. Como
em um holograma, onde cada parte guarda em si o próprio todo.

08. CASOS DE APLICAÇÃO DA CONSTELAÇÃO FAMILIAR NO


JUIZADO ESPECIAL FEDERAL DE BOTUCATU/SP

Preliminarmente é de se observar que a Constelação Familiar indica


uma postura que pode ser aplicada no dia a dia das lides forenses. Os exem-
plos a seguir delineados são apenas para confirmar a simplicidade de uma
filosofia que a todo instante abre espaço para que o fenômeno nos apresente

148
PAI E MÃE: QUESTÕES PREVIDENCIÁRIAS

o essencial. A observação atenta e centrada daquilo que se apresenta no


momento é o caminho mais curto rumo à solução.

08. 1. A APLICAÇÃO DA CONSTELAÇÃO FAMILIAR NO AMBIENTE


INTERNO DA INSTITUIÇÃO (ENTRE SERVIDORES E MAGISTRA-
DOS)

Há cerca de dois anos, os princípios trazidos da Constelação Familiar


estão sendo aplicados de forma mais intensa no Juizado Especial Federal de
Botucatu.
Inicialmente, e no intuito de evidenciar o pertencimento, retiramos
todas as divisórias existentes, que separavam os servidores por seus núcleos
e pelas funções que desempenhavam dentro da instituição. As barreiras
físicas (divisórias) que anteriormente separavam os servidores do gabinete,
secretaria, atendimento e contadoria, agora não mais existem. Todos pas-
saram a trabalhar juntos, em um único ambiente, independentemente do
setor em que exercem suas atividades. Dessa forma mostramos que “todos
fazem parte”; que “todos têm um lugar”.
Uma conduta aparentemente tão simples, mas que trouxe reflexos
profundos nos relacionamentos humanos da instituição. Retirar as divisórias
mostrou que cada um pertence àquele local, que possui uma função própria
e que todos os demais servidores que estão ali também têm o mesmo direito
de pertencer. Cada um tem a chance de olhar para todos e constatar, efeti-
vamente, que também faz parte desse todo.
Mas não foi só.
Após evidenciar a primeira Lei de Bert Hellinger – o Pertencimento
–, era preciso ir além e trazer para o Juizado Especial Federal de Botucatu/
SP o segundo pressuposto básico de vida que impera nos relacionamentos
humanos: a Hierarquia.
Como dito alhures, as divisórias anteriormente existentes foram reti-
radas. Após, as estações de trabalho foram dispostas de acordo com a ordem
de chegada neste juízo, ou seja, o servidor mais antigo ocupa um lugar de
precedência e assim sucessivamente. Muitas vezes acontece de um servidor
ter trabalhado por vários anos em uma outra localidade. Contudo, o crité-

149
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

rio adotado para estabelecer a ordem de chegada levou em consideração o


servidor mais antigo no Juizado de Botucatu.
Em um primeiro momento surgiu a dúvida se esta seria uma solução
adequada, já que os servidores não ficariam próximos aos seus núcleos. A organi-
zação foi definida pelo critério de antiguidade e não pela função desempenhada
entre os diversos setores. Ademais, cogitou-se que poderia haver ruído, o que
fatalmente atrapalharia a concentração e, como consequência, a produtividade.
Contudo, experimentamos. E o que se apresentou foi um ambiente
sereno, tranquilo e agradável. É possível sentir algo “diferente”; o silêncio
agora se faz presente e pode ser contemplado. Conhecemos os efeitos da
ordem em ação e descobrimos o que Hellinger afirmava a todo instante em
seus seminários: “O essencial é simples” e “No essencial temos tudo”.
Ainda montamos nesse ambiente uma área de convivência, um local
em que os servidores pudessem ficar no seu intervalo. E mais uma vez vimos
o quanto a ordem traz consigo o respeito ao todo, porque esse ambiente em
nada interferiu nas tarefas desempenhadas pelos servidores. A propósito, em
um momento o magistrado desse juízo comentou: “Às vezes tenho receio de
ligar a máquina do café, tamanho o silêncio entre vocês”.
Ao aplicar as Leis Sistêmicas, encontramos outro nível de profissio-
nalismo dentro da instituição. O magistrado que desempenha a função de
presidente do juizado exclamou: “Também quero tirar as divisórias do meu
gabinete”. A fim de preservar sua segurança, não houve alteração física nas
divisórias de seu gabinete. Porém, podemos dizer que internamente as portas
foram retiradas. O magistrado, que outrora pouco comparecia na secretaria
do juizado, aqui entendida como esse ambiente único, após essa medida
tornou-se bem mais presente.
Em maio de 2018, após a realização da inspeção geral ordinária no
juizado, procedimento padrão que é adotado uma vez por ano, decidimos
trazer um novo modelo de hierarquia. A ordem de antiguidade foi estabele-
cida levando-se em consideração a chegada do servidor na Justiça Federal.
Assim, passamos para uma abordagem bem mais ampla, onde a hierarquia
segue a ordem de chegada na instituição como um todo. Já temos condições
de aferir alguns efeitos dessa mudança. Inicialmente observamos uma alte-
ração significativa no comportamento dos servidores, a qual num primeiro

150
PAI E MÃE: QUESTÕES PREVIDENCIÁRIAS

momento refletiu instabilidade. Hoje, mais de sete meses nesse novo modelo,
percebemos que o trabalho está sendo bem executado e que ainda existem
relações pessoais que necessitam de um olhar bastante respeitoso, inclusivo.
Veja que não trabalhamos com uma filosofia estanque, imutável. Ao
contrário, a Constelação Familiar mostra que é preciso estar atento a cada
instante, dada sua base fenomenológica. Afinal, existe uma só ordem correta?
Ao que parece, o caminho a ser seguido é experimentar e após verificar qual
a ordem que nos leva à paz.

08. 2. A APLICAÇÃO DA CONSTELAÇÃO FAMILIAR COM OS JU-


RISDICIONADOS

CASO 1 – Trata-se de uma mulher, atualmente com 45 anos, já em


seu sétimo processo judicial, e que, desde 2008, tenta manter um benefício
previdenciário sob a alegação de estar acometida de depressão e transtorno de
personalidade grave. Desde os 35 anos de idade ela recebe auxílio do Estado,
ou seja, há mais de 10 (dez) alega ter distúrbios psíquicos que supostamente
a impedem de trabalhar.
A jovem é conhecida dos servidores deste juízo. Quando comparecia
às perícias reclamava muito no setor de atendimento. Tive a oportunidade
de atendê-la, logo após ter realizado uma perícia. Estava muito abalada, aos
prantos, acreditava que seu benefício cessaria. Em nossa breve conversa, logo
no início ficou claro que ela buscava incansavelmente o acesso à sua mãe.
Ela exclamou: “Eu não tenho mãe e vocês ainda vão cortar meu benefício!”
Após escutá-la, com uma simples frase eu a acalmei: “Em você eu vejo a sua
mamãe. Tenho certeza do quanto ela fica feliz quando você se cuida com
carinho”. Foi possível perceber a serenidade em seu rosto pelo simples fato
de reconhecer que nela a sua mamãe permanecia viva.
Por meses essa jovem não retornou ao Juizado, o que no caso era uma
nítida mudança de comportamento, pois ela estava sempre lá, em busca de
um provimento jurisdicional que lhe mantivesse um auxílio. Em determina-
dos momentos, antes mesmo do processo ser decidido em grau de recurso,
ela ingressava com uma nova demanda, com pedido de tutela antecipada,
alegando que a doença havia se agravado. Em uma consulta acerca da exis-

151
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

tência de processos em tramitação (maio de 2018), constatei a existência


de um processo em grau de recurso, com decisão de improcedência e que
aguardava o trânsito em julgado para ser devolvido a esse Juizado.
Para minha surpresa, antes da entrega desse trabalho (início de ju-
nho/2018), ela compareceu novamente a este Juizado. Como eu não estava
no setor de atendimento, ela pediu para falar comigo. Curiosamente não
comentou sobre processo algum. Por algum tempo relatou algo difícil que
está ocorrendo em sua vida. Chorou. E eu permaneci calado, apenas ouvi
atentamente. Depois de todo o relato, eu disse: “Concordo com o seu destino”.
Ela sorriu, agradeceu e se despediu.

CASO 2 – Diz respeito a uma senhora que veio até o Juizado em estado
de completo desespero. Ela compareceu para se manifestar a respeito de uma
perícia médica que havia concluído pela capacidade laborativa.
Essa senhora chegou ao setor de atendimento e veio até a minha mesa.
Ela chorava muito. Inicialmente disse: “Todos riem de mim”, pressupondo
que eu seria mais um a rir dela também. Internamente me perguntei: O que
eu posso oferecer neste momento a esta senhora? E a resposta foi: Ofereça
a sua presença!
Esse “estado de presença” é bastante transformador. Nele, renuncio
aos meus julgamentos, intenções, medos e até mesmo o mínimo propó-
sito de ajudar e me exponho totalmente à verdade que se apresenta. Essa
é a postura fenomenológica que se requer no campo das Constelações
Familiares. E assim permaneci, presente.
Ela estava exaltada e foi relatando suas dificuldades. Disse que já ti-
nha tentado suicídio por três vezes e completou: “Agora eu sei pegar a veia
corretamente, agora eu vou conseguir. Vocês não veem? Existe um grito
dentro de mim”! Nesse instante, ela parou de falar e me olhou atentamente.
Então, respondi: “Sim, eu vejo a sua dor e vejo também o grande grito que
existe em você! E sabe qual é o grito que a levará para sua grande força? ‘Por
favor, mamãe’”, ao que ela completou: “me ajude”. Exatamente, o grito é: “Por
favor, querida mamãe, me ajude!” Ela foi se acalmando e eu lhe propus um
exercício sistêmico: “Todos os dias, quando a senhora acordar, deverá dizer:
‘Por favor, querida mamãe, me ajude’. Todas as vezes que não sentir vontade

152
PAI E MÃE: QUESTÕES PREVIDENCIÁRIAS

de levantar da cama, vai dizer: ‘Por favor, querida mamãe, me ajude’; todas
as vezes que se sentir cansada, estiver indisposta, desaminada, vai repetir
essa frase. Repita até que essa frase transborde em seu coração”.
Ainda perguntei com quem ela morava e obtive a informação de que
era com seu marido, e que ela não tinha contato com a mãe nem com o ir-
mão, apesar de morarem na mesma cidade. Terminamos a conversa com a
proposta desse exercício. Se esse episódio se encerrasse desta maneira, já seria
algo animador, pois uma pessoa que chegou desacreditada à Justiça, ao final
saiu agradecida. Contudo, o resultado alcançou uma expressão ainda maior.
Cerca de quinze dias depois, ela retornou ao Juizado e novamente eu
estava no setor de atendimento. Ela veio até minha mesa, estendeu a mão
para mim e disse: “Eu fiz o exercício que você recomendou. E sabe o que
aconteceu? Foi mágico! Depois de tanto tempo meu irmão me ligou e disse
que gostaria de comer o pão que eu faço. Eu até falei que ele sabe fazer melhor
que eu, mas ele insistiu e eu falei que iria fazer”. E prosseguiu: “Nem sei dizer
como aconteceu, mas na Sexta-feira Santa eu estava com minha mãe e meu
irmão na minha casa, depois de tanto tempo sem ter contato”. E agradeceu!
Esse é o Direito da Reconciliação, que respeita o lugar de cada um
e olha para o “bem da vida” em sua plenitude. Talvez essa senhora ainda
necessite do auxílio do Estado, mas só por um período. É notório que ela
reencontrou o caminho em direção à vida, à sua força, e que, se lhe for per-
mitido permanecer nesse lugar, não haverá espaço para o suicídio.

CASO 3 – Recentemente, na última semana de abril de 2018, atendi


uma senhora que desejava ingressar com uma ação judicial em desfavor do
Instituto Nacional de Seguro Social pleiteando um auxílio-doença, por estar
acometida de uma grave depressão. Relatou que desde a morte da mãe já não
sentia vontade de fazer mais nada; que trabalhava em uma confeitaria fazendo
bolos e não conseguia mais produzir. Veio acompanhada de sua filha. Após
escutá-la, já no final do atendimento, eu lhe fiz um convite: “Por favor, olhe
para sua filha!” As duas se olharam e se emocionaram. Pedi para ela dizer,
se realmente sentisse verdade nessa frase: “Filha, eu fico por mais um tempo
e cuido de você”. Depois que ela disse essas palavras, houve um momento

153
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

de grande ternura, que propiciou a reconciliação entre mãe e filha. Por fim,
essa senhora se despediu, dizendo: “Vou fazer um bolo e trazer para vocês”.

09. ENCONTRAR ALTERNATIVAS MAIS EFETIVAS PARA A RE-


SOLUÇÃO DOS CONFLITOS: UM GRANDE DESAFIO DO PODER
JUDICIÁRIO

Um processo pode se arrastar por anos no Poder Judiciário, dada a


quantidade de ações e recursos cabíveis na tramitação do feito. E quando
o processo finalmente chega ao seu termo, não raras vezes, não garante a
verdadeira paz social. Essa dinâmica impulsiona a propositura de novas
demandas, uma vez que as partes, mesmo após os longos anos de espera por
uma solução que lhes pareça justa, ainda permanecem insatisfeitas. Seria
dizer: o processo termina, mas a “lide” interna permanece entre as partes.
Esta afirmação lastreia-se no fato de que as partes se retiram do Po-
der Judiciário sem estarem reconciliadas internamente. De fato, ainda se
encontram vinculadas ao desejo de obter uma prestação jurisdicional mais
favorável. E, assim, o conflito permanece. Encontrar uma opção célere, efe-
tiva e duradoura para a resolução dos conflitos é o grande desafio do Poder
Judiciário.
Atento a esta realidade, o Conselho Nacional de Justiça editou a Resolu-
ção nº 125/2010 em que estabelece “política pública de tratamento adequado
dos conflitos de interesses”, fomentando especialmente os mecanismos con-
sensuais para a solução dos litígios, assegurando a todos (art. 1º) “o direito à
solução dos conflitos por meios adequados à sua natureza e peculiaridade”.
Nesse compasso, desde 2010, a Justiça Federal apontou como um
macro desafio em seu Planejamento Estratégico:

Macro desafio do Poder Judiciário: Adoção de soluções alterna-


tivas de conflito.
Refere-se ao fomento de meios extrajudiciais para resolução nego-
ciada de conflitos, com a participação ativa do cidadão. Visa estimular
a comunidade a dirimir suas contendas sem necessidade de processo
judicial, mediante conciliação, mediação e arbitragem; à formação de

154
PAI E MÃE: QUESTÕES PREVIDENCIÁRIAS

agentes comunitários de justiça; e, ainda, à celebração de parcerias


com a Defensoria Pública, Secretarias de Assistência Social, Conse-
lhos Tutelares, Ministério Público e outras entidades afins. (BRASIL,
CJF, 2015/2020)

E, ainda, lançou o seguinte objetivo estratégico: “Aumentar o número


de processos encerrados por meio de conciliação. Desenvolver a conciliação,
especialmente pré-processual, para ampliar o quantitativo de processos
encerrados pela via conciliatória.” (BRASIL, CJF, 2015/2020)
A fim de estimular o alcance desta meta, a Constelação Familiar já
tem demonstrado excelentes resultados, inclusive com premiação ofertada
pelo Conselho Nacional de Justiça (ARAÚJO). Esta abordagem aponta para
uma nova direção e reconhece que o processo tradicionalmente utilizado
para a resolução de conflitos teve e ainda tem o seu espaço; preserva sua
identidade e importância, além de confirmar a inegável contribuição para
que, neste momento, algo novo possa ser vivenciado.
Apresenta-se como uma nova forma de auxílio extensível a todos
os operadores do Direito, especialmente aos conciliadores, mediadores e
árbitros. Elenca posturas aptas a impulsionar um processo de solução con-
sensual, tais como: atuar sem medo; sem intenção; sem pena (piedade/dó)
e sem julgamentos. Desta maneira, será possível prestar o auxílio devido e
efetivo, quando necessário.
Em seu livro Ordens da ajuda, Hellinger (2013) assevera: “Ajudar é
uma arte”. Auxiliar outra pessoa exige sensibilidade e compreensão daquilo
que é necessário àquele que procura assistência. O ajudante atua apenas
naquilo que é essencial, porquanto a ajuda sempre serve a ambos, ou seja,
ela ultrapassa os limites do necessitado. Bert Hellinger propõe um questio-
namento ao ajudante: “O que posso fazer para erguer o outro acima de si
mesmo, para algo mais abrangente?” A resposta orienta-nos ao apoio ideal,
que é ofertado apenas por um determinado período; após, devemos confiar
e permitir que o outro siga livremente, na sua própria força.

155
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

10. PROJETO DE APRESENTAÇÃO DAS LEIS SISTÊMICAS E DO


DIREITO SISTÊMICO NO INSS

A ideia de desenvolver um projeto-piloto para apresentar as Leis Sistê-


micas e o Direito Sistêmico no INSS vem sendo amadurecida desde o início
da Pós-Graduação em Direito Sistêmico com bastante cautela, respeitando
o tempo e as dificuldades estruturais que a instituição vivencia.
O INSS é a instituição federal responsável pelo atendimento do cidadão
que necessita de diversos tipos de benefícios previdenciários em todo o país
e tem deficiências estruturais, que muitas vezes impedem o oferecimento de
um serviço público de qualidade a quem dele necessita.
O objetivo desse projeto é proporcionar aos servidores da instituição a
possibilidade de conhecer e experimentar as Leis Sistêmicas em sua vida e no
seu ambiente de trabalho, de forma a resgatar o melhor de cada servidor no
exercício de suas atividades laborais, desenvolvendo os valores do trabalho
em equipe, com qualidade e eficiência; por meio da percepção da missão
de cada servidor público em relação à população, será possível alcançar
resultados positivos na análise dos requerimentos de benefícios, de modo a
reduzir a quantidade de ações judiciais previdenciárias.
O campo para a aplicação das Leis Sistêmicas no âmbito do INSS é
muito grande, podendo ser estendido aos médicos peritos previdenciários,
que têm a atribuição de avaliar o estado de saúde do cidadão que busca o
recebimento de um benefício por incapacidade para o trabalho. O desenvol-
vimento do olhar sistêmico desses profissionais possibilitará a oferta de um
atendimento médico mais humanizado, que resgate a imagem da instituição
perante a sociedade.
O projeto piloto foi iniciado com sua apresentação à Gerente da AP-
SADJ — Agência de Atendimento de Demandas Judiciais de Curitiba e teve
início no mês de agosto/18 com os servidores públicos que exercem suas
atividades nessa agência e com sua gerente.
Em Botucatu/SP, a convite de uma Procuradora Federal, foi realizada
uma palestra introdutória no INSS, com a realização de exercícios sistêmicos,
em que participaram diversos procuradores (inclusive alguns já aposentados)
e servidores. O retorno foi bastante positivo, com divulgação do evento na

156
PAI E MÃE: QUESTÕES PREVIDENCIÁRIAS

rede interna da Advocacia-Geral da União. Eis alguns relatos breves sobre


esse encontro:

A palestra nos ajuda a entender que é também nossa responsabi-


lidade manter o ambiente de trabalho harmônico, aceitando o outro
como ele é, respeitando as diferenças e abraçando as semelhanças.
Desta forma, conseguimos nos unir mais, ajudar uns aos outros e
obter um rendimento mais satisfatório.
Acredito que a palestra transformou cada um de nós, como um
todo. A equipe da Procuradoria está mais unida desde a reunião.
Foi muito boa mesmo! Aprendemos a respeitar o jeito que cada
um é. Agora vemos cada um de forma diferente, mais unidos! Poderia
ter mais palestras como esta.
Eu gostei do conteúdo da palestra, achei que ajuda bastante a
resolver os conflitos diários, tanto pessoais quanto profissionais. E
também gostaria que tivessem mais palestras sobre o assunto.

11. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Constelação Familiar, com seu olhar sistêmico e postura feno-


menológica, auxilia na identificação das situações ocultas (dinâmicas que
não estão estampadas à primeira vista na petição inicial e contestação) que
interferem diretamente na solução das dificuldades postas em juízo e, por
guardarem ressonância à verdadeira entrega da paz social, podem e devem
ser objeto de análise por todos os operadores do Direito, especialmente
aqueles que atuam diariamente nas lides forenses, tais como magistrados,
advogados, procuradores e servidores. É preciso um olhar atento e amplo a
todos que buscam o Poder Judiciário no escopo de se encontrar uma solução
duradoura, que reconcilie as partes internamente e, ao mesmo tempo, evite
a propositura de novas demandas.
Essa filosofia se revela muito mais ampla que uma simples técnica ou
método a ser seguido de maneira exata e categórica. Exige-se uma verdadeira
mudança de comportamento, inclusive do próprio facilitador, que necessa-
riamente deve passar por um processo de capacitação para aplicá-la. É um

157
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

novo modelo que fomenta e oferece suporte para a sedimentação de uma


postura interna em que o olhar alcance o ser humano e o respeite exatamente
da maneira como ele é.
Aplicar o Direito em sintonia com as Leis Sistêmicas traz ordem para
os relacionamentos humanos e convida-nos a aceitar o outro com tudo o que
lhe pertence. Isto significa que renuncio a qualquer desejo de que este outro
seja diferente, tampouco busco repará-lo ou impor uma realidade da qual
não compartilhe e, principalmente, reconheço-o como uma pessoa digna
para arcar com as consequências de seus próprios atos.
No âmbito previdenciário, em grande parte das ações que envolvem
benefícios por incapacidade para o trabalho, é possível perceber o pano de
fundo dos emaranhamentos dos segurados, em sua relação com a mãe e/
ou o pai; isso os impede de tomar a vida em sua plenitude e de assumir a
responsabilidade por seu próprio sustento através do trabalho. Pretendem,
então, receber tais benefícios, ainda que não estejam efetivamente incapaci-
tados, como forma de suprir ou compensar a falta de seus pais em sua vida
e o vazio emocional que sentem.
Portanto, a expansão da visão sistêmica na área do Poder Judiciário
Federal e no âmbito administrativo do INSS se revela como uma promissora
forma de prestar um atendimento eficiente ao cidadão, não só por meio da
solução pacífica dos conflitos nessa área, como também da reconciliação dos
segurados com o seu sistema familiar, devolvendo a eles a autonomia para
gerir sua própria vida e os reconciliando com o valor do trabalho, como fonte
de vida e bem-estar, sem a necessidade de um Estado paternalista e substi-
tuto dos valores que cada ser humano deve alcançar na conquista da vida.
Bert Hellinger foi, sem dúvida, um dos maiores filósofos do século XXI.
Suas compreensões transformadoras revelam-nos o caminho da reconcilia-
ção quando permitimos que o amor siga dentro da ordem que o precede e o
conduz. Por meio deste modelo de resolução de conflitos, o Poder Judiciário
entrega a prestação jurisdicional de forma clara e precisa. Em integração
com a sociedade, encontra o essencial em direção à paz porque respeita a
dignidade do jurisdicionado e, quando necessário, o auxilia a seguir seu
destino em sua própria força.

158
PAI E MÃE: QUESTÕES PREVIDENCIÁRIAS

12. REFERÊNCIAS
ARAÚJO, Elizângela. TJGO é premiado por mediação baseada na técnica de constelação
familiar. Disponível em: http://cnj.jus.br/noticias/cnj/79702-tjgo-e-premiado-por-media-
cao-baseada-na-tecnica. Acesso em: 06 abr. 2017.
BRASIL, CJF. A estratégia da Justiça Federal 2015/2020. Anexo da Resolução CJF 313/2014.
Disponível em: http://www.cjf.jus.br/observatorio/arq/cadernoestrategia_2015_2020_edito-
rial2.pdf. Acesso em: 21 maio 2018.
______, CJF. Resolução nº 125/2010. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/busca-atos-ad-
m?documento=2579 Acesso em: 21 maio 2018.
______, CJF. Resolução nº 313/2014. Disponível em: http://www.cjf.jus.br/observatorio/arq/
Resolucao%20CJF%20313-2014.pdf. Acesso em: 21 maio 2018.
______, CNJ. Resolução nº 198/2014. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/busca-atos-ad-
m?documento=2733. Acesso em: 21 maio 2018.
CAMPEÃO em conciliações, tribunal é destaque em premiação do CNJ. Disponível em:
http://cnj.jus.br/noticias/judiciario/79789. Acesso em: 21 maio 2018.
FARIELLO, Luiza de Carvalho. Justiça em números permite gestão estratégica da Justiça há
10 anos. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/79579-justica-em-numeros-per-
mite-gestao-estrategica-da-justica-ha-10-anos. Acesso em: 06 abr. 2017.
HELLINGER, Bert. Love´s hidden symetry: What makes love in relationships, 1996.
______; HÖVEL, Gabriele. Um lugar para os excluídos. Patos de Minas: Atman, 2006.
______. A fonte não precisa perguntar pelo caminho. 3. ed. Trad. Eloisa G. Tironi & Tsuyuko
Jinno-Spelter. Goiânia, GO: Atman, 2012.
______. O amor do espírito. Trad. Tsuyuko Jino-Spelter, Lorena Richter, Filipa Richter. 3. ed.
Belo Horizonte: Atman, 2015.
______. Ordens da ajuda. Trad. Tsuyuko Jinno-Spelter. Patos de Minas: Atman, 2013. p. 13.
______. A simetria oculta do amor. 6. ed. Trad. Gilson César Cardoso de Sousa. São Paulo:
Cultrix, 2006.
______. Conflito e paz: uma resposta. Trad. Newton A. Queiroz. São Paulo: Cultrix, 2007.
______. Êxito na vida, êxito na profissão. Patos de Minas: Atman, 2011.
______. No centro sentimos leveza: conferências e histórias. 2. ed. Trad. Newton de Araujo
Queiroz. São Paulo: Cultrix, 2006.
______. O essencial é simples. Patos de Minas: Atman, 2014.
______. Ordens do amor. São Paulo: Cultrix, 2013.
______; HÖVEL, Gabriele. Constelações familiares: o reconhecimento das ordens do amor.
Conversas sobre emaranhamentos e soluções. 8. ed. São Paulo: Cultrix, 2010.
IBGE. PROJEÇÃO da população do Brasil e das Unidades da Federação. Disponível em:
https://www.ibge.gov.br/. Acesso em: 17 maio 2018.
LAZZARI, João Batista; CASTRO, Carlos Alberto Pereira de. Manual de Direito Previden-
ciário. 2. ed. São Paulo: LTr, 2001.
MANNÉ, Joy. As constelações familiares em sua vida diária. Trad. Rosane Albert. São Paulo:
Cultrix, 2008.

159
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

NOBEL da Paz. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Nobel_da_Paz. Acesso em:


06 abr. 2017.
PREMIAÇÃO do CNJ destaca conciliações no TJBA e projeto de Constelações na Justiça na
Comarca de Amargosa/BA. Disponível em: https://direitosistemico.wordpress.com/2015/07/02/
premiacao-do-cnj-destaca-conciliacoes-no-tjba-e-projeto-de-constelacoes-na-justica-na-co-
marca-de-amargosaba/. Acesso em: 06 abr. 2017.
SAPOLSKY, Robert (1997). The trouble with testosterone. Nova York: Scribner, 1997. 286 pági-
nas. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Robert_Sapolsky. Acesso em: 17 maio 2018.
STORCH, Sami. Direito sistêmico. Disponível em: https://direitosistemico.wordpress.
com/2017/04/10/por-que-aprender-direito-sistemico/. Acesso em: 10 mai. 2018.

160
GUARDA COMPARTILHADA, ASPECTOS LEGAIS E VISÃO FENOMENOLÓGICA ‑ RELATO DE EXPERIÊNCIA

GUARDA COMPARTILHADA, ASPECTOS


LEGAIS E VISÃO FENOMENOLÓGICA ‑
RELATO DE EXPERIÊNCIA

Eulice Jaqueline da Costa Silva Cherulli

01. INTRODUÇÃO

Há muito que a lida com o Direito não encontra mais sentido ou


eficiência como mera bouche de La Loi. Não basta aplicar, ainda que com
extremo zelo, a letra fria da lei, é preciso uma intervenção mais profunda, são
imprescindíveis medidas que atendam as reais necessidades dos sujeitos que
batem à porta do Judiciário, ainda mais quando o assunto é o bem-estar de
crianças e adolescentes, ou, com uma expressão mais humanizada, de um filho.
Ademais de uma abordagem mais holística que alcance para além das
questões pragmáticas, a relação dos sujeitos e a conscientização da possibli-
dade de serem autores da própria história, com o advento da utilização de
métodos mais adequados para a solução de conflitos; outras perspectivas
como a visão da fenomenologia, trazida pelo cientista alemão Bert Hellinger,
ao trabalhar com sistemas familiares conjugais e parentais, têm se mostrado
bastante eficazes nesse sentido.
Ao estudar e implementar ações nesse viés, e com a oportunidade em
tela, surgiu o interesse em registrar este relato de experiência, trazendo à baila
o desenvolvimento da práxis aplicada à guarda compartilhada no Tribunal de
Justiça do Estado de Mato Grosso – TJMT, evidenciando a criação de uma
cartilha que orienta sobre o assunto, bem como sobre as vivências ocorridas,
no mesmo contexto, com fundamento nos estudos de Hellinger e a visão
fenomenológica. Além de estar disponível em versão impressa, também é

161
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

possível acessar uma versão virtual do documento em: www.tjmt.jus.br/


INTRANET.ARQ/.../Cartilha%20Guarda%20Compartilhada.pdf
A hipótese que venho confirmando, reiteradamente, com a experiência
ora relatada é que se devidamente tratadas, as questões trazidas pelas partes
podem ser mitigadas a ponto de não mais gerarem novos pontos de diver-
gência, ao passo que com uma nova postura diante dos fatos e sentimentos,
os acordos firmados têm muito mais chances de serem cumpridos.
Essa experiência traz benefícios incomensuráveis às partes, visto que
a qualidade de vida não tem cifras correspondentes, o restabelecimento
da paz também é outro ganho que continuamente se assiste, bem como o
Judiciário se beneficia com a resolução mais célere e a desobstrução dos já
bastante avolumados estoques processuais.
Este relato tem por objetivo dorsal demonstrar como a guarda com-
partilhada, especificamente, embora não unicamente, pode se subvencionar
com uma visão fenomenológica da realidade dos envolvidos. De modo
secundário, são objetivos desse relato um breve perscruto histórico sobre a
guarda compartilhada em Mato Grosso, com enfoque a partir do Projeto de
Lei nº 1.009/2011 até sua promulgação como Lei 13.058/2014, evidenciando
a implementação do Projeto de Oficinas de Direito Sistêmico no Poder Judi-
ciário do Estado de Mato Grosso; e ainda, uma concisa revisão de literatura,
sob a forma de pesquisa bibliográfica de cunho descritivo e qualitativo, sobre
os sistemas familiares conjugais e parentais, como propostos por Hellinger.
Após isso, apresenta-se uma reflexão sobre o relato, na seção deno-
minada ‘considerações finais (?)’, em que se justifica o uso do sinal de in-
terrogação, porque sabemos que se trata apenas de um novo começo, tanto
no sentido do empreendimento de estudos sobre o tema em pauta, como
na perspectiva de uma nova lente para possiblidades de transformação da
realidade em que se vive.
Ao final, tem-se as referências da pesquisa para que seja possível
partir deste relato para outras propostas que componham esse novo rol de
conhecimentos.

162
GUARDA COMPARTILHADA, ASPECTOS LEGAIS E VISÃO FENOMENOLÓGICA ‑ RELATO DE EXPERIÊNCIA

02. DA GUARDA COMPARTILHADA – UM PERCURSO SOBRE


A PRÁTICA

Em uma sociedade em constante mudança e fluidez, como avaliada


por Bauman (2011), em sua obra mais difundida, “Modernidade Líquida”,
não se pode continuar sustentando a concepção de uma aplicação do Di-
reito apartada das questões intrínsecas ao sujeito, como já foi outrora, uma
transposição dos códigos, finitos e frios, para as relações incomensuráveis,
profundas e complexas. Em uma entrevista concedida em 2007, o estudioso
e pensador expressou que “não são as crises que mudam o mundo, e sim
nossa reação a elas”, sob esta perspectiva, parto para um relato de mudanças
de visão sobre a guarda compartilhada no Estado de Mato Grosso.
Com o advento de relações sob readequações, readaptações e mu-
danças sem fim, é preciso ter em mente que os vínculos familiares não se
destroem, os filhos jamais deixam de ser filhos. Essa relação da parentalidade
é superior à relação conjugal e dela deve independer. Embora, as relações
afetivas entre um casal possam ocupar um local de desfecho, a relação com
os filhos oriundos dela é perene e necessita de muitos olhares e cuidados.
Nesse sentido, o Poder Judiciário, há décadas, vem se ocupando da
busca de direcionamentos que minimizem a carga litigiosa entre as partes e
o embate emocional que envolve uma lide. Desse posicionamento, em 2010,
o CNJ editou a Portaria 125/2010, que dispõe sobre a Política Judiciária
Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito
do Poder Judiciário e dá outras providências. Posteriormente, novamente,
e de maneira vanguardista, age o CNJ, publicando a Portaria 16/2015, que
prevê em seu art. 1º, inciso VI: “potencializar a desjudicialização, por meio
de formas alternativas de solução de conflitos, compartilhando, na medida
do possível, com a própria sociedade, a responsabilidade pela recomposição
da ordem jurídica rompida.”
Com esse mesmo olhar, houve um constante investimento em modi-
ficar e aperfeiçoar aspectos legislativos sobre a guarda, para que houvesse o
atendimento dos quesitos supracitados.
O Estatuto da Criança e do Adolescente expressa que guarda se con-
figura como uma obrigação “a prestação de assistência material, moral e

163
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

educacional à criança ou adolescente, conferindo ao seu detentor o direito de


opor-se a terceiros, inclusive pais” (ECA, 1990, art. 33). Ademais, Azambuja
et al. (2010) esquadrinham a guarda como cuidado, amparo e proteção. Para
eles, cuidar representa acolhimento, ajuda, orientação, respeito, balizando
todos os atos pelo interesse do bem-estar integral da criança.
A guarda compartilhada começou a ser praticada no Brasil 2002,
entretanto, somente passou a ser legalmente instituída por intermédio da
Lei 11.698/2008, trata-se, pois, da primeira Lei da Guarda Compartilhada.
Vige, na contemporaneidade, a Lei 13.058/2014, que modificou os
artigos 1.583, 1.584, 1.585 e 1.634 da Lei no 10.406/2002, do Código Civil. A
partir de então, o Magistrado deverá arbitrar sobre a guarda compartilhada,
caso a caso, passando a guarda unilateral para a exceção.
Para que existisse essa alteração, houve, anteriormente, o Projeto de Lei
1009/2011, que se utilizou de pensamentos e “escritos” de minha autoria para
justificar a importância da alteração da Lei sobre a Guarda Compartilhada.
Vale ressaltar que, ainda nesse momento, na maioria dos casos julgados sobre
tal matéria, as decisões fundamentadas na expressão “sempre que possível”,
até então vigorante no texto da Lei em pauta, costumava ser interpretada
como sinônimo de um bom relacionamento entre os genitores.
Na justificativa utilizada no Projeto mencionado, reflito que na hipó-
tese da existência de um bom relacionamento entre os genitores, não haveria
razões para o término da relação em comum, tampouco haveria necessidade
de legislar sobre o assunto, tendo em vista que as escolhas pelo comparti-
lhamento equilibrado e harmonioso dos deveres e direitos seriam naturais.
Além disso, insta salientar que, na eventualidade de términos, existe a
possiblidade, não rara, de a guarda dos filhos se tornar argumento ou arma
para atingir a parte do outro lado de uma situação de litígio, configurando a
Alienação Parental. Portanto, resta sublinhar que a guarda conjunta não está
fundamentada, necessariamente, na boa relação entre os pais dos filhos, mas
sempre nos vínculos parentais e no melhor interesse desses filhos.
É preciso ressaltar que a família a que se referem os textos ora em
discussão não se fundamenta no matrimônio ou não união estável, mas sim,
considera os efeitos naturalmente consequentes de ser pai e mãe. O Código
de Civil (2002), no art. 1.632, já orientou nesse sentido: “A separação judicial,

164
GUARDA COMPARTILHADA, ASPECTOS LEGAIS E VISÃO FENOMENOLÓGICA ‑ RELATO DE EXPERIÊNCIA

o divórcio e a dissolução da união estável não alteram as relações entre pais


e filhos senão quanto ao direito, que aos primeiros cabe, de terem em sua
companhia os segundos.” Impende registrar que a Guarda Compartilhada
só se aplica a genitores. As demais formas de guarda compartilhada encon-
tram-se previstas no nosso ordenamento.
Assim, de modo mais concreto, a Lei nº. 13.058/2014 estabeleceu,
na alteração do art. 1.583, § 2º, que, “http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
LEIS/2002/L10406.htm”“na guarda compartilhada, o tempo de convívio
com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o
pai, sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos.”
Assim, a guarda unilateral passa a ser a última opção.
Bem como, a Lei citada rege, no art. 1.584, § 2º, que “quando não
houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se
ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda
compartilhada [...]”.
E ainda, o art. 1.634 traz a divisão de responsabilidades sobre os filhos:
“compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno
exercício do poder familiar.” Fica evidenciada que a tarefa de criação dos
filhos e as responsabilidades acarretadas por ela devem ser compartilhadas
por ambos os pais. Desse modo, a visão sobre guarda compartilhada vai
tomando os contornos de igualdade parental, refletindo assim a plenitude
dos filhos, que são constituídos 50% da mãe e 50% do pai.
É preciso ressalvar que a Lei supramencionada visa um equilíbrio na
relação dos genitores com os filhos, entretanto, não se trata de um equilíbrio
exato em termos matemáticos, mas, sim, em consonância com os interesses
dos filhos menores de idade, um equilíbrio que proporcione conforto afetivo
e convivência harmoniosa.
É intrínseca a esse modo de pensar a guarda, uma preocupação com
a formação da personalidade dos filhos, com as marcas que as exclusões e
alienações parentais podem deixar para a vida toda do indivíduo. A Lei da
Guarda Compartilhada prima pela proteção dos filhos, pelo reforço e res-
tauração dos laços familiares.
Em conformidade com os estudos de Ramos (2005), compreende-se
ultrapassada a ideia de que um filho seja objeto/propriedade do pai, é pre-

165
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

ciso vislumbrar o sujeito como um titular de direitos. Tais direitos devem


ser garantidos pelos genitores, que, por sua vez, possuem consigo, o poder
e o dever de cuidar dos filhos. Nessa mesma perspectiva, começa a incidir
um reconhecimento da criança como sujeito de posição ativa e com direitos
de personalidade.
Cabe destacar a definição de guarda, proposta por Cornu:

GUARDA – missão de vigilância, ação de zelar uma pessoa ou


uma coisa. Tratando-se de menor: a) num sentido específico, direito
e dever de exercício da guarda de uma criança menor sob proteção
– isto é, de fixar residência e zelar por sua saúde, sua segurança e sua
moralidade – missão que, constituindo um atributo da autoridade
parental, é normalmente exercida sob responsabilidade comum de
pai e mãe; b) em sentido mais amplo, engloba também – além da
missão acima descrita – a vigilância e educação da criança, se bem que
estas constituam, cada uma em si, um atributo distinto da autoridade
parental [...]. (CORNU, 2001, pp. 407-408)

O que se pode inferir dessa definição de guarda é que a autoridade


parental é uma responsabilidade comum de pai e de mãe. Deve-se primar por
uma espécie de vigilância, em que se zele pelo bem-estar do filho, ainda que
após a descontinuidade da união ou da relação conjugal. A guarda pressupõe
cuidados com a continuidade, conservação e estabilidade do cotidiano para
os filhos, por intermédio da instauração de uma sólida rotina e condições
de segurança material e emocional.
A família parental, nesse caso, com dois núcleos deve figurar como
espaço de conforto e acolhimento, bem como deve adotar e/ou propiciar
circunstâncias para o desenvolvimento salutar do filho.
É mister lembrar que a guarda compartilhada não afasta as obrigações
com alimentos. Pelo contrário, visando o bem-estar dos filhos, permanece a
obrigação alimentar decorrida do dever constitucional de assistência, criação
e educação dos filhos, em conformidade ainda com o art. 1.703 do Código
Civil: “Para a manutenção dos filhos, os cônjuges separados judicialmente

166
GUARDA COMPARTILHADA, ASPECTOS LEGAIS E VISÃO FENOMENOLÓGICA ‑ RELATO DE EXPERIÊNCIA

contribuirão na proporção de seus recursos.”. Destarte, a obrigação parental


não se exonera, tendo em vista que a responsabilidade parental não se esvazia.
Assim como o dever de prover os alimentos é inerente ao pai e à
mãe, ambos possuem o direito ao acesso às informações correlatadas ao
filho, sendo vedado que se inviabilize esse acesso, sob pena de aplicação de
multa diária. É inclusive obrigação dos estabelecimentos, como escolas, por
exemplo, prestar esse tipo de informação a qualquer um dos genitores; vide:
art. 1.634 do Código Civil: “Compete a ambos os pais, qualquer que seja a
sua situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar, que consiste em,
quanto aos filhos: I - dirigir-lhes a criação e a educação; [...]”.
Por se tratar de atribuições conferidas a pai e mãe para atender as
demandas fundamentais do filho, fundadas em decisão judicial, o que ficar
acordado sobre a guarda não pode ser descumprido. Considerando que
essa convivência é um pilar para a construção saudável do sujeito, como se
observa em:

O aspecto parental do casal é requerido para o exercício das funções


paterno-maternas propostas para a Guarda compartilhada a resolução
das demandas somáticas e emocionais com o objetivo de permitir que
os filhos obtenham a maturação física e psíquica. É um vínculo assi-
métrico que propulsiona e sustenta o crescimento e desenvolvimento.
Permite a metabolização emocional; é responsável pelos processos de
humanização e individuação. (GRISARD FILHO, 2000, p. 80)

Na hipótese de determinada impossibilidade de cumprir alguma das


prerrogativas previstas, deve o genitor buscar uma redistribuição de obri-
gações, igualmente de modo judicial.
A preferência da guarda é sempre pelos genitores, entretanto, na im-
possibilidade da permanência família do filho nesses moldes, o Magistrado
pode arbitrar a guarda a parente próximo ou pessoa de afinidade e afetividade.
De outro norte, além das vantagens verificadas até esse ponto, é impor-
tante destacar a guarda compartilhada como instrumento eficaz ao combate
da alienação parental, qualificada em nossa legislação como uma forma de

167
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

violência psicológica (Lei 13.431/2017), considerando que dificulta tal prática


pelo intermédio do exercício conjunto da parentalidade.
Dessa feita, a fim de compreender as melhores condições para impera-
rem os interesses convergentes ao bem-estar dos filhos e para conscientizar
as famílias da importância desse compartilhamento de direitos e deveres,
emerge a visão fenomenológica proposta por Hellinger como vantajoso
aparato, que vem demonstrando bons resultados com sua aplicação em casos
apresentados ao TJMT, apresentada na seção seguinte do presente relato.

03. DA VISÃO FENOMENOLÓGICA COMO FERRAMENTA PARA


A GUARDA COMPARTILHADA

Como instrumento de acesso à justiça e facilitadora da compreensão e


internalização de aspectos fundamentais para a boa prática da guarda com-
partilhada, tem-se a visão fenomenológica, tal qual proposta por Hellinger,
como um importante aliado.
Rebouças Junior conceitua fenomenologia da seguinte maneira:

O termo fenomenologia tratado ou não enquanto filosofia vem


da raiz grega “phainomenon”, o que aparece e brilha. Partindo desse
pressuposto, todo aquele que traz à tona, faz aparecer, faz fenome-
nologia. Ela aparece em Kant e Hegel no século XVIII precedendo o
estudo da Metafísica, mas somente com Hegel que vem se afirmar como
tradição filosófica, em sua Fenomenologia do Espírito. (REBOUÇAS
JUNIOR, 2015, p. 15)

Hursserl (s.d) propõe novos moldes para que se observe os fenôme-


nos cotidianos de modo a tornar os comportamentos mais conscientes. O
estudioso assinala que é necessária uma suspensão do julgamento. Esse tipo
de experiência é única para cada pessoa. O fenômeno poderá se apresentar à
consciência sem juízo antecipado e sem que haja a tentativa de interpretação.
Esse tipo de estudo fenomenológico também se fundamenta na so-
frologia, teoria que pondera três estados da consciência humana, ainda
conforme Hursserl (s.d.): patológico, ordinário e sofrônico. Na sofrologia

168
GUARDA COMPARTILHADA, ASPECTOS LEGAIS E VISÃO FENOMENOLÓGICA ‑ RELATO DE EXPERIÊNCIA

tem-se o intuito de acessar essa consciência oculta a fim de conquistar a


serenidade e a positividade, acrescentando mais valor à vida.
Ou seja, trata-se de trazer à tona o sujeito e investigá-lo consideran-
do sua integralidade, compreendendo que todos os aspectos de um sujeito
refletem, de modo singular, em tudo que se relaciona a ele.
Hellinger pondera:

A psicoterapia fenomenológica48 se encontra em certa contradição


com relação à psicoterapia científica. A ciência experimental quer
descobrir, através da experiência, modelos reproduzíveis para que o
mesmo resultado possa ser alcançado através do mesmo procedimento.
Isso pode ser feito de modo relativamente fácil nas ciências naturais,
alcançando, através da mesma experiência, os mesmos resultados. Na
alma, isso não é possível. (HELLINGER, 2005a, p. 36).

Em outras palavras, tem-se uma abordagem que ultrapassa os limites


engessados do academicismo. A visão fenomenológica é um saber fundado
na experiência empírica e pessoal de cada sujeito, levando em conta sua
complexidade e profundidade. Desse modo as explicações transbordam
até mesmo a linguagem acadêmica e/ou jurídica que já circula e lança mão,
para sua organização, de metáforas, alegorias, impressões, sentimentos e
pensamentos das mais diversas ordens.
Para compreender como esse todo opera na ocasião da resolução de
casos de guarda compartilhada, é preciso ter em mente que as vivências
familiares que antecedem o sujeito também são formadoras, como orienta
Merleau-Ponty:

Retornar às coisas mesmas é retornar a este mundo anterior ao


conhecimento do qual o conhecimento sempre fala, e em relação ao
qual toda determinação científica é abstrata, significativa e depen-
dente, como a geografia em relação à paisagem – primeiramente nós
aprendemos o que é uma floresta, um prado ou um riacho. [...] O real
48. Nota da revisão técnica: Inicialmente, Bert Hellinger classificou a Constelação Familiar como sendo
uma Psicoterapia. Posteriormente, entretanto, ele teve outra compreensão, classificando-a como um
caminho de conhecimento. Hoje, quando Sophie Hellinger fala sobre o assunto, ela diz que o aspecto
psicoterapêutico das constelações familiares é de cinco a dez porcento.

169
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

deve ser descrito, não construído ou constituído. Isso quer dizer que
não posso assimilar a percepção com as sínteses que são da ordem
do juízo, dos atos e da predicação. (MERLEAU-PONTY ,2006, p. 24)

Com base em perspectivas como essa proposta por Merleau-Ponty,


o o trabalho que realizo é no sentido de analisar os casos apresentados
concernentes à guarda compartilhada com o intuito de diagnosticar e via-
bilizar alternativas para o fortalecimento e cuidado do bem-estar de todos
os envolvidos nos casos concretos, sobretudo, dos filhos.
São numerosos os esforços envidados para alcançar esses objetivos,
empreendidos por esta relatora em profícua parceria com o Núcleo Perma-
nente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos – Nupemec. Foram
e continuam sendo ministradas muitas oficinas sobre o tema, abordando o
Direito Sistêmico desde agosto de 2015.
Após esse primeiro encontro, a metodologia foi ficando cada vez mais
delineada e resultou na integração ao primeiro Centro Judiciário de Solução
de Conflitos e Cidadania – Cejusc – da Infância e Juventude. Há uma cons-
tante preocupação na uniformização dos procedimentos, para que ganhem
rigor e qualidade. É ainda o fomento de uma alternativa à judicialização
das demandas, que auxilia na pacificação social e estimula as partes a se
desenvolverem holisticamente, de maneira que, com o tempo e o progresso
dessa conscientização, sejam capazes de mais autonomia e êxito nas decisões
sobre seus filhos na guarda compartilhada.
Em paralelo a essa visão, a Psicanalista e Mediadora Familiar Giselle
Groeninga expressa que:

Levando-se em conta os níveis inconscientes de ligação em uma


família, vemos que a criança ocupa, muitas vezes, o lugar não de
projeto mas de “projeção” – mecanismo psíquico segundo o qual se
atribui o que é de si próprio ao outro, como características, desejos,
afetos. Assim, assistimos, muitas vezes, à criança passando a ocupar
lugar central em uma família em detrimento do lugar central do casal
e das responsabilidades que lhes cabem. Infelizmente, em um certo
número de casos, os casais desaparecem dando lugar aos pais. Casais

170
GUARDA COMPARTILHADA, ASPECTOS LEGAIS E VISÃO FENOMENOLÓGICA ‑ RELATO DE EXPERIÊNCIA

sem amor ou famílias monoparentais estão aí para testemunhá-lo.


Aparece, assim, a criança que acaba por importunar, não aquela com
a qual devemos nos importar. (GROENINGA, 2001, p. 22)

Verifica-se que não se pode ignorar os laços familiares no que concerne


à criança que vive, muitas vezes, inserida em ciclo de repetições e padrões
comportamentais nocivos ao seu desenvolvimento natural e saudável, em real
infringência às leis naturais e ordens instituídas por Hellinger nas relações.
Desse ponto, parto para a imprescindibilidade de conhecimentos multidis-
ciplinares aliados ao Direito para a devida e adequada resolução de situações
análogas. Ainda sobre esse aspecto, vale sobrelevar que na fenomenologia,
observador e observado não se distinguem, sendo o Magistrado parte inte-
grante da solução e não apenas um terceiro interventor; é sua tarefa facilitar
a ocorrência de uma janela maior de percepção da realidade.
As oficinas, nesse enredo, são atividades dirigidas que auxiliam na
elaboração de questões familiares intrínsecas ao sujeito, entretanto, que,
por muitas vezes, escapam ao seu conhecimento consciente. Com essa
elaboração, o que se tem observado é a nítida redução dos níveis de culpa
carregados pelos genitores e a possiblidade de uma relação mais harmoniosa
com o ex-cônjuge.
Rebouças Júnior comenta sobre o trabalho de Hellinger, em correlação
aos sentimentos carregados pelos sujeitos:

A constituição desse trabalho trata-se da promoção da iden-


tificação das Leis do Amor (Lei da hierarquia (estabelecida pela
ordem de chegada), Lei do pertencimento (estabelecido pelo vín-
culo), Lei do Equilíbrio (estabelecido pelo dar e receber), pondo
em evidência os profundos laços que unem uma pessoa à sua
família, inclusive às gerações mais longínquas. Estes laços são de
tal maneira poderosos que quando membros de uma dada geração
deixam situações por resolver, membros das gerações posteriores
sentir-se-ão irresistivelmente empurrados para a sua resolução
permanecendo prisioneiros de fatos pelos quais não são minima-
mente responsáveis. (REBOUÇAS JÚNIOR, 2015, p. 34)

171
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

Bert (2016, p. 29) elucida sobre as ordens do amor entre iguais, re-
fletindo que o amor “existe apenas dentro de uma certa ordem. Se o amor
se render a essa ordem, alcança seu objetivo.” O autor sobreleva o fato de
que uma das ordens do amor é reconhecer o outro como igual. Se ocorrer
um “amor cego’, conceituado por Bert (2016) como aquele que não enxerga
como o outro ama, o equilíbrio não será alcançado. O cientista postula que a
ordem precede o amor e que este somente será aprendido à medida em que
for tomado. Assim também será superada a dor de uma criança, ao poder
aceitar e reconhecer o amor que ambos os pais lhe deram.
Existe, pois, uma evidente quebra de paradigmas do modus operandi
da Justiça, uma atuação multidimensional e não cartesiana. Embora ainda
se trate, relativamente, de um procedimento novo, existe uma forte tendên-
cia à padronização do processo e do modelo de convite enviado àqueles
que participarão das oficinas. Outro ponto que organiza as atividades é o
registro documental das oficinas, munido de um termo de comparecimen-
to das partes, uma ficha de cadastro com a posterior juntada nos autos do
processo, assegurando a transparência da atuação judicial, mas guardando
a confidencialidade do que ali é experienciado.
Sobre a multidisciplinaridade, Hellinger utiliza em seu método
elementos de Psicanálise com uma abordagem Junguiana, elementos de
Psicodrama e agrega ainda elementos da Teoria dos Sistemas, da Feno-
menologia e da Teoria dos Campos Mórficos. O autor desconstrói os
conhecimentos já ditos sobre como deveriam ocorrer os procedimentos
em casos concretos da categoria ora trabalhada:

Trata-se de uma Psicoterapia fenomenológica49. Pode-se dizer


também com uma palavra alemã simples e seria: psicoterapia em
harmonia. O movimento no terapeuta é prescindir dos objetivos. Que
ele, por assim dizer, se retraia da intenção do eu, de alcançar qualquer
coisa e que ele, sem medo, exponha-se respeitosamente a um todo
maior.” (HELLINGER, 2005a)

49. Nota da Revisão Técnica: Quanto à classificação da Constelação Familiar como sendo uma Psicoterapia, olhar anota de
rodapé número 1, encontrada na p. 220 deste artigo.

172
GUARDA COMPARTILHADA, ASPECTOS LEGAIS E VISÃO FENOMENOLÓGICA ‑ RELATO DE EXPERIÊNCIA

As práticas demonstram que a origem dos conflitos nunca é apenas de


cunho material, há um pano de fundo atuando, em geral, as partes desejam
ser reconhecidas enquanto sujeitos. Ao ter contato com esse pano de fundo,
o participante adentra a uma dinâmica que lhe proporciona um potencial
até então desconhecido de descobertas e revelações. O participante é trans-
formado interiormente, encontrando forças para enfrentar o cotidiano. Ao
término das oficinas, as partes têm saído felizes e em paz por terem resolvido
uma questão muito mais profunda e incômoda que o ajuste de um crono-
grama da guarda, por exemplo. Hellinger reflete sobre as origens diversas
dos conflitos familiares:

Muitas das vezes essa razão encontra-se enraizada em aconte-


cimentos familiares passados que agora se manifestam em si ou na
sua família. Formamos uma comunidade de destino com aqueles
através de cujos sacrifícios nos beneficiamos. Também formamos
uma comunidade de destino com aqueles que, através de nossas
perdas ou danos, ou através de nossa saída antes do tempo, obtiveram
alguma vantagem que lhes trouxe novos sucessos. (HELLINGER,
2009a, p. 27)

Considerando a multiplicidade de formas de conflitos e a dinamicidade


peculiar do comportamento humano, a visão fenomenológica se apresenta como
poderosa metodologia de atendimento e tratamento das questões correlatas à
família e, consequentemente, à guarda compartilhada. Não se pode encerrar a
visão no que existe unicamente no processo judicial, mas é preciso encontrar as
origens do litígio. Assim, pondera Rebouças Junior:

O mundo fenomenológico não representa o ser puro, mas o sentido


que aparece entre a experiência e entrelaçamento dessas experiên-
cias entre as pessoas. A relação entre essas experiências é subjetiva
e intersubjetiva e sendo assim não pode ser dissociada no tempo. É
atemporal, transpassa gerações e se envolve na experiência do outro.
A fenomenologia assim, vem refletir a fundação do ser, como ele
aparece. (REBOUÇAS JÚNIOR, 2015, p. 18)

173
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

O TJMT vem compreendendo essas necessidades e investindo em


capacitações para a magistratura e servidores nesse sentido. Foram muitos
cursos relacionados ao tema, alguns ministrados por nomes já bastante re-
conhecidos por notório saber no tema como Sami Storch, juiz do Tribunal
de Justiça da Bahia, que é formado em Consultoria Sistêmica Empresarial,
por Almir Jodat Nahas, que tem formação em constelação familiar, e Gianeh
Borges, terapeuta e coaching sistêmico.
Nessa mesma esfera, realizei palestras na EMERON - Escola da Magis-
tratura de Rondônia, nos anos de 2017 e 2018, divulgando o conhecimento
sobre a guarda compartilhada e o Direito Sistêmico.
Ainda sobre o compartilhamento de informações a respeito do tema,
a título ilustrativo sobre o entrelaçamento de situações, trago a experiência
de ministrar uma palestra no evento Metafórum, em São Paulo, no início do
ano corrente. Na oportunidade, foram distribuídas cartilhas sobre a Guarda
Compartilhada e foi comentada a atuação do TJMT nesse sentido.
Para a experiência em comento, abordei a criação e o funcionamento
das oficinas de Direito Sistêmico supracitadas, bem como a postura do pro-
fissional que trabalha com a temática em nosso cotidiano.
Do mesmo modo, em palestras realizadas já no ano de 2018, ve-
nho sublinhando que uma visão sistêmica do direito se constrói com
um olhar de respeito, livre de julgamentos, até mesmo quanto ao direito
tradicional, bem como conta com a inclusão de todas as leis positivadas
do ordenamento jurídico vigente e com todos os integrantes do direito:
juízes, promotores, defensores públicos, advogados, equipes técnicas,
partes, comunidades...
Para que seja possível uma visão e uma postura sistêmica, é preciso
reconhecer as Leis do Amor e as diferentes Ordens. É um exercício de trans-
posição da concepção cartesiana que pode carregar uma lide. Segundo essa
perspectiva, todos pertencem a um sistema, que se estrutura dentro de uma
hierarquia com a finalidade de obter equilíbrio. Bert (2009b) pondera que
o amor concede preenchimento a essas ordens, como se o amor fosse uma
água que preencherá um jarro. Um tem o objetivo de reunir e o outro de
fluir, em uma atuação conjunta.

174
GUARDA COMPARTILHADA, ASPECTOS LEGAIS E VISÃO FENOMENOLÓGICA ‑ RELATO DE EXPERIÊNCIA

Como atividade vivencial das práticas realizadas, agora corriqueiramen-


te no TJMT, levei as frases sistêmicas utilizadas na ambientação dos Cejuscs
em Mato Grosso. Os cartões com as frases foram dispostos no chão, de modo
que cada participante pudesse, livremente, escolher a sua, entretanto, sem
saber o que estava escrito em cada cartão, tendo em vista que o texto estava
no verso do que os participantes enxergavam no solo. A questão presente em
cada frase seria o objeto de trabalho de cada participante. (anexo 1)
Na ocasião, um dos integrantes da atividade teve que ir embora, em
decorrência do horário de voo agendado, deixando assim, a carta respecti-
va virada, sem ser revelada. Na abertura, verificou-se que a frase sistêmica
correspondente era “Eu estive ausente”.
Tal acontecimento chamou a atenção de todos os presentes e pode ser
refletido com a ajuda do pensamento de Capra, que se vincula positivamente
à proposta por Hellinger:

Há uma teoria surgindo agora que coloca todas as ideias eco-


lógicas de que falamos numa estrutura científica coesa e coerente.
Nós a chamamos de Teoria dos Sistemas, dos Sistemas Vivos. Todos
os seres vivos, bem como os sistemas sociais e os ecossistemas. Essa
teoria ajudaria muito na compreensão das ciências que lidam com
a vida. Isto é ciência, e muitos cientistas, incluindo alguns prêmios
Nobel, têm trabalhado nestas ideias. Isto é ciência, mas de um tipo
novo. (CAPRA, 1997, p.34)

É sob essa ótica que proponho as intervenções da Justiça quanto


à guarda compartilhada. Fundamentada na experiência fenomenológica
experienciada no TJMT, atrelada aos resultados positivos alcançados até
então, sempre com vistas à preservação do bem-estar familiar, ainda que
a família não seja nuclearmente composta como outrora, ainda permane-
ce família unidab por laços invisíveis, porém bastante perceptíveis mais
intensos e mais formadores que quaisquer outros. Trata-se de um olhar
para o ser humano que é formado igualitariamente pelos genes do genitor
e da genitora.

175
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

Além das frases sistêmicas utilizadas no relato supracitado, vale frisar


a produção de um novo material (anexo 2), que foi utilizado no 7º módulo da
Formação Básica em Constelação Familiar e Direito Sistêmico, encerramento
do ministrado na Universidade de Caxias do Sul – UCS em parceria com o
Centro de Estudos Lealdades Parentais Invisíveis – Celpi, no período de 29
de junho a 1º de julho de 2018 (anexo 3). Foi o segundo curso que encerrei
compartilhando esse tipo de conhecimento naquela Instituição.
Ainda no TJMT, em uma oficina de Direito Sistêmico que ocorreu
em julho de 2016, na 3ª Vara Especializada de Família e Sucessões de Várzea
Grande, ocorreu mais uma experiência em que as técnicas e tratamento de
questões familiares propostos por Hellinger, por intermédio da constelação
familiar, alcançaram resultados eficientes, os quais registro a seguir.
A oficina citada teve o intuito de apresentar o funcionamento do
Direito Sistêmico aos magistrados da Comarca de Várzea Grande. Desse
modo, seria possível que identificassem e encaminhassem os casos passíveis
de aplicação. Na ocasião, oito casos passaram pela constelação, com o auxílio
da facilitadora Neiva Klug.
Na oficina supracitada, pais que não se comunicavam efetivamente há
anos e estavam em constante desentendimento sobre uma pensão alimen-
tícia em atraso, mas durante a sessão de constelação, retomaram o diálogo.
Conforme veiculado pelo TJMT em sua página na internet, a advogada
Maria, Rosana Kally S. de Medeiros, representante de uma das partes do
caso mencionado, aludiu:

Achei que iria encontrar uma audiência comum de conciliação,


mas ao chegar me deparei com uma técnica muito interessante, que é
a constelação familiar. Tanto eu quanto as partes estávamos um pouco
céticos no início, mas quando chegou a vez deles, o envolvimento e
a comoção foram tão grandes, que não tínhamos mais como negar
que funciona” [...] “Acredito que eles conseguiram compreender que
o motivo dos desentendimentos não era a pensão em si, mas alguns
sentimentos mal resolvidos que precisavam ser trabalhados. Tudo o
que ela queria era que ele desse mais atenção aos filhos. Vi os dois

176
GUARDA COMPARTILHADA, ASPECTOS LEGAIS E VISÃO FENOMENOLÓGICA ‑ RELATO DE EXPERIÊNCIA

entrarem na audiência brigados e saírem conversando como amigos.


Foi muito surpreendente! (MEDEIROS, 2016, s.p) (grifo nosso)

Em depoimento, divulgado por vídeo pela TV Centro América, um


dos participantes, com identidade protegida, dessa oficina relatou:

Mexeu comigo. Porque tudo o que aconteceu lá, praticamente da


minha vida inteira, falou tudo a verdade ali. Porque eu separei da mulher,
entendeu? Mas não é por causa que eu separei dela... Depois que eu vim
na reunião ficou mais forte ainda! Agora, mudar! Cuidar deles, dar amor,
carinho (SIC) (Depoimento com identidade protegida – TVCA (2016)

Nesse sentido, Hellinger orienta que essa tomada de consciência sobre


as ordens do amor, em obra homônima, (2001, p. 6) que “o amor cego e in-
consciente, que desconhece essas ordens, frequentemente nos desencaminha.
Mas o amor que as conhece e respeita realiza o que almejamos, produzindo
em nós e ao nosso redor efeitos benéficos e curativos. Segundo o estudioso
(2001, p. 10) “o caminho fenomenológico do conhecimento, expomo-nos,
dentro de um determinado horizonte, à diversidade dos fenômenos, sem
escolha e sem avaliação.”
Em uma oficina realizada recentemente, em agosto de 2018, uma das
participantes, servidora pública, 30 anos, S.C. de C. afirmou:

Foi impressionante verificar e experienciar o que eu tinha apenas


lido sobre. Toda a dinâmica é consistente e envolvente. As frases
sistêmicas trazem uma consciência ao sujeito e isso garante que ele
perceba lacunas que precisam ser tratadas nas relações parentais. Sem
dúvidas a fenomenologia traz e continuará trazendo cada vez mais
resultados positivos para as questões de guarda compartilhada. (S. C.
de C., em depoimento oral sobre a oficina, 2018)

Sob esse viés estão sendo fundamentadas as sessões realizadas no


TJMT, em que as pessoas podem experimentar a vivência dos fenômenos
que as constituem enquanto sujeitos e que as motivam a se portarem tal
qual fazem nas relações parentais. Com a mudança do saber inconsciente

177
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

para o consciente, é possível fazer escolhas mais adequadas para os conflitos


que se vive e lidar de maneira mais profícua em relação à guarda dos filhos.
O lugar dos filhos é primordial dentro dessa dinâmica, é preciso res-
saltar que os pais precedem os filhos dentro dessa ordem proposta por Bert.
É somente por intermédio dessa tomada de posição que o equilíbrio pode
ser alcançado. São os pais que dão a vida aos filhos. Na concepção de Bert
(2009b) os filhos são resultado dessa vida que os pais entregam, sem nada
poder acrescentar, ignorar ou recusar.
Bert (2009b) aponta também para a igualdade entre as partes de um
casal. Esse reconhecimento tem se mostrado primordial nos casos concretos
trazidos ao Judiciário.
Para que esse processo aconteça, Hellinger (2001) orienta que devem
ser seguidos os pressupostos de renúncia, ou seja, deve vigorar uma ausência
de intenção com o intuito de compreender os fatos como são e se mostram,
sem o interesse em influenciá-los. O segundo pressuposto é o da coragem,
o estudioso afirma que é preciso perder o receio de encarar a realidade, uma
vez que é apenas por meio do enfrentamento que as questões poderão ser
objeto de tratamento. E ainda, o autor pressupõe a sintonia com a realidade
também como pilar para tanto, pois em sintonia com a realidade, verifican-
do como ela deveras se apresenta, é possível também compreender como é
possível praticar as mudanças necessárias para um melhor desenvolvimento.
Hellinger (2001, p. 25) explica a hierarquia da ordem sobre o amor e
ainda, descreve que “Existe uma hierarquia baseada no momento em que se
começa a pertencer a um sistema: esta é a ordem de origem, que se orienta
pela sequência cronológica do ingresso no sistema.”
Na obra em comento, Hellinger (2001, p. 34) expressa que as ordens
do amor devem proteger a intimidade familiar e acrescenta “Dentro dessa
ordem, reconhecemos nosso próprio destino e o destino da pessoa amada
como independentes entre si e humildemente nos submetemos a ambos.”
Ainda a respeito das relações familiares, como na obra “As ordens do
amor”, Hellinger traz importantes lições na obra, “As ordens da ajuda”, que
viemos aplicando no tratamento das questões parentais trazidas ao Judiciário
Mato-Grossense.

178
GUARDA COMPARTILHADA, ASPECTOS LEGAIS E VISÃO FENOMENOLÓGICA ‑ RELATO DE EXPERIÊNCIA

Quando os sujeitos envolvidos em um processo compreendem, por


exemplo, a primeira ordem da ajuda que consiste em “dar apenas o que se
tem e somente esperar e tomar o que se necessita” (Hellinger, 2005b, p. 11),
tem-se um bom parâmetro para partir às negociações das partes sobre os
alimentos devidos aos filhos.
Sobre a segunda lei da ajuda postulada por Hellinger, temos:

A ajuda está a serviço da sobrevivência, por um lado, e da evolução


e crescimento, por outro. A sobrevivência, a evolução e o crescimento
dependem de circunstâncias especiais, tanto externas quanto internas.
Muitas circunstâncias externas são preestabelecidas e inalteráveis,
por exemplo, uma doença hereditária ou consequências de aconte-
cimentos; da própria culpa ou da culpa de outras pessoas. Quando a
ajuda desconsidera as circunstâncias externas ou não as admite, está
fadada ao fracasso. (HELLINGER, 2005b, p. 11)

Depreendemos que é necessário que as partes se reconheçam em suas


fragilidades e limitações, que as pessoas envolvidas em um conflito se iden-
tifiquem se enxerguem uma na outra, de modo a compreender e respeitar
as ações empreendidas respectivamente em prol dos filhos. Essa ampliação
de visão vem acontecendo naturalmente nas oficinas realizadas pelo Poder
Judiciário Mato-Grossense.
Essa postura dos pais também deve ser considerada em relação aos
filhos. Na quinta lei da ajuda, Hellinger (2005b) demonstra que é necessária a
aceitação e amor ao outro do modo como o outro é, aceitando as diferenças.
O autor explica sobre a ordem:

Gostaria de dizer algo sobre a ordem. A ordem é equilibrada.


Quando algo está equilibrado de tal forma que se complementa, se
sustenta mutuamente, se apoia e está direcionado a uma meta, de
modo que a ordem sirva a esta meta, então temos uma boa ordem.
Algumas vezes as metas e as circunstâncias mudam e então a ordem
muda também. Ela precisa entrar em um novo equilíbrio. (HELLIN-
GER, 2005b, p.119)

179
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

Além de as famílias perceberem os resultados das oficinas, como nos


relatos supracitados, magistrados que participam dos eventos sistêmicos
realizados pelo TJMT também observam positivamente sobre. Os relatos a
seguir são mensagens recebidas via WhatsApp:

Bom dia, Jaqueline.


Queria dizer que a oficina de direito sistêmico foi um sucesso.
Todos os participantes elogiaram e se emocionaram muito. Colhe-
remos ótimos frutos.
Gostaria de agradecer o empenho e dedicação em trazer para o
interior a oportunidade em realizar tão importante evento para as
famílias!

Um beijo e fica com Deus! (Dra. Lidiane de Almeida Anastá-


cio Pampado, Juíza de Primavera do Leste, mensagem enviada dia
02/3/2018)

Estou com o pessoal do Workshop de Direito Sistêmico aqui em


Xavantina
Gil está abrindo minha mente!! Quando teve o curso em Cuiabá,
a turma era muito grande.
Acabei não pegando o início da explicação e isso me colocou
resistente ao tema
Via com um pouco de incredulidade
Mas sempre quis aprender mais, especialmente por ver pessoas
que admiro muito se envolverem cada vez mais com o tema
Armas abaixadas, Gil com sua expertise, casos emblemáticos
constelados, estou tendo uma outra visão do assunto

Agradeço pela oportunidade de poder evoluir! (Dra. Luciene Kelly


Marciano, Juíza de Nova Xavantina, mensagem enviada dia 26/6/2018)

Sob a ótica das ordens do amor e da ajuda, venho empenhando ener-


gia por essa causa a que me dedico profissionalmente e à qual me sinto
pertencente, por também, em essência, integrar a uma teia sistêmica. No

180
GUARDA COMPARTILHADA, ASPECTOS LEGAIS E VISÃO FENOMENOLÓGICA ‑ RELATO DE EXPERIÊNCIA

âmbito da guarda compartilhada, as teorias da visão fenomenológica têm


se mostrado eficientes e profícuas, que sejam aperfeiçoadas para a constante
humanização das relações e auxílio na resolução dos conflitos que buscam
a justiça e a paz, eu diria, uma Lei Sistêmica autêntica. Assim, com base no
pensamento de Angélica Olvera que diz: “Quando falamos em bipolaridade,
qual a dinâmica oculta? Uma luta até a morte entre os pais... a criança em
um momento olha o pai e em outro a mãe.”, proponho a reflexão em tela,
que tem me proporcionado as experiências vividas com o Direito Sistêmico.

04. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Falar sobre considerações finais a respeito de um tema que ainda se


encontra nos primeiros passos, mesmo que profícuos e direcionados, não
cabe. Assim, apresento essa seção do relato com um ponto de interrogação
com o intuito de indicar a modéstia das considerações empreendidas e como
um esforço honesto de compor um rol, ainda em construção, de pesquisas
a respeito do assunto tratado.
Ademais, proponho a interrogação para o modo como atua a Justiça
e para o modo como a guarda compartilhada vem sendo compreendida
no Brasil, desde seus primeiros registros na legislação, perpassando pelos
avanços e mudanças de rumo que toma na contemporaneidade. É preciso
manter vívido o espírito questionador que intenciona evoluir em conjunto
com o mundo em que vive.
Faz-se importante também ressaltar, a essa altura da apresentação,
que o tema empreendido nesse relato é abundante em exemplos relatados na
literatura disponível, entretanto, trata-se de uma ciência em constituição, por
isso a metodologia empregada caminha muito ligada à interpretação dos fatos
que se apresentam no cotidiano em que nos colocamos em contato com essa
realidade. O que representa a abordagem fenomenológica em sua essência.
Destaco ainda a importância de perpetuar os estudos sobre as confi-
gurações familiares, visando uma melhor compreensão das relações entre
os sujeitos e o vislumbre de uma constituição mais salutar dos indivíduos
frutos de relações em que houve separação.

181
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

Conclamo o Judiciário como imprescindível no papel de conscientizar


e auxiliar no tratamento das questões concernentes à guarda compartilhada.
É preciso refletir que a mera sentença não resolve as questões do conflito, é
preciso outra postura, verificando a aplicabilidade da visão fenomenológica,
como proposta por Hellinger, e sua respectiva eficiência nas questões fami-
liares, bem como participante fundamental no movimento da humanização
das relações.

05. REFERÊNCIAS
Azambuja, M. R. F., Larratéa, R. V., & Filipouski, G. R. (2010). Guarda compartilhada: A
justiça pode ajudar os filhos a ter pai e mãe? Juris Plenum, 6(31), 69-99.
BAUMAN, Z. – Entrevista à Revista Isto É. (2007) Disponível em: < https://istoe.com.
br/102755_VIVEMOS+TEMPOS+LIQUIDOS+NADA+E+PARA+DURAR+/> Acesso em
julho de 2018.
Brasil. (1988). Constituição Federativa do Brasil. (13° ed.). São Paulo: Saraiva.
______. (1990). Lei n°8.069. (13 jul. 1990). Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adoles-
cente e dá outras providências. Diário Oficial da União Brasília, DF.
______. Lei 8.069 de 13 de julho de 1990. (1990) Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do
Adolescente e dá outras providências. Brasília, DF.
______. (2002). Código Civil Brasileiro. (13° ed.). São Paulo: Saraiva.
______. (2008). Lei n° 11.698. (16 jun. 2008). Altera os arts. 15.83 e 1.584 da Lei n 10.406,
de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil, para instituir e disciplinar a guarda compartilhada.
Diário Oficial da União (Brasília, DF).
Cartilha Guarda Compartilhada – TJMT Disponível em: < http://www.tjmt.jus.br/IN-
TRANET.ARQ/downloads/Coord.Comunicacao/TrocandoIdeias/file/2017/Cartilha%20
Guarda%20Compartilhada.pdf> Acesso em julho de 2018.
CAPRA, F. A teia da vida; Ed. Cultrix: São Paulo,1997.
Cornu G. Vocabulaire Juridique, organizado por, publicado pela Association Henri Capitant,
Paris: PUF – Presses Universitaires de France, 2001, pág. 407/408. (tradução livre)
Depoimento com identidade protegida – TVCA – 2016 Disponível em <https://globoplay.
globo.com/v/5338196/> Acesso em jun. 2018.
GRISARD FILHO, W. Com quem fico, com papai ou com mamãe? Direito de Família e
Ciências Humanas. In: NAZARETH, E. R. (Coord.). Cadernos de Estudos Brasileiros, São
Paulo, n.1, p. 77-85, fev. 2000.
GROENINGA, Giselle. Do interesse à criança ao melhor interesse da criança – Contribuições
da Mediação Interdisciplinar, in Revista do Advogado n.º 62 AASP, coordenação de Lia
Justiniano dos Santos. Março 2001.
HELLINGER. B. A fonte não precisa perguntar pelo caminho: Um livro de consulta. Minas
Gerais: Ed. Atman, 2005a.
______. A serviço da Vida. Revista 1 – edição alemã em 09/2006.

182
GUARDA COMPARTILHADA, ASPECTOS LEGAIS E VISÃO FENOMENOLÓGICA ‑ RELATO DE EXPERIÊNCIA

______. Leis sistêmicas na assessoria empresarial. Minas Gerais: Atman, 2009a.


______. O amor do espírito na Hellinger Sciencia. Minas Gerais:Atman, 2009b.
______. As Ordens do Amor.12ª. ed. São Paulo: Editora Pensamento-Cultrix Ltda. 2001.
______. As Ordens da Ajuda. Patos de Minas Gerais: Editora Atman, 2005b.
HURSSERL – (s.d) Escola de Sofrologia Caycediana de Santarém. Disponível em: <https://
www.jn.pt/sociedade/saude/interior/sofrologia-a-disciplina-que-ensina-a-ser-feliz-2638284.
html>. Acesso em julho de 2018.
MERLEAU-PONTY, M. O primado da percepção e suas consequências filosóficas. São Paulo:
Papirus, 1990.
MEDEIROS, M. R. K. S. – Entrevista ao TJMT. “Oficina de Direito Sistêmico muda vida
de casal” (2016). Disponível em http://www.tjmt.jus.br/noticias/45137#.W1BJXdJKjIW.
Acesso em jun. de 2018.
Portaria Nº 16 de 26/02/2015 - Dispõe sobre as diretrizes de gestão da Presidência do
Conselho Nacional de Justiça para o biênio 2015-2016. Disponível em: www.cnj.jus.br/
busca-atos-adm?documento=2855. Acesso em jun. de 2018.
Ramos, P. P. C. (2005). A moderna visão da autoridade parental. In APASE – Associação
de pais e mães separados (Orgs.), Guarda Compartilhada: aspectos psicológicos e jurídicos.
(pp. 97-121) Porto Alegre: Equilíbrio.
Rebouças Junior, C. A. de F. Constelação Familiar Sistêmica: Entre a Filosofia e a Psicote-
rapia. Uma análise do discurso de Bert Hellinger. Dissertação de Mestrado. Logos University
– Flórida-USA, 2015.
Resolução nº 125 de 29/11/2010 - Dispõe sobre a Política Judiciária Nacional de trata-
mento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário e dá outras
providências. Disponível em: < http://www.cnj.jus.br/images/stories/docs_cnj/resolucao/
Resolucao_n_125-GP.pdf> Acesso em jun. de 2018.

183
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

UM OLHAR SISTÊMICO NO CONTEXTO


DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR

Alline Matos Pires Ferreira50

01. INTRODUÇÃO

A violência doméstica e familiar é um fenômeno mundial, com nú-


meros alarmantes, que tem trazido enormes danos às relações interpessoais
e ao universo das famílias. É desafiadora essa caminhada, sem dúvida, pela
quantidade de variáveis que podem representar essa propensão violenta,
chegando a envolver destinos difíceis e dolorosos dos nossos antepassados,
que sequer temos conhecimento, nessa enorme teia da vida. A repetição
do modelo violento vivenciado na infância é algo comum nesse contexto,
por exemplo.
O presente trabalho visa mergulhar na raiz dessa violência, perpetrada
pelo homem em relação à mulher, buscando identificar a origem, os emara-
nhamentos que estão por trás dessa energia agressiva que se apresenta das
mais diversas formas, culminando, muitas vezes, em seu mais alto grau, o
assassinato de mulheres, nesse ambiente íntimo ou não, mas que tem sem-
pre como base o desprezo ou a discriminação por sua condição feminina,
o chamado feminicídio.
Assim, indaga-se: qual é a bagagem emocional que mais torna esse
homem propenso a esse comportamento violento? Buscando descortinar essa
densa temática, o presente estudo busca trazer os ensinamentos do filósofo
alemão Bert Hellinger, e de que forma suas bases filosóficas podem trazer

50. Bacharel em Direito pela UFMA – 1997. Extensão Universitária em Direito Sistêmico pela HELLIN-
GER SCHULE - Faculdade INNOVARE, SP – 2016. Pós-graduada em Processo Civil – UDF Centro
Universitário -1999. Pós-graduada lato sensu em Direito Sistêmico pela HELLINGER SCHULE - Facul-
dade INNOVARE, SP - 2018. Promotora de Justiça do Ministério Público do Maranhão.

184
UM OLHAR SISTÊMICO NO CONTEXTO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR

luz à problemática e a todos os envolvidos, na busca da tão almejada paz e


respeito ao gênero feminino nas relações.
O cenário cultural, focado no patriarcado, de dominação do masculino
pelo feminino, notadamente, em países com maior desigualdade de gênero,
como o Brasil, é o grande pano de fundo desse contexto violento, mas, somado
a ele, existem dinâmicas familiares, que dão força a esse comportamento. Na-
turalmente, podem ser muitas as causas dessa energia propulsora de violência
para além de um universo coletivo, no qual a naturalização da violência é pre-
sente. A ideia aqui é pinçar na filosofia de Hellinger, inspirações /experiências
para melhor entender as dinâmicas ocultas por trás de um ato violento, sem
pretender, esgotar algo tão complexo.

02. INFLUÊNCIA DA FILOSOFIA HELLINGERIANA NO CAMPO


JURÍDICO

Profundo conhecedor da filosofia de Bert Hellinger (2015), desse


universo de compreensões que também pode ser concebido como a ciência
universal das ordens e das desordens da convivência humana, quem primeiro
trouxe para o campo jurídico esse olhar e suas inúmeras possibilidades de
utilização, de forma corajosa, foi o juiz de direito da Bahia, Sami Storch,
construindo, nessa perspectiva, a expressão “Direito sistêmico”.
Na percepção do próprio jurista, o direito sistêmico surgiu da análise
do Direito sob uma ótica baseada nas ordens superiores que regem as relações
humanas conforme demonstram as constelações familiares desenvolvidas
pelo citado alemão (STORCH, 2018).
Hellinger (2006) denomina essas ordens superiores, como ordens do
amor, que representam leis básicas do relacionamento humano que estarão
sempre atuando ao mesmo tempo, fundamentadas em 1) pertencimento ou
vínculo; 2) hierarquia; 3) equilíbrio entre dar e receber.
Para o citado filósofo alemão, as ações realizadas em consonância com
essas leis sistêmicas permitem que a vida flua de modo harmônico, porém,
quando violadas, surgem graves problemas ao sistema familiar ou a outro
sistema relevante que pertencemos (empresa ou relação de amizade, por
exemplo), gerando danos aos relacionamentos interpessoais.

185
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

02. 1. UM POUCO MAIS SOBRE ESSAS LEIS

A lei do pertencimento ou vínculo revela que pertencer à nossa família


é o nosso desejo mais profundo, surgindo daí uma enorme fidelidade a todos
os valores e memórias da ancestralidade daquela família ou clã.
O que significa que estamos dispostos a sacrificar e entregar nossa
vida pela necessidade de pertencer à família (HELLINGER, 2014). A criança
aqui agirá por amor, mas um amor cego, fazendo de tudo para alimentar
esse vínculo com as crenças e os atos desse sistema.
Assim, quando algum integrante da família teve uma morte trágica,
como um assassinato, a criança entende que se também morrer precoce-
mente estará demonstrando seu amor pela vítima. Adotando a dinâmica
“eu sigo você”.
Trazendo para o contexto da violência contra a mulher, pode estar
no padrão de valores daquela família essa propulsão para a violência, de um
modelo que atravessa gerações, de um filho que, por exemplo, repete o pai
agressivo em relação à mãe, passando a agredir sua companheira em sua
relação futura. Ao repetir o drama, de forma inconsciente, ele se vincula
ainda mais ao grupo familiar.
Trata-se de uma consciência coletiva inconsciente de um grupo, tam-
bém chamada de arcaica que é diferente da consciência pessoal (HELLIN-
GER, 2017). Dessa forma, cumprindo os valores do grupo, a criança se
sente inocente, agindo com boa consciência, mesmo que isso represente o
seu sacrifício.

[...] É que a alma da criança se sente mais vinculada na desven-


tura, quer dizer, sente-se inocente na desventura. Enquanto que
concordando com a solução, afastando-se da morte e voltando-se
para a vida, sente-se culpada. Por isso a solução exige da alma
tanto progresso. (HELLINGER, 2017, p. 241)

Nesse ponto, revela-se importante aclarar esses conceitos de boa e má


consciência. Para Hellinger (2007a), a consciência serve, em primeiro lugar,
para vincular-nos à nossa família. Por isso temos uma boa consciência quando

186
UM OLHAR SISTÊMICO NO CONTEXTO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR

nos comportamos de acordo com os valores daquela família, daquilo que


assegura nossa vinculação ao sistema desse grupo. Por outro lado, temos má
consciência quando nos comportamos de maneira diversa e experimentamos
a sensação da perda de fazer parte dela, trazendo enorme desconforto.
Isso não tem a ver com bom ou mau, e sim com a ligação à família
de origem e seus valores e o temor em não mais pertencer. Dessa forma,
quando nos afastamos das normas daquele grupo, iremos nos sentir cul-
pados, por isso a solução, como fala o citado autor, exige tanto de cada um
porque exige um desenvolvimento interno e solitário, de construir algo novo,
respeitando aquela família, mas tendo a coragem de caminhar para a vida
e para um todo maior.
É muito comum nos relacionamentos de casais, o homem ou a mulher
querer reproduzir os valores de suas famílias de origem, como se fossem os
valores certos que servem para todos, gerando intermináveis conflitos, sob
o pálio dessa chamada boa consciência. (HELLINGER, 2007a)
Nesse caso, para avançarmos para uma solução cada um precisa reco-
nhecer e respeitar os valores contidos em cada família, saindo dessa polariza-
ção, enfrentando a má consciência para a construção de um novo caminho
que contemple esses dois universos de valores e experiências. “Quem quer
permanecer inocente permanece na criança; adultos se tornam culpados,
sem que se tornem maus.” (HELLINGER, 2007b, p. 51)
Para essa lei do vínculo percebida por Hellinger (2017), todos têm
direito de pertencer, não admitindo o sistema familiar qualquer exclusão
de um membro. Assim, sempre que alguém é excluído há perturbação no
sistema. Quando, por exemplo, um alcoólatra ou criminoso de uma família
é excluído ou esquecido é como se os demais membros se percebessem mais
dignos e com maior direito de pertencer. Assim, o próprio sistema pressionará
para uma reparação e esse excluído será representado futuramente por um
descendente, sem que tenha conhecimento disso. Esse descendente passará
a agir como aquele excluído. A solução está na reinserção desse integrante
excluído do sistema, o que trará força e alívio ao sistema.
Nessa linha de entendimento, o agressor pode estar representando o
comportamento e o destino de algum membro excluído no passado daquela
família.

187
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

Uma outra lei que atua nos relacionamentos e na consciência do gru-


po é a da hierarquia, que indica a precedência de quem chegou primeiro, o
respeito a essa ordem. Em um sistema familiar, cada um deve ocupar o seu
lugar, filho, deve ser filho, pai deve ser pai e, assim, sucessivamente.

(...) Assim, essa consciência de grupo não permite que os suces-


sores interfiram nos assuntos dos antecessores, seja para fazer valer
o direito deles, seja para expiar a culpa em seu lugar, seja ainda para
resgatá-los, mesmo posteriormente, de seu destino funesto. (HEL-
LINGER, 2015, p. 32)

Quando um filho busca interferir em um assunto ligado ao relacio-


namento dos seus pais, por exemplo, assumindo um lugar que não é o seu
lugar natural, isso traz desequilíbrio ao sistema. Adiante traremos um recorte
de uma experiência, nesse sentido.
Outra lei que impera nas relações é a do equilíbrio. Em uma família
existe uma necessidade de equilíbrio entre ganho e perda através das gera-
ções. No caso da relação de um casal, o homem e a mulher, assemelham-se
em sua capacidade de dar e tomar, reciprocamente. Eles progridem na troca
amorosa, com fluidez, quando o dar e o tomar entre eles também se com-
pensam. (HELLINGER, 2015)
Portanto, nessa relação de casal o equilíbrio é fundamental, somente
se deve dar o quanto o outro está disponível para retribuir. Quando há um
excesso nessa doação o outro se sente pressionado, em dívida, trazendo
desequilíbrio, comprometendo a relação.

03. CONSTELAÇÕES FAMILIARES E O DIREITO SISTÊMICO

Como um atento observador da incidência dessas leis sistêmicas,


Bert Hellinger desenvolveu sua própria abordagem de constelação familiar
agregando novos níveis de significação, incluindo suas percepções e vivên-
cias trazidas da psicanálise, dinâmicas de grupos, terapia primal, análise do
script, hipnoterapia, PNL e análise bioenergética, apresentando-se, portanto,
mundialmente, como o grande representante desse instrumental terapêutico.

188
UM OLHAR SISTÊMICO NO CONTEXTO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR

De acordo com as considerações de Franke (2012), é possível notar


que esta é uma forma de terapia breve, orientada pelas soluções. Traz à luz,
de forma rápida e precisa, as dinâmicas que ligam o cliente de uma forma
disfuncional ao seu sistema de referência, que o limitam em suas possibi-
lidades de ação e desenvolvimento pessoal, impedindo-o de estruturar sua
vida de uma forma positiva.
Por um lado, fica claro que o amor flui nos relacionamentos quando o
vínculo, a ordem e o equilíbrio entre o dar e receber são mantidos, por um
outro lado, emaranhamentos do passado influenciam, negativamente, nos
relacionamentos posteriores, de forma consciente ou não, sendo a constelação
um caminho que oportuniza trazer luz às dinâmicas ocultas.
Na definição de Storch (2017), as constelações baseiam-se em uma
abordagem em que pessoas são convidadas a representar membros da fa-
mília de uma outra pessoa, o cliente. Essas pessoas, ao serem posicionadas,
sentem como se fossem as próprias pessoas que estão representando, tendo
suas sensações e percepções, mesmo que, na maioria das vezes, tenham
poucas informações sobre o cliente. Nesse espaço, é possível olhar para as
dinâmicas ocultas no sistema, que estejam trazendo perturbações ao cliente,
podendo ser até mesmo de fatos ocorridos em gerações passadas, que ele
desconhece. Visando a solução, pode-se propor frases e movimentos que
desfaçam os emaranhamentos, restabelecendo-se a ordem, proporcionando
paz e bem-estar aos membros da família, fazendo desaparecer a necessidade
inconsciente do conflito.
Assim, conforme esclarece Hellinger (2017), por meio da constelação
familiar origina-se um campo de força no qual os representantes de um
membro da família ao entrar nesse campo passam a vivenciar sentimentos
como se pertencessem àquele campo. É o que Rupert Sheldrake chama de
campo morfogenético.
Para Franke (2012, p. 39), “toda estrutura, seja uma organização, um
organismo ou um sistema vive num campo mórfico que atua como uma me-
mória onde estão armazenadas todas as informações importantes do sistema”.
Nesse aspecto, o Direito sistêmico busca encontrar a solução para o
conflito, considerando um contexto mais amplo, compreendendo que as par-
tes integram um mesmo sistema, mas que, simultaneamente, se encontram

189
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

vinculadas a outros sistemas dos quais façam parte, sofrendo seus efeitos e
influências (STORCH, 2018). Dessa forma, convém destacar que:

[...] o Direito sistêmico não é um novo direito, mas o mesmo direito


vigente nosso de cada dia, porém interpretado, percebido e aplicado
de uma nova forma hermenêutica, chamada sistêmica, que, aliás, não
surge do nada nem cai do céu, mas resulta de uma síntese da expe-
riência humana em vários domínios […]. (ROSA, 2014, pp. 50-57).

Portanto, trata-se de uma nova forma de interpretar o direito, con-


siderando também outras fontes de informação, notadamente aquilo que
está posto no sistema de cada indivíduo e sua ancestralidade, de forma
consciente ou não.

04. ASPECTO LEGAL – POSSIBILIDADES

A utilização de meios adequados de resolução de conflitos tem sido


amplamente admitida pelo próprio ordenamento jurídico atual, como de-
termina o artigo 3º do CPC de 2015, por meio da conciliação, mediação e
outros métodos de resolução consensual. A resolução nº 125/2010 do CNJ,
antecedendo às inovações da legislação processual civil, é um claro exemplo
onde se buscou inaugurar uma nova mentalidade de resolução de conflitos,
definindo uma política judiciária de tratamento adequado dos problemas
jurídicos e conflitos de interesses, assim como a própria Lei da Mediação
nº 13.140/2015.
Ao definir citada política de atuação no judiciário, a resolução traz
expressa a mensagem de uma justiça mais eficiente e aberta ao seu fim maior,
consubstanciada em uma real pacificação social.
Nesse passo, considerando as especificidades da Lei Maria da Penha,
em que a necessidade de proteção da integridade física e psicológica da
mulher é uma constante, entende-se que a utilização de meios adequados
de resolução de conflitos, como o uso da constelação familiar deve ser des-
tinada para situações pontuais entre as partes, caso haja concordância destas
e pertinência para um olhar aprofundado em alguma dinâmica oculta que
precisa ser vista, por meio de profissionais com capacitação para tal.

190
UM OLHAR SISTÊMICO NO CONTEXTO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR

Vê-se ainda a possibilidade da constelação ser utilizada em áreas de


apoio da própria Vara Especializada, como em atividades dos grupos reflexivos
para homens e grupos de mulheres vítimas, ou mesmo a abordagem coletiva
envolvendo um grupo maior, na forma de palestras vivenciais, permitindo
que os envolvidos nesse contexto possam trazer luz aos emaranhamentos.
Igualmente profícuo nesse campo, vislumbra-se a hipótese de utili-
zação da constelação por ocasião da execução da pena, onde os apenados
poderão trazer um olhar aprofundado para eventuais dinâmicas ocultas que
podem estar atuando em seu comportamento transgressor, prevenindo novas
situações de violação às leis do ordenamento jurídico.

05. DINÂMICAS OCULTAS FREQUENTES NO CAMPO DO RE-


LACIONAMENTO DE UM CASAL QUE PODEM EVOLUIR PARA
UM ATO VIOLENTO

05. 1. RESPEITO

O respeito ou sua ausência na família de origem irá repercutir no


relacionamento atual entre um casal.
Assim, uma mulher que acredita ser melhor que a mãe, se colocan-
do como superior, não respeita os homens e também terá dificuldades em
compreendê-los. Da mesma forma, um homem que não respeita o pai, que
se vê como melhor que o pai, diante de sua mãe, não respeita as mulheres.
O homem aprende o respeito pela mulher com o pai e a mulher aprende
o respeito pelo marido com a mãe. Portanto, na abordagem com o casal,
muitos conflitos podem ter fim, propondo-se colocar ordem na família de
origem, de tal forma que o marido respeite o seu pai e a mulher, a sua mãe.
(HELLINGER, 2011)
Esse desrespeito pelo outro representa uma transgressão à lei da ordem
e hierarquia, trazendo enorme disfunção ao sistema.

05. 2. A FILHINHA DO PAPAI E O FILHINHO DA MAMÃE

Avançando um pouco mais na relação de casal, podemos perceber


também a importância da renúncia, desde a mais tenra idade. O filho, para

191
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

tornar-se um homem, precisa renunciar à primeira mulher em sua vida, a


mãe, assim como a filha, precisa renunciar ao primeiro homem de sua vida,
o seu pai. Nesse sentido, o filho precisa sair da esfera da mãe e passar para
a do pai, seu referencial do universo masculino. Se ele permanecer somente
na esfera da mãe, será um eterno adolescente, queridinho das mulheres,
mas não um homem, pois não estará disponível emocionalmente para um
relacionamento adulto com uma mulher, posto que está eternamente ligado
à mãe. A filha por sua vez, também precisa passar da esfera da mãe para o
pai, contudo, deve retornar para a esfera da mãe, porque se ficar na esfera do
pai, tendo-o como seu grande ídolo, não estará disponível para os homens.
(HELLINGER, 2015)
Em seus relacionamentos, um filhinho da mamãe, frequentemente,
busca uma substituta para a sua mãe e a mulher busca um substituto para o
seu pai. Nesse caso, o homem que busca uma substituta para sua mãe, está
na criança, que busca satisfazer suas necessidades como tal, não está na re-
lação como adulto, nunca ficará satisfeito com sua mulher, não aceitando-a
como ela é.

05. 3. A EQUIVALÊNCIA

Outro aspecto importante nesse contexto é que o homem e a mulher


se percebam na relação como iguais e que as ordens de amor entre um casal
são diferentes das ordens de pais e filhos, pois haverá enorme abalo se uma
ordem típica da infância, da relação de pais com filhos, for trazida para a
relação:

(...) se o homem ou a mulher se comporta como se fosse autorizado


a educar o parceiro e tivesse a necessidade de fazê-lo, arroga-se, em
relação a alguém que lhe é equiparado, direitos semelhantes ao dos
pais em relação aos filhos. Neste caso, frequentemente o parceiro se
esquiva à pressão e busca alívio e compensação fora do relacionamento.
Portanto, faz parte das ordens do amor na relação entre o homem
e a mulher que ambos se reconheçam como iguais. Qualquer tenta-
tiva de colocar-se diante do parceiro numa atitude de superioridade,

192
UM OLHAR SISTÊMICO NO CONTEXTO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR

própria dos pais ou de dependência, característica de uma criança,


restringe o fluxo do amor entre o casal e coloca em perigo a relação.
(HELLINGER, 2015, p. 47)

Logo, vê-se que a abordagem com casais exige uma amplitude no olhar
para além do homem e da mulher. É preciso sair da superfície, devendo ser
investigado aquilo que aconteceu nas famílias de origem, com atenção aos
emaranhamentos que poderão existir e as leis que foram transgredidas, a
fim de se alcançar uma solução.

05. 4. DUPLA TRANSFERÊNCIA

A dupla transferência é uma das mais frequentes causas de conflitos


em um relacionamento. Ao tratar dessa dinâmica em uma de suas obras,
Hellinger traz uma experiência extraída de um seminário ao ser demons-
trada a Terapia do Abraço. Na ocasião, foi pedido que um casal se abraçasse:

De repente a expressão da mulher mudou e ela ficou furiosa com


o marido sem que houvesse motivo para isso. (...). Ela havia assumido
a expressão de uma velha de oitenta anos, embora não tivesse mais de
uns trinta e cinco anos. Então eu disse à mulher: “Repare-se em sua
própria expressão. Quem é que tinha uma cara assim?” “Minha avó”,
respondeu ela. “O que aconteceu com ela”?, perguntei. Ela respondeu:
“Minha avó tinha um restaurante, e meu avô várias vezes arrastou-a
pelos cabelos no salão, diante dos fregueses. E ela aguentou isso”.
Você pode imaginar como realmente se sentiu a avó? Ficou furiosa
com o marido, mas não expressou esse sentimento. Foi essa raiva
reprimida que a neta adotou dela. Essa transferência no objeto raiva:
do avô para o marido. Isso era menos arriscado para a neta, porque
seu marido a amava e tolerava isso. Esta é a dinâmica da dupla trans-
ferência, mas ninguém está consciente dela. A neta estava identificada
com a avó aqui. (HELLINGER, 2007a, p. 24)

Trazendo para a temática em questão, pode assim um homem violento


estar identificado com alguma dor ou sentimento reprimido de alguém do

193
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

seu sistema familiar, que acaba sendo expressado em seu relacionamento


atual, em sua mulher, por exemplo, havendo, portanto, um deslocamento
do objeto da raiva para uma pessoa que sequer poderá se defender, alheia
ao contexto do conflito em sua origem.

05. 5. SENTIMENTOS PRIMÁRIOS E SECUNDÁRIOS

Nesse momento, revela-se importante também conhecermos um


pouco mais sobre os sentimentos primários e secundários, para uma maior
compreensão do sentimento da agressividade.
Quando a mãe morre e a criança é dominada pela dor e pelo choro,
trata-se então de um sentimento primário. Frequentemente intensos, con-
dizentes com a situação e de curta duração. (HELLINGER, 2017)
Existem também os sentimentos secundários, ou dramáticos, como
mágoa, indiferença e agressividade. O sentimento secundário é um substituto
para a intensidade do sentimento primário e acaba servindo para impedir a
ação que levaria a um processo de mudança (HELLINGER, 2017). Surgem
para evitar que entremos em contato com nossas dores mais profundas, com
uma dor primária que ainda não foi vista.
Nesse enfoque, podemos extrair que o sentimento da violência e da
agressividade nos traz a ideia de que algo mais profundo e traumático do
perpetrador que não foi ou não está sendo visto e que esse sentimento acaba
por camuflar essa realidade.
Ao abordar o assunto, a terapeuta Ursula Franke (2012) retrata que
os sentimentos secundários e o padrão de um movimento interno de afas-
tamento provêm de antigas feridas e vivências, recordando uma situação
não solucionada.
Portanto, ter contato com um sentimento primário através das conste-
lações pode ensejar um momento curativo. Nesse passo, revela-se igualmente
importante atentarmo-nos também para os sentimentos da mulher, vítima
de um comportamento violento do homem, ampliando sua consciência
para estimular a sair dos sentimentos secundários e dramáticos, que não
conduzem à solução.

194
UM OLHAR SISTÊMICO NO CONTEXTO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR

O ódio, por sua vez, é um sentimento que nos vincula ao agressor. A


vítima se liberta do agressor quando se retira, deixando-o com seu próprio
destino. Esse afastamento do agressor e daquilo que fez para o centro vazio dá
força e, de vítima, nos transformamos em protagonistas. (HELLINGER, 2017)
Aqui a expressão ‘centro vazio’ está ligada a ideia de conexão com
algo maior, sem intenção. Assim, na perspectiva Hellingeriana, a mulher
que sofreu o dano precisa necessariamente sair desse papel de vítima tão
popularizado, que acaba por tirar força do seu poder de superação e plena
autonomia da sua vida, valendo lembrar também que de alguma forma sua
escolha por essa relação pode ter entrelaçamento com o seu passado.

05. 6. RECORTE DE UM SEMINÁRIO

Em uma das suas obras, Hellinger (2011) traz uma visão interessante,
surgida em um dos seus seminários, quando um dos participantes afirmou ser
um homem muito violento e que gostaria de trabalhar o assunto, naquela ocasião.
Bert, para o grupo, questionou ‘quem era violento e como um homem se tornava
violento?’. Ao responder, afirmou que esse homem se tornava violento quando
lutava para sua mãe.
Na sequência, indagou ao participante se havia procedência em sua fala,
tendo aquele respondido, que sim. Ao iniciar a constelação daquele homem,
apresentado como Pablo, Bert o colocou na frente da representante de sua mãe
(p. 85). Depois, foi escolhido um representante para o pai de Pablo, sendo este
posicionado em frente à mãe. A mãe olha para o filho, e, logo após, para o marido.
Pablo então olha para o pai, momento em que Hellinger o posiciona entre sua mãe
e o seu pai (p. 86). Após isto, conduz Pablo para próximo do pai, ficando diante
deste. Pablo fica intranquilo e se coloca ao lado de seu pai (p. 87). Na sequência,
Bert orienta Pablo a dizer para a mãe, referindo-se ao pai: “Ele é maior”. Pablo
diz e coloca o braço em torno do pai, buscando protegê-lo. Hellinger diz: “Nada
disso” e comenta para o grupo: “agora ele fez o papel de quem é grande” e diz
para Pablo se sentar de costas diante de seu pai (p. 88). Em seguida, Hellinger fala
ao grupo que agora ele é um filho. Pablo argumenta que se sente bem e alegre,
por sua vez, a sua mãe também demonstra bem-estar. Na sequência Hellinger,
orienta a mãe a dizer ao filho: “Você é o pequeno”. Após, Bert olha para Pablo e

195
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

diz que ali estava a cura da violência. Depois, Bert, chamou a esposa de Pablo e
propôs uma abordagem ao casal, orientando Pablo a dizer: “eu a respeito como
a minha mulher, eu respeito a sua dignidade”. (HELLINGER, 2011)
Nesse caso, o filho se coloca entre mãe e pai como protetor daquela, as-
sumindo uma posição maior que o pai, colocando-se como grande em relação a
este. Aqui houve uma clara quebra da lei da hierarquia em que o filho interferiu
nos assuntos que pertenciam ao casal, desrespeitando o lugar e função daqueles
que vieram antes.
É importante que na família os pais sejam e permaneçam grandes e os
filhos pequenos. “Somente assim eles se tornam grandes. Os filhos que se dão
ares de importância permanecem pequenos a vida inteira. Inflados, porém
pequenos”. (HELLINGER, 2011, p. 52)

06. DISCUSSÃO E ANÁLISE DE RESULTADOS

06. 1. ESTUDO DE CASO

Diante do trabalho de observação desta autora, atuando como promo-


tora de justiça em uma vara de violência doméstica e familiar no interior do
Maranhão, em 2018, foi possível conhecer a situação de Tomaz, nome fictício.
Trata-se de um jovem de 27 anos, com quatro sentenças condenatórias relativas
a episódios de crimes no contexto da violência doméstica e familiar, figurando
como vítima, a companheira, em 3 desses processos e, em um deles, a própria
genitora. Chama a atenção que a preponderância do comportamento transgres-
sor do jovem citado está relacionada a crimes ligados à violência intrafamiliar,
tendo mulheres como vítimas.
Ao ser realizada constelação do caso, em uma das vivências realizadas
no grupo de estudo de Direito Sistêmico, procedeu-se da seguinte forma:
O representante de Tomaz ficou olhando para a representante da
sua mãe; no início a representante da sua companheira ficou interferindo
na aproximação do representante de Tomaz com a genitora; depois entrou
o representante do pai de Tomaz; o campo expressava um clima de agres-
sividade entre Tomaz, a genitora e a companheira; foi colocado um repre-
sentante para um segredo da mãe; após a inclusão desse segredo Tomaz

196
UM OLHAR SISTÊMICO NO CONTEXTO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR

aproximou-se da mãe, ficando mais calmo e equilibrado; toda a falta e dor


desse filho, representada na violência, estava representada em um grande
amor, consubstanciado no segredo da mãe; o pai de Tomaz ficava ao lado
da representante da mãe de Tomaz; foram incluídos na constelação o pai e a
mãe da companheira de Tomaz; a companheira apresentou comportamento
infantilizado, estava em sua criança, apresentando tendência em buscar ho-
mens violentos, buscando neles a falta que o pai fez; na dinâmica rejeitava o
pai; Tomaz olhava profundamente para a genitora, nutrindo forte amor por
esta, havendo reciprocidade nisso.
O presente contexto dessa experiência bem expressa o amor infantil
do filho, que violando também a ordem atrai para si um emaranhamento
da genitora, em que o sucessor, o filho, interfere nos assuntos do antecessor,
no caso, a mãe.
Tomaz, aqui, atua como criança. De forma inconsciente, acredita pos-
suir uma solução mágica, pois, através do seu amor todo poderoso, entende
que assim agindo, fará a felicidade ir em direção à mãe, como se tivesse em
suas mãos a felicidade do outro. (HELLINGER, 2017)
O caminho curativo estava em fazer com que ele enxergasse a dinâmica
oculta através dos movimentos dos representantes, dos vínculos invisíveis que
estavam atuando, fazendo com que ele saísse do seu lugar de filho, ocupando
um lugar que não era o seu e que trazia perturbação ao sistema.

06. 2. ALGUMAS EXPERIÊNCIAS DO CENÁRIO NACIONAL

Contemplando esses valiosíssimos ensinamentos de Bert Hellinger,


exitosos trabalhos estão sendo desenvolvidos no Brasil, como o projeto
desenvolvido pelo Poder Judiciário de Mato Grosso, através da 1ª Vara Es-
pecializada de Violência Doméstica e Familiar de Cuiabá, pelo juiz Jamilson
Haddad Campos e a facilitadora Gilmara Thomé, onde são oferecidos ciclos
de palestras sistêmicas às mulheres, oportunizando seu empoderamento,
com esse olhar sistêmico. (PAVLACK, 2018)
De maneira similar e igualmente inovadora, por meio de palestras e
vivências práticas que utilizam técnicas de Hellinger, com pessoas envolvidas
na Violência Doméstica e Familiar, vem sendo desenvolvido um trabalho em

197
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

Canavieiras-Ba, por meio da Vara Criminal e da 2ª Promotoria de Justiça da


comarca, através da juíza Karina Silva de Araújo e da promotora Mayanna
Ferreira Ribeiro, que contam com o auxílio da facilitadora Elisabeth Mar-
guerite Santos Buchler. (CARDOSO, 2018)
Com uma metodologia diversa, mas com os mesmos fundamentos
hellingerianos, está sendo desenvolvido um riquíssimo trabalho na comar-
ca de Parobé-RS, desde 2016. A juíza Lizandra dos Passos e as psicólogas
Candice Schmidt e Cristiane Pan Nys mudaram a concepção do modelo
usual da terapia coletiva, formando grupos mistos de homens e mulheres
em que as vítimas são separadas dos agressores em agrupamentos distintos
e em momentos diversos.
Esse modelo tem oportunizado que homens e mulheres possam olhar
para nuances do problema que estão enfrentando, na perspectiva de um
terceiro. Permite, por exemplo, que um agressor possa vivenciar na sessão
a experiência de uma vítima, se solidarizando com ela e com seu processo
de dor, podendo observar os efeitos do seu papel de perpetrador. (CNJ, s.d)

07. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Dessa forma, o conhecimento das ordens do amor e das leis sistêmicas


permite, sem dúvida, uma maior compreensão do conflito. Assim, aumenta-se
o nível de resolutividade quando amplio a visão sobre o conflito, conhecendo
suas bases mais profundas.
Nesse sentido, o direito sistêmico, para além da utilização da própria
constelação familiar, insta a uma mudança de postura dos atores jurídicos
envolvidos na abordagem do conflito, que contemple esse olhar atento às
leis sistêmicas, trazendo respeito e dignidade ao que cada um viveu dentro
do seu sistema familiar.
Ainda que em pequenos gestos, uma tratativa quanto aos termos
de convivência de filhos, diante da necessidade de afastamento do casal,
por exemplo, ou mesmo por uma simples oitiva de uma criança nesse
contexto conflituoso, com profissionais atentos a uma visão sistêmica e
às leis que imperam nas relações humanas observadas por Hellinger, com

198
UM OLHAR SISTÊMICO NO CONTEXTO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR

essa perspectiva de inclusão de que todos fazem parte, trará um resultado


mais consistente e harmonioso.
Em momento algum, propõe-se minimizar a responsabilidade dos
agentes de um crime, de um ato violento, ao contrário, cada um deve assumir
as consequências dos seus atos, mas sem dúvida, com essa visão sistêmica,
muitas possibilidades são abertas para a obtenção de uma pacificação real, a
partir de um movimento interno da alma dos envolvidos, considerando que
a verdadeira mudança, inclusive para superação de situações traumáticas,
não acontece no nível mental, mas anímico.
Nesse universo de lutas históricas que o movimento feminista tem
travado, é muito comum observar a resistência para qualquer iniciativa que
vise métodos consensuais de resolução do conflito, cujo temor se baseia na
tentativa de diminuir ou esquecer a dor e o dano vivenciados pela vítima,
em tornar por menos algo tão perverso, marcado por um longo período de
invisibilidade. Não é o que se busca trazer para o direito, com a absorção
da filosofia hellingeriana.
Inicialmente, precisamos desmistificar a ideia desses elementos da auto-
composiçao. O que se busca é olhar para o conflito saindo de uma perspectiva
de automatização da sua solução, especialmente considerando os números
desfavoráveis da violência contra a mulher em nosso país, revelando a pouca
eficácia das tratativas na prestação jurisdicional no viés tão somente tradicional.
Não se trata, portanto, de desconfigurar o sistema judicial posto, mas
de agregar novos valores e instrumentais, potencializando sua capacidade
resolutiva.
Se justiça, no seu âmago é uma percepção pessoal, em que seu intérprete
traz todo o seu arcabouço de valores e impressões, cabe a cada integrante do
sistema de justiça evoluir em sua humanidade, enquanto partícipes desse
processo, diante da missão ímpar de promover a paz.

08. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


CARDOSO, Mayanna. Processos de violência doméstica integram pauta de sessão de
constelação familiar em Canavieiras. 2018. Disponível em http://mp.ba.gov.br/noticia/44166.
Acesso em 10.01.2019.
CNJ. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Constelação Familiar nos casos de agressão
familiar. S.d. Disponível em http://www.cnj.jus.br/component/content/article?id=86789:-

199
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

constelacao-familiar-solucao-para-violencia-domestica-no-rio-grande-do-sul. Acesso em
08.01.2019.
FRANKE, URSULA. Quando fecho os olhos vejo você. 2ª edição. Goiânia. Atman. 2012.
HELLINGER, Bert. A simetria oculta do amor. 6ª edição, São Paulo: Cultrix, 2006.
_____. Ordens do Amor. 1ª edição, São Paulo: Cultrix, 2007a.
_____. Conflito e Paz. 1ª edição, São Paulo: Cultrix, 2007b.
_____. Amor à segunda vista. 2ª edição, São Paulo: Atman, 2011.
_____. A Cura. 1ª edição, Belo Horizonte, Atman: 2014.
_____. O amor do espírito. 3ª edição, Belo Horizonte: Atman: 2015.
_____. A fonte não precisa perguntar pelo caminho. 4ª edição, São Paulo: Atman, 2017.
PAVLACK, Cleci. Constelação fortalece vítimas de violência. 2018. Disponível em https://
www.tjmt.jus.br/Noticias/54554#.XGNZiTNKj6R. Acesso em 13.01.2019.
ROSA, Amilton Plácido da. Revista MPE Especial, ano 2, edição 11, janeiro/2014, pp. 50-57.
Disponível em https://issuu.com/mthayssa/docs/revista_final_site2/50. Acesso em 13.01.2019.
STORCH, Sami. Direito sistêmico é uma luz no campo dos meios adequados de solução de
conflitos. Disponível em www.conjur.com.br. Acesso em 14.01.2019.

200
APLICABILIDADE DAS LEIS SISTÊMICAS NOS PROCESSOS DE ADOÇÃO

APLICABILIDADE DAS LEIS SISTÊMICAS


NOS PROCESSOS DE ADOÇÃO

Alessandra Helena da Silva Camerino


Janine Ferro Lobo
Juliana Gomide Resende de Mello

01. INTRODUÇÃO

Existe uma significativa quantidade de processos de adoção no Brasil


que não são acompanhados após o processo de adoção estar concluído.
São casos divulgados ao nível do senso comum, resultados de adoção
fracassada por um familiar, vizinho ou alguém conhecido, mas não há
uma pesquisa científica capaz de apontar determinados comportamentos
e contextos que levem os futuros pais a conhecerem essa realidade. Assim,
o Direito Sistêmico surge com um novo olhar, presumindo um processo
de adoção bem-sucedido, para além dos trâmites judiciais.
O Direito Sistêmico tornou-se mais um instrumento de intervenção,
com um olhar amplo sem prescindir da sua dialética habitual, pautada no
direito objetivo. Desta forma, além de pontuar a importância de olhar todo
o contexto da ação judicial, também são realizadas algumas reflexões quanto
aos momentos e seus acontecimentos.
É provável que, ao adentrar e analisar novos comportamentos com-
preenda-se que nada acontece sem que a comunidade, sociedade ou pessoa
não permita, não queira, ainda que de forma inconsciente. Através desta
reflexão, é possível fazer uma leitura das razões de novas mudanças no
contexto judiciário.

201
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

O presente estudo tem o objetivo principal de descrever, a partir da


revisão de literatura, a aplicabilidade das leis sistêmicas nos processos de
adoção.
Em conformidade, pretende-se também compreender a conexão
existente entre a Constelação Familiar e as demais áreas de estudo do com-
portamento humano que são trabalhadas no contexto das varas de família,
especificamente no contexto do processo de adoção.
O desenvolvimento desta investigação foi realizado por meio de uma
pesquisa exploratória, com foco principal na pesquisa bibliográfica em
literatura clássica, sites do Conselho Nacional de Justiça e seus respectivos
tribunais estaduais.
O caminho escolhido para percorrer o conhecimento na busca do
entendimento conceitual sobre Direito Sistêmico inicia-se na história e na
Filosofia, até relacioná-la com a ciência do Direito e sua importância para
o equilíbrio das relações nos processos de adoção.
Foram incluídos apenas artigos científicos sobre o tema - fontes clássicas
e atuais da literatura científica nacional e internacional. A busca foi realizada
em bancos de dados, utilizando as bases de dados LILACS (Literatura Latino-
-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde), Scielo (Scientific Electronic
Library Online) e Google Scholar (Google Acadêmico).
Após o levantamento das fundamentações teórico-científicas, os
arquivos foram organizados de acordo com os autores, o título, o ano de
publicação e o tipo do estudo. A partir dessa categorização, as referências
foram agrupadas conforme os temas que deram origem aos subtítulos do
corpo deste trabalho, a saber: “Constelação Familiar”; “Adoção”; “Direito
Sistêmico” e “Adoção”.

02. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Segundo Bert Hellinger, a Constelação Familiar é uma abordagem de


ajuda de base filosófica, com o intuito de revelar uma imagem gravada no
inconsciente familiar da pessoa que traz um tema ou uma questão, a partir
da reconstrução da árvore genealógica, podendo ser em grupo ou individual.
Ainda conforme Hellinger (1998, p. 245):

202
APLICABILIDADE DAS LEIS SISTÊMICAS NOS PROCESSOS DE ADOÇÃO

A constelação familiar desenvolve-se em três fases e criam duas


imagens diferentes do sistema familiar do cliente: uma imagem da di-
nâmica destrutiva e outra da solução. A primeira fase gera uma hipótese
de trabalho a respeito da dinâmica sistêmica em ação no seio da família
(...). Na segunda fase da constelação, inicia-se uma busca lenta em forma
de tentativa e erro, de uma imagem de equilíbrio sistêmico e solução com
amor... A terceira fase do trabalho é uma constelação que gera a imagem
da realidade possível (...).

Considera-se que, ao ampliar o contexto familiar é possível averiguar


se há alguém que esteja emaranhado nos destinos de membros anteriores da
família. Quando isso acontece, a constelação familiar traz a luz esse emara-
nhado e a pessoa consegue se libertar mais facilmente deles.
Bert Hellinger se apoia em duas ordens essenciais para o estudo do
sistema familiar - As ordens do Amor e as Ordens da Ajuda. O método de
trabalho das Constelações Familiares foi desenvolvido com as experiências
dos grupos e trabalhos individuais. Quando essas ordens não eram respei-
tadas, observava-se o surgimento do emaranhamento.
No decorrer da prática das constelações familiares percebeu-se que
a “ordem” possibilitava a restauração da família, culminando em um sen-
timento de alívio e de paz, de possibilidade de fazer algo em conjunto. O
presente estudo fará a abordagem conceitual destes pilares, articulando com
a aplicabilidade das leis sistêmicas nos processos de adoção.

03. HISTÓRIA DA ADOÇÃO NO BRASIL

A história da adoção tem um percurso extenso no Brasil. A princípio


esteve relacionada com caridade, em que os mais ricos prestavam assistência
aos mais pobres. Era comum haver no interior da casa das pessoas abastadas
filhos de terceiros, eram os chamados “filhos de criação”. A situação deste
no interior da família não era formalizada, servindo sua permanência como
oportunidade de se possuir mão-de-obra gratuita e ao mesmo tempo prestar
auxílio aos mais necessitados, conforme pregava a Igreja. Portanto, foi através

203
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

da possibilidade de possuir mão de obra barata e cumprir com a caridade


cristã que a prática da adoção foi constituída no país.
Logo, não havia um interesse genuíno de cuidado pela criança neces-
sitada ou abandonada. Este “filho” ocupava um lugar diferenciado, sendo
também singular a maneira como era tratado, sempre de forma distinta,
comumente inferior, aos filhos biológicos. Seria algo semelhante a dormir
junto com os demais membros da família e não no espaço reservado aos
empregados, contudo, não possuir um quarto ou uma cama própria.
Segundo Paiva (2004),

A primeira vez que o termo “adoção” apareceu na legislação bra-


sileira foi em 1828, e tinha como função solucionar o problema dos
casais sem filhos, designando outra influência cultural que permeia
o ato da adoção até os dias atuais: associar adoção como recurso para
casais sem filhos, como se esta forma de filiação se prestasse apenas
para solucionar o caso do casal infértil.

A cultura dos laços de sangue, termo utilizado por Weber (1999)


para designar a construção de um modelo familiar baseado nos laços de
consanguinidade, surge a partir do modelo de família patriarcal formado
por pai, mãe e filhos e assim o vínculo biológico passou a ser valorizado e
apontado como superior a qualquer outro. ARIÈS (2006) explica que foi no
século XVII que se desenvolveu por diversos países da Europa o costume
de valorização do sentimento da família nuclear, formada por pais e filhos,
sendo exaltada a comparação das semelhanças físicas, ou seja, biológicas,
entre os genitores e seus descendentes.
A justiça brasileira tem se mobilizado para humanizar as práticas
de resolução de conflitos, de modo que todos saiam ganhando. O campo
de trabalho utilizado nas práticas judicantes é o sistema familiar, sistema
no qual as questões conflituosas de violência doméstica, endividamento,
guardam de filhos, divórcios litigiosos, inventário, abandono, bem como
adoção são originárias.
Com o conceito colaborativo que a justiça tem utilizado, cada vez mais
surgem novas ferramentas de intervenção criativas capazes de sensibilizar

204
APLICABILIDADE DAS LEIS SISTÊMICAS NOS PROCESSOS DE ADOÇÃO

o processo de escuta das vítimas e dos ofensores, auxiliando na prevenção


e nos agravamentos dos conflitos.
O ponto determinante para o juiz que julgará o processo de adoção
é se o processo ofertará à criança oportunidades de desenvolvimento físico,
psicológico, educacional e social. Visando este fator, neste trabalho realizar-
-se-á uma pesquisa bibliográfica que propõe formas preventivas de evitar
que os futuros processos de adoção no Brasil tornem-se problemas sem uma
aparente solução.
Atualmente a advocacia tem sido cada vez mais colaborativa e tem
conquistado adeptos deste modelo de intervenção, consequentemente tem
ganhado espaço no mercado de trabalho. Nesse prisma, o objetivo é de que
o advogado seja um solucionador de conflitos e não um ajuizador de pro-
cessos, considerando que o número de processos cada vez mais extensos e
sem resolução, foi um dos motivos da busca de novas práticas de cooperação
na solução dos conflitos.

04. AS ORDENS DO AMOR

A teoria da Constelação Familiar foi desenvolvida na década de 1980


pelo alemão Bert Hellinger. Defende a existência de um inconsciente fami-
liar – além do inconsciente individual e do inconsciente coletivo – atuando
em cada membro de uma família.
A teoria fundamenta-se pelas “Ordens do amor”, como leis básicas
do relacionamento humano – a do pertencimento ou vínculo, a da ordem
de chegada ou hierarquia, e a do equilíbrio – e, que atuam em complemen-
tariedade, onde houver pessoas convivendo.
Para Hellinger, as ações realizadas em consonância com essas leis
favorecem a fluidez da vida de modo equilibrado e harmônico; quando
transgredidas, ocasionam perda da saúde, da vitalidade, do sentimento de
realização, dos bons relacionamentos, com decorrente fracasso nos objetivos
de vida.
Assim, é possível definir que a constelação familiar é uma terapia
breve que pode ser feita em grupo, durante workshops, ou em atendimentos
individuais, abordando um tema a cada encontro. Foi ao longo de mais de

205
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

trinta anos de trabalho e pesquisa no mundo das relações humanas que Bert
Hellinger percebeu uma série de leis ocultas que atuam sobre as pessoas,
grupos, famílias e nações. Tais leis foram ignoradas por toda história da
humanidade, ocasionando grandes conflitos numa escala individual e até
mesmo coletiva.
Como mencionado anteriormente, as “Ordens do amor” são consti-
tuídas por três princípios: Pertencimento, Hierarquia e Equilíbrio entre o
dar e receber, a saber:
O Pertencimento significa que todos têm igual direito de perten-
cimento, ou seja, pertencer é uma necessidade vital de toda pessoa, um
direito subjetivo do ser humano. Para Hellinger (2012, p. 121), no sistema
familiar reina, em sua essência, uma lei fundamental de que todos aqueles
que pertencem têm o mesmo direito de pertencer, inclusive os mortos, ou
seja, os mortos não ficam à margem do sistema. Estão presentes de uma
forma especial. Ao serem reinseridos na família, os demais vivenciam isso
como completude.

[...] Pertencer é antes de tudo um sentimento natural, uma neces-


sidade de qualquer ser humano. Cada pessoa que nasce ou é vinculada
a um sistema, necessita ser reconhecida como membro integrante e
respeitada no seu lugar e papel dentro desse mesmo sistema. No Sistema
Familiar os membros são únicos e todos têm o direito de pertencer.
Isso equivale dizer que ninguém pode ser excluído não importando
suas características, dificuldades ou virtudes pessoais. Todos são im-
portantes para o Sistema. Quando ocorre uma exclusão no sistema
familiar acontece um desequilíbrio. Essa situação passa a ser vivida por
um descendente, sem que necessariamente ele tenha conhecimento
ou afinidade com o antepassado excluído. (TESCAROLI, 2017)

Sophie Hellinger enumera todos os membros do sistema familiar


reconhecidos pela Nova Constelação Familiar, a saber:

Todos os filhos, inclusive os abortados, natimortos, dados ou


esquecidos, meios-irmãos e filhos gerados por doação de esperma;

206
APLICABILIDADE DAS LEIS SISTÊMICAS NOS PROCESSOS DE ADOÇÃO

os pais e seus irmãos, incluindo os abortados voluntariamente ou


espontaneamente, natimortos, dados ou esquecidos; os avós e, em
poucos casos, os seus irmãos ou meios-irmãos. Os parceiros anteriores
dos avós também são incluídos; às vezes, são incluídos também um
outro dos bisavós. (HELLINGER, S. 2019, p. 32)

Na Nova Constelação familiar são consideradas algumas pessoas sem


vínculo consanguíneo. “São todos os que cederam espaço na família para
alguém e todos cuja morte precoce ou perda trouxe algum benefício aos
membros da família”, conforme Hellinger, S. (2019, p. 32).
Infere-se que cada pessoa, desde o seu nascimento, ocupa um lugar
único dentro do seio familiar, sendo detentor não apenas de um patrimô-
nio genético, mas herdeiro de um sistema comportamental, com crenças e
valores que podem bloquear o seu crescimento individual. O método das
constelações familiares permite enxergar com um olhar mais profundo,
oportunizando a compreensão dos emaranhados familiares e descobrindo
possibilidades de uma vida mais plena.
O segundo princípio é o da Hierarquia, ou seja, os mais antigos vêm
primeiro e os mais novos depois. Ao considerar que o fruto do amor entre
o casal nasce a família, esse sistema possui uma hierarquia que se orienta
pela ordem cronológica do ingresso no sistema. Infere-se que quem chegou
primeiro na vida tem precedência sobre quem chegou depois. Hellinger
(2007, p. 37), afirma que “cada grupo tem uma hierarquia, determinada pelo
momento em que começou a pertencer ao sistema”.
Segundo Hellinger (2016, p. 32), com a chegada dos filhos, o primeiro
tem preferência hierárquica sobre o segundo e assim sucessivamente, isso
não significa que o primeiro filho possua poder sobre os irmãos, porém, de
acordo com a hierarquia, ele vem antes e, antes dele, os pais, naturalmente,
detentores dessa primazia. Quando a ordem original é invertida, ocorre o
fracasso, um filho não pode assumir o papel do pai, quando o faz, é de forma
inconsciente e, mesmo que seja de forma consciente, viola a ordem original.
E leva a conflitos no seio familiar.
Por fim, o princípio do Equilíbrio entre o dar e o receber afirma que
sem um equilíbrio no processo de troca, entre o dar e o receber, é impossível

207
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

chegar à harmonia. Acrescenta ainda que todo grupo funciona como um


organismo vivo e esse organismo necessita de regulação para sobreviver.
Para melhor compreensão, é importante destacar que o ser humano
recebe dos pais o dom mais precioso: a vida. A doação entre pais e filhos não
se equilibra, pois os pais dão muito mais que recebem. Ao se tornarem pais,
as crianças transmitem os dons recebidos e o amor se propaga de geração em
geração. Quando esse equilíbrio é interrompido, há uma ruptura da energia,
surgindo um tipo de emaranhado.
Segundo a teoria das Constelações Familiares, o desequilíbrio do
dar e receber destrói qualquer relação, pois essa forma de pensar impede
reconhecer o que o outro tem para oferecer. Assim, a partir de sua prática, a
teoria vem demostrando que as feridas mais profundas surgem quando uma
pessoa expõe suas necessidades e o outro faz de conta que elas não existem.
Portanto, segundo a Ordem do Amor de Bert Hellinger, na situação
de pais, os mesmos sempre darão mais para os filhos, como se essa situação
fosse uma exceção, que na verdade não é. Ora, pela ordem da hierarquia,
o amor transcende pais para filhos e, quando os filhos passam o amor que
recebem dos pais para as gerações seguintes. Eles estão também a retribuir
o presente recebido pelos pais, como afirma Hellinger, “Se aprendo o que é
amar, amarei”.

05. ORDENS DA AJUDA

Segundo Hellinger (2015, p. 113), para a ajuda ter sucesso a longo


prazo é necessário ter recebido ajuda, pois o ser humano tem a força e a
necessidade de ajudar os outros, mas isso pressupõe que o receptor também
necessite e deseje ser ajudado.
As ordens da Ajuda de Hellinger estão pautadas nos princípios de:

1. Dar apenas o que se tem e esperar e tomar apenas o que se necessita;


2. Considerar as circunstâncias e apenas interferir e apoiar à medida
que elas permitirem;

208
APLICABILIDADE DAS LEIS SISTÊMICAS NOS PROCESSOS DE ADOÇÃO

3. Ajudar de igual para igual é a terceira ordem da ajuda, ou seja, numa


situação de representar o papel de adulto, faz-se necessário que o ajudante
se coloque também como adulto que procura ajuda;
4. Olhar para o cliente de forma sistêmica e não isolada, ou seja, con-
siderando suas relações e todos aqueles que estão ao seu redor, em especial,
a figura dos seus pais e
5. Honrar e respeitar a história de cada pessoa – sem julgamentos
(Hellinger, 2009).

Assim, compreende-se que ajudar é uma arte que requer um apren-


dizado contínuo por parte do constelador, de forma intrínseca, exige uma
sensibilidade para compreender aquele que procura ajuda. É comum a solução
de uma constelação dentro de um processo de ajuda estar na sabedoria de
perceber o que é melhor e o que a “alma” está necessitando.
Portanto, aplicar as Ordens da Ajuda requer habilidades como a ob-
servação, percepção, compreensão, intuição e sintonia. Ou seja, consiste em
estar atento aos detalhes de forma aguçada e exata, estar dentro do campo,
sem envolvimento e ter compreensão do Sistema Familiar, sem julgamentos.

06. ADOÇÃO

A adoção é uma prática realizada desde os tempos antigos, auxiliava na


perpetuação dos conhecimentos, especialmente políticos, religiosos e sociais,
devido a preocupação com os filhos do gênero masculino, que detinham a
função de perpetuar o nome e cultura da família.
Nesse sentido, Albuquerque (1983) ressalta que, inicialmente, a adoção
possuía finalidades religiosas, políticas e econômicas. Contudo, atualmente
se caracteriza como uma prática eminentemente social e humanitária, cons-
tituindo a forma mais adequada para oferecer às crianças que necessitam
de amparo e proteção um lugar para que possam se desenvolver e ter seus
direitos garantidos.
A Constituição Federal de 1988, também chamada Carta Magna, asse-
gurou às famílias uma proteção especial do Estado, calcada na dignidade da
pessoa humana. A partir da promulgação da Carta Magna, os princípios de

209
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

proteção ao Direito das Famílias destacaram-se e o ser humano passou a ser


o centro do desenvolvimento do Estado, através do princípio da dignidade
da pessoa humana.
Desta forma, a constitucionalização do Direito das Famílias traz consigo
os princípios fundamentais das relações familiares: da autonomia de vontade,
liberdade na construção de famílias, o pluralismo familiar, a afetividade, a
demanda por responsabilidade paterna, dentre outros.
Há uma estreita relação com os direitos e garantias fundamentais da
criança e do adolescente. Além de serem detentores dos direitos fundamentais
gerais contidos na Carta Magna, são protegidos pelo Estatuto da Criança e
do Adolescente, com garantias fundamentais especiais. Para Miranda (2010),
garantir tais direitos significa atender aos interesses dos menores.
Portanto, o vínculo construído pela adoção tem o objetivo de imi-
tar a filiação natural, ou seja, aquela originada do sangue, geneticamente
comprovada, também conhecida como filiação civil. De acordo com Valiko
(2003), a adoção é uma modalidade artificial de filiação pela qual se aceita
como filho, de maneira voluntária e legal, um desconhecido na vida familiar.
Segundo Weber (2002), “o objetivo principal da adoção precisa ser o
de proteger a criança e não o que tem sido: a criança admitida como solução
para a necessidade dos pais de formarem uma família”.
Há que se priorizar, de maneira contundente, a preparação das
pessoas que desejam adotar uma criança, ou, como coloca Weber (2002):
“estar atento para os mitos, como o fato de os pretensos adotantes optarem
por crianças mais novas e com características físicas semelhantes às suas, o
que indica a procura por um ideal de filho para atender o desejo dos pais”.
Estes fatores influenciam a experiência de adoção, vindo a beneficiar
os adotantes em detrimento da necessidade da criança.
Bert expõe sua opinião sobre o cuidado dos pais adotivos na sua
relação com a criança e seus pais biológicos:

Os pais adotivos devem se ver como substitutos dos pais biológicos


devem respeitá-los. Somente ao respeitar os pais, podem respeitar a crian-
ça. Devem amar os pais da forma que são. Então podem amar também a

210
APLICABILIDADE DAS LEIS SISTÊMICAS NOS PROCESSOS DE ADOÇÃO

criança. Se eles se colocarem acima dos pais biológicos, a criança se vinga


dizendo “vocês não são melhores que meus pais”. (HELLINGER, 2015, p. 56)

Na percepção de Tabajaski e Chaves (1997), a adoção constitui uma das


possíveis alternativas que se oferece às crianças em situação de abandono para
que possam resgatar sua história e construir uma nova.
Desta forma, pode-se considerar Bowlby (1982), quando trata da relevân-
cia da formação de vínculos afirma que é uma capacidade tão típica do homem
quanto qualquer outra capacidade fisiológica vital, ou seja, inerente a ele com
valor de sobrevivência. Para isso, segundo Bowlby (1989), “o indivíduo manifesta
um tipo de comportamento chamado comportamento de apego, que constitui
a busca e a manutenção da proximidade de outro indivíduo, geralmente a mãe
ou o pai, se ele estiver envolvido nesse processo”.
Ressalta-se também que a questão da sobrevivência está relacionada à
necessidade de afeto da criança ou do bebê de se sentir inserido em um mundo
e de notar que há alguém que o percebe. Ao considerar a importância desse vín-
culo no processo de desenvolvimento, a criança, de alguma maneira permanece
vinculada aos pais biológicos.
Por ser um instrumento de resolução de conflitos ainda recente no
campo judiciário, ainda não se encontra dados e resultados estatísticos, no
entanto, através da investigação para esta pesquisa e no contato com pro-
fissionais foi possível identificar a articulação entre a teoria da Constelação
Familiar e o processo de adoção.
De acordo com a advogada Flávia Padilha, a idealizadora do projeto PH
Sistêmico, na vara de adoção da cidade de Maceió, Alagoas, os profissionais
da Constelação Familiar têm trabalhado de forma responsável e cuidadosa,
considerando o tempo curto que possuem. Assim, observações do trabalho
realizado apontam para a existência do vínculo nas crianças.
Para Hellinger (2015, p. 55), a lealdade da criança para com seus pais
biológicos é uma realidade e isso deve ser respeitado e levado em conta ao
se optar pela adoção:

[…] temos que saber que uma criança possui uma profunda leal-
dade para com sua família e deseja permanecer nela, quer permanecer

211
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

junto com maus pais, a criança quer ficar com eles. Se a tomamos dos
pais e acreditamos que estará melhor em outro lugar a criança se pune,
devemos ser extremamente cuidadosos e ir com a alma de criança.
“Devemos respeitar sua lealdade e seu amor, quando fazemos isso,
ela pode se desenvolver” […].

Entende-se que a ideia de adoção dentro do Direito Sistêmico tem


um conceito mais amplo, que Bertate (2016) define como um acontecimento
muito forte dentro de um sistema da família, pois envolve sentimentos de
dor e sofrimento.
Ao longo dos historiados processos de adoção é possível concluir que,
durante muito tempo e ainda hoje, mesmo que em escala menor, as características
físicas sempre foram um preponderante na adoção, principalmente porque, no
passado, a maior parte das adoções era realizada em segredo e, portanto, pro-
curavam-se filhos que tivessem características semelhantes para não levantar
suspeitas.

07. APLICABILIDADE DO DIREITO SISTÊMICO NA ADOÇÃO

Na Idade Moderna, surgiram três legislações relativas ao processo de


adoção, as quais: o Código Dinamarquês de 1683, o Código Prussiano de 1751
e o Codex Maximilianeus Bavaricus Civilis, de 1756. No entanto, somente com o
Código Civil Francês, também chamado Código Napoleão, no início do século
XIX, que a adoção ressurgiu com maior expressão. Assim, foi o Código de Na-
poleão que regulamentou a adoção, especificamente em seus artigos 343 a 360.
No Brasil, a adoção foi instituída com o Código Civil de 1916, porém,
era nítido o caráter contratual do instituto. A adoção só era possível acontecer
quando da dissolução do vínculo, sendo as partes maiores, pelo acordo de
vontade, como expõe os artigos 372 a 375 do código civil de 1916.
A história do Código Civil de 1916 revela que a adoção era disciplinada com
base nos princípios romanos, assim, era uma instituição destinada a proporcionar
a continuidade da família, dando aos casais em situação de esterilidade, os filhos
que a natureza havia lhes negado.

212
APLICABILIDADE DAS LEIS SISTÊMICAS NOS PROCESSOS DE ADOÇÃO

Foi a partir da Constituição Federal de 1988 que a adoção foi reconhe-


cida como um ato complexo e a exigir que as sentenças judiciais estivessem de
acordo com o artigo 47 do Estatuto da Criança e do Adolescente51 bem como,
o artigo 1.619 do Código Civil de 200252, com a redação dada pela lei nº 12.010,
de 3 de agosto de 2009.
Desta forma, ressalta-se que a Lei Nacional de Adoção, instaurada pela
Lei nº 12.010, de 3 de agosto de 2009, prima pelo respeito à criança e ao adolescen-
te. Dispõe tal legislação sobre a proteção integral aos adotados, considerando-os
como pessoas em desenvolvimento.
O artigo 227, § 5°, da Carta Magna determina que “A adoção será
assistida pelo poder público, na forma da lei, que estabelecerá casos e con-
dições de sua efetivação por parte de estrangeiros”. (BRASIL, 1988). Desta
forma, caracterizando a adoção como matéria de ordem pública.
O processo de adoção que outrora possuía caráter contratualista,
torna-se constitucionalizado e passa a ter que seguir as regras determinadas
e fiscalizadas pelo poder publico, o qual dará assistência aos atos da adoção.
Ainda o mesmo artigo 227, § 6º, afirma que “Os filhos, havidos ou
não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e
qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à
filiação”. (BRASIL, 1988)
O processo de adoção, como em todo o processo histórico, ainda tem
origem na necessidade de dar continuidade á família, em grande maioria
por pessoas sem filhos biológicos.
Com a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em
1990, novas medidas surgiram, inclusive a possibilidade de adoção unilateral, ou
seja, por ambos os cônjuges ou os adotantes mantenham união estável, desde que
um deles tivesse 21 anos de idade, respeitando a diferença de idade de 16 anos entre
o adotante e o adotando, como prevê os artigo 42, §§ 2º e 3º, do referido estatuto.
Diante do conceito colaborativo que a justiça tem abraçado, a essência
dos processos judiciais tem sido cada vez mais evidenciada, visto que não

51. Art. 47. O vínculo da adoção constitui-se por sentença judicial, que será inscrita no registro civil
mediante mandado do qual não se fornecerá certidão. (BRASIL, 1990)
52. Art. 1.619. A adoção de maiores de 18 (dezoito) anos dependerá da assistência efetiva do poder
público e de sentença constitutiva, aplicando-se, no que couber, as regras gerais da Lei nº 8.069, de 13
de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente.

213
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

bastam as leis positivadas do ordenamento jurídico para que os processos


cheguem ao seu final, é necessário ampliar cada vez mais a busca pelo co-
nhecimento do que leva o ser humano aos conflitos e consequentemente a
solução do mesmo.
As leis sistêmicas, portanto, não são uma substituição das leis positivadas,
mas um instrumento colaborativo à resolução dos conflitos que, assim como a
mediação, conciliação, justiça restaurativa, dentre outros métodos que contribuem
na celeridade dos processos como objetiva o poder judiciário, e almeja o Conselho
Nacional de Justiça (CNJ).
Considera-se, assim, que a busca de novas práticas de cooperação na
solução dos conflitos foi inevitável e neste contexto surge o Direito Sistêmico,
com um olhar terapêutico sem prescindir da sua dialética habitual, pautada
no direito objetivo.
Ressalta-se que esse campo do direito vem atraindo novas adesões
no Brasil e no mundo trazendo mais harmonia nos processos visto que a
tradicional forma de resolver os conflitos já não é vista como eficiente com
acordos que interessam aos envolvidos. As figuras 1 e 2 mostram o mapa
atual do crescimento das Comissões de Direito Sistêmico organizadas pela
OAB – Ordem dos Advogados do Brasil bem como o mapa das adesões do
Judiciário brasileiro ao trabalho sistêmico.
A base do Direito Sistêmico é a teoria das Constelações Familiares
que, como já vimos no decorrer desta pesquisa, foi criada pelo alemão Bert
Hellinger e vem sendo utilizada no poder judiciário em diferentes países,
inclusive o Brasil, como podemos observar nos mapas a seguir.

214
APLICABILIDADE DAS LEIS SISTÊMICAS NOS PROCESSOS DE ADOÇÃO

Figura 1 – Mapa das Comissões da Advocacia Sistêmica no Brasil


Fonte: Ana Tarna

Figura 2 – Mapa dos Trabalhos de Direito Sistêmico no Brasil53


Fonte: Programa Olhares e Fazeres Sistêmicos no Judiciário – CE (2018).

53. Este movimento de adesão é crescente.

215
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

Como é possível observar, o Estado da Bahia é o pioneiro no uso do


Direito Sistêmico, através do Dr. Juiz Sami Storch. Além deste, mais quinze
estados realizam a aplicação dos princípios do Direito Sistêmico no Brasil.
As Constelações familiares comprovam que há ordens ocultas que
influenciam as relações humanas e o conhecimento destas ordens permite
compreender a dinâmica dos conflitos de forma mais ampla, proporcionan-
do ao julgador um posicionamento mais adequado à resolução do conflito.
Para Storch (2014), os conflitos entre grupos, pessoas ou internamente
em cada indivíduo são provocados em geral por causas mais profundas do
que um mero desentendimento pontual, e os autos de um processo judicial
dificilmente refletem essa realidade complexa.
Dessa forma, a visão sistêmica do direito tem por finalidade a solução
conflituosa de forma efetiva, trazendo paz às pessoas e para isto várias forças
atuam num sistema em funcionamento, externa e internamente.
Em relação à aplicabilidade do pensamento sistêmico das Constelações
Familiares na esfera jurídica, buscou-se estudar os conceitos do magistrado
Dr. Sami Storch, considerado o fundador do Direito Sistêmico no Brasil,
sob a égide do artigo 3º do Novo Código de Processo Civil e da Resolução
nº 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça.
O referido Código permitiu a utilização de métodos que utilizem a
busca consensual em sua forma eficaz e justa.
Embora o método da Constelação Familiar ainda não seja utilizado
com a mesma força legislativa que a mediação e a conciliação, tem apresen-
tado resultados eficazes de forma a aprimorar e enfatizar o que menciona o
novo código de processo civil:

Art. 3º Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou


lesão a direito.
§ 1o É permitida a arbitragem, na forma da lei.
§ 2º O Estado promoverá, sempre que possível, a solução con-
sensual dos conflitos.
§ 3o A conciliação, a mediação e outros métodos de solução con-
sensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados,

216
APLICABILIDADE DAS LEIS SISTÊMICAS NOS PROCESSOS DE ADOÇÃO

defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no


curso do processo judicial. (BRASIL, 2015)

Pode-se apontar, ao longo deste trabalho e da pesquisa realizada que o


processo de adoção envolve ainda muitos questionamentos, principalmente
em relação aos procedimentos iniciais, como a entrevista, escolhas de ca-
racterísticas físicas, histórico da criança. No entanto, uma questão pouco
discutida é a relação com os pais biológicos. No processo de adoção, parte-se
do princípio de que nenhuma relação pré-existente seja mantida. Contudo,
a teoria da Constelação Familiar afirma, de acordo com Bertate (2016), que
o sucesso da adoção tem origem na forma que a criança separou-se dos pais
biológicos.
A visão sistêmica revela um olhar amplo, capaz de orientar os pais
adotivos sobre a importância dos pais biológicos para a pessoa adotada.
Não significa que os pais adotivos ou os filhos adotados devam, ne-
cessariamente, buscar os pais biológicos. Significa compreender que há um
sistema por detrás destes pais biológicos e que há uma razão para a entrega
desta criança. Este entendimento, enquanto um olhar amplo da situação
orienta aos pais adotivos a conduzir o processo de desenvolvimento da pessoa
adotada, através de um sentimento de gratidão. E por isso quando abrimos
espaço para uma adoção com este novo olhar, surge um êxito diferenciado
daqueles que excluem por completo bem como, denigrem a imagem dos
pais biológicos.
Segundo consta na Cartilha da Adoção (2004, p. 3),

Adotar é incluir numa nova família uma criança ou um adolescente.


Os motivos que levam à necessidade de adoção são o abandono, os
maus tratos, o ambiente em que vivem as crianças e os adolescentes
contrários à moral e aos bons costumes, ou por serem filho(a)s de
pais que descumprem deveres, sem justificativas.

Infere-se daí que num processo de adoção há dois sistemas familiares


distintos com crenças e valores peculiares.

217
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

Para Oliveira e Prochno (2010, p. 66), a existência do vínculo afetivo


é muito importante para a construção de uma identidade saudável por meio
da relação consigo e com o outro, conforme abaixo:

Para que ocorra essa inclusão, considera-se fundamental a ins-


tauração do vínculo afetivo. O desenvolvimento humano na fase da
infância, especificamente, implica um fator necessariamente prepon-
derante na construção da identidade da criança e de sua relação com
o outro. Esse fator é aqui denominado vínculo afetivo, e refere-se à
capacidade do indivíduo de se vincular a outrem por meio de uma
necessidade que vem acompanhada de um sentimento de estar junto
com o outro, realizando movimentos de troca entre as partes.

É possível, então, lançar o seguinte questionamento: Será que pais


biológicos que doam seus filhos amam menos que os pais que criam seus
filhos? Para onde os pais de uma criança adotada devem olhar? A quem
pertence a criança que foi adotada? Ela deve saber que foi adotada? O que
faz uma adoção ser bem-sucedida ou malsucedida?
Estas perguntas não são comumente abordadas no processo de adoção,
porém, é sobre elas que a visão sistêmica vem acrescentando e encontrando
paz e equilíbrio nesses sistemas familiares.
O Direito Sistêmico compreende que, dentro de um processo de adoção,
existem dois sistemas: uma criança que existe porque seus pais biológicos lhe
deram a vida e outros pais, adotivos, para dar continuidade a ela.
O tema enquadra-se no ramo da psicologia e da sociologia, sua impor-
tância para o direito está relacionada ao ramo da ciência na qual se inclui o
direito. O direito constitui um ramo das ciências sociais, que estuda normas
obrigatórias para manutenção da ordem social. Neste caso, quando ocorre um
processo de adoção, e esta não é bem-sucedida, esta criança ou adolescente,
futuro adulto, arcará com prejuízos que conflitarão com a ordem social.
Portanto, a Constituição da República Federativa do Brasil prevê em
seus artigos direitos e garantias à família, bem como prevê a identidade como
direito fundamental do ser humano. Negar qualquer direito à criança no
que tange à sua família e sua identidade é não proteger de um futuro incerto

218
APLICABILIDADE DAS LEIS SISTÊMICAS NOS PROCESSOS DE ADOÇÃO

quanto a suas dores e possíveis desequilíbrios emocionais relacionados a


ausência de sua origem.
Quando os operadores do direito têm ferramentas a orientar os pais
adotivos quanto a possibilidade de problemas futuros, a justiça não se exime
do seu papel social ainda, contribui para que o processo da adoção obtenha
êxito.
Segundo Hellinger (2015), o sucesso tem a cara da mãe, e o pai é o
mundo. Considera-se, através desta afirmação, que o futuro de uma criança
adotiva é incerto. A constelação familiar aponta que a criança, a nível in-
consciente, sabe se faz ou não parte daquele sistema familiar.
Assim, Bertate (2016, p. 58) apresenta quatro situações fundamentais
no processo de uma adoção, quais sejam:

1. Foco no olhar dos pais biológicos. Para onde olham esses pais;
2. O olhar para os pais adotivos;
3. O olhar para a criança adotada; e
4. Não menos importante, o olhar para a pessoa que intermediou a adoção.
Uma pessoa, associação; se foi por vias lícitas ou ilícitas.

A forma que se trabalha estes fatores tem papel fundamental no proces-


so da adoção. A visão sistêmica da adoção compreende que a adoção sempre
será um acontecimento representativo no sistema familiar, uma vez que
envolve exclusão, pertencimento, hierarquia e ordem, além de sentimentos.
É possível perceber que, muitas vezes, a solução para um possível
problema no processo de adoção ou após a conclusão do mesmo, indepen-
dentemente do tempo passado, é a inclusão dos pais biológicos na constela-
ção familiar. Esta inclusão, sem conceitos de certo ou errado, compreende
o entendimento de que há uma história por trás de nossos problemas e,
identificar atitudes pode ser o caminho para a solução de problemas.
Ao analisar a constelação familiar em processos de adoção, percebe-se
que, de modo geral, os pais biológicos são excluídos ou associados a pessoas
más. Entretanto, na observação dos processos na Vara de Adoção da cidade
de Maceió, foi identificado que muitos pais entregam seus filhos para a ado-

219
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

ção por sobrevivência e proteção, ou seja, de forma inconsciente, é o meio


encontrado para evitar que o filho tenha o mesmo destino.
A compreensão do contexto e, principalmente, a ideia do não con-
denar e não julgar aproxima o operador do direito da verdade, pois os fatos
também englobam a subjetividade do que é ser humano.
Distante de causar insegurança jurídica é preciso encarar que a lei será
sempre o caminho e a solução, entretanto, um novo olhar traz aos adotados
uma sensação de inclusão e de acolhimento, evitando mudanças de com-
portamento e conflitos com os pais adotivos e a sociedade.
Em relação aos pais adotivos, compreende-se que muitos fatores
envolvem a decisão de adentrar num processo de adoção. De acordo com
Bertate (2016, p. 32), filhos que receberam muito de seus pais, podem optar
pela adoção.
Pode-se afirmar que esta é uma das formas mais conscientes de fazer
tal escolha, pois o objetivo da adoção engloba a criança e não as necessidades
pessoais dos adotantes. São pessoas que, na maioria das vezes, já têm filhos,
mas sentem necessidade de compartilhar o que recebeu a nível emocional. O
modelo de pais foi algo generoso, grandioso e, portanto, resolvem transmitir
o que receberam, sendo pais e, por vezes, ter filhos biológicos não é suficiente.
No decorrer da abordagem jurídica sistêmica, algumas perguntas
são consideradas importantes para o êxito do processo de adoção, as quais:

▶ Para onde olham os pais adotivos?


▶ Para onde olha o amor?
▶ O amor está na criança ou na relação do casal?

Segundo Bertate (2016, p. 37), “a ajuda só é possível quando o terapeuta


pode olhar para tudo isso em busca do amor”. Acrescenta que “quando eu
confio plenamente que o amor existe, mesmo que eu não consiga vê-lo em
um primeiro momento, na maioria das vezes, o sistema me presenteia com
caminhos, soluções ou passos para ajudar nessa relação conflituosa difícil”.
Os pais adotivos, por vezes têm receio de revelar sobre a adoção ao
filho, encurralados por um sentimento de posse associado ao medo de que
os filhos busquem os pais biológicos. A constelação familiar ressalta o sen-

220
APLICABILIDADE DAS LEIS SISTÊMICAS NOS PROCESSOS DE ADOÇÃO

timento de gratidão que é preciso existir entre os pais biológicos e adotivos,


em uma relação de reciprocidade frente ao melhor para a criança.
A visão sistêmica destaca, ainda, a importância de observar o órgão
mediador do processo de adoção, geralmente representado por um abrigo,
visto ser necessário observar que é o local onde a criança desenvolve-se e,
muitas vezes, é determinante no seu crescimento psíquico, emocional e social.
Afirma Bertate (2016, 41) que “a conexão entre a criança e o ambiente
mediador tem influência no processo de aquisição de confiança no mundo,
podendo, caso contrário representar um dano na vida da criança”. É a ideia
de mundo da criança em preparação para a vida em sociedade.
Muitos dos problemas das pessoas adotadas encontram solução na
observação destes locais. Por exemplo, quando a criança é tirada à força dos
pais, tendem a manifestar comportamentos agressivos.
A constelação oferece as “ferramentas” para identificar situações ocul-
tas. Por vezes, este local de transição não é um propriamente um local, mas
um intermediário, podendo ser um profissional da saúde, uma instituição
religiosa ou ate mesmo de um comerciante, qualquer intermediário que fez
parte dessa adoção.
Quando a adoção acontece dentro do seu sistema familiar, tem grande
probabilidade de ser bem-sucedida. O que poderia enfraquecer seria como
esse familiar olha para os pais biológicos.
Para Bertate (2016, p. 33), o que enfraquece o processo de adoção é
colocar as necessidades dos pais adotivos acima das necessidades da criança.
Isto acontece, por exemplo, quando o casal não pode ter filhos e acha que
a criança salvará o casamento. Nesse contexto, o fluxo acontece de forma
inversa, porque a criança chega ao sistema familiar não para ser cuidada,
mas, para cuidar. É um peso que a criança não tem condições de carregar.
A criança sente o sistema familiar, identifica quem são seus pais e, até sente
se sua chegada é por ela ou pelas necessidades dos pais adotivos.
O mesmo acontece quando se adota para substituir um filho que
morreu, pois essa criança adotada pode vir a ter o sentimento de exclusão,
que na verdade seria o sentimento do filho morto. Como mencionamos no
decorrer desta investigação, para a constelação familiar, os mortos também

221
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

tem lugar no sistema familiar, não há substituição. A substituição ou exclusão


causa desequilíbrio no sistema da família.
Portanto, constata-se que esse movimento sistêmico ocorre seguindo
uma linearidade, é uma conexão de factos que absorve sistemas familiares
distintos e, como instrumento de trabalho, prevê a aplicação da lei e o bem
estar da criança e dos sistemas familiares dos pais com a perda do filho bioló-
gico. Toda essa movimentação é pela criança absorvidas dentro dos sistemas.

08. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considera-se, assim, que a Constelação Familiar pode contribuir na


resolução de problemas de origem sistêmica, incluindo os problemas pre-
sentes num processo de adoção, desde que haja a disponibilidade do cliente
em realizar mudanças em sua vida prática, a partir das novas informações
a que teve acesso na Constelação.
Nesse contexto, pode-se destacar a Constelação Sistêmica Familiar
com modalidade fenomenológica, que visa proporcionar uma experiência
de mediação e conciliação entre uma pessoa, seus familiares e diferentes
pessoas com as quais se relacione, primando sempre pelo olhar humanizado.
Esta pesquisa tem o intuito de articular o entendimento do Direito
Sistêmico e a sua aplicabilidade nos processos judicantes, especificamente
no contexto da adoção, com base teórica em obras do alemão Bert Hellinger,
fundador desta teoria e pesquisas realizadas com terapeutas, magistrados,
advogados e instituições de adoção que trabalham com esse instrumento.
Foi possível identificar no estudo da Constelação Familiar, que é um
método terapêutico de curta duração, mas de grande eficácia na mediação
e solução de conflitos. No âmbito judiciário é utilizado antes da Conciliação
ou Mediação do Conflito.
A proposta é que palestras sejam ministradas antes do início do pro-
cesso de adoção, destinadas aos interessados em adotar, às crianças e ado-
lescentes e às demais pessoas participantes do processo.
Assim, buscou-se compreender a linha do saber filosófico do direito
e a inserção deste novo campo na área jurídica: o Direito Sistêmico. Com-
preende-se, portanto, que a visão sistêmica permite um novo olhar aos

222
APLICABILIDADE DAS LEIS SISTÊMICAS NOS PROCESSOS DE ADOÇÃO

interessados no processo da adoção capaz de auxiliar na compreensão da


adoção enquanto um processo de oportunidades de desenvolvimento físico,
psicológico, educacional e social para a criança.
Ainda, a visão sistêmica propõe esclarecer que, embora os pais adotivos
sejam de extrema importância, os pais biológicos também precisam ocupar
um espaço no processo da adoção, espaço este sem julgamento e, que não
necessariamente é um espaço físico.
O sistema judiciário está cada vez mais abarcado de demandas não
solucionadas e grande parte delas está com processos que se estendem, não só
porque as Varas não conseguem dar conta, seja por número de magistrados
ou por número de servidores, mas, sobretudo pelas inúmeras contestações
advindas das partes. Neste contexto, o novo Código de Processo Civil abriu
caminhos para a utilização de novos métodos, considerando a dinâmica
mutável da realidade social.
Em concordância com o Direito sistêmico, compreende-se que uma
demanda processual não se resume às leis do ordenamento jurídico que
soluciona a ação judicial, mas engloba também a compreensão de tudo que
compõe o processo.
A Constelação Familiar está embasada na força inconsciente denomi-
nada “Ordens do Amor”, compreendendo que Todo ser nasce em um sistema
familiar e a ele pertence, estando entrelaçado em um campo energético que
forma uma consciência coletiva que, alinhada à harmonia e ao amor, forma
a consciência espiritual.
O processo de adoção trabalha diferentes princípios, como o da exclusão
e, também, o do pertencimento. Neste contexto, destaca-se o potencial do
uso da terapia da Constelação familiar no âmbito do direito, pois trabalha
questões pessoais e apresenta elevado grau de eficácia na resolução dos con-
flitos, como bem representado no crescimento do uso do Direito Sistêmico
nos estados brasileiros.
Conclui-se, portanto, que este campo do Direito surge como meio
de proporcionar a solução de problemas para os envolvidos em situações
jurídicas, articulando metodologias recentes e tradicionais, considerando
os resultados satisfatórios e em busca de promover a melhor aplicabilidade
da lei no interior do sistema familiar.

223
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

09. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


ALBUQUERQUE, Maria. Terezinha de. Adoção e menor abandonado: conhecimentos,
opiniões e atitudes. 1983. Dissertação de Mestrado, Escola Paulista de Medicina, São Paulo.
ARIÈS, Philippe. História Social da Criança e da Família.2 ed. Rio de Janeiro. LCT, 1981.
BERTATE, Renato. Adoção: como alcançar o sucesso. São Paulo: Conexão Sistêmica, 2016.
BOWLBY, John. Apego e perda: tristeza e depressão. São Paulo: Martins Fontes, 1989.
____. Formação e rompimento dos laços afetivos. São Paulo: Martins, 1982.
BRASIL. Constituição Federal, de 5 de outubro de 1988. Disponível em https://www.senado.
leg.br/atividade/const/con1988/art_227_.asp. Acesso em 10.02.2019.
BRASIL. Lei 10.406, de 10 de jan. de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: < http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm >. Acesso em 15 de fev. 2018.
BRASIL. Lei 13.105 de 16 de mar. de 2015. Das normas fundamentais e da aplicação das normas
processuais. Disponível em < https://presrepublica.jusbrasil.com.br/legislacao/174788361/
lei-13105-15>. Acesso em 15 de fev. 2019.
BRASIL. Lei 86.069, de 13 de jul. de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adoles-
cente e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/
L8069.htm>. Acesso em 23 de jan. 2019.
BRASIL. Código de Processo Civil. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm. Acesso
em 20.02.19.
Cartilha de Adoção. (2004). 2ª Vara da Infância e da Juventude do Recife e Comissão Estadual
Judiciária de Adoção – CEJA/PE.
HEELINGER, Bert; HOVEL, Gabrielle. Um Lugar para os Excluídos. Tradução de Newton
A. Queiroz. 4. ed. Divinópolis: Atman, 2016.
HELLINGER, Bert. No Centro Sentimos Leveza. Trad. Newton A. Queiroz. São Paulo:
Cultrix, 2006.
HELLINGER, B.; WEBER G. e BEAUMONT, H. A simetria oculta do amor: por que o amor
faz os relacionamentos darem certo. São Paulo: Cultrix, 1988.
HELLINGER, Bert. O Amor do Espírito na Hellinger Sciencia. Tradução de Tsuyuko Jin-
no-Spelter, Lorena Richter e Filipa Richter. 3. ed. Belo Horizonte: Atman, 2012.
HELLINGER, Bert. O amor do espírito. São Paulo: Atman, 2009
HELLINGER, Bert. Olhando para alma das crianças. Belo Horizonte: Atman, 2015.
HELLINGER, Bert. Ordens do Amor: um guia para o trabalho com Constelações Fami-
liares. Trad. Newton A. Queiroz. São Paulo: Cultrix, 2007.
HELLINGER, Sophie. A Própria Felicidade: Fundamentos para a Constelação Familiar.Trad:
Beatriz Rose. 2 ed. Brasília: Trampolim, 2019.
OLIVEIRA, Shimênia Vieira de; PROCHNO, Caio César Souza Camargo. A vinculação
afetiva para crianças institucionalizadas à espera de adoção. Psicol. cienc. prof., Brasília, v.
30, n. 1, p. 62-84, 2010. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pi-
d=S1414-98932010000100006&lng=en&nrm=iso. Acesso em 10 de fev. 2018.
PAIVA, L. D. Adoção: significado e possibilidades. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004.
PEDROSO, Sílvia Coutinho. A possibilidade jurídica da adoção por pares homoafetivos.

224
APLICABILIDADE DAS LEIS SISTÊMICAS NOS PROCESSOS DE ADOÇÃO

In: Âmbito Jurídico, XIII, n. 73, 2010. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/


site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=7192. Acesso em 23 de abr. 2018.
STORCH, Sami. O Direito Sistêmico. In: Blog Direito Sistêmico. Disponível em
https://direitosistemico.wordpress.com/. Acesso em: 29 de jan. 2018.
TABAJASKI, B.; CHAVES, V. P. Uma experiência profilática: a preparação de crianças para
adoção. In: Congresso Internacional de Saúde Mental, 1. Canela, 1997.
TESCAROLI. Lilian; GONÇALVES. Fernando AB. Leis Sistêmicas - O Pertencimento. Dis-
ponível em: http://fgmaster.com.br/leis-sistemicas-2-o-pertencimento/. Acesso em 20.01.19.
Publicado em 08 de abr. 2017.
VALIKO, F.A.B. Adoção à luz do Estatuto da Criança e do Adolescente e do novo Código
Civil. Buscalegis: Santa Catarina, 2003.
WEBER, Lidia Natalia Dobrianskyj. Laços de ternuras: pesquisas e histórias de adoção.
Curitiba: Santa Mônica, 1999.
WEBER, Lidia Natalia Dobrianskyj. Pais e filhos por adoção no Brasil: características,
expectativas e sofrimentos. Curitiba: Juruá Editora, 2002.

225
PERCEPÇÕES SISTÊMICAS: O
DESPERTAR DE UMA NOVA
CONSCIÊNCIA JURÍDICA

Fernando Cattelan Cordeiro


Janaína Ramos Mendes de Souza Vieira
Valéria Perez
Vanessa Aufiero da Rocha

01. INTRODUÇÃO

Presentes nos relacionamentos familiares de forma perene e constante,


os conflitos muitas vezes atingem o bem-estar físico, a autoestima, a estabi-
lidade emocional, a capacidade de percepção clara e a integridade espiritual
das pessoas envolvidas (LEDERACH, 2012, p. 38), acarretando-lhes fortes
sentimentos, como raiva, tensão, mágoa, ódio, frustração, etc.
Por não conseguirem enxergar nos conflitos uma oportunidade para
o crescimento e o amadurecimento, nem lidar com eles de forma dialógica,
muitas pessoas procuram o Poder Judiciário, levando para o processo todos
aqueles fortes sentimentos e transformando-o em um verdadeiro campo de
batalha.
Essas pessoas, que têm em seu imaginário a figura do juiz, do pai
justo que decide, esperam uma decisão justa a qual, na percepção delas,
implica não só em lhes dar razão, mas também em tirar a razão da outra
parte, até porque muitas delas tendem a interpretar a realidade das relações
de forma infantilizada, sob a ótica da culpa, vendo-se como inocentes e aos
outros como culpados (GROENINGA, 2011, p. 67). A ação judicial repre-
senta um mero fragmento do conflito, cujo aspecto subjetivo transcende a
moldura objetiva dos processos judiciais (GROENINGA, 2011, p. 69). O

226
PERCEPÇÕES SISTÊMICAS: O DESPERTAR DE UMA NOVA CONSCIÊNCIA JURÍDICA

processo, por sua vez, dificilmente estimula as partes a compreenderem


as consequências de seus atos, a refletirem sobre suas ações e omissões ou
a desenvolverem empatia em relação à sua adversa.
Sendo assim, a tão aguardada decisão adjudicada, que não acompa-
nha o dinamismo e a evolução do conflito humano, não implica necessa-
riamente na pacificação das relações familiares e cria, quase sempre, um
vencedor e um perdedor, aprofundando as chagas e alimentando ainda
mais a beligerância entre as pessoas envolvidas.
Essa litigiosidade intensa é nociva para o ser humano, que precisa
de paz para se sentir verdadeiramente humano, especialmente no âmbi-
to familiar54, e causa frustração para os usuários do Poder Judiciário e,
também, para os próprios juízes e demais protagonistas do processo, que
acabam se sentindo impotentes na busca incessante pela harmonização
e estabilização das relações humanas.
É importante, pois, que a Justiça de Família reflita sobre a necessi-
dade de se lançar um novo olhar ao seu papel, não apenas de julgadora e
aplicadora das leis, mas de sensível protagonista da cultura de paz, esti-
mulando a transformação social e o desenvolvimento de novas formas de
convivência, pautadas não mais no medo, na desconfiança, na competição,
no oportunismo, na atribuição de culpa e no uso abusivo de poder, mas
na responsabilidade partilhada e no diálogo.
E transformar a cultura do litígio, a cultura do medo, em uma cultura
de paz, que celebre a interdependência, a solidariedade, o respeito e a acei-
tação entre as pessoas, pode e deve ser compreendida como a verdadeira
função da Justiça, porque implica em sustentar uma sociedade mais coesa,
harmônica, justa, solidária e fraterna, com a promoção da dignidade e do
respeito mútuo.
Nessa perspectiva, a Justiça deve romper padrões e criar novas formas
de agir e de cumprir o seu primordial objetivo, que é promover a paz. Não a
paz vista como um estado de tranquilidade e ausência de conflitos, puramente.

54. Augusto Cury discorre sobre os efeitos dos conflitos familiares ao bem-estar pessoal: “Se
você passar por uma guerra no trabalho, mas tiver paz quando chegar em casa, será um ser
humano feliz. Mas, se você tiver alegria fora de casa e viver uma guerra na sua família, a infelicidade
será sua amiga.” (CURY, 2013, pg. 26).

227
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

Mas a paz vista como um processo positivo, dinâmico e participativo que


favorece o diálogo e a regulação dos conflitos num espírito de compreensão
e de cooperação mútuas.
Até porque, como nos ensina Bert Hellinger (2007), a paz não evita
os conflitos. No conflito é que os participantes mostram o que é importante
para eles e em que ponto se sentem ameaçados. No conflito é que tentam
se afirmar, até que tenham que admitir onde e até que ponto os outros lhes
impõem limites. Só então é que o equilíbrio e a troca se tornam possíveis
entre eles. Isso permite que todos cresçam e se enriqueçam à luz do que é
diferente no outro. Nesse sentido, o conflito é uma condição prévia e uma
preparação para a paz.
Como protagonista da cultura de paz, a Justiça pode e deve interferir
na dinâmica relacional existente entre os personagens do cenário jurídico,
promovendo “ações que propiciem uma atividade reflexiva capaz de conscien-
tizar as partes e estimulá-las a adquirir novos instrumentos de comunicação,
mais pacificadores e compatíveis com as necessidades do grupo” (MUSKAT,
2008, p. 39), e colaborando para a transformação de um círculo vicioso, que
gera a escalada do conflito, em um círculo virtuoso, propício a uma con-
versação dialógica, catalisadora de transformação qualitativa das relações.
Transformar qualitativamente vidas, contribuindo de fato com a
mudança e o amadurecimento da sociedade, deve ser um valor ético para
a Justiça.
Essa perspectiva transformadora da Justiça impõe a capacidade de
visualizar o conflito positivamente, como um catalisador do desenvolvi-
mento humano, propulsor de mudanças pessoais e sociais, ou, nas palavras
de Lederach, como “o motor da mudança, como aquilo que mantém os
relacionamentos e as estruturas sociais honestas, vivas e dinamicamente
sensíveis às necessidades, aspirações e ao crescimento do ser humano” (LE-
DERACH, 2012, p. 31).
Quando a Justiça adota essa abordagem transformativa e foca não
na resolução dos impasses específicos e pontuais, mas na transformação
dos conflitos, sobretudo no contexto das relações familiares continuadas,
ela colabora para o amadurecimento de novas decisões, amplia o poder de
ação e aumenta a capacidade de crescimento e amadurecimento das pessoas.

228
PERCEPÇÕES SISTÊMICAS: O DESPERTAR DE UMA NOVA CONSCIÊNCIA JURÍDICA

Por outro lado, como adverte Lederach, “Optando-se pela transforma-


ção, opta-se pelo aprofundamento da análise da questão, rumo ao epicentro
do problema, trabalhando questões pessoais, estruturais e os padrões que
geraram esse conflito.” (LEDERACH, 2012, p.31).
Nesse contexto, para colocar em prática essa nova visão de transfor-
mação de conflitos, a Justiça deve desenvolver “habilidade de olhar e ver
além dos problemas imediatos”; desenvolver “empatia para compreender
a situação do outro sem ser tragado pelo redemoinho de suas ansiedades e
temores”; desenvolver “capacidade de criar vias de reação que levem a sério os
problemas prementes, mas não sejam movidas pela necessidade de soluções
rápidas”. (LEDERACH, 2012, p. 63).
Assim, é importante que a Justiça olhe e enxergue o conflito55, com-
preendendo os padrões e estruturas relacionais subjacentes, considerando
que os relacionamentos apresentam dimensões visíveis, mas também aspectos
menos visíveis, como explica Lederach:

Para estimular o potencial positivo inerente ao conflito devemos nos


concentrar nas facetas menos visíveis dos relacionamentos ao invés de
focar exclusivamente o conteúdo ou substância do desentendimento,
que em geral é bem mais visível. As questões que geram desavenças
entre as pessoas são importantes e exigem soluções criativas. Mas os
relacionamentos representam uma teia de conexões que configura
o contexto mais amplo, são o ecossistema humano onde surgem e
ganham vida as questões individuais. (LEDERACH, 2012, p. 30).

02. A FILOSOFIA HELLINGERIANA A SERVIÇO DA JUSTICA

Nesse propósito de ampliar o olhar para outros fatores que desenca-


deiam os conflitos, a Justiça pode contar com a relevante contribuição dos
ensinamentos de Bert Hellinger inclusive a respeito das dinâmicas ocultas
55. Lederach explica a diferença entre “olhar” e “enxergar”: “Olhar é dirigir a atenção ou prestar atenção
a algo. Na linguagem do dia a dia muitas vezes dizemos: “Olha isto!”, “Olha aquilo!” – ou seja, olhar
requer lentes que chamam a atenção e nos ajudam a estar atentos a algo. Por outro lado, enxergar é ver
além e mais fundo. Enxergar é buscar compreensão e entendimento. Na linguagem corrente dizemos:
“Será que você não enxerga o que está acontecendo!”. A compreensão é o ato de criar significado, e o sig-
nificado exige que tenhamos um foco mais nítido sobre alguma coisa.” (LEDERACH, 2012, p. 20 e 21).

229
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

ligadas a desordens sistêmicas das relações dentro do campo familiar dos


indivíduos litigantes.
Com efeito, diz STORCH (2018) que:

(...) diversos problemas enfrentados por um indivíduo (bloqueios,


traumas e dificuldades de relacionamento, por exemplo) podem derivar
de fatos graves ocorridos no passado não só do próprio indivíduo, mas
também de sua família, em gerações anteriores, e que deixaram uma
marca no sistema familiar. Mortes trágicas ou prematuras, abandonos,
doenças graves, segredos, crimes, imigrações, relacionamentos desfeitos
de forma “mal resolvida” e abortos são alguns dos acontecimentos
que podem gerar emaranhamentos no sistema familiar, causando
dificuldades em seus membros, mesmo em gerações futuras.

Ainda dentro desta linha, Bert Hellinger trouxe à luz a teoria da boa
consciência:

É bom o que nos liga a nossa família e concorda com os valores


dela. No entanto, cada família tem sua própria consciência, que difere
da consciência de outras famílias e de outras pessoas. (...) Em algumas
famílias é considerado bom o que em outras é censurável. O que é
bom para umas é péssimo para outras. (HELLINGER, 2007, p. 69)

Destarte, cabe à Justiça perceber que, na visão sistêmica, o conceito


de boa e má consciência não guarda relação com a distinção comumente
feita entre indivíduos ou comportamentos bons e maus. Na visão sistêmica,
o bom é o que garante a vinculação à família de origem e o mal é o que a
ameaça. E no afã de assegurar seu pertencimento à família de origem, muitas
pessoas acabam mantendo os padrões de sua família e insurgindo-se contra
padrões distintos, o que pode gerar muitos conflitos.
A Justiça também deve considerar que as relações humanas são im-
pregnadas pela afetividade, a qual se revela por meio das emoções que movem
as pessoas, se expressa como sentimento nas reações que elas têm diante dos
fatos que ocorrem em suas vidas e das pessoas com as quais elas convivem.

230
PERCEPÇÕES SISTÊMICAS: O DESPERTAR DE UMA NOVA CONSCIÊNCIA JURÍDICA

Ainda sobre essas facetas menos visíveis dos relacionamentos humanos,


que são as emoções, Maturana (2002, p. 15) afirma que “(...) não vemos o
entrelaçamento cotidiano entre razão e emoção, que constitui nosso viver
humano, e não nos damos conta de que todo sistema racional tem um fun-
damento emocional”.
E esse entrelaçamento entre razão e emoção pode ser ainda mais com-
plexo dada a diversidade de sentimentos que uma pessoa pode experimentar.
Essa questão também é desvendada com maestria por Bert Hellinger, o qual,
ao trabalhar com a terapia primal, percebeu que há três tipos de sentimentos
- primário, secundário e sentimentos assumidos - sendo que os sentimentos
fortes que vêm à superfície “(...) são quase sempre usados para encobrir
outro sentimento, ou seja, o amor primário da criança por sua mãe e seu
pai. Sentimentos de raiva, ódio, desespero e tristeza normalmente só servem
para afastar a dor causada pelo movimento interrompido de uma criança
em direção ao pai ou à mãe” (HELLINGER, 2001, p. 436). Hellinger não se
detém nesses sentimentos, pois, com base em suas observações, acredita
que eles não constituem a essência do problema e ficam no caminho de uma
solução: “Se entendermos que esses sentimentos são amor interrompido, não
ficamos presos nos sentimentos superficiais, mas podemos trabalhar para
restabelecer o movimento original do amor” (HELLINGER, 2001, p. 437).
Esses sentimentos desvendados por Bert Hellinger, abundantes nos conflitos
familiares, também devem ser enxergados e considerados, não sendo mais
possível simplesmente fragmentar o conflito de forma que apenas o seu
aspecto racional seja relevado e resolvido.
Portanto, cabe a essa Justiça transformadora ter sensibilidade para
enxergar as emoções e escutar não só o que a pessoa diz, mas também o que
ela quer dizer, já que as revelações costumam ser parciais por influência do
próprio inconsciente.
Como a mente dos operadores do Direito de Família nem sempre está
preparada para compreender a complexidade dos conflitos subjacentes do
litígio, e o domínio do Direito, por si só, não é suficiente para tal compreensão,
para que a violência não seja estimulada e a cultura de paz seja concretizada,
cabe à Justiça perseguir outros saberes para compreender melhor a dinâmica

231
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

dos conflitos e colaborar efetivamente para a sua verdadeira transformação,


não se contentando com a sua mera resolução, que pode ser ilusória.
Por exercer tamanha influência na trajetória de tantas vidas56, a Justiça
de Família deve empreender esforços para dialogar com outros saberes e,
assim, poder acolher adequadamente seus usuários e estimulá-los a abor-
darem os conflitos de forma construtiva.
Nesse diálogo com outros saberes, a Justiça pode e deve se valer de
um novo instrumento de transformação, harmonização e estabilização das
relações familiares: a filosofia Hellingeriana.
Bert Hellinger desenvolveu uma ciência dos relacionamentos humanos
ao perceber e estruturar as ordens que regem as relações e cujo desrespeito
gera os emaranhamentos ocultos que ensejam ou fomentam os conflitos
humanos, auxiliando a Justiça a desvendar as origens menos visíveis e mais
profundas dos conflitos que lhe são confiados.
Hellinger também desenvolveu as ordens da ajuda, que configuram
relevante e valioso suporte para a Justiça gerir de forma adequada, efetiva e
eficiente os conflitos que administra, preservando o poder de autonomia e
de autodeterminação de seus usuários, mesmo aqueles com destinos difíceis.
A filosofia Hellingeriana tem muito a colaborar, portanto, nesse pro-
cesso de construção de uma justiça pautada num nível de consciência mais
elevado, engajada na transformação qualitativa de seus gestores e usuários,
respeitando, honrando e integrando os trabalhos já realizados; uma justiça
que cria as condições para que as pessoas ampliem seu nível de consciência,
acessem e expressem sua autonomia e autodeterminação; uma justiça menos
retrospectiva e mais prospectiva; uma justiça com compaixão, amor pelo
próximo, respeito; uma justiça em que as pessoas estejam presentes não como
partes, mas como seres humanos. Dessa forma, o objetivo deste trabalho é
verificar a filosofia Hellingeriana pode promover novas possibilidades de
gestão de conflitos.

56. Groeninga bem explicita tal influência: “O tratamento que as famílias recebem daqueles
que ocupam simbolicamente o lugar de representante paterno – o Estado e o Judiciário – em
muito influenciará sua autoestima e seu destino.” (Groeninga, 2011, p. 39).

232
PERCEPÇÕES SISTÊMICAS: O DESPERTAR DE UMA NOVA CONSCIÊNCIA JURÍDICA

03. PROCEDIMENTO METODOLÓGICO

Para cumprir o objetivo, foi realizado o curso “Percepções Sistêmicas:


o despertar de uma nova consciência jurídica.”, cuja intenção foi verificar
se a filosofia Hellingeriana apresentada no curso aos gestores dos conflitos
familiares que atuam na Comarca de São Vicente mudaria a postura no
atendimento em mediação e conciliação dos voluntários da Casa da Família.
Este curso foi concebido durante as aulas da pós-graduação de Direito
Sistêmico junto à Faculdade Innovare e ao Instituto Hellinger. Ficamos tão
encantados com a tomada de consciência que o curso nos proporcionou e
com as várias possibilidades dela oriunda, que, para manter o equilíbrio de
troca, decidimos, por amor e em homenagem aos nossos professores, levar
adiante nosso aprendizado e compartilha-los com as pessoas que trabalham
direta e indiretamente com a Casa da Família de São Vicente.
O propósito desse curso não consiste tão somente em adotar as cons-
telações como instrumento de resolução de conflitos, mas em difundir a
filosofia Hellingeriana junto aos gestores dos conflitos familiares, dentro da
hodierna política pública de tratamento adequado dos conflitos, de forma a
ampliar seu olhar para enxergar além do aparente e viabilizar novas possi-
bilidades de transmutação dos conflitos e promoção de paz, concretizando
o Direito Sistêmico.
Nessa ótica, Direito Sistêmico consiste em uma nova percepção do
Direito à luz da filosofia Hellingeriana, saindo dos níveis de abstração e
sendo vivido no cotidiano, desvelando as humanidades dos jurisdicionados,
reconectando-os aos seus sistemas familiares e conduzindo-os à verdadeira
paz. Porque sem paz não há Justiça.
O cenário escolhido para este trabalho foi a Casa da Família de São
Vicente, um projeto idealizado pela magistrada Vanessa Aufiero da Rocha e
implantado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo na Comarca de São Vicente,
em abril de 2017, visando redimensionar e humanizar a Justiça da Família,
instrumentalizando-a para que tenha condições de levar a Cultura de Paz e
todos os valores a ela inerentes às famílias que procuram o Poder Judiciário
para a solução de seus conflitos ou a satisfação de suas mais elementares
necessidades.

233
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

A Casa da Família de São Vicente, eminentemente interinstitucional e


interdisciplinar, concentra, em um único espaço, aqueles que podem efetiva-
mente colaborar para a construção de uma cultura de paz e de convivência
respeitosa e, ainda, para a solução e a prevenção de conflitos familiares, como:

a) ofício e varas da família e sucessões:


b) cejusc - centro judiciário de solução de conflitos e cidadania
c) oficina de pais e filhos
d) construindo a paz
e) acompanhamento psicológico

04. O CURSO “PERCEPÇÕES SISTÊMICAS: O DESPERTAR DE


UMA NOVA CONSCIÊNCIA JURÍDICA”

O curso teve como objetivo geral contribuir para a ampliação da


consciência, o desenvolvimento do autoconhecimento e o fortalecimento
dos protagonistas da Justiça na gestão dos conflitos, de forma a viabilizar
transformações qualitativas em sua vida e nas vidas das pessoas com quem
eles trabalham por meio da filosofia Hellingeriana e do pensamento sistêmico.
A ideia era de entender as leis sistêmicas que movem cada um em suas
decisões e comportamentos para uma melhor compreensão de si e do outro;
ampliar o olhar sobre o conflito, percebendo as dinâmicas sistêmicas ocultas
que o geram e abordando-o com um viés transformativo em detrimento de
um viés meramente retrospectivo; agir com empatia sistêmica na gestão
dos conflitos; ampliar a potencialidade para novas formas de conhecimento
e trabalho; alinhar as práticas sistêmicas no âmbito da Casa da Família de
São Vicente.
As aulas foram realizadas de forma expositiva, com apresentação de
vídeos e atividades práticas, aliadas ao convite constante à reflexão, visando
à mudança de paradigma diante dos conflitos. Para isso, foram pensados
temas e organizados de forma a maximizar o entendimento da Filosofia
Helligeriana e as possibilidades de reflexão aos participantes. Assim, as aulas
foram distribuídas com os seguintes temas:

1ª AULA - Um novo olhar sobre a Justiça;

234
PERCEPÇÕES SISTÊMICAS: O DESPERTAR DE UMA NOVA CONSCIÊNCIA JURÍDICA

2ª AULA - Direito Sistêmico


3ª AULA - Direito Sistêmico em ação;
4ª AULA - Direito Sistêmico e relacionamento de casal;
5ª AULA - Direito Sistêmico e parentalidade
6ª AULA - Postura Sistêmica do Gestor do Conflito e as Ordens da
Ajuda
7ª AULA - Retrospectiva: compreensões, experiências e impulsos

Participaram do curso 116 pessoas e, de acordo com o questionário


respondido pelos mesmos, foi possível traçar um perfil do público:

1. quanto à formação acadêmica, 61 pessoas eram formadas em direito,


10 em psicologia, 7 em serviço social e 38 tinham formações acadêmicas
diversas;
2. quanto às profissões, 34 pessoas eram advogados, 20 eram media-
dores e 9 eram assistentes sociais/conselheiros tutelares e 52 pessoas eram
de outras áreas;
3. quanto ao conhecimento a respeito da filosofia hellingeriana e das
constelações familiares, 74 pessoas já conheciam algo a respeito e 42 nunca
tinham tido contato com as constelações.

Após o curso, foi enviado aos participantes um pedido para que res-
pondessem por e-mail “O que o curso “Percepções Sistêmicas: o despertar
de uma nova consciência jurídica” representou para você?
Foram recebidas 30 respostas, as quais foram analisadas com o intuito
de perceber o impacto do conhecimento e da vivência da filosofia hellinge-
riana nas vidas dos participantes.
A contribuição do curso para os participantes do curso “Percepções
Sistêmicas: o despertar de uma nova consciência jurídica”

A análise das respostas permitiu agrupar as contribuições do curso em


três eixos: Consciência familiar e suas lealdades; As ordens do amor; Expansão
da consciência em relação aos conflitos.

235
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

05. CONSCIÊNCIA FAMILIAR E SUAS LEALDADES

A maioria dos participantes relatou que o contato com a Filosofia


Hellingeriana permitiu uma tomada da consciência familiar e suas lealdades.
As falas mostram que o entendimento dos motivos ocultos dos conflitos
ajuda a entender porque ocorrem algumas repetições de padrão em sua
experiência vivida.
Um dos participantes (Sandra57) relata que aprendeu “que todos no
sistema são beneficiados”. Esse entendimento mais aprofundado da contri-
buição da filosofia Hellingeriana pode ter ocorrido em função dessa não ter
sido a primeira vez que ela teve contato com essa filosofia. Quando se fala de
sistemas, ela entende que são os sistemas familiares compostos por todos os
membros do clã, conforme o entendimento de Bert Hellinger58.
No tocante à consciência familiar e suas lealdades, a participante
Joana afirmou que pode “entender o motivo de algumas ações e repetições
de padrão e esta foi a melhor experiência...”, tendo em vista que afirma
já ter vivenciado na sua família. Ao afirmar sobre a consciência familiar,
a participante refere-se ao que Hellinger entende como a consciência de
grupo, que vincula tão poderosamente à família e a outros grupos que,
mesmo inconscientemente, o indivíduo sente como exigência e obrigação
o que outros membros sofreram ou ficaram devendo no sistema.

06. AS ORDENS DO AMOR

A respeito das ordens do amor, uma participante (a mediadora Maria59)


relatou que “...o curso mostra, de maneira muito clara, o quanto fomos e
somos influenciados por essas leis que regem os sistemas familiares.” e, mais
especificamente, em relação à hierarquia e afirma que “...colocar a família no

57. Nome fictício


58. Segundo a Hellinger Sciencia, quem pertence a família são todos os filhos, também os abortados,
doados ou esquecidos; pais e seus irmãos de sangue, também os abortados, doados ou esquecidos;
parceiros antigos dos pais; avós e seus antigos parceiros; todos que, através da sua morte ou da sua per-
da, trouxeram alguma vantagem aos membros da família; as vítimas, quando membros da família são
culpados pela morte de alguém e também, se na família há vítimas de assassinos que não pertencem a
família, estes também fazem parte do clã familiar. In www.hellinger.com
59. Nome fictício

236
PERCEPÇÕES SISTÊMICAS: O DESPERTAR DE UMA NOVA CONSCIÊNCIA JURÍDICA

lugar onde cada elemento tem a sua função, a sua importância e a consciência
que deve estar dentro de cada um...”.
A participante possivelmente compreendeu desta forma porque, ao
longo do curso, foram realizados exercícios sistêmicos, além das aulas expo-
sitivas, possibilitando a percepção por meio da sua própria experiência de
vida e pelos casos em que ela trabalha no seu dia a dia, como tais leis regem
os relacionamentos humanos. Da teoria de Hellinger, sabemos que aqueles
membros do clã que conhecem as ordens existentes na família podem se
desenvolver em sua família de origem, podendo se separar dela no tempo
certo e criar a sua própria família e assumir responsabilidades. Podem, ainda,
lançar-se nas dificuldades com serenidade.
Ainda com respeito a hierarquia, Bert Hellinger pode verificar nas
suas observações que cada indivíduo de um grupo deve e precisa assumir o
lugar que lhe pertence, de acordo com a sua idade. Isso significa que aqueles
que vieram antes têm precedência em relação aos que vieram depois o que
significa que cada membro do grupo tem um lugar próprio e particular, que
pertence somente a ele. (HELLINGER, 2015, p. 57)

06. 1. EXPANSÃO DE CONSCIÊNCIA

Ainda inferiu-se que os participantes compreenderam que, por meio


das Constelações Familiares, é possível a expansão de consciência em relação
aos conflitos, já que a participante (Daniela60) afirma que “...conseguimos
expandir nossos olhares além do campo físico da visão e entrar no âmago
do conflito...”. Tal afirmativa guarda relação com a teoria de Bert Hellinger
que enuncia: quando o ajudante se coloca à serviço daquele sistema familiar,
algo que estava oculto vem à luz com a ajuda do representante e encontra-se
o essencial para a solução do conflito.

07. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Embora não configure solução mágica para todos os problemas fami-


liares, a filosofia Hellingeriana tem se mostrado importante instrumento à

60. Nome fictício

237
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

disposição da Justiça de Família para a transformação dos conflitos familiares,


dos relacionamentos e das vidas.
A sua aplicação representa um salto quântico na prestação da atividade
jurisdicional e permite que a Justiça de Família promova a transformação
qualitativa das relações, tornando as pessoas mais maduras e mais cidadãs,
tanto os jurisdicionados como os próprios gestores dos conflitos, como ficou
claro com o curso ministrado para os gestores de conflitos com atuação na
Casa de Família de São Vicente: “Percepções sistêmicas: o despertar de uma
nova consciência jurídica”.
Tal experiência com a introdução da filosofia Hellingeriana aos gestores
dos conflitos familiares foi exitosa não por conta dos resultados eventualmente
verificados nos processos judiciais, mas por ter viabilizado o acesso desses
gestores a um lugar de não julgamento, centramento, empatia sistêmica,
compaixão e paz dentro de cada um, no qual é possível transcender a visão
negativa do conflito, perceber a sua grande potência para transformações
qualitativas, e iniciar um processo de cura.
Ela permitiu que os seres humanos que desempenham a função de
gestores de conflitos na Casa de Família, já familiarizados com os valores
orientadores desse novo modelo de Justiça de Família, com viés menos
retrospectivo, voltado ao passado, e mais prospectivo, voltado ao futuro,
visando às transformações qualitativas das relações humanas, se reencontras-
sem consigo mesmos, encarassem suas responsabilidades pela trama social,
libertassem-se dos círculos viciosos, conscientizassem-se do propósito de
sua ação e agissem com mais presença e alma, direcionando o modo com
que o conflito é visto e o tipo de resposta que lhe é dado, viabilizando o
restabelecimento do fluxo de amor que nutre todos os sistemas familiares.

08. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


BARBOSA, Luciana de Paula Gonçalves; CASTRO, Beatriz Chaves Ros, Alienação parental:
um retrato dos processos e das famílias em situação de litígio. Brasília: Liber Livro, 2013.
BOFF, L. Saber Cuidar: ética do humano - compaixão pela Terra. Petrópolis: Vozes, 1999.
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Tradução Ellen Gracie Northfleet.
Porto Alegre: Fabris, 1988.
CAPRA, Fritjof; LUSI, Pier Luigi. A visão sistêmica da vida: uma concepção unificada
e suas implicações filosóficas, políticas, sociais e econômicas. Tradução Mayra Teruya

238
PERCEPÇÕES SISTÊMICAS: O DESPERTAR DE UMA NOVA CONSCIÊNCIA JURÍDICA

Eichemberg, Newton Roberbal Eichemberg – São Paulo: Cultris, 2014.


CEZAR-FERREIRA, Veronica A. da Motta. Família, Separação e Mediação: Uma Visão
Psicojurídica, 3ª edição. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2011.
CURY, Augusto Jorge. Pais brilhantes, professores fascinantes. Rio de Janeiro: Sextante, 2003.
DALLARI, Dalmo de Abreu. O Poder dos Juízes. São Paulo: Saraiva, 1996.
DIEZ, Francisco; TAPIA, Gachi. Herramientas para trabajar em mediación. 1ª edição,
Buenos Aires: Paidós, 2006.
GALTUNG, Joan. Transcender e transformar: uma introdução ao trabalho de conflitos.
Tradução de Antonio Carlos da Silva Rosa,São Paulo: Palas Athena, 2006.
GROENINGA, Gisele Câmara. Direito à convivência entre pais e filhos: análise interdisci-
plinar com vistas à eficácia e sensibilização de suas relações no Poder Judiciário. 2011. Tese
de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito Civil da Universidade
de São Paulo, São Paulo, 2011.
HELLINGER, Bert. Conflito e paz: uma resposta. São Paulo: Cultrix, 2007.
______. O Amor do Espírito na Hellinger Sciencia. Tradução Tsuyuko Jinno-Speller, Lorena
Richter, Filipa Richter. 3ª. edição, Belo Horizonte: Atman, 2015.
______. Ordens da Ajuda. Tradução de Tsuyuko Jinno-Spelter – Goiânia – Goiás: Atman, 2013.
LEDERACH. John Paul. Transformação de conflitos. Teoria e Prática. Tradução Tônia Van
Acker. São Paulo: Palas Athena, 2012.
MATURANA, Humberto R. Emoções e linguagem na educação e na política. Tradução de
José Fernando Campos Fortes. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2002
MUSZKAT, Malvina Ester. Guia Prático de Mediação de Conflitos em Famílias e Organi-
zações. 2ª ed. Ver. São Paulo: Summus, 2008.
NALINI, José Renato; PIRES, Luis Manuel Fonseca; RODOVALHO, Maria Fernanda. Ética
para o Juiz: Um Olhar Externo. São Paulo: Quartier Latin, 2014.
PRADO, Lídia Reis de Almeida. O juiz e a emoção: aspectos da lógica da decisão judicial
/ Lídia Reis de Almeida Prado – 6ª ed. – São Paulo: LTr. 2013.
RICHA, Morgana de Almeid; PELUSO, Antonio Cezar. Conciliação e Mediação: estruturação
da política judiciária nacional. Rio de Janeiro: Forense, 2011.
STORCH, Sami. Direito Sistêmico é uma luz no campo dos meios adequados de solução
de conflitos, 2018. Disponível https://www.conjur.com.br/2018-jun-20/sami-storch-direito-
-sistemico-euma-luz-solucao-conflitos. Acesso em 10/02/2020.
TELLES JUNIOR, Goffredo; CAFFÉ ALVES, Alaôr et al. O que é a Filosofia do Direito? 1ª
Edição. São Paulo. Editora Manole. 2004.

239
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

SUCESSÃO SISTÊMICA

Fernanda Michel Andreani


Isabela Romina Albernas Diniz

01. INTRODUÇÃO

Sabe-se quão doloroso pode ser a notícia da morte de um ente querido.


Não bastasse essa perda, em muitos casos, além desta dor, é somada a dor
decorrente do litígio familiar que ocorre pela disputa do patrimônio. Esta
ainda é a realidade de muitas famílias que enfrentam um processo judicial de
inventário: o sofrimento provocado pelo desentendimento entre os herdeiros.
Isto porque um processo litigioso envolve questões como o me-
recimento do quinhão, a morosidade do processo, os altos custos com
honorários advocatícios e taxas judiciais, a incerteza da decisão do juiz,
o não acesso aos bens e demais preocupações que não raro causam o
definhamento e até extinção das relações familiares. Não se trata de uma
disputa qualquer, pois envolve o legado constituído por alguém ao lon-
go dos anos. Legado aqui refere-se não só ao patrimônio material, mas
também à história de vida do indivíduo e das suas relações específicas
com a família envolvida.
Neste contexto, o direito sucessório pátrio abrange apenas uma parcela
ínfima dessas peculiaridades que, hoje, através de novos meios de solução
de conflitos – como a abordagem sistêmica de Bert Hellinger –, já podem
ser tratadas de maneira que a partilha seja mais equilibrada.
No Brasil, quando não há um planejamento sucessório a sucessão
acontece por duas maneiras: a testamentária ou a legítima. A primeira ocorre
quando há disposição prévia da vontade, ainda sem transmissão, acerca da
destinação dos bens; a segunda, conforme determinação legal da vocação
hereditária, isto é, por meio de uma ordem e de um percentual para cada

240
SUCESSÃO SISTÊMICA

classe de herdeiros. Por conseguinte, para que a herança se torne disponível,


é necessário o processo de inventário para apurar os bens e partilhá-los entre
os sucessores.
O foco do presente estudo são os processos ou encargos decorrentes
da sucessão em que não há consenso entre os herdeiros. Vislumbra-se que,
embora o dinheiro e o patrimônio sejam importantes e sua partilha seja
prevista pelo ordenamento jurídico, há questões latentes particulares a cada
família que demandam um olhar mais apurado a fim de compreender quais
as razões e as necessidades que levam a cada herdeiro a disputar determinado
quinhão da herança.
Nesta senda, busca-se o equilíbrio e o justo para cada caso analisado
independente do litígio e de uma decisão judicial pautada na execução estrita
da lei. A justiça que se propõe, alinhada a filosofia de Hellinger é, portanto,
a pautada nas três ordens do amor conforme será explanado adiante, mas,
especialmente no equilíbrio entre o que se dá e o que se recebe, entre ganhos
e perdas (HELLINGER, 2007, p 15), não como uma compensação vingativa,
mas através do reconhecimento do equilíbrio próprio de cada sistema, de
modo que se encontre um balanceamento que proporciona a paz.
Sistema aqui refere-se ao grupo familiar que “se comporta como
se estivesse unido por uma força que liga todos os seus membros e por
um sentido de ordem e de equilíbrio que atua em todos da mesma forma”
(HELLINGER, 2009, p 36). Pertencem a esse grupo os que são vinculados
por uma força maior, que são em regra:

[...] o filho e seus irmãos, inclusive os mortos e natimortos, os


abortos provocados e espontâneos; os pais e seus irmãos e meios-ir-
mãos; os avós e algumas vezes seus irmãos; eventualmente, bisavós;
pessoas sem laço de parentesco que tenham cedido lugar a outros no
grupo familiar, como parceiros anteriores dos pais ou avós e todos cuja
desgraça ou morte tenha resultado em vantagem para outras pessoas
do grupo familiar. (HELLINGER, 2009, p. 37)

Ainda no que tange ao equilíbrio do sistema familiar, importante


considerar que há uma diferença no que diz respeito ao que estão em uma

241
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

mesma linha geracional, e os que estão em uma linha geracional anterior.


Pois, a depender do conflito, é necessário que se observe o equilíbrio tanto
em relação à mesma linha ou linhas antepassadas de membros do sistema.
Destarte, esta percepção de justiça traz à tona a necessidade de definir
a partilha a partir da vontade e compreensão do sistema das próprias partes
envolvidas. Com efeito, esta abordagem viabiliza um ângulo de visão em
que são considerados todos os membros inseridos no sistema familiar e não
apenas um indivíduo isolado, ou, o que a lei dita indistintamente.
Assim, a utilização das constelações familiares na resolução dos confli-
tos, especialmente os sucessórios, propicia o reconhecimento do movimento
que gera o equilíbrio no sistema por meio da conscientização profunda do
conflito e seu intrincamento no grupo observado. Neste sentido, de acordo
com Laguno (2017, p. 24)

[...] a constelação familiar oportuniza o reconhecimento de dinâ-


micas inconscientes e este reconhecimento nos permite ver o grande
sistema humano com uma perspectiva mais ampla e honrar os pais,
a família, entes queridos, antepassados e sistemas sociais. Mediante
esta olhada, nos afastamos dos juízos que temos construídos, olhamos
nosso passado e nossos antepassados tal como foram e devolvemos
a cada um, com amor, aquilo que é seu. Devolvemos aquelas respon-
sabilidades que não nos correspondem e assumimos aquelas que nos
tocam. Desta maneira, nós colocamos nossa imagem interna para
todos e a cada coisa em seu lugar, nos reconectando com a ordem,
com a força da vida e ao amor que nos chega através deles.

A constelação, portanto, como um dos pilares da filosofia, serve como


ciência eficaz a ser utilizada em caso de sucessão litigiosa, na medida em que
facilita o processo de comunicação equitativo no qual as partes são vistas,
ouvidas e reconhecidas com sua devida importância e papel na ordem voca-
cional. Por isso, favorece a restauração da ordem e do equilíbrio do sistema
ao manejar o conflito a partir de suas estruturas subjacentes.

242
SUCESSÃO SISTÊMICA

02. A FILOSOFIA SISTÊMICA DE HELLINGER SOBRE A HERANÇA

Diferente do que o aspecto puramente legal aponta, segundo a filosofia


de Hellinger, ao examinar a herança de maneira sistêmica observa-se que um
indivíduo herda não só um patrimônio material, bens imóveis, empresas e
dinheiro. Recebe a vida, que é a maior fonte de riqueza, e, quando disponí-
veis, os pais dão nutrição, educação e cuidados necessários para que o filho
cresça e se desenvolva.
Além disso, ao herdeiro é transmitido o conteúdo todo genético fami-
liar e aí se inclui uma memória ancestral da família. Quer dizer, é como se
tivesse acesso a um banco de dados em que são registrados os eventos bons
e maus, débitos e créditos, justiças e injustiças. (ANDRADE, 2016, p. 20)
Por este prisma, vê-se que aqueles que nascem em uma determinada
família, já nascem enredados pelo laço do destino que os mantêm vincula-
dos, ainda que inconscientemente, a esse sistema. Hellinger (2004, p. 99),
a respeito disso, explica que os membros de um grupo familiar são ligados
entre si e se comportam como se fossem coligados por uma força que une a
todos por um sentido de ordem e equilíbrio próprio.
Essa ligação de comportamento remete a laços de gerações longínquas
em que as informações são transmitidas através de um campo não local,
trata-se, pois, de um campo morfogenético familiar. Este termo, utilizado
pelo biólogo Rupert Sheldrake (1993, apud ANDRADE, 2016, p. 18), infere
que há um campo informacional que permeia todos os membros de uma
família, independente do espaço e tempo, e tende a repetição de compor-
tamentos. Tal conceito de transmissão de informações é também utilizado
amplamente também na física quântica, na psicogenealogia e na biologia.
Nesse sentido, Andrade (2016, p. 40) acrescenta que “as contas fa-
miliares podem ser adquiridas tanto na geração atual quanto em gerações
anteriores e dependem dos compromissos de lealdade dos membros do
grupo familiar”. Portanto, através do caminho fenomenológico proposto
por Bert Hellinger é possível acessar esse campo e observar que ali emergem
informações transgeracionais que eventualmente atuam no presente, e, ainda
que inconscientemente influenciam os membros do sistema.

243
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

A partir desse olhar a respeito da herança, podemos então observar


que, se por exemplo, a terceira geração passada da família prejudicou tra-
balhadores através de uma empresa, alguma geração seguinte está sujeita a
ser prejudicada financeiramente também. Por outro lado, se houve benefí-
cios à sociedade, as próximas gerações serão também de alguma maneira
beneficiadas. Assim, naturalmente ocorre um equilíbrio no sistema através
da compensação.
Lembra-se ainda que Hellinger (2014, p. 114) ensina ainda que não se
deve esperar por uma herança patrimonial, que toda herança é um presente
a ser recebido com gratidão. Quando um herdeiro, mais especificamente um
filho espera a herança dos pais, é porque entende que ainda não recebeu o
suficiente, isto é, não percebe os benefícios que teve dos pais, desde o nas-
cimento. Isso, por consequência cria uma desordem no sistema, pois ao se
considerar carente e vítima de falta de apoio financeiro ou emocional, essa
pessoa não evolui, não cresce e não produz a partir de si mesma, de acordo
com o que recebeu.
Por outro lado, ao olhar de maneira sistêmica para a própria família,
um herdeiro pode enxergar que o que recebeu dos pais enquanto vivos foi
o certo para que ele evoluísse, e o mais, deixado como legado patrimonial
é tão somente um presente a ser recebido com gratidão e eventualmente
partilhado de maneira que respeite a ordem de equilíbrio do sistema, con-
siderando a história do falecido e as relações intrínsecas dele, seja com os
familiares, seja com pessoas que não possuem laços sanguíneos, mas que de
alguma maneira foram importantes, seja porque trouxeram desvantagens,
seja porque trouxeram benefícios.
Desta maneira, é possível o herdeiro tornar-se consciente de que faz
parte de uma comunidade de destinos que integra também as pessoas sem
laços de parentesco, mas cujo atos acarretaram alguma vantagem para um
membro da família. Neste ínterim, é importante examinar que, por vezes,
a distribuição de uma parte do patrimônio de forma não prevista na lei
civil – por exemplo, ao destinar 70% do patrimônio a um herdeiro e 30% a
outro da mesma classe –, visa compensar eventual desequilíbrio provocado
por algo oculto no sistema e que este legado de alguma maneira equilibra.

244
SUCESSÃO SISTÊMICA

Percebe-se, portanto, que quando tratamos da herança em um sentido


exclusivamente patrimonial, ainda assim, sob o ponto de vista sistêmico, há
que se considerar a energia que circunda o dinheiro fruto do legado. Em
outras palavras, Hellinger (2014, p. 100) afirma que o dinheiro possui uma
“dimensão espiritual, ele reage como se tivesse uma alma e um faro fino para
a justiça e a injustiça”.
Assim, é possível notar que essa busca natural por um equilíbrio
acontece quando, por exemplo, alguém de fora da família chega e requer um
quinhão da herança que a lei ou os familiares não reconhecem. Geralmente
neste caso, há algo a ser visto e talvez equilibrado no sistema, pois a pessoa
que aparece tem uma função naquele sistema, mostra que talvez algo deva
ser reincluído, ou equilibrada a troca e o vínculo nas relações.
Por esta razão, quando em um processo de inventário, é de suma
importância saber qual a origem do patrimônio, como ele foi construído,
quem participou da construção e quais as relações emocionais e intrínsecas
no sistema, não para que o herdeiro abra mão de eventual direito civil sem
qualquer entendimento, mas que compreenda, sob um ângulo de visão de
seu próprio sistema familiar, de que maneira a herança pode ser melhor
partilhada, de modo que a distribuição provoque a paz e a harmonia e todos
pertencentes ao sistema sejam vistos e reconhecidos.

03. AS ORDENS DO AMOR NA SUCESSÃO

Na base da filosofia de Hellinger (2012) encontramos três Ordens ou


Leis do Amor que abrangem a e servem e se destinam a dissolver conflitos
nos relacionamentos. Com efeito, são chamadas leis porque atuam nas re-
lações interpessoais, independente de nossa vontade, assim como a lei da
gravidade. Tal conclusão é resultado de mais de vinte anos de observações
e experiências registradas pelo filósofo.
No contexto do Direito, especificamente o sucessório, tais leis podem
ser aplicadas com vista a facilitar a distribuição a cada um o que lhe perten-
ce através da conscientização das partes envolvidas. Sendo assim, em um
processo de inventário litigioso, quando o advogado, o defensor público, o
promotor de justiça ou o juiz detêm o conhecimento filosófico sistêmico e

245
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

aplica tais ordens, por consequência, amplia as oportunidades de pacificação


do conflito.
Analisemos sucintamente então a respeito das seguintes Leis, ou Or-
dens, e verifiquemos alguns pontos chaves a serem descobertos com relação
a cada uma quando falamos da partilha de um legado. Senão vejamos:

▶ Lei do Pertencimento: dita que todos têm o igual direito de pertencer,


independente das atitudes ou situações enfrentadas. Deve ser observada
especificamente nos seguintes questionamentos: a) quem fez parte da vida
do falecido, independente de participar da vocação hereditária trazida
pela Lei Civil? b) os filhos falecidos, que não deixaram representantes
(serão lembrados?); de que forma podem ser contemplados?
▶ Lei da Hierarquia: indica que os que vieram primeiro têm precedência
sobre os que vieram depois. Aqui é importante citar que em uma família,
tem precedência os pais, avós, bisavós, da mesma maneira que irmãos
mais velhos sobre os mais novos e, portanto, devem ser respeitados
como maiores. Contudo, quando falamos em uma sucessão empresarial,
é importante notar que há um conflito de hierarquia, pois na empresa
deve ocupar o lugar de liderança o mais capacitado para a função e não
o mais velho.
▶ Lei do Equilíbrio de Troca: diz respeito a necessidade de haver um
balanceamento entre o que se dá e o que se recebe, sob pena de causar
uma pendência de um sobre o outro. Lembrando que há que se observar
a linha na mesma geração, a linha transgeracional e a linha de equilíbrio
entre o casal. Ainda, deve ser identificada nos seguintes pontos: a) qual o
destino da herança? Quem recebe sem ter contribuído para a construção
do patrimônio, deve honrá-lo servindo a vida, pois pela aplicação dessa
Lei o herdeiro perde tudo, ou a herança se torna uma maldição; b) o
dinheiro partilhado precisa servir a vida, precisa ter movimento e gratidão
por quem o recebeu.

A base que estas leis proporcionam, portanto, auxiliam na com-


preensão e no entendimento dos herdeiros a respeito dos movimentos
que proporcionam a fluidez no processo sucessório de modo a unir os

246
SUCESSÃO SISTÊMICA

membros do sistema familiar e fazer os bens legados prosperarem. En-


tão, quando em trâmite um processo de inventário litigioso, trazer à luz
eventual infração de uma destas leis através da conscientização das partes
em uma reunião, sessão de mediação ou, quando necessário, através da
Constelação Familiar, abre a possibilidade para que a ordem seja resga-
tada e o entendimento entre os herdeiros aconteça de forma harmônica.

04. A SUCESSÃO LEGAL E O EQUILÍBRIO SISTÊMICO FAMILIAR

O Código Civil brasileiro delimita a ordem de sucessão legítima da


seguinte maneira: primeiro são chamados a suceder os descendentes em
concorrência com o cônjuge – a depender do regime de casamento adotado
– em seguida os ascendentes em concorrência com o cônjuge; ao cônjuge e,
por fim, os herdeiros colaterais, ou seja, irmãos, tios, sobrinhos, primos – os
que não são herdeiros necessários.
Acontece que, ao resguardar esta ordem, nos percentuais em que a lei
estabelece, ainda que superficialmente aponte um equilíbrio, deixa de notar
critérios importantes a serem considerados quando o que se busca é a justiça
que pacifica as relações, ou seja, o reconhecimento do pertencimento, ordem
e equilíbrio entre o dar e o receber específico de cada sistema observado.
Por certo, não se trata de desconsiderar totalmente a determinação
legal, mas considerar aspectos específicos de cada dinâmica familiar, incluí-
dos pela filosofia sistêmica, com vistas a distribuir de maneira harmônica os
bens respectivos a cada herdeiro. Nesse sentido, segundo Leda de Alencar:

[...] cada família possui seu próprio padrão de organização que


é a configuração das relações entre seus membros, suas alianças,
lideranças e fronteiras estabelecidas, a hierarquização dos papeis
assumidos e designados, sua maneira de reagir às mudanças, às cri-
ses, aos eventos e sua capacidade de se reorganizar continuamente.
(ANDRADE, 2016, p. 14)

O que permite a partilha sensata que gera a paz no processo, portanto,


sob este viés, é a identificação das ordens do amor a partir das particula-
ridades de cada família. Neste ínterim, como a lei civil não pode ater-se às

247
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

minúcias do particular sob o risco de tornar inviável sua aplicabilidade e


também não flexibiliza a ordem sucessória necessária, gera uma esterilidade
de possibilidades de solução, pois introjeta no herdeiro o direito por aquele
quinhão, sem considerar questões que podem trazer uma maior harmonia
familiar, como a consideração que cada membro da família tem um lugar,
um peso e uma responsabilidade diferente.
Destarte, ao visualizarmos o sistema de diferentes famílias, pode-
mos observar que, embora exista um padrão geral comum, para cada uma
existe uma contabilidade própria em que débitos e créditos desencadeiam
o desequilíbrio ou resgate do equilíbrio no recebimento de uma herança.
Com efeito, importante ressaltar também, que é preciso levar em conta que
quando a herança é transmitida ao filhos, a contrario sensu, em que estes
herdeiros se arrogam como credores, sob este olhar sistêmico, os pais são
credores e os filhos devedores, pois devem aos pais a vida – o maior bem
que se poder ter, sob esta perspectiva – uma vez que só através dos pais se
tem oportunidade de estar vivo.

05. A SUCESSÃO NAS EMPRESAS

Assim como a família é considerada um sistema em que seus membros


são conectados por uma linha invisível em que a posição de um está relacionada
e influencia o outro, de maneira semelhante, é assim também nas empresas. Por
esta razão, a sucessão quando empresarial, para que flua com harmonia, segundo
a filosofia de Bert Hellinger, é preciso que sejam respeitadas algumas regras.
A princípio, cumpre salientar que as ordens do amor se aplicam tam-
bém no âmbito organizacional e empresarial, contudo, com algumas nuances
distintas, especialmente em relação a lei da hierarquia. Senão vejamos.
Quando tratamos da sucessão de uma empresa familiar é preciso que
observemos a hierarquia familiar e a hierarquia empresarial. Na família ocorre
na maneira padrão citada acima, os que vieram depois devem respeitar e
honrar os que vieram antes, mas isso não significa que necessariamente o
mais velho deverá ocupar o cargo de maior relevância na empresa.
Para a organização, é preciso que cada um exerça o cargo que for mais
competente para exercer, independente de qual lugar ocupa na família – se

248
SUCESSÃO SISTÊMICA

mais novo ou mais velho. Isso porque nem sempre os mais velhos são os
mais indicados a gerir, e sob a lente da filosofia de Hellinger, uma empresa
nasce para servir.
Assim, tendo por base a consciência de que a empresa serve a sociedade,
torna-se muito importante que em um processo de sucessão seja escolhido
o sucessor com base nas competências necessárias para exercer a função, e
não pelo o simples querer do sucessor e do sucedido para que determinado
herdeiro cumpra com cargo, pois esse critério não é o essencial para que dê
certo o processo sucessório.
Contudo, há que lembrar de que ambas as hierarquias devem caminhar
juntas, desta maneira, quando um membro mais novo ocupa na empresa um
lugar de maior gerência e direção, só terá sucesso se reconhecer na família
a hierarquia e a importância dos mais velhos. Isto é, ouvir e considerar a
opinião dos irmãos e dos pais, ainda que a decisão final seja a dele. De outro
modo, observa-se que se um membro mais novo exercer o poder sem ouvir
os demais, muito provavelmente será boicotado.
Por outro lado, é comum acontecer quando o fundador de uma em-
presa está em idade avançada e teme transmitir a direção empresarial, mes-
mo que essa situação cause prejuízos. Essa situação acontece muitas vezes
porque o fundador não sente que a ordem hierárquica é respeitada, ou seja,
que suas decisões não são consideradas nem no âmbito familiar, nem no
âmbito empresarial.
Quando o fundador sente o respeito hierárquico, certamente que
consegue ver as vantagens em transmitir a direção e quando o faz, além do
respeito, é necessário que o momento seja marcado e formalizado como
um dia em a empresa tem um novo líder. Dessa forma, o novo é respeitado
também e empossado com as bênçãos do antigo.
Neste contexto, quando o sucessor que é sócio toma posse da direção,
é preciso que se conscientize também de que seu lugar nunca será o mesmo
que o do fundador, porque aquele veio primeiro, trabalhou antes e se dedi-
cou para construção da organização desde o início até aquele ponto. Então,
ainda que mereça respeito por seu lugar, este lugar sempre será diferente do
primeiro. Quando o herdeiro sabe este lugar, o processo sucessório flui e a
organização caminha em harmonia.

249
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

Se, por outro lado, a herança é passiva, ou seja, se existem dívidas, o


herdeiro recebe da mesma forma, ou seja, responde ao que chega, pois de
alguma forma o herdeiro se beneficiou disso. Sempre é necessário o reco-
nhecimento de que se tomou benefício. Desta maneira, ao exercer a gratidão
e reconhecer que o que foi recebido o fez crescer, faz com que o presente
da vida seja tomado com humildade e alegria em prol do desenvolvimento.

06. A FILOSOFIA DE BERT HELLINGER NA ADVOCACIA COLA-


BORATIVA

O advogado neste meio sucessório é de extrema relevância, não só


porque conhece os aspectos legais necessários para proceder a transmissão
dos bens, mas porque também serve de mediador dos ânimos dos herdeiros.
Sendo assim, vislumbramos a necessidade do exercício da advocacia aqui de
maneira colaborativa e não contenciosa, visto que se corre o risco de separar
famílias e destruir empresas.
Pois bem, a princípio cumpre esclarecer que enquanto o exercício da
advocacia tradicional toma como base prerrogativas, direitos e deveres que
se inserem em contextos éticos e morais visando a defesa dos direitos dos
cidadãos, ainda que de forma combativa, a advocacia colaborativa, a partir
desta filosofia, tem como princípio o exercício da profissão através da lente
que enxerga as ordens do amor nos conflitos que necessitam de uma solução
jurídica. Trata-se, sobretudo, de uma postura que visa colaborar e facilitar
a conciliação.
Isto é, uma maneira diferente de analisar o caso que se busca por
justiça através de um advogado, que, ao receber a demanda olha o problema
não através de uma visão pontual, do conflito imediato, mas que considera
todo o sistema envolvido e observa qual a interação do demandante com
seu sistema. Enxergando sob esta ótica, o advogado transmite uma imagem
capaz de auxiliar o seu cliente na identificação de seus interesses e cria um
espaço de comunicação clara e segura para que sua orientação seja eficiente
na solução do conflito, independente de litígio.
Ademais, nesta atuação, é possível que sejam utilizadas técnicas de
mediação, conciliação e da negociação, bem como a integração da filosofia

250
SUCESSÃO SISTÊMICA

de Bert Hellinger e do modelo da constelação familiar tal como desenvolvi-


da por ele, que tem por finalidade revelar a informação contida no sistema
familiar do cliente que causa, no caso do processo de inventário, a disputa
pela herança. Neste ponto, é imprescindível compreender que a postura de
um advogado colaborativo que tenha por premissa esta filosofia deve estar
alinhada a atitude especial de se colocar a serviço da reconciliação, e para
isso, algumas características são fundamentais, como vemos a seguir.
De início, é preciso que o advogado ao atender o cliente esteja em
estado de presença, ou seja, totalmente aberto ao cliente e ao ouvir sem
julgamento seu depoimento, de modo a acolher em sua alma sua reclama-
ção, seus medos e anseios, seus ancestrais e todos os excluídos da família,
inclusive aquela pessoa ou situação cuja reclamação se volta. Assim, a re-
conciliação acontece na alma do advogado ajudante, antes de se concretizar
(HELLINGER, 2005, p. 19).
Isso de modo algum significa que não haverá consequências para as
circunstâncias que se apresentam, mas, de outro modo, significa a concor-
dância com a realidade como é, e a partir deste ponto auxiliar de um modo
que possa ser alterada, visando a harmonia de todos os envolvidos. Neste
ponto, a visão sistêmica de um advogado colaborativo exige que além de ter
consciência das leis positivadas, tenha também consciência de que todos e
cada um que se envolve em determinada situação que busca por justiça, tem
uma parcela de responsabilidade.
Por conseguinte, o advogado deve se posicionar como um adulto que
está diante de outro adulto, se colocando em um lugar humilde de apenas
facilitar o processo de reconexão do cliente com seu sistema ou sua situa-
ção (RIBES, 2010, p. 34). Significa, pois, não tratar o cliente como filho, ou
incapaz. Com essa atitude, o profissional toma a lei como suporte, porém,
enxerga a parte com a qual o cliente disputa algum direito como alguém
que também faz parte e como alguém importante para solucionar o conflito.
Em síntese, trata-se de uma postura de neutralidade quanto a qualquer
julgamento moralizador que vincula o advogado a um vínculo emocional
com o cliente sem, contudo, deixar de notar o que a lei prescreve a respeito
do conflito, mas tão somente, considerar outras perspectivas que podem
auxiliar de maneira mais assertiva e pacificadora a disputa em questão. Mais

251
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

do que alinharem a postura de uma ajuda que não toma a defesa de um ou


outro lado, tais atitudes permitem que o olhar seja aberto a todos. Dessa
forma, inclui a todos empoderando-os para que, por si, encontrem a ordem
em seu próprio sistema.

07. CONSTELAÇÃO FAMILIAR NO PROCESSO DE INVENTÁRIO

Seguindo na senda da filosofia sistêmica, a Constelação Familiar é uma


ciência desenvolvida por Bert Hellinger que tem por objetivo desvelar uma
informação contida no sistema que esteja causando conflitos e de alguma
maneira interrompendo o fluxo de vida de algum de seus membros. No
contexto da sucessão e do processo de inventário, é recomendada quando
há algo oculto a ser revelado, pois abre o campo de informações do sistema
familiar e mostra a imagem de desordem vigente.
Quando identificada a desordem que gera o conflito exposto no pro-
cesso, é possível a reorganização das informações, de modo que se há um
excluído seja incluído; se há uma descompensação por uma troca desequi-
librada, seja reequilibrada, ou tomada a sua consciência e responsabilidade;
e, se não respeitada a hierarquia, seja retomado o lugar correto na família.
Tais reorganizações e remodulações visam equilibrar o grupo familiar, tendo
em vista a harmonia do todo e não apenas de um indivíduo em particular.
O resultado é sempre uma visível diminuição da tensão no sistema,
pois algo necessitava ser visto. A partir desse ponto verifica-se maior abertura
para que as partes se sintam empoderadas para solucionar o litígio. Seguindo
as palavras de (BOFF, 1998, p. 9) “todo ponto de vista é a vista de um ponto”,
isto é, cada um vê conforme está posicionado na vida, de acordo com o que
seu campo de visão permite. Por meio da constelação, essa posição – a priori,
litigiosa – é alterada e a visão ampliada, o que gera, consequentemente, um
novo ponto de vista, favorável ao entendimento.
Contudo, importante observar que este fenômeno, quando identificado
em uma constelação familiar, só acontece através de uma postura correta.
Ou seja, para percebê-lo é necessário um esvaziar-se, uma não intenção ou
manipulação, como cita Hellinger:

252
SUCESSÃO SISTÊMICA

[...] a compreensão é obtida por meio da renúncia, do abandono


de intenções e medos e do assentimento à realidade, tal como se ma-
nifesta. Sem essa postura fenomenológica, sem a concordância com
o que se manifesta, sem interpretações, atenuações ou exageros, o
trabalho com constelações familiares fica superficial, sujeito a desvios
e destituído de força. (HELLINGER, 2012, p. 12)

É assim porque não falamos aqui de interpretação racional, mas da


compreensão da força do fenômeno familiar que interrompe ou faz fluir o
amor. Compreensão, nesse sentido, é a que mostra qual o próximo passo
e faz agir, a dar um próximo passo em direção a solução e a paz na relação
com assertividade e clareza.
Assim, através da ciência das constelações familiares tem-se a possibili-
dade de reconhecer a quem eventualmente um indivíduo tenha uma lealdade
invisível, a quem inconscientemente repete comportamentos destrutivos.
Enxergando sob essa perspectiva, o conflito no processo de inventário pode
ser evitado ou solucionado a partir de um equilíbrio familiar, de modo que
os herdeiros tomem um caminho novo em direção a construção e fruição
de prosperidade, tomando a força positiva do legado.

08. A JUSTIÇA PELA ABORDAGEM SISTÊMICA NO CASO CON-


CRETO

Aqui são apresentados três relatos de casos nos quais aplicou-se a


abordagem sistêmica através da constelação em grupo, da constelação indi-
vidual com âncoras de solo e da percepção e postura sistêmica do advogado.
O primeiro caso tratou de litígio entre a viúva e os filhos menores
contra a família de origem do falecido.

Caso 1: Processo de Inventário, ano 2009.


Constelação feita em grupo, a pedido da advogada.

Falecimento do marido. Herdeiros: filhos menores e esposa. Bens:


propriedades rurais, bens móveis e dívidas. Litigio: disputa pelas fazendas,
de um lado a família de origem do falecido, de outro a viúva e os filhos me-

253
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

nores. As terras não tinham titulação, apenas concessão de uso por tempo
determinado. Com o falecimento do marido, a família de origem dele tomou
posse das fazendas, com a alegação de negócio familiar, e que o falecido era
apenas empregado dos pais. A advogada foi contratada pela viúva. Depois
de seis meses do início da tratativa para desocupação da terra, foi realizada
a primeira Constelação de processo da advogada facilitadora, para tentar
visualizar alguma solução que pacificasse a família. Com a dinâmica da
constelação, foi possível visualizar o vínculo das fazendas com a família de
origem do falecido, e ali começou a se desenhar um novo modelo de acor-
do. Após três meses, chegou-se ao a uma proposta de solução, com um viés
sistêmico, onde foram respeitados os direitos da viúva e dos filhos menores
e reconhecido a participação dos pais e irmãos na sucessão rural.
O segundo caso envolve a descoberta de um outro filho do falecido
originário de um relacionamento anterior:

Caso 2: Processo de Inventário, ano 1992


Consulta sistêmica.

Falecimento do genitor. Herdeiros: três filhas do casamento e um


filho unilateral de outro relacionamento. Bens: um imóvel. Litígio: sentença
de partilha transitada em julgado no ano de 2000, contudo, discordância
quanto ao acerto da venda do imóvel e recebimento do aluguel. A advogada
foi contratada pelas filhas para uma consultoria sistêmica, pois, após dezoito
anos da sentença de partilha e sem acesso aos bens, uma neta do falecido
descobriu que tinha um tio que ninguém falava sobre ele. A advogada na
consulta deu um lugar ao irmão excluído e reconheceu a ele o seu direito
de pertencer. O reconhecimento das irmãs em dar lugar de importância ao
primeiro irmão, fez toda a diferença no acordo. As irmãs reconheceram a dor
do irmão. Com essa postura, eles voltaram a conversar sobre o patrimônio
herdado e juntos tomaram decisões sobre como fariam a venda do imóvel
e a partilha dos valores depositados em juízo.
O terceiro caso envolve um conflito entre sócios em uma empresa
sucedida:

254
SUCESSÃO SISTÊMICA

Caso 3: Conflito sucessório empresarial.

Constelação com âncoras de solo facilitada pela advogada. Falecimento


do genitor. Herdeiros: duas filhas e esposa. Bens: fazendas, empresas, imóveis.
Litígio: a filha mais velha sucedeu o pai em uma das empresas e respondia
pelo cargo de administradora. O sócio que fundou a empresa com o falecido
não concordava com as decisões tomadas pela filha sucessora e havia uma
tensão quanto a possibilidade dissolução da sociedade e de assunção de uma
dívida da empresa somente pela filha sucessora. A advogada facilitadora
foi contratada pela filha sucessora e sua mãe para uma consulta sistêmica,
ocasião em que foi feita uma constelação e identificado: que a filha ocupava
um lugar superior ao da mãe; que o sócio respeitava a mãe como sucessora;
que o sócio olhava para a dívida e para a empresa da mesma forma que a
filha sucessora. Depois do movimento feito na Constelação, em que a filha e
a mãe voltaram a ocupar os lugares corretos e passaram a olhar de maneira
pacífica e respeitosa para o sócio fundador, houve uma orientação da advogada
quanto a maneira de se comunicar na empresa, por consequência, sociedade
voltou a se harmonizar e as decisões são hoje tomadas sem confronto.
Vê-se, portanto, que quando tratamos da herança sob este viés sistê-
mico, existem muitas peculiaridades que se deve levar em conta para que se
encontre o equilíbrio que proporciona a paz na relação conflituosa.
Nesse sentido, percebemos a importância da diferença entre divisão
e repartição, neste sentido, Cortella (2011) explica que quando as pessoas
repartem, todos têm um pouco, quando dividem, a porção diminui. Ele
continua dizendo que temos uma sociedade que está dividida, não repartida.
Por isso, ele deixa algumas dicas: a primeira é pensar de onde vem a minha
riqueza, daquilo que eu tenho ou daquilo que me tem? A segunda, é que
uma vida simples é aquela que eu não tenho carência sem alternativa, mas
em que eu sou capaz de ter para repartir, isto é, partir de novo, fazer aquilo
que é decisivo.
Em outras palavras, uma herança repartida conscientemente, é aquela
que quando partilhada, todos recebem no sentido de tomar para si algo que
é seu, sendo também capaz de possuí-lo e reparti-lo. Diferente de quando
simplesmente dividida conforme a ordem legal, pois quando feita assim, os

255
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

herdeiros muitas vezes também se dividem, ou seja, fica um para cada lado,
ainda que recebedores de um patrimônio, e não raro, o dissipam facilmente.

09. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante da contribuição da filosofia sistêmica de Bert Hellinger, praticada


através da conscientização das Ordens do Amor e da Constelação Familiar
na sucessão, pode-se afirmar que após sua aplicação, há uma alteração na
visão dos litigantes que se tornam mais propensos e abertos ao diálogo a
partir de um novo ângulo de visão. Trata-se, pois, de um importante passo
não só para o amadurecimento e aproximação das partes, mas também para
a verdadeira solução do litígio e para a partilha amigável.
A prática desta filosofia e da Constelação Familiar na solução de litígios
está alinhada a Resolução do CNJ n. 125/2010 que estimula o tratamento
adequado dos conflitos, de modo que proporcione o apaziguamento entre
os envolvidos, além disso está fundamentada no artigo 3º, parágrafo 3º do
Código de Processo Civil, que autoriza a utilização de demais métodos de
solução de conflitos, senão vejamos:

Art. 3º Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou


lesão a direito.

§ 3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução con-


sensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados,
defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no
curso do processo judicial.

Portanto, ao se proceder a partilha dos bens onde os herdeiros estão


conscientes e por sua própria vontade reconhecem o equilíbrio de seu sis-
tema familiar, o litígio se dissolve. Assim, para além do foco em distribuir o
patrimônio de acordo com uma ordem positivada, conclui-se que, através
da utilização desta filosofia, alinhada com a prática da constelação familiar,
atinge-se não apenas a solução da contenda, mas a transformação na relação
entre os indivíduos, sendo, portanto, uma poderosa ciência de pacificação
familiar e social.

256
SUCESSÃO SISTÊMICA

10. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


ANDRADE, Leda de Alencar Araripe. A Família e suas Heranças ocultas. Amazon, 2016.
BOFF, Leonardo. A águia e a galinha: uma metáfora da condição humana. Rio de Janeiro:
Editora Vozes, 1998.
BRASIL. Código Civil brasileiro.
BRASIL. Código de Processo Civil brasileiro.
BRASIL. Resolução do CNJ n. 125/2010.
CORTELLA, Mário S. Viver em Paz para Morrer em Paz: Paixão, Sentido e Felicidade. 3ª
ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
HELLINGER, Bert. Conflito e Paz: uma resposta. São Paulo: Cultrix, 2007, p 15.
______. A simetria oculta do amor. São Paulo: Cultrix, 2012.
______. Leis sistêmicas na assessoria empresarial. Tradução Daniel Mesquita de Campos
Rosa. Belo Horizonte: Atman, 2014.
______. O Amor do Espírito na Hellinger Sciencia. Patos de Minas: Atman, 2009.
______. No Centro sentimos leveza. São Paulo: Cultrix, 2004.
______. Ordens da Ajuda. Patos de Minas: Atman, 2005.
______. Ordens do amor: um guia para o trabalho com constelações familiares. Tradução
Newton de Araújo Queiroz. São Paulo: Cultrix, 2007.
LAGUNO, Cristina. Constelar para sanar. Argentina: Urano, 2017.
RIBES, Brigitte Champetier de. Empezar a Constelar. Madri: Gaia Ediciones, 2010.

257
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

MEDIAÇÃO SISTÊMICA: UM OLHAR


HUMANIZADO PARA AS RESOLUÇÕES
DE CONFLITOS

Amilton Plácido da Rosa


Geraldo Garcia Antero da Silva
Isabel Cristina Pires
Marisa Sandra Luccas
Marlene Elias Leite

01. INTRODUÇÃO

Este trabalho é o resultado de uma pesquisa científica que foi apresen-


tada à Faculdade Innovare como exigência parcial para obtenção do grau de
especialista em Direito Sistêmico. Ele trata do tema “Mediação Sistêmica: um
olhar humanizado para as resoluções de conflitos”, que é uma forma inovadora
de mediar conflitos, baseada nas compreensões sistêmicas-fenomenológicas
de Bert Hellinger, as quais tantos benefícios têm trazido ao ser humano e à
humanidade como um todo e que vêm se mostrando muito eficazes na faci-
litação da resolução de conflitos nos vários campos onde têm sido aplicadas.
Esse sucesso se dá porque por meio das abordagens hellingerianas se vai às
causas profundas dos problemas humanos, o que leva não só à solução do
conflito atual, mas também à prevenção de novas desavenças que surgiriam
a partir das mesmas causas, se não fossem resolvidas.
A Mediação Sistêmica é uma das abordagens surgidas a partir da
Hellinger® Sciencia e fortalecida aqui no Brasil com o surgimento do Direito
Sistêmico que, advindo da Constelação Familiar, tem também por objetivo
harmonizar, pacificar e curar as partes envolvidas em conflito(s), a partir da
descoberta de suas causas sistêmicas profundas.

258
MEDIAÇÃO SISTÊMICA: UM OLHAR HUMANIZADO PARA AS RESOLUÇÕES DE CONFLITOS

Em se falando no objetivo desse trabalho, mister se faz dizer que ele


não é algo concluído e acabado posto que almeja abrir caminhos para pes-
quisas e criações mais profundas nesta área, daí a preocupação dos autores
em demostrar que a Mediação Sistêmica é uma abordagem eficiente e eficaz
na facilitação da solução de conflitos, com uma alta potencialidade curativa e
transformadora do ser humano. Em assim fazendo, buscam eles incentivarem
outros a continuarem a pesquisa e a, principalmente, aplicarem este método
em sua atividade diária de facilitar a solução de desavenças.
Por tudo o que foi dito até aqui, percebe-se que a existência deste
trabalho está bem justificada, sendo muito clara a importância dele para a
sociedade, para cada pessoa que a compõe e para a comunidade científica.
Essa justificativa é reforçada ainda mais quando se olha para a necessidade
de abordagens como essa para resolver ou pelo menos amenizar a crescente
beligerância na sociedade e seu consequente aumento desenfreado da pro-
cura pelas instituições públicas e privadas que têm por finalidade resolver
conflitos, ou facilitar a sua resolução, como Poder Judiciário, Ministério
Público, Defensoria Pública, Advocacia e Institutos de Mediação, para que
eles coloquem fim às infindáveis desavenças pessoais e sociais.
Diante disso, buscou-se reunir, neste trabalho, dados/informações com
o propósito de demostrar aos atores do Direito e aos demais facilitadores de
solução de conflito que a Mediação Sistêmica pode ajudá-los a vencer esses
novos desafios que as pessoas e a sociedade lhes impõem, de modo que eles
desenvolvam seu papel com leveza, tranquilidade e produtividade.
Assim vista, esta abordagem é, sem sombra de dúvida, de suma im-
portância para o mundo jurídico, por colaborar com a essência principal do
Direito, que é a pacificação social e a prevenção de novos litígios.
Ao falar da metodologia utilizada neste trabalho, quais sejam, as
pesquisas bibliográficas, há de se dizer, inicialmente, que apesar de a Me-
diação Sistêmica já existir, ela é ainda pouco difundida no meio acadêmico
e jurídico, daí a escassez de literatura específica a respeito dela, o que exigiu
dos autores do trabalho um grande esforço para a sua consecução. Foi como
construir algo totalmente novo, com a feitura das adaptações necessárias, a
partir dos conhecimentos adquiridos durante a pós-graduação em Direito
Sistêmico, das publicações científicas que tratam das Abordagens Sistêmicas,

259
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

sendo de fundamental importância para tanto os livros de Bert Hellinger,


os artigos encontrados no blog de Sami Storch, os elementos existentes na
Internet sobre o assunto e, sobretudo, a entrevista com a professora Cristi-
na Llaguno que deu um novo direcionamento às pesquisas que levaram à
concretização desse trabalho.
Finalmente chegou o momento de mostrar a estrutura deste trabalho
de conclusão do curso de pós-graduação. Primeiro, delineou-se o caminho
histórico pelo qual a humanidade atravessou para solucionar suas contro-
vérsias, partindo da análise do conflito, passando pela mediação tradicional
para então adentrar a esfera da Mediação Sistêmica: sua definição, imbri-
camentos e demais constructos advindos desse novo e paradigmático olhar
sobre a facilitação da solução dos conflitos.
Posteriormente, foram abordados a Constelação Familiar e o Direito
Sistêmico, sendo que este facilitou o caminho, na Justiça brasileira, para
vários campos de atuação sistêmico-fenomenológica e, em especial, para a
abordagem objeto deste trabalho.
Por derradeiro, foi possível refletir sobre esta maravilhosa inovação,
bem como os benefícios possíveis rumo à pacificação pessoal, interpessoal
e social na junção do conhecimento hellingeriano ao instituto da Mediação,
dando possibilidade assim de se chegar a novel e eficiente Mediação Sistêmica.

02. ASPECTOS HISTÓRICOS DA RESOLUÇÃO DE CONFLITOS

A sociedade tem evoluído ao longo do tempo não só em relação à


compreensão de conflito, mas também na forma de resolvê-lo. Ela viveu
por vários séculos com a ideia de que o que era mal devia ser combatido
e, por isso, o conflito, por ser algo considerado ruim, deveria ser evitado e
rechaçado a todo custo.
Entretanto, mesmo que o conceito de conflito continue o mesmo
nos dicionários, essa ideia mudou. Ele não é visto mais como um mal,
mas como algo natural, próprio da natureza humana, algo que, como mola
propulsora do desenvolvimento da vida, leva o ser humano à evolução,
ao amadurecimento e ao crescimento, colocando em dúvida as verdades

260
MEDIAÇÃO SISTÊMICA: UM OLHAR HUMANIZADO PARA AS RESOLUÇÕES DE CONFLITOS

do indivíduo e o obrigando a refazer seus conceitos, forma de viver e de


se relacionar.
Partindo dessa premissa, reprimir um conflito é um ataque à dinâmica
da vida, da fluidez da energia física e psíquica. Se o conflito não puder ser
resolvido no âmbito da consciência, o corpo será usado como instrumento
de ajuda, materializando a dificuldade não solucionada de forma simbólica.
Dethlefsen e Dahlke ponderam sobre os benefícios do conflito nos
seguintes termos:

Assim como o corpo sai mais forte de uma infecção, também a


psique sai sempre fortalecida de cada conflito, pois o confronto com
o problema a ensinou, através de seu esforço para decidir entre dois
polos conflitantes, a ampliar fronteiras; desta forma, ela se tornou mais
consciente. De cada conflito vivido tiramos o lucro de uma informação
(conscientização) que, analogamente à imunidade específica, capacita a
pessoa a lidar com problemas futuros de um modo que envolva riscos.
Além disso, todo conflito por que passamos nos ensina a enfrentar
melhor e com mais confiança os conflitos em geral, fenômeno esse
que corresponde à imunidade geral do corpo. (DETHLEFSEN e
DAHLKE, 1998, p. 99)

Assim, vê-se que, a cada conflito vivido, a pessoa fica mais forte,
melhor capacitada e confiante para lidar com conflitos futuros, bem como
amplia suas fronteiras e consciência, de modo que, de conflito em conflito,
ela vai evoluindo e se superando. Esse processo é tão duro quanto curativo
e benfazejo que cabe aqui, parafraseando Nietzsche (2001, p. 7), dizer que
aquilo que não destrói o ser humano, torna-o mais forte.
O professor Morton Deustch, da Columbia University – NY, a respeito
dos pontos positivos e construtivos do conflito assevera:

O conflito previne estagnações, estimula interesse e curiosidade,


é o meio pelo qual os problemas podem ser manifestados e no qual
chegam as soluções, é a raiz da mudança pessoal e social. O conflito
é frequentemente parte do processo de testar e de avaliar alguém e,

261
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

enquanto tal, pode ser altamente agradável, na medida em que se


experimenta o prazer do uso completo e pleno da sua capacidade.
De mais a mais, o conflito demarca grupos e, dessa forma, ajuda a
estabelecer uma identidade coletiva e individual; o conflito externo
geralmente fomenta coesão interna. (DEUSTCH, 2004)

Hellinger (2014, p. 7) divide os conflitos em duas categorias, pequenos


e grandes conflitos, sendo que os grandes, a seu ver, são destrutivos, pois,
“por trás deles, atua uma vontade de extermínio”. Os pequenos conflitos, dos
quais trata este trabalho, são, para ele, diários e benéficos para o crescimento
e evolução do ser humano. Eis como ele expõe isso, ad verbum:

Conflitos acontecem todos os dias. Eles surgem quando precisamos


impor-nos. Ajudam-nos a crescer, a encontrar soluções melhores, a
ampliar nossas fronteiras. Portanto, em última análise, contribuem
para a segurança e a paz. Esses são os pequenos conflitos. Eles nos
são familiares. (HELLINGER, 2014, p. 7)

Assim, vê-se que há uma mudança de compreensão do conflito e, com


ela, a forma de solucioná-lo também. Olhando bem para trás e fazendo um
grande salto no tempo, vê-se que a sociedade saiu da justiça privada – onde
a solução das desavenças era feita pela força, o mais forte impunha a solução
– para chegar à justiça adversarial e, mais recentemente, à autocomposição,
justiça não adversarial.
Academicamente falando, o salto de justiça privada para a autocom-
posição ganhou destaque, nesta era, com o estudo da negociação, na Uni-
versidade de Harvard, que é a resolução do conflito pelas próprias partes,
sem a intervenção de um terceiro. Aqui, o “ganha-perde”, da barganha, não
é mais o meio mais eficaz e aceito.
A partir daí surgiu a negociação integrativa, fundada em quatro prin-
cípios, quais sejam: (i) separar as pessoas do problema; (ii) focar-se nos
interesses e não nas posições; (iii) criar múltiplas opções, o máximo possível;
e (iv) criar critérios objetivos.

262
MEDIAÇÃO SISTÊMICA: UM OLHAR HUMANIZADO PARA AS RESOLUÇÕES DE CONFLITOS

O importante disso é que os princípios da negociação integrativa, da


Escola Tradicional de Harvard, se tornaram a base para a construção, nesta
mesma escola, da Mediação da era moderna, que representou mais um salto
importante na evolução da resolução dos conflitos.
Em razão de sua origem, a Mediação, dentro do pragmatismo desta
Escola, é uma negociação integrativa, e não uma negociação com barganha,
onde impera o ganha-ganha e o foco é o acordo que é buscado por meio de
técnicas preestabelecidas e o bom senso.
A Mediação Harvardiana, apesar de ter nascido em uma escola tradi-
cional-linear e pragmática, é uma abordagem aberta e flexível que se adapta,
facilmente, aos contextos de cada sociedade, em todos os seus aspectos,
principalmente nos econômico, social, familiar e jurídico, o que faz com
que a Mediação continue a evoluir e a receber contribuições de variadas
culturas, metodologias e ciências e dar azo ao surgimento de outros mode-
los de mediação, dentre as quais se destacam a Mediação Transformativa
de Bush e Folger, a Mediação Circular-Narrativo de Sara Cobb, a Mediação
Warattiana de Luis Alberto Warat, a Mediação Avaliativa e, finalmente, bem
recentemente, a Mediação Sistêmica.
Esta última, que constitui o objetivo principal deste trabalho, embora
já existisse em outros países, como Espanha e Áustria, antes do surgimento
do Direito Sistêmico, foi ela, no Brasil, enriquecida e tomou força com esta
abordagem, que, por sua vez, tem sua origem na Constelação Familiar.

03. MEDIAÇÃO SISTÊMICA

Desde que o juiz de direito Sami Storch mostrou que era possível
aplicar, com grandes vantagens e eficiência, a Constelação Familiar e seus
princípios, percepções, leis e metodologia no Judiciário para facilitar a so-
lução de conflitos, percebeu-se que isso era possível de se fazer também em
relação às outras variadas formas, técnicas e métodos destinados à resolução
de conflitos, dentre elas a Mediação, o que, como já dito, enriqueceu, em
muito, a Mediação Sistêmica.
Mediação Sistêmica é uma nova forma de mediar conflitos, por meio
da utilização da postura sistêmico-fenomenológica e com a aplicação das

263
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

compreensões, percepções, metodologias, técnicas, filosofia e ensinamen-


tos hellingerianos, encontrados nas abordagens sistêmicas, cientificamente
denominadas de Hellinger® Sciencia, dentre elas a Constelação Familiar e o
Direito Sistêmico, com o objetivo de harmonizar, pacificar e curar as partes
envolvidas em conflito(s).
Parafraseando Sami Storch quando conceitua Direito Sistêmico, po-
de-se dizer que a Mediação Sistêmica é uma visão sistêmico-fenomenológica
aplicada à solução de conflitos, pela qual só há uma solução verdadeira e
definitiva quando ela traz paz, equilíbrio e harmonia para todos os sistemas
das pessoas envolvidas na desavença, de modo que ela seja vista sob uma
ótica baseada nas ordens superiores que regem as relações humanas, as quais
Bert Hellinger denomina de Ordens do Amor ou leis para a vida.
Em se falando das Ordens do Amor e considerando a eficiência delas,
é fácil perceber que muitas intervenções do mediador falham porque ele,
por desconhecimento, delas não faz uso. Isso é uma grande perda, posto
que tão-somente o conhecimento e a aplicação delas já trazem uma grande
transformação em relação ao olhar para qualquer conflito, independente-
mente de sua origem e natureza.
Com estas Ordens do Amor vem também toda uma visão sistêmico-
-fenomenológica que auxilia na compreensão das dinâmicas existentes nos
conflitos, de modo que a melhor solução surge, naturalmente, para cada caso.
Aqui, o que interessa é a visão sistêmico-fenomenológica hellingeriana,
sendo a Mediação Sistêmica uma boa forma de aplicá-la. Por meio dela, os
mediandos e o mediador têm a possibilidade de melhor compreender o con-
flito, suas causas e a forma com que a beligerância atua e reflete na alma deles.

03. 1. AS ABORDAGENS SISTÊMICAS HELLINGERIANAS QUE DÃO


EMBASAMENTO À MEDIAÇÃO SISTÊMICA

Todas as Abordagens Sistêmicas Hellingerianas dão suporte à Mediação


Sistêmica e todos os seus princípios, leis, filosofia e metodologia podem ser
aplicados durante sua realização, mormente os referentes às Constelações

264
MEDIAÇÃO SISTÊMICA: UM OLHAR HUMANIZADO PARA AS RESOLUÇÕES DE CONFLITOS

em geral, como bem esclarece com a profundidade que lhe é peculiar a


professora Cristina Llaguno61, in verbis:

Veja, eu só falo em constelações, sem dizer familiares, porque,


muitas vezes, há temas [na mediação] que têm a ver com empresas,
com o trabalho, com negócios. Então, uso os princípios das conste-
lações. Se digo familiar, estou sempre trazendo para se trabalhar o
pai e a mãe da pessoa.
Se posso ter uma amplitude e critérios importantes, tenho mui-
to mais opções. Por isso, é importante que as pessoas se formem
seriamente com professores que trabalham ortodoxamente com os
ensinamentos de Bert Hellinger. Eu não posso usar uma parte e de-
sistir de outra. Tenho que conhecer a totalidade. Quando conheço
a totalidade, posso aplicá-la criativamente. Se estou tomando uma
coisa sim e a outra não, estou improvisando e isso não é sério, não é
respeitoso para com as pessoas. LLAGUNO (2018)

Embora o trabalho de Mediação Sistêmica possa ser feito com as


Constelações, como visto nos parágrafos anteriores, nos dois subitens seguin-
tes, entretanto, serão tratados apenas da Constelação Familiar e do Direito
Sistêmico, por estarem muito próximos da Mediação Sistêmica usada no
Brasil e por ser para ela um forte elemento de apoio.
Por falar em Constelações, é bom esclarecer, antes de passar para os
tópicos seguintes que a Hellinger Schule, em seu site (https://www.hellin-
ger.com/pt/pagina/constelacao-familiar), refere-se apenas à Constelação
Familiar, ou melhor, à “Constelação Familiar Original Hellinger®” a qual é
aplicada às várias áreas do saber humano: “Política, Grandes corporações,
médias e pequenas empresas, empresas individuais, Gestão e administração
executiva, Universidades e escolas, Tribunais, Hospitais e, claro, para todos
os assuntos individuais”.

61. Cristina Llaguno, de naturalidade argentina, é advogada, consteladora, mediadora, es-


critora e Professora de Direito Sistêmico da escola alemã Hellinger Schule e da Faculdade
Innovare.

265
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

03.1.1 Constelação Familiar

Para a cabal compreensão da Constelação Familiar, há de se registrar


que existem realidades que a mente racional não atinge. Não só não atinge,
como não suspeita de sua existência e fica com a falsa ideia de que a realida-
de se resume àquilo que ela percebe com auxílio dos cinco sentidos, sendo
que, a partir daí e com essa limitação, quer resolver todos os problemas da
existência humana, entre eles, os conflitos que ocorrem.
Embora seja pouco o que a mente alcança, isso já é um grande início
e constitui a ponta do iceberg – que Nilton Bonder denomina de “aparente
do aparente” – o qual indica que realidades e dimensões mais profundas
existem além dela, onde se encontram as reais causas dos problemas, dos
enigmas, das indagações e das inquietações humanas que, com o acesso a
essas profundas dimensões – que Bonder (2010) denomina de oculto do
aparente, aparente do oculto e oculto do oculto –, podem ser resolvidas.
Neste contexto, a Constelação Familiar é a eficiente abordagem de-
senvolvida pelo alemão Bert Hellinger para se acessar, a partir do aparente
do aparente e por meio da Representação, as outras dimensões citadas por
Nilton Bonder, de maneira a ir às causas sistêmicas e profundas da problemá-
tica humana, como conflitos, insucessos, fracassos, doenças, abortos, morte,
prematuras e difíceis e, a partir disso, encontrar a solução.
Nesta busca das supramencionadas causas, a Constelação Familiar
trabalha com o óbvio postulado da medicina de que “cessada a causa, cessam
os efeitos”, de modo que quando a causa é eliminada, ela não mais volta a
dar origem a novos problemas, em razão do que se tira as pessoas da rota
do fracasso e as empodera.
Para se chegar a estas profundezas, a Constelação Familiar precisa
de quatro elementos básicos: de alguém que se dispõe a olhar para as reais
causas que o impedem de seguir avante; de um Constelador que irá facilitar
o trabalho; de participantes que deem suporte ao trabalho, quando ele é feito
em grupo; e de pessoas, dentre os participantes, que se disponham a estar a
serviço, entrando no campo do sistema do constelando como representan-
tes do próprio constelando, de membros, de sintomas, de sentimentos, de
doenças, etc., para trazer à luz o que nele ocorreu e está oculto.

266
MEDIAÇÃO SISTÊMICA: UM OLHAR HUMANIZADO PARA AS RESOLUÇÕES DE CONFLITOS

Para o êxito da dinâmica, todos os participantes do processo, a começar


pelo facilitador-constelador, devem estar numa postura sistêmico-fenome-
nológica, tendo como guia as Ordens do Amor, as Ordens da Ajuda de Bert
Hellinger e todos os demais conhecimentos e percepções surgidos a partir
da aplicação da Hellinger® Sciencia.
Descoberto o véu e surgida a informação necessária, cabe ao conste-
lado fazer os movimentos necessários para que a cura ocorra. Isso porque
sem movimento não há cura, não há solução.
Neste sentido, vê-se que a Constelação mostra o que o cliente deve e
consegue ver naquele momento. A partir daí, a responsabilidade é dele. Cabe
a ele fazer os movimentos necessários, movimentos de consciência e físico.
Assim, vê-se a importância, para a Mediação tradicional e para a
Mediação Sistêmica, da Constelação Familiar, no que concerne à solução e
prevenção dos conflitos e à pacificação social.

03.1.2 Direito Sistêmico

O Direito Sistêmico é o Direito que serve a vida, que rege a sociedade


por meio de leis sistêmicas, dando suporte à criação, execução e aplicação
das leis regentes da sociedade e de cada indivíduo que a compõe. Neste viés,
ele é antes de tudo uma postura, uma nova forma de viver, de legislar, de
administrar e de se fazer Justiça, tendo como suporte as leis, os princípios
e as percepções sistêmico-fenomenológicos de Bert Hellinger. Ele começa
com leis sistêmicas que possibilitam, de conformidade com a Constituição
Federal (BRASIL, 1988), a construção de uma sociedade fraterna, solidária,
justa, igualitária, segura, livre, fundada na dignidade da pessoa humana e
na harmonia social, e comprometida com o bem de todos e com a solução
pacífica das controvérsias, de modo que todos se sintam pertencentes, no
seu lugar e devidamente compensados pelo que fez, faz e realiza.
Na perspectiva de Storch, o Direito Sistêmico é “uma visão sistêmica
do direito, pela qual só há direito quando a solução traz paz e equilíbrio
para todo o sistema”. Isso é possível porque ele “atua nas causas-raízes das
desavenças, de modo a erradicar de vez a mola propulsora dos conflitos”.
(STORCH, 2018)

267
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

De acordo com Amilton Plácido da Rosa, um dos autores deste artigo,


Sami Storch, em suas compreensões mais recentes, percebeu que o Direito
Sistêmico não pode ser considerado um ramo autônomo do Direito. Trata-se,
segundo ele, de um novo olhar para a Ciência Jurídica, pois tem ele a função
primordial de levar o Direito tradicional à sua missão original que é a de
estar a serviço da reconciliação e da paz.
Eis como ele revela isso:

“O Direito Sistêmico é o próprio Direito. Ele é, na verdade, um


meio, é um novo campo de transição que olha para onde tem que olhar
e, assim, cumpre seu papel de levar o Direito tradicional de voltar à
sua origem e à sua missão primordial que é a de estar a serviço da
reconciliação e da paz social.
Quando o Direito Sistêmico cumprir este papel não se falará
mais em Direito Sistêmico, pois o Direito já será em si sistêmico, ele
seguirá normalmente as três leis sistêmicas que permeiam toda a vida,
mesmo porque não se admite um Direito que não seja sistêmico, que
não esteja fundamentado nestas leis.” (DA ROSA 2019c)

O Direito Sistêmico, quando aplicado no Sistema de Justiça, é definido


por um dos autores deste trabalho como sendo

um método sistêmico-fenomenológico de solução de conflitos,


com viés terapêutico, que tem por escopo conciliar, profunda e defini-
tivamente, as partes, em nível anímico, mediante o conhecimento e a
compreensão das causas ocultas geradoras das desavenças, resultando
daí paz e equilíbrio para os sistemas envolvidos. (DA ROSA, 2016)

Ainda na visão de Da Rosa (2014), o Direito Sistêmico é a Justiça curativa


de soluções profundas e duradouras, sendo, para ele, a lei do Equilíbrio entre o
Dar e o Tomar o fundamento da Justiça.

268
MEDIAÇÃO SISTÊMICA: UM OLHAR HUMANIZADO PARA AS RESOLUÇÕES DE CONFLITOS

03. 2. ELEMENTOS QUE DÃO SUPORTE À MEDIAÇÃO SISTÊMICA

Passa-se a enumerar os elementos surgidos das abordagens sistêmicas


que dão suporte à Mediação Sistêmica: Sistema, Fenomenologia, Ordens do
Amor, Ordens da Ajuda, Ordens do Sucesso, Representação, Consciência,
Culpa e Inocência, Campo Morfogenético, Ressonância Mórfica, os vários
tipos de amor, emaranhamento e destino. Em razão do espaço dedicado a
este trabalho, falar-se-á de cada um desses elementos com bastante brevidade.

03.2.1 Sistema, Pensamento Sistêmico, Campo Morfogenético


e Ressonância Mórfica aplicados à Hellinger® Sciencia

Sistema é um conjunto de elementos ou indivíduos interdependentes


que forma um todo organizado, integrado e coeso, de modo que mudanças
em uma das partes provocam mudanças no todo. E pensamento sistêmico
é a compreensão de um fenômeno dentro do contexto de um todo maior.
Neste sentido, ele se opõe ao pensamento reducionista-mecanicista-linear.
Vê-se assim que, por este princípio, todas as informações do sistema
permanecem em seu campo energético e são compartilhadas por todos os
elementos do sistema. A esse campo energético-informacional, constituído
de uma memória imaterial, Sheldrake denominou Campo Morfogenético.
Assim, o que alguém faz, pensa ou sente não só permanece no campo
sistêmico como repercute em todos os que pertencem ao sistema, sendo que,
quanto maior for a frequência com que um padrão é repetido, tanto maior
é a probabilidade de que ele venha a ser adotado.
Levando estes conhecimentos para as abordagens sistêmicas da Hel-
linger® Sciencia, entre elas a Mediação Sistêmica, vê-se que o indivíduo é
a soma de tudo o que aconteceu e acontece em seu sistema, tanto de bom
quanto de ruim; ele é essa herança sistêmica que atua nele. Por isso se diz
que, enquanto não tiver consciência de tudo isso, ele não se faz, ele é feito
pelo seu sistema.
Neste sentido, Bert Hellinger entende que os fatos ocorridos no seio
da família, desde as gerações passadas, repercutem nas presentes e futuras
gerações, sendo a origem de doenças físicas, emocionais e psíquicas, bem

269
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

como responsável por dificuldades no âmbito afetivo, profissional e finan-


ceiro. Estas compreensões são fundamentais para que o mediador sistêmico
tenha um olhar sistêmico-fenomenológico no momento dos atendimentos.

03.2.2 Os vários tipos de Amor, o Emaranhamento e o Destino

Segundo Bert Hellinger, há vários tipos de amor: amor cego, amor


que vê, amor à beira do abismo, amor do espírito, o amor que sabe, amor
infantil e o amor que ele denomina de “o outro amor”.
Aqui importa tratar do amor cego e do amor que vê. O amor cego é
o amor que adoece, que causa os emaranhamentos, isto é, o amor guiado
pela boa consciência, aquela com a qual uma pessoa faz, pensa e sente tudo
de acordo com o mandado de seu sistema familiar e de outros sistemas ao
qual ela pertence, sendo que é essa boa consciência que dá origem aos con-
flitos, às brigas, às guerras e aos extermínios. Por isso é que ensina Hellinger
(2014, p. 16) que o primeiro passo para vencer tudo isso é “compreender a
fundo o lado mau e perigoso da boa consciência”; o segundo passo é ir para
o amor que vê, o amor da má consciência, o amor que cura. É este amor que
é guiado pelo amor do espírito e que é capaz de dizer sim à vida como ela é
e aceitar e amar a todos igualmente. Este amor também pode ser chamado
de o outro amor que, de acordo com Hellinger (2009, p. 240), é o “amor por
todos, tais como são, é [....] o grande amor que está além do bem e do mal,
além dos grandes conflitos.
O destino está umbilicalmente ligado ao amor cego, à boa consciên-
cia e, por consequência, aos emaranhamentos, por ser tudo aquilo que foi
destinado a uma pessoa pelo seu sistema familiar e que ela não quer soltar,
ficando, portanto, determinada e sujeita a este destino.

03.2.3 Ordens do amor e os tipos de consciências

Na visão sistêmica da Hellinger® Sciencia, todos os movimentos do


ser humano são movimentos de amor, ou ele se guia pelo amor cego ou pelo
amor que vê, sendo que estes dois tipos de amor nascem do cumprimento ou
da violação de três leis que Bert Hellinger denominou de Ordens do Amor
ou leis da vida, as quais regem todos os relacionamentos humanos. Dentro

270
MEDIAÇÃO SISTÊMICA: UM OLHAR HUMANIZADO PARA AS RESOLUÇÕES DE CONFLITOS

das consciências pessoal e grupal, quando estas leis são respeitadas tem-se
a boa consciência. Já com a violação delas vai-se para a má consciência, a
consciência condutora para a consciência espiritual que dá origem ao amor
adulto, o amor que vê.
Hellinger chamou as leis sistêmicas de Ordens do Amor, porque ele
percebeu que o amor precisa de uma ordem sem a qual ele é insuficiente.
É bom observar que essas Ordens são também conhecidas como leis
sistêmicas pois elas regem não só os relacionamentos humanos, mas tam-
bém todos os sistemas vivos (mineral, vegetal, animal e humano), os quais
garantem sua completude, se autorregulam e interagem entre si e com outros
sistemas abertos por meio destas leis.
Refletindo sobre amor e conflito, temos as percepções de Marisa Sandra
Luccas, uma das autoras deste trabalho:

Com maestria, Hellinger, na observância minuciosa dos com-


portamentos e sentimentos provenientes das relações e interações
humanas, desvendou a existência de leis naturais as quais regem o
comportamento humano e que, quando desobedecidas, trazem desar-
monia ao sistema, o qual não raro é acrescido de dor e sofrimento. A
desestabilização do sistema, em essência, constitui em última análise
o miolo, o cerne, o âmago do conflito. (LUCCAS, 2018)

Ainda a respeito da importância dessas Ordens para a facilitação da


resolução de conflitos, Sami Storch revela algo importante, nos seguintes
termos:

O mero conhecimento dessas ordens ocultas, descritas por Hellin-


ger como as “ordens do amor”, permite a compreensão das dinâmicas
dos conflitos e da violência de forma mais ampla, além das aparências,
facilitando ao julgador adotar, em cada caso, o posicionamento mais
adequado à pacificação das relações envolvidas. (STORCH, 2015)

Estas Ordens são tão importantes que se pode afirmar que depois que
se as conhece não tem mais como ver e de viver a vida do mesmo jeito, de
forma rasa e ilusória. Hellinger (2008, p. 189) manifesta a importância delas

271
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

dizendo que suas “compreensões [....] sobre estas leis da vida constituem as
compreensões fundamentais, imprescindíveis para as Constelações familiares.
As Ordens do Amor são: Pertencimento, Hierarquia/Ordem e Equi-
líbrio entre o dar e o tomar, sendo que dessas leis emanam os vários tipos
de consciência que Hellinger, na mesma obra e página citadas no parágrafo
anterior, diz que são tão fundamentais e imprescindíveis para as Constelações
familiares quanto as Ordens do Amor, sendo que ele as compreendeu por
meio do caminho fenomenológico do conhecimento.

03.2.3.1 Pertencimento

Todos que foram concebidos em um sistema familiar pertencem a ele,


independentemente de terem estado nele um segundo ou um século. Quem
pertenceu um dia ao sistema familiar pertencerá sempre e não pode ser dele
excluído, pois a consciência coletiva não admite exclusões e impõe graves
consequências quando isso ocorre. Vivos e mortos pertencem, inclusive os
que não puderam nascer e que, comumente, são chamados de aborto, como
se não fossem mais filhos.
É relevante dizer que o pertencimento não se dá apenas pelo vínculo
de sangue, pela ancestralidade, mas também pelo vínculo de destino que é
determinado por alguns eventos importantes, como assassinato, casamento,
alguém que tenha cedido lugar a outros no grupo familiar, como parceiro
anterior ou que, em razão de desgraça ou morte, tenha resultado em vanta-
gem para outras pessoas do grupo familiar.
Na lei do Pertencimento, há dois movimentos básicos, o da inclusão
(reforço do vínculo), que é aquele que traz a paz e a reconciliação, e o da
exclusão, (violação desta lei) que gera conflitos, guerras e mortes. A inclusão
é causada por quem se sente igual. Já a exclusão é levada a cabo por quem
se sente bom, melhor, eleito, escolhido, sendo que o processo de inclusão é
ajudado por frases sistêmicas como: você pertence! Você é um de nós! Eu
vejo você! Nós somos iguais!
Há nesta primeira lei um aparente paradoxo, pois não é o pertenci-
mento, mas sim o não-pertencimento que está a serviço do crescimento do
ser humano. Quem quer estar sempre pertencente, está na comodidade,

272
MEDIAÇÃO SISTÊMICA: UM OLHAR HUMANIZADO PARA AS RESOLUÇÕES DE CONFLITOS

na zona de conforto da boa consciência, não cresce. Assim age porque tem
medo de arriscar o próprio pertencimento, posto que o não-pertencimento
leva ao desconforto da má-consciência. Entretanto, é necessário arriscar o
pertencimento, para se fazer diferente, para crescer e, para isso, tem-se que
ter força.
Esta lei sistêmica, bem como todas as demais, deve ser considerada
no momento da Mediação pelo mediador que deve saber que há postura,
frases e intervenções sistêmicas que ajudam na inclusão e outras que levam
à exclusão. Deve ele olhar as partes como pertencentes a um sistema familiar
do qual elas seguem, inconscientemente, os mandados.

03.2.3.2 Hierarquia/Ordem, o Lugar que cada um Ocupa no seu


Sistema

A Hierarquia/Ordem é o lugar que cada um ocupa no sistema e é


estabelecida pelo momento em que se chega no seu respectivo sistema (fa-
miliar, organizacional, escolar, comunitário, dentre outros) de modo que
todos tenha o seu lugar. Os que chegaram primeiro têm precedência sobre
os que chegaram depois. Assim, a ordem é sempre dos mais antigos para os
mais novos, não se podendo invertê-la. Os mais novos não devem tomar a si
as dores dos mais antigos. Isso, conforme ensina Bert Hellinger, enfraquece
a alma dos antecessores. A desordem assim estabelecida traz desequilíbrio
para o sistema, pois a Consciência Coletiva não admite a interferência dos
pequenos nos assuntos dos grandes, sem que isso gere fracasso, doença,
destinos difíceis e até mortes.
Neste sentido, o marido e a mulher que chegaram juntos, que disseram
sim, um para o outro, ao mesmo tempo, são iguais. Os pais, que chegaram
antes dos filhos, são grandes e estes, pequenos. Já, quanto aos irmãos, os
mais velhos têm precedência sobre os mais novos. A exceção a esta regra é
a família atual em relação à(s) anterior(es), com ensina Hellinger (2008, p.
70): “A família posterior não anula o vínculo com a anterior, assim como a
família nova não anula o vínculo com a família de origem. Contudo, ela tem
prioridade em relação à anterior.”

273
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

Esta lei sistêmica é violada quando alguém ocupa o lugar de outro,


permanecendo ou não no próprio lugar, devendo-se observar que para estar
de acordo com esta lei não basta estar no próprio lugar, deve-se estar só no
seu lugar e totalmente no seu lugar.
Na mediação, o primeiro a seguir esta lei sistêmica é o mediador que
deve se colocar na posição de ajudante, aquele que está a serviço das partes,
sendo estas, portanto, as mais importantes.

03.2.3.3 Compensação: Equilíbrio Entre o Dar e o Tomar

A Consciência Coletiva exige uma compensação adequada para o


que foi dado ou recebido. Neste sentido, todo bem recebido deve ser com-
pensado e todo dano causado, reparado. Isso é uma fome da alma. Quem
recebe algo bom sente logo a pressão para retribuir. Aquele que causa um
dano num estado não psicótico sente-se culpado, sente a necessidade de
reparar o dano causado.
A necessidade do equilíbrio serve, no sistema familiar, aos relaciona-
mentos e, no Sistema de Justiça, à sua realização, pois, neste segundo caso,
quem faz o mal ao seu semelhante e à sociedade, deve receber a sentença
equilibradora ou deve, sponte propria, fazer a compensação devida. Quem
não paga pelo que fez, repassa seu débito para seus descendentes e estes, se
não pagam, passam para as gerações seguintes, até que não haja mais débito.
A compensação deve se dar tanto nas boas quanto nas más coisas,
sendo que nas boas, compensa-se com um pouco mais e nas más, dá-se o
troco um pouco menos. Se a contrapartida não se der dessa forma, o rela-
cionamento corre o risco de terminar ou de ficar seriamente abalado, posto
que o equilíbrio entre o dar e o tomar determina a igualdade no relaciona-
mento que é a força desse vínculo. Assim, quando um dá mais que o outro,
essa igualdade desaparece e, por conseguinte, o vínculo de amor do casal
enfraquece ou até desaparece.
Bert Hellinger aprofunda essas compreensões asseverando que:

[...] faz parte das ordens do amor na relação entre o homem e a


mulher que ambos se reconheçam como iguais. Qualquer tentativa de

274
MEDIAÇÃO SISTÊMICA: UM OLHAR HUMANIZADO PARA AS RESOLUÇÕES DE CONFLITOS

colocar-se diante do parceiro numa atitude de superioridade, própria


dos pais, ou de dependência, característica da criança, restringe o fluxo
do amor entre o casal e coloca em perigo a relação. (HELLINGER,
2008, p. 59)

Em relação a esta lei, o mediador deve estar atento para o fato de que,
de acordo com Hellinger (2006, p. 142), “um dos motivos principais de uma
briga é a falta de igualdade ou de equilíbrio entre o dar e o aceitar”, de modo
que ele vele para que a solução seja alcançada pelas partes com base nesta
lei sistêmica do equilíbrio. Às vezes, uma das partes não precisa senão de
um reconhecimento para que ocorra a compensação e a harmonia volte a
reinar entre elas.

03.2.3.4 Consciências que Emanam das Três Ordens do Amor

Dentro da abordagem sistêmica há vários tipos de consciência: a boa


(leve) e a má (pesada) consciência, as consciências pessoal (que é aquela
que serve ao pertencimento e à sobrevivência pessoal), coletiva (é a que
está a serviço da sobrevivência do grupo como um todo e que dá a todos do
sistema o mesmo direito de pertencer, sem nenhuma exceção) e espiritual
(a que acolhe a todos igualmente, como são, independente do grupo a que
pertencem). Nenhuma delas tem a ver com a boa e a má consciência da
moral, mas com o cumprimento ou com a violação das três leis sistêmicas.
Assim, quando alguém segue estas leis, fica na boa consciência e quando
as viola se sente de consciência pesada. A boa consciência consegue-se com
o amor cego e má consciência com o amor iluminado.
Em relação à lei sistêmica do Pertencimento, fica na boa consciência
quem faz as coisas seguindo os valores, padrões e mandados de seu sistema,
pois, com isso, seu pertencimento fica garantido. Quem assim age sente-se
inocente. Já quem faz algo contrário a estes valores, padrões e mandados,
sente-se de má consciência, pois coloca em risco seu pertencimento ao
próprio sistema. Nesta condição, sente-se culpado.
Às vezes se julga alguém, cobra dele que seja diferente, que se corrija,
ignorando que ele faz o que faz regido por uma boa consciência da qual não

275
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

pode se desvencilhar com facilidade. Mudar para essa pessoa significa ficar
de má consciência, o que lhe é difícil. E se muda, logo sente a necessidade
de pertencer novamente, voltando a ser exatamente como era antes.
Bert Hellinger nos expõe isso da seguinte maneira:

Tão logo alguém se desvie daquilo que é válido em sua família,


em seu grupo, isto é, quando precisa temer que através de seus atos
coloca em jogo a sua pertinência, tem uma consciência pesada. A
consciência pesada é tão desagradável que faz com que ele mude o
seu comportamento de tal forma que possa pertencer novamente.
(HELLINGER, 2005, p. 67)

Como se vê, não só é difícil mudar, como difícil é também sustentar


uma mudança. Aqui se confirma que, realmente, o pertencimento é um imã
poderoso que faz com que aquele que pertenceu um dia ao grupo volte a
se reencontrar.
Em razão dessas compreensões, o mediador deve – para bem exercer
seu papel de facilitador de conflitos, para não julgar e para não se colocar ao
lado das vítimas contra os perpetradores – ir para a consciência espiritual.
A consciência que olha para todos com o mesmo amor.
Em relação à Hierarquia/Ordem, a boa consciência se dá, em nível
pessoal, quando o pequeno, por um amor cego, quer fazer em lugar do
grande. É o caso, por exemplo, do filho que quer morrer pelos pais. Em
nível da consciência coletiva, estar no lugar do grande se dá com uma má
consciência, pois essa consciência não admite a interferência dos pequenos
nos assuntos dos grandes.
Boa consciência ou inocência na consciência coletiva é cada um estar, no
próprio sistema, em seu lugar, apenas no seu lugar e totalmente no seu lugar.
Em relação à lei sistêmica do Equilíbrio entre o Dar e o Tomar, fica
na boa consciência, isto é, inocente, quem dá; e na má consciência, ou seja,
culpado, quem recebe. Alguns querem permanecer inocentes, de consciên-
cia leve, importantes e superiores, não tomando ou não permitindo que o
outro retribua o que ele deu. Isso é feito com sacrifício da boa consciência

276
MEDIAÇÃO SISTÊMICA: UM OLHAR HUMANIZADO PARA AS RESOLUÇÕES DE CONFLITOS

do outro, pois quem só recebe fica com a má consciência, sente-se culpado,


pequeno, pesado, inferior.
Vê-se aqui a razão pela qual Bert Hellinger diz que o relacionamento fica
abalado quando não há equilíbrio entre o dar e o receber. Dá-se exatamente
porque ninguém consegue ficar por muito tempo na consciência pesada,
suportando as consequências que gera esta consciência. Ademais, até quem
está na boa consciência, por ter dado muito ou por não ter permitido que o
outro o retribua, sente-se incomodado com a situação, posto que, segundo
Hellinger (2002, p. 30), só o equilíbrio no dar e no receber traz a paz. Logo,
quem tem boa consciência aqui não tem a paz.

03.2.4 A Fenomenologia

Fenomenologia é um método filosófico de conhecimento o qual Hellin-


ger (2008, p. 189) chama de “o caminho fenomenológico do conhecimento”.
A este caminho se trilha tendo um contato direto com os fatos e as coisas,
valendo-se de uma observação, em total estado de presença, vazio, aberto,
receptivo, neutro, livre de qualquer predisposição, equívoco, julgamento,
teoria e interpretação, sem intenção, sem conhecimento prévio da situação,
sem pena, sem medo do que vai aparecer, sem modelos reproduzíveis, sem
rótulos, sem receitas e fórmulas prontas, sem classificações, sem expectativa,
sem intenção e com coragem, com abertura para o desconhecido, com re-
colhimento, centramento e concordância com o que se mostra, mesmo que
isso exija do pesquisador da verdade o máximo, como humildade extrema.
Em resumo, o estado fenomenológico é o estado socrático que diz: “o
que sei é que nada sei”; é a postura de estar totalmente vazio e presente, sem
conhecimento, sem intenção e sem julgamento.
Hellinger (2009), falando da importância da fenomenologia, diz que
as compreensões e os conhecimentos que ele ganhou, ele os ganhou através
do caminho fenomenológico, sendo que dentre estas compreensões estão
as mais importantes e fundamentais que são sobre a consciência e sobre as
leis da vida, como visto anteriormente.

277
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

Vale assinalar, em conclusão a este subitem, que a fenomenologia é


de suma importância para quem facilita a resolução de conflitos, como o
mediador sistêmico, pois é através dela que a realidade surge tal como ela é.

03.2.5 Representação e Representantes

Inicialmente, faz-se uma retrospectiva histórica da representação.


Ela vem de longe, de muito longe. Ela está no inconsciente coletivo, sendo
usada de várias maneiras pela humanidade. Dão-se agora alguns exemplos
deste uso desde tempos remotos: a) as pinturas rupestres, na melhor inter-
pretação dos historiadores, eram uma representação. Segundo eles, os seres
humanos daquela época representavam, com elas, os animais que desejavam
caçar. Pensavam eles que estes animais desenhados nas paredes das caver-
nas tornavam-se presas fáceis para eles; b) a Arca da Aliança representava
a conexão de Deus com o povo hebreu; c) a divindade e os santos sempre
foram representados na Igreja Católica por meio de estátuas, monumentos e
pinturas; d) conta-se que Dom Bosco, o fundador da Congregação Salesiana,
se fazia representar pelo próprio chapéu, diante dos jovens que deveriam
ficar na sala de estudo sozinhos. Com isso, ele conseguia que os jovens sen-
tissem sua presença e ficassem quietos e concentrados em seus estudos; e)
os países são representados por meio de bandeiras, hinos, selos e brasões;
f) o genograma é a representação gráfica da família; g) com as bonecas, as
meninas representam a mãe, a elas próprias e a outros integrantes da famí-
lia; h) atualmente, as pessoas e, às vezes, objetos (âncoras de solo, bonecos,
sapatos, etc.) e animais representam, nas constelações familiares, membros
de uma família, situações, sintomas, doenças; i) os excluídos, os rejeitados,
os assassinados, os abortados de uma família, de acordo com as descobertas
de Bert Hellinger, são representados mais tarde por outros membros daquele
sistema familiar.
A representação, além de sua importância histórica, é, atualmente, o
elemento-chave da Constelação Familiar. Em razão desse seu destaque, esta
abordagem poderia, com muita propriedade, ser chamada de Representação
Sistêmica Familiar. Aliás, foi este nome que Da Rosa (2014, p. 53) deu para

278
MEDIAÇÃO SISTÊMICA: UM OLHAR HUMANIZADO PARA AS RESOLUÇÕES DE CONFLITOS

esta abordagem em seu artigo “Direito sistêmico: A Justiça Curativa, de


Soluções Profundas e Duradouras”62.
Representação, ainda segundo Da Rosa (2014, p. 51), é uma das formas
de acessar o campo energético-informacional do sistema de uma pessoa,
campo este que Rupert Sheldrake denominou de Campo Morfogenético,
onde estão todas as informações de um determinado sistema e dos seus
integrantes. É através da representação que aquilo que estava oculto apare-
ce. Por meio dela, o constelando tem a chance de ver para onde olha o seu
amor e de reencontrar com seus desafetos, medos e doenças e com variadas
outras situações com as quais ele deve entrar em contato e trabalhar. É a
partir da representação e por conta do que ela mostra é que vêm a solução,
a reconciliação, a cura.
No processo da representação, o representante re-apresenta, torna
presente de novo, apresentando algo velho, mas que estava oculto ali até
aquele momento, de forma nova, de maneira surpreendente.
Quando alguém entra no campo como representante – embora man-
tenha a consciência de si e dos seus processos interno, os quais ele deixa em
um plano secundário – ele já não é mais ele mesmo, mas a pessoa ou aquilo
que ele representa.
Bert Hellinger, ao falar da representação no Movimento do Espírito
(atual estágio da Constelação Familiar), expressa o que ocorre com os re-
presentantes, da seguinte forma:

De repente, [os representantes] são apanhados por um movimento


sem que possam conduzi-lo ou resistir a ele. Esse movimento vem de
fora, embora seja vivenciado como se viesse de dentro. Isso significa que
experimentam estar em sintonia com uma força que vem de fora e que
coloca algo em movimento através deles. Mas, isso acontece somente
se ficarem centrados, sem intenções próprias e sem medo daquilo
que talvez se mostre. (grifo nosso)
[....].

62. Segundo Sami Storch, este foi o primeiro artigo sobre Direito Sistêmico publicado em
revista no Brasil.

279
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

No final, para onde conduzem esses movimentos do espírito [mani-


festados pelos representantes]? Eles unem o que antes estava separado.
Eles são sempre movimentos do amor. (HELLINGER, 2008, p. 74)

Como se vê, a representação é algo grandioso, não só pelo que já foi


exposto, mas também porque ela leva para algo bem maior do que a mente
humana normalmente pode imaginar, posto que a conexão dos representantes
com o sistema familiar do representado, que ocorre durante a representação,
é tão somente uma singela amostra da conexão que existe entre todos os seres
humanos. E mais do que isso, é uma forma de demostrar que é possível a
reconexão não só entre os seres humanos, mas também destes com o Todo,
com a Unidade. Embora se fale aqui em reconexão, trata-se, em verdade,
da tomada de consciência de uma conexão que sempre existiu e que não é
percebida pela mente no seu estado natural, sendo, entretanto, possível com
a consciência ampliada que ocorre no processo da Constelação.
Conclui-se este tópico observando que, diante da grandiosidade e
destinação da representação, o respeito e a coragem são fundamentais tanto
para quem representa, quanto para quem é representado, pois desse pro-
cesso sempre emergem a verdade e a real causa dos conflitos, das doenças e
dos problemas que nem sempre são fáceis de serem olhadas. Mas após isso
ocorrer, tudo é claridade, leveza e liberação.

03.2.6 As Ordens da Ajuda

Para Bert, a ajuda é uma arte e, como toda arte, pode ser ensinada
e apreendida e, para isso, ele nos dá cinco ordens que serão em seguida
enumeradas.
1ª Ordem: o ajudante só pode dar o que ele tem e esperar que o cliente
tome apenas o que necessita. Aqui, a ordem é só ajudar a quem pede auxílio
e dar exatamente o que o outro precisa, não o que ele quer, e na proporção
da disponibilidade do ajudante.
2ª Ordem: o ajudante se submete às circunstâncias e somente interfere
e apoia à medida que essas circunstâncias permitam. Assim, se o ajudado
deve morrer, o ajudante não pode interferir no destino dessa pessoa.

280
MEDIAÇÃO SISTÊMICA: UM OLHAR HUMANIZADO PARA AS RESOLUÇÕES DE CONFLITOS

3ª Ordem: o ajudante deve se colocar como adulto diante de um


adulto que procura ajuda, recusando fazer o papel de pais. Quando alguém
vê no mediador o seu pai ou sua mãe, o mediador deve decepcioná-lo, não
entrando na contratransferência, não se colocar melhor do que os pais dele.
4ª Ordem: o ajudante precisa dar um lugar no seu coração não só
para o cliente, mas também para todo o sistema dele. Ele deve desenvolver
uma empatia sistêmica e não individual. Com esta ordem, vê-se onde está
a cura, onde está a solução, onde se encontra a resolução do conflito. Aqui,
o Mediador Sistêmico olha com a força do seu sistema para o seu cliente
com a força do sistema dele. O Mediador com seus pais olha o cliente com
os pais deles.
5ª Ordem: o ajudante ama a tudo e a todos, colocando-os em seu
coração. A desordem: um julgamento que, em geral, é uma condenação.
Cabe, nesta 5ª ordem, falar sobre a verdadeira ajuda. Ela se dá quando
alguém se coloca a serviço de Algo Maior, do Amor do Espírito e da recon-
ciliação, da paz e da cura, tendo os excluídos no próprio coração e saindo da
polaridade bom e mau, agressor e vítima, independentemente do sistema em
que o excluído está, se no sistema do cliente ou no sistema daquele contra
o qual o cliente tem uma demanda.
No livro “Amor do Espírito” (2008), Hellinger fala de uma 6ª ordem da
ajuda: “Ajudar sem ter pena”. Isso porque quem tem pena se coloca maior que
o ajudado e aqui não se trata disso, pois quem ajuda está a serviço. Ter pena
significa que não se respeita o destino do ajudado nem a força que ele tem
para carregar esse destino. Ademais, quem tem pena enfraquece o ajudado
e este também não é o papel do ajudante. O papel dele é empoderá-lo. Diz
ainda Bert que quem tem pena julga Deus.

03.2.7 As Ordens do Sucesso

O homem inicia a vida. A fecundação do óvulo pelo pai é o primeiro


grande êxito. Aquele espermatozoide que conseguiu isso, dentre milhões de
outros, foi exitoso. Sem este primeiro sucesso, o ser humano não pode sequer
nascer. Se, entretanto, esta vida é interrompida por meio, por exemplo, de
um aborto, este êxito é também abortado. Ele terá sido em vão.

281
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

Depois, vê os demais êxitos que, segundo Bert Hellinger, são os seguin-


tes: segundo êxito é o nascimento com vida, pelo próprio esforço. O terceiro
é a ida do filho para a mãe, para a vida. O quarto, é a ida do filho para o pai,
levado pela mãe, pois quem leva o filho ao pai é a mãe; se ela não consegue
fazer isso, o filho não vai. O quinto êxito é a ida do filho para os dois pais
juntos. Ele deve ter os dois pais por igual, pois ele é os dois juntos, de modo
que ele não pode ficar do lado de um dos genitores contra o outro. Isso é o
fracasso para ele. E, finalmente, o sexto êxito é ir para o mundo, impulsionado
pelo pai, pois quem manda o filho para o mundo é ele.
Pronto, aí estão os movimentos para o sucesso que o Mediador Sistê-
mico deve saber, para ajudar alguém que está parado, sem conseguir avançar
para a vida, além disso, envolvidos em conflitos, a ter êxito. Com esses conhe-
cimentos – que ele pode aprofundar com os estudos das obras de Hellinger,
principalmente com o livro “Ordens do Sucesso - Êxito na Vida, Êxito na
Profissão” – ele vai perceber, durante uma sessão de mediação, se houve um
movimento de amor interrompido em direção à mãe ou ao pai, se um filho
ou uma filha está parentalizado (a), se um deles está fora de lugar, se está do
lado de um genitor contra o outro, se é filhinho da mamãe ou filhinha do
papai. Enfim, deve estar atento para os vários desdobramentos prejudiciais
destes movimentos, para poder ajudar os mediandos a resolverem o conflito
ou os conflitos em que estão envolvidos, sabendo que muitíssimos deles são
gerados a partir de movimentos interrompidos rumo ao sucesso.

03. 3. FORMA DE APLICAÇÃO DA MEDIAÇÃO SISTÊMICA

A Mediação Sistêmica pode ser aplicada de, pelo menos, três formas
distintas: a) tendo uma postura sistêmico-fenomenológica; b) realizando
intervenções sistêmico-fenomenológicas; e c) integrando com as constela-
ções familiares.

03.3.1 A Postura Sistêmico‑Fenomenológica

É imprescindível que o Mediador Sistêmico tenha uma postura sis-


têmico-fenomenológica, sendo que isso ocorre quando ele age em sintonia
com a Hellinger® Sciencia, com os princípios sistêmicos, as compreensões,

282
MEDIAÇÃO SISTÊMICA: UM OLHAR HUMANIZADO PARA AS RESOLUÇÕES DE CONFLITOS

percepções e ensinamentos de Bert Hellinger, bem como quando aplica,


em sua vida e em sua atividade profissional, as Ordens do Amor, as Ordens
da Ajuda e as Ordens do Sucesso, sem as quais não se tem êxito na adoção
dessa postura e na facilitação da solução dos conflitos.
A adoção desta postura sistêmico-fenomenológica dá-se, em pri-
meiro lugar, na vida privada do mediador que deve trabalha em si o que
quer resolver no outro, uma vez que ele só pode trabalhar no outro o que
resolveu em si; e o que ele resolveu em si reverbera no outro, facilitando a
resolução de conflitos. Isso é um círculo virtuoso. Este trabalho em si deve
ocorrer 24 horas por dia. Este é um novo modo, um novo jeito, um novo
estilo de vida para ele.
Com essa atitude, o mediador olha com a força do próprio sistema
para a força dos sistemas dos mediandos, a começar pela força dos próprios
pais e dos pais de cada um deles, de forma neutra, vazia, em total estado de
presença, sem conhecimento prévio, sem julgamento, sem medo do que vai
aparecer, sem expectativa, sem fórmulas prontas, sem intenção, inclusive sem
intenção de ajudar, sem pena, tendo o mesmo olhar para todos os envolvi-
dos no conflito, de modo a não separá-los entre vítima e perpetrador, mas
concordando com todos da forma como são, sem querer mudar ninguém.
Isso reverbera nos mediandos e eles acabam fazendo o mesmo, de modo
que ganham a força de seus antepassados e resolvem com mais facilidade
suas pendências.

03.3.2 Realização de Intervenções Sistêmico‑Fenomenológicas

Aqui, exercícios simples como visualizar os pais atrás de cada uma das
partes e fazer com que elas façam a mesma coisa ou deixar uma cadeira vazia
representando alguém que um dos mediandos joga a culpa pela ocorrência
do conflito, como, por exemplo, representando a atual mulher do marido que
cuida dos filhos do casal separado e agora em litígio na justiça, ajuda muito
a inclusão da esposa anterior por parte dos mediandos e eles olhem de outra
forma a realidade e a situação em que estão envolvidos.
Pode-se também promover rodas de conversa, fazer palestras, refle-
xões-meditações sobre as abordagens sistêmicas hellingerianas, exercícios de

283
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

imaginação, bem como se pode contar histórias adequadas para cada situação
e fazer uso de frases de solução e curativas.
Sami Storch tem usado em relação aos processos que lhe são dis-
tribuídos mensalmente essas técnicas com muito proveito. Ele expõe sua
experiência exitosa da seguinte forma:

Os eventos têm início com uma palestra, proferida por mim, sobre
os vínculos sistêmicos familiares, as causas das crises nos relaciona-
mentos e a melhor forma de lidar com isso, principalmente de modo
a preservar o desenvolvimento sadio dos filhos. Em seguida é feita
uma meditação, onde as pessoas entram em contato com o verdadeiro
sentimento de amor e perda decorrente da crise familiar.
Peço-lhes silêncio e explico que, apesar desse sentimento que
estão expressando [mágoa e raiva], elas estão ali por causa de uma
história de amor.
Essas explicações têm se mostrado bastante eficazes na mediação
de conflitos familiares e, na grande maioria dos casos, depois disso as
partes reduzem suas resistências e conseguem chegar a um acordo.
(STORCH, 2015)

Enfim, existem inúmeras outras formas de realizar essas intervenções


que podem muito bem ser percebidas pelo Mediador Sistêmico, em razão
de sua preparação em um bom curso em uma das modalidades de abor-
dagens sistêmicas, como uma pós-graduação em Direito Sistêmico ou em
Constelação Familiar.

03.3.3 Realização das Constelações dentro da Mediação Sis‑


têmica

Como visto anteriormente, Llaguno (2018), em razão de sua formação,


faz uso das constelações em seu trabalho de mediação, com 100% de suces-
so, durante as mediações que realiza na Argentina. No entendimento dela,
há também possibilidade de as constelações serem utilizadas na mediação
mesmo que o mediador não seja constelador, pois, neste caso, o mediador
pode convocar um comediador que seja um constelador.

284
MEDIAÇÃO SISTÊMICA: UM OLHAR HUMANIZADO PARA AS RESOLUÇÕES DE CONFLITOS

Eis, nas palavras dela, como ela aplica as constelações na mediação e


em que momento:

O que posso ampliar nisso - referente às constelações [....], enfim,


é no momento de cáucus, quando tenho uma intervenção a sós com
cada uma das partes, que faço [....] constelações com objetos, com
palitos de madeira, com cadeiras, com as pessoas e olhamos para o
conflito. Após, o mesmo tempo eu me dedico à outra parte. Os ad-
vogados estão sempre presentes. Logo que voltamos todos à mesa de
negociação, as partes vêm com uma proposta de conciliação, ou seja,
uma mediação pode ter 5 (cinco) ou 6 (seis) encontros e com uma
mediação aplicando constelação, com 2 (dois) encontros eu resolvo
o tema. (LLAGUNO, 2018)

As perguntas a serem feitas agora são: e no Brasil, há possibilidade


de as constelações serem utilizadas na mediação? E se o mediador não for
constelador, ele pode convocar um comediador que seja um constelador?
As respostas às duas perguntas são positivas. Sim, as constelações
podem ser aplicadas no processo de Mediação Sistêmica, no Sistema de
Justiça, bem como o mediador, quando não for constelador, pode convo-
car um comediador que seja constelador para aplicação da constelação no
processo de mediação.
Em relação à primeira resposta, há vários motivos que levam a esta
conclusão, sendo o primeiro deles o fato de que os benefícios trazidos pelas
abordagens sistêmicas como um todo são incontestáveis e estão mais que
comprovados em vários países do mundo, inclusive no Brasil, onde elas
são aplicadas na família e na saúde por meio da Constelação Familiar e da
Constelação de Traumas e Sintomas, nas empresas e demais entidades por
meio das Constelações Empresariais e Organizacionais, nas escolas, por
meio da Pedagogia Sistêmica e, mais recentemente, no Poder Judiciário, por
intermédio do Direito Sistêmico que, aos poucos, está indo para o Poder
Legislativo onde o Direito nasce, por meio das leis.
Segundo, apesar do pouco tempo em que as abordagens sistêmicas têm
sido aplicadas, mormente por meio das constelações familiares, os resultados

285
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

têm sido exitosos, como já se expôs aqui e em vários relatos existentes na


internet e nos livros já publicados.
Terceiro, na Mediação Sistêmica, as constelações terão, dentre outros
benefícios e vantagens, os de ajudarem os mediandos a identificarem, com
muita clareza, os pontos de resistência e de possíveis impedimentos para a
realização de acordo e, por consequência, da pacificação deles, em razão de
estas abordagens terem a faculdade de mostrar as causas profundas e reais
dos conflitos em que elas estão envolvidas.
Quarto, diante dos princípios da autonomia, o mediador pode aplicar
as técnicas que melhor lhe aprouver. Assim, ele está autorizado a usar, durante
o processo de mediação, inclusive no Judiciário, as constelações em razão
da sua incontestável potencialidade na solução de conflito.
Quinto, como uma das características dos métodos é a integração, de
modo que todos os métodos podem ser integrados, tendo como exemplo
clássico, neste setor, o próprio processo judicial que, apesar de seguir o
método da heterocomposição, também admite a autocomposição. Assim, a
integração das constelações com a mediação tradicional e Mediação Sistê-
mica é totalmente possível;
Sexto, a mediação é transdisciplinar, não apenas jurídica, de modo a
formar um sistema aberto a outros sistemas e possibilidades. O CNJ reconhece
isso ao prever no seu Manual de Mediação, no capítulo 9, que “ao conhecer
as muitas estratégias de atuação, o mediador tem uma grande variedade de
opções em cada momento da mediação”;
Sétimo, A lei não impõe nenhum limite ao uso das constelações na
Mediação, ao contrário, ela prevê que todos os meios de solução de conflito
devem ser admitidos pelo Estado e estimulados pelos profissionais do Direito.
A norma deixa o mediador livre. Esta possibilidade está indiscutivelmente
prevista no parágrafo 3º do artigo 3º do Código de Processo Civil que dispõe
que não só a Mediação e a Conciliação devem ser estimuladas na facilitação
da resolução de desavenças, mas também todos os demais “métodos de
solução consensual de conflitos, inclusive no curso do processo judicial”.
Por fim, como oitavo motivo, há de se dizer que seria absolutamente
destituída de qualquer razoabilidade o afastamento da aplicação das cons-
telações familiares nas Mediações Sistêmicas, quando o Conselho Nacional

286
MEDIAÇÃO SISTÊMICA: UM OLHAR HUMANIZADO PARA AS RESOLUÇÕES DE CONFLITOS

de Justiça estabelece, no Código de Ética de Conciliadores e Mediadores, a


mediação como instrumentos efetivos de pacificação social e de prevenção de
litígios63, pois a vocação das constelações é exatamente voltada, primordial-
mente, para esses objetivos, tanto é que Bert Hellinger, em razão da aplicação
das constelações para pacificar e tornar saudáveis as relações humanas foi
indicado para o Prêmio Nobel da paz. E vale dizer mais, dizer que, como já
foi dito aqui algumas vezes, as constelações, por buscar e resolver as causas
profundas dos conflitos, ajuda na prevenção de litígios, pois aquelas causas
eliminadas não vão mais motivar novos conflitos.
Há, entretanto, um impedimento à aplicação das constelações no
processo da mediação, qual seja o “não” do cliente. Segundo Llaguno (2018),
“se o cliente diz não, este é o limite. Em geral, da forma como eu trabalho,
eles aceitam, de boa vontade, fazer uma constelação. Não tenho encontrado
nestes anos ninguém que dissesse não.”
Analisa-se agora se há fundamento legal para se convocar um conste-
lador para atuar, em uma Mediação Sistêmica, como comediador, de modo
que haja sempre a possibilidade de se realizar uma constelação, ainda que o
mediador não seja constelador.
Na área de família, essa possibilidade é pacífica em razão da previsão
contida no artigo 694 do Código de Processo Civil (2015) que dispõe que
“Nas ações de família, todos os esforços serão empreendidos para a solução
consensual da controvérsia, devendo o juiz dispor do auxílio de profissionais
de outras áreas de conhecimento para a mediação e conciliação”.
Nas demais áreas, mesmo que a lei de Mediação fosse totalmente si-
lente sobre isso, poder-se-ia aplicar, por analogia, este dispositivo do código
processual. Entretanto, este não é o caso, pois o artigo 30, § 1º, da Lei de
Mediação prevê a possibilidade de atuação de “assessores técnicos” durante
o processo Mediação, assessores estes que os autores deste trabalho enten-
dem que podem ser consteladores, desde que assim as partes desejem e que
o mediador o convoque.
63. “O Conselho Nacional de Justiça, a fim de assegurar o desenvolvimento da Política Pú-
blica de tratamento adequado dos conflitos e a qualidade dos serviços de conciliação e me-
diação enquanto instrumentos efetivos de pacificação social e de prevenção de litígios,
institui o Código de Ética, norteado por princípios que formam a consciência dos terceiros
facilitadores, como profissionais, e representam imperativos de sua conduta.” (CNJ, 2010)

287
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

Eis o teor do referido parágrafo: “O dever de confidencialidade aplica-


-se ao mediador, às partes, a seus prepostos, advogados, assessores técnicos
e a outras pessoas de sua confiança que tenham, direta ou indiretamente,
participado do procedimento de mediação”.
Ademais, existe outra previsão normativa sobre isso no artigo 2º, § 4º,
do Código de Ética de Conciliadores e Mediadores Judiciais que se encontra
como Anexo III da Resolução nº 125 de 29/11/2010. Este dispositivo tem a
seguinte previsão, in verbis:

Desvinculação da profissão de origem – Dever de esclarecer aos


envolvidos que atua desvinculado de sua profissão de origem, in-
formando que, caso seja necessária orientação ou aconselhamento
afetos a qualquer área do conhecimento poderá ser convocado para
a sessão o profissional respectivo, desde que com o consentimento
de todos. (CNJ, 2010)

Diante da dúvida de que esse dispositivo normativo está mesmo auto-


rizando o mediador convocar um constelador para auxiliá-lo no processo de
mediação, a professora de Direito Sistêmico da Faculdade Innovare Cristina
Llaguno foi consultada a respeito. Para deixar claro em que condições ela
manifestou seu entendimento, transcreve-se aqui a pergunta que lhe foi feita
e a resposta que ela deu:

12 - No Código de Ética de Conciliadores e Mediadores Judiciais,


constante como anexo da Resolução 125/2010 do CNJ, há previsão
normativa possibilitando os mediadores convocarem outros profis-
sionais para auxiliá-los no processo de mediação. Um desses profis-
sionais pode ser o constelador?
Estão se referindo aos mediadores que não querem se formar como
mediadores sistêmicos. Eles têm essa liberdade. Eles simplesmente
chamam um Constelador certificado e credenciado para ser o come-
diador. Neste caso, faz a constelação e um relatório que, em qualquer
caso, não vai ser vinculante. (LLAGUNO 2018)

288
MEDIAÇÃO SISTÊMICA: UM OLHAR HUMANIZADO PARA AS RESOLUÇÕES DE CONFLITOS

Assim, diante do exposto, ficam confirmadas as previsões legais e


normativas para se convocar um constelador para atuar em uma Mediação
Sistêmica como comediador.
Em finalização deste subitem, conclui-se que a aplicação das cons-
telações dentro da mediação, sistêmica ou não, é um grande caminho que
se abre para a facilitação dos conflitos graças ao incontestável potencial de
pacificação e harmonização dessa abordagem. Por conta disso, torcer-se para
que as várias escolas existentes não se oponham a esta possibilidade, mas
se abram para o novo com a mentalidade de que mediação é soma e não
subtração e tudo que vier nesse sentido que seja bem-vindo.

04. CONSIDERAÇÕES FINAIS

É com enorme satisfação e sensação de dever cumprido que os autores


deste trabalho chegam a este ponto. Foram pesquisas bibliográficas, estudos
com investigações através de debates internos do grupo, reflexões, ganhos
de descobertas e conhecimentos maravilhosos, tanto individual como cole-
tivamente, os quais trouxeram imensa riqueza de informações e de vivência
ao longo de todo o caminho percorrido durante a realização desta obra.
A humanidade está em uma era de mudança de paradigmas sem
precedentes, mudança essa tão grandiosa que alguns chegam a afirmar que
ela é, mais que em uma era de mudança, é uma mudança de era. E, neste
contexto, a magnitude das contribuições dos trabalhos desenvolvidos por
Bert Hellinger é, com absoluta certeza, um divisor de águas nesta mudança.
Neste diapasão, os autores não só escreveram o trabalho, mas também fazem
história nesse movimento da Hellinger® Sciencia, ao se debruçarem, analisarem
e vestirem de palavras os movimentos, desenvolvimentos e transformações
que estão ocorrendo como benefícios colhidos da aplicação desse saber, ao
tirar o véu da ignorância e minorar o sofrimento humano.
Nesta linha de raciocínio, a mediação, já em avançado desenvolvimen-
to, com arcabouço de leis que a fundamenta e demais ferramentas, técnicas
de trabalho já adicionadas usualmente no campo da resolução de conflito,
agora ganha um novo tônus e se torna muito mais profícua, efetiva, quando
a ela se aglutinam esses novos saberes hellingerianos. E este novo tempo

289
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

traz consigo uma modificação de postura, para além de mera extirpação


de conflito ou assinatura de um acordo; traz uma transformação de todos a
começar pelo próprio mediador.
A mediação sistêmica, neste contexto baseado nos postulados e na filo-
sofia de Hellinger, alarga a esfera de possibilidades de atuação porque oferece
novos recursos de abordagem, tendo como base o conhecimento sistêmico-
-fenomenológico. A contribuição hellingeriana na compreensão, intervenção
e manejo dos relacionamentos humanos é, em essência, revolucionária, isto
porque traz um poder transformador no tocante às percepções, sensações
e comportamentos, quando existem entendimento, aceitação e assimilação
das leis naturais do amor, da ajuda, do sucesso, enfim, das dinâmicas que,
muitas vezes ocultas, subjazem aos vínculos afetivos.
Este é o grande diferencial, em síntese, no manejo da Mediação Sis-
têmica, que se coaduna com um trabalho educativo no terreno da comuni-
cação de paz, na educação dos sentimentos e comportamentos com vistas
a uma existência harmônica e na possibilidade da auto-gestão de conflitos
internos. Em havendo menos conflitos internos, a satisfação na vida tende
a ser maior e consequentemente bem menor é a probabilidade de conflitos
externos existirem, como também desembocarem no sistema de justiça
solicitando a tutela estatal.
A Mediação Sistêmica traz, em suma, a possibilidade da promoção da
difusão da cultura de paz social na medida em que ao dilatar o conhecimento,
tende a minorar, quando não erradica o sofrimento proveniente das chagas
emocionais e sistêmicas. E isto se dá através do amor, em essência, do amor
iluminado. Sentimento nobre, sublime e transcendente, dispensa palavras
porque não se limita às conceituações e teorias, dada a sua profundidade,
principalmente quando este amor é ordenado com as Ordens do Amor
hellingerianas. Conceituá-lo seria ousadia, que o faz com total propriedade
os artistas, os quais, sentem-no e vivem-no em seu ofício, posto que amor
e arte integram-se, amalgamam-se, fundem-se de sorte que não é possível
haver dissociação.
A partir da inserção destes ingredientes filosóficos e amorosos hellin-
gerianos na mediação, ela nunca mais será a mesma, de modo que o senti-
mento, propósito e objetivo que guiaram a realização deste trabalho ficam

290
MEDIAÇÃO SISTÊMICA: UM OLHAR HUMANIZADO PARA AS RESOLUÇÕES DE CONFLITOS

agora alcançados e ele é entregue a todos aqueles que se dedicam à facilitação


da solução dos conflitos como uma ajuda inestimável para o crescimento do
ser humano e leveza do mediador.

05. REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO


ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia, Editora Martins Fontes, 2007, p. 205.
BONDER, N. O segredo judaico de resolução de problemas. Rio de Janeiro: Rocco, 2010. 136 p.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília,DF, out 1988.
______. Lei nº 13.105, de 16 de Março de 2015. Código de Processo Civil, Brasília,DF, mar
2015.
______. Lei nº 13.140, de 26 de junho de 2015. Dispõe sobre a mediação entre particulares
como meio de solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da
administração pública, Brasília,DF, jun 2015.
CNJ, Conselho Nacional de Justiça. Código de Ética de Conciliadores e Mediadores Judiciais.
Anexo III da Resolução nº 125, de 29/11/2010, do CNJ, Brasília,DF, nov 2010.
______. Manual da Mediação. Site do CNJ, 2016. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/files/
conteudo/arquivo/2016/07/f247f5ce60df2774c59d6e2dddbfec54.pdf>. Acesso em: 22 fev. 2019.
DA ROSA, Amilton Plácido. Tempo de Validade do Direito Sistêmico. Publicado no dia
27 set.2019, no grupo “Direito Sistêmico - Grupo de Estudos. Disponível em: https://www.
facebook.com/groups/direitosistemico/permalink/894749460901498. Acesso em: 27 set. 2019.
DA ROSA, Amilton Plácido. Entrevista. Jornal Carta Forense, 2016. Disponível em: <http://
www.cartaforense.com.br/conteudo/entrevistas/direito-sistemico-e-constelacao-fami-
liar/16914>. Acesso em: 22 fevereiro 2019.
______. Direito sistêmico: a justiça curativa, de soluções profundas e duradouras. MPEs-
pecial, Campo Grande, n. 11, p. 60, janeiro 2014. Ano 2. Disponível em: <https://issuu.com/
mthayssa/docs/revista_final_site2/50>. Acesso em: 19 mar 2019.
DETHLEFSEN, Thorwald; DAHLKE, Rüdiger. A doença como caminho. 12ª. ed. São Paulo:
Cutrix, 1993.
DEUSTCH, Morton. A Resolução do Conflito. In: AZEVEDO, A. G. (Org. ). Estudos de
arbitragem, mediação e negociação. Brasília: [s.n.], v. 3, 2004. p. 29-100. In http://www.arcos.
org.br/livros/estudos-de-arbitragem-mediacao-e-negociacao-vol3/parte-ii-doutrina-parte-
-especial/a-resolucao-do-conflito, acessado em 27.02.2019.
HELLINGER, Bert. Conflito e Paz: uma resposta. Título original: Der Grosse Konflikt. São
Paulo: Cutrix, 2014. 11ª. ed. 149 p.
______. O Amor do Espírito. Belo Horizonte: Atman, 2008. 1ª. ed. 260 p.
______. Ordens da Ajuda. Patos de Minas: Atman, 2005. 1ª. ed. 211 p.
______. Ordens do Amor. São Paulo: Cultrix, 2010. 12ª ed. 284 p.
______. Para que o amor dê certo: o trabalho terapêutico de Bert Hellinger com casais. 2ª.
ed. São Paulo: Cutrix, 2006. 317 p.
______. A Simetria Oculta do Amor: por que o amor faz os relacionamentos darem certo.
3ª. ed. São Paulo: Cutrix, 2002. 297 p.

291
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

______. Constelações Familiares para Professores. Palestra a Professores em Taipei –


2001 – 373. Site do IDESV, 30 maio 2015. Disponível em: <https://constelacaofamiliar.net.
br/373-palestra-de-bert-hellinger-a-professores-em-taipei-2001/>. Acesso em: 22.02 2019.
HELLINGER, Sophie. Constelação Familiar Hellinger®. Disponível em https://www.hellinger.
com/pt/pagina/constelacao-familiar. Acesso em: 22 fev 2019.
LLAGUNO, C. Entrevista concedida pela professora Cristina Llaguno sobre Aplicação
da Mediação, da Mediação Sistêmica e das Constelações Sistêmicas nas Resoluções de
Conflito. Entrevistadores: Amilton Plácido da Rosa e Marisa Sandra Luccas. São Paulo: 2018.
LUCCAS, Marisa Sandra. A aplicabilidade das Leis do Amor nas mediações sistêmicas
realizadas na Defensoria Pública, na Regional de Marília. Cadernos da Defensoria Pública
do Estado de São Paulo, São Paulo, v. 3, 2018. ISSN 20.
NIETZSCHE, F. W. O CREPÚSCULO DOS ÍDOLOS ou A FILOSOFIA A GOLPES DE
MARTELO. Curitiba: HEMUS, 2001. 102 p. Disponível em:<http://www.netmundi.org/home/
wp-content/uploads/2017/05/NIETZSCHE-F.-O-Crep%C3%BAsculo-Dos-%C3%8Ddolos.
pdf>. Acesso em: 13 mar 2019.
STORCH, Sami. Perfil. Blog de Direito Sistêmico. Disponível em: <http://direitosistemico.
com.br/>. Acesso em: 19 fevereiro 2019.
______. Discurso na abertura do I Congresso Internacional de Direito Sistêmico, no
Shopping Frei Caneca, em São Paulo, 22 junho 2018.
______. Direito Sistêmico: Primeiras experiências com constelações no judiciário. Revista
Filosofia, Pensamentos e Práticas das Constelações Sistêmicas, São Paulo, 3 outubro 2015.
Disponível em: <https://direitosistemico.wordpress.com/2015/10/08/revista-filosofia-pensa-
mentos-e-praticas-das-constelacoes-sistemicas-no-4/>. Acesso em: 22 fev 2019.

292
A ATITUDE SISTÊMICA NA PRÁTICA DA ADVOCACIA

A ATITUDE SISTÊMICA NA PRÁTICA DA


ADVOCACIA

Márcia Villares de Freitas


Maria Aparecida Pappi Simões
Maria Cláudia Canto Cabral

01. INTRODUÇÃO

A Filosofia sistêmica de Bert Hellinger, filósofo e psicanalista alemão,


aplicada ao Direito, conhecida como Direito Sistêmico, surge como uma
grande inovação no sistema jurídico brasileiro. Desde o início do curso de
pós-graduação em Direito Sistêmico nos inquietou como a Filosofia feno-
menológica das Constelações Familiares poderia ser aplicada ao Direito
sob a perspectiva da advocacia. Essa nova prática no Direito surgiu pela
experiência e prática do Juiz de Direito Sami Storch, magistrado ora em
exercício em Itabuna, no Estado da Bahia.
Em uma relação jurídica constituída pelo juiz e os advogados de cada
parte, o juiz está em uma posição em que cabe a ele decidir o conflito, apa-
ziguar e proclamar a solução, ‘dando ganho de causa’ a uma das partes. Não
podemos nos esquecer que a advocacia, diante do conflito, está em defesa de
uma das partes, é parcial. Nisto se diferencia do juiz que, por dever de ofício,
deve ser neutro e imparcial.
E como o advogado, que pretende adotar uma postura sistêmica,
se coloca diante disso? Qual seria a postura do advogado que se pretende
sistêmico?
Conciliar os conceitos da filosofia de Bert Hellinger com a postura
do advogado que pretende atuar de modo sistêmico é o desafio deste artigo.

293
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

Essas foram as inquietações que nos levaram a escolher o tema “a pos-


tura do advogado sistêmico”, como ele deve se comportar diante do cliente
para poder atuar de forma a respeitar as leis sistêmicas – as Forças de Amor,
as Ordens de Ajuda, conforme expostas por Bert Hellinger.
Desde tempos imemoriais, a função da advocacia vem sendo exercida
de forma parcial e belicosa, numa luta pelo direito do cliente ou da causa
a ser defendida, sem considerar o todo em que se insere. Para alcançar os
objetivos deste artigo, analisamos a função social da advocacia desde seu
surgimento à luz das Ordens da Ajuda propostas por Bert Hellinger e os
limites impostos pela legislação que rege a atividade advocatícia.
Diante dos desafios lançados pelo novo paradigma da ciência - a vi-
são sistêmica - alçados ao meio judicial pela introdução exitosa da filosofia
hellingeriana no Poder Judiciário pelas mãos do magistrado Sami Storch
surgiu a primeira turma de pós-graduação em Direito Sistêmico no mundo.
Durante todo o curso, operadores do direito e auxiliares outros da
justiça, tais como psicólogos, serventuários de justiça e assistentes sociais,
iniciaram projetos, observaram e refletiram sobre seu papel na constituição
de novos caminhos para o exercício do direito. A advocacia também precisa
encontrar seu lugar a fim de acompanhar as mudanças que tais elementos
trouxeram à forma de encontrar caminhos apaziguadores para as relações
jurídicas e as contendas judiciais.
Para o desenvolvimento deste trabalho foram utilizadas pesquisas bi-
bliográficas. A pesquisa bibliográfica baseou-se em publicações da obra de Bert
Hellinger, Brigitte Champetiers des-Ribes e de autores pioneiros na reflexão sobre
o Direito Sistêmico. Para entender o trabalho de Bert Hellinger, foi necessário
revisitar as ideias da obra de Ludwig von Bertalanffy (1968) e a teoria geral dos
sistemas, além de conhecer Bogdanov, médico russo antecessor desse sobre es-
trutura de sistemas para melhor compreender o processo de auto regulação dos
sistemas proposto pelas compensações arcaicas observadas por Hellinger. Assim
também, levantar as bases da fenomenologia a partir da leitura de Alles Belo.
Este artigo está estruturado em seis partes apresentando primeiro a fun-
ção social da advocacia e seu contexto histórico baseado no direito romano e
na legislação que regulamenta a atividade advocatícia. Na segunda parte expli-
camos o que é o Direito Sistêmico e como tem sido aplicado. A terceira fala da

294
A ATITUDE SISTÊMICA NA PRÁTICA DA ADVOCACIA

Constelação Familiar de Bert Hellinger como pressuposto do Direito Sistêmico.


Na quarta parte, especificamos a teoria geral dos sistemas e a fenomenologia
com a finalidade de esclarecer o leitor a respeito dos pressupostos científicos do
pensamento hellingeriano. Na quinta parte apresentamos o que seria a postura
sistêmica do(a) advogado(a). Por fim, na sexta, apresentamos as conclusões do
trabalho.

02. METODOLOGIA

De acordo com Gil (2007) a pesquisa é a busca sistemática de respostas


a uma questão, a um problema ou a um tema que se apresenta. Ela é consti-
tuída de fases começando pela formulação do problema até a discussão final.
As pesquisas se dividem em qualitativas e quantitativas, sendo as
primeiras relativas aos porquês e ao como, não sendo mensuráveis; ao passo
que as segundas estão baseadas em dados e números. Segundo Yin (2016)
a pesquisa qualitativa é um campo com múltiplas possibilidades de inves-
tigação, de metodologias e orientação, por isso mesmo pode ser aplicada a
diversas disciplinas e temas.
Conforme citado acima, a pesquisa qualitativa por sua abrangência
foi compreendida como a mais indicada ao caso. Por meio dela, usando o
levantamento bibliográfico foi elaborado o presente artigo.
Considerando que o artigo busca atender à pergunta do que consti-
tuiria a prática da advocacia sistêmica, optamos pelo método de observador
participante, tendo por objetivo uma pesquisa aplicada. Para Prodanov (2013)
a pesquisa aplicada tem por objetivo gerar conhecimentos para aplicação
prática e dirigidos à solução de problemas específicos.
As pesquisas explicativas, como o próprio nome diz, explicam como
algo funciona, enquanto, segundo Doxsey (2007) a pesquisa exploratória
busca uma aproximação com o fenômeno pelo levantamento de informações
que podem levar o pesquisador a conhecer mais a seu respeito.
Para atingir o objetivo da pesquisa de forma mais efetiva, foi escolhido
um trabalho por um lado explicativo, por outro exploratório. Porque ser
um tema novo não apenas no Brasil - país pioneiro no assunto - como no

295
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

mundo, foi feito um levantamento bibliográfico do pensamento do filósofo,


passando pela aplicação da abordagem às questões judiciárias.
Foi utilizado como instrumento de coleta de dados o fichamento de
livros, artigos, vídeos web, de maior relevância para o assunto, de forma a
conseguir um olhar amplo sobre o tema. Tendo em conta as bases multidis-
ciplinares do assunto, foram pesquisados materiais em áreas do saber amplas
tais como teoria dos sistemas e fenomenologia.
Buscamos a partir da experiência prática da advocacia e a observação
do trabalho e discussão com colegas colocar em diálogo a teoria do autor
com as práticas advocatícias. Para tanto, buscamos contextualizar a função
dos advogados desde os primórdios, trazer a previsão legal e constitucionais
da função e colocá-la diante do que a bibliografia e os estudos nos mostra-
ram ser o caminho sistêmico. Concluímos o artigo apontando caminhos e
possibilidades para uma prática sistêmica na advocacia.
Portanto, após o resumo da bibliografia discutimos entre nós como
apontar as conclusões da pesquisa qualitativa que empreendemos com o olhar
não apenas explicativo, como também exploratório, das novas possibilidades
que a aplicação da filosofia hellingeriana traz para as práticas jurídicas, e em
especial para o trabalho de advogados e advogadas.

03. FUNÇÃO SOCIAL DA ADVOCACIA

A advocacia é a profissão da defesa do direito subjetivo de alguém em


face de uma pretensão resistida. O(a) advogado(a) é, portanto, o auxiliar da
Justiça que defende um cliente diante de um conflito.
Nos termos da Constituição Federal Brasileira (1988) “O advogado
é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos
e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei’’ (Constituição
Federal, 1988, art. 133).
E o Código de Ética da OAB prescreve, em seu artigo 3º, que “O
advogado deve ter consciência de que o Direito é um meio de mitigar as
desigualdades para o encontro de soluções justas e que a lei é um instru-
mento para garantir a igualdade de todos” (Código de Ética da OAB, 1994).

296
A ATITUDE SISTÊMICA NA PRÁTICA DA ADVOCACIA

Conforme explicado acima, a função da advocacia é fundamental


para a Justiça. O advogado é aquele, indispensável à administração da
Justiça, que deve contribuir para mitigar as desigualdades na busca de
soluções justas e de respeito à igualdade de oportunidades para todos.
Ainda conforme o Código de Ética (1994),

Art. 2º. O advogado, indispensável à administração da Justiça, é


defensor do Estado Democrático de Direito, dos direitos humanos e
garantias fundamentais, da cidadania, da moralidade, da Justiça e da
paz social, cumprindo-lhe exercer o seu ministério em consonância
com a sua elevada função pública e com os valores que lhe são inerentes.
Parágrafo único. São deveres do advogado: I - preservar, em sua
conduta, a honra, a nobreza e a dignidade da profissão, zelando pelo
caráter de essencialidade e indispensabilidade da advocacia; II - atuar
com destemor, independência, honestidade, decoro, veracidade, leal-
dade, dignidade e boa-fé.

03. 1. A ADVOCACIA E A GÊNESE NO DIREITO BRASILEIRO

Uma das mais antigas profissões que se tem notícia é a advocacia.


Muito antes de ser cunhado o termo “advocatus”, a figura de alguém que
postulava em favor de outro já existia. Estudiosos do tema afirmam que
existem registros de que há milênios já havia a figura de um terceiro que
agia de forma a intervir na resolução de conflitos frutos da convivência
social dos primeiros povoados simples.
Dados colhidos em fragmentos do Código de Manu mostram que um
sábio, conselheiro, orientador, direcionavam ações de como proceder, faziam
defesas e argumentavam em favor dos precisavam de auxílio para resolver
conflitos. Segundo o site da OAB (2019), na Antiguidade sabe-se ter havido
grandes oradores que defendiam ideias e são considerados os primórdios
da prática de advocacia.
Especialmente na Grécia, figuras como Demóstenes, Péricles, Aris-
tóteles, Temístocles, por exemplo, fizeram grandes discursos em defesa de
teses que passaram para a história. Grandes “advogados” com sua retórica e

297
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

palavras persuasivas, tinham enorme prestígio na Grécia antiga, onde não


havia ainda profissão de advogado, mas que já tinha em sua legislação a
instituição do direito de defesa.
Isso chamou a atenção do Império Romano, que enviou estudiosos
à Atenas com o fito de conhecer e estudar o sistema legal ali vigente, o que
teve repercussão no Direito romano, com posterior elaboração das “Leis
das XII Tábuas”. Consideradas um marco na evolução do Direito Roma-
no, esse primeiro conjunto de leis escritas, em que pese o seu rigor, dava
parâmetros claros de proceder às classes mais humildes, que antes ficam
à mercê de costumes e interpretações de toda ordem. Ainda segundo o
site da OAB (2019), naquela Roma Antiga, aparece a figura do “advocati”,
surgindo a profissão de advogado de forma organizada. Mulheres também
podiam exercer a atividade, sendo Hortência e Amásia duas advogadas
cuja atuação foi destacada na época do Imperador Augusto.
Era o “advocati” figura de profundo saber jurídico, que representava
os interesses de quem disso necessitava, principalmente dos “gentius”, pes-
soas que residiam na cidade de Roma, mas não tinham a cidadania romana,
eram simples e rudes.
Em Roma a atividade de advogado era uma honraria, daí vem a palavra
“honorários” como forma de pagamento do exercício da atividade.
Na Bíblia consta que Moisés assumiu a defesa de seu povo, no Exôdo
e que Jesus defendeu Maria Madalena com argumentos legais, inteligentes
e contundentes, o que evitou sua morte por apedrejamento. Ambos agiram
como advogados.
O direito brasileiro foi fortemente influenciado pelo direito europeu,
inclusive por conta da colonização e da imigração. Especialmente os direitos
alemão, francês, italiano e anglo-saxão tiveram repercussão na formatação
do nosso direito.
O Imperador Dom Pedro I, em 11 de agosto de 1827, criou os dois
primeiros cursos de direito no Brasil, um em Olinda e outro em São Paulo.
Antes, no Brasil Império, a atividade de advogado era regida pelas
Ordenações Filipinas, conjunto de leis criadas em Portugal. Ali estavam es-
pecificadas as formações e aprovações necessárias ao exercício da advocacia:
curso jurídico de oito anos e aprovação para atuar na Casa de Suplicação.

298
A ATITUDE SISTÊMICA NA PRÁTICA DA ADVOCACIA

Como os cursos de direito aqui reconhecidos só existiam na Europa,


e em Portugal na Universidade de Coimbra, a presença do advogado, para
defender e atuar nas questões de toda ordem, era dispendiosa e restrita à
Corte, à alta burguesia. Os demais do povo não tinham como se beneficiar
disso, o que propiciou a edição do regulamento onde constava que os que
não fossem da corte, desde que pessoa idônea fosse, poderia interceder em
nome de terceiro.
Nem mesmo a primeira Constituição do Brasil, de 1824, e as seguintes
alteraram essa dinâmica. Ela somente foi alterada pela Constituição Federal
de 1988, que reconhece a advocacia como função essencial à justiça, nos
termos do art. 133, in termis: ‘’O advogado é indispensável à administração
da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da
profissão, nos limites da lei”.
A entidade que representa hoje os advogados no território nacional,
a Ordem dos Advogados do Brasil, surgiu em 1930 no auge da Era Vargas,
período conturbado na nossa história, como iniciativa de lutar contra a im-
punidade reinante no Estado Novo. Interessante saber que a primeira Ordem
surgiu no Império Bizantino, quando o Imperador Justiniano, exigiu que lá
houvesse registro prévio para atuação regular dos advogados.
A referida Lei 8906/94 dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem
dos Advogados do Brasil, regula a atividade da profissão dos Advogados no
Brasil, define os direitos e deveres do Advogado, e regulamenta também a
postura da OAB no credenciamento e fiscalização do profissional do direito
em todo Brasil. Diz o seu artigo 1º.

Art. 1º São atividades privativas de advocacia:


I – a postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário e aos jui-
zados especiais;
II – as atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas.
§ 1º Não se inclui na atividade privativa de advocacia a impetração
de habeas corpus em qualquer instância ou tribunal.
§ 2º Os atos e contratos constitutivos de pessoas jurídicas, sob
pena de nulidade, só podem ser admitidos a registro, nos órgãos
competentes, quando visados por advogados.

299
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

§ 3º É vedada a divulgação de advocacia em conjunto com outra


atividade.

Sobre a indispensabilidade dessa atividade, diz o referido Estatuto:

Art. 2º O advogado é indispensável à administração da justiça.


§ 1º No seu ministério privado, o advogado presta serviço público
e exerce função social.
§ 2º No processo judicial, o advogado contribui, na postulação
de decisão favorável ao seu constituinte, ao convencimento do jul-
gador, e seus atos constituem múnus público. § 3º No exercício da
profissão, o advogado é inviolável por seus atos e manifestações, nos
limites desta lei.

Há ainda o Código de Ética da OAB, a que também se sujeitam os


advogados do Brasil, que disciplina a forma de atuação no exercício da
advocacia, onde, dentro outros preceitos, especificados estão no caput do
artigo 2º que:

O advogado, indispensável à administração da Justiça, é defensor


do Estado Democrático de Direito, dos direitos humanos e garantias
fundamentais, da cidadania, da moralidade, da Justiça e da paz social,
cumprindo-lhe exercer o seu ministério em consonância com a sua
elevada função pública e com os valores que lhe são inerentes.

Cada país tem suas próprias regras para disciplinar os cursos e auto-
rizações para atuação, e a atividade ética do advogado.
Mas o certo é que em todo o mundo, é claro que o advogado exerce sim
função social, no sentido de propiciar com a sua atividade, o equilíbrio e a
paz nas relações entres as pessoas, o que leva à estabilidade social das nações.
Por definição, o advogado é contratado por um cliente para defendê-
-lo perante um conflito. Então, por definição, o advogado deve ser parcial,
tomar o partido de seu cliente, defendendo seus interesses da melhor forma,
observando sempre a ética.

300
A ATITUDE SISTÊMICA NA PRÁTICA DA ADVOCACIA

O advogado sempre se vê diante de um conflito de interesses, pois


as duas partes – seu cliente e o outro – são adversários, estão em posição
antagônica.
Em contraposição a essa postura parcial e tradicional do advogado,
deparamo-nos com o Direito Sistêmico inspirado nas Constelações Fami-
liares de Bert Hellinger.

04. CONSTELAÇÃO FAMILIAR E A FILOSOFIA HELLINGERIANA

A Constelação Familiar trouxe à luz observações desconfortáveis e


incomodas para muitos, como o fato de que perpetradores e vítimas estão
vinculados entre si, para citar apenas uma das diversas ideias contundente-
mente rechaçadas desde que Hellinger iniciou sua trajetória com Constela-
ções Familiares (HOVEL, 2018). Essa abordagem, desenvolvida a partir das
observações do teólogo e filósofo Bert Hellinger ao longo de 40 anos, vem
sendo aplicada em cerca de 17 Tribunais de Justiça brasileiros, fomentou a
criação de 31 comissões de Direito Sistêmico na Ordem dos Advogados do
Brasil (OAB) de diversos estados da federação.
O que é Constelação Familiar, afinal? A Constelação Familiar nasce
como resultado das observações do teólogo, filósofo e psicanalista alemão
Bert Hellinger. A abordagem está inserida no que se chama terapia sistêmi-
co-fenomenológica, por tratar das relações entre os elementos de um mesmo
sistema observáveis fenomenologicamente. Bert Hellinger a partir de suas
observações descreveu 3 ordens ou leis que regem as relações dentro do sistema
familiar, a saber a ordem da hierarquia - os que vêm antes têm precedência
sobre os que vêm depois - e a ordem do equilíbrio entre o dar e o receber.
Segundo De Ribes (2018), a terceira ordem observada por Hellinger
só foi formulada completamente entre os anos de 2002-2003. Até aquele
momento a ordem do pertencimento - todos que fazem parte de um sistema
têm o direito de pertencer - se aplicava apenas aos ‘’bons’’, ou seja, os per-
petradores eram excluídos do sistema. No entanto, Bert Hellinger (2005),
reviu esse entendimento, como admitiu à Gabriele Ten Hovel, na entrevista
publicada no livro “Um Lugar para os Excluídos”:

301
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

Sim, um perpetrador que fosse assassino eu mandava embora;


outros não.
Portanto, ainda não havia, no trabalho de constelações, a ideia de
que, no nível anímico, perpetradores e vítimas pertencem à família?
A experiência inicial era esta: o perpetrador sente-se atraído por
sua vítima, vai ao encontro dela na medida em que sai da família. Nessa
medida, o procedimento era adequado. Mais tarde ficou patente que
a vítima, seja quem for, pertence à família do perpetrador. Assim, em
vez do perpetrador ir até a vítima, esta passou a ser trazida.
Em outras palavras, quando se excluía o perpetrador, a vítima
também era excluída, porque o senhor pensava que ela não pertencia
ao sistema familiar?
Procedi assim por algum tempo. Então percebi que não era assim.
A partir daí não pude mais colocar-me contra os perpetradores,
como se fossem diferentes, como se fossem monstros e não como
se fossem também impelidos por um outro poder por trás deles.
(HELLINGER, 2016, p. 81-82)

A filosofia é uma ciência que está baseada na experiência. Mais adiante


Hellinger ampliou seu olhar ainda mais para entender que o pertencimento
abarca a todos, sem quaisquer exceções. Em seguida, concebeu os conceitos
de ‘’boa’’ e ‘’má’’ consciência, oriundos dos sentimentos de culpa e inocência.
Para Hellinger (2007), a consciência é um sentimento que nos aponta
como devemos atuar para assegurar nosso pertencimento num dado grupo.
A consciência nos vincula a esses grupos independentes do que exijam de
nós (HELLINGER, 2007, p. 63).
Ao refletir sobre os conceitos de bem e mal, Hellinger se dá conta de
que, para manutenção do vínculo qualquer comportamento ou atitude que
esteja de acordo com os mandatos do grupo, mantém o sujeito em estado de
inocência e que a atitude contrária ao habitual do sistema ou grupo gera culpa.
Ao verificar tais posturas pela fenomenologia, o autor deixa claro que
‘’a verdade é algo que emerge como um relâmpago do ausente para o pre-
sente e, então, volta a imergir no ausente’’ (2012, p. 21), base da observação
fenomenológica dos sistemas, tema a ser abordado adiante.

302
A ATITUDE SISTÊMICA NA PRÁTICA DA ADVOCACIA

A visão de culpa e inocência e a experiência de Hellinger com as Cons-


telações Familiares inspiraram o juiz de direito Sami Storch. O magistrado
percebeu que diante dos desafios do Poder Judiciário cada dia mais asso-
berbado pelo incontável número de ações e recursos e também dos anseios
da sociedade por soluções para os conflitos que ponham fim ao processo e
também possam trazer paz às partes (STORCH, 2014, p. 1).

Em minha prática judicante, há dez anos venho utilizando técnicas


de CONSTELAÇÕES FAMILIARES SISTÊMICAS e com elas obtendo
bons resultados na facilitação das conciliações e na busca de soluções
que tragam paz aos envolvidos nos conflitos submetidos à Justiça.

Trata-se de uma abordagem fenomenológica e sistêmica, original-


mente utilizada como método terapêutico pelo alemão Bert Hellinger,
que a partir das Constelações Familiares desenvolveu uma ciência
dos relacionamentos humanos, ao descobrir algumas ordens (leis
sistêmicas) que regem as relações. Essa ciência foi batizada pelo seu
autor com o nome de Hellinger® Sciencia. O conhecimento de tais
ordens (ou leis sistêmicas) nos conduz a uma nova visão a respeito
do direito e de como as leis podem ser elaboradas e aplicadas de
modo a trazerem paz às relações, liberando do conflito as pessoas
envolvidas e facilitando uma solução harmônica (STORCH, 2014,
p. 03). (grifo nosso)

Conforme explicado acima, o movimento sistêmico no Judiciário teve


início pelas mãos de Sami Storch e por seus resultados rapidamente alcançou
não apenas outros magistrados, como também diversos profissionais da área
jurídica. De acordo com Badalotti (2017) é importante frisar a precariedade
do Direito Sistêmico tomando em conta a ausência de estudos em bases
sólidas dado o frescor de sua prática.
Por outro lado, a filosofia como ciência está, no dizer de Hellinger
(2012), em movimento. O movimento ou a efemeridade de conceitos e
experiências características do campo de saber filosófico e em especial da
filosofia hellingeriana desafia a escrita sobre Direito Sistêmico. Não à toa,

303
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

a escolha de um levantamento dos conceitos e o relato de casos pareceu o


melhor caminho para a pesquisa qualitativa que ora se apresenta.
Storch (2014) afirma que por meio de sua prática jurisdicional pôde
perceber a possiblidade de aplicação da filosofia hellingeriana, começando
por visualizações durante as audiências de conciliação até a realização de
oficinas-mutirão de Constelação Familiar no fórum de Itabuna-BA.
Conforme citado acima, o Direito Sistêmico surge inicialmente da apli-
cação da Constelação Familiar e dos princípios filosóficos de Bert Hellinger
ao direito. É não apenas um novo olhar sobre os conflitos judiciais, como
também uma janela que se abre no Judiciário e entre operadores do direito
para outros campos do saber como a teoria dos sistemas e a fenomenologia.

04. 1. SISTÊMICA FENOMENOLÓGICA

A teoria geral dos sistemas ou TGS, como é conhecida, foi desenvol-


vida a partir dos trabalhos do biólogo Ludwig Von Bertalonff, tendo sido
publicada entre os anos de 50 e 68, do século passado. O sistema pode ser
definido como um conjunto de elementos interdependentes que interagem
com objetivos comuns formando um todo.
Segundo Alvarez (1990) qualquer conjunto de partes unidas entre si
pode ser considerado um sistema, desde que as relações entre as partes e o
comportamento do todo sejam o foco de atenção.
De acordo com Do Carmo (2015) o sistema é formado por um conjunto
de elementos que se relacionam entre si, e que separados de seu contexto,
não existiriam isoladamente e que fazendo parte de um mesmo contexto se
influenciam entre si. Nesse contexto fica claro que a família, assim como as
organizações, é um sistema e todos aqueles que se relacionam entre si de al-
gum modo pertencem a um mesmo sistema ou a sistemas inter-relacionados.
É interessante notar que ao observar a dinâmica dos sistemas, isto é,
as relações familiares, Bert Hellinger percebeu um conjunto de ordens ou
leis naturais que regem tais relações de modo a manter por homeostase o
equilíbrio no sistema. Como foram observadas tais ordens? Por meio da
fenomenologia.

304
A ATITUDE SISTÊMICA NA PRÁTICA DA ADVOCACIA

Conforme explicado acima, os sistemas mantêm um certo equilíbrio


que é mantido pela interação entre suas partes. Este equilíbrio foi observado
por meio da fenomenologia usando representantes.
A fenomenologia é uma escola filosófica cujo pai é Edmund Husserl.
Teve início na Alemanha em fins do século 19 e primeira metade do século
20. O que chamamos fenomenologia? Para Ales Bello (2006, pp 17-18):

(...) ‘’Fenômeno’’ significa aquilo que se mostra; não somente


aquilo que aparece ou parece. (...) “Logia” deriva da palavra logos,
que para os gregos tinha muitos significados: palavra, pensamento.
Vamos tomar logos como pensamento, como capacidade de refletir.
Tomemos, então, fenomenologia como reflexão sobre um fenômeno
ou sobre aquilo que se mostra. O nosso problema é: o que é que se
mostra e como se mostra. Quando dizemos que alguma coisa se
mostra, dizemos que ela se mostra a nós, ao ser humano, à pessoa
humana. Isso tem grande importância. As coisas se mostram a nós.
Nós é que buscamos o significado, o sentido daquilo que se mostra.

É preciso ressaltar que a observação do fenômeno, daquilo que se


mostra nos sistemas é o modo como Bert Hellinger pôde sistematizar as
ordens do amor ou leis sistêmicas. Tais leis se mostraram pela percepção do
fenômeno em centenas de experiências de Constelação Familiar, o que foi
revelando pouco a pouco ao filósofo a profundidade de tais ordens naturais.

05. DIREITO SISTÊMICO

O Direito Sistêmico é uma forma de atuar nos conflitos judiciais ba-


seada nas leis naturais trazidas à luz pela Constelação Familiar: abordagem
sistêmica fenomenológica desenvolvida pelo filósofo alemão Bert Hellinger.
Para Storch (2018), o Direito Sistêmico vem para dar paz aos envolvidos,
permitindo que eles mantenham um bom relacionamento futuro e, inclusive,
tratem de forma amigável outras questões. O Direito Sistêmico, portanto,
surge para trazer um novo olhar sobre a forma de resolução de conflitos
judiciais e humanizar o sistema de justiça.

305
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

O direito sistêmico traz um avanço no entendimento dos fenômenos


jurídicos em várias áreas e nas práticas contemporâneas de solução de conflitos.
De acordo com Sami Storch (2014), juiz brasileiro que iniciou a aplicação da
Constelação Familiar no Brasil, ‘’o Direito Sistêmico vê as partes em conflito
como membros de um mesmo sistema, ao mesmo tempo em que vê cada uma
delas vinculada a outros sistemas dos quais simultaneamente façam parte’’.
Conforme explicado acima, o Direito Sistêmico é uma nova forma
de olhar os conflitos judiciais cuja tônica está na pacificação das relações e
não exclusivamente na solução do processo. Badalotti (2018) afirma que o
Juiz se manifesta aplicando a letra fria da lei sem buscar a real origem da
pretensão resistida, impondo uma decisão, as partes seguem insatisfeitas
perpetuando o rancor e o que mantém as partes unidas pelo conflito em
sucessivos recursos.
Badalotti (2018) percebe que ganha especial relevância o olhar trazido
pela ciência de Hellinger para o equilíbrio nas relações entre as partes do
processo, o que traz alívio e paz para as relações. O autor deixa claro que
no modelo convencional de justiça no Brasil, em função da complexidade
das relações em conflito, as partes seguem se atacando e mantendo relações
belicosas. De outro lado, com a aplicação do olhar sistêmico é possível re-
conciliar e promover a justa compensação entre as partes, o que em última
análise é, ainda segundo a autora, a função do direito.
Pode-se dizer que a aplicação das ordens sistêmicas descritas pelo
filósofo alemão ao direito é cabível, conforme mencionado pelo autor. Nesse
contexto fica claro que a culpa experimentada como obrigação e a inocência
como alívio e reivindicação, estão a serviço do equilíbrio. ‘’Esse tipo de culpa
e de inocência é boa, porque gera um sentimento de ordem e, consequen-
temente de bem-estar’’ (Hellinger, 2009, pag. 26).
Ora, em tese, as relações de culpa e de inocência como boas ou más
estão baseadas nas observações de Hellinger (2007) a respeito do que ele
chamou de ‘’boa’’ e ‘’má’’ consciência. Não se trata de conceito ancorado na
dualidade entre bem e mal, certo e errado, mas uma outra forma de olhar
para a consciência moral. Por exemplo, o filho do médico que se torna ator
age em má consciência, visto que não obedece ao costume ou tendência de
seu sistema; do mesmo modo que o filho do pedreiro que se torna médico

306
A ATITUDE SISTÊMICA NA PRÁTICA DA ADVOCACIA

o faz. De outro lado, o filho do homem que pratica homicídio e também o


faz, o faz agindo em boa consciência. A fim de manter seu pertencimento
àquele sistema.
Conforme explicado acima, agir de acordo com o sistema traria uma
sensação de inocência, visto que, em nome de uma compensação arcaica,
o sujeito da ação o faz a fim de preservar seu pertencimento ao sistema,
enquanto o que age em desacordo com seus sistema, por exemplo, no caso
citado do filho do pedreiro que se torna médico, está em estado de culpa,
por ter ido de encontro aos preceitos de seu sistema, pondo em risco seu
pertencimento.
De acordo com Hellinger (2013, p. 53):

‘’en primer lugar la conciencia asegura nuestra pertenencia a los


grupos que son importantes para nosotros, en especial a aquellos
de los cuales depende nuestra supervivencia. Nos ata a ellos, sea lo
que sea que estos grupos nos exigen. Además de la conciencia que
percibimos, hay una conciencia inconciente cuyas leys solamente
podemos reconocer a través de sus efectos en un grupo. Esta con-
ciencia está sustraída de los sentimientos en gran medida. Sobre todo
porque aquella conciencia que percibimos como mala conciencia y
como conciencia tranquila o buena se superpone a la sensación de
esa otra conciencia, y de esa manera la desplaza al inconciente (...)
Esta conciencia inconsciente es una conciencia de grupo incluso
en mayor medida que aquella concienciaque nosotros percibimos.
Es una conciencia colectiva, una conciencia común en la familia’’.

O autor deixa claro que, de acordo com suas observações, há dois


níveis de consciência: a consciência que percebemos ou consciência pessoal
e a consciência inconsciente ou consciência de grupo. A forma como é en-
tendida a boa e a má consciência em cada um desses níveis de consciência
são distintos. No primeiro nível, isto é, na consciência percebida ou pessoal,
consciência tranquila ou culpa são percebidas de acordo com regras morais
presentes na dualidade certo/errado, culpa/inocência.

307
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

É preciso ressaltar que o Direito Sistêmico é uma forma de atuar


diante dos conflitos de natureza jurídica baseada nas chamadas ordens ou
leis sistêmicas trazidas à luz pela Constelação Familiar. No entanto, não se
confunda com a aplicação da abordagem às ações judiciais. Isto porque, a
depender da perspectiva, a prática do Direito Sistêmico deverá tomar em
conta a função jurídica do operador do direito que a aplica.
Assim, a visão sistêmica do direito serve à prática da advocacia como
forma de incluir, não se restringindo a isso, todos os membros do sistema
do cliente e de seu ex adversus em perspectiva sem intenção ou julgamento
sobre culpados ou inocentes.
Atuar sistemicamente no âmbito judicial e extrajudicial amplia o olhar
do operador do direito sobre o conflito de modo a incluir inocência e culpa
a partir de outro olhar sobre a consciência moral, mas sem excluí-la. Assim,
o olhar que tudo inclui, pode trazer reconciliação aos sistemas envolvidos e
pacificar as relações, encerrando conflitos ao tempo em que encerra processos.
Gostaríamos de ilustrar o acima exposto com a apresentação de um
caso de dissolução de relação homoafetiva entre Rosana e Miriam (nomes
fictícios) com a respectiva partilha de bens, cuja atuação como advogadas
sistêmicas trouxe resultados favoráveis.

Caso: dissolução de relação homoafetiva com a respectiva partilha


de bens
Rosana e Miriam64

No início de janeiro de 2018, fui procurada por Rosana, uma moça


raivosa e em prantos que relatou ter deixado o lar após ter descoberto estar
sendo traída pela companheira, com quem vivia em união estável há mais
de 14 anos. Dois meses antes (novembro de 2017), o casal havia se mudado
para um imóvel adquirido em conjunto através de financiamento bancário
cujo prazo era de 30 anos. Tanto as despesas com a concretização do negócio
como as despesas com a reforma e mobília do imóvel consumiram todas as
economias amealhadas por ambas no decorrer da longa convivência, inclusive
o FGTS. Tinham carro e moto. Essa cliente queria “sangue”.
64. Nome fictício

308
A ATITUDE SISTÊMICA NA PRÁTICA DA ADVOCACIA

Agora conhecedora da filosofia de Bert Hellinger e pretendendo atuar


sistemicamente no caso, na reunião inicial com a cliente, primeiramente, ouvi
de forma mais isenta possível, acalmei a cliente e pedi documentos. Minha
atitude interna foi de olhar para todos os lados da questão, para ambos os
sistemas, tanto o da cliente que me contratara, como o de sua companheira,
de forma empática. Nesse olhar, não tinha intenção nem desejo particular de
que o caso se resolvesse de determinada forma. Coloquei-me como adulto,
diante da situação, não me deixando influenciar pelas emoções exaltadas da
cliente. E ao me colocar assim, procurei que ela também conseguisse se colocar
no estado adulto. Invoquei todo o sentimento apaziguador que sempre foi
característica da minha atuação desde que comecei na lides jurídicas, que
tem forma clara de amor e ficou muito mais intenso, especialmente, após ter
contato com a filosofia e ensinamentos de BERT HELLINGER.
Na segunda consulta, marcada depois de me consultar internamente
e sentir que eu era adequada para o trabalho, ponderei que priorizaria um
consenso de forma que todos se sentissem bem. Brigar, só dentro dos limites
técnicos depois de esgotadas as possibilidades de acordo.
Depois de analisar seus documentos, veio o momento de expor-lhe
seus direitos de propriedade assegurando que não perderia o que comprou
com tanto esforço pois sua metade na partilha haveria de ser respeitada. Em
seguida, com o máximo de respeito à outra parte, fazendo o maior esforço
para olhar aquilo amorosamente, expus à cliente minha forma de trabalho,
onde eu apoiaria e estaria ao seu lado, mas decisões seriam todas dela.
Ela aceitou, fiz alguns movimentos para sentir a situação, ouvi aten-
tamente a histórias dos pais, dos irmãos, sempre dando um jeito da cliente
ver tudo de um jeito mais amplo. Quis saber das relações pessoais daquele
casal. Abri o leque de informações e de possibilidades o melhor que pude.
Para o próximo encontro, convidei a outra parte, Miriam, que com-
pareceu. De novo, minha atitude interna foi de amorosamente inclui-la em
meu coração, procurando respeitar e honrar seu sistema. Expliquei toda a
situação legal, em especial o fato de que estariam comprometidas com o fi-
nanciamento bancário por um longo período (trinta anos). Como alternativa
para a solução do caso, propus a venda de todo o patrimônio e divisão por
igual. Miriam discordou de tudo.

309
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

Conversando com a cliente, ela decidiu promover a ação de reco-


nhecimento de união homoafetiva cumulada com partilha de bens, com o
pedido de receber aluguel pelo uso exclusivo do imóvel pela outra parte. O
processo foi instruído com fotos e recibos de tudo o que havia sido gasto,
das tintas das paredes até com a compra de louças.
A contestação foi apresentada pelo único advogado com que eu já
tinha me indisposto em toda a minha carreira, por conta de outro caso que
será relatado a seguir. Pareceu-me que era uma excelente oportunidade
para verificar meus emaranhamentos pessoais com os da cliente e com o
advogado ex adverso.
No último dia 06 de fevereiro, em audiência de conciliação, as partes
chegaram a um acordo no sentido de que todos os bens que compõem o
patrimônio comum e a divisão igualitária entre as partes, onde a meação de
minha cliente foi amplamente respeitada. Minha cliente estava serena, em sua
posição de adulta. A outra parte pareceu aceitar bem que não haveria outra
forma de resolver aquilo. O advogado, desafeto de anos, não criou empecilhos.
Antes da audiência, em recolhimento interior, procurei adotar minha
postura sistêmica diante do caso: em pensamento firme dirigido ao “advoga-
do desafeto” eu disse “eu sinto muito”, fiz reverência e saudei a ele e a todos
os seus antepassados. Também antes de tudo começar, internamente, me
coloquei à disposição amorosamente de todo aquele campo.
Em resumo, a adoção da postura sistêmica de tudo incluir, de respeitar
os sistemas de todos os envolvidos, de agir de forma adulta permitiu que a
solução harmoniosa do conflito se construísse de forma mais fluida.

06. ADVOCACIA SISTÊMICA - RESULTADOS E CONSIDERAÇÕES


FINAIS

A pesquisa objetivou delimitar qual o campo do Direito Sistêmico e


qual o papel da advocacia neste campo. Como as práticas sistêmicas podem
ser incorporadas na advocacia e como a prática das Constelações Familiares
pode - ou não - se conciliar a atuação do advogado. A hipótese é a postura dos
profissionais advogados em sua relação consigo, com o cliente e com as lides.

310
A ATITUDE SISTÊMICA NA PRÁTICA DA ADVOCACIA

Isso porque Hellinger (2015) defende que existe um conjunto de ordens


também para aqueles que ele chama ajudantes. São as Ordens da Ajuda, que
tratam exatamente da postura do profissional diante de um conflito sistêmico.
O autor deixa claro que é imperioso desenvolver a percepção especial
do conflito que nos permita ir além do que está na superfície e além daquilo
que pensamos sobre o conflito. É preciso deixar de pensar - desafio para os
operadores do direito de modo geral - e passar a perceber o fenômeno tal
como ele se apresenta.
Então, qual é o real campo do Direito Sistêmico? É necessário dizer
que se trata muito mais de uma postura diante da lide - e mais amplamente
- diante da vida que uma fórmula ou aplicação da Constelação Familiar aos
conflitos. Mas não apenas uma determinada postura, como também um
olhar sobre as partes e suas necessidades, que tudo inclui.
Portanto, o Direito Sistêmico é a aplicação da filosofia e do olhar de
Bert Hellinger a todas as relações, e aí se incluem as relações e os conflitos
judiciais, por exemplo, conseguir atuar sem intenção ou julgamento, a partir
de seu próprio lugar de advogado, deixando ao cliente, mediante orientação
completa a responsabilidade pelas decisões sobre como agir ou transigir em
seu processo. Acompanhar tendo como norte as Ordens da Ajuda.
Conforme explicado acima, as Ordens da Ajuda aplicadas à postura
do advogado sistêmico se conformariam com dar apenas o que se tem, e
receber apenas o que é necessário, renunciando ao desejo de fazer a justiça
que o cliente tem em mente; submeter-se às circunstâncias, interferindo
apenas quando elas assim o permitirem.
Além disso, colocar-se como adulto diante de outro adulto, não
infantilizando o cliente e lhe tirando a capacidade de decisão e assunção
de suas próprias responsabilidades e ainda assim manter-se empático, não
apenas com o cliente, mas na verdade com o sistema diante de si. Para
Hellinger (2015) podemos ajudar de uma forma completamente diferente
quando vemos imediatamente atrás dos clientes, seus pais e o destino
deles, ampliamos o olhar para algo maior que o próprio cliente. Ao olhar
mais amplo o advogado por incluir todo o sistema do cliente, e mesmo da
contra parte e assim, incluindo a todos atuar no sentido da reconciliação

311
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

entre os sistemas. Como advogado sistêmico, ele se põe de acordo com a


situação do cliente exatamente como se apresenta, sem pesar ou indignação.
Aquele que quiser atuar sistemicamente deverá sempre estar atento
à observância das regras contidas nas Ordens de Ajuda de Bert Hellinger,
seja as aplicando, seja as reequilibrando. O olhar inclusivo e que respeita as
Ordens de um sistema é o que permite que a atuação jurídica possa ser a
um só tempo também sistêmica.
Esse olhar inclui e respeita o advogado da outra parte, deixando de
vê-lo como ‘ex-adversu’ e abandonando a ideia do processo como um campo
de batalha. Há pelo menos dois sistemas por detrás de um conflito e não
por acaso o advogado está atuando naquela determinada causa, razão pela
qual deve ele também olhar para sua atuação desde a perspectiva sistêmi-
co-fenomenológica.
Atuar sistemicamente é, portanto, desenvolver uma percepção especial
do conflito que nos permita ir além do que está na superfície e além daquilo
que pensamos sobre o conflito. É preciso deixar de pensar - desafio de boa
parte dos operadores do direito - e passar a perceber o fenômeno tal como
ele se apresenta.
A percepção surge do centramento interno. É importante abrir mão
do nível das reflexões, das intenções, das diferenciações e dos medos. Abrir-
-se para algo que toca imediatamente, a partir do interior. Essa percepção
é menos receptiva e reprodutiva, ela é produtiva, por exemplo, leva à ação,
amplia e se aprofunda na realização (2007, pp. 19-20) e a partir dela se chega
à compreensão do fenômeno.
Tal postura vai além das leis sistêmicas e de ajuda. Estamos diante
agora de uma atitude interna, de autocentramento e autodesenvolvimento,
que exige muita atenção e maturidade.
Ao advogado não cabe ajudar o cliente, diria Cristina Llaguno, advogada
argentina que leciona Direito Sistêmico. Ao advogado cabe acompanhar o
cliente de seu lugar que não é maior, nem menor que o cliente. Acompanhar
significa aqui apresentar as informações técnicas, as consequências de cada
escolha possível, e deixar ao cliente, como dito anteriormente a responsabi-
lidade por escolher o caminho a seguir. Tratar o cliente como adulto, a partir
do lugar de adulto do próprio advogado.

312
A ATITUDE SISTÊMICA NA PRÁTICA DA ADVOCACIA

Llaguno (2018) traz o conceito de adulto da teoria da personalidade


desenvolvida pelo psicólogo Eric Berne, conhecida como Análise Transacional
– AT (Jonies – Stwert, 2016, pág.23-25).
Segundo Joinnes – Stwert (2016) Como teoria da personalidade, a
AT nos traz uma estrutura psicológica baseada no modelo de três partes
conhecido como ‘’estados do eu’’. Foram observados por Berne são estado
criança, estado pais e estado adulto.
Ainda segundo Joinnes – Stwert (2016), Eric Berne definiu o estado
do eu como um ‘’padrão coerente de sentimento e experiência diretamente
relacionados com o padrão coerente de conduta’’. Neste sentido, o estado adulto
está caracterizado por uma conduta que vê a realidade como se apresenta
e se conduz de acordo com ela, fazendo escolhas a partir de sentimentos e
experiências coerentes com os fatos que se apresentam.
Conforme explicado acima, atuar a partir do estado adulto é o que
faz o advogado em postura sistêmica, isto é, olhando para a realidade de
que papel ele tem no conflito e, portanto, sem se identificar com o cliente
ou com sua questão.
Ao estar centrado e em sintonia com o cliente e com os sistemas dele
mesmo, da cliente, da outra parte e de seu advogado, pôde manifestar sua
posição de adulto e abriu mão de suas próprias intenções quanto ao caso,
permitindo assim que seu cliente também pudesse olhar de forma mais
ampla para a contenda. Ao dizer sim para todas as questões sistêmicas que
envolviam aquela lide, aceitou tudo como é, e afinou a sintonia, por exemplo,
quando centrado olhou internamente para o outro advogado, assentiu o que
era entre eles e tomou para si sua própria responsabilidade naquela circuns-
tância, reverenciando-o em seu lugar de defesa dos direitos da outra parte.
Conforme explicado acima, para Hellinger (2015), em sintonia me
despeço de minhas próprias intenções, meu julgamento, meu superego e
daquilo que ele quer, do que eu devo e preciso fazer. Isso quer dizer que chego
a mesma sintonia comigo e com o outro. Dessa forma, o outro também pode
entrar em sintonia comigo sem se perder, sem precisar ter medo de mim.
Também posso estar em sintonia com ele e permanecer em mim mesmo.
Não me entrego a ele, porém em sintonia com ele conservo a distância e,

313
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

exatamente por isso, posso perceber precisamente o que posso e devo fazer
quando o ajudo.
Desde o princípio, o objetivo era olhar para a filosofia hellingeriana, as
Constelações Familiares e o Direito Sistêmico buscando responder às dúvidas
de como tal filosofia se aplicaria à postura dos advogados, considerando a
natureza da função social da advocacia na defesa dos direitos de uma parte
em detrimento de outra.
Os obstáculos mais visíveis eram justamente aqueles inerentes não
apenas à função da advocacia mais à cultura advocatícia sempre belicosa
e em busca da vitória de uma parte sobre a outra, o que se contrapunha às
soluções sistêmicas que buscam a melhor solução para todos os envolvidos,
em especial o equilíbrio entre os sistemas.
Ao observar a vivência das autoras a partir do início da pesquisa diante
de seus clientes, e o levantamento atento da bibliografia sobre o tema, foi
possível, pouco a pouco e vivenciando na atuação profissional os elementos
propostos por Hellinger em sua filosofia das Constelações Familiares.
Tais experiências levaram às respostas a cada uma das dúvidas surgidas
nos objetivos específicos deste trabalho.
Foi possível perceber que é possível atuar como advogado ultrapassan-
do o próprio ego, a intenção de ajudar no sentido de impor uma solução ao
cliente, abrir-se verdadeiramente ao fenômeno e deixar que ele se manifeste,
acolher e incluir a todos os que compõem o sistema do cliente, e, portanto,
estar em uma atitude acolhedora para de fato acompanhar o cliente, ambos
na condição de adultos, assumindo escolhas e tomando suas próprias res-
ponsabilidades.
Ficou claro que para isso, é fundamental estar completamente centrado
e consciente do que se passa dentro de si para que possa evitar os próprios
emaranhamentos com o sistema do cliente, da outra parte e de seu advogado
e até mesmo do juiz.
Tudo isso nos indica que a prática sistêmica da advocacia requer que
o profissional da carreira esteja disposto mudar seu olhar sobre si e sobre a
lide. Centrar-se e sintonizar-se com seus sistema, olhar e ver que é parte de
algo maior, que vem de uma grande linhagem que está à serviço da vida, pre-
parando-se assim para o exercício pleno da empatia em relação ao sistema de

314
A ATITUDE SISTÊMICA NA PRÁTICA DA ADVOCACIA

seus clientes, as partes contrárias e também os colegas que estejam em defesa


dos direitos da outra parte. Tomar consciência e estar atento ao exercício de
seu estado adulto, é condição si ne qua non, para o exercício da advocacia
sistêmica. Ao fazermos isso estamos verdadeiramente abertos ao outro,
prontos para dizer sim a tudo o que é como é. ‘’Tudo o que o outro expressa
em palavras e emana dele pode ser pensado com a substância radiante em
nossa direção. Quando isso acontece, nos tornamos um vaso para o outro:
criamos um espaço livre para o outro ser humano (FLORIDE, 1990, p. 29)’’.
A postura do advogado sistêmico deve ser a mais neutra possível, isenta
de julgamento, acolhedora e inclusiva. O advogado sistêmico deve olhar amo-
rosamente tanto para o sistema de seu cliente como para o sistema da parte
adversária, incluir a todos para assim contribuir para a construção de uma
solução que abranja e acolha a todos, uma solução realmente pacificadora. Ou
seja, ser advogado sistêmico ou atuar sistemicamente no campo do Direito,
exige um esforço de autoconhecimento e autodesenvolvimento constantes. É
um verdadeiro caminho iniciático. É também estar plenamente à serviço da
justiça, mais do que estar a serviço do direito.

07. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


ALVAREZ, Maria Esmeralda Ballestero. Organização, sistemas e métodos. São Paulo: Mc-
Graw-Hill, 1990.
ALES BELLO, Angela. Introdução à Fenomenologia. Tradução: Ir. Jacinta Trucoso Garcia e
Miguel Mahfoud. Bauru, SP: Edusc, 2006.
BADALOTTI, Damaris. Direito Sistêmico: contribuições para o exercício da advocacia.
Disponível em: < http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&ar-
tigo_id=20389&revista_caderno=15>. Consultado em: 02 de dezembro de 2018.
DE RIBES, Brigitte Champetiers, Las Fuerzas del Amor. Madrid:Ed. Gaya, 2018.
DO CARMO, Maria Scarlet. Uma breve apresentação sobre a constelação sistêmico-fenome-
nológica. São Paulo: ed. Atlas, 2015.
FLORIDE, Athys. Human Encounters and Karma. New York: Hudson, 1990.
HELLINGER, Bert. La verdad en movimiento. 2ª ed. Buenos Aires: Alma Lepini, 2013
Traducido por Rosi Steudel.
HELLINGER, Bert. Conflito e paz: uma resposta. Tradução Newton A. Queiroz. São Paulo:
Cultrix, 2007.
HELLINGER, Bert. A fonte não precisa perguntar pelo caminho: Um livro de consulta,
Patos de Minas: Atman. 2012.
HELLINGER, Bert. O amor do espírito na Hellinger Sciencia. Tradução: Filipa Richter, Lorena

315
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

Richter, Tsuyuko Jinno-Spelter. Patos de Minas: Atman, 2009.


HELLINGER, Bert. Um Lugar para os excluídos, Tradução Newton A Queiroz, Divinópolis,
Atman, 2016.
STORCH, Sami. Direito Sistêmico: a resolução de conflitos por meio da abordagem sistê-
mico fenomenológica das Constelações Familiares. In: Revista Entre Aspas, ed. UNICORP
Tribunal de Justiça da Bahia. 2014, pp 305.

316
A POSTURA SISTÊMICA‑
FENOMENOLÓGICA NO ATUAR
JURÍDICO DE UMA JUÍZA E DE DUAS
DEFENSORAS PÚBLICAS

Tatiane Colombo
Larissa Leite Gazzaneo
Gabriela Souza Cotrim

01. INTRODUÇÃO

01. 1. TEMAS E DELIMITAÇÃO

O trabalho em voga surgiu de questionamentos a respeito da (im)


possibilidade da adoção de uma mesma postura chamada sistêmica que tem
como pressuposto a aplicação das leis e ordens sistêmicas trazidas por Bert
Hellinger tanto na atuação como juíza quanto na atuação como defensoras
públicas.
No desenvolvimento do presente trabalho surgiram alguns questio-
namentos que serão analisados em seguida, quais sejam:
Seria possível colocar em prática as ordens da ajuda e as ordens do
amor no âmbito da atividade jurídica dessas três profissionais que traba-
lham em ramos distintos do direito como a violência doméstica, infância e
juventude, cível e fazenda?
Como seria a aplicação do direito sistêmico no âmbito do Poder Ju-
diciário e da Defensoria Pública? Quais seriam as dificuldades enfrentadas
pelas (os) magistradas (os) e defensoras (os) na aplicação do seu desiderato?

317
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

A vivência desse novo olhar, todavia, não modificou a realidade profis-


sional das signatárias, referente a metas e prazos, superlotação de processos,
de presos, de assistidas (os), deficiências materiais e de servidores.
Portanto, esse novo olhar com foco na solução pacífica dos conflitos,
onde o direito sistêmico aparece como uma das ferramentas de destaque a
serem utilizadas, apareceu nesse contexto de excessos já tão conhecido pela
sociedade.
Percebeu-se que as funções institucionais experienciadas e nossas
vidas passaram a ter novas perspectivas através das Constelações Familiares
e, mais especificamente, com a compreensão do Direito Sistêmico segundo
a Hellinger® Sciencia.

01. 2. JUSTIFICATIVA

Nota-se que, tendo em vista a relevância que o direito sistêmico galgou


junto ao Poder Judiciário e em outras carreiras jurídicas como no Ministério
Público, na Advocacia Privada e na Defensoria Pública, tornando-se hoje ver-
dadeira vanguarda, a abordagem do presente tema é de grande interesse e o
enfrentamento das questões aqui tratadas pode contribuir como sugestão para
efetivação de práticas e condutas, de forma ainda mais intensa e eficaz, sendo
estes, de forma sucinta, a pertinência e o objetivo do texto apresentado.

01. 3. OBJETIVO E METODOLOGIA

Para subsidiar a temática apresentada, serão utilizados elementos da


fenomenologia sistêmica, validados pelos ensinamentos de Bert Hellinger,
a partir de experiências pessoais, vivenciadas na magistratura e na Defen-
soria Pública, que demonstram como a aplicação das leis sistêmicas nos
atendimentos das assistidas (os) e jurisdicionadas (os), elaboração de peças,
sentenças, realização de audiências, em resumo, nas diversas atividades que
essas profissões abarcam, podem acarretar ganhos no desenvolvimento dos
trabalhos, na justa medida em que traz a lume o entendimento sobre as situa-
ções vividas, proporcionando soluções adequadas aos enfrentamentos diários.

318
A POSTURA SISTÊMICA‑FENOMENOLÓGICA NO ATUAR JURÍDICO DE UMA JUÍZA E DE DUAS

02. DA POSTURA SISTÊMICA-FENOMENOLÓGICA APLICADA


AO DIREITO

Foi da vivência dessa postura no âmbito jurídico, que o Juiz de Di-


reito, o Dr. Sami Storch, iniciou suas atividades na cidade de Itabuna-Bahia
com a aplicação das constelações familiares - ciência dos relacionamentos
- criada por Bert Hellinger, aos conflitos na justiça.
O Dr. Sami Storch descreve no texto com o qual inscreveu seu trabalho
ao Prêmio Innovare o que ele chama de Direito Sistêmico, da seguinte forma:

A essa abordagem do direito, com uma ótica baseada nas ordens


superiores que regem as relações humanas, segunda a ciência das
constelações familiares sistêmicas desenvolvida por Bert Hellinger, dei
o nome de DIREITO SISTÊMICO. A aplicação do direito sistêmico
vem mostrando resultados impressionantes na minha prática judicante
em diversas áreas, notadamente na obtenção de conciliações, mesmo
em casos considerados difíceis como inventários antigos e complexos
e também no tratamento de questões relativas à infância e juventude
e à criminal. (STORCH, 2017)

Com base nisso, o Direito Sistêmico seria a ciência dos relacionamentos


criada por Bert Hellinger e desenvolvida por Sophie Hellinger, no âmbito
do Direito, formando um novo saber.
A postura sistêmica-fenomenológica, basicamente, seria a vivência
desse saber trazido por Bert, através das ordens do amor, da ajuda e do saber
fenomenológico, que levam a uma visão diferenciada dos conflitos e com
bons resultados na busca da paz. Como descreve o Dr. Sami Storch no seu
trabalho anteriormente citado:

A abordagem sistêmica, segundo Hellinger, considera a existência


de uma alma familiar que abrange todos os membros da família, que
são profundamente vinculados entre si, de modo que o destino trá-
gico de um pode afetar outros membros, inclusive com a tendência
inconsciente de incorrer no mesmo destino fazendo com que se repita

319
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

a tragédia ou a conduta criminosa, geração após geração. (STORCH,


2017) (grifo nosso)

Percebeu-se com isso que a vivência dessa postura tem trazido mu-
danças e efeitos na forma de solução dos conflitos e na vida dos profissionais
que assim trabalham.
O Direito Sistêmico está intrinsecamente relacionado com a com-
preensão e com a vivência das Ordens do Amor e das Ordens da Ajuda.
Em resumo, quando se fala em Ordens do Amor, na perspectiva
ensinada por Bert Hellinger, deve-se ter em mente três leis universais que
regem todas as relações: o pertencimento, a hierarquia e o equilíbrio entre
dar e receber. A primeira Ordem do Amor é o pertencimento. Todos têm
o mesmo direito de pertencer. E a eventual exclusão de um membro do
grupo traz consequências ao sistema, refletindo em conflitos. A hierarquia,
segunda Ordem, pressupõe que quem chega primeiro tem a precedência em
relação aos que chegam depois. Perceba-se que aqui se tem uma perspectiva
cronológica, ou seja, um pai sempre virá antes do filho. A terceira ordem é o
equilíbrio entre o dar e receber. Para que uma relação seja bem-sucedida é
preciso que exista equilíbrio em rodadas de trocas. (HELLINGER, 2015, p. 48)
Neste trabalho, a experiência do dia-a-dia chamou a atenção para a
primeira e terceira ordens da ajuda trazidas por Bert Hellinger.
Segundo o autor, ajudar é uma faculdade que pode ser aprendida e
praticada (HELLINGER, 2013, p. 13). A primeira ordem da ajuda consiste
em dar apenas o que se tem e somente esperar e tomar o que se necessita.
E a terceira ordem da ajuda consiste em que o ajudante se coloque como
adulto perante outro adulto que procura ajuda. (HELLINGER, 2013, p. 17)
Sabe-se que a área jurídica é uma área permeada de conflitos, porém
não deixa de ser um caminho de busca das partes por ajuda, por solução e, a
antes de ajudar alguém, é preciso entender o que realmente a pessoa busca.
Essa ordem ao ser vivenciada fez com que as orientações jurídicas na
Defensoria não ultrapassassem aquilo que aquela Instituição pode oferecer.
Se uma pessoa busca a orientação jurídica na Defensoria Pública, não se
pode crer que o profissional da instituição se sinta no direito de oferecer
ajuda não pedida, ou apelar para a “boa consciência” e tentar fazer com que

320
A POSTURA SISTÊMICA‑FENOMENOLÓGICA NO ATUAR JURÍDICO DE UMA JUÍZA E DE DUAS

as (os) assistidas (os) mudem seu comportamento em relação à vida, sem


ter pedido auxílio para isso.
O que se observou é que os conselhos oferecidos e que não foram
pedidos ou buscados pelas pessoas, não auxiliaram a resolver a questão
porque quando o profissional do direito faz aconselhamento sem ter sido
especificadamente buscado para isso, ele apenas fala de si, e não, da pessoa
que o busca.
Quando isso ocorre, acontece ainda, como efeito negativo, de as pessoas
passarem a buscar uma orientação que não era jurídica de forma rotineira,
como: o que faço doutora com esse marido, como faço?
Portanto, o dar o que não se tem e buscar o que não se precisa são
ações vistas frequentemente no dia-a-dia dos órgãos públicos e o tomar co-
nhecimento dessa dinâmica fez com que houvesse maior foco naquilo que
realmente o assistido (a) precisava e também naquilo que se poderia oferecer.
Nas constelações é comum ver que o ajudante muitas vezes interfere
na dinâmica do sujeito a ponto de, inclusive, mudar o rumo das coisas. Esse
é um exemplo trazido por Hellinger (2013, p. 101):

HELLINGER para o grupo. Muitos ajudantes, também aqueles que


usufruíram do treinamento todo, pensam que estão comprometidos a
mudar o destino de seus clientes. Então algumas vezes ficam estressa-
dos e se colocam também numa posição de ter pena dos seus clientes.
O que acontece, quando tenho pena? Quem tem pena, acusa o
destino e acusa Deus, seja lá o que for. Que arrogância! Sentir pena
é arrogância. Aquele que se liberta disso e faz uma reverencia, sente
a força na sua própria alma e também na alma do cliente e pode se
desenvolver então.
Para o participante se você tiver essa postura quando ela vier, você
ficara tranquila. Talvez possa fazer um exercício com ela: que ela faça
uma reverencia ao destino sem que você vá conferir. Mas, com ela,
está em jogo a culpa pessoa. (Grifo nosso)

É consenso que o Direito Sistêmico não se limita a realização de wor-


kshops de constelações familiares ou de encaminhamentos de casos para

321
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

Constelação Familiar. Antes e muito mais profundo, percebe-se a mudança


de postura e na forma de ver os conflitos que se apresentam diariamente nas
nossas carreiras jurídicas.
A tradição jurídica ainda é bastante sedimentada no conflito. A for-
mação jurídica ainda é essencialmente voltada para a litigância e ainda está
incutida a ideia de que “quem grita mais alto sempre leva”. Outras ideias
bastante comuns são: juízes são frios e são uma espécie de semideuses
incapazes de olhar para os “reles mortais” envolvidos naqueles processos.
E quanto mais números de produtividade seu relatório apresentar,
melhor, porque mais vale 100 sentenças na solidão do gabinete, ou ainda 100
petições iniciais (novos conflitos ingressando no Judiciário) protocoladas
a “toque de caixa”, do que o envolvimento em projetos e a busca de novos
conhecimentos que promovem formas adequadas de aproximação com as
pessoas e seus mundos reais.
Através da observação das Ordens do Amor em conjunto com as
Ordens da Ajuda passa a se desenvolver a apreciação dos casos trazidos à
esfera da resolução de conflitos.
Assim podemos acrescentar uma questão jamais tratada e que também
é importante em sede de resolução de conflitos que é a identificação de cada
profissional da área de suas limitações.
Grandes questionamentos são guardados sobre a questão da forma
de desenvolvimento do trabalho dos magistrados, principalmente no que
tange à forma de aplicação da lei aos casos concretos.
Destarte, a ideia que vem à tona é a de que todo trabalho do magistrado
está focado na interpretação sobre o texto legal, doutrina e jurisprudências,
bem como na sua aplicação, sendo certo, no entanto, que se olharmos de
uma forma ampla, verificamos que os juízes aplicam a lei de acordo com seu
entendimento e com todo o seu sistema, ou seja, suas convicções.
Nesse passo, ao analisar os casos que lhe são postos, o Juiz não fun-
ciona como mero repetidor do direito, sendo sua função interpretativa de
fundamental importância, fato que, ante a diversidade de situações encon-
tradas e com volume excessivo de demandas, muito se ouve de profissionais
adoecendo, física e mentalmente, por conta da exaustão do dia a dia, não

322
A POSTURA SISTÊMICA‑FENOMENOLÓGICA NO ATUAR JURÍDICO DE UMA JUÍZA E DE DUAS

podendo ser olvidada circunstancia semelhante com demais servidores do


Poder Judiciário.
Uma crença muito comum a todos no Poder Judiciário é a de que
se pode resolver tudo, colocando-se no papel de verdadeiros salvadores,
culpam-se da falta de recursos humanos e materiais, mas não se observam,
muitas vezes, que o elemento chave de todo o trabalho prestado é o ser hu-
mano, que compõe a estrutura principal da instituição.
Este olhar amplo diz respeito à visão sistêmica da questão e tudo o que
está ao redor. Nessa contextualização, os motivos para a escolha da profissão
de juiz podem variar de pessoa a pessoa, mas o que se precisa ter em mente
é que essa profissão equivale a vida, e a toda influência no sistema de quem
julga reflete nas escolhas que toma, atuando na qualidade da prestação do
trabalho.
A auto exigência e a automação são duas figuras que passam a sondar,
e comprometem a alma do juiz e de defensores que, em face disso, muitas
vezes acabam por entender que precisa saber de tudo e conseguir tudo, um
verdadeiro suicídio em gotas, na medida em há um descompasso com a
realidade.
Nesse passo, o embasamento nos princípios do Direito Sistêmico ajuda
a melhorar a visão de todos os envolvidos no trabalho, bem como, de nós
mesmos e do verdadeiro sentido da atividade exercida, com a consciência
de que fazemos parte de sistemas individuais, dentro de um sistema maior
e que desta forma contribuímos com o todo.
A construção da prestação jurisdicional e da orientação jurídica têm
como escopo o direito à dignidade da pessoa humana, então se abrem frentes
as quais precisam ter um olhar amplo e respeitoso para melhorar a fluidez
do trabalho apresentado, sendo certo que as referidas frentes possibilitam
melhores soluções para os conflitos, tendo as Constelações Familiares apli-
cadas ao Direito e o Direito Sistêmico como parte delas.
O Direito Sistêmico — com suas bases na Filosofia de Bert Hellinger
e junto com os segmentos da Psicologia e Pedagogia afins — trouxe uma
nova roupagem na análise dos processos, trazendo conceitos como o de Rosa
(2016), para quem “o Direito Sistêmico é antes de tudo uma postura, é uma

323
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

forma de viver e de se fazer justiça, buscando o equilíbrio entre o dar e o


receber, de modo a trazer a Paz para os envolvidos em um conflito”.
A célebre frase de Bert Hellinger, mentor e criador das Constelações
familiares, bem elucidam como o Direito Sistêmico pode ajudar na solução
pacífica dos conflitos, respeitando a um só tempo, todos os envolvidos no
processo, explicitando que: “O amor preenche o que a ordem abarca. O
amor é a água a ordem é o jarro. A ordem ajunta, o amor flui. Ordem e
Amor atuam juntos”.
O Direito Sistêmico, em termos técnico-científico, é um método
sistêmico-fenomenológico de solução de conflitos, tendo como subsídio e
fundamentação os conhecimentos trazidos por Bert Hellinger a partir de
uma nova ciência dos relacionamentos.
No livro Ordens do Amor, guia para o trabalho com Constelações
Familiares, editora Cultrix, 9ª Edição, algo chama a atenção quando se lê:
“Este livro fala de destinos humanos e da possibilidade de transformá-los”,
frase que se coaduna e bem demonstra o supramencionado, evidenciando
os ensinamentos de Bert Hellinger, que apresentados nos proporcionam
uma percepção diferenciada para oportunizar a efetividade da prestação
jurisdicional, através da adoção de uma postura sistêmica.
Dessa forma, a oportunidade de se aplicar o Direito Sistêmico às leis,
solucionando os conflitos da melhor forma para as partes, é algo que está de
acordo como nosso sistema legal, cujo fundamento hierárquico superior é
a Constituição Federal, que traz em seu preâmbulo princípios que guardam
conexão com as ordens da vida e com o amor-respeito pelo ser humano.
Vejamos:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia


Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado
a assegurar o exercício dos Direitos sociais e individuais, a liberdade,
a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça
como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista, sem
preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem
interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias...
(BRASIL, 1988, preambulo)

324
A POSTURA SISTÊMICA‑FENOMENOLÓGICA NO ATUAR JURÍDICO DE UMA JUÍZA E DE DUAS

A perspectiva trazida pelo Direito Sistêmico é de um olhar diferencia-


do, de respeito e amor ao ser humano, tal como ele é perfeito sempre, sem
julgá-lo e trabalhando todos os atores envolvidos dentro do Poder Judiciário,
cabendo ao juiz julgar os atos e situações a ele trazidas e não as pessoas,
necessitando para isso de um olhar amplo, aceitando a cada um como ele é.
Ao mesmo tempo é para a Defensoria, cabendo à defensora possuir
olhar amplo que abarque todo o sistema da pessoa que buscou assistência
nessa instituição e sabendo, de antemão, que essa pessoa pode estar em
um determinado destino difícil por amor.
Ao desenvolver o Projeto Visão Sistêmica, como juíza, pude investi-
gar a aplicação do Direito Sistêmico, através das Constelações Familiares,
em Varas de Competência Cível e de Falências e Recuperação Judicial de
Cuiabá, observando e pontuando questões, desde a estrutura das serventias,
servidores, juízes, partes e advogados, bem como, pondo em pratica a visão
sistêmica em processos judiciais, buscando a aplicação mais adequada da lei
ao caso concreto, prosseguindo o projeto, através de um olhar e uma postura
sistêmica mais ampla, em cada uma das audiências realizadas, permitindo ao
julgador olhar apenas a questão essencial trazida, otimizando seu trabalho
e a prestação jurisdicional.
A experiência do Projeto Visão Sistêmica evidenciou que quando
trabalhamos com pessoas estamos em conexão direta com nosso sistema,
com a nossa relação com nossos pais, assim como vejo os outros, muito vejo
sobre a minha pessoa, sendo que a dinâmica entre pais e filhos é essencial,
pois tratam dos movimentos essenciais da vida.
Nessa senda, nas questões trazidas para apreciação pelo Poder Judi-
ciário, cada um tem sua compreensão e assim se desenvolvem os trabalhos
dentro da área jurídica pelos envolvidos: promotores de justiça, advogados,
defensores públicos, procuradores do estado. Desta forma, amplificar o
olhar permite que cada um dos entendimentos, se complete naquilo que é
a essência da questão apresentada, deixando que ressoe as ordens da vida.
A entrega ao Todo possibilita a ampliação da visão, para que se ganhe
a força, e podemos fazer isso ao acessarmos nossa pré-essência, nossa alma,
concordando com o que somos e tomando nossos defeitos para nos ajudar
a crescer.

325
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

A fenomenologia é importante na medida em que nos permite traba-


lhar exatamente como as coisas são, deixando fluir sua energia, e analisando
somente o essencial, deixando ao encargo de cada um, o que é seu. Assim ao
visualizar seu trabalho, o juiz precisa, além de olhar as partes, também olhar
seu sistema, criando a harmonia necessária para ir além de aplicar a lei ao
caso concreto. Este olhar aceita o que é apresentado e permite a visualização
do primordial, incluindo o que precisa ser naquela oportunidade.
Aplicar o Direito normatizado à luz dos princípios do Direito Sistêmico
é trazer uma nova postura, uma nova forma de se apresentar e se ver, pois
como enunciado pelo juiz Sami Storch, em uma de suas aulas junto a Tur-
ma 1 da Pós-Graduação da Innovare Hellinger Schule, “o Direito Sistêmico
está em cada um de nós”, através das nossas sensações, comportamentos,
dificuldades, obstáculos e humildade.
Pôr em prática o Direito Sistêmico não é estar estanque, certo, perfeito,
acabado, mas sim aprender que sempre existe mais a ser visto, em cada um
daqueles que toca nossos sistemas, mostrando que precisamos trabalhar
em cada um de nós, nossos pontos cegos, pois só assim podemos aprender
a ampliar nosso olhar.
Observando o significado de ponto cego65 chegamos a sua definição
com sendo um objeto existente, mas que não pode ser visto pelo obser-
vador. Sem percepção. Fora do campo de visão. Diante disto, podemos
dizer que os pontos cegos estão na alma de nossos sistemas, sendo certo
que para identificá-los, temos que fazê-los a luz das ordens da vida,
pertencimento, hierarquia e equilíbrio.
Quando se trata de conflitos, a visão que se tem é de confronto, de
enfretamento, no entanto este mesmo conflito visto sob uma dinâmica ampla
torna possível trazer algo novo, algo bom. Para Cristina Llaguno, a origem
do conflito está nos pontos cegos, sendo que quem está em harmonia busca
a paz, não entrando na espiral conflituosa.
Em grande parte dos processos judiciais, os pedidos trazidos nem
sempre demonstram o que realmente querem as partes, gerando insatisfação,
ainda que se tenham sentenças e decisões em favor da parte autora, visto que
a problemática apresentada vai mais além. Isso porque muitas vezes trata-se
65. https://www.dicionarioinformal.com.br/ponto+cego/

326
A POSTURA SISTÊMICA‑FENOMENOLÓGICA NO ATUAR JURÍDICO DE UMA JUÍZA E DE DUAS

de discussões de pontos cegos, pontos que enquanto não vistos pelas partes,
continuam atuando de forma inconsciente nos debates superficiais.
Assim para que se atinja a justiça com a devida aplicação da lei, com
a questão essencial trazida, deve-se se aprender a olhar respeitando as di-
nâmicas individualizadas. Não é incomum surgir a figura do indignado em
um processo judicial, buscando com violência pelo que denomina de justiça,
assumindo, a um só tempo, a figura de vítima, e de agressor, querendo a sua
justiça a qualquer custo, sem conseguir enxergar o essencial, o amor, muitas
vezes ferido numa relação familiar.
Só quem olha com amor deixa fluir a vida e suas consequências,
entendendo na esfera judicial, que a pessoa é responsável pelos atos que
ela pratica, devendo responder na medida em que o praticou.
Para o juiz, o Direito Sistêmico não é sinônimo de constelações fami-
liares aplicadas à justiça, significa, na verdade, uma mudança de paradigmas
através de um olhar amplo, sem julgar as partes ou seus advogados, mas
aplicando a lei ao conflito a ser solucionado.
A aplicação das ordens do amor e das ordens da ajuda tornam o tra-
balho mais leve e ensinam como assumir uma postura para realmente ajudar
na solução das contendas apresentadas, sem assumir a postura do salvador,
que muitas vezes se assume, pela relevância de decidir questões apresentadas,
entendendo que a visão sistêmica engloba a todos os envolvidos.
Não pode ser esquecido que não é da competência do julgador olhar
as questões trazidas fora dos estritos termos pleiteados, devendo ater-se de
forma humilde e discreta, sem assumir o papel de buscar resolver a vida
das pessoas, limitando-se a resolver o que lhe foi pontualmente entregue
para análise.
Note-se, por oportuno, que resolver pontualmente não significa aban-
donar o olhar amplo, mas sim inclui-lo para tão somente decidir a questão
posta tal como ela é.
Por fim, quanto aos servidores, as ordens da vida que traduzem o
pertencimento, a hierarquia e o equilíbrio entre o dar e o receber, trazem a
oportunidade para se trabalhar com um gabinete e secretarias mais coesos,
entendendo que esta visão guarda correlação com nossa postura ante a nos-

327
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

sos sistemas individuais, onde fica claro que este olhar amoroso traduz em
ganho, em aproveitamento e em harmonia para convivência entre as partes.
A apresentação da temática do Direito Sistêmico tanto nas dinâmicas
do dia a dia, quanto para os servidores, através de reuniões e exercícios torna
possível a sedimentação de um vínculo de respeitabilidade e confiança, pas-
sando a visualizar o Sistema Judiciário como um todo em que cada pessoa tem
direito ao seu lugar, dentro de uma ordem e com uma relação de equilíbrio,
somente assim a organização é saudável e todos são considerados, e estão a
serviço de algo maior que é a justiça.

03. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A atuação jurídica, seja como juíza ou defensora pública, tem em


comum lidar com conflitos todos os dias. Independentemente do que se
busca em cada uma dessas atividades, observa-se que o respeito às ordens
trazidas por Bert e, consequentemente, a vivência da postura sistêmica tem
gerado resultados positivos de resolução pacífica de conflitos.
Independentemente do que se busque com cada profissional, seja
uma ação inicial ou uma sentença, sabe-se que o profissional pode estar
emaranhado nas suas próprias questões familiares e que isso repercutirá
nos casos que atende.
Em conclusão, o amor, tal como Bert Hellinger nos ensina, é a grande
temática do presente trabalho, pois nós, seres humanos, estamos sempre a
questionar tudo o que nos cerca e deixamos passar o essencial que é a ener-
gia motriz, desperdiçando uma força vital desnecessária nos movimentos
realizados.
O Filósofo, teólogo e mestre Hellinger, nos trouxe através das Ordens do
Amor, a possibilidade de abrirmos nosso campo da compreensão, aprendendo
a olhar para cada sistema de uma forma especial e única. Assim o profissional
que trabalha com os princípios do Direito Sistêmico, com as Ordens do Amor
e as Ordens da Ajuda, tem a possibilidade de, através de uma visão de própria,
poder olhar com respeito às situações conflituosas a ele trazidas, aplicando
as leis ao caso concreto dentro da sua missão, sem deixar que suas questões
pessoais interfiram nessa tarefa, obstaculizando-a.

328
A POSTURA SISTÊMICA‑FENOMENOLÓGICA NO ATUAR JURÍDICO DE UMA JUÍZA E DE DUAS

04. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 1988.
CAPRA, Fritjof; LUISI, Pier Luigi. A visão sistêmica da vida: Uma concepção unificada
e suas implicações filosóficas, políticas, sociais e econômicas. São Paulo: Cultrix, 2014.
ROSA, Amilton Plácido. Direito Sistêmico e Constelação Familiar. Entrevista publicada na
Carta Forense, em 02 set. 2016. Disponível em: <http://www.cartaforense.com.br/conteudo/
entrevistas/direito-sistemico-e-constelacao-familiar/16914>. Acesso em: 04 jun. 2018.
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Normas. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/>.
Acesso em: 04 jun. 2018.
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Notícias. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/
noticias/cnj/86434-constelacao-familiar-no-firmamento-da-justica-em-16-estados-e-no-df>.
Acesso em: 05 jun. 2018.
HELLINGER, Bert. A fonte não precisa perguntar pelo caminho: Um livro de consulta.
3ª ed. Goiana: Atman, 2012.
HELLINGER, Bert. No centro sentimentos leveza: Conferências e Histórias. 2 ed. São
Paulo: Cultrix, 2006.
HELLINGER, Bert. O amor do espírito na hellinger sciencia. 3ª ed. Belo Horizonte: Atman,
2015.
HELLINGER, Bert. Ordens da ajuda. Goiânia: Atman, 2013.
HELLINGER, Bert. Ordens do amor: Um Guia para o trabalho com constelações. 1 ed.
São Paulo: Cultrix, 2007.
HELLINGER, Bert; HOVEL, Gabriele Ten. Constelações familiares: O Reconhecimento
das Ordens do Amor. 1 ed. São Paulo: Cultrix, 2007.
MECUM, Vade. Legislações. 8 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.TRIBUNAL DE
JUSTIÇA DE MATO GROSSO. Notícias. Disponível em: <http://www.tjmt.jus.br/noti-
cias/44544#.wxbj9-4vyim>. Acesso em: 01 jun. 2018.
STORCH, Sami. Direito Sistêmico na Vara de Família. Prêmio Innovare: Edição XIV – 2017.
Disponível em: https://premioinnovare.com.br/pratica/direito-sistemico-na-vara-de-familia/
print. Acesso em 18 de novembro de 2018.

329
A EXPERIÊNCIA DA VISÃO SISTÊMICA
NA ÁREA DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

Lizandra dos Passos

01. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A positivação de meios autocompositivos ou consensuais e adequados


de solução de conflitos tem como pressuposto o reconhecimento de que
os conflitos judiciais devem ser vistos com um olhar atento à conflituosi-
dade social subjacente; significa dizer que: o conflito jurídico (em sentido
estrito) não exaure o conflito social em que aquele se encontra inserido ou
de que faz parte. Em verdade, de forma subjacente ao litígio propriamente
jurídico encontra-se um emaranhamento de outra ordem ou natureza, cuja
identificação auxilia sobremaneira o equacionamento do próprio conflito
estritamente jurídico, bem como contribui para evitar a formação de novas
lides judiciárias.
Diante disso, a tomada de consciência a respeito da importância de
outras áreas do conhecimento capazes de identificar as causas dos conflitos
subjacentes conduz os profissionais do direito para a adoção da multidisci-
plinaridade como um caminho sem volta no âmbito do sistema de Justiça.
Com esse viés multidisciplinar, propõe-se, neste estudo, a abordagem
dos conflitos envolvendo violência doméstica e familiar contra a mulher,
a partir da visão sistêmica de Bert Hellinger, filósofo alemão que revelou
a constelação familiar de forma precursora.

330
A EXPERIÊNCIA DA VISÃO SISTÊMICA NA ÁREA DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

02. A MULTIDISCIPLINARIDADE COMO UM CAMINHO SEM


VOLTA

A mudança de paradigmas pela qual vem passando o sistema jurídico


brasileiro nos últimos anos, relativamente à paulatina substituição da postura
adversarial por uma postura consensual dos seus atores66, culminou com o
expresso reconhecimento, no plano do direito positivo, da importância dos
mecanismos de resolução de conflitos que não somente aqueles estritamente
“tradicionais” do âmbito judiciário (sentença, meios coercitivos, etc).
Prova disso é a edição da Resolução nº 125 do Conselho Nacional de
Justiça, atinente à Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos
conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário, e, mais recentemente,
no âmbito das “normas fundamentais” do Código de Processo Civil, cujo
artigo 2º, § 2º, dispõe que o “Estado promoverá, sempre que possível, a solução
consensual dos conflitos”, prevendo ainda que “a conciliação, a mediação e
outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados
por juízes, advogados, defensores públicos, membros do Ministério Público,
inclusive no curso do processo judicial. (artigo 2º, § 2º)
Seguindo esse movimento evolutivo, o sistema jurídico brasileiro passou
a contemplar formas de solução dos conflitos a partir da abordagem multi-
disciplinar das contendas judicializadas. Exemplo claro disso é a Lei Maria
da Penha (nº 11.340/06), que instituiu uma política judiciária de coibição e
prevenção da violência doméstica e familiar contra a mulher, consagrando
expressamente o olhar multidisciplinar67 para o conflito e para os envolvidos
no seu artigo 2968. Ainda, especificamente o artigo 30 da Lei Maria da Penha
66. Juízes, promotores, defensores, advogados, partes, etc.
67. A título ilustrativo, ainda, cumpre mencionar a Resolução nº 225/2016 do CNJ,
que contém diretrizes para a implementação e difusão da prática da Justiça Res-
taurativa no Poder Judiciário, prática essa que “busca a conscientização quanto aos
fatores e dinâmicas relacionais, institucionais, sociais violentos e desumanos, que
se apresentam como motivadores de insatisfações e de outras violências”.In: http://
www.cnj.jus.br/noticias/cnj/82457-aprovada-resolucao-para-difundir-a-justica-
-restaurativa-no-poder-judiciario-2. Acesso em 08.05.2018.
68. “Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher que vierem a
ser criados poderão contar com uma equipe de atendimento multidisciplinar, a ser
integrada por profissionais nas áreas psicossocial, jurídica e de saúde”.

331
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

dispõe que compete à equipe de atendimento multidisciplinar, entre outras


atribuições, desenvolver trabalhos de orientação, encaminhamento, preven-
ção e outras medidas, voltados para a ofendida, o ofensor e os familiares.
Já o art. 22, §§ 1º e 4º, da legislação protetiva, regula que as medidas
nela elencadas não impedem que outras possam ser aplicadas pelo juiz
para a efetividade de sua decisão, sempre que a segurança da ofendida ou
as circunstâncias o exigirem, possibilitando, assim, o encaminhamento
dos envolvidos para programas de apoio, orientação e tratamento da causa
subjacente ao conflito judicializado69.
Nessa perspectiva, e sendo a multidisciplinaridade um caminho sem
volta para os operadores do direito, o presente ensaio propõe-se a abordar a
ciência dos relacionamentos denominada de constelações familiares70, criada
pelo filósofo e terapeuta alemão Bert Hellinger, destacando-se como a sua
transposição para o âmbito do Judiciário, em especial no âmbito da violência
doméstica, atende plenamente aos fins propugnados pela Política Judiciária
de solução adequada dos conflitos, assim como permite uma nova forma de
olhar o conflito e seus envolvidos, promovendo a paz.

03. BASES DA VISÃO SISTÊMICA

A transposição da ciência das Constelações Familiares para o campo


jurídico exige uma abordagem, ainda que breve, acerca de como se formou
esse conhecimento e quais as suas bases. Assim, como ponto de partida, a
visão sistêmica propugnada por Bert Hellinger pressupõe a compreensão
acerca da sua contribuição quanto ao tema da psicologia que diz com as
“consciências”.71
69. A tomada de consciência de que por trás do conflito jurídico existe um conflito
social mais amplo (que não se restringe à faceta jurídica), por assim dizer, mostra-
-se fundamental ao equacionamento institucional da conflituosidade, à vista da
adoção das possíveis soluções consensuais, a partir da análise multidisciplinar da
situação.
70. Sob determinada perspectiva pode-se dizer que as constelações familiares re-
velam imagens atemporais e multidimensionais que possibilitam um novo movi-
mento de tomada de decisão antes não percebido pelos envolvidos.
71. Abordagem realizada com base nos estudos e nas valiosas contribuições da
psicóloga e Consteladora Cristiane Pan Nys, com quem compartilho autoria de

332
A EXPERIÊNCIA DA VISÃO SISTÊMICA NA ÁREA DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

Com efeito, o estudo sobre a consciência é praticado há milênios na


humanidade, porém, foi no século XX que se verificou um grande desen-
volvimento na compreensão sobre o funcionamento da psiquê das relações
humanas. Desde o início do século, surgiram alguns dos principais inves-
tigadores e estudiosos que mapearam os processos humanos, entre eles
Freud, Jung, Reich, Maslow, Eric Berne, Stanislav Groff, Ken Wilber e Bert
Hellinger. (WILBER, 1977)
Freud criou a psicanálise, e através de seus estudos abriu as portas
para uma compreensão fundamental sobre os processos inconscientes e o
funcionamento da consciência pessoal dos seres humanos. Jung, que iniciou
seus estudos com Freud, seguiu um caminho diferente de pesquisas e junto
com um profundo estudo sobre as estruturas do “Eu” chegou a fundamentar
a existência da consciência coletiva como uma influência determinante nas
escolhas de vida dos indivíduos.
Wilhelm Reich também iniciou seus estudos na escola psicanalítica,
porém suas percepções sobre a relação entre os processos mentais e emocio-
nais expressos através do corpo físico o levaram a desenvolver uma escola
própria, na qual a abordagem da consciência é realizada através da leitura da
expressão dos movimentos corporais. Ele desenvolveu inúmeros estudos sobre
a manifestação da energia, e é considerado um dos principais pensadores da
segunda onda em psicoterapia, a onda comportamental.72
Um pouco mais tarde, após a segunda guerra mundial, surgiram outros
grandes pesquisadores: Maslow, o precursor da terceira onda em psicoterapia,
iniciou o mapeamento da consciência e realizou o estudo das motivações
humanas; seguido por Stanislav Groff, que através de suas pesquisas criou
uma verdadeira topografia da consciência humana e identificou as bases
perinatais das patologias. (GROFF, 1987)
Contemporâneas aos estudos de Groff e dos grandes pensadores
transpessoais, surgem importantes escolas: a terapia sistêmica de família e
a Análise Transacional. O pensamento sistêmico desenvolvido na década
de 50 expandiu-se para a psicoterapia familiar, e teve como seus principais
precursores e desenvolvedores Virginia Satir, nos Estados Unidos, que iniciou
artigo a respeito da matéria.
72. Idem.

333
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

movimentos de terapia familiar e Ivan Boszormenyi-Nagy, que foi impor-


tante e pioneiro na manifestação da existência de uma cultura de repetição
transgeracional gerada por mecanismos invisíveis na família.
Já Eric Berne, o criador da Análise Transacional, que constitui um
dos importantes fundamentos teóricos utilizados nas constelações fami-
liares, abordou a questão dos estados do Eu, não como uma cartografia da
consciência, porém, considerou as interações entre os indivíduos baseadas
nos principais papéis exercidos por cada ser humano dentro de estados de
desenvolvimento emocional, que são o Eu Criança, o Eu Pai e o Eu Adulto.
(STEWART, 2014)
Por fim, Bert Hellinger, o criador e desenvolvedor das Constelações
Familiares, avançou além desses conhecimentos, trazendo por meio de seus
estudos fenomenológicos a compreensão sobre a atuação da consciência
pessoal e sua relação com a consciência familiar sistêmica73, a grande alma
e as Leis do Amor: pertencimento, ordem e equilíbrio. (HELLINGER, 2009)
Bert descreveu seus insights pela caracterização da consciência e das
três Leis do Amor (pertencimento, ordem/hierarquia e equilíbrio) que regem
as relações familiares dentro dessa consciência sistêmica.
Segundo as compreensões de Hellinger, a ordem (lei) do pertencimen-
to não permite que qualquer membro do grupo seja esquecido, expulso ou
excluído do sistema sem exigir uma compensação. Dessa forma, caso um
membro familiar seja excluído de sua família (por vício, homossexualidade
ou comportamento agressivo, por exemplo), essa exclusão vai exigir que um

73. Daan Van Kampenhout aporta uma importante visão sobre as origens dos sen-
timentos de culpa e inocência e a mente coletiva arcaica. Segundo este constelador,
os sentimentos de culpa e inocência derivam da mente tribal arcaica, no sentido
antropológico do termo. Kampenhout (2007), por seu turno, pontua que qualquer
coletivo que se defina como algo diferente dos outros possui uma alma tribal. Esta
alma tribal está ligada ao sentimento coletivo de união necessário à manutenção
da vida, da qual depende a existência de um código de sobrevivência que privilegia
o bem da tribo em detrimento do bem individual. Desta forma, a manutenção da
vida do grupo é mais importante do que a manutenção da vida do indivíduo. E
tudo o que é feito para manter a fidelidade à tribo é visto como boa consciência.
Por outro lado, toda vez que um ser humano age contra a lei tribal, age contra o
campo da alma coletiva e está respeitando sua má consciência. (op.cit. p.37)

334
A EXPERIÊNCIA DA VISÃO SISTÊMICA NA ÁREA DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

descendente (de qualquer dos membros daquele sistema familiar) repita o


destino do excluído ou aja de forma similar a ele.
Em relação à lei do equilíbrio, a consciência do sistema exige uma
compensação adequada entre o dar e o receber. Assim, se alguém recebe
demais e não equilibra isso, então um descendente terá a propensão de fazê-lo
em seu lugar. O desrespeito à ordem do equilíbrio também é frequentemente
causa de rompimento nos relacionamentos amorosos, na medida em que
promove o sentimento de superioridade de um cônjuge/companheiro (aquele
que mais dá) em relação ao outro. Disso decorre que, mesmo após o fim
do relacionamento amoroso, os ex-cônjuges/companheiros continuam a se
digladiar no conflito judicializado, buscando um reconhecimento por tudo
aquilo que deram ao outro e que não foi retribuído.
No que respeita à ordem (hierarquia), essa consciência não permite
a interferência dos “pequenos” (descendentes) nos assuntos dos “grandes”
(daqueles que vieram antes), sob pena daqueles se sentirem (sem perceber)
tentados a expiar74 essa interferência.
Assim, a observância das Leis do Amor para Hellinger (2014, p. 64)
deve se dar a partir da compreensão de que a principal função da consciência
é “nos unir a nossa família”, e da mesma forma “nos unir a outros grupos”.
Assim, com as Constelações Familiares podemos identificar que os membros
de cada família estão unidos por diferentes formas de lealdade, que não são
aparentemente lógicas, e nem mesmo conscientemente conhecidas; e muitas
vezes estas lealdades se estendem para ancestrais conscientemente desco-
nhecidos, sempre com o objetivo de manter a vinculação e o pertencimento.
Bert Hellinger, ao estudar durante anos a Consciência de uma forma
fenomenológica, percebeu movimentos que tornaram evidente que os siste-

74. Expiar significa agir de forma inconscientemente guiada pela consciência cole-
tiva, para liberar antepassados de seus equívocos cometidos em relação ao próprio
sistema, ou em relação a outros sistemas numa atitude de compensação. A cons-
ciência coletiva não tolera que dentro do sistema alguém reclame vantagem sobre
os demais. Nas gerações posteriores, alguém irá compensar esta vantagem com
uma perda. Da mesma forma, a exclusão de um (o que fere a ordem do pertenci-
mento) fará com que outro repita seu destino, e se um dos membros do sistema
não assume as consequências de seus atos, outro membro tomará sua culpa e seus
desdobramentos (Hellinger, 2014, p. 64).

335
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

mas familiares estão sujeitos a leis sistêmicas mais claramente explicadas pela
biologia e física, através da compreensão das descobertas sobre os campos
coletivos de consciência realizadas, primeiramente, por Rupert Sheldrake,
mais precisamente sobre os Campos Morfogenéticos.
Segundo Bert (2009), Sheldrake fala de um campo espiritual, ou de um
espírito ampliado, que chamou de extended mind, e que existe uma comuni-
cação entre seres vivos que somente podemos entender quando admitimos
a presença de um campo superior, em cujos limites esses seres se mantêm e
se movem. Ainda conforme Hellinger (2009, p. 184):

Neste campo todos estão em ressonância entre si. Ninguém e


nada pode escapar-lhe. Até mesmo o passado e os mortos continuam
nele, presentes e atuantes. Por isso, todas as tentativas de excluir uma
pessoa ou de livrar-se dela são fadadas ao fracasso. Pelo contrário,
o que foi excluído, desprezado ou exterminado ganha mais poder
nesse campo com as tentativas de eliminá-lo. Quanto mais se tenta
eliminá-lo, tanto mais fortemente atua.

Bert salienta que, enquanto todos os excluídos não forem reconhecidos


e integrados, recebendo o lugar que lhes cabe, não haverá ordem no sistema.
Para ele, todos os grandes conflitos pretendem remover algo do caminho. A
força que está por trás destes conflitos é uma vontade de extermínio, que é
nutrida pela necessidade ou desejo de sobrevivência. (HELLINGER, 2009,
p. 182)
Quando nossa vida é ameaçada, reagimos com fuga para não sermos
exterminados por um outro ou pela agressão, tentando liquidar o outro ou,
pelo menos colocá-lo em fuga. Tirar o adversário do caminho é o extremo
da vontade de extermínio. (HELLINGER, 2009, p. 182)
Nesta situação, não é apenas exterminar o outro, mas também “incor-
porá-lo e apropriar-se do que ele possui”, o que também está “a serviço da
sobrevivência”, salienta Bert. Ele pondera que, embora estes conflitos asse-
gurem a sobrevivência, desde o início, os seres humanos buscaram soluções
pacíficas, por meio de acordos, fronteiras definidas, associações e por meio
de leis. Para ele, a regulamentação jurídica mantém os conflitos limitados

336
A EXPERIÊNCIA DA VISÃO SISTÊMICA NA ÁREA DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

por uma ordem externa, gerida pelos governantes, que se baseia em parte
no consenso, e também no medo da punição. Esta ordem é simultaneamente
conflito e luta, embora sirva à sobrevivência do grupo e de seus membros.
(HELLINGER, 2009, p. 182)
Bert esclarece:

Quando alguém nos faz algum mal, planejamos vingança... para


compensar queremos causar um mal também para essa pessoa. Por
um lado, pela necessidade de compensação... de justiça. Por outro
lado... nos impele a vontade de sobrevivência e extermínio. Queremos
impedir que o outro nos torne a ferir e causar danos. Por isso, ao nos
vingarmos ultrapassamos a necessidade de compensação e justiça e
causamos mais sofrimento e dano ao outro do que ele nos causou... E
assim o conflito entre nós nunca tem fim. (HELLINGER, 2009, p. 183)

Com base nessas compreensões acerca da consciência familiar sistêmi-


ca, das leis do amor que regem essas relações e o que a violação dessas leis é
capaz de desencadear, vislumbra-se a possibilidade de novas construções de
solução para os conflitos pelos próprios envolvidos, consoante a seguir poderá
ser evidenciado na experiência já presente no âmbito do Judiciário Gaúcho.

04. A EXPERIÊNCIA DO PROJETO JUSTIÇA SISTÊMICA NO ÂM-


BITO DO JUDICIÁRIO GAÚCHO

No âmbito do Poder Judiciário do Rio Grande do Sul, o trabalho das


Constelações Familiares vem sendo desenvolvido, dentre outras formas,
através do Projeto Justiça Sistêmica, o qual teve início em julho de 2015, na
Comarca de Capão da Canoa/RS, e, atualmente, vem ocorrendo, nas Comar-
cas de Parobé e Porto Alegre, com mais de 1.800 pessoas atendidas desde a
sua implementação. Nessas Comarcas, ocorrem grupos mensais, nas áreas
de direito de família, infância e juventude (ato infracional e acolhimento
institucional) e violência doméstica.
Especificamente com relação à aplicação das constelações familiares,
no âmbito da violência doméstica, tema objeto do presente estudo, o trabalho

337
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

foi implementado na Comarca de Parobé/RS, em novembro de 2016, com


a realização de grupos de gênero75.
Desde a implementação dos grupos de gênero na Comarca, recebido
e deferido o pedido de medidas protetivas solicitadas pela suposta vítima,
tanto ela como o suposto ofensor são encaminhados pela magistrada, me-
diante convite e intimação, respectivamente, para participarem de encontros
mensais, com ênfase na visão sistêmica, a serem realizados nas dependências
do Fórum da Comarca de Parobé, em data previamente agendada.
Nesse ponto, cabe destacar que, diante do reconhecimento da multi-
disciplinaridade como um caminho para o adequado tratamento do conflito
e, em observância ao próprio espírito da lei Maria da Penha, entende-se
viável ao juiz determinar, como medida cautelar, a participação do suposto
ofensor em programa que visa trabalhar a causa subjacente relativa ao epi-
sódio violento que originou a medida protetiva.
É bem verdade que a intimação encaminhada ao suposto ofensor é
para que compareça ao encontro, não sendo dele exigido que permaneça
durante os trabalhos, se assim não desejar. Contudo, a experiência tem
demonstrado que os homens acabam permanecendo e participando do
trabalho, reconhecendo inclusive os efeitos benéficos que ele proporciona.
Já a suposta vítima é convidada a comparecer, com o fim precípuo de
trabalhar o seu empoderamento e suas capacidades para sair da relação de
violência na qual inserida e que, muitas vezes, se revela de forma cíclica.
Durante esses encontros são realizadas diversas abordagens acerca do
tema da violência intrafamiliar, o que ocorre, estruturalmente, em quatro
momentos: i) abordagem sobre a violência doméstica contra a mulher e
as suas formas76 (fundamentos legais e violência de gênero); ii) dinâmicas
que permitem a compreensão de como a violência doméstica surge nas
famílias e como é possível evitá-la, a partir do respeito às leis sistêmicas
de Bert Hellinger: pertencimento, hierarquia e equilíbrio; iii) vivência:

75. Embora os grupos tenham sido estruturados, originalmente, como grupos de


gênero, atualmente, são formados de forma mista, com homens e mulheres com-
partilhando experiências.
76. Física, psicológica, sexual, patrimonial e moral, cujas definições encontram-se
no art. 7º da Lei Maria da Penha.

338
A EXPERIÊNCIA DA VISÃO SISTÊMICA NA ÁREA DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

constelação familiar; iv) fechamento com avaliação das compreensões


pelos participantes.
Desde a implementação do Projeto na Comarca de Parobé/RS, foi
possível a coleta de importantes dados relativos à melhoria dos relaciona-
mentos dos participantes após o contato com a visão sistêmica. Por meio
da aplicação de pesquisa com os participantes, 99,1% deles respondeu que
o encontro desenvolveu melhorias nos seus relacionamentos, aumentando
a sua motivação na busca de uma solução pacífica. Ainda, diversos são
os comentários realizados pelos participantes no sentido da importância
que o encontro teve para a sua tomada de consciência acerca das causas
dos episódios de violência e da possibilidade de um comportamento
diverso, proporcionada por essa nova compreensão.
Já no tocante à efetividade da adoção da visão sistêmica com os en-
volvidos em conflitos, no âmbito doméstico e familiar contra a mulher,
verificou-se que, quando ou o autor do fato (suposto ofensor) ou ambos
(suposta vítima e suposto ofensor) compareceram ao encontro do Projeto
Justiça Sistêmica houve um índice de não-reincidência (em sentido atécnico)
de 93%, ou seja, apenas 7% dos homens voltaram a se envolver em novos
registros de violência doméstica contra a mulher.
Porém, quando nenhum dos envolvidos compareceu ao Projeto Jus-
tiça Sistêmica apurou-se que 55% dos autores do fato (supostos ofensores)
voltaram a se envolver em novos delitos contra as mesmas vítimas77.

05. A VISÃO SISTÊMICA SEGUNDO BERT HELLINGER NA VIO-


LÊNCIA DOMÉSTICA

Como essa área do conhecimento ligada às constelações familiares


pode servir ao tratamento adequado dos conflitos? Quais sãos os pontos de
intersecção entre as áreas que justificam a adoção da constelação familiar e da
visão sistêmica no âmbito da violência doméstica e familiar contra a mulher?
Pelos índices apurados de não-reincidência na área da violência do-
méstica (93%), visível é o caráter preventivo que os grupos têm alcançado
ao longo do trabalho. Daí já exsurge a resposta ao primeiro questionamento

77. Dados coletados pela estagiária Danyelle Smaniotto.

339
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

acima. Na medida em que os emaranhamentos familiares vêm à tona, sen-


do revelados aos participantes, a tomada de consciência permite que uma
nova postura dali em diante seja adotada, permitindo a quebra de padrões,
a promoção da paz e o esvaziamento do litígio.
Embora o caráter preventivo seja extremamente importante quando se
trata de buscar meios adequados e efetivos para a solução de litígios, merece
destaque também, no presente ensaio, a riqueza do estudo acerca das relações
humanas e o comportamento dos envolvidos em litígios, facilitando, assim,
as compreensões dos profissionais acerca das reais causas (as subjacentes)
dos conflitos judicializados. Somente com essa tomada de consciência é
possível o olhar sem julgamento (necessário quando a proposta é tratamento
multidisciplinar e autocompositivo de conflitos) e o adequado encaminha-
mento pelo profissional que se dispõe a acompanhar um trabalho que é de
empoderamento e promoção da autonomia das partes para a resolução de
seus próprios conflitos.
Assim, para além da perspectiva de gestão judicial estritamente relacio-
nada à efetividade processual, valiosa também tem se mostrado a experiência
da abordagem sistêmica, sob outros diversos aspectos do comportamento
humano78.
A primeira delas se deu já nos primeiros meses de realização do
trabalho, a partir da configuração inicial dos grupos de gênero. De fato, a
ideia inicial era utilizar os programas já existentes de prevenção da violência
doméstica e familiar contra a mulher, com a formação de grupos de gênero
(de homens e de mulheres), com a adaptação da visão sistêmica. Contudo,
uma vez iniciados os grupos de gênero, claramente se observou que, nos
grupos de homens, estes demonstravam uma postura infantil, portando-se
como vítimas do sistema que visa precipuamente a proteção das mulheres
sem o devido olhar aos homens; já nos grupos femininos, as mulheres apre-
sentavam comportamento agressivo durante os encontros, corroborando a

78.As conclusões e compreensões trazidas no presente ensaio foram construídas a


partir do trabalho realizado em conjunto com as psicólogas e consteladoras Cân-
dice Cristina Schmidt e Cristiane Pan Nys, que conduzem os grupos de violência
doméstica e familiar contra a mulher na Comarca de Parobé.

340
A EXPERIÊNCIA DA VISÃO SISTÊMICA NA ÁREA DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

dinâmica sistêmica de complementariedade e mutação dos papeis vítima


versus ofensor.
A configuração inicial dos encontros em grupos de gênero, de fato,
contribuiu, sobremaneira, para a proposta de tomada de consciência dos
envolvidos sobre o tema da violência e suas vicissitudes, mas, para além
disso, oportunizou reflexões ao grupo de trabalho quanto à observância do
legítimo intento de (re)conciliação do masculino com o feminino e vice-versa,
tal como propugna Bert Hellinger.
A partir dessa percepção, de que o grupo de gênero poderia repre-
sentar, na visão sistêmica, a segregação dos gêneros, alimentando, assim, a
tensão estabelecida no confronto masculino versus feminino, embora pudesse
sob outra perspectiva também apresentar aspectos positivos79, a equipe de
trabalho80 entendeu pela necessidade de reconfiguração dos encontros, com
a estruturação de grupos mistos, ou seja, grupos onde homens e mulheres
pudessem participar juntos, com o cuidado de que as vítimas não estivessem
no mesmo espaço físico em que se encontrassem os seus respectivos ofen-
sores. E assim o fazendo, observou-se um alívio imediato da tensão antes
referida e a mudança do comportamento grupal.
Com a realização dos grupos mistos, a postura infantil antes apre-
sentada de forma sobressalente pelos homens passou a se revelar mais ti-
midamente e o grupo ganhou em termos de amadurecimento e tomada de
consciência das dinâmicas envolvendo a violência de gênero, trazendo à tona
a possibilidade de adoção de uma nova postura. Diante disso, atualmente,
os encontros ocorrem em grupos mistos, com a mesma abordagem inicial-
mente proposta e tem proporcionado resultados significativos na melhoria
dos relacionamentos dos envolvidos.
Durante os trabalhos realizados nesses grupos de violência doméstica
e familiar contra a mulher, ainda foi possível identificar as dinâmicas que
demonstram três movimentos básicos de funcionamento que dão origem
aos conflitos: i) lealdades parentais; ii) compensações entre sistemas (vítimas

79. Os grupos de gênero seguem ocorrendo, na Comarca de Parobé, no âmbito da


rede de atendimento municipal.
80. Formada pelas psicólogas e consteladoras Candice Cristina Schmidt, Cristiane
Pan Nys e a autora deste ensaio.

341
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

versus perpetradores) e; iii) identificações com ancestrais. Tais movimentos


estão intrinsecamente ligados à ideia de consciência espiritual de Hellinger
e às ordens do amor que regem as relações.
As dinâmicas recorrentemente presentes nos trabalhos realizados
com pessoas que estão enfrentando situação de violência doméstica, seja
como vítimas, seja como ofensores, revelam que a repetição de padrões
comportamentais (lealdades parentais) de gerações anteriores (transgera-
cionalidade) é importante componente para deflagrar o episódio violento,
ainda que não seja sempre determinante. Assim, identificada a lealdade
parental ou a repetição de padrão, a dinâmica sistêmica permite o rompi-
mento desse padrão de comportamento, de sorte que a vítima e o ofensor
não só contribuam para a cessação da (do ciclo de) violência relativamente
ao atual parceiro, mas também com relação a futuros relacionamentos.
Da mesma forma, identificações da vítima e do ofensor com pessoas de
gerações anteriores têm o condão de atuar como importante fator de contri-
buição para o episódio de violência e, possibilitada a tomada de consciência
disso e do restabelecimento da ordem, resta viabilizada a mudança de postura.
Já no que respeita à compensação entre sistemas familiares, dinâmica
reiteradamente verificada nos trabalhos realizados, o restabelecimento do
equilíbrio, a partir do reconhecimento da dor presente, tanto na família da
vítima como na do ofensor, tem se mostrado um caminho para a promoção
da paz.
Assim, a experiência, na área da violência doméstica, tem demons-
trado a importância do reconhecimento da dor do suposto agressor por
trás da violência por ele perpetrada, ainda que não seja em relação a ele
próprio, mas que se encontra presente no seu sistema familiar. Portanto,
reconhecer a responsabilidade tanto do agressor como da vítima (e/ou seus
sistemas familiares) tem se mostrado um caminho para a reflexão do tema
e para uma possível resolução. Nessa linha, as dinâmicas têm revelado que
a compreensão de que, por trás da violência perpetrada pelo agressor há
muita dor, gera alívio e traz paz.
As dinâmicas sistêmicas ainda têm proporcionado um profundo mo-
vimento na alma da mulher vítima de violência doméstica, contribuindo,
sobremaneira, para a mudança da postura vitimizada e o rompimento do

342
A EXPERIÊNCIA DA VISÃO SISTÊMICA NA ÁREA DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

ciclo de violência que, muitas vezes, tem se revelado em repetidas gerações.


A tomada de consciência da vítima quanto ao seu papel no conflito e a re-
corrência do padrão conflituoso permitem, igualmente, que esse movimento
da alma seja percebido na sua postura cotidiana, com seu empoderamento
e o fortalecimento da sua autonomia.
De outro lado, quando o agressor percebe o que move sua conduta
para uma ação violenta e as intrincações dos sistemas familiares, essa to-
mada de consciência gera paz e permite igualmente a adoção de uma nova
postura direcionada para a paz.81 Não obstante a reconciliação nem sempre
seja um caminho possível para os casos de violência doméstica, quando os
envolvidos podem sentir o arrefecimento da raiva, que vai sendo substituída
pela paz, isso permite a cessação dos episódios de violência. É verdade que,
muitas vezes, de fato, homem e mulher permanecem separados fisicamente,
mas já não alimentam o confronto internamente, o que alivia a tensão e evita
novos conflitos.
Assim, identificado o ferimento a uma das ordens sistêmicas de Bert
Hellinger (pertencimento, ordem e equilíbrio), torna-se possível uma nova
tomada de consciência acerca da causa do conflito, gerando um profundo
movimento na alma do envolvido que permite o rompimento do ciclo de
violência e a mudança de postura. Aqui reside o principal ponto de inter-
secção do conhecimento sistêmico com o sistema de justiça.
Por fim, a experiência tem permitido, igualmente, reflexões a respeito
do papel que o Judiciário vem ocupando nas relações interpessoais, muitas
vezes figurando como o representante do “pai” frente a conduta infantil dos
jurisdicionados, revelando a necessidade de um trabalho ainda mais intenso
da comunidade jurídica no campo da multidisciplinaridade, especialmente
no tocante ao fortalecimento da autonomia dos cidadãos para a resolução
de seus conflitos interpessoais.

81. “Paz significa: que aquilo que estava em oposição se reencontra; que aquilo que
antes se excluía, se reconhece mutuamente; que aquilo que antes se combatia, se fe-
ria e até mesmo queria se destruir, faz luto em conjunto pelas vítimas de ambos os
lados e pelos sofrimentos que causaram um ao outro.” (HELLINGER, 2014, p. 11)

343
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

06. CONSIDERAÇÕES FINAIS.

A partir das compreensões oferecidas por Bert Hellinger acerca das


consciências e das leis do amor que regem as relações, o trabalho multidisci-
plinar realizado, no âmbito o Judiciário, especialmente nas demandas atinentes
à violência doméstica, ganhou força não só resolutiva, mas preventiva, com
visível potencial para o rompimento do ciclo de violência tanto em relação
à vítima como no que diz respeito ao agressor.
Para além dessa perspectiva de gestão judicial estritamente relacionada à
efetividade processual, e o reconhecimento do paradigma resolutivo-preventivo,
a implementação da visão sistêmica (filosofia hellingeriana), no âmbito do
Judiciário, tem viabilizado uma abordagem diferenciada dos conflitos, levando
em consideração as particularidades dos litígios que estão intrinsecamente
relacionados aos conflitos sistêmicos, permitindo relevantes reflexões, que
conduzem ao conflito subjacente e, assim, possibilitam a promoção efetiva
da cultura de paz.
A experiência do Projeto Justiça Sistêmica traz à tona, ainda, um
novo olhar para as dinâmicas envolvendo o tema da violência doméstica e
familiar contra a mulher, sob a ótica da verdadeira reconciliação (interna)
do feminino com o masculino e vice-versa, promovendo a paz.

07. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


CAPRA, F. A teia da vida: Uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. São Paulo:
Cultrix, 2006.
COHEN, Dan Booth. Llevo tu Corazón en mi Corazón: las constelaciones familiares y el
sistema penitenciário. Madri, Gaia Ediciones, 2010.
EDWARDS, Gill. El Triángulo Dramático de Karpman. Madrid: Gaia Ediciones, 2011.
GROFF, Stanislav. Além do Cérebro. São Paulo, Editora McGraw-Hill, 1987.
HELLINGER, Bert. A fonte não precisa perguntar pelo caminho. Goiânia: Atman, 2004
______. As Ordens do Amor. São Paulo: Cultrix, 2001.
______. Conflito e paz: uma resposta. São Paulo: Cultrix, 2007
______. Liberados somos concluídos. Atman. Belo Horizonte. 2006
______. O Amor do Espírito. Patos de Minas: Atman, 2009.
______. A Paz Começa na Alma: as constelações familiares a serviço da reconciliação.
Patos de Minas: Atman, 2014.
KAMPENHOUT, Daan van. Las Lágrimas de los ancestros: la memoria de víctimas y per-

344
A EXPERIÊNCIA DA VISÃO SISTÊMICA NA ÁREA DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

petradores em el alma tribal. Buenos Aires, Alma Lepik, 2007.


LEVINE, Peter A. Uma voz sem palavras: como o corpo libera o trauma e restaura o bem
estar. São Paulo, Summus Editorial, 2012.
MATURANA, Humberto e VARELA, Francisco. A árvore do conhecimento: as bases bioló-
gicas do conhecimento humano. Campinas: Ed. Psy, 1995. São Paulo: Ed. Palas Athena, 2004.
MAY, Rollo. Poder e Inocência: uma análise das fontes da violência. Rio de Janeiro, Zahar
Editores, 1972.
RAQUIN, Bernard. Como salir del triángulo dramático. Traduzido por Pilar Guerreiro.
Buenos Aires: Ediciones Obelisco, 2009.
STORCH, Sami. O que é o direito sistêmico? Artigo publicado no blog Direito Sistêmico
em 29/ 11/2010. <http://direitosistemico.wordpress.com/2010/11/29/o-que-e-direito-siste-
mico/> Acesso em: 22/10/2016.
______. Direito Sistêmico: A resolução de conflitos por meio da abordagem sistêmica feno-
menológica das constelações familiares. Revista Unicorp, 2018.
______. Direito sistêmico é uma luz no campo dos meios adequados de solução de conflitos
https://www.conjur.com.br/2018-jun-20/sami-storch-direito-sistemico-euma-luz-solucao-
-conflitos, acesso em 01/12/2018.
SHELDRAKE, Rupert. A sensação de estar sendo observado e outros aspectos da mente
expandida. São Paulo: Cultrix, 2003.
STEWART, Ian & JOINES, Vaan. AT-Hoy: uma nueva introducción al Análisis Transacional.
Madrid, Editorial CCS, 2014.
WILBER, Ken. O Espectro da Consciência. São Paulo, Ed. Cultrix, 1977.

345
SEPARAÇÃO DE CASAL DE FORMA
LITIGIOSA COMO VÍNCULO

Lairton da Silva

01. INTRODUÇÃO

Bert Hellinger apresentou ao mundo leis inconscientes que regem


as relações e a vida das pessoas. Estas leis são: Pertencimento, Hierarquia e
Equilíbrio de troca, que será aprofundado no desenvolvimento deste traba-
lho. O fato é que, quando desrespeitadas, estas leis causam desequilíbrios
na vida das pessoas.
Hellinger (2006, p. 16) expõe que,

O amor dá certo através da compreensão das ordens fundamentais


da vida. Essas ordens não são inventadas, elas são descobertas. Assim
cheguei a estes conhecimentos: através de uma longa observação para
descobrir o que acontece quando as pessoas se comportam de uma
determinada forma. E olhando não somente para o que ocorre ime-
diatamente, se não para aquele que transcorre através das gerações.
Por meio dessa observação prolongada pode-se descobrir quais
são as ordens vigentes. Por esta razão, quando falo sobre estas ordens
também é válido verificar se realmente é assim mesmo que algumas
coisas possam talvez parecer chocantes. Entretanto, a realidade mui-
tas vezes está em contradição com os nossos desejos. Se olharmos
atentamente podemos verificar se algo é válido ou não. E se existem
outras novas percepções, então submeto-me a ela. Todos estes conhe-
cimentos fluem, assim como a vida. Crescem passo a passo. (BERT
HELLINGER, 2006, p. 16).

346
SEPARAÇÃO DE CASAL DE FORMA LITIGIOSA COMO VÍNCULO

Sami Storch, brasileiro ilustre e discípulo de Bert Hellinger, juiz na


comarca de Itabuna, Bahia, angustiado com a sobrecarga do judiciário no
direito de família, iniciou de forma corajosa a dar a opção para as pessoas
de constelar antes dos julgamentos.
É importante lembrar a você leitor que a lei, o direito brasileiro sem-
pre foi e será utilizado, mas a mediação e a constelação como uma opção
importante e significativa dentro das possibilidades de mediação é que foi a
grande inovação e possibilidade aos envolvidos.
No ano de 2016, a Innovare juntamente com a Hellingershule, lançam
no Brasil, a formação de direito sistêmico. O autor deste Trabalho de Con-
clusão de Curso, mesmo já estudando e trabalhando com constelação desde
2010, agora possui uma clareza evidente, por assim dizer, acerca dos vínculos
que se iniciaram nas constelações em que litígios apareciam. Por este motivo,
começou a acompanhar, com interesse, alguns casos e pode observar como
o olhar e a intervenção das constelações desencadearam bons desfechos e
liberação dos casais e de todos os envolvidos em vários aspectos e sentidos,
inclusive encerrando com acordos satisfatórios para ambos os lados, pro-
cessos judiciais que, em muitos casos, há anos arrastavam-se no judiciário.
Nos casos a serem citados neste estudo, além de anos de proces-
so, advogados foram trocados com acusações de incompetência, onde na
verdade, havia um vínculo mal resolvido, um emaranhamento das partes
que impossibilitava de o direito, por assim dizer, acontecer. Após o uso da
constelação, os clientes adquiriram um novo olhar e uma nova postura
diante destes ex-companheiros, dos advogados e do processo, beneficiando
a todos os envolvidos.
É deste novo olhar que traz uma nova postura nos casos que serão
abordados neste trabalho que tem como objetivos organizar um marco
teórico sobre a visão da constelação familiar sobre casamento, separação
(no caso deste trabalho de forma litigiosa) e conflito, bem como registrar
e compartilhar os casos em que foi realizada a constelação, em que as se-
parações litigiosas apareceram como vínculos afetivos, e de como, após a
constelação, todos foram afetados e transformados, ocorrendo mudanças
nas vidas dos constelados referentes ao litígio.

347
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

02. AS CONSTELAÇÕES FAMILIARES E AS LEIS SISTÊMICAS

Bert Hellinger apresentou ao mundo as leis sistêmicas, que atuam de


forma consciente e inconsciente nos relacionamentos e, quando desrespei-
tadas, trazem problemas que se chamam de emaranhamentos.
Todas as pessoas são carregadas de dinâmicas, representações inter-
nas, muitas vezes equivocadas, e ter acesso a estes “pontos cegos” é muito
importante, pois a partir disto, poderá reorganizar emoções e posturas e é
com isso que as constelações trabalham. Bert Hellinger revoluciona o mundo
e as relações quando traz um bom e um novo lugar para todos.
Existe um campo de memória: campo mórfico (pesquisado por Rupert
Sheldrake) que traz informações por meio de representantes. Pessoas des-
conhecidas são convidadas a ocupar, sem intenção, o lugar dos envolvidos
no conflito, dor ou problema e movimentos, que o campo mórfico conduz,
vão acontecendo.
Geralmente, os emaranhamentos têm a ver com o desrespeito (incons-
ciente) de 3 leis essenciais (sistêmicas) e aspectos do amor fora de ordem,
injustiças e muitas outras questões costumam aparecer e, muitas vezes, podem
ser reorganizadas, trazendo uma leveza que palavras não conseguem descrever.
Quando e à medida que é possível ver estes equívocos internos se es-
clarecerem, as relações externas tendem a modificar-se.
É como se as pessoas pudessem mudar o destino, ou script incons-
cientes e, a partir disso, o constelado pode seguir com mais consciência, de
forma mais leve e atenta.
Bert Hellinger é o fundador da Constelação Familiar como ela é aplicada
hoje. Segundo a Hellinger® Sciencia, a Constelação Familiar é o resultado de
33 anos de trabalho de pesquisa e encontra consideração e reconhecimento
no mundo inteiro. Há décadas, Bert Hellinger é a fonte de uma das formas
mais eficientes e bem-sucedidas de ajuda para a vida: a Constelação Familiar.
A palavra-chave para a compreensão decisiva de Bert Hellinger é
ORDEM! O reestabelecimento da ORDEM é exatamente o que a Hellin-
ger®schule transmite de forma profunda.
Bert e Sophie Hellinger formam, hoje, a instância máxima de uma
postura que penetra camadas sociais, problemas e desafios e mostra soluções.

348
SEPARAÇÃO DE CASAL DE FORMA LITIGIOSA COMO VÍNCULO

03. CASAMENTO E RELACIONAMENTOS NA VISÃO SISTÊMICA

Um casamento quando acaba, em especial quando se tem filhos faz


parte da história passada de um indivíduo e sempre fará parte de sua história
sustentando o que o indivíduo é hoje.
Segundo Bert Hellinger, em seu livro “Para que o Amor Dê Certo”,
publicado em 2006, um homem e uma mulher aproximam-se e se unem
pelo que falta em um e em outro, e após a união consolidada não há volta.

“Essa consumação do amor tem um profundo efeito na alma. Através


dela o homem e a mulher se vinculam de maneira indissolúvel.” (BERT
HELLINGER, 2006, p. 21).

Mesmo que o relacionamento acabe, o parceiro anterior, pela lei da


precedência, vai sempre fazer parte, ter um lugar, mesmo que no passado.
Então, o respeito e a precedência interna, no sentido emocional dentro do
sujeito, são fundamentais para que ele possa seguir com leveza e relacionar-se
com a vida e futuros parceiros e parceiras de forma ampla e feliz.
Segundo Bert Hellinger (2006), novos relacionamentos só dão certo
quando os anteriores são no íntimo dos envolvidos, respeitados e honrados.
A constelação familiar nos apresenta conceitos como:
Ordens do amor – Leis Sistêmicas;
Verdadeira Solução – Solução Sistêmica – trazer a paz – desemaranhar
– consciência – trazer à luz;

▶ Filosofia na prática de Bert Hellinger;


▶ Vínculos, lealdade, pais biológicos;
▶ Conciliação – Inclusão;
▶ Responsabilidade diferente de inclusão;
▶ Direito Sistêmico e viés terapêutico;
▶ Saúde e equilíbrio do sistema;
▶ Estar a serviço da vida;
▶ Campo Mórfico;
▶ Níveis de consciência – consciência leve e pesada; e
▶ Ordem antes do amor.

349
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

São amplamente abordados nos livros e seminários de Bert e Sofie


Helinger e todos estes conceitos atuam, tanto na escolha do parceiro como
no possível futuro término dos relacionamentos.
Os emaranhados ou desequilíbrios, como um conflito de uma sepa-
ração litigiosa em aberto, são vínculos que determinam e afetam o presente
dos envolvidos.

04. DIVÓRCIO, SEPARAÇÃO LITIGIOSA E MEDIAÇÃO

O fenômeno do divórcio cresceu nos EUA a partir da década de 1950


(KASLOW; SCHWARTZ, 1995).
No Brasil, somente depois do advento da Lei do Divórcio, em 1977,
é que surgem estatísticas sobre o número de divórcios no Brasil. Apenas no
final da década de 1980 têm-se referências sobre pesquisas clínicas realizadas
com crianças e adolescentes que passaram pela crise de divórcio dos pais,
evidenciando suas devastadoras e prolongadas consequências (COLACIQUE,
1988; JABLONSKI, 1991; FÉRES-CARNEIRO, 1994).
Uma das alternativas ao grande fluxo e consequente lentidão em al-
guns tipos de processo no Brasil, no caso deste estudo sobre as separações
e divórcios, foi a mediação.
No Brasil, a mediação está positivada na Resolução nº 125 do Conse-
lho Nacional de Justiça, no CPC e na Lei nº 13.140/2015 (Lei de Mediação)
que, em seu artigo 1º estabelece, que a mediação é um meio de solução de
controvérsias entre particulares e sobre a autocomposição de conflitos no
âmbito da administração pública. Parágrafo único. Considera-se mediação
a atividade técnica exercida por terceiro imparcial sem poder decisório,
que, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou
desenvolver soluções consensuais para a controvérsia.
A mediação consiste em reabrir canais de comunicação, diferindo de outras
práticas, pois tem na sua base de operações, o pluralismo de valores. Busca-se,
assim, atingir o consenso entre as partes, a partir da aceitação das diferenças e da
diversidade. Discute-se mediação enquanto método qualitativo, que permite às
partes a apropriação do seu problema, tornando-as responsáveis pela construção
de uma solução que lhes agrade e lhes pareça justa (SPENGLER, 2010).

350
SEPARAÇÃO DE CASAL DE FORMA LITIGIOSA COMO VÍNCULO

E pode ser definida “[...] como a interferência – em uma negociação


ou em um conflito – de um terceiro com poder de decisão limitado ou não
autoritário”. (MORAIS; SPENGLER, 2012, p. 131).
De certa forma para Spengler (2011), a mediação dissolve os marcos de
referência da certeza, determinados pelo conjunto normativo. Um dos aspectos
mais ricos e evoluídos da mediação é o acolhimento maduro do conflito, pos-
sibilitando, assim, um tratamento que resulte na evolução social, apostando em
uma estratégia partilhada.
Cahali (2011, p. 57) explica que pode soar estranho, até mesmo às
partes, em um primeiro momento, submeter-se à mediação para, no final,
consumido tempo e recursos, ainda ser necessário a solução adjudicada (por
arbitragem ou processo judicial). Segundo o autor, o “tratamento” gera, no
mínimo, a conscientização das posições, a redução do desgaste emocional,
o arrefecimento da animosidade e o respeito às divergências.
Dessa forma, é possível notar que a mediação não visa unicamente a
estruturação de um acordo, cria-se uma expectativa em torno daquilo que será
melhor para as partes, justificando-a como um processo de amadurecimento
pessoal, que interfere diretamente na evolução da sociedade.
Tanto no âmbito clínico quanto no forense, estudos demonstram
que os conflitos vividos pelos pais antes e durante o processo de separação
causam problemas de ajustamento dos filhos, sendo que o relacionamento
dos pais no período pós-divórcio constitui o fator mais crítico no funcio-
namento da família (EMERY, 1994; KASLOW; SCHWARTZ, 1995; PECK;
MANOCHERIAN, 1995).
A renegociação dos limites de intimidade entre os ex-cônjuges por meio
da mediação, com o objetivo de promover uma aliança pacífica no cuidado dos
filhos, tem sido de grande benefício para o convívio familiar pós-separação
(EMERY; WYER, 1987, EMERY, 1988).
A separação de um casal, quando mal conduzida, pode desagregar
toda a família e extinguir relacionamentos futuros. A ajuda especializada de
operadores jurídicos e não-jurídicos não é apenas bem-vinda, mas crucial
para a retomada do ciclo de crescimento das famílias.
A separação é apontada como um dos fatores responsáveis por inúmeras
mudanças no cotidiano familiar, especialmente quando o casal possui filhos,

351
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

uma vez que o processo modifica os papéis parentais exercidos pelos pais. E,
além disso, a criança assim como o adulto, também convive com os paradigmas
do divórcio, principalmente porque ela está inserida em uma situação, muitas
vezes, conflituosa, que é desconhecida e muito nova para ela.

05. PARTE PRÁTICA

Caso 1 – L (46 anos)


▶ Queixa que o trouxe – Atual companheira ameaçava deixá-lo. E ele queria
manter a união, pois afirmava amá-la.
▶ O que o campo mostrou – O cliente olhando para o casamento do pai
e da mãe. E a presença forte da primeira mulher, do divórcio litigioso e
a atual companheira afastada e ignorada. Ele mantinha-se vinculado a
primeira esposa pelo padrão repetitivo da mãe e do pai, que mantinha
o casamento mesmo não tendo mais relações conjugais e ficaram juntos
pelos bens e negócios. E ele de forma inconsciente, mantinha um processo
de discussão de bens com a 1ª esposa. Inclusive, apareceu os advogados
que nunca foram suficientes (incompetentes segundo o cliente).
▶ O que após o trabalho de Constelação se constatou – Que ele buscou
e conseguiu um acordo ao litígio, depois de 5 anos, satisfatório a ambos
os envolvidos. Ele casou com a companheira atual e esta engravidou.
▶ Feedback do Cliente sobre o acontecido – Incrível, ele não se dava conta,
mas faz todo o sentido e ele sente-se bem com tudo que houve. Parece
que toda a mágoa e sentimento de exploração e uso da primeira esposa
foram embora.
▶ Caso 2 – R (38 anos)
▶ Queixa que a trouxe – Término de um namoro.
▶ O que o campo mostrou – Que ela estava vinculada ao 1º casamento, que
tinha um vínculo de um processo judicial há 5 anos por disputa de um
imóvel, em que o ex-marido não aceitava acordo. A representante de R
não respeitava o 1º marido. E este atual ex-namorado que a trouxe para a
constelação não tinha um bom lugar. A vida dela não só no relacionamento,
mas na profissão também estava parado, congelada segundo esta.

352
SEPARAÇÃO DE CASAL DE FORMA LITIGIOSA COMO VÍNCULO

▶ O que após o trabalho de Constelação se constatou – A cliente escreveu


sobre um acordo judicial iniciado pelo ex-marido que não estava presente
fisicamente na constelação. Depois de uma semana da constelação, ele
que não dirigia a palavra a ela há 5 anos, procurou-a para um acordo.
▶ Feedback do Cliente sobre o acontecido – Está maravilhada, leve e muito
feliz como há muito tempo não estava, assim, seguiu adiante em sua vida.

06. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Direito, a busca da justiça é fundamental, uma terceira pessoa,


uma instituição, um poder maior historicamente sempre foi necessário à
evolução da humanidade.
O casamento, as famílias modernas se modificaram e, provavelmente,
um adulto com média de vida de 90 anos, como hoje é possível, terá mais
de um casamento.
Será e está sendo comum separações no momento histórico atual, e
é comum a busca da justiça para impasses.
Mas por que nem sempre no julgamento, as sentenças são suficientes? Por
que processos se estendem durante anos com discussões? E mais, qual a melhor
saída para que a justiça possa ser feita e aceita?
As constelações familiares vêm se apresentando como um bom cami-
nho. A respeito deste momento que tantas pessoas passam e um novo olhar
sobre as dores e o fim pode ser adotado, e assim um novo sujeito se forma
e pode partir para a vida de uma nova forma com mais leveza e plenitude.
Ao longo de tantas constelações acerca do assunto, que foram facili-
tadas e vivenciadas pelo autor deste trabalho, foi possível constatar o quanto
a constelação, efetivamente, auxilia em uma vida mais feliz dos envolvidos.
De certa forma, a arte descreve o que Bert Helinger demonstrou
com sua obra sobre o respeito e o bom lugar do passado e, neste caso, dos
relacionamentos passados para um presente futuro de qualidade e, assim,
termina-se este trabalho com a letra de uma música de Marisa Monte, que
com sensibilidade traduz a visão sistêmica das relações que se encerram.
Depois (Compositores: Antonio Carlos Santos de Freitas / Arnaldo
Augusto Nora Antunes Filho / Marisa de Azevedo Monte)

353
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

Depois de sonhar tantos anos


De fazer tantos planos
De um futuro pra nós
Depois de tantos desenganos
Nós nos abandonamos como tantos casais
Quero que você seja feliz
Hei de ser feliz também
Depois de varar madrugada
Esperando por nada
De arrastar-me no chão
Em vão
Tu viraste-me as costas
Não me deu as respostas
Que eu preciso escutar
Quero que você seja melhor
Hei de ser melhor também
Nós dois já tivemos momentos
Mas passou nosso tempo
Não podemos negar
Foi bom
Nós fizemos história
Pra ficar na memória
E nos acompanhar
Quero que você viva sem mim
Eu vou conseguir também
Depois de aceitarmos os fatos
Vou trocar seus retratos pelos de um outro alguém
Meu bem
Vamos ter liberdade
Para amar à vontade
Sem trair mais ninguém
Quero que você seja feliz
Hei de ser feliz também
Depois

354
SEPARAÇÃO DE CASAL DE FORMA LITIGIOSA COMO VÍNCULO

07. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


AZEVEDO, André Gomma (org.). Manual de mediação judicial. Brasília: Ministério da
Justiça e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD, 2013.
BARBOSA, Ivan Machado. Fórum de Múltiplas Portas: uma proposta de aprimoramento
processual. In: AZEVEDO, A. G. (Org.). Estudos em arbitragem, mediação e negociação.
Brasília: Grupos de Pesquisa, 2003. Disponível em: <http://www.arcos.org.br/livros/estu-
dos-de-arbitragem-mediacao-e-negociacaovol2/terceira-parte-artigo-dos-pesquisadores/
forum-de-multiplas-portas-umaproposta-de-aprimoramento-processual>. Acesso em: 01
set. 2016. p. 243-262.
BRASIL. Código de Processo Civil. Brasília: Senado Federal, 2015.
______. Lei de mediação. Brasília: Senado Federal, 2015.
CAHALI, Francisco José. Curso de arbitragem. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
COLACIQUE, M.A .M. Depressão infantil associada à separação das figuras parentais
nos primeiros cinco anos de vida: um tipo especial de luto. Dissertação (Mestrado) -- Uni-
versidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 1988.
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Resolução 125. Brasília: Conselho Nacional de
Justiça, 2010.
EMERY, R. Interparental conflict and the children of discord and divorce. Psychological
Bulletin, Washington, n. 92, 1988, p. 310-330.
EMERY, R. Renegotiating family relationships. Nova York: The Guilford Press, 1994.
EMERY, R.; WYER, M. Divorce mediation. American Psychologist, Washington, n. 42,
1987, p. 472-480.
FÉRES-CARNEIRO, T. Terapia de casal: um estudo sobre a manutenção e ruptura do casa-
mento. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE TERAPIA FAMILIAR, 1., 1994, São Paulo. Anais
do I ... São Paulo, 1994. v. II, p. 475-502.
HELLINGER, Bert. Para que o amor dê certo: o trabalho terapêutico de Bert Helinger com
Casais. 2. ed. São Paulo: Cultrix, 2006.
JABLONSKI, B. Até que a vida nos separe: a crise do casamento contemporâneo. Rio de
Janeiro: Agir, 1991.
KASLOW, F.; SCHWARTZ, L. As dinâmicas do divórcio: uma perspectiva do ciclo vital.
Campinas: Editora Psy, 1995.
LUCAS, D. C. Justiça restaurativa e mediação: políticas públicas no tratamento dos conflitos
sociais. Ijuí: Editora Unijuí, 2011.
MOORE, Christopher. O processo de mediação: estratégias práticas para a resolução de
conflitos. Porto Alegre: Artmed, 1998.
MORAIS, J. L. B.; SPENGLER, F. M. Mediação e arbitragem: alternativas à jurisdição! 3. ed.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012.
NUNES, A. O.; SALES, L. M. M. A possibilidade do alcance da justiça por meio de mecanis-
mos alternativos associados ao judiciário. In: CONPEDI, 2010. Disponível em: <http://www.
conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/florianopolis/Integra.pdf>. Acesso em: 25 ago. 2016.
PECK, J.S.; MANOCHERIAN, J. O divórcio nas mudanças do ciclo de vida familiar. In: CAR-
TER, B.; MCGOLDRICK, M.(org.) As mudanças no ciclo de vida familiar. Porto Alegre:

355
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

Artes Médicas, 1995. p. 291-315.


SILVA, Antônio Hélio. Arbitragem, mediação e conciliação. In: LEITE, Eduardo de Oliveira.
(Coord.). Grandes temas da atualidade: mediação, arbitragem e conciliação. Rio de Janeiro:
Forense, 2008.
SPENGLER, Fabiana Marion. Da jurisdição à mediação. Por uma outra cultura no tratamento
dos conflitos. Ijuí: Unijuí, 2010.
______. A busca pela verdade: uma necessidade nas práticas judiciais e uma possibilidade
nas práticas comunicativas mediadas. In: SPENGLER, F. M.;
______. Mediação: teoria e prática. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2016.
VASCONCELOS, Carlos Eduardo. Mediação de conflitos e práticas restaurativas. São Paulo:
Método, 2008.

356
A ADOÇÃO E OS PROCEDIMENTOS
SISTÊMICOS SOB A VISÃO FILOSÓFICA
DAS CONSTELAÇÕES FAMILIARES DA
HELLINGER® SCIENCIA

Adriana Carneiro Batista


Christiana Lovimo Pereira
Mateus de Souza Santos
Mônica de Azevedo Mendonça Gardés

01. INTRODUÇÃO

O tema adoção merece um estudo aprofundado, haja vista serem as


crianças e os adolescentes de hoje, os adultos de amanhã, e, considerando
que nações são conduzidas por pessoas, os jovens trazem em si o futuro.
Segundo inúmeras pesquisas, crianças bem-criadas, amadas, acolhidas e
vistas como crianças e/ou adolescentes têm maior capacidade de se tornarem
adultos saudáveis e autossuficientes.
Em décadas de estudo com famílias de diversas nacionalidades, o
psicoterapeuta alemão Bert Hellinger observou que os conceitos de boa
criação, amor e acolhimento têm pressupostos comuns. No entanto, verificou
ainda, que os atos praticados sob essa ótica consensual daquilo que é bom
para as crianças adotadas, para a harmonia da família adotiva e, em última
instância, para o sucesso da adoção, na realidade, não garantem o bem-estar
da criança e o êxito desse processo.
A grande colaboração de Bert, que culminou na atual Hellinger®
Sciencia (ciência de todas as relações), foi a descoberta de que, por trás das
ações, existem intenções, e que estas são determinantes para o sucesso ou

357
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

insucesso dos relacionamentos humanos. O trabalho de Bert Hellinger visa


observar as dinâmicas ocultas que movem uma família no sentido de adotar
uma criança e esclarecer, dentre outras coisas: qual é a verdadeira necessidade
que precisa ser atendida; para onde se dirige o amor de cada um dos ado-
tantes (para a criança, para si, para o parceiro, para um antepassado); como
a família adotante olha para as origens da criança (seus pais, sua cultura,
suas crenças); se a partir da postura adotada a criança se sente vista e amada.
O estudo da obra de Bert Hellinger, que é baseada na experiência e
na observação, revela que o tratamento do tema adoção por este filósofo,
psicoterapeuta e cientista contemporâneo evoluiu no sentido de colaborar
de maneira cada vez mais eficiente para que o amor dê certo, ou, em outros
termos, flua de maneira profícua. As conclusões de Bert são empíricas e se
ampliam ao longo da história, sempre que descobre algo. Como todos os
assuntos tratados na Hellinger® Sciencia, não existem conclusões fechadas,
mas uma ampliação constante de consciência baseada na observação de
resultados. No entanto, a esta altura da constante pesquisa desenvolvida por
Bert, por sua esposa Sophie Hellinger e por diversos discípulos ao redor do
mundo, já existem inúmeras respostas aos porquês dos êxitos ou insucessos
das adoções, e uma excelente base para atender e orientar famílias em direção
a um bom resultado.
O livro “Adoção – como alcançar o sucesso” do brasileiro Renato
Bertate (médico, terapeuta e professor da Hellinger Schule), baseado em
dezoito anos de experiência clínica nos quais atendeu pessoas adotadas,
pais biológicos e pais adotivos, que ao longo desse período o buscaram
para resolver questões complicadas resultantes da adoção, também inspira
e orienta o projeto ora apresentado.

02. MARCO TEÓRICO

02. 1. CONSTELAÇÃO FAMILIAR

Bert Hellinger, nascido na Alemanha em 1925, formou-se em Teo-


logia e Pedagogia. Seu trabalho como membro de uma ordem missionária
por dezesseis anos na África do Sul entre o povo de etnia Zulu e suas outras

358
A ADOÇÃO E OS PROCEDIMENTOS SISTÊMICOS SOB A VISÃO FILOSÓFICA DAS CONSTELAÇÕES

inúmeras qualificações em campos variados da psicoterapia permitiram o


desenvolvimento das Constelações familiares como as conhecemos hoje
(HELLINGER, 2013b). Ele é considerado o criador da atual Constelação
Familiar, porque lhe deu uma significação completamente nova, trazendo
uma abordagem sobre as dinâmicas da consciência e da culpa. Sua principal
descoberta, que dá base ao trabalho difundido pelo mundo hoje, é a percepção
de que as desarmonias nas relações humanas, e até mesmo enfermidades,
se originam de uma infringência às leis de vinculação, compensação e/ou
ordem que regem um sistema familiar, ou como ele sintetizou, às Ordens
(Leis) do Amor: Pertencimento, Equilíbrio e Ordem. (HELLINGER, 2007, p.
64). Por meio de uma Constelação, essas dinâmicas são reveladas, conforme
descreve abaixo:

Lo que ocurre en una constelación familiar es que un cliente, de


entre un grupo de participantes y sin ninguna selección previa, elige
a representantes para los miembros de su familia. Después se centra
en su intuición para posicionar a estas personas, relacionándolas
en un espacio abierto. Lo curioso es que las personas que fueron
elegidas de repente perciben los sentimientos, los comportamientos
y, muchas veces, también los síntomas de los miembros de la familia
que representan, sin haber recibido ninguna información previa.
(HELLINGER, 2012. p. 166)

Nas Constelações Familiares, vem à luz nossa codependência em


relação a nossos antepassados, tal como elos de uma corrente. Podemos re-
conhecer como o destino deles nos influenciam, por exemplo, tornando-nos
doentes ou deficientes e também podendo curar-nos, quando essa correlação
é revelada e olhada assim como é.
Sophie Hellinger, esposa de Bert e cofundadora da Hellinger® Scien-
cia, ao ministrar a aula inaugural da Turma 2 da Pós-Graduação em Direito
Sistêmico (São Paulo/SP, 06/05/2017), reproduziu a seguinte frase: “Um
homem não pode banhar-se duas vezes no mesmo rio”. Dessa forma, citando
o filósofo Heráclito de Éfeso, esclareceu que assim é a dinâmica da Conste-
lação Familiar, portanto, ela não pode ser considerada uma ferramenta nem

359
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

tampouco um método científico que ao ser aplicado várias vezes, o mesmo


resultado pode ser observado. É algo que está sempre em movimento, pois
pertence ao campo fenomenológico.

02. 2. VIDA E AUTOESTIMA

Falar sobre Constelações Familiares é falar sobre vida ou morte. Todas


as questões que se revelam, em última análise, podem nos levar a viver ou a
morrer (ao “mais” ou ao “menos”). Além disso, falar sobre as Constelações
sempre nos leva a olhar para o amor mais essencial: o amor aos nossos pais.
Assim, falar sobre adoção requer olhar para os pais biológicos do adotado, o
que afeta a autoestima deste. A não inclusão desses pais e de todo o sistema
familiar biológico do adotado pode até mesmo levar à morte.
Dentro do vasto universo de títulos da obra de Bert Hellinger pes-
quisado para este trabalho, não foi encontrada uma definição fechada para
autoestima, mas o tema é largamente abordado de forma indireta. Na filosofia
de Hellinger, a plenitude da vida só pode ser alcançada quando se está em
concordância com os pais, do jeito que eles são, e com o destino que deles
provém: “Contudo, quando conseguimos tomar os pais como são e renun-
ciamos ao que outrora não foi realizado não importando o que nos faltou
quando criança, então a experiência do amor no presente transforma-se
num amor sem déficit.” (HELLINGER, 2010a, p. 205)
Bert nos lembra que os pais nos deram a vida, e a vida é tudo. Tudo o
mais é secundário. O que ocorre a partir disso, não é tão importante. Portanto,
devemos ser eternamente gratos aos pais pela nossa vida. Se agirmos em des-
conformidade com esse fato, adoecemos. Quem verdadeiramente agradece aos
pais pela vida, fica em paz consigo mesmo, sentindo-se inteiro, “Pois os filhos
não somente têm os seus pais, mas eles são os seus pais”, completando que “....
quem rejeita seus pais rejeita a si mesmo e sente-se, nessa mesma medida,
irrealizado, cego e vazio.” (HELLINGER, 2015a, p. 36/37)
Tomar os pais como são, tem efeito benéfico na autoestima, conside-
rando que somos cinquenta por cento pai e cinquenta por cento mãe. Meta-
foricamente falando, se o pai é o café e a mãe o leite, o filho é café com leite.
Seguindo essa analogia, se o filho rejeita o café, o leite, ou ambos, rejeita em

360
A ADOÇÃO E OS PROCEDIMENTOS SISTÊMICOS SOB A VISÃO FILOSÓFICA DAS CONSTELAÇÕES

última instância a si mesmo. O efeito é baixa autoestima, falta de amor-pró-


prio que, em maior grau, pode evoluir à depressão e outros desequilíbrios.
Para Hellinger, alguém desligado da fonte de sua vida, perde força vital e fica
deprimido, sendo a depressão um sentimento de vazio, onde, no coração,
falta um dos pais ou ambos. (HELLINGER, 2012, p. 74)

02. 3. ALMA

Um trabalho que aborde as Constelações Familiares requer o esclare-


cimento do conceito de alma conforme entendido por Bert Hellinger, que é
distinto do conceito de alma vulgarmente conhecido.
É sabido que o ser humano é formado da união de células germinais
dos pais, portanto animadas. Nesse sentido, Bert ensina que nosso corpo já
possui uma alma desde o princípio, fazendo de nós um elo de uma grande
corrente que nos liga a todos que nos precederam e aos que nos sucedem,
partilhando de uma mesma alma desde a origem. É a alma da família, que
de uma certa forma nos conecta a todos. (HELLINGER, 2006ª, p. 142)
Esclarece que o grupo familiar tem “manifestamente uma alma co-
mum e uma consciência comum” que liga os membros entre si de acordo
com ordens que permanecem inconscientes, da mesma maneira que o corpo
une e guia seus membros e órgãos. Assim como a alma individual zela pela
incolumidade do corpo, a alma familiar zela pela sobrevivência e integridade
da família, fazendo com que um membro excluído seja representado por
outro, para compensar sua perda. (HELLINGER, 2006b, p. 142/143)
A visão das constelações familiares acerca da alma mostra que existe
a alma do corpo, que é parte da alma da família, que pertence à “grande
alma” que, por sua vez, seria um campo dotado de saber que transcende e
dirige o indivíduo, procura e encontra soluções que o ultrapassam em muito.
(HELLINGER, 2007a, p. 18)

02. 4. ESPÍRITO

Da mesma forma como os conceitos anteriores possuem um sig-


nificado peculiar no contexto das Constelações Familiares sob a ótica da
Hellinger® Sciencia, o conceito de espírito, conforme utilizado no âmbito

361
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

deste trabalho, precisa ser explicado para que se compreenda a mensagem


que os pesquisadores almejam transmitir.
Por meio de sua obra, Bert Hellinger ressaltou que é curioso que se
diferencie o espírito da matéria, pois tudo aquilo que mantém a matéria em
movimento é guiado por uma força misteriosa que possibilita a sua existência.
Podemos ver seu efeito, mas não sabemos de onde vem, o que a mantém
em movimento e, principalmente, para onde se dirige. Isso permanece um
mistério. O que seria essa força que conduz e anima a matéria, que ordena
e une, que não pode ser explicada nem compreendida?
Bert pontua que podemos observar que os seres vivos não são apenas
conduzidos por uma alma que pertence exclusivamente a eles, mas também
por uma alma que harmoniza os seres vivos uns em relação aos outros, man-
tendo-os unidos como parte de algo maior. Mas também esta alma segue
leis e ordens superiores. Então, qual seria essa força superior à alma, que se
encontra acima das ordens, que as determina e que não está submetida a elas?
Para Bert Hellinger essa força seria o ESPÍRITO. E ele provoca ao perguntar
se “o espírito constituiria então a última instância”. A resposta? Talvez sim,
mas não o sabemos. E conclui que se soubéssemos, seríamos superiores ou
pelo menos equivalentes a ele. (HELLINGER, 2010b, p. 57/58)

02. 5. ORDENS DO AMOR E CONSCIÊNCIAS

Dentre as várias descobertas de Bert Hellinger, estão as Ordens, ou Leis,


do Amor, que atuam nos sistemas familiares como as leis da física atuam na
matéria e na energia. Incluem-se também em suas descobertas as distintas
consciências. Um trabalho cuja base seja as Constelações Familiares requer
a abordagem desses conceitos para o entendimento completo de seu teor.
A Hellinger® Sciencia revela-nos que a relação entre as consciências
existentes e as ordens do amor está no fato de que existem muitas consciên-
cias, em vários níveis, que seguem ordens batizadas por Bert de Ordens
(Leis) do Amor.
No livro Ordens do Amor, Bert explica essas três leis. 1) Pertencimento
(pertinência, vínculo): cada membro, vivo ou morto, tem o mesmo direito
de pertencer ao grupo, ou seja, ninguém pode ser excluído, reprimido ou

362
A ADOÇÃO E OS PROCEDIMENTOS SISTÊMICOS SOB A VISÃO FILOSÓFICA DAS CONSTELAÇÕES

esquecido independentemente da justificativa. 2) Ordem (hierarquia): quem


chegou antes no sistema, precede, e cada pessoa exerce sua plenitude apenas
no lugar a que pertence: “Existe uma hierarquia baseada no momento em
que se começa a pertencer a um sistema” (p. 37). 3) Equilíbrio (troca): deve
haver troca no dar e tomar entre iguais, quer dizer, nas relações onde não há
hierarquia. Por exemplo, nas relações de casamento e de amizade nas quais
ambos passam a pertencer juntos. (HELLINGER, 2007b, p. 18). Já nas relações
entre Pais e filhos, os pais dão (o necessário) e os filhos tomam, pois recebem
o mais importante que é a Vida, sendo que, posteriormente, em compensação,
transmite a outros o que tomou, principalmente, aos próprios filhos.
É curioso perceber que toda ordem de conflito nas relações humanas
implica a infringência de uma ou mais dessas leis sistêmicas, e ainda, que
opera em harmonia o relacionamento que obedece às três ordens do amor.
No livro Um Lugar para os Excluídos, ao relatar o que o impressionou
na cultura Zulu, quando da sua experiência na África do Sul como padre
missionário da igreja católica, mencionou a tomada de decisão com foco
no grupo, o respeito diante do próximo e por seus pais e a impressionante
segurança com que as mães lidam com seus filhos: “Dificuldades com filhos
é algo que não conhecem” (HELLINGER, 2014, p. 34).
O livro Amor do Espírito – na Hellinger® Sciencia registra três níveis
de consciência: (I) Pessoal (II), Coletiva e (III) Espiritual. I) Consciência
Pessoal, a mais limitada, é aquela que envolve culpa ou inocência. Bert des-
cobriu que, diferentemente do senso comum, essa culpa pouco tem a ver
com bem e mal. Sentimo-nos culpados quando colocamos em risco nosso
vínculo, fazendo algo que não condiz com o grupo ao qual pertencemos. II)
Consciência Coletiva, um pouco mais ampla, defende os interesses daqueles
que foram excluídos pela Consciência Pessoal, fazendo com que ambas as
consciências entrem em conflito. Também é limitada, considerando que
abrange apenas os membros do grupo. Notamos seus efeitos quando um
dano passa de uma geração a outra. III) Consciência Espiritual supera as
limitações das outras duas consciências, guiando-nos à totalidade. Segui-la
exige esforço, porque ela nos afasta da obediência aos ditames da nossa fa-
mília, bem como religião, cultura e identidade pessoal. Nela, nos tornamos

363
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

um com o seu movimento de dedicação e amor por tudo e por todos, assim
como são. (HELLINGER, 2015b)

02. 6. DIREITO SISTÊMICO

É sabido que o Direito é o conjunto de normas de conduta criado para


regular as relações jurídicas. Tais normas têm sido desenvolvidas e aprimo-
radas ao longo do tempo a fim de que a justiça e a ordem sejam aplicadas da
melhor forma possível. Nesse sentido de desenvolvimento e aprimoramento
surgiu o Direito Sistêmico, que pioneiramente começou a ser aplicado no
Brasil e no mundo pelo juiz brasileiro Sami Storch, Coordenador e Docente
da Pós-Graduação em Direito Sistêmico criada pela Faculdade Innovare em
parceria com a Hellinger Schule.
A abordagem sistêmica do Direito propõe a aplicação prática da ciência
jurídica com um viés terapêutico – desde a etapa de elaboração das normas
até a sua aplicação nos casos concretos -, utilizando as Leis e o Direito como
mecanismo de tratamento das questões geradoras de conflito, visando à saúde
do sistema como um todo. Temos no Direito Sistêmico um instrumento para
encontrar solução não mais focada na ótica competitiva, mas sim cooperativa
e pacífica, vindo perfeitamente de encontro à necessidade de pacificação social
e distanciando da visão opositiva, até então perpetrada pelos operadores do
Direito. (GIRARDI; OLDONI; LIPPMANN, 2017, p. 42)
Uma sentença encerra um processo, mas não um embate. O Direito
Sistêmico objetiva possibilitar a resolução de conflitos para além do proces-
so, contribuindo para a paz. Portanto, busca encontrar uma solução mais
abrangente, na qual o resultado não beneficie apenas uma das partes, mas
ambas, e todo o sistema familiar dos envolvidos no conflito. Essa percepção
traz em si a visão de que só há direito quando a solução possibilita paz e
equilíbrio para todos. (STORCH, 2018)

02. 7. ADOÇÃO

Renato Bertate escreve no livro Adoção - como alcançar o sucesso,


que muitas vezes os adotantes são pessoas com um grande desejo de com-
partilhar seu amor, mas que nem sempre é o que acontece, e quando existem

364
A ADOÇÃO E OS PROCEDIMENTOS SISTÊMICOS SOB A VISÃO FILOSÓFICA DAS CONSTELAÇÕES

outros motivos por trás, eles subtraem a força que possibilita o sucesso dessa
relação. (BERTATE, 2016, p. 32)
No Brasil, adotar é medida excepcional à qual se deve recorrer
apenas quando esgotados os recursos de manutenção da criança ou ado-
lescente na família (Art. 39, § 1º do ECA: Lei 8.069/90). Nesse sentido, a
legislação brasileira vai ao encontro com a filosofia de Bert Hellinger que,
por intermédio de suas experiências, observou que uma adoção deve ser
considerada quando a criança/adolescente necessita dela, por não ter mais
ninguém da família biológica. No livro “Ordens do Amor” salienta que, ao
nascer, uma criança não tem somente um pai e uma mãe. Ela também se
vincula a avós, tios e tias, que devem ser considerados em primeiro lugar,
na falta dos pais. Só quando realmente não há mais ninguém da família
disponível é que outras pessoas deveriam ser levadas em consideração para
uma adoção. Reflete que só assim a adoção, diferente de criação, é correta
e tem grandeza. (HELLINGER, 2007c)
A legislação brasileira tem avançado cada vez mais para que o foco seja
o interesse da criança/adolescente. O art. 43 do ECA - Estatuto da Criança e
do Adolescente prevê que a adoção é deferida quando apresentar vantagens
reais para o adotando e fundar-se em motivos legítimos. O diploma legal
foi todo desenvolvido sob o olhar que melhor atenda às necessidades do
adotando, com medidas como: privilegiar a família original e as relações
afetivas preestabelecidas; dar precedência ao acolhimento familiar em de-
trimento ao institucional; exigir aos postulantes um período de preparação
psicossocial e jurídica; obrigar o consentimento prévio do adolescente em
relação à sua própria adoção; garantir ao adotado o direito de conhecer sua
origem biológica, bem como de obter acesso irrestrito ao processo.
A presente pesquisa tem o objetivo de dar maior clareza e enten-
dimento quanto à postura que melhor contribui para o êxito da adoção,
segundo o olhar sistêmico da Hellinger® Sciencia. Os pesquisadores bus-
caram evidenciar essa ampliação de consciência quanto à postura mais
adequada a propiciar o sucesso da adoção por meio de oficina realizada
com famílias que estão em reavaliação nos processos de adoção conduzidos
pela SEFAM/VIJ/DF - Seção de Colocação em Família Substituta da Vara
da Infância e da Juventude do Distrito Federal.

365
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

03. METODOLOGIA

03. 1. ABORDAGEM DE PESQUISA

Este estudo utilizou-se da abordagem de pesquisa aplicada qualitativa,


pois se relaciona com a análise dos dados e importa-se em entendê-los e
explicá-los qualitativamente. Trata-se de um estudo em que os dados co-
letados da realidade estão em formato textual, com significados marcados
pela expressão subjetiva dos sujeitos da pesquisa (UNIVERSIDADE DE
BRASÍLIA, 2019).
O tipo de pesquisa é o estudo de caso, que visa compreender o evento
em estudo e, ao mesmo tempo, desenvolver teorias mais genéricas a respeito
do fenômeno observado (YIN, 2005). As técnicas de coleta de dados utiliza-
das foram tanto a observação como a aplicação de questionários abertos e
impressos em dois momentos da dinâmica, no início e ao final, para avaliação
do impacto do trabalho.
Com autorização do Juiz Titular da Vara da Infância e da Juventude
do Distrito Federal, Dr. Renato Rodovalho Scussel, os pesquisadores con-
duziram uma oficina com famílias que estão em reavaliação nos processos
de adoção conduzidos pela SEFAM - Seção de Colocação em Família Subs-
tituta, supervisor Dr. Walter Gomes, sob a observação da psicóloga da seção,
Karina Gurgel. O objetivo da oficina foi possibilitar clareza e entendimento
quanto à postura que melhor contribui para o êxito da adoção, segundo o
olhar sistêmico da Hellinger® Sciencia.
A estrutura da oficina seguiu os seguintes passos: (I) aplicação de
um questionário inicial, (II) explicações iniciais sob o olhar da filosofia
hellingueriana sobre Constelações Familiares, Ordens do Amor, Vida e Au-
toestima, (III) realização de dinâmicas em que os pesquisadores conduziram
exercícios de percepção e (IV) distribuição de um questionário final, para
fins de avaliação do impacto das dinâmicas realizadas.
A oficina ocorreu em 22 de maio de 2018, com a participação de dois
casais e uma adotante que se separou durante o processo. Teve a duração de
aproximadamente quatro horas, com início às quatorze horas e quinze minutos
e término às dezoito horas e dez minutos.

366
A ADOÇÃO E OS PROCEDIMENTOS SISTÊMICOS SOB A VISÃO FILOSÓFICA DAS CONSTELAÇÕES

O questionário inicial buscava verificar quais eram as motivações


para adotar e quais eram as percepções dos adotantes com relação à fa-
mília biológica do futuro adotado, contendo as seguintes perguntas: 1. O
que o(a) motiva a iniciar o processo de adoção? 2. Você sente que há algo
dentro de você que possa ser trabalhado para o acolhimento da criança e/
ou adolescente a ser(em) adotado(s)? 3. Você tem intenção de contar para
a(s) criança(s) que ela é(são) adotada(s)? 4. Quais são os sentimentos que
surgem quando você pensa nos pais biológicos da criança e/ou adolescente
a ser(em) adotada(s)? 5. Você tem intenção de permitir que a(s) crianças e/
ou adolescente(s) adotada(s) busque(m) a origem caso queira(m)? e 6. Qual
é seu maior medo com relação ao processo de adoção?
Em seguida, os pesquisadores conduziram duas dinâmicas de percep-
ção: (I) CONEXÃO COM OS PAIS (quatro pessoas): o adotante se coloca
perante representantes dos seus pais e, inicialmente, fala frases negativas
como: “Não. Você não me deu tudo. Não foi o suficiente.” Em seguida, vira-se
para um representante da vida. Volta-se novamente para a mãe e o pai e fala
frases positivas como: “Obrigada. Sou grato(a) pela vida que você me deu.
A vida é tudo.” Por fim, olha novamente para a vida com esse novo olhar e
percebe como se sente no decorrer da dinâmica.
(II) Dinâmica com duas fases => 1) OLHAR DO CASAL ENTRE SI
E AO INCLUIR O ADOTANDO (com três pessoas): primeiro uma dupla
(que não se conhece) representa o casal, que se olha e percebe como se sente.
Em seguida, entra o adotando e o casal percebe como se sente e o que muda.
2) OLHAR DOS PAIS ADOTIVOS EM RELAÇÃO AO ADOTANDO: em
seguida, os adotantes olham para o adotando e falam frases de exclusão ao
sistema de origem dele: “Você não precisa conhecer seus pais biológicos. Eu
dou tudo o que você precisa. Pai/mãe é quem cria.” Depois, olham para o
adotando colocando seus pais biológicos atrás dele (usando a imaginação),
falando frases de inclusão: “Sou grato(a) aos seus pais porque eles te deram a
vida. Não julgo o destino deles. Graças a eles recebo você como um presente.).
Após os exercícios, abriu-se aos participantes oportunidade para
expressar suas ponderações e fazer perguntas. Ao final, os pesquisadores
aplicaram o seguinte questionário: 1. Algo mudou quanto à sua motivação
na pretensão em adotar? (Sinta-se à vontade para descrever). 2. Você sente

367
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

que trabalhou algo dentro de você para o acolhimento da criança e/ou


adolescente a ser(em) adotado(s)? (Sinta-se a vontade para descrever). 3.
Algo mudou em relação a intenção de contar à criança que ela é adotada?
(Sinta-se a vontade para descrever). 4. Quais são os sentimentos que surgem
agora quando você olha para a família biológica da criança e/ou adolescente
a ser(em) adotado(s)? 5. Você tem intenção de permitir que a(s) criança e/ou
adolescente(s) adotada(s) busque(m) a origem caso queira(m)? (Sinta-se a
vontade para descrever). 6. Qual é seu maior medo com relação ao processo
de adoção? (Sinta-se à vontade para descrever).

03. 2. UNIDADES DE ANÁLISE E OBJETIVOS

Com o propósito de revelar qual a postura que melhor contribui para o


êxito da adoção segundo o olhar sistêmico da Hellinger® Sciencia em mente,
os pesquisadores construíram cinco unidades de análise, quais sejam: (i)
motivação em iniciar o processo de adoção, (ii) acolhimento do adotante,
(iii) veracidade e clareza, (iv) inclusão da família biológica e (v) medo, com
os seguintes objetivos, todos descritos na TABELA 1.
TABELA 1 - TABELA DE UNIDADES DE ANÁLISE E OBJETIVOS

UNIDADES DE ANÁLISE OBJETIVOS

IDENTIFICAR O MOTIVO DA ADOÇÃO E QUEM ESTÁ


MOTIVAÇÃO EM INICIAR SENDO “BENEFICIADO” NO PROCESSO (O BEM DA
CRIANÇA ESTÁ SENDO CONSIDERADO?), BEM COMO
O PROCESSO DE ADOÇÃO O ALINHAMENTO OU NÃO AO OLHAR SISTÊMICO DA
HELLINGER® SCIENCIA.

IDENTIFICAR OS EFEITOS QUE O ACOLHIMENTO DO


ACOLHIMENTO DO ADO‑ ADOTANDO ACARRETARÁ NA RELAÇÃO FAMILIAR E
TANDO O ALINHAMENTO OU NÃO AO OLHAR SISTÊMICO DA
HELLINGER® SCIENCIA.

368
A ADOÇÃO E OS PROCEDIMENTOS SISTÊMICOS SOB A VISÃO FILOSÓFICA DAS CONSTELAÇÕES

IDENTIFICAR OS EFEITOS DA VERACIDADE E DA CLARE‑


ZA COM QUE O PROCESSO DE ADOÇÃO É VIVENCIADO
VERACIDADE E CLAREZA
NA RELAÇÃO FAMILIAR E O ALINHAMENTO OU NÃO AO
OLHAR SISTÊMICO DA HELLINGER® SCIENCIA.

IDENTIFICAR COMO A PRÁTICA DA CONSTELAÇÃO


INCLUSÃO DA FAMÍLIA FAMILIAR AUXILIOU NA MUDANÇA DE OLHAR E DE
POSTURA EM RELAÇÃO À FAMÍLIA BIOLÓGICA, PRO‑
BIOLÓGICA PICIANDO A INCLUSÃO DOS GENITORES NO SISTEMA
FAMILIAR.

IDENTIFICAR COMO A PRÁTICA DA CONSTELAÇÃO


MEDO FAMILIAR AUXILIOU NA SEGURANÇA DOS ADOTANTES
COM RELAÇÃO AO PROCESSO COMO UM TODO.
Fonte: elaborado pelos autores

03. 3. ANÁLISE DOS DADOS

Nas unidades de análise (i) motivação em iniciar o processo de ado-


ção, (ii) acolhimento do adotando, (iii) veracidade e clareza e (iv) inclusão
da família biológica, o grupo observou que nem sempre a motivação dos
adotantes, ao iniciarem o processo de adoção, era o bem-estar do adotando.
Algumas motivações inicialmente relatadas poderiam estar relacio-
nadas mais à satisfação dos egos dos adotantes do que a um fluxo de amor
que transborda e precisa, por isso ser compartilhado. Percebe-se que alguns
adotantes estão excluindo o bem-estar da criança ao pensarem, conforme já
dito, em satisfazer seus egos ao preencher suas necessidades de ter um filho,
por não ter tido filho biológico, por exemplo. Essa postura viola a lei sistêmica
do pertencimento, na medida em que exclui o olhar aos outros envolvidos no
contexto. Exclui não apenas o adotando, mas todo o sistema familiar dele.
E, de acordo com Bert Hellinger, a criança está em regra mais segura no seu
sistema familiar biológico. Percebe-se também a violação da hierarquia, visto
que o sistema biológico da criança precede o sistema dos adotantes que buscam
ficar com a criança.
Com relação ao acolhimento do adotando, a dinâmica que permitiu aos
adotantes olharem para o reflexo de receber uma criança ou adolescente em
seus sistemas familiares (i) jogou luz nos sentimentos dos adotandos recebi-
dos; (ii) revelou a mudança real que o acolhimento provocará nas vidas dos

369
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

adotantes e a grande responsabilidade a ser assumida; (iii) possibilitou que


os adotantes olhassem para as suas relações com suas famílias de origem; e
(iv) permitiu que os adotantes acessassem sentimentos de segurança quanto
à sua competência para tal acolhimento.
A oficina conduzida pelos pesquisadores revelou que a postura da vera-
cidade, da clareza e da inclusão da família biológica na condução do processo
de adoção é essencial ao êxito desse processo. Essa conclusão decorre dos senti-
mentos percebidos pelos participantes ao entrarem nessa postura nas dinâmicas
conduzidas pelos pesquisadores.
Ao oportunizar aos participantes o contato com essa postura essencial, a
oficina fez nascer, nos participantes, um sentimento de gratidão aos pais biológicos
dos futuros adotados, por eles terem colocado no mundo “presentes” que são as
crianças ou adolescentes acolhidos. E é justamente esse sentimento de gratidão,
sem julgamento, que, conforme o olhar sistêmico da Hellinger® Sciencia, permite
o fluxo do amor.

370
A ADOÇÃO E OS PROCEDIMENTOS SISTÊMICOS SOB A VISÃO FILOSÓFICA DAS CONSTELAÇÕES

TABELA 2 - ANÁLISE DOS EFEITOS – MOTIVAÇÃO EM INICIAR O PROCESSO DE ADOÇÃO

EFEITOS SOBRE OS MEMBROS EFEITO DA OFICINA E RESPEITO OU NÃO ÀS


FAMILIARES LEIS SISTÊMICAS

A) DESEJO DE RETRIBUIR E A) NÃO ESTÁ CLARO SE O DESEJO DE RETRIBUIR


MAIOR TRANQUILIDADE APÓS É PARA SATISFAZER O EGO OU SE É PARA O BENE‑
A OFICINA. FÍCIO DO ADOTANDO. POSSÍVEL VIOLAÇÃO DO
B) DESEJO DE VIVENCIAR A PLE‑ EQUILÍBRIO ENTRE O DAR E O TOMAR. A VIVÊNCIA
NITUDE DA VIDA. RELATA QUE PROPORCIONOU MAIOR TRANQUILIDADE AO
TALVEZ ALGO TENHA MUDADO PARTICIPANTE.
EM SUA MOTIVAÇÃO APÓS A B) EXCLUSÃO DO FOCO NO BEM‑ESTAR DA CRIAN‑
OFICINA. ÇA. VIOLAÇÃO DO PERTENCIMENTO, DA HIERAR‑
C) DESEJO DE SER PAI, QUE AU‑ QUIA E DO EQUILÍBRIO.
MENTOU COM A OFICINA. C) EXCLUSÃO DO FOCO NO BEM‑ESTAR DA CRIAN‑
D) DESEJO DE CONSTITUIR FA‑ ÇA. SE, POR UM LADO, HÁ VIOLAÇÃO DO PERTEN‑
MÍLIA. PARTICIPANTE SE SEN‑ CIMENTO, DA HIERARQUIA E DO EQUILÍBRIO,
TIU MAIS MERECEDORA APÓS A OFICINA PROPORCIONOU MAIOR CLAREZA
A DINÂMICA. QUANTO AO PROCESSO DE ADOÇÃO.
E) DESEJO DE AMAR INCONDI‑ D) EXCLUSÃO DO FOCO NO BEM‑ESTAR DA CRIAN‑
CIONALMENTE. PARTICIPANTE ÇA (VIOLAÇÃO DO PERTENCIMENTO, DA HIERAR‑
CONTINUOU MOTIVADO APÓS QUIA E DO EQUILÍBRIO). A OFICINA PROPORCIO‑
DINÂMICA. NOU MAIOR CLAREZA QUANTO AO PROCESSO.
E) NÃO ESTÁ CLARO SE O DESEJO DE RETRIBUIR
É PARA SATISFAZER O EGO OU SE É PARA O BENE‑
FÍCIO DO ADOTANTE. POSSÍVEL VIOLAÇÃO DO
EQUILÍBRIO ENTRE O DAR E O TOMAR.

Fonte: elaborado pelos autores

371
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

TABELA 3 - ANÁLISE DOS EFEITOS – ACOLHIMENTO DO ADOTANTE

EFEITOS SOBRE OS MEMBROS FA‑ EFEITO DA OFICINA E RESPEITO OU NÃO ÀS


MILIARES LEIS SISTÊMICAS

A) PERCEPÇÃO DE QUE DEVE A) A DINÂMICA PERMITIU QUE O PARTICI‑


TRABALHAR COM O ADOTANTE A PANTE OLHASSE MAIS PARA O ADOTANDO,
ESCOLHA DO CAMINHO QUE VAI POIS, NO QUESTIONÁRIO INICIAL, REGISTROU
QUERER SEGUIR EM SUA VIDA. NESTE QUESITO QUE GOSTARIA DE ADOTAR
PORQUE SEU FILHO SAÍRA DE CASA (POSSÍVEL
B) PARTICIPANTE RELATOU INI‑ VIOLAÇÃO DO EQUILÍBRIO).
CIALMENTE O MEDO DE FALHAR
AO EXERCER UM “PAPEL TÃO IM- B) A DINÂMICA PERMITIU AO PARTICIPANTE
PORTANTE NA VIDA DE ALGUÉM”. PERCEBER QUE A ADOÇÃO ACARRETARÁ
PERCEPÇÃO DE QUE A ADOÇÃO UMA MUDANÇA EM SUA VIDA.
ACARRETARÁ UMA MUDANÇA EM
SUA VIDA. C) A OFICINA POSSIBILITOU QUE O ADOTAN‑
TE OLHASSE PARA A SUA RELAÇÃO COM O
C) INICIALMENTE, PARTICIPAN‑ SEU PAI BIOLÓGICO.
TE RELATA QUE NADA HÁ PARA
TRABALHAR DENTRO DE SI PARA D) A OFICINA POSSIBILITOU QUE A PARTICI‑
O ACOLHIMENTO DA CRIANÇA E/ PANTE CONSEGUISSE ACESSAR MAIOR SEGU‑
OU ADOLESCENTE. NO FIM, RELATA RANÇA COM RELAÇÃO À SUA COMPETÊNCIA
QUE A OFICINA TRABALHOU A FOR‑ PARA SER MÃE.
MA COMO O SEU PAI O TRATAVA. E) A DINÂMICA POSSIBILITOU AO PARTICI‑
D) DIMINUIU A INSEGURANÇA DA PANTE PERCEBER O TAMANHO DA RESPON‑
ADOTANTE COM RELAÇÃO A SER SABILIDADE QUE ESTARÁ ASSUMINDO AO
MÃE. ACOLHER UMA CRIANÇA OU ADOLESCENTE.

E) O PARTICIPANTE VIU QUANTO É


A RESPONSABILIDADE DE ADOTAR.

Fonte: elaborado pelos autores

372
A ADOÇÃO E OS PROCEDIMENTOS SISTÊMICOS SOB A VISÃO FILOSÓFICA DAS CONSTELAÇÕES

TABELA 4 - ANÁLISE DOS EFEITOS – VERACIDADE E CLAREZA


EFEITOS SOBRE OS MEMBROS FAMILIARES EFEITO DA OFICINA E RESPEITO OU NÃO
ÀS LEIS SISTÊMICAS

A) PARTICIPANTE JÁ TINHA A INTENÇÃO A) A OFICINA FEZ NASCER UM SEN‑


DE CONTAR A VERDADE. DEPOIS DA TIMENTO DE GRATIDÃO AOS PAIS
OFICINA, MUDOU O SENTIMENTO DE DOS FUTUROS ADOTADOS, POR ELES
GRATIDÃO EM RELAÇÃO AOS PAIS, PELO TEREM COLOCADO NO MUNDO ESTE
PRESENTE (AS FILHAS). PRESENTE QUE SÃO AS CRIANÇAS OU
B) PARTICIPANTE JÁ ACHAVA IMPORTANTE ADOLESCENTES ACOLHIDOS.
CONTAR A HISTÓRIA, A ORIGEM. DEPOIS, B) EMBORA O PARTICIPANTE JÁ TIVES‑
MUDOU PORQUE RELATA SER IMPORTAN‑ SE A INTENÇÃO DE CONTAR PARA A
TE CONTAR ATÉ MESMO DETALHES DO CRIANÇA A SUA HISTÓRIA, A OFICINA
PARTO. POSSIBILITOU PERCEBER EM MAIOR
C) PARTICIPANTE JÁ IA FALAR A VERDADE, GRAU COMO É NECESSÁRIO DEIXAR
MAS PERCEBEU COM MAIOR CLAREZA A CLARO QUE A CRIANÇA TEM UMA
QUESTÃO DE A MÃE BIOLÓGICA TER GE‑ ORIGEM.
RADO A CRIANÇA, UM PRESENTE. C) APÓS A DINÂMICA, O PARTICIPANTE
D) PARTICIPANTE CONTINUA COM A PRE‑ APRESENTA MAIOR CONVICÇÃO DE
TENSÃO DE CONTAR A VERDADE. CONTAR À CRIANÇA OU ADOLESCEN‑
TE QUE É ADOTADA POR PERCEBÊ‑LA
COMO UM PRESENTE.
D) PARTICIPANTE OBSERVA O PERTEN‑
CIMENTO AO CONTAR A VERDADE
(INCLUSÃO DOS PAIS BIOLÓGICOS).

E) IDEM D. E) IDEM D.

Fonte: elaborado pelos autores

373
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

TABELA 5 - ANÁLISE DOS EFEITOS – INCLUSÃO DA FAMÍLIA BIOLÓGICA


EFEITOS SOBRE OS MEMBROS FAMILIARES EFEITO DA OFICINA E RESPEITO OU NÃO ÀS LEIS

SISTÊMICAS

A) NO INÍCIO, PARTICIPANTE AFIRMA QUE “SERIA A) A OFICINA FEZ NASCEREM SENTIMENTOS DE RES‑
BOM CONHECER A HISTÓRIA DE VIDA DOS ANCES‑ PEITO E DE GRATIDÃO À FAMÍLIA BIOLÓGICA DOS
TRAIS DESSAS CRIANÇAS PARA PODER ENTENDER FUTUROS ADOTADOS.
SUA HERANÇA GENÉTICA E SOCIAL PARA EDUCAR B) EMBORA O PARTICIPANTE JÁ RELATASSE, DESDE O
MELHOR”. A OFICINA FEZ SURGIREM SENTIMEN‑ INÍCIO, UMA POSTURA DE INCLUSÃO DO VÍNCULO
TOS DE RESPEITO E GRATIDÃO COM RELAÇÃO À MATERNO, APÓS A OFICINA RELATA CLARAMENTE A
FAMÍLIA BIOLÓGICA. POSTURA “SEM JULGAMENTO”, POSTURA CONDIZENTE
COM O OLHAR SISTÊMICO DA HELLINGER® SCIENCIA.
B) JÁ NO INÍCIO, PARTICIPANTE RELATA ACRE‑
C) A OFICINA CLARAMENTE ATINGIU O SEU OBJETIVO
DITAR QUE, DENTRO DO VENTRE DA MÃE BIO‑
DE POSSIBILITAR CLAREZA E ENTENDIMENTO QUAN‑
LÓGICA, “JÁ SE ESTABELECE UM VÍNCULO, UMA TO À POSTURA QUE MELHOR CONTRIBUI PARA O
LIGAÇÃO” E QUE “AQUELES PAIS BIOLÓGICOS ÊXITO DA ADOÇÃO SEGUNDO O OLHAR SISTÊMICO DA
PASSARAM POR UMA SITUAÇÃO EM QUE NÃO HELLINGER® SCIENCIA®. OS SENTIMENTOS DE GRATI‑
SOUBERAM LIDAR, TALVEZ POR FALTAR UMA DÃO PROPICIADOS PELA DINÂMICA NÃO SÓ REVELAM
ORIENTAÇÃO ADEQUADA, OU SITUAÇÕES FI‑ A INCLUSÃO DA FAMÍLIA BIOLÓGICA NO CORAÇÃO DO
NANCEIRAS, EMOCIONAIS; NÃO OS CRITICO DE PARTICIPANTE, MAS TAMBÉM PROPORCIONAM QUE
FORMA ALGUMA QUANDO COLOCAM OS FILHOS ESSA INCLUSÃO SE AMPLIE CADA VEZ MAIS.
PARA ADOÇÃO”. D) CONFORME DESCRITO NO ITEM C), ACIMA, A OFI‑
C) INICIALMENTE, PARTICIPANTE RELATA SEN‑ CINA CLARAMENTE ATINGIU O SEU OBJETIVO DE
TIMENTOS DE “FALTA DE AMOR AO PRÓXIMO” AO POSSIBILITAR CLAREZA E ENTENDIMENTO QUANTO
PENSAR NOS PAIS BIOLÓGICOS. APÓS A DINÂMICA, À POSTURA QUE MELHOR CONTRIBUI PARA O ÊXI‑
TO DA ADOÇÃO SEGUNDO O OLHAR SISTÊMICO DA
RELATA SENTIMENTOS “DE GRATIDÃO POR TER GE-
HELLINGER® SCIENCIA. OS SENTIMENTOS DE GRATI‑
RADO VIDA” EM RELAÇÃO À FAMÍLIA BIOLÓGICA. DÃO PROPICIADOS PELA DINÂMICA NÃO SÓ REVELAM
D) INICIALMENTE, PARTICIPANTE RELATA SE A INCLUSÃO DA FAMÍLIA BIOLÓGICA NO CORAÇÃO
SENTIR INDIFERENTE COM RELAÇÃO AOS PAIS DO PARTICIPANTE, MAS TAMBÉM PROPORCIONAM
BIOLÓGICOS E QUE NÃO TERIA A INTENÇÃO DE QUE ESSA INCLUSÃO SE AMPLIE CADA VEZ MAIS.
PERMITIR QUE O ADOTADO BUSCASSE SUA FAMÍ‑ ALÉM DISSO, APÓS A OFICINA, O PARTICIPANTE SE
LIA. APÓS A DINÂMICA, RELATA SENTIMENTOS DE MOSTROU MAIS ABERTO A PERMITIR A BUSCA PELA
AGRADECIMENTO EM RELAÇÃO À FAMÍLIA BIO‑ FAMÍLIA BIOLÓGICA.
LÓGICA E AFIRMA QUE PERMITIRÁ A BUSCA PELA E) A OFICINA ATINGIU O SEU OBJETIVO AO REFORÇAR
FAMÍLIA BIOLÓGICA SE O ADOTADO NECESSITAR. A POSTURA INCLUSIVA DO “NÃO JULGAMENTO” NO
PARTICIPANTE.

E) INICIALMENTE, PARTICIPANTE RELATA “TRISTE‑


ZA PELAS CRIANÇAS”, MAS PREFERE NÃO JULGAR
OS PAIS POR ENTENDER QUE ESSES PAIS BIOLÓ‑
GICOS DEVEM TER TIDO “VÁRIOS PROBLEMAS
OCASIONADOS PELA VIDA QUE OS LEVARAM A
TOMAR ESSA DECISÃO”. APÓS A DINÂMICA, O
PARTICIPANTE REFORÇA QUE NÃO TEM COMO
JULGAR A FAMÍLIA BIOLÓGICA.

Fonte: elaborado pelos autores

374
A ADOÇÃO E OS PROCEDIMENTOS SISTÊMICOS SOB A VISÃO FILOSÓFICA DAS CONSTELAÇÕES

04. DISCUSSÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS

Após a aplicação de um questionário inicial e breves explicações sobre


a filosofia da Hellinger® Sciencia, os pesquisadores conduziram exercícios de
percepção com o objetivo de fazer com que os adotantes vivenciassem, em
seus próprios corpos, os sentimentos e sensações do adotando, com vista a
oportunizar uma maior inclusão da família biológica e da história do sistema
desse possível filho.
Mesmo para os participantes que já se mostravam abertos a conhe-
cer a família biológica e a história dos ancestrais dos seus futuros filhos, os
questionários aplicados antes e depois dos exercícios demonstraram uma
diferença na postura dos adotantes no sentido de incluir, em maior grau, essas
famílias de origem e sua biografia. Ao serem questionados se algo mudou em
relação à intenção de contar à criança que ela é adotada, por exemplo, um
participante registrou que “mudou meu sentimento de gratidão que deverei
sentir em relação aos pais pelo presente (as filhas) que vou conduzir na vida”.
Já quando questionados quanto aos sentimentos que surgem após a oficina
com relação à família biológica dos adotandos, os participantes relatam
sentimentos “de respeito e gratidão”; de “gratidão por ter gerado vida”; “de
agradecimento” e de não julgamento.
As respostas descritas no parágrafo acima expressaram claramente
que a oficina ampliou os sentimentos de respeito e gratidão aos pais e ao
restante da família biológica dos adotandos, pela percepção de que a família
de origem conduziu ao mundo verdadeiros presentes, que são as crianças
ou adolescentes a serem acolhidos.
Essa mudança de postura dos participantes – de uma postura mais
resistente em relação à família biológica dos adotandos para uma de maior
respeito e gratidão – pode ser explicada à luz da ciência das Constelações
Familiares. Esta ciência trabalha com imagens e, na medida em que os
participantes da oficina iam vivenciando as dinâmicas de percepção con-
duzidas pelos pesquisadores, as imagens internas que eles tinham formado
inicialmente com relação à família biológica iam se transformando. Essa
transformação decorreu do contato com os sentimentos que surgiram nos
próprios participantes ao longo dos exercícios, bem como da percepção

375
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

desses participantes dos sentimentos dos outros participantes do grupo, que


representavam familiares dos adotandos, familiares dos próprios participantes
ou conceitos mais abstratos, tal como a “vida”. O contato com esses novos
sentimentos ampliou as consciências dos participantes e mudou a percepção
com relação à família biológica dos adotandos e, inclusive, com relação à
família biológica dos próprios adotantes, alterando suas imagens internas.
A análise das outras respostas aos questionários também evidencia
que a abordagem das Constelações Familiares trouxe maior clareza para as
escolhas dos participantes, na medida em que eles puderam olhar para as
suas próprias histórias de vida e relacionamentos, não de uma forma racional,
mas percebendo nos seus próprios corpos as forças que estavam atuando
inconscientemente.
Essa ampliação na consciência dos requerentes possibilita propiciar
resoluções mais ajustadas e alinhadas às suas missões espirituais no que tange
ao processo de adoção. Um dos participantes, por exemplo, escreveu que ficou
“com mais vontade de ser pai”, o que revela uma maior clareza de decisão.
Outra participante teve sua insegurança reduzida quanto à sua com-
petência para ser adotante, enquanto outro entrou em contato com um
sentimento de maior tranquilidade, por perceber que tem “apoiadores”.
Há também um registro da constatação de que a adoção irá gerar uma
“mudança em sua vida” e um relato da percepção da enorme “responsabili-
dade do ato de adotar”. Enfim, na medida em que os exercícios trouxeram à
tona emoções e sensações ocultas, os participantes tiveram a oportunidade
de desconstruir imagens mentais antigas e substituí-las por outra percepção
mais ampla e positiva.
Além das respostas aos questionários, os semblantes dos participantes
foi uma rica fonte de dados. Com o desenrolar das dinâmicas, era visível nos
rostos e corpos das pessoas a gratidão pela possibilidade de entrar em contato
com seus relacionamentos e respectivas emoções, muitas vezes represadas
pelas exigências das responsabilidades e da vida moderna.
Os depoimentos finais também mostram que foi atingido o objetivo
de esclarecer o que pode estar por trás de eventuais entraves e demoras em
alguns processos de adoção. Cite-se, como exemplo, o depoimento de um
dos participantes que, no início, questionou ansiosamente como é que seria

376
A ADOÇÃO E OS PROCEDIMENTOS SISTÊMICOS SOB A VISÃO FILOSÓFICA DAS CONSTELAÇÕES

possível explicar o fato de que o processo dele estava há quase nove anos pa-
rado, enquanto outros processos “passavam na frente”. Ao final, todos ficaram
visivelmente tocados quando ele abertamente expressou que agora entendia
por que o processo dele havia ficado parado por tanto tempo, declarando
que antes ele não estava preparado para ser pai e precisava olhar para o pró-
prio genitor. À luz da filosofia das Constelações Familiares, esse despreparo
anterior inconsciente do participante poderia estar gerando bloqueios no
ambiente externo, verdadeiramente impedindo que seu processo caminhasse.
Ao se jogar luz nessa força que atuava de forma oculta, o participante teve a
oportunidade de se reposicionar, mudar a sua postura interna e reformular
suas imagens mentais, o que provocou mudanças externas.
Portanto, as respostas escritas, os sinais corporais e as narrações finais
permitem concluir que a aplicação das dinâmicas desenhadas pelo grupo
surtiu os efeitos pretendidos de ampliar consciência e propiciar maior cla-
reza e entendimento quanto à postura que melhor contribui para o êxito da
adoção segundo o olhar sistêmico da Hellinger® Sciencia ou da filosofia da
Constelação Familiar.

05. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após análise das respostas aos questionários ofertados durante a oficina


de constelações familiares (com enfoque na abordagem da Filosofia Hellinger®
Sciencia), realizada com famílias que estavam em uma lista de reavaliação
nos processos de adoção, os pesquisadores verificaram claramente que a
experiência dos participantes, naquela tarde, foi de maior tranquilidade e
firmeza para tomar a atitude de adotar e não somente criar, ou de reavaliar
suas intenções, além da mudança na forma de olhar dos futuros pais adotivos
para a origem familiar da criança(s)/adolescente(s) que será(ão) adotado(s),
prevalecendo o sentimento de respeito e de gratidão aos seus pais biológicos,
em todos os participantes da oficina. Mostrou-se notório a atenção para
o novo olhar sem julgamento aos pais biológicos do(s) adotando(s), com
a maior convicção em contar que a criança e/ou adolescente é na verdade
um presente na vida daqueles que vão adotar, lhes revelando suas origens
biológicas.

377
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

Foi unânime entre os participantes, expressados por suas palavras


finais no final da Oficina, quando oportunizado o feedback, o sentimento
de que algo mudou dentro de cada um, sendo que para alguns ficou fortifi-
cado o “querer ser pai”, aumentando a segurança em adotar, e em outros, o
sentimento de melhor analisar a pretensão da adoção, diante da mudança
de vida que acarretará, haja vista “o tamanho da responsabilidade que estará
assumindo”. Isto tornou o objetivo da oficina um sucesso, ou seja, olhar e
sentir o que realmente é trazendo à Luz a realidade de cada um, para que
não haja pressão dos desejos pessoais dos adotantes na vida da criança/
adolescente que será adotada.
Assim, constatou-se que a Oficina, com o enfoque nas Constelações fa-
miliares sob o olhar Sistêmico da filosofia Hellinger® Sciencia, com famílias em
reavaliação nos processos de adoção pela SEFAM/VIJ/DF, alcançou seu obje-
tivo ao trazer aos futuros pais e mães a oportunidade de olhar para os próprios
pais, olhar para a real motivação da adoção, além de olhar para as crianças a
serem adotadas com a força de seus pais biológicos, eis que estes são partes na
Vida dos futuros adotados. Respeitosamente, sentiram que se não fossem os
Pais Biológicos dessas crianças e/ou adolescentes que serão adotadas, elas não
existiriam. Simples assim. Aos participantes da Oficina foi proporcionado sentir
a força de dizer sim ao que é, de viver o essencial e de olhar o simples para dar
continuidade a vida, com desafios, mas plena de Amor e Paz. “O essencial é
simples” - (HELLINGER, 2006, Capa)
De acordo com o Cadastro Nacional de Adoção – CNA do Conselho
Nacional de Justiça -CNJ existem 8.868 crianças cadastradas para adoção,
das quais 4.948 encontram-se disponíveis, e existem 43.714 pretendentes
à adoção cadastrados, dos quais 40.674 encontram-se disponíveis para
adoção (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2018). No ano de 2016
um total de 1.226 crianças foram adotadas. (CONSELHO NACIONAL DE
JUSTIÇA, 2019)
Diante desses dados, a presente pesquisa não visa esgotar o estudo da
adoção sob o olhar da Hellinger® Sciencia, mas contribuir com a divulgação
desse novo olhar servindo de base e incentivo para que outras pesquisas e
novas aplicações surjam, objetivando o aumento do número de adoções
exitosas no Brasil, quiçá, no mundo. Pretende colaborar para a ampliação de

378
A ADOÇÃO E OS PROCEDIMENTOS SISTÊMICOS SOB A VISÃO FILOSÓFICA DAS CONSTELAÇÕES

um caminho que notoriamente vem sendo consolidado no poder judiciário


brasileiro, com o uso da filosofia das Constelações Familiares na resolução de
processos judiciais (incluindo a fase pré-processual). Mais especificamente,
quanto ao tema Adoção, objetiva ampliar as alternativas das VIJs em relação
aos métodos adequados às ações institucionais requeridas pelo Estatuto da
Criança e do Adolescente, no tocante ao período de preparação psicossocial
e jurídica dos adotantes (ECA, art. 50, § 3º).
Não obstante essa pesquisa tenha sido desenvolvida com foco no judi-
ciário, a oficina aqui proposta pode ser reproduzida fora dele, no âmbito de
outros projetos que existem por iniciativa da sociedade civil (organizações
não governamentais, associações, ...) que apoiam e incentivam a adoção,
dentro e fora do Brasil, desde que sob coordenação de profissional com
habilitação e experiência em Constelações Familiares.
A SEFAM - Seção de Colocação em Família Substituta da Vara da
Infância e da Juventude do Distrito Federal enviou espontaneamente a esta
equipe de pesquisa uma avaliação da Oficina descrita neste trabalho, subscrita
pela psicóloga da seção e por seu supervisor, agradecendo pelo “belíssimo
trabalho realizado com as famílias que estão em reavaliação nos processos
de adoção” confirmando ser um marco de esperança de que as sementes
plantadas por este trabalho brotem e floresçam, bem como um incentivo à
continuidade do projeto (para além da pesquisa acadêmica), que hoje já se
apresenta tanto uma demanda da VIJ quanto uma expectativa da sua equipe
e deste grupo de trabalho.

06. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


BERTATE, Renato. Adoção - como alcançar o sucesso. São Paulo: Conexão Sistêmica, 2016.
BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de jul. de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA).
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Cadastro Nacional de Adoção. Disponível em: http://
www.cnj.jus.br/cnanovo/pages/publico/index.jsf. Acesso em: 11/06/2018.
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Cadastro Nacional de Adoções: 1.226 Adoções
Realizadas em 2016. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/84325-cadastro-na-
cional-de-adocoes-1-226-adocoes-realizadas-em-2016. Acesso em: 26/02/2019.
GIRARDI, Maria Fernanda G.; LIPPMANN, Marcia S.; OLDONI, Fabiano. Direito Sistêmico:
Aplicação das leis sistêmicas de Bert Hellinger ao direito de família e direito penal. 1ª ed.
Joinville: Manuscritos Editora, 2017.
HELLINGER, Bert. Ordens da Ajuda. 3ª ed. Patos de Minas: Atman, 2013a. contra-capa.

379
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO

______. A Fonte não Precisa Perguntas Pelo Caminho. 2ª ed. Goiânia: Atman, 2007. p.64.
______. Del Cielo que Enferma y la Tierra que Sana. 1ª ed. Barcelona: Herder, 2012. P. 166.
Libro electrónico.
______. Pensamentos Sobre Deus - Suas Raízes e Seus Efeitos. 1ª ed. Patos de Minas: Atman,
2010a. p. 205.
______. O Amor do Espírito na Hellinger Sciencia. 3ª ed. Belo Horizonte: Atman, 2015a.
p. 36/37.
______. No Centro Sentimos Leveza. 2ª ed. São Paulo: Cultrix. 2006a. p. 142.
______. Ordens do Amor: um guia para o trabalho com constelações familiares. 1ª ed. São
Paulo: Cultrix. 2007a. 6ª reimp. 2013b.
______. Um Lugar Para os Excluídos. 3ª ed. Belo Horizonte: Atman, 2014.
______. O essencial é simples – terapias breves. 2ª ed. Patos de Minas: Atman, 2006. Livro-capa.
HELLINGER, Sophie. Aula inaugural da Turma 2 da Pós-Graduação em Direito Sistêmico
(São Paulo/SP, 06/05/2017).
STORCH, Sami. Direito Sistêmico: Uma visão sistêmica do direito, pela qual só há direito
quando a solução traz paz e equilíbrio para todo o sistema. Disponível em: https://direito-
sistemico.wordpress.com. Acesso em: 20/02/18 às 12:06.
UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA. Centro de Educação a Distância. Tipos de Pesquisa. Dis-
ponível em: https://aprender.ead.unb.br/pluginfile.php/330813/mod_resource/content/1/
Tipos%20de%20pesquisa.pdf. Acesso em: 17/01/19 às 13:00.
YIN, Robert K. Estudo de Caso: Planejamento e Métodos. Porto Alegre: Bookman, 2005.
Cap. 3, 4 e 5.

380
381
ESTUDOS DE DIREITO SISTÊMICO FOI IMPRESSO
SOBRE PAPEL PÓLEN SOFT 80G FSC NAS
OFICINAS DA THESAURUS EDITORA DE BRASÍLIA
PARA A TAGORE EDITORA. ACABAMOS DE
IMPRIMIR NO FIM DO INVERNO DE 2021.
384

Você também pode gostar