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Claude Pasteur de Andrade Faria

FUNDAMENTOS DE ÉTICA PROFISSIONAL


Para estudantes e profissionais do Sistema Confea/Crea

1ª Edição Digital – Florianópolis, 2019

ADENDOS

 Resolução 1.002/2000 – Código de Ética Profissional


 Resolução 1.004/2003 – Processo ético-disciplinar
 Resolução 1.090/2017 – Cancelamento do registro
 Códigos de Ética na legislação comparada

Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do


trabalho sem autorização do autor. É permitida a transcrição e citação de
trechos desde que citada a fonte.

1
DEDICATÓRIA

Este trabalho é dedicado aos meus pais, Osmard e Ralfa,


de quem aprendi os conceitos básicos de ética e virtude,
tendo-os transmitido aos meus filhos, Cláudio e Isadora.
E também à Bárbara, que tornou minha vida mais feliz.

2
SUMÁRIO
Introdução................................................................................................................................5

PARTE I – ÉTICA GERAL

I.1. Noções de Ética. Livre arbítrio...........................................................................................9

I.2. Noções de Moral. Moral e Religião...................................................................................16

I.3. As virtudes como fundamentos da Ética. Doutrina do meio termo. .................................23

I.4. Relativismo moral ............................................................................................................26

I.5. Ética ao longo da história ................................................................................................29

I.5.1. Os sofistas e o relativismo moral. ....................................................................30

I.5.2. A filosofia socrática ..........................................................................................31

I.5.3. A filosofia platônica .........................................................................................32

I.5.4. A ética aristotélica ............................................................................................34

I.5.5. A ética estoica e epicurista ..............................................................................36

I.5.6. A ética medieval – a influência do cristianismo................................................37

I.5.7. A ética moderna ou pós-medieval....................................................................39

I.5.8. A ética kantiana ..............................................................................................40

I.5.9. A ética utilitarista ..............................................................................................45

I.5.10. A ética da responsabilidade ...........................................................................48

PARTE II – ÉTICA PROFISSIONAL

II.1. Conceito de profissão .....................................................................................................49

II.2. Valor e utilidade das profissões. O papel da cultura no exercício profissional. ..............52

II.3. Função social das profissões. .........................................................................................55

II.4. Deveres profissionais ......................................................................................................57

II.5. Virtudes profissionais. .....................................................................................................61

II.6. Fundamentos dos códigos de ética profissional. ............................................................64

II.7. Utilitarismo x Responsabilidade – um dilema moral para os engenheiros ......................69

PARTE III – PROCESSO ÉTICO-DISCIPLINAR

III.1. Introdução ......................................................................................................................73

III.2. Norma processual dos processos éticos ......................................................................76

III.3. O processo ético nos Conselhos Regionais ..................................................................78

III.3.1. Instauração do processo ................................................................................78

III.3.2. Instrução do processo ....................................................................................79

III.3.3. Relatório e decisão da CEP – Comissão de Ética Profissional ......................80

3
III.3.4. Julgamento na CE – Câmara Especializada .....................................................81

III.3.5. Interposição de recursos....................................................................................81

III.3.6. Aplicação das sanções.......................................................................................82

III.3.7. Pedido de reconsideração..................................................................................83

III.4. Processo de cassação de registro ..............................................................................84

III.5. Fluxograma dos Processos Ético-disciplinares ...........................................................90

IV. CASOS PRÁTICOS REAIS

IV.1. Descumprimento contratual/abandono de obra ..................................................91

IV.2. Negligência em serviços de engenharia – projeto execução ..............................92

IV.3. Vícios construtivos ...............................................................................................93

IV.4. Falsidade ideológica e exorbitância de atribuições .............................................96

IV.5. Cancelamento de ARTs sem pagamento e posterior apresentação em órgãos


públicos......................................................................................................................................99

V. CASOS HIPOTÉTICOS PARA ESTUDO.

Preliminarmente: métodos para análise de problemas éticos .....................................101

V.1. O caso do desmoronamento ................................................................................105

V.2. O caso dos efluentes ............................................................................................106

V.3. O caso da obra inacabada....................................................................................107

V.4. O caso da troca de mobiliário ..............................................................................108

V.5. O caso dos pareceres...........................................................................................109

VI. CONCLUSÃO

ADENDO 1. Resolução 1.002/2000 – Código de Ética Profissional Sistema Confea/Crea.....115


ADENDO 2. Resolução 1.004/2003 – Processo ético-disciplinar do Sistema Confea/Crea.....123
ADENDO 3. Resolução 1.090/2017 – Cancelamento do registro no Sistema Confea/Crea....141
ADENDO 4. CÓDIGOS DE ÉTICA NA LEGISLAÇÃO COMPARADA
I – Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil – CAU/BR....................................145
II – Ordem dos Engenheiros de Portugal ....................................................................158
III – European Council of Civil Engineers ....................................................................163
IV – American Society of Mechanical Engineers .........................................................165
V – American Society of Civil Engineers .....................................................................167
VI – Institute of Electrical and Electronic Engineers ....................................................174
BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................................175

Contato: claude@crea-sc.org.br
4
INTRODUÇÃO

“Muito se escreve sobre ética, exatamente porque ela está em falta”. (José
Renato Nalini)

O mundo como o conhecemos – ou pensamos que conhecemos – está


se alterando profunda e radicalmente a cada dia. Nossas lembranças da
infância ou da juventude estão hoje tão distantes de nós quanto as sondas
Voyager 1 e 2, que já deixaram para trás a heliosfera e se encontram nos
confins do sistema solar.

Essas profundas alterações também se refletem na forma como


encaramos a ética. Até há pouco tempo, as religiões tinham um papel
fundamental na contenção das paixões humanas e no estabelecimento dos
deveres morais de cada pessoa perante as demais. Contudo, os tempos
modernos separaram a religião da moral, criando um vácuo normativo e uma
espécie de frustração coletiva. Se as regras morais não vêm de Deus, de onde
elas vêm?

Essas frustrações se reforçaram com as grandes crises por que


passaram as sociedades do século passado, crises democráticas, políticas,
religiosas, econômicas, sociais. O século XX foi marcado por regimes
genocidas que dizimaram mais de 150 milhões de pessoas em tempos de
guerra e de paz. Tendo de enfrentar esses horrores indizíveis, os homens
passaram a descrer de Deus e de si mesmos. Instalou-se uma crise ética e
moral sem precedentes. O chão de valores se abriu por debaixo dos pés da
humanidade.

Os abusos contra a humanidade cometidos pelos regimes totalitaristas


ajudaram a desacreditar os conceitos de moral universal, que já haviam
recebido um duro golpe dos socialistas e dos pós-modernistas. Por exemplo,
segundo W. Cleon Skousen (2018, p. 107), Karl Marx e Friedrich Engels
afirmaram que a mente humana é incapaz de possuir livre-arbítrio moral, no
sentido de que faz escolhas somente na direção do curso da história. As
religiões, para eles, eram ferramentas criadas pela classe dominante para

5
oprimir o proletariado. As religiões eram o “ópio do povo”, nas próprias palavras
de Marx.

Para Skousen, os escritores comunistas sustentavam que o código de


ética judaico-cristão era uma “moralidade de classe”, mais especificamente da
classe burguesa, ou seja, os Dez Mandamentos haviam sido criados para
proteger a propriedade privada e a classe proprietária. Os comunistas
afirmavam que a moralidade tinha uma receita bem simples: tudo o que
promove a causa comunista é bom; qualquer coisa que a prejudique é má. Um
verdadeiro código de oportunismo e conveniência que abalou profundamente
os conceitos morais inculcados há centenas de anos nas sociedades que
passaram a viver sob esses regimes.

O intuito deste modesto trabalho é o de trazer alguns fundamentos


básicos sobre ética e moral, bem como eles se aplicam ao exercício das
profissões jurisdicionadas ao Sistema Confea/Crea e, por extensão, a
profissões assemelhadas. Este livro não é um manual de ética nem um guia
sobre como os profissionais devem se comportar no seu dia-a-dia. Ele busca
apenas possibilitar que seus eventuais leitores, a partir do que aqui será
exposto, passem a refletir sobre como podem melhorar seu relacionamento
com as pessoas do seu entorno: familiares, amigos, clientes, colegas de
trabalho.

A ética pode ser uma ferramenta para nos auxiliar naquilo que os gregos
antigos chamavam “saber-viver” ou levar a “vida boa1”. O mundo moderno está
nos tornando cada vez mais céticos em relação aos conceitos tradicionais de
moral e ética, em especial quando ligamos a televisão, abrimos uma revista ou
pesquisamos nas redes sociais. O que sai desses meios de comunicação é
deveras assustador. Temos a impressão de que a honestidade e a honradez
são conceitos meramente ficcionais.

O risco desse ceticismo é o de fazer com que achemos normal


considerar ética e moral verbetes ultrapassados e vazios de conteúdo, que

1
Essa “vida boa” a que os antigos gregos se referiam era uma vida virtuosa, produtiva, em
comunhão com a Polis, e não exatamente o conceito que temos hoje no mundo ocidental.

6
podem ser preenchidos com qualquer conceito que nos sirva à luz do nosso
próprio subjetivismo. Seria como se pudéssemos construir regras morais “prêt-
à-porter”, feitas no nosso alfaiate de preferência.

Agir bem, atuar com bondade e evitar fazer o mal deveria ser a
inclinação natural de todas as pessoas. Como isso normalmente não ocorre,
cabe às estruturas sociais - família, escola, igrejas – desenvolver essa
inclinação e corrigir o rumo. O ser humano se vangloria de ser o único animal
racional, mas seu comportamento está longe de fazer jus a essa afirmação. Em
muitos aspectos, somos mais selvagens, violentos e cruéis que a maioria dos
animais.

A palavra ética vem sendo usada a cada dia com sentidos que deixariam
os filósofos gregos da antiguidade perplexos. Quantas vezes já ouvimos dizer
que determinado ladrão agiu com “ética” ao não matar a pessoa por ele
roubada? Ou que determinado estelionatário poupou da sua sanha criminosa
uma pessoa idosa e pobre, porque isso não seria “ético”? É claro que esses
comportamentos não são éticos, exatamente porque não podem ser
universalizados. Crime e ética são conceitos incompatíveis.

Uma das razões para existir a ética é possibilitar que cada um de nós
supere seus interesses individuais (nem sempre, é claro, porque há interesses
pessoais legítimos e que devem ser atendidos) e procure entender os
interesses alheios. É a ideia antiquíssima conhecida como Regra de Ouro, que
aparece em diversos escritos religiosos e filosóficos antigos2.

Os pensadores romanos da corrente estoica acreditavam que existia


uma lei ética universal e natural. A ideia de leis éticas universais foi
desenvolvida posteriormente por Kant, que construiu seu conceito de
“imperativo categórico” generalizando a ação humana tendente ao bem,
fazendo do homem o criador de suas próprias regras morais de caráter
cogente.

2
Edmund Wilson, em seu livro “Os Manuscritos do Mar Morto” (2009, p. 86), apresenta uma
passagem na qual o grande rabino talmúdico Hillel [ou Hilel, que teria vivido de 60 a.C. a 7
d.C], ao ser desafiado por um gentio [não judeu] a convertê-lo ao judaísmo, ensinando-lhe toda
a Torá durante o tempo em que ele, gentio, pudesse permanecer apoiado num pé só, teria
respondido: “O que é odioso para ti, não o faças a teu semelhante; eis aí toda a lei. ”

7
Errar e acertar são fatos humanos que os filósofos vêm estudando há
séculos. Não há ciência que possa prescindir desses estudos. Basta pensar no
que significa um erro de engenharia, que pode matar dezenas ou centenas de
pessoas. Os erros de julgamento, a negligência, a imperícia, são objetos do
estudo da ética. Cada profissional tem de construir seus próprios conceitos
éticos no que diz respeito ao exercício de suas atividades, além de respeitar os
preceitos estabelecidos e normatizados no Código de Ética da sua profissão.

Cabe ao cidadão sensível e inteligente determinar quais princípios e


valores morais nortearão sua vida, aplicando-os com firmeza e equanimidade.
O papel de uma consciência reta é indispensável para que se tomem as
melhores decisões.

A ética profissional é assunto levado a sério na maioria dos países


desenvolvidos, em cujas escolas e faculdades há disciplinas obrigatórias sobre
a matéria. Em Portugal, para um engenheiro obter seu registro na Ordem dos
Engenheiros, não basta possuir um diploma e atender aos demais requisitos
formais; é necessário passar por um exame obrigatório sobre Ética e
Deontologia Profissional, ministrado pela própria Ordem, como condição sine
qua non para obter a carteira profissional.

Como veremos neste livro, a Ética diz respeito à dimensão pessoal da


ação humana e como essa ação é gerada a partir da natureza interna da
pessoa, do seu caráter. Ela auxilia na compreensão da Moralidade, que, por
sua vez, se relaciona com as ações humanas práticas derivadas dos hábitos e
costumes de uma sociedade. A Deontologia, por seu turno, se utiliza da ética
e da moralidade para estabelecer os deveres e responsabilidades profissionais.

Para finalizar esta introdução – que, como introdução, há de ser breve –


é imperioso informar que a maioria dos conceitos e temas que apresento neste
livro não são meus; tirei-os de inúmeras fontes, ao longo de anos de leitura. Ao
final do livro indico uma sucinta bibliografia para quem quiser se aprofundar no
assunto.

8
PARTE I – ÉTICA GERAL

I.1 – Noções de Ética

Muitos não distinguem os conceitos de ética e moral, considerando


ambos os termos intercambiáveis. Segundo José Renato Nalini (2012, p. 28),
“[...] há quem sustente que a moral é ampla e abrangente. Quando suas
normas são positivadas, está-se a falar de ética. Por isso é que existem
“Códigos de Ética” e não “Códigos de Moral””.

Contudo, a maioria dos estudiosos do assunto aproveitou o fato de que


as palavras possuem origens etimológicas distintas (ética vem do grego ethos,
e moral, do latim mores) para lhes dar significados também diferentes.

De modo geral, pode-se entender a ética como a ciência que estuda a


conduta humana, tanto diante de seus semelhantes como dos animais e da
natureza (esse conceito, relativamente recente, deixaria a maioria dos filósofos
dos séculos anteriores ao XX perplexos). Ela envolve, portanto, juízos de
aprovação e desaprovação de condutas, visando a separar o “joio do trigo”, ou
seja, as condutas impróprias das aceitáveis.
A ética também pode ser compreendida como o estudo ou reflexão
filosófica, até mesmo teológica ou científica, sobre os valores morais
(costumes) ou ações humanas.
Em diversas situações da vida os indivíduos sentem necessidade de
pautar suas condutas por normas reconhecidas pela comunidade em que
vivem. Essas normas são aceitas – ao menos pelas pessoas de bem – como
obrigatórias; as pessoas entendem que o seu (con) viver honesto e correto
depende do cumprimento dessas obrigações éticas e morais vigentes na
sociedade.
Quando age em conformidade com as normas de conduta socialmente
aceitas, diz-se que o ser humano leva uma “vida moral”. Esse comportamento,
para ser assim considerado, deve ser fruto de decisões livres e consentidas,
pelas quais os indivíduos aceitam tacitamente as “regras do jogo” e decidem
“atuar” segundo elas.

9
Não se age eticamente sob alguma circunstância de constrição física ou
moral. O agir, para ser considerado ético, deve ser livre, fruto da decisão
pensada e refletida do agente. Assim também na esfera criminal. O artigo 22
do nosso Código Penal3 prevê a excludente de ilicitude quando alguém
comete um crime sob coação física ou moral, não podendo ser culpabilizado.
Os problemas éticos são normalmente de caráter geral, enquanto os
problemas morais são de natureza mais prática, como veremos adiante. Não
será de muita ajuda para alguém recorrer a profundos estudos éticos quando
deparar com um problema prático que exige ação imediata. Neste caso,
existem as regras morais ou de conduta, normalmente pré-fixadas ou
estipuladas, às quais o agente pode recorrer para decidir sobre a situação
concreta que deverá enfrentar.
O que fazer em cada situação da vida real é um problema moral (de
natureza prática) e não ético (de natureza teórica). A ética, quando estudada e
compreendida, pode servir como esteio das decisões morais. Mas isso
depende de disciplina intelectual e muitos anos de convivência com as diversas
teorias e correntes filosóficas existentes.
Um exemplo de estudo ético que pode levar à fixação de regras morais
de conduta é o estudo do bom. Definir o que é “o bom” não é um problema
moral que cada indivíduo possa resolver por si mesmo a cada vez que enfrente
uma situação prática. Definir o que é “o bom” é um problema da Ética, de
caráter teórico, tarefa geralmente empreendida por estudiosos da filosofia,
como Aristóteles, na antiguidade.
Ele se propôs a definir o que era o bom, de modo geral e abstrato, a fim
de traçar um guia moral para as pessoas se orientarem nas decisões
cotidianas. Várias teorias éticas se deram a tarefa de definir o bom segundo
suas próprias perspectivas, e as respostas variaram muito. De acordo com a
corrente filosófica adotada, o bom pode ser a felicidade ou o prazer
(hedonismo); o útil (utilitarismo); ou a virtude (virtuosismo).
A ética pretende também definir os traços essenciais da conduta
humana, diferentemente de outros tipos de comportamento (político, religioso,
científico, artístico). A ética se preocupa, em última análise, com os problemas

3
Art. 22 - Se o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência a ordem, não
manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da coação ou da ordem.

10
teóricos acerca do comportamento humano, com a obrigatoriedade moral, isto
é, com o fundamento dos costumes e obrigações morais, bem como da
realização moral como obra individual e coletiva de uma sociedade.
Os problemas éticos são de natureza geral, o que os distingue dos
problemas morais, de natureza prática e cotidiana. Contudo, o estudo da ética
pode servir para nos orientar acerca dos nossos comportamentos morais,
justificando-os. A ética seria como um legislador do nosso comportamento
moral, explicando, orientando ou esclarecendo uma determinada realidade e
elaborando os conceitos morais a ela subjacentes.
A ética é a teoria do comportamento humano, que pode levar ao
estabelecimento de normas de conduta específicas. Ela explica os fenômenos
morais cotidianos de cada sociedade, tentando descobrir os motivos que levam
as pessoas a se comportarem desta ou daquela maneira. Como teoria pura, a
ética não se identifica com este ou aquele comportamento moral específico,
mas tenta entendê-los e explicá-los em termos de seus fundamentos teóricos,
fornecendo um arcabouço para sua compreensão racional.
Kant (2002, pág. 13), divide a filosofia em dois ramos: a filosofia formal
e a filosofia material. A primeira se ocupa da lógica; a segunda, dos objetos
da natureza. Por sua vez, a filosofia material também se divide em duas: a que
estuda as leis da natureza e a que estuda as leis da liberdade. A ciência das
primeiras é a física; a das segundas, a ética, ou teoria dos costumes. (grifo
nosso).
Segundo Adolfo Vásquez (2000, p. 23), “A ética é a teoria ou ciência do
comportamento moral dos homens em sociedade”. Ou seja, é a ciência de uma
forma específica de comportamento humano. Para Marcolino Camargo (2014,
p. 31), “A ética é uma parte da filosofia, estudo das últimas e profundas causas
das coisas; ela transcende as ciências e procura auxiliá-la em questões que
estas não conseguem atingir.”
De modo mais abrangente, no dizer de Eduardo Garcia Máynes (apud
Nalini, 2012, p. 29), “[...] o objeto da ética é a moralidade positiva, ou seja, o
conjunto de regras de comportamento e formas de vida através das quais
tende o homem a realizar o valor do bem.”
Em síntese: a ética é a ciência ou teoria dos costumes, que se ocupa
de um objeto próprio, o comportamento moral dos homens; é a ciência da

11
moral. Suas proposições devem ter rigor e fundamentação científicos. A ética
não é a moral e com ela não se confunde. Não pode ser reduzida a um simples
conjunto de regras e prescrições, sendo sua tarefa explicar o comportamento
moral efetivo.
Nesse diapasão, pode-se afirmar, com Nalini (2012, p. 30), que “[...] a
ética é uma disciplina normativa, não por criar normas, mas por descobri-las e
elucidá-las. Seu conteúdo mostra às pessoas os valores e princípios que
devem nortear seu comportamento”.
A palavra ética vem do grego ethos, que significa “modo de ser” ou
“caráter”, ou seja, um jeito de viver adquirido pelos seres humanos, fruto dos
seus costumes ou hábitos.
Sendo a ética um conjunto de conhecimentos racionais e científicos
sobre o comportamento moral humano, pode ter, além da sua natureza
eminentemente teórica (ética descritiva), uma consequência disciplinadora
(ética normativa), fazendo recomendações ou prescrições acerca de condutas
morais. Daí se originam os códigos morais, mais conhecidos como códigos
de ética, conjunto de prescrições comportamentais adequadas a determinadas
situações das vidas das pessoas, quer na família, no trabalho ou na sociedade.
A ética puramente filosófica, a seu turno, se preocupa com a busca por
princípios universais, apriorísticos, independentes de toda experiência, que
possam ser aplicados a todos os sistemas morais. Essa é uma tarefa
importante, mas até certo ponto inglória e incompreendida, como veremos
adiante.

Livre-arbítrio
Questão relevante ligada ao estudo da ética é a do livre-arbítrio.
Diversas definições existem, mas, de modo geral, entende-se por livre-arbítrio
o poder que temos de tomar uma decisão sem sermos obrigados a escolher
uma determinada opção. O livre-arbítrio é nosso poder de escolha. Por
causa dele, cada pessoa é responsável por suas ações.
Essa era, em suma, a posição de Santo Agostinho, um dos maiores
pensadores da Igreja Católica, que a expôs em sua obra “O Livre-Arbítrio”,
publicada por volta do ano 395 da era cristã. Nesse livro, Agostinho confrontou
o problema do mal, antigo dilema levantado pelos pensadores pagãos e de

12
seitas agnósticas, que questionavam a existência de um Deus poderoso e bom,
em virtude de todo o mal que há na terra. Se Deus a tudo havia criado, então o
mal seria também sua criação. E se Deus não pode livrar os homens do mal,
então ele não é todo-poderoso.
Agostinho defendeu que, de fato, o mal existe no mundo, mas não é
devido à presença de Deus, e sim da Sua ausência no coração dos homens,
aos quais foram dados os dons da vida, da liberdade e do livre-arbítrio (poder
escolher entre fazer o bem ou o mal).
O sítio na internet do Instituto de Humanidades4 coloca essa explicação
de forma resumida:

Preocupava a Santo Agostinho a questão da existência do Mal.


Os maniqueístas, com cujos princípios simpatizara, afirmavam
a existência de dois princípios vitais, de igual importância: o
Bem e o Mal. Em presença deste último, concluíam, os homens
não são culpados de ações classificadas como más. Para
refutar essa doutrina, Santo Agostinho irá partir da tese de que
não se deve atribuir a Deus, mas ao homem, a presença do
Mal. Este foi criado dispondo de livre-arbítrio, com direito a
fazer uso de sua liberdade. Em conseqüência, o pecado
decorre exclusivamente do livre-arbítrio do homem.

Grandes filósofos da época do Iluminismo questionaram o sentido – ou a


falta de sentido - da expressão livre-arbítrio. David Hume, por exemplo, preferia
usar a expressão “poder de agir”, significando a liberdade, a capacidade ou a
disposição de começar a fazer ou deixar de fazer alguma coisa5.

4
http://www.institutodehumanidades.com.br/index.php/l/300-o-livre-arbitrio-de-santo-agostinho,
acesso em 9/8/19, 9h.
5
“Certamente, quando começamos a examinar as questões relativas à liberdade e à necessidade,
importa, em vez de começar examinando as faculdades da alma, o entendimento ou as operações da
vontade, iniciar pelo mais simples, ou seja, as ações do corpo e da matéria bruta, em suas ações de
inferência e conjunção, sem apelar a condicionamentos metafísicos. Por isso, a opinião comum, na
maioria das vezes, concorda em que a liberdade é um poder de agir segundo as determinações da
vontade. E esta não se realiza no vácuo, mas é o resultado de causas circunstanciais que nos conduzem
a imaginar relações de causa e efeito”. (https://www.filosofiaparatodos.com.br/resumos/hume-david-
da-liberdade-e-necessidade/, acesso em 19/8/19, 9h17).

13
A teoria do livre-arbítrio é o exato contrário da do determinismo, que
advoga a tese de que os atos humanos são pré-determinados por nosso
cérebro e “consciência”. Como animais, nossas atividades são baseadas nos
instintos e em reações neuronais involuntárias que comandam as relações com
o mundo exterior.
O determinismo tem origem nas teorias naturalistas dos séculos XVII e
XVIII, principalmente depois que Isaac Newton descobriu as leis da gravitação
universal e como os movimentos do universo poderiam ser previstos com base
em equações matemáticas. Segundo André Lecrerc, citado por Torres (2014, p.
86), o determinismo pode ser definido como

uma descrição completa do estado físico do mundo, a qualquer


momento, em conjunto com uma exposição completa de todas
as leis da física que acarretam todas as descrições verdadeiras
de todos os eventos físicos que estão para acontecer depois
deste momento. Cada estado do mundo depende do anterior e
segue dele de acordo com as leis. Assim, todos os nossos
movimentos corporais seriam determinados, e como nossas
volições e intenções dependem fortemente dos estados do
cérebro, como indicam todas as evidências disponíveis, nossas
intenções e volições também são determinadas pelos estados
anteriores do cérebro.

Com base nesse raciocínio não existe livre-arbítrio, e nós, humanos,


somos equivalentes a autômatos de carne e osso.
Um estudo de 1985 mostrou que um processo motor começa com uma
diferença de potencial no cérebro cerca de 500 milissegundos antes de o
movimento voluntário ser completado. Isso corresponde ao início do processo.
Por volta de 300 milissegundos mais tarde aparece a intenção “consciente” de
mexer a mão (Torres, 2014, p. 86).
Segundo esse estudo, a “intenção” do agente não iniciou o processo, ou
seja, o impulso cerebral de mexer a mão foi encaminhado ao membro motor
antes mesmo de o agente ter pensado em fazer esse movimento. Parece
assustador.

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Pesquisas recentes indicam que as coisas não são tão simples como
parecem. Nossas ações cotidianas são muito mais complexas do que o simples
ato de mexer um membro do corpo. Não se sabe com certeza se o
determinismo de nossas ações existe de fato, e isso nos leva de volta ao velho
e bom livre-arbítrio, abrindo espaço para a importância de nossas decisões
morais.
Sem o livre-arbítrio seríamos autômatos de carne e osso. Felizmente,
tudo indica que não somos.
Para encerrar essas breves considerações sobre o significado da ética,
cito Fernando Savater (2014, p.26):

A liberdade de escolha e a vulnerabilidade de nossa condição


são as bases da ética, e nos impõem certas obrigações. A
reflexão ética pretende nos ajudar a entender como podemos
nos ajudar mutuamente a conviver melhor e desfrutar da
melhor vida possível. E, embora não exista um código,
podemos recorrer a ideias úteis e consolidadas, empregá-las
como instrumentos que nos ajudem a pensar que tipo de vida
preferimos. E, como os problemas se renovam diariamente,
devemos refletir constantemente: a vida refletida não acaba
nunca e dura o mesmo que a existência.

O princípio fundamental da ética pode ser afirmado como: é


necessário fazer o bem e evitar o mal.
Se todos o tivessem praticado desde os primórdios da humanidade,
provavelmente não haveria necessidade de livros sobre ética e milhares de
filósofos e escritores teriam ficado sem trabalho.

15
I.2 – Noções de Moral
“Moral é o conjunto de normas e regras destinadas a regular as
relações dos indivíduos numa comunidade social dada” (Vásquez, 2000, p. 37).
Sendo assim, a moral varia histórica e geograficamente. As sociedades se
sucedem e as morais também. Pode-se falar da moral da antiguidade grega, da
romana, da Idade Média, da era Vitoriana, da modernidade e assim por diante.
Sendo a moral um fato histórico, a ética – ciência que estuda a moral –
deve concebê-la como estando sempre em mutação, em evolução (ou
involução).
Onde se situa a origem da moral? Esse questionamento vem intrigando
os filósofos há mais de 2500 anos, tendo surgido três teorias:
a) Deus como fonte da moral: as normas morais derivam de um
mandamento divino, de um poder sobre-humano, cujo exemplo mais conhecido
são os Dez Mandamentos bíblicos;
b) A Natureza como fonte da moral: a conduta dos homens seria uma
derivação de sua natureza animal, biológica. As qualidades morais, tais como
preservação da vida, disciplina, empatia etc., teriam origem nos instintos e na
evolução da espécie;
c) O Homem como fonte da moral: a moral seria um conjunto de
regras criadas pelos próprios homens, visando a sua sobrevivência e
perenização no mundo.
Aceitar uma ou mais dessas teorias depende da visão cosmológica ou
filosófica de cada pessoa. Os religiosos dirão que a moral vem de Deus (ou de
um ou mais deuses); os naturalistas, que ela está insculpida em nossos
códigos genéticos; e os humanistas, que ela é uma construção social.
Como não professo qualquer tipo de fé religiosa (mas respeito
profundamente os que as professam, que são a maioria das pessoas), penso
que a fonte da moralidade é essencialmente a conjugação de fatores biológicos
(evolutivos) e humanos (construção social).
De um lado, a moral decorre de uma espécie de empatia, preocupação
com o bem-estar dos outros, em especial os que integram nosso círculo
familiar e de amizades; creio ser este um princípio humano básico, atitude que
observamos em grande parte das espécies animais. A total indiferença ao bem-
estar dos outros não é um comportamento humano normal, mas uma

16
psicopatia, uma doença social, que muitas vezes torna perigosos os indivíduos
que assim agem. Segundo David Hume, o raciocínio moral depende
essencialmente de um impulso altruístico.
De outro lado, a moral – na verdade, os costumes - é uma construção
social de cunho normativo, cujos objetivos sempre foram a obtenção da paz e
da ordem social, permitindo às comunidades se desenvolverem
economicamente sem a preocupação constante de se defender de atos
violentos e atitudes desonestas provocados por seus membros.
Venha de onde vier, a moral é um conjunto de regras de convivência
social, sem as quais a humanidade não teria sobrevivido até hoje. A função
social da moral é regular as relações entre os indivíduos de uma coletividade,
visando garantir a ordem social. Não é a única forma de se atingir esse
objetivo, com certeza; o Direito é outra, assim como a força. Mas a moral é a
mais abrangente e eficiente, vez que depende apenas da boa vontade dos
indivíduos, que aceitam fazer parte de um pacto social visando a sua própria
felicidade.
Só existe moral dentro de uma coletividade humana. Os animais não
humanos são seres amorais6, assim como os objetos inanimados. Em virtude
de o homem ser uma criatura social, vivendo em comunidades, impõe-se o
estabelecimento de regras de convivência ou códigos morais. A moral surge
para suprir essa necessidade, a de assegurar a adequação do comportamento
individual aos interesses da coletividade.
Assim, não se pode afirmar que um náufrago vivendo isolado numa ilha
deserta esteja submetido a regras morais, porque seus atos não se referem a
ninguém além dele mesmo. Os atos individuais do náufrago não trazem
consequências para outras pessoas; portanto, ele vive uma vida totalmente
amoral (o que é diferente de imoral; imoralidade pressupõe atos praticados
contra terceiros).
Estabelece-se assim uma linha divisória entre o que é mau ou bom,
desejável ou indesejável, aceitável ou inaceitável. Fixam-se os deveres sociais

6
Estudos recentes indicam que algumas espécies animais possuem algo parecido a um comportamento
moral, mas com certeza tem natureza instintiva e não racional. Por isso a moral, no sentido de costumes
impostos ou adquiridos racionalmente, se circunscreve à espécie humana.

17
como o trabalho, a educação dos filhos, as relações de vizinhança, a defesa da
comunidade contra invasores, a solidariedade mútua, a disciplina.
Grande parte do comportamento moral dos indivíduos se manifesta na
forma de hábitos e costumes. Essa, aliás, é a etimologia da palavra moral. Ela
deriva do latim mores, que significa exatamente costumes. Claro está que não
basta a determinada comunidade possuir um conjunto de hábitos e costumes
para manter sua coesão social; é necessário que existam mecanismos de
controle e de coerção para os recalcitrantes em seguir as normas.
Diz-se que uma das diferenças entre a ética e a moral é que aquela
integra o rol de subjetividades do indivíduo, seus valores íntimos, suas
convicções forjadas ao longo de anos de educação familiar ou escolar;
enquanto esta integra a esfera da objetividade, das normas de conduta,
codificadas ou não, de conhecimento de todos.
De fato, essa diferença existe. Mas não se pode falar de ética ou de
moral sem levar em conta uma espécie de consciência individual, que faz
com que o indivíduo interiorize as regras morais comunitárias e as aplique em
acordo com seus valores.
Como afirma Vásquez (2000, p. 80): “Os agentes dos atos morais são
somente os indivíduos concretos, quer atuem separadamente, quer em grupos
sociais, e os seus atos morais – em virtude da natureza social dos indivíduos –
sempre têm um caráter social”.
A moral ocorre em dois planos: o factual e o normativo. O factual é o
da realidade, dos atos concretos praticados pelos indivíduos, das situações que
necessitam ou que induzem necessariamente a um julgamento moral. O plano
factual inclui todos os atos humanos que serão regulamentados por normas de
comportamento moral. Por outro lado, o plano normativo determina as regras
de convivência social, os hábitos e costumes, as reações aos atos humanos,
sua aprovação ou desaprovação.
Um ato moral – por exemplo, ajudar alguém a atravessar a rua ou
defender alguém de uma agressão injusta – é sempre um ato sujeito à
aprovação ou sanção dos demais. Segundo Immanuel Kant, para que se faça
um juízo acerca dos atos humanos é preciso conhecer-lhes a motivação,
aquilo que impulsionou a prática do ato. Para o filósofo alemão, nem todos os
atos humanos aparentemente bons são necessariamente morais; alguém pode

18
doar uma importância para uma instituição de caridade visando a ajudar
pessoas carentes ou simplesmente obter publicidade e reconhecimento social.
No primeiro caso teríamos um ato moralmente edificante; no segundo, não.
Outro aspecto do ato moral, além da motivação, é o fim visado, como
defendem os utilitaristas. No ato moral não apenas se antecipa um resultado,
mas também se deve desejar alcançar aquele resultado. Tanto a consciência
do fim (utilidade) quanto a decisão de alcançá-lo (boa vontade) é que dão ao
ato seu caráter voluntário, ou seja, moral. Voltamos a falar de livre-arbítrio.
Por outro lado, a moralidade dos atos também implica a escolha dos
meios adequados. Não se podem atingir os fins pelo uso de quaisquer meios.
Isso não seria moral, mesmo que fosse útil. Por isso não se justifica o uso de
meios ilícitos como tortura, calúnia, invasão de privacidade, interceptação de
comunicações sem autorização etc., mesmo que os fins desejados sejam
nobres.
Muitos “bons” resultados são alcançados por meios deploráveis. Isso
não é moral. O agente deve responder não só pelos resultados que obtém dos
seus atos, mas também pelos meios que emprega para obtê-los. Em suma, o
ato moral resulta de um conjunto de vários elementos, como motivo, fins, meios
e resultados. Para que o ato seja moral, todos os seus elementos devem sê-lo.
Retorno com uma definição mais completa de moral, também formulada
por Vásquez (2000, p. 84):

Moral é um sistema de normas, princípios e valores, segundo o


qual são regulamentadas as relações mútuas entre os
indivíduos ou entre estes e a comunidade, de tal maneira que
estas normas, dotadas de um caráter histórico-social, sejam
acatadas livre e conscientemente, por uma convicção íntima, e
não uma maneira mecânica, externa ou impessoal.

Moral e religião
Para finalizar essa análise superficial sobre moral, deve-se afirmar que
comportamentos morais independem basicamente da religião professada pelo
agente. Um equívoco comum é pensar que princípios morais estejam

19
necessariamente ligados a uma crença religiosa. Essa é uma discussão que
empolga e divide os filósofos há séculos.
Uma das razões para alguém crer que alguns tipos de ação são certos
ou errados em si mesmos é porque são ordens ou mandamentos divinos. Se a
norma moral vem de Deus, então deve ser boa. Esse pensamento encontrou
muitas objeções, sendo que a mais antiga vem de Platão.
Suponhamos que moral é tudo o que Deus quer. Mas, existiriam
restrições morais aos comandos divinos? Seria possível uma ordem de Deus
não ser boa? Foi isso que Platão se perguntou, obtendo uma dúvida
interessante.
Se a bondade é independente de Deus, então é possível comparar Suas
ações ou mandamentos com um paradigma externo de bondade para saber se
são morais. Mas se a bondade for intrínseca à divindade, então se perde
totalmente esse parâmetro de comparação, porque todos os atos divinos
passam a ser bons, independentemente dos meios usados ou dos fins
atingidos.
Mas se a bondade é um atributo intrínseco de Deus, o fato de Ele
mandar massacrar crianças e mulheres deveria ser em tese um ato moral,
mesmo que repugne as consciências das pessoas de bem. Portanto, não faz
muito sentido admitir que Deus seja a fonte de toda a moral e ao mesmo tempo
acreditar em sua bondade e amor infinitos. Cria-se uma contradição insolúvel.
Jean Paul Sartre, em seu livro “O Existencialismo é um Humanismo”,
escreveu: “Se Deus não existisse, tudo seria permitido. Eis o ponto de partida
do existencialismo” 7. O que importa para esta análise é o conceito de que, sem
a existência de um deus para impor normas e castigos aos seres humanos,
estes estariam abandonados à própria sorte em termos éticos; não haveria um
padrão objetivo de moralidade a ser seguido.
Sempre que se impõem normas de conduta sociais a uma coletividade
procura-se adotar paradigmas de comportamento adequados. Para os
religiosos, são os mandamentos divinos, porque sem a existência de tais
modelos de conduta absolutos e de origem divina, quaisquer outros seriam
arbitrários e sujeitos às paixões humanas.

7
https://super.abril.com.br/blog/superlistas/5-frases-de-filosofos-que-nunca-foram-ditas/

20
Karl Marx e Friedrich Engels, no seu “Manifesto Comunista”, de 1848,
pregaram o fim das religiões e a adoção de uma moral essencialmente laica e
proletária, em contraposição à moral religiosa e burguesa que eles combatiam.
Segundo Eguinaldo Hélio Souza8,

A rejeição de qualquer tipo de religião pelo marxismo é uma


necessidade de sua própria natureza. Como definiu James W.
Sire em “O Universo ao lado”, o marxismo é o naturalismo na
prática, uma visão do mundo sem espaço para Deus ou para
qualquer coisa que não seja matéria. Se o cristianismo está
certo, então o marxismo está errado e isso, segundo os
seguidores de Marx, seria inconcebível.

O problema é que a moral proletária e antirreligiosa imposta pelos


regimes socialistas e comunistas que, bem ou mal, adotaram as premissas
marxistas, impuseram terror, mortes e genocídios inomináveis, tudo em nome
de uma nova religião terrena. Abandonar paradigmas divinos para estabelecer
normas morais tem lá o seu risco.
Contudo, nem todos os homens são tão insensíveis ao sofrimento
humano quanto os comunistas (o mesmo se poderia dizer dos nazistas e dos
totalitaristas em geral). O mundo tem caminhado para uma direção na qual as
liberdades individuais e os regimes democráticos têm merecido maior atenção.
Sob esse clima de liberdade, é perfeitamente possível que se adotem
paradigmas morais calcados na solidariedade, na empatia, na justiça, na
amizade e no interesse de proteção à vida e à segurança, visando à paz social.
Nas palavras de Jullian Baggini (2016, p. 70):

As escolhas morais são feitas em ambos os casos


[referindo-se a ateus e religiosos] por indivíduos, e não há
como transferir a responsabilidade por essas escolhas morais.
Independentemente da presença ou da ausência de fé,
precisamos definir para nós mesmos o que é certo e o que é

8
http://www.puggina.org/artigo/convidados/manifesto-comunista---um-manifesto-anticrista/3214,
acesso em 9/8/19, 9h28

21
errado. Para estabelecer uma fonte de moralidade precisamos
apenas subscrever à crença de que certas coisas têm um valor
e que a existência desse valor fornece motivos para que nos
comportemos de uma determinada maneira. Esse
compromisso extremamente amplo não pressupõe nenhum
posicionamento filosófico ou sequer religioso. Na verdade,
talvez não seja mais do que o compromisso básico de todas as
pessoas dotadas de sentimentos humanos.

Hans Jonas (2006, p. 65) afirma que a falta de religiosidade não


prescinde de uma conduta ética:
Mas uma religião inexistente não pode desobrigar a ética de
sua tarefa; da religião pode-se dizer que ela existe ou não
existe como fato que influencia a ação humana, mas no caso
da ética é preciso dizer que ela tem de existir. Ela tem de existir
porque os homens agem, e a ética existe para ordenar suas
ações e regular o poder de agir.

Norberto Bobbio, grande jurista e filósofo italiano do século XX, segundo


Cesar Luiz Pasold (2008, p. 167) levou para a sua Filosofia do Direito

quatro grandes doutrinas, que tinham como base os


argumentos assumidos para fundar uma ética não entrelaçada
com uma fé religiosa, ou seja, uma éetica laica não
confessional, que submete também os ateus a obrigação.
Assim, a primeira, a mais difundida, é o jusnaturalismo –
entenda-se, o jusnaturalismo moderno que começa com
Grotius; a segunda, a ética social derivada de Aristóteles; a
terceira, a kantiana; e a quarta, o utilitarismo.

Pouco interessa a fonte da nossa moralidade, se divina, natural ou


humana. O que importa é que vivamos uma vida útil, feliz e virtuosa. Não é
possível ser feliz praticando o mal, apesar de, às vezes, ser lucrativo.

22
I.3 – As virtudes como fundamentos da ética.
Virtude deriva do latim virtus, significando uma capacidade moral do ser
humano. Ela supõe uma predisposição permanente da pessoa para praticar o
bem. O seu oposto é o vício, enquanto disposição permanente para praticar o
mal.
Uma pessoa virtuosa é aquela que tem traços de caráter moralmente
bons. Dada uma determinada ação, como podemos saber se ela é correta ou
não? Basta analisar se tal ação seria praticada por uma pessoa virtuosa, e
teríamos a resposta. Por exemplo: dizer a verdade e praticar o bem são atos
virtuosos e, por consequência, morais.
Então todas as pessoas deveriam sentir desejo de desenvolver em si as
virtudes como traços de caráter, pois desse modo agiriam de forma moral
perante seus semelhantes, sabendo distinguir o certo do errado.
Desde a antiguidade o conceito de virtude como “hábito” de fazer o bem
não mudou muito. Para Aristóteles, as virtudes (areté) são qualidades dos
seres humanos que lhes ensinam a “viver bem”, levar uma “vida boa”. Seu
termo utilizado para o conceito de “viver bem” foi eudaimonia, traduzido entre
nós por felicidade, mas a ideia mais próxima dessa palavra na língua
portuguesa é “florescimento”.
Quando uma coisa floresce ela cresce, torna-se saudável, leva uma vida
produtiva e dá bons frutos. Podemos usar essa ideia para animais, plantas e
seres humanos. Segundo Aristóteles, viver virtuosamente é “florescer”, levar
uma vida de acordo com as regras morais, praticando o bem.
As virtudes seriam, então, aquelas qualidades humanas que nos
permitiriam florescer, no sentido aristotélico, para que tivéssemos condições de
levar vidas boas. Em Ética a Nicômaco (2015, p. 49) Aristóteles reflete: “Então,
se as virtudes não são nem paixões, nem faculdades, resta que elas sejam
disposições”. Obviamente o grande pensador se referia àquelas disposições
humanas tendentes a realizar o bem e a tornar o homem bom.
A virtude, para Aristóteles (2015, p. 51), era “[...] uma disposição de
caráter relacionada a uma escolha deliberada e ocupa uma posição central em
relação a nós, a qual é determinada pela razão e determinaria o homem dotado
de sabedoria prática”.

23
O sábio grego considerava a existência de dois tipos de virtudes: a moral
(prática) e a intelectual (teoria). A virtude intelectual (dianoética) está
relacionada com a aprendizagem, por isso necessita de experiência e tempo; a
virtude ética é produto do hábito, do costume (éthos). Nenhuma das formas de
virtude ética se constitui em nós por natureza, pois nada do que existe por
natureza pode ser alterado pelo hábito.
Já a virtude moral (prática) é ligada ao comportamento dos homens
perante os fatos da vida, sendo consideradas virtudes a prudência, a justiça, a
fortaleza, a temperança, a amizade, a liberdade, a paciência.
Outro conceito umbilicalmente ligado à virtude é a razão. Por ser
racional, o ser humano deve viver em conformidade com sua razão, caso
contrário não se distinguiria de qualquer outro animal. Nossas escolhas devem
ser bem orientadas, pensadas, refletidas, e não simplesmente tomadas de
impulso, movidas por paixões momentâneas. A virtude da sabedoria prática,
consequência de uma vida racional, nos ajuda a saber o que é certo ou errado
em cada situação. Trata-se do conhecimento fundamental sobre como viver
uma vida boa.
Para Aristóteles, a compreensão ética das virtudes, em especial a
intelectual, não é uma coisa que possa ser ensinada; tem de ser vivida. Sem a
práxis o homem não se torna virtuoso. A compreensão ética é algo muito
particular que não pode ser aprendida simplesmente por meio da leitura ou da
exposição oral. O conhecimento das virtudes e da moral depende da
experiência prática e da vontade de adquiri-las.
Não podemos perder de vista que algumas virtudes podem ser usadas
tanto para o bem quanto para o mal, como parece ser o caso da prudência (um
criminoso pode ser prudente ao planejar e cometer um crime).

Doutrina do meio termo


Aristóteles acreditava que uma ação virtuosa é sempre intermediária
entre dois extremos. Imagine uma situação na qual alguém passa por você na
rua e o ofende. Você pode se irritar profundamente e agredir a pessoa; ou pode
simplesmente fingir que não ouviu e seguir adiante. Essas duas situações
pertencem a extremos opostos. Essas atitudes não seriam virtuosas; a primeira
denotaria falta de controle, de temperança; a segunda demonstraria covardia e

24
pusilanimidade. O “caminho do meio” virtuoso seria você indagar da pessoa o
motivo do xingamento, analisar os argumentos e só então decidir o que fazer, o
que poderia ir de uma simples admoestação ao ofensor até a busca de
reparação usando os meios legais.
Essa doutrina não tem muita utilidade na prática, pois geralmente é difícil
se fazer uma avaliação ponderada de cada situação para saber qual a atitude
certa a ser tomada e que fique no “meio termo”. Na verdade, é difícil até saber
ou definir o que se entende por “meio termo”.
No entanto, a ideia de Aristóteles nunca foi a de fornecer um método
prático ou exato para se tomar qualquer decisão. A virtude prática não é um
conjunto de regras, ela apenas nos fornece algum tipo de orientação quando
enfrentamos situações da vida. Sugere que achemos as respostas com base
nas virtudes, não na emoção violenta ou desarrazoada.

25
I.4. Relativismo moral
A meu sentir, um dos principais problemas em qualquer sociedade é a
predominância do relativismo moral exarcebado. Segundo essa visão de
mundo, muito influenciada pela corrente filosófica, artística e cultural
denominada de pós-modernismo9, os conceitos de certo e errado são
construções sociais ultrapassadas. O relativismo moral está presente em
grande parte da cultura ocidental, influenciada principalmente por pensadores
de esquerda10.
O relativista moral é no fundo um egoísta que acredita que o mundo
está centrado nele. Ele despreza construções sociais, históricas e culturais
milenares que fundaram nossa civilização. Esse modo de pensar traz
consequências políticas desastrosas, acabando com as fundações morais que
têm sustentado nossas sociedades há séculos.
O relativismo tomou conta da discussão moral moderna. Ele leva as
pessoas a escolherem dentre um “cardápio” de opções morais as que mais
lhes agradam. Isso torna a convivência humana difícil porque nunca se sabe
quais são os valores morais do “outro”.
Todo ser humano mentalmente sadio tem uma “intuição moral” inata.
Quando se fala em moral, as pessoas automaticamente sabem a que se está
referindo. Somente um psicopata ou doente social poderia ser considerado um
ser amoral, isto é, que não tem qualquer espécie de preocupação com o
sofrimento, a dor e as atribulações dos outros. De resto, todas as demais
pessoas entendem o conceito de valores morais, mesmo que não os apliquem.
Todos nós sabemos que os preceitos éticos são imperativos. Por
exemplo, os engenheiros e agrônomos registrados nos Conselhos Regionais

9
O Pós-Modernismo é um movimento que impôs mudanças nas artes e na cultura, como
consequência das alterações mundiais oriundas da Segunda Guerra Mundial. O movimento se
divide em duas fases bem distintas. A 1ª Fase Pós-Modernista começa com o final da Segunda
Guerra Mundial (1945) e vai até os anos de 1960. Nela atuaram grandes nomes das artes em
geral, posto que foi uma fase de inquietação intelectual.Já a 2ª Fase Pós-Modernista se inicia
com grandes inventos tecnológicos, assim como modificações sociais, artísticas e até
arquitetônicas. A internet conecta pessoas e encurta distâncias, só que junto vem o
individualismo e o consumismo. São características principais desse movimento: a) abandono
de regras e valores até então consolidados; individualismo; confusão entre o real e o
imaginário; fuga dos valores estéticos em geral na música e nas artes; liberdade de expressão;
crítica aos valores burgueses. (https://conhecimentocientifico.r7.com/pos-modernismo/, acesso
em 20/8/19, 9h27).

10
https://www.mises.org.br/Article.aspx?id=868&ac=54122

26
de Engenharia e Agronomia estão submetidos a um Código de Ética, de
caráter impositivo, que pode levar a sanções no caso de descumprimento. Isso
se aplica às demais profissões regulamentadas.
A questão que se coloca é a seguinte: as normas de conduta moral
estabelecidas no código de ética decorrem de valores absolutos ou foram
fixadas de forma arbitrária? Existem duas posições antagônicas sobre essa
questão: uma é a posição absolutista e apriorista, a outra, a posição relativista
e empirista.
Os que defendem a posição absolutista acreditam que o homem é
guiado por uma espécie de “bússola moral” natural11, que o predispõe a
discernir entre o certo e o errado e a adotar o comportamento moral mais
adequado. Todo mundo passa por situações em que tem de decidir entre
duas opções quaisquer, sendo uma moralmente correta e a outra, errada. Não
é preciso consultar nenhum especialista em ética para saber qual o caminho
certo a seguir. Aqueles que eventualmente seguem o caminho errado sabem
exatamente o que estão fazendo e quais as consequências.
Os absolutistas se sentem bem depois de adotar o caminho correto; ou
mal, caso sigam o errado. Isso é intuitivo e natural. Nosso rosto cora de
vergonha quando somos apanhados cometendo um deslize moral. Está nos
nossos genes.
Por outro lado, os que defendem a posição empirista acreditam que as
normas éticas são puramente convencionadas e mutáveis, ao contrário dos
absolutistas, que as creem atemporais e imutáveis. Os empiristas advogam a
ideia de várias “morais”, ao passo que os absolutistas entendem que as regras
morais são universais e válidas para todos os seres humanos.

11
Edmund Burke, o grande filósofo irlandês do século XVIII, ao escrever, em 1790, uma grande
obra sobre a Revolução Francesa que havia ocorrido um ano antes, mostrou preocupação com
os rumos que os fatos estavam tomando, em especial com a perda dos valores morais de
referência do povo. Burke acusou os revolucionários de terem deformado a moral do povo
francês com seus atos violentos e radicais. Escreveu ele: “É impossível estimar a perda que
resulta da supressão dos antigos costumes e regras de vida. A partir desse momento não há
bússola que nos guie, nem temos meios de saber a qual porto nos dirigimos. A Europa,
considerada em seu conjunto, estava sem dúvida em uma situação florescente quando a
Revolução Francesa foi consumada. Quanto daquela prosperidade não se deveu ao espírito de
nossos costumes e opiniões antigas não é fácil dizer; mas, como tais causas não podem ter
sido indiferentes a seus efeitos, deve-se presumir que, no todo, tiveram uma ação benfazeja.”
(Burke, Edmund. Reflexões sobre a Revolução em França. Brasília: ed. UnB, 1982 p.102 –
grifos nossos)

27
O fato é que não se poderia falar do bom e do mau, do bem e do mal, do
certo ou do errado, da virtude e do vício, caso não houvesse um ou mais
critérios de avaliação objetiva, além de uma instância de julgamento moral – a
consciência humana – para intuir ou decidir o que realmente vale (o que é
certo) ou o que não vale (o que é errado).
Até agora não se descobriu uma maneira científica para saber quem
está com a razão: os absolutistas ou os relativistas. Em minha opinião, a
balança pende para os primeiros.
Toda pessoa ética deve se basear num conjunto ou núcleo comum de
valores que possam ser compartilhados com os demais. Caso contrário, a
convivência humana em sociedade seria impossível. Se toda e qualquer ação
fosse legitimada – um regime de “vale tudo” – não seria possível qualquer
normatividade ética. Nossa liberdade se esvairia, porque estaríamos sempre
ameaçados pelos outros. Seria o retorno à barbárie e ao caos.
Um mínimo de reflexão e sensatez nos mostrará que o relativismo ético
é um grande risco para a humanidade. Isso não significa que deva existir
apenas um sistema moral. Pode haver vários. Mas cada um deles deve ser
construído com base em conceitos e valores éticos universais, tais como
honestidade, sinceridade, empatia, honradez, justiça, temperança.
Isso é o que ocorre na elaboração dos diferentes códigos de ética das
profissões. Cada qual reflete as peculiaridades que são próprias àquela
atividade, mas todos têm por base princípios morais universais.

28
I.5. A ética ao longo da história – breves noções.
Em todos os momentos históricos das sociedades humanas algum tipo
de regra moral existiu; essa constatação é comprovada tanto pelos registros
arqueológicos e documentais como referendada pela lógica a partir da
observação da natureza humana.
As regras morais surgem como necessidade dos homens de criarem
condições objetivas para sua sobrevivência. Por isso existe uma profunda
relação entre moral e comportamento humano.
Os primeiros pensadores a se debruçarem sobre as questões morais e
éticas foram os gregos, cerca de 500 anos a.C.; desde então esse tema nunca
mais saiu de cena.
Sem ser filósofo ou possuir formação acadêmica nessa área do
conhecimento humano, meu intuito, nesta breve introdução ao tema, é o de
mostrar de que modo o pensamento ético evoluiu ao longo da história,
baseando-me principalmente nos autores indicados na bibliografia.

29
1.5.1. Os sofistas
Os sofistas representaram um movimento intelectual na Grécia antiga,
por volta do século V a.C., que basicamente afirmava que o mundo (a
natureza) não tinha outra finalidade aparente a não ser prover a existência
humana. Portanto, focaram sua atenção no homem, em especial nos
aspectos político e jurídico.
A expressão grega sofista, que posteriormente adquiriu um sentido
pejorativo, significava mestre ou sábio, tendo uma raiz semelhante à da palavra
sofia (sabedoria).
Os sofistas desprezavam as especulações meramente filosóficas e
desprovidas de utilidade prática; acabaram se tornando mestres na arte
pragmática de discursar para convencer (retórica), sendo pagos por isso. Daí
atraírem a ira dos filósofos especulativos e dos cidadãos mais ilustres, como
Sócrates, que os desprezavam pela mercantilização que faziam da palavra.
Nas cidades-estados gregas a política era a atividade mais importante.
Os sofistas usavam seu saber para ensinar aos homens a arte do
convencimento pelo discurso. Sua retórica se desenvolveu ao ponto de
colocarem em dúvida a tradição cultural grega e a existência de verdades ou
normas universais. Acabaram se tornando os primeiros relativistas morais da
história.
Para os sofistas não havia verdade nem erro, e as regras morais eram
sempre transitórias. Por exemplo, um dos maiores sofistas, Protágoras,
afirmava que “o homem é o parâmetro de todas as coisas; das que existem
enquanto existem, das que não existem enquanto não existem”, querendo dizer
que tudo o que existia era relativo ao homem e que não havia valores
absolutos, principalmente de origem divina. Outro grande sofista, Górgias, dizia
que era impossível saber o que existe realmente e o que não existe, colocando
em dúvida a capacidade de o homem distinguir o real do imaginário.
A ética sofista era de cunho eminentemente pragmático, centrada no
homem, que dispunha da natureza para obter os meios de prover sua
existência; esta se tornava digna na medida em que o cidadão exercia funções
na Polis.

30
I.5.2. A filosofia socrática
Sócrates nasceu em Atenas, no ano 470 a.C. Sempre foi um ferrenho
adversário dos políticos atenienses, visto que tinha o hábito de pará-los nas
ruas e interrogá-los de forma incisiva sobre os assuntos administrativos da
cidade. Acabou acusado de ateísmo e de corromper a juventude ateniense
com seus ensinamentos, que colocavam em dúvida todo o sistema cultural e
religioso da época.
Ele desprezava os sofistas e rejeitava seu relativismo e o seu
subjetivismo. Para Sócrates, o saber mais importante era o relativo ao próprio
homem, daí ter cunhado sua máxima mais conhecida, “Conhece-te a ti
mesmo”, sustentada por três elementos:
a) era um conhecimento universalmente válido, ao contrário do que
afirmavam os sofistas;
b) era um conhecimento moral; e
c) era um conhecimento prático, necessário para que os homens
agissem corretamente.
Sócrates criou um método de investigação do conhecimento através da
maiêutica, técnica pela qual, por meio de sucessivas perguntas, se chegava à
verdade12. Esse caminho usado por Sócrates induzia os seus discípulos a
praticarem mentalmente a busca da verdade última13.
A ética socrática era fundamentalmente racionalista. Ele defendia uma
concepção do bem como felicidade da alma, e do bom como útil para a
felicidade; desenvolveu a tese da virtude (areté) como capacidade do homem
para obter conhecimento, e do vício como ignorância. Para ele, quem age mal
é porque ignora o bem; por conseguinte, ninguém faz o mal voluntariamente.
Sócrates morreu em Atenas, Grécia, no ano de 399 a. C. Foi julgado e
condenado por traição e corrupção da juventude e obrigado a tomar uma taça
de cicuta14.

12
A maiêutica não se confunde com a dialética hegeliana, depois adotada pelos marxistas, pela
qual, a partir de uma tese e de sua antítese, se chega a uma síntese. A maiêutica é uma
técnica de autoaprendizado, pela qual, a partir das perguntas feitas por um mestre e das
respostas dadas pelo aluno, este chega à compreensão da verdade.
13
https://www.ebiografia.com/socrates/
14
Nome de uma planta conhecida por cicuta (Conium maculatum), nativa da Europa, do Médio
Oriente e da bacia mediterrânica, e do poderoso veneno produzido por ela. A principal causa
de sua toxicidade é a presença da substância cicutoxina.

31
I.5.3. A filosofia platônica
Platão nasceu em Atenas, no ano 427 a.C., morrendo em 347. Seu
nome verdadeiro era Arístocles, mas recebeu o apelido de “Platão”, que em
grego significa “ombros largos”. Desde cedo Platão tornou-se discípulo de
Sócrates, aprendendo e discutindo com este os problemas do conhecimento do
mundo e das virtudes humanas. Quando Sócrates foi condenado à morte sob a
acusação de “perverter a juventude”, Platão desiludiu-se da política e resolveu
voltar-se inteiramente para a filosofia15.
A ética de Platão está intimamente ligada à política, pois ele acreditava
que a Pólis era o único lugar onde o homem podia desenvolver uma vida moral.
Sua ética se dividia em duas doutrinas: a) a doutrina metafísica, que defendia
o dualismo entre o mundo real (sensível) e o das ideias permanentes, perfeitas
e imutáveis, que, para ele, constituíam a verdadeira realidade, culminando na
ideia do Bem, divindade ou demiurgo artífice do mundo; b) a doutrina da alma,
princípio que anima e move o homem, sendo formada por três partes: razão,
vontade e apetite. A razão era a parte superior da alma, e o apetite, a inferior,
ligada às necessidades corporais.
Seu objetivo era criar uma doutrina que purificasse o homem e o
libertasse da matéria para alcançar o Bem. Para tanto era necessário que o
homem praticasse as virtudes, que ele dividia em:
a) virtude da razão – prudência;
b) virtude da vontade – fortaleza; e
c) virtude do apetite – temperança.
A harmonia entre essas três virtudes resulta na quarta e mais importante
delas, a virtude da justiça.
Para Platão o homem só poderia ser bom e virtuoso enquanto bom
cidadão; a ética levava à política. Em sua obra mais importante, “A República”,
ele idealizou um Estado à semelhança das suas virtudes, dividido em três
classes: a dos governantes, filósofos guiados pela prudência, era equivalente à
virtude da razão; a dos guerreiros, que equivalia à virtude da fortaleza; e a dos
artesãos e comerciantes, encarregados dos trabalhos braçais, equivalia à
virtude da temperança16.

15
https://www.ebiografia.com/platao/
16
http://www.filosofia.com.br/historia_show.php?id=28, acesso em 9/8/19, 10h15

32
Na ética de Platão encontramos a estreita relação entre moral e política,
pois, para ele, o homem só se realizava espiritualmente no Estado, mediante a
subordinação do individual ao coletivo. As ideias de Platão influenciaram muito
mais tarde os pensadores socialistas dos séculos XVIII e XIX, entre eles Saint-
Simon, Fourier e Marx.

33
I.5.4. A ética aristotélica
Aristóteles nasceu em Estagira, colônia de origem jônica, na Macedônia,
Grécia, no ano de 384 a. C. Filho de Nicômaco, médico do rei Amintas III,
recebeu sólida formação em ciências naturais. Aos 17 anos partiu para Atenas
e foi estudar na Academia de Platão. Com sua prodigiosa inteligência logo se
tornou o discípulo predileto do mestre, que observou: "Minha Academia se
compõe de duas partes: o corpo dos alunos e o cérebro de Aristóteles".
Elaborou um sistema filosófico no qual abordou praticamente todos os
assuntos existentes, como geometria, física, metafísica, botânica, zoologia,
astronomia, medicina, psicologia, ética, drama, poesia, retórica, matemática e
principalmente lógica17.
Aristóteles divergiu do seu mestre Platão num assunto muito importante,
o dualismo ontológico18. Para Aristóteles, a ideia não existe separada do
homem real, do indivíduo, ela existe somente nos seres individuais e concretos.
Ele distinguia duas qualidades essenciais nas coisas vivas: o ato e a potência.
O ato é o que tende a ser. A planta é o ato; a semente, a potência. O
mundo mudava constantemente da potência ao ato. O homem é ato e potência
também. Só existe um ser que é ato puro: a divindade, ou Deus.
Ele se perguntava qual seria o fim último do Homem como parte da
humanidade. Sua resposta era “a felicidade” (eudaimonia). Mas no que
consiste essa felicidade? Não era no mero prazer (hedoné) ou na riqueza;
segundo o filósofo, a felicidade estava na vida espiritual contemplativa, guiada
pela razão. Porém, para se atingir a vida contemplativa que levava à felicidade,
o homem tinha de desenvolver certas virtudes, que são modos de agir
adquiridos19. Ele não acreditava em virtudes inatas ou infundidas no homem
por alguma divindade.
As virtudes se dividiam em intelectuais ou dianoéticas, que atuam na
parte racional do homem; e práticas ou éticas, que atuam no que há de
irracional do homem, suas paixões, desejos, apetites.

17
https://www.ebiografia.com/aristoteles/, acesso em 9/8/19, 10h30
18
Para Platão, a existência do homem e da própria realidade era formada por duas partes distintas; uma
ligada à parte física, natural e mutável; outra ligada à parte espiritual, eterna e imutável.
19
Sêneca também acreditava que a virtude deveria se mostrar pelo seu lado prático. Em sua obra “Da
Tranquilidade da Alma” (2009, p. 28), extrai-se o seguinte pensamento: “Ninguém pode negar que a
virtude deve provar sua eficiência em obras. ”

34
Por outro lado, a virtude consistia no termo médio entre dois extremos,
num equilíbrio entre opostos (quente e frio, coragem e covardia, justiça e
egoísmo, avareza e prodigalidade).
Aristóteles adotou a mesma concepção de Platão sobre a vida política
dos homens em sociedade, ligando a felicidade e a virtude à participação dos
cidadãos na vida da Pólis. Para ele, o “homem é um animal político”.

35
I.5.5. A ética estoica e epicurista
Segundo Vásquez (2000, p. 274),

O estoicismo e o epicurismo surgem no período de decadência


do mundo antigo greco-romano, que se caracteriza pela perda
de autonomia dos Estados gregos e pela organização,
desenvolvimento e queda dos grandes impérios: primeiro, o
macedônio, e depois o romano. O estoicismo tem como seus
principais representantes Zenão de Cítio, na Grécia; e Sêneca,
Epiteto e Marco Aurélio, em Roma. O epicurismo está
representado por Epicuro, na Grécia, e por Tito Lucrécio Caro,
em Roma.

Tanto os epicuristas quanto os estoicos acreditavam que o problema


moral não estava localizado na Pólis, mas era universal e ligado ao
funcionamento do mundo. Por isso eles estudaram a física da natureza, que
seria a premissa da ética.
Os estoicos defendiam que o mundo era um único ser gigantesco com
um princípio formador, ou alma, chamado Deus. O papel do homem no mundo
era definido pela divindade, na forma de um destino. Ao homem sábio só
restava aceitar seu destino e agir de forma consciente.
Para essa corrente filosófica, o bem supremo é viver de acordo com a
natureza, com a razão, sem deixar que as paixões embotem o raciocínio. O
estoico vive moralmente como cidadão do cosmo, do mundo, e não da Pólis.
Para os epicuristas, tudo o que existe, inclusive a alma, é formada de
átomos; não existe intervenção divina nos fenômenos físicos nem na vida do
homem.
O bem neste mundo é o prazer, se bem que há vários tipos de prazer,
nem todos igualmente bons. Os melhores prazeres são os da alma, do espírito,
que contribuem para a felicidade, e não os prazeres corporais, que são fugazes
e efêmeros.

36
I.5.6. A ética medieval - influência do cristianismo.
O cristianismo, na sua forma ortodoxa, se tornou a religião oficial do
Império Romano a partir do ano 380 d.C., quando o imperador Teodósio, por
meio do Édito de Tessalônica, a declarou única religião imperial legítima,
acabando com o apoio do Estado à religião romana tradicional e proibindo a
adoração pública dos antigos deuses.20
A Igreja monopolizou durante aproximadamente mil anos o
conhecimento e o poder, tanto temporal quanto espiritual. A moral desse
período - bem como os estudos da ética - foi influenciada pelas doutrinas dos
evangelhos e pelas bulas papais, que tinham força executiva sobre reis,
príncipes, nobres e plebeus.
A ética cristã assume que existem verdades divinas reveladas aos
homens por Deus, não existindo outro modo de agir corretamente que não seja
aquele determinado pela doutrina divina, consubstanciada nos Dez
Mandamentos. Deus exige dos homens obediência e sujeição, que se tornam
também imperativos éticos. Aquele que não crê na potência divina ou não
segue seus ditames se torna um herege.
Essa ética, baseada em comandos divinos, é denominada heterônoma,
significando sujeição de alguém a uma lei exterior ou à vontade de outrem:
ausência de autonomia. Ao homem não é dado questionar a vontade divina e
suas determinações, como apresentadas nas tábuas mosaicas.
Para a ética cristã, a essência da felicidade é a contemplação do
divino. A doutrina ética cristã assimilou as virtudes platônicas da prudência, da
fortaleza, da temperança e da justiça, acrescentando-lhes mais três, chamadas
supremas ou teologais: fé, esperança e caridade.
Para além das virtudes, a ética cristã adota a ideia moral da igualdade
entre os homens diante de Deus, mesmo que essa igualdade não se perfaça
no mundo físico em que vivem. A realidade do homem medieval é terrível:
fome, dor, doenças, servidão, miséria. O mundo dos homens é cruel. A ética

20
Sob a inspiração do lema “um Deus no Céu, um Imperador na Terra”, Constantino proclamou
em 313 o Édito de Milão, lei que garantia liberdade aos cidadãos para cultuar qualquer deus, o
que seria fundamental para a futura conversão total do império romano à religião. “Na prática, o
Édito de Milão representou a verdadeira guinada. Teodósio apenas sacramentou um processo
de algumas décadas, consolidando a tendência inaugurada por Constantino”.
https://super.abril.com.br/mundo-estranho/como-foi-a-conversao-do-imperio-romano-ao-
cristianismo/, acesso em 11/8/19 às 19h25.

37
cristã medieval não chega a condenar essa desigualdade mundana – os papas
afirmavam que os reis e imperadores tinham mandatos divinos por delegação
deles, os papas; justiça e igualdade eram transferidas para a “cidade de Deus”,
como ensinava Santo Agostinho. A vida eterna era bela, justa e feliz.
Para os pensadores cristãos da Idade Média, a igualdade entre os
homens só poderia ser alcançada no mundo espiritual ou sobrenatural. A ética
do período medieval tinha como objetivo preparar o homem para a outra vida, a
fim de que ele recebesse a graça divina e o perdão eterno dos seus pecados.
Alcançar a felicidade nesta vida era impossível.
A filosofia da Idade Média – a Escolástica – era praticamente
subordinada aos ensinamentos cristãos; pensadores que ousaram divergir da
Igreja foram condenados ao opróbrio.
Santo Agostinho aproveitou os ensinamentos platônicos da purificação
da alma e criou a teoria do êxtase místico, na qual a felicidade não poderia ser
alcançada neste mundo. Para Tomás de Aquino, Deus era o fim supremo,
sendo que a comunhão do homem com Ele era a única fonte de felicidade.

38
I.5.7. A ética moderna ou pós-medieval
Entende-se por moderno o pensamento ético dominante a partir do
século XVI até meados do século XIX. Em que pese a enorme quantidade de
pensadores do período, a tendência filosófica que passou a dominar foi a do
antropocentrismo, o deslocamento da importância do divino para o humano,
em contraste com a ética medieval, que era teocêntrica.
Vivia-se o início do Renascimento nas artes, na literatura, na filosofia, na
ciência. Luminares do pensamento, como Galileu, Kepler, Newton, Copérnico,
Leibniz, Laplace21, Descartes, passaram a explicar o funcionamento da
natureza sem a hipótese divina. Em seguida modificaram-se drasticamente as
forças produtivas, com o advento das máquinas e do capitalismo, em
substituição ao regime feudal de produção baseado na servidão e nas glebas.
Surge uma nova classe econômica – a burguesia – formada por
pequenos produtores, artesãos, comerciantes, profissionais liberais, que aos
poucos se libertavam do jugo das guildas (que eram as corporações de ofícios,
embriões dos futuros conselhos e ordens profissionais) e do monopólio
imobiliário dos nobres.
Na esfera espiritual, a religião deixa de ser a forma de ideologia
dominante, e aos poucos a Igreja Católica vai perdendo poder. Surgem
movimentos filosóficos que pregam a separação entre o Estado e a Igreja –
vive-se o período do Iluminismo, onde se busca destruir os pilares de um
mundo já vetusto, o Antigo Regime, ou ordem feudal absolutista.
No mundo moderno, a ética começa a se libertar das amarras teológicas
e a se fundar mais no homem. Dentre as éticas modernas, a de Kant foi a que
mais representou esse período.

21
Certa vez, ao ser questionado pelo imperador Napoleão I por que não tinha usado as leis
divinas e não falava de Deus no seu sistema de mecânica celeste sobre o funcionamento do
Universo, Laplace lhe respondeu: “Sire, je n’avais pas besoin de cette hypothèse-lá.” (Senhor,
eu não precisei dessa hipótese). https://pt.wikipedia.org/wiki/Pierre-Simon_Laplace, acesso em
16/8/19, às 15h22.

39
I.5.8. A ética kantiana
De acordo com ebiografia22, Immanuel Kant (1724-1804) foi um filósofo
alemão [na verdade, prussiano], fundador da Filosofia Crítica - sistema que
procurou determinar os limites da razão humana. Sua obra é considerada a
pedra angular da filosofia moderna. Nasceu em Königsberg, na Prússia
Oriental, então Império Alemão, no dia 22 de abril de 1724. Filho de um artesão
de descendência escocesa, ele era o quarto de nove filhos. Passou grande
parte de sua vida nos arredores de sua cidade natal. Dos pais luteranos
recebeu uma severa educação religiosa. Na escola local estudou latim e
línguas clássicas.
O sistema filosófico kantiano foi concebido como uma síntese e
superação das duas grandes correntes da filosofia da época: o racionalismo,
que enfatizava a preponderância da razão como forma de conhecer a
realidade, e o empirismo, que dava primazia à experiência.
Com Kant surge o “Racionalismo Crítico” ou “Criticismo”, sistema que
procura determinar os limites da razão humana. Sua filosofia moral foi
desenvolvida em suas obras “Crítica da Razão Pura”, “Crítica da Razão
Prática” e “Fundamentação da Metafísica dos Costumes” (usada neste livro).
Kant condenava os empiristas (para os quais tudo que conhecemos vem
dos sentidos) e não concordava integralmente com os racionalistas (que
afirmavam ser a razão a única fonte do conhecimento humano): para o filósofo
alemão, o conhecimento deve vir de juízos universais, da mesma maneira
que deriva da experiência sensível.
Para sustentar essa contradição, Kant explica que o conhecimento é
constituído de matéria e forma: “A matéria dos nossos conhecimentos são as
próprias coisas e a forma somos nós mesmos”.
Segundo Vásquez (2000, p. 282),

No terreno do conhecimento – sustenta Kant - não é o sujeito


que gira ao redor do objeto, mas o contrário. O que o sujeito
conhece é fruto da sua consciência. E a mesma coisa se

22
https://www.ebiografia.com/immanuel_kant/

40
verifica na moral: o sujeito – a consciência moral – dá a si
mesmo a sua própria lei. O homem, como sujeito cognoscente
ou moral é ativo, criador, e está no centro tanto do
conhecimento como da moral.

Para Kant, a moral é um fenômeno essencialmente humano e o homem,


agindo de forma racional e de acordo com sua “boa vontade”, cria para si
próprio a lei moral que irá aplicar, com base em princípios universais que valem
para todos. A bondade de uma ação não se deve procurar em si mesma, na
“vontade” com que se produziu.
Mas o que seria uma “boa vontade”? Segundo Kant, é “[...] aquela
vontade que age por puro respeito ao dever, sem razões outras a não ser o
cumprimento do dever ou a sujeição à lei moral. ” (Vasquez, 2000, p.282).
A filosofia moral de Kant se baseia em três grandes princípios que ele
expôs na sua obra “Fundamentação da Metafísica dos Costumes” (2002). São
eles:
1. “A boa vontade não é boa pelo que promove ou realiza, pela aptidão
para alcançar qualquer finalidade proposta, mas tão-somente pelo querer, isto
é, em si mesma”. (2002, p. 22). Kant não era um consequencialista ou
utilitarista, que colocava os fins acima dos meios. Para ele, a boa vontade
(querer praticar uma ação boa) era mais importante que os resultados práticos
da ação. Esse foi um dos pontos mais atacados em sua doutrina, porque
admitia que uma ação ideal e eticamente boa pudesse trazer resultados
nocivos.
2. “Uma ação praticada por dever tem o seu valor moral não no
propósito que por meio dela se quer alcançar, mas na máxima que a
determina” (2002, p. 27). Ou seja, o valor ético de uma ação não se encontra
na realidade do objeto da ação, mas no princípio moral que levou alguém a
praticá-la. O valor de uma ação reside, em última instância, na vontade livre de
quem a pratica.
3. “O dever é a necessidade de uma ação por respeito à lei”. (2002, p.
28). Para o filósofo, só pode ser um ato moral o que está ligado à vontade do
indivíduo de acordo com o preceito de uma lei que ele mesmo se concedeu. O
valor moral de uma ação não reside no seu efeito, mas na sua boa intenção.

41
Como consequência dos princípios acima expostos, Kant chegou à
conclusão que existe um “mandamento” ou “dever incondicionado e universal”
que o homem tem de cumprir. Kant dá a esse mandamento o nome de
“imperativo categórico”, que pode ser assim resumido: “Devo agir sempre
de modo que possa querer também que minha máxima se converta em lei
universal”. (2002, p. 29).
Em outros termos, Kant adaptou a antiga “regra de ouro”, presente em
muitas filosofias, segundo a qual só devemos fazer aos outros o que queremos
que nos façam.
O imperativo categórico, desse modo, se torna uma espécie de “lei”
criada pelo indivíduo, depois de uma análise racional, pela qual ele pauta sua
conduta moral. Para o filósofo alemão a ética é um fim em si mesmo, tendo
como objetivo maior a preservação da dignidade da pessoa humana em todas
as suas dimensões; as pessoas não podem ser tratadas como meios para a
obtenção de quaisquer fins.
Kant ensinava que as pessoas devem ser respeitadas em sua
humanidade e por suas qualidades intrínsecas, como a razão, ainda que não
plenamente desenvolvida ou ausente (p. ex., nas crianças e nos doentes
mentais). A razão nos capacita a sermos nós mesmos a fonte da lei moral, o
que Kant denominou de ética autônoma, em contraste com a ética
heterônoma – palavra criada por ele -, que nos impõe regras de cuja formação
não participamos.

A ética kantiana é deontológica. As éticas deontológicas pertencem à


espécie das éticas normativas, fazendo jus à etimologia da palavra, pois
deon, em grego, significa dever, e logos, estudo. Assim, a deontologia se
traduz como o estudo dos deveres, aplicando-se em especial às profissões
regulamentadas, como o direito, a engenharia, a medicina e tantas outras.

A ética kantiana exprime, em última análise, as ações pelo dever


autônomo. Devemos agir corretamente, não por imposição externa, mas
porque, no pleno uso da nossa razão, criamos nossa própria lei moral, ou
“máxima”.

42
O filósofo Michael Sandel, professor de Harvard, esclarece que “[...] de
acordo com Kant, o valor moral de uma ação não consiste em suas
consequências, mas na intenção com a qual a ação é realizada. O que importa
é o motivo, que deve ser de uma determinada natureza. O que importa é fazer
a coisa certa porque é a coisa certa, e não por algum outro motivo exterior a
ela. [...] E o motivo que confere valor moral a uma ação é o dever, que para
Kant é fazer a coisa certa pelo motivo certo” (2012, p. 143).

Em outras palavras, se fizermos a coisa certa agindo em nosso próprio


interesse, essa ação, apesar de útil, não terá nenhum valor moral. Como se vê,
Kant foi um feroz inimigo do utilitarismo, filosofia moral que abordarei na
sequência.

Alguns críticos do filósofo prussiano afirmaram que, se a máxima é uma


lei moral criada pelo indivíduo, ela estaria circunscrita apenas à subjetividade
de quem a criou. Como poderia então ser universalizável, ou seja, aplicável a
toda a humanidade?

Kant respondeu a essa crítica argumentando que somente máximas


estabelecidas de acordo com leis morais universais, incondicionalmente
válidas, é que são corretas. Para Kant, o imperativo categórico é a lei moral por
excelência, o paradigma para uma ética baseada no dever, que reside em
tratar as pessoas como um fim em si mesmo e criar regras morais que possam
ser universalizáveis.

Uma das consequências da ética kantiana é a de que os seres humanos


são dotados de razão e capazes de dar a si mesmos as leis morais, implicando
que não precisam consultar nenhuma autoridade, secular ou religiosa, terrena
ou sobrenatural, para saber e fazer o que é certo.

Isso vai de encontro às éticas deontológicas de cunho religioso


baseadas no dever de obediência a mandamentos ou ordens emanadas de
divindades. Durante a maior parte da história conhecida da humanidade as
religiões foram os sistemas de orientação que legitimavam uma determinada
moral, motivavam-na e até sancionavam-na com penas. Até o século XVIII, a

43
ética não se tornou autônoma da religião e em muitas sociedades a religião
continuava determinando os valores.

Exemplo disso são as sociedades teocráticas islâmicas, como também


algumas sociedades cristãs antigas, nas quais não existe algo como uma ética
secular. A religião domina todos os aspectos das vidas das pessoas, incluindo
normas de direito civil e criminal.

Uma ética do dever de cunho religioso é aquela cujo conteúdo moral é


determinado por um deus, mediante preceitos normativos que dizem aos
humanos o que é certo e o que é errado. Normas morais religiosas por
excelência são os Dez Mandamentos, presentes tanto na religião judaica
quanto na católica.

Desse modo, na visão kantiana, o homem deixa de ser um mero


destinatário da moral e passa a ser ele mesmo seu formulador. Não é mais um
meio, mas um fim em si mesmo. O homem está no centro do universo. Essa
ideia trouxe para Kant e seus seguidores o desprezo e a ira da Igreja.

44
I.5.9. A ética utilitarista
Pode-se dizer que foram os estoicos que primeiro tiveram ideias
utilitaristas em relação à ética. Sêneca23, em sua obra “Da tranquilidade da
alma” (2009, p. 22), formulou o seguinte pensamento: “O que se exige do
homem é que seja útil ao maior número de semelhantes, se possível. Caso não
consiga, sirva a poucos, ou aos mais próximos, ou a si mesmo. ”
Com isso quis dizer o filósofo que o homem, ao se tornar útil para os
demais, empreende um trabalho social e comunitário, plantando uma semente
que irá produzir frutos no futuro, pois os ajudados de hoje serão os que
ajudarão amanhã.
Jeremy Bentham24, filósofo e pensador inglês do século XVIII,
contemporâneo de Kant, adotando como premissa parte do pensamento de
Sêneca, fundou a corrente ético-filosófica chamada utilitarismo. Para ele, as
ações morais deveriam estar centradas na obtenção da “utilidade”, ou seja, da
“máxima felicidade”, princípio segundo o qual uma ação é correta se conduz o
maior número de pessoas à maior felicidade possível.

As ações morais são julgadas não pela intenção ou subjetividade de


quem as pratica, mas por suas consequências práticas. O utilitarismo, assim,
integra a corrente de pensamento ético-filosófica conhecida como
consequencialismo.

Os consequencialistas julgam os meios pelos fins a serem


atingidos. Mas isso não significa que qualquer meio é aceitável; os
consequencialistas defendem que, para se atingir os fins almejados, não se
devem causar sofrimento e dor desnecessários, ou ainda, reduzir o homem em
sua dignidade.

Para Bentham, a felicidade seria o prazer e a ausência de dor; ele


chegou a criar um método empírico para calcular o conteúdo de prazer contido

23
Sêneca (4 a. C. - 65) foi um filósofo, escritor e político romano. Mestre da retórica foi o
principal representante do Estoicismo durante o Império Romano.
https://www.ebiografia.com/seneca/, acesso em 9/8/19, 10h50.
24
Jeremy Bentham (1748-1832) foi um filósofo inglês e jurista teórico que chefiou um grupo de
filósofos radicais, conhecidos como “utilitaristas” que pregavam reformas políticas e sociais,
entre elas uma nova Constituição para o país. https://www.ebiografia.com/jeremy_bentham/,
acesso em 9/8/19, 10h55.

45
em cada ação. A esse método ele denominou “Cálculo Felicífico”, uma espécie
de algoritmo para calcular a quantidade de prazer que determinado ato moral
pudesse causar aos outros. “O Felicific Calculus poderia, pelo menos em
princípio, determinar o status moral de qualquer ato considerado. O algoritmo
também é conhecido como o cálculo utilitário, cálculo hedonista ou cálculo
hedonístico” 25.

Mais tarde, John Stuart Mill26, filósofo e escritor inglês do século XIX,
aprimorou a teoria utilitarista de Bentham, afirmando que os prazeres humanos
não são todos iguais, havendo uns mais virtuosos e morais que outros. Stuart
Mill repudiava o hedonismo e a busca desenfreada dos prazeres sensuais. A
felicidade para ele dependia em grande parte da qualidade dos nossos
prazeres, ligados principalmente à cultura e ao aprimoramento intelectual,
tendo escrito no seu livro “O Utilitarismo” (2000, p. 33), esta brilhante
passagem:

É melhor ser um ser humano insatisfeito do que um porco


satisfeito, é melhor ser um Sócrates insatisfeito do que um tolo
satisfeito. Caso o porco ou o tolo forem de opinião diferente, é
porque conhecem apenas o seu próprio lado da questão. A
outra parte conhece os dois lados para fazer a comparação.

Na maior parte das atividades humanas cotidianas, o acerto ou o erro de


certas ações são condicionados por sua utilidade. Exemplo disso são as ações
políticas dos governantes, teoricamente direcionadas à obtenção da maior
felicidade e utilidade para o povo (sem embargo, naturalmente, da felicidade
dos próprios políticos).

Do ponto de vista utilitarista, segundo Mill (2000, p. 35),

[...] o fim da ação humana constitui também e necessariamente


o critério da moral. Esse critério pode então ser definido como

25
https://pt.wikipedia.org/wiki/C%C3%A1lculo_felic%C3%ADfico
26
John Stuart Mill (1806-1873) foi um filósofo inglês, um dos mais influentes pensadores do
século XIX. É reconhecido como um dos maiores propagadores do empirismo e do utilitarismo.
https://www.ebiografia.com/john_stuart_mill/, acesso em 9/8/19, 11h.

46
as regras e preceitos para a conduta humana cuja observância
permite uma existência tal como aquela descrita seja, na maior
rmedida possível, assegurada a todos os homens; e não aos
seres humanos apenas, mas, tanto quanto a natureza das
coisas permitir, a todas as criaturas ditadas de sensibilidade.

Nesta passagem, Mill antecipa em mais de cem anos as teorias éticas


mais modernas que levam em conta o interesse dos animais sencientes, tal
como defendida por Peter Singer27 .

Em síntese, a ética utilitarista de John Stuart Mill adota o Princípio da


Maior Felicidade, posto que, para ele, esse é o fim da ação humana,
constituindo-se num autêntico e desejável critério moral.

Contudo, não é possível dissociar esse princípio de outros, como o da


dignidade humana; as pessoas normalmente condenam as ações
intrinsecamente imorais, a despeito das consequências boas que possam
produzir.

27
https://jus.com.br/artigos/62120/a-igualdade-e-suas-implicacoes-em-peter-singer-na-obra-etica-
pratica, acesso em 9/8/19, às 11h05.

47
I.5.10. A ética da responsabilidade

Hans Jonas, filósofo alemão do século XX, foi um dos pioneiros no


estudo desse tema, do qual tratou no seu livro “O Princípio Responsabilidade”
(Jonas, 2006).

A tese central de Jonas é a de que as teorias éticas tradicionais não são


mais suficientes para dar conta dos desafios trazidos pelo que ele chamou de
“civilização tecnológica”. Certas transformações em nossas capacidades
técnicas acarretaram uma mudança no agir humano, e como a ética tem a ver
exatamente com esse agir, isso impõe um novo paradigma ético, não previsto
nas filosofias morais tradicionais.

As éticas tradicionais se preocupavam basicamente com as relações


inter-humanas; contudo, nossa presença neste planeta tem trazido graves
consequências ambientais, sendo nosso dever preservar a natureza que nos
cerca, seja ela animada ou inanimada.

Jonas criticou severamente todas as utopias que imaginaram poder usar


a ciência e a tecnologia para construir um novo ser humano e moldar a
natureza a seu feitio. Essas utopias incluem o marxismo e o socialismo, mas
também o capitalismo sem rédeas, baseado num positivismo científico
irresponsável e na busca desenfreada pelo lucro.

A crítica dessas utopias, no dizer de Hans Jonas, serve de fundamento à


ética da responsabilidade, que visa a “[...] segurar as rédeas desse progresso
galopante”. E continua o filósofo: “Conter tal progresso deveria ser visto como
nada mais do que uma precaução inteligente, acompanhada de uma simples
decência em relação aos nossos descendentes” (2006, p. 349).

No fundo, não há como discordar dessa conclusão, e também de que a


responsabilidade e o bem são os grandes fundamentos de toda ética.

48
PARTE II – ÉTICA PROFISSIONAL

II.1. Conceito de profissão

Segundo Antonio Lopes de Sá (2001, p. 129), a expressão profissão


deriva do latim professione, do substantivo professio, que teve diversas
acepções naquele idioma, mas foi empregada por Cícero como “ação de fazer
profissão de”.

Há diversas definições de profissão. De modo geral e sob uma


perspectiva ética, sintetizando a opinião de diversos autores, pode-se dizer que
profissão é uma atividade pessoal, desenvolvida de forma estável e digna,
a serviço da comunidade e em benefício próprio, segundo uma vocação
inata ou adquirida, sempre respeitando a dignidade da pessoa humana.
Claro está que existem diversas profissões que não se enquadram neste
conceito, porque não são exercidas de forma estável ou respeitando a
dignidade humana.

Uma coisa deve ficar bem clara: exercer uma profissão não é apenas
satisfazer sua própria vontade, senão as necessidades dos outros. Em resumo,
atender ao bem comum.

Todo profissional deve estar imbuído de um dever de solidariedade, de


dedicação, de respeito, agindo para melhorar a condição humana. Não se deve
exercer uma profissão pela mera oportunidade de retorno financeiro que ela
possa representar. Existem atividades indignas ou ilegais que remuneram
muito, mas nem por isso se lhes pode chamar profissão.

Cuvellier, citado por Antonio Lopes de Sá (2001, p. 129), destaca os


pontos principais de uma profissão:

1. É pela profissão que o indivíduo se destaca e se realiza


plenamente, provando sua capacidade, habilidade, sabedoria e
inteligência, comprovando sua personalidade para vencer
obstáculos.

49
2. Através do exercício profissional, consegue o homem elevar
seu nível moral;

3. É na profissão que o homem pode ser útil à sua comunidade


e nela se eleva e se destaca, na prática dessa solidariedade
orgânica.

É óbvio que toda e qualquer profissão também – e principalmente – visa


ao benefício de quem a exerce, que a fará instrumento de sua realização
pessoal e ascensão social. Isto é perfeitamente normal e aceitável; ninguém
deve ter vergonha de exercer um ofício com dignidade, ser bem remunerado e
merecer o respeito dos outros.

Uma profissão deve representar alto título de honra para seu exercente,
ainda mais se ela depende de formação acadêmica sólida e de muitos anos de
estudos. Por se tratar de um projeto de vida, deveria ocupar grande parte da
nossa existência. No Brasil e em grande parte do mundo as aposentadorias
precoces, principalmente as dos servidores públicos, representam um dos
maiores problemas à estabilidade financeira das nações. Sabemos o ônus que
isso representa para os bolsos dos pagadores de impostos.

O exercício da profissão, como já dito, deve ser honroso e seguir as


regras éticas e técnicas aplicáveis. Espera-se que cada profissional cumpra o
que dele se espera: que o engenheiro construa; que o médico cure; que o
advogado resolva questões jurídicas; que o gari limpe; que o professor ensine.

Infrações profissionais são muito graves porque colocam em risco a


integridade de toda uma coletividade. Além disso, representam um ataque do
profissional contra sua própria vocação e projeto de vida.

A maior parte das profissões liberais representa um elevado valor social


e atende necessidades humanas básicas, como saúde, segurança,
incolumidade, paz social. Engenheiros, médicos, professores, advogados,
biólogos, são elementos indispensáveis à comunidade.

50
As profissões liberais são caracterizadas por envolverem operações
mentais complexas acompanhadas de uma enorme responsabilidade pessoal.
Exigem um refletir constante sobre como agir com eficiência, qualidade,
segurança, efetividade. O profissional liberal não pode contar somente com os
recursos técnicos e materiais ao seu alcance; ele deve buscar sempre o
conhecimento que está no seu cérebro e que foi adquirido com muito esforço e
horas de estudos e aperfeiçoamentos.

Esses conhecimentos perfazem um todo indiviso, orgânico, estruturado


e sistematizado, cuja colocação em prática exige treinamento e experiência.
Apesar disso, as profissões liberais exigem mais que a simples formação
acadêmica ou teórica, embora estas sejam essenciais. Colocar em prática todo
o conhecimento adquirido ao longo dos anos exige muito treinamento e
obstinação.

Exercer uma profissão é também ser capaz de transmitir conhecimentos.


Todo profissional deve se esforçar para repassar aos mais jovens ou
inexperientes aquilo que aprendeu ao longo da vida, pois esse é o meio mais
eficaz para se garantir a continuidade e o respeito das profissões.

Por fim, os profissionais devem estar cientes de que sozinhos nada


constroem. O trabalho em equipe é fundamental, a participação em
associações e sindicatos, desejável. Além disso, muitas profissões são
regulamentadas por lei e seu exercício obriga ao registro em Conselhos
Profissionais, que são, legalmente falando, as entidades responsáveis pelo
controle e disciplina ética das profissões.

A participação em associações, conselhos e sindicatos faz com que


existam razões maiores para se exercer profissões, que o mero deleite
pessoal. Os profissionais se tornam mais solidários e zelam para que
suas condutas se reflitam na imagem de suas profissões.

51
II.2. Valor e utilidade das profissões

Toda profissão possui um valor intrínseco: a utilidade que ela oferece à


sociedade. Profissões inúteis simplesmente desaparecem. Uma exceção a
essa regra talvez seja a profissão dos políticos, mas é claro que estou apenas
fazendo um chiste. Não há democracia sem política e sem (bons) políticos.

Tanto quem pratica uma profissão como quem dela recebe os serviços
desfruta de seus benefícios. Difícil afirmar para quem a utilidade é maior, isso
depende do ponto de vista das satisfações obtidas. Quem vende um serviço de
engenharia valoriza mais o dinheiro que receberá, ao passo que quem compra
um serviço de engenharia valoriza mais a utilidade que receberá em troca do
dinheiro. Esse é um princípio econômico básico que regula as relações de livre
mercado em qualquer regime capitalista.

Mais útil uma profissão será quanto maior for o conceito profissional de
que gozem seus praticantes. Antonio Lopes de Sá afirma que “o conceito
profissional é a evidência, perante terceiros, das capacidades e virtudes de um
ser no exercício de um trabalho habitual e de qualidade superior.” (2001, p.
138).

Existe competência técnica sem ética. Contudo, como bem lembra o


autor retro citado, não se constrói um conceito digno de profissão sem que
se adote uma conduta plena de ética. A competência deve sempre vir
acompanhada de um comportamento ético irrepreensível, para que se fortaleça
a imagem profissional. Quando existe competência técnica sem ética, o risco é
o de que a primeira seja ofuscada pela (falta da) segunda.

O papel da cultura no exercício profissional

Um aspecto geralmente negligenciado pelos profissionais refere-se à


relação entre educação, especialização e prática (esta, ligada à utilidade da
profissão). Alguns alegam que o excesso de especializações afunila o
conhecimento e faz com que diminua a utilidade do profissional; outros, que a

52
especialização é a solução para melhorar a qualidade do trabalho, seguindo na
linha defendida por Durkheim28.

Na verdade, a divisão do trabalho e a especialização são realidades


inelutáveis nas modernas sociedades capitalistas, como já adiantara Durkheim
no final do século XIX (1999, p. 1):

Conquanto a divisão do trabalho não date de ontem, foi só no


fim do século passado [século XVIII] que as sociedades
começaram a tomar consciência dessa lei, que, até então, elas
suportavam quase sem saber. [...]. Não há mais ilusão quanto
à tendência da nossa indústria moderna; ela vai cada vez mais
no sentido dos mecanismos poderosos, dos grandes
agrupamentos de forças e capitais, e, por conseguinte, no da
divisão do trabalho. (grifo nosso).

Com o crescente avanço das ciências e da tecnologia, torna-se cada vez


mais difícil para um engenheiro, por exemplo, estar permanentemente
atualizado sobre todos os aspectos da sua profissão, que muitas vezes se
divide em especialidades compartimentadas.

Portanto, penso que certo grau de especialização é indispensável ao


moderno profissional, desde que acompanhada de uma sólida formação
cultural e um desejo irrefreável de aprender. Uma boa bagagem de cultura
geral ajuda o profissional a entender e a praticar com mais confiança sua
profissão. Um engenheiro, por exemplo, deve ter conhecimentos básicos de
língua estrangeira, administração, finanças, direito, informática, haja vista que
as profissões modernas possuem um enorme grau de interatividade umas com
as outras.

28
Émile Durkheim (1858-1917) foi um sociólogo francês. É considerado o pai da Sociologia
Moderna e chefe da chamada Escola Sociológica Francesa. Deixou um dos principais
trabalhos de contribuição à sociologia, com a publicação da obra “Divisão do Trabalho Social”
(1893), onde analisa as funções sociais do trabalho e procura mostrar a excessiva
especialização e a desumanização do trabalho, que ascendeu com a Revolução Industrial.
Durkheim sublinhava, em seus estudos, os grandes riscos que tal evolução significava para o
bem e o interesse comum da sociedade. Obtido de https://www.ebiografia.com/emile_durkheim/,
acesso em 11/8/19, às 23h34.

53
Uma visão cultural ampla e diversificada ensejará ao profissional maior
qualidade no seu trabalho, com proveitos pessoais e financeiros
inquestionáveis, além de lhe abrir as portas para oportunidades de negócios e
de trabalho.

Um engenheiro pode achar supérfluos os conhecimentos de recursos


humanos, direito do trabalho ou contabilidade, mas quando constituir sua
própria empresa e tiver de lidar com psicólogos, advogados e contabilistas, vai
entender porque esses conhecimentos são importantes.

54
II.3. Função social das profissões

Do exposto até aqui, é inegável o papel social das profissões como:

 veículos de propagação do conhecimento;


 meios de desenvolvimento econômico;
 protetoras das garantias individuais dos cidadãos; e
 preservadoras da saúde e da incolumidade públicas.

Tamanha é a importância das profissões, em especial daquelas que


demandam formação acadêmica sólida, que as nações as vêm
regulamentando há muito tempo, restringindo seu exercício a pessoas que
adquirem capacitação formal e se submetem a controles ético-disciplinares
exercidos pelo próprio Estado ou por entidades às quais esse poder é
delegado.

Não haveria necessidade de regulação caso o exercício de


determinadas profissões não provocasse riscos sociais. Médicos, engenheiros,
advogados, dentistas, químicos, devem estar sujeitos a algum tipo de controle
e fiscalização, de modo a garantir à sociedade que possuem formação
adequada.

Portanto, é natural que as profissões estejam não só a serviço da


realização individual de cada um, mas também do conjunto da sociedade. A
ausência de responsabilidade para com o coletivo assume várias formas,
dentre elas a disputa canibalesca pelo mercado de trabalho, o fornecimento de
serviços técnicos especializados a qualquer custo, a imprevisão no
planejamento e na execução de obras e serviços, enfim, a total ausência de
compromisso com a ética profissional.

Ofertas indiscriminadas e irresponsáveis de propostas de serviços


aviltam a profissão e mercantilizam os profissionais. Não se está aqui a
defender o controle de preços ou da oferta de serviços; sabemos que as leis de
mercado são o esteio da economia capitalista e que todas as tentativas feitas
até hoje por diversos regimes políticos de controlar o mercado de bens e

55
serviços falharam miseravelmente, produzindo pobreza e desabastecimento,
além de dor, sofrimento e abalo da dignidade humana.

O que defendemos é o exercício digno das profissões, a preocupação


com a qualidade dos serviços prestados, o zelo pela incolumidade pública, o
respeito às normas técnicas e às leis. Isso tudo pode ser conjugado com a
prática de preços que remunerem os profissionais dignamente.

Aquele que insiste em se aviltar e trocar seus conhecimentos por


migalhas acaba aviltando toda a profissão.

56
II.4. Deveres profissionais

O ramo da ética que trata dos deveres profissionais é a Deontologia,


termo criado pelo jurista e filósofo britânico Jeremy Bentham, já citado
anteriormente neste trabalho. Sua composição vem das palavras gregas deon,
significando dever ou obrigação, e logos, que quer dizer tratado, estudo,
discurso. Daí que deontologia passou a significar o estudo dos deveres.

Trata-se de uma teoria normativa segundo a qual as escolhas são


moralmente necessárias, proibidas ou permitidas. Cada profissão possui sua
própria deontologia (deontologia médica, deontologia do direito, deontologia da
engenharia etc.).

Toda profissão tem por objetivo a prestação de um serviço, de uma


utilidade, de modo que as ações dos profissionais devem ser direcionadas a
esse fim. Portanto, um complexo de deveres se faz presente na vida de todos
os profissionais, que direcionam suas condutas por meio de regras ou normas
de comportamento traduzidas num código de ética.

Esses deveres éticos se impõem coercitivamente por meio da


fiscalização e do controle exercidos pelos Conselhos Profissionais, aos quais
os praticantes de profissões regulamentadas estão obrigados, por lei, ao
registro. Uma vez escolhida a profissão, a pessoa adere automaticamente às
suas regras deontológicas.

Existem normas éticas que se aplicam a todas as profissões


indistintamente, como, por exemplo, as regras da honestidade, da empatia, do
respeito aos colegas e aos clientes. Outras se aplicam especificamente à
profissão escolhida pelo agente, porquanto existem especificidades entre as
profissões.

Quando um profissional recebe uma consulta ou proposta para a


prestação de um serviço, a primeira coisa que deve ser objeto de
questionamento é: estarei apto a desenvolver tal tarefa de acordo com meus
conhecimentos e experiência? Ou seria melhor recomendar ao ofertante que
procure alguém com melhores qualificações?
57
Isso porque um dos deveres éticos fundamentais é o comprometimento
com a qualidade e a segurança dos serviços prestados. Sem o pleno
conhecimento dos misteres necessários, não há como o profissional cumprir
esse dever de forma satisfatória e segura para seu cliente.

“A escolha da profissão implica o dever do conhecimento e o dever


do conhecimento implica o dever da execução adequada.” (Antonio Lopes
de Sá, 2001, p. 150).

Contudo, para que alguém se dedique a uma profissão de forma


responsável, é necessário, além dos conhecimentos técnicos, que exista
alguma “ligação” entre a pessoa e a profissão que vá além da mera
formalidade acadêmica, o “conseguir um diploma”; essa ligação deve ser
natural, harmoniosa, agradável, de modo que o exercício da profissão gere
também prazer e realização.

Para Antonio Lopes de Sá (2001, p. 150),

A profissão não deve ser um meio, apenas, de ganhar a vida,


mas de ganhar pela vida que ela proporciona, representando
um propósito de fé. Seus deveres, nesta acepção, não são
imposições, mas vontades espontâneas. Isso exige, portanto,
que a seleção da profissão passe pela vocação, pelo amor ao
que se faz, como condição essencial de uma opção.

O mais importante é entender que exercer uma profissão demanda


conhecimento e domínio pleno sobre a matéria de que ela trata, a forma de
executá-la e as consequências que podem advir da má execução. Aceitar uma
tarefa sem ter pleno conhecimento ou capacidade para exercê-la é uma
prática abjeta, condenável, em razão dos danos que pode causar a
terceiros e à reputação do próprio ofício.

A engenharia é, de certo modo, uma espécie de “laboratório”. Existe


sempre o risco de surgirem consequências negativas de determinada
“experiência”. O exercício da engenharia (quando me refiro à engenharia incluo

58
as demais profissões abrangidas pela fiscalização dos Creas) deve ser
conduzido de forma a reduzir os riscos dessas “experiências”.

Como toda a engenharia se baseia em cálculos matemáticos e físicos


(que são feitos, atualmente, com o auxílio de computadores; contudo, se for
introduzida uma variável errada no programa, o resultado será desastroso), é
necessário que os engenheiros sempre se lembrem de sua obrigação social
mais ampla: proteger a segurança do público. A sociedade, por meio dos
impostos, custeia a formação dos profissionais em universidades públicas (e
em parte nas privadas, com subsídios ou financiamentos públicos). Em troca
disso, os profissionais têm o dever moral de zelar pela proteção da sociedade
em todos os seus projetos e obras.

Frequentemente, a decisão de um engenheiro afeta a segurança de


centenas ou até milhares de pessoas; basta pensar nas obras de infraestrutura
de grande porte. Por isso, a responsabilidade ética comanda que se coloque a
vida humana e sua preservação acima de qualquer outra preocupação, seja
com custos, com estética ou com a rapidez na execução.

Quem aceita um encargo profissional sem ter competência para tanto,


sem ter obtido a devida formação acadêmica, incorre em falta ética séria,
podendo ensejar sua responsabilização por imperícia. Mas um trabalho mal
feito também pode causar desastres mesmo quando o profissional está
tecnicamente preparado para ele. Nesse caso, poderá haver responsabilização
por negligência ou imprudência, condutas culposas antiéticas que podem
resultar também em punições nas áreas criminal e civil.

Um profissional que não se especializou em determinada área do


conhecimento, ou que a estudou de forma parcial, mas, mesmo assim, se
arrisca a executá-la, está cometendo falta ética e colocando em risco seus
clientes. É o exemplo do médico ortopedista que decide tratar alguém de uma
infeção otológica ou realizar uma cirurgia plástica sem ter obtido as
necessárias qualificações. Ou de um engenheiro agrônomo que se dispõe a
efetuar uma grande obra de barragem sem ter adquirido os necessários
conhecimentos de cálculo estrutural.

59
Infelizmente, a massificação dos serviços de engenharia e agronomia
tem resultado em falhas grosseiras, desastres e mortes, que presenciamos
cotidianamente nos meios de comunicação. Conhecer o que se faz implica não
só ser especialista naquele ramo do saber, mas também ter o domínio da
execução dos trabalhos, de modo a obter eficácia no resultado. Não basta
saber o quê; é necessário saber como.

Todas as profissões têm um caráter de utilidade, de materialização do


conhecimento. Portanto, a execução das tarefas necessita de um cuidado
especial, para que o projetado se transforme exatamente naquilo que o
projetista idealizou. Se as necessidades do cliente não forem atendidas de
nada adiantaram os conhecimentos teóricos despejados sobre o papel (ou
sobre a tela do computador).

Nada justifica que um profissional execute um trabalho ineficaz por falta


de conhecimento teórico ou prático. Se não sabe fazer ou não adquiriu os
conhecimentos suficientes, não faça!

Casos fortuitos podem prejudicar uma obra de engenharia; mas quando


ela é intencionalmente prejudicada pela negligência, pela imperícia ou pela
imprudência, trata-se de um delito punível na forma da lei, com consequências
muitas vezes danosas ao profissional e à sociedade.

60
II. 5. Virtudes profissionais

Aristóteles, em sua obra Ética a Nicômaco (2002, p. 105), afirma:

O pior dos homens é aquele que exerce sua deficiência moral


tanto em relação a si mesmo, quanto em relação aos seus
amigos; e o melhor dos homens não é o que exerce a sua
virtude em relação a si mesmo, mas em relação a outro, pois
esta é a tarefa difícil.

O grande filósofo grego nos diz que o homem imoral, ao praticar o mal
contra os outros, acaba por se afundar na sua própria torpeza, ao passo que o
homem virtuoso não busca sua própria satisfação moral, mas a dos seus
semelhantes.

Contudo, quem se dedicou mais ao estudo dessa qualidade humana foi


Tomás de Aquino, em sua obra “As Virtudes Morais” (Aquino, 2012), na qual
ele se questiona sobre diversos aspectos da virtude: se são hábitos, se estão
no intelecto do sujeito, se são adquiridas pelos atos ou infundidas pela
divindade, entre outras indagações filosóficas. Seria tedioso discorrer sobre
essa grande obra do santo católico e também fugiria ao escopo meramente
introdutório deste livro.

Em um ponto importante o monge dominicano concorda com Aristóteles,


não sem motivo, já que foi o sábio escolástico que reviveu os ensinamentos
aristotélicos na Idade Média: as virtudes são adquiridas pelos atos dos
homens, pelos bons hábitos, e não são infundidas no homem, como pensava
Agostinho. Para demonstrar o pensamento tomista a esse respeito, a frase a
seguir é emblemática (2012, p. 105):

No entanto, as virtudes que são próprias do homem enquanto é


homem, ou enquanto é partícipe da cidade terrena, não
excedem à faculdade da natureza humana. Por isso, o homem
pode adquiri-las por suas capacidades naturais, a partir dos
próprios atos, o que é evidente desta maneira.

61
Aquino acreditava que as virtudes que o homem adquiria enquanto
“passageiro” deste planeta eram obra de seus próprios atos, mas ele pensava
que quando o homem passasse a morar na “cidade de Deus”, conceito criado
por Santo Agostinho, seria infundido de virtudes, por força divina.

As Virtudes

Os gregos antigos já tinham chegado à conclusão de que as virtudes


são hábitos adquiridos pela prática constante de atos virtuosos, da mesma
forma que a reiteração da prática de atos viciosos torna uma pessoa imoral.

A doutrina cristã prega que existem sete virtudes principais no homem.


Quatro são chamadas “cardeais” e três, “teologais”. A designação cardeal vem
de cardo, nome dos eixos de uma porta. As virtudes representam o eixo central
da moralidade. São elas: prudência, temperança, justiça e fortaleza.

Importante ressaltar que elas não foram uma criação da Igreja Católica;
já estavam presentes nos escritos dos filósofos estoicos gregos e romanos.

Prudência é a capacidade de analisar as consequências de um ato


antes de praticá-lo. O homem prudente não age de forma afoita, precipitada.

Temperança é moderação, frugalidade. Essa palavra deriva de tempero,


dá a ideia de comedimento – não se pode temperar demais uma comida para
que não se estrague. Deve-se, portanto, evitar os excessos.

Justiça aqui difere do conceito jurídico tradicional, de decisão judicial


escorreita. Como virtude, ela significa correção, lealdade, transparência,
imparcialidade, honestidade. Atributos que parecem ter sumido da vida pública
no nosso país.

Fortaleza é vigor, coragem, destemor, fibra moral, resistência. Todo


homem seguro possui essa virtude, não se deixando abater por problemas e
desilusões.

Já as virtudes teologais são a fé, a esperança e a caridade, tendo


conotação essencialmente religiosa baseada na doutrina dos Evangelhos.
62
Em termos do exercício profissional, fica claro que podemos nos valer
das virtudes cardeais como eixo de atuação. Todo profissional deve ser
prudente, temperante, justo e forte. O exercício de uma profissão idônea e útil
eleva o nosso moral e nos exige que sejamos virtuosos. O êxito profissional
está em grande parte ligado a essas qualidades. O engenheiro e o agrônomo
virtuosos criam ao redor de si uma aura de eficiência que vai se espalhando em
círculos concêntricos cada vez maiores, influenciando as pessoas e lhes
angariando simpatia e clientes.

Não basta sermos competentes em termos científicos e tecnológicos;


isso qualquer pessoa medianamente inteligente consegue. É imprescindível
que sejamos também virtuosos, de forma que o exemplo de nossa atuação
profissional possa servir aos demais.

Quando um cliente procura um profissional não está atrás somente de


competência técnica. Ele quer alguém que o ouça com atenção, entenda suas
necessidades, trate-o com consideração e respeito, forneça-lhe soluções
eficientes e de custo módico e que não o engane. O cliente busca
principalmente o profissional virtuoso.

É praticamente impossível listar todas as virtudes profissionais


desejáveis. Apresento as mais comuns e presentes nos diversos códigos de
ética profissional: aptidão, atenção, cautela, diligência, eficácia, empenho,
honestidade, justiça, lealdade, probidade, prudência, rigor, seriedade,
sigilo, solidariedade, zelo.

Todas essas virtudes ou capacidades morais obrigam ao cumprimento


de deveres, de acordo com a natureza de cada trabalho a ser executado, e são
normatizadas sob a forma de Códigos de Ética, quer pela lei, quer pelos
Conselhos Profissionais por meio de normas infralegais.

Para encerrar, valho-me do primeiro artigo de uma antiga lei romana, as


“Institutas do Imperador Justiniano” (2005, p. 21), editada inicialmente no ano
529 d.C: “Os preceitos do direito são estes: viver honestamente, não
causar dano a outrem, dar a cada um o que é seu”.

63
I.6. Fundamentos dos códigos de ética profissional

Já falamos resumidamente de ética, moral, deontologia, virtudes e


deveres. Vamos mostrar agora como todos esses conceitos se interligam num
conjunto de normas de comportamento das profissões regulamentadas, os
Códigos de Ética.

Um código de ética nada mais é que uma espécie de contrato, de pacto


celebrado entre os integrantes de uma categoria profissional, com a finalidade
de estabelecer padrões desejáveis de comportamento que permitam o livre
exercício profissional num ambiente de harmonia e de solidariedade entre
colegas e clientes.

A aplicação das normas desse código é feita pelos Conselhos


Profissionais, entidades de direito público criadas por lei na forma de
autarquias corporativas, cuja finalidade é fiscalizar o exercício profissional.

Os engenheiros, agrônomos, geólogos, geógrafos e meteorologistas


estão sob a jurisdição do Sistema Confea/Crea, formado por um Conselho
Federal de Engenharia e Agronomia e vinte e sete Conselhos Regionais de
Engenharia e Agronomia (um em cada estado e um no distrito federal).

O interesse na aplicação do código de ética é não só dos profissionais,


pelo menos daqueles que exercem sua profissão de modo altaneiro, diligente e
honesto, mas também dos clientes, que desejam receber um bom serviço com
qualidade técnica e preço justo. A sociedade de modo geral lucra com a
fiscalização procedida pelos Conselhos Profissionais, na medida em que é
beneficiada pela atuação ética dos profissionais.

A esse respeito, Antonio Lopes de Sá escreveu (2001, p. 118):

É inequívoco que o ser tenha sua individualidade, sua forma de


realizar seu trabalho, mas também o é que uma norma
comportamental deva reger a prática profissional no que
concerne a sua conduta, em relação a seus semelhantes.

64
Algum tipo de normatização deve existir em cada profissão, assim
como um condomínio não funciona sem um regimento interno ou uma entidade
de classe sem um estatuto, nos quais estejam previstas as penalidades para os
condôminos ou associados faltosos. Se uma profissão é exercida por muitos e
diversos profissionais, é preciso disciplinar suas condutas para o bem de todos.

Inúmeros profissionais ocupam postos de confiança ou de direção em


empresas públicas e privadas, entes e órgão públicos, associações, fundações
etc. Pode-se afirmar então que, a exemplo da capacidade técnica de uma
pessoa jurídica, que é o somatório das capacidades técnicas dos integrantes
do seu quadro, a “qualidade ética” de uma pessoa jurídica se faz pelo
somatório da qualidade ética de seus profissionais.

As organizações não tomam decisões; quem responde em última


análise por elas são os seus profissionais, individual ou coletivamente. Desse
modo, a natureza ética das decisões tomadas pelos engenheiros e agrônomos
influi consideravelmente no papel social das organizações e no seu conceito
junto à sociedade.

Um código de ética, portanto, nas palavras de Rego e Braga (2014, p.


64), que extraíram essa definição do Código de Ética da organização
denominada Professional Engineers Ontario, pode ser definido como “um guia
básico para a conduta profissional e um repertório de deveres a cumprir pelos
engenheiros, relativamente à sociedade, aos empregadores, aos clientes, aos
colegas e subordinados, à profissão e a si próprios. ”

Importante observar que a conduta ética de um profissional não se dá


somente em relação a terceiros, mas também a si mesmo, haja vista que toda
pessoa humana é revestida de uma dignidade inalienável, e uma das
condições para ser digno é manter a autoestima.

Os códigos de ética compilam os deveres mais relevantes que a


comunidade profissional elegeu para dignificar a profissão e angariar o respeito
da sociedade. São, na verdade, repositórios de normas tendentes a regular as

65
condutas dos profissionais e enfatizar as responsabilidades individuais por
suas ações e respectivos efeitos.

Os códigos de ética, contudo, têm certas limitações no que concerne à


capacidade de evitar comportamentos inadequados e aplicar sanções. Uma
delas é a tendência inata dos membros de uma determinada profissão a adotar
um comportamento defensivo dos colegas, mesmo quando caracterizada a
conduta antiética. Trata-se de uma questão de natureza psicológica e
corporativista, difícil de ser superada.

Por outro lado, é impossível prever num código de ética todas as


situações indesejáveis que podem ocorrer durante o exercício profissional.
Sendo assim, algumas condutas erradas são difíceis de serem tipificadas nas
normas postas no código.

Nenhum código de ética, por si mesmo, garante o comportamento


ético. Para isso, as pessoas devem trazer dentro de si valores morais
adquiridos ao longo da vida, para entenderem as consequências da violação da
ética profissional.

Os códigos de ética são as bases formais que permitem analisar e


punir condutas antiéticas e aplicar sanções, as quais devem estar sempre
previstas em lei. Eles estabelecem um rol de princípios que inibem sua violação
pelos profissionais, pelo menos aqueles que têm dentro de si um arcabouço de
princípios morais. Por último, podem ser usados para conscientizar os
estudantes de engenharia e agronomia, futuros profissionais, não só do risco
do exercício profissional, mas também das consequências do seu mau
exercício.

Os códigos de ética contribuem para melhorar a imagem dos


profissionais perante a sociedade, desde que sejam efetivamente obedecidos,
e as sanções neles previstas, aplicadas. Uma lei que não é cumprida não é
respeitada.

Todo código de conduta possui uma base filosófica que o organiza,


sistematiza e lhe dá sustentação teórica. Essa base deve estar fundada em
66
valores morais desejáveis para aquela comunidade, em função de anos de
experiência, buscando aqueles valores ou princípios que deram certo, em
respeito às tradições daquela profissão.

Sejam quais forem as balizas teóricas de um código de ética, elas


estarão sempre fundamentadas em comportamentos virtuosos que se esperam
dos membros daquela profissão.

A estrutura de qualquer codificação normativa é traçada a partir da sua


base filosófica. Depois, delineiam-se os detalhes. O princípio será sempre
igual, o de estabelecer como os profissionais devem se conduzir no exercício
da profissão, de maneira a não prejudicar os colegas e terceiros, garantindo
qualidade e eficiência no trabalho. Não existe um padrão universal a ser
seguido; cada profissão desenvolverá seu código de ética conforme as
características de suas atividades.

Tendo sido estabelecido um conjunto de deveres morais para


determinada profissão, seja por lei ou por norma infra legal autorizada por lei,
todos os participantes daquela comunidade passam a ser automaticamente
tutelados por eles, à semelhança de uma lei penal, que se aplica a toda uma
coletividade que viva sob as mesmas regras.

Para exemplificar, apresento os princípios fundantes do Código de


Ética da Ordem dos Engenheiros de Portugal (Rego e Braga, 2014):

67
Engenharia, uma profissão de confiança pública29.

É objetivo da Engenharia preservar e melhorar as condições de vida da


Humanidade. Para tal, o Engenheiro recorre a conhecimentos científicos e
tecnológicos de elevadas complexidade e especialização que, pela sua
natureza, não são acessíveis à generalidade das partes interessadas na sua
atividade profissional, isto é, aqueles que são ou poderão vir a ser afetados –
positiva ou negativamente - pelos resultados dos atos de engenharia
praticados.

É também sabido que o uso imponderado ou indevido das tecnologias,


bem como a deficiente qualidade de processos, produtos ou serviços
concebidos e produzidos por Engenheiros podem ter consequências trágicas,
por vezes difíceis de antecipar, e comprometer direitos fundamentais das
Pessoas e do Ambiente. Daí o caráter de confiança pública de que se reveste o
exercício da Engenharia.

O exercício da Engenharia como profissão de confiança pública


implica que a valorização científica e técnica seja acompanhada pelo
compromisso com princípios éticos e deveres deontológicos inerentes ao
exercício livre e responsável da profissão.

Daí a importância de destacar, nesse exercício, uma deontologia


profissional capaz de fixar os deveres e responsabilidades requeridos pela
evolução do ambiente profissional, conciliando-a com os valores duradouros
implicados na natureza do ser humano.

Princípios, valores e práticas que relevam para uma fundamentação


ética da engenharia, capaz de aprofundar e elevar os ideais e padrões de
exigência de todos quantos se obrigam ao exercício digno da profissão, de que
a Ordem dos Engenheiros, desde sempre, se constituiu como defensora e
garante.

29
https://www.ordemengenheiros.pt/fotos/editor2/regulamentos/codigo_ed.pdf

68
II.7. Utilitarismo x Responsabilidade – um dilema moral para os
profissionais da engenharia e agronomia.

Quando se trata de resolver problemas éticos na engenharia e na


agronomia (e demais profissões das áreas tecnológicas) deve-se distinguir
entre moral e ética. A primeira, como já exposto no início deste trabalho, refere-
se aos conceitos de certo e errado mais comumente aceitos pela sociedade; a
segunda, a princípios mais abstratos, que podem constar de determinados
códigos de ética ou em livros sobre ética ou filosofia moral. Contudo, ambos os
termos dizem respeito, de modo geral, a padrões de conduta e de julgamento
de ações humanas particulares.

Ética e moral não são a mesma coisa que “lei”. O fato de determinada
ação ser legal não significa que seja necessariamente moral ou ética. Por
exemplo, suponhamos que determinada empresa esteja emitindo poluentes na
atmosfera, mas as emissõs estejam dentro de limites permitidos pela legislação
ambiental. Caso o engenheiro químico da empresa venha a descobrir que
essas emissões são cancerígenas, ele não está legalmente obrigado a
interromper a produção da fábrica. Mas será que estaria moralmente obrigado
a informar às autoridades ambientais sobre o problema?

Do mesmo modo, ilegalidade nem sempre está associada à


imoralidade. Pode ser ilegal emitir certa quantidade de um gás na atmosfera ao
se fabricar um determinado produto, segundo a legislação aplicável. Mas essa
legislação pode estar errada ou exagerada, causando enormes prejuízos às
indústrias (pelo aumento do custo para filtrar e eliminar todo esse gás),
aumentando desnecessariamente o custo final do produto.

Uma teoria moral pode ser analisada sob três critérios ou padrões:

a) um padrão moral para se testar se determinada conduta é certa ou


errada. Pode-se formular esse critério da seguinte forma: “se uma ação está
certa, então possui a característica X”. Todas as ações que consequentemente
possuírem a mesma característica X estarão corretas do ponto de vista moral;

69
b) um princípio moral para categorizar diferentes tipos de ações como
certas ou erradas. Princípios morais possuem a seguinte forma: “as ações do
tipo Y estão certas (ou erradas)”.

c) um julgamento moral sobre a correição ou o erro de uma ação em


particular. Um julgamento moral assume a seguinte forma: “a ação Z está certa
(ou errada)”.

Não é possível incorporar todas as correntes ou visões éticas e


morais prevalescentes na sociedade num único tipo de teoria. Neste livro
abordamos as cinco teorias mais conhecidas: a da Virtude, a Cristã, a do
Dever, a Utilitária e a da Responsabilidade. Contudo, em termos do exercício
das profissões jurisdicionadas ao Sistema Confea/Crea, penso que as duas
teorias éticas mais empregadas são o utilitarismo e a responsabilidade
(principalmente no que toca ao respeito pelas pessoas).

O utilitarismo

O padrão moral do utilitarismo é o seguinte: “uma ação é correta se


produz uma quantidade de bem-estar e felicidade para a maioria das pessoas”.
O utilitarismo tem um grande apelo intuitivo, porque o bem-estar e a felicidade
parecem ser os objetivos de todo e qualquer ser humano. Entretanto, para essa
teoria ser coerente, deve-se definir o que se entende por bem-estar. Cada
pessoa pode ter sua própria definição: para algumas, é prazer físico; para
outras, financeiro; pode ser ainda sucesso profissional. E assim por diante.
Como resolver esse dilema?

Uma das soluções é deixar cada pessoa decidir o que é melhor para si
em termos de felicidade e bem-estar. Então, essa pessoa agiria conforme esse
padrão que se impôs. Mas será que esse padrão é o melhor para as outras
pessoas? Portanto, para que essa solução funcione, esse padrão deve ser bom
para a pessoa que o criou e também para as outras. Somente assim o ideal
utilitarista será realizado.

Uma análise essencialmente utilitarista de um problema consiste em


três passos:
70
1. Determinar o público a que se dirigem suas ações e as pessoas que
serão afetadas por elas, para o bem ou para o mal;

2. Determinar os efeitos positivos e negativos de várias ações


alternativas; e

3. Decidir qual ação produzirá a maior felicidade geral.

As propostas do utilitarismo são muito atraentes, tanto na moralidade


individual quanto na pública (políticas de governo). Sua aplicação é muito
grande nas engenharias, onde decisões técnicas são tomadas tendo por base
uma análise de “custo x benefício” ou “análise de risco”. Contudo, há dois
grandes problemas com a visão essencialmente utilitarista:

1. A implantação do utilitarismo requer um conhecimento extenso e


apurado dos fatos técnicos e de suas consequências no longo prazo, mas esse
conhecimento nem sempre está disponível;

2. A aplicação da teoria ética do utilitarismo pode levar ao bem-estar de


muitas pessoas, mas cometer injustiças individuais irreparáveis.

A ética da responsabilidade (e do respeito pelas pessoas)

O fundamento dessa teoria ética pode ser estatuído como segue:


“ações certas são aquelas que respeitam cada pessoa como agente moral”.

Um agente moral é um indivíduo capaz de perseguir seus próprios


objetivos e de ser responsável por eles. Os agentes morais se distinguem dos
animais e das coisas, que existem para ser objeto dos propósitos ou das ações
morais humanas.

A responsabilidade e o respeito pelos outros estão expressos há


milhares de anos na Regra de Ouro: “Não faça aos outros aquilo que não
queres que te façam”. Essa é uma regra moral prática que pode ser usada na
maioria das situações e deliberações morais. Contudo, ela pode levar a
resultados não muito justos, tanto por ser permissiva demais quanto por ser
restritiva demais.
71
Imaginem um engenheiro que projete um carro excessivamente
potente e veloz, que pode colocar em risco a vida dos motoristas. Em sua
defesa, ele alega que projetou o carro porque sente prazer em dirigir
perigosamente, e gostaria que todas as pessoas tivessem o mesmo prazer.

Esse inconveniente pode ser contornado se, aliado à Regra de Ouro,


for considerado um conjunto de direitos individuais que não podem ser
sacrificados em nome da utilidade geral. Então, para se aplicar uma teoria ética
da responsabilidade e do respeito pelas pessoas, devem-se seguir as
seguintes orientações:

1. Determinar a que público se dirige a ação;

2. Avaliar quais direitos individuais essa ação infringirá; e

3. Escolher a ação que viole o menor número de direitos individuais.

Mas para que isso funcione, é necessário estabelecer a priori uma


classificação dos direitos individuais, para saber quais são os mais básicos. O
direito à vida, por exemplo, é o mais básico de todos, mais que o de
propriedade. Além disso, uma ação que limite um direito individual é menos
grave que outra que impeça totalmente seu exercício. Por fim, uma ação que
produza risco controlado é menos grave que outra que o aumente sem limites.

Não é tarefa fácil para ninguém avaliar todas as suas condutas


potenciais e fazer uma análise teórica e prática, em termos morais, das
consequências. Para isso se exige disciplina, formação cultural e moral, caráter
e desejo de não prejudicar os outros. É isso que se espera dos profissionais do
Sistema Confea/Crea.

72
PARTE III – PROCESSO ÉTICO-DISCIPLINAR NOS CONSELHOS
REGIONAIS DE ENGENHARIA E AGRONOMIA.

III.1. Introdução

Nos Conselhos e Ordens Profissionais existem os Tribunais ou


Comissões de Ética, que funcionam nos moldes de cortes penais, julgando os
casos que lhes são encaminhados, geralmente por denúncias de profissionais,
de entidades de classe, de autoridades constituídas ou até mesmo da própria
fiscalização do conselho.

Os processos são conduzidos de acordo com as garantias


constitucionais da ampla defesa e do contraditório, podendo os acusados
constituir defensores para atuar perante os órgãos julgadores, deduzindo toda
a matéria de defesa cabível, requerendo diligências e buscando provar sua
inocência pelos meios admitidos em direito.

As comissões ou tribunais de ética são formados por membros do


próprio conselho, no que se costuma referir como julgamento interpares, ou
seja, os profissionais faltosos são julgados por seus próprios colegas de
profissão.

As violações às disposições de um código de ética são consideradas


infrações administrativas, por se diferenciarem das infrações penais, cíveis,
trabalhistas etc. Por consequência, são aplicadas por um órgão ou ente
administrativo, regido pelo direito público.

Mesmo nos processos administrativos devem-se observar todas as


garantias individuais previstas na Constituição Federal, mais especificamente
no art. 5º:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de


qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à
vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade,
nos termos seguintes:

73
(...)
II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma
coisa senão em virtude de lei;
(...)
XXXVII - não haverá juízo ou tribunal de exceção;
(...)
XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena
sem prévia cominação legal;
(...)
XL - a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu;
(...)
LIII - ninguém será processado nem sentenciado senão pela
autoridade competente;
LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem
o devido processo legal;
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e
aos acusados em geral são assegurados o contraditório e
ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;
LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por
meios ilícitos;
LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em
julgado de sentença penal condenatória;

Com relação aos direitos e garantias individuais nos processos em geral


e no processo administrativo em particular, podemos dizer que:

 somente lei em sentido estrito (aprovada por órgão legislativo com


soberania popular) pode estipular penas e fixar sanções. Isso não pode
ser feito por ato normativo infralegal, como uma Resolução;

 as penas a serem aplicadas devem estar previstas em lei antes da


prática do ato delitivo pelo profissional;

74
 somente a autoridade competente poderá aplicar a pena prevista em lei.
No caso do Sistema Confea/Crea, as autoridades ou órgãos
competentes para a aplicação das sanções ao código de ética são as
Câmaras Especializadas, o Plenário do Crea e o Plenário do Confea;

 para aplicar uma sanção ou privar alguém dos seus bens é necessário
um processo onde se garanta o amplo direito à defesa e ao contraditório
(que nada mais é que poder falar no processo sempre que a outra parte
o fizer);

 provas ilícitas não são admitidas no processo, tais como interceptações


telefônicas não autorizadas, provas obtidas mediante furto ou roubo,
quebra de sigilo telefônico ou bancário não autorizados judicialmente;

 nenhum profissional poderá ser apenado antes do trânsito em julgado do


processo administrativo. Isso quer dizer que é necessário esperar até
que o Conselho Federal dê a última palavra sobre o assunto, caso o
interessado recorra até aquela instância.

75
III. 2. Norma processual dos processos ético-disciplinares.
Todo processo é conduzido de acordo com regras pré-fixadas e de
conhecimento de todos, quer sejam partes, procuradores, eventuais órgãos de
acusação, magistrados ou sociedade. Essas regras são chamadas normas
processuais, que integram o ramo do direito processual, que, por sua vez,
complementa o direito material. Este é formado pelas regras de direito que
estipulam direitos, deveres e obrigações.
Por exemplo, o código civil brasileiro é uma norma de direito material,
porquanto traz disposições sobre personalidade, direito das obrigações,
contratos, heranças, sucessões, condomínios, pessoas jurídicas, associações,
ou seja, as relações de direito material que regem a vida das pessoas em
sociedade.
Mas quando alguém busca o poder judiciário em busca da tutela de um
direito que lhe foi negado ou violado por alguém, seu processo será conduzido
por normas constantes de outro código, o de processo civil. Este traz
disposições sobre as condições da ação, as partes, seus advogados, despesas
processuais, intervenção de terceiros, competências jurisdicionais, atos
processuais, prazos, citações, recursos.

Resumindo: a norma de direito material diz O direito a ser protegido; a


norma de direito processual diz COMO o direito será protegido.

No Sistema Confea/Crea a norma de direito material que traz as


obrigações éticas dos profissionais é a Resolução nº 1.002/2000, que foi
editada pelo Conselho Federal de acordo com previsão legal expressa no art.
27 da lei nº 5.194/66, que regula o exercício da engenharia e da agronomia. 30
Essa Resolução instituiu o Código de Ética Profissional da Engenharia, da
Agronomia, da Geologia, da Geografia e da Meteorologia.
Outra Resolução importante de direito material do Sistema Confea/Crea
é a de nº 1.090/17, que “Dispõe sobre o cancelamento de registro profissional
por má conduta pública, escândalo ou crime infamante. ” Ela surgiu para

30
A esse respeito, ver nosso livro Comentários à Lei 5.194/66, disponível para acesso gratuito
em https://portal.crea-sc.org.br/divulgacao/livros-tecnicos/.

76
regulamentar o art. 75 da Lei nº 5.194/6631, que trata da possibilidade da
cassação do registro profissional pelo cometimento de má-conduta pública,
crimes e escândalos.
Até então essa norma legal (art. 75) era de difícil aplicação, em função
de conter conceitos juridicamente indeterminados. O que é escândalo? O que é
crime infamante? O que é má conduta pública? Qual norma processual utilizar
no julgamento de processos assim tipificados?
Em função disso, o Confea nomeou um Grupo de Trabalho, do qual
este autor fez parte, que sugeriu aos órgãos competentes do Conselho Federal
a minuta de uma Resolução tendente a esclarecer os pontos mais obscuros do
art. 75 da lei 5.194/66 e definir um rito processual para julgar casos como os
previstos na norma legal.
A norma de direito processual que rege os processos ético-disciplinares
no Sistema Confea/Crea, por sua vez, é a Resolução nº 1.004/2003, que traz
as regras de condução dos processos éticos no âmbito dos Creas e do Confea,
e também dos processos relativos à aplicação da Resolução 1.090/17
(cassação de registro).

31
Art. 75. O cancelamento do registro será efetuado por má conduta pública e escândalos
praticados pelo profissional ou sua condenação definitiva por crime considerado infamante.

77
III.3. O processo ético-disciplinar

III.3.1 Instauração do processo


Todo processo ético-disciplinar inicia-se a partir de uma denúncia, que
pode ser feita pelas pessoas legitimadas relacionadas no art. 7º da Resolução
1.004/2003:

 instituições de ensino que ministrem cursos nas áreas abrangidas


pelo Sistema Confea/Crea;

 qualquer cidadão, individual ou coletivamente, mediante


requerimento fundamentado;

 associações ou entidades de classe, representativas da


sociedade ou de profissionais fiscalizados pelo Sistema
Confea/Crea; ou

 pessoas jurídicas titulares de interesses individuais ou coletivos.

O processo poderá iniciar-se a partir de relatório apresentado pelo setor


de fiscalização do Crea, desde que sejam verificados indícios da veracidade
(materialidade) e autoria dos fatos.
Para serem aceitas, as denúncias devem conter o nome do denunciante,
sua qualificação, endereço, número do documento de identidade, número do
CPF e meios para contato, além de virem assinadas e acompanhadas de
provas, que podem ser documentos, fotografias, desenhos, gravações de áudio
e vídeo etc. Não se aceitam denúncias anônimas em matéria de direito penal e
penal-administrativo.
Uma vez recebida, a denúncia é encaminhada à CE - Câmara
Especializada da modalidade do profissional denunciado. Se for, por exemplo,
denúncia contra um engenheiro civil, ela será encaminhada à CEEC – Câmara
Especializada de Engenharia Civil. Isso está previsto no art. 46 da Lei nº
5.194/66 e no art. 8º da Resolução 1.004/2003.

78
Depois de a CE analisar a denúncia, ela a encaminha à CEP -
Comissão de Ética Profissional, cuja composição é prevista nos Regimentos
dos Conselhos Regionais, a qual intima32 o denunciado a se manifestar.
A CEP poderá tanto acatar a denúncia como rejeitá-la. No primeiro caso,
dará ciência ao denunciado da instauração do processo; no segundo,
devolverá o processo à CE para tomar as providências que entender cabíveis
(podendo ser tanto o arquivamento da denúncia como a devolução à CEP para
que instaure o processo)33.
Importante ressaltar que, para proteger a intimidade e a honra dos
denunciados, os processos de ética tramitam em caráter reservado (não é o
mesmo que sigiloso) nos Conselhos Regionais. Somente os conselheiros, as
partes envolvidas – o denunciante e o denunciado – e os procuradores
constituídos pelas partes terão acesso aos autos, podendo manifestar-se
quando intimados (art. 12 da Resolução 1.004/2003).

III.3.2. Instrução do processo


Depois de instaurado o processo, as atividades de instrução levadas a
efeito pela CEP e destinadas a apurar os fatos consistem na tomada de
depoimentos do denunciante, do denunciado e de suas respectivas
testemunhas; na obtenção de todas as provas não proibidas em lei; e na
adoção de quaisquer diligências que se façam necessárias para o
esclarecimento da denúncia (art. 15, Res. 1004/2003).
A CEP, destinatária das provas produzidas no processo (assim como
as CEs também o são), pode demandar diligências, indicar pessoas a depor,
obter documentos junto a órgãos públicos e cartórios, ou seja, buscar de todas
as formas seu convencimento, eis que está em busca da verdade, que se
costuma chamar de verdade real (baseada nos fatos), em contraposição à
verdade formal (obtida a partir dos documentos juntados aos autos).
Um velho brocardo jurídico assevera que “o que não está nos autos,
não está no mundo”. Essa máxima vale para os processos civis, mas em
matéria de direito administrativo a obtenção da verdade não depende apenas
32
Intimação é o ato pelo qual se dá conhecimento a alguém de um despacho, decisão ou sentença em
um processo, a fim de que tome alguma providência ou se manifeste.
33
A CE é órgão julgador e decisório; a CEP é órgão processador, que não tem poder decisório, apenas
recomenda a punição ou a absolvição à CE.

79
dos documentos juntados, podendo o órgão processador diligenciar em busca
da verdade, sempre respeitando o princípio do contraditório.
Por isso o art. 16 da Resolução 1.004/2003 traz a seguinte disposição:
“Cabe ao denunciado a prova dos fatos que tenha alegado em sua defesa,
sem prejuízo do dever atribuído à Comissão de Ética Profissional para a
instrução do processo”. (grifo nosso).

Durante o processo o denunciado pode juntar novos documentos,


provas, indicar testemunhas, enfim, praticar todos os atos tendentes a
maximizar seu direito à ampla defesa, abrindo-se prazo para a manifestação do
denunciante. O denunciado e o denunciante serão intimados de todos os atos
processuais via AR – Aviso de Recebimento, sendo que, não encontrados,
serão intimados por edital.

Neste ponto vale lembrar que o novo CPC - Código de Processo Civil
traz inúmeras possibilidades de comunicação dos atos processuais às partes.
O art. 190 do CPC autoriza o “negócio processual”, pelo qual as partes podem
convencionar diversos aspectos do processo, inclusive a forma como serão
feitas as intimações e notificações, podendo-se usar e-mail e até aplicativos de
mensagens, como alguns Juizados Especiais vêm fazendo.

Seria interessante que o Confea revisasse a atual norma processual


para prever citações e intimações por outros meios que não somente os
Correios, em virtude do custo e da demora.

III.3.3. Relatório e Decisão na CEP

Depois de praticados todos os atos processuais indispensáveis, como


oitiva das partes, das testemunhas, análise do conjunto probatório etc., a CEP
elaborará relatório contendo o nome das partes, sumário sobre o fato imputado,
sua apuração, o registro das principais ocorrências havidas no andamento do
processo, os fundamentos de fato e de direito que nortearam a análise do
processo e a sugestão de absolvição ou de aplicação de penalidade. Esse
relatório será submetido à CE da modalidade do denunciado, que fará o
julgamento.

80
A CEP decidirá em pleno, ou seja, o relatório produzido pelo conselheiro
relator será colocado em votação, devendo obter a maioria dos votos dos
presentes à reunião, desde que garantido o quórum mínimo regimental. Caso o
relatório aponte a culpa do denunciado, deverá indicar a autoria, efetiva
ocorrência dos fatos e a capitulação da infração no Código de Ética
Profissional. Caso o relatório seja pela improcedência da denúncia, deverá
sugerir o arquivamento do processo.

III.3.4 Julgamento na CE

Depois de votado na CEP, o relatório é encaminhado à CE da


modalidade do denunciado, que nomeará um conselheiro relator para analisar
o processo. Da sua análise resultará um relatório que será submetido à
votação pelo pleno da câmara. O relatório poderá sugerir o arquivamento do
processo, o acatamento da decisão da CEP – caso tenha sido pela punição –
ou até mesmo a devolução do processo ao órgão processante para que
proceda a novas diligências consideradas essenciais pelo órgão julgador.

A decisão tomada pela CE após o julgamento será comunicada às


partes, que terão o prazo de 60 dias para apresentação de recurso ao Plenário
do Conselho Regional. Estando as partes presentes no julgamento, considerar-
se-ão intimadas desde logo da decisão, dando-lhes conhecimento, por escrito,
do início da contagem do prazo para recurso.

Não sendo encontradas as partes, far-se-á sua intimação por edital


divulgado em publicação do Crea, em jornal de circulação na jurisdição, no
diário oficial do estado ou outro meio que amplie as possibilidades de
conhecimento por parte do denunciado, em linguagem que não fira os preceitos
constitucionais de inviolabilidade da sua intimidade, da honra, da vida privada e
da imagem.

III.3.5. Interposição de Recursos

Havendo a interposição de recursos ao Plenário, quer do denunciado


quanto do denunciante, o presidente do Crea designará conselheiro para
81
relatar o processo. O relator indicado não poderá ter participado da fase de
instrução do processo como membro da CEP ou da CE que julgou o
denunciado em primeira instância, nem ter sido o autor da denúncia.

Depois de relatado o processo e devolvido à secretaria pelo conselheiro


relator, o presidente o pautará para a sessão imediatamente seguinte. O
processo será apreciado pelo Plenário do Crea, que lavrará decisão sobre o
assunto, anexando-a ao processo. O relato e apreciação do processo pelo
Plenário do Crea obedecerão às normas fixadas no regimento.

Ausentes do julgamento, as partes serão intimadas da decisão do


plenário por meio de correspondência encaminhada pelo correio, com aviso de
recebimento ou outro meio legalmente admitido, cujo recibo de entrega será
anexado ao processo. Da intimação encaminhada às partes constará o prazo
de sessenta dias para apresentação de recurso ao Plenário do Confea.

Importante ressaltar que o denunciado e o denunciante poderão fazer


sustentações orais tanto na CE quanto no Plenário, por si ou por meio de seus
procuradores, pelo tempo regimental.

III.3.6. Aplicação das sanções

Em não havendo recurso ao Plenário do Confea no prazo assinalado, o


processo transitará em julgado no âmbito do Conselho Regional, sendo
aplicada a sanção ao profissional. As sanções estão previstas no art. 71 da Lei
nº 5.194/66, podendo ser tanto a advertência reservada quanto a censura
pública.

A advertência reservada será anotada nos assentamentos do


profissional e terá caráter confidencial. A censura pública, anotada nos
assentamentos do profissional, será efetivada por meio de edital afixado no
quadro de avisos nas inspetorias, na sede do Crea onde estiver inscrito o
profissional, divulgação em publicação do Crea ou em jornal de circulação na
jurisdição, no diário oficial do estado ou outro meio economicamente aceitável,
que amplie as possibilidades de conhecimento da sociedade.

82
O tempo de permanência do edital divulgando a pena de censura pública
no quadro de avisos das inspetorias e da sede do Crea será fixado na decisão
proferida pela instância julgadora, normalmente não excedendo 365 dias.

III.3.7 Pedido de reconsideração

Caberá um único pedido de reconsideração de decisão em processo


disciplinar, dirigido ao órgão julgador que proferiu a decisão transitada em
julgado, pelas partes interessadas, instruída com cópia da decisão recorrida e
as provas documentais comprobatórias dos fatos arguidos.

A reconsideração, no interesse do profissional penalizado, poderá ser


pedida por ele próprio ou por procurador devidamente habilitado, ou ainda, no
caso de morte, por cônjuge, ascendente, descendente ou irmão.

O pedido de reconsideração será admitido depois de transitada em


julgado a decisão, quando apresentados fatos novos ou circunstâncias
relevantes suscetíveis de justificar a inadequação da sanção aplicada. Julgado
procedente o pedido de reconsideração, o órgão julgador poderá confirmar,
modificar, anular ou revogar, total ou parcialmente, a decisão. Da revisão do
processo não poderá resultar agravamento da pena.

83
III.4. Processo de cassação de registro

O processo de cassação de registro, com base no art. 75 da lei 5.194/66


e na Resolução 1.090/17 do Confea, inicia-se praticamente da mesma forma
que o processo ético-disciplinar, por meio de denúncia formulada por uma das
pessoas legitimadas do art. 7º da Resolução 1.004/2003, mas também de
ofício (iniciativa própria), como consta do art. 5º da Resolução 1.090/17.

Mas, o que é iniciativa própria? Não haverá de ser a de quem


supostamente cometeu o ilícito. Portanto, trata-se de iniciativa do próprio Crea,
por meio de qualquer dos seus órgãos que tenha tido ciência dos fatos
delituosos praticados por profissional registrado naquela jurisdição.

O Crea pode tomar ciência dos fatos por meio de reportagens


jornalísticas escritas, televisadas ou radiofônicas, bem como por comunicação
documentada de qualquer de seus agentes. Essa denúncia também pode ser
encaminhada pela justiça, caso tenha ocorrido uma condenação transitada em
julgado pela prática de crime, o qual, em sendo considerado pelos órgãos
competentes do Crea infamante, deverá ensejar a instauração de um processo
de cassação.

Os fatos delituosos, tendo chegado por qualquer meio ao conhecimento


da autoridade competente, que é o presidente do Conselho, o obrigará a
encaminhá-los à Câmara Especializada da modalidade do profissional suposto
autor dos fatos, para a instauração do processo administrativo visando à
cassação do registro.

É o que determina o § 2º do art. 5º da Resolução 1.090/17:

O Crea deverá instaurar processo de ofício quando


constatados por qualquer meio à sua disposição, inclusive a
partir de notícias veiculadas em meios de comunicação
idôneos, indícios de má conduta pública, escândalo ou
condenação por crime infamante.

Ainda em 2017 o Confea baixou a Portaria AD nº 169, estabelecendo


procedimentos no âmbito daquele Conselho Federal para monitorar a

84
instauração, de ofício, de processos pelos Creas por infração ética, má conduta
pública, escândalo ou condenação por crime considerado infamante.

Essa Portaria veio na esteira do Relatório nº 201700097 da CGU –


Controladoria Geral da União, que recomendou ao Confea

[...] implementar mecanismos para monitorar a devida


instauração de ofício de processos a partir de notícias ou
indícios de infrações éticas, por má conduta e escândalos
praticados pelo profissional ou sua condenação definitiva por
crime considerado infamante.

A Portaria AD nº 169 do Confea determina que a CGO – Gerência de


Comunicação levante notícias veiculadas em meios de comunicação idôneos
acerca de profissionais fiscalizados pelo Sistema Confea/Crea cuja atuação
apresente indícios de infração ética ou qualquer das condutas tipificadas no art.
75 da Lei n. 5.194/66.

Essas notícias devem ser encaminhadas mensalmente aos Creas para


que apurem a veracidade das denúncias e, quando cabível, instaurem de ofício
processos ético-diciplinares contra os envolvidos. O Confea vai monitorar
esses processos; caso determinado Crea não tome providências acerca das
denúncias, a CCSS - Comissão de Controle e Sustentabilidade do Sistema
será alertada para tomar as medidas cabíveis.

Em 2019 o Plenário do Confea, por meio da sua Decisão Plenária nº PL-


0337/2019, assim se manifestou sobre a matéria:

1. Determinar aos Regionais o cumprimento do disposto no §


2º do art. 5º da Resolução nº 1090, de 2017, instaurando
processos de ofício quando constatados por qualquer meio à
sua disposição, inclusive a partir de notícias veiculadas em
meios de comunicação idôneos, indícios de má conduta
pública, escândalo ou condenação por crime infamante;
2. Determinar aos Regionais o encaminhamento de listagem
contendo os processos instaurados para averiguar indícios de

85
má conduta pública, escândalo ou condenação por crime
infamante, no prazo de 30 (trinta) dias;
3. Determinar aos Regionais o gestionamento junto aos órgãos
Federais, Estaduais e Municipais da Região, visando obter
informações acerca de profissionais inseridos no Sistema
Confea/Crea que possuam processos abertos e que possam
servir de provas de indícios de má conduta pública, escândalo
ou condenação por crime infamante.

Não poderia ser diferente. Estamos todos – profissionais éticos,


trabalhadores honestos, intelectuais não engajados – perplexos com os fatos
terríveis que têm assolado este país nos últimos anos. Sucessivos governos
federais aparelharam as instituições públicas e as empresas estatais com
políticos e apaniguados, em regra tecnicamente despreparados, com o único
fito de assaltá-las. Os fatos falam por si, sem que eu precise aqui relembrá-los
ou descrevê-los mais do que já o foram por toda a mídia.

Em muitos dos recentes escândalos – e em outros não tão recentes –


houve a participação de profissionais registrados nos Creas, em geral
ocupantes de cargos de gerência e direção em grandes empresas privadas e
estatais, como Petrobrás, Eletrobrás, Nuclebrás, Odebrecht, OAS, Camargo
Correia, UTC, Sete Brasil. São verdades inquestionáveis, amplamente
dissecadas e divulgadas por todas as redes sociais e de comunicação; fatos
juridicamente comprovados, que já levaram à condenação centenas de
pessoas.

Diante desse quadro escabroso, que outras medidas haveriam de tomar


os Conselhos Regionais de Engenharia e Agronomia, senão instaurar de ofício
processos de cassação de registro contra os profissionais envolvidos, em face
das fartas e substanciosas denúncias e divulgações feitas? Não seriam esses
fatos graves o suficiente para caracterizar a má-conduta pública e o escândalo,
mencionados no art. 75 da Lei n. 5.194/66 e regulamentados pela Resolução
1.090/17 do Confea?

Com relação à prática de crimes infamantes, é necessário aguardar o


trânsito em julgado dos processos, tendo em vista a própria dicção da lei.

86
Estes questionamentos são-nos dirigidos com frequência por
conselheiros de Creas, procuradores, analistas técnicos e profissionais, todos
indignados com o descalabro e a miséria moral que criminosos impingiram às
profissões das engenharias.

Portanto, vejo com bons olhos tanto a Resolução 1.090/17 quanto a


Decisão Plenária nº PL-0337/2019, ambas do Confea, como tentativas de o
Sistema reagir a pessoas que, despidas de escrúpulos morais, vêm atirando na
lama o bom nome dos profissioniais honestos.

Tendo feito essas breves considerações, retomo o fio da meada.

A partir do recebimento da denúncia, o processo de cassação seguirá o


mesmo rito previsto na Resolução 1.004/2003 para os processos de infração
ao Código de Ética. O § 1º do art. 5º da Resolução 1.090/17 determina que

caberá à câmara especializada da modalidade do denunciado,


no caso de recebimento de denúncia, encaminhar o processo à
Comissão de Ética Profissional, com a indicação expressa para
que aquela comissão averigue a ocorrência de infração ao art.
75 da Lei n° 5.194, de 1966, ou ao Código Ético Profissional.

Uma das grandes dúvidas que assolam os conselheiros das Câmaras


Especializadas dos Creas é se um processo que inicia por fatos supostamente
relacionados à violação do Código de Ética pode ser reclassificado para
alguma infração prevista no art. 75 da Lei 5.194/66.

A resposta para essa questão, sob a minha óptica, é sim. No Direito


Processual Penal e no Direito Penal Administrativo vigora a premissa segundo
a qual o acusado defende-se dos fatos, não da classificação jurídica
contida na denúncia. Esta premissa decorre essencialmente da noção de que
ao julgador cabe conhecer e ditar a lei aplicável ao fato posto em julgamento,
segundo o brocardo jurídico “narra-me o fato que te darei o direito”.

Os motivos que autorizariam essa mudança de capitulação pelo órgão


julgador são de duas ordens:

87
1. O princípio da economia processual orienta seja evitada toda uma
instrução processual inexoravelmente fadada a um desfecho que poderia ter
sido obtido desde o início do processo administrativo penal;

2. Se o órgão julgador (CE) pode absolver sumariamente o denunciado e


arquivar o processo caso não atendidas as formalidades do art. 7º da
Resolução 1.004/2003 do Confea ou não caracterizada a infração, é
inarredável a conclusão de que ele também pode, em vez de proceder ao
arquivamento sumário, corrigir a classificação jurídica apontada na denúncia
(caso tenha havido, o que é improvável) ou aquela dada pelo órgão instrutor do
processo, a CEP, pois quem pode o mais, pode o menos.
Não é proporcional ou razoável mitigar o direito do denunciado de
usufruir dos efeitos de uma desclassificação para infração de menor gravidade,
a fim de se prestigiar exclusivamente o processo. Ou seja, se uma denúncia for
processada na CEP com base no art. 75 da Lei 5.194/66, o órgão julgador de
primeiro grau (CE), analisando os fatos narrados na denúncia e nos autos do
processo, após a instrução e produção probatória, pode reclassificar a
denúncia para infração ao Código de Ética, ou vice-versa, intimando o
denunciado dessa decisão para que se manifeste. 34.

Para o denunciado isso não fará diferença, porque ele vai se defender
dos fatos narrados na denúncia, tentando provar que não existiram ou que não
ocorreram do modo descrito; ele não vai se defender de antemão de
determinada classificação jurídica dada aos fatos. É nesses pontos que se
centrará a defesa do denunciado e não na eventual capitulação ou tipificação
legal.

Além disso, o próprio § 1º do art. 5º da Resolução 1.090/17 prevê essa


hipótese, ao determinar que a CE, ao receber a denúncia, a encaminhe à CEP
para que “[...] averigue a ocorrência de infração ao art. 75 da Lei n° 5.194, de
1966, ou ao Código Ético Profissional. ”

Portanto, pode a CE receber a denúncia por suposta infração ética e


reclassificá-la para infração ao art. 75 da Lei 5.194/66 (ou vice-versa),

34
Baseado em artigo publicado em https://www.conjur.com.br/2011-out-29/magistrado-corrigir-
classificacao-juridica-denuncia-ou-queixa, acesso em 07/8/19, 10h35.

88
encaminhando-a à CEP. Esta, por sua vez, após a instrução probatória, pode
concordar com a tipificação feita pela CE, sugerindo a cassação do registro; ou
propor a desclassificação da denúncia para infração ética, que é menos
gravosa.

Como a CEP não é órgão decisório, a palavra final será dada pela CE,
que, recebendo o processo já devidamente instruído da CEP, pode acatar suas
conclusões ou emitir novo relatório, com a classificação da infração que julgar
mais consentânea com os fatos narrados na denúncia, aplicando então a
penalidade cabível (cassação do registro, advertência reservada ou censura
pública).

89
90
IV – CASOS PRÁTICOS REAIS

Os casos a seguir relatados são reais e ocorreram na jurisdição do


Crea-SC, tendo sido extraídos de processos transitados em julgado. Os nomes
verdadeiros foram preservados, bem como outras informações que pudessem
levar à identificação das partes envolvidas.

IV.1. Descumprimento Contratual / abandono de obra.

Denúncia: “O denunciado foi contratado para a construção de uma


casa e não executou a obra, abandonando-a no final de 2008. Para comprovar
a denúncia, encaminho em anexo cópia do contrato e comprovantes de
pagamentos. Os recibos estão em nome de Caio, que na época era o
administrador do denunciado. A ausência do denunciado está causando
problemas e inviabilizando o andamento da minha obra e aprovação do projeto
junto à prefeitura. Desde abril de 2009 (conforme documentos em anexo) a
prefeitura solicitou alterações (correções) no projeto que não foram efetivadas”.

Despacho da Câmara Especializada (CE): “Considerando a


existência nos autos de contrato de prestação de serviços (fls. 03/05) bem
como orçamento global da obra, ambos firmados com anuência do profissional
envolvido; considerando a apresentação dos recibos de pagamento das
parcelas correspondentes à entrada e parte dos demais itens do contrato;
considerando que o art. 50 da Lei nº 9.784/00 estabelece que os atos da
administração devem ser motivados com indicação dos fatos e dos
fundamentos jurídicos; considerando que os documentos apresentados e
descritos atendem ao prescrito na referida lei; nosso voto é de que o processo
seja encaminhado à Comissão de Ética Profissional (CEP) para que se tomem
as devidas providencias”.

Voto fundamentado da CEP: “O objeto da representação efetuado é o


abandono de obra contratada com o profissional Caio, resultando na não
execução do contrato firmado e que se encontra aposto nas fls. 03/05. A
relação direta entre o representante e o representado se encontra formalizada
nas ARTs nº XXXX e YYYY. Analisando-se os autos, cabe afirmar que, em

91
relação a não execução da obra, restou comprovado na documentação
apresentada e nos depoimentos que a responsabilidade pelo embargo não
pode ser atribuída ao representado, já que o motivo relatado foi a existência de
curso de água no terreno; logo, uma questão associada à viabilidade do uso do
terreno e não questões do projeto submetido à prefeitura. Não restou
configurada nos autos modificação significativa no projeto. Houve o embargo,
este foi solucionado, entretanto, verifica-se que o profissional não concluiu o
serviço nem fez o distrato contratual, ato que, definitivamente, se encontra
dentro do desenvolvimento correto do exercício profissional para a consecução
da responsabilidade assumida. O início da construção ocorreu sem a emissão
do alvará; neste caso, tendo em vista o reconhecimento do profissional por
esse descuido de sua parte, fica configurada a falta e o descuido com a
profissão. Com relação ao não cumprimento do contrato, entendemos que o
caso é delicado e necessita de arbitramento judicial para definições das
responsabilidades sobre o ocorrido. Assim sendo, ante a apuração efetuada,
somos de parecer que o profissional infringiu as disposições constantes do
Código de Ética (Resolução nº 1.002 do Confea), mais precisamente, infração
ao art. 9º, III, “f”; e art. 10, I, “a” e III, “f”. “

Voto da CEP: “Considerando-se o relatório (voto fundamentado) e o


conteúdo dos autos, somos de parecer que o profissional, engenheiro civil
Caio, registro no Crea-SC nº ZZZZZZZ, infringiu as disposições constantes do
Código de Ética (Resolução nº 1002 do Confea), devendo-lhe ser aplicada a
pena de advertência reservada”.

Decisão da CE: “A CE decidiu, por unanimidade, ratificar o parecer de


fls. 70/72, mantendo a decisão da CEP de aplicar a penalidade de
ADVERTÊNCIA RESERVADA ao representado por ter infringido a alínea “f” do
inciso III do art. 9º; a alínea “a” do inciso I e a alínea “f” do inciso III, ambos do
art. 10 do Código de Ética Profissional. ”

Não houve recurso ao plenário do Crea/SC e o processo transitou em


julgado.

92
IV.2. Negligência em serviço de engenharia – projeto e execução

Denúncia: “Comprei um apartamento na planta no residencial Júpiter,


na Rua Planetária, nº 1000. No dia da vistoria percebi que nem todas as
tomadas possuíam aterramento. Faltou aterramento, por exemplo, na tomada
dentro do banheiro, dentre outras. Parece que não existem também os DPS –
Dispositivo Protetor de Surtos. Fiz contato com a construtora, com os
responsáveis pelo projeto e pela obra; a arquiteta Vênus e o engenheiro civil
Tício limitaram-se a responder que esse era o padrão da obra e mencionaram
que “em algum lugar da norma dizia que não era necessário aterramento em
todas as tomadas”. De forma que solicito a análise por parte de V.Sas. no
sentido de fazer cumprir a norma NBR ABNT 5410 no tocante às tomadas e
respeito ao uso do DPS”.

Despacho da CE: “Considerando a denúncia feita pelo Sr. Mécio, pelo


fato de os profissionais não terem cumprido a norma NBR 5410; considerando
que o denunciante é profissional registrado no Crea; considerando que o não
cumprimento das normas técnicas provoca risco à vida e ao patrimônio;
Decido pelo encaminhamento do processo à comissão de ética para melhor
averiguação dos fatos, e o desmembramento do processo em dois, um contra a
arquiteta Vênus, e outro contra o engenheiro civil Tício, determinando o
encaminhamento do primeiro processo ao CAU”.

Voto fundamentado da CEP: ”O motivo que fez o denunciante


protocolar a denúncia foi o fato de que os profissionais Vênus e Tício,
responsáveis pelo projeto e execução da obra, não previram a instalação de
aterramentos conforma a norma NBR 5410. Instado a se manifestar [por
escrito], o engenheiro civil Tício disse que a edificação já possuía aterramento
junto ao quadro geral de medidores e no SPDA, esclarecendo demais dados
sobre tomadas e, ao final, mencionando que “não há que se falar em risco aos
moradores conforme as medidas de segurança. ” No entanto, em seu
depoimento, contesta sua afirmação anterior, afirmando, ao ser perguntado se
confirmava que apenas executou o que constava nos projetos em
conformidade com a norma editada pela ABNT: “Não confirmo. Que o texto da
manifestação foi redigido pelo advogado da construtora do qual é empregado.

93
[...] Que apenas executou um projeto aprovado pela construtora. Que, se
dependesse do declarante, teria feito os aterramentos”. Confirma-se assim que
os detalhes elétricos da obra não foram executados em obediência às
normativas existentes. [...] E de acordo com o art. 2º da Lei 6.496/77, o
profissional é o responsável técnico pelos serviços, já que anotou a ART.
Assim sendo, não cumprindo as normas de segurança, entende esta Comissão
de Ética que o profissional representado infringiu as disposições constantes da
Resolução 1002 do Confea, mais precisamente no inciso IV do art. 8º e alínea
“a” do inciso I do art. 9º, recomendando-se a aplicação de uma advertência
reservada como estabelecida no art. 71, “a”, da lei nº 5.194/66”.

Voto da CE: “Considerando os fatos e argumentos que constam do


processo e do relatório e parecer final da Comissão de Ética Profissional, no
qual consta o depoimento do profissional; considerando o enquadramento do
profissional no Código de Ética, tendo infringido as disposições constantes da
Resolução 1002, mais precisamente o inciso IV do art. 8º e a alínea “a”, do
Inciso I, do art. 9º; voto pela aplicação da penalidade de ADVERTÊNCIA
RESERVADA, como estabelecido na alínea “a” do art., 71 da lei nº 5.194/66”.

Não houve recurso ao Plenário do Crea-SC e o processo transitou em


julgado.

IV. 3. Vícios construtivos

Denúncia: “Os denunciantes procuraram o denunciado em 2010 para


que ele elaborasse o projeto e executasse a construção de uma casa. O
denunciado questionou os denunciantes sobre a qualidade do solo, e verificou
in loco que o terreno estava aterrado há mais de 5 anos. [...] Ele disse que não
era necessário fazer a sondagem do solo. [...] A obra foi entregue em 2011.
Um mês depois começaram a aparecer problemas de desnível na lavanderia.
O denunciado foi chamado e resolveu o problema. Mas o desnível aumentou
muito e os denunciantes questionaram o denunciado sobre o motivo, mas ele
disse que estava tudo “normal”. Desde aquela época até hoje, em 2013, o lado
esquerdo da parte da frente da casa teve um desnível de 35 cm; no lado
direito, 22 cm; e no lado esquerdo, 10 cm. Depois de certo tempo o denunciado

94
assumiu o erro, dizendo que teria que “macaquear” a casa a fim de corrigir o
problema, porém não arcaria com os custos. Portanto, vimos a esse órgão
requerer medidas administrativas contra o denunciado”.

Despacho da CE: “Considerando a denúncia apresentada pelos


contratantes contra o engenheiro civil Brutus; considerando o contrato
anexado; considerando a ART apresentada (projeto e execução); considerando
a defesa prévia do profissional; voto pelo encaminhamento do processo à
comissão de ética para apurar as responsabilidades, observando no mínimo o
teor do art. 10, inciso I, alínea “a” da Resolução 1002 do Confea”.

Voto fundamentado da CEP: “Afirmam os denunciantes que o


profissional os orientou a não procederem à sondagem do solo porque não
seria necessário, pois o imóvel estava aterrado há mais de 5 anos. Entendem
que está comprovada a culpa do profissional pelos desníveis do imóvel, tanto
que ele se comprometeu a corrigir o problema, mas sem assumir os custos.
Observaram ainda que o projeto estrutural contém erros grosseiros capazes de
comprometer a estrutura da casa. Requerem a aplicação das penalidades
administrativas ao denunciado. [...] O profissional afirma que não procede a
reclamação, que não tem responsabilidade pelo evento que resultou na
movimentação da construção, nem houve falha de projeto ou execução, sendo
que o problema no solo era de responsabilidade deles. [...]. Finda a instrução,
passa-se ao relatório e parecer fundamentado. [...]. As informações dos
denunciantes foram praticamente ratificadas pelas respostas do profissional
conforme demonstram os quesitos nºs 04 a 08. A Defesa Civil constatou que
houve falha na tomada de decisão do profissional, não exigindo a realização de
sondagem prévia. Observa-se que há relatos de danos que se alastraram para
os vizinhos. [...] Por todo o exposto, está caracterizado que o profissional não
obrou com diligência, não realizando um levantamento mais primoroso do solo,
assumindo o risco deste ato, falhando em não alertar os clientes sobre a
necessidade de estaqueamento. Entende esta Comissão de Ética que o
profissional infringiu as disposições do Código de Ética, mais especificamente
os artigos abaixo elencados: inciso IV do art. 8º, alínea “b” do item III do art. 9º
e a alínea “a” do inciso I do art. 10, recomendando a aplicação de uma censura

95
pública como estabelecido na alínea “b” do art. 71 da lei 5.194/66, considerada
a gravidade da falta”.

Voto fundamentado da CE: “Considerando a denúncia apresentada


pelos contratantes contra o engenheiro civil Brutus; considerando o contrato
apresentado, termos de depoimentos do contratado e dos contratantes,
relatório final da Comissão de Ética deste Conselho; considerando o laudo da
coordenadoria da Defesa Civil do município de Flordelis (com fotos da
residência); considerando que o profissional agiu com negligência, imprudência
e imperícia ao não solicitar a sondagem do terreno; considerando o disposto no
código de ética profissional (Resolução 1002 do Confea), mais especificamente
o inciso IV do art. 8º, a alínea “b” do item III do art. 9º e a alínea “a” do inciso I
do art. 10; DECIDE aplicar a penalidade de CENSURA PÚBLICA ao
denunciado, como estabelecido na alínea “b” do art. 71 da lei 5.194/66”.

Não houve recurso ao Plenário do Crea-SC e o processo transitou em


julgado.

IV.4. Falsidade ideológica e exorbitância de atribuições.

Denúncia35: “Após análise das atribuições profissionais constantes do


art. 7º da Resolução 218/73 e do art. 4º da Resolução 359/91, ambas do
Confea, e a análise da ART nº XXXXXXXXX e o respectivo atestado de
capacidade técnica, instruímos conforme a seguir. O profissional engenheiro
civil e de segurança do trabalho Nero não está habilitado legalmente para se
responsabilizar pelas atividades descritas na ART n. XXXXXXX, sendo a
execução de roçada numa área de 500 mil m², um total de 7.000 troncos e
jardins com área de 4.917,00 m². Providências: Instaurar processo e
encaminhar à CEAGRO e à CEEC para analisarem indício de exorbitância de
atribuições; encaminhar cópia do atestado técnico e ART n. XXXXXX à
fiscalização para que realize diligências a fim de verificar se os serviços foram
de fato executados, e ainda, para que verifique junto ao órgão ambiental se foi
expedida licença para os serviços descritos; informar ao profissional que foi

35
Esta denúncia se originou do órgão do Crea competente para analisar pedidos de acervo técnico, o
Departamento de Registro e Processos.

96
instaurado processo de indício de exorbitância de atribuições e encaminhado
às câmaras especializadas de engenharia agronômica e civil”.

Diligências da fiscalização: “Em diligências realizadas nos dias 24 e


30 de julho de 2014, na Rua Tal, a fim de constatar os serviços anotados na
ART XXXXXXX, pelo eng. Brutus, constatamos que: a empresa Floricultura
Planta Feliz havia realizado a manutenção dos jardins descritos no atestado
técnico, e que a empresa Santa Sé não havia realizado nenhum serviço; que,
em companhia do eng. Brutus, fomos ao local no dia 30 e constatamos que os
serviços de poda de 500 mil m² e derrubada de 7000 troncos não são
percebidos; questionado sobre o verdadeiro local dos serviços, o eng. Brutus
apontou uma área onde estavam plantadas palmeiras e outras árvores; que o
engenheiro não soube dizer como calculou a área das derrubadas; que foi
informado pela Secretaria de Meio Ambiente que para esse serviço não é
necessária licença; foi identificado no sistema SIC do Crea que no mesmo local
existe anotada a ART n. YYYYYYY da construtora Santa Sé para o CTG
Gaúcho Feliz, referente a pavimentação de lajotas com 13.300 m² e
pavimentação em paralelepípedos com 2.000 m², porém nas duas vias não se
identificou nenhuma pavimentação”.

Despachos das Câmaras Especializadas: “Considerando os fatos


apontados nos autos; considerando que se trata de indícios de exorbitância de
atribuições e de falsidade ideológica para obtenção de acervo técnico;
considerando indícios de falsidade ideológica nos documentos apresentados;
considerando que não houve manifestação do profissional no prazo concedido;
considerando o parecer da CEAGRO; voto por: 1) anular a ART XXXXXX; 2)
autuar o profissional por exorbitância de atribuições; 3) fornecer denúncia ao
Ministério Público quanto ao indício do crime de falsidade ideológica referente
ao atestado técnico emitido pelo CTG Gaúcho Feliz; 4) instaurar processo
ético-disciplinar e encaminhá-lo à Comissão de Ética”.

Voto fundamentado da CEP: “Verifica-se que o acervo técnico se


refere à prestação de serviços anotados na ART XXXXXX e que a mesma
estava em discordância com o atestado técnico que descrevia execução de
roçada, diversas podas e jardins. [...] Estes serviços teriam sido realizados para

97
o CTG Gaúcho Feliz, mas na ART foi colocado como “execução de jardinagem”
e empresa executora, a Santa Sé. [...] A diligência constatou que o serviço foi
de fato feito pela empresa Floricultura Planta Feliz, e que a Santa Sé nunca
realizou serviços no local. As câmaras especializadas CEAGRO e CEEC
decidiram pela anulação da ART XXXXXX, autuação por exorbitância e
encaminhamento ao Ministério Público. [...] O profissional anotou na ART
XXXXXX atividades que nunca foram realizadas e além de suas atribuições
profissionais. [...] Recomenda esta Comissão de Ética a aplicação da
penalidade de advertência reservada, por ter o profissional Brutus infringido o
Código de Ética (Resolução 1002 do Confea), mais precisamente as alíneas “a”
e “d” do inciso II do art. 9º, alínea “a” do inciso I e alínea “c" do inciso III do art.
10”.

Voto fundamentado da CE: “Considerando que tanto o profissional


quanto a empresa Santa Sé não possuem habilitação no Crea-SC para realizar
serviços com os apresentados na ART XXXXXX; considerando o depoimento
do profissional, no qual ele declara que não foi feita a execução dos serviços
anotados na ART XXXXXX, mesmo assim solicitou o acervo técnico;
considerando a existência de processos éticos anteriores contra esse
profissional; considerando que ele infringiu as alíneas “a” e “d” do inciso II do
art. 9º, alínea “a” do inciso I e alínea “c" do inciso III do art. 10, todos da
Resolução 1002 do Confea; VOTO pela aplicação da pena de CENSURA
PÚBLICA, considerando a gravidade da falta e os antecedentes do profissional.
Que o tempo de permanência do edital com a censura pública siga o padrão
quanto aos meios de divulgação num período mínimo de 360 dias”.

Não houve recurso ao plenário do Crea-SC e o processo transitou em


julgado.

98
IV.5. Cancelamento de ARTs sem pagamento e posterior
apresentação em órgãos públicos.

Denúncia36. “O Departamento de Fiscalização do Crea-SC detectou


que a engenheira civil Minerva anotava ARTs no sistema informatizado do
Conselho mas não efetivava o pagamento, cancelando-as antes disso. Depois,
utilizava-as para regularizar obras junto a órgãos públicos. Em face dos fatos,
encaminhou o assunto à CE de Engenharia Civil, que decidiu, por
unanimidade, aprovar o relatório e voto fundamentado do relator e encaminhar
o processo à CEP para averiguação de indícios de descumprimento do código
de etica profissional”.

Voto fundamentado da CEP. “Trata-se de processo administrativo


oriundo de uma decisão da Câmara Especializada de Engenharia Civil (fls.
09/10), em 23/01/2014, no auto de infração nº XXXXXXX-X”. [...] Nesse
processo se observa cópia da notificação nº YYYYYY-Y (fl. 02) lavrada em
desfavor da profissional, quando foi instada a apresentar a ART do projeto
arquitetônico e dos complementares da obra da senhora Vênus, tendo em vista
que a ART de nº ZZZZZZZ-Z anotada havia sido cancelada antes do
pagamento. [...] Verifica-se que o auto de infração foi quitado sem que tivesse
sido providenciada a ART, motivo pelo qual foi lavrado novo auto de infração
(fl. 07), o qual novamente correu à revelia, gerando a decisão de
encaminhamento do processo a esta CEP (fls. 09/10). Neste órgão
processador, a profissional foi intimada a se manifestar, não o tendo feito (fls.
14/16). Finda a instrução, passa-se ao relatório. [...] O foco deste processo são
várias anotações de ART efetuadas pela profissional para a contratante Vênus,
que eram baixadas por cancelamento antes de serem quitadas. [...] Nos
quesitos nºs 3, 5, 6 e 7 a profissional confirma que realizou serviços para a
contratante e que modificou as ARTs devido a alterações no endereço.
Percebe-se dos autos que essa informação não é verdadeira. [...] Fato
recorrente é o não pagamento das ARTs anotadas em 2010 e na sequencia do
processo de análise e aprovação na Prefeitura que, segundo a profissional,
ocorreu em 2012. [...] Não há dúvida da configuração de negligência

36
Denúncia originada do Departamento de Fiscalização do Crea e encaminhada à Câmara Especializada
de Engenharia Civil.

99
profissional quanto aos deveres estipulados no Código de Ética da Engenharia.
É clara a intenção de burlar expedientes deste Conselho que visam à proteção
da sociedade, como a anotação de responsabilidade técnica (ART). [...] O
procedimento adotado pela profissional fez com que ela se eximisse da
responsabilidade legal pela execução dos trabalhos. [...] Entende esta
comissão de ética que foram infringidos os seguintes artigos do Código de
Ética Profissional: alíneas “a”, “b”, “c” e “e” do inciso II e alínea “b”, inciso IV do
artigo 9º; alínea “a” do Inciso I, alínea “b” do inciso II e alínea “c” do inciso III do
art. 10, recomendando-se a aplicação da pena de CENSURA PÚBLICA como
estabelecido na alínea “b” do art. 71 da Lei nº 5.194/66, considerando-se a
gravidade da falta”.

Voto fundamentado da CE de Engenharia Civil. “[...] Considerando


que a Comissão de Ética Profissional, depois de apurar os fatos, emitiu
relatório e parecer final (fls. 27/30), sugerindo a aplicação de Censura Pública à
representada; considerando que esta Câmara decidiu acatar o constante
naquele relatório; considerando que as partes foram comunicadas do parecer e
a profissional apresentou nova defesa (fls. 40); considerando que a câmara
analisou a defesa da profissionial e ratificou o parecer anterior da CEP (fls.
44/48); DECIDIU, por unanimidade, aplicar a penalidade de CENSURA
PÚBLICA à profissional representada por infração às alíneas “a”, “b”, “c” e “e”
do inciso II e alínea “b”, inciso IV do artigo 9º; alínea “a” do Inciso I, alínea “b”
do inciso II e alínea “c” do inciso III do art. 10, consoante estabelecido na alínea
“b” do art. 71 da Lei nº 5.194/66. Prazo: 6 (seis) meses”.

Não houve recurso ao Plenário do Crea-SC e o processo transitou em


julgado.

100
V – CASOS HIPOTÉTICOS PARA ESTUDO

Preliminarmente: métodos para análise de problemas éticos

A finalidade deste capítulo é trazer alguns casos hipotéticos para que


estudantes e profissionais da engenharia e da agronomia façam uma análise
ética das situações apresentadas e emitam sua opinião com base nas teorias
éticas apresentadas neste livro e no Código de Ética Profissional do Sistema
Confea/Crea.

De antemão, informo que não existe um gabarito de correção,


simplesmente porque é provável que exista mais de uma solução “eticamente
correta” para cada problema. Os modelos de exercícios aqui propostos foram
extraídos do livro “Ética para Engenheiros”, que consta da bibliografia.

Antes de passarmos ao estudo dos casos hipotéticos, vamos apresentar


alguns conceitos básicos que serão uteis nas análises de casos.

Assim como em qualquer outra atividade intelectual, resolver problemas


morais requer que sejamos analíticos e imaginativos. No modo analítico,
separamos os componentes do problema ético. Isso nos ajuda a descobrir que
tipos de soluções são mais apropriados. Contudo, para resolver problemas
éticos, somente a análise não basta; temos de usar um pouco a imaginação ou
a criatividade, até tentando achar maneiras de reconciliar as situações de
conflitos morais apresentadas.

Vamos considerar algumas ferramentas analíticas começando com um


caso hipotético. Suponhamos que Jacó é um engenheiro químico que trocou de
emprego, saiu da empresa A e foi para a B. Antes de sair, seu antigo gerente
lhe pediu para assinar um documento no qual ele concordava em manter
confidenciais todas as informações técnicas que adquiriu na empresa a
respeito do método produtivo que, segundo o gerente, era “proprietário”
(exclusivo da empresa).

Assim que Jacó começou a trabalhar na empresa B, foi designado para


resolver um problema que envolvia um novo tipo de defensivo agrícola, de

101
nome provisório X, ainda não regulado pela ANVISA, sobre cujo potencial
danoso ao meio ambiente a empresa B não tinha certeza. Jacó percebeu que
poderia haver alguma nocividade no tal produto, havendo duas soluções. A
primeira seria usar algumas informações técnicas que ele aprendera no antigo
emprego para manter o produto X com uma nocividade tal que nunca chegasse
ao mercado. Isso não afetaria a empresa A de nenhum modo. Ou então, ele
poderia usar as mesmas informações técnicas para alterar a composição do
produto X, que passaria a competir com produto similar da empresa A. Jacó
está em dúvida se conversa com o seu novo gerente e o coloca a par dessa
situação.

A primeira questão a se analisar é factual, tem a ver com a falsidade ou


a verdade de uma afirmação. A questão factual a ser analisada neste caso é se
o Produto X é realmente nocivo à saúde humana. Se Jacó pudesse demonstrar
que o Produto X não é nocivo e que sua aprovação pela ANVISA estaria
garantida, não teria problema ético nenhum com que se preocupar. Poderia
esquecer que havia trabalhado na empresa A e seguir adiante. Mas se ele não
pudesse saber a nocividade final do Produto X, ou que esse produto seria
altamente nocivo, então estaria num dilema ético.

A segunda questão é conceitual, tem a ver com o significado ou


finalidade de um termo ou conceito. Por exemplo, saber se as informações que
Jacó obteve na empresa A são “proprietárias” ou não. Há que definir o que se
entende por “informações proprietárias”; depois, verificar se as informações
que Jacó obteve no primeiro emprego se encaixam nessa definição. Numa
situação, ele estará com um problema ético a resolver; na outra, não.

A terceira questão é analisar se o que se está debatendo envolve ou não


um tema moral, isto é, a aplicação de um ou mais princípios morais. Algumas
vezes a aplicação de um princípio moral a determinada situação é bem
simples. Por exemplo, se o Produto X fosse altamente carcinogênico, então
qualquer pessoa dotada de senso moral aceitaria que ele não devesse ser
produzido. Os problemas de Jacó estariam resolvidos. Mas suponhamos que o
Produto X, caso produzido e aplicado nas lavouras, pudesse desencadear
reações alergégicas nos agricultores, sendo mais econômico produzi-lo que

102
interromper a fabricação e causar a demissão de centenas de empregados da
indústria B, localizada numa cidade onde o nível de desemprego é bastante
elevado.

Então, torna-se importante distinguir entre esses três tipos de questões,


porque cada uma é resolvida por um tipo de argumentação diferente:

 Uma questão factual é resolvida por pesquisa teórica e empírica (que


nem sempre é de fácil solução);
 Uma questão conceitual depende da definição dos termos do problema
(que pode levar a mais de uma definição); e
 Uma questão moral é resolvida aplicando-se um ou mais princípios
morais pertinentes (podendo-se escolher vários princípios morais em
tese aplicáveis ao caso sob investigação).

Normalmente uma questão moral envolve a discussão sobre a correta


aplicação de um ou mais princípios de conduta, surgindo dois tipos de
problemas: relevância de princípios e conflito entre princípios.

No problema da relevância, não estamos certos se determinado princípio


moral se aplica àquela específica situação, por exemplo, se o fato de Jacó
utilizar as informações que obteve na empresa A é relevante. Para resolver
esse dilema é necessário antes saber exatamente o que é informação
proprietária e se as que Jacó obteve na empresa A se encaixam nessa
definição.

Numa situação de conflito estamos diante de dois ou mais princípios que


parecem se aplicar à situação estudada, mas são antagônicos entre si. Imagine
se Jacó tivesse de escolher entre ficar na empresa A, que o apoiou durante um
período de grave doença, ou ir para a empresa B, que vai lhe pagar um salário
melhor. São conflitos de princípios: de um lado, a lealdade; de outro, a
necessidade. Ambos se excluem mutuamente. Nesse caso só se pode aplicar
um deles.

103
No caso acima, algumas sugestões podem ser dadas sobre como
analisar as questões envolvidas.

a) estudar o produto X a fundo para ver se ele de fato é ou não nocivo à


saúde humana. Caso não seja, não há relevância nenhuma nas informações
que Jacó adquiriu na empresa A. Do contrário, há que passar para a segunda
análise.

b) verificar se as informações que Jacó obteve na empresa A são


proprietárias ou não. No primeiro caso, não há problema em usá-las na
empresa B; no segundo, trata-se de delito contra a propriedade intelectual ou
até mesmo furto de informações.

c) caso o Produto X seja de fato levemente tóxico, podendo causar


alergias em algumas pessoas, verificar o que é mais relevante do ponto de
vista moral: fabricar o produto assim mesmo, dando emprego a milhares de
pessoas e ajudando a desenvolver a agricultura, ou cancelar a produção do
produto, desempregando muita gente e prejudicando a economia da região.

São dilemas desse tipo que você encontrará nos casos abaixo e que
terá de resolver.

104
V.1. O caso do desmoronamento

Em uma determinada obra pública era necessário efetuar a escavação


de uma vala profunda onde seria posteriormente feita uma parede de concreto.
A obra seguiu normalmente, dentro da melhor técnica. No último trecho, o
engenheiro Marco Aurélio, que trabalhava na empreiteira responsável pela
obra, analisando a firmeza do terreno, decidiu que não seria mais necessário
fazer o escoramento das paredes da vala e determinou que se iniciasse a
concretagem. Contudo, não avisou o engenheiro Brutus, fiscal da obra, que
nesse dia teve que se ausentar. Dois operários que estavam na vala para
realizar o trabalho acabaram soterrados por um desabamento de terra e vieram
a falecer. O engenheiro Marco Aurélio diz que o responsável é o engenheiro
Brutus, fiscal da obra, por não estar presente no dia da concretagem. Afirma
também que a culpa é do encarregado, Sr. José, porque ele não o teria
informado corretamente acerca da firmeza do terreno, o que o levou a
dispensar o escoramento. O engenheiro Brutus acusa o engenheiro Marco
Aurélio de ter tomado a decisão técnica errada sobre o escoramento, e que sua
função era somente fiscalizar o trabalho da empreiteira. E que precisou se
ausentar porque teve de fiscalizar outra obra sob sua responsabilidade, já que
o órgão público em que trabalha está com falta de engenheiros.

Temas para discussão

a) analise o caso à luz das responsabilidades profissionais dos


engenheiros envolvidos, segundo o nosso Código de Ética, art. 9º - Dos
Deveres e art. 10 – Condutas Vedadas.

b) em sua opinião, a quem deveria ser atribuída a culpa pelo acidente?

c) se você fosse o dono da empreiteira, como agiria em relação ao


engenheiro Marco Aurélio?

d) se você fosse o superior hierárquico do engenheiro Brutus, o que


faria?

105
V.2. O caso dos efluentes

A engenheira química Madalena é responsável pelo setor de meio


ambiente numa grande empresa de produtos químicos. A fábrica emite
poluentes nocivos à saúde humana, em especial a dos moradores das
redondezas. A engenheira Madalena tem conhecimento desse fato, mas afirma
que o sistema de tratamento está funcionando bem e não precisa de
alterações. Acontece que houve avaria em um dos sistemas de tratamento. A
engenheira propôs ao engenheiro chefe da fábrica que fosse suspensa a
produção até a reparação do dano, estimada em quatro dias. O chefe alegou
que a interrupção era inviável porque as entregas estavam atrasadas. Desse
modo, sem interromper a produção, a engenheira Madalena conseguiu
consertar o problema em uma semana sem parar a produção. Como
consequência, durante o tempo de reparação, vazaram efluentes e poluíram o
rio que abastecia a pequena vila a jusante da fábrica. Diante dos protestos dos
moradores, a engenheira Madalena foi demitida, e o engenheiro chefe alegou
que, por má informação, não tivera noção da gravidade do problema.

Temas para discussão

a) o que você faria no lugar da engenheira Madalena?

b) você concorda com a decisão do engenheiro chefe da fábrica? Como


procederia no lugar dele?

c) identifique, à luz do nosso Código de Ética, os comportamentos éticos


errados dos dois engenheiros.

106
V.3. O caso da obra inacabada

O engenheiro João foi contratado pelo Sr. Pedro para executar a obra da
sua casa, cujo projeto fora elaborado pelo engenheiro José. Encontrando
várias deficiências no projeto estrutural, o eng. João corrigiu-as parcialmente,
embora sem comunicar seu colega e sem as mencionar no Livro de Ordem. As
modificações trouxeram aumentos de custo para o Sr. Pedro, que o eng. João
lhe apresentou um mês depois. O dono da casa recusou-se a pagar a diferença
e o eng. João abandonou a execução da obra. O Sr. Pedro contratou outro
profissional para acabar a obra. O eng. João entrou com uma ação
indenizatória contra o Sr. Pedro, cobrando-lhe a diferença relativa às correções
do projeto.

Temas para discussão

a) se você fosse o juiz da causa, que decisão daria?

b) Como você analisa o comportamento do eng. João à luz do nosso


Código de Ética?

c) se você fosse o eng. João, como teria procedido?

107
V.4. O caso da troca de mobiliário

O eng. Arsênio é diretor de uma empreiteira que executa obras públicas


para prefeituras. Passam por suas mãos contratos vultosos, de milhões de
reais. Estava executando uma obra de pavimentação para o município de
Flordelis. O eng. Faustino, prefeito da cidade, decidiu trocar a decoração da
sua casa, que já estava muito desgastada. Sua esposa foi a uma loja da cidade
e adquiriu mobiliário no valor de R$ 100.000,00. A mando do marido, pediu
para o lojista entregar a nota fiscal ao eng. Arsênio para que a quitasse, já que
sua empresa detinha um contrato com a prefeitura. Arsênio decidiu pagar para
não ficar “queimado” com o prefeito e não prejudicar a empresa.

Temas para discussão

a) avalie eticamente o comportamento dos engenheiros envolvidos.

b) identifique as virtudes presentes e/ou ausentes nos engenheiros.

c) se você fosse o eng. Arsênio, como teria procedido?

d) você conhece casos similares ao descrito? Analise as consequências


desse episódio para os envolvidos, para a sociedade e para as organizações
em que atuam (empresa e prefeitura).

108
V.5. O caso dos pareceres

Paulo é engenheiro sanitarista no órgão de meio ambiente do município


de Flordelis, incumbindo-lhe emitir pareceres em matéria ambiental. Mas está
desmotivado, porque seus pareceres são assinados pelo engenheiro civil
Murilo, que ocupa um cargo comissionado. O mesmo ocorre com os demais
técnicos do órgão; apenas preenchem os pareceres para o eng. Murilo assinar.
Este, por sua vez, alega que assina os pareceres porque é o chefe do setor e
que, sendo os técnicos servidores do município, seus pareceres não lhes
pertencem, mas sim ao poder público.

Temas para discussão

a) você já passou por essa situação? Caso afirmativo, como procedeu?

b) analise o comportamento do eng. Alfredo e do eng. Murilo à luz do


Código de Ética Profissional;

c) como você acha que os técnicos deveriam agir nessa situação?

109
VI. CONCLUSÃO

Tendo apresentado neste modesto trabalho, resumidamente, as


correntes éticas mais conhecidas (Virtude, Cristã, Dever, Utilidade e
Responsabilidade) e uma introdução à ética profissional, oportuno indagar qual
seria o paradigma ético mais adequado aos profissionais da engenharia,
agronomia, agrimensura, geologia, geografia e meteorologia neste início de
século XXI. Tenho receio, citando Camões, de que me faltem saber, engenho e
arte para tanto.

O senador Renan Calheiros, em discurso que proferiu em 1º de fevereiro


de 2013, quando da sua posse como presidente do Senado, disse o seguinte:

O objetivo em si mesmo é o Brasil, é o interesse nacional. A


ética, Sr. Presidente, Srs. Senadores, é meio, não é fim; a
ética é obrigação de todos nós, é responsabilidade de todos
nós e é dever deste Senado Federal37. (grifo nosso).

Enquanto Calheiros falava, Kant provavelmente se revirava em sua


sepultura e nós, os brasileiros de bem, nos revirávamos em nossas poltronas.
Para Renan, os meios justificam os fins, mesmo que este seja “o bem do
Brasil”. O senador, com certeza, sabe que ele próprio não é um paradigma
ético a ser seguido, mesmo que os seus fins justifiquem os meios.

Mas Renan não ficou só. Em agosto de 2013, o então senador Lobão
Filho, relator da reforma do regimento Interno do Senado, retirou a palavra
ética do projeto, alegando que “a ética é relativa, o que é ético para você, pode
não ser para mim”. Pelo menos o senador demonstrou ter conhecimento do
que é relativismo ético38. Mais tarde, em virtude das reclamações dos colegas e
dos protestos de parte da sociedade, a palavra ética voltou ao Regimento do
Senado.

37
https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2013/02/01/renan-defende-etica-em-discurso-
leia-a-integra.htm, acesso em 5/8/19, 15h27.
38
https://oglobo.globo.com/brasil/lobao-filho-retira-palavra-etica-do-novo-codigo-de-conduta-do-
senado-9372131, acesso em 5/8/19, 15h29.

110
As falas desses senhores é um paradigma não da ética, mas da
antiética, da canalhice, pensamento peculiar dos que subordinam princípios
morais às suas conveniências.

Que tipo de paradigma ético sobreviveria aos fatos degradantes a que


temos assistido nos últimos anos na política brasileira? Ao assalto descomunal
aos cofres públicos? À mentira e ao engodo que são atirados diariamente na
nossa cara? Às gravações obtidas de forma clandestina que nos mostram a
forma despudorada como alguns marginais conspiram contra a república e o
estado democrático de direito?

Como convencer os jovens, os estudantes, os profissionais, a se


comportarem de modo ético, respeitando as leis morais que fundaram nossa
civilização, diante desse panorama institucional e moral desalentador que se
apresenta diante de nós?

Em 2016, segundo amplamente noticiado, a Polícia Federal suspeitava


que o candidato a prefeito com mais chances de vencer a eleição na segunda
maior cidade do Ceará estava sendo financiado pelo PCC – Primeiro Comando
da Capital, organização criminosa que controla os presídios. O cidadão
respondia a 148 inquéritos e ações judiciais, sendo duas delas por homicídio. E
ainda, segundo a própria polícia, o PCC pretendia eleger em todo o país, nas
eleições seguintes, no mínimo 50 vereadores e 10 prefeitos39.

Triste sina a nossa, a de viver num país no qual o crime organizado


comanda a política.

Não menos revoltante foi saber que a filha de uma ex-presidente da


República, conforme matéria publicada na revista Isto É do dia 15/7/16, tinha a
sua disposição exclusiva em Porto Alegre, de forma ilegal e imoral, uma frota
de veículos oficiais bancados com o nosso dinheiro. Eram oito carros de luxo
blindados, quatro para transporte e mais quatro que faziam a escolta armada,

39
https://www.portalodia.com/noticias/policia/pcc-quer-eleger-10-prefeitos-e-50-vereadores-no-ceara-
276706.html, acesso em 5/8/19, 15h31.

111
além de dois motoristas e seguranças. Ela usava os veículos diariamente para
ir ao supermercado, à petshop, ao salão de beleza e à escola dos filhos.

Tal prática deriva do patrimonialismo40 que herdamos dos


colonizadores, sendo infelizmente comum no Brasil. Dela não escaparam
presidentes, governadores e prefeitos, com raras exceções. Enquanto isso, o
prefeito de Londres vai trabalhar usando o metrô; as filhas de um ex-presidente
norte americano andavam de ônibus com seus colegas de escola; e os
deputados suecos moram em cubículos de 25 m² e seus salários equivalem
aos da média da população.

A Era da Informação ampliou nossos horizontes, ao mesmo tempo em


que encurtou distâncias. O mundo hoje está ao nosso alcance. Fomos à Lua e,
mais recentemente, além de Júpiter. Estendemos a expectativa da vida
humana por meio da medicina e dos medicamentos. Colocamos cada pessoa
em contato com as demais, por meio dos telefones celulares e dos
computadores. Construímos reatores nucleares, usinas, navios gigantescos,
aviões e satélites.

Em muitos aspectos relacionados à dignidade, à saúde e à segurança


das pessoas o mundo está melhorando. A expectiva de vida e a renda média
estão aumentando; a mortalidade infantil está diminuindo; o número de filhos
por mulher está caindo em todos os países, com o consequente aumento de
tempo para as mulheres estudarem; as mortes por desastres naturais estão
diminuindo; a preservação da natureza está aumentando41.

Mas será que tudo isso nos está tornando seres humanos moralmente
melhores? Progresso nem sempre significa aperfeiçoamento moral. Nunca
essa constatação ficou tão aparente.

40
O patrimonialismo é a característica de um Estado que não possui distinções entre os limites
do público e do privado. Os políticos e agentes públicos utilizam os recursos do Estado como
se fossem seus. Foi comum em praticamente todos os absolutismos e ainda é no Brasil.
41
https://www.gapminder.org/ignorance/, acesso em 15/8/19, 11h24.

112
A virtude anda esquecida; o dever, descumprido; a utilidade, colocada a
serviço de agentes públicos e privados desonestos; e a responsabilidade,
diluída num oceano de relativismo moral e de vitimização.

Não sei, sinceramente, qual seria o paradigma ético mais adequado à


sociedade em geral e aos profissionais da engenharia e da agronomia em
particular. O que sei é que não pode existir nação civilizada sem um povo
educado e instituições permanentes que funcionem independentemente do
governo de plantão, sob a fiscalização implacável da sociedade e de órgãos de
controle eficientes. A corrupção, infelizmente, é uma doença endêmica, que,
mesmo não podendo ser totalmente erradicada, deve ser controlada e mantida
em níveis suportáveis.

Contudo, é perfeitamente possível utilizarem-se os meios de


comunicação digitais, frutos da Era da Informação, não apenas para o
recrutamento de terroristas, a venda de drogas, de armas e outras finalidades
criminosas, mas também para o aprimoramento cultural, intelectual e moral das
pessoas.

De fato, isso vem ocorrendo gradualmente. Em termos globais, o acesso


à internet tem possibilitado que bilhões de pessoas recebam informações
acerca de assuntos tão diversos quanto saúde, empreendedorismo, técnicas
de cultivo, cursos técnicos profissionalizantes de nível médio e superior,
política, economia, controle de natalidade e tantos outros.

A divulgação do verdadeiro conhecimento talvez seja o maior desafio


colocado atualmente diante das empresas, das universidades, dos governos e
dos Conselhos Profissionais, em virtude do inabalável e avassalador
desenvolvimento das tecnologias, principalmente aquelas ligadas à
disseminação de informações, que nem sempre são confiáveis (basta ver a
praga em que se transformaram as fake news).

113
Diante deste quadro assustador proponho humildemente, à Swift42,
como paradigma ético para os profissionais do Sistema Confea/Crea, que cada
um se paute por uma conduta profissional honesta e justa, respeitando os
seres humanos em sua dignidade (colegas, clientes), utilizando sua técnica e
engenho para satisfazer o maior número de pessoas e assumindo integral
responsabilidade por seus atos, em especial os que possam comprometer a
segurança e a integridade física dos destinatários das obras e serviços técnicos
prestados pelos integrantes deste gigantesco e importante sistema profissional.

Esta é a minha “Modesta Proposta”, que deixo como mensagem final


aos leitores que se aventuraram até aqui.

42
Uma referência a Jonathan Swift, escritor inglês dos séculos XVII e XVIII, considerado o principal
satirista da língua inglesa, que escreveu, entre outras obras, “As viagens de Gulliver” e “Modesta
Proposta”, que deu origem ao meu comentário.

114
ADENDO I

RESOLUÇÃO Nº 1.002, DE 26 DE NOVEMBRO DE 2002.

Adota o Código de Ética Profissional da Engenharia, da Agronomia, da


Geologia, da Geografia e da Meteorologia e dá outras providências.

O CONSELHO FEDERAL DE ENGENHARIA E AGRONOMIA -


Confea, no uso das atribuições que lhe confere a alínea “f” do art. 27 da Lei nº
5.194, de 24 de dezembro de 1966,

Considerando que o disposto nos arts. 27, alínea “n”, 34, alínea “d”, 45,
46, alínea “b”, 71 e 72, obriga a todos os profissionais do Sistema Confea/Crea
a observância e cumprimento do Código de Ética Profissional da Engenharia,
da Agronomia, da Geologia, da Geografia e da Meteorologia;

Considerando as mudanças ocorridas nas condições históricas,


econômicas, sociais, políticas e culturais da Sociedade Brasileira, que
resultaram no amplo reordenamento da economia, das organizações
empresariais nos diversos setores, do aparelho do Estado e da Sociedade
Civil, condições essas que têm contribuído para pautar a “ética” como um dos
temas centrais da vida brasileira nas últimas décadas;

Considerando que um “código de ética profissional” deve ser resultante


de um pacto profissional, de um acordo crítico coletivo em torno das condições
de convivência e relacionamento que se desenvolve entre as categorias
integrantes de um mesmo sistema profissional, visando uma conduta
profissional cidadã;

Considerando a reiterada demanda dos cidadãos-profissionais que


integram o Sistema Confea/Crea, especialmente explicitada através dos
Congressos Estaduais e Nacionais de Profissionais, relacionada à revisão do
“Código de Ética Profissional do Engenheiro e do Engenheiro Agrônomo”
adotado pela Resolução nº 205, de 30 de setembro de 1971;

Considerando a deliberação do IV Congresso Nacional de Profissionais


– IV CNP sobre o tema “Ética Profissional”, aprovada por unanimidade,
propondo a revisão do Código de Ética Profissional vigente e indicando o
Colégio de Entidades Nacionais - CDEN para elaboração do novo texto,

RESOLVE:

Art. 1º Adotar o Código de Ética Profissional da Engenharia, da Agronomia, da


Geologia, da Geografia e da Meteorologia, anexo a presente Resolução,

115
elaborado pelas Entidades de Classe Nacionais, através do CDEN - Colégio de
Entidades Nacionais, na forma prevista na alínea "n" do art. 27 da Lei nº 5.194,
de 1966.

Art. 2º O Código de Ética Profissional, adotado através desta Resolução, para


os efeitos dos arts. 27, alínea "n", 34, alínea "d", 45, 46, alínea "b", 71 e 72, da
Lei nº 5.194, de 1966, obriga a todos os profissionais da Engenharia, da
Agronomia, da Geologia, da Geografia e da Meteorologia, em todas as suas
modalidades e níveis de formação.

Art. 3º O Confea, no prazo de cento e oitenta dias a contar da publicação


desta, deve editar Resolução adotando novo “Manual de Procedimentos para a
condução de processo de infração ao código de Ética Profissional”.

Art. 4º Os Conselhos Federal e Regionais de Engenharia e Agronomia, em


conjunto, após a publicação desta Resolução, devem desenvolver campanha
nacional visando a ampla divulgação deste Código de Ética Profissional,
especialmente junto às entidades de classe, instituições de ensino e
profissionais em geral.

Art. 5° O Código de Ética Profissional, adotado por esta Resolução, entra em


vigor a partir de 1° de agosto de 2003.

Art. 6º Fica revogada a Resolução 205, de 30 de setembro de 1971 e demais


disposições em contrário, a partir de 1º de agosto de 2003.

CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL DA ENGENHARIA, DA AGRONOMIA,


DA GEOLOGIA, DA GEOGRAFIA E DA METEOROLOGIA.

1. PROCLAMAÇÃO

As Entidades Nacionais representativas dos profissionais da


Engenharia, da Agronomia, da Geologia, da Geografia e da Meteorologia
pactuam e proclamam o presente Código de Ética Profissional.

2. PREÂMBULO.

Art. 1º O Código de Ética Profissional enuncia os fundamentos éticos e


as condutas necessárias à boa e honesta prática das profissões da
Engenharia, da Agronomia, da Geologia, da Geografia e da Meteorologia e
relaciona direitos e deveres correlatos de seus profissionais.

Art. 2º Os preceitos deste Código de Ética Profissional têm alcance


sobre os profissionais em geral, quaisquer que sejam seus níveis de formação,
modalidades ou especializações.

116
Art. 3º As modalidades e especializações profissionais poderão
estabelecer, em consonância com este Código de Ética Profissional, preceitos
próprios de conduta atinentes às suas peculiaridades e especificidades.

3. DA IDENTIDADE DAS PROFISSÕES E DOS PROFISSIONAIS

Art. 4º As profissões são caracterizadas por seus perfis próprios, pelo


saber científico e tecnológico que incorporam, pelas expressões artísticas que
utilizam e pelos resultados sociais, econômicos e ambientais do trabalho que
realizam.

Art. 5º Os profissionais são os detentores do saber especializado de


suas profissões e os sujeitos proativos do desenvolvimento.

Art. 6º O objetivo das profissões e a ação dos profissionais voltam-se


para o bem-estar e o desenvolvimento do homem, em seu ambiente e em suas
diversas dimensões: como indivíduo, família, comunidade, sociedade, nação e
humanidade; nas suas raízes históricas, nas gerações atual e futura.

Art. 7º As entidades, instituições e conselhos integrantes da


organização profissional são igualmente permeados pelos preceitos éticos das
profissões e participantes solidários em sua permanente construção, adoção,
divulgação, preservação e aplicação.

4. DOS PRINCÍPIOS ÉTICOS.

Art. 8º A prática da profissão é fundada nos seguintes princípios éticos


aos quais o profissional deve pautar sua conduta:

Do objetivo da profissão:

I - A profissão é bem social da humanidade e o profissional é o agente


capaz de exercê-la, tendo como objetivos maiores a preservação e o
desenvolvimento harmônico do ser humano, de seu ambiente e de seus
valores; Da natureza da profissão:

II – A profissão é bem cultural da humanidade construído


permanentemente pelos conhecimentos técnicos e científicos e pela criação
artística, manifestando-se pela prática tecnológica, colocado a serviço da
melhoria da qualidade de vida do homem; Da honradez da profissão:

III - A profissão é alto título de honra e sua prática exige conduta


honesta, digna e cidadã; Da eficácia profissional:

117
IV - A profissão realiza-se pelo cumprimento responsável e competente
dos compromissos profissionais, munindo-se de técnicas adequadas,
assegurando os resultados propostos e a qualidade satisfatória nos serviços e
produtos e observando a segurança nos seus procedimentos;

Do relacionamento profissional:

V - A profissão é praticada através do relacionamento honesto, justo e


com espírito progressista dos profissionais para com os gestores, ordenadores,
destinatários, beneficiários e colaboradores de seus serviços, com igualdade
de tratamento entre os profissionais e com lealdade na competição;

Da intervenção profissional sobre o meio:

VI - A profissão é exercida com base nos preceitos do desenvolvimento


sustentável na intervenção sobre os ambientes natural e construído e da
incolumidade das pessoas, de seus bens e de seus valores;

Da liberdade e segurança profissionais:

VII - A profissão é de livre exercício aos qualificados, sendo a


segurança de sua prática de interesse coletivo.

5. DOS DEVERES.

Art. 9º No exercício da profissão são deveres do profissional:

I – ante o ser humano e seus valores:

a) oferecer seu saber para o bem da humanidade;

b) harmonizar os interesses pessoais aos coletivos;

c) contribuir para a preservação da incolumidade pública;

d) divulgar os conhecimentos científicos, artísticos e tecnológicos


inerentes à profissão;

II – ante a profissão:

a) identificar-se e dedicar-se com zelo à profissão;

b) conservar e desenvolver a cultura da profissão;

c) preservar o bom conceito e o apreço social da profissão;

118
d) desempenhar sua profissão ou função nos limites de suas
atribuições e de sua capacidade pessoal de realização;

e) empenhar-se junto aos organismos profissionais no sentido da


consolidação da cidadania e da solidariedade profissional e da coibição das
transgressões éticas.

III - nas relações com os clientes, empregadores e colaboradores:

a) dispensar tratamento justo a terceiros, observando o princípio da


equidade;

b) resguardar o sigilo profissional quando do interesse de seu cliente


ou empregador, salvo em havendo a obrigação legal da divulgação ou da
informação;

c) fornecer informação certa, precisa e objetiva em publicidade e


propaganda pessoal;

d) atuar com imparcialidade e impessoalidade em atos arbitrais e


periciais;

e) considerar o direito de escolha do destinatário dos serviços,


ofertando-lhe, sempre que possível, alternativas viáveis e adequadas às
demandas em suas propostas;

f) alertar sobre os riscos e responsabilidades relativos às prescrições


técnicas e as consequências presumíveis de sua inobservância;

g) adequar sua forma de expressão técnica às necessidades do cliente


e às normas vigentes aplicáveis;

IV - Nas relações com os demais profissionais:

a) atuar com lealdade no mercado de trabalho, observando o princípio


da igualdade de condições;

b) manter-se informado sobre as normas que regulamentam o exercício


da profissão;

c) preservar e defender os direitos profissionais;

V – Ante ao meio:

a) orientar o exercício das atividades profissionais pelos preceitos do


desenvolvimento sustentável;
119
b) atender, quando da elaboração de projetos, execução de obras ou
criação de novos produtos, aos princípios e recomendações de conservação de
energia e de minimização dos impactos ambientais;

c) considerar em todos os planos, projetos e serviços as diretrizes e


disposições concernentes à preservação e ao desenvolvimento dos
patrimônios sociocultural e ambiental.

6. DAS CONDUTAS VEDADAS.

Art. 10. No exercício da profissão, são condutas vedadas ao


profissional:

I - ante ao ser humano e a seus valores:

a) descumprir voluntária e injustificadamente com os deveres do ofício;

b) usar de privilégio profissional ou faculdade decorrente de função de


forma abusiva, para fins discriminatórios ou para auferir vantagens pessoais.

c) Prestar de má-fé orientação, proposta, prescrição técnica ou


qualquer ato profissional que possam resultar danos às pessoas ou a seus
bens patrimoniais;

II – ante à profissão:

a) aceitar trabalho, contrato, emprego, função ou tarefa para os quais


não tenha efetiva qualificação;

b) utilizar indevida ou abusivamente do privilégio de exclusividade de


direito profissional;

c) omitir ou ocultar fato de seu conhecimento que transgrida a ética


profissional;

III - nas relações com os clientes, empregadores e colaboradores:

a) formular proposta de salários inferiores ao mínimo profissional legal;

b) apresentar proposta de honorários com valores vis ou extorsivos ou


desrespeitando tabelas de honorários mínimos aplicáveis;

c) usar de artifícios ou expedientes enganosos para a obtenção de


vantagens indevidas, ganhos marginais ou conquista de contratos;

120
d) usar de artifícios ou expedientes enganosos que impeçam o legítimo
acesso dos colaboradores às devidas promoções ou ao desenvolvimento
profissional;

e) descuidar com as medidas de segurança e saúde do trabalho sob


sua coordenação;

f) suspender serviços contratados, de forma injustificada e sem prévia


comunicação;

g) impor ritmo de trabalho excessivo ou, exercer pressão psicológica ou


assédio moral sobre os colaboradores;

IV - nas relações com os demais profissionais:

a) intervir em trabalho de outro profissional sem a devida autorização


de seu titular, salvo no exercício do dever legal;

b) referir-se preconceituosamente a outro profissional ou profissão;

c) agir discriminatoriamente em detrimento de outro profissional ou


profissão;

d) atentar contra a liberdade do exercício da profissão ou contra os


direitos de outro profissional;

V – ante o meio:

a) prestar de má-fé orientação, proposta, prescrição técnica ou


qualquer ato profissional que possa resultar em dano ao ambiente natural, à
saúde humana ou ao patrimônio cultural.

7. DOS DIREITOS

Art. 11. São reconhecidos os direitos coletivos universais inerentes às


profissões, suas modalidades e especializações, destacadamente:

a) à livre associação e organização em corporações profissionais;

b) ao gozo da exclusividade do exercício profissional;

c) ao reconhecimento legal;

d) à representação institucional.

121
Art. 12. São reconhecidos os direitos individuais universais inerentes
aos profissionais, facultados para o pleno exercício de sua profissão,
destacadamente:

a) à liberdade de escolha de especialização;

b) à liberdade de escolha de métodos, procedimentos e formas de


expressão;

c) ao uso do título profissional;

d) à exclusividade do ato de ofício a que se dedicar;

e) à justa remuneração proporcional à sua capacidade e dedicação e


aos graus de complexidade, risco, experiência e especialização requeridos por
sua tarefa;

f) ao provimento de meios e condições de trabalho dignos, eficazes e


seguros;

g) à recusa ou interrupção de trabalho, contrato, emprego, função ou


tarefa quando julgar incompatível com sua titulação, capacidade ou dignidade
pessoais;

h) à proteção do seu título, de seus contratos e de seu trabalho;

i) à proteção da propriedade intelectual sobre sua criação;

j) à competição honesta no mercado de trabalho;

k) à liberdade de associar-se a corporações profissionais;

l) à propriedade de seu acervo técnico profissional.

8. DA INFRAÇÃO ÉTICA

Art. 13. Constitui-se infração ética todo ato cometido pelo profissional
que atente contra os princípios éticos, descumpra os deveres do ofício,
pratique condutas expressamente vedadas ou lese direitos reconhecidos de
outrem.

Art. 14. A tipificação da infração ética para efeito de processo


disciplinar será estabelecida, a partir das disposições deste Código de Ética
Profissional, na forma que a lei determinar.

122
ADENDO 2

RESOLUÇÃO N° 1.004, DE 27 DE JUNHO DE 2003

Aprova o Regulamento para a Condução do Processo Ético Disciplinar.

O CONSELHO FEDERAL DE ENGENHARIA, ARQUITETURA E AGRONOMIA


– Confea, no uso das atribuições que lhe confere a alínea "f" do art. 27 da Lei
nº 5.194, de 24 de dezembro de 1966, e

Considerando o art. 72 da Lei nº 5.194, de 1966, que estabelece as


penalidades aplicáveis aos profissionais que deixarem de cumprir disposições
do Código de Ética Profissional;

Considerando o Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941, que instituiu a


Lei das Contravenções Penais;

Considerando a Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, que instituiu o Código


do Processo Civil;

Considerando a Lei nº 6.838, de 29 de outubro de 1980, que dispõe sobre o


prazo prescricional para a punibilidade de profissional liberal por falta sujeita a
processo disciplinar;

Considerando o inciso LV do art. 5º da Constituição da República Federativa do


Brasil, de 5 de outubro de 1988, que assegura o direito ao contraditório e ampla
defesa aos litigantes;

Considerando a Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, que regula o processo


administrativo no âmbito da Administração Pública Federal;

Considerando o disposto no Código de Ética Profissional, adotado pela


Resolução nº 1.002, de 26 de novembro de 2002,

RESOLVE:

Art. 1º Aprovar o regulamento para a condução do processo ético disciplinar,


em anexo.

Art. 2º Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 3º Fica revogada a Resolução nº 401, de 6 de outubro de 1995.

123
ANEXO DA RESOLUÇÃO Nº 1.004, DE 27 DE JUNHO DE 2003 -
REGULAMENTO PARA A CONDUÇÃO DO PROCESSO ÉTICO
DISCIPLINAR.

CAPÍTULO I

DA FINALIDADE

Art. 1º Este regulamento estabelece procedimentos para instauração,


instrução e julgamento dos processos administrativos e aplicação das
penalidades relacionadas à apuração de infração ao Código de Ética
Profissional da Engenharia, da Arquitetura, da Agronomia, da Geologia, da
Geografia e da Meteorologia, adotado pela Resolução nº 1.002, de 26 de
novembro de 2002.

§ 1º Os procedimentos adotados neste regulamento também se


aplicam aos casos previstos no art. 75 da Lei nº 5.194, de 1966.

§ 2º Os procedimentos estabelecidos aplicam-se aos profissionais da


Engenharia, da Arquitetura, da Agronomia, da Geologia, da Geografia e da
Meteorologia, em seus níveis superior e médio, que transgredirem preceitos do
Código de Ética Profissional, e serão executados pelos vários órgãos das
instâncias administrativas do Sistema Confea/Crea.

Art. 2º A apuração e condução de processo de infração ao Código de


Ética Profissional obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade,
finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla
defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.

CAPÍTULO II

DA COMISSÃO DE ÉTICA PROFISSIONAL

Art. 3º A Comissão de Ética Profissional é órgão auxiliar das câmaras


especializadas, constituída de acordo com o regimento do Crea.

§ 1º Recomenda-se observar na sua composição a presença de um


representante de cada câmara especializada.

§ 2º O Crea deverá colocar à disposição da Comissão de Ética


Profissional servidores com a incumbência de apoiar as reuniões, lavrando ata,
termo de depoimento, atividade administrativa e assessoramento jurídico
necessários ao seu funcionamento.

Art. 4º É atribuição da Comissão de Ética Profissional:

124
I – iniciar o processo ético ante notícia ou indício de infração;

II - instruir processo de infração ao Código de Ética Profissional,


ouvindo testemunhas e partes, e realizando ou determinando a realização de
diligências necessárias para apurar os fatos; e

III – emitir relatório fundamentado a ser encaminhado à câmara


especializada competente para apreciação, o qual deve fazer parte do
respectivo processo.

Art. 5º A Comissão de Ética Profissional, para atendimento ao disposto


no inciso II e III do art. 4º, deverá:

I - apurar o fato mediante recebimento e análise de denúncias, tomada


de depoimentos das partes e acolhimento das provas documentais e
testemunhais relacionadas à denúncia visando instruir o processo; e

II - verificar, apontar e relatar a existência ou não de falta ética e de


nulidade dos atos processuais.

Art. 6º O coordenador da Comissão de Ética Profissional designará um


de seus membros como relator de cada processo. Parágrafo único. O relator
designado deverá ser, preferencialmente, de modalidade profissional diferente
daquela do denunciado.

CAPÍTULO III

DO INÍCIO DO PROCESSO

Art. 7º O processo será instaurado após ser protocolado pelo setor


competente do Crea em cuja jurisdição ocorreu a infração, decorrente de
denúncia formulada por escrito e apresentada por:

I – instituições de ensino que ministrem cursos nas áreas abrangidas


pelo Sistema Confea/Crea;

II – qualquer cidadão, individual ou coletivamente, mediante


requerimento fundamentado;

III – associações ou entidades de classe, representativas da sociedade


ou de profissionais fiscalizados pelo Sistema Confea/Crea; ou IV – pessoas
jurídicas titulares de interesses individuais ou coletivos.

§ 1º O processo poderá iniciar-se a partir de relatório apresentado pelo


setor de fiscalização do Crea, após a análise da câmara especializada da

125
modalidade do profissional, desde que seja verificado indício da veracidade dos
fatos.

§ 2º A denúncia somente será recebida quando contiver o nome,


assinatura e endereço do denunciante, número do CNPJ – Cadastro Nacional
de Pessoas Jurídicas, se pessoa jurídica, CPF – Cadastro de Pessoas Físicas,
número do RG – Registro Geral, se pessoa física, e estiver acompanhada de
elementos ou indícios comprobatórios do fato alegado.

Art. 8º Caberá à câmara especializada da modalidade do denunciado


proceder a análise preliminar da denúncia, no prazo máximo de trinta dias,
encaminhando cópia ao denunciado, para conhecimento e informando-lhe da
remessa do processo à Comissão de Ética Profissional.

Art. 9º Caberá à Comissão de Ética Profissional proceder instrução do


processo no prazo máximo de noventa dias, contados da data da sua
instauração.

§ 1º Acatada a denúncia, a Comissão de Ética Profissional dará


conhecimento ao denunciado da instauração de processo disciplinar, juntando
cópia da denúncia, por meio de correspondência encaminhada pelo correio
com aviso de recebimento, ou outro meio legalmente admitido, cujo recibo de
entrega será anexado ao processo.

§ 2º Não acatada a denúncia, o processo será encaminhado à câmara


especializada da modalidade do profissional, que decidirá quanto aos
procedimentos a serem adotados.

Art. 10. Duas ou mais pessoas poderão demandar questão no mesmo


processo.

Parágrafo único. A Comissão de Ética Profissional, mediante


justificativa, poderá determinar a juntada de duas ou mais denúncias contra um
mesmo profissional, em razão da falta cometida ou fatos denunciados.

Art. 11. O processo instaurado será constituído de tantos tomos


quantos forem necessários, contendo até duzentas folhas cada, numeradas
ordenadamente e rubricadas por servidor credenciado do Crea, devidamente
identificado pela sua matrícula.

Parágrafo único. Todos os atos e termos processuais - a denúncia, a


defesa e os recursos - serão feitos por escrito, utilizando-se o vernáculo, com a
data e o local de sua realização e a assinatura do responsável.

126
Art. 12. Os processos de apuração de infração ao Código de Ética
Profissional correrão em caráter reservado.

Parágrafo único. Somente as partes envolvidas – o denunciante e o


denunciado – e os advogados legalmente constituídos pelas partes terão
acesso aos autos do processo, podendo manifestar-se quando intimadas.

Art. 13. O processo será duplicado quando houver pedido de vista ou


recurso ao Confea, mantendo-se uma cópia na unidade ou Crea de origem.

Art. 14. Os procedimentos relacionados ao processo devem realizar-se


em dias úteis, preferencialmente na sede do Crea responsável pela sua
condução, cientificando-se o denunciado se outro for o local de realização.

CAPÍTULO IV

DA INSTRUÇÃO DO PROCESSO

Art. 15. As atividades de instrução, destinadas a apurar os fatos,


consistem na tomada de depoimento do denunciante, do denunciado e suas
respectivas testemunhas, obtenção de todas as provas não proibidas em lei e
na adoção de quaisquer diligências que se façam necessárias para o
esclarecimento da denúncia.

§ 1º O depoimento será tomado verbalmente ou mediante questionário,


se requerido pela parte e autorizado pela Comissão de Ética Profissional.

§ 2º São inadmissíveis no processo as provas obtidas por meios


ilícitos.

§ 3º A prova documental deverá ser apresentada em original ou cópia


autenticada em cartório, ou ainda, cópia autenticada por servidor credenciado
do Crea.

§ 4º As reproduções fotográficas serão aceitas como prova desde que


acompanhadas dos respectivos negativos.

Art. 16. Cabe ao denunciado a prova dos fatos que tenha alegado em
sua defesa, sem prejuízo do dever atribuído à Comissão de Ética Profissional
para a instrução do processo.

Art. 17. O denunciado poderá, na fase de instrução e antes da tomada


da decisão, juntar documentos e pareceres, bem como apresentar alegações
referentes à denúncia objeto do processo.

127
Art. 18. No caso de tomada de depoimento ou quando for necessária a
ciência do denunciado, a prestação de informações ou a apresentação de
provas propostas pelas partes, serão expedidas intimações para esse fim,
mencionando-se data, prazo, forma e condições para atendimento do
requerido.

§ 1º A intimação, assinada pelo coordenador da Comissão de Ética


Profissional, será encaminhada pelo correio com aviso de recebimento, ou por
outro meio legalmente admitido, cujo recibo de entrega será anexado ao
processo, registrando-se a data da juntada e a identificação do funcionário
responsável pelo ato.

§ 2º Não sendo encontradas as partes, far-se-á sua intimação por edital


divulgado em publicação do Crea, ou em jornal de circulação na jurisdição, ou
no diário oficial do estado ou outro meio que amplie as possibilidades de
conhecimento por parte do denunciado, em linguagem que não fira os preceitos
constitucionais de inviolabilidade da sua intimidade, da honra, da vida privada e
da imagem.

§ 3º A intimação observará a antecedência mínima de quinze dias


quanto à data de comparecimento.

§ 4º O não atendimento da intimação não implica o reconhecimento da


verdade dos fatos, nem a renúncia a direito pelo denunciado.

§ 5º O denunciado não poderá arguir nulidade da intimação se ela


atingir os fins para os quais se destina.

Art. 19. No caso de encontrarem-se as partes ou testemunhas em local


distante da sede ou fora de jurisdição do Crea onde o processo foi instaurado,
os depoimentos serão tomados pela Comissão de Ética Profissional da
jurisdição onde se encontram ou, por delegação, pelos inspetores da inspetoria
mais próxima das suas residências ou locais de trabalho.

Parágrafo único. A Comissão de Ética Profissional da jurisdição onde o


processo foi instaurado encaminhará questionário e as peças processuais
necessárias à tomada dos depoimentos.

Art. 20. As partes deverão apresentar, até quinze dias antes da


audiência de instrução, o rol de testemunhas.

§ 1º O rol deverá conter o nome completo, a qualificação, RG e


endereço para correspondência de cada testemunha.

128
§ 2º As testemunhas serão intimadas a comparecer à audiência por
meio de correspondência encaminhada pelo correio, com aviso de
recebimento, ou por outro meio legalmente admitido, cujo recibo de entrega
será anexado ao processo.

§ 3º Não poderão compor o rol de testemunhas das partes as pessoas


incapazes, impedidas ou suspeitas.

§ 4º A Comissão de Ética Profissional poderá, a seu critério, ouvir


outras testemunhas além das arroladas.

Art. 21. A testemunha falará sob palavra de honra, declarando seu


nome, profissão, estado civil e residência; se é parente de alguma das partes e
em que grau; quais suas relações com quaisquer delas e seu interesse no
caso, se houver; relatará o que souber, explicando sempre as razões da sua
ciência.

Art. 22. O depoimento será prestado verbalmente, salvo no caso dos


surdos-mudos, que poderão fazer uso de intérprete da Linguagem Brasileira de
Sinais.

Art. 23. Os depoimentos serão reduzidos a termo, assinados pelo


depoente e pelos membros da Comissão de Ética Profissional.

Art. 24. É vedado, a quem ainda não depôs, assistir ao interrogatório


da outra parte.

Art. 25. Durante a audiência de instrução a Comissão de Ética


Profissional ouvirá em primeiro lugar o denunciante, em segundo o denunciado,
e, em separado e sucessivamente, as testemunhas do denunciante e do
denunciado.

§ 1º Deverão ser abertos os depoimentos indagando-se, tanto ao


denunciante quanto ao denunciado, sobre seu nome, número do RG,
naturalidade, grau de escolaridade e profissão, estado civil, idade, filiação,
residência e lugar onde exerce sua atividade e, na sequência, sobre a razão e
os motivos da denúncia.

§ 2º Ao denunciado será esclarecido que o seu silêncio poderá trazer


prejuízo à própria defesa.

§ 3º Após ter sido cientificado da denúncia, mediante breve relato do


coordenador da Comissão de Ética Profissional, o denunciado será interrogado
sobre:

129
I - onde estava ao tempo da infração e se teve notícias desta;

II - se conhece o denunciante e as testemunhas arroladas e o que


alegam contra ele, bem como se conhece as provas apuradas;

III - se é verdadeira a imputação que lhe é feita;

IV – se, não sendo verdadeira a imputação, tem algum motivo


particular para atribuí-la; e

V - todos os demais fatos e pormenores que conduzam à elucidação


dos antecedentes e circunstâncias da infração.

§ 4º Se o denunciado negar em todo ou em parte o que lhe foi


imputado, deverá apresentar as provas da verdade de suas declarações.

§ 5º As perguntas não respondidas e as razões que o denunciado


invocar para não respondê-las deverão constar no termo da audiência.

§ 6º Havendo comprometimento na elucidação dos fatos em


decorrência de contradição entre os depoimentos das partes, a Comissão de
Ética Profissional, a seu critério, poderá promover acareações.

§ 7º As partes poderão fazer perguntas ao depoente, devendo dirigi-las


ao coordenador da Comissão de Ética Profissional, que após deferi-la,
questionará o depoente.

§ 8º É facultado às partes, requisitar que seja consignado em ata as


perguntas indeferidas.

Art. 26. A audiência de instrução é una e contínua, sendo os


interrogatórios efetuados num mesmo dia ou em datas aproximadas.

Art. 27. A Comissão de Ética Profissional elaborará relatório contendo o


nome das partes, sumário sobre o fato imputado, a sua apuração, o registro
das principais ocorrências havidas no andamento do processo, os fundamentos
de fato e de direito que nortearam a análise do processo e a conclusão, que
será submetido à câmara especializada da modalidade do denunciado.

§ 1º O relatório será submetido à aprovação da Comissão de Ética em


pleno, na mesma sessão de sua leitura.

§ 2º A Comissão de Ética aprovará o relatório por votação em maioria


simples, estando presentes metade mais um de seus membros.

130
§ 3º No caso de haver rejeição do relatório, o coordenador designará
novo relator para apresentar relatório substitutivo, na mesma sessão.

§ 4º Caso o relatório manifeste-se pela culpa do denunciado, deverá


indicar a autoria, efetiva ocorrência dos fatos e a capitulação da infração no
Código de Ética Profissional.

§ 5º Caso o relatório manifeste-se pela improcedência da denúncia,


deverá sugerir o arquivamento do processo.

CAPÍTULO V

DO JULGAMENTO DO PROCESSO NA CÂMARA ESPECIALIZADA

Art. 28. O relatório encaminhado pela Comissão de Ética Profissional


será apreciado pela câmara especializada da modalidade do denunciado, que
lavrará decisão sobre o assunto, anexando-a ao processo.

§ 1º A decisão proferida pela câmara especializada e uma cópia do


relatório da Comissão de Ética Profissional serão levados ao conhecimento das
partes, por meio de correspondência encaminhada pelo correio com aviso de
recebimento, ou por outro meio legalmente admitido, cujo recibo de entrega
será anexado ao processo.

§ 2º A decisão, se desfavorável ao denunciado, informará as


disposições legais e éticas infringidas e a penalidade correspondente.

§ 3º Nos casos em que houver a impossibilidade de julgamento pela


câmara especializada da modalidade do denunciado, as atribuições deste
artigo serão exercidas pelo Plenário do Crea.

§ 4º No caso das partes se recusarem a receber o relatório e a decisão


da câmara especializada ou obstruírem o seu recebimento, o processo terá
prosseguimento, nele constando a recusa ou obstrução.

Art. 29. A câmara especializada deverá julgar o denunciado no prazo


de até noventa dias, contados da data do recebimento do processo.

Art. 30. Será concedido prazo de dez dias para que as partes, se
quiserem, manifestem-se quanto ao teor do relatório.

§ 1º O prazo para manifestação das partes será contado da data da


juntada ao processo do aviso de recebimento ou do comprovante de entrega
da decisão e do relatório ou, encontrando-se em lugar incerto, da data da
publicação da intimação.

131
§ 2º Mediante justificativa, a juízo do coordenador da câmara
especializada, o prazo para manifestação das partes poderá ser prorrogado, no
máximo, por mais dez dias.

Art. 31. Apresentada a manifestação das partes, o coordenador da


câmara especializada indicará um conselheiro para relatar o processo.

Parágrafo único. O relator indicado não poderá ter participado da fase


de instrução do processo como membro da Comissão de Ética Profissional,
nem ter sido o autor da denúncia.

Art. 32. A falta de manifestação das partes no prazo estabelecido não


obstruirá o seguimento do processo.

Art. 33. O relato e apreciação do processo na câmara especializada


obedecerão às normas fixadas no regimento do Crea.

Art. 34. Estando as partes presentes no julgamento, considerar-se-ão


intimadas desde logo da decisão, dando-lhes conhecimento, por escrito, do
início da contagem do prazo para recurso.

Art. 35. Ausentes as partes no julgamento, serão intimadas da decisão


da câmara especializada por meio de correspondência encaminhada pelo
correio com aviso de recebimento, ou por outro meio legalmente admitido, cujo
recibo de entrega será anexado ao processo.

§ 1º Da intimação encaminhada às partes constará o prazo de


sessenta dias para apresentação de recurso ao Plenário do Crea.

§ 2º Não sendo encontradas as partes, far-se-á sua intimação por edital


divulgado em publicação do Crea, ou em jornal de circulação na jurisdição, ou
no diário oficial do estado ou outro meio que amplie as possibilidades de
conhecimento por parte do denunciado, em linguagem que não fira os preceitos
constitucionais de inviolabilidade da sua intimidade, da honra, da vida privada e
da imagem.

Art. 36. Quando do trâmite do processo na câmara especializada, o


conselheiro relator poderá, em caráter excepcional, requerer diligência visando
complementar informações julgadas relevantes para a elucidação dos fatos.

132
CAPÍTULO VI

DA APRESENTAÇÃO DO RECURSO AO PLENÁRIO DO CREA

Art. 37. Da decisão proferida pela câmara especializada, as partes


poderão, dentro do prazo de sessenta dias, contados da data da juntada ao
processo do aviso de recebimento ou do comprovante de entrega da intimação,
interpor recurso que terá efeito suspensivo, para o Plenário do Crea.

Parágrafo único. O teor do recurso apresentado será dado a conhecer


a outra parte, que terá prazo de quinze dias para manifestação.

Art. 38. Recebido o recurso e manifestação da outra parte, o presidente


do Crea designará conselheiro para relatar o processo em plenário.

Parágrafo único. O relator indicado não poderá ter participado da fase


de instrução do processo como membro da Comissão de Ética Profissional ou
membro da câmara especializada que julgou o denunciado em primeira
instância, nem ter sido o autor da denúncia.

Art. 39. O processo, cuja infração haja sido cometida por profissional
no exercício de emprego, função ou cargo eletivo no Crea, no Confea ou na
Mútua, será remetido para reexame do plenário do Crea qualquer que seja a
decisão da câmara especializada e independentemente de recurso interposto
por quaisquer das partes, em até trinta dias após esgotado o prazo
estabelecido no art. 37.

CAPÍTULO VII

DO JULGAMENTO DO PROCESSO NO PLENÁRIO DO CREA

Art. 40. O processo será apreciado pelo Plenário do Crea, que lavrará
decisão sobre o assunto, anexando-a ao processo.

Art. 41. O Plenário do Crea julgará o recurso no prazo de até noventa


dias após o seu recebimento.

Art. 42. O relato e apreciação do processo pelo Plenário do Crea


obedecerão às normas fixadas no regimento do Crea.

Art. 43. Ausentes do julgamento, as partes serão intimadas da decisão


do plenário por meio de correspondência encaminhada pelo correio com aviso
de recebimento, ou por outro meio legalmente admitido, cujo recibo de entrega
será anexado ao processo.

133
§ 1º Da intimação encaminhada às partes constará o prazo de
sessenta dias para apresentação de recurso ao Plenário do Confea.

§ 2º Não sendo encontradas as partes, extrato da intimação será divulgado em


publicação do Crea, ou em jornal de circulação na jurisdição, ou no diário oficial
do estado ou outro meio que amplie as possibilidades de conhecimento por
parte do denunciado, em linguagem que não fira os preceitos constitucionais de
inviolabilidade da sua intimidade, da honra, da vida privada e da imagem.

CAPÍTULO VIII

DA APRESENTAÇÃO DO RECURSO AO PLENÁRIO DO CONFEA

Art. 44. Da decisão proferida pelo Plenário do Crea, as partes poderão,


dentro do prazo de sessenta dias, contados da data da juntada ao processo do
aviso de recebimento ou do comprovante de entrega da intimação, interpor
recurso que terá efeito suspensivo, para o Plenário do Confea. Parágrafo único.
O teor do recurso apresentado será dado a conhecer a outra parte, que terá
prazo de quinze dias para manifestação.

Art. 45. O Crea deverá encaminhar o recurso ao Confea acompanhado


do processo.

Art. 46. Recebido o recurso no Confea, o processo será submetido à


análise do departamento competente e, em seguida, levado à apreciação da
comissão responsável pela sua análise.

Art. 47. Pautado o assunto para análise da comissão, a apreciação da


matéria seguirá o rito previsto em seu regimento.

Art. 48. A comissão, após a apreciação da matéria, emitirá deliberação


em conformidade com o estabelecido em regimento, que será levada à
consideração do Plenário do Confea.

Art. 49. O processo, cuja infração haja sido cometida por profissional
no exercício de emprego, função ou cargo eletivo no Crea, no Confea ou na
Mútua, será remetido para reexame do plenário do Confea, qualquer que seja a
decisão do Crea de origem e independentemente de recurso interposto por
quaisquer das partes, em até trinta dias após esgotado o prazo estabelecido no
art. 44.

134
CAPÍTULO IX

DO JULGAMENTO DO PROCESSO NO PLENÁRIO DO CONFEA

Art. 50. O processo será apreciado pelo Plenário do Confea, que


lavrará decisão sobre o assunto, anexando-a ao processo.

Art. 51. O relato e apreciação do processo pelo Plenário do Confea


obedecerão às normas fixadas no seu regimento.

CAPÍTULO X

DA APLICAÇÃO DAS PENALIDADES

Art. 52. Aos profissionais que deixarem de cumprir disposições do


Código de Ética Profissional serão aplicadas as penalidade previstas em lei.

§ 1º A advertência reservada será anotada nos assentamentos do


profissional e terá caráter confidencial.

§ 2º A censura pública, anotada nos assentamentos do profissional,


será efetivada por meio de edital afixado no quadro de avisos nas inspetorias,
na sede do Crea onde estiver inscrito o profissional, divulgação em publicação
do Crea ou em jornal de circulação na jurisdição, ou no diário oficial do estado
ou outro meio, economicamente aceitável, que amplie as possibilidades de
conhecimento da sociedade.

§ 3º O tempo de permanência do edital divulgando a pena de censura


pública no quadro de avisos das inspetorias e da sede do Crea, será fixado na
decisão proferida pela instância julgadora.

Art. 53. A aplicação da penalidade prevista no art. 75 da Lei nº 5.194,


de 1966, seguirá os procedimentos estabelecidos no § 2º do art. 52.

Art. 54. A pena será aplicada após o trânsito em julgado da decisão.

Parágrafo único. Entende-se como transitada em julgado, a decisão


que não mais está sujeita a recurso.

CAPÍTULO XI

DO PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO

Art. 55. Caberá um único pedido de reconsideração de decisão em


processo disciplinar, dirigido ao órgão julgador que proferiu a decisão

135
transitada em julgado, pelas partes interessadas, instruída com cópia da
decisão recorrida e as provas documentais comprobatórias dos fatos arguidos.

Parágrafo único. A reconsideração, no interesse do profissional


penalizado, poderá ser pedida por ele próprio ou por procurador devidamente
habilitado, ou ainda, no caso de morte, pelo cônjuge, ascendente e
descendente ou irmão.

Art. 56. O pedido de reconsideração será admitido, depois de


transitada em julgado a decisão, quando apresentados fatos novos ou
circunstâncias relevantes suscetíveis de justificar a inadequação da sanção
aplicada.

Art. 57. Julgado procedente o pedido de reconsideração, o órgão


julgador poderá confirmar, modificar, anular ou revogar, total ou parcialmente, a
decisão. Parágrafo único. Da revisão do processo não poderá resultar
agravamento da pena.

CAPITULO XII

DA EXECUÇÃO DA DECISÃO

Art. 58. Cumpre ao Crea da jurisdição do profissional penalizado, onde


se iniciou o processo, a execução das decisões proferidas nos processos do
Código de Ética Profissional.

Parágrafo único. Não havendo recurso à instância superior, devido ao


esgotamento do prazo para sua apresentação ou quando esgotadas as
instâncias recursais, a execução da decisão ocorrerá imediatamente, inclusive
na hipótese de apresentação de pedido de reconsideração.

CAPÍTULO XIII

DA REVELIA

Art. 59. Será considerado revel o denunciado que:

I - se opuser ao recebimento da intimação, expedida pela Comissão de


Ética Profissional, para apresentação de defesa; ou

II – se intimado, não apresentar defesa.

Art. 60. A Declaração da revelia pela Comissão de Ética Profissional


não obstruirá o prosseguimento do processo, garantindo-se o direito de ampla
defesa nas fases subsequentes.

136
Art. 61. Declarada a revelia, o denunciado será intimado a cumprir os
prazos dos atos processuais subsequentes, podendo intervir no processo em
qualquer fase.

CAPÍTULO XIV

DA NULIDADE DOS ATOS PROCESSUAIS

Art. 62. Nenhum ato será declarado nulo se da nulidade não resultar
prejuízo para as partes.

Art. 63. Os atos do processo não dependem de forma determinada


senão quando a lei expressamente a exigir, considerando-se válidos os atos
que, realizados de outro modo, alcançarem a finalidade sem prejuízo para as
partes.

Art. 64. A nulidade dos atos processuais ocorrerá nos seguintes casos:

I - por impedimento ou suspeição reconhecida de um membro da


Comissão de Ética Profissional, câmara especializada, Plenário do Crea ou do
Plenário do Confea, quando da instrução ou quando do julgamento do
processo;

II - por ilegitimidade de parte; ou

III - por falta de cumprimento de preceitos constitucionais ou


disposições de leis.

Art. 65. Nenhuma nulidade poderá ser arguida pela parte que lhe tenha
dado causa ou para a qual tenha concorrido.

Art. 66. As nulidades deverão ser arguidas em qualquer fase do


processo, antes da decisão transitada em julgado, a requerimento das partes
ou de ofício.

Art. 67. As nulidades considerar-se-ão sanadas:

I - se não forem arguidas em tempo oportuno, de acordo com o


disposto no art. 66 deste regulamento; ou

II - se, praticado por outra forma, o ato tiver atingido seu fim.

Art. 68. Os atos processuais, cuja nulidade não tiver sido sanada na
forma do artigo anterior, serão repetidos ou retificados.

137
Parágrafo único. A repetição ou retificação dos atos nulos será
efetuada em qualquer fase do processo.

Art. 69. A nulidade de um ato, uma vez declarada, causará a nulidade


dos atos que dele, diretamente, dependam ou sejam consequência.

Art. 70. Dar-se-á o aproveitamento dos atos praticados, desde que não
resulte prejuízo ao denunciado.

CAPÍTULO XV

DA EXTINÇÃO E PRESCRIÇÃO

Art. 71. A extinção do processo ocorrerá:

I – quando o órgão julgador proferir decisão definitiva;

II – quando a câmara especializada concluir pela ausência de


pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do
processo;

III – quando a câmara especializada ou Plenário do Crea ou Plenário


do Confea declararem a prescrição do ilícito que deu causa ao processo; ou

IV – quando o órgão julgador concluir por exaurida a finalidade do


processo ou o objeto da decisão se tornar impossível, inútil ou prejudicado por
fato superveniente. Parágrafo único. Estes dispositivos não se aplicam aos
casos referidos nos arts. 39 e 49.

Art. 72. A punibilidade do profissional, por falta sujeita a processo


disciplinar, prescreve em cinco anos, contados da verificação do fato
respectivo.

Art. 73. A intimação feita a qualquer tempo ao profissional faltoso


interrompe o prazo prescricional de que trata o art. 72.

Parágrafo único. A intimação de que trata este artigo ensejará defesa


escrita a partir de quando recomeçará a fluir novo prazo prescricional.

Art. 74. Todo processo disciplinar que ficar paralisado por três ou mais
anos, pendente de despacho ou julgamento, será arquivado por determinação
da autoridade competente ou a requerimento da parte interessada.

Art. 75. A autoridade que retardar ou deixar de praticar ato de ofício


que leve ao arquivamento do processo, responderá a processo administrativo

138
pelo seu ato. § 1º Entende-se por autoridade o servidor ou agente público
dotado de poder de decisão. § 2º Se a autoridade for profissional vinculado ao
Sistema Confea/Crea, estará sujeito a processo disciplinar.

CAPÍTULO XVI

DAS DISPOSIÇÕES FINAIS

Art. 76. Nenhuma penalidade será aplicada ou mantida sem que tenha
sido assegurado ao denunciado pleno direito de defesa.

Art. 77. Se a infração apurada constituir violação do Código Penal ou


da Lei das Contravenções Penais, o órgão julgador comunicará o fato à
autoridade competente.

Parágrafo único. A comunicação do fato à autoridade competente não


paralisa o processo administrativo.

Art. 78. É impedido de atuar em processo o conselheiro que:

I – tenha interesse direto ou indireto na matéria;

II – tenha participado ou venha a participar como perito, testemunha ou


representante;

III – haja apresentado a denúncia; ou

IV – seja cônjuge, companheiro ou tenha parentesco com as partes do


processo até o terceiro grau.

§ 1º O conselheiro que incorrer em impedimento deve comunicar o fato


ao coordenador da Comissão de Ética Profissional, câmara especializada ou
plenário, conforme o caso, abstendo-se de atuar.

§ 2º A omissão do dever de comunicar o impedimento constitui falta


grave, para efeitos disciplinares.

Art. 79. Pode ser arguida a suspeição de conselheiro que tenha


amizade íntima ou inimizade notória com alguma das partes ou com os
respectivos cônjuges, companheiros, parentes e afins até o terceiro grau.

Art. 80. Os prazos começam a correr a partir da data da juntada ao


processo do aviso de recebimento ou do comprovante de entrega da intimação,
excluindo-se da contagem o dia do começo e incluindo-se o do vencimento.

139
§ 1º considera-se prorrogado o prazo até o primeiro dia útil seguinte, se
o vencimento cair em dia em que não houver expediente no Crea ou este for
encerrado antes da hora normal.

§ 2º Os prazos expressos em dias contam-se de modo contínuo.

Art. 81. Nos casos omissos aplicar-se-ão, supletivamente ao presente


regulamento, a legislação profissional vigente, as normas do direito
administrativo, do processo civil brasileiro e os princípios gerais do Direito.

Art. 82. Este regulamento aplica-se, exclusivamente, aos processos de


infração ao Código de Ética Profissional iniciados a partir da publicação desta
Resolução no Diário Oficial da União.

140
ADENDO 3

RESOLUÇÃO Nº 1.090, DE 3 DE MAIO DE 2017.

Dispõe sobre o cancelamento de registro


profissional por má conduta pública,
escândalo ou crime infamante.

O CONSELHO FEDERAL DE ENGENHARIA E AGRONOMIA – CONFEA, no


uso das atribuições que lhe confere a alínea "f" do art. 27 da Lei nº 5.194, de 24
de dezembro de 1966, e

Considerando o art. 71 da Lei nº 5.194, de 1966, que estabelece as


penalidades aplicáveis por infração a essa lei;

Considerando o art. 75 da Lei nº 5.194, de 1966, que estabelece que o


cancelamento do registro será efetuado por má conduta pública e escândalos
praticados pelo profissional ou sua condenação definitiva por crime
considerado infamante;

Considerando o inciso XLVII, alínea “b”, do art. 5º da Constituição da República


Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988, que estabelece a garantia de
que não haverá penas de caráter perpétuo;

Considerando o art. 5°, inciso LV, da Constituição da República Federativa do


Brasil, de 1988, que assegura o direito ao contraditório e à ampla defesa dos
litigantes;

Considerando o Código de Ética Profissional, adotado pela Resolução n°


1.002, de 26 de novembro de 2002;

Considerando a resolução específica que aprova o regulamento para condução


do processo ético-disciplinar,

RESOLVE:

Art. 1º Fixar as definições e os procedimentos necessários à condução do


processo de cancelamento do registro profissional pela prática de má conduta
pública, escândalos e crimes infamantes, bem como os procedimentos para
requerimento de reabilitação do profissional.

CAPÍTULO I
DAS DEFINIÇÕES

Art. 2º Para os fins desta resolução considera-se:

141
I - má conduta pública: a atuação incorreta, irregular, que atenta contra as
normas legais ou que fere a moral quando do exercício profissional;

II - escândalo: aquilo que, quando do exercício profissional, perturba a


sensibilidade do homem comum pelo desprezo às convenções ou à moral
vigente, ou causa indignação provocada por um mau exemplo, por má conduta
pública ou por ação vergonhosa, leviana, indecente, ou constitui acontecimento
imoral ou revoltante que abala a opinião pública;

III - crime infamante: aquele que acarreta desonra, indignidade e infâmia ao


seu autor, ou que repercute negativamente em toda a categoria profissional,
atingindo a imagem coletiva dos profissionais do Sistema Confea/Crea;

IV - imperícia: a atuação do profissional que se incumbe de atividades para as


quais não possua conhecimento técnico suficiente, mesmo tendo legalmente
essas atribuições;

V - imprudência: a atuação do profissional que, mesmo podendo prever


consequências negativas, pratica ato sem considerar o que acredita ser fonte
de erro; e

VI - negligência: a atuação omissa do profissional ou a falta de observação do


seu dever, principalmente aquela relativa à não participação efetiva na autoria
do projeto ou na execução do empreendimento.

CAPÍTULO II
DO ENQUADRAMENTO

Art. 3º São enquadráveis como má conduta ou escândalos passíveis de


cancelamento do registro profissional, entre outros, os seguintes atos e
comportamentos:

I - incidir em erro técnico grave por negligência, imperícia ou imprudência,


causando danos;

II - manter no exercício da profissão conduta incompatível com a honra, a


dignidade e a boa imagem da profissão;

III - fazer falsa prova de qualquer dos requisitos para o registro no Crea;

IV - falsificar ou adulterar documento público emitido ou registrado pelo Crea


para obter vantagem indevida para si ou para outrem;

142
V - usar das prerrogativas de cargo, emprego ou função pública ou privada
para obter vantagens indevidas para si ou para outrem;

VI - ter sido condenado por Tribunal de Contas ou pelo Poder Judiciário por
prática de ato de improbidade administrativa enquanto no exercício de
emprego, cargo ou função pública ou privada, caso concorra para o ilícito
praticado por agente público ou, tendo conhecimento de sua origem ilícita, dele
se beneficie no exercício de atividades que exijam conhecimentos de
engenharia, de agronomia, de geologia, de geografia ou de meteorologia; e

VII - ter sido penalizado com duas censuras públicas, em processos transitados
em julgado, nos últimos cinco anos.

Art. 4º O enquadramento da infração por crime considerado infamante


dependerá da apresentação da decisão criminal transitada em julgado.

CAPÍTULO III
DA INSTAURAÇÃO E CONDUÇÃO DO PROCESSO

Art. 5º O processo será instaurado pelo Crea, a partir de denúncia ou por


iniciativa própria, e conduzido em caráter prioritário na forma estabelecida pela
resolução específica que trata do processo ético-disciplinar.

§ 1º Caberá à câmara especializada da modalidade do denunciado, no caso de


recebimento de denúncia, encaminhar o processo à Comissão de Ética
Profissional, com a indicação expressa para que aquela comissão averigue a
ocorrência de infração ao art. 75 da Lei n° 5.194, de 1966, ou ao Código Ética
Profissional.

§ 2º O Crea deverá instaurar processo de ofício quando constatados por


qualquer meio à sua disposição, inclusive a partir de notícias veiculadas em
meios de comunicação idôneos, indícios de má conduta pública, escândalo ou
condenação por crime infamante.

CAPITULO IV
DA REABILITAÇÃO PROFISSIONAL

Art. 6º O profissional que tiver o seu registro cancelado por má conduta pública,
escândalo ou crime infamante poderá requerer sua reabilitação, mediante novo
registro, decorridos no mínimo cinco anos da data do trânsito em julgado da
decisão administrativa que ensejou seu cancelamento.

§ 1º Além dos documentos estabelecidos pela resolução específica que trata


do registro profissional, o requerimento de que trata o caput deverá ser

143
instruído com os seguintes documentos comprobatórios da reabilitação do
profissional relativos à infração cometida:

I – certidão negativa de processos criminais, expedida pela comarca do seu


domicílio, e sentença de reabilitação criminal; e

II – três declarações de idoneidade e de boa conduta lavradas por profissionais


idôneos e registrados no Crea da jurisdição onde será processado o
requerimento, com firma reconhecida em cartório.

§ 2º O profissional que tiver concedida sua solicitação de reabilitação receberá


novo registro, com nova numeração, devendo o acervo técnico constante de
seu registro anterior ser transferido para o novo registro.

Art. 7° Apresentado o requerimento de novo registro devidamente instruído, o


processo será encaminhado à câmara especializada da modalidade do
denunciado para apreciação da documentação comprobatória da reabilitação
do profissional.

§ 1º Recebida a documentação comprobatória da reabilitação do profissional


pela câmara especializada, o processo será conduzido na forma da resolução
específica que trata do registro profissional.

§ 2º Rejeitada a documentação comprobatória da reabilitação do profissional


pela câmara especializada, o requerimento será arquivado.

Art. 8° Após um ano da data do trânsito em julgado da decisão que indeferiu


sua reabilitação profissional, o interessado poderá protocolar novo
requerimento para reabilitação na forma do art. 6º desta resolução.

Art. 9º Fica revogada a Decisão Normativa nº 69, de 23 de março de 2001.

Art. 10. Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação.

144
ADENDO 4 – CÓDIGOS DE ÉTICA NA LEGISLAÇÃO COMPARADA
NACIONAL E INTERNACIONAL

I – CÓDIGO DE ÉTICA DOS ARQUITETOS E URBANISTAS DO BRASIL -


RESOLUÇÃO N° 52, DE 6 DE SETEMBRO DE 2013, DO CAU/BR

PREÂMBULO

O Código de Ética e Disciplina define os parâmetros deontológicos que


devem orientar a conduta dos profissionais registrados nos Conselhos de
Arquitetura e Urbanismo.

As normas reunidas no Código de Ética e Disciplina impõem elevadas


exigências éticas aos arquitetos e urbanistas, as quais se traduzem em
obrigações para com a sociedade e para com a comunidade profissional,
além de alçarem o dever geral de urbanidade. O conjunto normativo deste
Código também expressa e reafirma o compromisso dos arquitetos e
urbanistas em assumir as responsabilidades a eles delegadas pela Nação e
pelo Estado brasileiro de autogestão e controle do exercício profissional –
responsabilidades estas reivindicadas há décadas e consubstanciadas no
processo de aprovação da Lei n° 12.378, em 31 de dezembro de 2010.

A Lei, em seus artigos 17 a 23, materializa a finalidade precípua do Código


de Ética e Disciplina, orientando o Conselho de Arquitetura e Urbanismo do
Brasil a instaurar, defender e manter as normas de conduta dos
profissionais¹. Essa conduta foi historicamente delineada a partir de um
propósito humanista e preservacionista do patrimônio socioambiental e
cultural, e encontra-se intrinsecamente relacionada com o direito à cidadania
e com o aperfeiçoamento institucional dos campos de atuação da Arquitetura
e Urbanismo.
No que concerne aos aspectos legais coercitivos, este Código estabelece
bases suficientes para proporcionar clareza na identificação circunstanciada
dos fatos, na avaliação das infrações cometidas e na aplicação das
respectivas sanções disciplinares.

A aplicação harmônica das determinações deontológicas do Código de Ética


e Disciplina será realizada pelos CAU/BR e CAU/UF, conforme o disposto
nas Resoluções que especificam os procedimentos processuais respectivos
às etapas de instauração, instrução, defesa, relatório, pedido de
reconsideração, recurso à instrução, decisão final, aplicação das eventuais
penalidades disciplinares e a verificação do seu cumprimento.

A processualística presumida nessas Resoluções seguirá, além do que


estabelece a Lei n° 12.378, de 2010, as regras procedimentais constantes
nas demais leis do País², uma vez que os arquitetos e urbanistas, essenciais
a qualquer sociedade democrática, sempre estarão sujeitos à Constituição,

145
às leis e aos preceitos éticos e morais que delas emanam³. Doravante, os
profissionais, assim como as sociedades de prestação de serviços com
atuação no campo da Arquitetura e Urbanismo, devem orientar sua conduta
no exercício da profissão pelas normas definidas neste Código de Ética e
Disciplina.

Funções Deontológicas do Código

Os termos do Código de Ética e Disciplina devem ser integralmente acatados


e obedecidos por todos os arquitetos e urbanistas, independentemente do
modo de contratação de seus serviços profissionais, como autônomo, como
empresário ou gestor, como assalariado privado ou como servidor público, ou
em qualquer situação administrativa em que exista dependência hierárquica
de responsabilidades, cargos ou funções. Portanto, as normas constantes
neste Código aplicam-se a todas as atividades profissionais e em todos os
campos de atuação no território nacional.

São duas as funções deontológicas deste Código de Ética e Disciplina. A


primeira, e precedente, é a função educacional preventiva, que tem por
objetivo a informação pública sobre a dignidade da Arquitetura e Urbanismo e
os deveres de seus profissionais. A segunda função, subordinada à primeira,
é a coercitiva, que admoesta e reprime os desacertos procedimentais
porventura praticados pelos indivíduos sujeitos à ética e à disciplina da
profissão.

Estrutura do Código

As normas prescritas neste Código de Ética e Disciplina, embora devam ser


consideradas como um todo coordenado e harmônico, estão estruturadas em
uma hierarquia de subordinação relativa, em 3 (três) classes respectivamente
distintas: princípios, regras e recomendações.

Os princípios são as normas de maior abrangência, cujo caráter teórico


abstrato referencia agrupamentos de normas subordinadas.
As regras, que são derivadas dos princípios, devem ser seguidas de forma
específica e restrita às circunstâncias objetivas e concretas. A transgressão às
regras será considerada infração ético- disciplinar imputável.

As recomendações, quando descumpridas, não pressupõem cominação de


sanção, todavia, sua observância ou inobservância poderão fundamentar
argumento atenuante ou agravante para a aplicação das sanções
disciplinares.

1. OBRIGAÇÕES GERAIS

1.1. Princípios:

1.1.1. O arquiteto e urbanista é um profissional liberal, nos termos da doutrina


trabalhista brasileira, o qual exerce atividades intelectuais de interesse
público e alcance social mediante diversas relações de trabalho. Portanto,

146
esse profissional deve deter, por formação, um conjunto sistematizado de
conhecimentos das artes, das ciências e das técnicas, assim como das
teorias e práticas específicas da Arquitetura e Urbanismo

1.1.2. O processo de formação do arquiteto e urbanista deve ser estruturado e


desenvolvido com o objetivo de assegurar sua capacitação e habilitação para
o desempenho pleno das atividades profissionais.

1.1.3. O arquiteto e urbanista deve reconhecer, respeitar e defender as


realizações arquitetônicas e urbanísticas como parte do patrimônio
socioambiental e cultural, devendo contribuir para o aprimoramento deste
patrimônio.

1.1.4. O arquiteto e urbanista deve manter e desenvolver seus


conhecimentos, preservando sua independência de opinião, imparcialidade,
integridade e competência profissional, de modo a contribuir, por meio do
desempenho de suas atribuições específicas, para o desenvolvimento do
ambiente construído.

1.1.5. O arquiteto e urbanista deve defender os direitos fundamentais da


pessoa humana, conforme expressos na Constituição brasileira e em acordos
internacionais.

1.2. Regras:

1.2.1. O arquiteto e urbanista deve responsabilizar-se pelas tarefas ou


trabalhos executados por seus auxiliares, equipes, ou sociedades
profissionais que estiverem sob sua administração ou direção, e assegurar
que atuem em conformidade com os melhores métodos e técnicas.

1.2.2. O arquiteto e urbanista deve exercer, manter e defender a autonomia


própria da profissão liberal, orientando suas decisões profissionais pela
prevalência das suas considerações artísticas, técnicas e científicas sobre
quaisquer outras.

1.2.3. O arquiteto e urbanista deve defender sua opinião, em qualquer campo


da atuação profissional, fundamentando-a na observância do princípio da
melhor qualidade, e rejeitando injunções, coerções, imposições, exigências
ou pressões contrárias às suas convicções profissionais que possam
comprometer os valores técnicos, éticos e a qualidade estética do seu
trabalho.

1.2.4. O arquiteto e urbanista deve recusar relações de trabalho firmadas em


pressupostos não condizentes com os termos deste Código.

1.2.5. O arquiteto e urbanista deve considerar-se impedido de assumir


responsabilidades profissionais que extrapolem os limites de suas
atribuições, habilidades e competências, em seus respectivos campos de
atuação.

147
1.2.6. O arquiteto e urbanista responsável por atividade docente das
disciplinas de Arquitetura e Urbanismo deve, além de deter conhecimento
específico sobre o conteúdo a ser ministrado, ter executado atividades
profissionais referentes às respectivas disciplinas.

1.3. Recomendações:

1.3.1. O arquiteto e urbanista deve aprimorar seus conhecimentos nas áreas


relevantes para a prática profissional, por meio de capacitação continuada,
visando à elevação dos padrões de excelência da profissão.

1.3.2. O arquiteto e urbanista deve contribuir para o aperfeiçoamento e


desenvolvimento das tecnologias referentes à concepção e execução das
atividades apropriadas às etapas do ciclo de existência das construções.

1.3.3. O arquiteto e urbanista deve colaborar para que seus auxiliares ou


empregados envolvidos em atividades de sua responsabilidade profissional
adquiram conhecimento e aperfeiçoem capacidades e habilidades
necessárias ao desempenho de suas funções.

1.3.4. O arquiteto e urbanista deve defender o direito de crítica intelectual


fundamentada sobre as artes, as ciências e as técnicas da Arquitetura e
Urbanismo, colaborando para o seu aperfeiçoamento e desenvolvimento.

1.3.5. O arquiteto e urbanista deve respeitar os códigos de ética e disciplina


da profissão vigentes nos países e jurisdições estrangeiras nos quais prestar
seus serviços profissionais.

2. OBRIGAÇÕES PARA COM O INTERESSE PÚBLICO

2.1. Princípios:

2.1.1. O arquiteto e urbanista deve defender o interesse público e respeitar o


teor das leis que regem o exercício profissional, considerando as
consequências de suas atividades segundo os princípios de sustentabilidade
socioambiental e contribuindo para a boa qualidade das cidades, das
edificações e sua inserção harmoniosa na circunvizinhança, e do
ordenamento territorial, em respeito às paisagens naturais, rurais e urbanas.

2.1.2. O arquiteto e urbanista deve defender o direito à Arquitetura e


Urbanismo, às políticas urbanas e ao desenvolvimento urbano, à promoção
da justiça e inclusão social nas cidades, à solução de conflitos fundiários, à
moradia, à mobilidade, à paisagem, ao ambiente sadio, à memória
arquitetônica e urbanística e à identidade cultural.

2.2. Regras:

2.2.1. O arquiteto e urbanista deve considerar o impacto social e ambiental de


suas atividades profissionais na execução de obras sob sua
responsabilidade.

148
2.2.2. O arquiteto e urbanista deve respeitar os valores e a herança natural e
cultural da comunidade na qual esteja prestando seus serviços profissionais.

2.2.3. O arquiteto e urbanista deve, no exercício das atividades profissionais,


zelar pela conservação e preservação do patrimônio público.

2.2.4. O arquiteto e urbanista deve respeitar o conjunto das realizações


arquitetônicas e urbanística do patrimônio histórico e artístico nacional,
estadual, municipal ou de reconhecido interesse local.

2.2.5. O arquiteto e urbanista deve considerar, na execução de seus serviços


profissionais, a harmonia com os recursos e ambientes naturais.

2.2.6. O arquiteto e urbanista deve prescindir de utilizar o saber profissional


para emitir opiniões que deturpem conscientemente a verdade, persuadindo
leigos, a fim de obter resultados que convenham a si ou a grupos para os
quais preste serviço ou os quais represente.

2.2.7. O arquiteto e urbanista deve adotar soluções que garantam a qualidade


da construção, o bem-estar e a segurança das pessoas, nos serviços de sua
autoria e responsabilidade.

2.2.8. O arquiteto e urbanista, autor de projeto ou responsável pela execução


de serviço ou obra, deve manter informação pública e visível, à frente da
edificação objeto da atividade realizada, conforme o especificado no art. 14
da Lei n° 12.378, de 2010.

2.3. Recomendações:

2.3.1. O arquiteto e urbanista deve ter consciência do caráter essencial de


sua atividade como intérprete e servidor da cultura e da sociedade da qual
faz parte.

2.3.2. O arquiteto e urbanista deve considerar e interpretar as necessidades


das pessoas, da coletividade e dos grupos sociais, relativas ao ordenamento
do espaço, à concepção e execução das construções, à preservação e
valorização do patrimônio arquitetônico, urbanístico, paisagístico e natural.

2.3.3. O arquiteto e urbanista deve envidar esforços para assegurar o


atendimento das necessidades humanas referentes à funcionalidade, à
economicidade, à durabilidade, ao conforto, à higiene e à acessibilidade dos
ambientes construídos.
2.3.4. O arquiteto e urbanista deve subordinar suas decisões técnicas e
opções estéticas aos valores éticos inerentes à profissão.

2.3.5. O arquiteto e urbanista deve promover e divulgar a Arquitetura e


Urbanismo colaborando para o desenvolvimento cultural e para a formação
da consciência pública sobre os valores éticos, técnicos e estéticos da
atividade profissional.

149
2.3.6. O arquiteto e urbanista deve respeitar a legislação urbanística e
ambiental e colaborar para o seu aperfeiçoamento.

3. OBRIGAÇÕES PARA COM O CONTRATANTE

3.1. Princípios:

3.1.1. O arquiteto e urbanista, nas relações com seus contratantes, deve


exercer suas atividades profissionais de maneira consciente, competente,
imparcial e sem preconceitos, com habilidade, atenção e diligência,
respeitando as leis, os contratos e as normas técnicas reconhecidas.

3.1.2. O arquiteto e urbanista deve orientar sua conduta profissional e prestar


serviços profissionais a seus contratantes em conformidade com os princípios
éticos e morais do decoro, da honestidade, da imparcialidade, da lealdade, da
prudência, do respeito e da tolerância, assim como os demais princípios
discriminados neste Código.

3.2. Regras:

3.2.1. O arquiteto e urbanista deve assumir serviços profissionais somente


quando estiver de posse das habilidades e dos conhecimentos artísticos,
técnicos e científicos necessários à satisfação dos compromissos específicos
a firmar com o contratante.

3.2.2. O arquiteto e urbanista deve oferecer propostas para a prestação de


serviços somente após obter informações necessárias e suficientes sobre a
natureza e extensão dos serviços profissionais solicitados por seu
contratante.

3.2.3. O arquiteto e urbanista deve orientar seus contratantes quanto a


valorizações enganosas referentes aos meios ou recursos humanos,
materiais e financeiros destinados à concepção e execução de serviços
profissionais.

3.2.4. O arquiteto e urbanista deve discriminar, nas propostas para


contratação de seus serviços profissionais, as informações e especificações
necessárias sobre sua natureza e extensão, de maneira a informar
corretamente os contratantes sobre o objeto do serviço, resguardando-os
contra estimativas de honorários inadequadas.

3.2.5. O arquiteto e urbanista deve assumir serviços profissionais somente


quando considerar que os recursos materiais e financeiros necessários estão
adequadamente definidos e disponíveis para o cumprimento dos
compromissos a firmar com o contratante.
3.2.6. O arquiteto e urbanista deve prestar seus serviços profissionais
considerando os prazos julgados razoáveis e proporcionais à extensão e à
complexidade do objeto ou escopo da atividade.

150
3.2.7. O arquiteto e urbanista deve prestar seus serviços profissionais levando
em consideração sua capacidade de atendimento em função da
complexidade dos serviços.

3.2.8. O arquiteto e urbanista deve, ao comunicar, publicar, divulgar ou


promover seu trabalho, considerar a veracidade das informações e o respeito
à reputação da Arquitetura e Urbanismo.

3.2.9. O arquiteto e urbanista deve declarar-se impedido de assumir a autoria


de trabalho que não tenha realizado, bem como de representar ou ser
representado por outrem de modo falso ou enganoso.

3.2.10. O arquiteto e urbanista deve assumir serviços profissionais somente


quando aqueles que lhe prestarem consultorias estiverem qualificados pela
formação, treinamento ou experiência nas áreas técnicas específicas
envolvidas e de sua responsabilidade.

3.2.11. O arquiteto e urbanista deve manter seus contratantes informados


sobre o progresso da prestação dos serviços profissionais executados em
seu benefício, periodicamente ou quando solicitado.

3.2.12. O arquiteto e urbanista deve manter seus contratantes informados


sobre quaisquer questões ou decisões que possam afetar a qualidade, os
prazos e custos de seus serviços profissionais.

3.2.13. O arquiteto e urbanista deve manter seus contratantes informados


sobre quaisquer fatos ou conflitos de interesses que possam alterar, perturbar
ou impedir a prestação de seus serviços profissionais.

3.2.14. O arquiteto e urbanista deve assumir a responsabilidade pela


orientação transmitida a seus contratantes.

3.2.15. O arquiteto e urbanista deve manter sigilo sobre os negócios


confidenciais de seus contratantes, relativos à prestação de serviços
profissionais contratados, a menos que tenha consentimento prévio formal do
contratante ou mandado de autoridade judicial.

3.2.16. O arquiteto e urbanista deve recusar-se a receber, sob qualquer


pretexto, qualquer honorário, provento, remuneração, comissão, gratificação,
vantagem, retribuição ou presente de qualquer natureza – seja na forma de
consultoria, produto, mercadoria ou mão de obra – oferecidos pelos
fornecedores de insumos de seus contratantes, conforme o que determina o
inciso VI do art. 18 da Lei n° 12.378, de 2010.

3.2.17. O arquiteto e urbanista proprietário ou representante de qualquer


marca ou empresa de material de construção, componente, equipamento ou
patente que venha a ter aplicação em determinada obra, não poderá prestar,
em virtude desta qualidade, serviços de Arquitetura e Urbanismo a título
gratuito ou manifestamente sub-remunerados.

151
3.2.18. O arquiteto e urbanista deve recusar-se a receber honorários,
pagamentos, ou vantagens de duas partes de um mesmo contrato vigente.
3.3. Recomendação:

3.3.1. O arquiteto e urbanista deve exigir dos contratantes ou empregadores


uma conduta recíproca conforme a que lhe é imposta por este Código.

4. OBRIGAÇÕES PARA COM A PROFISSÃO

4.1. Princípios:

4.1.1. O arquiteto e urbanista deve considerar a profissão como uma


contribuição para o desenvolvimento da sociedade.

4.1.2. O respeito e defesa da profissão devem ser compreendidos como


relevante promoção da justiça social e importante contribuição para a cultura
da humanidade.

4.2. Regras:

4.2.1. O arquiteto e urbanista deve declarar-se impedido de contratar,


representar ou associar- se a pessoas que estejam sob sanção disciplinar,
excluídas ou suspensas por seus respectivos conselhos profissionais.

4.2.2. O arquiteto e urbanista deve empenhar-se para que seus associados,


representantes e subordinados conduzam seus serviços profissionais,
realizados em comum, em conformidade com o mesmo padrão ético e
disciplinar da profissão.

4.2.3. O arquiteto e urbanista, ao exercer a docência profissional, deve


contribuir para a formação acadêmica, tendo em vista a aquisição de
competências e habilidades plenas para o exercício da Arquitetura e
Urbanismo.

4.2.4. O arquiteto e urbanista, ao exercer a docência profissional, deve cumprir


as ementas e os conteúdos programáticos das disciplinas de Arquitetura e
Urbanismo constantes no projeto pedagógico.

4.2.5. O arquiteto e urbanista, ao exercer a docência profissional, deve


divulgar os princípios deste Código, entre os profissionais em formação.

4.2.6. O arquiteto e urbanista deve denunciar fato de seu conhecimento que


transgrida a ética profissional e as obrigações deste Código.

4.2.7. O arquiteto e urbanista deve evitar assumir simultaneamente diferentes


responsabilidades técnicas, que sejam incompatíveis quanto a sua extensão,
conteúdos, distâncias e jornadas de trabalho sobrepostas.

4.2.8. O arquiteto e urbanista, quando chamado a cumprir tarefas de

152
fiscalização, controle ou gerenciamento técnico de contratos de serviços de
Arquitetura e Urbanismo, deve abster-se de qualquer atitude motivada por
interesses privados que comprometam seus deveres profissionais, devendo
sempre fundamentar claramente suas decisões e pareceres em critérios
estritamente técnicos e funcionais.

4.2.9. O arquiteto e urbanista, em qualquer situação em que deva emitir


parecer técnico, nomeadamente no caso de litígio entre projetista, dono de
obra, construtor ou entidade pública, deve agir sempre com imparcialidade,
interpretando com rigor técnico estrito e inteira justiça as condições dos
contratos, os fatos técnicos pertinentes e os documentos normativos
existentes.

4.2.10. O arquiteto e urbanista deve condicionar todo compromisso


profissional à formulação e apresentação de proposta técnica que inclua com
detalhe os produtos técnicos a serem produzidos, sua natureza e âmbito, as
etapas e prazos, a remuneração proposta e sua forma de pagamento. A
proposta deve ser objeto de contrato escrito entre o profissional e o seu
contratante, o qual deve ter também em conta as demais disposições deste
Código.

4.3. Recomendações:

4.3.1. O arquiteto e urbanista deve apresentar propostas de custos de serviços


de acordo com as tabelas indicativas de honorários aprovadas pelo CAU/BR,
conforme o inciso XIV do art. 28 da Lei n° 12.378, de 2010.

4.3.2. O arquiteto e urbanista deve empenhar-se na promoção pública da


profissão.

4.3.3. O arquiteto e urbanista deve contribuir para o desenvolvimento do


conhecimento, da cultura e do ensino relativos à profissão.

4.3.4. O arquiteto e urbanista deve colaborar para o aperfeiçoamento e


atualização das Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de graduação
em Arquitetura e Urbanismo.

4.3.5. O arquiteto e urbanista deve empenhar-se em participar e contribuir em


fóruns culturais, técnicos, artísticos e científicos referentes à atividade
profissional.

4.3.6. O arquiteto e urbanista deve, em concurso com o CAU, empenhar-se


na preservação da documentação de projetos, obras e outros serviços de
Arquitetura e Urbanismo, visando garantir o acesso da sociedade e das novas
gerações de profissionais à história da profissão.

4.3.7. O arquiteto e urbanista deve manter-se informado sobre as normas que


regulamentam o exercício da profissão, obrigando-se a seguir os
procedimentos nelas contidos.

153
4.3.8. O arquiteto e urbanista deve contribuir para ações de interesse geral no
domínio da Arquitetura e Urbanismo, participando na discussão pública de
problemas relevantes nesse âmbito.

4.3.9. O arquiteto e urbanista deve favorecer a integração social estimulando a


participação dos cidadãos no debate arquitetônico e urbanístico e no
processo decisório sobre a cidade, em tudo o que diz respeito ao ambiente,
ao urbanismo e à edificação.

5. OBRIGAÇÕES PARA COM OS COLEGAS


5.1. Princípios:

5.1.1. O arquiteto e urbanista deve considerar os colegas como seus pares,


detentores dos mesmos direitos e dignidade profissionais e, portanto, deve
tratá-los com respeito, enquanto pessoas e enquanto produtores de relevante
atividade profissional.

5.1.2. O arquiteto e urbanista deve construir sua reputação tão somente com
base na qualidade dos serviços profissionais que prestar.

5.2. Regras:

5.2.1. O arquiteto e urbanista deve repudiar a prática de plágio e de qualquer


apropriação parcial ou integral de propriedade intelectual de outrem.

5.2.2. O arquiteto e urbanista deve considerar-se impedido de oferecer


vantagem ou incentivo material ou pecuniário a outrem, visando favorecer
indicação de eventuais futuros contratantes.

5.2.3. O arquiteto e urbanista deve estipular os honorários ou quaisquer


remunerações apenas quando solicitado a oferecer serviços profissionais.

5.2.4. O arquiteto e urbanista deve declarar-se impedido de propor honorários


ou quaisquer remunerações por serviços profissionais visando obter
vantagem sobre propostas conhecidas, já apresentadas por colegas
concorrentes para os mesmos objetivos.

5.2.5. O arquiteto e urbanista deve declarar-se impedido de realizar trabalhos


de avaliação crítica, perícia, análise, julgamento, mediação ou aprovação de
projetos ou trabalhos do qual seja autor ou de cuja equipe realizadora faça
parte.

5.2.6. O arquiteto e urbanista deve abster-se de emitir referências


depreciativas, maliciosas, desrespeitosas, ou de tentar subtrair o crédito do
serviço profissional de colegas.

5.2.7. O arquiteto e urbanista, ao tomar conhecimento da existência de colegas


que tenham sido convidados pelo contratante para apresentar proposta
técnica e financeira referente ao mesmo serviço profissional, deve informá-
los imediatamente sobre o fato.

154
5.2.8. O arquiteto e urbanista, quando convidado a emitir parecer ou
reformular os serviços profissionais de colegas, deve informá-los previamente
sobre o fato.

5.2.9. O arquiteto e urbanista empregador deve cumprir o disposto na Lei n°


4.950-A, de 22 de abril de 1966, conferindo a remuneração mínima prevista
nessa Lei aos arquitetos e urbanistas empregados por ele.

5.2.10. O arquiteto e urbanista deve declarar-se impedido de associar seu


nome a pessoas, firmas, organizações ou empresas executoras de serviços
profissionais sem a sua real participação nos serviços por elas prestados.

5.2.11. O arquiteto e urbanista deve considerar-se impedido de exercer a


atividade de crítica da Arquitetura e Urbanismo a fim de obter vantagens
concorrenciais sobre os colegas.
5.2.12. O arquiteto e urbanista deve reconhecer e registrar, em cada projeto,
obra ou serviço de que seja o autor, as situações de coautoria e outras
participações, relativamente ao conjunto ou à parte do trabalho em realização
ou realizado.

5.2.13. O arquiteto e urbanista que desempenhar atividades nos órgãos


técnicos dos poderes públicos deve restringir suas decisões e pareceres ao
cumprimento das leis e regulamentos em vigor, com isenção e em tempo útil,
não podendo, nos processos em que atue como agente público, ser parte em
qualquer um deles, nem exercer sua influência para favorecer ou indicar
terceiros a fim de dirimir eventuais impasses nos respectivos processos,
tampouco prestar a colegas informações privilegiadas, que detém em razão
de seu cargo.

5.2.14. O arquiteto e urbanista encarregado da direção, fiscalização ou


assistência técnica à execução de obra projetada por outro colega deve
declarar-se impedido de fazer e de permitir que se façam modificações nas
dimensões, configurações e especificações e outras características, sem a
prévia concordância do autor.

5.2.15. O arquiteto e urbanista deve rejeitar qualquer serviço associado à


prática de reprodução ou cópia de projetos de Arquitetura e Urbanismo de
outrem, devendo contribuir para evitar práticas ofensivas aos direitos dos
autores e das obras intelectuais.

5.2.16. O arquiteto e urbanista, enquanto membro de equipe ou de quadro


técnico de empresa ou de órgão público, deve colaborar para o legítimo
acesso de seus colegas e colaboradores às devidas promoções e ao
desenvolvimento profissional, evitando o uso de artifícios ou expedientes
enganosos que possam prejudicá-los.

5.3. Recomendações:

5.3.1. O arquiteto e urbanista deve defender e divulgar a legislação referente

155
ao Direito Autoral em suas atividades profissionais e setores de atuação.

5.3.2. O arquiteto e urbanista deve promover e apoiar a crítica intelectual


fundamentada da Arquitetura e Urbanismo, como prática necessária ao
desenvolvimento da profissão.

5.3.3. O arquiteto e urbanista deve proporcionar bom ambiente de trabalho


aos colegas associados ou empregados, e contribuir para o aperfeiçoamento
profissional destes.

6. OBRIGAÇÕES PARA COM O CONSELHO DE ARQUITETURA E


URBANISMO

6.1. Princípio:

6.2. O arquiteto e urbanista deve reconhecer e respeitar o Conselho de


Arquitetura e Urbanismo (CAU) como órgão de regulação e fiscalização
do exercício da Arquitetura e Urbanismo, e colaborar no aperfeiçoamento
do desempenho do Conselho nas atividades concernentes às suas
funções e prerrogativas legais.
6.3. Regras:

6.3.1. O arquiteto e urbanista deve colaborar com o CAU em suas atividades


de orientação, disciplina e fiscalização do exercício profissional.

6.3.2. O arquiteto e urbanista deve colaborar com o CAU para o


aperfeiçoamento da prática regular da profissão.

6.3.3. O arquiteto e urbanista que se comprometer a assumir cargo de


conselheiro do CAU deve conhecer as suas responsabilidades legais e
morais.

6.3. Recomendações:

6.3.1. O arquiteto e urbanista deve colaborar com o CAU e empenhar-se para o


aperfeiçoamento da legislação que regulamenta o exercício da Arquitetura e
Urbanismo.

6.3.2. O arquiteto e urbanista deve colaborar com o CAU para o


aperfeiçoamento da legislação pertinente às atividades da Arquitetura e
Urbanismo e as correlatas nos níveis da União, dos Estados e dos
Municípios.

6.3.3. O arquiteto e urbanista deve empenhar-se no conhecimento, na


aplicação, no aperfeiçoamento, na atualização e na divulgação deste Código
de Ética e Disciplina, reportando ao CAU e às entidades profissionais as
eventuais dificuldades relativas à sua compreensão e a sua aplicabilidade
cotidiana.

156
Notas do Texto:

¹ O art. 17 estatui que, no exercício da profissão, o arquiteto e urbanista deve


pautar sua conduta pelos parâmetros a serem definidos no Código de Ética e
Disciplina do CAU/BR. E que, conforme diz o respectivo parágrafo único, O
Código de Ética e Disciplina deverá regular também os deveres do arquiteto
e urbanista para com a comunidade, a sua relação com os demais
profissionais, o dever geral de urbanidade e, ainda, os respectivos
procedimentos disciplinares, observados o disposto na Lei. O art. 24, § 1°,
estatui que o CAU tem como função promover, orientar, disciplinar e fiscalizar
o exercício da profissão, zelar pela fiel observância dos princípios de ética e
disciplina da classe em todo o território nacional, bem como pugnar pelo seu
aperfeiçoamento. O art. 28, inciso I, estatui que compete ao CAU/BR zelar
pela dignidade, independência, prerrogativas e valorização da Arquitetura e
Urbanismo.

² Lei n° 9.784, de 29 de janeiro de 1999 (Regula o processo administrativo no


âmbito da Administração Pública Federal); Resolução do CAU/BR n° 34, de 6
de setembro de 2012; e Resoluções do CAU em geral.

³ Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que institui o Código Civil; Lei n°


8.078, de 11 de setembro de 1990, que dispõe sobre a proteção do
consumidor e dá outras providências; Decreto-Lei n° 2.848, de 7 de
dezembro de 1940, que aprova o Código Penal; Lei n° 9.610, de 19 de
fevereiro de 1998, que altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos
autorais e dá outras providências; e, outras leis.

157
II – Código Deontológico da Ordem dos Engenheiros em Portugal43 -
Decreto-Lei nº 119, de 30 de junho de 1992.

ARTIGO 81º

Direitos e deveres

Todos os membros da Ordem têm os direitos e deveres decorrentes do


presente Estatuto e da legislação em vigor, nos termos dos artigos seguintes.

ARTIGO 82º

Direitos dos membros efectivos

Constituem direitos dos membros efectivos:

a) participar nas actividades da Ordem;

b) intervir e votar nos congressos, referendos e assembleias regionais;

c) consultar as actas da assembleia de representantes e das assembleias


regionais;

d) requerer a convocação de assembleias regionais extraordinárias;

e) eleger e ser eleitos para o desempenho de funções na Ordem;

f) requerer a atribuição de níveis de qualificação;

g) intervir na criação de especializações;

h) requerer a atribuição de títulos de especialização;

i) beneficiar da actividade editorial da Ordem;

j) utilizar os serviços oferecidos pela Ordem;

l) utilizar a cédula profissional emitida pela Ordem.

ARTIGO 83º

Deveres dos membros efectivos para com a Ordem

1 - Constituem deveres dos membros efectivos para com a Ordem:

43
http://www.esac.pt/noronha/etica/PDF/OE_deontologia.pdf

158
a) cumprir as obrigações do Estatuto, do código deontológico e dos
regulamentos da Ordem;

b) participar na prossecução dos objectivos da Ordem;

c) desempenhar as funções para as quais tenham sido eleitos ou escolhidos;

d) prestar a comissões e grupos de trabalhos a colaboração especializada que


lhes for solicitada;

e) contribuir para a boa reputação da Ordem e procurar alargar o seu âmbito de


influência;

f) satisfazer pontualmente os encargos estabelecidos pela Ordem;

g) responder a inquéritos dos conselhos disciplinares.

2 - Estão isentos do pagamento dos encargos referidos na alínea f) do número


anterior os membros efectivos que não se encontrem no exercício efectivo da
profissão.

3 - O atraso superior a um ano no cumprimento do dever previsto na alínea f)


do nº 1 implica a suspensão automática.

ARTIGO 84º

Direitos dos membros honorários, correspondentes e estudantes.

Os membros honorários, correspondentes e estudantes gozam dos seguintes


direitos:

a) participar nas actividades da Ordem;

b) intervir sem direito a voto na assembleia geral, e nas assembleias regionais.

ARTIGO 85º

Deveres dos membros correspondentes e estudantes

Constituem deveres dos membros correspondentes e dos membros estudantes


para com a Ordem:

a) cumprir as disposições do Estatuto e dos regulamentos estabelecidos pela


Ordem;

b) participar na prossecução dos objectivos da Ordem;

159
c) prestar a comissões e a grupos de trabalho a colaboração especializada que
lhes for solicitada;

d) contribuir para a boa reputação da Ordem e procurar alargar o seu âmbito de


influência;

e) satisfazer os encargos estabelecidos pela Ordem;

f) responder a inquéritos dos conselhos disciplinares.

CAPÍTULO III

Deveres decorrentes do exercício da actividade profissional

ARTIGO 86º

Deveres do engenheiro para com a comunidade

1 - É dever fundamental do engenheiro possuir uma boa preparação, de modo


a desempenhar com competência as suas funções e contribuir para o
progresso da engenharia e da sua melhor aplicação ao serviço da
Humanidade.

2 - O engenheiro deve defender o ambiente e os recursos naturais.

3 - O engenheiro deve garantir a segurança do pessoal executante, dos utentes


e do público em geral.

4 - O engenheiro deve opor-se à utilização fraudulenta, ou contrária ao bem


comum, do seu trabalho.

5 - O engenheiro deve procurar as melhores soluções técnicas, ponderando a


economia e a qualidade da produção ou das obras que projectar, dirigir ou
organizar.

ARTIGO 87°

Deveres do engenheiro para com a entidade empregadora e para com o cliente

1 - O engenheiro deve contribuir para a realização dos objectivos económico-


sociais das organizações em que se integre, promovendo o aumento da
produtividade, a melhoria da qualidade dos produtos e das condições de
trabalho com o justo tratamento das pessoas.

2 - O engenheiro deve prestar os seus serviços com diligência e pontualidade


de modo a não prejudicar o cliente nem terceiros nunca abandonando, sem
160
justificação os trabalhos que lhe forem confiados ou os cargos que
desempenhar.

3 - O engenheiro não deve divulgar nem utilizar segredos profissionais ou


informações, em especial as científicas a técnicas obtidas confidencialmente no
exercício das suas funções, salvo se, em consciência, considerar poderem
estar em sério risco exigências do bem comum.

4 - O engenheiro só deve pagar-se pelos serviços que tenha efectivamente


prestado e tendo em atenção o seu justo valor.

5 - O engenheiro deve recusar a sua colaboração em trabalhos cujo


pagamento esteja subordinado à confirmação de uma conclusão
predeterminada, embora esta circunstância possa influir na fixação da
remuneração.

6 - O engenheiro deve recusar compensações de mais de um interessado no


seu trabalho quando possa haver conflitos de interesses ou não haja o
consentimento de qualquer das partes.

ARTIGO 88°

Deveres do engenheiro no exercício da profissão

1 - O engenheiro, na sua actividade associativa profissional, deve pugnar pelo


prestígio da profissão e impor-se pelo valor da sua colaboração e por uma
conduta irrepreensível, usando sempre de boa fé, lealdade e isenção, quer
actuando individualmente, quer colectivamente.

2 - O engenheiro deve opor-se a qualquer concorrência desleal.

3 - O engenheiro deve usar da maior sobriedade nos anúncios profissionais


que fizer ou autorizar.

4 - O engenheiro não deve aceitar trabalhos ou exercer funções que


ultrapassem a sua competência ou exijam mais tempo do que aquele de que
disponha.

5 - O engenheiro só deve assinar pareceres, projectos ou outros trabalhos


profissionais de que seja autor ou colaborador.

6 - O engenheiro deve emitir os seus pareceres profissionais com objectividade


e isenção.

161
7 - O engenheiro deve, no exercício de funções públicas, na empresa e nos
trabalhos ou serviços em que desempenhar a sua actividade, actuar com a
maior correção, de forma a obstar a discriminações ou desconsiderações.

8 - O engenheiro deve recusar a sua colaboração em trabalhos sobre os quais


tenha de se pronunciar no exercício de diferentes funções ou que impliquem
situações ambíguas.

ARTIGO 89°

Dos deveres recíprocos dos engenheiros

1 - O engenheiro deve avaliar com objectividade o trabalho dos seus


colaboradores, contribuindo para a sua valorização e promoção profissionais.

2 - O engenheiro apenas deve reivindicar o direito de autor quando a


originalidade e a importância relativas da sua contribuição o justifiquem,
exercendo esse direito com respeito pela propriedade intelectual de outrem e
com as limitações impostas pelo bem comum.

3 - O engenheiro deve prestar aos colegas, desde que solicitada, toda a


colaboração possível.

4 - O engenheiro não deve prejudicar a reputação profissional ou as


actividades profissionais de colegas, nem deixar que sejam menosprezados os
seus trabalhos, devendo quando necessário, apreciá-los com elevação a
sempre com salvaguarda da dignidade da classe.

5 - O engenheiro deve recusar substituir outro engenheiro, só o fazendo


quando as razões dessa substituição forem correctas e dando ao colega a
necessária satisfação.

Observação. O Regulamento Disciplinar da Ordem dos Engenheiros de


Portugal, sob nº 1126/16, está disponível para consulta em
https://www.ordemengenheiros.pt/fotos/editor2/ordem/atribuicoeseorganizacao/
regulamento_disciplinar_drn250.pdf.

162
III - Code of Professional Conduct of the European Council of Civil
Engineers44

Preamble

The purpose of Civil Engineering is to improve living conditions for mankind,


always safeguarding life, health and property.
A Civil Engineer is a servant of society and a promoter of culture and quality of
life.
A Civil Engineer must survey and analyse the demands of the present and
anticipate future developments.
A Civil Engineer should treat this Code actively as a set of dynamic principles.
1. The society

An Engineer:
 will act with integrity and have full regard to the public interest;
 will have due regard for the Health and Safety of the public and other
colleagues and employees;
 will endeavour to improve public knowledge of the benefits of Civil
Engineering;
 will express professional opinion only when founded on adequate knowledge;
 will reject bribery in all forms;
 will seek opportunities to be of constructive service in civic affairs.

2. The environment

An Engineer:
 will understand the effect of his/her work on society and the natural
environment;
 will further the aims of sustainable development and change;
 will be committed to improving the environment and enhancing the quality of
life wherever possible;
 will recognise the interdependence of the planet’s ecosystems and their
capacity to assimilate change due to Civil Engineering activity;
 will ensure the minimal adverse effects on the environment;
 will promote the use of renewable and recycled materials;
 will strive to accomplish his/her work with the lowest possible use of natural
resources.

3. The profession

44
http://www.ecceengineers.eu/about/code_of_conduct.php

163
An Engineer:
 will uphold the standard of his profession and will co-operate in extending the
effectiveness of the profession;
 will avoid all conduct likely to discredit or injure the dignity and honour of the
profession;
 will endeavour to protect the profession from misrepresentation.

4. The clients / employers

An Engineer:
 will act as a faithful agent of his/her client/employer and with fairness and
justice to all parties;
 will make clear to his/her client/employer upon appointment any interest or
potential conflict of interest;
 will ensure the practices are not dangerous to life or property or if a risk exists
ensure the client/employer and other parties are fully aware of the risks
involved;
 will present clearly the consequences to his/her client/employer if his/her
engineering judgement is overruled;
 will not disclose confidential information and business matters without the
consent of his/her client/employer;
 will not accept commissions from third parties in connection with work he/she
is undertaking for a client/employer;
 will disclose to his/her client/employer any interest in a business which may
be in competition;
 will not accept commissions in areas where he/she is not competent to
practice;
 will advise his/her client/employer when, as a result of study, he/she believes
a project will be unsuccessful;
 will not accept professional work outside his/her regular employment without
the knowledge of his/her employer.

5. The other Civil Engineers

An Engineer:
 will ensure credit for work is given to those to whom credit is due;
 will afford assistance to further the education, training and professional
development of himself and other engineers and prospective members of the
profession;
 will not injure the professional reputation, prospects or practice of another
Engineer;
 will report the facts to the appropriate authority if he/she believes another
Engineer is guilty or unethical or illegal practice.

164
IV – Code of Ethics – American Society of Mechanical Engineers45

The Fundamental Principles

Engineers uphold and advance the integrity, honor and dignity of the
engineering profession by:

I. using their knowledge and skill for the enhancement of human welfare;

II. being honest and impartial, and serving with fidelity their clients (including
their employers) and the public; and

III. striving to increase the competence and prestige of the engineering


profession.

The Fundamental Canons

1. Engineers shall hold paramount the safety, health and welfare of the public in
the performance of their professional duties.

2. Engineers shall perform services only in the areas of their competence; they
shall build their professional reputation on the merit of their services and shall
not compete unfairly with others.

3. Engineers shall continue their professional development throughout their


careers and shall provide opportunities for the professional and ethical
development of those engineers under their supervision.

4. Engineers shall act in professional matters for each employer or client as


faithful agents or trustees, and shall avoid conflicts of interest or the appearance
of conflicts of interest.

5. Engineers shall respect the proprietary information and intellectual property


rights of others, including charitable organizations and professional societies in
the engineering field.

6. Engineers shall associate only with reputable persons or organizations.

7. Engineers shall issue public statements only in an objective and truthful


manner and shall avoid any conduct which brings discredit upon the profession.

45

https://www.asme.org/wwwasmeorg/media/resourcefiles/aboutasme/get%20involved/advocacy/
policy-publications/p-15-7-ethics.pdf

165
8. Engineers shall consider environmental impact and sustainable development
in the performance of their professional duties.

9. Engineers shall not seek ethical sanction against another engineer unless
there is good reason to do so under the relevant codes, policies and procedures
governing that engineer’s ethical conduct.

10. Engineers who are members of the Society shall endeavor to abide by the
Constitution, By-Laws and Policies of the Society, and they shall disclose
knowledge of any matter involving another member’s alleged violation of this
Code of Ethics or the Society’s Conflicts of Interest Policy in a prompt, complete
and truthful manner to the chair of the Ethics Committee.

166
V – Code of Ethics – American Society of Civil Engineers46

Code of Ethics

Fundamental Principles

Engineers uphold and advance the integrity, honor and dignity of the
engineering profession by:

1. using their knowledge and skill for the enhancement of human welfare and
the environment;

2. being honest and impartial and serving with fidelity the public, their employers
and clients;

3. striving to increase the competence and prestige of the engineering


profession; and

4. supporting the professional and technical societies of their disciplines.

Fundamental Canons

1. Engineers shall hold paramount the safety, health and welfare of the public
and shall strive to comply with the principles of sustainable development in the
performance of their professional duties.

2. Engineers shall perform services only in areas of their competence.

3. Engineers shall issue public statements only in an objective and truthful


manner.

4. Engineers shall act in professional matters for each employer or client as


faithful agents or trustees, and shall avoid conflicts of interest.

5. Engineers shall build their professional reputation on the merit of their


services and shall not compete unfairly with others.

6. Engineers shall act in such a manner as to uphold and enhance the honor,
integrity, and dignity of the engineering profession and shall act with zero-
tolerance for bribery, fraud, and corruption.

46
https://www.asce.org/uploadedFiles/About_ASCE/Ethics/Content_Pieces/Code-of-Ethics-July-
2017.pdf

167
7. Engineers shall continue their professional development throughout their
careers, and shall provide opportunities for the professional development of
those engineers under their supervision.

8. Engineers shall, in all matters related to their profession, treat all persons
fairly and encourage equitable participation without regard to gender or gender
identity, race, national origin, ethnicity, religion, age, sexual orientation,
disability, political affiliation, or family, marital, or economic status.

Guidelines to Practice Under the Fundamental Canons of Ethics

Canon 1. Engineers shall hold paramount the safety, health and welfare of the
public and shall strive to comply with the principles of sustainable development
in the performance of their professional duties.

a. Engineers shall recognize that the lives, safety, health and welfare of the
general public are dependent upon engineering judgments, decisions and
practices incorporated into structures, machines, products, processes and
devices.

b. Engineers shall approve or seal only those design documents, reviewed or


prepared by them, which are determined to be safe for public health and welfare
in conformity with accepted engineering standards.

c. Engineers whose professional judgment is overruled under circumstances


where the safety, health and welfare of the public are endangered, or the
principles of sustainable development ignored, shall inform their clients or
employers of the possible consequences.

d. Engineers who have knowledge or reason to believe that another person or


firm may be in violation of any of the provisions of Canon 1 shall present such
information to the proper authority in writing and shall cooperate with the proper
authority in furnishing such further information or assistance as may be
required.

e. Engineers should seek opportunities to be of constructive service in civic


affairs and work for the advancement of the safety, health and well-being of
their communities, and the protection of the environment through the practice of
sustainable development.

f. Engineers should be committed to improving the environment by adherence


to the principles of sustainable development so as to enhance the quality of life
of the general public.

Canon 2. Engineers shall perform services only in areas of their competence.

168
a. Engineers shall undertake to perform engineering assignments only when
qualified by education or experience in the technical field of engineering
involved.

b. Engineers may accept an assignment requiring education or experience


outside of their own fields of competence, provided their services are restricted
to those phases of the project in which they are qualified. All other phases of
such project shall be performed by qualified associates, consultants, or
employees.

c. Engineers shall not affix their signatures or seals to any engineering plan or
document dealing with subject matter in which they lack competence by virtue
of education or experience or to any such plan or document not reviewed or
prepared under their supervisory control.

Canon 3. Engineers shall issue public statements only in an objective and


truthful manner.

a. Engineers should endeavor to extend the public knowledge of engineering


and sustainable development, and shall not participate in the dissemination of
untrue, unfair or exaggerated statements regarding engineering.

b. Engineers shall be objective and truthful in professional reports, statements,


or testimony. They shall include all relevant and pertinent information in such
reports, statements, or testimony.

c. Engineers, when serving as expert witnesses, shall express an engineering


opinion only when it is founded upon adequate knowledge of the facts, upon a
background of technical competence, and upon honest conviction.

d. Engineers shall issue no statements, criticisms, or arguments on engineering


matters which are inspired or paid for by interested parties, unless they indicate
on whose behalf the statements are made.

e. Engineers shall be dignified and modest in explaining their work and merit,
and will avoid any act tending to promote their own interests at the expense of
the integrity, honor and dignity of the profession.

Canon 4. Engineers shall act in professional matters for each employer or


client as faithful agents or trustees, and shall avoid conflicts of interest.

a. Engineers shall avoid all known or potential conflicts of interest with their
employers or clients and shall promptly inform their employers or clients of any
business association, interests, or circumstances which could influence their
judgment or the quality of their services.

169
b. Engineers shall not accept compensation from more than one party for
services on the same project, or for services pertaining to the same project,
unless the circumstances are fully disclosed to and agreed to, by all interested
parties.

c. Engineers shall not solicit or accept gratuities, directly or indirectly, from


contractors, their agents, or other parties dealing with their clients or employers
in connection with work for which they are responsible.

d. Engineers in public service as members, advisors, or employees of a


governmental body or department shall not participate in considerations or
actions with respect to services solicited or provided by them or their
organization in private or public engineering practice.

e. Engineers shall advise their employers or clients when, as a result of their


studies, they believe a project will not be successful.

f. Engineers shall not use confidential information coming to them in the course
of their assignments as a means of making personal profit if such action is
adverse to the interests of their clients, employers or the public.

g. Engineers shall not accept professional employment outside of their regular


work or interest without the knowledge of their employers.

Canon 5. Engineers shall build their professional reputation on the merit of their
services and shall not compete unfairly with others.

a. Engineers shall not give, solicit or receive either directly or indirectly, any
political contribution, gratuity, or unlawful consideration in order to secure work,
exclusive of securing salaried positions through employment agencies.

b. Engineers should negotiate contracts for professional services fairly and on


the basis of demonstrated competence and qualifications for the type of
professional service required.

c. Engineers may request, propose or accept professional commissions on a


contingent basis only under circumstances in which their professional
judgments would not be compromised.

d. Engineers shall not falsify or permit misrepresentation of their academic or


professional qualifications or experience.

e. Engineers shall give proper credit for engineering work to those to whom
credit is due, and shall recognize the proprietary interests of others. Whenever

170
possible, they shall name the person or persons who may be responsible for
designs, inventions, writings or other accomplishments.

f. Engineers may advertise professional services in a way that does not


contain misleading language or is in any other manner derogatory to the dignity
of the profession. Examples of permissible advertising are as follows:

• Professional cards in recognized, dignified publications, and listings in rosters


or directories published by responsible organizations, provided that the cards or
listings are consistent in size and content and are in a section of the publication
regularly devoted to such professional cards.

• Brochures which factually describe experience, facilities, personnel and


capacity to render service, providing they are not misleading with respect to the
engineer's participation in projects described.

• Display advertising in recognized dignified business and professional


publications, providing it is factual and is not misleading with respect to the
engineer's extent of participation in projects described.

• A statement of the engineers' names or the name of the firm and statement of
the type of service posted on projects for which they render services.

• Preparation or authorization of descriptive articles for the lay or technical


press, which are factual and dignified. Such articles shall not imply anything
more than direct participation in the project described.

• Permission by engineers for their names to be used in commercial


advertisements, such as may be published by contractors, material suppliers,
etc., only by means of a modest, dignified notation acknowledging the
engineers' participation in the project described. Such permission shall not
include public endorsement of proprietary products.

g. Engineers shall not maliciously or falsely, directly or indirectly, injure the


professional reputation, prospects, practice or employment of another engineer
or indiscriminately criticize another's work.

h. Engineers shall not use equipment, supplies, laboratory or office facilities of


their employers to carry on outside private practice without the consent of their
employers.

Canon 6. Engineers shall act in such a manner as to uphold and enhance the
honor, integrity, and dignity of the engineering profession and shall act with
zero-tolerance for bribery, fraud, and corruption.

171
a. Engineers shall not knowingly engage in business or professional practices
of a fraudulent, dishonest or unethical nature.

b. Engineers shall be scrupulously honest in their control and spending of


monies, and promote effective use of resources through open, honest and
impartial service with fidelity to the public, employers, associates and clients.

c. Engineers shall act with zero-tolerance for bribery, fraud, and corruption in all
engineering or construction activities in which they are engaged.

d. Engineers should be especially vigilant to maintain appropriate ethical


behavior where payments of gratuities or bribes are institutionalized practices.
e. Engineers should strive for transparency in the procurement and execution
of projects. Transparency includes disclosure of names, addresses, purposes,
and fees or commissions paid for all agents facilitating projects.

f. Engineers should encourage the use of certifications specifying zero-


tolerance for bribery, fraud, and corruption in all contracts.

Canon 7. Engineers shall continue their professional development throughout


their careers, and shall provide opportunities for the professional development
of those engineers under their supervision.

a. Engineers should keep current in their specialty fields by engaging in


professional practice, participating in continuing education courses, reading in
the technical literature, and attending professional meetings and seminars.

b. Engineers should encourage their engineering employees to become


registered at the earliest possible date.

c. Engineers should encourage engineering employees to attend and present


papers at professional and technical society meetings.

d. Engineers shall uphold the principle of mutually satisfying relationships


between employers and employees with respect to terms of employment
including professional grade descriptions, salary ranges, and fringe benefits.

Canon 8. Engineers shall, in all matters related to their profession, treat all
persons fairly and encourage equitable participation without regard to gender or
gender identity, race, national origin, ethnicity, religion, age, sexual orientation,
disability, political affiliation, or family, marital, or economic status.

a. Engineers shall conduct themselves in a manner in which all persons are


treated with dignity, respect, and fairness.

172
b. Engineers shall not engage in discrimination or harassment in connection
with their professional activities.

c. Engineers shall consider the diversity of the community, and shall endeavor
in good faith to include diverse perspectives, in the planning and performance of

173
VI – Code of Ethics – Institute of Electrical and Electronic Engineers47

We, the members of the IEEE, in recognition of the importance of our


technologies in affecting the quality of life throughout the world, and in
accepting a personal obligation to our profession, its members, and the
communities we serve, do hereby commit ourselves to the highest ethical and
professional conduct and agree:

1. to hold paramount the safety, health, and welfare of the public, to strive
to comply with ethical design and sustainable development practices,
and to disclose promptly factors that might endanger the public or the
environment;
2. to avoid real or perceived conflicts of interest whenever possible, and to
disclose them to affected parties when they do exist;
3. to be honest and realistic in stating claims or estimates based on
available data;
4. to reject bribery in all its forms;
5. to improve the understanding by individuals and society of the
capabilities and societal implications of conventional and emerging
technologies, including intelligent systems;
6. to maintain and improve our technical competence and to undertake
technological tasks for others only if qualified by training or experience,
or after full disclosure of pertinent limitations;
7. to seek, accept, and offer honest criticism of technical work, to
acknowledge and correct errors, and to credit properly the contributions
of others;
8. to treat fairly all persons and to not engage in acts of discrimination
based on race, religion, gender, disability, age, national origin, sexual
orientation, gender identity, or gender expression;
9. to avoid injuring others, their property, reputation, or employment by false
or malicious action;
10. to assist colleagues and co-workers in their professional development
and to support them in following this code of ethics.

Changes to the IEEE Code of Ethics will be made only after the following
conditions are met:

 Proposed changes shall have been published in THE INSTITUTE at


least three (3) months in advance of final consideration by the Board of
Directors, with a request for comment, and
 All IEEE Major Boards shall have the opportunity to discuss proposed
changes prior to final action by the Board of Directors, and
 An affirmative vote of two-thirds of the votes of the members of the Board
of Directors present at the time of the vote, provided a quorum is present,
shall be required for changes to be made.

47
https://www.ieee.org/about/corporate/governance/p7-8.html

174
BIBLIOGRAFIA

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2. AQUINO, Tomás de. As Virtudes Morais. Campinas, SP: Ecclesiae, 2012
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4. CAMARGO, Marculino. Fundamentos de Ética Geral e Profissional.
Petrópolis: Vozes, 2014.
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Fontes, 1999
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Paulo: RT, 2005
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2006.
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Escritos. 2ª reimpressão. São Paulo: Martin Claret, 2011
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Revista dos Tribunais, 2012.
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Florianópolis, Conceito Editorial, 2008.
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LIDEL, 2014.
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14. SAVATER, Fernando. Ética Urgente. São Paulo: Ed. SESC, 2014.
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16. SKOUSEN, W. Cleon. O Comunista Exposto. Campinas: Vide Editorial,
2018.
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2000
20. WILSON, Edmund. Os Manuscritos do Mar Morto. São Paulo: Companhia
das Letras, 2009.
CONTATO: CLAUDE@CREA-SC.ORG.BR

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