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O desenvolvimento como expansão de
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capacidades*
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RAÍZES CONCEITUAIS
A linha de raciocínio desenvolvida aqui baseia-se na avaliação da
mudança social em termos do enriquecimento da vida humana dela
resultante. A qualidade da vida humana, contudo, é em si mesma
uma questão muito complexa. O enfoque utilizado aqui, às vezes
denominado "enfoque da capacidade", concebe a vida humana
como um conjunto de "atividades" e de "modos de ser" que
poderemos denominar "efetivações" (functionings) — e relaciona o
julgamento sobre a qualidade da vida à avaliação da capacidade de
funcionar ou de desempenhar funções. Tentei, em outro trabalho,
explorar esse enfoque em maior detalhe, tanto conceitualmente
como em termos de suas implicações empíricas2. As raízes desse
enfoque estão em Adam Smith e Karl Marx, remontando mesmo a
Aristóteles.
Referindo-se ao problema da "distribuição política", Aristóteles
utilizou extensivamente sua análise do "bem dos seres humanos",
na qual esse bem é ligado ao exame que faz das "funções do
homem" e da "vida no sentido de atividade"3. Certamente a teoria
aristotélica é muito ambiciosa e envolve elementos que ultrapassam
essa questão particular (por exemplo: ela adota uma posição
específica com respeito à natureza humana e a ela associa uma
noção de bem — um bem objetivo). Mas o argumento no sentido de
se conceber a qualidade da vida em termos de atividades
valorizadas e da capacidade de desempenhar essas atividades tem
relevância e aplicação muito mais amplas.
Entre os autores clássicos da economia política, tanto Adam Smith
quanto Karl Marx discutem explicitamente a importância da
efetivação e a capacidade para tanto como determinantes do bem-
estar4. O enfoque de Marx relaciona-se estreitamente à análise
aristotélica (e ao que parece foi diretamente influenciado por ela)5.
Com efeito, uma parte importante do programa marxista de
reformulação dos fundamentos da economia política claramente diz
respeito à concepção do sucesso da vida humana em termos de
cumprimento das atividades humanas necessárias. Nos termos do
próprio Marx: "em lugar da riqueza e da pobreza da economia
política, veremos surgir o rico ser humano e a rica necessidade
humana. O rico ser humano é simultaneamente o ser humano que
necessita de uma totalidade de atividades vitais — o ser humano
em quem a auto-realização existe como necessidade interior"6.
MERCADORIAS E CAPACIDADE
Se se concebe a vida como um conjunto de "atividades e modos de
ser" que são valiosos, a avaliação da qualidade da vida toma a
forma de uma avaliação dessas efetivações e da capacidade de
efetuá-las. Essa avaliação não pode ser feita levando-se em conta
apenas as mercadorias ou rendimentos que auxiliam no
desempenho daquelas atividades e na aquisição daquelas
capacidades, como ocorre na aferição da qualidade de vida baseada
em mercadorias (envolvendo uma confusão de meios e fins). "A
vida dedicada a ganhar dinheiro", disse Aristóteles, "é vivida sob
compulsão, e a riqueza não é evidentemente o que buscamos, pois
a riqueza é meramente útil na consecução de outros bens"7. A
tarefa consiste em avaliar as várias efetivações na vida humana,
superando o que, num contexto diferente, embora relacionado,
Marx denominou "fetichismo da mercadoria"8. As efetivações terão,
elas próprias, de ser examinadas e a capacidade da pessoa de
realizá-las terá de ser apropriadamente avaliada.
No argumento aqui desenvolvido, os elementos constitutivos da
vida são vistos como combinações de várias diferentes efetivações.
Isso equivale a conceber a pessoa como ativa, por assim dizer, e
não passiva (embora nem os vários estados do ser e nem mesmo
as atividades devam necessariamente ser "atléticas"). Pode-se listar
desde efetivações elementares como evitar a morbidade ou a
mortalidade precoce, alimentar-se adequadamente, realizar os
movimentos usuais, etc, até muitas efetivações complexas tais
como desenvolver o auto-respeito, tomar parte da vida da
comunidade e apresentar-se em público sem se envergonhar (essa
última efetivação foi discutida de maneira esclarecedora por Adam
Smith9 como uma conquista valorizada em todas as sociedades,
embora as mercadorias necessárias para a sua consecução
variassem de uma sociedade a outra). O que se sustenta aqui é que
as efetivações são constitutivas do ser de uma pessoa, e que uma
avaliação do bem-estar de uma pessoa tem de tomar a forma de
uma avaliação daqueles elementos constitutivos.
A noção básica nesse enfoque é a de efetivações, concebidas como
elementos constitutivos da vida. Uma efetivação é uma conquista
de uma pessoa: é o que ela consegue fazer ou ser e qualquer
dessas efetivações reflete, por assim dizer, uma parte do estado
dessa pessoa. A capacidade de uma pessoa é uma noção derivada.
Ela reflete as várias combinações de efetivações (atividades e
modos de ser) que uma pessoa pode alcançar10. Isso envolve uma
certa concepção da vida como uma combinação de várias
"atividades e modos de ser". A capacidade reflete a liberdade
pessoal de escolher entre vários modos de viver. A motivação
subjacente — o foco na liberdade — é bem apreendida no
argumento marxista de que o que necessitamos é "substituir o
domínio das circunstâncias e do acaso sobre os indivíduos pelo
domínio dos indivíduos sobre o acaso e as circunstâncias"11.