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Revista Linha Mestra

Ano VIII. No. 24 (jan.jul.2014)


ISSN: 1980-9026

LEITURAS SEM MARGENS

Bia Porto
Artista visual | designer gráfica | designer de roupas infantis (JayKali)
www.biaporto.weebly.com
www.jaykali.weebly.com
PRÁTICAS ALFABETIZADORAS NO BRASIL E MÉXICO: QUANDO A
LEITURA NÃO QUER TER MARGEM

Aline Gomes da Silva 1


Jaqueline Regina Mota da Costa 2
Jacqueline de Fatima dos Santos Morais 3

Escrevendo: a primeira margem

Leitura tem margem? Delimitação? Território? Circunscreve-se à tempos e lugares


demarcados, fixos?
Como em outras terras, em países outros, a leitura tem sido vivida? Como
atravessamento? Como experiência (LARROSA, 2002)? Como atividade praticada como
cópia e repetição (MORAIS, 2013)?
Perguntas como estas têm nos acompanhado, provocando em nós o desejo, ou mais, a
necessidade de dizer sobre e com elas. Um dizer que não nos deixe seduzir (nem reduzir) por
uma escrita pretensiosa, na qual emerja, sobretudo, respostas definitivas e definidoras.
Nos move a incerteza, a dúvida, a necessidade de percorrer trilhas em terrenos instáveis.
Nos movimenta a palavra que não trava portas ou janelas mas que abre ferrolhos e gelosias.
Alenta-nos ditos que não nos encerrem naquilo que já sabemos mas que nos permitam desatar
nós e derrocar muradas. E apesar da tal intencionalidade, não sabemos, ao principiar esta
escritura, se o texto talhado por tantas mãos irá cumprir nosso desejo. Simplesmente não
sabemos. Mas seguimos as linhas.
Nossa mirada para as questões postas no início deste texto implica nos deixamos levar
pela escrita. Pressupõe seguir rumos e traços, em direção ao que alguns chamam de ensaio.
Ensaiamos portanto, neste artigo, um encontro. Encontro que traduz movimentos de
desencontros e reencontros. De enamoramentos e (des)afetos. Um encontro entre dois
territórios que, apesar de existirem apartados, sem vizinhança em suas fronteiras, vivem
processos identitários em muitos aspectos próximos: Brasil e México. Interessa-nos vasculhar,
dentro do largo campo de possibilidades que se abre neste encontro, um lugar tantas vezes
menorizado, compreendido como pouco importante, tratado como desimportante (BARROS,
2010): as práticas de leituras. E dentro deste território, mais demarcadamente, as práticas de
leitura no espaço escolar em ambos lugares.

1
Mestre em Educação. Faculdade de Formação de Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(FFP-UERJ). Rio de Janeiro. Email: aline.unirio@gmail.com
2
Graduanda do Curso de Pedagogia. Faculdade de Formação de Professores da Universidade do Estado do Rio
de Janeiro (FFP-UERJ). São Gonçalo. Rio de Janeiro. Email: jackregina@gmail.com
3
Doutora em Educação. Faculdade de Formação de Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(FFP-UERJ). Rio de Janeiro. Email: jacquelinemorais@hotmail.com

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PRÁTICAS ALFABETIZADORAS NO BRASIL E MÉXICO: QUANDO A LEITURA NÃO QUER TER MARGEM

México: a segunda margem

Um país pode ser definido, dentre outros aspectos, por se encontrar em uma região
margeada. As margens delimitariam e, por conseguinte, restringiriam o que pertenceria ou não
àquele lugar. Fora das margens, fora do limite das fronteiras, fora do que definimos por
região, outro lugar se descortina. Outra nomeação se impõe. Um outro se configura. Ou essa
será apenas uma visão simplificadora do que seja um país?
Em nosso texto gostaríamos de falar não sobre México mas com México. Esse desejo,
porém, implica o desafio de falarmos não a partir de uma relação verticalizada mas numa
relação de atravessamentos, de implicações, de horizontalidades. Somos tão mais próximos ao
México quanto mais nos deixamos mirar por ele. Em alguns aspectos, México diz mais de
nós, que nós mesmos. Para isso é necessário estranhar o estranhamento que sentimos em
relação a cultura mexicana, as suas comidas picantes, suas roupas coloridas e suas festas
religiosas. Que faz de México um lugar por vezes “exótico”? Fundamentalmente nosso olhar
estrangeiro. Um olhar que busca ver o outro com tanta distância que resulta extraviada
qualquer possibilidade de identificação com esse outro.
Que(m) é México? Ou melhor: o que nos permitimos ver deste país?
Se oficialmente seu nome é “Estados Unidos Mexicanos”, no cotidiano ninguém diz
mais que “México”. Fenômeno igual se dá entre nós: o largo nome “República Federativa do
Brasil” é traduzido pelo mais econômico e fácil “Brasil”.
Se a origem do nome de nosso país se encontra facilmente descrita nos livros e manuais
escolares como referente a árvore chamada “Pau Brasil”, encontrada fartamente por estas
terras, o mesmo não se pode dizer da origem da palavra México. Alguns sugerem advir de
Mēxihco, um termo em língua náhuatl que significaria “umbigo da lua”. Outros creem que se
deva ao nome do deus Mexi. O que se sabe é que esta denominação não resultou de uma
invenção linguistica espanhola. Mais que isso estará no plano das hipóteses.
Outro aspecto interessante, e que nos ajuda a compreender a riqueza e complexidade
deste país, é ao que diz respeito a língua. No México, apesar do Espanhol ser a língua oficial,
há mais de 50 línguas indígenas (alguns falam em mais de 60) existindo e resistindo. O artigo
2º da Constituição Mexicana afirma que as línguas dos povos indígenas são reconhecidas
como línguas nacionais, na mesma categoría que o espanhol. Na prática, porém, o uso oficial
das línguas indígenas ainda é limitado a publicação de algumas leis, a educação bilingue em
níves escolares elementales e a publicação de materiais de divulgação. Aqui as marges
novamente (im)põe cercas, mas contraditoriamente possibilita aberturas e brechas. Convida-
nos a tecer táticas e estratégias (CERTEAU, 1994) que possam habilitar espaços outros de
linguagens. Neste sentido há inúmeros usos não oficiais da língua indígena. São eles que
criam outras formas de habilitar e viver a língua.
É na vida cotidina que se expressa o uso de múltiplas línguas. Não é raro, por exemplo,
veremos pessoas nas ruas de cidades como Oaxaca falando Mixteco ou Zapoteco. Margens
são criadas. Margens são desatadas.

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PRÁTICAS ALFABETIZADORAS NO BRASIL E MÉXICO: QUANDO A LEITURA NÃO QUER TER MARGEM

Escola no México: a terceira margem

Transitamos agora por outra margem. A que nos permite ver e pensar sobre a leitura no
México. Este caminho nos abre a ver outras paisagens colaterais que, por limites deste artigo,
não podemos compartir.
O que podemos dizer da paisagem que vemos é que, como determina o artigo 3° da
constituição, a educação no México deve ser gratuita, laica e obrigatória. A chamada “Ley
General de Educación de México” determina que a população necessita cursar pelo menos os
chamados níveis primário, secundário e médio superior. Estes se subdividem em: pré-escolar,
primária, secundária, bachillerato, licenciatura, mestrado e doutorado, além de diplomados e
outras modalidades de educação superior.
Além disso, a legislação educativa estabelece que os pais são responsáveis por
verificar se seus filhos cumprem ou não com a educação requerida. Neste sentido, há
cidades, como no estado de Oaxaca, onde os pais podem ser presos (e todavia há os que
são), caso seus filhos não frequentem a escola. Esta determinação faz parte do que se
chama “usos e costumes” e faz parte de um conjunto de práticas sociais acordadas entre a
população de certa comunidade, funcionando como lei, mesmo não estando registrada
como legislação oficial.
Outra imagem desta paisagem se refere aos livros didáticos. Neste país, desde a
década de 40, se implementou um programa de edição e entrega gratuita de livros didáticos.
Isso significa que todas as escolas públicas mexicanas, independentes da localização e das
caracterísitcas culturais locais, utilizam os mesmos livros escolares. Com isso,
supostamente haveria maior controle de conteúdos e de metodologia educativa. E como nem
sempre as margens controlam os rios, os resultados que México tem conseguido através dos
rankings de avaliação internacional têm sido baixos, o que põem em questão as ações
oficiais.
De acordo com estudos sobre o panorama da leitura no mundo difundidos em 2001 por
OCDE e UNESCO, México ocupava um dos últimos lugares no contexto internacional.
Ainda de acordo com a UNESCO, México ocupa o penúltimo lugar em práticas de
leitura de uma lista conformada por 108 nações. A média de leitura no México seria de 2.8
livros anuais por habitante, cifra muito longe dos 25 recomendados por este organismo
internacional.
Assim, dos 35.2 milhões de crianças e jovens que actualmente são atendidos pelo
Sistema Educativo Nacional Mexicano, quantos encantados pelo mundo dos textos? Que grau
de responsabilidade possuem os sistemas de educação e as políticas públicas? E porque seria
tão importante ler com voracidade?
São quase 1.2 milhões de professores em quase 228 mil escolas em todo país. De cada
100 crianças que ingressan na chamada escola primária, somente 76 concluem a chamada
secundária. Ao redor de 32.3 milhões de adultos não completaram sua educação básica, o que
equivale a 38.5% da população maior de 15 años.

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PRÁTICAS ALFABETIZADORAS NO BRASIL E MÉXICO: QUANDO A LEITURA NÃO QUER TER MARGEM

Final: a última margem

Terminamos aqui nosso ensaio. As perguntas que nos moveram a escrever seguem em
nós como provocações, nos convidando a continuar a escrever este texto em outros suportes,
em tempos e lugares outros, vivendo o enfrentamento de outras margens.
Continuamos a ensaiar palavras e ditos sobre a leitura, dentro e fora do México,
mantendo viva a potência da incerteza, das perguntas sem respostas e das miradas que nos
ajudam a nos ver.
Fim. Última margem. Última?

Referências

BARROS, M. Memórias inventadas: As infâncias de Manoel de Barros. São Paulo, Editora


Planeta, 2010.

CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: Artes de fazer. Petrópolis, RJ, Vozes, 1994.

LARROSA, J. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Revista Brasileira de


Educação. Rio de Janeiro, n. 19, p. 20-28, jan./fev./mar./abr., 2002.

MORAIS, J. F. S. Cotidiano na alfabetização: a tessitura de algumas lições. Santa Catarina,


Contrapontos, v. 13, p. 52-60, 2013.

OCDE. La medida de los conocimientos y destrezas de los alumnos: La evaluación de la


lectura, las matemáticas y las ciencias en el proyecto PISA 2000. Ministerio de Educación,
Cultura y Deporte. Madrid. 2001.

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