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SÃO PAULO
2021
WILLIAM RONE VIEIRA
SÃO PAULO
2021
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM HISTÓRIA DA CIÊNCIA
FOLHA DE APROVAÇÃO
Banca Examinadora
Agradeço a minha mãe Rosária, minha esposa Cristiane e minha filha Kalinca que
acompanharam a minha trajetória.
Agradeço a minha orientadora Profa. Dra. Maria Helena Roxo Beltran que muito me
auxiliou com seu conhecimento, obrigado pela dedicação durante essa trajetória.
Minha especial admiração e gratidão.
Agradeço ao Prof. Dr. Fumikazu Saito e Prof. Dr. José Luiz Goldfarb pelas
importantes contribuições durante a qualificação. Muito obrigado.
Caroline.
The present thesis aims to present some contributions to Astronomy made by Caroline
Herschel (1750-1848), based on the analysis of excerpts from her letters published by
her nephew John Herschel in 1876, as well as relevant secondary bibliography. The
first chapter turns to Caroline's biography and her journey through Astronomy. The
second deals with her contributions to the star catalogs, the telescopes that were part
of her discoveries, and the impact of her work on the History of Science.
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 13
CAPÍTULO 1 – A BIOGRAFIA DE CAROLINE HERSCHEL E SUA JORNADA NA
ASTRONOMIA .......................................................................................................... 15
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 15
1.1 A EVOLUÇÃO DE UMA ASTRÔNOMA .............................................................. 16
1.2 TREINAMENTO, OBSERVAÇÕES E DESCOBERTAS...................................... 23
1.3 A RELAÇÃO ENTRE CAROLINE E WILLIAM HERSCHEL ................................ 37
CAPÍTULO 2 – CAROLINE HERSCHEL: CATÁLOGOS ESTELARES,
INSTRUMENTOS E REPERCURSÃO DE SEU TRABALHO NA HISTÓRIA DA
CIÊNCIA.................................................................................................................... 39
2 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 39
2.1 CATÁLOGOS DE ESTRELAS ............................................................................ 40
2.2 OS TELESCÓPIOS ............................................................................................. 44
2.3 REPERCUSSÃO DO TRABALHO DE CAROLINE HERSCHEL ......................... 51
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 59
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 61
13
INTRODUÇÃO
Caroline Herschel (1750-1848) foi uma astrônoma que teve destacado papel
para essa Ciência. Suas realizações abrangem novas descobertas observacionais e
habilidosos registros de dados astronômicos precisos. Caroline foi famosa em sua
época pela descoberta de oito cometas, enquanto trabalhava junto a seu irmão,
William Herschel (1738-1822), na “construção dos céus”1. Ela atuou como sua
assistente durante as vigílias noturnas, escreveu cópias ordenadas de seus registros
de observação e preparou seus textos para publicação.
Caroline também compilou um índice para o Catálogo de John Flamsteed,
publicado pela Royal Society. Depois da morte de William, reorganizou seus catálogos
de nebulosas para que seu sobrinho, John Herschel (1792-1871), filho de William,
pudesse reexaminar as nebulosas observadas por seu pai, trabalho que levou ao
Novo Catálogo Geral (NGC) que é usado até hoje2.
A descoberta de seu primeiro cometa, na primeira noite de agosto no de 1786,
levou Caroline a escrever uma carta endereçada a Charles Blagden, então secretário
da Royal Society. O texto dessa carta viria a ser posteriormente publicado na
Philosophical Transactions3. Pouco mais de um ano depois, em outubro de 1787,
Caroline passou a receber pagamento de cinquenta libras por ano por sua atividade
em Astronomia. Por esse fato, atribui-se a ela o feito de ser a primeira mulher a receber
um salário pelos seus trabalhos científicos na Inglaterra do século XVIII, o que é visto
como um marco na História da Ciência.
No entanto, embora tenha apresentado grande relevância na construção da
História da Ciência, em especial, da Astronomia, Caroline Herschel até hoje não
obteve uma visibilidade proporcional à sua histórica relevância. De fato, como mulher
de sua época, ficava à sombra de seu irmão, William Herschel, como será visto mais
adiante.
Dessa forma, considerando o contexto que pouco creditou as contribuições e a
importância de Caroline Herschel para a Astronomia, o presente trabalho teve como
objetivo apresentar suas descobertas e contribuições para a Astronomia, como
àquelas que ajudaram a compor o Novo Catálogo Geral de Nebulosas e Aglomerados
1 INTRODUÇÃO
Sem dúvida, Caroline era fascinada pelos assuntos discutidos entre pai e
irmãos8. Em sua autobiografia, ela relata que:
oposição de sua mãe, anulando os desejos de seu pai, foi negado qualquer tipo de
educação a Caroline”17.
Em 1760, Isac retornou à sua família quase inválido. Mesmo assim, mantinha
seus esforços para inserir Caroline em seus ensinamentos musicais e educacionais18.
Algum tempo depois, em 1767, o pai de Caroline faleceu, deixando a adolescente de
17 anos aos cuidados de sua mãe Anna e o irmão mais velho Jacob, como chefe da
família19. Caroline, mais uma vez, encontrava-se como servente de sua própria
família20.
A vida de Caroline na casa Herschel não era fácil. Segundo ela, era seu destino
ser a Cinderela da família21. Não obstante a infância de Caroline em Hanover tenha
sido relatada muitas vezes, pouco foi dito sobre a atuação de Caroline ou sobre como
sua situação pode ser compreendida historicamente. Em vez disso, esses relatos
colocam ênfase desproporcional nas personalidades de seus pais, a partir de
informações extrapoladas de um pequeno número de referências feitas por Caroline
na velhice, como será visto a seguir.
De acordo com Michael Hoskin, a mãe de Caroline a via “como uma fonte
permanente de ajuda barata em casa”22. Segundo o autor, Caroline era "o único
suprimento restante de mão de obra barata em casa" e assim permaneceria para
sempre se Anna (sua mãe) fizesse o que queria 23. Os termos 'mão de obra barata' e
'trabalho doméstico' são usados frequentemente para transmitir uma qualidade de
madrasta perversa, mas não são termos encontrados nas fontes primárias
consultadas para a realização da presente pesquisa.
Considerações sobre o contexto daquela época sugerem que a situação de
Caroline não era muito diferente da de muitas outras mulheres solteiras de classe
média baixa da região24. A própria Caroline simplesmente fornece relatos das várias
tarefas domésticas que ela e sua mãe realizavam juntas. Ela usa a palavra 'trabalho
enfadonho' uma vez, alegando que seu pai nunca quis que ela perdesse seu tempo
com 'trabalhos penosos e trabalhosos', mas em nenhum lugar isso está
para uma jovem solteira que, de acordo com as normas aceitas na época, deveria
sacrificar sua própria ambição para ajudar e apoiar nos deveres do lar, participando
na administração da casa. Por isso, o ensino infantil de Caroline foi muito diferente do
vivenciado por seus irmãos, não apenas nas matérias que ela estudou, mas em como
foi efetivamente ensinada. Enquanto William e seus outros irmãos aprenderam a
dominar um único assunto (música), com prática intensiva e concentrada, Caroline
aprendeu a adquirir habilidades muito rapidamente e a colocá-las em uso de uma
maneira útil para sua família. Esse pensamento parece ter moldado a atitude de
Caroline em relação ao aprendizado ao longo de sua vida30.
Ao mesmo tempo, é possível ver a ambição de Caroline emergindo. As lições
que buscou eram aquelas que poderiam fazer com que ela e, por associação, sua
família, parecesse ter uma posição social mais elevada do que a da geração anterior.
Essas lições poderiam, em algumas famílias, ter levado a empregos remunerados.
Entretanto, na casa de Herschel, tais ambições não eram incentivadas31, uma vez que
treinar meninas para trabalhar fora de casa era considerado uma atividade da classe
baixa, e esse, ao que parece, não era o objetivo dos Herschels32.
Mas, como no conto de fadas, o Príncipe Encantado logo iria resgatá-la,
assumindo a figura de seu irmão. William, que era 12 anos mais velho e o irmão
favorito de Caroline, juntamente a outro irmão, Alexander, tinha um plano para buscar
a irmã mais nova33. William Herschel tinha se estabelecido na Inglaterra em 1757,
mudança realizada com o objetivo de fugir de Hanover durante a Guerra dos Sete
Anos. Quando o pai de Caroline faleceu, William havia alcançado posição de organista
na Capela Octagon, em Bath. Uma vez estabelecido, em 1770, mandou chamar seu
irmão mais novo, Alexander34.
Ao saber da situação à qual Caroline era submetida pelo relato de seu irmão
Alexander, no outono de 1771, William escreveu à sua mãe Anna e irmão mais velho,
Jacob, sugerindo que Caroline se juntasse a ele para que pudesse treinar como
cantora. A proposta era de que, se em até dois anos sua voz não fosse considerada
suficientemente boa, ela retornaria para casa35. Na época, William já cantava como
solista nos oratórios36 de Handel que montava. Além disso, ele era solteiro e precisava
de alguém para cuidar de sua casa. Alexander comentara que a irmã mais nova tinha
uma bela voz, William presumiu então que Caroline sabia cantar e, portanto, poderia
acompanhá-lo nos concertos37.
Inicialmente, Jacob, o irmão mais velho, pareceu concordar com a proposta,
porém, com o passar do tempo, mudou seu pensamento. Segundo Glenis Moore,
“Jacob passou a considerar a proposta uma ideia ridícula”38. William, por sua vez, não
aceitou ser dissuadido39. Assim, no verão seguinte, em 1772, foi buscá-la40. Ele viajou
para Hanover no começo de agosto, período em que sabia que Jacob não estaria
presente, aproveitando a ausência do irmão para convencer sua mãe, Anna, a deixar
Caroline acompanhá-lo. Após uma longa insistência e um acordo de contribuir com
uma soma anual para que Anna pudesse manter uma governanta, Caroline foi
autorizada pela mãe a ir para a Inglaterra41.
Entre 1772 e 1781, Caroline viveu com seu irmão em Bath. Apesar de ter tido
uma vida dura em Hanover, vez ou outra, ela se sentia saudades de casa. Entretanto,
William tratou de mantê-la ocupada com lições de música, inglês e matemática 42. A
intenção inicial era que Caroline pudesse se formar como professora de música ou
como cantora para atuar nos concertos de William43.
Enquanto estava em Bath, Caroline também recebeu aulas para aprender as
regras de comportamento feminino apropriado e a como se apresentar diante dos
clientes que procuravam contratar músicos. Para esse fim, William a apresentou a
duas senhoras que eram consideradas ótimas críticas de cantores e músicos e
providenciou para que elas a levassem para Londres. Elas lá ficaram por seis
semanas, durante as quais Caroline foi levada várias vezes à ópera, ao teatro, a leilões
e a compras. Embora um pouco sobrecarregada com a experiência e feliz por estar de
volta a Bath, ela anotou em sua autobiografia que "a ela (Sra. Colbrook) e à marquesa
de Lothian, estou em dívida por tudo que já vi do mundo da moda"44.
Caroline perseverou com seu canto e, em 1777, devido ao seu sucesso, sua
mãe permitiu que ela residisse definitivamente na Inglaterra45. Logo depois, em 1778,
apareceu como primeira solista no Concerto Messias de Handel (Figura 2). Em quinze
de abril desse mesmo ano, após uma apresentação, Caroline foi convidada para
cantar em Birmingham. O convite para ser solista em Birmingham foi uma
oportunidade sem precedentes para Caroline construir uma carreira musical para si
mesma, no entanto, ela recusou 46.
Caroline não queria abandonar o irmão. William foi busca-la em Hanover e ela
sabia que ele dificilmente alcançaria suas ambições sem sua ajuda: “mas como nunca
tive a intenção de cantar em lugar nenhum, mas apenas onde meu irmão era maestro,
recusei a oferta”47. Após recusar a oferta, Caroline ainda permaneceu por mais um
ano cantando em público, porém, o tempo que ela tinha para praticar foi sendo
reduzido gradualmente à medida que ficava cada vez mais ocupada auxiliando seu
irmão em suas muitas ocupações diárias48.
Portanto, a lealdade de Caroline ao irmão a privou de uma possível carreira
grandiosa, por meio da qual poderia tirar o seu próprio sustento. Contudo, para
Constance Lubbock, é duvidoso que uma carreira puramente musical a teria
satisfeito49. Além disso, Caroline teria que frequentar uma sociedade à qual não
pertencia, enquanto sua sede por conhecimento nunca seria saciada. E foi assim,
então, que sua decisão teve consequências importantes para a história da
Astronomia50.
Logo após sua chegada, no outono de 1772, Caroline descobriu que sua vinda
coincidira, por acaso, com o desenvolvimento de uma paixão amadora pela
Astronomia por parte de seu irmão William. Inclusive, por essa razão, durante os anos
iniciais que passou na Inglaterra, Caroline viu seu interesse pela ciência e matemática,
que havia surgido durante a infância, ser revivido e desenvolvido. Por isso, a maioria
dos historiadores acredita que foi William que ensinou a irmã grande parte dos
conhecimentos em ciências e matemática que a permitiram participar dasobservações
astronômicas51.
Em decorrência do fato de seu irmão, William, passar a dedicar grande parte
de seu tempo à Astronomia, ocupando seus dias em tarefas como polir espelhos, não
tinha muito tempo para dar aulas de música à Caroline. Assim, para os deveres
musicais, ela foi forçada a improvisar, inventando suas próprias lições. Caroline,
então, começou a usar esse tempo para se tornar mais indispensável para sua família:
“Comecei a pensar em como aquelas horas que agora deveria ser deixada para mim
mesma poderiam ser mais bem gastas, aprendendo o que seria necessário saber para
uma governanta de uma pequena família”52.
Portanto, durante esse período William e Caroline usaram sua capacidade de
absorver habilidades e conhecimentos para desenvolver novos papéis para si
próprios. Enquanto William estava gradualmente se tornando mais astrônomo do que
músico, Caroline estava ocupada em tornar-se indispensável em todas as áreas da
vida de William. Primeiro, ela se tornou assistente de William, o músico, não apenas
como cantora (como havia sido originalmente sugerido), mas em todos os aspectos
de sua vida musical. Ela aprendeu as regras de apresentação e modéstia feminina,
mas, o mais importante, ela as aprendeu no contexto da performance. Essas lições
não foram planejadas para desencorajar a participação na esfera pública, mas sim
para ensiná-la que, como mulher, ela deveria administrar sua aparência e reputação53.
Em relação ao seu comprometimento com a Astronomia, de início, o
envolvimento de Caroline era restrito a ajudar em tudo o que seu irmão precisasse
enquanto trabalhava em suas descobertas. Contudo, gradualmente, ela se tornou uma
assistente leal tanto em suas diversas noites de observação astronômica quanto
durante a construção de seus telescópios. Foi então, em 1781, que William, durante
uma de suas longas noites de observação através de seu telescópio feito à mão,
alcançou sua fama como astrônomo, com a descoberta de um novo cometa, que seria
posteriormente reconhecido como o planeta Urano, ou como ele mesmo chamava:
Georgium sidus54.
Além de ganhar a Medalha de Copley e se tornar um membro da Royal Society,
a descoberta do planeta Urano rendeu à William uma Pensão Real concedida por
George III no valor de £200 anuais, com a exigência de que abandonasse a música e
se mudasse para perto do Castelo de Windsor. Nos padrões do século XVIII, embora
não fosse uma vasta quantia de dinheiro, a pensão concedida possibilitaria que
William deixasse a música e se dedicasse exclusivamente à Astronomia 55. Sem
consultar a irmã, William aceitou a oferta do rei. Dessa forma, eles se mudaram para
Datchet, próximo a Windsor, uma aldeia tranquila muito diferente da animada Bath56.
Figura 3 – Notas feitas por Caroline das instruções dadas por seu irmão William no outono de 1782,
quando ela iniciou suas buscas no céu noturno.
que tinha para ajudar outras pessoas, buscar aulas particulares e depois praticar
sozinha61
Em 1783, Caroline teve que dar prioridade ao trabalho de escrevente para
William, enquanto ele buscava nebulosas e aglomerados. Nesse mesmo ano, sempre
que surgia a oportunidade, ela dedicava seu tempo para observar por conta própria,
primeiro com o pequeno refrator62, também conhecido como luneta (Figura 5).
Caroline foi explicitamente instruída pelo irmão a procurar por uma ampla gama de
objetos: estrelas duplas, aglomerados, nebulosas e cometas63. Em fevereiro, seus
esforços foram recompensados com a descoberta de sua primeira nebulosa, ainda
não registrada64. Esse achado fez com que William presenteasse a irmã com um
instrumento muito melhor feito por ele: o engenhoso varredor newtoniano, com um
comprimento focal de 27 polegadas e um poder de 3065.
Figura 5 – A ótica do "varredor de cometa" que William idealizou e fez para Caroline em 1783.
Usando esse varredor, durante aquele mesmo ano, ela encontrou algumas
estrelas duplas. Seus principais interesses eram nebulosas e aglomerados (Figura 6),
procurando aqueles listados por Charles Messier, astrônomo francês, pioneiro em
compilar um catálogo sistemático de nebulosas e aglomerados de estrelas enquanto,
ao mesmo tempo, procurava novos66. Caroline ainda encontrou, utilizando seu
varredor newtoniano, mais duas nebulosas, uma em agosto e outra em setembro de
1783. Ambas foram inseridas no “Catálogo das Mil Novas Nebulosas” de William,
publicado em 178667.
Essas descobertas realizadas por Caroline não constituem um feito fácil. Isso
porque, ao contrário de William, seu conhecimento sobre as posições das estrelas no
momento das descobertas ainda era mínimo. Durante todas essas observações, o
irmão estava por perto. Porém, para Caroline, sua presença era mais considerada
como um obstáculo do que uma ajuda, uma vez que ela normalmente era forçada a
reduzir seu tempo de observação para auxiliá-lo. Já quando o irmão estava ausente,
ela passava longos períodos dedicando-se a seu próprio trabalho, o que significava
ficar procurando por muito tempo por objetos em um atlas. Mas foi essa devoção e
esse tempo dedicados que foram primordiais para desenvolver seus conhecimentos
astronômicos posteriores68.
A partir da análise de seus livros de observação, bem como de seu catálogo de
nebulosas e aglomerados de estrelas, é possível verificar que Caroline encontrou, de
fato, 11 novas nebulosas e aglomerados ao longo do ano de 1793, um em 1784 e
outro em 1787, os quais ainda eram desconhecidos pelos astrônomos. Desses 13
achados, duas eram efetivamente galáxias. Uma delas foi a referida M110, a segunda
companheira da nebulosa Andromeda, a qual já havia sido anteriormente observada
por Messier, porém não tinha sido publicada até o momento. A outra era a brilhante
espiral de ponta NGC253. Essas foram excelentes conquistas realizadas por Caroline,
apresentando grande relevância e contribuição para a lista de Messier que, no total,
consistia em 103 objetos, dos quais 13 foram descobertas de Caroline69.
contexto, William teve que interromper suas próprias pesquisas sobre estrelas duplas
para examinar dois clusters que sua irmã tinha encontrado70.
Até então, os livros de observação de William eram principalmente preenchidos
com observações de estrelas duplas. Mas em 4 de março de 1783, ele tomou a
decisão importante de “varrer o céu em busca de nebulosas e aglomerados de
estrelas”. Assim, as anotações em seus livros de observação mudam repentinamente:
as estrelas duplas desaparecem em grande parte e nebulosas e aglomerados tomam
seu lugar71.
No verão de 1783, William finalizou seu novo refletor de 20 pés, incluindo um
espelho de 18,7 polegadas, o que possibilitou que ele prosseguisse em sua busca por
nebulosas desconhecidas. Inicialmente, essas buscas foram feitas por conta própria,
porém, o astrônomo teve algumas dificuldades com o novo equipamento. Para testar
sua efetividade, William então convidou Caroline para usá-lo para observações e
atribuiu a ela duas tarefas: reexaminar suas estrelas duplas, uma por uma, para ver
se elas tinham alterado sua posição relativa; e pediu que ela direcionasse o
equipamento para uma estrela dupla em particular para medir o ângulo da linha de
junção de seus dois componentes. Na primeira tarefa, Caroline não obteve sucesso.
Já na segunda, os resultados foram satisfatórios72.
Em dezembro desse mesmo ano, William reconheceu que a técnica de
varredura que ele havia adotado para o refletor de 20 pés tinha muitas falhas. Além
disso, considerando as habilidades desenvolvidas por Caroline, decidiu que deveria
trabalhar em parceria, com sua irmã como sua amanuense. Essa decisão culminou
na varredura do céu visível de Windsor durante as próximas duas décadas e resultou
na descoberta de 2507 nebulosas73. Nos primeiros anos, eles trabalharam
intensamente, por isso Caroline não teve tempo para suas próprias observações 74.
Em fevereiro/março de 1984, ela encontrou sua 15° nebulosa e, em maio, sua 16°.
Contudo, no decorrer dos dois anos seguintes, ela conseguiu observar em apenas
uma única noite75.
Figura 7 – A casa de William à esquerda e a pequena casa de Caroline com o telhado que ela usava
para observar.
Figura 8 – Anotação de Caroline em seu caderno de observação sobre a descoberta de seu primeiro
cometa: “Eu calculei 100 nebulosas hoje, e essa noite eu vi um objeto que eu acredito que amanhã
de noite provarei ser um cometa”.
79 Telescópio utilizado por Caroline Herschel durante a descoberta de seu primeiro cometa, em 1786.
Também conhecido como “Vassoura Newtoniana”, o objeto levava esse nome porque foi construído
por William Herschel com o objetivo de que Caroline pudesse movimentá-lo na vertical durante suas
observações, o que dava a ideia de o movimento de uma vassoura. A vassoura newtoniana tinha uma
distância focal de 27 polegadas e uma potência de cerca de 20, enquanto o campo de visão era de 2°
12’. (Caroline Herschel apud Michael Hoskin, “Caroline Herschel as observer”).
80 John Herschel, Memoir and Correspondence of Caroline Herschel.
81 Moore, “Caroline Herschel”.
82 Ibid.
83 John Herschel, Memoir and Correspondence of Caroline Herschel.
84 Herschel, “An account of a new comet,”.
33
Charlotte estava lá e relatou que “o cometa era muito pequeno e não tinha nada de
grandioso em sua aparência; mas é o cometa da primeira-dama [...]”85.
Para a surpresa de Caroline, a descoberta não apenas levou à sua aceitação
pela comunidade astronômica, mas também, pouco mais de um ano depois, em
agosto de 1787, ela foi elevada à posição de Astrônoma Assistente pelo rei George III
e passou a receber uma pensão de 50 libras por ano. Naquele momento, Caroline se
tornara a primeira mulher a alcançar tal posição e a pioneira em receber um salário
por seus serviços86,. Caroline ficou entusiasmada com o cargo que recebeu, mas a
emoção foi ainda maior com o salário que lhe foi concedido87.
[...] um salário de 50 libras por ano foi estabelecido para mim como assistente
de meu irmão, e em outubro eu recebi 12 libras, sendo o primeiro pagamento
trimestral do meu salário. É o primeiro dinheiro que já pensei receber em toda
a minha vida, para gastar do meu jeito.88
perturbações causadas à irmã, foi um dos períodos mais produtivos desde que a
carreira astronômica de Caroline teve início90.
O casamento de William fez com que ele ocupasse menos o tempo de Caroline,
tanto com a gestão de sua casa, que passou para sua esposa, quanto nas
observações, uma vez que seu irmão passou a se preocupar com um novo refletor de
40 pés91. Além disso, durante os meses de verão, William criou o hábito de levar sua
família para passeios. Assim, Caroline tinha muito tempo livre para se dedicar à
Astronomia no observatório do irmão, utilizando-se de seus equipamentos. O
casamento do irmão levou-a a se dedicar ainda mais ao trabalho astronômico,
possivelmente para aliviar o sentimento de ser deixada de lado. De fato, com esse
maior tempo disponível para a Astronomia, sete meses após o casamento de William,
Caroline descobriria seu segundo cometa92 e, assim como em 1786, quando descobriu
seu primeiro cometa, seu irmão também estava fora93.
Na época, Caroline tentava localizar um cometa que tinha sido recentemente
descoberto por Messier, o qual William havia calculado estar perto do Polo Norte. Sem
sucesso, Caroline passou a procurar por um outro cometa visto em 1661, com retorno
previsto para o período. Em 18 de dezembro, seus esforços foram interrompidos por
William para que ajudasse nas observações com o refletor de 20 pés. No dia 21 ela
visualizou seu segundo cometa94. A carta comunicando a descoberta do segundo
cometa levou 48 horas para viajar as 30 milhas de Windsor, a oeste de Londres, ao
Observatório Real de Greenwich, a leste. Vários dias se passaram antes que Nevil
Maskelyne, astrônomo real, pudesse verificar seu achado95.
Por todo o ano de 1789, foram registradas apenas nove observações no livro
de anotações de Caroline96. Isto porque a observação e o desenho dos satélites de
Saturno e Urano ocuparam a maioria do seu tempo durante o ano de 178997. Segundo
Hoskin, talvez ela estivesse fazendo suas observações periódicas, mas não as
estivesse registrando pois não havia encontrado nada que valesse a pena98. Em 7 de
janeiro de 1790, entretanto, ela observou seu terceiro cometa, bem pequeno e que
logo desapareceu99. Essa descoberta foi o que possivelmente fez com que William a
visse como uma observadora melhor (Figura 9). Assim, ampliou a versão do seu
instrumento de trabalho, construindo para ela um telescópio newtoniano maior e
melhor do que os anteriores, agora com 9,2 polegadas100.
Esse cometa provou ser o mais relevante dentre os descobertos pro Caroline.
Em 1819, Johann Franz Encke demonstrou que era idêntico com um previamente
observado por Méchain em 1786, e subsequentemente visto em 1805 e 1818. Isso foi
confirmado quando ele reapareceu em 1822. Desde então, passou a ser conhecido
como o cometa de Encke,104.
Entre novembro de 1795 e o início de agosto de 1797, embora estivesse
trabalhando em suas observações, não existem anotações nos registros de
observações de Caroline. Foi, então, em 14 de agosto de 1797, quando ela se
preparava para “varrer os céus da maneira que comumente fazia a olho nu”, que
imediatamente avistou um cometa105, registrando seu oitavo e último cometa106. Na
Minha mãe, muito ocupada preparando o jantar, permitiu que eu fosse até o
desfile encontrar meu pai, mas eu o perdi, e continuei minha busca até que
fiquei exausta com frio e fadiga; e ao voltar para casa eu os encontrei todos
à mesa; ninguém me cumprimentou, mas meu irmão William veio correndo
até mim e se agachou, o que me fez esquecer todas as minhas queixas. Eu
menciono este exemplo da atenção do meu irmão porque essa seria a última
vez que eu receberia essa gentileza dele nos próximos anos que viriam.112
2 INTRODUÇÃO
114 O monumental atlas estelar de Johann Bayer, Uranometria, é comumente considerado o primeiro
atlas celestial moderno, e é um dos mais famosos. Por toda uma era, seu design e apelo estético
estabeleceram um padrão para a cartografia celestial. Porém, ainda mais do que seu valor artístico, as
representações do céu estrelado contidas no Uranometria foram as primeiras a serem consideradas
cientificamente utilizáveis em termos astrométricos e fotométricos, mesmo que sua precisão tenha sido
qualificada por pesquisas posteriores. (Hildesheim Arndt Latusseck, “The milky way in Johann Bayer’s
Uranometria, 1603,” Journal of the History of Astronomy 45,2 (2014): 161-181.)
115 Kilburn et al., “The forgotten Star Atlas,”.
41
Durante seus registros das posições das nebulosas tendo como referência
estrelas próximas, William descobriu, para sua surpresa, que algumas das estrelas
116 Dos muitos tesouros da Biblioteca da Royal Astronomical Society, talvez o mais evocativo seja
encontrado nos arquivos Herschel no porão da Burlington House, encerrados em uma caixa de
conservação marrom. Abra a caixa e você encontrará um atlas estelar de grande formato com uma
encadernação em cartolina, manchado e danificado pelo tempo e pelo uso extensivo. Esta é a cópia
de trabalho do Atlas Coelestis de John Flamsteed usado por William e Caroline Herschel, e
posteriormente por John Herschel, em suas redes de arrasto do céu.” Ridpath, “Caroline Herschel's star
atlas,”.
117 Ridpath, “Caroline Herschel's star atlas,”.
42
que não possuía tal conteúdo, a fim de inserir as correções e informações coletadas durante suas
observações.
122 John Herschel, Memoir and Correspondence of Caroline Herschel.
123 Michael Hoskin, Discoverers of the Universe.
124 Hoskin, “Caroline Herschel: the unquiet heart,”.
125 Caroline Herschel apud John Herschel, Memoir and Correspondence of Caroline Herschel.
43
precisão e diligência que apenas a devoção mais ilimitada poderia a ter induzido para
empreender, e a permitiu realizar”129.
Utilizando um catálogo de Caroline, em 1825, John começou a trabalhar para
varrer os céus, “um dever sagrado que não posso adiar por qualquer consideração”130.
Em 1833, o sobrinho de Caroline publicou o catálogo resultante de 2306 nebulosas e
aglomerados, e finalmente as nebulosas verificadas de William (junto com 525 de
John) tornaram-se acessíveis ao conhecimento de astrônomos em todo o mundo.
Trinta anos depois, em sua velhice, John iria reunir todas as nebulosas até agora
conhecidas, fossem as descobertas de um Herschel ou de outro observador, e
publicar em um único Catálogo Geral. Esse catálogo seria revisado no final do século,
resultando no Novo Catálogo Geral (NGC), que os astrônomos usam hoje. O trabalho
de escritório de Caroline, primeiro em Slough e depois em Hanover, foi o que permitiu
que esta cadeia de eventos fosse colocada em movimento131.
2.2 OS TELESCÓPIOS
função principal de um instrumento projetado para auxiliar a visão é coletar luz. Coube
a ele, portanto, apontar que as distâncias de objetos semelhantes são exatamente
proporcionais ao tamanho dos telescópios que mal bastam para mostrá-los. Assim,
William Herschel não foi apenas um grande observador e teórico, mas também o
indiscutível mestre-artesão na construção de grandes refletores, tanto para usopróprio
como para venda. Para os maiores instrumentos, ele concebeu uma configuração não
ortodoxa de espelho e ocular, conhecida como ‘Herscheliana’.
A imagem criada em um telescópio refrator simples sofre de "aberração
cromática", isto é, um borrão das cores. Newton mostrou que isso acontecia porque
as cores diferentes, à medida que passavam pela lente objetiva na extremidade
superior do tubo, eram dobradas ("refratadas") em quantidades ligeiramente
diferentes e, assim, chegavam a um foco a distâncias ligeiramente diferentes da
objetiva. Sua solução foi substituir a lente por um espelho de formato parabólico ou
quase parabólico posicionado na parte inferior do tubo do telescópio; as diferentes
cores eram todas refletidas igualmente no espelho e, dessa maneira, chegavam a um
foco único e consistente mais acima no tubo133.
Percebeu-se, então, que havia maneiras alternativas de fazer com que a
imagem assim formada fosse examinada na ocular. Nos refletores ‘Gregorianos’ ou
‘Cassegrain’, um segundo espelho muito menor localizado mais acima no tubo reflete
a imagem de volta para baixo do tubo e através de um orifício no espelho primário
para onde a ocular está localizada. Mas em refletores ‘Newtonianos’, um espelho
simples é posicionado próximo ao topo do tubo, colocado em um ângulo de 45 graus,
e isso reflete a imagem lateralmente através de um orifício no tubo para onde a ocular
está localizada. Em um refletor newtoniano, portanto, o observador se posiciona
próximo ao topo do tubo e olhando de lado na direção do corpo celestial134.
Um defeito de todas essas configurações é que grande parte da luz se perde
no reflexo do espelho secundário e, em 1728, o fabricante de instrumentos de Paris
Jacques Lemaire propôs, em vez disso, que o espelho secundário fosse inteiramente
dispensado e que a ocular do observador olhar deveria se dirigir diretamente para
baixo da boca do tubo. A desvantagem desse arranjo é que a própria cabeça do
observador obstrui parte da luz que entra, a menos que o tubo e o espelho sejam tão
grandes em diâmetro que a perda de luz causada pela cabeça do observador seja
limitada. Grandes refletores são necessários quando os objetos sob investigação são
fracos; e o primeiro observador a se dedicar à investigação das distantes e, portanto,
tênues nebulosas e aglomerados de estrelas foi William Herschel135.
Como músico e astrônomo amador na estância termal inglesa de Bath no final
da década de 1770, William Herschel construiu, de início, vários espelhos para um
refletor Gregoriano de 5.5 pés. Contudo, logo passou a fabricar refletores newtonianos
de distância focal de 7, 10 e 20 pés, com espelhos de cerca de 6, 8 e 12 polegadas,
respectivamente. O refletor favorito de William foi o de 7 pés (Figura 11 e 12), que ele
utilizou para sua primeira revisão dos céus e na descoberta do planeta Urano. Esse
equipamento continha um espéculo muito importante de 6.2 polegadas de abertura136.
Figura 12 – Um dos numerosos refletores de 7 pés que William fez para venda comercial.
Figura 14 – Um dos refletores de 10 pés encomendados de William pelo rei George em outubro de
1783.
Figura 16 – O telescópio de 20 pés construído por William Herschel em Datchet, com o qual ele e
Caroline descobriram 2.500 nebulosas e transformaram a Astronomia.
Você imortalizou seu nome e merece um presente do Ser que ordenou que
todas essas coisas se movessem conforme as encontramos, por sua
assiduidade nos negócios da astronomia e por seu amor por um irmão tão
celebrado e tão merecedor”.148
escrita aos 74 anos, Caroline refletiu sobre sua decisão: “Eu desejava que William
pedisse ao rei um pequeno salário para permitir-me continuar a ser sua assistente.
Foram-me concedidas 50 libras, com as quais eu estava decidida a viver sem a
assistência do meu irmão”150.
No outono de 1787, Caroline Herschel alcançara uma distinção considerável,
tanto no mundo como na comunidade científica menor. A garotinha que sonhava em
escapar das tarefas domésticas tediosas alcançara suas ambições, aos 37 anos de
idade, e agora ganhava seu próprio dinheiro. Embora ela não tenha sido paga
diretamente por suas próprias descobertas astronômicas, sua reputação como uma
‘astrônoma feminina’ e a publicidade de suas descobertas garantiram que outros
soubessem e aplaudissem suas realizações independentes.
Outra contribuição vital feita por Caroline para a busca da Astronomia foi
finalmente publicada em 1798 e representou dezesseis anos de dedicação à Ciência
que ela aprendera do zero. Já nessa década, ela foi uma pioneira a publicar notícias
de suas descobertas originais no prestigioso jornal da Royal Society, o Philosophical
Transactions. Seu trabalho científico foi publicado e reconhecido em seu próprio
nome, uma conquista única para uma mulher nesse período. William Herschel havia
sugerido com antecedência em seus próprios artigos publicados que sua irmã estava
prestes a produzir algo de grande valor para a Astronomia151.
Caroline reconheceu a magnitude de sua própria realização e o mesmo
aconteceu com a comunidade científica europeia. Fundada em 1820, a Astronomical
Society of London era parte da explosão de interesse pelas Ciências no início do
século XIX, tornando-se, mais tarde, a Royal Astronomical Society152. Como mulher,
Caroline não tinha permissão para se tornar um membro da Sociedade Astronômica
de Londres, mas ela poderia tornar-se medalhista e, em fevereiro 1828 o conselho
resolveu:
Que uma medalha de Ouro seja desta sociedade seja dada a Srta. Caroline
Herschel por sua recente compilação, até janeiro de 1800, das Nebulosas
descobertas por seu ilustre irmão, que por ser considerado como a conclusão
e uma série de esforços provavelmente incomparáveis em magnitude ou
importância nos anais do trabalho astronômico.153
Figura 18 – Medalha de Ouro dada à Caroline Herschel pela Royal Astronomical Society em
reconhecimento de seu trabalho em serviço da Astronomia.
Muito se diz que Caroline teria sido a primeira mulher a descobrir um cometa.
Entretanto, nas pesquisas realizadas para o presente estudo, encontraram-se
menções a outras mulheres astrônomas anteriores a. Assim, por exemplo, Maria
Margarethe Winckelmann, chamada nas fontes históricas como Maria Kirch, nasceu
em 25 de fevereiro de 1670, em Panitsch, Reino da Prússia. Maria conheceu Gottfried
Kirch, um renomado astrônomo, com quem se casou. Em 1700, Gottfried Kirch foi
nomeado astrônomo real por Frederick III, eleitor de Brandemburgo. Durante
observações realizadas junto ao esposo, Maria Kirch encontrou um cometa
anteriormente desconhecido em 21 de abril de 1702. Portanto, ela seria a primeira
mulher a fazê-lo, e não Caroline Herschel, como muitos ainda acreditam157.
Esse fato ainda é pouco conhecido porque Maria Kirch não recebeu o devido
reconhecimento por essa descoberta, pois quando as notícias do cometa foram
publicadas pela primeira vez, Gottfried Kirch assumiu o crédito pela descoberta.
Os estudos sobre cometas passaram por várias fases distintas desde as
descobertas de Maria Kirch e Caroline. O século XVIII, no qual todos os oito cometas
de Caroline foram descobertos, foi um período dominado pela Astronomia posicional.
Cometas foram identificados e observados, suas posições anotadas e suas órbitas
calculadas. Em 1705, Edmund Halley previu com sucesso o retorno do cometa que
agora leva seu nome usando as novas leis de Isaac Newton e registros históricos de
observações de cometas. Como ele sugeriu, o cometa retornou em 1758, mostrando
que os cometas faziam parte do sistema solar e tinham órbitas previsíveis. O sétimo
cometa de Caroline, encontrado por ela em 1795 e previamente avistado pelo caçador
de cometas francês Pierre Méchain, em 1786, foi o segundo cometa a ter sua órbita
calculada com sucesso158.
A primeira onda da longa história que marca os descobrimentos dos comentas
tem Caroline Herschel como uma das suas mais importantes contribuintes. Ao longo
de suas muitas noites de observação varrendo o céu em busca de cometas para
adicionar às listas existentes, assim como vários de seus contemporâneos, Caroline
fez descobertas que jamais poderia ter imaginado antes. Seus achados constituem
uma pequena parte do conhecimento astronômico produzido no decorrer dos séculos
que permitiram com que fosse construído um entendimento sobre o comportamento
desses corpos celestes que habitam o universo. Todavia, ao contrário da maioria das
contribuição científica adequada que precisava mudar167. Esse debate é mais bem
compreendido no contexto de uma discussão mais ampla. Durante as décadas de
1980 e 1990, historiadoras feministas da Ciência começaram a olhar para as origens
culturais das questões de pesquisa, terminologia e analogias na Ciência e o que isso
significava para a produção de novos conhecimentos168. Isso foi visto com mais nitidez
na análise de modelos biológicos, mas começou a mostrar que nenhuma pergunta ou
escolha poderia ser considerada inteiramente neutra.
Ao mesmo tempo, feministas e, historiadoras que examinaram outros grupos
historicamente marginalizados, começaram a examinar como são definidos e
atribuídos diferentes status aos vários papéis dentro do processo científico. Ao fazer
isso, elas começaram a ver o que isso significou para a recuperação de participantes
ocultos, como mulheres e auxiliares. O trabalho neste campo continua até hoje com
estudos sobre os 'círculos' que cercam e ajudam a tornar possível o trabalho de figuras
históricas célebres. Por meio desse trabalho, tornou-se aparente que a definição do
que constitui Ciência tem sido historica e fortemente dependente das noções de
hierarquia social do homem169.
As histórias feministas da Ciência agora avançaram em muitas direções
diferentes. Uma vertente que talvez seja mais interessante e relevante para a
interpretação do trabalho e reconhecimento de Caroline Herschel diz respeito à
compreensão da auto apresentação dentro da comunidade científica. O artigo de
Caroline se encaixa muito bem nessa narrativa. Isto pois, Caroline aprendeu as regras
da etiqueta feminina apropriada e depois as aplicou ao mundo científico 170. Essa
abordagem ajuda a entender como os mundos social e científico do século XVIII
interagiam e pode até ajudar a entender como essas regras sociais de linguagem e
auto apresentação continuam a sustentar o desequilíbrio de gênero na ciência hoje.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
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