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ROTEIRO SARAU LABYRINTHUS

EPÍGRAFE

1. SEM SAÍDA – Augusto Campos

A estrada é muito comprida


O caminho é sem saída
Curvas enganam o olhar
Não posso ir mais adiante
Não posso voltar atrás
Levei toda a minha vida
Nunca saí do lugar

PRÓLOGO – LABIRINTO

2. DENTRO SEM FORA – FERREIRA GULLAR

A vida está
dentro da vida
em si mesma circunscrita
sem saída.

Nenhum riso
nem soluço
rompe
a barreira de barulhos.

A vazão
é para o nada.

Por conseguinte
não vaza.

3. PARA LEMINSK – LAU SIQUEIRA

passo pelo mundo


ancorado numa coragem
que desconheço

sei lá de que lado está


meu avesso

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4. CAMINHOS – SAMOEL S. PEREIRA
Sou uma rua sem saída,
labirinto, encruzilhada.
Trafego em contramão,
com neblina na estrada.
Sigo por caminhos tortos,
que nunca dão em nada.

5. CANÇÃO EXCÊNTRICA – CECÍLIA MEIRELES (JOANA)

Ando à procura de espaço


para o desenho da vida.
Em números me embaraço
e perco sempre a medida.
Se penso encontrar saída,
em vez de abrir um compasso,
protejo-me num abraço
e gero uma despedida.

Se volto sobre meu passo,


é distância perdida.

Meu coração, coisa de aço,


começa a achar um cansaço
está à procura de espaço
para o desenho da vida.
Já por exausta e descrida
não me animo a um breve traço:
– saudosa do que não faço,
– do que faço, arrependida.

6. AVESSO – MARIAH COLPO

Tenho um labirinto nos pensamentos,


É difícil me ver ao avesso.
Cerne crua e lamentos,
Até onde alcançam os seus dedos?
É, vamos lá, são tantos lamentos.
Com pressa, compressa sem gelo, calor que esquenta.
Levanto cedo e o caminho é o mesmo.
Montanha russa de sentimentos.
Tenho um labirinto nos pés,
Minha bolhas?
Calos!
Me calo.
Como um hiato.
Abertura.
Três batidas, arritmia.
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Um fino barulho atravessa meu corpo,
A luz entra torta.
Escuro pensamento acanhado no eixo.
Uma égua
Com os olhos da cor dos meus,
Me perco no labirinto do tempo da minha infância.
Barraca,
Mudança,
Inquietação que arde o peito,
Mamãe posso ficar aqui?
Rápido.
Cuspido.
Sem pausa.
Posso?

7. (POEMA SEM TÍTULO) - Clareanna Santana

o corpo
andou pela casa
definhando devagar
foi tudo como pôde
muitas sem lugar
o único como muito
um corpo como lar

8. FORMA – BRUNO GAUDÊNCIO

No labirinto
do corpo
corre sangue
sem que eu possa ver
pressinto

seu movimento
em fluxo

contínua
metáfora
do existir

todas
as células
assemelham-se aos corpos
celestes

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uma forma retorcida e leve

o embrião
como sabem
é uma futura
estrela

9. POEMA À MANEIRA DE HERÁCLITO – CARLOS ALBERTO JALES

Ali onde planto,


não colho

Ali onde vivo,


feneço

Ali onde quero,


esqueço

Ali onde avanço,


retrocedo

Ali onde amanheço,


não anoiteço

Ali onde insisto,


desisto

Ali onde acredito,


duvido

Ali onde luto,


abandono

Ali onde proclamo,


me desdigo

Ali onde construo,


desfaço

Ali onde me encontro,


me perco

Ali onde me finco,


me espalho

Ali onde me liberto,


me aprisiono

Ali onde sigo o destino,


Cometo desatino

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10. O LABIRINTO – EXPEDITO FERRAZ

“No habrá nunca una puerta...”


(J. L. Borges)

Vencido,
descrido de céu
ou saída,
paro entre paredes,
convencido
de que o labirinto
é que se move;
de que o labirinto
me percorre
(e nunca,
dentro dele,
eu me movera).

Recolho o fio
já vertido.
Refaço o novelo.
E um novo labirinto
cresce em minhas mãos,
na brenha tosca
da pequena esfera.

Há que fiar,
na eternidade veloz,
a antiespera.
Há que aceitar
que o fio
que eu semeava
e colheria;
que o fio
em que me enredo
e era meu guia
agora guia o meu algoz
e me oferece à fera.

11. DESEJO (HORA DO DELÍRIO) – JUNQUEIRA FREIRE

Se além dos mundos esse inferno existe,


Essa pátria de horrores,
Onde habitam os tétricos tormentos,
As inefáveis dores;

Se ali se sente o que jamais na vida


O desespero inspira:
Se o suplício maior, que a mente finge,
A mente ali respira;

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Se é de compacta, de infinita brasa
O solo que se pisa:
Se é fogo, e fumo, e súlfur, e terrores
Tudo que ali se visa;

Se ali se goza um gênero inaudito


De sensações terríveis;
Se ali se encontra esse real de dores
Na vida não possíveis;

Se é verdade esse quadro que imaginam


As seitas dos cristãos;
Se esses demônios, anjos maus, ou fúrias,
Não são uns erros vãos

Eu - que tenho provado neste mundo


As sensações possíveis;
Que tenho ido da afecção mais terna
Às penas mais incríveis;

Eu - que tenho pisado o colo altivo


De vária e muita dor;
Que tenho sempre das batalhas dela
Surgido vencedor;

Eu - que tenho arrostado imensas mortes,


E que pareço eterno;
Eu quero de uma vez morrer para sempre,
Entrar por fim no inferno!

Eu quero ver se encontro ali no abismo


Um tormento incrível:
- Desses que achá-los nas existência toda
Jamais será possível!

Eu quero ver se encontro alguns suplícios,


Que o coração me domem;
Quero lhe ouvir esta palavra incógnita:
- "Chora por fim, - que és homem!"

Que, de arrostar as dores desta vida,


Quase pareço eterno!
Estou cansado de vencer o mundo,
Quero vencer o inferno!

MÚSICA - SEM SAÍDA - Adriana Calcanhotto

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1º ATO – ACHADOS E PERDIDOS

12. VISÃO – CARLOS ALBERTO JALES

Subitamente,
Vejo o mundo ao meu redor:
A luz que falha nos meus olhos,
A solidão dos poetas,
Coro de vozes apenas pressentidas

Subitamente,
A vastidão do mundo diminui,
Os filhos esquecem os pais,
As palavras se transformam em adagas

Subitamente,
Dicionários fogem dos vocábulos e se
Transformam em velhos caleidoscópios

Subitamente,
Este poema imaturo envelhece,
E só nos resta proteger-nos nas fíbrias de seu manto.

13. ESTRADA DE TERRA, NA MINHA TERRA – MIA COUTO

Na minha terra
há uma estrada tão larga
que vai de uma berma à outra.
Feita tão de terra
que parece que não foi construída.
Simplesmente, descoberta.
Estrada tão comprida
que um homem
pode caminhar sozinho nela.
É uma estrada
por onde não se vai nem se volta.
Uma estrada
feita apenas para desaparecermos.

14. CHAMADO DAS PEDRAS – CORA CORALINA

A estrada está deserta.


Vou caminhando sozinha.

Ninguém me espera no caminho.


Ninguém acende a luz.
A velha candeia de azeite
de há muito se apagou.

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Tudo deserto.
A longa caminhada.
A longa noite escura.
Ninguém me estende a mão.
E as mãos atiram pedras.

Sozinha…
Errada a estrada.
No frio, no escuro, no abandono.
Tateio em volta e procuro a luz.
Meus olhos estão fechados.
Meus olhos estão cegos.

Vêm do passado.
Num bramido de dor.
Num espasmo de agonia
Ouço um vagido de criança.
É meu filho que acaba de nascer.

Sozinha…
Na estrada deserta,
Sempre a procurar
o perdido tempo que ficou pra trás.

Do perdido tempo.
Do passado tempo
escuto a voz das pedras:

Volta…Volta…Volta…
E os morros abriam para mim
Imensos braços vegetais.
E os sinos das igrejas
Que ouvia na distância
Diziam: Vem… Vem… Vem…

E as rolinhas fogo-pagou
Das velhas cumeeiras:
Porque não voltou…
Porque não voltou…
E a água do rio que corria
Chamava…chamava…

Vestida de cabelos brancos


Voltei sozinha à velha casa deserta.

15. CASO DE AMOR – MANUEL DE BARROS

Uma estrada é deserta por dois motivos: por abandono ou por desprezo. Esta que eu ando nela
agora é por abandono. Chega que os espinheiros a estão abafando as margens. Esta estrada
melhora muito de eu ir sozinho nela. Eu ando por aqui desde pequeno. E sinto que ela bota sentido
em mim. Eu acho que ela manja que eu fui para a escola e estou voltando agora para revê-la. Ela
não tem indiferença pelo meu passado. Eu sinto mesmo que ela me reconhece agora, tantos anos
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depois. Eu sinto que ela melhora de eu ir sozinho sobre seu corpo. De minha parte eu achei ela
bem acabadinha. Sobre suas pedras agora raramente um cavalo passeia. E quando vem um, ela o
segura com carinho. Eu sinto mesmo hoje que a estrada é carente de pessoas e de bichos... Eu
estou imaginando que a estrada pensa que eu também sou como ela: uma coisa bem esquecida.
Pode ser. Nem cachorro passa mais por nós. Mas eu ensino para ela como se deve comportar na
solidão... Numa boa: a gente vai desaparecendo igual ao Carlitos vai desaparecendo no fim de
uma estrada...Deixe, deixe, meu amor.

16. BERÇO – Bernardino Lopes

Recordo: um largo verde e uma igrejinha,


Um sino, um rio, um pontilhão, e um carro
De três juntas bovinas que ia e vinha
Rinchando alegre, carregando barro.

Havia a escola, que era azul e tinha


Um mestre mau, de assustador pigarro...
(Meu Deus! que é isto? que emoção a minha
Quando estas cousas tão singelas narro?)

Seu Alexandre, um bom velhinho rico


Que hospedara a Princesa; o tico-tico
Que me acordava de manhã, e a serra...

Com seu nome de amor Boa Esperança,


Eis tudo quanto guardo na lembrança
De minha pobre e pequenina terra!

17. VELHA CHÁCARA – MANUEL BANDEIRA


A casa era por aqui...
Onde? Procuro-a e não acho.
Ouço uma voz que esqueci:
É a voz deste mesmo riacho.

Ah quanto tempo passou!


(Foram mais de cinqüenta anos.)
Tantos que a morte levou!
(E a vida... nos desenganos...)

A usura fez tábua rasa


Da velha chácara triste:
Não existe mais a casa...

- Mas o menino ainda existe.

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18. PEREGRINAÇÃO – MANUEL BANDEIRA

O córrego é o mesmo.
Mesma, aquela árvore,
A casa, o jardim.
Meus passos a esmo
(Os passos e o espírito)
Vão pelo passado,
Ai tão devastado,
Recolhendo triste
Tudo quanto existe
Ainda ali de mim
– Mim daqueles tempos!

19. DOMICÍLIO - DRUMMOND

… O apartamento abria
janelas para o mundo. Crianças vinham
colher na maresia essas notícias
da vida por viver ou da inconsciente
saudade de nós mesmos. A pobreza
da terra era maior entre os metais
que a rua misturava a feios corpos,
duvidosos, na pressa. E de terraço
em solitude os ecos refluíam
e cada exílio em muitos se tornava
e outra cidade fora da cidade
na garra de um anzol ia subindo,
adunca pescaria, mal difuso,
problema de existir, amor sem uso.

20. DESPREZO - DE MANOEL DE BARROS

Desprezo era um lugarejo. Acho que lugar


deprezado é mais triste do que abandonado.
Não sei por quê caminhos o mundo me tirou do
Desprezo para este Posto de gasolina na
estrada que vai para São Paulo. Acho quase um
milagre. Quando a gente morava no Desprezo
ele já era desprezado. Restavam três casas em
pé. E três famílias com oito guris que corriam
pelas estradas já cobertas de mato. Eu era um
dos oito guris. Agora estou aqui botando
gasolina para os potentados. Naquele tempo
do Desprezo eu queria ser chão, isto ser:
para que em mim as árvores crescessem. Para
que sobre mim a conchas se formassem. Eu
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queria ser chão no tempo do Desprezo para
que sobre mim os rios corressem. Me lembro
que os moradores do Desprezo, incluindo os
oito guris, todos queriam ser aves ou coisas
ou novas pessoas. Isso quer dizer que os
moradores do Desprezo queriam ficar livres
para outros seres. Até ser chão servia como
era o meu caso. Ninguém era responsável pelas
preferências dos outros. Nem isso era a
brincadeira. Podia ser um sonho saído do
Desprezo. Uma senhora de nome Ana Belona queria
ser árvore para ter gorjeios. Ela falou que não
queria mais moer solidão. Tinha um homem com
o olhar sujo de dor que catava o cisco mais nobre
do lugar para construir outra casa. Não
sei por quê aquele homem com olhar sujo de dor
queria permanecer no Desprezo. Eu não sei
nada sobre as grandes coisas do mundo, mas
sobre as pequenas eu sei menos.

21. A FLOR E A NÁUSEA - CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

Preso à minha classe e a algumas roupas,


vou de branco pela rua cinzenta.
Melancolias, mercadorias espreitam-me.
Devo seguir até o enjoo?
Posso, sem armas, revoltar-me?

Olhos sujos no relógio da torre:


Não, o tempo não chegou de completa justiça.
O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera.
O tempo pobre, o poeta pobre
fundem-se no mesmo impasse.

Em vão me tento explicar, os muros são surdos.


Sob a pele das palavras há cifras e códigos.
O sol consola os doentes e não os renova.
As coisas. Que tristes são as coisas, consideradas sem ênfase.

Vomitar esse tédio sobre a cidade.


Quarenta anos e nenhum problema
resolvido, sequer colocado.
Nenhuma carta escrita nem recebida.
Todos os homens voltam para casa.
Estão menos livres mas levam jornais
e soletram o mundo, sabendo que o perdem.

Crimes da terra, como perdoá-los?


Tomei parte em muitos, outros escondi.
Alguns achei belos, foram publicados.
Crimes suaves, que ajudam a viver.
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Ração diária de erro, distribuída em casa.
Os ferozes padeiros do mal.
Os ferozes leiteiros do mal.

Pôr fogo em tudo, inclusive em mim.


Ao menino de 1918 chamavam anarquista.
Porém meu ódio é o melhor de mim.
Com ele me salvo
e dou a poucos uma esperança mínima.

Uma flor nasceu na rua!


Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu.

Sua cor não se percebe.


Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia. Mas é realmente uma flor.

Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde


e lentamente passo a mão nessa forma insegura.
Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se.
Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.
É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.

MÚSICA - FELICIDADE - LUPICINIO RODRIGUES

Felicidade foi se embora


E a saudade no meu peito ainda mora
E é por isso que eu gosto lá de fora
Porque sei que a falsidade não vigora

Felicidade foi se embora


E a saudade no meu peito ainda mora
E é por isso que eu gosto lá de fora
Porque sei que a falsidade não vigora

A minha casa fica lá de traz do mundo


Onde eu vou em um segundo quando começo a cantar
O pensamento parece uma coisa à toa
Mas como é que a gente voa quando começa a pensar

Felicidade foi se embora


E a saudade no meu peito ainda mora

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E é por isso que eu gosto lá de fora
Porque sei que a falsidade não vigora

Felicidade foi se embora


E a saudade no meu peito ainda mora
E é por isso que eu gosto lá de fora
Porque sei que a falsidade não vigora

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2º ATO – DE ONDE VIM?

22. BELO CANTO TOLO DOS KUIKURO (XINGU) -Tradução de Bruna Franchetto

[...]Que nasçam asas em nós


para aportar atrás da beira d'água
irei feito beija-flor [...]

23. CANTO GUARANI - Tradução de Douglas Diegues

[...]Queremos
Encher a terra de vida
Nós os poucos (Mbyá) que sobramos
Nossos netos todos
Os abandonados todos
Queremos que todos vejam
Como a terra se abre como flor! [...]

24. QUILOMBLUES – BRUNO GAUDÊNCIO (JERÔNIMO)

Há um quilombo
dentro de mim
zumbi

:
um palmares
aceso
à resistência

na pele
um blues
que sangra

um gueto
no banzo
arde o sol
sem fim

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25. TRECHOS DA CARTA DE PERO VAZ DE CAMINHA

[...]

Esta terra, Senhor, me parece que da ponta que mais contra o sul vimos até à outra ponta que contra o norte
vem, de que nós deste porto houvemos vista, será tamanha que haverá nela bem vinte ou vinte e cinco léguas
por costa. Tem, ao longo do mar, nalgumas partes, grandes barreiras, delas vermelhas, delas brancas; e a terra
por cima toda chã e muito cheia de grandes arvoredos. De ponta a ponta, é toda praia parma, muito chã e
muito formosa.

Pelo sertão nos pareceu, vista do mar, muito grande, porque, a estender olhos, não podíamos ver senão terra
com arvoredos, que nos parecia muito longa.

Nela, até agora, não pudemos saber que haja ouro, nem prata, nem coisa alguma de metal ou ferro; nem lho
vimos. Porém a terra em si é de muito bons ares, assim frios e temperados como os de Entre Douro e Minho,
porque neste tempo de agora os achávamos como os de lá.

Águas são muitas; infindas. E em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo, por
bem das águas que tem.

[...]

26. CANÇÃO DO EXÍLIO - Gonçalves Dias

Minha terra tem palmeiras


Onde canta o Sabiá,
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.

Nosso céu tem mais estrelas,


Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.

Em cismar, sozinho, à noite,


Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Minha terra tem primores,


Que tais não encontro eu cá;
Em cismar – sozinho, à noite –
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Não permita Deus que eu morra,


Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;

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Sem qu’inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

27. CANTO DE REGRESSO À PÁTRIA - Oswald de Andrade

Minha terra tem palmares


Onde gorjeia o mar
Os passarinhos daqui
Não cantam como os de lá

Minha terra tem mais rosas


E quase que mais amores
Minha terra tem mais ouro
Minha terra tem mais terra

Ouro terra amor e rosas


Eu quero tudo de lá
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte para lá

Não permita Deus que eu morra


Sem que volte pra São Paulo
Sem que veja a Rua 15
E o progresso de São Paulo

28. CANÇÃO DO EXÍLIO – Casimiro de Abreu

Se eu tenho de morrer na flor dos anos


Meu Deus! não seja já;
Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde,
Cantar o sabiá!

Meu Deus, eu sinto e tu bem vês que eu morro


Respirando este ar;
Faz que eu viva, Senhor! dá-me de novo
Os gozos do meu lar!

O país estrangeiro mais belezas


Do que a pátria não tem;
E este mundo não vale um só dos beijos
Tão doces duma mãe!

Dá-me os sítios gentis onde eu brincava


Lá na quadra infantil;
Dá que eu veja uma vez o céu da pátria,
O céu do meu Brasil!

Se eu tenho de morrer na flor dos anos


Meu Deus! não seja já!
Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde,
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Cantar o sabiá!

Quero ver esse céu da minha terra


Tão lindo e tão azul!
E a nuvem cor-de-rosa que passava
Correndo lá do sul!

Quero dormir à sombra dos coqueiros,


As folhas por dossel;
E ver se apanho a borboleta branca,
Que voa no vergel!

Quero sentar-me à beira do riacho


Das tardes ao cair,
E sozinho cismando no crepúsculo
Os sonhos do porvir!

Se eu tenho de morrer na flor dos anos,


Meu Deus! não seja já;
Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde,
A voz do sabiá!

Quero morrer cercado dos perfumes


Dum clima tropical,
E sentir, expirando, as harmonias
Do meu berço natal!

Minha campa será entre as mangueiras,


Banhada do luar,
E eu contente dormirei tranquilo
À sombra do meu lar!

As cachoeiras chorarão sentidas


Porque cedo morri,
E eu sonho no sepulcro os meus amores
Na terra onde nasci!

Se eu tenho de morrer na flor dos anos,


Meu Deus! não seja já;
Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde,
Cantar o sabiá!

29. CANÇÃO DE EXÍLIO - Murilo Mendes


.
Minha terra tem macieiras da Califórnia
onde cantam gaturamos de Veneza.
Os poetas da minha terra
são pretos que vivem em torres de ametista,
os sargentos do exército são monistas, cubistas,
os filósofos são polacos vendendo a prestações.
A gente não pode dormir
com os oradores e os pernilongos.
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Os sururus em família têm por testemunha a Gioconda.
Eu morro sufocado
em terra estrangeira.
Nossas flores são mais bonitas
nossas frutas mais gostosas
mas custam cem mil réis a dúzia.

Ai quem me dera chupar uma carambola de verdade


e ouvir um sabiá com certidão de idade!

30. NOVA CANÇÃO DO EXÍLIO - CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

Um sabiá
na palmeira, longe.
Estas aves cantam
um outro canto.

O céu cintila
sobre flores úmidas.
Vozes na mata,
e o maior amor.

Só, na noite,
seria feliz:
um sabiá,
na palmeira, longe.

Onde é tudo belo


e fantástico,
só, na noite,
seria feliz.
(Um sabiá,
na palmeira, longe.)

Ainda um grito de vida e


voltar
para onde é tudo belo
e fantástico:
a palmeira, o sabiá,
o longe.

31. JOGOS FLORAIS - CACASO

Minha terra tem palmeiras


onde canta o tico-tico.
Enquanto isso o sabiá
vive comendo o meu fubá.
Ficou moderno o Brasil
ficou moderno o milagre:
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a água já não vira vinho,
vira direto vinagre.

Minha terra tem Palmares


memória cala-te já.
Peço licença poética
Belém capital Pará.
Bem, meus prezados senhores
dado o avançado da hora
errata e efeitos do vinho
o poeta sai de fininho.

(será mesmo com dois esses


que se escreve paçarinho?

32. UMA CANÇÃO – Mário Quintana

Minha terra não tem palmeiras…


E em vez de um mero sabiá,
Cantam aves invisíveis
Nas palmeiras que não há.

Minha terra tem relógios,


Cada qual com sua hora
Nos mais diversos instantes…
Mas onde o instante de agora?

Mas onde a palavra “onde”?


Terra ingrata, ingrato filho,
Sob os céus da minha terra
Eu canto a Canção do Exílio!

33. OUTRA CANÇÃO DO EXÍLIO – Eduardo Alves da Costa

Minha terra tem Palmeiras,


Corinthians e outros times
de copas exuberantes
que ocultam muitos crimes.
As aves que aqui revoam
são corvos do nunca mais,
a povoar nossa noite
com duros olhos de açoite
que os anos esquecem jamais.

Em cismar sozinho, ao relento,


sob um céu poluído, sem estrelas,
nenhum prazer tenho eu cá;
porque me lembro do tempo

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em que livre na campina
pulsava meu coração, voava,
como livre sabiá; ciscando
nas capoeiras, cantando
nos matagais, onde hoje a morte
tem mais flores, nossa vida
mais terrores, noturnos,
de mil suores fatais.

Minha terra tem primores,


requintes de boçalidade,
que fazem da mocidade
um delírio amordaçado:
acrobacia impossível
de saltimbanco esquizóide,
equilibrado no risível sonho
de grandeza que se esgarça e rompe,
roído pelo matreiro cupim da safadeza.

Minha terra tem encantos


de recantos naturais,
praias de areias monazíticas,
subsolos minerais
que se vão e não voltam mais.

34. PÁTRIA MINHA – Vinícius de Moraes


(...)
Se me perguntarem o que é a minha pátria, direi:
Não sei. De fato, não sei
Como, por que e quando a minha pátria
Mas sei que a minha pátria é a luz, o sal e a água
Que elaboram e liquefazem a minha mágoa
Em longas lágrimas amargas.

Vontade de beijar os olhos de minha pátria


De niná-la, de passar-lhe a mão pelos cabelos...
Vontade de mudar as cores do vestido (auriverde!) tão feias
De minha pátria, de minha pátria sem sapatos
E sem meias, pátria minha
Tão pobrinha!

Porque te amo tanto, pátria minha, eu que não tenho


Pátria, eu semente que nasci do vento
Eu que não vou e não venho, eu que permaneço
Em contato com a dor do tempo, eu elemento
De ligação entre a ação e o pensamento
Eu fio invisível no espaço de todo adeus
Eu, o sem Deus!

Tenho-te no entanto em mim como um gemido


De flor; tenho-te como um amor morrido
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A quem se jurou; tenho-te como uma fé
Sem dogma; tenho-te em tudo em que não me sinto a jeito
Nesta sala estrangeira com lareira
E sem pé-direito.

Ah, pátria minha, lembra-me uma noite no Maine, Nova Inglaterra


Quando tudo passou a ser infinito e nada terra
E eu vi alfa e beta de Centauro escalarem o monte até o céu
Muitos me surpreenderam parado no campo sem luz
À espera de ver surgir a Cruz do Sul
Que eu sabia, mas amanheceu...

Fonte de mel, bicho triste, pátria minha


Amada, idolatrada, salve, salve!
Que mais doce esperança acorrentada
O não poder dizer-te: aguarda...
Não tardo!

MÚSICA - SABIÁ – Chico Buarque/Tom Jobim

Vou voltar
Sei que ainda vou voltar
Para o meu lugar
Foi lá e é ainda lá
Que eu hei de ouvir cantar uma sabiá,
Cantar uma sabiá
Vou voltar
Sei que ainda vou voltar
Vou deitar à sombra de uma palmeira que já não há
Colher a flor que já não dá
E algum amor talvez possa espantar
As noites que eu não queria
E anunciar o dia
Vou voltar
Sei que ainda vou voltar
Não vai ser em vão
Que fiz tantos planos de me enganar
Como fiz enganos de me encontrar
Como fiz estradas de me perder
Fiz de tudo e nada de te esquecer.

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3º ATO – IDAS E VINDAS

35. CÂNTICO NEGRO - JOSÉ RÉGIO (DIEGO)

Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces


Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...

A minha glória é esta:


Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe

Não, não vou por aí! Só vou por onde


Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...

Se vim ao mundo, foi


Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois, sereis vós


Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! Tendes estradas,


Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...

Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!


Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.
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Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!

36. VOU-ME EMBORA PRA PASÁRGADA- Manuel Bandeira (YORDAN)

Vou-me embora pra Pasárgada


Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada


Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüuente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive

E como farei ginástica


Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d’água.
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada

Em Pasárgada tem tudo


É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar

E quando eu estiver mais triste


Mas triste de não ter jeito

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Quando de noite me der
Vontade de me matar
- Lá sou amigo do rei -
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.

37. A AUSENTE – Augusto Frederico Schmidt

Os que se vão, vão depressa,


Ontem, ainda, sorria na espreguiçadeira.
Ontem dizia adeus, ainda, da janela.
Ontem vestia, ainda, o vestido tão leve cor-de-rosa.

Os que se vão, vão depressa.


Seus olhos grandes e pretos há pouco brilhavam,
Sua voz doce e firme faz pouco ainda falava,
Suas mãos morenas tinham gestos de bênçãos.
No entanto hoje, na festa, ela não estava.
Nem um vestígio dela, sequer,
Decerto sua lembrança nem chegou, como os convidados —
Alguns, quase todos, indiferentes e desconhecidos.

Os que se vão, vão depressa.


Mais depressa que o s pássaros que passam no céu,
Mais depressa que o próprio tempo,
Mais depressa que a bondade dos homens,
Mais depressa que os trens correndo nas noites escuras,
Mais depressa que a estrela fugitiva
Que mal faz um traço no céu.
Os que se vão, vão depressa.
Só no coração do poeta, que é diferente dos outros corações,
Só no coração sempre ferido do poeta
É que não vão depressa os que se vão.

Ontem ainda sorria na espreguiçadeira,


E o seu coração era grande e infeliz.
Hoje, na festa ela não estava, nem a sua lembrança.
Vão depressa, tão depressa os que se vão...

38. TRECHO DO LIVRO AS ONDAS - VIRGINIA WOOLF

Avançamos agora pelo precipício. Aos nossos pés veem-se as luzes dos barcos que pescam
arenques. Os rochedos desaparecem. Pequenas e cinzentas, são muitas as ondas que se
espalham aos nossos pés. Nada toco. Nada vejo. Podemo-nos afundar e ir para o meio das ondas.
O mar produziria toda a espécie de sons nos nossos ouvidos. A água salgada escureceria as
pétalas brancas. Flutuariam durante alguns instantes, acabando por se afundar. Fazendo-me
rebolar sobre elas, as ondas acabariam por me servir de suporte. Tudo se desfaz numa tremenda
quantidade de salpicos, dissolvendo-me.

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39. REGRESSO – MIA COUTO

Voltar
a percorrer o inverso dos caminhos
reencontrar a palavra sem endereço
e contra o peito insuficiente
oferecer a lágrima que nos defende

Recolher as marcas da minha lonjura


os sinais passageiros da loucura
e adormecer pela derradeira vez
nos lençóis em que anoitecemos

Reencontrar secretamente
o fulgaz encanto
o perfeito momento
em que a carne tocou a fonte
e o sangue
fora de mim
procurou o seu coração primeiro

40. COMO UMA FLOR VERMELHA - Sophia de Mello Breyner Andresen

À sua passagem a noite é vermelha,


E a vida que temos parece
Exausta, inútil, alheia.

Ninguém sabe aonde vai nem donde vem,


Mas o eco dos seus passos
Enche o ar de caminhos e de espaços
E acorda as ruas mortas.

Então o mistério das coisas estremece


E o desconhecido cresce
Como uma flor vermelha.

41. SONETO DA PERDIDA ESPERANÇA - DRUMMOND

Perdi o bonde e a esperança.


Volto pálido para casa.
A rua é inútil e nenhum auto
passaria sobre meu corpo.

Vou subir a ladeira lenta


em que os caminhos se fundem.
Todos eles conduzem ao
princípio do drama e da flora.

Não sei se estou sofrendo


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ou se é alguém que se diverte
por que não? na noite escassa

com um insolúvel flautim.


Entretanto há muito tempo
nós gritamos: sim! ao eterno.

42. PASSEIO - HILDA HILST


De um exílio passado entre a montanha e a ilha
Vendo o não ser da rocha e a extensão da praia.
De um esperar contínuo de navios e quilhas
Revendo a morte e o nascimento de umas vagas.
De assim tocar as coisas minuciosa e lenta
E nem mesmo na dor chegar a compreendê-las.
De saber o cavalo na montanha. E reclusa
Traduzir a dimensão aérea do seu flanco.
De amar como quem morre o que se fez poeta
E entender tão pouco seu corpo sob a pedra.
E de ter visto um dia uma criança velha
Cantando uma canção, desesperando,
É que não sei de mim. Corpo de terra.

MÚSICA - PRECISO ME ENCONTRAR - CARTOLA

Deixe-me ir
Preciso andar
Vou por aí a procurar
Rir pra não chorar
Deixe-me ir
Preciso andar
Vou por aí a procurar
Rir pra não chorar

Quero assistir ao Sol nascer


Ver as águas dos rios correr
Ouvir os pássaros cantar
Eu quero nascer
Quero viver

Deixe-me ir
Preciso andar
Vou por aí a procurar
Rir pra não chorar
Se alguém por mim perguntar
Diga que eu só vou voltar
Depois que me encontrar

Quero assistir ao Sol nascer


Ver as águas dos rios correr
Ouvir os pássaros cantar
26
Eu quero nascer
Quero viver

Deixe-me ir
Preciso andar
Vou por aí a procurar
Rir pra não chorar

Deixe-me ir preciso andar


Vou por aí a procurar
Rir pra não chorar
Deixe-me ir preciso andar
Vou por aí a procurar
Rir pra não chorar

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EPÍLOGO – PARA ONDE VOU

43. NO MUNDO HÁ MUITAS ARMADILHAS – FERREIRA GULLAR

No mundo há muitas armadilhas


e o que é armadilha pode ser refúgio
e o que é refúgio pode ser armadilha

Tua janela por exemplo


aberta para o céu
e uma estrela a te dizer que o homem é nada

ou a manhã espumando na praia


a bater antes de Cabral, antes de Troia
(há quatro séculos Tomás Bequimão
tomou a cidade, criou uma milícia popular
e depois foi traído, preso, enforcado)

No mundo há muitas armadilhas


e muitas bocas a te dizer
que a vida é pouca
que a vida é louca
E por que não a Bomba? te perguntam.
Por que não a Bomba para acabar com tudo, já
que a vida é louca?

Contudo, olhas o teu filho, o bichinho


que não sabe
que afoito se entranha à vida e quer
a vida
e busca o sol, a bola, fascinado vê
o avião e indaga e indaga

A vida é pouca
a vida é louca
mas não há senão ela.
E não te mataste, essa é a verdade.

Estás preso à vida como numa jaula.


Estamos todos presos
nesta jaula que Gagárin foi o primeiro a ver
de fora e nos dizer: é azul.
E já o sabíamos, tanto
que não te mataste e não vais
te matar
e aguentarás até o fim.

O certo é que nesta jaula há os que têm


e os que não têm
há os que têm tanto que sozinhos poderiam
alimentar a cidade
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e os que não têm nem para o almoço de hoje

A estrela mente
o mar sofisma. De fato,
o homem está preso à vida e precisa viver
o homem tem fome
e precisa comer
o homem tem filhos
e precisa criá-los
Há muitas armadilhas no mundo e é preciso quebrá-las.

44. RESTOS – JEOVÂNIA P.

O que resta de você cabe


em uma caixa
[de papelão ou madeira]
em um saco
em um pote
em uma urna

O que resta de você cabe


em uma página
em um livro

O que resta de você


Passa uma vida inteira
impregnado
na pele
na mente
no Eu

45. O TAMANHO DO ESPAÇO – MÁRIO QUINTANA (ANDREZA)

A medida do espaço somos nós, homens,


Baterias de cozinha e jazz-band,
Estrelas, pássaros, satélites perdidos,
Aquele cabide no recinto do meu quarto,
Com toda a minha preguiça dependurada nele...
O espaço, que seria dele sem nós?
Mas o que enche, mesmo, toda a sua infinitude
É o poema!
- por mais leve, mais breve, por mínimo que seja...

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46. RIOS, CIDADES, POETAS – SÉRGIO DE CASTRO PINTO

À Moema Selma D’Andrea

o paraíba, o mamanguape,
o tigre, o eufrates
o tejo, o sena,

não desviam o curso do poema.

o poema, nenhum rio


ou cidade o fazem.
só os poetas, à margem do lápis:

caniço pensante na maré vazante da linguagem.

47. ESPAÇO ARTE - ÉLLEN NEVES

Dentro, fora e por entre


a multidimensionalidade dos espaços

as quatro paredes
as molduras penduradas
os riscos de tinta sobre telas
o horizonte da noite estrelada

o balanço dos cabelos, mãos e braços


o som do batuque dos pés no chão
o mover sincrônico dos esqueletos
poesia em forma de ação

a ciência nos dedos da mão do oleiro


escorregando modelando o barro
transformando num jarro
o seu produto final

a distância entre o artista


e a multidão vociferando
as variadas canções em uníssono
nos palcos da vida

sentar debaixo do tamarindeiro


pensar sobre o mundo
e discorrer sobre o cotidiano
na base de lápis e de papel

a distância entre
o que a lente captura
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e a beleza aos olhos do autor
que fizeram esta leitura

no simples e complexo universo, que


pelas luz dos espelhos convexos de hubble
vemos a opulência dos deuses
os maiores artistas

48. POEMA – Diego, Dorinha, cezar, maria clara, tuira e fabrini

Da bolha de raiva de que saí, do útero vazio em que me fiz presente, do vão da porta de um lugar recheado de
possibilidades, tirei poesia.

Do trânsito humano, da casa sem chão, do labirinto imaginário em que fiz transbordar a minha vida, da noção
de vazio que é se abrigar em mim, tirei poesia.

Da poesia, tirei meu corpo. Do meu corpo, tirei o canto alto de quem busca amores descritos pelo movimento
do tempo. Não falemos de livros, não comentemos sobre filmes ou peças de teatro, não imaginemos nada
além de poesia. O destino é o caminho dos esperançosos. A alegria é a fantasia que abriga os pensamentos que
voam em busca da vivência.

O espaço só existe porque existe um limite; os espaços vazios continuam sendo espaços e os espaços
ocupados são tudo aquilo que vemos ou não vemos, são tudo aquilo que a comunicação alcança e são tudo
aquilo que o limite toca. Por isso, sou planinauta viajante. Astronauta libertado! Andarilho do atalho! Viajo,
errante, com passos pelo espaço, sem traço, nem chavão... não! Não sinto recinto algum. Não vou no vácuo,
nem em vão. Vou na pureza do vazio. Na lágrima gingada do rio.

Passeio pelas trilhas que se revelam bolhas e as estouro naturalmente, como quem as sopra. Planinauta não
impõe escolhas! Viaja até por labirinto, onde o desejo de sair é explícito; nesse lugar faminto de caminhos,
sinto, minto, concito, mas do labirinto nem o hiato escapa. E disso não tirei poesia.

Tirei a poesia dela mesma, que é o lá e o aqui. A salvação dos que não gritaram por socorro. A água que é
produto de toda combustão. A revolução de que não sabíamos que precisávamos. O início do fim de todas as
eras.
Da poesia, tirei poesia.

49. TEIA – LAU SIQUEIRA

Então fui diluindo a loucura


Ao compreender que a nascente
De tudo era um caos

urbano e diurno

aprendi a velejar pelas calçadas


como uma sombra entre sombras

sem inventar rastros


ousei calçar os sapatos da morte
e revelar-me ao círculo visceral
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da existência

nem fui o
insano ou o decrépito humano

apenas despi a coragem e vivi


sem pele a lapidação da alma

perdi o que
não era essência

e agora
pleno de mim
não sei nem sou

50. JUCA PONTES

POR UM FIO

Na trama de qual fibra


o mundo se equilibra?

PALHAÇO

No coração
Do palhaço
Mora o sorriso
Do mundo.

UNIVERSO DOS VERSOS

Entre a criança e o verso

borda o poeta
seu universo.

AGORA TENHO ASAS PARA VOAR

Cruzo o horizonte
e voo até as janelas
do coração:

floresce o azul
entre o pouso
da borboleta

e os meigos fios
que desenham
os rios

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na palma
da minha
mão.

51. INCOMPLETUDE – Fábio Nunes (ALÊSSA)

Não se assuste com minha incompletude,


estou em busca de mim.
E Assim, cego eu navego no mar da vida sem bússola,
e sem contar com a sorte eu busco o meu norte.
Na solitude vejo algum vislumbre de quem sou.
Mas eu sei quem eu não sou,
então percebo que estou no caminho correto,
que tenho o mapa certo.
Que estou no rumo
para o encontro comigo mesmo.

52. TRISTEZA NO CÉU – DRUMMOND

No céu, também, há uma hora melancólica


Hora difícil em que a dúvida penetra as almas
Por que fiz o mundo?
Deus se pergunta e se responde: “Não sei”
Os anjos olham-no com reprovação e plumas caem
Todas as hipóteses
A graça, a eternidade, o amor, caem
São plumas
Outra pluma, o céu se desfaz
Tão manso, nenhum fragor denuncia
O momento entre tudo e nada
Ou seja, a tristeza de Deus.

53. EPIFANIA (Elisama/Jonny/Maria Luísa/Verônica)

Mas há um começo em todo labirinto,


o ponto final pode ser o início:
de uma nova ideia ou visão.
entendi que o caminho
é o natural de se fazer
porque quando termina,
algo se renova
igual uma semente
que precisa secar
para depois brotar
e recomeçar aquilo
que parecia findar.

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54. BENEDICITE – Olavo Bilac

Bendito o que, na terra, o fogo fez, e o teto;


E o que uniu a charrua ao boi paciente e amigo;
E o que encontrou a enxada; e o que, do chão abjeto,
Fez, aos beijos do sol, o ouro brotar do trigo;

E o que o ferro forjou; e o piedoso arquiteto


Que ideou, depois do berço e do lar, o jazigo;
E o que os fios urdiu; e o que achou o alfabeto;
E o que deu uma esmola ao primeiro mendigo;

E o que soltou ao mar a quilha, e ao vento o pano,


E o que inventou o canto; e o que criou a lira;
E o que domou o raio; e o que alçou o aeroplano...

Mas bendito, entre os mais, o que, no dó profundo,


Descobriu a Esperança, a divina mentira,
Dando ao homem o dom de suportar o mundo!

MÚSICA – ALEGRIA DE FAROL – ADEILDO VIEIRA

O amor que você deu


É seu, é seu, é seu
E a quem você o deu
Não importa se o usou
Não importa se o pisou
Não importa se o perdeu
Isso não é problema seu!

Imagina se o farol
Além de viver tão só
Fosse culpar sua luz
Pelo barco que passou sem perceber
Esse bem que lhe conduz

Alegria de farol
É tomar lições do sol
É viver de se entregar
Quanto mais sua luz se perde pelo mar
Mais luz ele tem pra dar
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