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EPÍGRAFE
PRÓLOGO – LABIRINTO
A vida está
dentro da vida
em si mesma circunscrita
sem saída.
Nenhum riso
nem soluço
rompe
a barreira de barulhos.
A vazão
é para o nada.
Por conseguinte
não vaza.
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4. CAMINHOS – SAMOEL S. PEREIRA
Sou uma rua sem saída,
labirinto, encruzilhada.
Trafego em contramão,
com neblina na estrada.
Sigo por caminhos tortos,
que nunca dão em nada.
o corpo
andou pela casa
definhando devagar
foi tudo como pôde
muitas sem lugar
o único como muito
um corpo como lar
No labirinto
do corpo
corre sangue
sem que eu possa ver
pressinto
seu movimento
em fluxo
contínua
metáfora
do existir
todas
as células
assemelham-se aos corpos
celestes
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uma forma retorcida e leve
o embrião
como sabem
é uma futura
estrela
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10. O LABIRINTO – EXPEDITO FERRAZ
Vencido,
descrido de céu
ou saída,
paro entre paredes,
convencido
de que o labirinto
é que se move;
de que o labirinto
me percorre
(e nunca,
dentro dele,
eu me movera).
Recolho o fio
já vertido.
Refaço o novelo.
E um novo labirinto
cresce em minhas mãos,
na brenha tosca
da pequena esfera.
Há que fiar,
na eternidade veloz,
a antiespera.
Há que aceitar
que o fio
que eu semeava
e colheria;
que o fio
em que me enredo
e era meu guia
agora guia o meu algoz
e me oferece à fera.
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Se é de compacta, de infinita brasa
O solo que se pisa:
Se é fogo, e fumo, e súlfur, e terrores
Tudo que ali se visa;
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1º ATO – ACHADOS E PERDIDOS
Subitamente,
Vejo o mundo ao meu redor:
A luz que falha nos meus olhos,
A solidão dos poetas,
Coro de vozes apenas pressentidas
Subitamente,
A vastidão do mundo diminui,
Os filhos esquecem os pais,
As palavras se transformam em adagas
Subitamente,
Dicionários fogem dos vocábulos e se
Transformam em velhos caleidoscópios
Subitamente,
Este poema imaturo envelhece,
E só nos resta proteger-nos nas fíbrias de seu manto.
Na minha terra
há uma estrada tão larga
que vai de uma berma à outra.
Feita tão de terra
que parece que não foi construída.
Simplesmente, descoberta.
Estrada tão comprida
que um homem
pode caminhar sozinho nela.
É uma estrada
por onde não se vai nem se volta.
Uma estrada
feita apenas para desaparecermos.
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Tudo deserto.
A longa caminhada.
A longa noite escura.
Ninguém me estende a mão.
E as mãos atiram pedras.
Sozinha…
Errada a estrada.
No frio, no escuro, no abandono.
Tateio em volta e procuro a luz.
Meus olhos estão fechados.
Meus olhos estão cegos.
Vêm do passado.
Num bramido de dor.
Num espasmo de agonia
Ouço um vagido de criança.
É meu filho que acaba de nascer.
Sozinha…
Na estrada deserta,
Sempre a procurar
o perdido tempo que ficou pra trás.
Do perdido tempo.
Do passado tempo
escuto a voz das pedras:
Volta…Volta…Volta…
E os morros abriam para mim
Imensos braços vegetais.
E os sinos das igrejas
Que ouvia na distância
Diziam: Vem… Vem… Vem…
E as rolinhas fogo-pagou
Das velhas cumeeiras:
Porque não voltou…
Porque não voltou…
E a água do rio que corria
Chamava…chamava…
Uma estrada é deserta por dois motivos: por abandono ou por desprezo. Esta que eu ando nela
agora é por abandono. Chega que os espinheiros a estão abafando as margens. Esta estrada
melhora muito de eu ir sozinho nela. Eu ando por aqui desde pequeno. E sinto que ela bota sentido
em mim. Eu acho que ela manja que eu fui para a escola e estou voltando agora para revê-la. Ela
não tem indiferença pelo meu passado. Eu sinto mesmo que ela me reconhece agora, tantos anos
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depois. Eu sinto que ela melhora de eu ir sozinho sobre seu corpo. De minha parte eu achei ela
bem acabadinha. Sobre suas pedras agora raramente um cavalo passeia. E quando vem um, ela o
segura com carinho. Eu sinto mesmo hoje que a estrada é carente de pessoas e de bichos... Eu
estou imaginando que a estrada pensa que eu também sou como ela: uma coisa bem esquecida.
Pode ser. Nem cachorro passa mais por nós. Mas eu ensino para ela como se deve comportar na
solidão... Numa boa: a gente vai desaparecendo igual ao Carlitos vai desaparecendo no fim de
uma estrada...Deixe, deixe, meu amor.
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18. PEREGRINAÇÃO – MANUEL BANDEIRA
O córrego é o mesmo.
Mesma, aquela árvore,
A casa, o jardim.
Meus passos a esmo
(Os passos e o espírito)
Vão pelo passado,
Ai tão devastado,
Recolhendo triste
Tudo quanto existe
Ainda ali de mim
– Mim daqueles tempos!
… O apartamento abria
janelas para o mundo. Crianças vinham
colher na maresia essas notícias
da vida por viver ou da inconsciente
saudade de nós mesmos. A pobreza
da terra era maior entre os metais
que a rua misturava a feios corpos,
duvidosos, na pressa. E de terraço
em solitude os ecos refluíam
e cada exílio em muitos se tornava
e outra cidade fora da cidade
na garra de um anzol ia subindo,
adunca pescaria, mal difuso,
problema de existir, amor sem uso.
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E é por isso que eu gosto lá de fora
Porque sei que a falsidade não vigora
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2º ATO – DE ONDE VIM?
22. BELO CANTO TOLO DOS KUIKURO (XINGU) -Tradução de Bruna Franchetto
[...]Queremos
Encher a terra de vida
Nós os poucos (Mbyá) que sobramos
Nossos netos todos
Os abandonados todos
Queremos que todos vejam
Como a terra se abre como flor! [...]
Há um quilombo
dentro de mim
zumbi
:
um palmares
aceso
à resistência
na pele
um blues
que sangra
um gueto
no banzo
arde o sol
sem fim
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25. TRECHOS DA CARTA DE PERO VAZ DE CAMINHA
[...]
Esta terra, Senhor, me parece que da ponta que mais contra o sul vimos até à outra ponta que contra o norte
vem, de que nós deste porto houvemos vista, será tamanha que haverá nela bem vinte ou vinte e cinco léguas
por costa. Tem, ao longo do mar, nalgumas partes, grandes barreiras, delas vermelhas, delas brancas; e a terra
por cima toda chã e muito cheia de grandes arvoredos. De ponta a ponta, é toda praia parma, muito chã e
muito formosa.
Pelo sertão nos pareceu, vista do mar, muito grande, porque, a estender olhos, não podíamos ver senão terra
com arvoredos, que nos parecia muito longa.
Nela, até agora, não pudemos saber que haja ouro, nem prata, nem coisa alguma de metal ou ferro; nem lho
vimos. Porém a terra em si é de muito bons ares, assim frios e temperados como os de Entre Douro e Minho,
porque neste tempo de agora os achávamos como os de lá.
Águas são muitas; infindas. E em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo, por
bem das águas que tem.
[...]
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Sem qu’inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Um sabiá
na palmeira, longe.
Estas aves cantam
um outro canto.
O céu cintila
sobre flores úmidas.
Vozes na mata,
e o maior amor.
Só, na noite,
seria feliz:
um sabiá,
na palmeira, longe.
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em que livre na campina
pulsava meu coração, voava,
como livre sabiá; ciscando
nas capoeiras, cantando
nos matagais, onde hoje a morte
tem mais flores, nossa vida
mais terrores, noturnos,
de mil suores fatais.
Vou voltar
Sei que ainda vou voltar
Para o meu lugar
Foi lá e é ainda lá
Que eu hei de ouvir cantar uma sabiá,
Cantar uma sabiá
Vou voltar
Sei que ainda vou voltar
Vou deitar à sombra de uma palmeira que já não há
Colher a flor que já não dá
E algum amor talvez possa espantar
As noites que eu não queria
E anunciar o dia
Vou voltar
Sei que ainda vou voltar
Não vai ser em vão
Que fiz tantos planos de me enganar
Como fiz enganos de me encontrar
Como fiz estradas de me perder
Fiz de tudo e nada de te esquecer.
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3º ATO – IDAS E VINDAS
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Quando de noite me der
Vontade de me matar
- Lá sou amigo do rei -
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.
Avançamos agora pelo precipício. Aos nossos pés veem-se as luzes dos barcos que pescam
arenques. Os rochedos desaparecem. Pequenas e cinzentas, são muitas as ondas que se
espalham aos nossos pés. Nada toco. Nada vejo. Podemo-nos afundar e ir para o meio das ondas.
O mar produziria toda a espécie de sons nos nossos ouvidos. A água salgada escureceria as
pétalas brancas. Flutuariam durante alguns instantes, acabando por se afundar. Fazendo-me
rebolar sobre elas, as ondas acabariam por me servir de suporte. Tudo se desfaz numa tremenda
quantidade de salpicos, dissolvendo-me.
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39. REGRESSO – MIA COUTO
Voltar
a percorrer o inverso dos caminhos
reencontrar a palavra sem endereço
e contra o peito insuficiente
oferecer a lágrima que nos defende
Reencontrar secretamente
o fulgaz encanto
o perfeito momento
em que a carne tocou a fonte
e o sangue
fora de mim
procurou o seu coração primeiro
Deixe-me ir
Preciso andar
Vou por aí a procurar
Rir pra não chorar
Deixe-me ir
Preciso andar
Vou por aí a procurar
Rir pra não chorar
Deixe-me ir
Preciso andar
Vou por aí a procurar
Rir pra não chorar
Se alguém por mim perguntar
Diga que eu só vou voltar
Depois que me encontrar
Deixe-me ir
Preciso andar
Vou por aí a procurar
Rir pra não chorar
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EPÍLOGO – PARA ONDE VOU
A vida é pouca
a vida é louca
mas não há senão ela.
E não te mataste, essa é a verdade.
A estrela mente
o mar sofisma. De fato,
o homem está preso à vida e precisa viver
o homem tem fome
e precisa comer
o homem tem filhos
e precisa criá-los
Há muitas armadilhas no mundo e é preciso quebrá-las.
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46. RIOS, CIDADES, POETAS – SÉRGIO DE CASTRO PINTO
o paraíba, o mamanguape,
o tigre, o eufrates
o tejo, o sena,
as quatro paredes
as molduras penduradas
os riscos de tinta sobre telas
o horizonte da noite estrelada
a distância entre
o que a lente captura
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e a beleza aos olhos do autor
que fizeram esta leitura
Da bolha de raiva de que saí, do útero vazio em que me fiz presente, do vão da porta de um lugar recheado de
possibilidades, tirei poesia.
Do trânsito humano, da casa sem chão, do labirinto imaginário em que fiz transbordar a minha vida, da noção
de vazio que é se abrigar em mim, tirei poesia.
Da poesia, tirei meu corpo. Do meu corpo, tirei o canto alto de quem busca amores descritos pelo movimento
do tempo. Não falemos de livros, não comentemos sobre filmes ou peças de teatro, não imaginemos nada
além de poesia. O destino é o caminho dos esperançosos. A alegria é a fantasia que abriga os pensamentos que
voam em busca da vivência.
O espaço só existe porque existe um limite; os espaços vazios continuam sendo espaços e os espaços
ocupados são tudo aquilo que vemos ou não vemos, são tudo aquilo que a comunicação alcança e são tudo
aquilo que o limite toca. Por isso, sou planinauta viajante. Astronauta libertado! Andarilho do atalho! Viajo,
errante, com passos pelo espaço, sem traço, nem chavão... não! Não sinto recinto algum. Não vou no vácuo,
nem em vão. Vou na pureza do vazio. Na lágrima gingada do rio.
Passeio pelas trilhas que se revelam bolhas e as estouro naturalmente, como quem as sopra. Planinauta não
impõe escolhas! Viaja até por labirinto, onde o desejo de sair é explícito; nesse lugar faminto de caminhos,
sinto, minto, concito, mas do labirinto nem o hiato escapa. E disso não tirei poesia.
Tirei a poesia dela mesma, que é o lá e o aqui. A salvação dos que não gritaram por socorro. A água que é
produto de toda combustão. A revolução de que não sabíamos que precisávamos. O início do fim de todas as
eras.
Da poesia, tirei poesia.
urbano e diurno
nem fui o
insano ou o decrépito humano
perdi o que
não era essência
e agora
pleno de mim
não sei nem sou
POR UM FIO
PALHAÇO
No coração
Do palhaço
Mora o sorriso
Do mundo.
borda o poeta
seu universo.
Cruzo o horizonte
e voo até as janelas
do coração:
floresce o azul
entre o pouso
da borboleta
e os meigos fios
que desenham
os rios
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na palma
da minha
mão.
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54. BENEDICITE – Olavo Bilac
Imagina se o farol
Além de viver tão só
Fosse culpar sua luz
Pelo barco que passou sem perceber
Esse bem que lhe conduz
Alegria de farol
É tomar lições do sol
É viver de se entregar
Quanto mais sua luz se perde pelo mar
Mais luz ele tem pra dar
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