Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Pierre Swiggers
Universidade de Lovaina
pierre.swiggers@arts.kuleuven.be
RESUMO:
Este artigo, concebido como uma contribuição à meta-historiografia da linguística, dis-
cute o objeto e os objetivos fundamentais da historiografia da linguística, definida como
um campo interdisciplinar no âmbito da história/historiografia da ciência e das ideias.
O artigo apresenta um organograma da historiografia da linguística, um panorama de
suas três dimensões constituintes (heurística, hermenêutica, expositora) e uma sinopse
sistemática dos instrumentos conceptuais de dispõe o historiógrafo da linguística.
ABSTRACT:
This article, intended as a contribution to the metahistoriography of linguistics, dis-
cusses the object and the fundamental goals of linguistic historiography, defined as an
interdisciplinary field within the history(-writing) of science and the history of ideas.
The article presents an organogram of linguistic historiography, an overview of the
three constitutive dimensions (heuristic, hermeneutic, expository) of linguistic histo-
riography, and a systematic survey of the conceptual tools which the historiographer
of linguistics has at his disposal.
40 Pierre Swiggers
Introdução.
Neste texto1, proponho-me a reunir, de modo sistemático, algumas re-
flexões2 sobre o objeto e os objetivos da historiografia (da) linguística (ing.
historiography of linguistics/linguistic historiography) como disciplina. A
partir dos anos 1970, a historiografia da linguística desenvolveu-se como uma
disciplina institucionalizada no âmbito acadêmico e como campo autônomo de
investigação3; são várias as associações ou sociedades internacionais e nacionais
que se dedicam à historiografia da linguística (seja em relação a uma língua ou
a um grupo de línguas determinado).
A presente contribuição pode denominar-se “meta-historiográfica”. Por
meta-historiografia – campo de estudo que se desenvolveu bastante nos últimos
anos4 – entendo o trabalho reflexivo sobre o labor historiográfico e, especial-
mente, sobre seus aspectos metodológicos e teóricos. As três principais tarefas
da meta-historiografia são: a tarefa construtiva (elaboração de um modelo his-
toriográfico e construção de uma linguagem historiográfica5), a tarefa crítica
(avaliação de tipos de discurso historiográfico aliada à proposta de análise e
apreciação das abordagens metodológicas e epistemológicas adotadas nos textos
analisados), a tarefa metateórica ou “contemplativa” (reflexão sobre o objeto, o
status da historiografia, sobre a justificação das formas de apresentação e sobre
o que é um “fato” linguístico [linguistic fact] para o historiador). Assim, as
1 Quero agradecer a Ricardo Cavaliere o convite para redigir esta síntese para os leitores de
Confluência, bem como a tarefa de havê-la traduzido.
2 Veja também meus trabalhos anteriores sobre aspectos metodológicos e epistemológicos da
historiografia da linguística: Swiggers (1979, 1980, 1981a, 1981b, 1983, 1984, 1990, 1991a,
1991b, 2004, 2006, 2009, 2010, 2012a, 2012b).
3 Foi de grande importância a criação da revista Historiographia Linguistica em 1974; a ela
seguiram-se várias outras revistas: Histoire, Épistémologie, Langage (em 1979), Beiträge
zur Geschichte der Sprachwissenschaft (em 1991), Boletín de la Sociedad Española de
Historiografía Lingüística (em 2002), Language & History (em 2009) e a Revista Argentina
de Historiografía Lingüística (em 2009); cf. Lliteras, Martínez Alcalde & Swiggers (2013).
Os volumes coletivos de historiografia da linguística que se publicaram nas últimas décadas
atestam a crescente importância dessa disciplina: cf. Hymes (ed. 1974), Sebeok (ed. 1975),
Parret (ed. 1976), Schmitter (ed. 1987-2007), Auroux (ed. 1989-2000), Lepschy (ed. 1994-
1998à y Auroux, Koerner, Niederehe & Versteegh (eds. 2000-2006).
4 Desde os anos 1980, publicaram-se vários trabalhos sobre meta-historiografia: cf. Grotsch
(1982), Schmitter (1982, 2003), Christmann (1987) Dutz (1990) e outros trabalhos em Hüllen
(ed. 1990), Elffers-Van Ketel (1991), Koerner (vários artigos recolhidos em seus livros de 1995,
1999 e 2004; e o trabalho de 2007), Simone (1995), Schmitter & Van der Wal (eds. 1998), Dorta,
Corrales Zumbado & Corbella (eds. 2007); cf. também as referências da nota 2.
5 Veja Swiggers (1987b) sobre a “linguagem do historiador”.
A historiografia da linguística: objeto, objetivos, organização 41
1. Objeto e objetivos.
Na historiografia da linguística, como estudo do desenvolvimento das
ideias e das práticas linguísticas, os objetos primários que se devem estudar
são textos (publicados ou não publicados). Há muitos aspectos do fenômeno
a que denominamos “texto” que merecem certa reflexão do ponto de vista do
historiador da linguística7:
6 Cf. De Clercq & Swiggers (1991), Swiggers, Desmet & Jooken (1998a, 1998b).
7 Veja também as reflexões em De Clercq & Swiggers (1991).
8 Cf. Haßler (2008).
9 São variations upon a theme, como tantas há agora, por exemplo, sobre “gramaticalização”,
“(inter)subjetividade”, “evidencialidade”.
42 Pierre Swiggers
10 Sobre o uso da correspondência de linguistas, cf. Droixhe, Müller & Swiggers (1989).
11 Para uma reflexão epistemológica sobre o conceito de “história”, veja Veyne (1971).
12 De maneira concreta, pode-se estudar a conceptualização em que está alicerçada uma teoria
pelo que se oferece como definição do objeto central. Na história da linguística podem-se
distinguir várias conceptualizações do objeto “língua” (ou “linguagem”); para um panorama
das abordagens, veja Swiggers (1993, 2004). Como estudos historiográficos sobre conceitos,
veja, por exemplo, Elffers-Van Ketel (1991) [sobre os conceitos “Sujeito” e “Predicado”],
Swiggers & Wouters (2004, 2011) [sobre o conceito “Gramática”]. Sobre a relação entre
conceptualização e esquematização na história da linguística, veja o trabalho de Roggenbuck
(2005).
13 Para o conceito de “rede social” na história da filosofia, veja Collins (1998); para o conceito
de “rede social” em seu emprego (socio)linguístico, veja Milroy (1980).
14 Cf. Ridruejo (2007) e Zwartjes (2011), assim como as contribuições de Zwartjes & Altman
(eds. 2005), Zwartjes & Hovdhaugen (eds. 2004), Zwartjes, James & Ridruejo (eds. 2007),
Zwartjes, Arzápalo & Smith Stark (eds. 2009), Zwartjes & Koerner (eds. 2009).
15 É também possível tipificar os produtos segundo uma escala que vai do polo da “utilidade
A historiografia da linguística: objeto, objetivos, organização 43
extrínseca” (utilidade dos produtos para os não linguistas) ao polo de “utilidade meramente
intrínseca” (produtos que só interessam aos linguistas ou, de maneira ainda mais restrita, aos
que se filiam a este ou aquele modelo).
16 Sobre as “práticas” linguísticas, veja os estudos de Desmet, Jooken, Schmitter & Swiggers
(eds. 2000), um volume coletivo dedicado à dimensão da práxis na linguística.
17 Sobre a imprescindibilidade dessa exigência, veja Malkiel & Langdon (1969). Cf. também
os manuais de Arens (1969), Robins (1997) e Law (2003).
18 Sobre o papel da contextualização na historiografia da linguística, cf. Law (2003); para
estudos que ilustram a relação entre contexto e conteúdo de pontos de vista linguísticos, cf.
Swiggers & Wouters (eds. 1996).
44 Pierre Swiggers
2. Organização.
Com o termo organização, refiro-me a duas exigências:
“realidades linguísticas”
↑
tratamentos e reflexões: história da linguística
↑
historiografía (descritiva e interpretativa)
└apoio documental: epi-historiografía
└ base de referência teórica: meta-historiografía
21 A metodologia geral inclui os conceitos mais gerais de metodologia, lógica e história das
ciências, assim como os “conceitos gerais para a historiografia”.
22 Os perfis têm uma relação estreita com as modalidades de exposição (modalidade narrativa,
modalidade estrutural, modalidade axiomática) que discutimos em Swiggers (2004). Com
respeito à tipologia na historiografia da linguística, cf. Koerner (1978:55-62; 1999:9-14) e
Simone (1995); veja também Passmore (1967) acerca dos tipos historiográficos na filosofia.
23 Sobre os aspectos de “narratividade” na historiografia da linguística, veja Schmitter (1994).
24 No sentido de Stegmüller (1979); cf. Swiggers (1990, 2004).
46 Pierre Swiggers
3. Linhas de implementação.
Como em qualquer tipo de investigação científica, a realização de trabalhos
na historiografia da linguística se fundamenta (a) na eleição de (temas dentro
de) uma área de investigação; (b) no manuseio de um conjunto de conceitos; e
(c) em um plano de estudo. Tratemos de cada um desses aspectos.
45 Swiggers (1987a) oferece uma breve bibliografia geral na área da historiografia da linguística.
46 As teses de doutorado que se realizaram sob minha orientação utilizaram quadros analíticos
sistemáticos (e também flexíveis) com aplicação a temas e períodos históricos distintos: cf.
os trabalhos de Desmet (1996), Lauwers (2004), Verleyen (2008), Van Hal (2010) e Szoc
(2013).
47 Veja as reflexões de Fernández Pérez (2001, 2007).
50 Pierre Swiggers
Bibliografia.
ARENS, Hans. 1969. Sprachwissenschaft. Der Gang ihrer Entwicklung von
der Antike bis zur Gegenwart. [segunda edição] Freiburg – München: Alber.
[19551] [Trad. espanhola: La lingüística. Sus textos y su evolución desde la
antigüedad hasta nuestros días, Madrid: Gredos, 1975 (2 vol.)]
AUROUX, Sylvain. ed. 1989-2000. Histoire des idées linguistiques. Liège:
Mardaga. [3 vol.]
AUROUX, Sylvain, Konrad E.F. KOERNER, Hans-Josef NIEDEREHE &
Cornelis H.M. VERSTEEGH. eds. 2000-2006. History of the Language
Sciences. (Handbücher zur Sprach- und Kommunikationswissenschaft, vol.
18). Berlin – New York: W. de Gruyter. [3 vol.]
BOTHA, Rudolf P. 1970. The Methodological Status of Grammatical Argu-
mentation. The Hague: Mouton.
BOTHA, Rudolf P. 1981. The Conduct of Linguistic Inquiry. A systematic in-
troduction to the methodology of generative grammar. The Hague: Mouton.
BUNGE, Mario. 1974. Treatise on Basic Philosophy. Dordrecht: Reidel.
BUNGE, Mario. 1984. “Philosophical Problems in Linguistics”. Erkenntnis
21.107-173.
CHRISTMANN, Hans-Helmut. 1987. “Quelques remarques sur l’histoire de
la linguistique”. Historiographia Linguistica 14. 235-241.
COLLINS, Randall. 1998. The Sociology of Philosophies. A global theory of
intellectual change. Cambridge (Mass.): The Belknap Press of Harvard
University Press.
COLOMBAT, Bernard & Élisabeth LAZCANO. eds. 1998-2000. Corpus
représentatif des grammaires et des traditions linguistiques. [= Histoire,
Épistémologie, Langage, hors-série nos 2 & 3] [2 vol.]
COLOMBAT, Bernard & Marie SAVELLI. eds. 2001. Métalangage et termino-
logie linguistiques. Actes du colloque international de Grenoble (Université
Stendhal – Grenoble III, 14-16 mai 1998). Leuven – Paris – Sterling: Peeters.
DE CLERCQ, Jan & Pierre SWIGGERS. 1991. “L’histoire de la linguistique:
“L’autre histoire” et l’histoire d’une histoire”. Neue Fragen der Linguistik,
ed. por Elisabeth FELDBUSCH, Reiner POGARELL& Cornelia WEISS,
vol. 1, 15-22. Tübingen: Niemeyer.
DESMET, Piet. 1996. La linguistique naturaliste en France (1867-1922).
Nature, origine et évolution du langage. Leuven –Paris: Peeters.
A historiografia da linguística: objeto, objetivos, organização 51
SCHMITTER, Peter & Marijke VAN DER WAL. eds. 1998. Metahistorio
graphy. Theoretical and methodological aspects of the historiography of
linguistics. Münster: Nodus.
SCHNEIDER, Gisela. 1973. Zum Begriff des Lautgesetzes in der Sprachwis-
senschaft seit den Junggrammatikern. Tübingen: Narr.
SCHON, Donald A. 1963. Displacement of Concepts. London – New York:
Tavistock. [19692: Invention and the Evolution of Ideas. London – New
York: Tavistock]
SEBEOK, Thomas A. ed. 1975. Current Trends in Linguistics, vol. 13: Histo-
riography of Linguistics. The Hague: Mouton.
SIEBENBORN, Elmar. 1976. Die Lehre von der Sprachrichtigkeit und ihren
Kriterien: Studien zur antiken normativen Grammatik. Amsterdam: Grüner.
SIMONE, Raffaele. 1995. “Purus historicus est asinus: Quattro modi di fare
storia della linguistica”. Lingua e Stile 30.117-126.
SIOUFFI, Gilles. 2010. Le génie de la langue française: études sur les struc-
tures imaginaires de la description linguistique à l‘âge classique. Paris:
Champion.
SNEED, Joseph D. 1971. The Logical Structure of Mathematical Physics.
Dordrecht: Reidel.
STAMMERJOHANN, Harro. ed. 1996. Lexicon grammaticorum. Tübingen:
Niemeyer. [20092, Lexicon grammaticorum. A Bio-Bibliographical Com-
panion to the History of Linguistics. Tübingen: Niemeyer, 2 vols.]
STEGMÜLLER, Wolfgang. 1979. The Structuralist View of Theories. Berlin:
Springer.
STEGMÜLLER, Wolfgang. 1983. Probleme und Resultate der Wissenschafts-
theorie und Analytischen Philosophie. Vol. I: Erklärung – Begründung -
Kausalität. [Segunda edição] Berlin: Springer. [19691]
SWIGGERS, Pierre. 1979. “Note épistémologique sur le statut de l’historio-
graphie de la linguistique”. Histoire, Épistémologie, Langage 1.61-63.
SWIGGERS, Pierre. 1980. “The Historiography of Linguistics”. Linguistics
18.703-720.
SWIGGERS, Pierre. 1981a. “The History-writing of Linguistics: A Method-
ological Note”. General Linguistics 21,1.11-16.
SWIGGERS, Pierre. 1981b. “Comment écrire l’histoire de la linguistique?”.
Lingua 55.63-74.
SWIGGERS, Pierre. 1983. “La méthodologie de l’historiographie de la lin-
guistique”. Folia Linguistica Historica 4.55-79.
56 Pierre Swiggers