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REVISTA OBSERVATORIO DE LA ECONOMIA LATINOAMERICANA

Curitiba, v.21, n.7, p. 7164-7180. 2023.

ISSN: 1696-8352

Percepção das paisagens do cerrado - topofilia, topocídio e topo-


reabilitação das paisagens nos povoados/comunidades de Olhos D'água
e Pedra Branca em Catalão (GO) 1

Perception of cerrado landscapes - topophilia, topocide and topo-


rehabilitation of landscapes in the villages/communities of Olhos
D'água and Pedra Branca in Catalão (GO)
DOI: 10.55905/oelv21n7-073

Recebimento dos originais: 26/06/2023


Aceitação para publicação: 26/07/2023

Nathanne Karita Gonçalves da Fonseca


Mestranda em Geografia
Instituição: Universidade Federal de Catalão (UFCAT) - Campus I
Endereço: Av. Dr. Lamartine Pinto de Avelar nº 1120, Setor Universitário,
Catalão - Goiás, Brasil, CEP: 75704-020
E-mail: fonsecank@gmail.com

Idelvone Mendes Ferreira


Doutor em Geografia
Instituição: Universidade Federal de Catalão (UFCAT) - Campus I
Endereço: Av. Dr. Lamartine Pinto de Avelar nº 1120, Setor Universitário,
Catalão - Goiás, Brasil, CEP 75704-020
E-mail: idelvone_ferreira@ufcat.edu.br

RESUMO
Este trabalho explora alguns dos temas fundamentais dos estudos de percepção da
paisagem a partir das atuais remodelações nas comunidades rurais no sudeste goiano com
base nos conceitos elaborados pelos estudiosos como Tuan (1979, 1980, 1983), Porteous
(1988) e Amorim Filho (1992, 1999). Os conceitos de topofilia e topofobia são discutidos,
assim como os processos recentes de topocídio e topo-reabilitação no cenário do Sudeste
Goiano, nos municípios de Catalão (GO) nas comunidades de Olhos D'água e Pedra
Branca, e no município de Três Ranchos (GO) na comunidade da Mumbuca. Para atingir
o objetivo proposto, o trabalho está dividido em três partes. A primeira parte concentra-
se na discussão conceitual, explorando os termos e conceitos relacionados à percepção da
paisagem. A segunda parte aborda as configurações históricas e atuais dos povoados em
questão, fornecendo informações sobre sua formação, evolução e características atuais.
A terceira parte do trabalho discute as possibilidades das paisagens bucólicas, explorando
os fenômenos de topocídio e topo-reabilitação, que descrevem a destruição e a

1
Artigo elaborado como requisito na disciplina Dinâmica e Gestão da Paisagem, ano 2022-2, no Programa
de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Catalão - Goiás, Brasil.

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recuperação de lugares e paisagens.Por meio dessas abordagens, o trabalho busca


compreender a relação entre os seres humanos e as paisagens, explorando as percepções,
significados e transformações que ocorrem nesses espaços. Ao analisar as comunidades
de Olhos D'água, Pedra Branca e Mumbuca, o estudo visa contribuir para o entendimento
dos processos de mudança, preservação e valorização das paisagens, considerando a
importância das experiências individuais e coletivas na construção do ambiente vivido.

Palavras-chave: topofilia, topocídio, topo-reabilitação.

ABSTRACT
This work explores some of the fundamental themes of landscape perception studies
through a field report, using concepts developed by scholars such as Tuan (1979, 1980,
1983), Porteous (1988), and Amorim Filho (1992, 1999). The concepts of topophilia and
topophobia are discussed, as well as the recent processes of topocide and
toporehabilitation in the scenario of Southeast Goiás, in the municipalities of Catalão
(GO) in the communities of Olhos D'água and Pedra Branca, and in the municipality of
Três Ranchos (GO) in the community of Mumbuca. To achieve the proposed objective,
the work is divided into three parts. The first part focuses on the conceptual discussion,
exploring the terms and concepts related to landscape perception. The second part
addresses the historical and current configurations of the villages in question, providing
information about their formation, evolution, and current characteristics. The third part
of the work discusses thepossibilities of bucolic landscapes, exploring the phenomena of
topocide and toporehabilitation, which describe the destruction and recovery of places
and landscapes. Through these approaches, the work seeks to understand the relationship
between human beings and landscapes, exploring the perceptions, meanings, and
transformations that occur in these spaces. By analyzing the communities of Olhos
D'água, Pedra Branca, and Mumbuca, the study aims to contribute to the understanding
of processes of change, preservation, and valorization of landscapes, considering the
importance of individual and collective experiences in the construction of the lived
environment

Keywords: topophilia, topocide, topo-rehabilitation.

1 INTRODUÇÃO
Em paralelo ao processo de interiorização da ocupação da região Centro-Oeste
brasileira, ocorrem as transformações dos territórios baseados em atividades
agropecuaristas extensivas. As comunidades/povoados de Olhos D'Água e Pedra Branca
em Catalão (GO) e Mumbuca em Três Ranhos; exemplificam como os processos de
ocupação e uso da terra modificam e toporeabilitam a paisagem.

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Este artigo compreende como a percepção e gestão da paisagem pode ser algo
subjetivo, com inúmeras experiências da relação do ser humano com o ambiente. É uma
percepção singular de pontos de vistas, sons, aromas, a contemplação dos ritmos naturais
e artificiais. O artigo emprega a subjetividade dos conceitos da obra de Yi-Fu Tuan (1979,
1980, 1983), analisando por meio de topofilia e topofobia, topocídio com a contribuição
de Porteus (1988), e de topo-reabilitação por Amorim Filho (1996, 1999).
O processo de modernização e tecnificação da paisagem na Comunidade
Mumbuca, localizada na zona rural do município de Três Ranchos (GO), trouxe
mudanças significativas. A introdução de maquinários e o asfaltamento das vias vicinais
foram elementos-chave nesse processo, assim como o estabelecimento das primeiras
áreas de agricultura extensiva. Essas transformações remodelaram a paisagem, que
anteriormente era dominada pela pecuária extensiva.
Apesar dessas mudanças, o centro comunitário da Comunidade Mumbuca
continua sendo um ponto de grande atividade, principalmente para festividades religiosas.
Um exemplo notável é a festa em louvor a Santa Nossa Senhora da Abadia, que ocorre
há mais de cem anos na região e é celebrada no mês de agosto. O centro comunitário
desempenha um papel importante na organização e realização dessas festividades,
promovendo a união e a participação da comunidade.
O povoado de Olhos D'água, localizado no município de Catalão (GO), possui um
histórico promissor, sendo utilizado pelos bandeirantes como uma entrada para a região
central do Estado de Goiás. No passado, o povoado abrigava o marco da Cruz do
Anhanguera, datada do século XVIII, que foi posteriormente removida para a cidade de
Goiás por questões políticas.
Ao longo do tempo, o povoado de Olhos D'água teve diferentes empreendimentos,
como a coleta do coco dos Babaçus (Attalea speciosa), além de atividades de garimpo e
pequenos comércios. No entanto, atualmente, o povoado passou por uma nova
transformação e apresenta uma nova configuração. Tornou-se um local com casas de
veraneio e figura como um refúgio bucólico, atraindo pessoas em busca de tranquilidade
e contato com a natureza.

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No povoado de Olhos D’água, o campo santo datado no final do Século XIX, no


qual ainda é ativo, incluindo sepultamentos recentes, contudo com a nova configuração
que a região tem sido moldada o local está em meio a uma área de plantio extensivo,
sendo atingido por irrigação mecanizada através de pivô central, além de apresentar um
aspecto de abandono e ausência de manutenção.
A comunidade de Pedra Branca, assim como o povoado de Olhos D'água, está
passando por um processo de topo-reabilitação com várias melhorias em andamento. Isso
inclui reformas na Capela Nossa Senhora das Mercês, a pavimentação das vias com
asfalto e um esforço para atrair casas de veraneio. A formação do povoado se deu graças
à intervenção de famílias tradicionais da região e da presença da Igreja Católica.
Atualmente, o povoado busca uma revalorização de suas tradições através de
feiras que promovem produtos artesanais e do fortalecimento do grupo de mulheres
empreendedoras. Essas iniciativas visam resgatar e fortalecer a identidade cultural local,
ao mesmo tempo em que impulsionam o desenvolvimento econômico da comunidade.

2 OS CONCEITOS GEOGRÁFICOS
Historicamente, compreende-se que grande parte dos estudos da ciência
geográfica baseia-se nas percepções ambientais dos seres humanos. Reconhece-se que a
forma como os seres humanos percebem, interpretam e interagem com os lugares e as
paisagens terrestres é um aspecto fundamental para a compreensão geográfica.
Nos anos 1960, ocorreu um ressurgimento e um reconhecimento crescente da
importância dessas percepções na geografia. Houve uma valorização do papel das
experiências individuais, das subjetividades e das relações emocionais na construção do
conhecimento geográfico. Essa abordagem enfatizou a compreensão dos lugares e das
paisagens não apenas por meio de aspectos objetivos, mas também por meio das vivências
e das significações atribuídas pelos seres humanos.
Esse reconhecimento levou a uma mudança de perspectiva na ciência geográfica,
com uma maior valorização das percepções e das experiências humanas no estudo dos
lugares e das paisagens. Essa abordagem mais subjetiva e humanística contribuiu para
uma compreensão mais completa e sensível do mundo ao nosso redor, considerando a

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interação entre os aspectos físicos, sociais, culturais e perceptivos na construção do


espaço geográfico.
Na busca por novas abordagens epistemológicas nos estudos de percepção das
paisagens, os pesquisadores desenvolveram grande parte de seus trabalhos em duas
vertentes principais. A primeira vertente é baseada na quantificação, onde predominam a
racionalização e a sistematização, influenciadas pelos princípios do neopositivismo. A
segunda vertente, por sua vez, é influenciada pelo materialismo e pelo economismo dos
neomarxistas.
Ambas as vertentes são caracterizadas por um alto grau de teorização. No entanto,
o excesso de teoria pode reduzir a presença do ser humano no processo de construção do
conhecimento. Reconhecendo essa lacuna, surgiram nos anos 1970 os estudos da
percepção da paisagem, que fundamentaram o que conhecemos hoje como geografia
humanística.
A geografia humanística busca agregar as representações e valores dos seres
humanos no estudo das paisagens. Essa abordagem reconhece a importância das
experiências individuais, das percepções subjetivas e das relações emocionais que os
seres humanos estabelecem com os lugares. Assim, a geografia humanística busca uma
compreensão mais abrangente e sensível das paisagens, considerando não apenas
aspectos objetivos, mas também as vivências e as significações atribuídas pelos
indivíduos.
Essa abordagem permite uma maior inclusão do ser humano no processo de
construção do pensamento geográfico, ressaltando a importância das perspectivas
humanas na compreensão e na interpretação das paisagens.
Os conceitos de Yi-Fu Tuan estão centrados na valorização do lugar especial e
possuem aplicações analíticas significativas. Esses conceitos incluem topofilia,
topofobia, topocídio e topo-reabilitação. De acordo com Tuan, "eventos simples podem,
com o tempo, se transformar em um sentimento profundo pelo lugar" (1983, p. 158). Com
base nessa ideia, o autor desenvolve o conceito de topofilia, que abrange o apego
emocional aos lugares e paisagens, englobando todos os vínculos afetivos que os seres

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humanos estabelecem com o ambiente físico. Esses vínculos variam em intensidade,


sutileza e forma de expressão.
No entanto, o processo de vinculação com o ambiente também pode levar a outros
fenômenos estruturados por Tuan. Por exemplo, sentimentos de desprezo, aversão e
repulsão podem surgir em relação a ambientes considerados desagradáveis, que
despertam emoções negativas como medo, desconforto e outros. Esses sentimentos são
abordados pelo conceito de topofobia, que compreende a rejeição de certos lugares devido
a associações negativas.
Além disso, Tuan também discute o conceito de topocídio, que se refere à
destruição física e cultural dos lugares. Por outro lado, a topo-reabilitação envolve a busca
por reconstruir e reabilitar esses lugares, visando restaurar suas características originais e
promover um senso de pertencimento e valorização. Esses conceitos propostos pelo autor
supracitado nos ajudam a compreender as complexas relações emocionais e culturais que
os seres humanos estabelecem com o ambiente, proporcionando insights valiosos para a
compreensão dos vínculos entre as pessoas e os lugares ao seu redor.
O conceito de topofilia destaca a importância do lugar em relação ao espaço na
afetividade dos seres humanos. Esse sentimento topofílico envolve a valorização
emocional e afetiva de um determinado lugar. Conforme descrito por Tuan (1980, p. 107),
o sentimento topofílico refere-se à conexão profunda e significativa que as pessoas
desenvolvem com um lugar específico;

A palavra "topofilia" é um neologismo, útil quando pode ser definida em


sentido amplo, incluindo todos os laços afetivos dos seres humanos com o meio
ambiente material. Estes diferem profundamente em intensidade, sutileza e
modo de expressão. A resposta ao meio ambiente pode ser basicamente
estética: em seguida, pode variar de o efêmero prazer que se tem de uma vista,
até a sensação de beleza, igualmente fugaz, mas muito mais intensa, que é
subitamente revelada. A resposta pode ser tátil: o deleite ao sentir o ar, água,
terra. Mais permanentes e mais difíceis de expressar, são os sentimentos que
temos para com um lugar, por ser o lar, o locus de reminiscências e o meio de
se ganhar a vida. (TUAN, 1980, p. 107)

Ao experimentar o sentimento topofílico, os indivíduos criam laços afetivos com


o ambiente ao seu redor, nutrindo um senso de pertencimento, identidade e apego

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emocional ao lugar. Essa conexão pode ser impulsionada por uma variedade de fatores,
incluindo aspectos culturais, históricos, estéticos, sociais e ambientais presentes no lugar.
Dessa forma, o conceito de topofilia destaca a importância de reconhecer e
valorizar o papel dos lugares em nossas vidas, reconhecendo sua capacidade de gerar
sentimentos positivos, vínculos emocionais e significados pessoais.
Entendido o conceito de valorização do lugar, Tuan também elucida o sentimento
anverso a filia, ou seja, o que induz ao medo, em sua obra paisagem do medo (TUAN,
1979) discorre sobre a noção das infinitas manifestações das forças do caos, naturais e
humanas, no qual se tornam componentes na paisagem do medo. Isso posto, é definido o
conceito de topofobia.
No que tange o conceito de topocídio, Porteous (1988) compreende como a
depredação e, até mesmo, a extinção de lugares causada pela supressão do significado
cultural de uma paisagem por uma sociedade. Logo, o significado de topocídio reflete as
modificações dos lugares, das paisagens, e suas alterações em porções consideráveis. Para
Amorim Filho (1999, p. 142) "quando se alcança a tomada de consciência da gravidade
desses danos causados ao meio ambiente, natural ou construído, o topocídio receberá a
atenção."
O termo topo-reabilitação, que se refere ao processos e ações de resgates,
reabilitação ou restauração de lugares topofóbicos, degradados ou extintos na busca por
melhorias da qualidade de vida nesses ambientes. Como corrobora Amorim Filho (1999,
p. 142) “[...] para melhoria da qualidade de vida dos homens, manutenção da sua memória
coletiva ou individual e preservação de sua identidade cultural e seus valores, é necessário
que as forças da topo-reabilitação superem as forças topocídicas [...]".
Tendo os conceitos bem elucidados, é notório como pode ser incorporador no
processo de gestão e planejamento da paisagem, no qual motiva a participação das
comunidades em ações de parceria entre a população e o poder público. Um exemplo
possível a da adesão principalmente da topo-reabilitação que tem maior expressão nas
comunidades rurais de Catalão e Três Ranhos, no Sudeste Goiano, que ao constatarem
que os seus lugares estão passando por uma remodelagem socioeconômica, buscam
requalificar e modernizar seus espaços. A sessão seguinte será exposta esse processo.

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3 PERCEPÇÃO DAS PAISAGENS DO CERRADO - TOPOFILIA, TOPOCÍDIO


E TOPO-REABILITAÇÃO DAS PAISAGENS NOS
POVOADOS/COMUNIDADES DE OLHOS D'ÁGUA E PEDRA BRANCA EM
CATALÃO (GO)
De acordo com o Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa (HOLANDA
FERREIRA, 1986, p. 1247), “paisagem é o espaço de terreno que se abrange em um lance
de vista”. Portanto a paisagem é, o aspecto do espaço e é sempre definida de onde é
observada, e a percepção do observador. Ou seja, a paisagem é a hipótese de nossas
experiências.
O Centro Comunitário da Comunidade da Mumbuca em Três Ranchos (GO);
apresenta fundamentalmente propriedades de médias e pequenas áreas, além de que as
atividades econômicas da localidade são baseadas na produção leiteira e pecuarista.
Contudo, já é notável o processo de topo-reabilitação no local. Visto que, este centro
comunitário foi no passado uma escola rural, onde hoje se encontra desativada, com isso
é entendido que as crianças da comunidade são levadas para o município para obter seus
estudos. Outro aspecto saliente é a uma redução dos pomares e hortaliças, o que remete
que os proprietários utilizam as casas com menores frequências.
A região em torno do centro comunitário vem sendo ocupada por produções
agrícolas tecnificadas, e consequentemente o que foi pasto noutro hora, torna-se solo
gradeado a perde de vista, pois, a região também tem perdido sua configuração de terras
hereditárias e passando a ser aglutinadas pelos proprietários do agronegócio de
commodities.
Outra característica referente a comunidade da Mumbuca é a participação no
circuito de festas rurais, que é bastante tradicional na região do sudeste goiano. Na
comunidade é realizado no mês de agosto a mais de cem anos, a festa em louvor a Nossa
Senhora da Abadia, festa que é cercada de fé e tradição, inicialmente o centro é ocupado
pelos fieis para realizar a novena com o rezo do terço em devoção a santa, e a festa
culmina com a procissão da santa e seus devotos, e finaliza com um abundante jantar, o
mosaico 1 demostra a festividades

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Mosaico 1 – Festa em louvor a Nossa Senhora da Abadia na comunidade da Mumbuca, Três Ranchos
(GO), A – altar com a presença dos santos e santas. B – Preparativos para procissão com a imagem de
Nossa Senhora da Abadia. C – Procissão realizada em torno do Centro Comunitário da Mumbuca. D –
Jantar de finalização das festividades da festa de Nossa Senhora da Abadia.

Fonte – PORTAL ZAP CATALÃO. Fé e devoção, marcaram o encerramento da Festa de Nossa Senhora
da Abadia na Comunidade Mumbuca no município de Três Ranchos.

A permanência das tradições torna o lugar um ambiente topofilico, marcado de


memórias e saudosismo, visto que uma festa que é comemorada a mais de cem anos,
esteve presente na vida de gerações, e esse pertencimento cria laços únicos com o lugar.
Diante de todo o processo de modernização, ainda é perceptível que a presença da
solidariedade; e o senso do coletivo perpetuam nesses ambientes.
Referente ao povoado de Olhos D’água, historicamente não possui um fundador,
mas o que os bons causos regionais contam é que a mesma surgiu antes de 1900, com
famílias que chegaram por meio da construção da rede ferroviária. Segundo Naves e
Mendes (2015, p. 264),

O nome da comunidade Olhos D’água originaram-se devido antigamente


chover muito, e minava água em vários pontos da área, os ditos “olhos
d’águas”. A Comunidade é formada por pequenos produtores, que apresentam
mão de obra predominantemente familiar. Suas atividades econômicas são
voltadas para produção leiteira. Possuem uma forte ligação com a
religiosidade, com o território onde vivem, possuem laços de parentesco,
amizade e solidariedade com os vizinhos.

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O povoado que já se apresentou bastante promissor, teve como fonte econômica


atividade de garimpo e coleta de coco babaçu (Attalea speciosa), que devido a formação
fitofisionômica na região era bastante abundante. Contudo o processo de topocídio do
povoado ocorre com a consolidação da rodovia BR050, e anos após o barramento da UHE
de Emborcação, causando o isolamento do povoado, e consequentemente a redução das
atividades socioeconômicas, com a redução da população jovem, e apenas se mantendo
com as atividades agropecuaristas na região.
A religiosidade influencia na rotina dos moradores, que assim como na Mumbuca,
Olhos D’água também apresenta uma espécie de obrigação para com a credulidade, Naves
e Mendes (2015, p. 267), fomenta

A religiosidade e a solidariedade dos moradores da comunidade Olhos D’água


são características relevantes, pois, são duas dimensões construtoras das
identidades. Elas são construídas através das relações de solidariedade e de
união nos terços, nas festas. Portanto o lugar de vivência é carregado de
elementos materiais/objetivos e imateriais/subjetivos que contribuem para
constituição identitária dos indivíduos. (NAVES; MENDES, 2015, p. 267)

Compreendendo o processo de integração ao local, atualmente o povoado de


Olhos D'água está passando por um processo de revitalização, que inclui a aplicação de
asfalto novo, a reforma da praça da Capela São Sebastião e a própria restauração da
capela. Tudo isso é realizado com muito cuidado, visando a melhoria e preservação do
local, e o sentimento do bucolismo sendo imprimido nas lentes, a Fotografia 1, demostra
esse ambiente que tem como rotina a religiosidade.

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Fotografia 1 – Capela de São Sebastião, no povoado de Olhos D’água, município de Catalão (GO).

Fonte – Trabalho de campo, acervo dos autores. 22 out. 2022.

O processo de topo-reabilitação atualmente em curso no povoado de Olhos D'água


reflete a busca por um refúgio longe dos centros urbanos. O lugar é caracterizado por sua
tranquilidade e encanto bucólico, onde os vizinhos se reúnem em frente às suas casas para
desfrutar de agradáveis conversas informais.
O campo santo do povoado de Olhos D'água, geralmente caracterizado por uma
paisagem que evoca o medo do lugar, remonta ao final do século XIX e continua ativo,
apesar das intervenções recentes. Atualmente, encontra-se localizado no meio de uma
área de cultivo, o que resulta em baixa manutenção e alta deterioração. Durante os
períodos de cultivo, o campo santo é afetado pelas regas do pivô central, o que contribui
para a degradação do Mosaico 2 do cemitério.

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Mosaico 2 – Campo santo no povoado de Olhos D’água, Catalão (GO), E – faixada do campo santo em
meio a área de lavoura, F – interior do campo santo apresentando bastante deterioração.

Fonte – Trabalho de campo, acervo dos autores. 2022.

A paisagem que noutro momento era de pequenas e médias propriedades com


bastante tradição, atividades de pecuária leiteira e/ou de corte, é topo-reabilitada de
inúmeras formas, seja pela aglutinação das propriedades pelos grandes empreendimentos
do agronegócio, seja pela nova forma de gestão dos que herdaram as terras e desenvolvem
outros sistemas de produção, como a recria do plantel através da tecnologia da
inseminação, todas essas modificações criam possibilidades perante a percepção e a
gestão da paisagem.
Não o muito distante do povoado de Olhos D'água, encontra-se o povoado de
Pedra Branca. Sua formação foi impulsionada por interesses particulares, principalmente
pela família dos Ferreira e pela Igreja Católica, que fundaram o povoado. Pedra Branca
possui uma capela dedicada à Nossa Senhora das Mercês e uma praça central. Havia
também um grupo escolar multisseriado, que atualmente encontra-se desativado.
Algumas vias foram asfaltadas para melhorar a infraestrutura do local.
Assim como Olhos D'água, Pedra Branca está passando por um processo de topo-
reabilitação, com diversos projetos em andamento na comunidade para manter o interesse
e preservar o local. A recém-reformada Capela de Nossa Senhora das Mercês, mostrada
na Fotografia 2 abaixo, é um dos pontos de encontro da comunidade.

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Fotografia 2 – Capela de Nossa Senhora Das Mercês, povoado de Pedra Branca, Catalão (GO).

Fonte – reprodução da internet, adaptado pelos autores. 22 out. 2022.

Visando angariar tanto movimento econômico tanto a topo-reabilitação do local,


a comunidade que é bastante movimentada, conta com um perfil redes sociais mantidas
pela Associação Mulheres da Comunidade Tradicional do Povoado de Pedra Branca, que
realizam o beneficiamento de doces artesanais e biojoias, além de realizarem toda última
quarta-feira no mês uma feira após a missa na Capela, como demostra no Mosaico 3.

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Mosaico 3 – Produção da Associação Mulheres da Comunidade Tradicional do Povoado de Pedra Branca,


G – folder da feira realizada na comunidade, H – Mulheres da associação realizando beneficiamento de
doces, J – exposição das biojoias confeccionadas pelas mulheres da comunidade Pedra Branca, I –
produtos adquiridos na feira da comunidade.

Fonte – reprodução da internet, adaptado pelos autores. out. 2022.

Essa nova abordagem de tornar o ambiente mais atraente para a comunidade e a


região impulsiona todo o processo de enaltecer o bucolismo presente nas comunidades
visitadas. Seja por meio da fé, da comercialização de produtos artesanais ou como um
refúgio para descanso, a topo-reabilitação desempenha um papel fundamental na
transformação dessas paisagens e na criação de memórias afetivas com esses lugares.
As intervenções oferecem possibilidades para as paisagens que anteriormente
eram caracterizadas por uma abordagem agrária rudimentar. Hoje, com a tecnificação e a
modernização, é possível revitalizar e preservar essas áreas, mantendo sua essência

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bucólica e, ao mesmo tempo, oferecendo novas oportunidades para o desenvolvimento


sustentável dessas comunidades.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A transformação dos territórios é uma realidade quase inevitável devido aos
processos de modernização. Tanto a paisagem do Cerrado quanto as memórias bucólicas
presentes nas pacatas vielas dos povoados que mencionamos passam por mudanças
significativas. No entanto, para que seja possível uma nova perspectiva de reabilitação
dessas áreas, é fundamental que haja investimentos tanto por parte da população local
quanto por parte das autoridades responsáveis pela gestão pública.
Fica claro que os lugares vão se remodelando de acordo com as necessidades
socioeconômicas de uma determinada região. Em um momento, vemos a predominância
de um processo de produção extensiva e mecanizada, mas em outro momento,
observamos uma valorização do lugar e das relações afetivas, o que traz uma expectativa
mais esperançosa. Especialmente através do aumento da conscientização, que vem sendo
amplamente difundida nas comunidades, percebe-se a importância de aproveitar ao
máximo uma determinada área para a produção, ao mesmo tempo em que se preservam
as áreas necessárias, respeitando a legislação e os órgãos fiscalizadores.
Em um passado recente, predominavam ações de topocídio sem medidas
mitigatórias, sem valorização dos lugares e sem abrir espaço para possibilidades de topo-
reabilitação e conexões com as localidades. Embora essa cultura de destruição do
ambiente tenha sido perpetuada, é surpreendentemente positivo observar os resultados da
topo-reabilitação. Agora, a produção está sendo direcionada para áreas que antes eram
apenas pastagens degradadas, oferecendo oportunidades de geração de renda para
mulheres que anteriormente não tinham perspectivas de independência financeira. Além
disso, estamos presenciando a valorização dos lugares através da modernização, como é
o caso do trabalho comunitário realizado pela Associação das Mulheres na Comunidade
de Pedra Branca.
Resumidamente, as paisagens bucólicas agora oferecem novas possibilidades por
meio dos processos de topo-reabilitação. Essa abordagem envolve a utilização da função

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social das propriedades, a adoção de técnicas e melhorias no manejo e na gestão rural,


bem como a modernização do campo com responsabilidade ambiental. Essas mudanças
transformam os povoados em locais de reencontro, revitalizando memórias de um
passado distante e criando novos laços. Ao mesmo tempo, preservam-se as tradições e
seus símbolos, enquanto se promove a modernização.

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São Carlos: Universidade Federal de São Carlos, 1996.

NAVES, L.; MENDES, E. de P. P. Agricultura familiar e identidade territorial: a


comunidade rural Olhos D’água no município de Catalão (GO) ”. In: Seminário de
Pesquisa, Pós-graduação e Inovação da Regional Catalão. Catalão (GO). 2014. p. 256-
274.

PORTAL ZAP CATALÃO. Fé e devoção, marcaram o encerramento da Festa de Nossa


Senhora da Abadia na Comunidade Mumbuca no município de Três Ranchos. Disponível
em: <https://www.zapcatalao.com.br/fe-e-devocao-marcaram-o-encerramento-da-festa-
de-nossa-senhora-da-adabia-na-comunidade-mumbuca-no-municipio-de-tres-ranchos/>.
Acesso em 22 out. 2022.

PORTEOUS, D. J. Topocide: the annihilation of place. In EYELES, J., & SMITH, D.


(Orgs.) Qualitative Methods in Geography. Cambridge, EUA: Polity Press,1998

TUAN, Yi-Fu. Topofilia - um estudo da percepção, atitudes e valores do meio ambiente.


Trad. Lívia de Oliveira. São Paulo: Difel, 1980.

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