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Estudo de viabilidade e estratégias para a requalificação do

Balneário de Ponto Novo - BA

Manuella Silva Miranda Gonçalves 1


Cibele Eller2

Resumo
O presente trabalho trata-se de avaliar a possibilidade de requalificação do balneário da cidade de
Ponto Novo-BA, com permanência no seu uso direcionado a cultura e ao lazer. Esse espaço estava
presente no cotidiano dos moradores da região, no entanto, em decorrência da seca prolongada dos
anos 2012 a 2017, o local foi abandonado completamente. Partindo desse princípio, foram avaliados o
contexto do município e onde se está inserido, considerando os períodos de seca, sobretudo o qual
ocorreu o processo de desuso do balneário. Através de um levantamento bibliográfico e se utilizando
de referências arquitetônicas de tipologias similares foi possível obter um diagnóstico a respeito da
área de estudo. Resultando em formas de evitar um novo abandono a partir da análise do bioma da
caatinga, e tendo como estratégia principal o ecoturismo. Por fim, se apresentando viável uma
proposta de requalificação para o balneário, tendo em vista que seu funcionamento é uma estratégia
pertinente para a preservação dos seus recursos naturais e valorização cultural e artística.

Palavras-Chave: Ecoturismo, caatinga, balneário De Ponto Novo, seca.

Summary
The present work is to evaluate the possibility of requalification of the lake bathhouse in the city of
Ponto Novo-BA, with permanence in its use directed to culture and leisure. This space was present in
the daily lives of residents of the region, however, due to the prolonged drought from 2012 to 2017, the
place was completely abandoned. Based on this principle, the context of the municipality and where it is
inserted were evaluated, considering the periods of drought, especially when the process of disuse of
the bathhouse occurred. Through a bibliographic survey and using architectural references of similar
typologies, it was possible to obtain a diagnosis regarding the study area. Resulting in ways to avoid a
new abandonment from the analysis of the caatinga biome, and having ecotourism as the main
strategy. Finally, presenting a viable proposal for requalification for the resort, considering that its
operation is a relevant strategy for the preservation of its natural resources and cultural and artistic
valorization.

Key words: Ecotourism, caatinga, Ponto Novo bathhouse, drought.

1. Introdução
Historicamente, o processo de ocupação do território esteve diretamente ligado
ao acesso a recursos hídricos, isso se dá em decorrência da necessidade de
abastecimento de água e alimentos, como também outros fatores voltados para o
aproveitamento de aspectos produtivos dos rios (PEZENTE, 2018). A relação do
homem com a água também se manifesta nas formas de vivências sociais e de lazer.

1
UNASP, Engenheiro Coelho-SP, maanumiranda@hotmail.com
2
UNASP, Engenheiro Coelho-SP, cibeleeller@gmail.com
As atividades de entretenimento em cidades com baixo nível populacional tendem a
ser limitadas, no entanto, graças a rios e córregos localizados nas proximidades das
áreas urbanizadas essa realidade é relativamente diferente.

Ponto Novo - BA é uma cidade pequena em extensão e número de habitantes,


ainda assim, rica em recursos hídricos. O município é banhado pelo rio Itapicuru-açu,
que percorre a cidade facilitando o consumo de água, tanto humano quanto animal.
Tendo o codinome “terra da irrigação”, Ponto Novo, se beneficia dessa vantagem
principalmente através do cultivo, sendo esse o foco principal das atividades
econômicas.

Apesar de seu potencial aquífero ser explorado economicamente por meio da


agricultura, investimentos nas proximidades dos rios e lagos com direcionamento ao
lazer e convivência trariam à localidade uma nova forma de recurso monetário. Essa
é uma dificuldade comum na região em que predomina a caatinga. O preconceito e a
falta de conhecimento a respeito do seu clima e vegetação dificultam o investimento
no turismo local. Considerando tais razões, foram pensadas formas de mudar essa
realidade, entre elas a implantação do balneário da cidade, não apenas em Ponto
Novo, mas também outras duas cidades vizinhas.

A proposta da inserção dos balneários foi implantada pela Superintendência de


Recursos Hídricos e surgiu como forma de desenvolver ações que visam a
recuperação e manutenção da área de preservação permanente, permitindo a
implantação de projetos que ajudem a proteger o ecossistema e através do plantio de
árvores frutíferas. Além disso, outros objetivos foram estudados, como a
racionalização das águas nas atividades de lazer, a oportunidade de geração de
emprego e o impedimento da descaracterização da área de preservação permanente
(PEREIRA, 2006).

O balneário de Ponto Novo foi inaugurado em 2006 e proporcionou muitos


momentos de lazer para a população pontonovense. O espaço dispunha de um
quiosque, espaços cobertos para contemplação e descanso, parque infantil, vestiários
e banheiros devidamente distribuídos. Esses ambientes ainda existem, no entanto, a
partir de 2012, ano que deu início a um longo período de estiagem que atingiu boa
parte das cidades brasileiras, o balneário municipal foi deixando de ser visitado e,
com isso, sua manutenção também foi colocada de lado, ocasionando em um local
completamente degradado e esquecido.

O balneário, correspondia ao único ambiente público municipal estruturado e


com a finalidade de proporcionar uma relação direta dos moradores com os cursos
d’água. Sua revitalização traria de volta um espaço conhecido e acolhedor, com
potenciais turísticos mais fortes.

Considerando a situação, o presente trabalho tem como objetivo estudar a


viabilidade da requalificação do balneário municipal de Ponto Novo-BA, visando sua
reestruturação e preservação com direcionamento à cultura e ao lazer. Para tal, será
necessário analisar a história e os acontecimentos que levaram ao abandono do
local; entender a relação da cidade com o rio e interpretar referências arquitetônicas
de mesma tipologia, possibilitando a visualização dos benefícios promovidos por um
balneário para a região onde está inserido. Como metodologia foram efetuadas
pesquisas bibliográficas, levantamento de dados sobre a cidade e área de estudo,
levantamento fotográfico, visitas ao local e análise de projetos de referências.

2. Aspectos históricos e culturais do município de Ponto Novo

O município de Ponto Novo na Bahia surgiu por volta de 1946, com a


implantação de uma ponte sobre o rio Itapicuru-açu, na estrada que ligaria Feira de
Santana e Juazeiro na Bahia. Os “mascates”, como eram chamados os vendedores
diversos, viram no número de operários da construção uma oportunidade para os
seus negócios.

Em consequência do longo caminho, o sol quente e a vegetação rasteira


característica da caatinga, fez-se necessária a construção de abrigos para descanso.
Com isso, foi erguido um barraco através de folhas de ouricuri, uma espécie de
palmeira típica da região. Pouco tempo depois, uma faísca pôs início a um incêndio
destruindo todo o acampamento. Através de barracos de barro, conhecidos como
taipa, a questão foi resolvida. E com o aumento de casas e a devida permissão dos
proprietários das terras, o espaço foi limpo e utilizado como feira (PME, 2015).
A partir da década de 50, por meio do processo migratório, o povoado
aumentou sua população e se tornou distrito de Caldeirão Grande. Após alguns anos,
foi manifestado o interesse político para que Ponto Novo se tornasse um novo
município e assim se fez através de um plebiscito. Dessa forma, foi confirmada sua
independência política em 25 de fevereiro de 1989 (ALMEIDA, 2021).

Hoje a cidade possui uma população de 15.742 habitantes, sendo 7.337 de


residentes na área rural e 8.405 na área urbana. Sua economia é 70% advinda da
agricultura, 25% pecuária e outros 5% do comércio (IBGE, 2021).

Quanto a cultura, o município de Ponto Novo possui características próprias e


carrega aspectos fortes, ligados principalmente à região na qual está inserida.

A cidade de Ponto Novo é repleta de festejos que abrem espaço para


expressões culturais de diversos tipos. Anualmente, acontece a comemoração da
padroeira da cidade, Nossa Senhora de Fátima, atraindo fiéis para a caminhada. No
mesmo mês, ocorre a Festa de Maio, que se inicia com a tradicional alvorada,
continuando com blocos e trios elétricos que levam ao centro da cidade, reunindo
milhares de pessoas nos três dias de festival. Os festejos juninos são outra
característica marcante da cidade, planejado pelos moradores e apoiado pela
prefeitura, esses festejos ocorrem em inúmeras ruas da cidade, reavivando tradições
e evitando o desaparecimento de variadas manifestações culturais locais. A quadrilha
Mandacaru de Ouro, é um dos destaques nessa época, se apresentando desde 1999
nos arraias do município e região. A Banda de Pífanos da comunidade de Mamota e
a Fanfarra Municipal também fazem parte desse legado que permanece nos dias de
hoje (PME, 2015).

Os trabalhos artesanais também têm lugar no município, são produzidos nessa


área principalmente tecelagem de esteiras, bocapios, chapéus de palha, peneiras e
cestos de cipó. Com barro, são produzidas panelas, moringas, filtros, tijolos e
esculturas nordestinas. Peças fabricadas com couro podem ser vistas facilmente ao
visitar a feira livre da cidade, entre elas estão, cintos, chinelos, chapéus, objetos para
montaria e muitos outros (PME, 2015).
Em 2010 foi inaugurado o “Espaço da Memória”, um acervo cultural que reunia
objetos, fotos e livros que contavam a história do município, além de acervo, o espaço
oferecia cursos gratuitos de pintura, bordado e outros artesanatos. Hoje o local
tornou-se apenas um galpão e os artigos reunidos retornaram aos seus respectivos
donos (PME, 2015).

Essas e outras manifestações culturais são pouco valorizadas e podem ser


melhor exploradas. O abandono do Espaço da Memória é prova disso. Sua
identidade enquanto município é expressiva e merece ser reconhecida e evidenciada.

3. O Balneário de Ponto Novo

A bacia do rio Itapicuru é uma das principais do estado da Bahia, ocupando


6,51% da área do estado e abrangendo um total de 45 municípios (SILVA, 2014). Um
dos seus principais afluentes é o rio Itapicuru-açu, sendo o objeto de estudo um
trecho de suas águas, que compreende o município de Ponto Novo. Na figura 1
mostra o estado da Bahia, com destaque para a bacia do rio Itapicuru e a localização
do balneário de Ponto Novo nesta bacia.

Figura 1: Mapa de localização da bacia do rio Itapicuru.

Fonte: Elaboração própria.


O Balneário de Ponto Novo se localiza a 10km do centro da cidade. Seu
acesso pelo município se dá através da rua Getúlio Vargas e continua por uma
estrada de terra. Possui uma topografia relativamente plana, variando apenas na orla
do rio. A figura 2 apresenta parte da cidade de Ponto Novo, que corresponde a área
urbanizada e esse trajeto do centro ao Balneário Municipal.

Figura 2: Mapa de localização da área de estudo.Fonte: Elaboração própria.

Desde sua inauguração em 2006 até o ano de 2015, o balneário costumava


receber turistas de toda a região, podendo ser observado nas figuras 3 e 4.
Oferecendo atividades como banho no lago e piscina, pescaria, caminhadas, prática
de esportes e outros.
Figura 3: Visitantes do balneário no ano de 2012. Figura 4: Vitantes do balneário no ano de 2012.

Fonte: Acervo pessoal Fonte: Acervo pessoal

Seu abandono aconteceu gradativamente. Com a barragem sem desaguar, os


rios mais próximos ao centro da cidade foram evaporando e gerando assombro na
população, que foi deixando de frequentá-los. No balneário, o quiosque foi fechado e
a deterioração dos ambientes foi inevitável. A figura 5 mostra a área de estudo no ano
de 2011, período antes da seca afetar a região, seguida da figura 6 que apresenta um
estado de estiagem elevado, podendo ser perceptível a escassez hídrica através da
imagem de satélite. A sétima figura apresenta o período final da estiagem, sendo o
este, o mais severo. Por fim, a figura 8 é a imagem cartográfica mais recente com os
níveis de água repostos.

Figura 5: Imagens satélite da área do balneário no ano Figura 6: Imagens satélite da área do balneário no ano
de 2011. de 2016.

Figura 7: Imagens satélite da área do balneário no ano Figura 8: Imagens satélite da área do balneário no ano
de 2017. de 2021.

Fonte: Google Earth.


Os rios se recuperaram desse período, apesar disso as consequências da
estiagem podem ser vistas ainda hoje. Os balneários do lago Itapicuru-açu não
atraem mais a quantidade de turistas como se observa nas figuras 3 e 4. No espaço
pertencente a Ponto Novo, foi explorado após esse período como trilha para ciclismo,
banho, acampamentos e pescaria. Apenas uma manutenção foi feita nesse período
para realização de campeonatos de motocross em 2021 (figuras 9 e 10). As figuras
9,10,11 e 12 apresentam as imagens mais recentes obtidas do balneário, onde
podemos ver a permanência do descaso. As fotografias tiradas em fevereiro de 2022
apresentam falta de manutenção, portas e janelas arrebentadas, paredes e pisos
deteriorados, playground e piscina abandonados.

Figura 9: Imagem aérea do Balneário Municipal de Figura 10: Imagem aérea do Balneário Municipal de
Ponto Novo-BA em 2021. Ponto Novo-BA em 2021.

Fonte: Acervo pessoal Fonte: Acervo pessoal

Figura 11: Área do antigo parquinho coberto por Figura 12: Antiga piscina com revestimentos
vegetação. quebrados.

.
Fonte: Acervo pessoal Fonte: Acervo pessoal
Figura13: Imagem da entrada dos banheiros do Figura 14: Área de convivência
quiosque, com portas retiradas. do quiosque

Fonte: Acervo pessoal Fonte: Acervo pessoal

4. Histórico de secas na região nordeste

As secas são uma característica marcante em toda a região do nordeste


brasileiro. Apesar da riqueza hídrica, a deficiência em precipitação de chuvas gera
escassez de tempos em tempos, causando impactos significativos nos ecossistemas
e nas atividades socioeconômicas. Como uma atividade econômica, os balneários
não seriam menos prejudicados.

O histórico de secas na região nordeste vem sendo registrado desde o século


16. O primeiro registro foi através do Padre João de Azpilcueta, em 1553, período da
colonização em que os indígenas eram quem ocupavam o litoral e as regiões
interioranas do semiárido brasileiro (BARRETO, 2009). Foram quatro registros de
secas encontrados no período, no entanto dadas as condições naturais da região, é
possível que tenham havido outras.

No século 17 é possível ver o aumento desses registros e analisar as


informações a respeito dos impactos sociais e econômicos causados nos anos de
estiagem desse período. Há registro de rebanho e pessoas dizimadas, além da forte
redução da produção agrária forçando o despovoamento de inúmeras regiões do
semiárido nordestino (LIMA; MAGALHÃES 2018).

No século 18, o estado da Bahia não foi o mais atingido com a seca. Paraíba,
Pernambuco, Ceará e Rio Grande do Norte foram os mais castigados. Foram
registradas diversas épocas de estiagem, no entanto, nenhuma como a ocorrida entre
1720 e 1727. O evento provocou a extinção de tribos indígenas inteiras em razão da
fome e da peste. Os rios secos, a morte de rebanhos, de aves e de animais silvestres
foram outros fatores que fizeram o período ser considerado um dos maiores episódios
de seca que se tem notícia (LIMA; MAGALHÃES 2018).

O século 19 foi marcado principalmente pela Grande Seca, período que


ocasionou enorme êxodo nordestino, 188 mil pessoas se deslocaram para outros
estados, com a grande maioria migrando para a Região Amazônica. Esse episódio
gerou comoção no Governo Imperial que iniciou a construção do Açude Cedro, que
posteriormente marcou o início da implementação de grandes barragens em todo o
Brasil. (LIMA; MAGALHÃES 2018).

O século 20 se caracterizou pela instauração de políticas voltadas à


infraestrutura hídrica, mais especificamente a construção de barragens para o
armazenamento de água. Houve um aumento significativo nos registros de secas,
como pode ser observado na Tabela 1, ampliando as informações com relação aos
seus impactos econômicos e sociais. (LIMA; MAGALHÃES 2018).

Tabela 1. Anos de secas registrados no Brasil nos séculos 16, 17, 18, 19, 20 e 21

SÉCULO 16 SÉCULO 17 SÉCULO 18 SÉCULO 19 SÉCULO 20 SÉCULO 21


1553 1603 1709-11 1803-04 1900 2001-02
1559 1606 1720-27 1808-10 1903-04 2005
1583 1614-15 1730 1816-17 1907 2007-08
1587 1645 1732 1824-25 1900-10 2010
1652 1744-48 1827 1914-15 2012-17
1692-93 1751 1830-33 1917
1754 1835-37 1919
1760 1842 1921-22
1766 1844-47 1930
1771-72 1877-79 1932-37
1776-78 1888-89 1941-45
1782-84 1891 1951-54
1790-94 1898 1958-59
1962-64
1966
1970
1976
1979-83
1986-87
1992-93
1997-99

Fonte: Elaboração própria, baseado em Lima e Magalhães, 2018.


Ponto Novo está situado no sertão nordestino e pertence a uma das regiões
afetadas com maior intensidade pela seca e estiagem dos anos de 2012 a 2017.
Segundo a Agência Nacional das Águas (2017), esse foi um dos períodos mais
longos de estiagem registradas. Foram 4.824 eventos de seca com danos humanos,
com 48 milhões de brasileiros prejudicados.

A seca está presente no município de Ponto Novo desde seus primeiros


registros. Em razão disso, em 1998 foi construída sua barragem, de forma que
atendesse também os municípios de Filadélfia e Caldeirão Grande. No entanto, em
vista da situação de estiagem, foi necessário levar água também a outros quatro
municípios, Itiúba, Senhor do Bonfim, Jaguarari e Andorinhas, motivo da atenuação
de suas águas (A TARDE, 2017).

Nos últimos anos o governo, a comunidade científica e as ONG’s


(organizações não governamentais) vêm trabalhando em medidas para que os danos
causados nessas épocas sejam reduzidos. Em 2014, como forma de prever e
informar a população a respeito desses períodos foi criado o monitor de secas, nele
pode-se observar a previsão do nível de estiagem de cada mês, variando de seca
fraca a seca excepcional (Agência Brasil, 2018). Em 2014 também foi concluído o
projeto "Cisternas", que ficou em segundo lugar no Prêmio Internacional de Política
para o futuro. E outras iniciativas, como o “Programa Nacional de Apoio à Captação
de Água de Chuva” (BOND, 2018).

As consequências das secas no Nordeste são inúmeras e têm deixado de ser


visto apenas como um problema relacionado a seu clima, mas também ligado a
questões sociais. É certo que é preciso conviver com o semiárido, e apesar de afetar
a qualidade de vida de seus moradores, a estiagem não precisa causar um impacto
tão grande nas atividades de lazer e cultura. O balneário tinha e tem o potencial de
resistir a esses períodos. Ao invés de abandono, o cuidado com o ecossistema
deveria ter sido o foco. O ecoturismo é uma estratégia pertinente para minimizar os
efeitos negativos da seca.

5. O ecoturismo no bioma caatinga


Segundo a EMBRATUR (Agência Brasileira de Promoção Internacional do
Turismo, 2010, p.19) ecoturismo ou turismo ecológico é o “segmento da atividade
turística que utiliza, de forma sustentável, o patrimônio natural e cultural, incentiva sua
conservação e busca a formação de uma consciência ambientalista por meio da
interpretação do ambiente, promovendo o bem-estar das populações”.

Em outras palavras, o ecoturismo é a realização de uma viagem ou passeio de


forma sustentável, onde o turismo desperta uma maior consciência da relação entre o
ser humano e a natureza sem gerar tantos impactos ambientais. Diferente do turismo
clássico, que consiste basicamente na contemplação da natureza e monumentos, o
ecoturismo promove atividades de contato direto com a natureza (FREEWAY, 2021).

Outro aspecto importante a respeito do ecoturismo é sua relação com a


comunidade local, estando diretamente ligada a essa prática através do envolvimento
econômico efetivo. Fortalecer os povos locais financeiramente e culturalmente é um
dos princípios do ecoturismo (FREEWAY, 2021). Essa foi uma das razões que
motivaram a SRH na implantação dos balneários, a oportunidade de trabalho para os
membros da Associação dos Usuários das Águas, além da oferta imediata para mão
de obra em sua construção e posteriormente em suas atividades no balneário e na
faixa de preservação permanente (SANTOS, 2003).

A caatinga é o principal bioma do nordeste, no entanto, pouco se é sabido a


respeito do ecoturismo em suas áreas, isso se dá pelo baixo interesse turístico na
região e ao pouco investimento em estudos científicos a respeito de sua
biodiversidade.

No mundo existem diversas áreas denominadas semiárido, entretanto, ao


comparar essas regiões, foram obtidos resultados que apresentam dentre esses, a
caatinga como o ecossistema mais diversificado e único. Sua composição vegetal é
constituída por 932 espécies de plantas, sendo 318 delas endêmicas. Sua fauna
também é vasta, tendo se adaptado as condições climáticas e suas limitações, de
forma que algumas espécies aceleram seu ciclo reprodutivo durante períodos
chuvosos e entram em estado de dormência durante a estiagem, também na seca
ocorrem migrações para ambientes mais úmidos como serras. Pertencente a sua
fauna, estão, 143 espécies de mamíferos, sendo 19 endêmicas, como o tatu-bola;
510 espécies de aves, equivalente a um terço da somatória de aves do Brasil; as
espécies de peixes somam 240, com 136 endêmicas; os répteis e anfíbios totalizam
167 espécies, corresponde também a seu bioma mais de 100 espécies de
invertebrados (SENA, 2011, p. 33, 40).

A caatinga é o único ecossistema totalmente brasileiro e o mais crítico no que


se refere à conservação. As áreas degradadas se dão em decorrência de atividades
econômicas, transformando seus ambientes para pastagens e cultivos. Queimadas,
desmatamento e a caça favorecem a desertificação. Na caatinga 62% de sua área é
suscetível a esse processo, que é o último estágio da degradação ambiental, dessa
forma tornando irreversível sua recuperação (SENA, 2011, p. 33, 40). Contribuindo
ainda para uma alteração gradual, a caatinga também possui menos de 1% de sua
área protegida por alguma unidade de conservação e o menor número de unidades
de conservação de proteção integral, em decorrência disso estima-se que restam
apenas 53% da cobertura original de suas matas (SENA, 2012, p.7). Na figura 15
podemos observar esse contraste e concluir a respeito da necessidade de mais áreas
protegidas por leis, para que, por fim, o processo de desmatamento e desertificação
sejam freados, valorizando todo um ecossistema e diminuindo os danos de modo
geral, principalmente em períodos de baixa precipitação pluviométrica.

Figura 15: Comparativo de áreas desmatadas e áreas de conservação.


Fonte: Elaboração própria.

Para a requalificação ser trabalhada de forma mais concreta, se tornou


pertinente fazer um estudo de caso com projetos que apresentam a estratégia do
ecoturismo bem estruturada em seu funcionamento. Além disso, as questões do
semiárido precisam ser avaliadas, observando espaços públicos inseridos em
ambientes com mesmo contexto climático.

As análises de referências a serem apresentadas possuem características


correlacionadas com a área de estudo, tais como a ligação entre as atividades de
interação social e a relação entre os recursos naturais e o ser humano. Além disso,
os projetos de referência possuem um programa de necessidades semelhante ao do
antigo balneário em questão, no entanto com ambientes mais modernos e bem
resolvidos.
5.1. Lagoa do Tabapuá

Localizada em Caucaia, município do Ceará, a Lagoa do Tabapuá é um


ambiente de lazer e contemplação muito importante para a cidade, tendo recebido
recentemente um projeto de requalificação urbanística. Antes disso, o espaço ao
redor do lago era apenas um calçadão que oferecia atividades limitadas aos
visitantes. A equipe da CERTARE, responsável pelo projeto, propôs um espaço com
valorização do recurso hídrico e seu potencial paisagístico, ademais a proposição de
usos diversos ao longo do ambiente. Com o intuito de atrair públicos variados, seu
programa de necessidades conta com playgrounds, espaços para contemplação,
pistas de skate, restaurantes, arena de vôlei, academia ao ar livre e outros que
podem ser observados na figura 16 (CETARE, 2021).

O espaço da edificação que corresponde aos restaurantes foi dividido entre


dois blocos e criado um grande corredor que conecta sua praça ao lago. Sua
cobertura e fachadas foram pensadas de forma a possibilitar ventilação e iluminação
natural considerando seu clima (Figura17). No paisagismo o projeto prezou por
manter a árvores já existentes e complementar com mudas de espécies nativas
excepcionalmente nas áreas de contemplação e interação (CETARE, 2021).

Figura 16: Vista de cima da área requalificada da Figura 17: Fachada Oeste em painéis de cobogó.
Lagoa do Tabapuá.

Fonte: Igor Ribeiro. Disponível em: < https://www.archdaily.com.br/br/955351/requalificacao-urbana-da-lagoa-do-tabapua-certare-engenharia-e-


consultoria>. Acesso em: maio de 2022.

A requalificação da Lagoa do Tabapuá é um bom exemplo de exploração


sustentável de recursos hídricos, sendo uma amostra similar ao espaço estudado já
que pertence ao mesmo bioma, a caatinga. Seu lago é um ecossistema calmo, com
suas águas advindas apenas da chuva e com altas variações de volume estacional. A
inauguração se deu em 2019 e apesar de recente, pode-se utilizar de referência
principalmente graças ao cuidado com as questões ambientais do lago e seu redor.

5.2. Pontão do Lago Sul

Inaugurado em 2002, o Pontão do Lago Sul é um centro de lazer e


entretenimento localizado em Brasília. É um dos pontos turísticos mais frequentados
de Brasília, oferecendo diversas formas de lazer através de bares, restaurantes,
shows, feiras, exposições, playground infantil e também atividades no lago e nas
APP’s através do ecoturismo. (PONTÃO, 2022).

Há um novo plano de ocupação em andamento que visa a melhoria da


mobilidade e ampliação nos espaços de convivência. No entanto, visou-se também a
reparação de falhas da elaboração do projeto inicial, como a utilização de espécies
não originárias do cerrado e o pórtico característico da arquitetura francesa (SEDUH,
2020). Além disso, o novo empreendimento prevê aumento da demanda na
adequação do mercado, possibilitando um acréscimo na arrecadação de renda
(MASCARENHAS, 2020).

Na figura 18 podemos observar como foi trabalhada a nova divisão do espaço


por zonas de interesse. A zona A corresponde a faixa de preservação permanente
com 30 metros de afastamento da borda do lago, sendo direcionado a passeios e
contemplação. A zona B está voltada ao lazer e ao consumo, com lojas, restaurantes,
praças e espaços para a prática de esportes. A zona C é destinada a
estacionamentos e a zona D foi separada com o intuito de criar um cinturão verde,
sem permitir qualquer uso ou atividade (MASCARENHAS, 2020).

Figura 18: Zoneamento do novo plano de ocupação do Pontão do Lago Sul.


Fonte: SEDUH, 2020.

Apesar da realidade ser diferente em diversos aspectos, o Pontão do Lago Sul


pode ser um referencial em questões socioeconômicas e ecológicas. Podendo ter
como exemplo as questões resolvidas com o novo plano de ocupação, como
atentamento em questões características locais, tanto na arquitetura quanto no
paisagismo. Ademais, a forma de distribuição dos espaços também é uma referência
positiva, visto o cuidado com as APPs e o estabelecimento de uma zona para
vegetação e arborização.

No Pontão é oferecido ao turista e à população local integração com a


natureza, incentivando a valorização do rio através da criação de memórias e a
identificação com o corpo d’água. Da mesma forma acontecia também na relação do
pontonovense com o balneário municipal, sua revitalização pode reavivar esse
sentimento e proporcionar uma afeição maior dos moradores e visitantes.

6. Diretrizes para a requalificação do balneário de Ponto Novo

Mediante as informações obtidas, é possível traçar estratégias simples para a


requalificação do balneário de Ponto Novo, explorando de forma consciente seu
bioma e as características culturais locais.
É certo que outros episódios de seca voltarão a acontecer na região, reduzindo
os níveis hídricos do rio Itapicuru, e não há prazo para que esses problemas sejam
sanados. No entanto, apesar do balneário por nome ter foco em suas águas, ao
oferecer atividades não dependentes diretamente do lago, evitará seu abandono e
consequentemente sua degradação. Oferecendo ocupações em ambientes cobertos,
como degustação de pratos típicos, apreciação de expressões culturais diversas.

O ecoturismo já estava inserido na área de estudo, com variadas atividades em


suas águas, no entanto, poucas com direcionamento a informação sobre a fauna e
flora local. Esportes, trilhas e contemplação são alternativas para visualização e
compreensão de sua importância, além de criar conexão entre o usuário e os cursos
d’água. Ao oferecer conhecimento a respeito do meio onde está inserido e suas
variações frequentes, a sensação de estranhamento em períodos de estiagem será
substituída por identificação e enaltecimento se visto pelo lado da pluralidade e
adaptação da fauna e flora.

Nesse contexto, o ecoturismo demonstra ser o método mais simples e eficaz à


longo prazo, podendo ser trabalhado de forma colaborativa entre poderes públicos,
moradores e visitantes.

O balneário possui grandes espaços ociosos que poderiam ser ocupados de


diversas formas, principalmente de forma a explorar a flora local. Sua vegetação,
pode ser explorada e inserida em larga escala ao redor de toda a área estudada
suprindo esses vazios e contribuindo para um espaço mais agradável e característico.

7. Considerações finais

Mediante as necessidades do município de Ponto Novo, a requalificação do


balneário municipal demonstrou ser propícia se dada a devida importância no cuidado
das APP’s e o foco no ecoturismo. Desse modo os resultados desse investimento se
darão em reconhecimento de seus aspectos históricos e culturais e acarretará na
valorização de um espaço importante para a cidade.

A partir das análises feitas neste trabalho, ficou evidente que apesar da seca
ter motivado o desuso do balneário, esse processo poderia ter sido evitado. Suas
águas foram notoriamente atenuadas, no entanto, o lago permaneceu com a
capacidade de receber visitantes e manter as atividades em suas margens. A SRH
arquitetou seu projeto como forma de cuidado e recuperação da faixa de preservação
permanente. Se o cuidado com a vegetação local for frequente e o foco em atividades
como o turismo ecológico for estudado e posto em prática como nas recomendações
deixadas pela mesma, épocas de seca extrema como a ocorrida não afetarão de
maneira tão vasta a área ao redor do balneário e nem deixarão desamparados os
moradores em questão de atividades de lazer.

Como pesquisas futuras, recomenda-se um estudo de viabilidade para um


novo edifício que substitua o já existente, visto que o nível da degradação no prédio é
grande e não atende as diretrizes apresentadas, que são necessárias para seu
funcionamento em períodos de estiagem. Desse modo, a proposta toma partido de
criar um edifício funcional e sustentável que se conecte com o ecossistema,
equilibrando arquitetura e natureza.
8. Referências

PEZENTE, Maria Fernanda. Relação entre urbanização e rios: um estudo da


cidade de Francisco Beltrão (Pr). Dissertação. (Mestrado em Arquitetura e
Urbanismo) Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2018.

DOS SANTOS, Carlos. Modelos de gestão integrada para os balneários e para a


faixa de preservação permanente em redor do lago de Ponto Novo.
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<https://www.archdaily.com.br/br/955351/requalificacao-urbana-da-lagoa-do-tabapua-
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