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Cidade Universitária Dom Delgado – DAESP-PARFOR

Avenida dos Portugueses, 1.966 - São Luís - MA - CEP: 65080-805


Fone: (98) 3272- 8044 / 3272- 8041/32728040
Curso: Pedagogia – Carga Horária: 60 hrs – Créditos: 04
Disciplina: História da Educação Brasileira– Período: 02 – Curso: Pedagogia
COORDENAÇÃO:
PROFESSOR(A): Naiacy de Souza Lima Costa
ELABORAÇÃO: Naiacy de Souza Lima Costa
PERIODO: 22 A 27/01/2024
CRONOGRAMA DA DISCIPLINA
UNIDADE CONTEÚDOS REFERÊNCIAS PREVISÃO H.A. DATAS
Unidade 1 Questões teórico-metodológicas da FRANÇOIS, Cadiou et al. Os territórios 15 h 22/01 a 23/01
historiografia da educação brasileira: do historiador. Como se faz a história.
✓ História da Educação: por que e para 2007.
quê;
✓ Historiografia educacional no Brasil LOMBARDI. J.C. HISTÓRIA E
Fontes de acervos. HISTORIOGRAFIA DA EDUCAÇÃO
NO BRASIL. 2003

NEVES, Fátima Maria Neves &


COSTA, Célio Juvenal.A
IMPORTÂNCIA DA HISTÓRIA DA
EDUCAÇÃO PARA A
FORMAÇÃO DOS PROFISSIONAIS
DA EDUCAÇÃO. Rev. Teoria e
Prática da Educação, v. 15, n. 1, p. 113-
121, jan./abr. 2012.
Unidade 2 Colonização e Educação SHIGUNOV NETO & MACIEL. O 15h 23/01 a 24/01
✓ Colonização e catequese: os jesuítas ensino jesuítico no período colonial
✓ Franciscanos na Educação Brasileira

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✓ A clientela alvo (filho dos principais) e brasileiro: algumas discussões -
a excluída (índios, negros e mulheres); Curitiba, 2008.
✓ Instituições escolares: Colégio,
Seminário, Recolhimento; SANGENIS, L.F.Conde. O Franciscano
✓ Reformas Pombalinas no Brasil. e o Jesuíta: tradições
da educação brasileira. Educação &
Realidade, Porto Alegre, v. 43, n. 2, p.
691-694 709, abr./jun. 2018.

BOTO, Carlota. A dimensão iluminista


da reforma pombalina dos estudos: das
primeiras letras à universidade. Revista
Brasileira de Educação v. 15 n. 44
maio/ago. 2010
SHIGUNOV NETO & MACIEL. A
educação brasileira no período
pombalino: uma
análise histórica das reformas
pombalinas do ensino. Educação e
Pesquisa, São Paulo, v.32, n.3, p. 465-
476, set./dez. 2006
Unidade 3 A Educação no período Imperial MONTALVÃO, Sérgio. Educação Na 15h 25 e 26/11
✓ Escola e Império Ordem Constitucional Brasileira:
✓ A Ação dos Homens Ilustrados: Da Monarquia À República. Revista
sociedades, academias e grêmios. Contemporânea de Educação N º 11 -
✓ As Formas Educativas janeiro/julho de 2011.
✓ Escolas Elementares
✓ Internatos e Asilos

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✓ Colégios e Liceus OLIVEIRA, Marcos Marques. As
Origens da Educação no Brasil
Da hegemonia católica às primeiras
tentativas de organização do ensino.
Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de
Janeiro, v.12, n.45, p. 945-958,
out./dez. 2004

SAVIANI, Dermeval. História das


idéias pedagógicas no Brasil Campinas:
Autores Associados, 2007.
Unidade 4 A República e a Educação no Brasil BITTAR, Marisa & BITTAR, 15h 26/01 e 27/01
✓ A Organização da educação nas Mariluce. História da Educação no
primeiras décadas republicanas Brasil: a escola pública no processo de
✓ Modelos de Escola: primária, normal, democratização da sociedade. Acta
secundária, profissional e ensino Scientiarum. Education Maringá, v. 34,
superior. n. 2, p. 157-168, July-Dec., 2012.
✓ Higienismo, eugenia na organização da
escola republicana. SILVA, Diana Rocha. A
✓ As Leis Orgânicas e as Reformas institucionalização dos grupos escolares
Educacionais no Maranhão. Revista Linhas.
✓ As reformas da Instrução Pública Florianópolis, v. 17, n. 33, p. 284-308,
Maranhense jan./abr. 2016.
- O ensino Normal
- O ensino primário MOTTA, Diomar das Graças Motta &
- O ensino secundário NUNES, Iran de Maria Leitão.
- O ensino superior ESCOLA NORMAL: Uma instituição
tardia no Maranhão. IN: As Escolas

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normais no Brasil: do império à
república / José Carlos Souza Araujo,
Anamaria Gonçalves Bueno de Freiras,
Antônio de Pádua Carvalho Lopes,
organizadores. Campinas:Editora
Alínea, 2008.

Santos, Carla Sampaio dos. A escritora


Maria Firmina dos Reis : história e
memória de uma professora no
Maranhão do século XIX / Carla
Sampaio dos Santos. – Campinas, SP:
[s.n.], 2016.

LISTAGEM DE TEXTOS DO EBOOK:


No Unidade TÍTULO AUTOR PÁGINA
01 1 Os territórios do historiador. Como se faz a história. François Cadiou 13

02 1 História E Historiografia Da Educação No Brasil. José Claudinei Lombardi 29


03 1 A Importância Da História Da Educação Para A Fátima Maria Neves & Célio 49
Formação Dos Profissionais Da Educação Juvenal Costa
04 2 O Ensino Jesuítico No Período Colonial Brasileiro: Algumas Discussões Alexandre Shigunov Neto & 59
Lizete Shizue Bomura Maciel.
05 2 O Franciscano E O Jesuíta: Tradições Da Educação Brasileira Luiz Fernando Conde Sangenis 80

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06 2 A Dimensão Iluminista Da Reforma Pombalina Dos Estudos: Das Carlota Boto 99
Primeiras Letras À Universidade
07 2 A Educação Brasileira No Período Pombalino: Uma Alexandre Shigunov Neto & 119
Análise Histórica Das Reformas Pombalinas Do Ensino. Lizete Shizue Bomura Maciel
08 3 Educação Na Ordem Constitucional Brasileira: Sérgio Montalvão 132
Da Monarquia À República
09 3 As Origens da Educação no Brasil: Da hegemonia católica às primeiras Marcos Marques de Oliveira 146
tentativas de organização do ensino.

10 3 Desenvolvimento Das Ideias Pedagógicas Leigas: Ecletismo, Dermeval Saviani 159


Liberalismo E Positivismo (1827-1932)
11 4 História da Educação no Brasil: a escola pública no processo de Marisa Bittar & Mariluce Bittar 199
democratização da sociedade
12 4 A institucionalização dos grupos escolares no Maranhão Diana Rocha da Silva 211
13 4 Escola Normal: Uma instituição tardia no Maranhão Diomar das Graças Motta 236
Iran de Maria Leitão Nunes
14 4 A escritora Maria Firmina dos Reis: história e memória de uma Carla Sampaio dos Santos 244
professora no Maranhão do século XIX

PROPOSTA AVALIATIVA
NOTA ATIVIDADES DESCRIÇÃO DATAS
1 • Resenha de filme - Elaborar uma resenha crítica do filme A missão roteiro de 22 a 24/01/2024
• Estudo dirigido análise
- Responder o estudo dirigido em grupo e participar da
discussão das questões propostas

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2 • Seminário: Educação - Organização e apresentação de seminário temático com 24 a 25/01/2024
Colonial e Império entrega de resumo
• Estudo Dirigido - Responder o estudo dirigido em grupo e participar da
discussão das questões propostas
3 • Estudo Dirigido - Responder estudo dirigido em grupo e participar da 26 a 27/01/2024
• Participação na roda discussão das questões propostas
de conversa temática - Participação na roda de conversa sobre o texto: Educação
• Resenha de texto Maranhense na Primeira República
- Resenha crítica do texto: Escola Normal: Uma instituição
tardia no Maranhão

PASTA DE LINKS DE TEXTOS, SLIDES, CRONOGRAMA e VIDEOS COMPLEMENTARES:


https://drive.google.com/drive/folders/15qYEHS0OX8_8JdaQvTgDucm_pA7k4GJV?usp=sharing

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO
UFMA PARFOR
CURSO DE PEDAGOGIA

I IDENTIFICAÇÃO
Disciplina: História da Educação Brasileira
Carga Horária: 60h
Créditos: 04

II APRESENTAÇÃO
O conhecimento histórico na atualidade resulta de uma escrita simultaneamente de
muitas posições ou perspectivas diferentes. Logo, o significado das ações educacionais
de homens e mulheres no passado, para Collingwood (1938), resultam de um contexto,
tanto humano quanto natural, que afeta essas ações, na mesma medida em que as ações
afetam o contexto, temporalizadas, segundo Braudel (1978) “em mil diferentes ritmos”
do tempo social. Portanto, a história da educação brasileira, mas inscrita que escrita,
precisa ser produzida e ensinada numa unidade de base ampla: “conjuntura e
estrutura”, como expressa Braudel (1977).

III - EMENTA
A pesquisa histórica e historiografia em educação no Brasil. O Estudo da realidade
educacional brasileira, compreendida como objeto histórico constituído no âmbito da
formação capitalista do país. História das formas de organização e lutas sociais do povo
afro-brasileiro e indígena e participação na educação nacional.

IV – OBJETIVOS
OBJETIVO GERAL
Contextualizar historicamente as práticas educacionais produzidas no Brasil,
conferindo visibilidade aos mais variados modos em que se revestiu/reveste a educação
escolarizada e não escolarizada, enfatizando os movimentos sociais, a multiplicidade
cultural e étnica e as questões de gênero e grupo social, tendo como eixo articulador a
institucionalização da escola.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO
UFMA PARFOR
CURSO DE PEDAGOGIA

OBJETIVOS ESPECIFICOS
√ Problematizar o campo da História e da História da Educação.
√ Reconhecer e analisar dinâmicas sociais em sua relação com a História da Educação
√ Abordar o processo histórico da educação brasileira considerando os períodos
históricos e relacionados como marcos temporais que influenciaram em termos de
ações político-econômicas: Colônia, Período Pombalino, Império e República.
√ Estudar experiências e modelos educacionais, as visões pedagógicas e a sua
articulação com os mitos fundadores produzidos no Brasil desde a chegada dos
europeus, que perpassam os modos de educação dos povos indígenas, a colonização e
os principais aspectos e situações educacionais que constituíram historicamente o que
se configurou em educação brasileira, abordando experiências escolares e não–
escolares.
√ Refletir sobre os diferentes ideários educacionais e de como estes colaboraram para a
exclusão social de camadas dominadas, investigando neste âmbito, as ações
educacionais e suas matrizes históricas.
√ Estudar o processo histórico da educação brasileira e maranhense, considerando a
realidade social, política, cultural e econômica de cada época, bem como as Idéias e
práticas educativas dos seus sujeitos históricos.

V – CONTEÚDO PROGRAMÁTICO
UNIDADE I 1.Questões teórico-metodológicas da historiografia da
educação brasileira
História da Educação: porque e para que
Historiografia educacional no Brasil
Fontes de acervos
UNIDADE II 2. Colonização e Educação
Colonização e catequese: os jesuítas
Franciscanos na Educação Brasileira
A clientela alvo (filho dos principais) e a excluída (índios, negros
e mulheres)
UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO
UFMA PARFOR
CURSO DE PEDAGOGIA

Instituições escolares: Colégio, Seminário, Recolhimento


Reformas Pombalinas no Brasil.

UNIDADE III 3. A Educação no período Imperial


Escola e Império
A Ação dos Homens Ilustrados: sociedades, academias e
grêmios.
As Formas Educativas
Escolas Elementares
Internatos e Asilos
Colégios e Liceus
UNIDADE IV A República e a Educação no Brasil
A Organização da educação nas primeiras décadas republicanas
Modelos de Escola: primária, normal, secundária, profissional e
ensino superior.
Higienismo, eugenia na organização da escola republicana.
As Leis Orgânicas e as Reformas Educacionais
As reformas da Instrução Pública Maranhense
- O ensino Normal
- O ensino primário
- O ensino secundário
- O ensino superior

V – METODOLOGIA
O procedimento da disciplina buscará oportunizar a expressão individual e coletiva nos
diversos momentos de desenvolvimento das temáticas abordada. Serão realizadas
atividades variadas, como: aula expositiva e dialogada, com efetiva participação da
turma; pesquisa bibliográfica e de campo, individual e/ou em grupo; exposição de
conteúdo ou resultado de pesquisa pelo discente e/ou grupo, com discussão ao final;
leituras precedentes às exposições do conteúdo a ser trabalhado, para fundamentação
nas intervenções; apresentação de documentário pertinente à matéria. . Propõe a análise
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UFMA PARFOR
CURSO DE PEDAGOGIA

de diferentes fontes e linguagens: documentos escritos, filmes, documentários, jornais,


músicas, fotos, ilustrações; fontes orais; materiais alternativos disponíveis no cotidiano
dos (as) alunos (as) e dos (as) professores (as).

VI – AVALIAÇÃO
a) Será aprovado o aluno que tiver 75% de frequência mínima correspondente à carga
horária direta da disciplina e média final igual ou superior a 7,0 (sete), obtida após três
notas regimentais. O cálculo da média final será feito por média aritmética entre as três
notas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
CADIOU, François (et.al.). Como se faz a história: historiografia, método e pesquisa.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2007.
CHAMBOULEYRON, Rafael e NETO, Raimundo Moreira das Neves. Jesuítas,
Moradores e Colégios na Amazônia Colonial. Artigo. CNPQ/FAPESPA. s.a
GONDRA, José Gonçalves (org.). Pesquisa em história da educação no Brasil. Rio de
Janeiro: DP&A, 2005.
_____________________ e SCHUELER, Alessandra. Educação, poder e sociedade no
Império Brasileiro. São Paulo: Cortez, 2008.
RAMOS, Fábio Pestana e MORAIS, Marcus Vinicius de. Eles formaram o Brasil. São
Paulo: Contexto, 2010.
SALDANHA, Lilian Leda. A instrução Pública maranhense na primeira década
republicana (1889-1899). Imperatriz, MA: Ética, 2008.
SAVIANI, Dermeval. Histórias das idéias pedagógicas no Brasil. Campinas, SP:
autores Associados, 2008.
STEPHANOU, Maria, BASTOS, Maria Helena Camara (orgs.). História e Memória da
Educação no Brasil, vol. I. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011.
VEIGA, Cynthia Greive. História da Educação. São Paulo: Ática, 2007.
UNIDADE I

Questões teórico-metodológicas da
historiografia da educação brasileira

RELAÇÃO DE TEXTOS AUTORES:


TEXTO 1- OS TERRITÓORIOS DO HISTÓRIADOR - François Cadiou

TEXTO 2- HISTÓRIA E HISTORIOGRAFIA DA EDUCAÇÃO NO


BRASIL - José Claudinei Lombardi

TEXTO 3 - A Importância Da História Da Educação Para a Formação


dos Profissionais Da Educação - Fátima Maria Neves & Célio Juvenal
Costa

RESUMO:
 História da Educação: por que e para quê;
 Historiografia educacional no Brasil
 Fontes de acervos.
TEXTO 01
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TEXTO 02

1
HISTÓRIA E HISTORIOGRAFIA DA EDUCAÇÃO NO BRASIL
Prof. Dr. José Claudinei Lombardi
Departamento de Filosofia e História da Educação, Faculdade de Educação/UNICAMP
Coordenador Executivo do HISTEDBR - “História, Sociedade e Educação no Brasil”.

Resumo: O tema proposto para esta conversa encontra-se dividido em três partes inter-
relacionadas: a primeira centrada sobre o significado da palavra história e história da
educação; a segunda parte, em linhas gerais, trata da historiografia e historiografia da
educação; na terceira parte, a discussão é sobre a questão das fontes da pesquisa histórica e
das fontes da pesquisa historiográfica.

Palavras-chave: história e história da educação, historiografia e historiografia da educação,


fontes da pesquisa histórica e das fontes da pesquisa historiográfica.

1. História e História da Educação


O termo história não tem uma única e precisa definição. Por história entendem-se
os fatos ou acontecimentos; também, o campo de conhecimento que faz a narração
metódica desses mesmos fatos; ainda, para designar o conjunto de conhecimentos sobre as
transformações do passado; finalmente para referir-se ao conjunto das obras referentes à
história. Não é preciso muito esforço para buscar os vários sentidos que o termo história
implica, podendo-se para simples exercício, buscar a definição num dicionário, como o
Dicionário da Língua Portuguesa, de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira: História.
[...]. S.f. 1. Narração metódica dos fatos notáveis ocorridos na vida dos povos, em particular
e na vida da humanidade, em geral... 2. Conjunto de conhecimentos adquiridos através da
tradição e ou por meio dos documentos, relativos à evolução, ao passado da humanidade. 3.
Ciência e método que permitem adquirir e transmitir aqueles conhecimentos. 4. O conjunto
das obras referentes à história...
O Dicionário de Filosofia, de Nicola Abbagnano, que registra que o termo
HISTÓRIA apresenta uma ambigüidade fundamental: por um lado, significa o
conhecimento dos fatos ou a ciência que estuda os acontecimentos no tempo, em latim
historia rerum gestarum; de outro, o termo história significa os próprios fatos ou a
totalidade deles, em latim historia res gestae. Essa antiga ambigüidade ainda sobrevive em
todas as línguas cultas modernas, inclusive o português.

1
Conferência apresentada no III Colóquio do Museu Pedagógico, 17/11/2003, na Universidade Estadual do
Sudoeste da Bahia, Vitória da Conquista – BA.
Em nossa língua buscou-se contornar a ambigüidade grafando a historia rerum
gestarum com H maiúsculo e a historia res gestae com o h minúsculo. Evidentemente que
tal procedimento não é suficiente para diferenciar o fato histórico da ciência que o estuda,
mas a discussão possibilita que se pense que o termo designa duas faces de uma mesma e
única moeda, mas permanecendo a ambigüidade etimológica da palavra.
Ao fazer esta observação, não se pode deixar de registrar um outro aspecto:
qualquer que seja a concepção de ciência (da história) que se tenha e, também, qualquer
que seja a opção do investigador quanto ao fazer cientifico (na História), não se pode
desvinculá-lo dos contraditórios interesses da sociedade e tempo histórico que vive. Em
outras palavras, nenhum pesquisador é neutro, nenhum procedimento científico é
asséptico e, muito menos, o conhecimento produzido por ele é dotado de neutralidade em
relação às questões de seu tempo.
Ao contrário, todo conhecimento produzido implica e pressupõe métodos e
teorias que embasam o processo e o resultado da construção do conhecimento cientifico,
sendo estes, igualmente, produtos sociais e históricos. Mesmo quando os trabalhos não
explicitam os métodos e as teorias utilizadas, é evidente que, apesar dessa dimensão ficar
subjacente ao texto, não se deixa de adotar pressuposições ontológicas e gnosiológicas,
posto que estas permeiam toda produção de conhecimentos, todo processo e resultado do
pensar do homem.
Não dá para tratar muito mais profundamente a questão. Vale a pena, entretanto,
abrir parênteses para registrar que é necessário que se façam algumas distinções
fundamentais. É necessário, antes de tudo, que se entenda que nem todas as chamadas
escolas filosóficas e históricas que animam a produção da pesquisa educacional no Brasil
possuem claras pressuposições paradigmáticas que possibilitem a sua clara identificação.
Também há elaborações que recusam qualquer embasamento teórico-metodológico, mas,
nesse caso, trata-se da penetração velha e surrada matriz agnóstica, irracionalista e cética,
em suas várias vertentes.
Para aprofundar essa discussão, tenho procurado diferenciar o que é uma
concepção, daquilo que tenho denominado como movimento. Uso o termo concepção
para designar a comunidade científica dos que partilham dos mesmos pressupostos
ontológicos, gnosiológicos e axiológicos. Geralmente, uma concepção se desdobra em
tendências e que entendo como aquelas correntes (filosóficas e científicas) mais
específicas que se configuram sistematizadamente, apresentando peculiaridades em
relação a uma determinada concepção e diferenças significativas em relação às outras
tendências da mesma.
No que diz respeito a essa classificação, considero muito instigante a análise feita
por Antonio Joaquim Severino que adotou uma posição semelhante para analisar a
produção filosófica brasileira, conforme se pode constatar na citação abaixo. A diferença
é que ele adota o termo “tradição”, enquanto prefiro o uso do conceito “concepção”.
Ao falar de tradição, tomo o conceito num sentido mais geral, denotando o
caráter de comunidade, de permanência e de continuidade, na duração histórica,
de traços constitutivos de conteúdos filosóficos que tiveram sua gênese e
desenvolvimento no contexto da cultura ocidental. Essa filiação das tendências
às diversas tradições foi feita levando-se em conta critérios que se relacionam
com suas temáticas, com suas metodologias, com suas perspectivas de
abordagem ou com seus pressupostos fundantes. Já as tendências foram
entendidas como aquelas correntes filosóficas mais específicas que se
configuram sistematizadamente e que integram uma determinada tradição,
mesmo apresentando peculiaridades em relação a essa tradição e diferenças
significativas em relação às outras tendências da mesma tradição. Falo de
“tendência” quando se trata de enfatizar mais a compreensão do conteúdo e de
“corrente” quando se enfatiza sua extensão. Chamo de vertentes aquelas
orientações que, por sua vez, se inserem numa tendência ou corrente,
representando uma especificação da mesma; já as subvertentes são aquelas
orientações nas quais uma vertente pode-se dividir em decorrência de
especificidades particulares. (SEVERINO, 1997, p. 32).

Muitas vezes, nos defrontamos com posturas (e suas respectivas produções)


ainda muito preliminares para responderem às questões relativas à concepção que se tem
do mundo existente, do tempo, do conhecimento, do homem, do próprio processo
histórico e assim por diante. Por isso mesmo, entendo que essas posturas não podem ser
caracterizadas pelo conceito de concepção. Tenho, provisoriamente, denominado esses
posicionamentos como movimento, usado para me referir à comunidade que se articula
em torno de algumas grandes bandeiras, algumas palavras de ordem que colocam a
reflexão ou a produção acadêmica em conformidade com as modas dominantes em
determinados momentos, mas que se esvaem assim que passam as motivações. Tratam-se
de “ondas”, modismos, característicos dos grupos sociais ao longo de toda a história e que
também impregnam grupos profissionalmente dedicados à atividade filosófica e científica.
Trata-se, portanto, de movimentos produzidos no interior dessas formas de pensamento,
simplesmente colocando a filosofia e a ciência em conformidade com o mundo que as
produziu.
Creio que nos defrontamos com algumas poucas matrizes teórico-metodológicas
no nosso campo de saber e com muitos movimentos que buscam dar direções e levantam
algumas bandeiras que necessariamente não são vazias de sentido, mas NÃO passam de
bandeiras que podem estar ou não embasadas em algumas das matrizes filosóficas ou
científicas, historicamente características e socialmente produzidas.
Entendo que ainda incidem muito fortemente no fazer cientifico do historiador as
clássicas concepções: positivistas, fenomenológicas e marxistas. De certa forma, são essas
as concepções que animam a reflexão filosófica (e científica) brasileira, conforme
concluiu Antonio Joaquim Severino em sua pesquisa sobre o assunto e na qual o autor
também insere a “tradição metafísica” e que certamente ainda sobrevive na reflexão
filosófica e suas interpenetrações com a produção científica. Apesar de longa, a citação do
autor é elucidativa quanto ao assunto:
[...] A prática da filosofia no Brasil, enquanto esforço de reflexão sistematizada,
se revela mediante linhagens de pensamento vinculadas a quatro grandes
tradições, com presença diferenciada: [...] tradição metafísica, cuja presença se
caracteriza pela marca da força de resistência: trata-se, com efeito, da tradição
mais antiga, lastro de todas as demais tradições da filosofia ocidental. Seu /p./
elemento fundamental é seu radical essencialismo. [...] no plano da elaboração
teórica sistemática, ela ainda se faz presente nas produções ligadas ao
pensamento neotomista bem como aquele implícito à teologia católica.
Outra tradição com presença marcante no contexto filosófico nacional é a
tradição positivista [...] A tradição positivista, forjada no seio do projeto
iluminista da época moderna, se caracteriza pelo radical naturalismo no que
concerne a sua concepção da realidade. Constitui-se atualmente de tendências,
vertentes e subvertentes cientificistas, neopositivistas e mesmo transpositivistas.
[...] outra tradição também lastreada em paradigmas filosóficos da
modernidade, que designarei, numa abrangência muito ampla, de tradição
hermenêutica, querendo identificar com essa denominação o conjunto das
tendências que têm em comum uma forte valorização da subjetividade, da
atividade simbolizadora do sujeito, podendo-se considerar seu elemento básico o
subjetivismo. Esta tradição se formou sob a inspiração do subjetivismo moderno,
herdeira das contribuições de Descartes, Kant e Hegel. As principais tendências
que nela se manifestam são aquelas da fenomenologia, do culturalismo, do
existencialismo, do antipositivismo e da arqueogenealogia.
Finalmente, um quarto leque de expressões filosóficas se vincula à
tradição dialética, caracterizada pelo esforço de entendimento da realidade
humana a partir de sua construção histórico-social e de sua atividade prática. Seu
elemento essencial é o praxismo, ou seja, o homem é visto como produzido pela
sua história da qual é também o agente construtor. No âmbito desta tradição, é
possível identificar três grandes tendências: aquela que dá continuidade à
dialética hegeliana, aquela que se desenvolve na linha da dialética marxista e
aquela que se pode designar de dialética negativa, diretamente associada à
Teoria Crítica da Escola de Frankfurt. (SEVERINO, 1997, p. 32-33).
Penso que, além dessas concepções (ou tradições) enquanto tais, também
historicamente foram e são produzidos, metodológica e teoricamente, vários ecletismos
que, a rigor, são fusões ou articulações as mais diversas entre concepções e autores
diferenciados.
Mas, então, toda a produção científica no âmbito da história ou se encaixam nas
matrizes clássicas ou constituem ecletismos? Isso é correto apenas parcialmente. É por
isso que, além de caracterizar a produção científica a partir de suas concepções fundantes,
ou de seus paradigmas epistêmicos, também introduzi a diferenciação entre “concepção” e
“movimento”. Isso não significa que os movimentos não são importantes para alavancar,
além dos embates culturais e artísticos, o próprio fazer cientifico, inclusive do historiador.
Um exemplo ajuda a esclarecer essa distinção entre “concepção” e “movimento”:
certamente todos os historiadores concordam quanto à importância do movimento de
superação da história positivista, levado a cabo a partir do final da década de 1920 pela
“Escola dos Annales”. O grupo dos Annales não se constitui como uma escola que
propugnava por um método ou uma teoria da história, mas como um movimento que
encorajava várias inovações no âmbito da História, que comportava várias matrizes
teórico-metodológicas em seu interior. Esse é o entendimento de Peter Burke, no Prefácio
de seu A Revolução Francesa da Historiografia: a Escola dos Annales (1929-1989).
Entende o autor que “la nouvelle histoire ... é o produto de um pequeno grupo associado à
revista Annales, criada em 1929” (BURKE, 1991, p. 11). Apesar de conhecida como
Escola dos Annales, pois é “vista como um grupo monolítico, com uma prática histórica
uniforme, quantitativa no que concerne ao método, determinista em suas concepções,
hostil... à política e aos eventos” (Idem, ibidem), lembra Peter Burke que muitos de seus
próprios membros negavam a existência de uma “escola”, ressaltando as diferentes
contribuições individuais. Em lugar de escola, o autor sugere o conceito de movimento
para expressar a contribuição desse grupo de historiadores franceses: “Talvez seja
preferível falar num movimento dos Annales, não numa ‘escola’” (Idem, p. 12).
Também é dessa forma que tendo a caracterizar a chamada Nova História, como
é conhecida a “Terceira Geração” dos Annales, com a aposentaria, em 1972, de Braudel,
Le Goff tornou-se o Presidente da reorganizada École des Hautes Études em Sciences
Sociales. Para Peter Burke, é difícil traçar um perfil dessa terceira geração, pois nele
prevaleceu o policentrismo e as fronteiras da história foram estendidas “[...] de forma a
permitir a incorporação da infância, do sonho, do corpo e, mesmo, do odor. Outros
solaparam o projeto pelo retorno à história política e a dos eventos. Alguns continuaram a
praticar a história quantitativa, outros reagiram contra ela” (BURKE, 1991, p. 79).
As observações de Burke não deixam dúvidas quanto às dificuldades em melhor
caracterizar o grupo da Nova História. Certamente, ela não se caracteriza como uma
concepção homogênea em termos teórico-metodológicos, o que reforça a análise de que se
trata de um movimento de renovação do fazer científico do historiador, que tem algumas
grandes bandeiras em interior – sintetizadas pelos chamamentos novidadeiros – e no
interior do qual se situam historiadores das mais diferentes posturas e ecletismos, desde os
defensores de uma história narrativa, até o delírio de uma meta-história chamada de hiper-
crítica.
Outra observação que gostaria de registrar é a seguinte: além da diferenciação
acima delineada entre concepção e movimento, não se pode esquecer que toda construção
ideológica – e nela estou incluindo também o fazer cientifico - é permeada por concepções
de mundo, de homem, de história, de política, etc. – isto é por pressupostos ontológicos,
gnosiológicos e, também, axiológicos. Com isso, estou a afirmar que as posições assumidas
pela ou na comunidade científica, além de estarem direta ou indiretamente fundadas em
métodos e teorias, mesmo quando promovem o esvaziamento da discussão teórico-
metodológica, também estão a cumprir um papel político. Além de todos os pesquisadores,
de uma forma ou outra, partilharem as disputas de sua sociedade e do seu tempo, também
trazem para o interior do próprio fazer cientifico, e para aquilo que denominamos de
“comunidade científica”, a disputa política, a luta por hegemonia. Por dever de ofício temos
que convir que a comunidade cientifica é, também ela, uma comunidade social e, como tal,
também vivencia os embates e as disputas políticas pelo controle, real ou suposto, de poder
político. É desnecessário ir além dessas observações quanto à disputa por hegemonia,
lembrando que o tema foi objeto de análise de François Dosse, em sua História em
Migalhas.
Nesta discussão conceitual sobre a história, ainda resta uma questão: como
entender a Historia da Educação? Apesar de ser uma discussão que também exige a
explicitação de parâmetros, impossível de se fazer nos limites deste texto, muitos de nós
tendemos a pensar a Historia da Educação como uma disciplina com status científico,
estando muito além de constituir-se em mera disciplina curricular e acadêmica. No meu
entendimento, a História da Educação só pode se constituir uma disciplina diferenciada,
isto é, um campo de conhecimento próprio e que se reivindica científico, na perspectiva
de ampliação e aprofundamento da concepção e classificação de ciência característica à
matriz positivista e suas variantes. Nessa perspectiva, é admissível a especialização do
conhecimento, comportando a defesa de disciplinas altamente especializadas em que a
própria denominação da disciplina se confunda com o seu objeto de investigação.
Creio que o mais adequado é considerar que a História da Educação está
indicando o estudo do objeto de investigação - a educação -, a partir dos métodos e teorias
próprias à pesquisa e investigação da Ciência da História.

2. Historiografia e Historiografia da Educação


O segundo conceito que é necessário discutir é historiografia. O termo foi cunhado
para tentar-se resolver a ambigüidade do termo história, passando-se a usá-lo para designar
o conhecimento histórico. Vejamos o que o Dicionário da língua portuguesa define pelo
termo historiografia: Historiografia. [Do gr. Historiographía.]. 1. Arte de escrever a
história... 2. Estudo histórico e crítico acerca da história ou dos historiadores.
Informa-nos Nicola Abbagnano, no Dicionário de Filosofia, que a etimologia de
historiografia resulta da composição de dois termos: graphia e historia, mais propriamente
podendo ser traduzido como escritas da história na língua portuguesa. Foi cunhado por
Campanella, em 1638, para designar uma parte de sua obra Philosophiae Rationalis, como
forma diferenciada da história e com o significado de arte de escrever corretamente a
história. O termo mudou de significado com Croce que passou a usá-lo num novo sentido:
por historiografia designava o conjunto dos conhecimentos históricos em geral, ou o
complexo das ciências históricas.

O termo era desconhecido até os albores da modernidade, sendo sua utilização


relativamente recente: foi cunhado por Campanella (em 1638), para designar uma parte de
sua obra Philosophiae Rationalis, como forma diferenciada da história e com o significado
de arte de escrever corretamente a história, como a busca por estabelecer um conhecimento
verdadeiro do que se passou, sobre como os fatos efetivamente ocorreram. Para
Campanella, o termo história era dedicado aos acontecimentos ocorridos e historiografia era
o termo designativo do conhecimento histórico. Com esse significado, o termo
historiografia foi usado até que Croce, o pai do presentismo, enquanto teoria da história,
passou a usá-lo num novo sentido: por historiografia designava o conjunto dos
conhecimentos históricos em geral, ou o complexo das ciências históricas. Diferentemente
de Campanella, para quem historiografia era designativo de Ciência Histórica, para Croce
se tratava de um campo da própria História, dedicava ao estudo dos conhecimentos
históricos.
Pelo conteúdo que o termo foi assumindo, entendo que também ele comporta
encaminhamentos analíticos diferenciados e que decorrem das opções teórico-
metodológicas dos historiógrafos. No meu entendimento, as análises mais esclarecedoras
tendem a se distanciar da ênfase na narrativa da produção histórico-educacional para o
teórico-metodológico que embasam as pesquisas. Ambas abordagens são ensejadas pelo
termo historiografia: na primeira, a ênfase é colocada sobre os aspectos formais da
pesquisa ou da produção histórica; pela outra, para além dos aspectos formais, a produção
intelectual é dissecada pela análise dos fundamentos mesmos da pesquisa científica e que
dizem respeito aos métodos e teorias que, explicitados ou não pelos pesquisadores em seus
projetos e / ou obras, embasam o fazer científico do pesquisador. Em outras palavras, por
um caminho, a produção científica é classificada e descrita a partir das delimitações e
opções formais dos pesquisadores (tema, período, fontes, etc.); pelo outro, prevalece a
fundamentação ontológica e gnosiológica que dá sustentação às opções dos pesquisadores,
colocando-se ênfase no que se convencionou chamar de problemática dos paradigmas
epistemológicos.
Tal como observado para a História, também a historiografia implica e pressupõe
o uso de métodos e teorias que alicerçam o processo e o resultado da construção do
conhecimento historiográfico. Em linhas gerais, acho que existem no âmbito da pesquisa
historiográfica as mesmas concepções e tendências que incidem no fazer cientifico do
historiador, ou sejam: - positivistas - com suas tendências cientificistas, neopositivistas e
mesmo transpositivistas; - fenomenológicas – sendo suas principais tendências a própria
fenomenologia, a hermenêutica, o culturalismo, o existencialismo, o antipositivismo e a
arqueogenealogia; - dialéticas e suas três grandes tendências: a continuidade da dialética
idealista (hegeliana), a dialética marxista e a dialética negativa (da Escola de Frankfurt).
Seguramente, destaque especial merece os vários ecletismos produzidos no âmbito da
pesquisa histórica e historiográfica no Brasil.
Antes de encerrar a incursão deste item, cabe perguntar o que se deve entender por
historiografia da EDUCAÇAO? Entendo que recaem sobre o historiógrafo da educação as
mesmas observações feitas em relação à historiografia. Como é um tema sobre o qual tenho
escrito e publicado desde 1993, gostaria de salientar que a historiografia da educação é um
campo de estudo que tem por objeto de investigação as produções históricas e por objeto de
estudo o educacional. Apesar de ser um campo recente, a historiografia da educação
praticamente reproduziu as características da produção historiográfica, com trabalhos onde
a produção no campo da história educacional é de caráter descritivo, com ênfase nos
aspectos formais da produção (tema, período, fontes, etc.); mas também possuindo alguns
trabalhos que fazem uma análise dessa mesma produção a partir de seus pressupostos
metodológicos e teóricos. Certamente cabe e é necessária a pesquisa historiográfica que
analise a produção sobre as instituições educacionais.
Não poderia fechar estes rápidos apontamentos sobre a historiografia, sem retomar
as observações feitas há quase 30 anos por Carlos Guilherme Motta e que, referindo-se à
produção historiográfica brasileira dos anos de 1930 a meados da década de 1970, ainda
guardam lamentável atualidade, quer diga respeito à produção histórica e historiográfica,
quer à pesquisa educacional brasileira:
1) A produção científica no Brasil é elitizante e justificadora da ação política do momento.
“[...] Não será difícil afirmar que a historiografia brasileira é altamente elitizante [...]
servindo no mais das vezes para recompor a saga das oligarquias em crise, ou justificar a
ação política da hora” (MOTA, 1975, p. 2).
2) O oficialismo esterilizou a produção intelectual, resultando numa elaboração cortesã e,
em termos de atmosfera pouco oxigenada, como sob a Ditadura Militar, no êxodo de
cérebros para centros de investigação livre e critica: “[...] O oficialismo esterilizou em não
poucas oportunidades o trabalho intelectual, propiciando o surgimento de uma
historiografia cortesã que, diga-se de passagem, não foi privilégio do Brasil. Portugal, por
exemplo, foi um dos países que mais alto pagou o preço da esterilização cultural,
acompanhada do êxodo de cérebros para outros centros de investigação livre e
critica.”(MOTA, 1975, p. 2).
3) Referindo-se à herança universitária brasileira, referindo-se ao regime de cátedras,
entende que esse engessou e burocratizou a produção acadêmica. Mudaram-se a estrutura e
organização universitárias, mas continuam profundas as marcas apontadas por ele: baixa
criatividade, poucos projetos articulados, forte hegemonização da pesquisa por grupos de
interesse. “... marcas profundas nas formas de organização e convívio universitário, que se
manifestam no baixo teor de criatividade, na inexistência de projetos articulados e
sistemáticos de pesquisa, na dificuldade atávica de cooperação interdisciplinar”.(MOTA,
1975, p. 3).
4) A pesquisa histórica atende exigências meramente acadêmicas, desvinculadas dos
grandes problemas da época: “[...] O trabalho permanece orientado para a elaboração de
monográficas relativamente desimportantes e desarticuladas de problemas maiores,
problemas que estimulam a investigação teórica e empírica em centros de pesquisa de
outros países.[...]” (MOTA, 1975, p. 3-4).
5) Há produção de grande quantidade de trabalhos, mas esses, além de não analisarem os
grandes problemas e temas contemporâneos, resultam de um empirismo rústico e que inibe
o debate crítico: “[...] Os grandes problemas e temas contemporâneos ficam, na melhor das
hipóteses, soterrados sob uma grande quantidade de trabalhos inspirados na maior parte por
um empirismo rústico, cultivado tanto na universidade como fora dela. Esse empirismo
inibe o pesquisador / docente para o debate crítico com seus orientados, cada vez mais
entorpecidos pelos poderosos princípios da cultura de massas. [...]” (MOTA, 1975, p. 4).

3. Fontes Históricas e Fontes Historiográficas


Outro aspecto a discutir é a questão das fontes históricas. Uma primeira observação
é que as fontes históricas guardam o sentido etimológico do termo. O Dicionário da língua
portuguesa registra quinze (15) sentidos para a palavra latina fonte que etimologicamente
significa nascente ou bica de água. Mantendo a etimologia, contemporaneamente tem sido
usada em diversos campos de conhecimento. Fonte. [Do lat. fonte.] S. f 1. Nascente de
água. 2. Bica de onde corre água potável para uso doméstico, etc.; chafariz. 3. O depósito
para onde corre. [Dim. irreg.: fontainha, fontícula]. 4. Pia batismal. 5. Fig. Aquilo que
origina ou produz; origem, causa: a fonte do mal; ... 6. Fig. Procedência, proveniência,
origem: ...

O Dicionário Filosófico, de Abbagnano, traz uma discussão mais ampla e


profunda sobre as fontes históricas.
FONTES HISTÓRICAS. (INGL. Historical Sources; fr. Souces historiques...).
Com esta expressão se indica, comumente, o material da pesquisa
historiográfica. As fontes Históricas costumam ser dividas em remanescentes e
tradições. Os remanescentes são: 1) os restos das obras produzidas pelo homem
(casas, pontes, teatros, utensílios, etc.); 2) os modos de vida das comunidades
(usos, costumes, ordenamentos jurídicos, políticos, etc.); 3) as obras literárias e
filosóficas; 4) os documentos em geral.
Os restos produzidos com a intenção de transmitir uma recordação se
chamam monumentos. Tais são os documentos que tiveram a finalidade de
testemunhar, no futuro, a conclusão de um fato e tais são as inscrições, as
medalhas, as moedas, etc.
Por último, as fontes da tradição são aquelas pelas quais se transmitiu a
memória dos fatos passados e podem ser orais e escritas [...].

Ora, da mesma forma que é impossível pressupormos a Ciência da História sem que
ela tenha objeto de investigação, não é possível o entendimento dos objetos de investigação
sem as fontes e essas, por sua vez, como o material que fundamenta e embasa a própria
pesquisa histórica. As fontes resultam da ação histórica do homem e, apesar de nem sempre
terem sido produzidas com a intencionalidade de registrar a vida e o mundo dos homens,
acabam sendo testemunhos dessas dimensões. Apesar das fontes serem produtos históricos
do homem, nem sempre se encontram facilmente disponíveis para que o homem torne
inteligíveis suas ações no tempo e no espaço.

De certa forma, acontece com a fonte histórica algo semelhante ao uso da fonte de
água pelo homem. Na natureza, algumas vezes os veios de água afloram ... Na maioria das
vezes, porém, esse produto só se torna acessível depois de muito trabalho e ação do
homem, tornando possível ao precioso líquido jorrar pela bica, pela fonte. De uma forma ou
de outra, o homem não poderia satisfazer sua sede se a água não existisse e não acabasse
estando disponível.

Certamente que nem todas as ações históricas ficaram registradas para a


posteridade. São, pois, vivências sociais que, apesar de terem existido, não foram de
alguma forma registradas, não podendo ser recuperadas e contadas. Apesar da
impossibilidade de se recuperar muitos acontecimentos, experiências e vivências do ser
humano, também temos que convir que desde tempos imemoriais os homens produziram (e
ainda produzem) artefatos, documentos, testemunhos... que tornam possível o entendimento
do homem sobre sua própria trajetória. São exatamente esses registros históricos que
constituem os documentos, os testemunhos usados pelo historiador para se aproximar e
tornar inteligível seu objeto de estudo. Ao tratar do assunto, não se pode deixar de registrar,
também, que muitos documentos foram produzidos com o fim de falsear os dados ou
registros, sendo um tipo de fonte que permite estudar, não como as coisas se passaram na
realidade, mas como os interesses permeiam a produção de documentos.
Estes aspectos sobre as fontes re-colocam em relevo outro aspecto fundamental na
discussão teórico-metodológica quanto ao fazer científico: a questão da verdade... Essa diz
respeito tanto às fontes, como ao conhecimento produzido. É outra questão que exigiria
espaço para discussão e, como não o temos, gostaria de simplesmente registrar que não se
trata de uma questão metafísica, meramente nominativa, mas que diz respeito à prática
científica e aos métodos de investigação.
Voltemos à discussão da busca das fontes. Nem sempre os documentos afloram de
forma a se tornarem conhecidos e utilizáveis pelo homem. Assim, não resta outra
alternativa ao historiador: É preciso definir claramente o que se deseja estudar, recortando e
delimitando o objeto de investigação. Feita(s) a(s) escolha(s) é necessário buscar todo tipo
de documento que ajude a reconstruir (em pensamento) o objeto de investigação
delimitado.
Às vezes existe o problema das fontes serem lacunares, parciais, escassas, raras ou
dispersas. Assim, é preciso usar as informações iniciais, para que essas nos levem a novos
dados, lendo “nas linhas e entrelinhas” e atentos aos indícios que levam a novas perguntas e
a novas fontes – formando, dessa forma, uma rede de informações. Importa não recorrer a
uma única fonte, mas sim confrontar várias fontes que dialoguem com o problema de
investigação e possibilitem (ou não) que se dê conta de explicar e analisar o objeto
investigado.
Considerando-se que são as fontes que possibilitam o entendimento do mundo e da
vida dos homens, todos os tipos de fontes são válidas: material lítico e cerâmico,
documentos escritos, testemunhos orais, produções iconográficas, audiovisuais,
eletrônicas...

Para além dos documentos escritos, tão caros aos positivistas, foram os fundadores da
revista Annales d’historie économique et sociale (1929), Lucien FEBVRE e Marc BLOCH,
que alertaram para a necessidade de ampliação da noção e utilização de documento. Desde
então se passou a adotar uma perspectiva mais ampla do que se deve considerar como
documento, não somente no que diz respeito ao seu uso pelo investigador, mas também
para efeitos de conservação.
“[...] o documento é qualquer elemento gráfico, iconográfico, plástico ou fônico
pelo qual o homem se expressa. É o livro, o artigo de revista ou jornal, o
relatório, o processo, o dossiê, a correspondência, a legislação, a estampa, a tela,
a escultura, a fotografia, o filme, o disco, a fita magnética, o objeto utilitário,
etc... enfim, tudo que seja produzido por razões funcionais, jurídicas, científicas,
culturais ou artísticas pela atividade humana”. (BELLOTTO, 1984:34).
A ampliação da noção de fonte foi também acompanhada por uma guinada na ótica
do pesquisador que passou a considerar como documentos históricos dignos de
conservação, transmissão e estudo, não somente aqueles referentes à vida dos grandes
homens, dos heróis, dos grandes acontecimentos, das instituições – como na perspectiva
positivista. Com Engels e Marx, depois com Febvre e Bloch, aprendemos que a vida de
todos os homens, todas as formas de relações, todos os agrupamentos e classes sociais
constituem objeto de estudo que interessam ao investigador.
Considerando-se que todos os tipos de fontes podem ser válidos para o
entendimento do mundo e da vida dos homens, tem-se que convir que o tipo de fonte a ser
utilizada decorre, em grande medida, do objeto de investigação.

Não há dúvida que o testemunho oral é uma fonte de informação, mas, nem
sempre é um recurso possível. Assim, por exemplo, se o objeto de investigação é a prática
educativa dos pedagogos da Grécia Antiga, mesmo que se considere muito elucidativo
entrevistar ou tomar a história de vida dos pedagogos, como ainda não é possível viajar
pelo “túnel do tempo”, a fonte oral acaba sendo inadequada para o estudo desse objeto.

Também com relação às fontes, é preciso destacar que o historiador elege,


organiza e interpreta suas fontes em conformidade com suas opções metodológicas e
teóricas. Nesse aspecto, creio que, tanto ontem como hoje, o ‘eleição’ de um único tipo de
fonte talvez não seja o caminho metodológico mais adequado no fazer científico do
historiador. Em outras palavras, não se deve em princípio excluir nenhum tipo de fonte,
pois a diversificação pode revelar aspectos e características diferenciadas das relações do
homem, quer sejam com outros homens ou com o meio em que vive.
Apesar de óbvias, não custa registrar que as observações que fui tecendo com
relação às fontes da pesquisa histórica tinham, como pano-de-fundo, a investigação em
educação. A ampliação dos conhecimentos históricos acompanhou, de modo geral, o
acelerado aumento e diversificação (quantitativa e qualitativa) da pesquisa educacional no
Brasil, resultado do oferecimento da pós-graduação e da formação de grupos de pesquisa a
partir dela, assunto que ainda abordaremos. Ao lado dessa ampliação, foi significativa a
introdução de um amplo arco de objetos educacionais, de períodos históricos, de problemas
de investigação e necessariamente de FONTES.
Sem a preocupação de fazer um painel sobre o assunto, recente evento do nosso
grupo de pesquisa, a II Jornada do HISTEDBR – região Sul, teve por tema “A produção
em História da Educação na Região Sul do Brasil”, os trabalhos foram organizados em três
eixos: 1) Fontes e História das Instituições Escolares; 2) Fontes e História das Políticas
Educacionais; 3) Fontes e Historiografia Educacional Brasileira. As atividades acadêmicas
foram organizadas através de mesas-redondas e comunicações científicas, em torno desses
três eixos. Merece destaque que, apesar da diversidade de temas que animam a pesquisa da
área, grande parte dos trabalhos encontram-se centrados na discussão sobre a pesquisa das
instituições educacionais no Brasil2.
Centrado na discussão sobre as fontes, o evento registrou a ampliação e a
diversidade com que essas têm sido utilizadas: documentos oficiais (de órgãos nacionais e
internacionais); arquivos, cartas e anotações pessoais; legislação; dados estatísticos;
literatura, inclusive a literatura de cordel; produção bibliográfica; livros didáticos; pintura e
outras obras de arte; fotografia; arquivos institucionais públicos e privados, inclusive os
escolares; memória docente (entrevistas e histórias de vida); arquitetura.
Além das convencionais fontes encontráveis em bibliotecas, arquivos e centros de
documentação, a pesquisa em história da educação tem se beneficiado pelo uso das
tecnologias de informática e de comunicação. Esses novos instrumentos tornaram possível
a rápida consulta a sofisticados bancos de dados de bibliotecas, arquivos e centros de
documentação de todo o mundo. Para além da mera consulta, também é possível acessar
(via Internet) uma grande quantidade de fontes (documentais, iconográficas, audiovisuais,
etc.) disponibilizadas por fidedignas instituições depositárias. Muitos sites estão
possibilitando, gratuitamente ou com a cobrança de valores monetários determinados, a
transferência (download) de arquivos digitais completos de obras e fontes diversas.
Não se objetiva, porém, mistificar e / ou superestimar o uso das novas tecnologias,
mas indicar que são importantes (instrumentos) auxiliares do homem no desenvolvimento
de seu trabalho, inclusive do cientista em sua faina de continuamente pesquisar os mais
diferentes aspectos de tudo o que seja passível de conhecimento, crescentemente
otimizando a utilização de suas forças físicas, mentais e intelectuais.

2
Anais da II Jornada do HISTEDBR... realizada de 8 a 11 de outubro de 2002; organizadores: José Claudinei
Lombardi, Dermeval Saviani. Campinas – SP : FE/UNICAMP : HISTEDBR, 2002. CD-ROM.
Considerações finais: a História da Educação no Brasil: pós-graduação, coletivos de
pesquisa e o HISTEDBR
Feitas essas observações mais gerais, conceituais, que objetivaram provocar o
debate sobre questões teórico-metodológicas da história e da historiografia da educação,
bem como sobre as fontes da pesquisa histórica e historiográfica, cabe tecer algumas
considerações sobre os percursos seguidos pela pesquisa histórica em educação no Brasil.
Os estudos que objetivam discutir a constituição da História da Educação no Brasil,
como disciplina ou campo de investigação, têm colocado grande ênfase no surgimento da
disciplina, o que se deu certamente com a instalação dos cursos normais no Brasil.
Apesar de reconhecer a correção histórica de tal entendimento, minha hipótese de
trabalho é que a constituição da disciplina não se deu concomitantemente, nem conduziu
necessariamente, à pesquisa histórico-educacional.
Foram processos que ocorreram paralelamente, por um lado, pela centralidade
colocada na disciplina Filosofia e História da educação quando da conformação curricular
dos cursos de formação de educadores; por outro, pela configuração da educação como
campo de pesquisa histórica, o que ocorreu quando da formação do campo de pesquisa
histórica, no qual foi de fundamental importância a criação do Instituto Histórico e
Geográfico do Brasil - IHGB.
O campo de ensino e a pesquisa em história da educação passaram a se constituir
como um campo articulado de conhecimentos somente muito recentemente, com o
surgimento da pós-graduação stricto sensu no Brasil. A configuração do campo histórico-
educacional foi ocorrendo lentamente, acompanhando o próprio movimento de
consolidação dos programas de pós-graduados em educação e, no interior deles, da
pesquisa educacional. Resumida e esquematicamente penso que o processo de constituição
do campo da história da educação ocorreu com as seguintes características:
• quando da constituição dos diversos cursos voltados à formação de professores, foi
ocorrendo a constituição da disciplina que, articulada à filosofia, deveria possibilitar sólida
formação moral dos educadores;
• na formação do campo de pesquisa histórico no Brasil, com a produção dos pesquisadores
estando articuladas em torno do IHGB, a constituição da educação como objeto de pesquisa
histórica foi ocorrendo, ainda que a educação fosse um objeto secundário de investigação.
• a constituição do campo de ensino e pesquisa em história da educação, como um campo
articulado de conhecimentos, firmou-se recentemente acompanhando a construção da pós-
graduação stricto sensu no Brasil.
A produção no campo da História da Educação em nosso país acompanhou, em
linhas gerais, a pesquisa em educação. Recentemente foi desenvolvido um amplo
levantamento sobre a pesquisa educacional no Brasil, assumida institucionalmente pela
ANPEd (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação), financiada pelo
INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais) e CNPq (Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), e coordenada por Jacques
Velloso3. O levantamento quantificou e demonstrou o que era sobejamente conhecido e
discutido: 90% ou mais da pesquisa em educação no Brasil, assim como em outras áreas do
conhecimento, concentravam-se nos programas de pós-graduação stricto sensu
(VELLOSO, 1999, 10).
Apesar de os programas de pós-graduação terem iniciado no final da década de
1960, foi a partir dos anos da década de 1990 que a produção, materializada em
dissertações e teses efetivamente concluídas e defendidas, sofreu significativo incremento.
Alguns dados possibilitam entender, um pouco melhor, a construção dessa produção junto
aos programas de pós-graduação. Entre 1971 e 1996, a produção dos alunos dos programas
de pós-graduação em Educação constituiu um total de 8.416 trabalhos, sendo 7.609
(90,41%) dissertações de mestrado e 807 (9,59%) teses de doutoramento. Desse total, a
região Sudeste participava com 65,2% das dissertações defendidas no período, seguida das
regiões Sul (20,2%), Nordeste (9,1%), Centro-Oeste (5,2%) e Norte (0,3%). Os Estados de
São Paulo e Rio de Janeiro respondiam por quase 60% da produção nacional (31,3% e
28,2%, respectivamente), seguidos do Estado do Rio Grande do Sul, com 14,8%. Sete
instituições, também localizadas nesses três estados, foram responsáveis por mais da
metade da produção nacional: PUC/SP (12,3%), UFRJ (8,7%), UNICAMP (6,5%), PUC/RJ
(6,1%), UFRGS (6,0%), PUC/RS (5,9%) e UFF (5,4%). Ao lado das instituições públicas,
merece destaque a participação de três universidades católicas que, juntas responderam, no
período (1971-96), por 24% da produção nacional.

3
O trabalho publicado é um amplo diretório com a produção de pesquisa na área educacional, organizado em
três partes: 1) com os dados sobre os pesquisadores; 2) com os endereços eletrônicos dos docentes
pesquisadores; relação das instituições a que pertencem, com os endereços dos programas de pós-graduação.
Na parte com os dados dos pesquisadores constam os projetos de pesquisa e as publicações.
Até 1974, essa produção pouco tinha ultrapassado o limite de 200 trabalhos, todos
eles dissertações de mestrado defendidas nos 15 programas então existentes no Brasil.
Somente no qüinqüênio entre 1990-94, ocorreu um salto quantitativo de tal ordem que
2.498 (87,43%) dissertações e 359 (12,57%) teses foram defendidas, em 45 programas
existentes no país, 15 deles também oferecendo doutorado, totalizando 2.847 trabalhos
produzidos.
Produção Acadêmica Discente Nacional - Educação – 1971/1996
Produção Acadêmica Discente

REGIÃO Dissertações % Teses % Total %


Sudeste 4.959 65,2 746 92,4 5.719 68,0
Sul 1.535 20,2 59 7,3 1.594 18,9
Nordeste 696 9,1 2 0,2 684 8,1
Centro-Oeste 399 5,2 - 399 4,7
Norte 20 0,3 - 20 0,2
Total 7.609 100,0 807 100,0 8.416 100,0

Outro desdobramento dos Programas de Pós-graduação no Brasil, que deu um


novo incremento quantitativo e qualitativo para a pesquisa no país, foi a constituição de
coletivos de pesquisa. Esse movimento resultava da consolidação de associações científicas
em várias áreas. No âmbito da educação foi organizada a ANPEd e, ao longo da década de
1980, foram se organizando coletivos de pesquisadores. O Grupo de Trabalho de História
da Educação da ANPEd foi criado em 1984. O Grupo de Estudos e Pesquisas HISTEDBR
foi organizado logo depois, em 1986, junto ao Programa de Pós-graduação em Educação da
UNICAMP, sob a coordenação de Dermeval Saviani.
Recentemente, em dezembro de 2001, foi publicado um dossiê sobre a História da
Educação voltado à socialização de experiências resultantes de formas de organização
coletiva dos pesquisadores desse campo do saber. A principal novidade trazida pelos
coletivos de pesquisadores reside principalmente na forma de encaminhar os trabalhos e a
própria pesquisa científica, como bem destaca Luciano Mendes de Faria Filho, a quem
coube o mérito e a organização da iniciativa, em sua “Apresentação” ao Dossiê: História
da Educação, onde estão registradas as experiências de vários grupos de pesquisa em
História da Educação:
[...] Diferentemente de um período anterior, em que as pesquisas eram realizadas
quase que individualmente, temos visto que, nos últimos anos, mais e mais
grupos de pesquisa têm se constituído e se institucionalizado. Ligados
principalmente aos Programas de Pós-graduação em Educação, tais grupos têm
mudado, de maneira bastante positiva, a forma de fazer pesquisa, contribuindo
para a mudança da cultura histórica em Educação no Brasil. (FARIA FILHO,
2001: p. 125).

Atualmente informações mais completas sobre os grupos de pesquisa – bem como


sobre os pesquisadores brasileiros – compõem um complexo e articulado banco de dados
denominado “Plataforma Lattes”, gerenciado por um organismo governamental de
implementação da política nacional de ciência e tecnologia, bem como de financiamento
das atividades científicas. Controlando o instrumento econômico de financiamento da
pesquisa, a alimentação de informações é condição para a solicitação de recursos. Com
isso, o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) consegue
manter um atualizado banco de dados sobre a pesquisa no Brasil, através do qual se pode
permanentemente obter dados sobre a pesquisa organizada a partir de diferentes critérios de
consulta.
Com relação ao nosso grupo de pesquisa, o HISTEDBR, é sempre difícil a
discussão quanto aos encaminhamentos possíveis para o grupo. Até recentemente, ainda
não tínhamos acesso às críticas que eram feitas externamente ao grupo, salvo alguns poucos
comentários verbais e registros feitos em alguns pareceres de agências financiadoras.
Também não é possível aquilatar essa produção, pois continua a ser ignorada por parte dos
colegas que buscam refletir sobre a pesquisa historiográfico-educacional brasileira. Não é
complicado entender, pois a comunidade científica constitui-se em um grupo social e,
portanto, suscetível a embates como qualquer outra organização social. Apesar do caráter
social da atividade científica, era de se esperar uma análise mais profunda sobre o assunto
que, sendo política, ideológica e embricada por posturas teórico-metodológicas, não
acabasse considerando de forma dual e niilista a própria comunidade científica. Toda
posição defendida no âmbito da comunidade científica é igualmente política e como tal
merece ser analisada. Qual a contribuição do HISTEDBR à historiografia da educação
brasileira? Apesar de minha ligação umbilical ao grupo, é possível elencar alguns pontos:
• superação da produção individual de pesquisas na História da Educação, iniciando na área
um caminho que mostrou-se altamente produtivo para a produção acadêmica;
• constituição de um coletivo de pesquisadores que implementou a formação de grupos de
pesquisadores em História da Educação por todas as regiões do Brasil;
• promoção da articulação de um amplo conjunto de professores, pesquisadores e outros
interessados pela História da Educação brasileira e que não tinham, antes da criação da
SBHE – Sociedade Brasileira de História da Educação, nenhuma instância organizativa ;
• incentivo ao levantamento e à catalogação de FONTES e que levaram a uma proliferação
assustadora de projetos de pesquisa (coletivos, de iniciação científica, de mestrado e
doutorado) que possibilitaram um melhor entendimento de nossa história da educação;
• estímulo da socialização de uma vasta produção sobre a educação no Brasil,
notadamente sobre a escola pública e sobre educadores que contribuíram para
ampliar a discussão sobre a historiografia da educação brasileira.
Para além ou aquém de disputas, cabe ao HISTEDBR um papel de difícil
operacionalização neste momento: continuar articulando parte da comunidade que trabalha
e pesquisa em História da Educaçao, assumindo, porém, a pesquisa enquanto objetivo
principal de existência do grupo e que esta nos conduza a definições mais claras quanto as
opções teóricas e metodológicas coexistentes no grupo.

BIBLIOGRAFIA
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Editora Mestre Jou, 1982.
BELLOTTO, H. As fronteiras da documentação. Caderno FUNDAP. São Paulo, v.4, nº8, pp.12-
16, Abril, 1984.
BORGES, V. O que é história. São Paulo: Brasiliense, 1988.
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Paulo : Editora Universidade Estadual Paulista, 1991.
FARIA FILHO, Luciano Mendes de. Apresentação. In: Educação em Revista. Belo Horizonte:
Faculdade de Educação da UFMG, no. 34, dezembro 2001, p. 125-126.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de
Janeiro: Editora Nova Fronteira, [s/d].
LOMBARDI, José Claudinei. Historiografia educacional brasileira e os fundamentos teórico-
metodológicos da História. LOMBARDI, J.C. (org.) Pesquisa em educação : história,
filosofia e temas transversais. Campinas : Autores Associados : HISTEDBR ; Caçador,
SC : UnC, 1999, p. 7-32.
LOMBARDI, J. C. e SAVIANI, Dermeval. Anais da II Jornada do HISTEDBR, realizada de 8 a 11
de outubro de 2002; organizadores: José Claudinei Lombardi, Dermeval Saviani.
Campinas – SP: FE/UNICAMP : HISTEDBR, 2002. CD-ROM.
SAVIANI, Dermeval. Editorial 15 anos de HISTEDBR: 1986-2001. In: Revista HISTEDBR on
line, n. 4 [http://www.unicamp.br/~histedbr/editorial4.html]
SEVERINO, Antônio Joaquim. A filosofia contemporânea no Brasil: conhecimento, política e
educação. Petrópolis – RJ: Vozes, 1997.
VELLOSO, Jacques (org.). Quem pesquisa o quê em Educação 1998. Brasília; São Paulo:
ANPEd, 1999, 608 p.
TEXTO 3
ARTIGOS

A IMPORTÂNCIA DA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO PARA A


FORMAÇÃO DOS PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO
THE IMPORTANCE OF HISTORY OF EDUCATION FOR THE
TRAINING OF EDUCATIONAL PERSONNEL

Fátima Maria Neves1


Célio Juvenal Costa2

Resumo
Apresentar a construção do conhecimento da disciplina de História da Educação para os futuros e atuais
professores é o objetivo deste artigo. Mais do que o ato de tomar contato com a educação em seu fazer
histórico, fazemos aqui o convite para que o profissional da educação se torne em pesquisador em
História da Educação. Para tanto, apresenta-se uma síntese das mudanças ocorridas no campo específico
do ofício do historiador das questões educacionais, mostrando qual é o atual estado da arte no que diz
respeito à forma mais específica do contato com o passado. Após um período inicial em que a História da
Educação esteve subsumida à Filosofia da Educação, nos últimos anos do século XX e nestes primeiros
da atual centúria há toda uma discussão teórica que quer legitimar este campo como específico e diferente
dos outros relacionados à educação. Neste sentido, os usos e instrumentos que o historiador deve ter a seu
dispor, como a definição da periodização a ser pesquisada, o tipo, a escolha e o trato das fontes
(documentos históricos) que revelam a vida dos atores sociais que se quer pesquisar, e como se estabelece
a relação entre o passado e o presente, são apresentados como requisitos teóricos e práticos para a
constituição de uma autêntica História da Educação.
Palavras-Chave: Campo teórico. História da Educação. Ofício do historiador. Pesquisa educacional.

Abstract
Present the need of knowledge of the History of Education for future and current teachers is the goal of
this article. More than the act of taking contact with education in your doing here, we call history so that
the professional education becomes in researcher in History of Education. To that end, it presents a
summary of the changes in the specific field of the craft of the historian of educational issues, showing
which is the current state of the art as regards more specifically the contact with the past. After an initial
period in the history of education subsumidy to philosophy of education was, in the final years of the 20th
century and these first of the current century there is a whole theoretical discussion that wants to
legitimize this field as specific and different from other education-related. In this sense, the usages and
instruments that the historian must have at their disposal, such as the definition of periodization to be
searched, the type, the choice and the treatment of sources (historical documents) that reveal the lives of
social actors that if you want to search, and how the relationship between past and present, are presented
as theoretical and practical requirements for the constitution of an authentic History of Education
Keywords: Theoretical field. History of Education. The craft of the historian. Educational research.

A1 discussão em torno construção da História objetivo deste artigo. Desta forma, pretende-se,
da Educação no Brasil, como um campo adicionalmente, apresentar a trajetória disciplinar
disciplinar voltado ao ensino e a produção de e acompanhar as idéias desenvolvidas pela
conhecimentos por meio de pesquisas, é o historiografia criadas no movimento social que os
pesquisadores2 e educadores realizaram e

1
Doutora em História pela Universidade Estadual Paulista
2
Júlio de Mesquita Filho (2003). Professora do Departamento Doutor em Educação pela Universidade Metodista de
de Fundamentos da Educação e do Programa de Pós- Piracicaba (2004). Professora do Departamento de
Graduação em Educação da Universidade Estadual de Fundamentos da Educação e do Programa de Pós-Graduação
Maringá. em Educação da Universidade Estadual de Maringá.
114 A importância da história da educação para a formação dos profissionais da educação

continuam a realizar para a instituição e para a HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO: ORIGEM


consolidação da História da Educação como TERMINOLÓGICA
campo de ensino e de pesquisa.
Observa-se, de início, que o ensino e a Disciplina, palavra de origem latina,
pesquisa em História da Educação vêm, desde significa: “[...] a instrução que o aluno recebe do
1990, adquirindo status diferenciado entre os mestre”; atualmente, entendemos disciplina
pesquisadores da área educacional. O ensino, como “[...] um modo de disciplinar o espírito [...]
apoiado na pesquisa, vem se renovando e se dar métodos e regras para abordar os diferentes
desenvolvendo não só quantitativa como também domínios do pensamento, do conhecimento e da
qualitativamente. Os tradicionais temas 3 estão arte”. (CHERVEL 1999, p. 180).
sendo retomados, adquirindo consistência História, palavra de origem grega,
investigativa diferenciada. Por sua vez, outros significa: procurar, investigar. Na
temas estão ganhando visibilidade nas pesquisas contemporaneidade, não há uma compreensão
em História da Educação, como, por exemplo, única do termo, mas existe certa concordância.
História das Instituições Escolares, História da O francês, historiador de ofício, Jacques Le
Educação e Gênero, Intelectuais e Métodos Goff, afirmava que a preocupação do
Pedagógicos, Escolas e Cultura Escolas, História historiador era a de relacionar a ordem de
da Educação Infantil Brasileira e História das permanência e a ordem de transformação, por
Disciplinas Escolares e Acadêmicas. isso não entendia a História como ciência do
A constatação e o reconhecimento deste novo passado, mas sim como a “ciência da mutação e
perfil da História da Educação sugerem que se da explicação dessa mudança” (LE GOFF,
pergunte: como esse perfil foi se configurando? 1996, p. 15). Entender a História como ciência
Como se deu essa mudança? Como ela vem sendo dos homens no tempo e um “esforço para um
divulgada pelos interessados no assunto? melhor conhecer uma coisa em movimento”, era
Para responder a estes questionamentos, o como outro historiador, March Bloch (1965, p.
caminho teórico-metodológico escolhido foi o de 18) a concebia.
verificar nos textos, na produção historiográfica Educação é um termo que nos desafia por
que os pesquisadores do tema já produziram, seus inúmeros significados. Se seu significado se
quais as ideias que estão circulando e aproximar de Educatio, termo de origem latina,
movimentando o debate sobre a mudança no perfil teremos uma noção de educação que se relaciona
da disciplina de História da Educação, ao longo com a ação de instrução, formação e transmissão
do século XX. Todavia, já sabendo que a História de conhecimentos. Porém, se o seu significado se
da Educação, como disciplina, encontra-se nas aproximar de Educere, termo também de origem
estruturas escolares e acadêmicas há muito tempo, latina, temos que educar é extrair, desabrochar e
tendo surgido no final do século XIX, sob a desenvolver algo no indivíduo. Logo, tem-se que,
influência do Positivismo, e “no bojo de um sob este viés, propõem-se “[...] uma educação em
movimento de reação contra a metafísica”. que o educador exerce o papel de guia no
(LOPES, 1986, p. 18). processo ensino-aprendizagem e o educando é
Para o francês e historiador da educação agente atuante deste processo. Sob este prisma, a
André Chervel (1999, p. 178), uma primeira e atividade educacional é concebida como meio
importante tarefa para o historiador da educação para o desenvolvimento das potencialidades do
que se propõe a tratar da história das disciplinas é indivíduo”. (NEVES, 2007, p.10).
a de definir a noção de disciplina, ao mesmo Diante de tantas diferenças de concepções,
tempo em que faz a sua história. que enriquecem o campo da educação, é
importante registrar e definir que: 1) quando, aqui,
tratamos de História da Educação, estamos nos
referindo, primeiramente, a uma disciplina
3
A formação da sociedade colonial e a educação jesuítica (1549- acadêmica, com regras, estatuto, temas, objetos de
1759); o Iluminismo português e as Reformas Pombalinas estudo e vocabulário próprios; 2) estamos
(1759-1822); a instituição do Estado Nacional e a instrução dialogando sobre a emergência de um campo
pública durante o primeiro reinado (1822-1831); o Segundo disciplinar, específico, que vem se construindo
Reinado e a elaboração dos sistemas de ensino (1840-1889); e
todos os projetos educacionais do período republicano, desde historicamente, portanto, ora se mantendo ora se
1889 até a atualidade. alterando.

Rev. Teoria e Prática da Educação, v. 15, n. 1, p. 113-121, jan./abr. 2012


NEVES; COSTA 115

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO: DADOS mínimo dos Cursos de Pedagogia deveria contar


SOBRE SUA ORIGEM com a disciplina História da Educação.
Realidade essa vivida até a atualidade.
Os historiadores da educação sabem que a Conforme os agentes – professores e alunos
História da Educação foi criada, como – da História da Educação iam se familiarizando
especialidade da História, em diferentes lugares 4, com o universo dos conteúdos da Educação e da
no final do século XIX. Neste processo, como em Pedagogia em geral (como as doutrinas
qualquer campo disciplinar, aconteceram e ainda pedagógicas e os pedagogos consagrados), os
acontecem polêmicos debates em decorrência do estudos e as pesquisas voltavam-se, como
modelo que conformou o seu processo de criação entende Lopes (2001, p. 28), para a história das
e consolidação. Mais uma vez, pode-se ideias pedagógicas. A fonte para o
perguntar: que modelo é este e que tradição este desenvolvimento destes recortes temáticos era a
modelo instituiu? obra dos grandes pensadores. Nesse contexto,
Atualmente, é consenso o entendimento de também, observa-se que muitos dos compêndios
que a História da Educação se construiu como e dos livros didáticos utilizados em História da
parte da Filosofia da Educação. Educação Geral eram os manuais da Filosofia
Pesquisadores do campo da História da da Educação, como os de F. Larroyo (1944), R.
Educação vêm estudando os fatores que levaram Hubert (1949), Paul Monroe (1949), Lorenzo
à aproximação da História e da Filosofia da Luzuriaga (1951) e Abbagnano (1957), entre
Educação. É possível identificar que não são outros (LOPES, 2001, p. 28).
poucos os fatores apontados como responsáveis Para a historiadora da educação Diana
por essa aproximação. Vejamos, a seguir, Vidal (2003, p. 13), “[...] essa integração
alguns desses fatores. reforçou o afastamento da escrita da história da
educação da prática dos arquivos, estimulando
• A História da Educação, apesar de ser as interpretações que pretendiam conferir-lhe
criada como uma das especializações da uma importância moral”.
História, desenvolveu-se muito mais próxima do Outro dado é a constatação de que a
terreno da Educação, da Pedagogia e, portanto, educação e seus objetos não apresentavam
da Filosofia. interesse para os historiadores de ofício. Lopes
(2001, p. 26) entende que “[...] no campo da
O modelo que partilhou as mesmas História, a educação tem sido, tradicionalmente,
diretrizes para a História da Educação e para a um objeto ignorado ou considerado pouco
Filosofia da Educação consagrou-se, no Brasil, nobre”. Um bom exemplo é o livro organizado
primeiramente, com a criação do Curso de pelos historiadores Ciro Flamarion Cardoso e
Pedagogia “como uma seção na Faculdade Ronaldo Vainfás, Domínios da História:
Nacional de Filosofia” (Decreto-Lei Nº l.190), Ensaios de Teoria e Metodologia (1997). Os
em 1939, (LOPES, 1986, p. 17). Nesse período, textos, produzidos por 19 profissionais da área,
a História da Educação adquiriu o status de versam sobre diversas histórias: História
disciplina obrigatória. Segundo o Prof. Dr. Econômica, História Social, História das Ideias,
Dermeval Saviani, filósofo da educação, da História das Mentalidades e História Cultural,
UNICAMP, foi com a promulgação, em âmbito História Agrária, História Urbana, História das
nacional, da Lei Orgânica do Ensino Normal Paisagens, História Empresarial, História da
(Decreto-Lei Nº 8.530), em 1946, que essa Família e Demografia Histórica, História do
disciplina, juntamente com a Filosofia da Cotidiano e da Vida Privada, História das
Educação, passou a integrar o currículo de todas Mulheres, História das Religiões e
as escolas normais do país (SAVIANI, 2004; Religiosidades, mas nem um capítulo específico
VIDAL, 2003). Posteriormente, com a LDB sobre a História da Educação.
5692/61 e com o Parecer 251/62, o Conselho
Federal de Educação especificou que o currículo • A História da Educação, como
disciplina nos cursos de formação de
professores, adquiriu um caráter mais
4
Em 1880, na França; em 1884, na Universidade de Berlim; formativo, de transmissão de valores.
em 1891, em Harvard (LOPES, 1986, p. 15-16).

Rev. Teoria e Prática da Educação, v. 15, n. 1, p. 113-121, jan./abr. 2012


116 A importância da história da educação para a formação dos profissionais da educação

Os conteúdos didáticos e pedagógicos consagraram ao fundar uma nova rede de


ministrados na disciplina de História da interpretação brasileira.
Educação visavam muito mais justificar a tarefa Os intelectuais acima citados construíram
educativa e fundamentar a formulação das uma tendência historiográfica de larga tradição
finalidades da educação do que explicitar ou que acabou por conformar uma determinada
definir as características do fenômeno memória nacional, na qual se destacam ou
educativo. (SAVIANI, 2003, p. 27). Os priorizam determinados temas em detrimento de
conteúdos eram impregnados pela postura outros. Ou seja, eles criaram um corpus que, por
messiânica e salvacionista disseminada pela força de uma tradição historiográfica, acabou por
civilização cristã, como entende a historiadora legitimar algumas leituras, tornando-as leituras
da educação Clarice Nunes. Para essa autora, autorizadas e quase obrigatórias em História da
esses conteúdos visavam a preservação e a Educação. Em alguns casos podemos afirmar que
permanência dos valores morais e dos ideais a própria interpretação historiográfica passou a ter
humanos. (NUNES, 1996). Logo, em sua o status de história.
trajetória como disciplina, a História da Entretanto, é espantoso, como constata Nunes
Educação firmou-se como uma ciência auxiliar (1996, p. 69), que os intelectuais mais consumidos
da Pedagogia, ao passo que outras áreas do em História da Educação, “[...] esporadicamente
conhecimento, consideradas matriciais, como a assumem o papel de historiadores da educação”.
Psicologia, a Biologia e a Sociologia, foram Para Lopes (2001, p. 31), “[...] a História da
chamadas não para justificar, mas para explicar Educação tem sido um campo fértil para os
o fenômeno educativo. (LOPES, 2001; VIDAL, amadores”, para intelectuais que não eram
2003). educadores de formação e nem historiadores.
Estes fatores, resultantes da aliança entre a
• A diversidade de formação e do perfil História e a Filosofia da Educação, geraram,
dos intelectuais envolvidos com a disciplina. como entende a historiografia, alguns
encaminhamentos que acabaram por criar uma
O ensino em História da Educação brasileira imagem de que a História da Educação é uma
se fez por meio de conteúdos advindos de disciplina menor, marginal, porque foi construída
compêndios ou de manuais didáticos redigidos por prioritariamente por educadores, pedagogos, que
intelectuais de diferentes áreas do conhecimento. não foram preparados para exercer o métier do
Pode-se constatar que os manuais que, de alguma historiador. (NUNES, 1989; SAVIANI, 1998).
forma, criaram um discurso fundador em História São amadores no que se refere à operação
da Educação foram escritos por: médicos, como historiográfica, conforme os ensinamentos do
Júlio Afrânio Peixoto, que redigiu Noções de francês, historiador de ofício e padre jesuíta,
história da educação (1933), e Raul Briquet, autor Michel de Certeau (1982).
de História da educação: evolução do Assim, a partir de um determinado momento
pensamento educacional (1946); advogados, no final dos éculo XX os historiadores da
como Primitivo Moacyr, que escreveu A instrução educação passaram a se perguntar: como os
e o Império: subsídios para a história da educadores historiadores enfrentaram e estão
educação no Brasil, 1823-1853 (1936), e enfrentando esta situação? Como se relacionaram
Fernando de Azevedo, autor da A cultura e estão se relacionando com o desafio de criar um
brasileira, (1943); e religiosos católicos, como espaço crítico de trabalho? Como se propuseram a
Theobaldo Miranda Santos, que redigiu Noções de superar o suposto amadorismo que caracterizou a
história da educação (1945). História da Educação?
Tais manuais ou compêndios pedagógicos
foram, e ainda são, considerados fonte obrigatória DESCONSTRUÇÃO DO MODELO
entre os historiadores da educação. Intelectuais TRADICIONAL QUE CONFORMOU A
como Afrânio Peixoto, Primitivo Moacyr, TRAJETÓRIA DA HISTÓRIA DA
Fernando Azevedo, Theobaldo Santos, Raul EDUCAÇÃO
Briquet, juntamente com Anísio Teixeira, Gilberto
Freire, Mário de Andrade, Carlos Drummond de Primeiramente, houve a tomada de
Andrade, Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado consciência da descaracterizadora intimidade
Junior, Câmara Cascudo, entre outros, se entre a História e a Filosofia da Educação,

Rev. Teoria e Prática da Educação, v. 15, n. 1, p. 113-121, jan./abr. 2012


NEVES; COSTA 117

observando que a fusão entre a História e a um tipo de autor; quarto, porque realizou a
Filosofia da Educação obscureceu os contornos, delimitação de um objeto de estudo e da
os limites fronteiriços entre elas. Segundo, eles se construção de conhecimentos; finalmente, porque
afastaram dos procedimentos característicos da viabilizou a constituição de um público leitor
investigação filosófica e se aproximaram da específico.
investigação histórica. No entanto, quando e como Não obstante tais iniciativas, os estudos e as
este processo se realizou e vem se realizando? produções destes grupos nas pesquisas em
Para Vidal (2003, p. 3), a História da História da Educação ganharam, de fato, maior
Educação como um “[...] campo autônomo, visibilidade com a instalação dos Programas de
apartado da Filosofia da Educação, é fenômeno Pós-Graduação.
recente e não de todo consolidado no seio da Os primeiros programas a se constituírem no
Pedagogia”. Tal movimento, ainda que tenha se Brasil foram o da PUC no Rio de Janeiro, em
alargado a partir dos anos de 1980 e ganhado 1965, e o da PUC de São Paulo, em 1969. A partir
consistência em 1990, teve suas primeiras da década de 70, outros programas surgiram,
iniciativas em meados do século XX. ampliando e constituindo lugares de debates e de
Em São Paulo, desde os anos 50, um grupo pesquisas em que o pensamento marxista, os
de intelectuais, articulados especialmente em novos ideais da Igreja Católica e os ditames dos
torno da cátedra de História e Filosofia da Annales, na busca de espaços, confluíram e
Educação e sob a coordenação dos Profs. Laerte conviveram, quase sempre conflituosamente.
Ramos de Carvalho e de Roque Spencer Maciel A produção veiculada pelos programas de
de Barros, do Departamento de Pedagogia da pós-graduação em Educação, mais
USP, posteriormente, Faculdade de Educação, especificamente, em História da Educação, vem
compuseram um núcleo de estudos e de pesquisas sendo bastante estudada e analisada. Um dos
que se ampliou com o crescimento dos Institutos resultados obtidos por estes estudos refere-se à
isolados de Ensino Superior no Estado de São identidade do historiador da educação. Entende-se
Paulo. O grupo aglutinou nomes, como Heládio que esta identidade se constituiu, desde sua
César Gonçalves Antunha, José Mario Pires gênese, de forma multifacetada e plural. Talvez,
Azanha e Maria de Lourdes Mariotto Haidar, da em virtude dessa situação, um outro intelectual da
Pedagogia-USP, Casemiro Reis Filho da FFCL de área educacional, Jorge Nagle (1984), tenha
Rio Preto, Rivadávia Marquês Júnior, Jorge Nagle afirmado que não era muito fácil identificar, antes
e Tirsa Regazzini Péres da FFCL de Araraquara e, da década de 1980, a perspectiva histórica nos
posteriormente, Maria Aparecida Rocha Bauab trabalhos de História da Educação.
(Rio Preto), Maria da Glória de Rosa (Marília) e Lembre-se de que este marco – os anos 1980
Miriam Xavier Fragoso (Assis), dentre outros, de – é importante: a partir dele é que se acredita e se
acordo com o depoimento de Leonor Tanuri, demonstra que o movimento de aproximação dos
também integrante do grupo. (VIDAL, 2003, p educadores com a História, como campo teórico,
16). ganhou mais fôlego e mais fluência.
No mesmo período, no Rio de Janeiro, nomes Nesse período, diversas foram as iniciativas
como Pe. Serafim Leite, Zoraide Rocha de Freitas, que reforçaram o movimento de consolidação da
Luiz Alves de Mattos, Celso Suckow da Fonseca, História da Educação como campo disciplinar, de
Pe. Leonel Franca e Geraldo Bastos Silva estudos e de pesquisas com contornos próprios.
contribuíram com seus estudos e sua produção Uma das mais significativas foi o surgimento, em
para que a História da Educação brasileira 1984, do GT de História da Educação, na
adquirisse status e autonomia disciplinar. Associação Nacional de Pós-Graduação e
Em São Paulo, este movimento foi Pesquisa em Educação – ANPEd (criada em
denominado de “atos inaugurais” pelo historiador 1980). O GT, no entendimento de Vidal (2003,
da educação Carlos Monarcha (1996) porque, em p.19), “[...] rapidamente tornou-se o principal
primeiro lugar, propiciou a criação de uma espaço nacional de aglutinação de pesquisadores,
mentalidade, de uma consciência em história da de crítica historiográfica e de difusão de novos
educação; segundo, porque buscou sedimentar e horizontes de investigação na área”.
divulgar uma metodologia própria e privilegiada; Ao que parece tal iniciativa da ANPEd foi a
terceiro, porque criou condições para a mola propulsora para que dois novos grupos se
profissionalização do professor universitário como constituíssem. No Rio de Janeiro, sob a

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118 A importância da história da educação para a formação dos profissionais da educação

coordenação da Profª Clarice Nunes, foi Educação, sob a responsabilidade da Sociedade


apresentado ao Instituto Nacional de Estudos e Brasileira de História da Educação (SBHE).
Pesquisas Educacionais (INEP), em 1986, “[...] Toda essa construção revela a consolidação
um projeto cujos resultados constituiriam o Guia de uma comunidade científica em História da
de Fontes que ora se concretiza. Este trabalho foi Educação. Uma comunidade que disponibiliza
concluído em 1988 e apresentado para publicação uma produção em que os recortes são ora
em 1989”. (NUNES, 1992, p. 7). panorâmicos ora específicos; uma produção que
E, ainda em 1986, sob a coordenação de não é consensual teoricamente; uma produção que
Dermeval Saviani, estruturou-se na UNICAMP, o não renega os tradicionais temas de estudo, mas
Grupo de Estudos e Pesquisas “História, que se aventura e constrói outros.
Sociedade e Educação no Brasil”, denominado de Em resumo, relembramos Saviani (1999, p.
HISTEDBR. O Grupo adquiriu status nacional e 10), quando afirma que a História da Educação
articulou vários e diferentes locais do Brasil, tem duas fases. A primeira estende-se até os anos
visando investigar a História da Educação 60, quando ainda se encontrava associada à
Brasileira a partir dos pressupostos do Filosofia da Educação, campo disciplinar mais
materialismo histórico. voltado para os ideais educativos e para as
No Diretório dos Grupos de Pesquisas finalidades da educação. A partir da década de 80
cadastrados no CNPq, pode-se constatar como se do século XX, iniciativas marcadas pelos ideais
desenvolveram e ampliaram diversos núcleos de do Marxismo e dos Annales (sob a perspectiva da
estudos e pesquisas em História da Educação, os Nova História Cultural) ajudaram na
quais se encontram instalados em universidades transformação da disciplina, consolidando-a como
nas mais diferentes regiões do território brasileiro. área de conhecimento específico, com diferentes
Por outro lado, a comunidade constituída enfoques e em constante diálogo com outras áreas
pelos historiadores da educação também se do conhecimento, como a Sociologia, a
encontra sistemática e regularmente nos eventos, Psicologia, a Antropologia, a Linguística e a
seminários e congressos organizados pelas Geografia, entre outras. Logo, não há como negar
diferentes instâncias nacionais, entre os quais se que estamos diante de um movimento muito fértil,
destaca o Congresso Brasileiro de História da amparado na diferença dos fazeres dos
Educação, que vem acontecendo desde 2000, com historiadores da educação.
periodicidade bienal. Esse evento marca o Quando direcionarmos nosso olhar para o
processo de criação da Sociedade Brasileira de conteúdo da produção acadêmica, para o corpus
História da Educação (SBHE), em 1999. dos historiadores da educação que se encontra
Entretanto, os historiadores da educação disponível, outro aspecto que se percebe é que,
encontram-se, também de dois em dois anos, em para além das especificidades temáticas, os motes,
eventos de caráter internacional como o Congresso as preocupações que permeiam muito dos
Ibero-Americano de História da Educação Latino- discursos, são as incertezas relacionadas com a
Americana, ocorrido desde 1992, e o Congresso aquisição e com a destreza do metier do
Luso-Brasileiro de História da Educação, desde historiador da educação na formação dos
1996. Também não se pode deixar de registrar a educadores; em outras palavras, o foco é a forma
importância da participação dos historiadores da como se vêm enfrentando as demandas sobre a
educação no International Standing Conference profissionalização do historiador da educação.
for the History of Education (ISCHE), evento
internacional que congrega, desde 1978, todas as HISTORIADOR DA EDUCAÇÃO: O
associações mundiais em História da Educação. APRENDIZADO DO “OFÍCIO”
Além das associações e dos eventos –
nacionais e internacionais – que objetivam Fazendo uma análise das estruturas
divulgar a produção do campo, outros curriculares do curso de Pedagogia, identifica-se
mecanismos foram criados. Um destes que o pedagogo, em sua formação, dificilmente
mecanismos são as revistas especializadas em adquire conhecimentos que compõem o campo da
História da Educação. Atualmente, encontram-se História. Não é de hoje essa constatação.
consolidadas várias revistas e a que mais se Eliane Marta Lopes, desde 1986, apresenta
destaca é a Revista Brasileira de História da questões contundentes no que se refere ao ensino
e à formação de historiadores da educação. Esta

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NEVES; COSTA 119

historiadora da educação incita a enfrentar a mais apropriada para o seu desenvolvimento.


questão da formação do pesquisador da História Considerando que todo vestígio deixado pela
da Educação porque, para ela, essa tarefa não foi humanidade são possíveis de se tornarem fontes
assumida pelos cursos de educação e de para a pesquisa histórica, nos distanciamos da
pedagogia. A autora (LOPES, 1986, p. 36) afirma compreensão de que a vê como aquele que origina
que “[...] o educador ou o pedagogo, não ou produz uma causa. Esta matriz explicativa, esta
recebendo formação específica nem em noção de documento histórico estabelece regras de
metodologia de pesquisa histórica nem em dependência, estabelece hierarquização,
teorias da História, dificilmente pode tornar-se resultando em uma compreensão congelada do
um historiador”, pois, para atender o rigor e o passado. Aquele que está pronto para todo o
método que o ofício do historiador “[...] exige-se sempre, que tem e teve um saber instalado,
um crescente entendimento da História da cabendo a nós, historiadores, revelá-lo. Fonte é,
educação, que deve ser escrita através de para nós, instrumento que representa e resulta do
pesquisas rigorosas que obedeçam aos critérios e desejo de quem as produziu, intencionalmente ou
às exigências da própria ciência da história”. não, de construir uma determinada imagem de si
Partindo do pressuposto de que permanece mesmo ou de no máximo do seu grupo social, ou
atual a identificação de que o pedagogo carece de seja, não se constituem, necessariamente, como
familiaridade com o trato do histórico e com o expressão da sociedade em geral. Esta
conjunto de reflexões sobre a História, quer no compreensão destaca e reconhece que a descrição
terreno teórico quer na atividade prática, entende- é uma operação historiográfica das mais
se que está apresentado o desafio da superação importantes. Com isso é importante reconhecer
dessa carência e que existe a possibilidade de que que a relação com os documentos oferece, no
isso seja conseguido pelos interessados, à medida mínimo, duas perspectivas, a de que elas
que a História seja reconhecida como campo de propiciam esclarecimentos, e, também, elas
conhecimento e dominada em seus próprios recebem explicações. A nós, nos cabe interpretá-
domínios, ou seja, é fundamental, no exercício da las.
escrita da História da Educação, conhecer as A terceira trata do entendimento da relação
concepções teóricas, os procedimentos entre o presente e o passado. Entendemos que o
investigativos, as suas normas, a sua ética, a sua historiador longe de tecer considerações
terminologia mais corrente e as suas técnicas de moralistas e mecânicas sobre a relação “passado,
trabalho. presente e futuro”, pode e deve explicá-las,
Partindo do pressuposto de que a História é a amparado em investigações constantemente
ciência da mutação e da explicação dessa refeitas.
mudança, como operacionalizamos esta Com este sentido, defendemos a construção
compreensão na escrita da história da educação? de trabalhos em História da Educação Brasileira
Para começar destacamos três grandes que partam da construção de uma história
questões fundamentais para o desenvolvimento da problematizada, quer seja, por meio das
operação historiográfica. A primeira se refere ao indagações, de perguntas do pesquisador,
estabelecimento dos marcos temporais, ou seja, instalado no presente, cria-se novos contornos ao
como periodizar. passado. É o presente que interroga o passado
A periodização está relacionada ao tempo com o intuito de renovar o passado e não o
delimitado para o objeto de estudo. Quando o inverso. Entendemos que não é o passado que
destaque é o objeto de estudo, o tempo definido é ilumina, explica ou justifica o presente, mas que é
o da duração do fenômeno em estudo. Isso o presente que dá ao passado uma multiplicidade
significa que o tempo não é mais algo externo e de sentidos. Caso contrário, corre-se o risco de se
independente dos temas-objetos. O tempo não é cometer os principais delitos em História, como o
mais homogêneo e nem universal. Para Barreira anacronismo5, a Doença de Lamartini6; e da
(1995, p. 92), “[...] um produto de pesquisa é transferência de categorias analíticas de períodos
determinado pelo movimento descrito, no tempo e
no espaço, pelo próprio objeto de investigação”.
A segunda relaciona-se ao entendimento de
fontes. Partimos do princípio de que é o objeto de 5
Confusão de datas, acontecimentos ou pessoas;
estudo, e o historiador, que define qual a fonte 6
Afirmações ou sínteses precoces.

Rev. Teoria e Prática da Educação, v. 15, n. 1, p. 113-121, jan./abr. 2012


120 A importância da história da educação para a formação dos profissionais da educação

históricos diferentes (BLOCH, 1965, p. 18 e p. compreensão no terreno da História da Educação


29; LE GOFF, 1996, p. 15). é um problema teórico-metodológico muito
Pontuamos que o regresso do pesquisador ao profícuo.
passado, por meio das fontes históricas, possui Enfim, estes três procedimentos que
sempre uma intencionalidade que busca pôr luz, caracterizam a escrita da história (a periodização,
busca iluminar os objetos que permanecem nas as fontes e relação entre o presente e o passado)
sombras, recuperando assim, sentimentos perdidos nos permitem entender além do que foi
e esquecidos, mas que a leitura que o historiador apresentado se ater a outros procedimentos como:
fará do passado, dependerá “[...] de como este reconhecer e distinguir o que e quais são as
profissional vê e vive o seu próprio presente, pois, principais categorias históricas; desenvolver
a leitura do passado será realizada, a partir de cuidados especiais para com o tratamento das
questões postas em certas situações cotidianas”. diferentes formas de documentos; reconhecer os
(NUNES, 1992, p.13). instrumentos de trabalho do historiador, como as
Distanciamo-nos do princípio da bibliotecas, os arquivos, os catálogos, os
continuidade e da unidade histórica e da história inventários de manuscritos, os periódicos, entre
do homem como dado natural e genérico. outros; e, adquirir sensibilidade para com o uso,
Distanciamos da herança da tradição hegeliana, mais refinado, das palavras e de seus múltiplos
concepção marcada pelos grandes consensos em significados.
História e pela manutenção generalizada do Finalmente, perceber que o que caracteriza
“espírito da época”. Sabe-se que a História, como um trabalho histórico não são as generalizações
campo de estudos e pesquisas, ainda mantém a universais, mais próximas do campo da Filosofia,
noção do campo disciplinar, porém, há muito mas a minúcia do pormenor concreto; a
tempo, não mais defende a mecanicidade “das investigação empírica e documental, a
causas e dos efeitos”, da premissa do estudo do preocupação em relacionar a ordem de
passado para entender o presente e direcionar o permanência e a ordem da transformação,
futuro. Dentre a multiplicidade de críticas a tal observando sempre o reconhecimento dos
postura, destaca-se a operação arriscada da diferentes ritmos e tempos históricos.
previsão do futuro porque se ignoram as Portanto, perante tantos desafios, é saudável
possibilidades de todas as ações e movimentos ter cautela no exercício, no fazer da História da
que cotidianamente se realizam e, por sua vez, Educação, como recomenda Brandão (1998).
mudam e alteram, substanciosamente, a trajetória Acredita-se, portanto, que, neste momento, entre
humana. Esta discussão nos remete à polemica os muitos desafios, o nosso ainda seja o de buscar
questão sobre se há sentido na História. a compreensão do fenômeno educativo no
As contribuições teóricas que comprovam a movimento histórico, priorizando o rigor
relação mecânica entre o estudo do passado para científico-metodológico, sem, no entanto, abrir
entender o presente e direcionar o futuro foram mão, como diria Nunes (1990, p. 36), “[...] da
deixadas de lado, há quase um século (LOPES, imaginação, da paixão e do desejo de sentir ou
2001, p. 16), todavia, ainda encontramos na conversar com o passado”.
pesquisa da História da Educação esse Os autores, quando escrevem, estão
procedimento. Grosso modo, percebemos que as condicionados pelas “leis do meio”, pela “polícia
justificativas para o desenvolvimento de trabalhos do trabalho”, pela “materialidade de lugar de
de caráter histórico enfatizam, equivocadamente, a produção”; já os leitores podem praticar uma
importância e a manutenção de sua atualidade. Na antidisciplina perante os textos, que também são
tentativa de justificar a importância estabelece-se produtos culturais. (CERTEAU, 1994, p. 41). Em
o raciocínio da continuidade histórica entre longos outras palavras, entende-se que os autores têm
períodos. O risco deste procedimento se visualiza regras, limites que permeiam seus trabalhos, ao
nas operações metodológicas de justaposições, nas passo que os leitores e pesquisadores não são
abordagens descontextualizadas e o no passivos e podem exercer sua astúcia, sua
estabelecimento de analogias fortuitas e criatividade e produzir outras realidades textuais
superficiais entre o passado e o presente, com os elementos apresentados. Portanto, o que
negligenciando o contexto histórico em que foram caracteriza o movimento da escrita e da leitura é o
produzidas. Identificar como se construiu essa da sua constante reconstrução.
tradição, como e onde se instalou essa

Rev. Teoria e Prática da Educação, v. 15, n. 1, p. 113-121, jan./abr. 2012


NEVES; COSTA 121

Esperamos ter deixado claro a importância NEVES, F.M; MEN, L.; BENTO, F. Educação e Cultura
atual da História da Educação para a formação dos Escolar: minuciando conceitos. In: Anais do II Seminário de
Pesquisa em Educação, V Jornada de Prática de Ensino e
professores, pois para o bom desempenho de sua XIV Semana de Pedagogia da UEM. 5 a 9/11 de 2007.
função, nada mais eficaz do ler, pesquisar e Maringá. ISBN 978-85-98543-06-2.
compreender sua história, pois a História da NAGLE, Jorge. História da Educação brasileira: problemas
Educação é, em boa medida, a história daqueles atuais. In: Em Aberto, Brasília, ano 3, n. 23, set./out., 1984.
responsáveis pela transmissão, institucional ou
NUNES, Clarice. Pesquisa histórica: um desafio. Cadernos
não, dos saberes sociais, o professor. ANPED, Rio de Janeiro, n. 2, p. 37-47, 1989.
______. História da educação: espaço do desejo. Em Aberto,
Brasília, v. 9, n. 47, jul./set., p. 36-38, 1990.
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BARREIRA, Luiz Carlos. História e historiografia: as Educação, São Paulo, n. 1, p. 67-79, 1996.
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UNICAMP, Campinas, 1995. Educação Brasileira. Brasília: INEP, 1992.

BRANDÃO, Zaia. A Historiografia da Educação na SAVIANI, Dermeval. O debate teórico e metodológico no


encruzilhada. In: SAVIANI, D. (Org.). História e história da campo da História e sua importância para a pesquisa
educação: o debate teórico-metodológico atual. Campinas, educacional. In: SAVIANI, D. (Org.). História e História da
SP: Autores Associados, 1998. Educação: o debate teórico-metodológico atual. Campinas,
SP: Autores Associados, 1998.
BLOCH, Marc. Introdução à História. Lisboa: Publicações
Europa América, 1965. ______. Idéias para um intercâmbio internacional na área da
História da Educação. In: ______. História da educação:
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: artes de perspectivas para um intercâmbio internacional. Campinas,
fazer. Petrópolis: Vozes, 1994. São Paulo: Autores Associados, 1999, p. 9-18.
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participantes da IV Jornada. Maringá: [s. n.], 2004.
LE GOFF, Jacques. História. In:______. História e
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LOPES, Eliane Marta Teixeira. Perspectivas históricas da
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MONARCHA, Carlos. História da educação brasileira: 45, jul. 2003.
atos inaugurais. Horizontes: História Social das Idéias, p. 35-
43, jul, 1996. Dossiê: Historiografia e Cultura.

Recebido: 31/01/2012
Aceito: 19/03/2012

Endereço para Correspondência: Universidade Estadual de Maringá – Departamento de Fundamentos da Educação – Av.
Colombo, 5790 – Bloco I-12 – Sala 10 – CEP: 87020-900 – Maringá-PR
E-mail: fatimauem@hotmail.com
E-mail: celio_costa@terra.com.br

Rev. Teoria e Prática da Educação, v. 15, n. 1, p. 113-121, jan./abr. 2012


UNIDADE II

Colonização e Educação

RELAÇÃO DE TEXTOS AUTORES:


TEXTO 1- O ENSINO JESUÍTICO NO PERÍODO COLONIAL
BRASILEIRO: ALGUMAS DISCUSSÕES - Alexandre Shigunov Neto &
Lizete Shizue Bomura Maciel.

TEXTO 2- O FRANCISCANO E O JESUÍTA: TRADIÇÕES DA


EDUCAÇÃO BRASILEIRA - Luiz Fernando Conde Sangenis

TEXTO 3 - A DIMENSÃO ILUMINISTA DA REFORMA


POMBALINA DOS ESTUDOS: DAS PRIMEIRAS LETRAS À
UNIVERSIDADE - Carlota Boto.

TEXTO 4 - A EDUCAÇÃO BRASILEIRA NO PERÍODO


POMBALINO: UMA ANÁLISE HISTÓRICA DAS REFORMAS
POMBALINAS DO ENSINO - Alexandre Shigunov Neto & Lizete
Shizue Bomura Maciel.

RESUMO:

 Colonização e catequese: os jesuítas;


 Franciscanos na Educação Brasileira;
 A clientela alvo (filho dos principais) e a excluída (índios,
negros e mulheres);
 Instituições escolares: Colégio, Seminário, Recolhimento;
 Reformas Pombalinas no Brasil.
TEXTO 04

O ensino jesuítico no período colonial


brasileiro: algumas discussões
Discussions on Jesuit teaching in Brazil
during the colonial period

Alexandre Shigunov Neto*


Lizete Shizue Bomura Maciel**

RESUMO

O presente artigo pretende realizar uma análise do ensino jesuítico


implementado no período colonial brasileiro e demonstrar que a estrutura
escolar fundada pelos padres jesuítas no Brasil era adequada para o momento
histórico vivenciado, levando-se em consideração quatro aspectos: os
objetivos do Projeto Português para o Brasil; o projeto educacional Jesuítico;
a própria estrutura social brasileira da época; e o modelo de homem
necessário para a época Colonial. Os jesuítas, com seu Projeto Educacional,
e os portugueses que vieram para a colônia brasileira em busca de riquezas,
tiveram papel fundamental na formação da estrutura social, administrativa e
produtiva da sociedade que estava sendo formada. Partindo do pressuposto de
que o fenômeno educacional não é um fenômeno independente e autônomo
da realidade social de determinado momento histórico, devemos analisar o
projeto jesuítico levando-se em conta o desenvolvimento social e produtivo
da época colonial. Assim, pode-se supor que o modelo educacional proposto
pelos jesuítas, que pretendia formar um modelo de homem, baseado nos
princípios escolásticos, era coerente com as necessidades e aspirações de uma
sociedade em formação na primeira fase do período colonial brasileiro.
Palavras-chave: jesuítas, ensino jesuítico, Colônia.
*
Administrador formado pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Especialista
em Economia Empresarial pela Universidade Estadual de Londrina. Mestre em Educação pelo
Programa de Pós-Graduação em Educação da UEM. Especialista em Economia Empresarial pela
Universidade Estadual de Londrina. Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Engenharia
e Gestão do Conhecimento (EGC) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Diretor de
Pesquisa e Extensão da Faculdade Central de Cristalina (FACEC).
**
Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de
Maringá (UEM).

Educar, Curitiba, n. 31, p. 169-189, 2008. Editora UFPR 169


SHIGUNOV NETO, A.; MACIEL, L. S. B. O ensino jesuítico no período colonial...

ABSTRACT

Jesuit teaching in Brazil during the colonial period is analyzed. It may


even be proved that the schooling structure established by the Jesuit
fathers was extremely adequate for that specific historical period. Four
aspects may be taken into account: the aims of the Portuguese Project for
Brazil; the Jesuit Educational Project; the Brazilian social structure at that
time; and the human model needed for the colonial period. The Jesuits’
Educational Project and the Portuguese colonizers that came to the colony
in search of wealth have an important role in the formation of the social,
administrative and productive structure of a society in constant evolution.
Since the educational phenomenon cannot be analyzed regardless of the
social reality of a specific historical moment, the Jesuit’s project has to
be seen when the social and productive development during the colonial
period is taken into account. The Jesuits’ educational model that aimed at
producing a human standard based on Scholastic principles was coherent
with the needs and the expectations of an evolutionary society during the
first phase of Brazilian colonial history.
Key words: jesuits, jesuit teaching, colony.

Considerações iniciais

O presente artigo pretende realizar uma análise do ensino jesuítico im-


plementado no período colonial brasileiro e demonstrar que a estrutura escolar
fundada pelos padres jesuítas no Brasil era adequada para o momento histó-
rico vivenciado, levando-se em consideração quatro aspectos: os objetivos do
Projeto Português para o Brasil; o Projeto Educacional Jesuítico; a própria
estrutura social brasileira da época; e o modelo de homem necessário para a
época colonial.
Os jesuítas, com seu projeto educacional, e os portugueses que vieram
para a Colônia brasileira em busca de riquezas, tiveram papel fundamental na
formação da estrutura social, administrativa e produtiva da sociedade que estava
sendo formada.
Partindo do pressuposto de que o fenômeno educacional não é um fenô-
meno independente e autônomo da realidade social de determinado momento
histórico, devemos analisar o projeto jesuítico levando-se em conta o desen-
volvimento social e produtivo da época colonial. Assim, pode-se supor que o
modelo educacional proposto pelos jesuítas, que pretendia formar um modelo

170 Educar, Curitiba, n. 31, p. 169-189, 2008. Editora UFPR


SHIGUNOV NETO, A.; MACIEL, L. S. B. O ensino jesuítico no período colonial...

de homem, baseado nos princípios escolásticos, era coerente com as necessi-


dades e aspirações de uma sociedade em formação na primeira fase do período
colonial brasileiro.
Para consecução dos objetivos do Projeto Português de colonização das
terras brasileiras, a Coroa portuguesa contou com a colaboração da Companhia
de Jesus. Segundo Leite (1965), Azevedo (1976) e Ribeiro (1998), a principal
intenção do rei D. João III1 ao enviar os jesuítas para a Colônia brasileira – tal
idéia e o conselho foram de Diogo de Gouveia – foi para converter o índio à fé
católica por intermédio da catequese e do ensino de ler e escrever português.

A Ordem dos Jesuítas é produto de um interesse mútuo entre a Coroa de


Portugal e o Papado. Ela é útil à Igreja e ao Estado emergente. Os dois
pretendem expandir o mundo, defender as novas fronteiras, somar forças,
integrar interesses leigos e cristãos, organizar o trabalho no Novo Mundo
pela força da unidade lei-rei-fé. (RAYMUNDO, 1998, p. 43)

Os jesuítas tornaram-se uma poderosa e eficiente congregação religiosa,


em parte em função de seus princípios fundamentais, que eram a busca da
perfeição humana por intermédio da palavra de Deus e a vontade dos homens;
a obediência absoluta e sem limites aos superiores; a disciplina severa e rígida;
a hierarquia baseada na estrutura militar; e a valorização da aptidão pessoal de
seus membros. Tiveram uma grande expansão nas primeiras décadas de sua
formação, constatada pelo crescimento de seus membros, pois em 1856 contava
com mil membros e em 1606 esse número cresceu para 13 mil.

A Ordem dos Jesuítas não foi, entretanto, criada só com fins educacionais;
ademais, parece que no começo não figuravam esses entre os propósitos,
que eram antes a confissão, a pregação e a catequização. Seu recurso
principal eram os chamados “exercícios espirituais”, que exerceram
enorme influência anímica e religiosa ente os adultos. Todavia pouco a
pouco a educação ocupou um dos lugares mais importantes, senão mais
importante, entre as atividades da Companhia.

1
D. João III (1502-1557) nasceu na cidade de Lisboa em 6 de junho. Primeiro filho de D.
Manuel I com a rainha D. Maria de Castela. Assumiu o trono de Portugal em 19 de dezembro de
1521, alguns dias após a morte de seu pai, e reinou durante 36 anos. Casou-se com D. Catarina,
irmã do imperador Carlos V, em 1525, e veio a falecer em junho de 1557. Em seu reinado, procurou
intensificar as atividades de política interna e ultramarina e, também, as relações diplomáticas com
os Estados europeus.

Educar, Curitiba, n. 31, p. 169-189, 2008. Editora UFPR 171


SHIGUNOV NETO, A.; MACIEL, L. S. B. O ensino jesuítico no período colonial...

A Companhia, como se sabe, é composta de membros, que têm, a um


tempo, caráter regular e secular; são membros de uma ordem religiosa com
estatutos e autoridades próprias e do mesmo passo são sacerdotes ordenados
que exercem todas as funções dos demais sacerdotes. Ao contrário das
outras ordens religiosas, vivem no século, no mundo; e a Companhia tem
caráter sumamente empreendedor e combativo. Sua mesma designação
de Companhia já indica o caráter de milícia, assim como a organização,
disciplina e espírito de obediência, tudo para a maior glória de Deus (Omnia
ad Majorem Dei Gloriam ou, abreviadamente, A.M.D.G.). Dependem
os membros de um Geral e, em cada nação, de um provincial, embora
submetidos à autoridade do Papa. (LUZURIAGA, 1975, p. 118-119)

A Companhia de Jesus foi fundada em pleno desenrolar do movimento de


reação da Igreja Católica contra a reforma protestante, podendo ser considerada um dos
principais instrumentos da Contra-Reforma nessa luta. Seu objetivo era tentar sustar o
grande avanço protestante da época, e para isso utilizou-se de duas estratégias: por meio
da educação dos homens e dos índios; e por intermédio da ação missionária, procurando
converter à fé católica os povos das regiões que estavam sendo colonizadas.
Para Azevedo (1976), a Companhia de Jesus tinha como princípio formar um
exército de soldados da Igreja Católica capazes de combaterem a heresia e converter
os pagãos, apresentando desse modo características de uma milícia. Para atingir seus
objetivos, os jesuítas – soldados de Cristo –, deveriam passar por uma reciclagem
intelectual e científica para combater os vícios e os pecados e purificá-los contra o
mal. Seu papel na sociedade portuguesa da época foi fundamental, pois cabia a eles
propiciar as condições necessárias para educar os grupos sociais menos favorecidos
da população. Portanto, sua obra tornava-se uma atividade de caridade. Portanto, o
ensino jesuítico, no início de suas atividades, não era um ensino para todos e sim para
uma pequena parcela da população, pois destinava-se exclusivamente a ensinar os
“ignorantes” a ler e escrever.
Serrão (1980) e Vasconcelos (1977) consideram que a história da Companhia
de Jesus está circunstanciada de ambigüidades, pois

nenhuma instituição humana há sido julgada com mais parcialidade do


que a dos jesuítas: para uns foram eles a idealização do poder católico, o
tipo mais perfeito do ministro do Evangelho, numa palavra verdadeiros
apóstolos, como em sua aparição, os denominou o povo; para outros
simboliza o instituto de Loyola a falsificação da fé, o relaxamento das
máximas da moral cristã, a corrupção da disciplina eclesiástica, quando
exigiam-no os interesses de sua egoísta política. (VASCONCELOS,
1977, p. 40)

172 Educar, Curitiba, n. 31, p. 169-189, 2008. Editora UFPR


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Assim, pode-se supor que os jesuítas possuíam um projeto educacional,


que, apesar de estar subordinado ao Projeto Português para o Brasil, tinha
determinada autonomia, teve papel fundamental e acabou contribuindo para
que o Governo português atingisse seus objetivos no processo de colonização
e povoamento da colônia brasileira. Os jesuítas formularam seu Projeto Educa-
cional, que denominaremos Projeto Educacional Jesuítico, sendo este o alicerce
da nova estrutura social e educacional da Colônia brasileira.

Os jesuítas e seu projeto educacional

A Companhia de Jesus foi uma ordem religiosa da Igreja Católica, fundada


na Europa em 1540 por Inácio de Loyola2. Era formada por padres designados de
jesuítas, que tinham como missão catequizar e evangelizar as pessoas, pregan-
do o nome de Jesus. Os princípios básicos dessa ordem estavam pautados em:
1) a busca da perfeição humana por meio da palavra de Deus e a vontade dos
homens; 2) a obediência absoluta e sem limites aos superiores; 3) a disciplina
severa e rígida; 4) a hierarquia baseada na estrutura militar; 5) a valorização da
aptidão pessoal de seus membros. São esses princípios que eram rigorosamente
aceitos e postos em prática por seus membros, que tornaram a Companhia de
Jesus uma poderosa e eficiente congregação.
Com a descoberta pelos portugueses e espanhóis das terras da América,
seu projeto foi ampliado e levado para as novas terras, a fim de pregar a palavra
de Deus entre os índios. Pode-se supor que o Projeto Educacional Jesuíticos
Jesuítas, apesar de estar subordinado ao Projeto Português para o Brasil, tinha
determinada autonomia, e teve papel fundamental na medida em que contribuiu
para que o Governo português atingisse seus objetivos no processo de coloni-
zação brasileiro, bem como se constituiu no alicerce da estrutura educacional
da Colônia brasileira.
O Projeto Educacional Jesuítico não era apenas um projeto de catequiza-
ção, mas sim um projeto bem mais amplo, um projeto de transformação social,
pois tinha como função propor e implementar mudanças radicais na cultura
indígena brasileira. Ou seja, era um projeto de transformação social, pois tinha

2
Inácio de Loyola (1491-1566) nasceu em Azpéitia, Espanha. De família fidalga, acabou
por seguir a carreira militar, convertendo-se à vida religiosa somente após ser ferido em 1521 no
cerco de Pamplona pelas tropas francesas. Estudou humanidades nas Universidades de Alcalá e
Salamanca, Espanha, e teologia na Universidade de Paris. Em Roma, fundou a Companhia de Jesus,
que o Papa Paulo III aprovou em 1540.

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SHIGUNOV NETO, A.; MACIEL, L. S. B. O ensino jesuítico no período colonial...

como função propor e implementar alterações profundas na cultura indígena


brasileira. Teixeira Soares (1961, p. 142) afirma que a Companhia de Jesus
surgiu como “uma explosão de pensamento religioso transvertido ao campo das
atividades práticas. Refazer o homem, infundir-lhe espírito novo, arquetipá-lo
em finalidade sociais e religiosas, foi a ação da Ordem.”
Ao analisarmos o Projeto Jesuítico para o Brasil Colônia, devemos ter
em mente que o mesmo, apesar de ter atingido satisfatoriamente seus objetivos
iniciais, foi sendo conquistado gradativamente, com muitas dificuldades e es-
forços de seus membros.
O trabalho de catequização e conversão do gentio ao cristianismo, motivo
formal da vinda dos jesuítas para a Colônia brasileira, destinava-se à trans-
formação do indígena em “homem civilizado”, segundo os padrões culturais
e sociais dos países europeus do século XVI, e à subseqüente formação de
uma “nova sociedade”. Essa preocupação com a transformação do indígena
em homem civilizado justifica-se pela necessidade em incorporar o índio ao
mundo burguês, à “nova relação social” e ao “novo modo de produção”. Desse
modo, havia uma preocupação em inculcar no índio o hábito do trabalho, pelo
produtivo, em detrimento ao ócio e ao improdutivo.
Segundo Azevedo (1976), a atuação jesuítica na colônia brasileira pode
ser dividida em duas fases distintas: a primeira fase, considerando-se o primeiro
século de atuação dos padres jesuítas, foi a de adaptação e construção de seu tra-
balho de catequese e conversão do índio aos costumes dos brancos; já a segunda
fase, o segundo século de atuação dos jesuítas, foi de grande desenvolvimento
e extensão do sistema educacional implantado no primeiro período.
A exemplo de outros europeus (conquistadores e colonizadores), os padres
jesuítas, num primeiro momento, tinham uma imagem do índio que o caracte-
rizou como o “bom gentio”, bem como o seu modo de viver e seus costumes
eram motivo de admiração, visto serem considerados exóticos.
Já num segundo momento, os indígenas passam a ser encarados pelos pa-
dres jesuítas como um empecilho para a consecução de seus objetivos, pois, ao
não se adaptarem às exigências do trabalho árduo, rotineiro e contínuo, destinado
à acumulação e não mais apenas à sobrevivência, tornam-se insubordinados,
abandonando, dessa maneira, as missões e retornando para suas aldeias.
O modelo ideal de homem, o homem puro, cristão e livre dos pecados
do mundo burguês, que buscavam os padres jesuítas, poderia ser este homem
inocente, encontrado em terras brasileiras. As Cartas Jesuíticas3 documento

3
As Cartas Jesuíticas são documentos apresentados sob a forma de cartas escritas pelos
padres jesuítas e que tinham como objetivo fornecer um relato das atividades desenvolvidas pela
Companhia nas terras descobertas. As cartas foram escritas, principalmente, pelos padres Manoel
da Nóbrega, Azpicueta Navarro e José de Anchieta, entre 1549 e 1568.

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que relata as preocupações, as necessidades e as atividades realizadas pelos padres


jesuítas. Juntamente com suas atividades de catequização, os jesuítas tentaram de-
senvolver no indígena a preocupação burguesa com o trabalho, com o produtivo.
O primeiro grupo de jesuítas chegou à Colônia brasileira em 1549, na
mesma época em que desembarcou o Governador-Geral Tomé de Sousa. Eram
chefiados pelo padre Manuel da Nóbrega, que se tornou o primeiro Provincial
com a fundação da província jesuítica brasileira em 1553, permanecendo no cargo
entre 1549-1559 e sendo substituído por Luís de Grã (1559-69).
O padre Manuel da Nóbrega e seus companheiros da Companhia de Jesus
fundaram na Bahia, em agosto de 1549, a primeira “escola de ler e escrever”
brasileira.

Portugal, que até então vivera imerso na atmosfera medieval e ocupado com
as intermináveis guerras santas contra os invasores mouriscos e guerras
defensivas contra os espanhóis, começava apenas a despertar para a nova
cultura da Renascença. Sem tradições educativas, o seus sistema escolar
começava a esboçar-se mui vagamente apenas.
O analfabetismo dominava não somente as massas populares e a pequena
burguesia, mas se estendia até a alta nobreza e família real. Saber ler e
escrever era privilégio de poucos, na maioria confinados à classe sacerdotal
e à alta administração pública.
É bem verdade que os mosteiros e as catedrais eram quase que os únicos
asilos das letras, tanto sagradas como profanas; mas sua atuação era
modesta e restrita à satisfação de suas necessidades internas; não tinham
a consciência de estar cumprindo uma missão social. (MATTOS, 1958,
p. 37-38)

Ao contrário do que se poderia imaginar, mesmo na grande maioria dos


países europeus da época não havia um sistema escolar modelo, visto que,

se o sistema escolar português de 1549 era, como acabamos de ver, ainda


diminuto e embrionário, nem por isso diríamos que Portugal estava nesse
ponto em grande atraso em relação à maior parte dos países da Europa.
A situação era mais ou menos a mesma na Espanha, no sul da Itália, na
Bélgica, Holanda, Inglaterra, Irlanda, Países Escandinavos, Polônia,
Rússia e nos Balcans.
O ideal democrático de uma rede escolar para toda a massa da população
ainda não começara a materializar-se, previsto apenas vagamente pelos
devaneios utópicos de Thomas Morus e Campanella.

Educar, Curitiba, n. 31, p. 169-189, 2008. Editora UFPR 175


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Quanto a planos e tentativas de organização de um sistema escolar


extensivo a toda a população, abrangendo todos os graus de instrução como
o entendemos modernamente, apenas começavam a surgir por essa época
as primeiras idéias com Luthero e Sturm na Alemanha (1536), Calvino
em Genebra (1538), Santo Inácio de Loyola (1540) e o Concilio de Trento
(1545), em função da tremenda luta religiosa que desde 1517 abalava
a Europa. Esse sistema escolar em gestação seria, apenas, um recurso
estratégico nessa luta e, como tal, começava a ser discutido e ensaiado na
Alemanha, França, Suíça e norte da Itália. (MATTOS, 1958, p. 41-42)

Ao desembarcar no Brasil, o padre Manuel da Nóbrega faz a nomeação de


seus ajudantes para algumas funções essenciais. Desse modo, com a nomeação
e atribuição de funções aos demais padres jesuítas, é redigido o primeiro status
ou catálogo da missão brasileira. A utilização de um método de ensino para
conversão do índio ao catolicismo deve-se à seguinte questão: e, como iriam
os padres jesuítas pregar a fé católica se não conseguiam se comunicar com os
indígenas?
O plano de estudos organizado pelo padre Manuel da Nóbrega consistia
em duas fases: na primeira fase, considerada como do ensinamento dos estudos
elementares, era constituída pelo aprendizado de português, do ensinamento da
doutrina cristã e da alfabetização. Para a segunda fase do processo de aprendi-
zagem idealizado por Manuel da Nóbrega, o aluno teria a opção para escolher
entre o ensino profissionalizante e o ensino médio, segundo suas aptidões e
dotes intelectuais revelados durante o ensino elementar. Como prêmio para os
alunos que de destacassem nos estudos da gramática latina, previa-se o envio
em viagem de estudos aos grandes colégios de Coimbra ou da Espanha.
Uma das estratégias adotadas por Manuel da Nóbrega na conversão dos
gentios foi a construção de aldeias de catequização, que se situavam próximas das
vilas e cidades portuguesas. Essas aldeias eram habitadas pelos padres jesuítas
e pelos índios a serem convertidos e destinavam-se a atingir três objetivos:

• objetivo doutrinário – que visava ensinar a religião e a prática cristã


aos índios;
• objetivo econômico – visava a instituir o hábito do trabalho como
princípio fundamental na formação da sociedade brasileira;
• objetivo político – visava a utilizar os índios convertidos contra os ataques
dos índios selvagens e, também, dos inimigos externos.

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Em 1551 desembarca no Brasil o segundo grupo de padres jesuítas oriun-


dos de Lisboa, e juntamente com os padres vem um grupo de vinte meninos
órfãos de Lisboa. Esses meninos já haviam sido orientados e treinados para
desempenharem suas funções, auxiliar os jesuítas em sua obra de evangelização.
Assim, logo que desembarcaram, foram distribuídos e enviados para os colégios
jesuítas existentes nas terras brasileiras. Nesse mesmo ano, a escola da Bahia
foi transformada em Colégio dos Meninos de Jesus4.
O padre Manuel da Nóbrega, conhecido como o grande defensor dos
índios5 , em suas décadas à frente dos jesuítas no Brasil, teve papel ativo no
processo de colonização e catequização dos índios. Coube a ele colaborar ativa-
mente na fundação da aldeia de Piratininga (1553), que tornar-se posteriormente
a cidade de São Paulo, no Colégio de São Paulo (1554) e na cidade do Rio de
Janeiro (1565). Entretanto, a maior contribuição ocorreu na área educacional,
sendo sua contribuição ainda maior, pois sob seu comando foram fundadas
cinco escolas de instrução elementar (em Porto Seguro, Ilhéus, Espírito Santo,
São Vicente e São Paulo de Piratininga) e três colégios (no Rio de Janeiro,
Pernambuco e Bahia).
A fundação da aldeia de Piratininga representa um fato importante das
atividades jesuíticas na Colônia brasileira, pois sua localização privilegiada o
capacita para tornar-se muito mais que um núcleo de catequese, mas um centro
irradiador de povoamento. A fundação de Piratininga data de 25 de janeiro de
1554 e somente foi possível graças à desobediência do padre Manuel da Nóbrega
ao Regimento de Tomé de Sousa, que restringia a colonização apenas ao litoral
da colônia, proibindo assim a colonização do interior.
Em 13 de julho de 1553 chega à Bahia um novo grupo de padre jesuítas,
o terceiro grupo a vir para o Brasil, composto de seis padres sob o comando
de Luiz de Grã.
Vicente Rodrigues (1528-1600), conhecido por Vicente Rijo, nasceu em
Sacavém, Portugal, e era irmão do então Ministro do Colégio das Artes de

4
O Colégio de Jesus da Bahia foi fundado em fins do ano de 1549. Com instalações e
acomodações pequenas, que lhe impunham uma limitação no número de alunos, nunca contou com
mais de 25 alunos internos (entre órfãos, índios e mamelucos). Também freqüentavam as aulas de
ler e escrever alguns alunos externos (em sua maioria filhos de colonos portugueses). Entre sua
fundação e 1556, contou com quatro mestres: Vicente Rodrigues – ministrou aulas entre abril de
1549 e julho de 1550; Salvador Rodrigues – atuou entre julho de 1550 e julho de 1553; Antonio
Blasques – exerceu as atividades docentes entre julho e novembro de 1553; e João Gonçalves – que
exerceu a atividade docente entre novembro de 1553 e 1556.
5
A liberdade dos indígenas sempre foi defendida pelos padres da Companhia de Jesus,
apesar de não se oporem formalmente à escravatura, em virtude sua situação frente à Coroa portu-
guesa.

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Coimbra, padre Jorge Rijo. Ingressou em Coimbra aos 17 anos na Companhia


de Jesus, onde fez seu noviciado.
Aos 21 anos de idade, já na Bahia, foi incumbido, pelo padre Manuel
da Nóbrega, de catequizar e ensinar a ler e escrever os meninos indígenas,
tornando-se, desse modo, o primeiro professor a ministrar aulas na primeira
escola brasileira, o Colégio da Bahia. Após quatorze anos de belo trabalho e
bons resultados, o padre Vicente Rijo foi transferido por motivos de saúde para
Porto Seguro.
Em 1553 o padre Manuel da Nóbrega6 retirou-se para as capitanias do Sul
e nomeou Vicente Rijo como superior interino do Colégio da Bahia. Em 1554
entregou provisoriamente a regência do Colégio da Bahia aos padres António
Blasques e José de Anchieta e embarcou juntamente com onze jesuítas para São
Vicente, com o objetivo de fundarem o novo colégio de São Paulo de Pirati-
ninga. Após sete anos de trabalho de catequização no Colégio de São Paulo de
Piratininga, Vicente Rijo foi promovido a superior, onde ficou até 1753, quando
foi transferido para o Colégio da Bahia.
Ainda em 1553, o padre Manuel da Nóbrega realizou visita ao recolhi-
mento de São Vicente7, trazendo quatro órfãos de Lisboa para auxiliarem no
trabalho de catequização. Em fevereiro desse mesmo ano, o recolhimento pas-
sou a denominar-se Colégio dos Meninos de Jesus de São Vicente. O colégio
oferecia aos seus alunos internos e externos (contava com aproximadamente
cem alunos matriculados), além do ensino de grau primário e secundário, o
ensino artístico.

Em síntese, o Colégio dos Meninos de Jesus de São Vicente foi a instituição


educacional que melhor se desenvolveu nesse fase pioneira da educação no
Brasil e serviu para pôr em evidência as ricas possibilidades do primitivo
plano educacional esboçado por D. João III no Regimento de 1548.
(MATTOS, 1958, p. 75)

6
Antes de falecer em 1600, com 62 anos de idade, ainda desempenhou por mais de quinze
anos no Colégio do Rio de Janeiro as mesmas funções de Administrador da Igreja e Diretor Espiritual
da comunidade. Foram 41 anos de dedicação e trabalhos em prol da catequização e evangelização
dos indígenas brasileiros, que lhe valeram o título de Primeiro Mestre-Escola do Brasil.
7
O recolhimento de São Vicente foi fundado em 1550 pelo padre Leonardo Nunes e
destinava-se, inicialmente, à catequese.

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Os colégios da Bahia e de São Vicente foram os mais prósperos da Com-


panhia de Jesus. Os jesuítas também fundaram colégios no Espírito Santo (padre
Afonso Braz) e em Porto Seguro (padre Azpicuelta Navarro).
O apoio e a proteção na metrópole para que o padre Manuel da Nóbrega
desempenhasse suas atividades na Colônia brasileira eram proporcionados pelo
padre Mestre Simão Rodrigues8.
Em 1552, o padre Mestre Simão Rodrigues, após desentendimentos com
Inácio de Loyola, foi substituído no cargo de Provincial de Portugal pelo padre
Diogo Mirão e enviado ao reino de Aragão. Este fato implicou no abandono de
alguns padres da Companhia de Jesus e a cessação do apoio do Provincial de
Portugal à política dos recolhimentos do padre Manuel da Nóbrega no Brasil.

Além da crise interna no seio da própria Companhia de Jesus, resultante


dos desentendimentos havidos entre Santo Inácio de Loyola e Simão
Rodrigues, sob cuja inspiração se concebera e se incentivara a política
dos recolhimentos e das confrarias dos meninos, outra razão havia, mais
profunda e decisiva, determinando esta mudança de orientação. Era que
as novas Constituições da Companhia de Jesus proibiam a manutenção de
internatos para educandos leigos, que não fossem candidatos com vocação
religiosa para ingressar nas fileiras militantes da Companhia. (MATTOS,
1958, p. 119)

O novo Provincial da Companhia de Jesus em Portugal, o padre Diogo


Mirão, com pensamento contrário ao de seu antecessor, logo impôs uma nova
política.

Além disso, o exemplar desprendimento apostólico, implícito na política de


fundar confrarias de escolares com autonomia financeira e administrativa
sobre bens temporais, não se enquadrava com a nova orientação dada por
Mirão à Companhia na metrópole. (MATTOS, 1958, p. 105)

8
Padre Mestre Simão Rodrigues foi o fundador e primeiro Provincial da Companhia de Jesus
em Portugal e confessor predileto de D. João III, motivo pelo qual tinha apoio do governante. Em
1553 voltou para Portugal, mas foi proibido de ficar por Inácio de Loyola, sendo exilado em Roma
durante vinte anos. Apenas conseguiu retornar para Portugal em 1579, quando veio a falecer.

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Os três principais defensores da política educacional de Nóbrega foram D.


João III, o Mestre Simão Rodrigues e Tomé de Sousa. Ao mesmo tempo em que
perdeu seu apoio, adquiriu quatro grandes adversários: o padre Diogo Mirão,
Luiz de Grão, o Bispo Dom Pedro Sardinha e D. Duarte da Costa.
Em 1556 foi promulgada no Brasil a nova constituição da Companhia de
Jesus, fato que provocou mais uma derrota para o padre Manuel da Nóbrega em
sua luta contra a nova política provincial de Portugal. Pois, segundo as regula-
mentações da nova constituição foi proibida a manutenção de internatos para
educandos leigos, que não fossem candidatos da Companhia de Jesus.

O método educacional jesuítico – o Ratio Studiorum

O Ratio Atque Institutio Studiorum Societatis Jesu9, mais conhecido pela


denominação de Ratio Studiorum, foi o método de ensino, que estabelecia o
currículo, a orientação e a administração do sistema educacional a ser seguido,
instituído por Inácio de Loyola para direcionar todas as ações educacionais dos
padres jesuítas em suas atividades educacionais, tanto na colônia quanto na
metrópole, ou seja, em qualquer localidade onde os jesuítas desempenhassem
suas atividades.
O Ratio Studiorum não era um tratado sistematizado de pedagogia, mas
sim uma coletânea de regras e prescrições práticas e minuciosas a serem se-
guidas pelos padres jesuítas em suas aulas. Portanto, era um manual prático
e sistematizado que apresentava ao professor a metodologia de ensino a ser
utilizada em suas aulas.
O método educacional jesuítico foi fortemente influenciado pela orientação
filosófica das teorias de Aristóteles e de São Tomás de Aquino, pelo Movimen-
to da Renascença10 e por extensão, pela cultura européia. Apresentava como
peculiaridades a centralização e o autoritarismo da metodologia, a orientação
universalista, a formação humanista e literária e a utilização da música.
O Ratio Studiorum apresentava três opções de cursos: o curso secundá-
rio, que correspondia ao curso secundário, e dois cursos superiores, o curso
de teologia e o curso de filosofia. Os cursos eram constituídos por disciplinas,
9
O Ratio Studiorum foi publicado originariamente em 1599 pelo padre Geraldo Cláudio
Aquaviva e visava à formação do homem cristão, de acordo com a fé e a cultura cristã.
10
O período denominado de Renascimento foi um período compreendido entre os séculos
XV e XVI, em que ocorreram profundas transformações na sociedade européia, caracterizado,
também, pelo questionamento dos métodos de ensino da escolástica.

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também denominadas de classes, que caracterizavam-se por graus de progres-


sos que correspondiam ao período de um ano. Assim, sua proposta curricular
dividia-se em duas partes distintas: os “estudos inferiores”, conhecidos por
ensino secundário; e os “estudos superiores”.
Os cursos secundários com duração de cinco anos, que na maioria das
vezes prorrogavam-se por seis anos, destinavam-se à formação eminentemente
literária e humanista, pois o ensino ministrado era fundamentalmente literário
e clássico.
Portanto, o objetivo do curso de humanidades era

a arte acabada da composição, oral e escrita. O aluno deve desenvolver


todas as suas faculdades, postas em exercício pelo homem que se exprime
e adquirir a arte de vazar esta manifestação de si mesmo nos moldes de
uma expressão perfeita. As classes de gramática asseguravam-lhe uma
expressão clara e exata, a de humanidades, uma expressão rica e elegante,
a de retórica mestria perfeita na expressão poderosa e convincente “ad
perfectam aloquentiam informat”. (LEONEL FRANCA, 1952, p. 49)

Esse curso de humanidades foi o que mais se propagou e difundiu na Colônia,


podendo ser considerado o alicerce da estrutura educacional jesuítica.
Já os cursos superiores eram integrados pelos cursos de filosofia e ciências,
também denominado de curso de “artes”. Tinham duração de três anos e eram dire-
cionados para a formação do filósofo, pois as disciplinas que compunham os estudos
eram a lógica, a metafísica, a matemática, a ética e as ciências físicas e naturais.
Para Leonel Franca (1952), os estudos universitários organizados pelo Ratio
Studiorum visavam à formação profissional do homem, enquanto que os cursos
secundários tinham a finalidade de formar o humanista, o homem para viver em
sociedade.
No Brasil os jesuítas elaboraram, tendo como base o Ratio Studiorum, um
plano de estudos de forma:

(...) diversificada, com o objetivo de atender à diversidade de interesses e de


capacidades. Começando pelo aprendizado do português, incluía o ensino
da doutrina cristã, a escola de ler e escrever. Daí em diante, continua, em
caráter opcional, o ensino de canto orfeônico e de música instrumental,
e uma bifurcação tendo em um dos lados, o aprendizado profissional e
agrícola e, de outro, aula de gramática e viagem de estudos à Europa.
(RIBEIRO, 1998, p. 21-22)

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Logo, pode-se deduzir que o plano de estudos – o Ratio Studiorum –


utilizado no Brasil, inicialmente pelo padre Manuel da Nóbrega, foi adaptado11
para atender as necessidades, especificidades e diversidades encontradas na
Colônia.

Considerações finais

A atuação jesuítica na Colônia pode ser compreendida em duas fases distin-


tas: a primeira corresponde ao período de adaptação e construção de seu trabalho
de catequese e conversão do índio aos costumes dos brancos. Já a segunda fase,
que corresponde ao segundo século de sua atuação, foi um período de grande
desenvolvimento do sistema educacional implantado no primeiro período, ou
seja, foi a fase de consolidação de seu projeto educacional.
Inicialmente os padres jesuítas dedicaram-se à catequização e à conversão
do gentio à fé católica, mas com o passar dos anos começaram a se dedicar, tam-
bém, ao ensino dos filhos dos colonos e demais membros da Colônia, atingindo
num último estágio até a formação da burguesia urbana, constituída, principal-
mente, pelos filhos dos donos de engenho. Esses jovens, que após o término de
seus estudos no Brasil partem para estudarem na Universidade de Coimbra, vão
impulsionar muito mais tarde o espírito nacionalista. Por meio de seu ensino e
sua metodologia, os jesuítas exerceram grande influência sobre a embrionária
sociedade brasileira, constituída pelos filhos da classe burguesa.
As principais críticas efetuadas pelos adversários políticos dos jesuítas no
Reino ao método pedagógico são:

a educação da mocidade reinol e colonial, monopolizada pelos padres,


orientava-se, sem dúvida, para a uniformidade intelectual; os quadros do
seu ensino, dogmático e abstrato, não apresentavam plasticidade para se
ajustarem às necessidades novas: os métodos, autoritários e conservadores
até a rotina; e, além de não incluir o ensino das ciências, esse plano de
estudos, excessivamente literários e retóricos, não abria lugar para as
línguas modernas, conservando nas elites uma tal ignorância sobre essas
línguas que de maravilha se encontraria, na colônia, um brasileiro que
soubesse francês. (AZEVEDO, 1976, p. 48)

11
Neves (1993) acredita que os jesuítas, ao organizarem o ensino a ser aplicado na con-
versão dos índios, puderam moldar as leis e práticas impostas pela ordem, mesmo porque o Ratio
Studiorum estava em fase de elaboração, apenas tendo sido aprovado em 1759.

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As causas da expulsão dos jesuítas do Brasil podem ser categorizadas: políticas


e ideológicas – a Companhia de Jesus tornara-se um empecilho aos interesses do
Estado Moderno, além do que era detentora de grande poder econômico, cobiçado
pela Coroa portuguesa; e educacional – as transformações sociais advindas do
movimento Iluminista e dos princípios liberais requeriam a formação de um novo
homem, o homem burguês, o comerciante, e não mais o homem cristão.
Pode-se supor que a expulsão da Companhia de Jesus e a destruição de sua
organização educacional são duas ordens:

• política – os jesuítas representavam um empecilho aos interesses do


Estado Moderno, além de ser detentora de grande poder econômico,
cobiçado pelo Estado;
• educacional – a necessidade da educação formar um novo homem – o
comerciante e o homem burguês, e não mais o homem cristão –, pois os
princípios liberais e o movimento Iluminista trazem consigo novos ideais
e uma nova filosofia de vida.

Assim, concordamos com Teixeira Soares (1961), quando afirma que


os jesuítas pretendiam formar o modelo de homem cristão, diferentemente do
homem burguês que estava sendo formado na Europa. Contudo, discordamos
do pesquisador na medida em que o mesmo afirma que os jesuítas pretendiam
formar um “novo homem”, pois na realidade os padres jesuítas estavam lutando
para manter vivo o “atual modelo de homem” – o homem cristão – que estava
sendo substituído pelo modelo de homem burguês.
A análise da expulsão da Companhia de Jesus deve ser compreendida
enquanto um processo mais amplo, e que envolve questões de cunho político,
ideológico e econômico. E, portanto, que não foi específico de Portugal, pois foi
observado em outros países da Europa, como por exemplo, na Espanha.

(...) deve ser considerada a hipóteses de que, para além de todas as


motivações de natureza ideológica de fundo mais ou menos iluminístico,
o fenômeno da expulsão dos jesuítas da Península Ibérica se liga
fundamentalmente a uma dada conjuntura imperial quer de Portugal quer
de Espanha. É que no Brasil as minas de ouro tendiam para a exaustão,
o que tornava necessário rever e recondicionar uma nova política geral
para com a grande colônia sul-americana, sem a qual Portugal não fazia
sentido no mundo de então. Ora, o tradicional papel dos jesuítas no Brasil
– a sua força ideológica e até econômica – impedia ou dificultava esse
recondicionamento da política luso-brasileira. (SERRÃ O, 1984, p. 356)

Educar, Curitiba, n. 31, p. 169-189, 2008. Editora UFPR 183


SHIGUNOV NETO, A.; MACIEL, L. S. B. O ensino jesuítico no período colonial...

Esse processo, denominado de antijesuitismo, representava uma atitude


presente em muitos países europeus, não sendo exclusividade de Portugal. Nesse
sentido, os jesuítas representavam um obstáculo e fonte de resistência às tenta-
tivas de implantação da nova filosofia iluminista que se difundia rapidamente
por toda a Europa.
Para Teixeira Soares (1961), as reformas elaboradas pelo Marquês de
Pombal, em seu mandato como Ministro, visavam a transformar e adaptar a
sociedade portuguesa aos movimentos sociais, econômicos e políticos que
estavam ocorrendo na Europa do século XVIII.
Contudo, é preciso atentar-se para uma peculiaridade a ser destacada nesse
processo de expulsão dos jesuítas e de formulação das reformas de Pombal, que
tem início nesse momento histórico e que acompanhará a educação brasileira
ao longo dos anos: as reformas educacionais brasileiras apresentam como
característica marcante a total destruição e substituição das antigas propostas
pelas novas.
A importância do trabalho dos jesuítas para a vida da Colônia brasileira e,
principalmente, para a educação brasileira é apontada por Leite (1940), Teixeira
Soares (1961), Veríssimo (1980), Serrão (1980), Avellar (1983), Almeida (2000),
Holanda (1989), Ribeiro (1998) e Azevedo (1976, p. 9). Assim, a

vinda dos padres jesuítas, em 1549, não só marca o início da história da


educação no Brasil, mas inaugura a primeira fase, a mais longa dessa
história, e, certamente a mais importante pelo vulto da obra realizada e
sobretudo pelas conseqüências que dela resultaram para nossa cultura e
civilização. (RIBEIRO, 1998, p. 28)

Ribeiro, complementa destacando a importância social dos jesuítas para


a sociedade colonial, pois

se transformaram na única força capaz de influir no domínio do senhor


do engenho. Isto foi conseguido não só através dos colégios, como dos
confessionário, do teatro e, particularmente, pelo terceiro filho, que deveria
seguir a vida religiosa. Já para Leite (1965,213), mais vasta que a artística
– e em muitos aspectos mais valiosa – é a herança cultural, científica e
literária dos jesuítas do Brasil, a começar pelo que se refere aos Índios.
(RIBEIRO, 1998, p. 28)

184 Educar, Curitiba, n. 31, p. 169-189, 2008. Editora UFPR


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Para Azevedo (1976), Almeida (2000) e Ribeiro (1998), a eficácia do en-


sino jesuítico somente pôde ser concretizada após um longo e lento processo de
adaptação às realidades sociais da Colônia e do povo brasileiro. E Leite (1965,
p. 54) complementa ainda, afirmando “que essa eficácia assentou-se sobretudo
em elementos de ordem moral (persuasão, emulação, repreensão), mas sobretudo
sem excluir os de ordem física”.
Segundo Azevedo (1976), a atuação jesuítica na Colônia brasileira pode
ser dividia em duas fases distintas: na primeira fase, considerando-se o primeiro
século de atuação dos padres jesuítas, foi a de adaptação e construção de seu tra-
balho de catequese e conversão do índio aos costumes dos brancos; já a segunda
fase, o segundo século de atuação dos jesuítas, foi de grande desenvolvimento
e extensão do sistema educacional implantado no primeiro período.
Azevedo, justifica a opção pelo ensino de atividades literárias e pelo ensino
de humanidades em detrimento ao ensino técnico e profissionalizante, pois

a exploração de suas fazendas, de que vendiam os produtos; o


aproveitamento do trabalho escravo ou do índio e a própria formação
profissional, sob a pressão das circunstâncias, de um corpo de mestres
e oficiais, não eram senão meros instrumentos, meios para a realização
dos fins religiosos e educativos a que se propunham os padres jesuítas.
(AZEVEDO, 1976, p. 41)

Portanto, era coerente a proposta educacional jesuítica, pois vinha ao en-


contro de seus objetivos principais na Colônia, a conversão do índio à fé cristã
e o trabalho educativo.
Posteriormente, o ensino jesuítico dedicou-se, também, à formação da
burguesia urbana. Assim, para Azevedo,

uma das conseqüências, porém, certamente a mais larga e a mais importante,


dessa cultura urbanizadora que se desenvolveu pela ação pedagógica dos
jesuítas, foi a unidade espiritual que ela contribuiu notavelmente para
estabelecer, fornecendo uma base ideológica, lingüística, religiosa e
cultural à unidade e à defesa nacionais. (AZEVEDO, 1976, p. 42)

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SHIGUNOV NETO, A.; MACIEL, L. S. B. O ensino jesuítico no período colonial...

Azevedo, conclui, afirmando que foi,

de fato, em grande parte pela influência dos padres que se preparou a base
da unidade nacional na tríplice unidade de língua, de religião e de cultura,
em todo o território. Nenhum elemento intelectual foi mais poderoso do que
o ensino jesuítico, na defesa e conservação da língua culta. (AZEVEDO,
1976, p. 43)

Para Ribeiro (1998), não há como compreender a organização escolar na


Colônia brasileira senão a implantada e vinculada à política colonizadora da
metrópole. E destaca que

o importante a ressaltar é que a formação intelectual oferecida pelos


jesuítas, e, portanto, a formação da elite nacional, será marcada por uma
intensa “rigidez” na maneira de pensar e, conseqüentemente, de interpretar
a realidade. (RIBEIRO, 1998, p. 25)

Por intermédio de seu ensino e sua metodologia, os jesuítas exerceram


grande influência em todas as camadas da sociedade brasileira ainda em for-
mação.
Como conclui Leite,

para se compreender bem o facto, tenha-se presente que a Companhia de


Jesus nunca existiu como corporação isolada. A sua grande obra no Brasil,
como ter personalidade própria, pertence à Igreja, como instituição que
era dela, pertence à Portugal, como instrumento seu, nacional, de cultura
e cristianização ultramarina. (LEITE, 1965, p. 232)

Portanto, e levando-se em conta as dificuldades, seus objetivos, as dimensões


geográficas do Brasil, as estruturas materiais, físicas e financeiras disponíveis e sua
relativa autonomia, os números da obra jesuítica impressionam pela grandeza, pois
foram fundadas 36 missões; escolas de ler e escrever em quase todas as povoações
e aldeias; 25 residências dos jesuítas; 18 estabelecimentos de ensino secundário,
entre colégios e seminários, nos principais pontos do Brasil, entre eles: Bahia, São

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SHIGUNOV NETO, A.; MACIEL, L. S. B. O ensino jesuítico no período colonial...

Vicente, Rio de Janeiro, Olinda, Espírito Santo, São Luís, Ilhéus, Recife, Santos,
Porto Seguro, Paranaguá, Alcântara, Vigia, Pará, Colônia do Sacramento, Floria-
nópolis e Paraíba.
A Companhia de Jesus teve suas atividades suspensas na Colônia brasileira a
partir de 1759, com o Decreto-lei de 3 de setembro de 1759 promulgado pelo Rei
D. José I12. Com a promulgação da lei, o Ministro de Estado, Marquês de Pombal,
exilava de Portugal e da Colônia brasileira a Companhia de Jesus, confiscando para
a Coroa portuguesa todos os seus bens materiais e financeiros. Quando da assinatura
do decreto pelo Marquês de Pombal, havia no Brasil 670 membros da Companhia
de Jesus, incluindo noviços e estudantes, sendo repatriados para Portugal 417. Per-
maneceram no Brasil 253 membros, entre aqueles que ainda não haviam recebido
ordens ou os noviços que foram induzidos a deixarem a ordem religiosa.
Para Teixeira Soares (1961), Carvalho (1978), Ribeiro (1998), Cardoso (1990),
Serrão (1980 e 1982), Avellar (1983), Holanda (1993) e Cruz (1984), as reformas
elaboradas e implementadas ou não pelo Marquês de Pombal, em seu mandato
como Ministro, visavam a transformação e adaptação da sociedade portuguesa aos
movimentos sociais, culturais, econômicos e políticas que estavam a ocorrer na
Europa do século XVIII.
Contudo, é preciso atentar-se para uma peculiaridade a ser destacada nesse
processo de expulsão dos jesuítas e de implantação das reformas de Pombal, que
tem início nesse momento histórico e que acompanhará a educação brasileira ao
longo dos anos: as reformas educacionais brasileiras apresentam como característica
marcante a total destruição e substituição das antigas propostas pelas novas. Assim,
a reforma educacional do Marquês de Pombal confirma nossa hipótese – as reformas
educacionais propostas na organização escolar brasileira utilizam-se da destruição e
negação do que estava posto e a introdução de novas propostas, não havendo assim
uma continuidade nas políticas educacionais.
Conforme afirmam Veríssimo (1980), Teixeira Soares (1961), Azevedo (1976),
Serrão (1982), Almeida (2000), Holanda (1989) e Ribeiro (1998), os jesuítas foram
os responsáveis pela formação da elite nacional. Pois, do período compreendido
entre sua chegada em 1549 até sua expulsão em 1759, foram os responsáveis pelo
ensino formal dos habitantes do Brasil, inclusive dos jovens que se preparavam para
ingressar em cursos superiores na Universidade de Coimbra13.

12
D. José I (1714-1777) nasceu em 6 de junho. Filho e sucessor de D. João V, casou-se em
1729 com D. Mariana Vitoria e teve quatro filhas (D. Maria I, D. Maria Ana, D. Maria Francisca
Dorotéia e D. Maria Francisca Benedita). Teve grande colaboração e influência em seu governo do
Marquês de Pombal.
13
A Universidade de Coimbra, localizada em Portugal, foi a responsável pelo ensino superior
de grande parte da elite política e intelectual brasileira nos séculos XVI, XVII e XVIII.

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Portanto, para Leite (1965), Teixeira Soares (1961), Almeida (2000),


Ribeiro (1998) e Azevedo (1976), os padres jesuítas podem ser considerados
os primeiros e únicos educadores do Brasil colonial. E complementa, ainda,
Azevedo (1976, p. 36-37):

educadores, por vocação, mestres notáveis a todos os respeitos, eles


puderam exercer na colônia, favorecidos por circunstâncias excepcionais,
um verdadeiro monopólio do ensino, a que não faltava, para caracterizá-lo,
o apoio oficial que lhes deu o governo da Metrópole, amparando-os, na sua
missão civilizadora e pacífica, com largas doações de terras e aplicações
de rendimentos reais dotação de seus colégios.

Contudo, e como nos lembram Azevedo (1976), Serrão (1982) e Holanda


(1989), a Companhia de Jesus não foi a única ordem religiosa que atuou na
Colônia brasileira, mas foi sim aquela que mais destaque teve e a que primeiro
desembarcou. Os membros das demais ordens, como os franciscanos, os car-
melitas e os beneditinos, somente se instalaram e iniciaram seu trabalho por
volta de 1580, e, diferentemente dos jesuítas, não tinham na função educadora
sua principal atividade.
Assim, pode-se supor que os jesuítas possuíam um projeto educacional,
que, apesar de estar subordinado ao Projeto Português para o Brasil, tinha
determinada autonomia, e teve papel fundamental e acabou contribuindo para
que o Governo português atingisse seus objetivos no processo de colonização
e povoamento da Colônia brasileira.

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Educar, Curitiba, n. 31, p. 169-189, 2008. Editora UFPR 189


TEXTO 05

O Franciscano e o Jesuíta: tradições


da educação brasileira
Luiz Fernando Conde SangenisI
I
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Rio de Janeiro/RJ – Brasil

RESUMO – O Franciscano e o Jesuíta: tradições da educação brasileira.


O franciscano e o jesuíta são tradições culturais do Ocidente nascidas na
Europa e expandidas aos quatro cantos do mundo. Tratamos das circuns-
tâncias particulares dessa presença na América e no Brasil. Aqui são con-
cebidos ao modo de tipos ideais dialogantes, que compuseram criativa ten-
são no âmbito da nossa história educacional. Desejamos realçar a tradição
franciscana que permanece secundarizada pelos pesquisadores e autores,
mesmo em textos fundamentais para a decifração do Brasil. No esforço de
compreensão do franciscano e do jesuíta, e a partir da imbricação da temá-
tica com o campo da educação colonial, lançamos mão de textos e de auto-
res paradigmáticos de ambas as tradições, em especial, de Gilberto Freyre
e de Fernando de Azevedo.
Palavras-chave: Franciscano. Jesuíta. Educação Colonial Brasileira. Gil-
berto Freyre. Fernando de Azevedo.

ABSTRACT – The Franciscan and the Jesuit: traditions of Brazilian educa-


tion. The Franciscan and the Jesuit are Western cultural traditions born in
Europe and expanded to throughout the world. We have approached the
circumstances of this presence in America and Brazil. Here they are de-
signed in the manner of ideal types in dialogue, which composed a creative
tension within our educational history. We wish to highlight the Franciscan
tradition that remains sidelined by researchers and authors, even in the ba-
sic texts for the decipherment of Brazil. To understand the Franciscan and
the Jesuit, and from the imbrication of the theme with the field of colonial
education, we used paradigmatic texts and authors of both traditions, par-
ticularly Gilberto Freyre and Fernando de Azevedo.
Keywords: Franciscan. Jesuit. Brazilian Colonial Education. Gilberto
Freyre. Fernando de Azevedo.

Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 43, n. 2, p. 691-709, abr./jun. 2018. 691
http://dx.doi.org/10.1590/2175-623666683
O Franciscano e o Jesuíta

Obtém-se um tipo ideal mediante a acentuação unilateral


de um ou vários pontos de vista, e mediante o encadea-
mento de grande quantidade de fenômenos isoladamen-
te dados, difusos e discretos, que se podem dar em maior
ou menor número ou mesmo faltar por completo, e que
se ordenam segundo os pontos de vista unilateralmente
acentuados, a fim de se formar um quadro homogêneo de
pensamento. Torna-se impossível encontrar empiricamen-
te na realidade esse quadro, na sua pureza conceitual, pois
trata-se de uma utopia (Weber, 2010, p. 106, grifos do autor).

Brasis x Brasis, Distintos e Complementares


Grandes intérpretes do Brasil produziram ou se valeram de con-
ceitos polares e duais para tematizar a realidade brasileira. Certamente
o fizeram (não importando a intencionalidade de cada um em utilizar
artifício que se coaduna ao tipo ideal weberiano), porque, dessa manei-
ra e com maior propriedade, puderam tratar dos componentes com-
plexos que conformam as brasilidades. Esses conceitos dialogantes, às
vezes tensos, não necessariamente excludentes, mas opostos, operam
antíteses capazes de formar quadros com a finalidade de constituir ten-
tativas de traçar uma ideia do Brasil.
Do gênio à habilidade analítica, sucedem-se esses intérpretes
num longevo e impressionante exercício exegético de decifrar Brasis
distintos e distantes quase irredutivelmente, e cujas identidades for-
madoras da nação conflituam-se com o seu devir. Euclides da Cunha
(1902) arquiteta os conceitos de sertões e de litoral, enquanto casa grande
e senzala são as intuições conceituais que melhor caracterizam a obra
de Gilberto Freyre (1933). Jacques Lambert (1959) contrapunha o novo e
o arcaico no seu conceito de dois Brasis, ideia de que se aproxima Roger
Bastide (1964) no entendimento de que o país é uma terra de contrastes.
E falando de gentes, de seus comportamentos e estilos de colonização,
saltam as tipologias de Sérgio Buarque de Holanda (1936), trabalho e
aventura, de Roberto DaMatta (1987) a casa e a rua, e de Darcy Ribeiro
(1995), o barroco e o gótico. São apenas alguns exemplos, jamais exaus-
tivos.
Bastide (1964, p. 232) consegue bem traduzir o efeito desejável dos
contrates:
Todos os contrastes de terra e vegetação, de raça e de etnias,
de costumes e de estilos permanecem brasileiros. Todas
as oposições de velocidade e lentidão não impedem que o
tempo, que ora parece estagnar preguiçoso, ora se precipi-
ta para o futuro, seja sempre o mesmo tempo brasileiro. Até
agora, foi focalizada a harmonização de contrários, água e
fogo, açúcar e café, litoral e sertão, e verificou-se que as ci-
vilizações antagônicas, a do gaúcho no Sul e a do vaqueiro
no Norte, a do fazendeiro e a do industrial, a do negro e a do
imigrante, são antes complementares do que antagônicas.
Mas há uma unidade mais profunda do que a da simples
complementaridade entre elas; por toda parte, são encon-

692 Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 43, n. 2, p. 691-709, abr./jun. 2018.
Sangenis

trados os mesmos problemas fundamentais, impostos pelo


meio geográfico ou herdados da história.
O grande risco dos dualismos é quando deixam de ser apenas um
esforço de abstração de traços que caracterizam e potencializam os fe-
nômenos que desejamos compreender. Da polarização, de maneira in-
devida, pode-se passar a uma espécie de binarismo lógico-formal, mo-
ral, quase maniqueu. Um dos extremos passa a representar o dever ser,
portanto, a tese que deverá vencer a opositora, não havendo espaço para
a pluralidade, apenas para a uniformidade. Ou escolhemos a civilização,
ressaltando o artigo definido, ou pereceremos sob a barbárie. Desse jei-
to, o nosso sertão – tudo o que começa ao término da Avenida Central,
conforme demarcou Afrânio Peixoto (1922)1 – passa a ser lugar do atraso,
da rusticidade, do arcaísmo renitentes, à mercê da patologia, do fanatis-
mo, do milenarismo religioso e político. É a ideia de que o lado são deve
vencer o outro canhestro. Sobretudo quando há convencimento de que
“Estamos condenados à civilização […]” (Cunha, 2001, p. 157)2, o lado
sombrio, o tempo lento, e a ignorância errática, devem ceder ao extremo
luminoso, veloz e racional.
As palavras de Lambert (1973, p. 106-107) são um bom exemplo do
perigo da uniformização compulsória:
A situação no Brasil não é tão séria porque não se trata
nem de duas raças nem de dois povos formando duas
sociedades diferentes, mas de indivíduos que professam
a mesma religião, falam a mesma língua e têm a mesma
nacionalidade, a mesma história e a consciência da sua
solidariedade. Não há qualquer obstáculo, além do eco-
nômico, à transição de uma sociedade para outra, o que
não impede que o Brasil precise urgentemente difundir
por todo o país os níveis e métodos de vida das regiões
evoluídas.
A reflexão que foge aos binarismos é sempre salutar e mais de
acordo com a realidade, inexoravelmente contraditória, diversa, plural.
É importante lembrar que, para o próprio Weber (2010), a história não
representa o processo da razão triunfante, preferindo a oposição razão/
não razão, em frequente conflito. Na defesa do método compreensivo,
entende que as ciências sociais se debruçam sobre a ação humana, tão
vária, ainda que dotada de sentido e de intencionalidade, a ação social.

Franciscano x Jesuíta, uma Dualidade Cambaia


Propusemos o franciscano e o jesuíta constituindo conceitos que
dialogam sob tensão no âmbito da nossa tradição educacional. A dua-
lidade franciscano-jesuítica se recente da consideração dos intérpretes
da história e da cultura brasileiras. Pesam por demais a pena e o verbo
sobre o vértice jesuítico. O melhor da produção científica luso-brasilei-
ra, há tempos, tem se detido ao estudo do jesuíta. O franciscano perma-
nece praticamente esquecido ou secundarizado pelos pesquisadores e
autores, mesmo em textos fundamentais para a decifração do Brasil.

Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 43, n. 2, p. 691-709, abr./jun. 2018. 693
O Franciscano e o Jesuíta

Essa dualidade cambaia é renitente, vai além da historiografia ou das


análises sociológicas e antropológicas, e atravessa os estudos literários
e filosóficos.
A título de exemplo, e sem desmerecer o grande esforço intelectu-
al e criativo que originou o ensaio literário de Alfredo Bosi (1992), Dia-
lética da colonização, poderíamos imaginar quão mais dialética teria
sido a sua contribuição, caso também se aplicasse sobre autores e textos
franciscanos conhecidos e acessíveis. Ora, entre os muitos autores esco-
lhidos por Bosi não figura franciscano algum. No entanto, considera as
inestimáveis contribuições de três jesuítas: Anchieta, Vieira e Antonil.
Para expressar a dialética da colonização, entre vencidos e ven-
cedores, não faria nada mal que alongasse, antes de preterir alguém,
deslindando as contribuições dos que não pertencem ao cânone dos
que sempre têm garantida presença. Por que se passa bem sem a con-
sideração de textos da maior importância? Entre os inelegíveis, é justo
mencionar a História do Brasil, de Frei Vicente de Salvador (1889 [1627]),
baiano, primeiro brasileiro nato a escrever a nossa história; o Jardim da
Sagrada Escritura, de Frei Cristóvão de Lisboa (1653), postumamente
editado, famoso livro de sermonários do homem que exerceu notável
ação missionária, política, literária e científica no Maranhão e Grão-Pa-
rá; e o Orbe seráfico novo brasílico, do grande cronista pernambucano
que foi Frei Antônio de Santa Maria Jaboatão (1761), mestre educador,
genealogista, cronista oficial de sua província religiosa, poeta, acadê-
mico e orador sacro.
Quantos aos dois últimos frades franciscanos, podemos acrescen-
tar outros textos conhecidos e acessíveis. Da autoria de Frei Cristóvão
de Lisboa (1967), avulta a História dos animais e árvores do Maranhão,
obra do Século XVII, que o torna primeiro naturalista da Amazônia.
Quanto a Frei Jaboatão, é obrigatório referir-nos, respectivamente, ao
livro que reuniu parte dos seus muitos sermões, intitulado Jaboatão
místico em corrente sacras dividido (1758), e ao seu Catálogo genealógico
das principais famílias que procedem de Albuquerques e Cavalcantis em
Pernambuco e Caramurus na Bahia (1889), esse último escrito em 1768.
Mais saltam à memória tantos outros franciscanos ilustres, ho-
mens marcantes nos lugares e épocas em que viveram e dos quais ainda
guardamos as obras e os feitos notáveis. E, para compor a sucessão no
tempo e no espaço brasileiro, rememoramos os nomes de mais alguns
franciscanos que viveram, mais ao sul do país, e que distinguiram nos-
sa história política e cultural.
Entre os naturalistas brasileiros que se empenharam no estudo
de nossa flora, está Frei José Mariano da Conceição Vellozo (1827), que
ocupa um lugar de destaque pela sua obra monumental intitulada Flora
Fluminensis, terminada em 1790.
Frei Francisco de Santa Teresa de Jesus Sampaio, Frei Antônio de
Santa Úrsula Rodovalho, Frei Francisco de São Carlos e Frei Francisco
do Monte Alverne têm seus lugares entre os vultos que dominavam a
tribuna sacra no começo do século XIX. Mas é Frei Sampaio reconhe-

694 Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 43, n. 2, p. 691-709, abr./jun. 2018.
Sangenis

cido prócer da Independência, haja vista a sua atuação de orientador


político, jornalista combatente e de orador sacro eloquente, demons-
trando grande devotamento à causa do nacionalismo no instante em
que as Cortes de Lisboa procuravam reduzir-nos de novo à condição de
colônia. Foi autor do manifesto que, em apenas uma semana, arrebatou
mais de oito mil assinaturas e tornou-se conhecido como Manifesto do
Rio de Janeiro, texto que pedia a permanência do Príncipe D. Pedro no
Brasil. Além da redação do documento, ajudou Frei Sampaio a polir o
discurso que o Presidente do Senado, José Clemente Pereira, faria no
dia 9 de janeiro de 1822, na sessão solene para entrega do manifesto ao
Príncipe. Nessa ocasião, pronunciou Dom Pedro o “Fico”, pelo qual as-
sumia, como sua, pública e oficialmente, a causa do Brasil.
Também, como esquecer Frei Antônio de Santana Galvão, natural
de Guaratinguetá (SP), primeiro santo canonizado no Brasil e cujo pro-
cesso de beatificação e de canonização foi concluído em 1991?
A pergunta permanece. Por que continuam esquecidos esses e
tantos outros franciscanos, suas vidas, suas obras e seus textos?

Franciscano x Jesuíta: tipos ideais polares


Quanto ao franciscano e ao jesuíta, o que podemos dizer sobre a
sua compreensão? São tipos ideais, próximos ao que entendeu Weber
(2010). Há pessoas concretas, com nome e sobrenome, que se tornam
franciscanas ou jesuítas, por exemplo, quando decidem ingressar nas
ordens religiosas fundadas por São Francisco de Assis ou por Santo Iná-
cio de Loyola. Existencialmente, pessoa alguma é supósito do francisca-
no ou do jesuíta (se esses nomes são a definição de uma essência pura),
já que indivíduo algum pode ser idêntico ao que nomeamos de francis-
cano e de jesuíta, assim como também não dizemos que este ser huma-
no é a humanidade. Porque o que estamos tipificando de franciscano e
de jesuíta, ontologicamente, não existem em estado puro na realidade,
a não ser nas nossas formas ideais. Só o pensamento humano abriga
essas formas em grau superlativo. Todavia, um indivíduo concreto pode
vir a assumir características franciscanas e jesuíticas em medidas va-
riadas de prevalência. Assim poderíamos dizer que Anchieta, dentre
os jesuítas, é o santo mais franciscano da Companhia. Franciscano e
jesuíta também podem ser entendidos ao modo de duas metáforas ca-
pazes de nos levar a intuir o que as palavras teóricas das definições não
nos explicam com tanta eficácia. São polaridades, dualidades, opostas,
mas não antagônicas ou que se excluam mutuamente, correspondentes
ao yin e yang oriental. Significa dizer que as polaridades franciscana
e jesuíta se configuram e se combinam de muitas maneiras, pois não
há fronteiras nítidas entre as duas. Há algo de heraclítico, uma guerra
de contrários, numa dialética refinada, capaz de integrar e desintegrar,
fazendo o ser avançar e superar-se. Poderíamos, ainda, compará-los ao
apolíneo e ao dionisíaco dos órficos, tematizado por Nietzsche (1948)
em A Origem da Tragédia.

Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 43, n. 2, p. 691-709, abr./jun. 2018. 695
O Franciscano e o Jesuíta

O franciscano e o jesuíta são produtos do Ocidente. São duas ex-


periências religiosas nascidas na Europa, uma medieval, outra recém-
-moderna, em cuja origem figuram duas personalidades notáveis:
Francisco de Assis e Inácio de Loyola e seus respectivos companheiros,
fundadores de ordens religiosas que mudaram o mundo, conforme vo-
cações e intencionalidades específicas. Tais ordens foram braços pode-
rosos do Ocidente (diga-se da Europa) para estender a povos não euro-
peus e orientais o modo de vida ocidental, missionando e civilizando
– em outras palavras, cristianizando e europeizando os quatro cantos
do mundo. Ambos deixaram as armas: um para ser o jogral de Deus; o
outro para se fazer soldado de Cristo. E, aqui, acabam as semelhanças
entre eles.
O franciscano e o jesuíta não são simples produto do que pensa-
ram ou fizeram seus santos fundadores. Aliás, refletem, sobretudo, as
contribuições dos epígonos que, ao longo dos séculos, reinterpretaram
a intuição originária do fundador. As experiências de cada um dos san-
tos fundadores foram com eles ao além. Os grupos religiosos guardam
singularmente a memória, as tradições e os mitos fundadores da ins-
tituição. À maneira que os troncos das árvores crescem em largura, a
cada geração, surge mais um nó. Assim são as intuições que se torna-
ram seculares.
O franciscano e o jesuíta se encontraram, cada um a seu lado, com
o platonismo e o aristotelismo. Quem conhece a filosofia do Ociden-
te sabe que são duas matrizes de reflexão inspiradora de tantas outras
interpretações que se abrem em duas longas estradas, da Grécia anti-
ga aos nossos dias. Agostinho apostou no platonismo; já São Tomás de
Aquino pôde escolher o aristotelismo. Franciscanos inspiraram-se no
agostinismo platônico; jesuítas, no tomismo aristotélico. Criados como
braço contrarreformista, cremos que os jesuítas recearam seguir por
uma senda escolhida por Lutero, o padre agostiniano reformador. De
certo, Lutero propôs o livre exame da escritura, com base em certo viés
agostinista. Os jesuítas, fiéis ao tomismo aristotélico de Trento, deram
uma sobrevida à cosmologia de Aristóteles, desprezando o heliocentris-
mo de Copérnico, Kepler e Galileu e ensinando o modelo cosmológico
aristotélico-ptolomaico até meados do século XVIII.
Os franciscanos seguiram a Boaventura de Bagnoregio, Duns
Scotus, Guilherme de Ockham, tentando garantir um estatuto ontoló-
gico aos indivíduos, estes que devem ser buscados e investigados mais
que tudo para o achamento da verdade nas coisas, e não nos entes uni-
versais, ainda que esta empiria repugnasse a Platão.
Na Teologia, franciscanos e jesuítas também têm boas reflexões,
não estranhamente, divergentes. Enquanto uns insistem na primazia
do amor e da vontade divinas, outros defendem a anterioridade da ra-
zão sobre a volição; uns falam da encarnação amorosa do filho de Deus
feito homem por um apaixonamento divino pela criatura humana; ou-
tros pregam a felix culpa ou culpa abençoada que nos trouxe o Redentor.
Phatos e ratio, demens e sapiens, emoção e razão estão à espreita

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Sangenis

um do outro, como duas polaridades, e entre as quais a vida ganha ten-


são, em busca de uma integração necessária.
Modos de agir diversos levam também a formas de pensar e de
sentir igualmente diversas. Há um modo de ser no mundo franciscano
e há um modo de ser no mundo jesuítico. Um não é melhor do que o
outro. São diferentes, simplesmente.
Há um tempo os jesuítas se deixaram encantar pelo intelectua-
lismo baseado numa razão binária, linear e hierárquica, típica da lógi-
ca formal, e que presidiu a racionalidade moderna. Essa mesma lógica,
ciosa da univocidade, excluiu a pluralidade dos enunciados e mesmo
outras razões ou racionalidades afeitas a distintos grupos humanos,
culturas ou referenciais teóricos.
Os grandes pensadores franciscanos, por sua vez, procuraram
trazer à luz os valores afetivos em geral: o valor do amor, do sentimento,
do desejo, da diversidade, da intuição, da arte e, finalmente, da poesia.
O franciscano foi capaz de inspirar caminhos alternativos para a civili-
zação. Por causa de sua plasticidade e de sua permeabilidade, amalga-
mou-se a uma série de outras formas de pensar. Nesse aspecto, o fran-
ciscanismo é fecundo em possibilidades instituintes. De raiz, é afeito à
“ecologia de saberes” de que fala, hoje, Santos (2007). O universalismo
franciscano, por sua própria essência, tende a realizar-se aberto à plu-
ralidade e acolhedor da diferença.
A evangelização no mundo, na Europa, na África, na Ásia e nas
Américas, a partir do século XV, se deu ao modo franciscano e jesuítico.
Ambos influenciaram sobremaneira as culturas colonizadas, atingindo
a sua alma. Os missionários, na esfera da intelectualidade, foram subs-
tituídos pelos filósofos, cientistas da natureza, cientistas sociais, jorna-
listas, editores, professores, artistas, produtores culturais, formadores
de opinião. E pensam e agem franciscanamente ou jesuiticamente, em
geral, sem que necessariamente tenham esta consciência aflorada.

Freyre x Azevedo, Intérpretes de Tradições Educativas


No esforço de compreensão do franciscano e do jesuíta, lançamos
mão de textos e de autores paradigmáticos de ambas as tradições.
O primeiro deles, de autoria coletiva e produto de anos de discus-
sões, até sua aprovação definitiva, em 1599, destaca-se o Ratio Atque
Institutio Studiorum Societatis Jesu, comumente mencionado na sua
forma mais simples por Ratio Studiorum. Foi esse o código de ensino
que norteou a organização e a atividade das numerosas instituições de
ensino que a Companhia de Jesus fundou e dirigiu, em muitas partes
do mundo, durante três séculos. Não obstante, sua leitura e o grau de
aprofundamento que vem merecendo é inversamente proporcional ao
número de menções que recebe. Assim, consideramos mais que perti-
nente o alerta do Padre Franca (1952, p. 43) ao leitor desavisado, e cujas
palavras tomamos de empréstimo:

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O Franciscano e o Jesuíta

Para quem, pela primeira vez, se põe em rápido contato


com o Ratio, a impressão espontânea é quase a de uma
decepção. Em vez de um tratado bem sistematizado de
pedagogia, que talvez esperava, depara com uma coleção
de regras positivas e uma série de prescrições práticas e
minuciosas.
O Ratio não é, portanto, um tratado de Pedagogia, “[…] não expõe
sistemas, nem discute princípios” (Franca, 1952, p. 43), mas consolida
uma coleção de regras positivas e uma série de prescrições práticas e
minuciosas. Daí talvez a sua maior perenidade, já que os conceitos de
educação, se tivessem sido enunciados de forma explicita e clara, ca-
ducariam com maior brevidade. Isso não significa que das regras não
se possa aduzir as concepções pedagógicas que fundamentam o Ratio.
Obrigatório em toda a Companhia, sua fixidez mostrou-se incompatível
com a amplitude e o progresso da educação. Novas opiniões não po-
diam sequer ser discutidas e nada pôde ser ensinado que contradissesse
a opinião predominante dos padres. Freer (1922, p. 137) realça as ba-
lizas que não poderiam ser ultrapassadas sob argumento algum: “The
Vulgate is always to be defended as the orthodox version of the Bible, and
in philosophy, the authority of Aristotle, even when stultified by the actu-
al experiments of a Galileo, is never to be departed from”. Conclui Freer
(1922, p. 137) que os resultados de tal formação, perseguidos por sécu-
los, fizeram do jesuíta um mestre leal e obediente que cultivava lugares
comuns, inteiramente alijado do contato com a permanente transfor-
mação da modernidade e, portanto, sem influência sobre as mais des-
tacadas mentes científicas do mundo moderno.
Mas penso que a maior decepção do Ratio, na ótica do leitor con-
temporâneo – e isso o Padre Franca não poderia dizer – é a sua falta de
novidade. Explico. A leitura do texto cria a impressão de que estamos
diante de algo muito familiar. A conclusão a que chegamos, a despeito
da perenidade do documento jesuítico, é a de que a escola, após quatro
séculos, pouco se alterou. E que, portanto, a escola e nossos sistemas
de ensino continuam extemporaneamente a repetir a organização e a
feição que lhes deram os jesuítas.
O lamento de Fernando de Azevedo (1958), em A cultura brasileira,
ao tratar sobre a expulsão dos jesuítas do Brasil, em 1759, em tempos
pombalinos, perde parte da sua dramaticidade. Tal acontecimento, se-
gundo o autor, determinou “[…] a destruição pura e simples de todo o
sistema colonial de ensino jesuítico”, com o agravante de que não houve
transformação ou substituição por um outro sistema ou tipo pedagó-
gico, “[…] mas uma organização escolar que se extinguiu sem que essa
destruição fosse acompanhada de medidas imediatas, bastante efica-
zes para lhe atenuar os efeitos ou reduzir sua extensão” (Azevedo, 1958,
p. 524). De fato, houve o encerramento sumário e violento das institui-
ções escolares jesuíticas.
Mais adiante, porém, é o próprio Fernando de Azevedo (1958, p.
529) quem afirma que a instrução – não obstante as tentativas de re-
forma, mesmo aquelas empreendidas no século XIX – “[…] permaneceu

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Sangenis

fiel à tradição da pedagogia jesuítica e aos seus valores essenciais”. Mes-


mo o novo espírito filosófico e científico que inspiraria a reorganização
dos estudos superiores na Universidade de Coimbra, no Brasil, tantos
nas aulas régias quanto nos colégios dos religiosos aparecem “[…] como
solução ainda bem fraca e singularmente neutralizada, quer pela ig-
norância dos novos mestres, quer pelos resíduos importantes da velha
cultura disseminada pelos jesuítas” (Azevedo, 1958, p. 529). E, da for-
ma com que percebemos, a influência jesuítica, ainda que inercial, está
presente nas escolas brasileiras desse século XXI, cristalizada nos seus
pensamentos e práticas.
Cabe considerar, todavia, que, no âmbito dos estudos historiográ-
ficos da educação no Brasil Colonial, a análise que se atém unicamente
na consideração do ensino formal peca por miopia ao não perceber que
a ação pedagógica e educativa popular em curso na Colônia transcende
aquela formalizada nas parcas classes de alunos reunidas pelos colé-
gios dos próprios religiosos. Há significativa ação educativa em curso
fora dos espaços escolares. Trabalhos mais atuais de diversos pesqui-
sadores já nos dão segurança para afirmarmos que o povo recebia dos
pregadores a formação que não puderam receber por outro meio insti-
tucionalizado (Duran, 2013).
Ainda, no âmbito de A Cultura Brasileira, devemos explorar o que
Fernando de Azevedo magistralmente nos apresenta: uma das melho-
res caracterizações do ser jesuítico ou da “cultura jesuítica” (Azevedo,
1958, p. 508). Fala com conhecimento de causa. Na infância, em 1903,
aos nove anos de idade, ingressou no Colégio Anchieta, de Nova Fri-
burgo, no Rio de Janeiro, para cursar o ginásio. Em 1909, continua sua
formação no Seminário Jesuíta de Campanha, Sul de Minas, onde pro-
fessou os votos religiosos. Em 1913, foi transferido para o Colégio São
Luís, em Itu, e, em 1914, renunciou à vida religiosa. O autor, na sua ma-
turidade intelectual, pode ser credenciado como um dos grandes jesuí-
tas laicos. No terceiro volume de A Cultura Brasileira, todo ele dedicado
à educação, apesar de sua tentativa em entabular comentários críticos
em relação à educação jesuítica no período colonial, seu texto tem dic-
ção flagrantemente favorável e enaltecedora da obra e das personalida-
des inacianas. Vejamos:
Se nessa trindade esplêndida – Nóbrega, o político, Na-
varro, o pioneiro, e Anchieta, o santo – se simboliza a ati-
vidade extraordinária dos jesuítas no século XVI, a fase
mais bela e heroica da história da Companhia de Jesus,
entre todos esses apóstolos e educadores avulta, com re-
levo singular, a figura taumatúrgica de Anchieta […] (Aze-
vedo, 1958, p. 498).
Seu texto também é marcado pela exaltação das primazias jesuí-
ticas no Brasil, aliás, uma característica comum de praticamente todos
os autores que tratam dos bons feitos da Companhia. Grande parte das
primazias enunciadas tem frágil sustentação historiográfica. Sua base
consiste na consideração da autoridade dos autores, a começar pelos
próprios cronistas jesuíticos, fonte exclusiva dos laicos que os segui-

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O Franciscano e o Jesuíta

ram e que, ao se copiarem, sucessivamente construíram uma versão


ou tradição, cujo fundamento remoto é a própria memória inaciana.
Aos franciscanos, chegados ao Brasil cinco décadas antes dos jesuítas
de forma avulsa, dispersa e não oficial, melhor cabem tantas daquelas
precedências.
Nada, pois, como um jesuíta inteligente e talentoso para caracte-
rizar a essência jesuítica. Ainda que longos, a qualidade ou o relevo dos
trechos selecionados, a seguir, embora as suas teses sejam passíveis de
crítica, inibem o desejo de maior brevidade.
A sua cultura – e nenhuma das ordens religiosas depois do
século XVI a elevou a tão alto nível – é antes de tudo uma
cultura ‘de profissão’, que se governa, se orienta e se mede
segundo as exigências dos ministérios do sacerdócio e do
ensino; uma cultura que tem por fim a formação huma-
nística e do filósofo, mas com base da formação do perfei-
to teólogo; uma cultura disciplinada para se fazer moral,
triturada para a catequese e para o ensino, equipada com
arma de combate para as lutas religiosas, florida para os
torneios do espírito, esplendidamente ornada para o púl-
pito. Com esse espírito de autoridade e de disciplina e
com esse admirável instrumento intelectual de domínio
e de penetração que foi o seu ensino sábio, sistemático,
medido, dosado, mas nitidamente abstrato e dogmático,
o jesuíta exerceu, na Colônia trabalhada por fermentos de
dissolução, um papel eminentemente conservador e, en-
sinando as letras à mocidade, fez despontar pela primeira
vez na Colônia o gosto pelas coisas do espírito (Azevedo,
1958, p. 520).
Sobre a educação jesuítica, a caracterização também é perfeita.
Pontos luminosos nessa vasta zona de sombra, as escolas
dos jesuítas no Reino e na Colônia, marcavam, com seu
ensino uniforme, semioficial, de tipo clássico, montado
para a formação dos clérigos e letrados, o maior esforço
desenvolvido por uma associação religiosa para criar a
‘cultura de elite’, sem dúvida artificial, universalista em
sua essência, mas tão intensamente trabalhada que per-
sistiu no século seguinte, como um resíduo na tradição
intelectual dos dois países, equilibrando-se entre as suas
forças internas e a pressão periférica de outras influên-
cias estrangeiras. Essa cultura que ficou sempre a de uma
elite; que o povo não assimilou nem podia assimilar, e
pela qual o Brasil se tornou por muito tempo, na Améri-
ca, ‘um país da Europa’, teve, no entanto, efeitos da maior
importância na criação de tendências e características
das classes dirigentes, na formação da burguesia e no es-
tabelecimento de uma tradição e continuidade nacionais
(Azevedo, 1958, p. 517).
Fernando de Azevedo (1958) faz um contraponto ao que defendeu
Gilberto Freyre (2003). Em Casa Grande e Senzala, inclina-se à ação edu-
cacional exercida pelos franciscanos juntos aos índios da América e do

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Sangenis

Brasil, em contraste ao ensino jesuítico, intelectualizado em demasia.


Com todas as letras, Freyre (2003, p. 126) afirma “[…] que para os indí-
genas teria sido melhor o sistema franciscano que o dos jesuítas parece-
-nos evidente”. Tal convicção faz com que lance um promissor desafio:
Um entusiasta da Ordem Seráfica poderia sustentar a tese:
o missionário ideal para um povo comunista nas tendên-
cias e rebelde no ensino intelectual como o indígena teria
sido o franciscano. Pelo menos o franciscano em teoria;
inimigo do intelectualismo; inimigo do mercantilismo;
lírico na sua simplicidade; amigo das artes manuais e
das pequenas indústrias; e quase animista e totemista na
sua relação com a Natureza, com a vida animal e vegetal
(Freyre, 2003, p. 214-215).
Para a defesa do modo franciscano de educar, Freyre (2003) en-
contra respaldo no Tratado Descritivo do Brasil em 1587, de Gabriel So-
ares de Souza (1879). Utilizando-se das observações práticas contidas
no texto do cronista, Freyre faz as suas próprias inferências. Os Tupi-
nambá, que habitavam a Bahia, possuíam extraordinárias habilidades
corporais e manuais e demonstravam grande capacidade em aprender
o que lhes ensinavam os portugueses, “[…] excetuando precisamente
aqueles exercícios mnemônicos e de raciocínios de abstração, que os
padres da S.J. insistiram, a princípio, em ensinar aos índios em seus
colégios” (Freyre, 2003, p. 214). Em consequência, Freyre (2003, p. 214)
menciona a tendência desses índios para o aprendizado dos ofícios ma-
nuais e a sua repugnância pelas muitas letras: “[…] o indígena do Brasil
era precisamente o tipo do neófito ou catecúmeno que uma vez fisga-
do pelos brilhos da catequese não correspondiam à ideologia jesuítica”.
Ademais, traços da cultura tupinambá, que motivavam a posse comum
dos bens e a partilha de vestimentas, ferramentas e alimentos, dão-
-lhes “[…] uma condição muito boa para frades franciscanos”. Reafirma
Freyre (2003, p. 214), citando Souza (1879, p. 292):
Têm estes tupinambás uma condição muito boa para fra-
des franciscanos, porque o seu fato (vestuário), e quanto
têm, é comum a todos os da sua casa que querem usar
dele; assim das ferramentas, que é o que mais estimam,
como das suas roupas, se as têm, e do seu mantimento;
os quais, quando estão comendo, pode comer com eles
quem quiser, ainda que seja contrário, sem lho impedi-
rem nem fazerem por isso carranca.
Apesar dos arroubos heroicos dos primeiros missionários, a Com-
panhia foi obrigada a aprender com o fracasso dos seus métodos. Se-
gundo Freyre (2003, p. 215), os jesuítas tiveram de “se franciscanizar”,
improvisando-se em artífices. Envergonhavam-se esses primeiros jesu-
ítas, no Brasil, do fato de lhes ter sido necessário exercer ofícios mecâ-
nicos e dedicarem-se a uma educação técnica, de cunho mais prático,
e conforme a natureza dos caboclos. “Seu gosto teria sido se dedicarem
por completo a formar letrados e bachareizinhos dos índios” (Freyre,
2003, p. 215). Lembra ainda Freyre (2003, p. 216) que, entre os primeiros

Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 43, n. 2, p. 691-709, abr./jun. 2018. 701
O Franciscano e o Jesuíta

jesuítas do Brasil, parece que só o Padre Leonardo Nunes trouxera do


século o ofício de ferreiro:
Quase todos os outros, puros acadêmicos ou doutores da
espécie que São Francisco de Assis tanto temia, precisa-
ram de improvisar-se em carpinteiros ou sangradores.
Mas sem gosto nem entusiasmo pelo trabalho manual ou
artístico, antes desculpando-se dele pela alegação de im-
prescindível nas rudes circunstâncias da catequese.
Após dez anos de atividade missionária e em meio aos embates
com o Padre Luís da Grã sobre os métodos de missionação a serem em-
pregados pela Companhia, Nóbrega, um tanto desiludido com os resul-
tados até então conseguidos pelos missionários, recolheu-se em São Vi-
cente para um tempo de reflexão. As ilusões de que os índios pareciam
viver num estado de inocência bíblica – não possuindo crenças mais
profundas, nem deuses, nem ídolos, sendo suas almas folhas de papel
em branco, as quais se conseguiriam facilmente doutrinar e converter
ao cristianismo e inculcar-lhes um modo de vida civilizado – caíram
por terra. Pareciam não assimilar a fé e o ensino dos padres, ministrado
com tão enormes esforços, devotamento e risco da própria vida. E ficou
comum que, logo, abandonavam a doutrina dos padres e voltavam aos
seus antigos ritos e modo de vida gentílico.
O retiro de Nóbrega em São Vicente levou-o a escrever o Diálo-
go Sobre a Conversão do Gentio, na tentativa de demonstrar aos seus ir-
mãos de hábito a necessidade mais do que iminente de uma reforma do
projeto missionário da Companhia. A caridade e a persuasão racional
demonstraram-se inócuas para a obra de conversão dos gentios. “Ainda
que, segundo me parece deles, para este fim de se converterem a se-
rem cristãos não há mister muita inteligência, porque as obras mostram
quão poucas mostras eles têm de o poder de vir a ser” (Nóbrega, 2006, p.
4), conclui Matheus Nugueira, seu alter ego, no Diálogo.
Se não era possível converter os índios por amor ou pelo uso de
argumentação racional, entende Nóbrega que a melhor maneira de de-
movê-los dos seus costumes incivilizados (canibalismo, poligamia, nu-
dez) e de inculcar-lhes a fé cristã seria através da estratégia da sujeição e
do medo. Segundo o Diálogo, “[…] humanamente como homens assim
falando, este parece ser o melhor e o mais certo caminho” (Nóbrega,
2006, p. 7), trecho esse retirado sob o sugestivo título Reducti Indis sub
ditionem, facilior evenit eorum filiorum et nepotum educatio. A mesma
tese é defendida por Nóbrega em outro texto.
Assim que por experiência vemos que por amor é mui difi-
cultoso a sua conversão, mas como é gente servil, por medo
fazem tudo, e posto que nos grandes por não concorrer sua
livre vontade, presumimos que não terão fé no coração, os
filhos criados nisso ficarão firmes cristãos, com sujeição,
farão dela o que quiserem, o que não será possível com ra-
zões nem com argumentos (Jesuítas, 1954, p. 27).

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Sangenis

Da boca do mais piedoso e santo de todos, José de Anchieta, tam-


bém “[…] se recolhe estas duras palavras: ‘espada e vara de ferro, que é
a melhor pregação’”, alfineta Freyre (2003, p. 217).
A “fase mais bela e heroica” de que falou Azevedo (1958, p. 498)
pode ser dividida em dois momentos distintos, tendo o ano de 1561
como divisor de águas. Em 12 de junho desse ano, Nóbrega escreve uma
carta ao Padre Laynes, Geral da Companhia, expondo a sua tese de levar
a obra inaciana a outro patamar, escapando à dependência das esmolas
oficiais, ao criar novas formas de sustentação da atividade missionária.
Para tanto, era necessário adquirir bens de raiz, terras e engenhos, criar
animais, plantar e servir-se da mão-de-obra escrava, até então, inten-
tos vedados pela interpretação que se fazia das Constituições e regras
inacianas. Nóbrega para defender suas ideias teve que se opor ao Padre
Luís da Grã, o seu sucessor no cargo de Provincial, a quem lhe parecia
muito zeloso nas questões da pobreza, como caberia mais a um fran-
ciscano. Utilizando a semântica de Freyre (2003, p. 215), o dilema esta-
va posto: “franciscanizar” ou “desfranciscanizar” a Companhia? Eis o
drama de Nóbrega, em carta dirigida ao Padre Diogo Laynes, em 12 de
junho de 1561:
O Pe. Luís da Grã parece querer levar isto com outro espí-
rito muito diferente e quer edificar aos portugueses des-
tes lugares por meio da pobreza e convertê-los da mesma
maneira que São Pedro e os apóstolos fizeram e como São
Francisco ganhou a muitos pelas penitências e exemplo
de pobreza. E esta opinião me persuadia sempre quando
eu tinha o cargo (de Provincial) e ainda agora desejava
introduzi-lo, enquanto fosse possível, e sempre teve gran-
des escrúpulos porque ele é muito zeloso da santa pobreza,
a qual queria ver em não possuir nada, nem ter granjas,
nem escravos, pois éramos muito poucos e sem isso nos
podíamos sustentar com esmolas mendigadas, repartidos
por muitas partes, e desejava casas pobrezinhas... Esta
opinião do Padre me fez durante muito tempo não firmar
bem o pé nestas coisas, até que me resolvi, e sou de opi-
nião (salvo a determinação da santa obediência) de todo
o contrário, e me parece que a Companhia deve ter e ad-
quirir justamente pelos meios que as Constituições permi-
tem quanto possa para nossos Colégios e casa de meninos,
e por muito que tenham farta pobreza, ficará para os que
discorrem por diversas partes, e não devemos querer que
sempre o rei nos proveja, que não sabemos quanto durará,
mas que por todas as vias se perpetue a Companhia nes-
tas partes, de tal maneira que os obreiros cresçam, e não
ninguém (Leite, 1955, p. 381, grifos meus).
As teses de Nóbrega saíram todas vencedoras e, mesmo tendo
falecido em 1570, deixou assaz contribuição aos ulteriores métodos de
missionação. Nessa forma, os silvícolas, descidos dos matos, reduzidos
e organizados em aldeias, eram segregados dos portugueses e constan-
temente submetidos à doutrinação dos padres, de modo a expurgar os
seus costumes nefastos. A sujeição do gentio foi legitimada pela sua re-

Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 43, n. 2, p. 691-709, abr./jun. 2018. 703
O Franciscano e o Jesuíta

dução ao status de seres infantis por natureza, tornando-os dependen-


tes da proteção permanente dos padres, ainda que esse estado civil de
minoridade do índio brasileiro tenha sido oficialmente declarado por
lei em 1798. Não há mal que os pais sejam sujeitados e feitos cristãos à
força, ainda que, disso, pouco tivessem proveito, “[…] mas os filhos, ne-
tos e daí por diante o poderão vir a ser” (Nóbrega, 2006, p. 7). Significa
dizer que o sacrifício imposto aos pais redundará no bem para todas
as demais gerações, uma vez educadas, civilizadas e cristianizadas. Os
culumins, almas mais puras e maleáveis, enquanto seus pais estejam
ocupados na lida da aldeia, vão ao colégio com o fim de aprender a dou-
trina, a ler e a escrever e, em casa, doutrinar os mais velhos. A forma de
angariar os recursos para sustentar aldeias e doutrinas, já o sabemos,
se deu através da permissão institucional em participar, com afinco e
competência, do negócio colonial. Eis em resumo, a vitória de Nóbrega.
Em contraste ao modo jesuítico de missionar e educar, os francis-
canos, nas Américas, entenderam, com certa ingenuidade, que só lhes
era possível conquistar as almas dos indígenas através do exemplo de
oração, de desprendimento, de pobreza, de humildade e de penitência,
convertendo-os da mesma maneira que, em seu seráfico entendimento,
o fariam os apóstolos e o próprio São Francisco de Assis; aliás, mode-
lo missionário este do qual desejava escapar um contrariado Nóbrega,
ante a indesejável forma franciscana de agir de alguns dos seus compa-
nheiros.
Referindo-se às virtudes dos fundadores da Igreja no México, Ri-
card (1994) afirma que os frades, mesmo já obrigados pelos votos reli-
giosos a conformarem sua vida segundo a pobreza, ao estarem entre
os índios, se deram conta de que tal cumprimento dos conselhos evan-
gélicos os forçava a um maior zelo e a mais acrisolada observância. Ri-
card (1994, p. 52) comenta que “[…] los misioneros de México, parecem
como dominados pela obsesión de dar ejemplo, enseñar y predicar pelo
ejemplo”. O exemplo de vida abnegada do missionário, marcado pela
pobreza e pela austeridade, não traduzia apenas um meio salutar para a
conversão das ovelhas, mas, até certo ponto, era o único meio de iden-
tificação com os índios, de modo a “[…] fazer-se índio com os índios”
(Ricard, 1994, p. 62), já que estes, em sua maioria, ignoravam a cobiça e
levavam uma vida duríssima e miserável.
O modo de proceder dos frades é apontado como causa da pro-
funda veneração e amor que tiveram os índios pelos franciscanos, a
ponto de Suárez de Peralta (1878, p. 65) afirmar: “[…] los religiosos casi
son adorados de los índios”. Frei Motolínia (1914, p. 168) afirma que,
quando perguntados os índios porque tanto preferiam os franciscanos,
independentemente de quem os havia missionado, se franciscanos, se
agostinianos ou dominicanos, respondiam: “[…] porque estos andan po-
bres y descalzos como nosotros, comen de lo que nosotros, asiéntanse entre
nosostros, conversan entre nosotros mansamente”. No que pese o estilo
hagiógrafo-apologético de Motolínia, e sua emulação maliciosa, contra
os agostinianos e dominicanos, como era comum a sua época, concor-

704 Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 43, n. 2, p. 691-709, abr./jun. 2018.
Sangenis

damos com Ricard (1994, p. 65.), para quem “[…] la verdad histórica nos
da licencia para generalizar estas frases a todos los misioneiros, de cual-
quiera de las tres órdenes”.
Quanto à confirmação da tese recuperada por Freyre de que os
índios teriam sido bons discípulos de frades franciscanos, por promo-
verem uma educação prática, mais técnica e que envolvia o ensino de
ofícios, é paradigmática a carta de autoria de Frei Bernardo de Armenta,
datada de 1538, cuja cópia foi transcrita por Frei Gerônimo de Mendie-
ta (1870), um dos mais ilustres missionários franciscanos que atuaram
nos primórdios da evangelização do México, no Século XVI. A carta foi
enviada da costa de Santa Catarina, na localidade denominada Mbyaça,
atual cidade de Laguna, no Estado de Santa Catarina, mas que, no sécu-
lo XVI, tratava-se de área de passagem, de modo que os limites geográ-
ficos de território pertencentes à Espanha ou a Portugal ainda não es-
tavam claramente definidos (Arns, 1975). Nessa região, Armenta, com a
colaboração de seu confrade Frei Alonso Lebrón, e mais três frades que
desconhecemos os nomes, iniciaram uma missão improvisada entre os
índios Carijó (Costa, 2008). A preocupação de Armenta – solicitar ao Rei
e aos seus superiores hierárquicos uma dezena de bem escolhidos fra-
des de sua Ordem – é seguida da apreensão em lograr bons trabalhado-
res e profissionais, assim como instrumentos e materiais de trabalho,
todos necessários à obra que mal iniciara.
Vengan labradores y traigan mucho hierro, y algún lienzo y
ropa, y ganado de vacas y ovejas burdas, y cañas de azúcar,
y maestros para hacer ingenios de azúcar, y algodón y trigo
y cebada, y toda manera de pepitas, que se darán bien, y
sarmientos, que se harán muy grandes viñas, que no tiene
que ver Santo Domingo con la bondad de esta tierra (apud
Mendieta, 1870, p. 554-555).
Diversas cartas jesuíticas dão testemunho da ação franciscana
entre os índios Carijó. Datada de 1553, relata a Carta do Irmão Antônio
Rodrigues:
Há alguns anos foram que dois frades franciscanos [Ber-
nardo e Alonso] e entraram cerca de 50 léguas daqui des-
ta Capitania, pela terra dentro, caminho dos Carijós, e a
uma Aldeia deles chamaram Província de Jesus [foi toda a
zona que assim chamaram], onde fizeram admirável fru-
to (apud Leite, 1937, p. 135).
Duas Cartas do Padre Manoel da Nóbrega, ambas datadas de
1549, ano da chegada dos jesuítas ao Brasil, são igualmente preciosas.
Falando sobre os índios Carijó, assim se expressa: “[…] todos dizem que
é melhor gentio desta costa […]. Entre eles estavam convertidos e bati-
zados muitos [dois clérigos que lá foram]” (Nóbrega, 1955, p. 33).
E em outra missiva:
Os gentios são de diversas castas, uns se chamam Guaia-
nases, outros Carijós. Este é um gentio melhor que ne-
nhum desta costa. Os quais foram, não há muitos anos,

Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 43, n. 2, p. 691-709, abr./jun. 2018. 705
O Franciscano e o Jesuíta

dois frades castelhanos ensinar e tomaram tão bem a sua


doutrina, que têm já casas de recolhimento para mulhe-
res como de freiras e outros como de frades. E isto durou
muito tempo, até que o diabo levou lá uma nau de saltea-
dores, e cativaram muitos deles (Nóbrega, 1955, p. 61).
Sabedor da saga franciscana, além de São Vicente, Nóbrega (1955,
p. 34) dá notícias de tratativas com o governador com a finalidade de
“[…] que nos mande dar estes negros, para os tornarmos à sua terra, e
ficar lá Leonardo Nunes para os ensinar”. Por ironia, o envio do mestre
ferreiro e apóstolo, ainda que sem burel, haveria de cumprir, em parte,
os acalentados anseios de Armenta.
Retornando ao texto de Azevedo (1958), e na tentativa de inter-
pretar a sua intencionalidade, ocorre que tenta dar uma resposta à tese
freyreana, asseverando as características da ação educacional dos jesu-
ítas, em proposital contraponto à franciscana, cuja característica foi ser
mal planejada, improvisada ao sabor dos acontecimentos, extraoficial,
de viés laboral e popular, sem vínculos que lhe conferissem maior uni-
dade, e sufragante das gentes que habitavam os interiores:
A vocação dos jesuítas era outra certamente, não a educa-
ção popular primária ou profissional, mas a educação das
classes dirigentes, aristocráticas, com base no ensino de
humanidades clássicas. Aqui, como por toda parte. Hoje,
como no período colonial. Os seus colégios instalam-se
de preferência nas primeiras cidades do Brasil à sombra
das casas-grandes, no litoral latifundiário, onde se recru-
tam os seus discípulos e a estabilidade da família patriar-
cal lhes oferece à construção do seu sistema de ensino a
base segura e necessária que dificilmente podiam encon-
trar na sociedade, molécula e flutuante, dos mamelucos
caçadores de índios e de esmeraldas ou dos criadores de
gado (Azevedo, 1958, p. 520).
A clareza do texto sobre a opção de classe que fizeram os jesuítas
dispensa comentários.

Considerações Finais
Concluindo, temos a ver com dois tipos de catolicismo: o catoli-
cismo franciscano, marcado profundamente pelo evangelismo de São
Francisco, pela itinerância popular, com especial predileção pelos po-
bres que vivem no interior, e o catolicismo jesuítico, impregnado já de
modernidade com sua confiança na razão, na organização, na criação de
instituições educativas que divulgavam a reta doutrina e introduziam
os educandos ao paradigma da cultura metropolitana, dando centrali-
dade à cidade. De um lado um sistema aberto, ligado ao convívio com
o povo, criativo face às novas situações: os franciscanos; de outro, um
sistema fechado, fundado na arquitetônica aristotélico-tomista e cioso
da transmissão das doutrinas: os jesuítas. Os franciscanos são ontoló-
gicos e medievais, quer dizer, auscultam a lógica da vida e se submetem

706 Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 43, n. 2, p. 691-709, abr./jun. 2018.
Sangenis

as suas exigências. Os jesuítas são modernos, valorizam a subjetividade


e confiam no poder da razão e na razão do poder. No franciscanismo se
encontra a poesia, a música, a dança, que são a herança do próprio São
Francisco e que constituem os meios mais diretos para atingir as gen-
tes mais diversas. No jesuitismo estão a lógica, o silogismo, a unívoca
busca da uniformidade, donde saem pessoas integradas à cultura dos
colonizadores. Os franciscanos seguem outro percurso. Se os jesuítas
construíram a sua hegemonia na educação formal, através dos seus co-
légios, os franciscanos exerceram uma ação educativa, especialmente,
nos interiores do Brasil, atuando na educação não formal, utilizando-
-se de uma catequese vivencial, das missões volantes e de uma atuação
mais empática e coerente com a vida do povo.
Perceba-se que, para além dos interesses de cada grupo e das
emoções que ensejam a formulação e a defesa de argumentos racionais
antagônicos, como não poderia deixar de ser, a contradição uniformi-
dade/diversidade se refere a duas lógicas distintas de caracterizar a
ação e o pensamento do jesuíta e do franciscano.

Recebido em 02 de agosto de 2017


Aprovado em 07 de novembro de 2017

Notas
1 A Avenida Central, atual Rio Branco, foi um marco da urbanização do centro
da cidade do Rio de Janeiro no início do século XX.
2 A frase completa utilizada por Euclides da Cunha em Os Sertões é: “Estamos
condenados à civilização: ou progredimos, ou desaparecemos”.

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Luiz Fernando Conde Sangenis é doutor em Educação pela Universidade


Federal Fluminense (UFF), professor associado da Faculdade de Formação
de Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e do-
cente do corpo permanente do Programa de Pós-Graduação em Educação
– Processos Formativos e Desigualdades Sociais.
E-mail: lfsangenis@gmail.com

Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 43, n. 2, p. 691-709, abr./jun. 2018. 709
TEXTO 06

A dimensão iluminista da reforma pombalina dos


estudos: das primeiras letras à universidade*

Carlota Boto
Universidade de São Paulo, Faculdade de Educação

É o Método o primeiro requisito do Estudo, para, por


meio dele se poder adquirir um conhecimento profundo
e sólido das Ciências. Quem desconhece o Método não
pode ter ordem no Estudo. E quem estuda sem ordem,
adianta-se pouco na Estrada das Ciências, tropeça a
cada passo e perde um tempo infinito.
Compêndio, 1972, p. 245

A secularização como um modo de ser mundo Apostando no avanço do espírito humano e do


conhecimento, no progresso dos povos e na caminhada
O Iluminismo foi um fenômeno intelectual que do gênero humano rumo a um indefectível percurso
teve lugar na Europa em meados do século XVIII. de aprimoramento – a que chamava perfectibilidade –,
Tinha por principal baliza a referência da crítica; com­ o Iluminismo foi também um movimento de fé: fé na
preen­dendo o mesmo conceito de crítica como o reco­ razão, no futuro, na flecha de um tempo, no comércio
nhecimento das possibilidades, mas também dos limites entre os homens e, finalmente, fé na educação. Edgar
da capacidade humana de conhecer. Mais do que isso, Morin (1988) admite ter sido a fé nessa racionalidade
os iluministas compreendiam que a instrução condu- crítica que – transformada em mística quase religio-
ziria não apenas a um acréscimo de conhecimento no sa – firmou no Ocidente, para o bem e para o mal, o
sujeito, mas também a um aprimoramento do indivíduo universalismo do conceito de Humanidade.1 De todo
que se instrui. Movimento crítico do Absolutismo; modo, “o espírito racional era e é universal” (p. 85).
crítico da sociedade estamental; dos consequentes pri­ Uma das marcas do Iluminismo português foi
vilégios da aristocracia e do clero; crítico, enfim, das sua dimensão religiosa, convivendo com a ideia de
instituições de uma ordem política considerada arcaica. um Estado condutor dos assuntos temporais. Pode-se
Propunha-se refundar a nacionalidade; e, para tanto,
havia de ser criado um novo pacto civil. 1
Edgar Morin dirá que há um antagonismo profundo nesse
humanismo europeu, que se radicaliza no século das Luzes. As
contradições manifestar-se-iam entre a crença na universalidade
* O presente artigo foi originalmente elaborado com o título desse mesmo humanismo, a qual, por si mesma, “dissimula um
“O Iluminismo e as reformas pombalinas”, a convite do Coló- euro­pocentrismo dominador, e a sua potencialidade verdadeira-
quio 250 anos de ensino público no Brasil, realizado em junho mente universalizante, aberta a todos os indivíduos e a todas as
de 2009, na Faculdade de Educação da Universidade Federal de culturas, que desmascara e critica o europocentrismo” (Morin,
Minas Gerais. 1988, p. 101).

282 Revista Brasileira de Educação v. 15 n. 44 maio/ago. 2010


A dimensão iluminista da reforma pombalina dos estudos: das primeiras letras à universidade

dizer que “se toda a laicidade é uma secularização, (p. 22). Trata-se de um movimento no qual, progressiva-
nem toda a secularização é (ou foi) uma laicidade” mente, por etapas, o Estado-Nação viria a “vassalizar”
(Catroga, 2006, p. 273). São conceitos com significa- a Igreja (Morin, 1988, p. 45). Por isso, vale para o caso
dos diversos. Como diz ainda Catroga, “o conceito de português, sob a égide de Pombal, a caracterização de
secularização passou a conotar a perda, nas sociedades Edgar Morin acerca da situação francesa do Antigo
modernas ocidentalizadas, da posição-chave que a Regime: “a monarquia absoluta foi relativa” (idem,
religião institucionalizada ocupava na produção e ibidem). Laerte Ramos de Carvalho destaca também o
na reprodução do elo social e na atribuição de senti- sentido de secularização impresso na reforma pomba-
do” (p. 62). A religião deixa de ser a viga mestra da lina dos estudos menores. Diz o historiador:
cultura, sua pedra de toque, e passa a ser um recurso
auxiliar. Já a laicidade supõe – de modo radical – “a [...] seu objetivo superior foi criar a escola útil aos fins do
institucionalização da diferença entre o espiritual e o Estado e, nesse sentido, ao invés de preconizarem uma
temporal, o Estado e a sociedade civil, o indivíduo e política de difusão intensa e extensão do trabalho escolar,
o cidadão” (p. 273). A clivagem entre a instrução pú- pretenderam os homem de Pombal organizar uma escola que,
blica portuguesa e o modelo pedagógico arquitetado antes de servir aos interesses da fé, servisse aos imperativos
pelos planos da França revolucionária acontece aí. A da Coroa. (1978, p. 139)
escola pombalina não era conduzida pela utopia da
emancipação. Marques destaca que despotismo esclarecido foi a
O fenômeno da secularização é – este sim, como “fase tardia do absolutismo régio, muito mais em cone­
já se observou acima – um dos alicerces do Iluminismo xão com as grandes mudanças que a Europa sofreu no
e da modernidade. Junto da progressiva secularização século XVIII do que com a única influência de uma
das instituições, vinham os emblemas da racionaliza- atitude filosófica” (1984, p. 322). Maria Lúcia Garcia
ção, da “civilização de costumes” (Elias, 1993, 1994) Pallares-Burke (2001) acredita que as principais medi-
e do que Weber (2000) qualificou de desencantamento das voltadas para a criação e organização de escolas de
do mundo. Estado no século XVIII europeu seriam oriundas, não
Carlos Guilherme Mota (2006) define o homem tanto das ideias iluministas, mas, sobretudo, daqueles
da Ilustração como o “homem da Razão, da Lógica, da que a história chamou de “déspotas esclarecidos”. Por
Experimentação, da Ciência, do Direito Natural. Era o sua iniciativa, foram adotadas políticas públicas diri-
pesquisador, cosmopolita, reformista, antiabsolutista” gidas a “racionalizar e ilustrar seus Estados” (idem,
(p. 67). Fenômeno europeu no século XVIII, a secula- p. 59). Para tanto, a historiadora dá o exemplo da in­
rização integra o movimento que separa a moralidade trodução do “ensino compulsório e universal nos rei­
da religião, que marca os limites entre Estado e Igreja; nados de Frederico II da Prússia (1740-1786) e Maria
“que determinará o mundo e o modo-de-ser-no-mundo Tereza da Áustria (1740-1780)” (idem, ibidem). O
do homem moderno. Por isso, uma interpretação do mode­lo de ensino arquitetado para ambos os reinos
Iluminismo é, por essência, uma leitura da Seculari- tinha como ponto comum o atendimento das neces-
zação” (Pereira, 1990, p. 7). sidades do Estado quanto à formação de consensos.
Também Roberto Romano (2003) destaca o prin- Nesse sentido, os principais valores vei­culados pela
cípio da secularização inscrito no projeto das Luzes escolarização – especialmente a primária – seriam
como elemento essencial para estruturar um imaginário di­li­gência, obediência, sentimento de dever e preste-
que daria lugar a preceitos de universalidade, nos quais za na interiorização de regras. Tratava-se – pode-se
os signos da impessoalidade e da igualdade jurídica se dizer – de um modelo voltado para a formação de
tornassem as grandes ideias-força da cultura política súditos esclarecidos; mas não de cidadãos. Mesmo
moderna: “lei natural, razão, vontade geral, povo etc.” assim, Pallares-Burke se interroga: “como explicar que

Revista Brasileira de Educação v. 15 n. 44 maio/ago. 2010 283


Carlota Boto

dois governos absolutistas, e não os mais progressistas Todos eles compunham uma geração de es-
regimes inglês e holandês, procurassem pôr em prática trangeirados; tanto porque viviam fora de Portugal
a educação do povo e, com isso, fossem coerentes quanto porque observavam a situação portuguesa
com o princípio do ecumenismo racional que era com base em tal deslocamento do olhar (Andrade,
defendido em teoria?” (idem, ibidem). Seja como for, 1980; Moncada, 1941). A ambiguidade profícua dessa
esses monarcas orientavam-se inequivocamente por situação de estrangeirado adviria da observação da
uma compreensão diversa acerca da potencialidade realidade estrangeira por parte de alguém que tem
da educação na produção do controle social. Mas no seu país de origem a referência. A comparação
talvez os mesmos soberanos compreendessem que o com outros países parecerá, nesse caso, irresistível e
desenvolvimento da escolarização teria algo a ver com inevitável. Os estrangeirados portugueses do século
a prosperidade dos povos. XVIII preocupavam-se com o atraso cultural do
Luzes, esclarecimento, Iluminismo ou despotis- país. Consideravam que a situação do seu Portugal
mo esclarecido? Muitos já tentaram definir o Marquês contemporâneo era de decadência: perante os países
de Pombal. Para nós, educadores brasileiros do prin- mais avançados da Europa; à luz dos rumos tomados
cípio do século XXI, a certeza que temos é a de que, pela colonização; diante do poder que um dia o país
nos territórios que geriu, foi ele o criador da escola acreditou possuir.
pública de Estado – precisamente há 250 anos. Muitos fatores explicam o poder do Ministro; a
O modelo de escola pública que Pombal gestou ti- maior parte deles compreensível à luz de uma história
nha – vale dizer – características próprias: tratava-se de comparada. Porém há sempre algo que diz respeito à
um artefato organizador da força e da potência do Es- especificidade nacional; àquilo que, do exterior, não é
tado. Sem dúvida alguma, rascunhavam-se ali – como facilmente identificado. Aliás, além disso, na história,
sublinha António Nóvoa (2005) – “as condi­ções para o há o fator acaso; e talvez Oliveira Martins (1991) não
processo histórico de uma sociedade de ba­se escolar” estivesse errado quando disse que uma das causas do
(p. 23). O Estado tomava para si a tare­fa de selecionar, poder do Marquês decorreu da atuação que este tivera
nomear e fiscalizar professores. O Estado controlaria as quando do terremoto que faria morrer em Lisboa de
matérias a ser ensinadas. Mas não havia intuito de, por 10.000 a 15.000 pessoas.
meio da educação, alterar a base político-social desse Consta que, ao ser indagado pelo Rei sobre o que
mesmo Estado. O projeto pombalino (e a Ilustração fazer diante da tragédia que fizera ruir mais da metade
portuguesa que o embasou) não se inscreveu – como dos prédios de Lisboa, o então Ministro dos Assuntos
observa Catroga (2006, p. 360) – em nenhuma luta de Exteriores e da Guerra (desde 1750), Sebastião José
libertação nacional. A veia regalista conduzia um pro- de Carvalho e Melo, teria respondido: “enterre os
cesso de secularização das instituições e dos costumes. mortos, feche os portos e cuide dos vivos”. A partir
Tal percurso traduziu-se como a Modernidade possível daí, o Ministro teria conquistado definitivamente a
para o mundo lusitano. confiança do Rei; que, no ano seguinte (1756), o no-
A escola estatal do mundo que Portugal perfilha- mearia Secretário de Estado dos Negócios do Reino
va teve lugar a partir de 28 de junho de 1759 com o de Portugal. O Rei, com esse ato, daria a Sebastião
Alvará Régio que implementava a Reforma dos Es­ José de Carvalho e Melo – futuro Conde de Oeiras,
tu­­dos Menores. O protagonista da mesma reforma, em 1759, e Marquês de Pombal, em 1769 – estatura
personificando a lógica do despotismo esclarecido de primeiro ministro do reinado português. Como
à por­tuguesa, é o Marquês de Pombal – que tinha por bem observa Kenneth Maxwell (1996, p.24), “foi o
referenciais políticos alguns teóricos e pedagogos lu­ terremoto que deu a Pombal o impulso para o poder
sitanos: D. Luís da Cunha, António Nunes Ribeiro virtualmente absoluto que ele conservaria por mais de
Sanches e Luís António Verney. vinte e dois anos, até a morte do rei, em 1777”.

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A dimensão iluminista da reforma pombalina dos estudos: das primeiras letras à universidade

Dom Luís da Cunha e seu Testamento político: para remediar a sua queixa, mas para prevenir o de
decadência, sangrias e alternativas que pode estar ameaçado” (idem, p. 43).
A causa primordial da fragilidade portuguesa
Ao abordar a atuação de D. Luís da Cunha (1662- residiria na estreiteza dos limites de seu território. Tal
1749), a bibliografia costuma sublinhar sua atividade debilidade era, ainda, acentuada quando se comparam
diplomática em Londres, onde teria sido nomeado “nossas forças à proporção das dos seus vizinhos”
embaixador. Ao olhar do exterior para seu país – di- (idem, ibidem). Em virtude dessa irreparável fraqueza,
zem os historiadores –, Luís da Cunha acentuava a Portugal se teria lançado ao encalço de outras terras;
necessidade de se fortalecer o papel do rei. Além disso, favorecido por uma situação geográfica que – esta
preocupava-se com a dependência portuguesa perante sim – lhe era favorável: a vizinhança do mar. Porém,
a Grã-Bretanha, com as dificuldades comerciais en- a aventura das navegações não teria sido capaz de con­
frentadas pelo país, e, especialmente, com uma certa ter o mau uso das terras do reino: terras incultas,
“fraqueza auto-imposta de Portugal no tocante à falta proprietários que não cultivavam seus terrenos e,
de população e de espírito de iniciativa” (Maxwell, até mesmo, “porções de terras usurpadas ao comum
1996, p. 16). Como indica, sobre o tema, Carlos das cidades, vilas e lugares” (idem, p. 61). As terras
Guilherme Mota (2006, p. 39), o Testamento político incultas por desinteresse dos donos ou dos rendeiros
de D. Luís da Cunha – escrito nos anos de 1740, um deveriam ser-lhes retiradas para ser entregues a pes-
pouco antes da subida do príncipe D. José ao poder – soas que pudessem e quisessem cultivá-las (Falcon,
orienta o monarca sobre quem deveria ser escolhido 1982, p. 254).
como principal ministro do reino. Ele sugere mais de D. Luís da Cunha desenvolve a tese de que as
um nome, dentre os quais sublinha o de Sebastião José razões que levaram Portugal a se apequenar perante os
de Carvalho e Melo, “cujo gênio paciente, especulativo demais países de Europa consistiram em um conjunto
e ainda que sem vício, um pouco difuso, se acorda de fatores que ele caracterizou como sangrias.
com o da nação” (Cunha, 1976, p. 27). Mota assinala A primeira sangria que destruía e despovoava o
que D. Luís da Cunha teria se destacado também por reino português residiria no conjunto de pes­soas de
uma visão mercantilista inovadora para seu tempo, ambos os sexos que procuravam os conventos.
tendo sido, indubitavelmente, um dos idealizadores Tornando-se frades e freiras, renunciavam ao mundo,
da modernização econômica do Reino: “seu discípulo, não procriavam, não trabalhavam para o país e não
Pombal, tornar-se-ia a figura central dessa constelação povoavam o reino com sua prole.
da qual D. Luís era o mentor” (Mota, 2006, p. 47). A segunda sangria que “não deixa de enfraque-
Luís da Cunha discorreria sobre “a lastimável cer o corpo do Estado, e a que não acho remédio, é
situação de Portugal no concerto europeu” (idem, o socorro da gente que anualmente se manda para a
p. 35). Mota compreende que, “inspirador do mar- Índia” (idem, p. 74). Eram especialmente marinheiros
quês reformista” (idem, p. 38), D. Luís da Cunha foi que, ao fazer isso, deixavam mulheres e filhos – mu-
a “ex­pressão máxima do pensamento cosmopolita e lheres que, não fosse isso, poderiam ter muitos outros
reformista luso da primeira metade do século XVIII, filhos. O Brasil estava também incluído nessa segunda
antecipando a Ilustração portuguesa” (idem, ibidem). sangria: para lá iam todos os que – sem passaporte –
Inaugurava-se ali uma “reflexão crítica sobre os males encantavam-se com a promessa das minas e o desejo
de Portugal e os seus remédios” (idem, ibidem). Por- de fazer nova vida.
tugal era compreendido como um organismo doen­te, A terceira sangria do Estado português viria dos
a quem se deveria observar os sintomas, os humores atos da Inquisição relativamente àqueles que eram –
e a debilidade; de modo a buscar identificar “o co- por causa dela – chamados cristãos-novos. Essa san­
nhecimento da causa do mal que o aflige: isto não só gria D. Luís da Cunha caracteriza como “insensível

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Carlota Boto

e cruelíssima” (idem, p. 75). Diariamente saem de publicado o Alvará de 28 de junho de 1759, expul-
Portugal essas pessoas, que, em solo português, não sando a Companhia de Jesus, Ribeiro Sanches teria
teriam qualquer oportunidade. O reino, assim, era, se entusiasmado a redigir um trabalho sobre o tema da
também por isso, despovoado. Uma forma de extinguir educação. Publicada em 1760, essa obra, sob o título
esse problema seria dar aos judeus a possibilidade Cartas sobre a educação da mocidade, constitui um
de viver sua religião – como, aliás, “se pratica entre importante opúsculo para se ter uma ideia do que foi,
todas as nações da Europa” (idem, p. 88). D. Luís da em matéria educativa, o Iluminismo no tempo e no
Cunha expressava sua convicção de que, quanto mais território do Marquês de Pombal.
gente fosse perseguida, acusada e punida, maior seria o Ribeiro Sanches destacava que os privilégios e
número de judeus travestidos de cristãos-novos. Além as imunidades das ordens privilegiadas teriam sido
disso, quando cessassem as perseguições, deixaria de a causa da deturpação de costumes e da má educa-
haver “tantos sacrílegos quantos, sendo no coração ção portuguesa. A mocidade não era preparada para
judeus, frequentam os santos sacramentos, para não ser boa nem para ser útil à Pátria. Pelo contrário: o
serem descobertos” (idem, p. 91). Finalmente – sem fidalgo era educado para tratar como escravos todos
as clivagens que retiram das pessoas oportunidades os subalternos – como se as pessoas do povo não
que seriam justas –, os judeus (convertidos então em fossem proprietárias de seus corpos e de sua honra.
cristãos-novos), caso pudessem assumir sua verda- A fidalguia é ainda criticada porque acostumava mal
deira identidade religiosa, permaneceriam no Reino, as pessoas. Aqueles que desfrutavam do epíteto de
fazendo com que seu capital girasse em torno dos fidalgos não poderiam, por exemplo, ser presos por
negócios portugueses; o que desenvolveria a econo- dívidas. O resultado do privilégio era frontalmente
mia nacional “e faria florescer o seu comércio” (idem, contrário aos interesses do reino: “o senhor é dissi-
ibidem). A liberdade de religião e a confiança de que pador, nem sabe o que tem, nem o que deve; perde
não teriam seus bens confiscados fariam com que os toda a ideia de justiça, da ordem, da economia; pede
judeus contribuíssem para desenvolver e equilibrar o emprestado com mando, maltrata e arruína a quem lhe
comércio português. recusa” (Sanches, s.d., p. 97). Além disso – prossegue
E o desequilíbrio comercial – preocupação o autor –, se pela religião cristã todos seriam iguais pe-
com que Luís da Cunha finaliza o texto – pode ser rante os mandamentos da Igreja, como justificar essas
compreen­dido como a quarta sangria que ceifava o desigualdades de tratamento entre as pessoas? Como
vigor e a potência do reino português. justificar as regalias? Contraditoriamente, o plano das
Cartas – traçando um retrato do que seria adequado
Ribeiro Sanches e suas Cartas sobre a educação ao ensino português nos estudos menores e nos maio-
da mocidade res – “dividia a mocidade em três grupos sociais cujo
destino escolar nada tem a ver com as capacidades
António Nunes Ribeiro Sanches (1699-1782) era dos componentes dos grupos, mas apenas com a sua
um médico que, cristão-novo, embora tenha iniciado situação social. Os grupos são o povo, a classe média
seus estudos em Coimbra, cedo se transferiu para Sa- e a nobreza” (Carvalho, 1986, p. 439-440). A educação
lamanca, onde formou-se em medicina. Diz Rómulo estaria, sob tal perspectiva, diretamente subordinada
de Carvalho (1986) que ele saiu do país aos 27 anos e aos interesses econômicos, políticos, comerciais e até
nunca mais regressou. Exerceu a Medicina na Rússia, militares do Estado português.
entre 1731 e 1747, tendo sido médico da Czarina. Na As escolas – para Ribeiro Sanches – precisavam
Rússia, ele dirigiu um hospital, desenvolveu investi­ ser distribuídas estrategicamente. Existiriam apenas
gações científicas e clinicou na Escola Militar de naqueles lugares onde fosse necessária a educação da
São Petersburgo. Quando soube que Pombal havia juventude. Nesse sentido, o autor propunha a instau-

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A dimensão iluminista da reforma pombalina dos estudos: das primeiras letras à universidade

ração de um tribunal voltado especificamente para as grande alegria se deve desvanecer nem ensoberbecer,
coisas do ensino; e, assim, “que em nenhuma aldeia, porque somos nascidos para viver uma vida cerceada
lugar ou vila onde não houvesse duzentos fogos não sempre pela alegria e pela tristeza; que nenhum bem é
fosse permitido, a secular ou eclesiástico, ensinar por sem mistura de mal, nem nenhum mal sem mistura de
dinheiro ou de graça a ler ou a escrever” (Sanches, s.d., bem” (idem, p. 135). Tudo isso – saberes e costumes –
p. 129). Por qual motivo? Diz o autor que a instrução poderia ser ensinado à meninice; o que, aliás, não
criaria no espírito uma certa altivez, inadequada para era difícil, como demonstra a facilidade natural que
a maior parte das pessoas, especialmente para aquelas qualquer criança apresenta em dominar rapidamente a
destinadas às lides do trabalho. O estudo, além do forma oral de sua língua materna.2 Mas é fundamental
mais, exigia um esforço diametralmente contrário ao que não nos esqueçamos que, para atingir a meninice,
esforço físico; fazendo com que a juventude perdesse será necessário “o mestre lhe falar na língua e na frase
o vigor e a força: “aquela desenvoltura natural; porque que é própria àquela idade” (idem, ibidem).
a agitação, o movimento e a inconstância é própria Relativamente ao ensino das Universidades,
da idade da meninice” (idem, ibidem). O excesso de Ribeiro Sanches centra-se no exemplo português
estudo enfraqueceria o corpo, já que, na escola, os me­ da Universidade de Coimbra. Ali havia, na época,
ninos ficam “assentados, sem bulir, tremendo e temen- quatro faculdades: Direito Canônico, Jurisprudência,
do” (idem, ibidem). Por causa de tudo isso, Ribeiro Teologia e Medicina. Porém, segundo o autor, todos
Sanches conclui que nem todos deveriam frequentar os cursos eram defasados e obsoletos. Note-se que não
a escola: “não convém uma educação tão mole a havia sequer um curso de Filosofia – compreendendo-
quem há-de servir à república, de pés e de mãos, por se esse estudo como uma pertença do território da
toda a vida” (idem, ibidem). Para o povo miúdo, não Teologia. Tomando o caso do Direito Canônico e
convinha a escola. Ribeiro Sanches era iluminista; e da Jurisprudência, Ribeiro Sanches assegura que
o Iluminismo era também isso. as referências daquele modelo de ensino eram
Para as escolas a serem abertas e controladas pelo absolutamente insuficientes para “formar conselheiros
Estado, Ribeiro Sanches sugere que – particularmente de Estado, embaixadores, generais, almirantes, etc.”
nas de primeiras letras –, em vez do aprendizado por (Sanches, s.d., p. 159). E a razão de tal insuficiência
catecismos religiosos, fosse elaborado catecismo de residia no fato de estar a universidade sob a exclusiva
novo tipo – aquele voltado para ensinar às crianças “as alçada do clero.
obrigações com que nasceu” (Sanches, s.d., p. 133). Havia uma arquitetura do Estado que pressu-
Para tanto, as escolas deveriam providenciar “livri- punha pessoas para gerirem a organização do reino.
nhos impressos em português por onde os meninos Isso requereria planejamento, execução de metas,
aprendessem a ler, onde se incluíssem os princípios da fiscalização e controle. Daí a necessidade, identificada
vida civil de um modo tão claro que fosse a doutrina por Ribeiro Sanches, de preparo desses profissionais
compreendida por aquela idade” (idem, ibidem). A especializados, que teriam cargos na administração
isso o autor denomina “catecismo da vida civil” (idem, do reino. A instrução das chamadas escolas maiores
ibidem). Conhecimentos, valores e condutas ali im-
pressos seriam ensinados às crianças “com castigos e
com prêmios, acostumando aquela idade mais a obrar 2
“É admirável o juízo humano: na idade de três anos apren-
conforme a razão do que a discorrer” (idem, ibidem). deu um menino a sua língua – falar sem saber o que faz, com o no­
Por meio do livro escolar, seriam instruídas quanto minativo, com o verbo no singular ou no plural, no tempo, no modo,
a comportamentos e ações para com os mais velhos, etc. O que é tão difícil aos adultos que aprendem as línguas doutas
os colegas, a vida social. Pelo compêndio se haveria ou estrangeiras, pode o menino aprender, no dia, de três ou quatro
de compreender “que ninguém na prosperidade e na mestres sem confundir o que aprende” (Sanches, s.d., p. 135).

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Carlota Boto

teria a tarefa de instruir o sujeito em suas “obrigações (idem, ibidem). Assim, as coisas da religião ficariam
de cristão e cidadão” (idem, p. 172). Para tanto, ha- separadas das “ciências humanas” (idem, p. 159).
veria o menino de aprender latim e grego, história e E como deveriam ser as aulas de tais escolas?
geografia, poesia Começar-se-ia pela observação, à semelhança da
percepção que temos na vida cotidiana, quando pres-
[...] e que saiba escrever, ou na língua latina ou na sua, com
tamos atenção às coisas, às pessoas e a nós mesmos.
elegância e propriedade: porque o Estado não somente tem
Daí partia-se para a lição, que era o modo de ilustrar
necessidade de letrados, jurisconsultos e médicos, mas
o entendimento à luz do legado dos que vieram an-
também de secretários, de notários públicos, de intenden-
tes – aquilo que as gerações anteriores “aprenderam e
tes, de conselheiros e assessores nos tribunais ou colégios
experimentaram, como se nos valêssemos das riquezas
que devem governar a economia política e civil do reino.
que ajuntaram nossos antepassados” (Sanches, s.d.,
p. 165). Em seguida, ocorreria o chamado ensino dos
Tanto mais instruídos saírem estes estudantes das escolas
mestres; sempre por “viva-voz e não por postilas3 nem
referidas, tanto melhor exercitarão os cargos em que serão
temas, explicando o que deve inculcar no ânimo dos
empregados. (idem, ibidem)
discípulos, perguntando, orando às vezes, e arguin-
do, não por silogismos, mas em forma de diálogo”
Ribeiro Sanches propõe, então, com base nos (idem, ibidem). A partir daí, o quarto movimento do
requisitos profissionais acima assinalados, três tipos de ensino seria a conversação, mediante a qual se pode
escolas maiores, que deveriam, por um lado, preparar apreender aquilo que os outros sabem. Ouvimos e
a mocidade nobre para o aprendizado das ciências e, aprendemos quando partilhamos; ou, nos termos do
por sua vez, os súditos para bem servirem a pátria. texto, quando “imitamos sem nos apercebermos o
Diz Joaquim Ferreira (s.d., p. 60) que “essas escolas judicioso que ouvimos e admiramos; e, com agrado e
maiores ou Faculdades seriam de fundação régia, in- amor da sociedade, transformamos o nosso entendi-
dependentemente da anuência da Santa-Sé”. Ribeiro mento naquele com quem tratamos” (idem, ibidem).
Sanches, ao tratar dos estudos maiores, sugere, sob os Finalmente, aconteceria o momento da meditação;
critérios acima indicados, a classificação das ciências uma reflexão ou atenção madura da alma voltada para
em três modalidades de escolas. todos os movimentos anteriormente feitos no percurso
Na primeira escola, seriam aprendidos os assun- desse aprendizado.
tos da natureza humana, dos corpos, de suas combi- Crítico do ensino doméstico, Ribeiro Sanches
nações, a história natural, a botânica, a anatomia, a recomenda o estabelecimento, em Portugal, de uma
química, a metalurgia e a medicina. A segunda escola Escola Militar, que seria, para a mocidade portuguesa,
seria voltada para os saberes necessários ao “Estado de muito maior proveito do que a profusão do que o
político e civil para governar-se e a conservar-se” autor nomeia “estabelecimentos literários” (Sanches,
(Sanches, s.d., p. 158), de modo a assegurar a felici-
dade dos súditos. Aqui as matérias de estudo seriam 3
O Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa:
“história universal, profana e sagrada; a filosofia mo- feito sobre o plano de F. J. Caldas Aulete, em sua terceira edição,
ral, o direito das gentes, o direito civil, as leis pátrias; no vo­lume II, define a palavra postila: “livro, caderno ou folhas
a economia civil, que se reduz ao governo interior de em manuscrito, por onde os alunos de uma escola ou universi-
cada Estado” (idem, ibidem). Finalmente, haveria uma dade estudam as lições – explanação, explicação, comentário
terceira escola, que abarcaria os assuntos da religião – (ordinariamente manuscrito) a qualquer texto, doutrina, tratado,
mas essa teria sua estrutura organizada pelos próprios etc. – lição que nas aulas de instrução primária, o professor dita
eclesiásticos –, sobre a qual Sanches afirma: “não me e os discípulos escrevem para se aperfeiçoarem na ortografia”
pertence a mim indicar o que nelas se devia aprender” (Aulete, s.d., p. 760).

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A dimensão iluminista da reforma pombalina dos estudos: das primeiras letras à universidade

s.d., p. 183). Essa Escola Real Portuguesa seria vol- Ribeiro Sanches não hesita em indicar que “o
tada para a formação da nobreza e da fidalguia; com o primeiro e cotidiano ensino dessa escola deve ser a
fito de “educar súditos amantes da pátria, obedientes às religião, para cumprirmos a obrigação de cristão”
leis e ao seu rei, inteligentes para mandar e virtuosos (Sanches, s.d., p. 193). Diferentemente, no entanto,
para serem úteis a si e a todos com quem devem tratar” da cultura clerical que imperava no período, a escola
(idem, p. 184). Nesse estabelecimento, os meninos será administrada por mestres leigos – militares, “que
ingressariam entre doze ou quatorze anos. Segundo ensinarão os exercícios corporais para fortificar o cor-
comenta Rogério Fernandes, essa Escola Militar ou po, fazê-lo ágil e endurecido ao trabalho e à fadiga”
Colégio dos Nobres foi pensada para ser um “colégio (idem, ibidem).
destinado à educação militar da nobreza, com a con- Párocos e vigários restringir-se-iam a administrar
dição, no entanto, de se não esquecer que os filhos sacramentos e a “instruir nos Domingos e dias de festa
da nobreza receberiam nesse colégio uma educação na religião; mas sem novenas, irmandades, confrarias
polivalente, de tal sorte que poderiam desempenhar e outras instituições, que não são essenciais à religião
funções nos estratos superiores do aparelho do Es- católica” (idem, ibidem). Verifica-se aqui um modelo
tado” (1992, p. 80).4 Joaquim Ferreira (s.d., p. 65) de ensino que, embora não fosse laico, porque man-
destaca que “Ribeiro Sanches, propondo ao Marquês tinha em seu cenário o universo religioso, era, sem
de Pombal a criação do Colégio dos Nobres, nutria a dúvida, secularizado. Ou seja: quem mandava ali era
certeza de ofertar à sua pátria um núcleo de estadistas o Estado. Esse era o plano. No projeto de Ribeiro
capa­zes de engrandecê-la”. E o Marquês de Pombal – Sanches, o controle da ação educativa não mais per-
talvez ouvindo seu conselheiro – funda em 7 de março tenceria à Igreja. Seria, antes de tudo, responsabilidade
de 1761 o Colégio dos Nobres.5 do Estado; inclusive porque a educação da mocidade
era tida por estratégia para conservar e fortalecer a
monarquia.
4
Rogério Fernandes (1992) recorda que, voltando-se para Outra providência recomendada por Ribeiro
as questões de organização do sistema escolar, Ribeiro Sanches já Sanches era a instituição de outro tipo de colégio:
dialogava, de alguma maneira, com as primeiras medidas tomadas este voltado para formar meninas fidalgas. Sendo as
pelo Marquês de Pombal nos estudos menores. Há ressonância mães as primeiras educadoras, tais escolas preparariam
das ideias de Ribeiro Sanches também em várias iniciativas pom- aquelas que, em primeiro lugar, teriam por missão a
balinas, revelando o modo pelo qual ideias e ações circulavam e formação das novas gerações. Percebe-se, todavia,
se entremeavam à época: “fundação do Real Colégio dos Nobres que a preocupação com a instrução das mulheres tem
(1761), cuja abertura se efetua em 1766, e da Real Escola Náutica também o objetivo de ensinar a elas quais eram as
do Porto (1762); criação da Real Mesa Censória (1768), organismo coisas permitidas e as proibidas; o que deveria ser lido
que passa a superintender na atividade do Diretor dos Estudos; e o que estava proscrito. Nesse sentido,
criação da Junta de Providência Literária (1770)” (Fernandes,
1992, p. 85).
Todas as primeiras ideias que temos provêm da criação que
5
“Embora não se conheçam documentos que nos autorizem
temos das mães, amas e aias; e se estas forem bem educadas
a admitir qualquer afinidade entre o pensamento iluminista das
nos conhecimentos da verdadeira religião, da vida civil
cartas de Ribeiro Sanches e a orientação doutrinária do pombalis-
e das nossas obrigações, reduzindo todo o ensino destas
mo, ainda que seja nos anos mais dramáticos da disputa com os
meninas fidalgas à geografia, à história sagrada e profana,
jesuítas, o certo é que estas cartas não deixaram de ter repercussão,
e ao trabalho de mãos senhoril, que se emprega no risco,
pois a criação do Colégio dos Nobres, por elas preconizada, logo
bordar, pintar e estofar, não perderiam tanto tempo em ler
encontrou o firme apoio do gabinete de Dom José I” (Carvalho,
novelas amorosas, versos que nem todos são sagrados, e em
1978, p. 91).

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outros passatempos onde o ânimo não só se dissipa, mas às coisas importantes e da incompetência para “facilitar
vezes se corrompe. Mas o pior desta vida assim empregada o caminho para entendê-las” (idem, ibidem). Reco-
é que se comunica aos filhos, aos irmãos e aos maridos. menda Verney que, em vez dos longos períodos em
(Sanches, s.d., p. 190-191) latim, “devia o mestre ensinar ao discípulo compor
bem uma oração portuguesa breve – uma carta, um
cumprimento, ou coisa semelhante” (idem, p. 78). O
O Verdadeiro método de estudar como projeto estudante faria isso com muito maior facilidade do que
pedagógico de Verney realizava suas composições em latim, já que agora “o
faz em uma língua que sabe, na qual o mestre pode cla-
Luís António Verney (1713-1792) era filho de ramente mostrar-lhe os erros” (idem, ibidem). Verney
pai francês e mãe portuguesa. Nasceu em Lisboa e advertia os contemporâneos para o que compreendia
foi aluno do Colégio Jesuítico de Santo Antão. Depois ser a realidade dos colégios; dos quais saíam homens
frequentou Artes e Teologia na Universidade de Évo- que, além de não saber latim, não eram sequer capazes
ra. De lá, seguiu para a Itália, onde defendeu tese em de redigir uma carta em português (idem, p. 79).
Teologia (Cidade, 1985, p. 143). Defensor da filosofia À luz dessa preocupação com os temas relativos
moderna, que se assentava na fundamentação científica ao ensino da língua, Verney critica a ignorância exis-
newtoniana, Verney postula a renovação dos estudos tente em matéria de ciência moderna, bem como o
do reino português sob nova base – moderna. Para uso de tratados obsoletos sobre questões da física, o
ele, isso supunha colocar de parte autores consagrados excessivo apego a um aristotelismo fora de época, e
como Aristóteles, Galeno ou Hipócrates. também o inaceitável recurso ao argumento de autori-
Luis António Verney, iluminista, foi – com dade. Tudo isso paralisaria a razão – o que era, ainda,
D. Luís da Cunha e António Nunes Ribeiro Sanches – agravado pela excessiva valorização do verbalismo
referência teórica do pombalismo. Seu principal no ensino das ciências. Para Verney, em matéria de
texto – Verdadeiro método de estudar – foi publicado ciências, não interessa quem disse o que. Não interessa
antes na Itália do que em Portugal, onde logo depois tanto como isso foi dito. O que parecia fundamental
também era impresso. Veio a público, pela primeira era verificar se a experiência comprova a veracidade
vez, em 1746, em Nápoles. Era um manual – escrito na da hipótese. Ao tratar agora do conhecimento das
forma de cartas – que contemplava variados aspectos ciências, o autor encaminha-se para abarcar sua
da cultura: lógica, gramática, ortografia, metafísica apreciação, não apenas dos estudos dessas matérias,
etc. (Maxwell, 1996, p. 12). Em suas cartas, Verney, mas dos modos de organização das chamadas escolas
de alguma maneira, articula – por meio da crítica sa- maiores – ou universidades.
tírica – formas alternativas de se ensinar. Ele reputa Verney enfatiza a necessidade de se observar para
como fundamental uma reforma que abrangesse, em saber. Compreender a natureza das coisas seria – para
Portugal, todo gênero de estudos: os menores (escolas ele – observar bem e, para tanto, havia de se possuir
de primeiras letras e colégios secundários) e os maio- um juízo claro: “observar muito, e bem, ou saber-se
res (universidades). servir dos que o fizeram; e fundar os seus raciocínios
Para o caso das escolas menores – especialmen- em princípios evidentes, quais são os matemáticos”
te no nível elementar – Verney declara que bastava (Verney, s.d., p. 176). Sublinha sempre que apenas a
examinar o interior das instituições de ensino para experiência poderá conduzir ao conhecimento. Somen-
verificar que os mestres sobrecarregavam a memória te, pois, à luz da observação é que se poderá discorrer
das crianças “com coisas desnecessaríssimas” (Verney, sobre qualquer coisa. “Nós não temos conhecimento
s.d., p. 76). O excessivo apelo aos castigos derivaria, imediato das naturezas; unicamente temos dois meios
na vida escolar, dessa incapacidade de ensinar as para o conseguir: observar as propriedades; e ver se,

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A dimensão iluminista da reforma pombalina dos estudos: das primeiras letras à universidade

mediante alguma resolução, podemos chegar a co- Verney (s.d., p. 207) reconhece que o bom prático é,
nhecer os princípios de que se compõe esta ou aquela de fato, aquele que domina a “causa particular dessa
entidade física” (idem, p. 177). Mais do que isso, “não determinada enfermidade” para podê-la curar. Porém
devemos querer que a natureza se componha segundo o próprio saber prático – por isso mesmo – só seria
as nossas ideias; mas devemos acomodar as nossas enriquecido pelo conhecimento da anatomia. O corpo
ideias aos efeitos que observamos na natureza” (idem, é uma máquina a ser esquadrinhada; e não se cura “às
ibidem). Finalmente, Verney argumenta que a ciência apalpadelas” (idem, p. 208).
aristotélica – enredada em suas noções de matéria, A destreza necessária ao cirurgião é vista por
forma e privação – não possui aparato conceitual para Verney como absolutamente tributária de seu co-
apreender, de fato, as realidades descortinadas pela nhecimento anatômico, e ele dá exemplos de como
ciência moderna. Tanto a lógica aristotélica quanto o desconhecimento poderia ser funesto na prática
a razão escolástica eram absolutamente insuficientes cirúrgica: “conheci uma senhora a quem um clérigo
para explicar os fenômenos da natureza. deslocou duas costelas, querendo consertar-lhe uma;
Assim como fizera o médico Ribeiro Sanches,6 e ficou toda a sua vida com uma deformidade nas cos-
Verney – que não era médico – critica severamente tas” (Verney, s.d., p. 215). Finalmente, para conclusão
os modos de se ensinar a medicina. Ambos – Ribeiro desse tópico, o texto assinala que, de todos os perigos,
Sanches e Verney – “aconselhavam o adiantamento da o pior seria o de recorrer àquelas pessoas que, dizendo
filosofia natural (física e ciências naturais) e da clínica. possuir poderes mágicos, arrogam-se para si a virtude
Propugnavam o abandono da filosofia peripatética e de curar. Era necessário tornar racional o aprendizado
da Medicina galeno-árabe” (Guerra, 1983, p. 283)”. da medicina – e especialmente era urgente introduzir a
Além disso, os iluministas portugueses destacam “o matéria da anatomia com base no estudo de cadáveres
primado das manifestações objetivas da doença, basea­ humanos. Só assim seria superada a ignorância relati-
do no conhecimento das ciências exatas e naturais; o vamente ao conhecimento do corpo humano, de suas
desenvolvimento do ensino e da prática da anatomia e enfermidades e de suas possibilidades de cura.
da cirurgia” (idem, ibidem). Enfim, parecia imperioso Luís António Verney parte de um pressuposto
substituir – como se dizia à época – a experiência da jusnaturalista para defender sua concepção de ética:
autoridade pela autoridade da experiência. “os homens nasceram todos livres, e todos são igual-
Verney identificava desdobramentos de uma mente nobres” (s.d., p. 194). Os primeiros grupos
ignorância a outra: o desconhecimento da física e da sociais já teriam reconhecido a necessidade de se
química era fundamento para a ausência de conhe- conferir racionalidade à vida em comum, além de
cimentos na medicina. A mesma estupidez conduzia ordem e obediência. Para isso, era indicado meditar
ao desprezo pela anatomia. Desconhecendo-se a sobre os costumes. As pessoas dependem umas das
anatomia, erravam-se os diagnósticos e abusava-se outras. Os mais virtuosos dentre os homens tendem
de remédios errados. A cirurgia era um saber apenas a se destacar tanto em tempos de guerra quanto em
prático, sem qualquer estatura teórica, já que esta re- tempos de paz. Sendo assim, costumam ser mais
quereria intrinsecamente conhecimento de anatomia. prestigiados do que os outros. Esse é o verdadeiro
princípio da nobreza. Por aí, talvez erroneamente,
6
D. João V teria consultado Ribeiro Sanches sobre uma pos- acreditou-se que as pessoas transmitiam a seus filhos
sível reforma dos estudos médicos (Guerra, 1983, p. 286). Ribeiro suas próprias virtudes.
Sanches escreveu então, em 1761, um texto intitulado Método Assim – conclui Verney – o que confere a nobreza
para aprender a estudar a Medicina – o qual procurei abordar em ao sujeito não é o príncipe, mas a educação recebida:
“O enciclopedismo de Ribeiro Sanches: pedagogia e medicina na “se conduzirem esta criança a um país incógnito, e for
confecção do Estado” (Boto, 1998). criado por vilões, há-de ser vilão e não príncipe, e em

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Carlota Boto

tudo se parecerá com quem a criou” (s.d., p. 200). A os conhecimentos rudimentares da leitura, da escrita e
pedra de toque do caráter e da verdadeira estirpe da do cálculo. Desse modo, Verney propõe que o ensino
alma seria, nesse sentido, a educação recebida; já que feminino seja, tanto quanto possível, o mesmo que se
“os inteligentes sabem muito bem que o sangue do pai deveria aplicar aos rapazes:
poderá comunicar ao filho alguma enfermidade here-
ditária, como gota, escorbuto, gálico, epilepsia etc.; O primeiro estudo das mães deve ensinar-lhes – por si ou,
mas de nenhum modo lhe comunica nem vícios nem tendo possibilidade, por meio de outra pessoa capaz – os
virtudes” (idem, p. 202). Muitas vezes, pelo contrário, primeiros elementos da fé etc., explicando-lhes bem todas
aqueles que são socialmente reputados como nobres estas coisas, o que podem fazer desde a idade de cinco anos
frequentemente adquirem hábitos afetados, quando até os sete. Depois, ler e escrever português corretamente.
não pouco civis. Inclusive, “muitos, para fingirem Isto é o que rara mulher sabe fazer em Portugal. Não digo
uma nobreza mui elevada, até são descorteses: não eu escrever corretamente, pois ainda não achei alguma que
cumprimentam quem os saúda; não respondem a quem o fizesse; mas digo que pouquíssimas sabem ler e escrever; e
lhes escreve; ou, se o fazem, é de uma maneira mais muito menos fazer ambas as coisas corretamente. Ortografia
injuriosa que civil” (idem, p. 203). e pontuação, nenhuma as conhece. As cartas das mulheres
Verney – aqui também como Ribeiro Sanches – é são escritas pelo estilo das bulas, sem vírgulas nem pontos; e
um defensor da instrução das mulheres. Serão mães algumas que os põem, pela maior parte, é fora do seu lugar.
de família; e, portanto, primeiras mestras. Ensinam as Este é um grande defeito, porque daqui nasce o não saber
crianças a falar. Dirigem a economia das casas. Tudo ler e, por consequência, o não entender as coisas. (Verney,
isso, por si, já constituiria motivo para que elas fossem s.d., p. 218)
instruídas na cultura das letras. Além disso, o estudo
formará seus costumes. Exatamente por não terem
assunto com suas mulheres ignorantes (porque as Enfim, cobrindo praticamente todos os campos
julgam “tolas no trato”) é que homens casados “vão a da instrução, o trabalho de Verney possibilitava uma
outras partes procurar divertimentos pouco inocentes” avaliação panorâmica da situação do ensino português;
(Verney, s.d., p. 217). Nesse sentido, instruir as mulhe- por cuja leitura – em larga medida – Pombal se pau-
res seria uma forma de obtenção de paz e de harmonia taria para “levar a efeito as suas reformas educativas”
familiar. Além disso, cada donzela deveria “aprender (Marques, 1984, p. 325).
a ter o seu livro de contas, em que assente a receita
e despesa, porque sem isso não há casa regulada” A escola pública traçada pelo
(idem, p. 223). Muitas vezes as senhoras ficam viúvas Marquês de Pombal
e os bens são arruinados exatamente porque elas não
possuem qualquer noção do “modo de conservar e Quando sobe ao trono D. José I, em 1750, Se-
aumentar as rendas de suas fazendas” (idem, ibidem). bastião José de Carvalho e Melo toma posse como
Por tudo isso, os trabalhos manuais e especialmente ministro da Secretaria do Exterior e da Guerra. Ele
as prendas de salão7 seriam menos importantes do que trazia consigo a experiência diplomática e o que ob-
servara no exterior. Convivera durante anos com uma
7
Como diz Rómulo de Carvalho (1986, p. 417), aqui “o pro­ “comunidade de expatriados portugueses” (Maxwell,
gressivismo de Verney não foi suficiente para vencer os preconceitos 1996, p. 10); os quais, na grande maioria das vezes,
de classe”. Ao dizer – quando avalia a futilidade do apren­dizado das
prendas de salão – que “nas senhoras grandes não é tão condenável
aplicar-se a estes divertimentos inocentes, se o fazem com o fim pessoas nobres das outras. Essa contradição é típica dos autores
de não ficarem ociosas (Verney, s.d., p. 227)”, Verney distingue as iluministas; e o Iluminismo português não fugiria à regra.

292 Revista Brasileira de Educação v. 15 n. 44 maio/ago. 2010


A dimensão iluminista da reforma pombalina dos estudos: das primeiras letras à universidade

tinham deixado o país por se sentirem perseguidos monarca, reiterando uma tradição absolutista, que
ou tolhidos pela ação inquisitorial. Mas havia outro persiste período afora, representa também o avanço
aspecto também fundamental: “as preocupações que o termo traz, pela contraposição à tradição de
de Pombal também refletiam as de uma geração de ensino por parte da Igreja” (p. 182). Eram, em sua
funcionários públicos e diplomatas portugueses que grande maioria, classes de primeiras letras, incluindo
haviam meditado muito sobre a organização imperial o ensino da leitura, da escrita, da aritmética, do cate-
e as técnicas mercantilistas” (idem, ibidem). O padrão cismo e dos preceitos da civilidade; mas havia também
econômico mercantilista – e não ainda a economia de classes de latim, grego, hebreu e retórica (Marques,
mercado – era compreendido pelos contemporâneos 1984, p. 337). Em todas elas, era proibido aos mestres
como o grande responsável pelo vigor político e pela e professores valerem-se dos livros e materiais de
riqueza econômica dos países centrais da Europa. ensino utilizados pelos jesuítas.8
Laerte Ramos de Carvalho (1978) consagrou O Alvará de 28 de junho de 1759 parte da
no Brasil a ideia de que teria havido ao menos duas constatação de que existiria uma decadência em todos
reformas pombalinas da instrução pública, posto que os campos dos estudos do Reino. Tal decadência era
vincula o ano de 1759 à reforma dos estudos menores atribuída ao “escuro e fastidioso método” (in Almeida,
e o ano de 1772 à reforma dos estudos maiores (ou da 2000, p. 32) que os padres jesuítas introduziram
Universidade). Mas, à luz da interpretação de António nos colégios sob sua responsabilidade. O projeto
Nóvoa (1987), Ruth M. Chittó Gauer (2001, 2004) da Reforma era, então, o de reaver o que Pombal
e Tereza Fachada Levy Cardoso (2002), seria mais denomina método antigo: “reduzido aos termos
adequado compreendermos a existência de dois (ou símplices, claros e de maior facilidade que se pratica
mais) momentos de uma mesma reforma dos estudos; atualmente nas nações mais polidas da Europa”
até porque as medidas implementadas relativamente (idem, ibidem). Haveria, pelo plano pombalino, um
aos estudos menores continuaram a ser elaboradas até diretor dos estudos responsável por “fazer observar
a década de 1770 – e, do mesmo modo, algumas dire- tudo o que se contém neste alvará e sendo-lhe todos
trizes relativas aos estudos maiores são anteriores. os professores subordinados” (idem, ibidem). Esse
Pode-se dizer que a reforma dos estudos gestada
e executada por Pombal, em suas diferentes etapas, re- 8
Thaís Nívia de Lima e Fonseca (2006, p. 3709) sublinha
volucionou a estrutura do ensino português. Fechou os que, para o caso da Capitania de Minas Gerais, “até que fossem im­
colégios da Companhia de Jesus. Expulsou os jesuítas plantadas as reformas na educação durante a administração do

do Reino e de seus domínios – sob pretexto de que eles Marquês de Pombal, no governo de Dom José I, foi pouco visível

teriam participado de alguma maneira de um suposto a institucionalização da instrução elementar, na Capitania, já que

atentado contra o rei. Confiscou seus bens. Muitos não houve aqui a presença dos estabelecimentos educacionais
jesuítas ou de qualquer ordem religiosa. Mesmo considerando as
membros da Companhia foram deportados.
determinações constantes nas Ordenações do Reino, as ações no
Por Alvará de 28 de junho de 1759, o futuro
sentido de promover o ensino das primeiras letras ou o ensino se-
Marquês de Pombal reestruturou os chamados estudos
cundário estavam, em geral, restritas aos particulares. A partir das
menores. Criou-se, a partir dali, a acepção de aulas
reformas pombalinas e principalmente depois da criação das aulas
régias, compreendendo tanto as classes de primeiras
régias, tornaram-se mais freqüentes as referências a esse tipo de
letras quanto as classes de humanidades – daquilo
educação na documentação administrativa. Foram recorrentes os
que, posteriormente, se caracterizará como ensino
ofícios enviados pelas Câmaras das vilas mineiras ao rei, solicitando
secundário. Assinala Tereza Fachada Levy Cardoso a instalação de aulas, associando a necessidade da educação como
(2004) que “a palavra régio tem um caráter ambíguo, instrumento de civilização, o que significa reforçar a formação
porque, ao mesmo tempo em que remete à figura do moral, cívica e religiosa da população”.

Revista Brasileira de Educação v. 15 n. 44 maio/ago. 2010 293


Carlota Boto

diretor dos estudos, auxiliado por comissários9 que A crítica severa do Compendio Historico do
inspecionariam as escolas, deveria verificar o que Estado da Universidade de Coimbra à Companhia de
faziam os professores, o que deixavam de fazer, além Jesus vem expressa na própria continuidade do texto
de “adverti-los e corrigi-los” (idem, ibidem), quando que dá título ao documento: “no tempo da invasão
isso se fizesse necessário. Eram su­bordinados do dos denominados jesuítas e dos estragos feitos nas
diretor dos estudos todos os professores das escolas sciencias e nos professores e directores que a regiam
menores (Gomes, 1984, p. 9). Por isso, caberia a ele pelas maquinações, e publicações dos novos estatutos
controlar os progressos dos alunos. por elles fabricados” (Compêndio, 1972). Suprimir os
O projeto previa também que o diretor deveria ter vestígios da Companhia de Jesus significava, à época,
“todo o cuidado em extirpar as controvérsias e de fazer substituí-la à altura. Em primeiro lugar, desconstruir o
com que haja entre eles (professores) uma perfeita paz suposto atraso; em seguida, formular uma alternativa.
e uma constante uniformidade de doutrina, de sorte Quando foi feita a reforma da universidade, “aos no-
que todos conspirem para o progresso de sua profissão vos professores catedráticos de Coimbra e Évora foi
e aproveitamento de seus discípulos” (Alvará, 2000, concedido o uso de residências dos jesuítas expulsos”
p. 32). Não deixa de ser revelador o fato de o Alvará (Maxwell, 1996, p. 205).
de 1759 se referir ao ofício do magistério como profis- Ainda a propósito da estrutura do currículo, uma
são (Mendonça, 2005). O Alvará de Pombal indicava das censuras explicitadas no Compêndio pombalino
também as matérias que deveriam constituir as aulas dizia respeito ao fato de as escolas maiores – bem
régias; e, além disso, prescrevia quando e onde elas como todos os colégios controlados pelos jesuítas –
deveriam ser abertas. Chegava a recomendar livros limitarem o estudo da moral ao conhecimento da moral
para uso das escolas, de modo que fossem escolhidos aristotélica. A Ética de Aristóteles era, segundo consta
compêndios alternativos àqueles utilizados pelos do Compêndio, adotada como obra “para se ler nas
colégios jesuíticos. As aulas régias seriam abertas a escolas da Universidade de Coimbra; para se difundir
todos, sem distinções de classe. nas Aulas de todos esses Reinos; e para constituírem
Quanto à reforma dos estudos maiores ou univer- nela o venenoso charco, donde saíram as mortíferas
sitários – já destacava Rogério Fernandes (1992) –, ela inundações” (Compêndio, 1972, p. 204). O argumento
teria sido deflagrada quando “a Junta da Providência aqui é cristão. A obra do filósofo grego do século IV
Literária, a que presidiam o Cardeal da Cunha e o a.C. é considerada ímpia, ateia, prejudicial e indigna,
próprio Marquês de Pombal, elaborou em 1771 o por não ser regida pelos preceitos do cristianismo.
Compêndio Histórico do Estado da Universidade Curiosamente, a denúncia do Compêndio repudia
de Coimbra” (Compêndio, 1972, p. 88). O referido os estatutos jesuíticos vigentes na Universidade de
documento oferece um preciso diagnóstico do que Coimbra em virtude de uma defesa religiosa: a moral
teriam sido os “estragos” realizados pela Companhia cristã. Aí está uma das tantas contradições do discurso
de Jesus nos estudos portugueses; especialmente nos iluminado do século XVIII.
estudos universitários. O Compêndio é também severo ao denunciar o
atraso dos métodos com que se ensinava em Coimbra.
No caso dos cursos jurídicos, por exemplo, as aulas
9
Como consta da obra de Laerte Ramos de Carvalho (1978, p. 116), eram sempre uniformemente organizadas à luz do que
os Comissários eram designados, nos diferentes lugares do Reino e de o documento chama de “método analítico” (Compên-
seus domínios, “para fazer o levantamento do número de professores dio, 1972, p. 262). O método analítico corresponderia a
existentes, tirando informação sobre sua vida e cos­tumes, a fim de levar aulas centradas em comentários de textos considerados
ao conhecimento do diretor geral dos estudos ampla notícia do estado em clássicos. Muitas vezes os professores ficavam presos
que se achavam as escolas em cada localidade”. a questiúnculas, fazendo longas digressões sobre

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A dimensão iluminista da reforma pombalina dos estudos: das primeiras letras à universidade

uma só lei ou capítulo (idem, ibidem); mas que era assistido a cirurgias. Enfim, a formação dos médicos
tido como aquele que contemplaria a questão central era completamente alheia à prática do ofício médico.
e própria do texto. Essas lições analíticas” (idem, Não se ocupava de observar o que médicos faziam
ibidem) eram explicações dadas sempre do mesmo com pessoas que adoeciam. Com a reforma do curso
modo, todos os anos, invariavelmente pelo mesmo de medicina, Pombal dava concretude às sugestões
professor, fazendo com que, no transcurso de sua que lhe haviam sido feitas por parte da geração de
vida universitária, o estudante travasse contato com estrangeirados com quem conviveu. O ponto de par-
pouquíssimos “textos e doutrinas; e ainda elas sem a tida da reforma do curso de medicina era o seguinte:
conexão e dedução, que mais que tudo concorrem para “a autoridade, comparada com a experiência e com a
elas bem se perceberem, e se imprimirem melhor na demonstração racional, de nada vale” (Guerra, 1983,
memória” (idem, ibidem). p. 293). O substrato da reforma será, portanto, o de
Lia-se pouco; ouvia-se e copiava-se muito. Os considerar as grandes descobertas que modificavam
lentes da universidade expunham, amiúde, “somente o olhar da compreensão biológica – como, por exem-
algumas leis e capítulos avulsos, cujas conclusões plo, a descoberta de Harvey de que o sangue circula
prin­cipais e doutrinas a elas pertencentes, e que nos no corpo.
mesmos textos se tratam, não podem bastar para a Na descrição feita das aulas ministradas para o
necessária instrução dos ouvintes” (Compêndio, 1972, curso de medicina, o Compêndio reitera aquele bi-
p. 262-263). Por causa disso, os estudantes enfadavam- nômio típico, das lições e das disputas; estas últimas
se das aulas, muitas vezes deixavam a universidade transformando-se, muitas vezes, em brigas ruidosas –
“sem terem chegado a aprender, e nem ainda a ouvir especialmente em ocasião de exames. A descrição fala
as principais Regras e Primeiros Princípios de todas as por si mesma:
matérias do Direito” (idem, p. 263) – como usualmente
acontecia. Além disso, os comentários dos professores A Aula da Medicina oferecia, então, um espetáculo notável,
ao qual concorriam os Estudantes das mais Faculdades para
tornavam-se postilas, que “para as mesmas lições se
se divertirem. Enfurecia-se o Presidente; gritavam os Ar-
ditavam” (idem, ibidem). E os alunos não estudavam
guentes; acendia-se o Defendente; todos queriam ter razão;
pelos textos, mas pelas postilas. Tudo isso era feito sem
e, como estavam dela distantes, nenhum sossegava, todos
qualquer domínio do que o Compêndio qualifica por
clamavam; e só vencia quem era mais destro e sutil em lançar
“impreteríveis subsídios da interpretação genuína dos palavras picantes. O Defendente saía com tudo aprovado,
Textos” (idem, ibidem). Nada disso seria tão descabi- podia ser promovido à honra dos Graus Acadêmicos, e de-
do – complementa o documento – caso esse referido pois ir exercitar livremente a Medicina em prejuízo comum
“método analítico” fosse seguido do estudo sintético de todo este Reino. (Compêndio, 1972, p. 340)
dos princípios e da doutrina do direito. Os estudantes
precisariam aprender não apenas a interpretar corre- Uma das principais dificuldades assinaladas pelo
tamente as leis e os cânones, mas, se fossem “mais Compêndio referia-se à ausência de uma “ordem certa
textuais, seriam mais hábeis para entenderem bem no ensino das matérias” (Compêndio, 1972, p. 330).
os textos; saberiam deduzir deles as suas verdadeiras Assim, “alguns aprendiam os Aforismos de Hipócrates
conclusões” (idem, p. 264). no terceiro ano; e outros no quinto, conforme as ma-
No estudo da medicina, a situação não era melhor. térias que o Lente ensinava quando eles principiavam
A ineficácia dos estudos preparatórios do curso de seus estudos” (idem, ibidem).
medicina também era um tópico bastante destacado Depois que deixavam a faculdade, a prática dos
no Compêndio pombalino. Formava-se em medicina que se haviam formado em medicina pela Universi­
sem ser preparado para a prática médica; sem sequer dade de Coimbra era simplesmente a de “purgar,
haver aprendido anatomia; sem que o sujeito houvesse san­grar, etc.; sem saber as ocasiões oportunas em que

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Carlota Boto

deviam aplicar esses remédios” (idem, p. 342). Por não referirmos a esse Portugal do final do século XVIII.
se terem habituado à observação médica, não eram Diz Maxwell (1996, p. 104) que foram três os ob-
capazes de conhecer as enfermidades; e, pela mesma jetivos principais da ação pombalina em matéria de
razão, não sabiam prescrever remédios. Enfim, não ensino: “trazer a educação para o controle do Estado,
sabiam curar. Por isso, toda gente achava que poderia secularizar a educação e padronizar o currículo”. De
fazer as vezes de médico. fato, temos aqui uma síntese do que fizera o Marquês.
Mas havia nisso uma preocupação com a demarcação
Tal era o estudo público da Medicina e tais os médicos que das fronteiras. Nesse sentido, a expulsão dos jesuítas
dele saíam. E que diremos da inumerável cópia de Cirur­ também era uma necessidade imperiosa do Estado
giões, de Boticários, de Barbeiros, de Charlatões, de Se- português. Por causa da ação jesuítica, os indígenas
gredistas, de Mezinheiros, de Impostores e até de mulheres brasileiros resistiam a “submeter-se à autoridade por-
Curadeiras, que, pelas Cidades, pelas Vilas, pelos Lugares tuguesa, que eles viam como inimiga” (idem, p. 54).
e Campos se metiam a praticar a Medicina; e conseguiam Pombal desejava a miscigenação para estabelecer o
a fortuna de serem atendidos e chamados até que a triste povoamento brasileiro, sem que, para tanto, ocorresse
experiência de muitas mortes, de que eram réus, os fizesse uma grande emigração dos portugueses. Era preciso,
ser desprezados? Teríamos aqui um larguíssimo campo para por todas as razões, retirar os jesuítas do controle das
discorrer, e fazer ver quanto essa praga infeccionou o Estado. terras e das nações indígenas. Era necessário traçar
(Compêndio, 1972, p. 342-343) a fronteira brasileira. O Estado necessitava disso. A
coesão do Brasil significava naquele momento a força
O Compêndio assinala com veemência a ne- de Portugal.
cessidade de se introduzir a prática de dissecação de Os oráculos do Marquês de Pombal – como já
cadáveres humanos no curso de medicina da univer- foram chamados os autores aqui estudados (Guerra,
sidade. Só isso permitirá que os discípulos “aprendam 1983, p. 287) – haviam alertado os contemporâneos
a conhecer a estrutura, a configuração, a conexão de sobre a fragilidade histórica do Estado português; so-
qualquer parte do corpo humano com outras partes” bre a necessidade de se estabelecer um plano mediante
(Compêndio, 1972, p. 326). o qual o controle dos assuntos da instrução passasse
Enfim, recuperar o atraso português era interagir de mãos religiosas para a tutela do Estado; sobre a
com a transformação do estado das coisas em áreas con­ urgência de, nesse mesmo sentido, reformarem-se os
sideradas estratégicas. Assim eram a educação (tanto os cursos universitários, que preparariam os funcionários
estudos menores quanto os maiores), a justiça e a medi- do Reino. Tratava-se de pensar em um novo modo de
cina. Daí o privilégio dado pelo Compêndio tanto à for- gerir a justiça; tratava-se de fazer com que as pessoas
mação jurídica quanto ao ensino da medicina. Reformar vivessem mais – e, vivendo mais, pudessem se tornar
os estudos universitários – bem como reformar a instru- hábeis para aprender coisas úteis. Tratava-se, sobretu-
ção de primeiras letras e secundária – era o passaporte do, de formar no território e nas colônias um modo de
para a Reforma do Estado; um Estado que se pretendia ser Portugal que fosse mais avançado, mais racional,
incluído em seu tempo – competitivo e potente. mais moderno (Gauer, 1996, 2001).
Finalmente, é preciso compreender que Iluminis-
Considerações finais: 250 anos depois; mo não houve um só: foram vários. Há o Iluminismo
o legado dessa escola rastreada da racionalidade e do progresso; mas há aquele que
acentua a decadência nacional; aquele temeroso do
“Um país como os outros, a contas nunca certas atraso... O Iluminismo português – racionalizador,
com o tempo” (Lourenço, 1999, p. 109). Poderíamos centralizador, secularizador – não era laico; e não era
emprestar a bela frase de Eduardo Lourenço para nos demasiadamente adepto da “extensão das liberdades

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A dimensão iluminista da reforma pombalina dos estudos: das primeiras letras à universidade

individuais” (Maxwell, 1996, p. 170). Mesmo assim, A imagem que o ministro faz de si mesmo e do seu governo,
a ação do Estado pombalino, em consonância com o a consciência que revela do poder real e dos deveres e atri-
pensamento iluminista português, foi além e trouxe buições dos ministros e secretários de Estado, seu universo
medidas que não apenas favoreceram a laicidade – mental, em suma, não têm nada em comum com a filosofia
ao reforçar o poder do Estado na ação política e no do “despotismo ilustrado”.
controle público – como promoveram também uma
via emancipatória que ficaria clara no liberalismo Pombal foi moderno, até onde era possível a
português do século XIX e nas lutas por libertação Portugal daquele tempo ser. Foi a consciência-possível
nacional que aconteciam no Brasil daqueles tempos. O (Goldman, 1972) de uma geração de estrangeirados.
Iluminismo é constituído de luzes e sombras (Pallares- Foi iluminista; mas foi, acima de tudo, homem de ação.
Burke, 2001, p. 53-54). Mas em Portugal – como Pelo discurso, mas especialmente pelos atos, ele, de
também aconteceria depois na França – a ação política fato – pode-se dizer –, enterrou os mortos e cuidou
radicalizou o pensamento iluminista que a precedeu. dos vivos. Não se compreenderá a lógica do ensino
Como ressaltou José Vicente Serrão (1989, p. 12), público brasileiro sem que essa história seja muito bem
o pombalismo chega a ser maior do que o próprio rastreada – uma história de 250 anos atrás...
Pombal. Tratava-se, no limite, de um projeto de gestão;
empreendido, portanto, “por um conjunto de homens Referências bibliográficas
e de entidades institucionais, unidos numa espécie de
rede de solidariedades políticas e pessoais, que tinha ALVARÁ de 28 de junho de 1759. In: ALMEIDA, José Ricardo
por centro a figura do Marquês de Pombal”. Para Pires. Instrução pública no Brasil (1500-1889): história e legisla-
o autor, o pombalismo significou a construção do ção. 2. ed. rev. São Paulo: Educ, 2000. p. 31-34.
moderno Estado português – com uma clara vertente ALVARÁ de 11 de janeiro de 1760. In: ALMEIDA, José Ricardo
intervencionista; tida como imprescindível em decor- Pires. Instrução pública no Brasil (1500-1889): história e legisla-
rência da debilitação sofrida por Portugal nos anos ção. 2. ed. rev. São Paulo: Educ, 2000. p. 35-36.
que antecederam o reinado de D. José, e que haviam ALMEIDA, José Ricardo Pires. Instrução pública no Brasil (1500-
presenciado “a desorganização dos serviços adminis- 1889): história e legislação. 2. ed. rev. São Paulo: Educ, 2000.
trativos, o aumento da corrupção, a proliferação de
ANDRADE, António Alberto Banha de. Verney e a projecção de
facções intestinas, uma grande indefinição de com-
sua obra. Lisboa: Instituto de Cultura Portuguesa/Ministério da
petências” (idem, p. 13). O pombalismo – à luz das
Educação e da Ciência, 1980.
ideias iluministas que lhe precederam – dignificou, em
AULETE, Francisco J. Caldas. Dicionário contemporâneo da
contrapartida, o estatuto de “funcionários públicos” –
língua portuguesa: feito sobre o plano de F. J. Caldas Aulete –
como “parte integrante duma entidade institucional
v. II, 3. ed. Lisboa: Ed. Lisboa; Parceria António Maria Pereira,
ampla: o Estado” (idem, p. 16).
[s.d.]
Para concluir, creio que é preciso tomar cuidado
BOTO, Carlota. Iluminismo e educação em Portugal: o legado do
com um aspecto. Pombal criou para si uma posteridade
século XVIII ao XIX. Revista da Faculdade de Educação, Uni-
antecipada. Foi capaz de produzir representações, de
versidade de São Paulo, v.22, n. 1, p. 169-191, 1996.
fomentar uma autoimagem que indicasse ao futuro
________. O enciclopedismo de Ribeiro Sanches: pedagogia e
os significados desejados de sua biografia – e muito
medicina na confecção do Estado. História da Educação, Pelotas,
especialmente de sua dimensão política. Porém, como
Editora da UFPEL, v.2, n. 4, p. 107-117, set. 1998.
recorda Falcon (1982, p. 361), é preciso que se tenha
clareza de que nem sempre coincidem as práticas de CARDOSO, Tereza Fachada Levy. As luzes da educação: fun-

uma política ilustrada e as representações que tinham damentos, raízes históricas e práticas das aulas régias no Rio de

sobre elas os próprios protagonistas: Janeiro (1759-1834). Bragança Paulista: Edusf, 2002.

Revista Brasileira de Educação v. 15 n. 44 maio/ago. 2010 297


Carlota Boto

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298 Revista Brasileira de Educação v. 15 n. 44 maio/ago. 2010


A dimensão iluminista da reforma pombalina dos estudos: das primeiras letras à universidade

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CARLOTA BOTO, doutora em história social pela Faculdade
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Revista Brasileira de Educação v. 15 n. 44 maio/ago. 2010 299


Resumos/Abstracts/Resumens

of writing, used in the Province of y eran utilizados, en fuentes primarias


Isabel Cristina Alves da Silva Frade Minas Gerais and in Brazil, from the (correspondencias, velatorios, mapas
Uma genealogia dos impressos para o early nineteenth century. Before the de desempeño) producidas en la
ensino da escrita no Brasil no século production of more authorial books Provincia de Minas Gerais, desde 1823.
XIX to teach reading at school, we find Con estas fuentes, se problematiza el
O objetivo deste artigo é caracterizar mention of the use of literacy primers, uso de tablas y cartas. Otro conjunto
e compreender diferentes modelos ABC letters and first reading books. de fuentes analizado es constituido
e formatos de livros escolares ou In the absence of well preserved por cuatro libros brasileños y un libro
de outros impressos para ensinar os materials, we searched for evidence traducido para el portugués, cuyos
princípios da escrita, utilizados na of how they were presented and used, títulos contenían las denominaciones
Província de Minas Gerais e no Brasil a in primary sources (correspondence, silabario, abecedario y cartas de ABC.
partir do início do século XIX. Anterior reports, performance charts) produced La investigación se fundamenta no
a uma produção escolar mais autoral de in the Province of Minas Gerais sólo en los campos de la historia de la
livros para ensinar a ler, encontramos since 1823. With these sources the lectura y del libro (Roger Chartier),
menções sobre o uso de abecedários, use of tables, boards and letters was que abordan las formas de los textos,
problematised. Another set of sources de los impresos y de sus usos, como
cartas do ABC e silabários. Na ausência
examined is composed of four Brazilian también en los estudios de la historia
de materiais conservados, buscaram-se
textbooks and a book translated into de la alfabetización y de la educación,
indícios de como eles se apresentavam
Portuguese, whose titles contained such en el mismo período. Para un análisis
e eram utilizados em fontes primárias
denominations as first reading book, comparativo, fuentes secundarias fran­
(correspondências, relatórios, mapas de
literacy primers and ABC letters. The cesas ayudan a comprender la forma y
desempenho) produzidas na Província
research is based not only on studies los usos de tablas, abecedarios y sila­
de Minas Gerais, desde 1823. Com
related to the history of books and barios.
essas fontes, problematizamos o uso de
reading (Roger Chartier), which deal Palabras clave: impresos, tablas,
tabelas, tábuas e cartas. Outro conjunto
with the types of text, printed matter cartas de ABC, silabarios, abecedarios,
de fontes analisado é constituído por
and their uses but also to studies on historia de la alfabetización, cultura
quatro livros brasileiros e um livro
the history of literacy education in escrita, escolarización de la escritura.
traduzido para o português, cujos
the same period. For a comparative
títulos continham as denominações
analysis, French secon­dary sources Carlota Boto
silabário, abecedário e cartas de ABC.
help to understand the form and uses
A investigação baseia-se não só nos A dimensão iluminista da reforma
of tables, literacy primers and first
campos da história da leitura e do pombalina dos estudos: das
reading books.
livro (Roger Chartier), que abordam as Key words: printed material, boards, primeiras letras à universidade
formas dos textos, dos impressos e de tables, ABC letters, first reading books, O presente artigo tem por propósito
seus usos, mas também nos estudos da literacy primers, history of literacy, discutir o tema da educação à luz da
história da alfabetização e da educação, written culture, school taught writing intersecção entre os ideais políticos
no mesmo período. Para uma análise e pedagógicos de três pensadores
Una genealogía de los impresos para
comparativa, fontes secundárias iluministas portugueses – Dom Luís da
la enseñanza de la escrita en Brasil
francesas ajudam a compreender a Cunha, António Nunes Ribeiro Sanches
en el siglo XIX
forma e os usos de tabelas, abecedários e Luiz António Verney – e a reforma
El objetivo de este artículo es ca­
e silabários. dos estudos empreendida pelo Marquês
racterizar y comprender diferentes
Palavras-chave: impressos, tábuas, de Pombal. A ação de Pombal como
mo­delos y formas de libros escolares
tabelas, cartas de ABC, silabários, ministro do reino português foi, em
o de otros impresos para enseñar los
abecedários, história da alfabetização, certa medida, embasada por reflexões
principios de la escritura, utilizados en
cultura escrita, escolarização da escrita. teóricas acerca de Portugal e da crise
la Provincia de Minas Gerais y en Brasil
A genealogy of printed material for a partir del inicio del siglo XIX. Anterior do império português. Essas reflexões,
teaching writing in Brazil in the a una producción es­co­lar más autoral de entre outros aspectos, destacavam
nineteenth century libros para enseñar a leer, encontramos ser uma necessidade histórica para
The aim of this article is to characterize menciones sobre el uso de abecedarios, o desenvolvimento do país o Estado
and understand the different models cartas de ABC y silabarios. En la falta português tomar para si o controle das
and formats of textbooks or other de materiales conservados, se buscaron questões do ensino em todos os seus
printed material for teaching the basics indicios de cómo ellos se presentaban níveis. Ao expulsar os jesuítas, ao

Revista Brasileira de Educação v. 15 n. 44 maio/ago. 2010 407


Resumos/Abstracts/Resumens

idealizar o modelo das aulas-régias, Ribeiro Sanches y Luiz António Palavras-chave: educação popular;
mas, sobretudo, ao reformar os estudos Verney – y la reforma de los estudios movimentos sociais; Paulo Freire;
da Universidade de Coimbra, a prática emprendida por el Marqués de Pombal. América Latina
da ação pombalina indicava sua filiação La acción de Pombal como ministro del
teórica ao movimento iluminista reino de Portugal fue, en cierta medida, Between emancipation and
português. sustentada por reflexiones teóricas regulation: (mis)matches between
Palavras-chave: instrução pública; acerca de Portugal y de la crisis del popular education and social
Portugal; história da educação; imperio portugués. Tales reflexiones, movements
Marquês de Pombal; Iluminismo. entre otros aspectos, destacaban que The article analyzes the double face of
era una necesidad histórica para popular education in its relation with
The illuminist dimension of the social movements in Latin America,
el desarrollo del país, el Estado
Pombaline reform of studies: from functioning both as subsidiary and
portugués tomó para sí el control de
literacy to the university as their promoter. In this sense, one
las cuestiones de la enseñanza en todos
The objective of this article is to can say that popular education is
sus niveles. Al expulsar los jesuitas,
discuss the theme of education in the the pedagogical expression of social
al idealizar el modelo da las clases
light of the intersection between the movements and, as such, is an ally
regias, mas, sobretodo, al reformar
political and pedagogic ideals of three in the struggle for political and civil
los estudios de la Universidad de
Portuguese Enlightenment thinkers – rights. At the same time, popular
Coimbra, la práctica de la acción
Dom Luis da Cunha, Antonio Nunes education, as a pedagogical process,
pombalina indicaba su filiación teórica
Ribeiro Sanches and Luiz Antonio fulfils a formative and directive role
al movimiento iluminista portugués.
Verney – and the educational reform within society and for the very social
Palabras clave: instrucción pública;
carried out by the Marquis of Pombal. movements. In this article, emphasis
Portugal; historia de la educación;
The action of Pombal as minister is placed on analysis of the changes in
Marqués de Pombal; Iluminismo
of the Portuguese kingdom was to the relation between popular education
some degree based on theoretical and social movements, especially after
reflections on Portugal and the crisis Danilo R. Streck 1990, when new forms of regulation
of the Portuguese empire. Such and control are developed. Two related
reflections, among other aspects, Entre emancipação e regulação: (des)
themes are highlighted in this study:
emphasized that, for the country to encontros entre educação popular e
the territories of resistance and their
develop, the Portuguese government movimentos sociais
respective pedagogies, and the quest
was historically bound to take control O artigo analisa a dupla face da
for new forms of governance and their
of teaching issues at all levels. By educação popular na sua relação com
implications for popular education.
expelling the Jesuits, idealizing os movimentos sociais na América
Key words: popular education; social
the model of the regal-classes, but, Latina, como subsidiária e promotora
movements; Paulo Freire; Latin
above all, by reforming the studies destes. Por um lado, pode-se dizer
America
of the University of Coimbra, the que a educação popular é a expressão
practice of Pombal’s action indicated pedagógica dos movimentos e como Entre emancipación y regulación:
its theoretical affiliation with the tal é aliada na conquista de direitos (des)encuentros entre la educación
Portuguese Enlightenment movement. políticos e civis. Ao mesmo tempo, popular y movimientos sociales
Key words: public education; Portugal, enquanto processo pedagógico, ela é Este artículo analiza la faz dupla
history of education; Marquis of também uma instância formadora e de la educación popular en su rela­
Pombal; Enlightenment orientadora da sociedade e dos próprios ción con los movimientos sociales en
movimentos sociais. Analisam-se as América Latina, como subsidiaria y
La dimensión iluminista de mudanças nas relações entre a educação promotora de estos. Por un lado, se
la reforma pombalina de los popular e os movimentos sociais puede decir que la educación popular
estudios: de las primeras letras a la especialmente a partir da década de es la expresión pedagógica de los
universidad 1990, quando entram em cena novas movimientos y como tal está aliada en
Este artículo tiene como propósito forma de regulação e controle. São la conquista de los derechos políticos
discutir el tema de la educación a destacados dois temas neste estudo: os y civiles. Al mismo tiempo, como
la luz de la intersección entre los territórios de resistência e as respectivas proceso pedagógico, ella es también
ideales políticos y pedagógicos de tres pedagogias, e a questão da nova una instancia formadora y orientadora
pensadores iluministas portugueses governabilidade e as implicações para a de la sociedad y de los propios
– Don Luis da Cunha, António Nunes educação popular. movimientos sociales. Se estudian las

408 Revista Brasileira de Educação v. 15 n. 44 maio/ago. 2010


TEXTO 07

A educação brasileira no período pombalino: uma


análise histórica das reformas pombalinas do ensino

Lizete Shizue Bomura Maciel


Pontifícia Universidade Católica-SP
Alexandre Shigunov Neto
Universidade Federal de Santa Catarina

Resumo

Os autores, por meio de um recorte histórico, apresentam um es-


tudo de caráter bibliográfico, a partir do qual analisam o ensino
brasileiro, ao focalizar especialmente a proposta de reforma edu-
cacional realizada por Marquês de Pombal. Nessa análise, apontam
para as conseqüências da proposta pombalina para a educação
brasileira e portuguesa, em cujo contexto social estavam presentes
idéias absolutistas, de um lado, e idéias iluministas inspiradoras de
Pombal, de outro lado. Os estudos estão centrados na fase
governativa de Pombal, isto é, como ministro da Fazenda do rei
D. José I e, como tal, buscou empreender reformas em todas as
áreas da sociedade portuguesa, inclusive atingindo o Brasil como
colônia, visando dar-lhe uma unidade. A análise crítica converge
para a afirmação de que a reforma pombalina foi desastrosa para
a educação brasileira e, em certa medida, também para o sistema
educacional português. Tal afirmação está fundamentada na se-
guinte questão – destruição de uma organização educacional já
consolidada e com resultados seculares dos padres da Companhia
de Jesus, ainda que contestáveis do ponto de vista social, históri-
co, científico, sem que ocorresse a implementação de uma nova
proposta educacional que conseguisse dar conta das necessidades
sociais. Portanto, a crítica que se pode formular, nesse sentido, e
que vale para o momento atual de nossa sociedade, está relacio-
nada às freqüentes descontinuidades das políticas educacionais.
No entanto, torna-se necessário enfatizar que a substituição da
metodologia eclesiástica dos jesuítas pelo pensamento pedagógico
da escola pública e laica marca o surgimento, na sociedade, do
espírito moderno.

Palavras-chave

Marquês de Pombal – Reforma educacional – Iluminismo – Escola


Correspondência: pública.
Lizete Shizue Bomura Maciel
Rua Santos Dumont, 2173 – apto.
1201
87013-050 – Maringá – PR
e-mail: newliz@uol.com.br

Educação e Pesquisa, São Paulo, v.32, n.3, p. 465-476, set./dez. 2006 465
Brazilian education in the Pombaline period: a
historical analysis of the Pombaline teaching reforms

Lizete Shizue Bomura Maciel


Pontifícia Universidade Católica-SP
Alexandre Shigunov Neto
Universidade Federal de Santa Catarina

Abstract

The authors center on a historical period to present a study of


bibliographical character, on which basis they analyze education
in Brazil by focusing specifically on the proposal for educational
reform made by the Marquis of Pombal. Along the analysis they
point to the consequences of the Pombaline reform to Brazilian
and Portuguese education, whose social context included, on the
one hand, Absolutist ideas, and on the other, the Enlightenment
ideas that inspired Pombal. The studies concentrate on Pombal’s
period in government, namely when he, as Ministry of the
Treasure of King José I, tried to carry out reforms in all areas of
the Portuguese society, affecting Brazil as a colony, in an attempt
to give it unity. The critical analysis converges to the conclusion
that the Pombaline reform was disastrous for Brazilian education
and, to a certain extent, also to the Portuguese education
system. This assertion is based on the following issue: the
destruction of the time-honored, consolidated – albeit
questionable from social, historical, and scientific viewpoints –
educational organization of the Jesuit priests, without the
implementation of a new educational proposal capable of
coping with societal needs. Therefore, the criticism that can be
formulated here, and that is valid for the current moment of our
own society, relates to the frequent discontinuities of the
educational policies. However, it must be emphasized that the
substitution of the ecclesiastical methodology of the Jesuits by
the pedagogical thinking of the public, lay school signals the
arrival, in that society, of the spirit of Modernity.

Keywords

Marquis of Pombal – Educational reform – Enlightenment – Public


school.

Contact:
Lizete Shizue Bomura Maciel
Rua Santos Dumont, 2173 – apto.
1201
87013-050 – Maringá – PR
e-mail: newliz@uol.com.br

466 Educação e Pesquisa, São Paulo, v.32, n.3, p. 465-476, set./dez. 2006
Considerações iniciais Marquês de Pombal, de acordo com
Rêgo (1984) e Serrão (1982), foi fortemente
Sebastião José de Carvalho e Melo, influenciado em sua formação política, quando
conde de Oeiras, mais conhecido como Marquês de sua passagem em Viena como diplomata
de Pombal, nasceu em 13 de maio de 1699. (1745-1749), uma vez que se pode
Pertencia a uma família da pequena nobreza,
desconhecida, e não relacionada à nobreza por- [...] afirmar que foi nessa capital do espírito
tuguesa. Durante um curto período de tempo, que o ministro português, em contato com o
fez parte do exército e foi membro da Acade- mundo da política e da diplomacia, bebeu os
mia Real de História. Iniciou-se na vida públi- grandes princípios do Despotismo Iluminado
ca somente a partir de 1738, quando foi nome- que haveria de aplicar no seu regresso ao país.
ado para desempenhar as funções de delegado E de lá trouxe igualmente, no entender de Ma-
de negócios em Londres. ria Alcina Ribeiro Correia, as idéias econômicas
Segundo Avellar (1983), sua permanên- e culturais que serviram de trave-mestra do seu
cia em Londres criou-lhe uma aversão pelos governo. (Serrão, 1982, p. 22)
ingleses e “[...] seus métodos de dominação
econômica” (p. 9). Tal antipatia pôde ser nota- A formação de Pombal também sofreu
da em suas medidas antibritânicas que visavam influência da política econômica inglesa, pois
obstinadamente libertar o comércio português da procurou as soluções da crise portuguesa no
subordinação ao poderio inglês. O enviado in- modelo inglês. Contudo, um dos motivos pelos
glês, em Lisboa, chegou a ponto de realizar o quais não obteve o êxito esperado foi pela exis-
seguinte comentário: “esse homem tem-nos feito tência de uma contradição fundamental: a dife-
muito mal” (p. 9). Durante sua duradoura esta- rença no sistema político dos dois países. Em
da na cidade londrina, Marquês de Pombal não Portugal, estava presente o absolutismo e, na
chegou a aprender o idioma inglês, pois desde Inglaterra, o sistema instituído era o parlamentar.
os tratados de Vestfália, em 1648, o idioma fran- Ao assumir o cargo de ministro da Fa-
cês era considerado a língua diplomática. zenda do rei D. José I, em 2 de agosto de 1750,
A vida de Marquês de Pombal pode ser no lugar de Azevedo Coutinho, Pombal empre-
dividida em quatro grandes fases. A primeira é endeu reformas em todas as áreas da sociedade
referente aos seus interesses particulares, isto é, portuguesa: políticas, administrativas, econômi-
a fase do cidadão Sebastião José de Carvalho cas, culturais e educacionais. Essas reformas
e que compreende o período de 1699 a 1738. exigiam um forte controle estatal e eficiente
Nesse momento temporal, o cidadão dedica-se funcionamento da máquina administrativa e fo-
exclusivamente aos interesses de pequeno fidal- ram empreendidas, principalmente, contra a
go. Encerra tal fase com a tentativa frustrada de nobreza e a Companhia de Jesus, que represen-
compor o Conselho de Fazenda do rei D. João tavam uma ameaça ao poder absoluto do rei.
V. A segunda é a fase diplomática, relativa ao A Companhia de Jesus, ordem religiosa
período de 1738 a 1749, em que exerce suas formada por padres (conhecidos como jesuítas), foi
funções diplomáticas em Londres e Viena. A fundada por Inácio de Loyola em 1534. Os jesu-
terceira corresponde à fase governativa e esta ítas tornaram-se uma poderosa e eficiente congre-
se torna a mais importante de sua vida, pois, no gação religiosa, principalmente, em função de seus
reinado de D. José I 1 , que durou de 1750 a princípios fundamentais: busca da perfeição huma-
1777, acabou por dirigir os negócios do país.
A última fase refere-se ao período do exílio, 1.D. José I (1714-1777), filho e sucessor de D. João V, casou-se com D.
Mariana Vitória e teve quatro filhas (D. Maria I, D. Maria Ana, D. Maria
compreendido entre a morte de D. José I, em Francisca Dorotéia e D. Maria Francisca Benedita). Recebeu grande cola-
1777, e sua própria morte, em 1782. boração e influência, em seu governo, do Marquês de Pombal.

Educação e Pesquisa, São Paulo, v.32, n.3, p. 465-476, set./dez. 2006 467
na por intermédio da palavra de Deus e a vonta- possuía um profundo conhecimento da realida-
de dos homens; obediência absoluta e sem limites de portuguesa, motivo pelo qual pretendia efe-
aos superiores; disciplina severa e rígida; hierarquia tivar uma reformulação cultural, política e eco-
baseada na estrutura militar; valorização da apti- nômica na sociedade portuguesa. Portanto,
dão pessoal de seus membros. Tiveram grande
expansão nas primeiras décadas de sua formação, [...] é o reconhecimento de que o insucesso de
constatada pelo crescimento de seus membros. Em aspectos de sua administração se deve a fator
1856, eles contavam com mil membros e, em sobre o qual não poderia o Ministro exercer
1606, esse número cresceu para treze mil. A Ordem controle seguro. Assim mesmo, não se poderá
dos Jesuítas não foi, entretanto, criada só com fins afirmar que descurasse da consciência nacional,
educacionais; ademais, é provável que no come- se laicizou a administração, e fez pontos de
ço não figuravam esses fins entre os seus propó- apoio de sua temática econômica a idéia de li-
sitos, uma vez que a confissão, a pregação e a bertar o comércio da regulação britânica, a da
catequização eram as prioridades. Os ‘exercícios necessidade de proteger e desenvolver a indús-
espirituais’ transformaram-se no principal recurso, tria nacional e, de sua programática educacio-
os quais exerceram enorme influência anímica e nal, a indispensabilidade de retornar os estudos
religiosa ente os adultos. Todavia, pouco a pouco, menores e superiores, impulsionar o ensino pro-
a educação ocupou um dos lugares mais impor- fissional (aulas de comércio e artilharia), bem
tantes, senão mais importante, entre as suas ativi- como, de seu breviário social, libertar o negro
dades. A Companhia de Jesus foi fundada em ple- no Reino e o índio no ultramar, salvando, com
no desenrolar do movimento de reação da Igreja a erradicação da administração comunal
Católica contra a Reforma Protestante, podendo ser jesuítica no Estado do Maranhão, a unidade
considerada um dos principais instrumentos da lingüística do Brasil, como vários autores já
Contra-Reforma nessa luta. Tinha como objetivo proclamaram. (1983, p. 12)
sustar o grande avanço protestante da época e,
para isso, utilizou-se de duas estratégias: a edu- Para atingir um de seus objetivos, a
cação dos homens e dos indígenas; e a ação transformação da nação portuguesa, Marquês
missionária, por meio das quais procuraram con- de Pombal precisaria inicialmente fortalecer o
verter à fé católica os povos das regiões que es- Estado e o poder do rei. Isso seria possível por
tavam sendo colonizadas. meio do enfraquecimento do prestígio e poder
Teixeira Soares (1961) apresenta como da nobreza e do clero que, tradicionalmente,
problemas fundamentais da administração do limitavam o poder real. Assim, como afirma
Governo de D. João I2 , antecedente do gover- Ribeiro (1998, p. 30), o então ministro “orien-
no de D. José I, e que vieram a ser combatidas tava-se no sentido de recuperar a economia por
pelo Marquês de Pombal: o apego à rotina, intermédio de uma concentração do poder real
evitando a realização de reformas necessárias e e de modernizar a cultura portuguesa”.
úteis ao funcionamento da estrutura adminis- Marquês de Pombal, ao assumir o car-
trativa do Estado, principalmente, em relação go de Ministro, formulou e implementou refor-
ao regime fazendário e à administração ultra- mas administrativas, visando tornar mais ágil e
marina; o desinteresse pela instrução pública, eficiente a máquina administrativa do Estado e
que na Coroa portuguesa era um privilégio dos
nobres e da burguesia; o obscurantismo exis-
2. D. João I (1357-1433) era filho bastardo do rei D. Pedro e de Teresa
tente em todos os níveis do governo e que Lourenço. Governou Portugal de 1385 até sua morte em 1433. Para Serrão
dificultaram as reformas necessárias. (1982), D. João I foi o maior rei português do século XV e um dos maiores
de toda história portuguesa. Ficou famoso por sua ‘firmeza governativa e
Avellar, ao analisar as reformas empreen- pela visão política’, as quais mostram a presença de sinais do Estado
didas por Marquês de Pombal, avalia que este moderno em formação.

468 Lizete MACIEL e Alexandre SHIGUNOV NETO. A educação brasileira no período pombalino:...
aumentar a arrecadação. Ainda no campo das Segundo Falcon (1993), a análise de
reformas administrativas e econômicas, preten- historiadores e pesquisadores acerca das obras
dia com essas medidas dinamizar a economia e da vida de Marquês de Pombal pode ser
nacional e incentivar o desenvolvimento das constituída de seis momentos bem próprios: no
indústrias e das companhias de comércio – primeiro, encontram-se os seus contemporâne-
surgiram indústrias têxteis de seda e de lã; os; no segundo, surgem os admiradores e os
chapéu; tapetes; fundições; cerâmicas; laticíni- críticos imediatos de suas obras; no terceiro,
os; vidros; sabão; entre outras. Contudo, suas estão os liberais e o mito do liberalismo
tentativas de consolidar um pólo industrial forte pombalino; no quarto, encontram-se os conser-
e em condições de competir, no mercado inter- vadores e o mito da tirania pombalina; no
no e externo, durou pouco. Isso ocorreu por- quinto, estão os estudos e as investigações
que muitas indústrias tiveram curto período de apresentadas por pesquisadores e historiadores
funcionamento em virtude da pequena deman- durante a primeira metade do século XX; no
da do mercado interno, que optaram por pro- sexto e último momento, iniciado em 1945,
dutos manufaturados ingleses, de melhor qua- encontram-se as análises mais recentes.
lidade que os produtos portugueses. Há ainda
que se destacar que Pombal descuidou-se da [...] ainda hoje, os alvarás e provisões pombalinos
política agrícola, dando pouca atenção aos seus são examinados como se não houvesse um outro
problemas. caminho entre a alternativa que então se propôs:
As reformas do Marquês de Pombal jesuitismo e antijesuitismo. Nesta alternativa, os
também atingiram a colônia brasileira, ao visar jesuítas representam para os historiadores tudo o
a reformulação dos serviços públicos por meio, que há de antimoderno e Pombal, com seus ho-
principalmente, do combate à sonegação de mens, a autêntica antecipação das aspirações
impostos. Sua preocupação orientava-se no modernas. Ora, forçoso é reconhecer que os ter-
sentido de proporcionar uma unidade, um con- mos desta alternativa constituem um dos mais
junto à colônia brasileira. Foi durante o seu graves impedimentos para a justa compreensão de
governo que a cidade do Rio de Janeiro teve um dos momentos mais lúcidos da história lusita-
um extraordinário desenvolvimento, com desta- na. (Carvalho, 1978, p. 29)
que para seu porto e o aumento da população.
Entretanto, o recorte deste estudo deter-se-á Na administração de Pombal, há uma
mais especificamente nos atos educacionais de tentativa de atribuir à Companhia de Jesus todos
sua administração. os males da Educação na metrópole e na colônia,
motivo pelo qual os jesuítas são responsabilizados
Marquês de Pombal e as pela decadência cultural e educacional imperante
reformas educacionais na sociedade portuguesa.
Carvalho (1978) chama a atenção para
A partir do século XVI, a direção do o fato de que esse processo, denominado de
ensino público português desloca-se da Univer- antijesuitismo, representava uma atitude pre-
sidade de Coimbra para a Companhia de Jesus, sente em muitos países europeus, não sendo
que se responsabiliza pelo controle do ensino exclusividade de Portugal. Nesse sentido, os
público em Portugal e, posteriormente, no Bra- jesuítas representavam um obstáculo e uma
sil. Praticamente, foram dois séculos de domínio fonte de resistência às tentativas de implanta-
do método educacional jesuítico, que termina ção da nova filosofia iluminista que se difun-
no século XVIII, com a Reforma de Pombal, dia rapidamente por toda a Europa.
quando o ensino passa a ser responsabilidade da Serrão (1982) e Almeida (2000) expli-
Coroa Portuguesa. cam que o ódio do Marquês de Pombal aos

Educação e Pesquisa, São Paulo, v.32, n.3, p. 465-476, set./dez. 2006 469
jesuítas ficou expresso em documentos oficiais ladores dos estatutos pombalinos de 1772, já
da época. Nesse sentido, Carvalho afirma que aparecem indícios claros da época que se deve
abrir no século XIX e em que se defrontam essas
[...] o tão celebrado ódio do Marquês de Pombal à duas tendências principais. Em lugar de um sis-
Companhia de Jesus não decorreu dos prejuízos tema único de ensino, a dualidade de escolas,
opiniáticos de uma posição sistemática previamente umas leigas, outras confessionais, regidas todas,
traçada. Fatores vários e complexos, de ordem so- porém, pelos mesmos princípios; em lugar de
cial, política e ideológica, influíram decisivamente um ensino puramente literário, clássico, o de-
na evolução de uma questão que ainda hoje apai- senvolvimento do ensino científico que começa a
xona e obnubila a visão dos espíritos mais esclare- fazer lentamente seus progressos ao lado da
cidos. Na brevidade desta forma de ideal político educação literária, preponderante em todas as
nacional – a conservação da união cristã e da so- escolas; em lugar da exclusividade de ensino de
ciedade civil – se condensa toda uma filosofia com latim e do português, a penetração progressiva
objetivos claramente definidos, responsável, aliás, das línguas vivas e literaturas modernas (fran-
de certa forma, tanto pelas virtudes quanto pelos cesa e inglesa); e, afinal, a ramificação de ten-
vícios do despotismo imperante. (1978, p. 32) dências que, se não chegam a determinar a
ruptura de unidade de pensamento, abrem o
Tal espírito antijesuítico está expresso, campo aos primeiros choques entre as idéias
em última análise, na atribuição à Companhia antigas, corporificadas no ensino jesuítico, e a
de Jesus de todos os males da Educação na nova corrente de pensamento pedagógico, influ-
metrópole e na colônia brasileira, bem como enciada pelas idéias dos enciclopedistas france-
pela decadência cultural e educacional domi- ses, vitoriosos, depois de 1789, na obra escolar
nante na sociedade portuguesa. da Revolução. (Azevedo, 1976, p. 56-57)
As principais medidas implantadas pelo
marquês, por intermédio do Alvará de 28 de junho A introdução dos ideais iluministas3 , nas
de 1759, foram: total destruição da organização ciências e em específico na Educação, se processa
da educação jesuítica e sua metodologia de ensi- de acordo com as condições sociais da época.
no, tanto no Brasil quanto em Portugal; instituição Boto analisa que a partir do século XVIII há
de aulas de gramática latina, de grego e de retó-
rica; criação do cargo de ‘diretor de estudos’ – [...] uma intensificação do pensamento pedagó-
pretendia-se que fosse um órgão administrativo de gico e da preocupação com a atitude educativa.
orientação e fiscalização do ensino; introdução das Para alguns filósofos e pensadores do movimento
aulas régias – aulas isoladas que substituíram o francês, o homem seria integralmente tributário
curso secundário de humanidades criado pelos je- do processo educativo a que se submetera. A
suítas; realização de concurso para escolha de educação adquire, sob tal enfoque, perspectiva
professores para ministrarem as aulas régias; apro- totalizadora e profética, na medida em que, por
vação e instituição das aulas de comércio. intermédio dela, poderiam ocorrer as necessárias
Inspirado nos ideais iluministas, reformas sociais perante o signo do homem pe-
Pombal empreende uma profunda reforma edu- dagogicamente reformado. (1996, p. 21)
cacional, ao menos formalmente. A metodologia
eclesiástica dos jesuítas é substituída pelo pen-
samento pedagógico da escola pública e laica. 3. Para Carvalho (1978), o iluminismo português pode ser caracterizado
diferentemente do modelo encontrado nas demais reações européias (Fran-
É o surgimento do espírito moderno que, ça, Inglaterra, Alemanha), pois apresenta algumas peculiaridades. Entre-
tanto, apesar de reconhecer as peculiaridades presentes em cada nação,
foi sempre um programa pedagógico, uma atitude crítica preocupada com
[...] marcando o divisor das águas entre a peda- os problemas sociais e com as intenções de reformulação das instituições
gogia jesuítica e a orientação nova dos mode- e da cultura social.

470 Lizete MACIEL e Alexandre SHIGUNOV NETO. A educação brasileira no período pombalino:...
Para o ideal iluminista, a nova sociedade sociedade pautada nos valores do sistema de
exige um novo homem que só poderá ser formado produção pré-capitalista.
por intermédio da Educação. Assim, apesar de o Marquês de Pombal, ao propor as re-
ensino jesuítico ter sido útil às necessidades do formas educacionais – por intermédio da apro-
período inicial do processo de colonização do vação de decretos que criariam várias escolas e
Brasil, já não consegue mais atender aos interes- da reforma das já existentes –, estava preocu-
ses dos Estados Modernos em formação. Surge, pado, principalmente, em utilizar-se da instru-
então, a idéia de Educação pública sob o controle ção pública como instrumento ideológico e,
dos Estados Modernos. Portanto, a partir desse portanto, com o intuito de dominar e dirimir a
momento histórico, o ensino jesuítico se torna ignorância que grassava na sociedade, condição
ineficaz para atender às exigências de uma soci- incompatível e inconciliável com as idéias
edade em transformação. iluministas (Santos, 1982).
Para o discurso do movimento iluminista Almeida (2000) e Ribeiro (1998) concor-
e, mais especificamente, do Marquês de Pombal, dam que o grande empecilho para a concretização
a educação e o direito são importantíssimos por- desses objetivos foi a falta de homens capacitados
que ambos são os centros de tais pensamentos. para o ensino elementar e primário, ou seja, havia,
Importa considerar que a renovação pe- tanto na metrópole quanto na colônia, uma grande
dagógica, pretendida pelo Marquês de Pombal, carência de professores aptos ao exercício da fun-
não é exclusividade de seu governo, pois desde ção de ensinar.
o reinado de D. João V até o governo de D. Maria Frente a esse contexto, pode-se afirmar
I, encontram-se os traços desse movimento que Pombal, ao expulsar os jesuítas e oficialmen-
Iluminista, como afirmam Serrão (1982), Carvalho te assumir a responsabilidade pela instrução
(1978), Holanda (1993) e Ribeiro (1998). pública, não pretendia apenas reformar o siste-
ma e os métodos educacionais, mas colocá-los
[...] as reformas pombalinas da instrução públi- a serviço dos interesses político do Estado. Se-
ca constituem expressão altamente significativa gundo Haidar, buscou-se:
do iluminismo português. Nelas se encontra
consubstanciado um programa pedagógico que, [...] criar a escola útil aos fins do estado, e nes-
se por um lado, representa o reflexo das idéias se sentido, ao invés de preconizarem uma polí-
que agitavam a mentalidade européia, por ou- tica de difusão intensa e extensa do trabalho
tro, traduz, nas condições da vida peninsular, escolar, pretenderam os homens de Pombal or-
motivos, preocupações e problemas tipicamente ganizar a escola que, antes de servir aos inte-
lusitanos. (Carvalho, 1978, p. 25) resses da fé, servisse aos imperativos da Coroa.
(1973, p. 38)
Para Ribeiro, fica evidenciado que
Pelo Alvará de 5 de abril de 1771,
[...] as ‘reformas pombalinas’ visavam transfor- Pombal transfere a administração e a direção
mar Portugal numa metrópole capitalista, a do ensino para a Real Mesa Censória, órgão
exemplo do que a Inglaterra já era há mais de criado em abril de 1768, com a qual pretendia
um século. Visavam, também, provocar algu- efetivar a emancipação do controle absoluto
mas mudanças no Brasil, com o objetivo de dos jesuítas no ensino, passando, então, ao
adaptá-lo, enquanto colônia, à nova ordem pre- controle do Estado. Após esse ato, foram cria-
tendida em Portugal. (1998, p. 35) das, no Brasil, 17 aulas de ler e escrever; e foi
instituído um fundo financeiro para a manuten-
Verifica-se, portanto, uma nova ordem ção dos estudos reformados, denominado de
social, um novo modelo de homem, uma nova subsídio literário. Uma das implicações do

Educação e Pesquisa, São Paulo, v.32, n.3, p. 465-476, set./dez. 2006 471
desmantelamento da organização educacional tos para financiamento da Educação não é nova
jesuítica e da falta de implantação de um pro- e não é exclusividade de governos contempo-
jeto educacional formal e eficaz foi a demora râneos. Também, pode-se notar a presença, já
em instituir-se, no Brasil colônia, as escolas nessa época, de dois tipos de escolas (uma
com cursos graduados e sistematizados (1776). para os filhos da nobreza e burguesia e outra
Almeida (2000) destaca uma questão para os grupos sociais menos abastados) e de
importante para a compreensão da instrução políticas educacionais que privilegiavam o en-
pública no Brasil colônia: a tentativa da Coroa sino particular, com apoio do Estado.
portuguesa e do governo colonial local em Para Teixeira Soares, mais importante do
abrandar o desenvolvimento da instrução públi-
ca da população brasileira. Tal atitude justifica- [...] que a reforma e modernização da Universi-
va-se, pois se pretendia reprimir a expansão do dade de Coimbra foi o Alvará de 06 de novem-
espírito nacionalista que começava a aflorar bro de 1772, que institui o ensino popular a ser
entre a população. dado nas escolas públicas. Pombal não ficou
Consegue-se, portanto, verificar a pre- apenas no texto da lei. Passou de imediato à
sença, desde muito cedo, de uma característica fundação de escolas, que deveriam completar
marcante da Educação brasileira – ‘a destruição um total de 479. A lei determinou que o ensino
e substituição das antigas propostas educacionais popular poderia também ficar a cargo de parti-
em favor de novas propostas’. Assim, constata-se culares, que para tanto contariam com apoio
que, de uma maneira geral, no Brasil, não há uma do Estado no prelecionamento das seguintes
continuidade nas propostas educacionais implan- matérias: ortografia, gramática, aritmética,
tadas. A expulsão dos jesuítas e a total destruição doutrina cristã e educação social e cívica (‘civi-
de seu projeto educacional podem ser considera- lidade’). O ensino secundário daria ênfase espe-
das como o marco inicial dessa peculiaridade tão cial ao latim, grego e francês. Ao mesmo tem-
arraigada na Educação brasileira. po em que cuidava do ensino popular, fundou o
Segundo Holanda, com a expulsão dos ‘Colégio dos Nobres’, seminário dedicado à edu-
jesuítas, cação de filhos da nobreza; e, para manter o
equilíbrio social e educacional, fundou também
[...] a instrução pública em Portugal e nas colônias, o Colégio de Mafra, destinado à educação dos
foi duramente atingida. Desapareceram os colégios plebeus, com programa idêntico ao reservado
mantidos pela Companhia de Jesus que constituíam aos filhos da nobreza. [...] O primeiro-ministro
então os principais centros de ensino. Urgia, por- criou um imposto especial destinado à manu-
tanto, a adoção de providências capazes de, pelo tenção e ampliação das escolas fundadas (lei de
menos, atenuar os inconvenientes da situação cria- 10 de novembro de 1772). (1961, p. 218)
da com as drásticas medidas administrativas de
Sebastião de Carvalho e Melo. O terreno para a O ministro Pombal pretendia promover
implantação de novas idéias pedagógicas, entretan- a substituição dos tradicionais métodos peda-
to, já havia sido preparado, com vária sorte, pelos gógicos instituídos pela Companhia de Jesus
esforços isolados de alguns homens de ciência e de por uma nova metodologia educacional, con-
pensamento, entre os quais figuravam o singular dizente com sua realidade e o momento his-
Luís Antônio Verney e os padres da Congregação tórico vivenciado. Pretendia, portanto, que as
do Oratório de São Felipe Néri. (1989, p. 80-81) escolas portuguesas tivessem condições de
acompanhar as transformações que estavam
Pode-se notar que a intenção e a ten- ocorrendo naquele momento.
tativa de isentar o Estado de sua responsabili- Marquês de Pombal pretendia, com a
dade por meio de artimanhas, projetos e impos- aprovação desse alvará, promover a substituição dos

472 Lizete MACIEL e Alexandre SHIGUNOV NETO. A educação brasileira no período pombalino:...
tradicionais métodos pedagógicos instituídos pela Cada carta trata de um determinado
Companhia de Jesus por uma nova metodologia tema e, no conjunto, compõem as disciplinas
educacional, considerada moderna e, portanto, da proposta pedagógica de Verney: primeira
condizente com os ideais iluministas. carta – a língua portuguesa; segunda carta – o
Almeida (2000), apesar de reconhecer a latim; terceira carta – o grego e o hebraico;
obra do Marquês de Pombal relativa à instru- quarta carta – as línguas modernas; quinta
ção pública, não deixa de mencionar que após carta – a retórica; sexta carta – continua a
a expulsão da Companhia de Jesus do Brasil e análise sobre o ensino da retórica; sétima car-
da destruição de sua obra educacional, outras ta – a poesia portuguesa; oitava carta – a filo-
ordens religiosas tentaram continuar a obra sofia; nona carta – a metafísica; décima carta
iniciada pelos padres jesuítas, contudo, sem – a lógica/física; décima primeira carta – a
grande êxito. Além disso, considera que o êxi- ética; décima segunda carta – a medicina;
to do projeto educacional jesuítico deve-se, em décima terceira carta – a jurisprudência como
parte, às habilidades dos padres ao desempe- prolongamento natural da moral; décima quar-
nharem a função de professores, pois ‘mantive- ta carta – a teologia; décima quinta carta – o di-
ram numerosas escolas dirigidas por professo- reito econômico; décima sexta carta – apresenta
res verdadeiramente hábeis’. uma seqüência de planos de estudos: os estudos
Tanto Carvalho (1978) como Avellar elementares, a gramática, o latim, a retórica, a fi-
(1983) e Ribeiro (1998) concordam que o con- losofia, a medicina, o direito, a teologia e termina
teúdo da reforma pombalina, sob a égide de seus com o apêndice sobre ‘o estudo das mulheres’.
principais inspiradores, Luís Antonio Verney4 , Ri- Seu projeto pedagógico está constituído
beiro Sanches5 e Antônio Genovessi, considera- de algumas dessas propostas, tais como: secula-
dos pensadores modernos, trazem traços do en- rização do ensino; valorização da língua portu-
sino tradicional, isto é, eclesiástico. Portanto, não guesa; papel e importância do estudo do latim,
houve uma ruptura total com o ensino jesuítico, realizado por intermédio da língua portuguesa
pois a mudança ocorrida foi mais de conteúdo do (uma das razões do estudo do latim era a possi-
que de método educacional. bilidade de simplificar e abreviar a duração dos
Falcon afirma que estudos); redução do número de anos destinados
aos estudos nos níveis de ensino inferiores, visan-
[...] a partir de Verney, o reformismo ilustrado, do fundamentalmente aumentar o número de
apoiado no otimismo jurídico que o caracteriza, ingressos nos cursos superiores; apresentação de
entra na ordem do dia. A secularização constitui um plano de estudos para todos os níveis de
seu traço dominante. A fé no progresso, a ênfase ensino, do fundamental (que se inicia a partir dos
dada à razão e a crença no poder quase mágico sete anos de idade) até os níveis superiores de
das ‘Luzes’ completa o ideário. (1993, p. 364) ensino; disciplinas que compõem sua proposta
pedagógica são, em sua maioria, literárias, tais
‘O verdadeiro método de estudar’, de como: português, latim, retórica, poética e filosofia
Luís Antonio Verney, pretendia opor-se ao (lógica, moral, ética, metafísica e teologia), direi-
método pedagógico dos jesuítas. A obra, que to (direito civil e direito canônico), medicina
na realidade eram dezesseis cartas escritas em
Roma e publicadas no período de 1746-1747, 4. Luís Antonio Verney (1713-1792) nasceu na cidade de Lisboa. Oriun-
apresenta uma análise sobre os problemas do do de uma família francesa de boas condições financeiras, não possuía
prestígio social por ser uma família estrangeira. É considerado o mais
ensino português ministrado, até então, pela importante difusor do espírito iluminista da cultura portuguesa.
metodologia dos jesuítas; além disso, fornece 5. António Nunes Ribeiro Sanches (1699-1782) nasceu na cidade de
Pernamacor e pertencia a uma família de cristãos-novos. Estudou na Guar-
orientações de como proceder para adequá-los e da, em Coimbra e em Salamanca; formou-se em medicina; e foi escritor.
torná-los condizentes com a nova realidade. Sua obra mais famosa foi ‘Cartas sobre a educação da mocidade’.

Educação e Pesquisa, São Paulo, v.32, n.3, p. 465-476, set./dez. 2006 473
(anatomia), grego, hebreu, francês, italiano, ana- conseguiram ser implantadas, o que provocou
tomia, física (aritmética e geometria); proposta de um longo período (1759 a 1808) de quase
escola pública e gratuita para toda a população desorganização e decadência da Educação na
portuguesa, como medida de reduzir o analfabe- colônia. Desse modo,
tismo da sociedade portuguesa.
Assim, reivindica a abertura de escolas [...] a expulsão dos jesuítas em 1759 e a trans-
públicas em todos os bairros para que ninguém plantação da corte portuguesa para o Brasil em
ficasse sem freqüentá-las; recomenda uma trans- 1808, abriu-se um parêntese de quase meio sé-
formação de comportamento dos professores em culo, um largo hiatus que se caracteriza pela
relação aos seus alunos, visando a melhoria da desorganização e decadência do ensino coloni-
relação professor/aluno; recomenda que a univer- al. Nenhuma organização institucional veio, de
sidade deva ser aberta à comunidade e aos mem- fato, substituir a poderosa homogeneidade do
bros da comunidade, mesmo sem serem do meio sistema jesuítico, edificado em todo o litoral
acadêmico, para assistirem às aulas ministradas; latifundiário, com ramificações pelas matas e
sugere a criação de colégios para pobres, a fim de pelo planalto, e cujos colégios e seminários for-
capacitá-los com hábitos do mundo burguês e da ma, na Colônia, os grandes focos de irradiação
nobreza; também apresenta algumas considera- da cultura. (Azevedo, 1976, p. 61)
ções sobre a educação das mulheres. Considera
importante que as mulheres freqüentem as esco- Carvalho, caracteriza, desta maneira,
las para adquirirem conhecimentos necessários à Luís Antonio Verney:
administração do lar.
A importância da obra de Verney, se- [...] nenhum, entretanto, tão ilustre como Verney,
gundo o pensamento da época, pode ser des- pela universalidade do plano concebido e pela
tacada na análise realizada por Falcon: ambição por que procurou, por intermédio de suas
obras, realizar o programa planejado quase no ver-
[...] reside não propriamente no seu ‘conteúdo’, dor dos anos. É neste sentido que Luís Antonio
mas no espírito que as acompanham e na ruptura Verney é um pedagogo e, enquanto pedagogo, ‘um
que representam. [...] O espírito a que nos referi- iluminista’ na medida em que o iluminismo é uma
mos é o da crítica irônica, muitas vezes satírica, forma de pensar comum de homens que, em atitu-
ao ensino existente em Portugal, em todos os ní- des diversas de pensamento, procuram fazer da
veis, tanto no seu conteúdo quanto nos seus méto- cultura um instrumento do progresso e da perfei-
dos, crítica que é também à cultura portuguesa ção das sociedades e dos homens. Em Verney, não
com um todo. Tratava-se, em suma, de demons- há apenas o programa de uma reforma sobre os
trar que, em qualquer direção que se olhasse, Por- estudos; há ainda a consciência da necessidade do
tugal estava atrasada, distanciando do que se desdobramento de uma tarefa pedagógica, reali-
passava nos centros civilizados. (1993, p. 331) zando na ordem prática as diretrizes que o conhe-
cimento das realidades portuguesas e das conquis-
Segundo Ribeiro (1998), essa nova orga- tas recentes da cultura impunham como propósito
nização do ensino português é considerada um preliminar de uma política destinada a ‘iluminar’
retrocesso se vista sob o prisma pedagógico e um verdadeiramente a nação lusitana. (1978, p. 61-62)
avanço na medida em que exigiu novos métodos
e a adoção de novos livros. Foi durante o reina- Considerações finais
do de D. José I que se evidenciou uma grande
difusão do livro como agente de cultura. Todos os males da educação, na me-
Importa lembrar que, apesar das pro- trópole e na colônia, foram atribuídos à Com-
postas formais, as reformas pombalinas nunca panhia de Jesus, durante a administração do

474 Lizete MACIEL e Alexandre SHIGUNOV NETO. A educação brasileira no período pombalino:...
Ministro Marquês de Pombal. Destaca-se aqui novas propostas educacionais dele refletiam e
a luta entre o velho e o novo modelo, dentro expressavam o ideário do movimento iluminista.
de uma análise histórica. No Brasil, entretanto, as conseqüências
O novo, presente na sociedade, está do desmantelamento da organização educaci-
inspirado nos ideais iluministas e é dentro desse onal jesuítica e a não-implantação de um novo
contexto que Pombal, na sua condição de mi- projeto educacional foram graves, pois, somen-
nistro, buscou empreender uma profunda refor- te em 1776, dezessete anos após a expulsão
ma educacional, ao menos formalmente. Nos dos jesuítas, é que se instituíram escolas com
propósitos transformadores, estavam previstas cursos graduados e sistematizados.
algumas mudanças. A metodologia eclesiástica A reforma de ensino pombalina pode ser
dos jesuítas foi substituída pelo pensamento avaliada como sendo bastante desastrosa para a
pedagógico da escola pública e laica; criação Educação brasileira e, também, em certa medida
de cargos como de diretor de estudos, visando para a Educação em Portugal, pois destruiu uma
a orientação e fiscalização do ensino; introdu- organização educacional já consolidada e com
ção de aulas régias, isto é, aulas isoladas, visan- resultados, ainda que discutíveis e contestáveis, e
do substituir o curso de humanidades criado não implementou uma reforma que garantisse um
pelos jesuítas. Todas essas propostas foram novo sistema educacional. Portanto, a crítica que
frutos das condições sociais da época, a partir se pode formular nesse sentido, e que vale para
das quais, Pombal pretendia oferecer às esco- nossos dias, refere-se à destruição de uma propos-
las portuguesas condições de acompanhar as ta educacional em favor de outra, sem que esta ti-
transformações de seu tempo. Nesse sentido, as vesse condições de realizar a sua consolidação.

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revisitado. v. 1, Lisboa:
Editorial Estampa, 1982. p. 122-129.

SERRÃO, J. V. História de Portugal: o despotismo iluminado (1750-1807). v. 6, Lisboa: Editorial Verbo, 1982.

TEIXEIRA SOARES, Á. O Marquês de Pombal


Pombal. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1961.

Recebido em 13.08.05
Modificado em 30.06.06
Aprovado em 16.10.06

Lizete Shizue Bomura Maciel é mestre e doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/
SP). Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação, Preconceito e Exclusão (UEM). Membro do Grupo de Estudos e
Pesquisas em Formação de Professores (UEM). Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade
Estadual de Maringá (UEM).

Alexandre Shigunov Neto é administrador formado pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Especialista em
Economia Empresarial pela Universidade Estadual de Londrina. Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em
Educação da UEM. Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Engenharia e Gestão do Conhecimento (EGC) da
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

476 Lizete MACIEL e Alexandre SHIGUNOV NETO. A educação brasileira no período pombalino:...
UNIDADE III

A Educação no período Imperial

RELAÇÃO DE TEXTOS AUTORES:


TEXTO 1- Educação Na Ordem Constitucional Brasileira: Da Monarquia
À República - Sérgio Montalvão
TEXTO 2- As Origens da Educação no Brasil: Da hegemonia católica às
primeiras tentativas de organização do ensino. - Marcos Marques de
Oliveira
TEXTO 3- As Origens da Educação no Brasil: Da hegemonia católica às
primeiras tentativas de organização do ensino. - Marcos Marques de
Oliveira
Desenvolvimento Das Ideias Pedagógicas Leigas: Ecletismo, Liberalismo
E Positivismo (1827-1932) - Dermeval Saviani

RESUMO:

 Escola e Império;
 A Ação dos Homens Ilustrados: sociedades, academias e
grêmios;
 As Formas Educativas;
 Escolas Elementares;
 Internatos e Asilos;
 Colégios e Liceus.
TEXTO 08

EDUCAÇÃO NA ORDEM CONSTITUCIONAL BRASILEIRA:


DA MONARQUIA À REPÚBLICA

Sérgio Montalvão1

No campo educacional, as pesquisas de Carlos Roberto Jamil Cury têm se destacado pelo
investimento feito na história do direito à educação escolar no Brasil. Em um de seus textos, o
autor nos traz sugestivas ponderações ao referir-se ao sentido etimológico do termo ―
direito‖,
recordando sua origem no verbo latino digere, cujo significado é dirigir ou ordenar:

Essa expressão foi assumida pela área jurídica, passando a recobrir vários
sentidos. Um deles é o de norma, rota que dirige ou ordena uma ação
individual ou social. No âmbito das sociedades, o direito é um conjunto de
normas existentes dentro de uma dada ordem jurídica. Essas regras podem
significar a existência de um poder pelo qual as pessoas ou os grupos
fazem ou deixam de fazer algo em vista de um determinado fim (CURY,
2003, p.567).

Após essas observações preliminares, Jamil Cury coloca-nos diante de um itinerário histórico,
pelo qual as regras jurídicas codificadas se transformam em leis, sujeitando a penalidades
aqueles que as descumprirem, e, mais tarde, transformando-se em leis que visam a proteger
direitos quanto a ameaças e impossibilidades de acesso. É nesse último sentido que a
educação se torna um desafio na ordem jurídica. O direito à educação implica também
obrigações e penalidades contra os que se omitem a integralizá-lo, no caso dos menores de
idade, entrando muitas vezes em confronto com a ordem familiar. As tensões entre a
concepção de que a educação deve ser dada prioritariamente no seio das famílias e a sua
transformação em um bem público matizam a história da declaração desse direito na ordem
constitucional brasileira.

1 – Educação e direitos civis na Constituição de 1824.


Nossa cidadania educacional começou a ser construída a partir da Constituição de 1824.
Nela, encontra-se o direito à gratuidade da instrução primária para todos os cidadãos do
Império entre as Disposições Gerais e Garantias dos Direitos Civis e Políticos, no artigo 179,

Doutor em História, Política e Bens Culturais pelo Centro de Pesquisa e Documentação de História
1

Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas - CPDOC/FGV. Professor do Mestrado em História da


Universidade Severino Sombra (USS). Contato: stalvao@yahoo.com.br
217
Revista Contemporânea de Educação N º 11 - janeiro/julho de 2011
inciso XXXII.1 O inciso seguinte também se referia à educação, dizendo que o Estado se
responsabilizava pelos colégios e universidades, onde ―
serão ensinados os elementos das
Sciencias, Bellas Letras e Artes‖.2 Complementando o que definia o texto constitucional, em
15 de outubro de 1827, foi promulgada a Lei Geral do Ensino, determinando a abertura de
escolas de primeiras letras em todas as cidades, vilas e lugares mais populosos. O currículo
dessas escolas oferecia à clientela que a frequentava, conforme o artigo 6º da legislação
citada, lições de leitura, escrita, aritmética, geometria, gramática da língua nacional,
princípios de moral cristã e da doutrina da Igreja Católica. O conjunto de cidadãos a serem
assistidos por esses direitos, no entanto, era bastante limitado, se considerarmos que dele
estavam excluídos os índios e os escravos. As características de continuidade econômica,
social e política entre o antigo e o novo regime, da Colônia ao Brasil independente, fizeram
com que os direitos civis proclamados, na maior parte das vezes, se firmassem apenas como
direitos de papel, ou seja, somente existentes nas páginas que lhes davam suporte
(CARVALHO, 2001, p. 45).

A revisão da política centralizadora do Primeiro Reinado, em decorrência do Ato Adicional


de 12 de agosto de 1834, criou as Assembleias Legislativas Provinciais e fez com que estas
tivessem competência para legislar sobre a instrução pública primária e secundária (artigo 10,
§ 2º), mantendo na esfera do poder central somente a atribuição sobre a educação na Corte e
as escolas de ensino superior. Essa divisão resultou na criação do Colégio Pedro II, em 1838,
e na manutenção dos cursos de Medicina e Engenharia, criados nas cidades de Salvador e do
Rio de Janeiro, ainda no período Joanino (1808-1821), e dos cursos de Direito, existentes nas
cidades de São Paulo e Olinda desde 1827 (DURHAM, 2005, pp. 197-240 e CUNHA, 1980).
Inalterada tal legislação até o fim da Monarquia, apesar do empenho centralizador do
regressismo, que repercutiu na Lei de Interpretação do Ato Adicional (1840), durante mais de

1
Nas demais garantias e direitos dos ― cidadãos brazileiros‖ estavam incluídas, entre as 33 citadas na
Constituição, aquelas que faziam parte do catálogo de reivindicações do jusnaturalismo liberal, com restrições no
tocante à relação entre indivíduo e religiosidade: 1) a prevalência do império das leis, conforme os incisos I -
― Nenhum Cidadão pode ser obrigado a fazer, ou deixar de fazer alguma cousa, senão em virtude da Lei‖ e II -
― Nenhuma lei será estabelecida sem utilidade pública‖; 2) a liberdade de expressão, sujeita à responsabilização
dos abusos cometidos em virtude dela; 3) o respeito à consciência religiosa, desde que reconhecida a oficialidade
do catolicismo enquanto religião de Estado; 4) a liberdade de entrar e sair dos limites territoriais do Império,
guardadas as restrições policiais; 5) a garantia da inviolabilidade dos limites do lar pelo poder público e 6) a
prisão somente em casos de culpa formada. Constituição Política do Império do Brazil, de 25 de março de 1824.
Consultado em maio de 2010, em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao24.htm.
2
Cabe frisar que não existiam universidades no Brasil do século XIX, as primeiras universidades brasileiras
datam da década de 1930.

218
Revista Contemporânea de Educação N º 11 - janeiro/julho de 2011
cinco décadas, caberia aos presidentes de províncias executarem as medidas aprovadas no
campo político-pedagógico pelos legislativos locais. No comentário de Fernando de Azevedo:

O governo da União, a que competia, como centro coordenador e propulsor


da vida política do país, se exonerava por essa forma, segundo as
expressões de Tavares Bastos, “do principal dos deveres públicos de uma
democracia”, que é o de levar educação geral e comum a todos os pontos
do território e de organizá-la em bases uniformes e nacionais (1976, p. 74).

Não obstante a falta de decisão em criar um sistema de ensino nacionalmente articulado,


como já se verificava em diversos países, no que tange à forma educativa, o Brasil do século
XIX conheceu ―
a invenção e a legitimação da forma escolar moderna‖ (GONDRA &
SCHUELER, 2008, p. 82). Segundo Tereza Fachada Levy Cardoso (2003, p. 200): ―
A escola
pública brasileira, em sua forma e função, foi concebida em Portugal, em consequência da
política reformista ilustrada levada a efeito no reinado de D. José I (1750-1777) e capitaneada
por seu poderoso ministro, o Marquês de Pombal‖. Isso significa que a educação, no sentido
público da sua conceituação, ou seja, assegurada e provida pelo Estado para o interesse e as
necessidades de todos que estivessem em condições legais de serem assistidos, emergiu no
mundo luso-brasileiro a partir do Alvará de 28 de julho de 1759.1 Em substituição ao antigo
sistema jesuítico foram introduzidas as Aulas Régias, divididas em dois níveis: os Estudos
Menores (ou Escolas Menores e de Primeiros Estudos) e os Estudos Maiores.

No Brasil independente, os Estudos Menores passaram a dividir-se em duas fases, a do ensino


ou instrução primária e a do ensino das humanidades ou aulas dos estudos menores
(equivalentes ao futuro secundário). Em síntese, não existia seriação, nem turmas, as

escolas‖ não se caracterizavam pelo fato de reunirem grupos de estudantes, capazes de
dividirem o tempo de estudo e as suas experiências individuais. Até então, como observa a
autora

A escola era uma unidade de ensino com um professor. O termo escola era
utilizado com o mesmo sentido de cadeira, ou seja, uma aula régia de
gramática latina ou uma aula de primeiras letras correspondia, cada uma, a
uma cadeira específica, o que representava uma unidade escolar, uma
escola. Cada aluno frequentava as aulas que quisesse não havendo
articulação entre as mesmas. As aulas eram dadas na casa do próprio
professor e apenas eventualmente aproveitou-se um prédio anteriormente

1
Deve-se registrar que, no contexto dessas reformas, não havia a obrigatoriedade da matrícula escolar como
instrumento de eficácia e controle do direito à educação.

219
Revista Contemporânea de Educação N º 11 - janeiro/julho de 2011
ocupado pelos jesuítas ou outro tipo de convento para local de ensino.
Assim, não era preciso haver um edifício escolar para que a escola existisse
(Idem, p. 201).

Data de 1835 a encampação das primeiras cadeiras avulsas, oferecidas ao público por
professores comissionados com a verba do Tesouro Nacional em imóveis particulares, pelos
liceus. Daí para frente, as autoridades começaram a se importar com a construção de prédios
escolares. O avanço na construção de escolas foi tênue, preso às amarras que vimos
anteriormente quanto à falta de entrosamento entre os três níveis da administração pública.

O registro do número de unidades escolares e de alunos contidos na malha provincial, feito


por José Ricardo Pires de Almeida, um dos nossos primeiros historiadores da educação, sócio
do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), encontrou no ano de 1875 um total
2.906 escolas públicas primárias para meninos e 1.675 para meninas em todo o país,
somando-se 87.847 alunos e 40.917 alunas.1 De outro ângulo, ao comparar a posição ocupada
pelo Brasil em relação ao dispêndio com instrução pública por habitante (2,33
francos/anuais), esse historiador nos situou numa posição próxima e de países como a Suíça
(2,30 francos/anuais) e a Suécia (2,40 francos/anuais). Em termos percentuais, no conjunto
das despesas públicas, era destinado para a instrução 8,45% do total, o que representava um
investimento relativo superior ao da Inglaterra (6,11%) e da Alemanha (4,28%).

A esses dados quantitativos deve-se acrescentar a percepção dos próprios dirigentes políticos
quanto aos avanços empreendidos na educação popular. Segundo as narrativas encontradas
por José Gondra e Alessandra Schueler, havia muita dificuldade por conta dos baixos salários
pagos aos professores, o que impedia a sua profissionalização. Além disso, concorriam para
agravar a situação a falta de inspeção adequada dos estabelecimentos de ensino e a
dificuldade no emprego do método oficialmente adotado nas escolas públicas: método
ensino mútuo‖.2 A consulta aos relatórios dos presidentes de província,
Lancaster ou ―

1
Ao lado desse sistema de escolas elementares sustentadas pelo Estado Imperial existiam as escolas particulares,
confessionais e laicas. Essas eram 288 de ensino primário e 18 de ensino secundário. No quadro elaborado pelos
autores, com base nas pesquisas de José Ricardo de Almeida, não foram encontrados os números referentes aos
estudantes em escolas públicas primárias da província do Rio de Janeiro (Apud. GONDRA e SCHUELER, 2008,
pp. 95-99).
2
Nascido na Inglaterra, pelas mãos do educador Joseph Lancaster (1778-1838), o método se inspirava nas ideias
utilitaristas de Jeremy Bentham e nos princípios religiosos do pastor anglicano Andrew Bell. A prática
pedagógica lancasteriana enfatizava o ensino oral e a memorização dos conteúdos. A grande novidade do
método estava na utilização de monitores, ou seja, alunos que deveriam auxiliar os mestres na coordenação do
processo de aprendizado. Os historiadores que estudaram o método Lancaster apontam a sua proposta disciplinar
de instrução, típica da pedagogia dos tempos da revolução industrial. Sobre o assunto, ver NEVES, 2003.
220
Revista Contemporânea de Educação N º 11 - janeiro/julho de 2011
sugerida pelos autores citados, nos traz, em certa medida, a visão que se tinha quanto à
instrução pública em várias partes do Império.

No relatório entregue à Assembleia Legislativa Provincial do Rio de Janeiro, pelo conselheiro


Bernardo Augusto Nascentes de Azambuja, vice-presidente da província, em 8 de setembro
de 1875, encontramos este depoimento:

Infelizmente nota-se em todo o Império atrazo nas escolas primárias; e


se a província do Rio de Janeiro pode lisonjear-se de ter o primeiro
lugar entre as suas irmãs, não nos é lícito todavia manifestar satisfação
pelo exame dos quadros estatísticos. O muito do que temos feito é
nada em relação ao que está por fazer.1

Diante desse quadro pouco otimista, afirmava o conselheiro: ― A elevação do número de


escolas públicas é, em meu conceito, necessidade que deve ser quanto antes satisfeita.‖2
Não muito distante esteve a fala do presidente provincial do Ceará, Esmerino Dias Parente, no
mesmo ano de 1875, quando deixou registrado:

A instrução pública não está ainda convenientemente distribuída entre nós;


os últimos dados estatísticos provam, com a eloquencia irresistível das
cifras, que estamos ainda bem longe da realização da promessa
3
constitucional de ensino primário a todo cidadão.

A instrução das classes populares rodeou os relatórios dos presidentes provinciais, que a
entendiam como uma das prioridades da ação governativa. O poder da educação em resolver
questões sociais mais amplas transparece, por exemplo, no relatório de Antônio dos Passos
Miranda à Assembleia Provincial de Sergipe:

A instrução é um meio relativamente ao engrossamento das rendas


particulares e públicas, que, a seu turno, é também um meio relativamente à
felicidade geral, alchymia impossível onde pululam espíritos ignorantes,
almas sem cultura, as quaes vivendo da agitação e da desordem, põem em

1
Relatório apresentado à Assembleia Legislativa Provincial do Rio de Janeiro, na segunda sessão da vigésima
legislatura, no dia 8 de setembro de 1875, pelo vice-presidente, conselheiro Bernardo Augusto Nascentes de
Azambuja. Rio de Janeiro, Typ. do Apóstolo, 1875, p. 28. Disponível em http://www.crl.edu/pt-
br/brazil/provincial/rio_de_janeiro [acesso em 16/07/2010].
2
Idem, p. 29.
3
Fala com que o exmo. Sr. Dr. Esmerino Gomes Parente abriu a 2a. sessão da 22a. legislatura da Assembleia
Provincial do Ceará no dia 2 de julho de 1875. Fortaleza, Typ. Constitucional, 1875, p. 13. Disponível em
http://www.crl.edu/pt-br/brazil/provincial/rio_de_janeiro [acesso em 16/07/2010].
221
Revista Contemporânea de Educação N º 11 - janeiro/julho de 2011
perigo a tranqüilidade pública, a segurança individual, a propriedade
1
particular, a honra e a liberdade de todos.

Na última quadra do Império, a preparação dos espíritos para o tipo civilizado de vida era
entendida como o objetivo central da aplicação do artigo 179 da Constituição Imperial de
1824 e da Lei Geral do Ensino de 1827. A República daria continuidade a essa senda
civilizatória através da educação. Os republicanos estiveram premidos, no entanto, pelas
mudanças que sofrera o conceito de educação popular no contexto intelectual do final do
século XIX e, mais tarde, pela pressão que passou a ser feita pela democratização das
oportunidades escolares.

2 – Federalismo, secularismo e a Constituição de 1891

Após 67 anos de experiência monárquica, posta abaixo com o golpe de 15 de novembro de


1889, a República herdou o legado educacional acima referido. Nos primeiros dias do novo
regime, a preocupação em restaurar o Estado de Direito levou os republicanos a baixarem
uma série de decretos com vistas à reconstitucionalização do país. Antes de se chegar a uma
nova ordem constitucional, o governo provisório interveio com poderes constituintes, próprios
de sua ação revolucionária. O decreto nº 1 da República, segundo Paulo Bonavides e Paes de
Andrade (1991, p. 210) ―
produzira uma Constituição de bolso, emergencial, para reger o país,
evitar o caos e decretar as bases fundamentais da organização política imediatamente
estabelecida‖. Esse documento trazia a República Federativa como forma de governo dada à
nação, numa luta contra o centralismo do Poder Moderador e do Conselho de Estado.

Em 3 de dezembro de 1889, o decreto nº 29 nomeava uma comissão especial de cinco


membros para elaborar o anteprojeto de Constituição.2 No dia 21 daquele mês, pelo decreto
78-B, o governo provisório do Marechal Deodoro da Fonseca determinava o período eleitoral
correspondente à escolha do chefe do Poder Executivo e dos representantes da Assembleia
Constituinte, que deveria iniciar suas atividades na data do primeiro aniversário do regime
republicano. Em janeiro de 1890, medidas secularizantes estabeleceram a separação entre o

1
Relatório com que o Exmo. Sr. Dr. Antonio dos Passos Miranda abriu a Assembleia Legislativa Provincial de
Sergipe no dia 1.o de março de 1875. Aracajú, Typ. do Jornal do Aracajú, 1875, p. 29. Disponível em
http://www.crl.edu/pt-br/brazil/provincial/rio_de_janeiro [acesso em 19/07/2010].
2
Participaram da comissão de notáveis: Saldanha Marinho (presidente), Américo Brasiliense (vice-presidente),
Antônio Luiz dos Santos Werneck, Francisco Rangel Pestana e José Antônio Pereira de Magalhães Castro.

222
Revista Contemporânea de Educação N º 11 - janeiro/julho de 2011
Estado e a Igreja, assim como instituíram o casamento civil e a entrega da administração dos
cemitérios ao poder público.1 Federalismo e secularismo dariam os contornos das políticas de
educação na Primeira República.

O modelo constitucional aprovado em fevereiro de 1891 era o norte-americano. A


Constituição dos Estados Unidos da América (1787) buscou um meio termo entre as
propostas autonomistas de Thomas Jefferson e os federalistas, que propunham uma maior
coordenação política e administrativa da União. O federalismo a que se chegou no Brasil
esteve situado entre as propostas unionistas de Rui Barbosa, que defendia ―
a existência de um
poder central dotado de importantes atribuições e de uma considerável parcela de rendas‖, e
as propostas ultrafederalistas de Júlio de Castilhos, favoráveis a ―
um poder central com
atribuições bastante restritas‖ (FREIRE & CASTRO, 2002, pp. 35-36). Já o secularismo
passou com maior consenso entre os constituintes, que ratificaram as teses da liberdade
religiosa e da validade exclusivamente civil do matrimônio. A preferência pelo ensino laico se
beneficiou desse clima de opinião. Em abril de 1890, ainda na vigência do governo
provisório, o Ministério do Interior eliminou o ensino religioso, a teodiceia e a moral religiosa
do programa de estudos do Ginásio Nacional, antigo Colégio Pedro II, com todas as
consequências desse ato sobre o sistema de ensino secundário existente (CURY, 2001, p. 93).

A Constituição dos Estados Unidos do Brazil tratou pouco sobre educação. O assunto foi
tocado no capítulo das atribuições do Congresso Nacional, artigo 35, inciso 2º, que o
incumbia, mas não privativamente, de ―
animar no País o desenvolvimento das letras, artes e
ciências, bem como a imigração, a agricultura, a indústria e comércio, sem privilégios que
tolham a ação dos governos locais‖. O viés federalista lançou as bases para a descentralização
das ações. Com isso, a responsabilidade pelo ensino primário corresponderia aos estados,
enquanto à União caberia criar e administrar instituições de ensino secundário e superior,
como também prover a educação no Distrito Federal, em colaboração com o poder municipal.

Na montagem de suas instituições educacionais, a República incorporou a tradição federalista


do Império, cujo marco legal foi o Ato Adicional de 1834, promulgado no Período Regencial.
Ficava de fora, mais uma vez, a hipótese da unificação do sistema educativo, desejada por

1
Ainda no governo provisório da República, o decreto presidencial nº 346, de 19/03/1890, criou o Ministério da
Instrução Pública Correios e Telégrafos, cujo primeiro titular foi o republicano histórico e militar positivista
Benjamin Constant Botelho de Magalhães. De curta duração, este aparato burocrático iria desaparecer com a
reforma administrativa promovida no governo do Marechal Floriano Peixoto. Desde então, os assuntos da
instrução pública foram tratados no âmbito do Ministério da Justiça e Negócios Interiores, que passou a contar
com uma Diretoria Geral de Instrução Pública.

223
Revista Contemporânea de Educação N º 11 - janeiro/julho de 2011
muitos membros da elite política/intelectual no final do Segundo Reinado. Como observa
Fernando de Azevedo, em obra anteriormente citada:

O triunfo do princípio federativo, com a mudança do regime político, não só


consagrou, mas ampliou o regime de descentralização estabelecido pelo
Ato Adicional de 1834 e, jogando a educação fundamental (primária e
secundária) do plano nacional para os planos locais, subtraiu à esfera do
governo federal a organização das bases em que se devia assentar o
sistema nacional de educação. Sob esse aspecto, a República foi mais
longe e, cedendo às aspirações federalistas, quase reduzidas no antigo
regime “à orbita propriamente política da vida regional”, e dilatadas, no
período republicano, aos domínios da administração, fortemente
centralizada pela política unitária do Império” (Op. Cit., p. 117).

A tendência à unificação viria se manifestar após a fracassada reforma Rivadávia Correia


(1911), que instituiu o ensino livre e limitou ainda mais as competências do governo federal.
No momento seguinte, a reforma do ministro Carlos Maximiliano (1915) colocou para a
federação o dever de regulamentar o ensino. Em 1925, complementando a reviravolta
anterior, a lei Rocha Vaz (1926) criou, no âmbito do Ministério da Justiça e Negócios
Interiores, o Departamento Nacional de Ensino, considerado a base administrativa do
Ministério da Educação.

Os legisladores republicanos suprimiram da sua declaração de direitos a referência à


gratuidade do ensino primário, mantido pelas escolas públicas-estatais, mas escreveram, no
inciso 6º do Artigo 72: ―
Será leigo o ensino ministrado nos estabelecimentos públicos‖. Essa
afirmativa iria afrontar a Igreja católica, que se recusou a aceitar o que os clérigos
consideravam a ―
escola sem Deus‖. Os católicos rejeitaram o secularismo da Constituição de
1891. O preâmbulo constitucional republicano retirou a expressão ―
Em nome da santíssima
trindade‖, substituindo-a por: ―
Nós, os representantes do povo brasileiro, reunidos em
Congresso Constituinte, para organizar um regime livre e democrático, estabelecemos,
decretamos e promulgamos‖. A reação católica, porém, teria que esperar até meados da
década de 1910 para encontrar atores eficazes na defesa de suas causas. A bibliografia indica
que esta reação teve início com o arcebispo das cidades de Recife e Olinda, Dom Sebastião
Leme, em 1916, que mobilizou os leigos em organizações voltadas para o povo e para os
intelectuais, dentro do que se convencionou chamar de ―
modelo da neocristandade‖
(MAINWARING, 1989).

3 – O legado educacional da Primeira República


224
Revista Contemporânea de Educação N º 11 - janeiro/julho de 2011
Não bastava, porém, que as escolas não fossem más. Era necessário que
fossem bastantes. E aí falhou inteiramente a pregação republicana (Anísio
Teixeira, 1977, p. 60).

Os quarenta anos da Primeira República foram vistos por seus contemporâneos como um
período em que pouco foi feito para avançar em educação, especialmente para democratizar o
acesso à educação pública escolar. A história da ideia de ampliação do direito à educação
escolar no Brasil é, portanto, anterior à década do otimismo pedagógico e ao início da
pregação cívica dos educadores escolanovistas. Antes deles, o imaginário de democratizar
pela escola havia conquistado intelectuais como José Veríssimo e Vicente Licínio Cardoso.

Publicado pela primeira vez em 1890, quando o autor ocupava o cargo de diretor da Instrução
Pública do Pará, A Educação Nacional, de José Veríssimo, ressaltou a acolhida da educação
no projeto democrático dos Estados Unidos. Um dos fatores mais importantes para explicar o
êxito norte-americano nesse setor deveu-se, segundo Veríssimo, à administração do ensino,
dividida entre as atribuições da União, com o National Bureau of Education — ―
em cima,
aconselhando, animando, esclarecendo‖— e dos estados e localidades, responsáveis pela
execução dos serviços educacionais (VERÍSSIMO, 1906, p. XXVI).

Citando números copilados do Annual Repport of Department of the Interior dos anos de
1901 a 1903, Veríssimo procurou figurar a potencialidade daquele país em distribuir os
conhecimentos básicos, mostrando que em um incomparável universo de 17.539.478
estudantes de nível primário, secundário e superior, 16.127.739 encontravam-se no ensino
público e apenas 1.411.739 no ensino particular. Era evidente a presença do Estado na
educação, ainda mais nos segmentos identificados com a ―
formação não só do caráter
nacional, mas do espírito e da opinião das massas‖, cabendo a seguinte divisão: 93,37% no
ensino primário, 78,34% no secundário e 40,50% no superior. A eficácia norte-americana
logo iria contrastar com o desalentado quadro brasileiro, em que a sucessão de reformas
educacionais, abarrotadas de leis e regulamentos, acabava por deixar tudo como estava antes.
Em tom pessimista, Veríssimo iniciou A Educação Nacional mostrando o vazio e a
incapacidade de nossa instrução pública para servir aos seus objetivos. Na primeira página do
livro, após a sua longa introdução, encontramos este desabafo:

O nosso sistema geral de instrução pública não merece de modo algum o


nome de educação nacional. É em todos os ramos – primário, secundário e

225
Revista Contemporânea de Educação N º 11 - janeiro/julho de 2011
superior – apenas um acervo de materiais, sem nexo ou lógica, e estranho a
qualquer concepção elevada de pátria (Idem, p. 1).

No mesmo tom pessimista de José Veríssimo, anos depois, Vicente Licínio Cardoso tratou da
rotina em que havia caído a escola pública republicana, após o impulso inicial, percebido
sobretudo em São Paulo, cujos governos, no final do século XIX, elevaram a educação à
condição de experiência civilizacional, erguendo escolas consideradas verdadeiros templos da
cultura cívica e letrada (SOUZA, 1998 e GOMES, 2002, pp. 393-395). No capítulo ―
Instrução
e Educação‖, parte do livro À margem da História do Brasil, postumamente publicado por
Fernando de Azevedo na Biblioteca Pedagógica Brasileira da Companhia Editora Nacional
em 1933, Cardoso criticava o legado educacional do Império e revisava a imagem
conquistada por D. Pedro II do imperador preocupado com o desenvolvimento das ciências,
artes e letras. Apesar da atitude pessoal de simpatia e entrega aos estudos ―
D. Pedro II não foi
o educador que seria de desejar para o seu povo‖ (CARDOSO, 1933, pp. 188-189).

Depois de evitar a comparação com os Estados Unidos, por considerá-lo país de cultura muito
diferente da nossa, Cardoso tratou dos avanços educacionais conquistados pela República
Argentina na segunda metade século XIX, durante a presidência de Domingo Sarmiento
(1868-1874): ―
(...) rememoro o exemplo argentino, por isso que a evolução desse povo no
século XIX é extremamente interessante, transformado que foi um conglomerado de meio
milhão de gaúchos broncos (...) numa nacionalidade de energias sociais e políticas
extremamente cultivadas‖ (Idem, p. 189). O país vizinho havia passado pela Guerra Civil
envolvendo unitários e federalistas, estabilizando-se após a queda do caudilho Juan Manuel
de Rosas, a Constituição de 1853 e a instalação de um governo unificado, com Bartolomeu
Mitre, em 1862. O impacto da educação sobre a sociedade argentina fez parte do debate
nacional, incorporado pela elite política liberal. Com isso, o ensino fundamental ganhou
impulso considerável. Em 1860, entre públicas e privadas, registravam-se 593 escolas
primárias argentinas (FAUSTO & DEVOTO, 2004, p. 53). No pensamento político portenho,
a chegada da democracia contava com a simpatia de Sarmiento. Ele entendia que o papel das
elites na transição do regime oligárquico ao democrático era de ―
civilizar a massa, dotando-a
de base cultural‖ (RICUPERO, 2004, p. 157).

Se apesar do esforço empreendido em São Paulo foram poucos os avanços na efetivação do


direito à educação escolar na Primeira República, algo que ficou registrado no censo de 1906,
não faltaram condições para a melhoria da forma escolar nesse período. A pesquisa de
Luciano Faria Filho encontrou o relato do inspetor técnico do ensino de Minas Gerais,
226
Revista Contemporânea de Educação N º 11 - janeiro/julho de 2011
Estevam de Oliveira, em viagem ―
comissionada‖ ao Rio de Janeiro e São Paulo, locais em
que o funcionário pôde vislumbrar o ―
espetáculo de ordem, civismo, disciplina, seriedade e
competência‖ dos primeiros grupos escolares (FARIA FILHO, 2000, p. 27).

Os grupos escolares representaram uma inovação decisiva no esforço de melhorar o nível da


educação pública no Brasil, o que se fez, no entanto, sem um aumento significativo do
número de unidades educacionais. Esse novo modelo de organização escolar, inspirado na
escola graduada norte-americana, reunindo os alunos em um único prédio e dividindo-os em
classes, se efetivou como um fenômeno primordialmente urbano – no meio rural continuaram
a prevalecer as antigas escolas isoladas. A implantação desse novo tipo de escola significou a
passagem daquelas que apenas cumpriam o papel de ensinar a ler, escrever e contar para ―
uma
escola de educação integral com um programa enriquecido e enciclopédico‖ (SOUZA, 1998,
p. 31).

Na passagem do século XIX para o século XX, a escola republicana viu-se diante do impasse
da renovação dos saberes ligados à educação popular. Em diversos países se experimentava
uma intensa transformação curricular. A tradicional reunião de conhecimentos na tríade da
leitura, da escrita e do cálculo entrava em rápida defasagem face às exigências do novo
trabalho industrial. O currículo escolar do ensino primário deveria anexar princípios das
ciências naturais, físicas e sociais (SOUZA, 2008, p. 19).

Recorrendo, mais uma vez, ao estudo de Luciano Faria Filho (Op. Cit., p. 27), descobre-se
que a preocupação dos governantes mineiros por ele estudados não se relacionava com a
superação da ―
baixíssima cobertura do sistema escolar existente, cerca de 5% da população
em idade escolar‖, mas com ―
a baixa qualidade da escola existente‖. Comparado ao que havia
sido feito nos países europeus em termos de redução do analfabetismo, o Brasil estava
próximo da Itália e da Espanha, que ainda permaneciam com mais de 50% da população
despossuída das habilidades da leitura e da escrita.

A pequena inserção social da escola preocupou educadores como Anísio Teixeira, que tratou
da incapacidade da República para estender a educação a todos. Nos anos 1950, o então
diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais (INEP) entendia que a
universalização do ensino fundamental (primário e médio) deveria transformar a educação de
privilégio em direito. Em Educação não é privilégio (1953), o educador baiano defendeu a
educação para a ―
formação comum do homem‖, mostrando ao público presente à palestra
realizada na Escola Brasileira de Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas

227
Revista Contemporânea de Educação N º 11 - janeiro/julho de 2011
(EBAPE-FGV) que, até a Revolução Francesa, ―
toda educação escolar consistia na
especialização de alguém‖ (1994, p. 40), ou seja, que na sociedade pré-industrial, dividida em
estamentos, a escola era vista como espaço de formação daqueles que se preparavam para
ocupar uma posição socialmente pré-determinada no mundo do trabalho. Após a derrubada do
Antigo Regime, porém, afirmava Anísio, a sociedade competitiva, burguesa, capitalista, teria
como um de seus fundamentos a escolha pelo indivíduo da sua posição profissional, passando
a ter a escola um novo papel: o de equalizar as oportunidades e permitir maiores condições de
igualdade àqueles que a frequentassem. Era o nascimento de uma nova escola, que formava as
inteligências, mas não formava intelectuais:

O intelectual seria uma das especialidades de que a educação posterior iria


cuidar, mas que constitui objeto dessa escola de formação comum a ser,
então, inaugurada. Por outro lado, além dessa total inovação, que
representava a escola para todos, a própria educação escolar tradicional –
ao tempo existente – teria que se transformar para entender à multiplicidade
de vocações, ofícios e profissões em que a nascente sociedade liberal e
progressiva que começou a desdobrar-se (Idem, p. 41).

A escola republicana, em uma sociedade marcada por um profundo espírito de classe e


privilégios, teria que mudar a sua forma de ensinar, preparando-se para receber um público de
origem popular. A preocupação com a qualidade, portanto, deveria ajustar-se ao esforço
inclusivo da escola democrática. Esse, aliás, é um debate que ainda nos é pertinente.

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230
Revista Contemporânea de Educação N º 11 - janeiro/julho de 2011
TEXTO 09

As Origens da Educação no Brasil


Da hegemonia católica às primeiras
tentativas de organização do ensino
Marcos Marques de Oliveira

“No Brasil imperial, como na Tur- Introdução


quia de Ataturk, a educação era a
A sociedade capitalista é resultante de
marca distintiva da elite política.
três revoluções: a Revolução Industrial, ocor-
Havia um verdadeiro abismo entre
rida, em meados do século XVIII, na Ingla-
essa elite e o grosso da população
terra; a Democrática, que se passou na Fran-
em termos educacionais”.
ça, em 1789; e a Educacional, que enrai-
(José Murilo de Carvalho)
zada no Iluminismo, somente se completa
na Europa do século XX. Mesmo conside-
Resumo rando o fato de não terem sido historica-
Este artigo analisa os mente simultâneas nem geo-
efeitos do processo europeu graficamente extensas, estas
de modernização no Brasil, Marcos Marques de Oliveira revoluções correspondem,
em especial no que se refere Doutorando em Educação segundo o sociólogo Talcott
Brasileira, UFF
ao atraso da implantação de Parsons (1971), aos três pro-
Pesquisador do Coletivo de
uma estrutura de ensino or- cessos estruturais responsá-
Estudos de Política
ganizada com base em um veis pela consolidação das
Educacional, Programa de
sistema nacional. De acor- Pós-graduação em sociedades ocidentais do
do com a nossa hipótese, da Educação da Universidade noroeste da Europa, a partir
mesma forma como faltou no Federal Fluminense do século XVII.
Brasil um movimento social Na hipótese deste autor,
que buscasse a criação de estas revoluções são proces-
um ethos científico, do qual o sistema uni- sos de diferenciação funcional dos subsis-
versitário europeu seria o grande modelo, temas econômico, político e cultural, que
segundo a interpretação de Simon Schwart- conferem crescente complexidade às socie-
zman, o mesmo ocorreu para a constitui- dades modernas. Das suas interações é que
ção de um sistema de educação pública, se configuraram as sociedades de econo-
de caráter laico e universal. mia altamente desenvolvidas, socialmente
Palavras-chaves: Educação. História. inclusivas e politicamente liberais — todas
Igreja Católica. Ensino Superior. Educação com grande capacidade de expansão das
Básica. República. forças produtivas, autonomia na auto-re-

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946 Marcos Marques de Oliveira

gulação dos conflitos e uma organização Sem a concorrência do protestantismo


política baseada no consenso e na legiti- e com as injunções políticas e econômicas
midade dos valores da representação. da condição colonial, a educação jesuíti-
ca reproduziu no Brasil o espírito da Idade
Neste artigo, analisaremos os efeitos des- Média, com o aprisionamento do homem
te fenômeno no Brasil, em especial no que se ao dogma da tradição escolástica, a sua
refere ao atraso da implantação de uma es- submissão à autoridade e à rígida ordena-
trutura de ensino organizada com base em ção social, avesso ao livre exame e à expe-
um sistema nacional. De acordo com a hi- rimentação. Em contraste, portanto, ao
pótese aqui defendida, da mesma forma homem de livre-pensamento, de visão igua-
como faltou, em Portugal e no Brasil, um litária e espírito associativo, confiante no
movimento social mais profundo que buscasse conhecimento como instrumento de trans-
a criação de um ethos científico, do qual o formação do mundo natural.
sistema universitário europeu seria o grande
modelo, segundo a interpretação de Schwart- Por outro lado, afirma Albuquerque
zman (1979, p. 52), o mesmo ocorreu para (1993, p. 18), o projeto educacional jesu-
constituição de um sistema de educação pú- ítico obteve resultados significativos, tais
blica no Brasil, de caráter laico e universal. como: “a transmissão de uma educação
homogênea — mesma língua, mesma reli-
A hegemonia católica na gião, mesma visão de mundo, mesmo ide-
al de ‘homem culto’, ou seja, letrado e eru-
Colônia e no Império dito — plasmando, de norte a sul, uma
No Brasil Colonial, vis a vis à moderni- identidade cultural; a catequese como pro-
dade européia, estabeleceu-se a herança cesso de aculturação, embora destrutiva,
cultural ibérica através da Igreja Católica de filhos de colonos e órfãos, trazidos de
com a chegada da Ordem dos Jesuítas em Portugal, com meninos índios e mestiços,
1549, que sob a inspiração da Contra-Re- elidindo a distinção de raças e dissolvendo
forma, foi responsável pela catequização costumes não europeus; a contraposição
indígena e pela educação da elite coloni- da escola e da Igreja à autoridade patriar-
zadora. Como sustenta Xavier (1980), pre- cal da casa-grande”.
ocupados com a difusão da fé e com a
educação de uma elite religiosa, os jesuí- Em 1759, as reformas realizadas por
tas criaram um sistema educacional que, Sebastião José de Carvalho e Mello, o Mar-
em última instância, fornecia aos elemen- quês de Pombal, primeiro-ministro de Por-
tos das classes dominantes uma educação tugal de 1750 a 1777, vão extinguir o úni-
clássica e humanista como era o ideal eu- co “sistema” de educação do Vice-Reina-
ropeu da época. No século XVIII, por exem- do do Brasil com a expulsão da Compa-
plo, a obra educativa dos jesuítas se esten- nhia de Jesus. A reforma pombalina, que
dia do Pará a São Paulo, com 17 colégios se insere no contexto histórico do despotis-
e seminários, 25 residências e 36 missões, mo esclarecido e do enciclopedismo fran-
sem contar os seminários menores e as es- cês, com o objetivo de recuperar o atraso
colas de alfabetização presentes em quase da metrópole lusitana em relação a outros
todo o território (ALBUQUERQUE, 1993). países, prega a abertura do ensino às ci-

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As Origens da Educação no Brasil
Da hegemonia católica às primeiras tentativas de organização do ensino 947

ências experimentais, tornando-o mais prá- características da educação colonial se


tico e utilitário, despertando um número perpetuassem. Os novos mestres-escolas e
cada vez maior de interessados no ensino os preceptores da aristocracia rural foram
superior. De acordo com Carvalho (1980, formados ainda pelos Jesuítas, sendo, de
p. 51), “os métodos e o conteúdo da edu- certa forma, mantenedores de sua obra
cação jesuítica foram radicalmente refor- pedagógica: os mesmos objetivos, os mes-
mulados. A ênfase deslocou-se para as ci- mos métodos, a permanência do apelo à
ências físicas e matemáticas. A nova facul- autoridade e à disciplina; o combate à ori-
dade de Filosofia concentrou-se nas ciên- ginalidade, à iniciativa e à criação indivi-
cias naturais – a física, a química, a zoolo- dual.
gia, a botânica, a mineralogia [...]. O Ilu-
minismo atingia Portugal, finalmente”. Somente com a chegada da família real
e da corte lisboeta, em 1808, a paisagem
Do Brasil, entretanto, o Iluminismo per- cultural do Brasil começaria a mudar. O
manecia distante. Da expulsão até as pri- país passa a viver um ambiente de efusão
meiras providências para substituição dos cultural, em que se destacam a criação do
educadores jesuítas decorreram 13 anos. Museu Real, do Jardim Botânico, da Bibli-
Neste período, desmantelou-se parte da oteca Pública e a Imprensa Régia. No setor
estrutura administrativa do ensino jesuíti- educacional, surgem os primeiros cursos
co: substituiu-se a uniformidade de sua superiores, embora baseados em aulas
ação pedagógica pela diversificação das avulsas e com um sentido profissional prá-
disciplinas isoladas. O Estado tentou assu- tico. Dentre eles, distinguiam-se a Acade-
mir, pela primeira vez, os encargos da edu- mia Real da Marinha e a Academia Real
cação, mas os mestres leigos das aulas e Militar (depois transformada em Escola
escolas régias, recém-criadas, se revelaram Militar de Aplicação), que formavam en-
incapazes de assimilar toda modernidade genheiros civis e preparavam a carreira das
que norteava a iniciativa pombalina. armas. Já os cursos médico-cirúrgicos do
Rio de Janeiro e da Bahia foram o embrião
Por conta ainda desta intervenção, re- das primeiras Faculdades de Medicina.
gistra-se a primeira mudança no que diz Assinala-se ainda a presença da Missão
respeito aos custeios da educação no Bra- Cultural Francesa, que possibilitou a cria-
sil. Até 1759, as escolas mantidas pelos ção da Real Academia de Desenho, Pintu-
jesuítas eram financiadas pelas contribui- ra, Escultura e Arquitetura Civil, em 1820.
ções dos usuários e Igrejas, através de do-
ações. A partir de então, institui-se o tribu- Com a vinda de D. João VI, portanto,
to de subsídio literário, imposto por alvará nascia o ensino superior brasileiro e o pro-
régio e com vigência até o início do século cesso de autonomia política que iria culmi-
XIX. Por outro lado, a manutenção, por parte nar na Independência do país décadas
dos padres católicos, de colégios para for- depois1. A educação do período colonial,
mação de sacerdotes e de seminários para conclui Xavier (1980, p. 22), ficou reduzi-
a formação do clero secular, fez com as da a algumas poucas escolas e aulas régi-

1
Para mais detalhes sobre o processo de implantação do ensino superior brasileiro, conferir o capítulo três (Ciência e educação
superior no Brasil do século XIX), de Schwartzman (1979).

Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.12, n.45, p. 945-958, out./dez. 2004
948 Marcos Marques de Oliveira

as. “E o Brasil, saindo da fase joanina com palmente religiosa) e o ensino primário foi
algumas instituições de educação elitária relegado ao abandono, sobrevivendo pelo
(escolas técnicas superiores), chegou à In- sacrifício de alguns mestres-escolas, que des-
dependência destituído de qualquer forma tituídos de habilitação profissional, só encon-
organizada de educação escolar”. A partir travam emprego na educação.
do governo de D. Pedro I, inicia-se um pro-
cesso de transferência de poder para um Do legado do Império, além do con-
mesmo grupo de beneficiários, com acrés- junto de instituições públicas para a for-
cimo dos “letrados” aos cargos adminis- mação das elites, restou uma série de de-
trativos e políticos para o preenchimento bates sobre a estruturação de uma educa-
do quadro funcional do Estado. As Facul- ção nacional, com a tentativa da criação
dades de Direito, de São Paulo e Recife, de um sistema em que a educação popular
criadas em 1827, passam a formar os futu- era considerada um requisito fundamental
ros funcionários do governo. — sinônimo de liberdade e riqueza; antô-
nimo de pobreza e despotismo. Mas os
Em 1834, um Ato Adicional do Impera- acalorados debates sobre a educação po-
dor promove uma das primeiras políticas de pular na Assembléia Constituinte e Legisla-
descentralização administrativa, conferindo tiva tiveram como resultado apenas a “pro-
às Províncias o direito de legislar sobre a clamação” de sua importância. Já o proje-
instrução pública e de promover estabeleci- to de criação das universidades foi facil-
mentos próprios, excluindo os de níveis su- mente aprovado. Segundo Xavier (1980, p.
periores, o que vai possibilitar uma dualida- 61-63), “não se questionou seriamente da
de de sistemas, com a superposição de po- necessidade ou finalidade de Universida-
deres (provincial e central) relativamente ao des em um país destituído de educação ele-
ensino primário e secundário. Ao poder cen- mentar... [o que] veio apenas legalizar uma
tral ficou reservado o direito de promover e situação de fato — a omissão do poder
regulamentar a educação no Rio de Janeiro central em relação à educação popular”.
e a educação de nível superior, em todo o
Império. Às Províncias foi delegada a incum- A estrutura geral do ensino ficou da se-
bência de regulamentar e promover a edu- guinte forma: o poder central encarregou-
cação primária e média em suas próprias se do ensino superior em todo o País e os
jurisdições (ROMANELLI, 1999). demais níveis ficaram a cargo das provín-
cias — com exceção do Colégio Pedro II,
Com o ensino secundário destinado a nomeado em homenagem ao nosso segun-
preparar candidatos ao ensino superior, o seu do governante imperial, que deveria servir
conteúdo acabou por ganhar um caráter pro- de modelo às escolas provinciais. A carên-
pedêutico. Nas províncias, o sistema escolar cia de recursos e a falta de interesse das
não passou da tentativa de reunião das anti- elites regionais impediram a organização
gas aulas régias em liceus, de forma desor- de uma rede eficiente de escolas. No ba-
ganizada. Motivo: um falho sistema tributá- lanço final, o ensino secundário foi assu-
rio e a conseqüente falta de recursos. No vazio mido, em geral, pela iniciativa particular,
do Estado, boa parte do ensino secundário especialmente pela Igreja. O ensino primá-
ficou a cargo da iniciativa privada (princi- rio, novamente, ficou abandonado.

Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.12, n.45, p. 945-958, out./dez. 2004
As Origens da Educação no Brasil
Da hegemonia católica às primeiras tentativas de organização do ensino 949

Ao final do Império, o quadro geral do pazes). Era a consagração do sistema dual


ensino era o seguinte: poucas escolas primá- que vinha do regime anterior, ampliando a
rias (com 250 mil alunos para um país com distância entre a educação da classe do-
cerca de 14 milhões de habitantes, dois quais minante (escolas secundárias acadêmicas
85% eram analfabetos), liceus provinciais nas e escolas superiores) e a educação do povo
capitais, colégios particulares nas principais (escola primária e escola profissional).
cidades, alguns cursos normais e os cursos
superiores que forjavam o projeto elitista (para O que fez a diferença a partir de então
formação de administradores, políticos, jor- foi a emergência de novos estratos sociais,
nalistas e advogados), que acabou se trans- com a substituição da massa homogênea
formando num elemento poderoso de unifi- dos agregados rurais e dos pequenos artí-
cação ideológica da política imperial. fices e comerciantes da zona urbana por
uma composição social mais heterogênea,
Como assevera Carvalho (1980, p. 64), pela divergência de interesses, origens e
“no Brasil imperial, como na Turquia de posições. Deste panorama faziam parte
Ataturk [...], a educação era a marca dis- uma camada média de intelectuais, os mi-
tintiva da elite política. Havia um verdadei- litares com alto prestígio, os primeiros pas-
ro abismo entre essa elite e o grosso da sos de uma burguesia industrial e todo um
população em termos educacionais”. contingente de imigrantes, que se ocupa-
vam da lavoura ou das profissões liberais
As primeiras tentativas urbanas. Desta forma, sustenta Romanelli
(1999, p. 42), “todo esse complexo orga-
de ruptura durante a nismo social já não podia comportar-se em
transição republicana instituições de caráter simplista”.
Na transição republicana, com a ade-
são de parte da elite intelectual aos ideais A pressão não tardou a provocar uma
do liberalismo burguês, é atribuída à edu- ruptura. A instituição da escola, calcada
cação a tarefa heróica de promover a re- no princípio da dualidade social, foi aos
construção da sociedade. A primeira Cons- poucos tendo seus alicerces comprometi-
tituição da República, de 1891, institui o dos pelo crescimento de complexas e di-
sistema federativo de governo e, conseqüen- versificadas camadas sociais. Ao nível das
temente, a descentralização do ensino. Em políticas públicas, houve várias tentativas
seu artigo 35, itens 3º. e 4º., reservou à de reforma por parte do governo central. A
União o direito de criar instituições de ensi- primeira tentativa veio com Benjamin Cons-
no superior e secundário nos estados e pro- tant, à frente da pasta ministerial da Instru-
ver a instrução secundária no Distrito Fe- ção Pública, Correios e Telégrafos, o pri-
deral. Aos estados competia prover e legis- meiro ministério dedicado, ainda que não
lar sobre a educação primária, além do exclusivamente, à educação 2. Benjamin
ensino profissional (que compreendia, na Constant tinha os seguintes objetivos: a
época, as escolas normais de nível médio substituição do currículo acadêmico por um
para moças e as escolas técnicas para ra- currículo enciclopédico (com a inclusão de

2
Como curiosidade histórica, vale lembrar que a última fala oficial do Imperador Pedro II correspondeu ao pedido de criação de
um ministério dos negócios da instrução e duas universidades (ALBUQUERQUE, 1993, p. 21).

Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.12, n.45, p. 945-958, out./dez. 2004
950 Marcos Marques de Oliveira

disciplinas científicas); o ensino seriado; Todas essas reformas, além de frustra-


maior organicidade do sistema em todos das, representaram posições isoladas dos
os níveis de ensino; e, por fim, a criação comandos políticos; não foram, em nenhu-
do Pedagogium, centro de aperfeiçoamen- ma hipótese, orientadas por uma política
to do magistério. nacional de educação e acabaram por
perpetuar o modelo educacional herdado
A ausência de uma estrutura institucio- do período colonial. Com isto, podemos
nal e de apoio político de parte da elite, que afirmar que durante os primeiros anos da
via nas idéias do ministro uma ameaça à República a importação da ideologia libe-
formação da juventude, impediu sua execu- ral atuou de forma difusa: ao mesmo tem-
ção. O insucesso desta reforma, entretanto, po em que validou um arranjo político em
foi apenas um exemplo dos limites e das frus- favor de uma parte da elite, produziu um
trações da República que acabava de nas- imediato ressurgimento das propostas para
cer, quando outras reformas foram frustra- a adequação da estrutura educacional aos
das. Por mais que decepcionasse os idealis- desígnios de uma nova ordem “democráti-
tas republicanos, “a nova cara política era ca” em implantação.
mais parecida com a cara real do país e era
por ela que se tinha que dar início à nova Somente a demanda para a ampliação
jornada. Uma das fraquezas das elites vito- da oferta de ensino de elite (o médio e o
riosas é a sua incapacidade de reproduzir superior) às classes médias em ascensão
novas elites adequadas para novas tarefas. foi atendida pela União, difundindo-se a
Elas são as primeiras vítimas de seu próprio ideologia da ascensão social pela escola-
êxito” (CARVALHO, 1980, p. 183). rização. Mais do que por exigências eco-
nômicas e sociais, a mobilização em torno
As intervenções governamentais seguin- destas propostas se deu pela instabilidade
tes representaram marchas e contramarchas política num período de rearticulação das
na evolução da estrutura educacional. A elites. O atendimento desta demanda fun-
Lei Orgânica Rivadávia Corrêa, no gover- cionou como canalização das insatisfações
no do marechal Hermes da Fonseca, em sociais, o que explica o sucesso e a incor-
1911, suprimiu o caráter oficial do ensino, poração dos pressupostos educacionais li-
dando total autonomia e liberdade aos es- berais em todas as camadas sociais. A ex-
tabelecimentos. Logo a seguir, a reforma pansão das oportunidades e a reforma das
Carlos Maximiliano reoficializa o ensino, instituições escolares representavam um
reforma o Colégio Pedro II e regulamenta o custo menor às elites do que a alteração
ingresso nas escolas superiores. Em 1925, da distribuição de renda e das relações de
no governo de Arthur Bernardes, ocorre a poder e, além disso, acalmava as frações
reforma Rocha Vaz, última tentativa no pe- mais combativas das camadas médias.
ríodo de se instituir normas regulamentares
para o ensino, cujo mérito foi buscar esta- Enquanto isso, em nível internacional,
belecer, pela primeira vez, um acordo entre despontava uma nova dimensão do ideário
a União e os estados para a promoção da liberal, que se desdobrava para além do
educação primária e para a eliminação dos individualismo original e ganhava um pa-
exames preparatórios e parcelados. pel de reconstrutor social. No plano educa-

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Da hegemonia católica às primeiras tentativas de organização do ensino 951

cional, essa tendência irá se expressar na porém, que este acesso não deveria obe-
pedagogia pragmática da Escola Nova, decer a um arrolamento obrigatório (da
baseada no pensamento do norte-america- escola infantil à universidade), mas ape-
no John Dewey, que propunha um modelo nas à abertura da escola oficial para todas
escolar de cunho reformista, necessário a as crianças, de 7 a 15 anos, com a exce-
uma sociedade com tendências a produzir ção das já confiadas às escolas privadas.
privilégios e desigualdades, mas que sub-
siste pela expectativa de mudança e ascen- Esta “tangente burguesa” defensora da
são social. Pelo vislumbre da democracia e escola pública, como gostava de nomear
do progresso, atendendo às aspirações das o cientista social Florestan Fernandes3, ti-
classes médias e, em parte, ao conservado- nha como referência dois significados bá-
rismo da classe dominante, o pensamento sicos e contraditórios da democracia mo-
escola-novista foi assimilado por vários edu- derna: a definição de democracia em sen-
cadores brasileiros, com divergências ape- tido descritivo, como forma de governo e
nas no que diz respeito à orientação geral modo de vida de uma sociedade de mer-
(revolucionária-reformista ou conservadora- cado e capitalista; e a definição de demo-
mente democrática), mantendo um horizonte cracia em sentido normativo, como forma
comum na interpretação das funções da es- de governo e modo de vida de uma socie-
cola, consolidando-se em uma ideologia dade interessada em garantir, para todos
educacional que influenciará o desenvolvi- os seus membros, a liberdade necessária à
mento do ensino brasileiro. concretização e ao desenvolvimento de suas
capacidades (GARCIA, 2002). Esta corrente
O primeiro documento de expressão tinha como ideal um sistema de ensino em
desta ideologia é o Manifesto dos Pionei- que educação popular de massas e forma-
ros da Educação Nova, de 1932, que bus- ção especializada apareciam como com-
cava superar as tentativas parciais de re- plementares, sendo, portanto, um mecanis-
forma até então efetuadas e imprimir uma mo eficiente e não autocrático de recruta-
direção única, clara e definida do movi- mento dos mais capazes indivíduos de to-
mento de renovação da educação nacio- dos as camadas sociais.
nal. Para tanto, baseado no direito indivi-
dual à educação, determinava que o Esta- A perspectiva dos pioneiros, portanto,
do, representante da coletividade, assumisse corrobora uma noção democrática de eli-
a responsabilidade da organização do en- te, àquela baseada na educação. Nesta
sino, com a tarefa de tornar a escola aces- concepção, à medida que a educação for
sível, em todos os seus graus, aos cida- estendendo a sua influência, despertadora
dãos mantidos em condições de inferiori- de vocações, vai penetrando até as cama-
dade econômica. Os pioneiros advertem, das mais obscuras, para aí, entre os pró-

3
Segundo Florestan (FERNANDES, 1995, p. 194-195) apesar das contradições que atravessavam o movimento dos pioneiros, os
esforços dessa “tangente burguesa” na área educacional devem ser elogiados por buscar colocar o Brasil num novo patamar. Era
uma utopia “reformista” de superação de etapas, mas uma utopia que visava oferecer a todas as classes sociais um mínimo de
dignidade. No entanto, estas “inteligências radicais”, seguidores da obra abolicionista, não lograram atingir os objetivos visados.
“Por quê? Porque no Brasil, para as elites das classes dominantes, o que era importante, o que era funcional, era deseducar, não
educar; educar os filhos das elites e deseducar a massa; manter a massa fora da escola ou então colocar a massa dentro da escola
como futura mão-de-obra, qualificada ou semiqualificada, de vários graus de desenvolvimento econômico.”

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prios operários, descobrir “o grande ho- la sem Deus, da família sem Deus”
mem, o cidadão útil”, que o Estado tem o (SCHWARTZMAN; BOMENY; COSTA,
dever de atrair submetendo a uma prova 1984, p. 55).
constante as idéias e os homens, para os
elevar e selecionar, segundo o seu valor ou Mas logo se consolidava o novo regi-
a sua incapacidade (GARCIA, 2002). So- me e a Igreja não tardaria em encontrar o
brevivia, desta forma, uma concepção eli- seu espaço. A referência para a ação vi-
tista com a renovada defesa da necessária nha do movimento mineiro de renovação
formação de “líderes condutores”, a mes- católica, que já na década de 20 estabele-
ma prioridade dos jesuítas no início do pro- ceu fortes laços com os grupos sociais em
cesso de desenvolvimento da estrutura edu- ascensão, sem deixar de corroborar anti-
cacional brasileira. gas ligações com o poder político conser-
vador. O próprio Alceu Amoroso Lima, ex-
Assim, fora a Igreja Católica, que se poente deste movimento, reconhecendo
opunha ao ensino laico e ao monopólio uma “corrente racional, tradicional e cris-
estatal (em descarte no próprio Manifesto), tã” entre os revolucionários de 1930, cla-
nem mesmo a fase mais autoritária do pe- ma aos católicos à luta pela incorporação
ríodo varguista, durante o Estado Novo que de suas reivindicações no futuro estatuto
se inicia em 1937, deixou de incorporar o político do país.
ideário e a retórica escola-novista. As pri-
meiras impressões da Igreja sobre a Revo- O pacto toma forma numa carta do
lução de 1930 foram de precaução e as- ministro Francisco Campos a Getúlio Var-
sombro: significava a vitória do Movimen- gas. Na missiva de 18 de abril de 1931, o
to Tenentista, cerne de “perigosas” idéias, ministro defende as propostas de introdu-
baseadas na associação do liberalismo com ção do ensino religioso facultativo nas es-
o positivismo, propositora da substituição colas públicas e o reconhecimento consti-
da moral religiosa pela crença nos poderes tucional do catolicismo como a religião da
da técnica e da ciência como critérios para maioria dos brasileiros. No mesmo mês, de-
organização da vida e da ação social. É pois de 40 anos, o ensino religioso volta a
deste movimento que saíra, por exemplo, o ser permitido nas escolas públicas, dando
maior mito do socialismo brasileiro, o co- provas de que o processo o Estado laico
munista Luís Carlos Prestes. brasileiro era uma falácia. Mais do que um
sinal de confirmação do pacto, o decreto
Na esfera educacional, a subida de criou a expectativa no movimento católico
Getúlio Vargas ao poder, na visão da Igre- de que o Estado pudesse ouvir as reivindi-
ja, representava o fortalecimento dos ide- cações da Igreja contra o “processo de lai-
ais escola-novistas, que com a defesa do cização da vida social”. Entretanto, sinais
ensino laico e da escola pública coloca- posteriores vão demonstrar que a incorpo-
vam em risco o predomínio das escolas ração da Igreja ao projeto político de Fran-
confessionais. Nas palavras de Alceu Amo- cisco Campos tinha um caráter meramente
roso Lima, militante católico, o movimento instrumental, não correspondendo neces-
revolucionário poderia ser definido pela sariamente a uma convicção ética e religi-
“obra da Constituição sem Deus, da esco- osa mais profunda.

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Da hegemonia católica às primeiras tentativas de organização do ensino 953

Ainda assim, a neutralização dos re- grande modelo, segundo a interpretação


formadores escola-novistas, mais por ra- de Schwartzman (1979, p. 52), o mesmo
zões políticas do que ideológicas, não ocorreu para constituição de um sistema
impediu a reedificação do discurso libe- de educação pública no Brasil, de cará-
ral com uma nova roupagem. De acordo ter laico e universal.
com Xavier (1990, p. 82), “as reformas
educacionais empreendidas nas décadas No entanto, a gradual substituição de
de 30 e 40 visavam, a um só tempo, a um modelo econômico exclusivamente
responder às exigências político-ideoló- agrário-exportador por um parcialmente
gicas do momento e às pressões sociais urbano-industrial, em concomitância ao
traduzidas e reforçadas pelo novo ideá- colapso do liberalismo ocidental e ao for-
rio”. Desta forma, embora não concreti- talecimento das variadas manifestações
zassem plenamente o “plano de recons- de totalitarismo, acarretará na cisão oli-
trução nacional” proposto pelos pionei- gárquica da República Velha e no ad-
ros da Escola-Nova, justificavam-se den- vento na Revolução de 1930. O incre-
tro do seu espírito geral as ambigüidades mento da industrialização, a crescente
presentes no Manifesto, atendendo ao urbanização e a introdução de um con-
novo que podia brotar, mas preservando tingente cada vez maior de estratos mé-
a tradicional estrutura dualista, elitista e dios e populares vão resultar na transfor-
acadêmica do ensino brasileiro — pelo mação da demanda social pela educa-
menos, afirma Xavier (1980), é o que se ção, que organizada em distintos movi-
pode concluir das exposições de motivos mentos políticos, reclama a organização
dos ministros Francisco Campos e Gus- de um sistema nacional de ensino.
tavo Capanema e das leis que organiza-
ram o sistema público brasileiro nas dé- A partir de então, a escolarização da
cadas de 1930 e 1940. população brasileira, relegada a um plano
secundário pelo poder político, passa a ter
Conclusão destaque na dinâmica dos conflitos sociais,
Nos quatro séculos de predomínio da influenciando, cada vez mais, o discurso e
economia agroexportadora, a educação a ação do Estado. A posterior e progressiva
brasileira voltou-se exclusivamente à for- organização da estrutura educacional bra-
mação das camadas superiores, no in- sileira terá três momentos marcantes: o de
tuito de prepará-las para as atividades expansão da demanda social, durante a
político-burocráticas e das profissões li- Primeira República, cuja melhor expressão
berais, a partir de um ensino humanísti- será o movimento escola-novista; o de con-
co e elitista — quase sempre a cargo ou solidação, através das reformas Francisco
sob a influência da “iniciativa privada” Campos (1931-1932) e Gustavo Capane-
religiosa. Da mesma forma como faltou, ma (1942-1946); e o terceiro momento, de
em Portugal e no Brasil, um movimento crítica e balanço, no pós-1946, que culmi-
social mais profundo que buscasse a cri- na com a promulgação da primeira Lei de
ação de um ethos científico, do qual o Diretrizes e Bases da Educação Nacional,
sistema universitário europeu seria o em 1961, pelo governo João Goulart.

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No entanto, em todos estes momentos blica, que não consegue preparar seus alu-
históricos irá predominar a assistência ao nos para o ingresso universitário.
ensino das elites e o despropósito com a
universalização da educação popular, con- A esperança é que a partir de uma nova
dição necessária para a consolidação da conjuntura política essa importante dívida
democracia brasileira. Somente na década social seja resgatada para que o Brasil fi-
de 1990, durante os dois governos do ex- nalmente possa ingressar no rol das na-
presidente Fernando Henrique Cardoso, é ções que oferecem a sua população o maior
que o desenvolvimento do ensino fundamen- legado da civilização ocidental: o direito a
tal será estimulado a ampliar de forma efeti- uma educação que sirva não só para a
va as oportunidades de acesso, ainda que reprodução material e o desenvolvimento
em termos qualitativos4 continue a deman- econômico, como também para a eleva-
dar esforços significativos — sem contar os ção sociocultural que permita a constru-
desafios que significam o baixo atendimen- ção de uma identidade nacional soberana
to na educação infantil e a difícil questão do e solidária – a base de uma sociedade mais
ensino médio, principalmente o da rede pú- justa e democrática.

Recebido em: 25/04/2003


Aceito para publicação: 17/12/2003

4
A baixa qualidade do ensino público brasileiro pode ser medida pelos altos índices de evasão e repetência, assim como pelas
avaliações internacionais que colocam os nossos alunos em patamares baixíssimos. Como causa principal, evidencia-se a
formação precária do corpo docente, que sofre com a desvalorização social da profissão e com a falta de estrutura e apoio na
maioria das instituições de ensino (INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS, 2003).

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Da hegemonia católica às primeiras tentativas de organização do ensino 955

ABSTRACT
The origins of Education in Brazil:
from the catholic hegemony until the
first attempts of teaching organization
This article analyzes the effects of the process of European modernization in Brazil, especially
in what refers to the delay of the introduction of a teaching structure organized based on
in a national system. In agreement with our hypothesis, in the same way as it lacked in
Brazil a social movement that it looked for the creation of a scientific ethos, of which the
European university system would be the great model, according to Simon Schwartzman’s
interpretation, the same happened for the constitution of a system of public education, of
character secular and universal.
Key-words: Education. History. Catholic Church. Higher education. Basic Education.
Republic.

RESUMEN
Los origenes de la educación en Brasil da
hegemonia católica a las primeiras tentativas
de organización de la enseñanza.
Este artículo analiza los efectos del proceso europeo de modernización en Brasil, sobre
todo en lo que se refiere al retraso de la introducción de una estructura de instrucción
organizada con base en un sistema nacional. De acuerdo con nuestra hipótesis, de la
misma manera como faltó en Brasil un movimiento social que buscara la creación de
genios científicos del cual el sistema universitario europeo sería el gran modelo, según la
interpretación de Simon Schwartzman, el mismo pasó para la constitución de un sistema
de educación pública, de carácter seglar y universal.
Palabras-clave: Educación. Historia. Iglesia Apostólica Romana. Educación Superior.
Educación Básica. República.

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Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.12, n.45, p. 945-958, out./dez. 2004
colonial e desenvolver a metrópole assimilando as vantagens da exploração
TEXTO 10 da colônia, isto é, da comercialização de seus produtos” (NOVAIS, 1989, p.
295). Com efeito, “desenvolver a metrópole significava promover uma
sólida base de produção industrial para reduzir a defasagem que a apartava
dos centros mais desenvolvidos” (idem, ibidem). Esse objetivo de
promoção das manufaturas foi parcialmente atingido, tendo apresentado
uma curva crescente até 1801, quando passam a declinar. Entretanto, o
avanço obtido não foi suficiente para escapar à dependência inglesa. Nessas
condições Portugal adentrou o século XIX sob a forte pressão do Império
napoleônico francês que o obrigava a aderir ao bloqueio continental
decretado contra a Inglaterra, cujo desfecho implicou a transferência da
família real para o Brasil, sob proteção da frota britânica, ocorrendo o que
Novais chamou de “inversão do pacto”. Assim, se a Inglaterra, centro
e o século XVII assistia ao avanço da “máquina irradiador da revolução industrial, pôde romper unilateralmente o pacto
mercante” sobre os privilégios da nobreza e do clero, o colonial quando as colônias se tornaram onerosas, mantendo, porém, o seu
século XVIII encerra-se com o seu triunfo. A Inglaterra controle político, no caso de Portugal deu-se o contrário: a colônia
fizera sua revolução ainda no século XVII, em 1688, e um transformou-se na sede do governo (idem, p. 298).
século depois deslanchara o processo da Revolução Em suma, conforme Novais, a crise do sistema colonial colocou
Industrial no mesmo momento em que a Revolução Portugal diante de dilemas que se revelaram insolúveis. Em nível
Francesa marcava a vitória da sociedade burguesa sobre o internacional Portugal tinha na colônia sua moeda de troca para obter
Antigo Regime. O avanço da “máquina mercante” inglesa se impôs sobre proteção, mas isso transferia para a aliada protetora (Inglaterra) as
os portugueses desde a recuperação da autonomia, em 1640, depois de vantagens da relação colonial. Economicamente, para beneficiar-se da
oitenta anos de domínio espanhol. O pequeno reino fragilizado exploração da grande colônia, Portugal precisava desenvolver-se; mas a
compreendeu que, sem se ligar a uma grande potência, não poderia própria exploração da colônia era condição para seu desenvolvimento.
conservar seu império colonial. Celebrou, então, em meados do século Imaginou-se, então, como saída a integração traduzida na fórmula do Reino
XVII vários acordos com a Inglaterra (1642, 1654, 1661). O espírito desses Unido. Porém, para integrar-se, a metrópole precisava modernizar-se, o que,
tratados revestia-se sempre do mesmo teor: “Portugal fazia concessões no nível político, colocava um novo dilema: “mobilizar o pensamento
econômicas e a Inglaterra pagava com promessas ou garantias políticas” crítico para empreender as reformas, e contê-lo para que não revelasse a sua
(FURTADO, 1982, p. 33). face revolucionária. O ecletismo teórico e o reformismo prático não
Virtualmente a metrópole do grande império colonial luso se converteu conseguiam, pois, superar as agudas contradições por onde se manifestava a
em “colônia” da Inglaterra, que se tornou beneficiária principal de suas crise” (idem, p. 301).
riquezas. O Marquês de Pombal, advertindo-se dessa situação, intentou
desembaraçar-se da “máquina mercante” britânica buscando construir um
“mercantilismo ilustrado” sobre a base das riquezas geradas pela grande
colônia brasileira, projeto que assumiu contornos nítidos na formulação de
Azeredo Coutinho. Tratava-se de promover um surto manufatureiro na sede
do Império tendo como objetivo, “ao mesmo tempo, fomentar a produção
flexibilidade de pensamento como base para o exercício político da
conciliação nos vários domínios da vida nacional. Queria-se adotar o
liberalismo, mas desejava-se conciliá-lo com a tradição. Num primeiro
momento, a tarefa urgente era dar estrutura jurídico-administrativa ao novo
país. Nessa conjuntura o liberalismo pôde impor-se porque o jogo político
1. SILVESTRE PINHEIRO FERREIRA E O ficou restrito às elites. Assim, “o liberalismo existiu no berço do estado
ECLETISMO ESCLARECIDO brasileiro e permaneceu como ideologia dominante até mais ou menos a
maioridade de D. Pedro II” (DEBRUN, 1983, pp. 124-125). Mas, a partir dos
anos de 1830, manifestaram-se revoltas e agitações nas províncias em que
Junto com a família real chegou ao Brasil, em 1808, Silvestre Pinheiro “várias categorias de dominados (inclusive os mais humildes) chegaram a
Ferreira. Permaneceu no Brasil de 1809 a 1821, tendo, a partir de 1813, ser mobilizados por alguns dominantes, que, por uma ou outra razão,
ministrado um curso de filosofia no Real Colégio de São Joaquim, no Rio contestavam o poder central” (idem, p. 125). Iniciou-se, então, o “tempo
de Janeiro (PAIM, 1984, p. 255). A obra filosófica de Silvestre Pinheiro saquarema”, na expressão de Ilmar Mattos (1987), que se estendeu de 1837
Ferreira pode ser lida como um intento de conciliar Aristóteles, estudado a 1862. Aí a conciliação entrou em cena explicitamente como estratégia
por ele diretamente e sem a mediação da escolástica, com o pensamento política de disciplinamento e manutenção da ordem. Marco desse processo
moderno, sobretudo com a corrente empirista: “o empirismo de Pinheiro foi o fracasso da Revolução Praieira, em 1848. Depois disso os liberais
Ferreira representa uma curiosa conciliação entre Aristóteles e Locke” foram vencidos e aliciados pelos conservadores, impondo-se o mecanismo
(idem, p. 260). da conciliação que, assumida intencionalmente, se converte na orientação
Silvestre Pinheiro Ferreira, além de filósofo e filósofo político, foi política dominante no Segundo Império ao longo da década de 1850.
também político, tendo se tornado figura eminente na fase final da Ora, a base filosófica da política de conciliação pode ser identificada no
permanência de Dom João VI no Brasil, quando ocupou as pastas do ecletismo. Como vimos, as reflexões filosóficas associadas à prática
Exterior e da Guerra. Visando a contribuir para completar as reformas docente e política de Silvestre Pinheiro Ferreira prepararam o advento
iniciadas por Pombal, ele buscava encontrar um lugar para o liberalismo formal dessa corrente filosófica que se estrutura nas décadas de 1830 e
político num sistema filosófico coerente que se harmonizasse com o 1840 e se torna dominante na década de 1850, encontrando, no sistema
pensamento tradicional incorporado à cultura portuguesa. Manifestando proposto por Victor Cousin, sua formulação mais acabada.
clara preferência pela monarquia constitucional sobre o regime republicano Victor Cousin foi professor de filosofia na Escola Normal de Paris
e reconhecendo a necessidade da reforma das instituições, afastava a via desde 1814, tornando-se, no reinado de Luiz Filipe (1830-1848), uma
revolucionária, optando pela transição sem lutas nem rupturas. Político espécie de filósofo oficial quando chegou a ser reitor da universidade e
reformista guiado pela estratégia da conciliação, pode-se concluir que ministro da Instrução Pública. Conhecido como “ecletismo espiritualista”,
Silvestre Pinheiro Ferreira se definia, em filosofia política, por um seu sistema foi adotado como filosofia oficial no Colégio Pedro II. Em
liberalismo moderado e, em filosofia, encaminhava-se para o ecletismo. consequência, tornou-se obrigatório nas demais instituições de ensino
Conforme Paim, foi ele “a grande figura” que formou o espírito dos secundário, como o ilustra o caso do Liceu Mineiro (LEITE, 2005), e nos
conservadores brasileiros “entre outras coisas por haver aberto o caminho cursos anexos de faculdades, ganhando a adesão de professores e de
ao ecletismo, no plano estritamente filosófico” (idem, p. 279). importantes figuras do campo intelectual como Mont’Alverne e Gonçalves
Os dilemas vividos nas relações entre Portugal e sua maior e principal de Magalhães no Rio de Janeiro, Eduardo Ferreira França na Bahia e
colônia introduziram um razoável grau de complexidade ao processo de Antonio Pedro de Figueiredo em Pernambuco.
transição para o Brasil independente. Essa situação exigia certa
presente reiteradamente nos discursos das autoridades, de modo geral,
assim como dos parlamentares, refletindo-se na Comissão de Instrução
Pública que, entretanto, não conseguia objetivar num projeto a necessidade
proclamada de um plano geral para a organização da instrução pública.
No contexto dos debates, um dos membros da Comissão, Martim
2. AS IDEIAS PEDAGÓGICAS NOS DEBATES Francisco Ribeiro d’Andrada Machado3, reapresentou a memória que havia
DA ASSEMBLEIA CONSTITUINTE DE 1823 proposto para a reforma dos estudos na capitania de São Paulo, em 1816.
A Memória de Martim Francisco, como ficou conhecida, foi estruturada
em 12 capítulos. Consistia num plano amplo e detalhado que previa a
Após a Proclamação da Independência, em 1822, a tarefa de dar organização do conjunto da instrução pública dividida em três graus: o
estrutura jurídico-administrativa para o novo país impunha, como primeiro primeiro grau cuidaria da instrução comum tendo como objeto as verdades
passo, a elaboração e promulgação de uma Constituição. Por Decreto e os conhecimentos úteis e necessários a todos os homens, e teria a duração
baixado em 3 de junho de 1822, Dom Pedro I convocou a Assembleia Geral de três anos, abrangendo a faixa etária dos 9 aos 12 anos de idade. O
Constituinte e Legislativa. No discurso de inauguração e instalação dos segundo grau, com a duração de seis anos, versaria sobre os estudos básicos
trabalhos da Assembleia Constituinte, em 3 de maio de 1823, o imperador referentes às diversas profissões. E o terceiro grau se destinaria a prover
destacou a necessidade de uma legislação especial sobre instrução pública. educação científica para a elite dirigente do país.
A via encontrada pela Comissão de Instrução Pública da Assembleia Geral Conforme revelado por Paul Arbousse Bastide na banca examinadora
Constituinte e Legislativa para atender a essa necessidade foi a do trabalho de José Querino Ribeiro sobre a Memória de Martim Francisco,
apresentação de um projeto que procurava, mediante a instituição de um apresentado na USP em 1943, o texto de Martim Francisco é, em grande
prêmio à melhor proposta, estimular o surgimento de um “Tratado parte, cópia dos Écrits sur l’instruction publique de Condorcet.
Completo de Educação da Mocidade Brasileira”. Eis a versão preliminar do De fato, em Cinq mémoires sur l’instruction publique, podemos
projeto apresentada na sessão de 4 de junho de 1823: encontrar as ideias básicas contidas na Memória de Martim Francisco. Mas
o texto de Condorcet foi alterado, de modo que se ajustasse a um perfil
1º Será reputado benemérito da pátria e como tal condecorado com a Ordem Imperial do
Cruzeiro, ou nela adiantado se já a tiver, aquele cidadão que até o fim do corrente ano ideológico algo distinto, esposado pelo autor brasileiro, conforme esclarece
apresentar à Assembleia melhor tratado de educação física, moral e intelectual para a mocidade Querino Ribeiro: se Condorcet inicia seu ensaio se referindo a sociedade e
brasileira.
2º Uma comissão composta de sete cidadãos de conhecida literatura e patriotismo,
cidadãos, Martim Francisco fala em soberanos e vassalos e a palavra
nomeados pela Assembleia, decidirá qual dos tratados oferecidos merece a preferência. “igualdade”, que aparece frequentemente no texto de Condorcet, está
3º Não havendo concorrência e aparecendo um só tratado, ainda assim verificar-se-á o inteiramente ausente na Memória de Martim Francisco (RIBEIRO, 1945, p.
prêmio determinado pelo parágrafo primeiro se a comissão o julgar digno de ser impressa
[ANNAES, 1823a, p. 80].
89). Observe-se também que, enquanto no plano de Condorcet a instrução
de primeiro grau teria a duração de quatro anos, Martim Francisco justifica
As discussões que se travaram em torno desse projeto, embora tenham a fixação em três anos da seguinte forma:
derivado para aspectos secundários ligados à validade ou não do prêmio, à Talvez pareça curta, e inexata a duração deste curso, e antecipado o termo médio, sabendo-
sua natureza e valor, revelaram, pelo próprio enunciado da questão posta em se as matérias, que nele se devem ensinar; mas esta objeção esvaecerá e tornar-se-á de nenhum
debate, a importância do tema que requeria solução urgente e prioritária: a valor, quando se refletir, que nos países quentes sendo mais prematuro o desenvolvimento
físico, e este andando de par com o intelectual, o menino mais cedo se desenvolve, com mais
organização de um sistema de escolas públicas, segundo um plano comum, facilidade, em menor tempo aprende um maior número de verdades [MACHADO, 1945, p.
a ser implantado em todo o território do novo Estado. Essa aspiração esteve 469].
Como se vê, a concepção laica de escola, na forma como começava a sentido amplo e aberto do termo “educação”, que se reporta aos “valores e
ser formulada pela burguesia triunfante, tendeu a ser apropriada pela elite opiniões subjetivas e privadas”, dizendo respeito à “totalidade aberta e
que esteve à testa do processo de independência e da organização do Estado problemática de cada ser humano” (idem, ibidem). Em lugar de “educação
brasileiro, ajustando-a, porém, às peculiaridades dessa situação particular. E nacional”, prefere sempre a denominação “instrução pública” (COUTEL,
o recurso a Condorcet não deixa de ser significativo, pois é, com certeza, 1989, p. 245).
nele que encontramos a expressão mais elaborada da íntima relação entre Na primeira memória sobre a instrução pública, Condorcet apresenta
Estado e escola na perspectiva liberal, expressa nas Cinco memórias sobre a três razões em defesa da tese de que “a educação pública deve se limitar à
instrução pública, publicadas em 1791 (CONDORCET, 1989), conforme o instrução”. À parte a segunda razão atinente aos direitos dos pais e a
seguinte plano: primeira memória – natureza e objeto da instrução pública; terceira, referida à independência de opiniões, a primeira razão apontada diz
segunda memória – da instrução comum para as crianças; terceira memória respeito à diferença necessária dos trabalhos e das posses que impede que
– sobre a instrução comum para os homens; quarta memória – sobre a se dê à educação pública maior amplitude. Argumenta, então, que, embora
instrução relativa às profissões; quinta memória – sobre a instrução relativa sendo todos os homens livres e possuindo os mesmos direitos, uma grande
às ciências. parte dos filhos dos cidadãos é destinada a ocupações duras que tomarão
Conforme esclarece Condorcet, a instrução é necessária porque evitar o todo o seu tempo; uma outra parte, cujos recursos dos pais permitem
erro é condição essencial da liberdade. Só o caráter de verdadeira pode dar destinar mais tempo a uma educação mais extensa, tem acesso a profissões
legitimidade a uma decisão e justificar que um ser humano a ela se mais lucrativas; por fim os que, nascidos com uma fortuna independente,
submeta. E como não se tem garantias plenas de se atingir a verdade, cabe podem dedicar-se inteiramente a uma educação que lhes assegure os meios
proceder de modo que se possa provar que foram levadas em conta todas as de uma vida feliz (CONDORCET, 1989, pp. 57-58). Conclui, assim, que é
garantias acessíveis contra o erro. Eis por que as decisões tomadas em “impossível submeter a uma educação rigorosamente idêntica homens cuja
assembleia são preferíveis àquelas tomadas individualmente. Isso faz com destinação é tão diferente” (idem, p. 58). Portanto, a educação pública deve
que um indivíduo esclarecido tenha boas razões para delegar a decisão, à limitar-se à instrução, já que esta é passível de ser graduada, escalonada, ao
medida que considera que por essa forma haverá maior probabilidade de se passo que uma educação comum tem que ser completa; caso contrário, ela
evitar o erro. Segue-se, pois, a necessidade da instrução, que se impõe será nula e até mesmo prejudicial (idem, pp. 56-72).
duplamente: em primeiro lugar, politicamente, “porque se um povo é Coerentemente, a Memória de Martim Francisco também está referida à
soberano ele pode, por falta de conhecimentos, se tornar seu próprio instrução, tendo sido dirigida inicialmente à reforma dos estudos da
tirano”. Em segundo lugar, filosoficamente, “porque aquele que ignora está Capitania de São Paulo com o objetivo de promover uma instrução comum
sempre num estado de dependência; alienado que está à opinião difundida e a todos os povos da capitania. Reapresentada na Assembleia Constituinte e
à espontaneidade de suas próprias paixões, ele não é jamais o autor de suas Legislativa, recebeu parecer favorável da Comissão de Instrução Pública na
decisões. Não há liberdade sem autonomia da razão” (KINTZLER, 1989, p. sessão de 7 de julho de 1823. O parecer, reconhecendo nela qualidades no
13). método de ensinar e aprender, na classificação e graduação dos
Além de necessária, a instrução deve ser pública, pois ela diz respeito conhecimentos, na indicação das matérias, na escolha dos compêndios,
ao exercício da soberania, sendo, assim, uma questão de liberdade pública e lamenta os prejuízos à instrução pública acarretados pela sua não adoção. E
não de liberdade privada. Sem ela o novo soberano, o povo, não pode recomenda que seja publicada às expensas do tesouro público, devendo
exercer a soberania. Cabe, portanto, ao poder público garantir sua servir imediatamente como guia para os professores e para os autores de
homogeneidade, desenvolvê-la e protegê-la. compêndios.
Note-se que Condorcet se refere sempre à instrução. Para ele, o conceito No entanto, a Memória de Martim Francisco, assim como o próprio
hoje generalizado de “educação nacional” seria incoerente em razão do projeto de estímulo ao “Tratado Completo de Educação da Mocidade
Brasileira” foram deixados de lado. E a Comissão de Instrução Pública para “as outras religiões” corresponde ao espírito do pensamento moderno,
concentrou suas atenções num outro projeto, o de criação de universidades. de teor liberal, que remeteu a questão da fé religiosa para a esfera privada.
Depois de acalorados debates, o projeto foi aprovado na sessão de 4 de A religião católica, no entanto, recebeu tratamento diferenciado ao ser
novembro, nos seguintes termos: incorporada ao Estado na forma do padroado.

1º Haverá duas Universidades, uma na cidade de São Paulo e outra na de Olinda,


facultando-se a cada uma das províncias, a fundação de iguais estabelecimentos dentro de si,
logo que os seus respectivos habitantes ofereçam para isso os fundos;
2º Estatutos próprios regularão o número de professores, a ordem e o arranjamento dos
estudos;
3º Em tempo competente se designarão os fundos precisos a ambos estabelecimentos,
fornecidas as despesas pela Fazenda Nacional;
4º Entretanto haverão [sic] desde já dois cursos jurídicos, um na cidade de São Paulo e
outro na de Olinda, para os quais o governo nomeará mestres idôneos, os quais se governarão
provisoriamente pelos estatutos da Universidade de Coimbra, com aquelas alterações e
mudanças que eles, em mesa presidida pelo vice-reitor, julgarem adequadas às circunstâncias e
luzes do século;
5º Sua Majestade o Imperador escolherá dentre os mestres um para servir interinamente de
vice-reitor [ANNAES, 1823b, pp. 237-238].

No entanto, mesmo esse projeto não chegou a ser promulgado. A


Assembleia Constituinte e Legislativa foi dissolvida por Dom Pedro I em
12 de novembro de 1823. Com a dissolução da Assembleia Constituinte, o
Imperador outorgou, em 25 de março de 1824, a primeira Constituição do
Império do Brasil que se limitou a afirmar, no inciso 32 do último artigo
(179) do último título (VIII), que “a instrução primária é gratuita a todos os
cidadãos”. A isso se reduziu, constitucionalmente, a necessidade de uma
legislação especial sobre instrução pública proclamada por Dom Pedro no
discurso que inaugurou os trabalhos da Assembleia Constituinte.
De modo geral, o conteúdo da carta outorgada estava em sintonia com
as normas modernas adotadas em diferentes países. Dois aspectos, porém,
distinguiam-na mais visivelmente: o Poder Moderador, um quarto poder
estabelecido no artigo 10 e regulado no capítulo I do título 5º. Conforme
definido no artigo 98, o Poder Moderador foi considerado a “chave de toda
a organização política”, sendo privativo do imperador “para que
incessantemente vele sobre a manutenção da Independência, equilíbrio e
harmonia dos mais Poderes Políticos”. O outro aspecto característico
encontra-se no artigo 5º do título 1º: “A Religião Católica Apostólica
Romana continuará a ser a Religião do Império. Todas as outras religiões
serão permitidas com seu culto doméstico, ou particular em casas para isso
destinadas, sem forma alguma exterior de Templo”. Vê-se que o disposto
das línguas mortas e vivas, dos diversos modos da escritura (em diplomas,
em moedas e inscrições lapidares); a hermenêutica, ou seja, a arte de
distinguir os monumentos e diplomas genuínos dos apócrifos, a geografia
antiga e moderna e a cronologia e história da filosofia, tanto civil como
literária. Previa a criação de um ginásio, com 12 mestres, nas capitais das
3. AS IDEIAS PEDAGÓGICAS E O PROBLEMA províncias, observando, porém, que “as suas cadeiras se poderão
NACIONAL DA INSTRUÇÃO PÚBLICA estabelecer e multiplicar separadamente por outros lugares como for mais
conveniente” (idem, p. 153).
Finalmente, o quarto grau, isto é, as “academias”, destinava-se ao
Reaberto o Parlamento em 1826, retomou-se a discussão do problema ensino das “ciências abstratas e de observação, consideradas em sua maior
nacional da instrução pública. Entre as várias propostas sobressaiu o projeto extensão e em todas as mais diversas relações com a ordem social,
encabeçado por Januário da Cunha Barbosa, também assinado pelos compreendendo-se, além disso, o estudo das ciências morais e políticas,
deputados José Cardoso Pereira de Mello e Antonio Ferreira França, que contempladas debaixo do mesmo ponto de vista”, como reza o artigo 5º do
pretendia regular todo o arcabouço do ensino distribuído em quatro graus, título I do projeto (ANNAES, 1826, p. 151). No título V, artigo 2º,
assim denominados: 1º grau: pedagogias; 2º grau: liceus; 3º grau: ginásios; especificava-se como objeto das escolas de 4º grau “todas as ciências
4º grau: academias. exatas, naturais e sociais, consideradas em todas as suas diversas
O primeiro grau (as “pedagogias”) abrangia os conhecimentos ramificações e nas aplicações às profissões científicas”, distribuindo-as em
elementares necessários a todos independentemente da sua situação social seis classes distintas: 1. ciências matemáticas; 2. ciências físicas; 3. ciências
ou profissão, compreendendo “a arte de escrever e de ler, os princípios da saúde do homem e dos animais úteis ao homem; 4. ciências sociais ou
fundamentais de aritmética, e os conhecimentos morais, físicos e jurisprudência política; 5. ciências militares; 6. ciências navais. Por fim, em
econômicos, indispensáveis em todas as circunstâncias e empregos” consonância com o projeto que havia sido aprovado, mas não promulgado
(ANNAES, 1826, p. 150). Quanto à organização, essas escolas abrangeriam pela Assembleia Nacional Constituinte e Legislativa, previa a criação de
três classes, com a duração de um ano cada uma. Coincidia, portanto, com o duas academias, uma na cidade de São Paulo e outra em Pernambuco,
proposto na Memória de Martim Francisco, o que é perfeitamente admitindo que “suas diversas classes se poderão dividir e ramificar em
compreensível, pois também esse projeto encontra respaldo no ideário de diversos lugares” (idem, p. 153).
Condorcet. Cada povoação ou freguesia seria provida com uma escola de Mas essa ambiciosa proposta nem chegou a entrar em discussão. No
primeiro grau. Nas cidades e vilas maiores seriam criadas as que fossem entanto, seu registro é importante porque sinaliza a presença das ideias
necessárias. modernas que preconizavam uma educação pública e laica na forma das
O segundo, os “liceus”, voltava-se para a formação profissional memórias de Condorcet. Também se percebe que a organização do ensino
compreendendo os conhecimentos relativos à agricultura, à arte e ao ainda se pautava pelo espírito das aulas régias oriundas das reformas
comércio, na forma como são desenvolvidos pelas ciências morais e pombalinas, o que está explícito na previsão de cadeiras e classes avulsas
econômicas. A duração do curso seria de três anos. Previa-se a criação de nos casos do 3º grau (ginásios) e do 4º grau (academias).
uma escola de 2º grau, com dois mestres, nas cidades e grandes vilas.
O terceiro grau, denominado “ginásios”, compreendia os conhecimentos
científicos gerais, como introdução ao estudo aprofundado das ciências e de
“todo gênero de erudição”, com o seguinte detalhamento: estudo das
faculdades e operações do entendimento, da gramática geral, da retórica,
acréscimo dos princípios da moral cristã e da doutrina da religião católica
no currículo proposto.

4. A QUESTÃO PEDAGÓGICA NAS ESCOLAS


DE PRIMEIRAS LETRAS: O MÉTODO MÚTUO

Em lugar de um projeto abrangente e minucioso como o proposto por


Januário da Cunha Barbosa, a Câmara dos Deputados preferiu ater-se a um
modesto projeto limitado à escola elementar o qual resultou na Lei de 15 de
outubro de 1827 que determinava a criação de “Escolas de Primeiras
Letras”.
O texto da Lei das Escolas de Primeiras Letras desdobra-se em 17
artigos. Além do primeiro artigo que determinou a criação das Escolas de
Primeiras Letras “em todas as cidades, vilas e lugares mais populosos”,
cabe destacar os artigos 4º e 5º, referidos à adoção obrigatória do método e
da forma de organização preconizados pelo “ensino mútuo”, e o artigo 6º
que estipula o conteúdo que os professores deverão ensinar: “ler, escrever,
as quatro operações de aritmética, prática de quebrados, decimais e
proporções, as noções mais gerais de geometria prática, a gramática da Gravura representando o método lancasteriano ou ensino mútuo (1827), no qual alunos eram
língua nacional, os princípios de moral cristã e de doutrina da religião investidos da função docente.
católica e apostólica romana proporcionadas à compreensão dos meninos”
(TAMBARA & ARRIADA, 2005, p. 24).
Essa primeira lei de educação do Brasil independente não deixava de Estava, também, em consonância com o espírito da época a adoção do
estar em sintonia com o espírito da época. Tratava ela de difundir as luzes “ensino mútuo”, com o qual se esperava acelerar a difusão do ensino
garantindo, em todos os povoados, o acesso aos rudimentos do saber que a atingindo rapidamente e a baixo custo grande número de alunos. Assim,
modernidade considerava indispensáveis para afastar a ignorância. O pela Lei das Escolas de Primeiras Letras, esse método de ensino, que já
modesto documento legal aprovado pelo Parlamento brasileiro contemplava vinha sendo divulgado no Brasil desde 1808, tornou-se oficial em 1827,
os elementos que vieram a ser consagrados como o conteúdo curricular ensaiando-se a sua generalização para todo o país.
fundamental da escola primária: leitura, escrita, gramática da língua Proposto e difundido pelos ingleses Andrew Bell, pastor da Igreja
nacional, as quatro operações de aritmética, noções de geometria, ainda que Anglicana, e Joseph Lancaster, da seita dos Quakers, o método mútuo,
tenham ficado de fora as noções elementares de ciências naturais e das também chamado de monitorial ou lancasteriano, baseava-se no
ciências da sociedade (história e geografia). Dada a peculiaridade da nova aproveitamento dos alunos mais adiantados como auxiliares do professor no
nação, que ainda admitia a Igreja Católica como religião oficial e estava ensino de classes numerosas. Embora esses alunos tivessem papel central na
empenhada em conciliar as novas ideias com a tradição, entende-se o efetivação desse método pedagógico, o foco não era posto na atividade do
aluno. Na verdade, os alunos guindados à posição de monitores eram aprovação do Ato Adicional à Constituição do Império, o governo central
investidos de função docente. O método supunha regras predeterminadas, desobrigou-se de cuidar das escolas primárias e secundárias transferindo
rigorosa disciplina e a distribuição hierarquizada dos alunos sentados em essa incumbência para os governos provinciais. As Assembleias
bancos dispostos num salão único e bem amplo. De uma das extremidades Provinciais, por sua vez, procuraram logo fazer uso das novas prerrogativas
do salão, o mestre, sentado numa cadeira alta, supervisionava toda a escola, votando “uma multidão de leis incoerentes” sobre instrução pública
em especial os monitores. Avaliando continuamente o aproveitamento e o (ALMEIDA, 1989, p. 64), afastando-se, portanto, da ideia de sistema
comportamento dos alunos, esse método erigia a competição em princípio entendido este como “a unidade de vários elementos intencionalmente
ativo do funcionamento da escola. Os procedimentos didáticos tradicionais reunidos de modo a formar um conjunto coerente e operante” (SAVIANI,
permanecem intocados. “Com exceção da ‘voz baixinha’, nada mudou. 2005a, p. 80).
Igualmente mecânico é o ensino da aritmética e, naturalmente, toda a Os relatórios dos ministros do Império e dos presidentes de províncias
orientação para o comportamento das crianças” (MANACORDA, 1989, p. ao longo do período imperial evidenciam as carências do ensino, o que
260). permite concluir que o Ato Adicional de 1834 apenas legalizou a omissão
Buscava-se, pois, no ensino mútuo proposto por Lancaster o do poder central nessa matéria. Portanto, contrariamente a uma tendência
equacionamento do método de ensino e de disciplinamento, correlacionados frequente na historiografia educacional, não se pode atribuir ao Ato
um ao outro. Com efeito, considerando-se que “a maior habilidade exigida e Adicional a responsabilidade pela não realização das aspirações
a ser desenvolvida no processo de ensino e aprendizagem, no plano educacionais no século XIX. Mesmo porque, para isso, seria necessário que
pedagógico de Lancaster, era a memória e não a fluência verbal” (NEVES, a competência conferida às províncias no que se refere ao ensino primário e
2003, p. 223), não se admitia a conversa. Esta era considerada um ato de secundário fosse privativa. Mas, como assinala Newton Sucupira, essa
indisciplina, já que no entendimento de Lancaster não era possível falar e interpretação não tem respaldo nos textos legais nem na exegese
aprender ao mesmo tempo. Ato contínuo, “o aluno falante havia de ser predominante. O entendimento que prevaleceu, ao menos “nos anos que se
punido com severidade” (idem, ibidem). Em suas obras, especialmente em seguiram à promulgação do Ato, é que se tratava de uma competência
Sistema britânico de educação, de 1823, Lancaster dá exemplos detalhados concorrente” (SUCUPIRA, 1996, p. 62).
das punições a serem aplicadas aos alunos que, grosso modo, podem ser Na primeira metade do século XIX, portanto, sob a vigência da Lei das
agrupadas em duas formas de castigos: “aqueles que constrangiam Escolas de Primeiras Letras, a instrução pública caminhou a passos lentos.
fisicamente, não por machucar mas pelo fato de ter pregado no corpo a As críticas principais recaíam sobre a insuficiência quantitativa, falta de
marca de punição; ou que constrangiam moralmente” (idem, p. 224). preparo (a tentativa de resolver esse problema com a criação de Escolas
A adoção do método mútuo foi objeto de avaliações discrepantes. É Normais ainda não surtira efeito e vinha sendo objeto de críticas
certo, porém, que “nas fontes pesquisadas em nenhum momento aparecem constantes), parca remuneração e pouca dedicação dos professores; a
elogios quanto à parte propriamente pedagógica do método, isto é, ao seu ineficácia do método lancasteriano atribuída, sobretudo, à falta de
potencial de instruir bem” (VILLELA, 1999, p. 155). Diferentemente disso, instalações físicas adequadas à prática do ensino mútuo; e a ausência de
“não é o seu aspecto qualitativo, mas, sim, o quantitativo que é sempre fiscalização por parte das autoridades do ensino, o que tornava frequente
enaltecido, ou seja, a possibilidade de instruir muitas pessoas ao mesmo nos relatórios a demanda pela implantação de um serviço de inspeção das
tempo e a um baixo custo” (idem, pp. 155-156). escolas. A situação estava, pois, a reclamar uma ampla reforma da instrução
Se a Lei das Escolas de Primeiras Letras tivesse viabilizado, de fato, a pública.
instalação de escolas elementares “em todas as cidades, vilas e lugares
populosos” como se propunha, teria dado origem a um sistema nacional de
instrução pública. Entretanto, isso não aconteceu. Em 1834, por força da
Como se vê, no conjunto dos temas tratados há um destaque para a
instrução pública primária. Mas é de se notar, também, a ênfase na questão
da inspeção escolar, na regulação das escolas particulares e no regime
disciplinar dos professores e diretores de escolas. E, especificamente em
relação à escola primária, chama a atenção a questão dos professores
5. AS IDEIAS PEDAGÓGICAS NA REFORMA adjuntos, à qual foi dedicada todo um capítulo.
COUTO FERRAZ Embora o regulamento esteja dirigido ao município da Corte, zona de
atuação direta do ministro do Império, como que a respaldar a interpretação
de que o dispositivo do Ato Adicional de 1834 não tinha caráter privativo,
A ocasião para a reforma se pôs no plano político com a ascensão do mas concorrente, a Reforma Couto Ferraz contém normas alusivas,
Gabinete da Conciliação, chefiado pelo Marquês do Paraná (Honório também, à jurisdição das províncias. Assim, além do efeito-demonstração e
Hermeto Carneiro Leão), empossado em 6 de setembro de 1853. A do caráter de modelo que, durante todo o Império, a legislação do
oportunidade surgiu com a presença nesse Gabinete, como ministro do município da Corte teve para as províncias, o Regulamento de 1854
Império, de Luiz Pedreira do Couto Ferraz, a própria personificação da explicitamente buscava alcançar a instrução pública provincial, como se vê
conciliação, já que, liberal antes, então se tornara conservador. A ele coube no § 5° do artigo 3°, que estipula como uma das incumbências do inspetor
a tarefa de baixar o Decreto n. 1.331-A, de 17 de fevereiro de 1854, que geral:
aprovou o “Regulamento para a reforma do ensino primário e secundário do
Município da Corte”. Coordenar os mapas e informações que os Presidentes das províncias remeterem
anualmente ao Governo sobre a instrução primária e secundária, e apresentar um relatório
Iniciando sua carreira política como deputado na Assembleia da circunstanciado do progresso comparativo neste ramo entre as diversas províncias e o
Província do Rio de Janeiro em 1845, com 27 anos de idade, já em 1846 município da Corte, com todos os esclarecimentos que a tal respeito puder ministrar
[TAMBARA & ARRIADA, 2005, p. 31].
Couto Ferraz se tornou presidente da província do Espírito Santo. Nomeado
presidente da província do Rio de Janeiro em 1848, exerceu esse cargo até
assumir o posto de ministro do Império em 6 de setembro de 1853, que lhe Outro aspecto característico desse Regulamento baixado em 1854
facultou baixar o regulamento que ficou conhecido como “Reforma Couto refere-se à adoção do princípio da obrigatoriedade do ensino. O artigo 64
Ferraz”. determina uma multa de 20 mil a 100 mil réis aos pais ou responsáveis por
crianças de mais de 7 anos que a elas não garantissem o ensino elementar,
O referido regulamento é um minucioso documento composto de cinco
dobrando-se a multa em caso de reincidência, à vista de verificação feita a
títulos. Os títulos primeiro, terceiro, quarto e quinto estão constituídos, cada
cada seis meses. Esse aspecto associado à tarefa de coordenação atribuída
um, por um único capítulo tratando, respectivamente, “da inspeção dos
ao inspetor geral dos estudos, extensiva a todas as províncias do Império,
estabelecimentos públicos e particulares de Instrução primária e
permite-nos considerar que a ideia de um sistema nacional de ensino
secundária”, “da Instrução pública secundária”, “do ensino particular
começa a delinear-se mais claramente a partir dessa Reforma.
primário e secundário” e “das faltas dos professores e diretores de
estabelecimentos públicos e particulares”. Diferentemente, o título segundo, Quanto à concepção pedagógica que orientou a Reforma Couto Ferraz,
que trata “da Instrução pública primária”, compõe-se de três capítulos pode-se observar que, pelo aspecto administrativo, essa concepção se revela
versando respectivamente sobre as “condições para o magistério público; centralizadora, como o atesta o amplo papel atribuído ao inspetor geral ao
nomeação, demissão”, os “professores adjuntos; substituição nas escolas” e qual se encontram hierarquicamente subordinados os delegados de distrito.
“as escolas públicas; suas condições e regime”. Do ângulo das finalidades da escola, absorvia a noção iluminista do
derramamento das luzes por todos os habitantes do país, o que trazia como
corolário: obrigatoriedade aos “pais, tutores, curadores ou protetores que qualidade da formação que ministravam e insignificantes em relação ao
tiverem em sua companhia meninos maiores de 7 anos” de garantirem “o número de alunos que nelas se formavam. Por isso já antecipara na
ensino pelo menos de primeiro grau” (artigo 64), implicando, por província do Rio de Janeiro a solução adotada no Regulamento de 1854: a
consequência, a obrigatoriedade, para as crianças, de frequência às escolas. substituição das Escolas Normais pelos professores adjuntos. Daí um
Mas, se as ditas luzes deveriam derramar-se a todos os habitantes, deve-se capítulo inteiro, o de número II, do Título II, dedicado aos professores
entender que se restringia a todos os habitantes “livres”, pois os escravos adjuntos. A ideia pedagógica aí presente era a da formação na prática.
estavam explicitamente excluídos, já que, nomeados no § 3° do artigo 69, Consistia em contratar, por concurso geral aberto aos discípulos maiores de
estavam entre aqueles que “não serão admitidos à matrícula, nem poderão 12 anos de todas as escolas públicas, docentes auxiliares. Os que se
frequentar as escolas”. distinguissem nesse concurso comporiam uma lista da qual o governo faria
Do ponto de vista da organização dos estudos, previa-se: a) uma escola a escolha para nomear os adjuntos. Estes ficariam “adidos às escolas como
primária dividida em duas classes: a primeira compreenderia escolas de ajudantes e para se aperfeiçoarem nas matérias e práticas do ensino” (artigo
instrução elementar, denominadas escolas de primeiro grau; a segunda 38). Nessa condição passariam por um “triênio de habilitação” (artigo 40),
corresponderia à instrução primária superior, ministrada nas escolas de sendo examinados a cada ano. Os que obtivessem resultado desfavorável
segundo grau; b) uma instrução secundária ministrada no Colégio Pedro II, nos exames seriam “eliminados da classe de adjuntos” (artigo 39). Já
com a duração de sete anos, e nas aulas públicas avulsas, consagrando, aqueles com resultado favorável, uma vez aprovados no exame do terceiro
portanto, a coexistência dos dois modelos então em vigor; c) os alunos ano, permaneceriam como adidos, podendo o governo designar, “dentre os
seriam agrupados em turmas, adotando-se, portanto, a seriação e o ensino maiores de 18 anos, aqueles que devem substituir os professores nos seus
simultâneo. impedimentos” (idem). E poderiam, também, ser “nomeados professores
A organização do ensino tinha por base um currículo elementar públicos nas cadeiras que vagarem” (artigo 41), dispensando-se as
compreendendo “a instrução moral e religiosa, a leitura e escrita, as noções formalidades previstas nos artigos 17 e 20, que estipulavam as exigências
essenciais de gramática, os princípios elementares de aritmética, o sistema para admissão de professores sem a passagem pela categoria de adjunto. Eis
de pesos e medidas do município” (artigo 47), a serem desenvolvidos nas como, pela via da atuação como auxiliar junto a um professor público em
escolas primárias de primeiro grau. exercício, se buscou formar os novos professores, dispensando-se a
Esse currículo básico seria enriquecido nas escolas primárias de instalação de Escolas Normais.
segundo grau com: “o desenvolvimento da aritmética em suas aplicações Destaque-se que esse entendimento de um ensino estreitamente ligado à
práticas, a leitura explicada dos Evangelhos e notícias da história sagrada, prática pode ser reconhecido como uma ideia-força da Reforma Couto
os elementos de história e geografia, principalmente do Brasil, os princípios Ferraz. Ela se faz presente não apenas no que se refere à formação de
das ciências físicas e da história natural aplicáveis aos usos da vida” (idem). professores. Encontra-se também nas atribuições do Conselho Diretor, no
Prosseguiria, ainda, com “a geometria elementar, agrimensura, desenho processo de seleção dos professores públicos e dos adjuntos e explicita-se
linear, nomeações de música e exercícios de canto, ginástica, e um estudo no centro do currículo quando se prevê no artigo 47: a) o estudo do sistema
mais desenvolvido do sistema de pesos e medidas, não só do município da de pesos e medidas do município, e não só dele, mas também das províncias
Corte, como das Províncias do Império, e das Nações com que o Brasil tem e “das Nações com que o Brasil tem mais relações comerciais”; b) “o
mais relações comerciais” (idem). desenvolvimento da aritmética em suas aplicações práticas”; c) as ciências
No que se refere à formação de professores, Couto Ferraz já se havia físicas e história natural “aplicáveis aos usos da vida”.
manifestado cético em relação à Escola Normal quando presidente da Por último cabe observar que, do ponto de vista especificamente
província do Rio de Janeiro, tendo fechado a Escola Normal de Niterói. didático-pedagógico, o Regulamento prevê como primeira atribuição do
Para ele as Escolas Normais eram muito onerosas, ineficientes quanto à Conselho Diretor da Instrução Pública “o exame dos melhores métodos e
sistemas práticos de ensino” (artigo 11, inciso 1º); estabelece que o exame do Conselho de filiação nitidamente liberal” (IGLÉSIAS, 1976, p. 95). Nesse
para se comprovar a capacidade profissional dos candidatos a docentes Gabinete ocupou a pasta de ministro do Império José Liberato Barroso, cuja
deverá versar não apenas sobre “as matérias do ensino respectivo”, mas atuação terá a instrução pública como uma das questões prioritárias.
igualmente sobre “o sistema prático e método do mesmo ensino” (artigo As intervenções e reflexões de Liberato Barroso foram reunidas no livro
18); do mesmo modo, os adjuntos deverão aperfeiçoar-se não apenas nas A instrução pública no Brasil, publicado em 1867. Pode-se dizer que essa
matérias, mas também nas práticas do ensino (artigo 38); e o exame geral, obra inaugura a fase final do Império, período fértil em propostas e projetos
ao final do terceiro ano, “versará sobre as matérias do ensino”, mas voltados para solucionar, de forma unificada, o problema da educação
“especialmente sobre os métodos respectivos e o sistema prático de dirigir nacional, ainda que tais projetos não tenham obtido êxito prático.
uma escola” (artigo 39). E, finalmente, o artigo 73 enuncia que “o método Representando a concepção dominante de então, Liberato Barroso defende,
do ensino nas escolas será em geral o simultâneo”, admitindo, todavia, a além da obrigatoriedade escolar, a educação como elemento de conservação
possibilidade da adoção localizada de algum outro método, a critério do do status quo e fator da integridade nacional, posicionando-se ao mesmo
inspetor geral, ouvido o Conselho Diretor. Assim, a Reforma Couto Ferraz tempo contra os liberais e os católicos retrógrados: “Se a liberdade se
afasta-se oficialmente do método do ensino mútuo, presente na legislação abraça com a fé para condenar as pretensões do racionalismo, que a enlutou
do país desde 1827, quando foram instituídas as Escolas de Primeiras de horrores nos últimos dias do século passado; a fé abraça-se com a
Letras. liberdade para condenar as pretensões do fanatismo e da intolerância, que
Escrevendo em 1889, José Ricardo Pires de Almeida afirmou que “os enchem tantas páginas negras da história das nações” (BARROSO, 2005, p.
principais dispositivos” da Reforma Couto Ferraz “subsistem ainda hoje” 44).
(ALMEIDA, 1989, p. 88). Mas reconheceu que o regulamento “mais Do mesmo modo que buscava conciliar dogma e liberdade, fé e razão,
antecipava as necessidades que atendia as existentes”, acrescentando que, Liberato Barroso pretendia conciliar obrigatoriedade escolar com ensino
“em matéria de instrução primária e também instrução secundária no Rio de livre; a vigilância do Estado com a iniciativa privada no campo da
Janeiro, é grande a distância entre a aparência e a realidade” (idem, p. 89). instrução:
Não obstante, a Reforma Couto Ferraz serviu de referência para a
regulamentação da instrução pública em muitas províncias, especialmente Tem sido contestada a necessidade da intervenção do Estado no ensino e instrução popular.
A seita dos economistas, que seguem à risca o princípio do laissez faire, laissez passer, e os
no referente à adoção do princípio da obrigatoriedade do ensino primário. católicos retrógrados, que pretendem entregar o ensino à direção exclusiva da Igreja, a
No entanto, os vários e sucessivos projetos de reforma do ensino da capital combatem. A história da instrução pública em todos os países civilizados oferece a prova mais
do Império apresentados no Parlamento nos anos subsequentes ao robusta da necessidade desta intervenção [idem, p. 63].
Regulamento de 1854 mostram sua pouca efetividade prática, tendo o Barão
de Mamoré considerado, em 1886, que “o programa nele estabelecido A obra de Liberato Barroso pode ser considerada o primeiro estudo de
nunca fora cumprido” (PAIVA, 2003, p. 81). conjunto sobre a educação brasileira. Aborda os vários ramos e níveis de
Entre os vários dispositivos não implementados, efetivamente resultou ensino, não apenas os tradicionais, como o primário, secundário e superior,
em letra morta aquele que pretendia substituir as Escolas Normais pelos mas também o profissional, o ensino religioso, normal, militar e de adultos
professores adjuntos. As províncias deram sequência ao esforço de criar e outros então não contemplados, como o ensino de excepcionais. E trata,
Escolas Normais, sendo que a própria Escola Normal de Niterói, fechada ainda, de temas que só posteriormente viriam a ser mais bem equacionados,
por Couto Ferraz em 1849, foi reaberta em 1859. Os anseios de reformas tais como: a secularização do ensino, as sociedades científicas, literárias e
prosseguem e assumem novos contornos especialmente a partir de meados industriais e o orçamento da instrução pública.
da década de 1860, quando, após um período de domínio conservador, É possível considerar que a problemática central, relativa ao ensino
assume a chefia de Gabinete Francisco José Furtado, “o primeiro presidente livre, da Reforma Leôncio de Carvalho, decretada em 1879, já fora
antecipada por Liberato Barroso:

Entre nós se tem cometido em matéria de ensino primário um erro duplo. O Estado,
cuidando pouco de generalizar e derramar o ensino, cria ao mesmo tempo embaraços à
iniciativa individual e à liberdade. Ao lado do ensino primário gratuito e obrigatório deve
marchar e se desenvolver o ensino livre. O Estado deve exercer uma inspeção salutar sobre a
liberdade de ensino, mas não criar-lhe embaraços e dificuldades. O desenvolvimento do ensino 6. AS IDEIAS PEDAGÓGICAS NA REFORMA
livre limita a necessidade do ensino oficial e traz economia para o Estado, cuja inspeção salva
os interesses da moral e da ordem social [idem, pp. 61-62]. LEÔNCIO DE CARVALHO

Ora, é exatamente essa a linha adotada no Decreto n. 7.247, de 19 de


abril de 1879, que reformou o ensino primário, secundário e superior no
município da Corte, documento legal que ficou conhecido como Reforma
Leôncio de Carvalho. Trata-se de um longo texto composto de 174 itens
agrupados em 29 artigos, eventualmente desdobrados em parágrafos e
incisos, porém não ordenados em títulos ou capítulos.
A essência da Reforma é apresentada logo no artigo primeiro ao
proclamar que “é completamente livre o ensino primário e secundário no
município da Corte e o superior em todo o Império, salva a inspeção
necessária para garantir as condições de moralidade e higiene”, completado
com quatro parágrafos que estipulam as condições e sanções para a
necessária inspeção.
Essa referência à “moralidade e higiene” traz à tona um elemento que
ocupou lugar central no ideário pedagógico brasileiro no Segundo Império e
ao longo da Primeira República: o higienismo. Esse tema ganhou força
especialmente a partir da constituição da medicina como um campo
disciplinar autônomo, o que ocorreu no século XIX. O referido ideário pode
ser sintetizado no lema enunciado pelo Dr. Luiz Correa de Azevedo no
discurso em que procurou responder à questão levantada pela Academia
Imperial de Medicina em 21 de dezembro de 1871. A questão foi enunciada
nos seguintes termos: “Concorrerá o modo por que são dirigidas entre nós a
educação e instrução da mocidade, para o benéfico desenvolvimento físico
e moral do homem?”. No desenvolvimento de sua tese em resposta à
questão formulada, o Dr. Correa lançou, para os seus colegas de profissão, o
seguinte brado: “Ergamos à maior altura a instrução e a educação;
formemos legiões lealmente civilizadas; façamos uma humanidade robusta,
e conjuremos assim esse futuro medonho de debilidade e apatia” (GONDRA,
1998a, p. 64). Conforme José Gonçalves Gondra, trata-se de uma “pregação
salvacionista, civilizatória e eugênica que, no limite, se confunde com o pedagógicos e de bibliotecas populares; e a criação, nos municípios mais
próprio estatuto a que a ciência médica queria ser elevada” (idem, ibidem). importantes das províncias, de escolas profissionais e de ensino de artes e
Conformam esse discurso pedagógico de teor médico-higienista enunciados ofícios. A Reforma previu, também, a abertura, nas províncias, de mesas de
como “a educação é um salutar remédio para curar as doenças da sociedade exames de preparatórios (artigos 11 e 12) e a inspeção dos estabelecimentos
e da civilização”; “a disseminação das escolas é o único meio para nos de instrução primária e secundária (artigo 15).
livrar da chaga do analfabetismo”; “o espalhamento das luzes da instrução é
um poderoso antídoto para curar as doenças da ignorância e da pobreza”,
que transportaram o discurso médico para as falas dos educadores, políticos
e da intelectualidade de modo geral. Na expressão particular do discurso
médico é, sem dúvida, o discurso liberal iluminista que aí se faz presente.
Em continuidade com a Reforma Couto Ferraz, a Reforma Leôncio de
Carvalho mantém a obrigatoriedade do ensino primário dos 7 aos 14 anos
(artigo 2º), a assistência do Estado aos alunos pobres (idem), a organização
da escola primária em dois graus com um currículo semelhante, levemente
enriquecido (artigo 4º ) e o serviço de inspeção (artigo 13).
Em ruptura com a reforma anterior, regulamenta o funcionamento das
Escolas Normais fixando o seu currículo, a nomeação dos docentes, o órgão
dirigente e a remuneração dos funcionários (artigo 9º).
Inovando em relação à Reforma Couto Ferraz, a nova reforma prevê a
criação de jardins de infância para as crianças de 3 a 7 anos (artigo 5º);
caixa escolar (artigo 6º); bibliotecas e museus escolares (artigo 7º);
subvenção ao ensino particular, equiparação de Escolas Normais
particulares às oficiais e de escolas secundárias privadas ao Colégio Pedro
II, criação de escolas profissionais, de bibliotecas populares e de bibliotecas
e museus pedagógicos onde houver Escola Normal (artigo 8º);
regulamentação do ensino superior abrangendo a associação de particulares
para a fundação de cursos livres (artigo 21); permissão a particulares para
abrir cursos livres em salas dos edifícios das Escolas ou Faculdades do
Estado (artigo 22); faculdades de direito (artigo 23); e faculdades de
medicina (artigo 24).
Ainda em relação à Reforma Couto Ferraz, cabe registrar que a
Reforma Leôncio de Carvalho levou bem mais longe a inclusão de
dispositivos referentes ao funcionamento da educação nas províncias.
Assim, o artigo 8º contempla, nas províncias, a subvenção a escolas
particulares; a contratação de professores particulares para ministrar os
rudimentos do ensino primário; a criação de cursos de alfabetização de
adultos e de Escolas Normais; fundação de bibliotecas e museus
novo método de ensino: concreto, racional e ativo, denominado ensino pelo
aspecto, lições de coisas ou ensino intuitivo” (VALDEMARIN, 2004, p. 104).
O que estava em questão era, portanto, o método de ensino entendido como
uma orientação segura para a condução dos alunos, por parte do professor,
nas salas de aula. Para tanto foram elaborados manuais segundo uma
7. O MÉTODO INTUITIVO diretriz que modificava o papel pedagógico do livro, que, em lugar de ser
um material didático destinado à utilização dos alunos, se converte no
“material essencial para o professor, expondo um modelo de procedimentos
Se a Lei das Escolas de Primeiras Letras procurou equacionar a questão para a elaboração de atividades que representem a orientação metodológica
didático-pedagógica com o método do ensino mútuo e a Reforma Couto geral prescrita” (idem, p. 105). O mais famoso desses manuais foi o do
Ferraz o fez pela via do ensino simultâneo, a Reforma Leôncio de Carvalho americano Norman Allison Calkins, denominado Primeiras lições de
sinaliza na direção do método do ensino intuitivo. É isso o que se manifesta coisas, cuja 1ª edição data de 1861, sendo reformulado e ampliado em
explicitamente no enunciado da disciplina “Prática do ensino intuitivo ou 1870. Foi traduzido por Rui Barbosa em 1881 e publicado no Brasil em
lições de coisas” (artigo 9º) do currículo da Escola Normal, bem como no 1886.
componente disciplinar “noções de coisas” (artigo 4º) do currículo da escola
O Barão de Macahubas (Abílio César Borges), no opúsculo A lei nova
primária.
do ensino infantil, editado em 1884, afirma: “é nas lições sobre os objetos
Esse procedimento pedagógico, conhecido como método intuitivo ou que se oferecem a cada passo a um mestre inteligente e capaz ocasiões de
lições de coisas, foi concebido com o intuito de resolver o problema da fazer com que os meninos se instruam a si mesmos, e adquiram o feliz
ineficiência do ensino, diante de sua inadequação às exigências sociais hábito de refletir e de expor suas ideias com frases apropriadas e corretas”
decorrentes da revolução industrial que se processara entre o final do século (p. 26). E, na sequência, enfatiza: “Não há cousa mais comum hoje de que
XVIII e meados do século XIX; e, ao mesmo tempo, essa mesma revolução ouvir falar em lições de cousas; mas entrai na primeira escola que
industrial viabilizou a produção de novos materiais didáticos como suporte encontrardes, e indagai, se se dá, e de que modo se dá tal ensino; e
físico do novo método de ensino. Esses materiais, difundidos nas experimentareis a mais desagradável decepção” (idem, ibidem). Conclui,
exposições universais, realizadas na segunda metade do século XIX com a então, que, “à parte raríssimas exceções, tal ensino ainda não entrou nas
participação de diversos países, entre eles o Brasil, compreendiam peças do nossas escolas”, arrematando: “o que é em verdade triste – tristíssimo”
mobiliário escolar; quadros-negros parietais; caixas para ensino de cores e (idem, ibidem).
formas; quadros do reino vegetal, gravuras, objetos de madeira, cartas de
Segundo o método intuitivo, “o ensino deve partir de uma percepção
cores para instrução primária; aros, mapas, linhas, diagramas, caixas com
sensível. O princípio da intuição exige o oferecimento de dados sensíveis à
“pedras e metais; madeira, louças e vidros; iluminação e aquecimento”
observação e à percepção do aluno. Desenvolvem-se, então, todos os
(KUHLMANN JR., 2001, p. 215); alimentação e vestuário etc. Abílio César
processos de ilustração com objetos, animais ou suas figuras” (REIS FILHO,
Borges, o Barão de Macahubas, criador do famoso Ginásio Baiano em 1995, p. 68). Entusiasta desse método, Caetano de Campos tomou-o como
Salvador e, depois, do Colégio Abílio da Corte, no Rio de Janeiro, integrou base da organização das escolas-modelos e dos grupos escolares na reforma
esse movimento. Ele introduziu nas escolas aparelhos escolares como os da instrução pública paulista empreendida na última década do século XIX.
globos de horas relativas de Juvet, o globo de Perce, o telúrio de Mac-Vicar,
A pedagogia do método intuitivo manteve-se como referência durante a
além de outros por ele mesmo inventados, como foi o caso do aritmômetro
Primeira República, sendo que, na década de 1920, ganha corpo o
fracionário. Mas o uso desse material dependia de diretrizes metodológicas
movimento da Escola Nova, que já irá influenciar várias das reformas da
claras: “a chave para desencadear a pretendida renovação é a adoção de um
instrução pública efetivadas no final dessa década. Entretanto, a difusão da
Escola Nova irá encontrar resistência na tendência tradicional representada, Nacional. Conforme esclarece Mariotto Haidar, é difícil enumerar as
na década de 1930, hegemonicamente pela Igreja Católica. diversas associações que se multiplicaram nas últimas décadas do Império
O decreto de Leôncio de Carvalho deu ensejo, no Parlamento, aos tendo como objetivo o desenvolvimento da instrução popular porque,
“Pareceres” de Rui Barbosa, que lhe apôs um substitutivo em 1882. Nesse “devido à ampla liberdade de que, de fato, gozavam, desconhecia-as em
mesmo ano surgiu o projeto de Almeida Oliveira. O ciclo de propostas de grande parte o próprio governo imperial” (HAIDAR, 1972, p. 196). Com
reformulação do ensino no Império fecha-se com o projeto do Barão de certeza o protótipo da iniciativa particular em matéria de instrução no
Mamoré apresentado em 1886. Mas foi a Reforma Leôncio de Carvalho o decorrer do Segundo Império corporificou-se na figura de Abílio César
último dispositivo legal engendrado pela política educacional do Império Borges, o Barão de Macahubas. Além de criar os próprios colégios, exercia
brasileiro. um verdadeiro mecenato, distribuindo, pelos quatro cantos do país, livros
Na verdade, “o ensino livre de Leôncio de Carvalho” (ALMEIDA JÚNIOR, por ele escritos ou traduzidos e materiais didáticos por ele inventados ou
1952a e 1952b) expressa a culminância, no final do Império, de uma adquiridos.
tendência que já se manifestara logo após a Independência, quando a Lei de
20 de outubro de 1823 abria caminho à iniciativa privada ao tornar livre a
instrução, permitindo a qualquer um abrir escola independentemente de
exame ou licença.
Embora a iniciativa privada não chegasse a suplantar as escolas públicas
no âmbito da instrução elementar, no nível secundário sua supremacia era
total. Aí a iniciativa pública se limitava ao Colégio Pedro II, ficando todos
os cursos de preparatórios, além de alguns renomados colégios, na esfera
privada. Entre esses nomeiam-se o Colégio Caraça, reaberto em 1856, e o
Ginásio Baiano, fundado em 1858 por Abílio César Borges, o futuro Barão
de Macahubas.
Ao longo do século XIX, foi crescendo o movimento pela
desoficialização do ensino e multiplicadas as iniciativas de abertura de
escolas por meio de entidades particulares de benemerência que se
propunham a oferecer ensino gratuito. Assim, surgiu em 1858 na capital do
país o Imperial Liceu de Artes e Ofícios, fundado pela Sociedade Protetora
das Belas Artes. Também no Rio de Janeiro se encontravam em
funcionamento, na última década do Império, o Colégio do Mosteiro de São
Bento, o Liceu Literário Português e a Escola de Humanidades do Instituto
Farmacêutico, fundada em 1874, contando com subvenção pública. Em
1874 foi inaugurado em Campinas o Colégio Culto à Ciência e, em 1882, a
Sociedade Propagadora da Instrução Popular, de iniciativa de Carlos
Leôncio de Carvalho, criava o Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo.
Várias outras entidades do mesmo tipo foram criadas, como a Liga do
Ensino do Brasil, a Associação Promotora da Instrução, a Sociedade
Amante da Instrução e a Associação Mantenedora do Museu Escolar
No alentado Relatório relativo ao ano de 1856, o futuro Barão de
Macahubas expressa suas posições sobre os mais variados temas, tais como:
a situação do professorado; a defesa de um sistema geral de Instrução
Pública contra o sistema provincial então vigente; a instituição de Escolas
Normais para a formação dos mestres primários; a distribuição gratuita de
8. UM CASO PARADIGMÁTICO DO ENSINO periódicos aos professores; a construção de prédios escolares separados das
PRIVADO: O BARÃO DE MACAHUBAS residências dos professores; a autorização para que cada freguesia que
necessitasse erigir uma escola pudesse fazer uma pequena loteria; a criação
do Ministério Nacional de Instrução; a liberdade e fiscalização das escolas
Abílio César Borges nasceu no dia 9 de setembro de 1824 na vila de particulares (Cf. Relatório de 1856 in ALVES, 1942, pp. 22-41).
Minas do Rio de Contas, a 751 quilômetros de Salvador e 150 de Tendo deixado a Instrução Pública, Abílio vai procurar pôr em prática
Macaúbas, vindo a falecer no Rio de Janeiro em 17 de janeiro de 1891. Os suas ideias pedagógicas na iniciativa privada, fundando, em 1858, o Ginásio
estudos elementares, assim como latim, francês e filosofia foram feitos Baiano em Salvador. Caracterizado por “disciplina branda, novos processos
ainda em sua cidade natal. Em 1838 foi para Salvador, onde se matriculou para a aprendizagem da leitura, métodos renovados para o estudo das
no Colégio Conceição para fazer o curso de preparatórios, correspondente línguas vivas, grande preocupação com o vernáculo” (HAIDAR, 1972, p.
ao atual ensino médio. Em 1841 ingressou na Faculdade de Medicina da 176), o renome do Ginásio Baiano transcendeu os limites da província e
Bahia, em Salvador, tendo se transferido em 1846 para a Faculdade de notabilizou-se pelas personalidades que nele estudaram, como Castro Alves
Medicina do Rio de Janeiro. Aí concluiu o curso de medicina, tendo se e Rui Barbosa.
laureado em 20 de dezembro de 1847 com a tese Proposições sobre Durante o período em que se dedicou ao Ginásio Baiano, o futuro Barão
ciências médicas. Consta que exerceu a medicina no início da carreira nos de Macahubas fez duas viagens à Europa. A primeira ocorreu em 1866. De
sertões da Bahia, na região onde nascera. Entretanto, não seguiria a lá ele trouxe material pedagógico, professores, além de ter aproveitado para
profissão de médico. Nomeado diretor-geral dos estudos da então província redigir alguns compêndios: “estou aproveitando minha demora forçada, na
da Bahia, tomou posse em 28 de março de 1856. Ficou pouco mais de um composição segundo o que me tem ensinado a prática, e o que por cá tenho
ano no cargo, tendo se demitido em 1857, o que se deveu, de um lado, a visto, de algumas obrinhas elementares para as escolas brasileiras” (ALVES,
algumas resistências que encontrou no exercício de sua função e, de outro 1942, p. 104). A segunda viagem deu-se em 1870, para tratamento de
lado, à mudança do quadro político nacional. saúde, quando aproveitou para redigir outros textos e imprimir novos livros.
Ilustra o primeiro aspecto o desentendimento do professor de francês Em 1879 ele viajou novamente para a Europa, oportunidade em que assinou
com o diretor do Liceu Provincial, resolvido pelo diretor-geral da Instrução o prefácio da edição escolar que organizou da obra Os Lusíadas.
Pública com a proposta de jubilação do professor de francês. O governo, Retornando da Europa em 1871, providenciou Abílio a mudança para o
entretanto, em razão de pressões políticas, não deu sequência ao ofício do Rio de Janeiro, onde inaugurou o Colégio Abílio, que funcionou até 1880,
diretor-geral e manteve o professor na cadeira que ocupava. Em quando foi dissolvida a sociedade com Epiphanio Reis, o qual ficou com o
consequência, o Dr. Abílio exonerou-se do cargo (Cf. ALVES, 1942, pp. 72- estabelecimento de ensino.
73). De acordo com o Plano de Estudos do Colégio Abílio do Rio de
Quanto à mudança do quadro político, ela decorreu da vitória do partido Janeiro, os estudos estavam divididos em duas seções: uma de instrução
liberal com a consequente queda do gabinete conservador a cujos políticos primária e outra de instrução secundária.
Abílio César Borges era ligado. A seção de instrução primária tinha a duração prevista para três anos,
compreendendo as seguintes disciplinas:
1º Ano: leitura; aritmética; catecismo; geografia; história santa; lições A distribuição das disciplinas pelos sete anos previstos era a seguinte:
sobre as coisas; prática da língua francesa; desenho e caligrafia;
dança e ginástica; música vocal. A essa programação o texto do 1º Ano: latim; francês teórico; francês prático; inglês; geografia física e
Plano de Estudos acrescentava a seguinte observação: “Durante este cosmografia; história geral; religião; gramática portuguesa; curso
primeiro ano os discípulos nunca vão à banca de estudo em silêncio; prático de aritmética; desenho; dança; música vocal; ginástica e
o que aprendem, aprendem somente nas aulas, e sem natação.
constrangimento, não tendo jamais lição passada e estudada de 2º Ano: latim; francês; inglês; geografia e cosmografia; história geral;
véspera. Os dias correm para eles, ora nas aulas, ora nas língua portuguesa; curso prático de aritmética; religião; desenho;
recreações”. dança; música; ginástica; natação.
2º Ano: leitura; caligrafia; ortografia; aritmética; catecismo; geografia; 3º Ano: latim; inglês; inglês e francês (aulas práticas de conversação
história santa e do Brasil; prática da língua francesa; lições sobre as nessas línguas e versão de uma para outra reciprocamente, de
coisas; gramática portuguesa; música vocal; desenho; dança, improviso); geografia física e política; história antiga; cosmografia;
ginástica e natação. história geral; língua portuguesa; curso prático de aritmética;
3º Ano: leitura; caligrafia; ortografia; aritmética; catecismo; sistema religião; desenho; dança; música; ginástica; natação.
decimal de pesos e medidas; geografia; cosmografia; história santa e 4º Ano: latim; francês e inglês; geografia física e política; língua
do Brasil; história natural; gramática portuguesa; lições sobre as portuguesa; religião; alemão (opcional); curso prático de aritmética;
coisas; prática da língua francesa; música vocal; desenho; dança, dança; música; ginástica e natação.
ginástica e natação. 5º Ano: aritmética (curso especial superior); francês; inglês; história da
Idade Média; língua portuguesa; religião; alemão; ciências; desenho,
O Plano de Estudos da Instrução Primária continha, ao final, a seguinte música e dança.
observação: 6º Ano: álgebra; aritmética; filosofia; história moderna e
contemporânea; francês e inglês; noções de física, química e história
Por este método saem da escola primária os meninos com noções gerais de quase tudo que
terão de aprender nos estudos secundários, escrevendo o português com boa ortografia, e já natural; retórica; religião; alemão; desenho; dança; música,
com um tal ou qual estilo; e por sobre isto, sem haverem tido uma só lição de francês de ginástica.
véspera, e sem mesmo lhe terem visto a gramática, somente por breves mas constantes
exercícios absolutamente práticos e amenos, podendo ler com perfeição esta língua, e falando-a
7º Ano: geometria; trigonometria; filosofia; francês e inglês; economia
regularmente no que é propriamente conversação familiar, entendendo e respondendo a todas social e política; literatura; religião; alemão; desenho; dança; música
as questões que na mesma lhes são dirigidas; de modo que, ao começarem o estudo teórico etc. (HAIDAR, 1972, pp. 222-229, onde está transcrito, na íntegra, o
dela, encontrarão a maior facilidade [“Plano de Estudos do Colégio Abílio”, in HAIDAR,
1972, p. 225].
“Plano de Estudos do Colégio Abílio”).

O Plano da Seção de Instrução Secundária começava com a seguinte Nas circunstâncias do rompimento da sociedade com Epiphanio Reis e
observação: considerando o agravamento da epidemia de febre amarela no Rio de
Janeiro, decidiu Abílio César Borges transferir-se para Barbacena, em
Esta seção dura regularmente sete anos, podendo, entretanto, ser reduzida a 4 ou 5, ou Minas Gerais, onde abriu em 3 de fevereiro de 1881 um novo Colégio
estendida a mais, conforme a inteligência e a aplicação dos alunos; e compreende os Abílio. No Rio de Janeiro, em 15 de março de 1883, o Colégio Abílio foi
preparatórios exigidos para a matrícula nas diversas faculdades do Império, assim como a
prática de falar as línguas francesa e inglesa, e o ensino teórico e prático da língua alemã, para reaberto por seu filho Joaquim Abílio Borges que o dirigiu juntamente com
aqueles que quiserem aprender esta língua [idem, ibidem]. seu irmão, Abílio César Borges Filho, até sua extinção em 1911. O Colégio
de Barbacena funcionou até 1888, quando o já então Barão de Macahubas verdadeiros mestres, não os podem fazer os laboratórios sociais, ainda os
decidiu voltar ao Rio de Janeiro, onde faleceu no dia 17 de janeiro de 1891. mais aperfeiçoados; – existem feitos: só a natureza os cria” (idem, ibidem).
Abílio César Borges cultivara a amizade do imperador Dom Pedro II, A vocação educativa é, em suma, um dom. E onde encontrar essas
que visitara o seu colégio na Bahia em 1859. Alguns anos mais tarde, tendo vocações? Esses mestres que existem nas entranhas insondáveis da
vagado a Reitoria do Colégio Pedro II, o imperador o convidou para sociedade serão encontrados nas próprias escolas primárias: “os mestres
assumir esse cargo. Não o aceitando, Abílio foi pessoalmente agradecer a comuns, ainda os menos hábeis, […] descobrem instintivamente entre os
honrosa distinção. “Vendo o Imperador que Abílio não desejava um cargo discípulos quais os dotados de faculdades educativas e os sabem logo
público, sugeriu-lhe a ideia de se transferir para o Rio. Aquiesceu, sob a escolher para seus monitores e ajudantes” (idem, p. 126). E, uma vez
condição de merecer o apoio de Sua Majestade” (ALVES, 1942, p. 134). descobertos os futuros mestres, trata-se de prepará-los. E como fazê-lo? “Só
Tendo se mudado para o Rio de Janeiro em 1871, Dom Pedro II o indicou nas escolas normais: e em particular – escolas normais internatos” (idem, p.
para o Conselho de Instrução Pública da Corte, mandato que ele exerceu de 148).
1872 a 1877. No dia 30 de julho de 1881 recebeu, por decreto imperial, o Em seguida o Barão passa a justificar a conclusão antes apresentada.
título de Barão de Macahubas. No ano seguinte foi enviado, como delegado Para ele não convém criar Escolas Normais senão nos grandes centros, isto
do Brasil, ao Congresso Pedagógico Internacional de Buenos Aires. Essa é, nas capitais das províncias. Assim sendo, se forem constituídas na forma
amizade com o imperador levou José Gonçalves Gondra a considerar as de externatos, essas escolas serão frequentadas por “indivíduos
ideias pedagógicas do Barão de Macahubas como representando “uma desclassificados que não se reconhecendo com préstimos para ocupações
posição extraoficial do Império brasileiro” (GONDRA, 1998b, p. 1). sérias, muitas vezes ociosos, frequentadores das ruas e dos cafés” buscarão
No Congresso Pedagógico Internacional de Buenos Aires, destacou-se matricular-se apenas para se isentar do serviço militar ou obter com
sua participação na nona sessão realizada no dia 2 de maio de 1882, quando facilidade um diploma “com que possam continuar a viver sem fadiga e
proferiu um longo discurso abordando dois temas: o primeiro dizia respeito sem trabalho” (idem, pp. 149-150), não se dispondo, de forma alguma, a
à formação dos mestres das escolas primárias; e o segundo referiu-se aos ensinar nas aldeias. Inversamente, os internatos garantiriam a aquisição ou
“melhores meios de nas escolas sustentar a disciplina e de fomentar nos afirmação dos “hábitos de ordem, de trabalho, de obediência ao dever, de
meninos o gosto pela instrução” (MACAHUBAS, 1882, p. 184). Como concentração e desprendimento do viver agitado do mundo, hábitos estes
resposta à primeira questão, ele propôs aos Estados nacionais a fundação de sem os quais não concebo um bom mestre ou uma boa mestra de escola”
Internatos Normais. E para equacionar o segundo problema ele preconizou (idem, p. 150). Desse modo, com a criação de Internatos Normais, estes
a abolição nas escolas de todo e qualquer tipo de prêmio ou castigo. receberiam gratuitamente jovens pobres do interior, os quais, terminado o
A argumentação apresentada para a defesa dessas duas teses pode ser, curso, voltariam para as respectivas cidades, vilas ou aldeias para reger as
resumidamente, assim exposta: escolas tendo uma vida simples, mas feliz.
b) em relação à segunda tese, o Barão de Macahubas lembra que, desde
a) É “coisa universalmente incontroversa que sem bons mestres não o início de suas atividades no campo da educação, ele se posicionou
pode haver boas escolas, não pode haver bom ensino” (idem, p. 125). E a contrariamente aos castigos. E cita passagens do discurso que proferiu em
falta de bons mestres é sentida por todos os países, mesmo aqueles mais 1858, quando da inauguração de seu primeiro colégio, tendo retomado o
adiantados como os da Europa e os Estados Unidos. E onde será possível mesmo assunto num outro discurso proferido em 1861 em que, após trazer
encontrar os mestres tão requeridos por todas as nações? Por toda a parte se em apoio à sua tese o testemunho de grandes educadores antigos e
acreditou que garantindo boas condições de trabalho, de vida e de salários modernos, considerava que, se “o emprego dos castigos torna o mister dos
surgiriam homens de talento que se converteriam em mestres exemplares. mestres mais fácil, custando-lhes muitíssimo menos que o da doçura e da
Completo engano, afirma o Barão de Macahubas: “os legítimos, os insinuação” (idem, p. 154), em contrapartida, “se lhes custa menos, muito
menos conseguem, visto como por meio dos castigos não alcançam jamais 12. Quarto Livro de Leitura (com a colaboração de Joaquim Abílio
o verdadeiro fim da educação, que é persuadir os espíritos e inspirar-lhes o Borges), 1890;
amor sincero da virtude” (idem, ibidem). E isso é assim tanto na educação 13. Quinto Livro de Leitura (com Joaquim Abílio Borges), 1890 (?)
moral como na intelectual, em que o mestre deve utilizar “todos os meios [ALVES, 1942, pp. 146-161].
para tornar agradáveis aos meninos as coisas que deles se exigem” (idem, p.
155). Além dos textos didáticos, Isaías Alves menciona também os aparelhos
Quanto aos prêmios, o barão confessa que os distribuiu regularmente escolares inventados ou introduzidos nas escolas pelo Barão de Macahubas
durante 16 anos. A partir de 1875, entretanto, aboliu-os, pois se convenceu (idem, pp. 164-169). Em seguida o mesmo autor relaciona discursos,
de sua inteira inutilidade e, mais do que isso, da danosa influência que conferências e memórias escritos pelo Barão, num total de 18 títulos, além
exerciam sobre o espírito das crianças. Com efeito, observou ele que tanto de outros 11 títulos referidos à sua obra ou ao seu colégio, escritos por
os premiados como os que nenhum prêmio recebiam continuavam com o outros autores (idem, pp. 169-174).
mesmo comportamento e a mesma aplicação nos estudos, com uma Dentre as obras por ele escritas, no entanto, talvez a mais importante, ao
diferença, porém: “os primeiros se tornavam cada vez mais orgulhosos e menos do ponto de vista da exposição de suas ideias pedagógicas, seja A lei
vaidosos, e portanto menos tratáveis, e os outros, ou desanimavam, ou nova do ensino infantil, editada em 1884 em Bruxelas. Trata-se de uma obra
tornavam-se piores, enfezados pela humilhação sofrida diante de seus rara. José Gonçalves Gondra informa ter encontrado um exemplar no
colegas e de seus pais e parentes” (idem, pp. 155-156). acervo do IEB-USP, fazendo referência à existência de um outro na
Constata-se nas atas do Congresso que as teses defendidas pelo Barão Biblioteca da Faculdade de Direito da USP. O texto por mim analisado é
de Macahubas tiveram grande aceitação uma vez que a leitura de sua fotocópia de um exemplar encontrado num sebo pelo professor Gilberto
dissertação “foi interrompida por repetidas manifestações de aprovação” Luiz Alves, da UFMS.
(idem, p. 185). Os livros do Barão de Macahubas eram distribuídos gratuitamente pelas
Os escritos do Barão de Macahubas constituem-se predominantemente escolas de todo o país. O escritor Raul Pompeia, que frequentou como
de compêndios para uso nas escolas. Eis, a seguir, a relação de suas obras: interno o Colégio Abílio, compôs o romance O Ateneu com base em sua
experiência de aluno. A figura do Dr. Abílio é ridicularizada no personagem
1. Epítome da Gramática Portuguesa,1860; de Aristarco Argolo de Ramos: “O Ateneu era o grande colégio da época.
2. Epítome da Gramática Francesa, 1860; Afamado por um sistema de nutrido reclame, mantido por um diretor que de
3. Epítome da Geografia Física, 1863; tempos a tempos reformava o estabelecimento, pintando-o jeitosamente de
4. Primeiro Livro de Leitura,1886; novidade, como os negociantes que liquidam para recomeçar com artigos de
5. Segundo Livro de Leitura,1886; última remessa” (POMPEIA, 1997, p. 32). Assim, o Colégio granjeou a
6. Terceiro Livro de Leitura, Bruxelas, 1871; preferência das famílias abastadas:
7. Os Luzíadas [sic] (texto com a supressão das estâncias que não De fato, os educandos do Ateneu significavam a fina flor da mocidade brasileira. A
devem ser lidas por meninos), 1879; irradiação do reclame alongava de tal modo os tentáculos através do país, que não havia
família de dinheiro, enriquecida pela setentrional borracha ou pela charqueada do Sul, que não
8. Pequeno Tratado de Leitura em voz alta (tradução do texto de reputasse um compromisso de honra com a posteridade doméstica mandar dentre seus jovens,
Ernesto Legouvé), 1879; um, dois, três representantes abeberar-se à fonte espiritual do Ateneu [idem, p. 33].
9. Desenho linear ou Geometria Prática Popular, 1876;
10. Novo Primeiro Livro de Leitura – Leitura Universal, 1888; Raul Pompeia prossegue, em sua ironia:
11. Cantos – Ensino da Música nas Escolas, Colégios e Famílias, 1888;
O Dr. Aristarco Argolo de Ramos, da conhecida família do Visconde de Ramos, do Norte, deliberadamente com o propósito de explicitar sua concepção pedagógica,
enchia o império com o seu renome de pedagogo. Eram boletins de propaganda pelas
províncias, conferências em diversos pontos da cidade, a pedidos, à sustância, atochando a como esclarece o autor logo no primeiro parágrafo do referido texto:
imprensa dos lugarejos, caixões, sobretudo de livros elementares, fabricados às pressas com o
ofegante e esbaforido concurso de professores prudentemente anônimos, caixões e mais Havendo eu anunciado a instituição, no Colégio Abílio da Corte, de um curso especial de
caixões de volumes cartonados em Leipzig, inundando as escolas públicas de toda a parte com instrução primária, segundo a que eu chamo – Lei nova do ensino infantil, isto é, segundo os
a sua invasão de capas azuis, róseas, amarelas, em que o nome de Aristarco, inteiro e sonoro, princípios da pedagogia moderna e os meus próprios descobrimentos na matéria, julgo
oferecia-se ao pasmo venerador dos esfaimados de alfabeto dos confins da pátria. Os lugares conveniente expor em que consiste essa Lei nova, cujo conhecimento poderá aproveitar aos
que os não procuravam eram um belo dia surpreendidos pela enchente, gratuita, espontânea, pais de família para a educação de seus filhos, e aos mestres para a de seus discípulos, si
irresistível! E não havia senão aceitar a farinha daquela marca para o pão do espírito. E razoáveis e proveitosas julgarem as ideias que lhe servem de fundamento [MACAHUBAS,
engordavam as letras, à força, daquele pão. Um benemérito. Não admira que em dias de gala, 1884, p. 5].
íntima ou nacional, festas do colégio ou recepção da coroa, o largo peito do grande educador
desaparecesse sob constelações de pedraria, opulentando a nobreza de todos os honoríficos
berloques [idem, p. 32]. Vê-se por aí que, mesmo nesse trabalho com intenção teórica explícita,
o móvel principal continua sendo o proveito que poderá trazer aos
Como assinala Maria de Lourdes Mariotto Haidar, educadores, sejam eles pais de família ou mestres de escola. Em
contrapartida, apesar da intenção teórica, o texto não se caracteriza,
a ironia do autor do Ateneu deixa, contudo, incontestes os fatos. Na verdade, não eram apenas propriamente, por uma exposição sistemática das ideias pedagógicas do
as escolas públicas da Corte e das capitais das províncias que recebiam, aos milhares, os autor. O tom dominante é o das referências fatuais, dos exemplos extraídos
donativos do Barão de Macahubas. A prodigalidade de Abílio, exuberantemente divulgada
pelos jornais da Corte e periódicos provinciais, estendia-se às mais remotas e humildes de sua própria prática assim como de outros autores e de outros países.
localidades do Império [HAIDAR, 1972, p. 198]. Procurarei, pois, identificar na dispersão de suas obras suas principais ideias
pedagógicas. Para isso me servirei principalmente dos elementos reunidos
Conforme informação de Isaías Alves, “cerca de 400.000 volumes das por Isaías Alves no livro Vida e obra do Barão de Macahubas e, em
suas obras didáticas se distribuíram gratuitamente por todas as províncias” especial, na dissertação apresentada no Congresso Pedagógico Internacional
(ALVES, 1942, p. 145). de Buenos Aires e no texto A lei nova do ensino infantil, organizando-as de
Autodidata em matéria de educação, o Barão de Macahubas construiu acordo com o seguinte roteiro: a) concepção de homem e de infância e
sua concepção educativa e a difundiu em estreita relação com a sua própria aprendizagem; b) o papel da escola e sua organização; c) conteúdos do
experiência na área, primeiro ao exercer a função de diretor geral da ensino; d) os métodos de ensino; e) a proeminência da educação moral.
Instrução Pública da Bahia e depois à frente dos colégios que fundou e
dirigiu. Ora, se por ideias educacionais entendermos as ideias referidas à
educação consideradas de forma geral, independentemente de seu influxo
no fenômeno educativo, e por ideias pedagógicas entendermos as ideias a) Concepção de homem e de infância e
educacionais consideradas, porém, não em si mesmas, mas na forma como aprendizagem
se encarnam no movimento real da educação orientando e, mais do que
isso, constituindo a própria substância da prática educativa, então o
conceito de ideias pedagógicas se aplica com plena adequação à concepção Em termos gerais, a visão de homem e de mundo de Abílio César
educativa de Abílio César Borges. Em consequência de seu autodidatismo e Borges inseria-se no âmbito da mundividência católica. Dá testemunho
da íntima ligação de seu pensamento com suas ações no campo educativo, disso o lugar que ocupa a religião no currículo de suas escolas, o fato de
não se encontra uma exposição sistemática de suas ideias. Estas acham-se sempre contar com padres como capelães e professores em seus colégios e
espalhadas pelos seus compêndios, discursos, cartas e conferências, o apoio recebido dos arcebispos da Bahia. Julgava mesmo “de suma
excetuando-se apenas o texto A lei nova do ensino infantil, escrito importância obrigar os professores, quer públicos, quer particulares, a
conduzirem seus alunos à missa uma vez por semana, estabelecendo-se uma segundo a qual “grande alívio é para o espírito a variedade bem calculada
pena para os que não cumprirem esta obrigação” (ALVES, 1942, p. 38). Por das tarefas” (idem, ibidem). Assim será possível aliviar grandemente a
isso entendia que era preciso ser mais exigente com os estrangeiros, fadiga dos alunos no processo de aprendizagem.
principalmente no que respeita à religião, perguntando-se se seria
conveniente consentir que um protestante viesse estabelecer entre nós “uma
casa de educação para a mocidade” (idem, pp. 37-38). Entendia que o
homem é um “espírito, que é uma emanação de Deus, de Deus que é todo b) Papel da escola e sua organização
puro amor”, havendo “na alma humana uma tal nobreza inata” decorrente
da “onipotente bondade da Providência” (MACAHUBAS, 1882, p. 152). Mas,
nas condições da segunda metade do século XIX, essa visão já incorporava A partir dessa concepção de homem, infância e aprendizagem, o Barão
elementos do liberalismo: “o mestre não foi encarregado pela natureza de de Macahubas considera que “em regra não quer a Lei nova que comece o
guiar um escravo, de formar um soldado, de preparar um ministro dos ensino da escola senão aos 7 anos, e nunca antes dos 6. Antes de tais idades
altares etc., mas de educar um homem; isto é, um ente razoável e livre, aprendem as crianças mais e melhor no seio de suas famílias. A vida
tornando-o apto para as diversas carreiras sociais” (idem, ibidem). Dado pautada da escola, principiada antes do tempo próprio, acanha fatalmente o
que a liberdade existe sempre no homem, ainda que latente, “de todo o desenvolvimento do corpo, senão também o da inteligência” (idem, p. 17).
ensino recebido, a alma não toma senão aquilo que ela quer”. Portanto, “a Por isso ele era contrário aos jardins de infância, chegando mesmo a
autoridade, de um lado (quero dizer a autoridade esclarecida pela sabedoria considerar que a escolarização das crianças de 3 a 5 anos é “coisa que
e animada pelo amor), e a confiança, do outro, tal é a condição de uma repugna à natureza, e portanto absurda, tendo além disto seu lado ridículo”
educação liberal” (idem, pp. 152-153). Logo, todos os meios utilizados na (ALVES, 1942, p. 54).
educação do homem “devem ter um caráter liberal, nobre, generoso, próprio Em média, a educação básica, compreendendo a escola primária e a
a manter nele a altivez, a espontaneidade, a elevação dos sentimentos, em secundária, teria a duração de oito anos, abrangendo, já, os estudos
uma palavra, tudo que faz a dignidade do homem”, a qual, por sua vez, “é preparatórios para ingresso nos cursos de nível superior. A sequência dos
inseparável da liberdade” (idem, p. 153). Daí se segue a sua concepção de estudos era, pois, caracterizada por uma seriação metódica, diferentemente
infância e de pedagogia: “a criança é um ente pensante, ativo, moral, do que então ocorria nos cursos de preparatórios, nos quais predominava o
influído por afetos e paixões que convém regular, mas nunca violentar pela regime parcelado. Defendia a coeducação dos sexos e dava preferência para
coação ou destruir pela tirania”. E a pedagogia, por seu turno, “tem por fim o regime de internato, sendo que, para a formação dos professores que iriam
cultivar a razão sem martirizar a sensibilidade: a sua missão é alumiar o atuar nas escolas primárias, esse regime era entusiasticamente preconizado
espírito com o facho da ciência, e confortar o ânimo com os perfumes do por ele como a única forma de se instaurarem Escolas Normais aptas a
amor” (idem, ibidem). Com efeito, entendia ele que “o corpo é uma garantir a adequada preparação dos futuros mestres de escola. O Dr. Abílio
máquina complicadíssima, cujo destino é o serviço da mente: e, pois, tanto tinha uma visão aristocrática do ensino secundário, como se depreende
melhor serviço prestará, quanto mais perfeito, mais forte. Em suma, quanto desta manifestação registrada à página 28 do Relatório que elaborou em
mais são for” (MACAHUBAS, 1884, p. 21). Dado que, descontadas apenas as 1856 na condição de diretor-geral da Instrução Pública da província da
horas de sono, “a lei de cada momento na vida” é “a atividade incessante do Bahia:
espírito”, a capacidade de aprendizagem do ser humano é ilimitada e “o
Distribuída com muita profusão e pouco discernimento, a educação secundária inspira aos
repouso não é, pois, outra coisa na realidade senão uma troca, uma mudança mancebos das classes inferiores o desprezo de seus iguais e o desgosto de seu estado,
de caminho ou de horizonte no curso de nossa atividade espiritual” (idem, granjeando-lhes uma espécie de enganadora superioridade que mais não lhes permite
p. 23). Segue-se, assim, que a moderna pedagogia deve guiar-se pela regra contentarem-se com uma existência obscura, e que entretanto não lhes dá essa superioridade
real que poucos homens têm recebido da natureza, e que nenhuma educação poderia adquirir: e
dest’arte ela povoa a sociedade de membros sem préstimos, que lhe levam o espírito de Dr. Abílio manifestava a sua estranheza ao observar a ausência da língua
insubordinação, o desejo de mudanças e uma ambição inquieta e vaga a que não pode
satisfazer uma situação sempre incerta e que se move em todos os sentidos para adquirir portuguesa nos programas dos exames de preparatórios para ingresso nos
abastança ou autoridade [idem, p. 70]. cursos superiores. Referindo-se ao desconhecimento que grassava entre os
jovens no que se refere à ortografia e à gramática da língua portuguesa,
Não encontrei referências do Barão de Macahubas sobre a questão da apresenta vários argumentos que justificavam a inclusão dessa matéria no
universidade ou do ensino superior, de modo geral. rol dos exames exigidos para matrícula nas diferentes faculdades. Em
consequência, a 30 de outubro de 1869 o ministro do Império Paulino de
Souza decretava a inclusão do português como um dos preparatórios
exigidos para ingresso nos cursos superiores.
c) Os conteúdos do ensino Seguindo o princípio de que nada se devia obrigar a mocidade aprender
que lhe não fosse de utilidade, priorizava no ensino das línguas estrangeiras
o aprendizado prático, segundo o método direto baseado na conversação e
Para o autor da Lei nova o ensino compreendia um “programa largo e fazendo preceder o ensino de francês e inglês ao de latim. Advogava o
complexo”, abrangendo “as noções elementares de quase todos os estudo sério da história e que se desembaraçasse a filosofia das questões
conhecimentos humanos, quer científicos, quer literários” (MACAHUBAS, especulativas e transcendentes, não acessíveis aos jovens de 15 e 16 anos,
1884, p. 17). Mais especificamente, esclarece ele que o ensino, no curso reduzindo-a à lógica simplesmente. Em suma: “é em favor do estudo da
primário, compreendia história geral e da particular do Brasil; é em favor do estudo aprofundado da
os elementos de geometria linear, plana e no espaço, de cálculo concreto e abstrato, de
língua nacional e das matemáticas, que eu quisera ver reduzidos os exames
geografia e cosmografia, de mineralogia, geologia, botânica, zoologia, física, química mineral de línguas estranhas e o de geografia a proporções razoáveis” (idem, p. 94).
e orgânica, anatomia e fisiologia, história do Brasil, higiene, economia política, agricultura, Assim, com a ênfase na língua vernácula e nos estudos científicos, o Barão
direitos e deveres do homem, gramática da língua vernácula sem livro, leitura, desenho e
escrita, conversação nas línguas francesa, inglesa, canto de ouvida [sic] e solfejo metódico, de Macahubas não conferia aos estudos clássicos a importância central
ginástica, dança e evoluções militares [idem, p. 19]. atribuída por outros grandes colégios da época, a exemplo do Caraça, de
Minas Gerais, e do próprio Colégio Pedro II, sediado na capital do Império.
Vê-se, por esse elenco, a importância atribuída aos elementos científicos
no currículo escolar. Aliás, em carta escrita em 1866, por ocasião de sua
primeira viagem à Europa, o Dr. Abílio dizia que projetava fazer uma
revolução nova na educação brasileira na qual ocuparia um lugar de d) Os métodos de ensino
destaque o cultivo das ciências naturais. E fazia referência à distância em
que se achava a instrução no Brasil em comparação com a Europa: “os
meninos aqui sabem mais história e ciências do que os homens de letras em Diante do extenso elenco de conteúdos previsto para a escola primária,
nosso caro Brasil” (ALVES, 1942, p. 48). como foi indicado no item anterior, o próprio Barão de Macahubas observa
A hierarquização das disciplinas no currículo devia obedecer, grosso que lhe foi objetado que não é razoável sobrecarregar o espírito das
modo, à seguinte sequência: a língua nacional, as matemáticas, a história e a crianças, as quais poderão abater-se com tantas exigências. Em resposta, diz
geografia pátrias deviam ocupar a maior parte dos programas; em seguida ele: os que assim pensam não estão a par dos novos processos empregados
viriam as línguas estrangeiras, a geografia geral e a filosofia. no ensino da infância. Com efeito,
Importância especial era concedida ao estudo da língua vernácula. Em o método novo segue passo a passo o desenvolvimento físico e mental do aluno.
carta datada de 29 de dezembro de 1868 dirigida ao ministro do Império, o Conformando-se com o processo fixado pela natureza, ele não violenta nem comprime a
espontaneidade das boas aptidões herdadas, depura as más inclinações, e forma de um modo geral da Instrução Pública da Bahia e ao longo de toda a sua obra
atraente hábitos novos, despertando ao mesmo tempo inclinações. A educação se tem assim
convertido em uma tarefa delicada e interessante para o educador, e sumamente agradável e pedagógica, manifestando-se, obviamente, na dissertação apresentada no
fácil para os que aprendem [MACAHUBAS, 1884, pp. 23-24]. Congresso Pedagógico Internacional de Buenos Aires e, finalmente, no
opúsculo denominado A lei nova do ensino infantil.
O Dr. Abílio César Borges aderiu, pois, à pedagogia moderna No Congresso de Buenos Aires ele afirmou que a educação sábia é
procurando pôr em prática e difundir no Brasil os “métodos novos”. Dessa aquela “que busca encaminhar a vontade dos meninos para a prática do bem
forma, afirma que a Lei nova “quer que a escola seja um lugar de prazer e e para o cumprimento do dever, independentemente do estímulo dos
de felicidade para as crianças; quer que estas procurem-na em vez de fugir prêmios ou do temor das penas” (MACAHUBAS, 1882, p. 155). Na mesma
dela; quer enfim que amem-na em vez de odiá-la” (idem, p. 6). Criticando a ocasião ele exortava os mestres a ensinar aos meninos a virtude e a
passividade da escola tradicional, ele advoga uma escola ativa que “aguce a fecundar-lhes no coração os germens das grandes aspirações, despertando
curiosidade no espírito dos meninos” inspirando-lhes “o gosto da instrução, as energias da alma. Dedica a parte final da Lei nova à educação moral,
convencendo-os das grandes vantagens dela, e abrindo-lhes portanto a anunciando-a como o “ponto de transcendental importância, para o qual
vontade para o estudo” (idem, p. 11). Por isso “a Lei nova não impõe aos nunca se reclamará de mais a atenção dos pais de família e dos mestres de
meninos a obrigação de aprender: excita-lhes o amor à escola, tornando-a escola” (MACAHUBAS, 1884, p. 27). Na sequência, advoga o ensino da moral
convidativa pela variedade, amenidade e utilidade do ensino” (idem, pp. 11- com base nos exemplos vivos, criticando o ensino à base de exortações e da
12). memorização de regras de moral, dado nas escolas, considerando-o
Demonstrando clarividência e bom senso, o Barão, ao mesmo tempo em semelhante aos longos e mal ouvidos sermões dos padres. E conclui o texto
que adere aos métodos novos, não deixa de perceber algumas fragilidades. afirmando que é pela via da educação moral que a escola primária irá
Lembra que os vários países, como a Alemanha, a França, Portugal e realizar a reforma dos costumes e preparar os jovens de ambos os sexos
também o Brasil, tiveram os seus métodos que, uma vez formulados, fazem, para a vida pública assim como para desempenhar os deveres de pais e
de início, grande barulho sendo promovidos entusiasticamente pelos seus mães de família.
autores e respectivos seguidores mas, em seguida, desaparecem de cena não Vemos, pois, com razoável clareza, como a concepção pedagógica do
sobrevivendo aos seus próprios formuladores. E conclui: “Quanto a mim o Barão de Macahubas pretendia conciliar as ideias modernas com a tradição
método antigo, se razoavelmente modificado, isto é, descarregado daquela católica, em consonância com o ecletismo espiritualista. Embora em sua
infinidade indigesta de sílabas soltas e vãs, é ainda preferível, pela razão de biografia não tenha aparecido uma vinculação explícita com o ecletismo,
não exigir propagadores especiais para ser aplicado. Todos os mestres, sua formação deu-se quando se concluía o ciclo de constituição dessa
ainda os mais ignorantes, podem aplicá-lo, começando pelas mães, que corrente filosófica. Estudando na Faculdade de Medicina da Bahia entre
devem ser os primeiros mestres de leitura dos meninos” (idem, p. 13). 1841 e 1845, é provável que tenha sido aluno de Eduardo Ferreira França,
um dos maiores expoentes brasileiros da filosofia eclética. E, ao transferir-
se para a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro em 1846, terá
encontrado, também aí, o mesmo ambiente marcado pelas presenças da
e) Proeminência da educação moral Revista Minerva Brasiliense e de Gonçalves de Magalhães, cujas obras
Fatos do espírito humano e A alma e o cérebro marcam o apogeu da
filosofia eclética no Brasil.
A educação moral, entendida em íntima ligação com a religião, ocupava
No prólogo de seu livro sobre a vida e a obra do Barão de Macahubas,
posição central no conjunto das ideias pedagógicas do Barão de Macahubas.
Isaías Alves conta que, em um curso de aperfeiçoamento de professores, leu
Isso está evidenciado no Relatório elaborado em 1856, enquanto diretor-
algumas frases de Macahubas e pediu às educadoras que indicassem o autor
de cada pensamento, recebendo, em resposta, os nomes de Dewey, ao ensino secundário: “a ideia de confiar inteiramente à iniciativa particular
Thorndike, Ferrière, Kilpatrick e outros notáveis educadores modernos. o oneroso e improfícuo ensino secundário provincial, consagrada em 1868
Acrescenta que foi grande a surpresa daquelas professoras quando ele em São Paulo, seduzia a muitas províncias” (HAIDAR, 1972, p. 179). A
apresentou as obras originais de Macahubas datadas de 1882 e 1883, onde partir de 1870, liberais e conservadores irmanaram-se na defesa da tese da
se incluía a Lei nova, publicada em 1884. liberdade de ensino. E a pujança da iniciativa privada da qual são exemplos
Esse testemunho põe em evidência a importância não apenas dos os colégios fundados por Abílio César Borges, assim como a crença de que
estudos de história da educação, mas também de sua difusão através do com liberdade plena haveria ainda maior expansão, fortaleceram a referida
ensino como elemento de grande relevância na formação dos professores e tese.
educadores de modo geral. Igualmente o movimento de construção dos sistemas nacionais de
Certamente o estudo histórico do tipo do que procuramos fazer no ensino que se desenvolvia nos diferentes países também repercutiu no
presente texto nos permite evitar concluir, à luz dos nomes citados nas Brasil. Ora, Abílio, já no relatório de 1856, manifesta-se a favor de um
respostas dadas, que o Barão de Macahubas teria sido um representante do sistema nacional de instrução. E em 1875 conclama o ministro do Império,
Movimento da Escola Nova avant la lettre. Em verdade, as ideias João Alfredo, a criar o Ministério da Instrução, afirmando que “a instrução
pedagógicas do Barão de Macahubas inserem-se nos debates educacionais pública deste vasto Império reclama já, e merece assaz uma pasta especial”
que se travavam na segunda metade do século XIX no âmbito internacional (ALVES, 1942, p. 34).
e, especificamente, no contexto brasileiro. Se os biógrafos, seguindo a via
da apologética, tendem a exaltar a figura do “grande educador”, nós temos,
para contrastar, o testemunho de Raul Pompeia que torna controversa essa
figura, apresentando-a como expressão da concepção que considera o
ensino como um negócio, o que faz trazer para esse campo o slogan “a
propaganda é a alma do negócio”.
De fato, quando diretor-geral da Instrução Pública, Abílio César Borges
preconizou o exercício, por parte do poder público, de um controle e
fiscalização rigorosa das escolas privadas, posicionando-se, portanto, contra
a chamada “liberdade de ensino”. Depois, já na iniciativa privada, ele
propôs em 1873 ao Conselho Diretor da Instrução do Município da Corte
que fosse decretado o ensino inteiramente livre, à vista da ineficiência da
inspeção oficial e considerando que o Estado não se deve intrometer em
algo que é dever natural e impreterível das famílias. Isaías Alves, como
biógrafo, explica que a mudança de posição decorreria da experiência
adquirida e rechaça como ingênua ou malévola a ligação com o fato de, à
época (1873), Abílio ser diretor de colégio, alegando que ele não precisava
disso, porque, dado o prestígio que alcançara, não necessitava das
benevolências do poder e, ao contrário, a liberdade de ensino era incentivo
a novos concorrentes (ALVES, 1942, pp. 40-41). Em verdade, como nos
esclarece Maria de Lourdes Mariotto Haidar, naquela época a tese da
desoficialização do ensino ganhava terreno, especialmente no que se refere
Diferentemente, a economia cafeeira contou, desde o início, com uma
vanguarda constituída por homens com experiência comercial,
entrelaçando-se, assim, os interesses da produção e os do comércio. Dessa
maneira, a formação da classe dirigente envolveu um conjunto amplo de
aspectos articulados entre si: “aquisição de terras, recrutamento de mão de
9. NOVAS EXIGÊNCIAS PRODUTIVAS: obra, organização e direção da produção, transporte interno,
ABOLIÇÃO E INSTRUÇÃO comercialização nos portos, contatos oficiais, interferência na política
financeira e econômica” (idem, p. 116). Tendo consciência clara de seus
interesses, esses dirigentes compreenderam a importância do governo na
Essas manifestações do Barão de Macahubas inseriam-se no âmbito dos atividade econômica, o que os levou a colocar a política a serviço do grupo
debates que destacavam a importância estratégica da instrução pública econômico por eles representado. E, como no Império o governo central era
colocando, de uma ou de outra forma, a questão da organização de um forçado a atender a interesses muito heterogêneos, dificultando a resposta
sistema nacional de ensino. Esses debates ganharam força nas últimas aos interesses dos grupos econômicos locais, a descentralização do poder
décadas do período imperial e estenderam-se ao longo da Primeira propiciado pela República veio a permitir mais completamente a
República. Na fase propriamente imperial, que se iniciou no final da década identificação da máquina político-administrativa com a empresa cafeeira. A
de 1860, as discussões desenrolaram-se sobre um pano de fundo comum: o expressão mais clara dessa tendência traduziu-se na “política dos
problema da substituição da mão de obra escrava pelo trabalho livre, governadores” instituída no âmbito das reformas instauradas pelo
atribuindo-se à educação a tarefa de formar o novo tipo de trabalhador para presidente Campos Salles no início de sua gestão em 1898.
assegurar que a passagem se desse de forma gradual e segura, evitando-se Ainda conforme Celso Furtado, por volta da década de 1870, definia-se
eventuais prejuízos aos proprietários de terras e de escravos que o café como “o produto que permitiria ao país reintegrar-se nas correntes
dominavam a economia do país4. em expansão do comércio mundial” (idem, p. 116). As condições para isso
Nessa época o principal setor da economia brasileira era representado estavam dadas: “Concluída sua etapa de gestação, a economia cafeeira
pela cafeicultura. Como assinala Celso Furtado, o processo de formação das encontrava-se em condições de autofinanciar sua extraordinária expansão
classes dirigentes no caso da economia cafeeira era bem distinto daquele subsequente; estavam formados os quadros da nova classe dirigente que
que se desenvolveu na economia açucareira. No caso do açúcar, as fases lideraria a grande expansão cafeeira. Restava por resolver, entretanto, o
produtiva e comercial encontravam-se separadas. Uma vez que a fase problema da mão de obra” (idem, ibidem).
comercial era monopolizada por grupos externos localizados em Portugal A base da produção cafeeira era escravista. Fora gestada e
ou na Holanda, aos quais competia tomar as decisões fundamentais, os desenvolvera-se ao longo da primeira metade do século XIX ampliando
senhores de engenho que dirigiam a produção acabaram não desenvolvendo sensivelmente o contingente de escravos. Mesmo após a lei de 1831 que,
uma clara consciência dos próprios interesses e foram, progressivamente, sob pressão inglesa, tinha por escopo coibir a entrada de escravos negros
deixando as tarefas diretivas sob execução de feitores. vindos da África, eles continuaram a entrar em números crescentes: 30 mil
em 1840, 30.500 em 1843, 52.600 em 1846 e 57.800 em 1847. Entre 1840 e
Compreende-se, portanto, que os antigos empresários hajam involuído numa classe de 1847, portanto, num período de oito anos, ingressou um total de 239.800
rentistas ociosos, fechados num pequeno ambiente rural, cuja expressão final será o patriarca
bonachão que tanto espaço ocupa nos ensaios dos sociólogos nordestinos do século XX. A escravos (BASTOS, 1975, p. 97). Mas essa conivência que tornou a lei de 7
separação de Portugal não trouxe modificações fundamentais, permanecendo a etapa produtiva de novembro de 1831 letra morta já não poderia persistir em face das novas
isolada e dirigida por homens de espírito puramente ruralista [FURTADO, 1982, p. 115]. condições de desenvolvimento do capitalismo em nível mundial e diante
das pressões internacionais e sanções da Inglaterra. Com isso, “a Lei n. 581,
de 4 de setembro de 1850, quase reproduzindo a anterior, cuja penalidade (MARX, 1968, livro 1, vol. 2, p. 892). Foi exatamente com esse espírito que
conservava, preencheu a sua missão. A energia dos executores correspondia se aprovou no Brasil a Lei de Terras, em 1850, mesmo ano em que também
ao pensamento do legislador, e o tráfico extinguiu-se dois anos depois” foi aprovada a lei que extinguiu o tráfico de escravos. Assim, tornando
(idem, p. 85). proibitiva a aquisição de terras para quem não fosse já proprietário,
Segundo Alfredo Bosi, emergiu, nessa nova situação, um “novo preparava-se o ambiente para que, quando chegassem os imigrantes, eles
liberalismo”. O primeiro liberalismo, aquele esposado pela classe fossem forçados a substituir, como trabalhadores livres, a mão de obra
proprietária quando se formava o novo Estado do Brasil independente, escrava nas lavouras de café.
denotava a palavra liberal com quatro significados que se podiam combinar O “novo liberalismo” referido por Bosi tinha como bandeira a abolição
entre si de diferentes modos: da escravatura e a introdução do trabalho assalariado no Brasil. Esse
“segundo liberalismo” impõe-se sobre o anterior a partir de 1868, data que a
1) Liberal, para a nossa classe dominante até os meados do século XIX, pôde significar historiografia assinala “como o grande divisor de águas entre a fase mais
conservador das liberdades, conquistadas em 1808, de produzir, vender e comprar.
2) Liberal pôde, então, significar conservador da liberdade, alcançada em 1822, de
estável do Segundo Império e a sua longa crise que culminaria, vinte anos
representar-se politicamente: ou, em outros termos, ter o direito de eleger e de ser mais tarde, com a Abolição e a República” (BOSI, 1992, p. 222). Esse ano
eleito na categoria de cidadão qualificado. marca a revolta dos liberais com a demissão, por Dom Pedro II, do
3) Liberal pôde, então, significar conservador da liberdade (recebida como instituto Gabinete Zacarias. É, também, o ano da publicação do poema “Navio
colonial e relançada pela expansão agrícola) de submeter o trabalhador escravo
mediante coação jurídica.
negreiro”, de Castro Alves, marco do movimento abolicionista. E é,
4) Liberal pôde, enfim, significar capaz de adquirir novas terras em regime de livre igualmente, 1868 o ano que Silvio Romero toma como marco do início dos
concorrência, ajustando assim o estatuto fundiário da Colônia ao espírito capitalista novos tempos que colocavam em questão o catolicismo, o espiritualismo
da Lei de Terras de 1850 [BOSI, 1992, pp. 199-200]. eclético, as instituições monárquicas, o romantismo, “com seus doces,
enganosos e encantadores cismares”, a “chaga da escravidão”. Ainda
Em verdade, essa visão de liberalismo não era exclusiva do Brasil. Era segundo Silvio Romero, nesse ano “o partido liberal, expelido
encontrada em todas as situações de grande lavoura, as chamadas grosseiramente do poder, comove-se desusadamente e lança aos quatro
plantations, como ocorria nas Antilhas inglesas e francesas, em Cuba e no ventos um programa de extrema democracia, quase um verdadeiro
sul dos Estados Unidos. Como já observara Azeredo Coutinho, a socialismo”, sendo também organizado o partido republicano (apud BOSI,
abundância de terras nas colônias tornava impossível o trabalho livre sob o 2002, pp. 165-166).
capital. O trabalhador, obviamente, tenderia a preferir ocupar um pedaço de A Abolição, tida por quase todos como inevitável, foi programada pelas
terra e cultivá-la para si mesmo a sujeitar-se a trabalhar para outro, isto é, camadas dominantes brasileiras na forma de uma transição gradual e
para o empresário capitalista. Daí a necessidade do trabalho forçado, segura. Começou pela proibição do tráfico, em 1850, seguiu com a Lei do
possibilitado pelo estatuto da escravidão. Wakefield, colonizador inglês que Ventre Livre, em 1871, teve continuidade com a Lei dos Sexagenários, em
criou na Austrália, em 1834, e na Nova Zelândia, em 1837, associações 1885, e, finalmente, a Abolição geral, decretada pela Lei Áurea, em 1888.
para encorajar a imigração, idealizou um mecanismo para viabilizar o Nesse ínterim, buscava-se solucionar o problema da mão de obra
trabalho assalariado nas colônias. Sua proposta foi comentada por Marx na discutindo-se o aproveitamento dos nacionais, incluídos os ex-escravos
“Teoria moderna da colonização”, último capítulo do Livro I d’O Capital. libertos, o recurso à imigração dos asiáticos (imigração amarela) e
Segundo a proposta de Wakefield, “o governo fixaria para as terras virgens europeus, ao mesmo tempo em que os fazendeiros de café importavam
um preço artificial, independente da lei da oferta e da procura. O imigrante escravos do Nordeste para ocupar o lugar daqueles que já não mais podiam
teria de trabalhar longo tempo como assalariado até obter dinheiro ser importados da África.
suficiente para comprar terra e transformar-se num lavrador independente”
Nessa longa transição, nesse processo de preparação das vias de solução os imigrantes se integravam às fazendas de café garantindo a continuidade
do problema da mão de obra, isto é, da substituição do trabalho escravo da produção, os apelos à criação de colônias agrícolas, fazendas-escolas e
pelo trabalho assalariado, a educação foi chamada a participar do debate. colônias orfanológicas deixaram de ecoar.
A ideia central que perpassa as discussões que se travaram no período Do mesmo modo, também não produziram resultados práticos os
que vai de 1868 até a Abolição e a Proclamação da República se expressa debates sobre a importância da educação e a necessidade de sua
na ligação entre emancipação e instrução. O objetivo buscado era organização em âmbito nacional que se intensificaram nas duas últimas
transformar a infância abandonada, em especial os ingênuos, nome dado às décadas do Império. Pode-se dizer que a ideia de sistema nacional de ensino
crianças libertas em consequência da Lei do Ventre Livre, em trabalhadores se fez presente em todos os projetos de reforma apresentados desde o final
úteis, evitando que caíssem na “natural indolência” de que eram acusados da década de 1860 assim como nos textos preparados para o Congresso de
os adultos livres das classes subalternas. E o meio principal aventado para Instrução que deveria ser realizado em 1883, mas que por falta de verbas (o
atingir esse objetivo era a criação de escolas agrícolas, às vezes também Senado negou a concessão dos recursos) não se realizou.
chamadas de fazendas-escolas ou colônias agrícolas, aparecendo, ainda, a Na direção da ampla reorganização do ensino, surgiram as propostas de
expressão “colônias orfanológicas”. Tavares Bastos (1937, p. 239), Paulino de Souza em 1869, de João Alfredo em 1871 e, fechando a década
escrevendo em 1870, traduziu de forma clara essa concepção ao considerar de 1870, a Reforma Leôncio de Carvalho, decretada em 1879, a qual
que a emancipação do escravo exigia a difusão da instrução de modo que, ensejou o famoso parecer-projeto de Rui Barbosa, elaborado em 1882, uma
diminuindo o “abismo da ignorância”, fosse afastado o “instinto da obra monumental abrangendo todos os aspectos da educação, do jardim de
ociosidade”. infância ao ensino superior (MACHADO, 2002, pp. 103-155 e VALDEMARIN,
Como destacou Analete Schelbauer, difundiu-se a crença de que a 2000, pp. 85-174). Mas esse projeto nem chegou a ser discutido no
libertação gradativa dos escravos deveria ser acompanhada da presença da Parlamento. Nota-se que o próprio Rui Barbosa se dedicou à educação num
escola para transformar “os ingênuos e os homens livres, parasitas da período de tempo bastante curto, limitado aos anos de 1881 a 1883,
grande propriedade e da natureza pródiga, em trabalhadores submetidos às voltando-se, depois, para outras questões. Também de 1882 é o projeto de
regras do capital” (SCHELBAUER, 1998, p. 52). Mas acrescenta: “Apesar Almeida Oliveira, para quem a questão do ensino deveria ser considerada a
dessa crença, a escola voltada para o treinamento da mão de obra primeira entre as primeiras. Um outro projeto que, a exemplo dos de Rui
assalariada não se efetivou e, surpreendentemente, essas discussões Barbosa e Almeida Oliveira, não teve andamento foi o do Barão de
desaparecem, de maneira simultânea à abolição definitiva” (idem, ibidem). Mamoré, apresentado em 1886.
Efetivamente, quando ocorre a Abolição definitiva, em 1888, a Questão correlata à escolar foi a do voto do analfabeto, também
imigração europeia, principalmente italiana, já fluía regularmente para os amplamente discutida no final do Império e que se consubstanciou no
cafezais, em especial os paulistas. Desde 1870 o governo imperial assumiu projeto de reforma eleitoral apresentado pelo conselheiro José Antonio
os gastos com o transporte dos imigrantes destinados à lavoura cafeeira. O Saraiva em 1880. Além das eleições diretas, o projeto preconizava a
número de imigrantes que vieram para o estado de São Paulo se eleva de 13 exclusão do voto do analfabeto. Rui Barbosa pronunciou-se favoravelmente
mil na década de 1870 para 184 mil nos anos de 1880 e 609 mil na década ao projeto acreditando que esse dispositivo iria estimular o interesse público
de 1890. “O total para o último quartel do século foi 803 mil, sendo 577 mil pela difusão da instrução; e, em consequência, os governos iriam agir de
provenientes da Itália” (FURTADO, 1982, p. 128). Assim, a crise de forma mais decisiva investindo na abertura de escolas. Os que eram
superprodução na Europa, provocando um excedente de população agrícola, contrários ao projeto, cujo principal porta-voz foi José Bonifácio, “o moço”,
veio em socorro da crise de mão de obra no Brasil. E a nossa crise, entendiam que o projeto aristocratizava o voto e distorcia o processo
absorvendo aquele excedente, funcionou como uma verdadeira válvula de eleitoral, pois reduzia o eleitorado a uma pequena minoria da população do
escape, evitando a convulsão social que ameaçava a Europa. À medida que país. Mas a posição de Rui Barbosa saiu vitoriosa e o projeto converteu-se
na Lei Saraiva, aprovada em 9 de janeiro de 1881. Como resultado da as Inspetorias Distritais, ficando a direção e a inspeção do ensino sob a
aplicação do novo critério, que condicionava o exercício do voto ao responsabilidade de um inspetor geral, em todo o Estado, auxiliado por dez
domínio da leitura e da escrita, o corpo eleitoral foi reduzido de 13% da inspetores escolares. Assim, “volta-se à prática, anterior à reforma, de em
população livre, em 1872, para 0,8% em 1886 (ROCHA, 2004, p. 61). cada município a fiscalização das escolas estaduais ser exercida por
Com a Proclamação da República em 1889 e o consequente advento do delegados ou representantes das municipalidades” (idem, p. 128).
regime federativo, a instrução popular foi mantida sob a responsabilidade Essa involução na reforma do ensino paulista coincide com a
das antigas províncias, agora transformadas em estados. Entretanto, já em consolidação do domínio da oligarquia cafeeira que passa a gerir o regime
1890 foi instituída por Benjamin Constant, através do Decreto n. 981 de 8 republicano por meio da política dos governadores. Seria preciso esperar o
de novembro, a reforma dos ensinos primário e secundário que, embora período final da República Velha com a crise dos anos de 1920 para
limitada ao Distrito Federal, poderia constituir-se em referência para a retomarem-se as reformas estaduais da instrução pública e recolocar o
organização do ensino nos estados. Mas essa reforma, que pretendeu problema do sistema de ensino que passará a ter um tratamento em âmbito
conciliar os estudos literários com os científicos, foi amplamente criticada, nacional após a Revolução de 1930.
inclusive pelos adeptos da corrente positivista da qual Benjamin Constant
era um dos principais líderes (CARTOLANO, 1994, pp. 123-179). Assim, a
tentativa mais avançada em direção a um sistema orgânico de educação foi
aquela que se deu no estado de São Paulo. Ali se procurou preencher dois
requisitos básicos implicados na organização dos serviços educacionais na
forma de sistema: a) a organização administrativa e pedagógica do sistema
como um todo, o que implicava a criação de órgãos centrais e
intermediários de formulação das diretrizes e normas pedagógicas bem
como de inspeção, controle e coordenação das atividades educativas; b) a
organização das escolas na forma de grupos escolares, superando, por esse
meio, a fase das cadeiras e classes isoladas, o que implicava a dosagem e
graduação dos conteúdos distribuídos por séries anuais e trabalhados por
um corpo relativamente amplo de professores que se encarregavam do
ensino de grande número de alunos, emergindo, assim, a questão da
coordenação dessas atividades também no âmbito das unidades escolares.
Ora, a reforma da instrução pública paulista, implementada entre 1892 e
1896, pioneira na organização do ensino primário na forma de grupos
escolares, procurou preencher os dois requisitos apontados. Tratava-se de
uma reforma geral que instituiu o Conselho Superior da Instrução Pública, a
Diretoria-Geral e os inspetores de Distrito, abrangendo os ensinos primário,
normal, secundário e superior (REIS FILHO, 1995, pp. 90-202).
Mas a reforma paulista também não chegou a se consolidar. Em 1° de
agosto de 1896 o cargo de diretor-geral da Instrução Pública e a Secretaria
Geral foram suprimidos pela Lei n. 430. E um ano depois, em 26 de agosto
de 1897, a Lei n. 520 extinguiu o Conselho Superior de Instrução Pública e
consciência da importância da educação expressava-se na percepção de que
“na instrução pública está o segredo da multiplicação dos pães, e o ensino
restitui cento por cento o que com ele se gasta” (Almeida Oliveira, sessão
de 18 de setembro de 1882 do Parlamento, apud CHAIA, 1965, p. 125). E
propostas não faltaram. Tavares Bastos, considerando que “não há sistema
10. A IDEIA DE SISTEMA EDUCACIONAL: de instrução eficaz sem o dispêndio de muito dinheiro”, propôs em 1870:
QUESTÃO NÃO RESOLVIDA “Assim como cada habitante concorre para as despesas de iluminação,
águas, esgotos, calçadas, estradas e todos os melhoramentos locais, assim
contribua para o mais importante deles, a educação dos seus concidadãos, o
Cumpre, pois, examinar, ainda que sucintamente, as dificuldades para a primeiro dos interesses sociais em que todos somos solidários” (BASTOS,
realização da ideia de sistema educacional no Brasil do século XIX. Em 1937, p. 228). A partir daí apresenta um plano de criação de dois tipos de
suma, trata-se de saber por que a ideia de sistema nacional de ensino, que se impostos: o local e o provincial. Essa proposta foi retomada por Rodolfo
vinha realizando nos principais países no século XIX, permaneceu, no Dantas, em 21 de agosto de 1882, e pela Comissão de Instrução Primária,
Brasil, no rol das “ideias que não se realizam” (SCHELBAUER, 1998). tendo como relator Rui Barbosa (CHAIA, 1965, pp. 82-87). Mas, dada a
Entendendo-se o conceito de ideias pedagógicas como se referindo às “mania de se quererem os fins sem se empregarem os meios necessários e
ideias educacionais consideradas, porém, não em si mesmas, mas na forma próprios”, conforme declarou Moraes Sarmento em 1850 (idem, p. 55),
como se encarnam no movimento real da educação orientando e, mais do resultou que “nenhum país tem mais oradores nem melhores programas; a
que isso, constituindo a própria substância da prática educativa, verifica-se prática, entretanto, é o que falta completamente”, ironizou Agassiz em 1865
que o sistema de ensino, enquanto ideia pedagógica, implica a sua (idem, p. 45). E Rui Barbosa constatava em 1882: “O Estado, no Brasil,
realização prática, isto é, a sua materialização. Assim, a ideia de sistema consagra a esse serviço apenas 1,99% do orçamento geral, enquanto as
nacional de ensino foi pensada no século XIX enquanto forma de despesas militares nos devoram 20,86%” (idem, p. 103). Dessa forma, o
organização prática da educação, constituindo-se numa ampla rede de sistema nacional de ensino não se implantou e o país foi acumulando um
escolas abrangendo todo o território da nação e articuladas entre si segundo grande déficit histórico em matéria de educação.
normas comuns e com objetivos também comuns. A sua implantação Além das limitações materiais, cumpre considerar, também, o problema
requeria, pois, preliminarmente, determinadas condições materiais relativo à mentalidade pedagógica. Entendida como a unidade entre a forma
dependentes de significativo investimento financeiro. Emerge, assim, uma e o conteúdo das ideias educacionais, a mentalidade pedagógica articula a
primeira hipótese explicativa das dificuldades para a realização da ideia de concepção geral do homem, do mundo, da vida e da sociedade com a
sistema nacional de ensino no Brasil do século XIX: as condições materiais questão educacional. Assim, numa sociedade determinada, dependendo das
precárias decorrentes do insuficiente financiamento do ensino. Com efeito, posições ocupadas pelas diferentes forças sociais, estruturam-se diferentes
durante os 49 anos correspondentes ao Segundo Império, entre 1840 e 1888, concepções filosófico-educativas às quais correspondem específicas
a média anual dos recursos financeiros investidos em educação foi de 1,8% mentalidades pedagógicas. Na sociedade brasileira da segunda metade do
do orçamento do governo imperial, destinando-se, para a instrução primária século XIX, não obstante as diversas correntes filosóficas e, na expressão
e secundária, a média de 0,47%. O ano de menor investimento foi o de de Silvio Romero, o bando de ideias novas que agitou o país especialmente
1844, com 1,23% para o conjunto da educação e 0,11% para a instrução nas duas últimas décadas do Império (COSTA, 1967, pp. 97-122), três
primária; e o ano de maior investimento foi o de 1888, com 2,55% para a mentalidades pedagógicas delinearam-se com razoável nitidez: as
educação e 0,73 para a instrução primária e secundária (CHAIA, 1965, pp. mentalidades tradicionalista, liberal e cientificista. Destas, as duas últimas
129-131). Era, pois, um investimento irrisório. Não obstante isso, a correspondiam ao espírito moderno que se expressava no laicismo do
Estado, da cultura e da educação (BARROS, 1959, pp. 21-36). Nesse A referida tensão balizou o pensamento pedagógico e a política
contexto, era de esperar que os representantes dessas mentalidades de tipo educacional ao longo da Primeira República. Logo após a Proclamação,
moderno, empenhados na modernização da sociedade brasileira, viessem a José Veríssimo publica, em 1890, a obra A educação nacional, em que
formular as condições e prover os meios para a realização da ideia de pretende dar indicações para a reforma educativa. Em seu entendimento, a
sistema nacional de educação. No entanto, a mentalidade cientificista de reforma do regime político deveria ter sido consequência da reforma moral
orientação positivista, declarando-se adepta da completa “desoficialização” do povo brasileiro. Mas, uma vez que foi “invertida a ordem do processo e
do ensino, acabou por converter-se em mais um obstáculo à realização da instalada a República antes da formação moral republicana, urge corrigir
ideia de sistema nacional de ensino. Na mesma direção comportou-se a essa afoiteza, concentrando todos os esforços na reforma educacional”
mentalidade liberal que, em nome do princípio de que o Estado não tem (CAVAZOTTI, 1997, p. 95). Considera, então, como base da reforma a
doutrina, chegava a advogar o seu afastamento do âmbito educativo. reconstrução do caráter nacional e do sentimento nacional do povo
Conclui-se, pois, que as dificuldades para a realização da ideia de brasileiro, definindo como eixos da nova organização do ensino a educação
sistema nacional de ensino se manifestaram tanto no plano das condições do caráter, a educação cívica, a educação física e o papel da mulher como
materiais como no âmbito da mentalidade pedagógica. Assim, o caminho da educadora do caráter das novas gerações. Aqui também se manifesta a
implantação dos respectivos sistemas nacionais de ensino, por meio do qual tensão entre a reforma educativa como base da reforma política e a reforma
os principais países do Ocidente lograram universalizar o ensino política como indutora da reforma educativa.
fundamental e erradicar o analfabetismo, não foi trilhado pelo Brasil. E as No plano federal o regime republicano expressou essa tensão na política
consequências desse fato projetam-se ainda hoje, deixando-nos um legado educacional oscilando entre a centralização (oficialização) e
de agudas deficiências no que se refere ao atendimento das necessidades descentralização (desoficialização). Assim, após a reforma Benjamin
educacionais do conjunto da população. Constant, de 1890, cuja tensão passou antes pela organização curricular do
Delineia-se no pensamento liberal em suas várias vertentes presentes no que pelo aspecto administrativo, já que, em contraposição à predominância
contexto brasileiro (positivismo, evolucionismo social e as diferentes dos estudos literários procurou introduzir as matérias científicas, tivemos o
versões do liberalismo político: moderada, radical, republicana) uma tensão Código Epitácio Pessoa, em 1901. O então presidente da República,
de fundo: a percepção da centralidade do Estado e, ao mesmo tempo, a Campos Salles, desde quando ministro da Justiça no primeiro governo
recusa em aceitar seu protagonismo no desenvolvimento da sociedade. Em republicano presidido por Deodoro da Fonseca, achava necessário
termos gramscianos se diria que está em causa, aí, a contradição entre os consolidar a legislação que se caracterizava por enorme dispersão. Uma vez
dois aspectos característicos do conceito de “Estado ampliado”: a sociedade na presidência, tomou a iniciativa de solicitar ao ministro da Justiça e
política e a sociedade civil. Em Rui Barbosa essa contradição emergiu nos Negócios Interiores, Epitácio Pessoa, que providenciasse a elaboração de
seguintes termos: “ao priorizar o papel do Estado, aumenta seu poder de um Código Civil, para cuja tarefa o ministro convidou o jurista Clóvis
centralização, diminuindo em contrapartida a livre iniciativa da sociedade Bevilacqua. Tarefa semelhante foi imposta no campo da educação, o que
civil, o que inviabiliza a efetivação de todo o projeto pretendido” deu origem a uma Lei Orgânica do Ensino que ficou conhecida como
(VALDEMARIN, 2000, p. 174). Diante disso, o Estado, entendido nos Código Epitácio Pessoa. Esse Código, se bem ratificasse o princípio de
“Pareceres” de Rui Barbosa como “instância representativa da sociedade liberdade de ensino da Reforma Leôncio de Carvalho, equiparou as escolas
como um todo, se concretizaria somente se a reforma educacional privadas às oficiais, mediante rigorosa inspeção dos currículos, e pôs fim à
cumprisse todos os objetivos a ela propostos” (idem, ibidem). E a liberdade de frequência que havia sido instituída em 1879 por Leôncio de
expectativa era que, atingida essa meta, ocorreria uma diminuição do papel Carvalho. Mas a Reforma Rivadávia Correa, em 1911, volta a reforçar a
do Estado no que se refere à sua função centralizadora. liberdade de ensino e a desoficialização. Diante das consequências
desastrosas, uma nova reforma, a de Carlos Maximiliano, instituída em
1915, reoficializou o ensino e introduziu o exame vestibular a ser realizado de ensino. Assim, foram os estados que tiveram de enfrentar a questão da
nas próprias faculdades, podendo a ele submeter-se apenas os candidatos difusão da instrução mediante a disseminação das escolas primárias. E o
que dispusessem de diploma de conclusão do curso secundário. Com isso estado de São Paulo assumiu a dianteira desse processo dando início, já em
tornou bem mais difícil o ingresso no ensino superior. O ciclo das reformas 1890, a uma ampla reforma da instrução pública.
federais do ensino na Primeira República fecha-se em 1925, com a Reforma
João Luís Alves/Rocha Vaz. Considerando que ela se encontra em pleno
centro da última década da Primeira República, quando, sobre a base das
transformações econômicas e sociais em curso, a estrutura de poder vigente
passa a ser amplamente contestada, essa nova reforma irá reforçar e ampliar
os mecanismos de controle instituídos pela Reforma Carlos Maximiliano.
Entre as várias características que marcaram a Reforma João Luís
Alves/Rocha Vaz, a principal, conforme reconhecimento geral, foi a
introdução do regime seriado no ensino secundário, como assinala Jorge
Nagle: “A implantação generalizada de um ensino ginasial, seriado e com
frequência obrigatória, e o alargamento das funções normativas e
fiscalizadoras da União quanto à instrução secundária de todo o país
constituíram os aspectos fundamentais desta nova lei do ensino” (NAGLE,
1974, p. 149).
No entanto, como já foi indicado, embora a linha geral dos debates do
final do Império apontasse na direção da construção de um sistema nacional
de ensino colocando-se a instrução pública, com destaque para as escolas
primárias, sob a égide do governo central, o advento do regime republicano
não corroborou essa expectativa. Seja pelo argumento de que, se no
Império, que era um regime político centralizado, a instrução estava
descentralizada, a fortiori na República Federativa, um regime político
descentralizado, a instrução popular deveria permanecer descentralizada;
seja pela força da mentalidade positivista no movimento republicano; seja
pela influência do modelo norte-americano; seja principalmente pelo peso
econômico do setor cafeeiro que desejava a diminuição do poder central em
favor do mando local, o certo é que o novo regime não assumiu a instrução
pública como uma questão de responsabilidade do governo central, o que
foi legitimado na primeira Constituição republicana. Ao estipular, no artigo
35, que incumbe ao Congresso Nacional, ainda que não privativamente,
“criar instituições de ensino superior e secundário nos Estados” (inciso 3º) e
“prover a instrução secundária no Distrito Federal” (inciso 4º), a
Constituição, embora omissa quanto à responsabilidade sobre o ensino
primário, delegava aos estados competência para legislar e prover esse nível
isoladas, uma vez reunidas, deram origem, ou melhor, foram substituídas
pelos grupos escolares.
Cada grupo escolar tinha um diretor e tantos professores quantas escolas
tivessem sido reunidas para compô-lo. Na verdade essas escolas isoladas,
uma vez reunidas, deram origem, no interior dos grupos escolares, às
11. O ADVENTO DOS GRUPOS ESCOLARES classes que, por sua vez, correspondiam às séries anuais. Portanto, as
escolas isoladas eram não seriadas, ao passo que os grupos escolares eram
seriados. Por isso esses grupos eram também chamados de escolas
Consoante a concepção difundida na época segundo a qual toda a
graduadas, uma vez que o agrupamento dos alunos se dava de acordo com o
reforma escolar poderia ser resumida na questão do mestre e dos métodos
grau ou série em que se situavam, o que implicava uma progressividade da
(SOUZA, 1998, p. 39), a reforma começou, em 1890, pela Escola Normal.
aprendizagem, isto é, os alunos passavam, gradativamente, da primeira à
Caetano de Campos, então diretor da Escola Normal de São Paulo, toma a
segunda série e desta à terceira até concluir a última série (o quarto ano no
iniciativa e elabora, com Rangel Pestana, o decreto de 12 de março de 1890.
caso da instrução pública paulista) com o que concluíam o ensino primário.
Inspirando-se no exemplo de países como a Alemanha, Suíça e Estados
Os princípios pedagógicos a partir dos quais esses conteúdos deveriam ser
Unidos, Caetano de Campos considera que devemos “estudar nesses povos
trabalhados pelo professor junto aos alunos integram aquela concepção que
a maneira de ensinar”, considerando, porém, “a necessidade não de adotar,
a Escola Nova veio, mais tarde, considerar como pedagogia tradicional:
mas sim adaptar esses métodos à nossa necessidade” (REIS FILHO, 1995, p.
76). Sua convicção era a de que, “antes de reformar a Instrução Pública do a) Simplicidade, análise e progressividade – O ensino deve começar pelos elementos
Estado, imperiosa e inadiável necessidade”, se deviam instalar “as ‘escolas- mais simples. O esforço pedagógico exige a análise da matéria ensinada, de modo a
modelo’ de 2º e 3º graus, anexas à Escola Normal” (idem, p. 78). Em decompô-la num certo número de elementos que serão individualmente fáceis de
assimilar. O espírito do aluno, progressivamente, vai-se enriquecendo à medida que
consequência, é criada a Escola-Modelo, anexa à Escola Normal de São adquire os novos conhecimentos gradualmente dispostos.
Paulo, como um órgão de demonstração metodológica, composto por duas b) Formalismo – O ensino chega ao encadeamento de aspectos rigorosamente lógicos.
classes, uma feminina e outra masculina. Para reger a primeira foi O ensino esforça-se por ser dedutivo.
contratada Dona Guilhermina Loureiro de Andrade e, para a segunda, Miss c) Memorização – A decomposição do conteúdo do ensino em elementos facilita a
memorização. A medida do conhecimento do aluno é dada pela sua capacidade de
Márcia Browne. repetir o que foi ensinado pelo professor.
Em 1892 empreende-se, pela Lei n. 88 de 8 de setembro regulamentada d) Autoridade – A escola elabora um sistema de prêmios e castigos, de sanções
pelo Decreto n. 144B de 30 de dezembro, a reforma geral da instrução apropriadas visando a garantir que a organização pedagógica se funde sempre na
autoridade do professor.
pública paulista.
e) Emulação – A ideia de dever, a necessidade de aprovação e o sentimento do mérito
Embora a reforma promulgada em 1892 abrangesse a totalidade da são desenvolvidos para manter a atividade escolar, e completam, desse modo, o
instrução pública, seu centro localizava-se na escola primária. E a grande princípio de autoridade.
inovação consistiu na instituição dos grupos escolares, “criados para reunir f) Intuição – O ensino deve partir de uma percepção sensível. O princípio da intuição
exige o oferecimento de dados sensíveis à observação e à percepção do aluno.
em um só prédio de quatro a dez escolas, compreendidas no raio da Desenvolvem-se, então, todos os processos de ilustração com objetos, animais ou
obrigatoriedade escolar” (idem, p. 137). Na estrutura anterior, as escolas suas figuras [REIS FILHO, 1995, p. 68].
primárias, então chamadas também de primeiras letras, eram classes
isoladas ou avulsas e unidocentes. Ou seja, uma escola era uma classe O último princípio remete diretamente ao método intuitivo. Tal método,
regida por um professor, que ministrava o ensino elementar a um grupo de que surgira na Alemanha no final do século XVIII e que fora divulgado
alunos em níveis ou estágios diferentes de aprendizagem. E essas escolas pelos discípulos de Pestalozzi no decorrer do século XIX na Europa e nos
Estados Unidos, esteve na pauta das propostas de reforma da instrução emprestou seu nome ao primeiro grupo escolar, criado em 1911 (FIORI,
pública formuladas no final do Império. Rui Barbosa foi um grande 1991).
defensor desse método, cujos princípios e fundamentos foram por ele No Paraná a criação dos grupos escolares começa em 1903, em
sistematicamente apresentados em seus célebres “Pareceres”, culminando Curitiba, “tendo por modelo a estrutura de grupo escolar do Estado de São
com a tradução do livro de Calkins sobre a Lição de coisas, que é a essência Paulo” (OLIVEIRA, 2000, pp. 1-2).
do método intuitivo. Caetano de Campos foi um entusiasta desse método e Em São Luís do Maranhão, os grupos escolares foram implantados em
por ele guiou-se na organização das escolas-modelo e dos grupos escolares. 1903, estendendo-se aos demais municípios em 1905 (MOTTA, 2006, p.
Deflagrado o processo a partir de 1893, ano em que se iniciou a 144).
implantação das medidas instituídas pela reforma de 1892, os grupos A experiência paulista foi também transferida para Sergipe por
escolares foram disseminando-se pelo estado de São Paulo, chegando, em iniciativa do médico Helvécio de Andrade: “o Grupo Escolar Modelo,
1910, a 101, sendo 24 na capital e 77 no interior (SOUZA, 1998, p. 150). De criado em 1910 e inaugurado em 1911 na cidade de Aracaju, foi a primeira
São Paulo o modelo irradiou-se pelos demais estados. instituição dessa natureza a funcionar em Sergipe” (NASCIMENTO, 2006, p.
Conforme relata Luciano Mendes de Faria Filho, ao realizar viagem 159).
técnica em 1902, quase uma década após a implantação dos grupos Na Bahia, embora a legislação faça menção a grupos escolares desde
escolares em São Paulo, o inspetor do Ensino de Minas Gerais, Estevam de 1895, a primeira instituição desse tipo instalada em Salvador foi “o Grupo
Oliveira, “ficou deslumbrado com o espetáculo de ordem, civismo, Escolar da Penha inaugurado, provavelmente, em 1908” (ROCHA & BARROS,
disciplina, seriedade e competência que disse observar nas instituições de 2006, p. 180). Mas será somente na reforma de 1925, dirigida por Anísio
instrução primária da capital paulista” (FARIA FILHO, 2000, p. 27). Essa Teixeira, que serão introduzidas na organização do ensino primário as
viagem foi decisiva para transformar Estevam de Oliveira em defensor “escolas reunidas”. Os grupos escolares propriamente ditos se disseminarão
ardoroso da implantação desse modelo em Minas Gerais, no que ele foi na Bahia a partir da década de 1930 (idem, p. 191).
seguido pela “totalidade dos inspetores escolares” assim como por “boa O Decreto n. 258 de 20 de agosto de 1910 deu início à implantação dos
parte dos políticos e autoridades republicanas” (idem, ibidem). E de fato, grupos escolares em Mato Grosso, mediante a instalação de duas unidades
em 1906, logo após assumir a presidência do estado de Minas Gerais, João na capital, Cuiabá (SILVA, 2006, p. 218).
Pinheiro determinou, pela Lei n. 439 de 28 de setembro de 1906, que o Trata-se, pois, de um modelo que foi sendo disseminado por todo o país,
ensino primário, além das escolas isoladas, seria organizado também na tendo conformado a organização pedagógica da escola elementar que se
forma de “grupos escolares e escolas-modelo anexas às escolas normais” encontra em vigência, atualmente, nas quatro primeiras séries do que hoje
(ARAÚJO, 2006, p. 247). se denomina ensino fundamental.
No estado da Paraíba, conforme se pode ver na mensagem enviada à Quanto ao significado pedagógico da implantação do modelo dos
Assembleia Legislativa pelo presidente do estado (PINHEIRO, 2002, p. 127), grupos escolares, cumpre observar que, por um lado, a graduação do ensino
a proposta de criação de grupos escolares data de 1908, mas a implantação levava a uma mais eficiente divisão do trabalho escolar ao formar classes
efetiva veio dar-se apenas a partir de 1916 (idem, p. 139). com alunos de mesmo nível de aprendizagem. E essa homogeneização do
No Rio Grande do Norte, o primeiro grupo escolar foi instalado em ensino possibilitava um melhor rendimento escolar. Mas, por outro lado,
Natal em 1908 (MOREIRA & ARAÚJO, 1997, p. 116), ano em que também foi essa forma de organização conduzia, também, a mais refinados mecanismos
criado em Vitória, no Espírito Santo, o primeiro grupo escolar, pelo Decreto de seleção, com altos padrões de exigência escolar, “determinando inúmeras
n. 166, de 5 de setembro de 1908 (FERREIRA, 2000, p. 3). e desnecessárias barreiras à continuidade do processo educativo”, o que
Em Santa Catarina a primazia na instalação dos grupos escolares acarretava “o acentuado aumento da repetência nas primeiras séries do
pertenceu a Lages, cidade natal do então governador Vidal Ramos, que
curso” (REIS FILHO, 1995, p. 138). No fundo, era uma escola mais eficiente Mário Casasanta; a reforma do Distrito Federal, liderada por Fernando de
para o objetivo de seleção e formação das elites. A questão da educação das Azevedo em 1928; e a reforma pernambucana, em 1929, de iniciativa de
massas populares ainda não se colocava. Carneiro Leão.
Essa questão emergirá na reforma paulista de 1920, conduzida por
Sampaio Dória, única dentre as várias reformas estaduais da década de
1920 que procurou enfrentar esse problema proposto nos seguintes termos:
“encontrar uma fórmula para resolver o problema do analfabetismo” numa
situação em que mais da metade da população paulista entre 7 e 12 anos de
idade estava fora da escola e o orçamento do estado não permitia a elevação
substantiva dos gastos com educação (NAGLE, 1974, p. 207). Diante dos
princípios republicanos que colocavam a instrução popular como um “dever
primacial”, o então presidente do estado, Washington Luís, concluía que
“dar instrução a alguns e não dar a todos é profundamente injusto” (idem, p.
208). À luz desse entendimento, a Reforma Sampaio Dória instituiu uma
escola primária cuja primeira etapa, com a duração de dois anos, seria
gratuita e obrigatória para todos, tendo como objetivo garantir a
universalização das primeiras letras, isto é, a alfabetização de todas as
crianças em idade escolar. Essa reforma, admitida pelo próprio Sampaio
Dória como resultando em “um tipo de escola primária, aligeirada e
simples”, recebeu muitas críticas e acabou não sendo plenamente
implantada.
A Reforma Sampaio Dória abriu o ciclo de reformas estaduais que
marcou a década de 1920. Esse processo alterou a instrução pública em
variados aspectos como a ampliação da rede de escolas; o aparelhamento
técnico-administrativo; a melhoria das condições de funcionamento; a
reformulação curricular; o início da profissionalização do magistério; a Escola Modelo Maria José (década de 1900). Fonte: Escola Modelo Maria José. São Paulo, SP,
190_. Col. Secretaria da Agricultura, Comércio e Obras Públicas do Estado de São
reorientação das práticas de ensino; e, mais para o final da década, a Paulo/Centro de Memória-UNICAMP (CMU-UNICAMP).
penetração do ideário escolanovista.
Cabe registrar, além da reforma paulista de 1920: a reforma cearense,
em 1922, encabeçada por Lourenço Filho; no Paraná a reforma de
Lysimaco Ferreira da Costa e Prieto Martinez, em 1923; a reforma de José
Augusto iniciada em 1924 no Rio Grande do Norte; a reforma baiana,
dirigida por Anísio Teixeira em 1925, que, segundo Nagle (1974, pp. 194-
195), fecha o primeiro ciclo das reformas da década de 1920, representando
“a consolidação das normas já estabelecidas”. Após essa reforma, abre-se
um novo ciclo marcado pela introdução mais sistemática das ideias
renovadoras: a reforma mineira de 1927, realizada por Francisco Campos e
Padroado é a outorga, pela Igreja de Roma, de um certo grau de controles sobre a Igreja
local ou nacional, a um administrador civil, em apreço de seu zelo, dedicação e esforços para
difundir a religião e como estímulo para futuras “boas obras”. De certo modo o espírito do
Padroado pode ser assim resumido: aquilo que é construído pelo administrador pode ser
controlado por ele. O sistema de Padroado no Brasil foi constituído por uma série de Bulas
Papais por quatro Papas entre 1455 e 1515 [BRUNEAU, 1974, pp. 31-32].
12. AS IDEIAS PEDAGÓGICAS
Esse regime vigorou até o final do Império, já que foi renovado, em
REPUBLICANAS: POSITIVISMO E LAICISMO 1827, pela Bula Praeclara Portugalliae, de Leão XII, que concedeu a Dom
Pedro I “o reconhecimento formal dos tradicionais poderes do Padroado
para si, inaugurando o ‘padroado régio’ ou ‘regalismo’ no Brasil” (CASALI,
Em suma, as primeiras décadas do século XX caracterizaram-se pelo 1995, p. 61).
debate das ideias liberais sobre cuja base se advogou a extensão universal,
É verdade que, do ponto de vista da moral e dos costumes, assim como
por meio do Estado, do processo de escolarização considerado o grande
das práticas políticas e sociais, de modo especial da parte das elites, a
instrumento de participação política. É, pois, a ideia central da vertente
concepção de vida disseminada durante a vigência do padroado resultava
leiga da concepção tradicional, isto é, a transformação, pela escola, dos
bastante laicizada, secularizada, distanciando-se e, mesmo, entrando em
indivíduos ignorantes em cidadãos esclarecidos, que esteve na base do
conflito com os cânones oficiais esposados pela Igreja romana. Mas a
movimento denominado por Nagle (1974) de “entusiasmo pela educação”,
concepção que se procurava incutir na população, de modo geral, e, em
o qual atingiu seu ponto culminante na efervescente década de 1920. Mas é
consequência, as ideias pedagógicas que conformavam as escolas em que se
nessa mesma década que a versão tradicional da pedagogia liberal foi
concretizava a então denominada instrução pública continuavam
suplantada pela versão moderna. A concepção humanista moderna de
impregnadas da visão católica. Assim, podemos considerar que a
filosofia da educação ganhou impulso no Brasil especialmente a partir da
hegemonia católica no campo da educação não chegou a ser abalada nem
criação da Associação Brasileira de Educação (ABE) em 1924, por
mesmo quando se agudizavam os conflitos entre as elites, bafejadas pelo
iniciativa de Heitor Lyra, que, evidentemente, pensou em uma entidade
ideário iluminista, e o clero, assim como entre o clero secular, sujeito ao
ampla, capaz de congregar todas as pessoas, de várias tendências, em torno
imperador pelo regime do padroado, e os ditames da Cúria Romana, como
da bandeira da educação. A ABE, no entanto, constituiu-se num espaço
se deu desde a ascensão de Pombal até o final do Império brasileiro.
propício em torno do qual se reuniram os adeptos das novas ideias
O avanço das ideias laicas associado ao regime do padroado
pedagógicas. Sua força revelou-se diretamente proporcional à sua
desembocou, no final do Império, numa crise de hegemonia cuja expressão
capacidade de organização. Em 1927 a ABE organizou a I Conferência
mais ruidosa foi a “questão religiosa”. Essa denominação reporta-se ao
Nacional de Educação, evento este que passou a ser promovido
episódio em que os bispos de Olinda, Dom Vital, e do Pará, Dom Antonio
regularmente nos anos seguintes.
de Macedo Costa, determinaram, em 17 de janeiro de 1873, que em suas
As ideias pedagógicas que predominaram no final do Império e que
dioceses “os maçons fossem afastados dos quadros das Irmandades, Ordens
conduziram à Proclamação da República também tiveram consequência
Terceiras e quaisquer Associações Religiosas” (CASALI, 1995, pp. 64-65).
importante no que se refere ao ensino religioso.
Recusando-se a acatar essa determinação, várias associações recorreram ao
Como já foi mencionado, o regime monárquico instalado após a imperador, que acolheu o recurso e, diante do não acatamento de sua
independência política adotou o catolicismo como religião oficial, sob a decisão, determinou, em 1874, a prisão dos bispos que foram julgados e
forma do padroado, assim definido por Bruneau: condenados pelo Supremo Tribunal a quatro anos de reclusão, sendo
anistiados depois de um ano.
Esse episódio pôs em evidência, para o clero, o conflito entre a
obediência ao imperador e a fidelidade à doutrina emanada do papado. O
contexto do conflito é dado pelo “bando de ideias novas”, na expressão de
Silvio Romero retomada por Cruz Costa (1967, pp. 97-102), representado
principalmente pelas correntes do liberalismo e do positivismo abraçadas
por parte significativa de nossas elites letradas formadas na Europa. E a 13. A REAÇÃO CATÓLICA
solução do conflito encaminhou-se na direção da dissolução do regime do
padroado, consumada pela separação entre Igreja e Estado ao ser
implantado o regime republicano em 1889, cuja consequência foi a A mobilização da Igreja expressou-se na forma de resistência ativa
exclusão do ensino religioso das escolas públicas. articulando dois aspectos: a pressão para o restabelecimento do ensino
religioso nas escolas públicas e a difusão de seu ideário pedagógico
Se, por um lado, esse desfecho pode ser considerado uma derrota para a
mediante a publicação de livros e artigos em revistas e jornais e, em
Igreja Católica, já que a privou das benesses de que gozava por sua
especial, na forma de livros didáticos para uso nas próprias escolas públicas
vinculação com o Estado, por outro lado ela se fortaleceu pela unidade de
assim como na formação de professores, para o que ela dispunha de suas
doutrina e pela autonomia de que passou a gozar diante do poder político.
próprias Escolas Normais.
Mas a exclusão do ensino religioso das escolas foi algo que a Igreja jamais
aceitou, o que a levou a mobilizar todas as suas forças para reverter esse Chamo essa mobilização de “resistência ativa” porque não se limitou a
estado de coisas. manifestar suas discordâncias, críticas e objeções, alertando para as
consequências negativas da situação então instaurada, o que lhe conferiria
um caráter passivo não indo além do exercício do direito de discordar. Para
além desse limite, o processo de mobilização da Igreja Católica preencheu
as duas condições que defini para caracterizar a resistência ativa, a saber: a)
quanto à forma, a exigência de que a resistência se manifeste não apenas
individualmente, mas por meio de organizações coletivas; b) quanto ao
conteúdo, a formulação de alternativas às medidas em vigor (SAVIANI, 2003,
pp. 235-236).
Essa estratégia foi acionada pela Igreja desde a Proclamação da
República. Com efeito, “a Pastoral dos bispos de 1890 afirma que a
República brasileira não iria seguir ‘os horrores da revolução francesa’. Da
tendência ateia desta seguiu-se a extinção da ‘religião nas escolas’” (CURY,
2001, p. 94). Essa pastoral, além de criticar as medidas laicizantes como a
precedência do casamento civil sobre o religioso, a laicização dos
cemitérios, a inelegibilidade dos clérigos, a exclusão dos religiosos do
direito de voto nas eleições e a proibição do ensino religioso nas escolas
públicas, estimula os católicos a participar da política dando forma à ideia
do Partido Católico. Como mostra Lustosa (1983), a Igreja participou
ativamente do processo político em todo o período republicano.
Mas foi a partir da década de 1920 que a estratégia da resistência ativa
foi acionada de forma mais efetiva.
Em 1921 foi fundada a revista A Ordem, que se converteu no principal
veículo de difusão das posições católicas. Seguiu-se uma série de iniciativas
encetadas sob inspiração do cardeal Leme, o grande líder do processo de
“rearmamento institucional da Igreja Católica” (MICELI, 1979, pp. 51-56). 14. AS IDEIAS PEDAGÓGICAS NÃO
Em 1922 foi criado o Centro Dom Vital, que significativamente recebeu o HEGEMÔNICAS
nome do bispo de Olinda e Recife, protagonista, ao lado de Dom Macedo
Costa, bispo de Belém, da “questão religiosa”. Ainda em 1922 fundou-se a
Confederação Católica, mais tarde transformada na Ação Católica Mas, se até agora foram examinadas as ideias pedagógicas pelo prisma
Brasileira. dos protagonistas com chances de vencer a luta pela hegemonia do campo
Gramsci havia registrado em suas notas do cárcere, no início dos anos educativo, não se pode ignorar a presença de outras correntes de ideias
de 1930: pedagógicas oriundas dos grupos socialmente não dominantes, elaboradas a
partir da perspectiva dos trabalhadores. Lancemos, pois, um olhar, ainda
A Igreja, na sua fase atual, em virtude do impulso proporcionado pelo Papa à Ação que breve, sobre as pedagogias do movimento operário que marcaram
Católica, não pode contentar-se apenas em formar padres; ela almeja permear o Estado […] e
para isto são necessários os leigos, é necessária uma concentração de cultura católica
presença ao longo da Primeira República.
representada por leigos. Muitas personalidades podem se tornar auxiliares mais preciosos da Em termos gerais, cabe observar que o desenvolvimento do movimento
administração etc., do que como cardeais ou bispos [GRAMSCI, 1976, p. 308]. operário nesse período se deu sob a égide das ideias socialistas, na década
de 1890, anarquistas (libertárias) nas duas primeiras décadas do século XX,
Assim, o Centro Dom Vital, entendido pelo cardeal Leme como “a e comunistas, na década de 1920.
maior afirmação da inteligência cristã em terras do Brasil” (CASALI, 1995, As ideias socialistas já vinham circulando no país desde a segunda
p. 119), foi criado como um órgão destinado a aglutinar intelectuais leigos metade do século XIX, portanto, ainda sob o regime monárquico e
que desempenhariam o papel de elite intelectual da restauração católica. escravocrata. Nesse momento surgiram jornais como O socialista da
Sua liderança foi exercida por Jackson de Figueiredo, que foi sucedido, ao Província do Rio de Janeiro, lançado em 1845, e livros como O socialista,
sobrevir sua morte prematura, em 1928, por Alceu Amoroso Lima, que de autoria do general José Abreu e Lima, publicado em Recife em 1855
assumiu a direção do centro tendo como assistente eclesiástico o padre (GHIRALDELLI JR., 1987, pp. 53-54). Essas ideias eram provenientes do
Leonel Franca.
movimento operário europeu, tendo por matriz teórica autores como Saint
Considerando a educação uma área estratégica, os católicos esmeraram- Simon, Fouriet, Owen e Proudhon. Após a queda da Comuna de Paris, para
se em organizar esse campo criando, a partir de 1928, nas diversas unidades escapar da perseguição na Europa, muitos communards tiveram de emigrar
da federação, Associações de Professores Católicos (APCs) que vieram a e vários deles vieram para a América Latina. Com o regime republicano,
ser aglutinadas na Confederação Católica Brasileira de Educação. abolido o trabalho escravo, começa a configurar-se uma classe proletária,
Com essa força organizativa, os católicos constituíram-se no principal esboçando-se um clima mais favorável para o surgimento de organizações
núcleo de ideias pedagógicas a resistir ao avanço das ideias novas, operárias de diferentes tipos. E a abertura para a participação popular na
disputando, palmo a palmo com os renovadores, herdeiros das ideias Assembleia Constituinte de 1891 enseja a criação de “partidos operários”
liberais laicas, a hegemonia do campo educacional no Brasil a partir dos em 1890, desembocando na fundação do Partido Socialista Brasileiro em
anos de 1930. 1902. Os vários partidos operários, partidos socialistas, centros socialistas
assumiram a defesa do ensino popular gratuito, laico e técnico-profissional.
Reivindicando o ensino público, criticavam a inoperância governamental no A partir dos anos de 1920, com o desenvolvimento da experiência
que se refere à instrução popular e fomentaram o surgimento de escolas soviética, a hegemonia do movimento operário foi transferindo-se dos
operárias e de bibliotecas populares. Mas não chegaram a explicitar mais libertários para os comunistas, haja vista que em 1922 é fundado o Partido
claramente a concepção pedagógica que deveria orientar os procedimentos Comunista Brasileiro (PCB) com a participação de um grupo de
de ensino. anarcossindicalistas. Aliás, os próprios anarquistas já vinham divulgando,
As ideias anarquistas no Brasil também remontam ao século XIX, por meio de seus órgãos de imprensa, as realizações da sociedade soviética
havendo o registro de publicações como Anarquista Fluminense, de 1835, e no campo educativo. O PCB, embora posto na ilegalidade no mesmo ano de
Grito Anarquial, de 1849. Surgiram, também, no ocaso do Império e início sua fundação, deu sequência à divulgação da experiência soviética e
da República, colônias anarquistas, entre as quais a mais famosa foi a procurou criar mecanismos de atuação para contornar a situação de
Colônia Cecília, que funcionou entre 1889 e 1894 por iniciativa de clandestinidade. Constituiu o bloco operário, que logo se ampliou para
imigrantes italianos, experiência descrita de forma poética em 1942 por incorporar também o campesinato, do que resultou o Bloco Operário-
Afonso Schmidt (1980). Os ideais libertários difundiram-se no Brasil na Camponês (BOC), convertido numa espécie de braço legal do PCB. Foi,
forma das correntes anarquista e anarcossindicalista. Aquela mais afeita aos com efeito, pela via do BOC que o partido pôde lançar candidatos para
meios literários e esta diretamente ligada ao movimento operário. Seus disputar postos eletivos. No que se refere à educação, o PCB posicionou-se
quadros provinham basicamente do fluxo imigratório e expressavam-se por em relação à política educacional, defendendo quatro pontos básicos: ajuda
meio da criação de um número crescente de jornais, revistas, sindicatos econômica às crianças pobres, fornecendo-lhes os meios (material didático,
livres e ligas operárias. A educação ocupava posição central no ideário roupa, alimentação e transporte) para viabilizar a frequência às escolas;
libertário e expressava-se num duplo e concomitante movimento: a crítica à abertura de escolas profissionais em continuidade às escolas primárias;
educação burguesa e a formulação da própria concepção pedagógica que se melhoria da situação do magistério primário; subvenção às bibliotecas
materializava na criação de escolas autônomas e autogeridas. No aspecto populares. Também se dedicou à educação política e formação de quadros.
crítico denunciavam o uso da escola como instrumento de sujeição dos Mas não chegou, propriamente, a explicitar sua concepção pedagógica.
trabalhadores por parte do Estado, da Igreja e dos partidos. No aspecto Provavelmente isso se deva às novas condições políticas vividas na década
propositivo os anarquistas no Brasil estudavam os autores libertários de 1920. Com efeito, a Revolução Soviética havia sido feita sob o
extraindo deles os principais conceitos educacionais como o de “educação pressuposto de que se tratava de um primeiro elo de uma revolução
integral”, oriundo da concepção de Robin, e “ensino racionalista”, proletária de caráter mundial, conforme o entendimento de Lênin. Isso
proveniente de Ferrer (GALLO & MORAES, 2005, pp. 89-91), e os traduziam e significava que, na sequência da Revolução Russa, outros países do
divulgavam na imprensa operária. Mas não ficavam apenas no estudo das Ocidente também enveredariam pela revolução proletária. E os olhos
ideias. Buscavam praticá-las por meio da criação de universidade popular, voltavam-se especialmente para a Alemanha, onde o movimento operário
centros de estudos sociais e escolas, como a Escola Libertária Germinal, era bastante forte. No entanto, após o fracasso das tentativas de revolução
criada em 1904, a Escola Social da Liga Operária de Campinas, em 1907, a no Ocidente (em 1922, na Itália e em 1923, na Alemanha), veio abaixo
Escola Livre 1º de Maio, em 1911, e as Escolas Modernas. Estas aquela expectativa. Lênin percebeu que o capitalismo se revitalizava e as
proliferaram de modo especial após a morte de Francisco Ferrer, inspirador condições da revolução no Ocidente mudavam de rumo. Essa situação
do método racionalista, executado em 1909 pelo governo espanhol pelo provocou a mudança da estratégia do movimento revolucionário, surgindo a
crime de professar ideias libertárias. Também no Brasil as Escolas tese do “socialismo num só país”. A orientação da III Internacional afastou,
Modernas foram alvo de perseguição, sendo fechadas pela polícia. A última então, a possibilidade de uma revolução proletária internacionalmente
delas teve suas portas fechadas em 1919. conduzida. Cada país deveria conduzir o seu processo revolucionário
segundo as peculiaridades próprias. A revolução adquiria, assim, um caráter
nacional. Essa orientação foi assumida pelo PCB na forma da participação
na revolução democrático-burguesa como condição prévia para se colocar,
no momento seguinte, a questão da revolução socialista. É nesse contexto
que o PCB se integra, por meio do BOC, no processo que desembocou na
Revolução de 1930.

1. O texto completo do Alvará de 28 de junho de 1759, acompanhado das “Instruções”, encontra-se


transcrito em Cardoso (2002, pp. 292-315) e, também, no volume Aula do Commercio,
publicado em 1982 pela Biblioteca Reprográfica Xerox, em comemoração ao bicentenário da
morte do Marquês de Pombal (MENDONÇA, 1982, pp. 209-213 e 467-495), estando o texto das
“Instruções” na forma de fac-símile. Nesse volume, organizado por Marcos Carneiro de
Mendonça, estão transcritos 83 documentos, sendo 58 em fac-símile.
2. Quadro organizado por Tereza M. R. F. L. Cardoso, a partir do anexo à Lei de 6 de novembro de
1772 (CARDOSO, 2002, p. 155).
3. Martim Francisco era um dos três irmãos Andradas, conhecidos como “a santíssima trindade”.
Os outros dois eram Antonio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva e José Bonifácio de
Andrada e Silva, o Patriarca da Independência.
4. Em uma trilogia publicada em 2000, Luiz Antônio Cunha reconstrói a história do ensino
profissional no Brasil desde as origens até os dias atuais. Para os períodos colonial e imperial,
ver L. A. Cunha, O ensino de ofícios artesanais e manufatureiros no Brasil escravocrata, São
Paulo, Editora da UNESP, 2000a.
UNIDADE IV

A República e a Educação no Brasil

RELAÇÃO DE TEXTOS AUTORES:


TEXTO 1- História da Educação no Brasil: a escola pública no processo
de democratização da sociedade - Marisa Bittar & Mariluce Bittar.
TEXTO 2- A institucionalização dos grupos escolares no Maranhão -
Diana Rocha da Silva.
TEXTO 3- Escola Normal: Uma instituição tardia no Maranhão -
Diomar das Graças Motta & Iran de Maria Leitão Nunes.
TEXTO 4 - A escritora Maria Firmina dos Reis: história e memória de
uma professora no Maranhão do século XI - Carla Sampaio dos Santos

RESUMO:

 A Organização da educação nas primeiras décadas


republicanas;
 Modelos de Escola: primária, normal, secundária,
profissional e ensino superior;
 Higienismo, eugenia na organização da escola
republicana;
 As Leis Orgânicas e as Reformas Educacionais;As
reformas da Instrução Pública Maranhense:
- O ensino Normal
- O ensino primário
- O ensino secundário
- O ensino superior
Acta Scientiarum
http://www.uem.br/acta TEXTO 11
ISSN printed: 1806-2636
ISSN on-line: 1807-8672
Doi: 10.4025/actascieduc.v34i2.17497

História da Educação no Brasil: a escola pública no processo de


democratização da sociedade
Marisa Bittar1* e Mariluce Bittar2
1
Departamento de Educação, Centro de Educação e Ciências Humanas, Universidade Federal de São Carlos, Via Washington Luis, km 235,
13565-905, São Carlos, São Paulo, Brasil. 2Programa de Pós-graduação em Educação, Universidade Católica Dom Bosco, Campo Grande, Mato
Grosso do Sul, Brasil. *Autor para correspondência. E-mail: bittar@ufscar.br

RESUMO. Analisam-se neste artigo aspectos da história da Educação no Brasil relacionados à consolidação
da escola pública e às políticas educacionais. O período demarcado inicia-se com a década de 30 do século
XX, época em que a organização e implantação de um sistema escolar público no País tornou-se condição
sine qua non para o seu desenvolvimento socioeconômico, e se estende aos anos 2000 com a consolidação da
democracia e do Estado de Direito no Brasil. Foram utilizadas fontes documentais elaboradas por órgãos
governamentais e entidades científicas bem como a bibliografia produzida por pesquisadores da área. Os
dados mostram que ao longo do período houve expansão em todos os graus de ensino, contudo, continuam
persistindo traços de elitismo e exclusão. Além disso, verifica-se contraste entre a qualidade da Pós-
Graduação e a da escola pública, que não tem cumprido a sua função essencial. Tais conclusões evidenciam
a necessidade de resolução desses problemas a fim de que se avance na própria democracia no País.
Palavras-chave: história da educação brasileira, escola pública, democracia.

History of Education in Brazil: the public school in the process of democratization of society
ABSTRACT. This paper analyzes aspects of the history of education in Brazil related to the consolidation
of public schools and educational policies. The period marked begins with the 1930s, a time when the
organization and implementation of a public school system in the country has become a condition for the
socio-economic development, and extends to the 2000s with the consolidation of democracy and the rule
of law in Brazil. It is based on documentary sources developed by governmental and scientific
organizations and the literature produced by researchers. The data show that over the period there was an
increase in all levels of education, however, continues to persist traces of elitism and exclusion. Moreover,
there is contrast between the quality of graduate and public school, which has failed its essential function.
These findings highlight the need to solve these problems in order to advance democracy in the country.
Keywords: history of brazilian education, public school, democracy.

Introdução de educação no País exigiu um forte sistema de


pesquisa e pós-graduação, construído ao longo das
Analisam-se, neste artigo1, aspectos da história da
últimas quatro décadas, que o elevou a uma posição
Educação no Brasil e a consolidação da escola
de referência na América Latina, projetando-o no
pública, bem como os vínculos com a política
cenário mundial.
educacional, no período de 1930, quando a
Com a finalidade de relacionar a construção da
necessidade de organização e de implantação de um
escola pública ao processo político do século XX,
sistema público educacional no País tornou-se
condição sine qua non para o seu desenvolvimento marcado por ditaduras, e o seu papel na
socioeconômico, até os anos 2000, período em que democratização da sociedade brasileira, utilizou-se
se consolida a democracia e o Estado de Direito no um amplo leque de fontes documentais, desde as
Brasil. Nesse percurso histórico, discute-se também elaboradas por órgãos governamentais às produzidas
de que forma a consolidação de um sistema público por entidades científicas da área, como também a
bibliografia elaborada pela pesquisa em Educação
1
Parte das considerações elaboradas neste artigo resulta da pesquisa Brasileira nessas últimas décadas.
internacional desenvolvida por pesquisadores do Brasil, Argentina, Chile, México,
Paraguai e Uruguai, denominada Red Academica Conocimiento y Política
O texto está organizado em três partes: na
Educativa en America Latina. O capítulo intitulado ‘Producción de Conocimiento primeira, analisam-se as disputas ideológicas das
y Política Educativa en América Latina – la experiencia brasilera’, elaborado por
Mariluce Bittar, Marisa Bittar e Marília Morosini, integra o livro Investigación décadas de 30 a 60 do século XX e as reformas
educativa y política en América Latina, organizado por Palamidessi, Gorostiaga e
Suasnäbar, 2012. educacionais que marcaram o período; na segunda,
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158 Bittar e Bittar

examina-se a expansão da escola pública no período Essa disputa ideológica atravessou décadas e
da Ditadura Militar (1964-1985); na terceira, os anos reformas educacionais sem que o poder público
da redemocratização e as políticas educacionais de brasileiro edificasse um sistema nacional de escolas
caráter neoliberal. públicas para todos.
De fato, durante o período de 1930 a 1964,
As reformas educacionais brasileiras no contexto ocorreram várias reformas educacionais no Brasil
das disputas ideológicas durante as décadas de 30 a sem que fosse resolvido o secular problema do
60 do século XX analfabetismo e da garantia de pelo menos quatro
Nas décadas compreendidas entre 1930 e 1960, o anos de escolaridade para todas as crianças, fato que
Brasil passou por mudanças estruturais que evidencia a forma como o Estado Nacional conduziu
incidiram diretamente sobre a construção de um a política educacional da época. Para se compreender
sistema nacional de educação pública. No plano esse aspecto das políticas públicas no Brasil, é
estrutural, o País passava por uma transição necessário evocar a Revolução de 19302, que passou
caracterizada pela aceleração do modo capitalista de a edificar o Estado burguês adotando medidas
produção, o que ocasionou transformações centralizadoras que garantissem a unidade nacional e
superestruturais, notadamente no aparelho escolar. a sua presença em setores estratégicos, como na
Em termos políticos, o período está compreendido supremacia sobre o próprio território. Foi nesse
entre dois processos vinculados à transição de um contexto que logo após a ascensão de Getúlio Vargas
modelo econômico agrário-exportador para ao poder, em 1930, criou-se o Ministério da
industrial-urbano: a Revolução de 1930 e o golpe de Educação e Saúde Pública, chefiado por Francisco
Estado de 1964. Campos, que implantou a Reforma de 1931,
No período de 1930 a 1964, rivalizaram-se dois precedida por um pedido de Vargas aos educadores
projetos de nação para o Brasil. O nacional- reunidos na IV Conferência da Associação Brasileira
populista, cuja gênese reportava-se a Getúlio Vargas de Educação (ABE) para que fornecessem ao
e que agregou setores progressistas da sociedade governo ‘o sentido pedagógico da revolução’.
brasileira, defendia a industrialização do País à base A Reforma Francisco Campos, como ficou conhecida,
do esforço nacional, sem comprometer a sua teve como diferencial a criação, pelo menos em lei, de
soberania. Por ter nascido reconhecendo que a um Sistema Nacional de Educação, além de ter criado
questão social não era caso de polícia, mas de o Conselho Nacional de Educação, órgão consultivo
política, o projeto getulista contou com apoio dos máximo para assessorar o Ministério da Educação. O
trabalhadores. Por sua vez, o projeto das oligarquias texto da Reforma determinou que o ensino
tradicionais, ligadas ao setor agrário exportador, secundário ficasse organizado em dois ciclos: o
previa o desenvolvimento econômico subordinado à fundamental, de cinco anos, e o complementar, de
liderança dos Estados Unidos da América e dois anos. Dessa forma, o ensino secundário
representava setores da elite política desalojada do compreendia a escolarização imediatamente
poder em 1930, especialmente os ligados à economia posterior aos quatro anos do ensino primário e tinha
cafeeira paulista. A polarização ganhou fortes cores caráter altamente seletivo.
ideológicas oriundas do ambiente político A seletividade do ensino secundário e a
internacional, dominado pela disputa entre dois dicotomia entre ensino profissional e secundário
blocos, o capitalista e o socialista, de tal forma que a ficaram mantidas, favorecendo os filhos da elite. O
política nacional da época esteve marcada pelos primeiro ciclo, de cinco anos, tornou-se obrigatório
binômios esquerda x direita, conservadores x para ingresso no ensino superior; o segundo, de dois
progressistas. anos, em determinadas escolas. O ingresso ao
A educação, por exemplo, foi palco de superior devia guardar correspondência obrigatória
manifestações ideológicas acirradas, pois, desde com o ensino médio, o que também dificultava o
1932, interesses opostos vinham disputando espaço acesso ao ensino superior. A Reforma deixou
no cenário nacional: de um lado, a Igreja Católica e
setores conservadores pretendendo manter a 2
Em 1930, Getúlio Vargas liderou a revolução que pôs fim ao domínio da
oligarquia agrária representada por Minas Gerais e São Paulo e que governou o
hegemonia que mantinham historicamente na Brasil na primeira fase republicana (1889-1930). Dissidente da oligarquia
tradicional, Vargas partiu do Estado do Rio Grande do Sul e se pôs à frente do
condução da política nacional de educação; de outro, movimento tenentista que convulsionou o Brasil na década de 20, tendo
setores liberais, progressistas e até mesmo de desfecho vitorioso em 1930. Iniciou-se desde então a ‘era’ de Getúlio Vargas no
Brasil: a) de 1930 a 1934, governo provisório; b) de 1934 a 1937, governo eleito
esquerda, aderindo ao ideário da Escola Nova, pela Constituinte; c) de 1937 a 1945, “ditadura do Estado Novo”; e) de 1951 a
1954, eleito pelo voto direto. Vargas instituiu o populismo e iniciou a etapa da
propunham uma escola pública para todas as industrialização no Brasil, a qual, por sua vez, impulsionou a urbanização, e esta,
a pressão por educação. Em agosto de 1954, mergulhado em grave crise política
crianças e adolescentes dos sete aos 15 anos de idade. que almejava sua deposição, Getúlio Vargas cometeu suicídio.

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Educação Brasileira: de 1930 aos anos 2000 159

marginalizados o ensino primário, o Curso Normal uma conciliação de interesses no contexto dos
(formação de professores para atuar no primário) e conflitos político-ideológicos da época. No que diz
os vários ramos do ensino profissional, salvo o respeito ao debate educacional e à elaboração da
comercial. Constituição, esses conflitos ficaram explícitos entre
Aspecto inovador da Reforma Francisco Campos os renovadores (liberais partidários dos princípios da
foi ter empreendido a reforma do ensino superior, Escola Nova) e os defensores da educação privada,
prevista no Estatuto das Universidades Brasileiras no caso, representada pela Igreja Católica.
(BRASIL, 1931), que dispunha sobre a organização Com o golpe de Estado que instituiu a ditadura
do ensino superior e adotava o ‘regime de Vargas (1937-1945), uma nova Constituição, a de
universitário’, o qual previa a criação de 1937, foi adotada no Brasil, a qual, no aspecto da
universidades, organizadas de forma que pudessem educação, transformou em ação supletiva o que
criar ciência e transmiti-la, além de servir: antes era dever do Estado.
a) à pesquisa científica e à cultura desinteressada; b) à Durante a ditadura de oito anos, o governo
formação do professorado para as escolas primárias, editou uma das reformas mais duradouras do
secundárias, profissionais e superiores; c) à formação Sistema Educacional Brasileiro, as chamadas Leis
de profissionais em todas as profissões de base Orgânicas do Ensino, mais conhecidas como
científica; d) à vulgarização ou popularização Reforma Capanema (1942-1946). Esse conjunto das
científica literária e artística, por todos os meios de Leis Orgânicas do Ensino, editadas de 1942 a 1946,
extensão universitária (RIBEIRO, 1986, p. 102). estabeleceram o ensino técnico-profissional
A influência do movimento conhecido como (industrial, comercial, agrícola); mantiveram o
Escola Nova nessa Reforma é perceptível, pois caráter elitista do ensino secundário e incorporaram
incorporou uma reivindicação exposta no Manifesto um sistema paralelo oficial (Serviço Nacional de
dos Pioneiros da Educação Nova, de 19323, sobre a Aprendizagem Industrial (Senai) e o Serviço
criação de universidades, previstas como etapa da Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac)).
A Reforma Capanema incorporou também
escolaridade que acolhesse ‘os melhores’, isto é,
algumas reivindicações contidas no Manifesto de
aqueles dentre os que tivessem cursado a escola dos
1932, a saber: a) gratuidade e obrigatoriedade do
sete aos 15 anos e que demonstrassem talento para o
ensino primário; b) planejamento educacional
curso universitário. No âmbito da Reforma, mais
(Estados, territórios e Distrito Federal deveriam
especificamente no que preconizava o Estatuto das
organizar seus sistemas de ensino); c) recursos para
Universidades Brasileiras, foi organizada a o ensino primário (Fundo Nacional do Ensino
Universidade do Rio de Janeiro; em 1934, foi criada Primário) estipulando a contribuição dos Estados,
a Universidade de São Paulo (USP), com a Distrito Federal e dos municípios; d) referências à
participação de Fernando de Azevedo. carreira, remuneração, formação e normas para
Antes das mudanças que viriam a ocorrer em preenchimento de cargos do magistério e na
1937 foi promulgada a Constituição Brasileira de administração.
1934. Nela, o direito à educação, com o corolário da Durante os oito anos do ‘Estado Novo’, termo
gratuidade e da obrigatoriedade tomou forma legal, com o qual Vargas intitulou a sua ditadura, foram
além de ter declarado gratuito o ensino primário de criadas várias entidades e órgãos tanto na esfera da
quatro anos. A Carta de 1934 consagrou o princípio sociedade civil, quanto no âmbito da sociedade
do direito à educação, que deveria ser ministrada política em função de lutas específicas vinculadas às
‘pela família’ e ‘pelos poderes públicos’ e o princípio universidades, à área da educação, ou mesmo ao
da obrigatoriedade, incluindo entre as normas que movimento estudantil. Foi o caso da União Nacional
deviam ser obedecidas na elaboração do Plano de Estudantes (UNE), fundada em 1937, que
Nacional de Educação, o ensino primário gratuito e combateu a ditadura. Ao longo dos seus mais de
de frequência obrigatória, extensiva aos adultos, e a setenta anos de história, a UNE marcou presença na
tendência à gratuidade do ensino ulterior ao vida política, social e cultural do Brasil, como: a)
primário. Além disso, essa Constituição representou contra a Ditadura de Vargas (1937-1945) e a Ditadura
Militar (1964-1985); b) no movimento das ‘Diretas
3
Trata-se do texto conhecido como Manifesto de 1932, cujo título original é A Já’, no início dos anos 1980; c) na campanha do
reconstrução educacional no Brasil: ao povo e ao governo. Redigido por
Fernando de Azevedo, constituiu-se em um dos mais importantes documentos impeachment do presidente Fernando Collor de
da educação brasileira e representou a influência dos ideais da Escola Nova no
Brasil, polarizando com os ideais da escola tradicional e os interesses da Igreja
Mello, em 1992. Durante a década de 90, “[...] foi um
Católica. Foi assinado por 26 intelectuais liberais brasileiros, dentre os quais, o dos principais focos de resistência às privatizações e ao
mais importante para a área da educação foi Anísio Teixeira, e influenciou
largamente as ideias pedagógicas no Brasil. Em 2012, o Manifesto está neoliberalismo que marcou a Era FHC” (UNE,
completando 80 anos de existência e muitas das reivindicações ali contidas
permanecem atuais. 2012), ou seja, o período de 1995-2002.
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160 Bittar e Bittar

Em janeiro de 1937, mesmo ano de criação da Progresso da Ciência (SBPC), entidade científica
UNE, fundou-se o Instituto Nacional de Pedagogia integrada por pesquisadores de todas as áreas de
(INEP)4, que, atualmente, figura como um dos mais conhecimento, sobretudo físicos e engenheiros.
importantes órgãos de disseminação de informações Iniciou-se, desde então, a organização das primeiras
educacionais e trabalha por meio da constituição de reuniões anuais e a publicação da Revista Ciência e
Comissões de Especialistas designados entre os Cultura, ‘porta-voz da SBPC’. A Sociedade teve
pesquisadores da comunidade acadêmica, para papel importante ao longo desses mais de sessenta
contribuírem com a formulação das políticas anos de existência, especialmente no período de luta
educacionais e de implementação dos processos de contra a ditadura militar, reunindo uma diversidade
avaliação em todos os níveis educacionais. Com a de pesquisadores e associações científicas,
criação do INEP, iniciaram-se no País as bases para a destacando-se nas discussões sobre as políticas
o desenvolvimento de atividades de pesquisa e de científicas do País.
investigação na área da educação, mais tarde Os anos 1950 marcaram a criação de várias
implementadas pelos Centros Regionais de agências de fomento à pesquisa e à ciência
Pesquisa. brasileiras; iniciava-se, em 1951, um novo governo
Terminada a ditadura Vargas, fato que coincidiu de Getúlio Vargas, dessa vez eleito pelo povo. De
com o final da Segunda Guerra Mundial, o Brasil acordo com a sua plataforma nacionalista, a
editou a sua quarta Constituição republicana (1946), construção de uma nação desenvolvida e
que consagrou os direitos e garantias individuais e independente exigia uma política científica e de
assegurou a liberdade de pensamento. Demons- pesquisa para o País. Assim, no primeiro ano do
trando tendência progressista e aproximando-se da novo mandato, criou-se o Conselho Nacional de
Constituição de 1934 e dos princípios ‘do Manifesto Desenvolvimento Científico e Tecnológico
de 1932’, essa Constituição reafirmou o direito de (CNPq), vinculado ao Ministério de Ciência e
todos à educação, obrigatoriedade e gratuidade do Tecnologia, com a função de fomentar o
ensino primário. Esses princípios progressistas, no desenvolvimento científico e tecnológico no País.
entanto, não garantiram a universalização sequer da No mesmo ano, teve origem a Coordenação de
escola primária para todas as crianças brasileiras, ou Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
seja, a sequência de reformas que vimos, (Capes)5, que atualmente desenvolve atividades
especialmente nos seus aspectos mais democráticos, relacionadas: à
pouco saía do papel. Aliás, um traço recorrente das [...] avaliação da pós-graduação stricto sensu; ao acesso
políticas educacionais brasileiras: incorporação de e divulgação da produção científica; ao investimento
princípios democráticos que não chegam a ser postos na formação de recursos humanos de alto nível no
em prática. A Constituição de 1946, por outro lado, País e no exterior; à promoção da cooperação
previu, pela primeira vez, a elaboração de uma lei internacional (CAPES, 2012).
específica para a educação brasileira: a Lei de
No governo de Juscelino Kubitschek (1956-
Diretrizes e Bases da Educação (LDB), que viria a
1960), o País entrou de forma mais intensa na fase
ser aprovada apenas em 1961.
do nacional-desenvolvimentismo. Sob a influência
Antes, porém, no ano de 1948, no transcorrer do
dessa ideologia, foi criado o Instituto Superior de
governo Eurico Gaspar Dutra (1946-1950) e no
Estudos Brasileiros (ISEB), vinculado ao Ministério
contexto de manifestações nacionalistas e
da Educação e Cultura (MEC), reunindo “[...]
democráticas, foi criada a Sociedade Brasileira para o
intelectuais de distintas orientações teóricas e
ideológicas” (TOLEDO, 2005, p. 11)6, com o
4
O INEP passou por várias transformações, desde a sua criação. No início,
constituiu-se como o primeiro órgão do governo federal a estabelecer-se como
“[...] fonte primária de documentação e investigação, com atividades de 5
intercâmbio e assistência técnica”. Em 1944, criou a Revista Brasileira de No início, a Capes tinha como objetivo “[...] atender às necessidades dos
Estudos Pedagógicos (RBEP). Em 1952, sob a presidência de Anísio Teixeira, empreendimentos públicos e privados que visam ao desenvolvimento do País”.
priorizou o trabalho de pesquisa, “[…] como um meio de fundar em bases Além disso, a “[...] industrialização pesada e a complexidade da administração
científicas a reconstrução educacional do Brasil”. Nessa época, foram criados o pública trouxeram à tona a necessidade urgente de formação de especialistas e
Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE) e os Centros Regionais de pesquisadores nos mais diversos ramos de atividade: de cientistas qualificados
Pesquisa, que funcionaram como importantes centros de estudos e pesquisas em Física, Matemática e Química a técnicos em finanças e pesquisadores
educacionais em algumas regiões brasileiras, adquirindo projeção nacional e sociais”. A Capes passou por diversas mudanças, chegando a ser extinta no
internacional. Em 1981, lançou a Revista Em Aberto, para assessorar governo Fernando Collor de Mello, em 1990. Em 1992, ela se tornou Fundação
internamente o MEC, mas posteriormente passou a atender às necessidades de Pública e, em 1995, primeiro ano do governo de Fernando Henrique Cardoso,
“[...] professores e especialistas fora da estrutura do MEC”. Em 1985, retirou-se fortaleceu-se como “[...] instituição responsável pelo acompanhamento e
da função de fomento para retomar seu papel básico de suporte às decisões do avaliação dos cursos de pós-graduação stricto sensu brasileiros. Naquele ano, o
MEC. No governo de Fernando Collor de Mello (1990-1992), o INEP quase foi sistema de pós-graduação ultrapassou a marca dos mil cursos de Mestrado e
extinto, mas após essa fase, ainda no início dos anos 1990, “[...] atuou como dos 600 de Doutorado, envolvendo mais de 60 mil alunos” (CAPES, 2012, p. 3).
6
financiador de trabalhos acadêmicos voltados para a educação”. Após 1995, Para Caio Navarro de Toledo, o Instituto foi criado para servir de instrumento
tornou-se responsável pelos levantamentos estatísticos e pelas informações para uma ação eficaz no processo político do País. Reuniu intelectuais de
educacionais que efetivamente orientassem “[…] a formulação de políticas distintas convicções ideológicas, incluindo o marxismo, que acreditavam ser
educacionais do Ministério da Educação”. No governo de Luiz Inácio Lula da possível, por meio do debate e do confronto de ideias, formular um projeto
Silva, passou a denominar-se Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas ideológico comum para o Brasil. Em um contexto de polarização ideológica, o
Educacionais Anísio Teixeira (INEP, 2012, p. 5). nacional-desenvolvimentismo foi concebido como uma ideologia-síntese capaz

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Educação Brasileira: de 1930 aos anos 2000 161

objetivo de formular um projeto nacional para o No que se refere à estrutura do ensino, a Lei
País. O Instituto ficou conhecido por: manteve a herança da Reforma Capanema: pré-
primário; primário; médio, subdividido em dois
[…] oferecer cursos a oficiais das Forças Armadas,
empresários, sindicalistas, parlamentares, ciclos (técnico e secundário); superior. Daí afirmar-
funcionários públicos, burocratas e técnicos se que a Reforma Capanema teve caráter duradouro
governamentais, docentes universitários e do ensino que as outras reformas não tiveram.
médio, profissionais liberais, religiosos, estudantes, Depois de uma profusão de debates e com
etc. Distinguindo-se de uma instituição acadêmica instituições ativas na área da educação como a UNE,
foi, precipuamente, um centro de formação política INEP e SBPC, o Brasil chegou à década de 60 do
e ideológica, de orientação democrática e reformista século XX com quase 40% de analfabetismo, o que
(TOLEDO, 2005, p. 11).
evidencia a ineficiência das reformas, o seu caráter
Na última fase do ISEB, seus integrantes retórico e a omissão do Estado no cumprimento
procederam a uma revisão crítica das teses nacionais- efetivo das leis que ele próprio editara. Os números
desenvolvimentistas. De acordo com Caio Navarro expressam que pouco havia mudado: em 1940, a taxa
de Toledo, nessa revisão constatou-se que o, de analfabetismo no Brasil era de 56,0%; em 1950,
era de 50,5% e, em 1960, 39,35% (RIBEIRO, 1986).
[...] país cresceu economicamente – com a consolidação
do capitalismo industrial – mas não resolveu em
Em uma sociedade com quase a metade de sua
profundidade suas graves e históricas desigualdades população analfabeta, quem eram os alunos e quem
sociais e regionais (TOLEDO, 2005, p. 11). eram os professores? Os primeiros eram os que
conseguiam superar todos os obstáculos para chegar
No contexto político entre esquerda e direita, até à escola, uma vez que o Brasil era
nacionalistas versus entreguistas, no início dos anos predominantemente rural e escolas nas fazendas
1960, após 13 anos de conflitos ideológicos e de lutas eram raras. Esse era o mais forte obstáculo à
pela educação pública brasileira, foi aprovada a escolarização8. Urbanização e escolarização,
primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei portanto, são dois fenômenos que precisam ser
n. 4.024, de 1961)7, que incorporou os princípios do considerados conjuntamente na história do Brasil.
direito à educação, da obrigatoriedade escolar e da Diante da alta taxa de analfabetismo (39,35%) no
extensão da escolaridade obrigatória nos seguintes Brasil na década de 60, teve início a experiência de
termos: “A educação é direito de todos e será dada educação popular, dentre as quais se destacou o
no lar e na escola” (Artigo 2º); “O direito à educação método de alfabetização de adultos de Paulo Freire.
é assegurado pela obrigação do poder público e pela Com o apoio da União Nacional dos Estudantes
liberdade de iniciativa particular de ministrarem o (UNE) e de uma parte da Igreja Católica que aderiu
ensino em todos os graus, na forma da lei” (Artigo à Teologia da Libertação, o educador pernambucano
3º) (ROMANELLI, 1986, p. 176). começou a alfabetizar segundo a sua máxima: “[...]
O retrocesso dessa Lei em relação à Constituição educação como prática da liberdade” (FREIRE,
de 1946 foi ter estabelecido casos de isenção pelos 1978, p. 1). Coerente com essa teoria e com a sua
quais o Estado não era obrigado a garantir matrícula: compreensão do Brasil, Paulo Freire preconizava
que, ao enorme contingente que nunca pisara o chão
a) comprovado estado de pobreza do pai ou
de uma escola, não bastaria apenas alfabetizar com
responsável; b) insuficiência de escolas; c) matrícula
encerrada; d) doença ou anomalia grave da criança
métodos convencionais. Ao contrário, no processo
(ROMANELLI, 1986, p. 174). da alfabetização, ao mesmo tempo em que se deveria
fornecer aos adultos desescolarizados o instrumental
de levar o país – através da ação estatal (planejamento e intervenção
da escrita, seria necessário fornecer-lhes também as
econômica) e de uma ampla frente classista – à superação do atraso econômico- ferramentas para interpretar o mundo, ou melhor,
social e da alienação cultural (TOLEDO, 2005).
7
A primeira LDB do País tramitou no Congresso Nacional de 1948 a 1961. Na para ler o mundo. Contudo, a sua inovadora atuação,
primeira fase, de 1948 a 1958, o projeto apresentado pelo Ministro da Educação,
Clemente Mariani, foi alvo da polêmica centrada no aspecto da centralização ou
que no futuro seria reconhecida mundialmente, foi
da descentralização da Política Nacional de Educação. Nessa época, o deputado
federal Gustavo Capanema, do Partido Social Democrático (PSD), ex-Ministro da
interrompida em abril de 1964.
Educação, acusava o projeto de ser centralizador. Com hegemonia Essas características da educação brasileira,
conservadora no Congresso Nacional, em 1958 o deputado Carlos Lacerda, da
União Democrática Nacional (UDN), apresentou um substitutivo ao anteprojeto, herdeira de três séculos de escravidão e com as suas
deslocando o foco da discussão para a ‘liberdade de ensino’, rejeitando a
centralização e propondo que o Estado outorgasse igualdade de condições às
escolas de elite, trazem à mente as palavras de
escolas oficiais e particulares (ROMANELLI, 1986). Segundo alegava, o Estado
pretendia o monopólio sobre o ensino. Esses debates no Congresso Nacional
8
suscitaram, em 1959, o início da Campanha em Defesa da Escola Pública, Foi depois de 1930 que a demanda por escolarização começou a crescer no
liderada por Florestan Fernandes e Fernando de Azevedo, com centro na Brasil, como consequência do projeto econômico implantado pelo governo de
Universidade de São Paulo (USP). A Campanha insurgiu-se contra o substitutivo Getúlio Vargas, pautado na industrialização. Antes disso, vivendo a maioria da
de Carlos Lacerda. Ainda em 1959, foi publicado um Manifesto em favor da população na área rural, em um país recém-liberto da escravidão sem qualquer
escola pública, redigido por Fernando de Azevedo, que tratava do aspecto social política indenizatória ou compensatória, além de manter a estrutura agrária de
da educação e dos deveres do Estado democrático. produção, a necessidade de escolas era pouco percebida.

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162 Bittar e Bittar

Manacorda (1989, p. 41), para quem, desde que a universidade ao modelo econômico preconizado
sociedade se dividiu em dominantes e dominados, pelo regime, instituindo os departamentos, a
“[...] para as classes excluídas e oprimidas [...], matrícula por crédito e não mais em disciplinas, a
nenhuma escola”. extinção da cátedra, etc. Inspirada no princípio de
organização da universidade norte-americana, essa
A expansão da escola pública brasileira durante o Reforma, realizada em contexto de repressão
regime militar (1964-1985) política, de um lado, instituiu o modelo da eficiência
A política educacional da ditadura militar, e produtividade e, de outro, o controle sobre as
instituída em 1964, por meio de um golpe de atividades acadêmicas. A repressão se abateu
Estado9, provocou mudanças estruturais na história principalmente sobre o movimento estudantil
da escola pública brasileira. Para alguns, um fato organizado pela UNE, proibido de qualquer
paradoxal, pois, como se explica que exatamente manifestação de caráter político. Foram atingidos
durante um regime autoritário que prendeu, também os professores universitários e intelectuais
torturou e matou seus opositores, a escola pública que atuavam por uma reforma democrática da
tenha se expandido? A resposta deve ser buscada na universidade, que na época era acessível apenas a
própria base produtiva do modelo econômico uma pequena parcela da sociedade brasileira.
instaurado pelos governos militares. A consolidação A relação da Reforma Universitária com a escola
da sociedade urbano-industrial durante o regime pública encontra-se na conexão estabelecida entre os
militar transformou a escola pública brasileira cursos para formar professores e a facilitação da
porque na lógica que presidia o regime era expansão do ensino superior privado. Nesses cursos,
necessário um mínimo de escolaridade para que o muitos dos quais noturnos, começaram a ser
País ingressasse na fase do “Brasil potência”, titulados os novos professores para a escola pública
conforme veiculavam slogans da ditadura. Sem brasileira. Outra consequência da política
escolas isto não seria possível. Entretanto, a expansão educacional da ditadura militar consistiu na
quantitativa não veio aliada a uma escola cujo padrão formação de uma nova categoria docente que veio a
intelectual fosse aceitável. Pelo contrário: a expansão substituir aquela que até então era formada nas
se fez acompanhada pelo rebaixamento da qualidade poucas instituições universitárias ou nos Cursos
de ensino, segundo a maioria dos estudiosos. É Normais. Desse novo contexto, nasceu uma
imperioso constatar, porém, que a expansão, em si categoria massiva que, pela condição de vida e de
mesma, foi um dado de qualidade, pois se qualidade trabalho a que seria submetida, logo iria se organizar
e quantidade são duas categorias filosóficas que não em sindicatos, um fenômeno típico do novo
se separam, o fato de as camadas populares professorado e inteiramente distinto do perfil dos
adentrarem pela primeira vez em grande quantidade professores brasileiros até a década de 60.
na escola pública brasileira constituiu-se em um dos Tendo feito a Reforma ‘antes que outros a
elementos qualitativos dessa escola. Em outras fizessem’, expressão que indicava o temor dos
palavras: se no passado a escola pública brasileira era militares quanto à força do movimento estudantil da
tida como de excelente qualidade, não se pode época, a ditadura militar editou também a reforma
esquecer que essa qualidade implicava na exclusão da do ensino fundamental conhecida como Lei n.
maioria. 5.692, de 1971, transformando o antigo curso
A ditadura militar, ancorada no pensamento primário, de quatro anos, e o ginásio, também de
tecnocrático e autoritário que acentuou o papel da quatro anos, em oito anos de escolaridade
escola como aparelho ideológico de Estado, editou obrigatória mantida pelo Estado, isto é, o ensino de
um rol de medidas consubstanciadas, basicamente, primeiro grau que duplicou os anos de escolaridade
em duas reformas educacionais que mudaram a face obrigatória.
da educação brasileira. A primeira delas foi a Com essa reforma, o regime militar pretendeu
Reforma Universitária10, de 1968, que adequou a conferir um novo caráter ao segundo grau de ensino.
Com o propósito de lhe conferir caráter terminal e de
9
Esse golpe destituiu, em 31 de março de 1964, o governo do presidente eleito
diminuir a demanda sobre o ensino superior, a reforma
João Goulart, filiado politicamente ao nacional-populismo. Durante o período imprimiu-lhe o carimbo de ‘profissionalizante’, ou seja,
decorrido após 1930, as forças políticas predominantes no Brasil se dividiram
entre os que apoiavam o projeto político-econômico nacional-populista, como acabava-se com o ensino médio de caráter formativo,
trabalhadores e setores da classe média, e os conservadores, como
latifundiários e oligarquias tradicionais. Quando a conjuntura internacional se
polarizou em consequência da Guerra Fria, no período após 1945, essas forças porque o movimento estudantil estava mobilizado exigindo a democratização da
à direita, alegando que o Brasil caminhava para o comunismo, tramaram o golpe universidade brasileira desde o pré-64 e o governo militar pretendia calar a sua
de Estado que acabou sendo desfechado pelo Exército, colocando fim ao voz. No entanto, embora realizada pelo Estado autoritário, acabou incorporando
nacional-populismo e subordinando o País à política norte-americana. algumas reivindicações do período anterior à ditadura. Essa Reforma mudou a
10
A Reforma Universitária (Lei n. 5.540/1968) foi consequência do trabalho de face do ensino superior no Brasil, instituindo a indissociabilidade entre ensino,
um grupo de especialistas, atendendo a uma determinação do general Arthur da pesquisa e a pós-graduação no âmbito universitário, além de ter aberto caminho
Costa e Silva, então presidente do Brasil, e foi realizada em curto prazo. Isso para a expansão do ensino privado.

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Educação Brasileira: de 1930 aos anos 2000 163

com base humanística, para fornecer ‘uma profissão’ alfabetização, dentre as quais a do Movimento
aos jovens que não pudessem ingressar na Brasileiro de Alfabetização (Mobral), um verdadeiro
universidade. fracasso. O pior, porém, foi o fato de que os
Quanto ao ensino de primeiro grau de oito anos, governos que sucederam a ditadura também não
a expansão física das escolas foi uma característica resolveram esse problema. Além disso, por não ter
dos 21 anos de ditadura. Mas que escola era essa? cumprido a universalização da escola básica, tarefa
Sem dúvida, a das crianças das camadas populares; a realizada pela maioria dos países ocidentais na
escola em que funcionava o turno intermediário, passagem do século XIX para o XX, o Brasil
com pouco mais de três horas de permanência na ingressou no século XXI com essa vergonhosa
sala de aula, mal aparelhada, mal mobiliada, sem herança11.
biblioteca, precariamente construída, aquela em que Em termos de políticas de desenvolvimento
os professores recebiam salários cada vez mais científico e tecnológico, é importante registrar a
incompatíveis com a sua jornada de trabalho e com a criação, no início da década de 60, da Fundação de
sua titulação. A escola na qual era obrigatória a Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
Educação Moral e Cívica, disciplina de caráter (Fapesp)12, a primeira de uma série de fundações
doutrinário, que além de justificar a existência dos estaduais de apoio à pesquisa que foram sendo
governos militares, veiculava ideias preconceituosas criadas nos Estados brasileiros, com o objetivo de
fomentar a pesquisa científica e tecnológica no País,
sobre a formação histórica brasileira, e na qual o
bem como a criação dos programas de pós-
ensino da Língua Portuguesa, da História, da
graduação stricto sensu. No final dos anos 1960,
Geografia e das Artes ficou desvalorizado.
observa-se também o crescimento das Reuniões
Quanto à expansão quantitativa de matrículas nas
Anuais da SBPC e os embates de cientistas e
escolas públicas, alguns dados mostram o que
intelectuais contrários à ditadura. Nos anos 1970, a
ocorreu após a Reforma de 1971. Em 1950, apenas
SBPC incorporou cientistas das áreas das Ciências
36,2% das crianças de 7 a 14 anos de idade tinham
Humanas e Sociais e na segunda metade da década
acesso à escola. Em 1989, os dados indicavam
de 1980, participou ativamente da transição
27.557.492 matrículas no ensino de primeiro grau
democrática, transformando-se em um “[...] fórum
público ante 3.442.934 no privado. Em 1990, eram
de discussão de políticas públicas para o país”
88% (GOLDEMBERG, 1993). O Censo Escolar de
(SBPC, 2012, p. 2).
1991-2002 registrou 35.150.362 de matrículas no
No campo da pesquisa em Ciências Humanas e
ensino de primeiro grau, e desse montante apenas
Sociais, foram criadas, em 1976 e 1977,
3.234.777 estavam na rede privada (CENSO
respectivamente, a Associação Nacional de Pós-
ESCOLAR, 2003). O ensino de segundo grau, por Graduação e Pesquisa em Educação (Anped)13 e a
sua vez, em 1960, registrava 1.177.427 alunos Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa
matriculados (ROMANELLI, 1986). Em 2002, o em Ciências Sociais (Anpocs), que desempenharam
Censo Escolar (2003) indicava 8.710.584 de alunos papel importante no enfrentamento à ditadura
matriculados nesse nível de ensino, dos quais 1.122. militar, bem como na organização dos Programas de
970 na rede privada. Apesar desses avanços Pós-Graduação em Educação e em Ciências Sociais,
quantitativos, a disparidade de matrículas entre um reunindo pesquisadores de todo o Brasil e sendo
grau e outro persistia e um grave problema não foi fundamentais no processo de redemocratização da
equacionado: o analfabetismo. Dados da Pesquisa sociedade brasileira e da consolidação da pesquisa no
Nacional por Amostragem de Domicílios (PNAD), País.
de 2003, evidenciaram que, No final da década de 80, no contexto da
[...] 10,6% dos brasileiros com dez anos ou mais de Assembleia Nacional Constituinte, após intenso
idade declararam-se incapazes de ler e escrever. Esse
número vem caindo ano a ano, independentemente 11
A situação do professorado brasileiro se deteriorou fortemente desde o arrocho
de qualquer campanha, pelo simples fato de que a salarial imposto pelo regime e depois foi seguido de empobrecimento crescente
após o fim da ditadura. Na década de 90, a crise se aprofundou, pois “[...] uma
maioria dos analfabetos no Brasil são idosos. Aos 14 parte dos professores públicos aderiu a planos neoliberais de demissão
voluntária, além de levas que abandonaram em massa a profissão pela
anos, o analfabetismo no Brasil se limita a 2% da impossibilidade de subsistirem do seu próprio trabalho” (FERREIRA JÚNIOR.;
faixa etária, e o total cai naturalmente à medida que BITTAR, 2006, p. 80).
12
vão minguando as gerações mais antigas Outras Fundações de Pesquisa de maior expressão nacional são a Fundação
de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (Fapergs), de 1964; a
(SCHWARTZMAN, 2005, p. 41). Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), criada
em 1980, e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais
Os dados indicam que o método de alfabetização (Fapemig), criada em 1985.
13
A Anped (2012) organiza-se por meio de 24 Grupos de Trabalho (GTs) fixos e
de adultos criado por Paulo Freire foi interrompido comporta em sua estrutura o Fórum Nacional de Coordenadores de Programas
de Pós-Graduação em Educação. Além disso, mantém um periódico
pela ditadura, que instituiu caríssimas campanhas de internacional, a Revista Brasileira de Educação (RBE).

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164 Bittar e Bittar

processo de discussão e organização dos mais ensino médio, investimento muito abaixo do valor
variados segmentos da sociedade política e da investido por muitos países desenvolvidos e em
sociedade civil, o Brasil promulgou a sua nova desenvolvimento (WREFORD, 2003, p. 17)14.
Constituição (1988). Denominada de ‘Constituição c) a dedicação, o “[...] talento dos indivíduos que
Cidadã’, a nova Carta Magna brasileira define em conheci nas redes municipal e estadual, em todos os
seu artigo 208 que o dever do Estado com a níveis, e nos sindicatos. “Conheci pessoas que
educação será efetivado mediante a garantia de enfrentam grandes desafios no compromisso de
‘ensino fundamental obrigatório e gratuito’, melhorar o sistema”( WREFORD, 2003, p. 6). Ela
considerado ‘direito público subjetivo’. A efetivação concluiu o seu relatório anotando:
desse direito, um avanço em termos de políticas
As crianças e jovens que conheci nesta vasta, violenta
públicas educacionais, proporcionou mudanças
e caótica periferia são acolhedores, inteligentes e
importantes na educação pública brasileira, a seguir generosos. São um recurso de que o Brasil precisa
analisadas. cuidar. Eles merecem melhores oportunidades
(WREFORD, 2003, p. 17).
A redemocratização e as políticas educacionais de
caráter neoliberal Muito do que está registrado nesse Relatório é
herança da política educacional da ditadura militar.
Conforme análises anteriores, o período dos Mas não só, pois na década de 90, especialmente
governos militares empreendeu a expansão desde os dois governos de Fernando Henrique
quantitativa da escola que, por sua vez, não veio Cardoso (PSDB, 1995-1998 e 1999-2002), com a
acompanhada das condições indispensáveis para adoção de medidas neoliberais no âmbito do
propiciar a aprendizagem aos alunos e para cumprir, capitalismo globalizado, a escola pública brasileira
portanto, a sua função essencial. Terminada a continuou se expandindo quantitativamente, mas a
ditadura militar, os governos que se seguiram não ineficiência do ensino tem sido constatada pelas
cumpriram essa tarefa de interesse nacional. Uma
avaliações de desempenho adotadas pelo Estado
ideia da situação pode ser obtida observando-se
desde então.
trechos do Relatório intitulado Um ensino que tem
Quanto à transição política que marcou o fim da
muito a aprender, elaborado por Jane Wreford, da
ditadura militar no Brasil, ela manteve traços mais
Comissão de Auditoria da Inglaterra, que, a pedido
do Instituto Fernand Braudel, passou um mês conservadores do que de mudança. A eleição de um
visitando escolas públicas paulistas na Grande São presidente de direita, Fernando Collor de Mello
Paulo, em 2002. (PRN, 1990-1992), depois de vinte e um anos de
Além de registrar problemas sobre a didática dos ditadura e de lutas democráticas que forjaram
professores, a falta de foco individual no aluno lideranças progressistas e de esquerda no cenário
devido à alta carga horária de trabalho, bem como o nacional brasileiro, evidencia que a transição para a
grande número de faltas, a rotatividade e os baixos democracia transcorreu de forma conservadora,
salários, Jane Wreford acrescentou que nas duas mantendo traços estruturais da formação histórica
aulas de Geografia a que assistiu, não havia sequer brasileira. O fato é mais significativo ainda porque o
mapas à disposição. As bibliotecas, com uma única derrotado nessas primeiras eleições diretas para
exceção, estavam trancadas. Embora Física, Química presidente (1989) foi Luiz Inácio Lula da Silva, cujo
e Biologia fossem disciplinas do currículo, os partido (PT) estava em franca ascensão junto aos
laboratórios eram raros. Nas salas de aula do ensino movimentos populares. Por seu lado, envolvido em
fundamental, exceto uma, não havia livros de escândalo de corrupção, Fernando Collor de Mello
leituras para diferentes graus de habilidade, nem não terminou o mandato.
mesmo simples livros de histórias. Os dois governos de Fernando Henrique
Quanto aos pontos positivos, ela realçou: a) a Cardoso adotaram medidas que expandiram as
merenda, “[...] um grande sucesso, gratuita e matrículas na escola pública15, mas diminuíram o
apetitosa, preparada na hora, com ingredientes
frescos e de alta qualidade” (WREFORD, 2003, p. 14
Em abril de 2002, segundo dados da Secretaria de Estado da Educação de
5), tornando as refeições “[...] melhores do que na São Paulo, citados no Relatório de Jane Wreford, as despesas anuais por aluno,
em todo o sistema, eram de 500 dólares. Os Estados do Nordeste gastavam
maioria das escolas britânicas”( WREFORD, 2003, menos que 150 dólares por aluno.
p. 5); b) o apoio financeiro, que aumentou “[...] nos 15
A universalização da escola pública brasileira recebeu impulso no governo de
Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), especialmente no ensino fundamental
últimos 15 anos” (WREFORD, 2003, p. 4), embora que, em 2004, apresentava 94,4% de Taxa de Escolarização Líquida. Esse
registrando o pouco que se gasta por aluno: porcentual se deve em grande parte à Constituição Brasileira de 1988 e à atual
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), n. 9.394/1996, que
instituiu dois níveis de ensino: a) Educação Básica, formada pela Educação
O Brasil gasta apenas 14% do PIB per capita para cada Infantil (zero a seis anos), Ensino Fundamental (7 a 14 anos) e Ensino Médio (15
aluno da escola fundamental e 16% por aluno do a 17 anos); b) Educação Superior. Para Oliveira (2007, p. 674), a LDB contribuiu
para essa universalização, “[...] ao explicitar a possibilidade de adoção de

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Educação Brasileira: de 1930 aos anos 2000 165

papel do Estado na educação superior ocasionando ensino que o País ostenta a menor taxa de
estagnação das universidades públicas além de Escolarização Líquida, isto é, apenas 13% dos jovens
aposentadorias precoces de professores que as de 18 a 24 anos frequentavam um curso superior em
deixaram para atuar nas universidades privadas, fato 2007 (IPEA, 2008). Esse sistema revela também que,
que prejudicou, principalmente, as universidades apesar de a Constituição Brasileira de 1988 exigir
públicas federais. Uma das principais medidas que as universidades sejam pautadas na
educacionais de seu governo foi desencadear o indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão,
processo de elaboração da nova Lei de Diretrizes e apenas 8% das IES que compõem o sistema são
Bases da Educação (LDB), prevista na Constituição caracterizadas como tal, ou seja, 92% do Sistema de
Brasileira de 1988. Para Bittar, Oliveira e Morosini Educação Superior no Brasil é constituída por
(2008), a aprovação dessa Lei, após oito anos de Faculdades, Centros Universitários, Escolas Isoladas,
intensos debates no Congresso Nacional: entre outros tipos de instituições, que não são
obrigadas a desenvolver políticas de pesquisa e de
[...] constituiu-se em um marco histórico pós-graduação stricto sensu. Resta, portanto, aos 8%
importante na educação brasileira, uma vez que esta caracterizados como ‘universidades’, o oferecimento
lei reestruturou a educação escolar, reformulando os
da pesquisa e da pós-graduação; isto significa que a
diferentes níveis e modalidades da educação. [...]
possibilidade do desenvolvimento da ciência, da
desencadeou um processo de implementação de
reformas, políticas e ações educacionais [...] em vez tecnologia e do avanço do conhecimento não se
de frear o processo expansionista privado e redefinir estende a todo o sistema.
os rumos da educação superior, contribuiu para que No que diz respeito ao período conhecido como
acontecesse exatamente o contrário: ampliou e ‘era FHC’, a SBPC (2012, p. 3) entendeu que houve
instituiu um sistema diversificado e diferenciado, “[...] uma tentativa de desmonte do sistema de ciência e
por meio, sobretudo, dos mecanismos de acesso, da tecnologia e da pós-graduação”, mediante as políticas
organização acadêmica e dos cursos ofertados. Nesse de privatização, flexibilização e desresponsabilização
contexto, criou os chamados cursos seqüenciais e os
implementadas pelo Estado, em consonância com as
centros universitários; instituiu a figura das
universidades especializadas por campo do saber; orientações emanadas dos organismos multilaterais.
implantou Centros de Educação Tecnológica; Esse processo de expansão e privatização
substituiu o vestibular por processos seletivos; orientado pela lógica de que ao Estado caberia
acabou com os currículos mínimos e flexibilizou os regular o sistema, instituiu-se um sistema complexo
currículos; criou os cursos de tecnologia e os de avaliação de todos os níveis de ensino
institutos superiores de educação, entre outras aumentando o seu controle com a intenção de
alterações (BITTAR; OLIVEIRA; MOROSINI, melhorar a qualidade da educação oferecida, o que,
2008, p. 10-11).
entretanto, não aconteceu. A política de avaliação
Um dos efeitos das reformas educacionais sistemática que passou a ser praticada pelo
instituídas no governo de Fernando Henrique Ministério da Educação, por meio do INEP,
Cardoso foi a intensificação do processo de possibilitou o conhecimento de dados dos Censos da
privatização da educação superior brasileira. Iniciada Educação Básica e da Educação Superior e a
nos anos da ditadura militar, especialmente após a constatação de que os níveis de aprendizagem no
Reforma Universitária de 1968, a expansão desse País, na Educação Básica, eram muito baixos,
nível de ensino colocou o Brasil como um dos países necessitando de políticas públicas mais eficazes para
com maior índice de privatização na educação enfrentá-los. Quanto à Educação Superior, a
superior, na América Latina e no mundo. O Censo constatação centrava-se na extrema desigualdade de
da Educação Superior relativo ao ano de 2008 acesso e permanência, na exclusão de milhões de
registra que do total de 2.252 Instituições de jovens desse nível de ensino, em especial negros e
Educação Superior (IES), somente 236 estão indígenas, na privatização, e no ensino de baixa
vinculadas ao setor público, enquanto 2.016 ao setor qualidade, entre outros.
privado, ou seja, 90% do total. Com relação às Depois da instituição das reformas neoliberais na
matrículas, do total de 5.080.056 alunos, 1.273.965 década de 90, o ex-ministro da Administração Federal e
estão frequentando as IES públicas, o que representa Reforma do Estado do primeiro governo de Fernando
25%; enquanto 75%, ou 3.806.091, estão
matriculados em IES privadas16. É nesse nível de Em termos de números significa que essas dez universidades detinham, em
2008, 686.638 matrículas de graduação. As duas públicas (Universidade de São
Paulo (USP) e Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquista Filho (Unesp)
mecanismos como os ciclos, a aceleração de estudos, a recuperação paralela e registravam apenas 82.482 matrículas, inferior à primeira (Universidade Paulista
a reclassificação, entre outras medidas [...]”. (UNIP) que, isoladamente, mantinha 166.601 matrículas de graduação. Das oito
16
Para se ter uma ideia da privatização da educação superior no Brasil, deve-se universidades privadas, apenas uma caracteriza-se como
verificar os dados divulgados pelo Censo da Educação Superior, relativo ao ano ‘comunitária/confessional/filantrópica’, a Pontifícia Universidade Católica de
de 2008, os quais mostram que das dez maiores universidades brasileiras, em Minas Gerais (PUC-MG), com 34.017 alunos. As outras são universidades de
relação ao número de matrículas, oito eram privadas e apenas duas públicas. caráter empresarial, com finalidade lucrativa (BRASIL, 2009).

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166 Bittar e Bittar

Henrique Cardoso surpreendentemente constatou impacto socioeducacional foi ampliar o Fundo de


que, Desenvolvimento e Manutenção do Ensino
[...] a estratégia que foi imposta ao Brasil no final dos Fundamental e de Valorização do Magistério
anos 1980, começo dos 1990, não funcionou. Falo da (Fundef), criado no governo de Fernando Henrique
estratégia de aceitação de uma ortodoxia Cardoso e que destinava recursos aos oito anos do
convencional, com o rótulo de modernidade ensino fundamental, para Fundo de
neoliberal, e a ideia de que se fizéssemos as reformas Desenvolvimento e Manutenção da Educação Básica
haveria a felicidade geral da Nação (BRESSER- e de Valorização do Magistério (Fundeb), que
PEREIRA, 2006, p. 3).
abrange a Educação Infantil, o Ensino Fundamental
Sobre a ‘ortodoxia convencional’, afirmou que é, e o Ensino Médio. Ao comparar as diferenças entre o
Fundef e o Fundeb, José Marcelino Pinto (2007,
[...] o conjunto de diagnósticos, propostas e pressões
que os países mais ricos fazem sobre os países em p. 888) afirma que a “[...] principal conclusão a que
desenvolvimento não para nos ajudar, mas para se chega [...] é que o Fundeb resgatou o conceito de
neutralizar nossa capacidade competitiva (BRESSER- educação básica como um direito”. Além de o
PEREIRA, 2006, p. 3). Estado investir mais em educação básica com o
Indagado sobre a razão de o Brasil estar objetivo de melhorar a sua qualidade, o governo
estagnado desde 1980, ele respondeu indicando duas Lula também investiu mais na educação superior
razões, uma de ordem política, outra econômica: pública, especialmente no que diz respeito ao acesso,
entendido como estratégia de inclusão de camadas
A resposta política: porque o Brasil perdeu a idéia de com menor poder aquisitivo, a esse nível de ensino.
nação. E perdeu como? Perdeu ao longo da crise dos
Nesse sentido, foram criadas 14 universidades
anos 80, no acordo feito nas Diretas-Já, no fracasso
do Plano Cruzado, na quase hiperinflação e, claro,
públicas federais, em diversas regiões brasileiras, e
no fortalecimento da hegemonia americana ao longo foi implantado, em 2007, o Programa de Apoio a
desse período. E a outra resposta: erramos ao fazer Planos de Reestruturação e Expansão das
rigorosamente o que nos disseram que era para ser Universidades Federais (Reuni)18. Para possibilitar e
feito (BRESSER-PEREIRA, 2006, p. 3). ampliar o acesso e a permanência de jovens com
A análise do ex-Ministro surpreende porque menor poder aquisitivo à educação superior nas IES
durante o seu governo os que formulavam a mesma privadas, implantou-se, em 2004, o Programa
crítica eram rotulados de retrógrados. Quanto ao Universidade Para Todos (ProUni) (PROUNI,
resultado dessas políticas na área educacional, pode 2012), com bolsas integrais ou parciais oferecidas
ser medido por meio de alguns dados oficias: a) a pelas IES privadas, além de prever cotas a jovens
média brasileira no Índice de Desenvolvimento da negros ou indígenas. Esse conjunto de medidas
Educação Básica (IDEB)17 está abaixo de quatro mudou o perfil da educação superior no País.
numa escala de um a dez; b) 55% das crianças da 4ª
série não possuem o domínio da leitura; c) em 2004, Conclusão
a taxa de reprovação no ensino fundamental era de
13%; d) hoje, um estudante que termine o ensino Do panorama histórico aqui traçado, a conclusão
médio sabe quase o mesmo que um aluno da 8ª série a que se pode chegar é a de que foi mais fácil
sabia em 1995; e) a média de gasto por aluno expandir o sistema do que fazê-lo cumprir sua
brasileiro no ensino fundamental é de US$ 500 função de promover aprendizagem às crianças e aos
(quinhentos dólares) por ano; entre os países da jovens brasileiros. Nesse início do século XXI, é
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento possível afirmar que o Brasil tem escolas, mas o
Econômico (OCDE), a média é de US$ 4.800 problema é que elas são precárias. Outra conclusão
(DOSSIÊ ESTADO, 2007). Diante desses números, deste estudo é quanto ao contraste entre a pesquisa
é de se indagar: que qualidade tem a democracia
em Educação que o País conseguiu desenvolver e a
brasileira?
Em 2003, Luiz Inácio Lula da Silva assumiu a qualidade da escola pública. A discrepância também
presidência da República, após disputar e ser é visível no fato de que, a despeito do crescimento
derrotado em três campanhas eleitorais, uma para econômico verificado desde os governos de Luiz
Fernando Collor de Mello e duas para Fernando
18
Henrique Cardoso. Uma de suas medidas de maior De acordo com o site do MEC, o Reuni tem como “[...] principal objetivo ampliar
o acesso e a permanência na educação superior”. O Programa foi instituído pelo
Decreto n. 6.096, de 24 de abril de 2007, no âmbito das ações que integram o
Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), constituindo-se numa “[...] série
17
O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) foi criado pelo INEP, de medidas para retomar o crescimento do ensino superior público, criando
em 2007, no governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Ele reúne, “[...] num só condições para que as universidades públicas federais promovam a expansão
indicador, dois conceitos igualmente importantes para a qualidade da educação: física, acadêmica e pedagógica da rede federal de educação superior” (REUNI,
fluxo escolar e médias de desempenho nas avaliações” (IDEB, 2012, p.2). 2012, p. 7).

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Educação Brasileira: de 1930 aos anos 2000 167

Inácio Lula da Silva, o Brasil inicia o século XXI com BRASIL. INEP-Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
9,6% de analfabetismo adulto, o que abrange 14,533 Educacionais Anísio Teixeira. Resumo Técnico: Censo
da Educação Superior Brasileira 2008. Dados Preliminares.
milhões de brasileiros que não sabem ler nem
Brasília: MEC/INEP, 2009. Disponível em: <http://www.
escrever (ANALFABETISMO, 2010). Assim, apesar inep.gov.br>. Acesso em: 30 maio 2010.
de reformas e lutas em prol da educação, ainda BRESSER-PEREIRA, L. C. É a competição, estúpido.... O
temos tarefas que deveriam ter sido cumpridas no Estado de S. Paulo. São Paulo, 26 nov. 2006. Caderno
século XIX e, por isso, não haveria maior Aliás, p. J3. (Entrevista).
homenagem que o País pudesse prestar a Paulo CAPES-Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Freire do que ter construído um sistema escolar Nível Superior. Disponível em: <http://www.capes.gov.
br/sobre-a-capes/historia-e-missao>. Acesso em: 30 abr.
público, de qualidade e que proporcionasse as
2012.
mesmas oportunidades a todas as crianças e jovens
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License information: This is an open-access article distributed under the terms of the
UNE-União Nacional dos Estudantes. Disponível em: Creative Commons Attribution License, which permits unrestricted use, distribution,
<http://www.une.org.br>. Acesso em: 30 abr. 2012. and reproduction in any medium, provided the original work is properly cited.

Acta Scientiarum. Education Maringá, v. 34, n. 2, p. 157-168, July-Dec., 2012


e-ISSN 1984-7238
Prof TEXTO 12

A institucionalização dos grupos escolares no Maranhão


Resumo
Este trabalho apresenta a história dos grupos escolares maranhenses Diana Rocha da Silva
implantados a partir de 1903, focalizando o seu processo de Doutoranda em Educação Escolar
institucionalização, o ensino, os exames, a frequência escolar, a pela Universidade Estadual
fiscalização, os deveres e regras que deveriam ser obedecidos por Paulista Júlio de Mesquita –
alunos e professores. Explica os principais aspectos estruturais que UNESP/SP – Brasil
determinaram a extinção dessas escolas em 1912. A metodologia rocha146@hotmail.com
utilizada está baseada na pesquisa bibliográfica, priorizando os
estudos de Vidal (2006, 2007), Faria Filho (2006, 2007), Souza (2006, Cesar Augusto Castro
2007, 2008, 2010), Motta (2006) e Saldanha (1992); em segundo Professor na Universidade
lugar, recorreu-se à pesquisa documental a partir da identificação, Federal do Maranhão – UFMA.
seleção, análise e descrição dos documentos da Escola Normal (1903- Doutor em Educação pela
1912), da Secretaria Geral da Instrução Pública Maranhense (1906- Universidade de São Paulo –
1910); relatórios dos Inspetores e Delegados da Educação (1903-1911), USP/SP – Brasil
ofícios, notas fiscais de compra de materiais, fotografias, relatórios ccampin@terra.com.br
de Governadores do Estado (1903-1912), lista de frequência e de notas
de alunos e análise do Regimento Interno dos Grupos Escolares, a fim
de compreender como foi instituída a organização do trabalho
pedagógico, o currículo, o estabelecimento de horário de aula, os
métodos de ensino, as regras, as penalidades e práticas de ensino, o
processo avaliativo, os conteúdos a serem ensinados e as questões
disciplinares. Desse modo, constata-se que a criação dos Grupos
Escolares maranhenses, num primeiro momento (1903-1912),
apresentou constante deficiência que contribuiu para que essas
escolas fossem reconhecidas como “pseudo grupos”, levando-os a
serem completamente extintos em 1912 e somente em 1919 a serem
recriados definitivamente.

Palavras-chave: Educação; Maranhão; História; Escolas de primeiro


grau.

Para citar este artigo:


CASTRO, Cesar Augusto; SILVA, Diana Rocha da. A institucionalização dos grupos escolares no Maranhão.
Revista Linhas. Florianópolis, v. 17, n. 33, p. 284-308, jan./abr. 2016.

DOI: 10.5965/1984723817332016284
http://dx.doi.org/10.5965/1984723817332016284

Revista Linhas. Florianópolis, v. 17, n. 33, p. 284-308, jan./abr. 2016. p.284


Linhas
The institutionalization of the
school groups in Maranhão
Abstract
This paper presents the history of the school groups in
Maranhão deployed from 1903 focusing on the
institutionalization process, education, exams, school
attendance, supervision, duties and rules, which
should be obeyed by students and teachers. It explains
the main structural features that determine the
extinction of these schools in 1912. The methodology is
based on research literature, emphasizing the studies
of Vidal (2006, 2007), Faria Filho (2006, 2007), Souza
(2006, 2007, 2008, 2010), Motta (2006), Saldanha
(1992); then, we turn to documentary research
prioritizing the identification, selection, analysis and
description of the Normal School documents (1903-
1912) and Secretaria Geral da Instrução Pública
Maranhense (1906-1910); reports of the Education
delegates and inspectors (1903-1911); letters; invoices
for the purchase of materials; photographs; reports of
the State Governors (1903-1912), and frequency and
grade list of students and analysis of the School
Groups Bylaws in order to understand how the
organization was established pedagogical work, the
curriculum, the establishment of school hours,
teaching methods, rules, penalties and teaching
practices, the evaluation process, the contents to be
taught, disciplinary matters. Thus, the creation of the
Maranhão School Groups, at first (1903-1912),
presented constant disability that contributed to these
schools were recognized as "pseudo groups" causing
their complete extinction in 1912.

Keywords: Education; Maranhão; History; Primary


grade schools.

Diana Rocha da Silva – Cesar Augusto Castro p.285


A institucionalização dos grupos escolares no Maranhão
Linhas
1. A institucionalização dos grupos escolares no Maranhão

Os discursos em torno da criação dos Grupos Escolares em terra maranhense


remontam a um contexto educacional em descrédito, fruto de várias ações políticas
desvinculadas de sua realidade e que, na sua concretude, não puderam ou não tiveram
condições de realizar a maioria das determinações preconizadas nas leis e regulamentos.
Em vários Estados, a implantação dessas Escolas se deu num momento de avaliação
negativa do ensino, no que se refere aos métodos, à formação docente, ao ambiente
escolar e às representações que se tinha das Escolas Primárias gestadas no âmbito
público até então. Nesse processo, podem-se perceber mudanças que, aparentemente,
pareceram repentinas, mas que, na realidade, foram frutos de causas múltiplas
encenadas pelos discursos de uma elite dominante, imbuída do papel de promover um
ensino geral, unitário e necessário à consolidação de determinados propósitos.

No Maranhão, mesmo com inúmeras reformas no cenário educacional durante a


última década dos oitocentos, o número elevado de analfabetos era uma questão
preocupante para um Estado que possuía o codinome de “Atenas Brasileira 1”. Aliado a
isso, somavam-se a falta de escolas e a ausência de professores habilitados ao ensino. A
alternativa sinalizada como saída ao combate do analfabetismo foi a adoção de um
modelo de escolas graduadas. Sua primeira finalidade era contribuir para a consolidação
dos ideais de ordem e progresso, utilizando a educação para isso (SOUZA; FARIA FILHO,
2006). Esses grupos representavam a inovação em educação, símbolo de modernidade
no ensino, “[...] em sintonia com a expectativa em relação ao desenvolvimento social e
econômico” (SOUZA, 2009, p. 30).

A Reforma da Instrução Pública realizada em São Paulo por Caetano de Campos,


em 1890, serviu como referência para que outros estados modificassem, ou também
criassem, regulamentos para a reestruturação da Instrução Pública Primária. Sua ênfase
recaía na possibilidade de agrupar, em um mesmo espaço físico, várias escolas isoladas,

* Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação – UFMA.


1
Apelido herdado em virtude do Estado, no início do século XX, contar com um grupo de literatos
maranhenses reconhecidos nacionalmente. São Luís foi um dos locais que apresentou intensa atividade
intelectual no Período Imperial Brasileiro. Segundo Martins (2008), não somente São Luís mereceu, ao
longo do século XIX, o codinome de “Atenas Brasileira”; várias outras “Atenas” surgiram em outras
províncias e capitais do país – Fortaleza, Olinda, Recife, Salvador, Rio de Janeiro.

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Linhas
fato que facilitava a fiscalização e avaliação do ensino, além de estruturá-lo gradualmente
em séries e na elaboração racional do currículo. Os Grupos Escolares, segundo Souza e
Faria Filho (2006), fortaleceram as bases do regime republicano na última década do
século XIX; os primeiros estados a aderirem a esse projeto inovador foram São Paulo,
Pará e Rio de Janeiro. Posteriormente, implantaram-se mais oito grupos, obedecendo à
seguinte distribuição: Paraná e Maranhão (1903); Minas Gerais (1906); Bahia, Rio Grande
do Norte e Espírito Santo (1908); e Mato Grosso (1910) (VIDAL, 2006).

No período de implantação e estabilização das bases republicanas, o cenário


educacional maranhense não favorecia a consolidação dos ideais preconizados pela
política vigente. Desse modo, pretendia-se criar uma representação de “Escola de
Verdade” (VIDAL, 2006; SCHUELER, 2010) ou “Casas de Ensino”, como denominou J. J.
Seabra em mensagem publicada no Jornal A Pacotilha, ao criticar a Instrução Pública
maranhense, salientando que a mesma “caminhava para trás; [...] [contrariando] a
evolução natural a que deveria obedecer a este fato singular”. Como sugestão para
solucionar tal problema, J. Seabra declarou que “bastaria apenas transformar com mão
forte todas as atuais Escolas Primárias em verdadeiras Casas de Ensino, afastando do
magistério, os pseudo professores, sem competência e sem amor ao trabalho” (JORNAL
A PACOTILHA, n. 168, de 16 de julho de 1904, p. 4). Segundo ele, as novas Casas de Ensino
deveriam inculcar valores para conter a resistência quanto à implantação do projeto
político e, ao mesmo tempo, contribuir para o fortalecimento das bases desse sistema,
por meio da valorização dos símbolos nacionais, respeito às autoridades e defesa da
moral e dos bons costumes.

Para transformar tal realidade e garantir a concretização dos intentos


republicanos, Alexandre Collares Moreira Junior, governador do Estado (1902-1906),
autorizou a conversão de seis escolas estaduais, localizadas no perímetro de São Luís, em
dois Grupos Escolares, cada um composto por três unidades (Lei nº. 323 de 26 de março
de 1903) regulamentados em 1904, pelo decreto nº. 36, de 1º de julho.

Art. 1 – Ficam instituídos nesta cidade dois grupos escolares, compondo-


se cada um deles por três escolas de instrução primária, mantidas pelo
Estado.

Diana Rocha da Silva – Cesar Augusto Castro p.287


A institucionalização dos grupos escolares no Maranhão
Linhas
Art. 2 – Os grupos escolares serão de regime misto e denominar-se-ão
Primeiro Grupo Escolar e Segundo Grupo Escolar, e funcionarão nos
edifícios que pelo governo lhes forem designados.
Art. 3 – O programa do ensino que nele será ministrado abrangerá, como
na Escola Modelo Benedito Leite, os Cursos Elementar, Médio e Superior,
e será lecionado observando-se os métodos seguidos neste último
Instituto.
Art. 4 – Além desses cursos, terão os Grupos Escolares um outro especial,
consagrado ao trabalho manual para as alunas e executarão jogos e
exercícios ginásticos próprios a formar e desenvolver a educação física.
Art. 5 – As cadeiras que constituem os grupos escolares denominam-se
primeira, segunda e terceira cadeira, correspondendo a primeira ao curso
elementar, a segunda ao médio e a terceira ao curso superior
(MARANHÃO. Decreto n. 36, 1° de julho de 1904).

Para manutenção dessa estrutura – rígida e inflexível – foi designado como diretor
dos Grupos Escolares no Maranhão o Sr. Barbosa de Godóis, que neste período ocupava o
mesmo cargo na Escola Normal e na Escola Modelo. Dentre suas atribuições, destacava-
se a incumbência de organizar, fiscalizar, dirigir e coordenar o ensino e outras atividades
educativas (em sua maioria disciplinares) realizadas nesses recintos, como, por exemplo,
a disciplina, a ordem e o respeito, além dos serviços do porteiro, do servente, os horários
de aula e a assinatura do livro de ponto.

O professor Barbosa de Godóis foi o responsável pela elaboração do primeiro


Regimento Interno dos Grupos e, em 9 de junho de 1904, submeteu-o para a aprovação
do governador Alexandre Collares Moreira Junior. O documento, após ser avaliado e
aprovado, foi publicado no Jornal “O Estado do Maranhão” (JORNAL O ESTADO DO
MARANHÃO, nº. 9292, ano, XXXV, 1° ago. 1904), o qual regulamentava as normas de
funcionamento dos mesmos, como a definição dos horários de aulas, os conteúdos
disciplinares, as normas para efetuação de matrícula, os processos avaliativos dos
educandos, funções, direitos, deveres e penalidades para alunos e funcionários.

Segundo o governador Collares Moreira, “a criação deste estabelecimento foi uma


medida de grande alcance para o ensino primário, que não só melhoraria
consideravelmente o método adotado, como se acha sujeito de uma fiscalização mais
pronta e eficaz por parte do Diretor da Escola Normal” (MARANHÃO. Mensagem
apresentada ao Congresso do Estado em 16 de fevereiro de 1905, pelo Exmo. Sr. Coronel

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Alexandre Collares Moreira Junior, 1905). No interior do Estado, a proposta de
implantação dessas escolas surgiu a partir da Lei nº. 363, de 31 de março de 1905,
incentivada pelos discursos de João Nepomuceno de Sousa Machado, Inspetor Geral de
Instrução Pública e Diretor do Liceu, que enviou a Collares Moreira a seguinte mensagem:
“[...] o ensino primário tem sido o objeto de atenção dos poderes públicos, todavia a
maioria das escolas do interior não apresenta o menor grau de prosperidade”
(MARANHÃO. Mensagem apresentada ao Congresso do Estado em 16 de fevereiro de
1905, pelo Exmo. Sr. Coronel Alexandre Collares Moreira Junior, 1905). Tal realidade
deveria ser mudada urgentemente, uma vez que o modelo de Escola Estadual graduada já
havia sido criado em São Luís, por isso, era necessário expandi-lo para outras localidades
do Estado. A interiorização desse projeto se deu inicialmente no município de Rosário, em
20 de abril de 1906. Nesse mesmo ano, instalou-se um Grupo Escolar na cidade de São
Bento, criado em 31 de março, e em 1909 foi criado o Grupo Escolar de Codó. A seguir,
abordaremos os principais aspectos que contribuíram para a remodelagem dessas
escolas no Maranhão.

1.1 O ensino nos grupos escolares

Um dos símbolos de eficiência dos Grupos Escolares foi marcado pela fixação do
período de matrícula. Se antes os responsáveis pelos educandos tinham o costume de
procurar, a qualquer tempo, as instituições Públicas Primárias para o registro dos seus
filhos, com a criação dos Grupos esse período ficou restrito de 2 a 25 de janeiro. Havendo
procura, este prazo poderia ser estendido por mais 20 dias consecutivos.

Para efetuar a inscrição, os pré-alunos teriam que atender aos seguintes critérios,
conforme Art. 7 do regimento interno:

a) prova de já ter sido a criança vacinada, bastando para a satisfação


dessa exigência e inspeção das cicatrizes da vacina, feita pela mesma
professora;
b) declaração da idade exata ou presumível da criança com mais de 6
anos e menos de 12, havendo a dúvida, que surja a prova pelo aspecto,
verificado pela professora, a menos que pelo interessado seja exibida a
certidão de idade;

Diana Rocha da Silva – Cesar Augusto Castro p.289


A institucionalização dos grupos escolares no Maranhão
Linhas
c) a afirmação que ela verificará pelo aspecto da criança de não sofrer
esta de moléstia contagiosa, cumprindo-lhe exigir atestado médico,
quando tenha a menor suspeita a respeito (MARANHÃO. Regimento
Interno dos Grupos Escolares, 1904).

Esses critérios assumiam um caráter excludente, na medida em que restringiam o


acesso para aqueles que cumprissem obrigatoriamente todos os requisitos. A
determinação da vacina e a constatação do aspecto físico saudável das crianças eram
duas das condições mais difíceis de serem cumpridas, pelo fato de que no Maranhão, no
início do século XX, as condições salubres de água, luz e esgoto eram raras, contribuindo
para a frequente infestação por doenças contagiosas.

O hábito de lavar as mãos, cortar as unhas, pentear os cabelos e portar roupas


limpas eram preocupações que muitas famílias não se davam conta que precisavam
exercitar. Em vários artigos do Regimento Interno dos Grupos Escolares (1904), esses
aspectos eram constantemente mencionados como obrigatórios para a efetivação da
matrícula e como deveres a serem cumpridos ao longo do Curso, caso contrário, eram
alvos de punição severa, sendo, inclusive, motivo para suspensão de alunos.

Nos Grupos Escolares, a subdivisão do ensino em classe, turmas e graus era


efetuada logo nos primeiros dias de aulas, quando o professor, responsável direto pelo
ordenamento dos alunos, observava-os e classificava-os em seções, de acordo com a sua
instrução: os mais e os menos desenvolvidos, os mais ativos, os mais atentos, os de
raciocínio mais rápido, os mais lerdos, os mais inquietos e os mais difíceis de serem
domesticados. Essa classificação também era efetuada após os exames avaliativos,
quando se poderia definir e julgar, com mais certeza, o grau de adiantamento de cada
aluno e ordená-los em uma das séries. “Essa organização consequentemente levou a
escola a adotar critérios seletivos para matrícula em classe homogênea; supunha o
favorecimento dos melhores em detrimento dos mais fracos” (SOUZA, 2006, p. 45).

As aulas tinham início às nove horas e finalizavam as treze exatamente, exceto


quando houvesse trabalhos manuais para as meninas, cujo horário encerrava-se às
quatorze horas. O tempo destinado a cada disciplina era controlado pelos professores e
funcionários. Aos serventes, cabia a incumbência de tocar o sino, indicando o momento

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Linhas
de entrada e encerramento das aulas, do recreio e do descanso dos alunos, o que
evidenciava todo um processo de ritualização existente no cotidiano escolar.

O ritual cotidianamente executado pelas professoras era iniciado a partir da


chegada antecipada na escola, a fim de fiscalizar e vistoriar todas as dependências da
instituição; inspecionar os alunos, examinando as mãos, unhas, roupas, cabelos e
calçados, e verificar se estes apresentavam os critérios de higiene dispostos no
Regimento Interno de 1904; assinavam diariamente o ponto antes de iniciarem as aulas;
observavam o roteiro e o horário das disciplinas, e seguiam a orientação do Diretor da
Escola Normal sobre a adoção de livros, compêndios e materiais de ensino.

Ao iniciarem as aulas, as professoras faziam a chamada dos alunos, marcando um


“F” para os ausentes e um “P” para os presentes. Em seguida, toda a turma realizava o
canto inaugural dos trabalhos de aula, geralmente com algum hino pátrio. Durante o
período em que estes permaneciam na escola, tinham que se portar com “todo o
respeito e guardar o maior silêncio; prestar toda a atenção às lições que estavam sendo
dadas e não distrair seus companheiros; pedir licença à professora para se retirarem do
estabelecimento, principalmente antes do fim das lições”, quando alguma necessidade os
obrigasse a isso (MARANHÃO. Regimento Interno dos Grupos Escolares, 1904). A
despedida consistia no encerramento com cântico e com formação de fila. “A vigilância
naturalmente não eliminou as quebras de condutas devidamente punidas” (AZEVEDO,
2009, p. 85).

A primeira classe abrangia os rudimentos do ensino e era indicada para aqueles


que não tinham conhecimento de leitura, escrita e cálculo. Nesse nível, os professores
possuíam uma das tarefas mais difíceis de ser concluída: a de moldar os hábitos das
crianças, tirando-lhes os maus costumes, tradições que diariamente eram praticadas em
casa, como os modos de se sentarem, falarem, comerem e dialogarem com os adultos.
Eram os professores quem os ensinavam a obedecer às regras da escola e a ter os
cuidados com a higiene. É importante destacar que ao se referir à higiene escolar, não nos
referimos apenas à limpeza pessoal do aluno, mas, também, ao cuidado com os materiais
escolares: os cadernos dos alunos deveriam ser apresentados diariamente aos
professores rigorosamente limpos, com a lição transcrita corretamente, utilizando os
tipos de letras indicados pelos professores, sem rasuras, riscos, sujeiras, folhas dobradas;

Diana Rocha da Silva – Cesar Augusto Castro p.291


A institucionalização dos grupos escolares no Maranhão
Linhas
de igual modo, os outros recursos didáticos como livros, folhas, mata borrão, dentre
outros, deveriam ser mantidos com total higiene.

1.2 Método de ensino

O método intuitivo fez parte das propostas de modernização do ensino


elaboradas por Rui Barbosa, em 1883, época em que o governo brasileiro visava adotar
medidas que remodelassem o contexto educacional. Como resultado, solicitou uma
investigação sobre a situação da instrução pública no país. A partir desse diagnóstico,
concluiu-se que as técnicas e conteúdos de ensino utilizados nas escolas primárias não
estavam dando os frutos esperados, pois eram vistos como atrasados e inúteis. Frente ao
cenário de mudanças políticas e econômicas pelo qual passava a sociedade brasileira,
fazia-se urgente a adoção de táticas de ensino moderno que se diferenciassem do
método memorístico, dominantemente utilizado no Brasil até o final do século XIX. Para
Rui Barbosa, o método intuitivo se configurava “[...] como o elemento mais importante
de toda reforma [...]. Somente ele poderia triunfar sobre o ensino verbalístico, repetitivo,
enraizado à memória e nas abstrações inúteis, praticado nas escolas de primeiras letras”
(SOUZA, 2009, p. 75).

Nas escolas maranhenses, esse ensino era defendido principalmente pelos


políticos (Alexandre Collares Moreira, Benedito Leite, Arthur Quadro Collares Moreira,
entre outros), que sempre discursavam em prol da instalação da nova metodologia de
aprendizagem. Além disso, criavam leis e decretos para determinar o uso do método nas
Escolas Públicas Primárias do Estado. Alexandre Collares Moreira Junior, por exemplo, no
ano em que determinou a criação dos Grupos Escolares em São Luís, ressaltava que o
Estado passava por inúmeros problemas de ensino, e que essa realidade se dava,
principalmente, em função da forma pela qual o ensino era ministrado e da má formação
de professores.

Diante dessa constatação – implantar o ensino intuitivo –, Barbosa de Godóis foi


pessoalmente a São Paulo, em 1904, a fim de aprender essa nova técnica e transmiti-la
aos seus alunos da Escola Normal. Segundo o Art. 8º do Regimento Interno dos Grupos

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Linhas
Escolares maranhenses (1904), as professoras deveriam assistir aulas duas vezes ao mês,
a fim de compreenderem as práticas de ensino desenvolvidas na Escola Modelo. Essas
aulas seriam ministradas pelo próprio Diretor.

Apesar dessas orientações, muitos professores desconheciam a forma correta de


transmitir os conteúdos aos seus alunos, não havendo uniformidade; na dúvida, recorriam
as suas próprias metodologias. Os exames eram compostos por provas gráficas, orais e
práticas. Esta última era aplicada apenas nas disciplinas de ensino objetivo, como física,
química, música, forma, tamanho, prendas femininas e educação física.

1.3 Corpo docente

No Maranhão, as Escolas Estaduais eram vistas como ineficientes, devido, entre


outros aspectos, à ausência de um corpo docente especializado que fizesse uso de novos
métodos de ensino. Dentre os pré-requisitos para o exercício do magistério, além dos
princípios da moralidade, nos Grupos Escolares era exigida a competência de saber
ensinar, habilitação concedida pela Escola Normal, de acordo com o disposto no Art. 47
do Regimento Interno dos Grupos Escolares:

1º - ser cidadão brasileiro no gozo de seus direitos civis e políticos;


2º - nunca haver sido convencido de culpa infamatória e nunca haver
sofrido pena alguma por crime infame;
3º - ter moralidade;
4º - possuir instrução profissional;
5º - não sofrer de moléstia infecto-contagiosa repugnante, repulsiva ou
que, como a gagueira e surdez impossibilite para o magistério;
6º satisfazer previamente na parte que lhe for relativa, a todas as
prescrições e exigências constantes dos regulamentos especiais de cada
um dos cinco ramos do ensino público. (MARANHÃO. Regulamento da
Instrução Pública, 1896, p. 4, grifo nosso)

A docência nos Grupos Escolares foi se definindo como um campo


preferencialmente constituído pela presença feminina. Por todo o país, “[...] a mulher
passava a deixar sua marca na educação escolar” (AZEVEDO, 2009, p. 81). Apesar do
predomínio das mulheres, apareceu a figura de Luís Viana, que era professor e secretário

Diana Rocha da Silva – Cesar Augusto Castro p.293


A institucionalização dos grupos escolares no Maranhão
Linhas
do Grupo Escolar de São Bento, e de Francisco Ribeiro, professor de um dos Grupos da
capital. Tanto em São Luís como em Rosário, São Bento e Codó, não foi aberto nenhum
concurso para a contratação de professores no ano de criação, como já mencionado
anteriormente, por isso, as professoras foram transferidas das Escolas Estaduais para
iniciarem os trabalhos de docência no Primeiro e Segundo Grupos Escolares.

Apesar da prevalência do público feminino, as professoras não eram postas em


cargos de chefia. Todos os Grupos Escolares criados na primeira fase de sua
Institucionalização (1903-1912) ficaram sob a administração do Diretor da Escolar Normal,
o Professor Barbosa de Godóis. Esta última, não apenas no Maranhão, mas em outras
regiões do país, configurou-se como uma instituição de formação profissional para as
mulheres, ou seja, era a possibilidade de vislumbrarem uma carreira que não fosse a de
dona de casa, mãe, esposa ou, quando muito, de professora de prenda doméstica.

Segundo Azevedo (2009), a presença dessas docentes não representava um


benefício para os Grupos Escolares, principalmente pela existência de um forte rodízio de
professoras e alunos que se agravava pelas constantes solicitações de licença para
tratamento de saúde. Logo no primeiro ano de funcionamento, Corina Cardoso Maya,
professora da Terceira Cadeira do Primeiro Grupo Escolar da Capital, solicitou, por meio
do oficio nº. 54 de 1904, licença por tempo indeterminado, sendo substituída por Paschoa
Galvão, professora da Primeira Escola Estadual, que assumiu a regência da cadeira vaga
no Primeiro Grupo até que Collares Moreira solucionasse o impasse. Barbosa de Godóis
orientou ainda que essa professora distribuísse os alunos da Escola Estadual pelos
institutos que ofereciam a mesma modalidade de ensino (MARANHÃO. Secretaria da
Escola Normal. São Luís, 13 de julho de 1904. of. 54).

1.4 Infraestrutura dos grupos escolares

Ao serem inaugurados os Grupos Escolares no Maranhão, também denominados


Casas Escolas, o Governador do Estado (Alexandre Collares Moreira Junior), por meio do
Art. 2, do Decreto nº. 36, de 1º de junho de 1904, determinou que esses Institutos fossem
instalados nos edifícios por ele designados. Sem verba para a construção de prédios, os
Grupos Escolares ocuparam os espaços onde funcionavam a Primeira e a Segunda Escola

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Linhas
Estadual, localizadas na Rua do Sol e Rua Grande, respectivamente. No início do século
XX, essas ruas se configuravam como partes da importante zona comercial de São Luís.

Na primeira fase de sua institucionalização (1903-1912), os Grupos Escolares


maranhenses foram instalados em prédios antigos que não apresentavam as
especificações características do tipo de escola moderna, isto é, espaços propícios para a
realização dos trabalhos pedagógicos e que, certamente, contribuíam para consolidar a
imagem de Escola de Verdade, defendida pelos adeptos desse modelo (Benedito Leite,
Collares Moreira, no campo político e entre os intelectuais, Antônio Lobo, Barbosa de
Godóis, Ribeiro do Amaral e João Nepomuceno de Sousa Machado). De acordo com o
Código Sanitário do Estado do Maranhão de 1904, era necessário obedecer às seguintes
determinações estabelecidas para construção de edifícios escolares:

Art. 155 – Deverão ficar longe de hospitais, asilos, cemitérios, hospícios,


quartéis, fábricas, prisões...
Art. 116 – Deverão ser construídas nos centros de população condensada,
contudo será de rigor escolher ruas ou praças pouco concorridas e onde
não haja aglomeração urbana.
Art. 117 – Deverão ficar sempre bem isoladas das casas mais próximas,
evitando receberem influência.
Art. 118 – Na escolha do local para construção de um edifício escolar deve
merecer muito cuidado a corrente dos ventos reinantes.
Art. 119 – O melhor plano para uma escola será aquele que lhe dê um só
pavimento. (MARANHÃO. Código Sanitário, 1904)

Contudo, os Grupos Escolares maranhenses não garantiram todas as condições


higiênicas necessárias à prevenção de doenças. O governo maranhense reservou apenas
1.800$000 para o aluguel desses prédios na Capital e 350$000 no Interior, recursos
considerados insuficientes e que determinaram a instalação dessas escolas em edifícios
que, nesse período (em 1908), já apresentavam inúmeras dificuldades estruturais, como
vidraças quebradas, aspectos de escola antiga e mal cuidada.

Diante disso, Alexandre Collares Moreira Junior (1905), ao reconhecer o estado


decadente dos prédios destinados a essas escolas, principalmente em relação ao edifício
do Segundo Grupo Escolar da capital, ressaltou que se não fossem as más condições
financeiras do Estado, lembraria como medida imperiosa a construção de prédios para as

Diana Rocha da Silva – Cesar Augusto Castro p.295


A institucionalização dos grupos escolares no Maranhão
Linhas
Instituições Públicas, que colocadas em casas nas quais faltavam quase todos os
requisitos pedagógicos, não poderiam exercer satisfatoriamente a sua missão. Na
realidade, os governantes tinham ciência de que se não houvesse maiores investimentos
para a manutenção dessas escolas, certamente o estado de decadência se agravaria. E foi
o que aconteceu de acordo com o comentário a seguir:

Comunicando-me a secretária do Primeiro Grupo Escolar da Capital a


absoluta falta de água neste estabelecimento, rogo-vos que vos digneis
de mandar providenciar no sentido de ser feito pela respectiva
companhia o reparo que se torna necessário no encerramento de água
do referido estabelecimento. B. G. dir.(MARANHÃO. Secretaria da Escola
Normal, 1907, of. 36)

Comunicando-me a secretaria do primeiro grupo escolar da capital acha-


se bastante danificado o telhado do edifício em que funciona esse
instituto, o que acarreta a quase impossibilidade de funcionamento das
aulas nesta estação de chuva, solicito-vos providências no sentido de
serem apurados naquela parte do referido prédio os concertos de cuja
falta ele se recente. B. G. dir. (MARANHÃO. Secretaria da Escola Normal,
8 de fevereiro de 1908)

Diante dessa realidade, Arthur Collares Moreira autorizou, em 1907, o fechamento


definitivo do Grupo, que já não era mais utilizado para aulas desde o início de 1905. A fim
de superar esse desmantelo no cenário educativo de São Luís, esse governador abriu mão
da administração do Segundo Grupo e a transferiu para a municipalidade por meio do
decreto nº. 66 e de acordo com a lei nº. 464, de 13 de abril de 1907.

O Grupo passou a funcionar em 1º de maio de 1907. Ao ter suas aulas reabertas


manteve a mesma estrutura organizacional de sua origem e seguia as mesmas
recomendações dispostas no Regimento Interno criado em 1904 (MARANHÃO. Códice de
2 de maio de 1907). Apesar de ter sido restabelecido em 1907, o município também não
dispensou maiores atenções quanto à manutenção do Grupo. Os mais atingidos com essa
falta de estruturação foram os alunos que, frequentemente, eram deslocados para
assistirem aulas nos outros estabelecimentos de ensino, como a Escola Modelo e as
Escolas Estaduais mistas ou as Escolas isoladas.

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Linhas
1.5 Fiscalização

A fiscalização no ensino público visava coibir alguma irregularidade existente nas


escolas, sejam elas praticadas por professores, alunos ou qualquer outro funcionário. Em
relação à fiscalização dos professores dos Grupos Escolares, a vigilância se fazia
necessária especialmente por impedir que os conteúdos disciplinares fossem alterados e
para garantir a aplicação do método de ensino sugerido nos Regulamentos da Instrução
Pública do Estado.

Para a fiscalização nos Grupos Escolares foi designada uma comissão formada por
professores da Escola Normal e por pessoas escolhidas pelo Diretor desse Instituto de
Formação, os quais estavam incumbidos de visitar os Grupos em ocasiões não
informadas, com a finalidade de surpreenderem os professores na prática de alguma
irregularidade.

Nessas visitas, a comissão deveria verificar o número de alunos matriculados em


cada classe e suas respectivas frequências; a presença ou ausência de professores em
suas determinadas salas; o trabalho de cada um dos funcionários; a aplicação do método
intuitivo, os exercícios físicos, os horários de aulas e as prendas femininas. Além disso, a
comissão relatava a situação dos prédios, dos materiais didáticos e as condições salubres
existentes ou não nas escolas (AZEVEDO, 2009).

A comissão designada para fiscalizar os Grupos Escolares do Maranhão tinha o


direito de advertir os professores publicamente e de verificar as médias diárias dos
alunos, a frequência e o aproveitamento referentes ao mês anterior. Os Inspetores de
ensino eram os responsáveis legais pela ordem e disciplina dos discentes, pela fiscalização
do serviço dos serventes e do porteiro, e pela vigilância permanente das atividades
realizadas pelos Grupos em dias festivos.

Para o registro formal do cotidiano escolar, foram criados dispositivos que


regulassem o funcionamento diário das classes: livro de ponto dos funcionários e alunos,
matrícula, termo de visita e de exames. Todas as anotações feitas nesses suportes
serviam para avaliar o andamento dos trabalhos desenvolvidos nos Grupos Escolares. Nas
visitas realizadas pela Comissão de Fiscalização da Instrução, os professores quase

Diana Rocha da Silva – Cesar Augusto Castro p.297


A institucionalização dos grupos escolares no Maranhão
Linhas
sempre se sentiam ameaçados pelos Inspetores ou Delegados de ensino, pois a
diminuição da frequência diária dos educandos era considerada culpa desses
profissionais, que eram julgados por omissão ou falta de cumprimento do dever.

1.6 Cotidiano escolar

Alguns fatos marcaram o cotidiano dos Grupos Escolares, como as festas cívicas, a
abertura e o encerramento do ano letivo, as férias escolares, os exames e a promoção de
alunos. Por meio desses eventos foi possível estabelecer conexões e compreender os
aspectos culturais vivenciados no interior dessas escolas. Azevedo (2009, p. 32) esclarece
que “[...] a cultura escolar da modernidade traz em si um grande objetivo, o de servir
como fonte de um padrão cultural com vistas a uma reorganização de comportamento
que deve se orientar basicamente pelo disciplinamento dos corpos e pela consciência de
um povo”. Nesse contexto, era o professor o responsável por conquistar a confiança e o
respeito das crianças com atitudes amistosas, motivando-as a frequentarem as aulas.

Os alunos deveriam comparecer à escola no horário determinado para a abertura


das aulas, pontualmente às nove horas da manhã; os alunos eram organizados em fila, à
espera do comando dos professores, liberando-os para a entrada. Ao entrarem nas salas,
os discentes esperavam de pé a chegada da professora e apenas se sentavam mediante a
sua ordem. Se a professora detectasse ou desconfiasse que algum aluno possuísse indício
de doença, este era impedido de adentrar a escola, e, se entrasse, ao ser constatado tal
fato, o mesmo teria que se retirar da classe e o ocorrido deveria ser comunicado ao
médico escolar. Segundo o Art. 62 § 6 do Regimento, as professoras mandavam se retirar
da aula qualquer aluno que apresentasse moléstia contagiosa, sem a possibilidade de
admiti-lo enquanto não fosse reestabelecido. No Art. 29 desse mesmo Regimento, a
professora que percebesse que a “ausência do aluno, depois de respondida a chamada,
[pudesse] ter sido motivada por moléstia, deveria isso constar no livro de frequência
adiante do nome do aluno, na casa correspondente à nota do dia, servindo para designá-
la as duas iniciais – R. D. [(Registro de doença)]”.

Os horários de aula eram sinalizados por meio do toque da sineta. Cada disciplina
possuía um momento determinado para o ensino, e, caso fosse alterado, o professor da

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Linhas
respectiva cadeira pagaria uma multa de 10$000 a 50$000. Esse horário era regulado pelo
relógio de parede, dispositivo indispensável para o controle dos trabalhos docentes.

Azevedo (2009) afirma que os alunos, professores e diretores viviam


ritualisticamente o dia a dia nos Grupos Escolares. A organização das filas; a fiscalização
diária das vestimentas, das mãos e unhas; o badalar do sino (que indicava o horário de
entoar os hinos antes da entrada na escola); o toque da sineta (que informava o início das
aulas, do recreio e do descanso); os olhos atentos dos professores à procura de alguma
anormalidade; a seriedade das palavras dos professores, prontos para corrigirem
qualquer falta de ordem e desrespeito, eram gestos que indicavam a ritualização
vivenciada pelo corpo docente no ambiente escolar.

Apesar da incorporação de práticas culturais se configurarem como símbolo de


eficiência, essa imagem nos grupos maranhenses, aos poucos, foi sendo mudada devido a
não manutenção de todas essas características. A carência de estrutura adequada e a não
concretização dos métodos de ensino – intuitivo –, que privilegiavam a adoção de
materiais didáticos como suportes para os alunos aprenderem na prática, contribuíram
para que a instalação dessas escolas não desse certo (pelo menos ao que se refere à
primeira fase de sua institucionalização), em terras maranhenses.

1.7 Os exames escolares

A aplicação dos exames nos Grupos Escolares era efetuada a partir de uma rede de
ritualização, previamente planejada, em que as definições do dia, hora e comissão
avaliadora eram regularizadas em lei. Todos que participavam desse ato público
carregavam consigo a sensação de estar participando de uma das cerimônias mais
importantes da escola. O ritual de passagem contava com a presença de autoridades do
ensino, como o Secretário Geral da Instrução Pública, professores normalistas e o Diretor
do Grupo. Os exames escolares consistiam na qualificação de uns e exclusão de outros,
pois, por meio deles, classificavam-se os alunos habilitados, os inabilitados, os que eram
aprovados com distinção e os simplesmente aprovados (AZEVEDO, 2009).

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A institucionalização dos grupos escolares no Maranhão
Linhas
Os exames nos Grupos Escolares maranhenses eram aplicados por uma mesa
examinadora designada pelo Governador do Estado, e constituída em cada classe por um
presidente, pela professora da respectiva cadeira e por outra professora normalista
indicada pelo diretor da Escola Normal. Ao ser finalizado, a professora de cada classe
lavrava o termo competente em livro especial, o qual seria assinado pela mesa
examinadora e pelas autoridades superiores de ensino que estivessem presentes no ato
da aplicação da prova (MARANHÃO. Regimento Interno dos Grupos Escolares, 1904, Art.
38). É interessante ressaltar que, apesar da atenção dada aos exames finais, os alunos
eram avaliados diariamente. O professor utilizava o livro de ponto do aluno para atribuir
notas por comportamento, participação nas aulas (ao solicitar que os alunos praticassem
a leitura em voz alta, cópias de textos, respostas a alguma pergunta oral ou
demonstradas no quadro negro, e práticas de lições de coisas). Os alunos do último ano
da terceira cadeira, que fossem aprovados, receberiam carta de habilitação assinada pela
mesa avaliadora dos exames, atestando a conclusão do Curso Primário. Eram graus de
julgamento das lições, segundo o Art. 31 do Regimento Interno dos Grupos Escolares: 10 -
equivalente a ótima; 7 a 9 - equivalente a boa; 4 a 6 - equivalente a sofrível; 1 a 3 -
equivalente a má.

Os exames começavam pela Terceira Cadeira. As provas versavam sobre os


conteúdos ensinados no decorrer do ano, e eram aplicadas de forma escrita, prática e
oral. A primeira durava cerca de três horas e o aluno tinha direito a mais quinze minutos,
caso fosse necessário; as práticas também poderiam ser executadas em, no máximo, três
horas, e, no mínimo, vinte minutos. No ato da realização dos exames, o aluno era
impedido de manter qualquer contato com os colegas de classe ou com a mesa
examinadora, imposição que nem sempre era possível de ser evitada, mesmo quando os
professores mais severos tentavam impedir tal ato por meio da vigilância. Alguns mestres
tinham o costume de usar óculos escuros durante as avaliações escritas, prática que nos
faz inquirir a existência de alguma tática por parte dos discentes em burlar algumas
dessas regras (FERRO, 2010).

De acordo com o Art. 41 do Regimento dos Grupos Escolares, teriam prova gráfica
e oral as seguintes disciplinas: língua materna, cálculo, lugar e instrução cívica; prova oral
e prática: ensino objetivo na parte relativa à física e química; prova ao mesmo tempo

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prática e oral: ensino objetivo na parte relativa às ciências naturais, música, forma e
tamanho; apenas prova oral: os exercícios orais e o canto; apenas prova gráfica: desenho;
e apenas prova prática: prendas femininas e educação física.

Considerava-se aprovado com distinção aqueles alunos que atingissem nota igual a
10; aprovado plenamente os que alcançassem nota entre 7 e 9; simplesmente aprovados
os alunos que tivessem suas notas variando entre 4 e 6; e reprovados aqueles que não
atingissem nota superior a 3 e recebessem o julgamento de má ou sofrível. Além disso, o
aluno deveria comprovar a ausência de qualquer irregularidade cometida e não
apresentar mais de 90 faltas por ano (MARANHÃO. Regimento Interno dos Grupos
Escolares, 1904). Cumprindo esses critérios, os alunos receberiam a carta de promoção
que dava acesso às outras turmas, ou a carta de habilitação, que atestava a conclusão do
Curso.

Outro fator para a redução do número de matrículas e aprovações foi a constante


retirada de alunos das escolas depois que aprendiam as primeiras letras, fato que
ocasionava significativa evasão. Na Terceira Cadeira do Segundo Grupo não houve alunos
aprovados porque, no mesmo período, eles foram agregados ao Primeiro Grupo. Esse
fato se deu por razões estruturais do grupo. Assim, somando as duas cadeiras dos dois
Grupos, o número total de aprovados correspondeu a 38% de um total de 34 alunos
matriculados; apenas um aluno concluiu o Curso no final de 1904.

Se no ano de sua implantação (1904) houve 217 alunos matriculados nos dois
Grupos Escolares, em 1909 esse número diminuiu para 141, representando uma queda
brusca de aproximadamente 35,02%. Essa diferença talvez possa ser compreendida a
partir da análise dos ofícios encaminhados por Barbosa de Godóis ao Governador do
Estado (Arthur Quadros Collares Moreira), nos quais ele enfatizava o estado decadente
dos Grupos Escolares, especialmente em relação à estrutura dos edifícios em que as
escolas funcionavam e à falta de manutenção dos mesmos. Tal realidade ocasionou o
fechamento do Segundo Grupo no período de 1905 a 1907, sendo restabelecido neste
último ano, porém sem o devido prestígio.

Quando observamos os índices de aproveitamento das cadeiras dos grupos,


constatamos que na Terceira Classe não houve alunos matriculados e,
consequentemente, nenhuma submissão aos exames anuais. A ausência de alunos

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A institucionalização dos grupos escolares no Maranhão
Linhas
ocorreu pelo fato da respectiva cadeira ter sido distribuída para outros Institutos de
ensino dessa mesma modalidade, já que as condições estruturais do Segundo Grupo
Escolar, em 1909, eram precárias (MARANHÃO. Secretaria da Escola Normal, 1909).

1.8 Frequência nos grupos escolares

A frequência nos Grupos Escolares Maranhenses, durante a primeira década de


sua existência, passou por vários períodos de instabilidade. Logo no primeiro ano, a
procura por vagas foi bastante expressiva. A crença nesse modelo de escola fazia com
que muitas famílias preferissem matricular seus filhos nos Grupos Escolares às Escolas
Estaduais ou Mistas. Motta (2006) explica que essas vagas, antes destinadas aos filhos
das famílias menos abastadas, foram sendo preenchidas pelos filhos dos doutores,
engenheiros e médicos.

A preferência por esses estabelecimentos de ensino correspondia aos modelos


que eram apregoados como símbolo da modernidade educativa, “[...] em substituição ao
passado imperial, ultrapassando [as] representações das escolas isoladas” (SOUZA;
FARIA FILHO, 2006, p. 26). A eficiência e utilidade desses modelos se fundamentavam no
fato de apresentarem uma organização mais lógica e definida, como: edifício próprio;
classes homogêneas; ensino simultâneo e intuitivo; séries graduadas e sequenciais;
estabelecimento de exames finais; presença de docentes e de corpo de funcionários;
ampliação do currículo; controle do tempo, da frequência; e definição de períodos de
matrícula. Esses aspectos

[...] fundaram uma representação de ensino primário que não apenas


regulou o comportamento, reencenando cotidianamente, de professores
e alunos no interior das instituições escolares como disseminou valores e
normas sociais e educativas. [...] da interação da defesa da escola laica,
da liberdade de ensino, da obrigatoriedade da instrução elementar, do
direito à educação e do dever do Estado e da família. (VIDAL, 2006, p. 10)

No Maranhão, a representação dos Grupos Escolares como “Escola de Verdade”


nasceu a partir do discurso republicano no final do século XIX, que viam a educação

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Linhas
pública como um instrumento capaz de mudar determinada realidade, e que se sustentou
até os primeiros dois semestres após sua criação. Aos poucos, essa representação foi
sendo substituída passando a ser vista como ineficaz, já que transformar esse discurso em
prática não dependia apenas de elogios ou crenças na adoção de modelos educacionais,
que eram importados de outra realidade. Havia a necessidade de adaptá-lo à realidade
brasileira e, em especial, à maranhense.

Essa ineficácia poderia ser melhor visualizada no Segundo Grupo Escolar, criado
em 1904 e que funcionou por apenas seis meses (a abertura das aulas aconteceu em
agosto de 1904 e o encerramento em dezembro do mesmo ano). Após esse período, o
Grupo se manteve fechado até 1907 e, durante esse tempo, os alunos passaram a assistir
as aulas no Primeiro Grupo Escolar. Ao criticar a criação dessas instituições,
denominando-os de “Pseudo Grupos Escolares”, Antônio Lobo comentou:

E pra provar dessa última assertiva basta lembrar-vos a criação dos


pseudos grupos escolares, cada um deles amontoados numa sala única,
de capacidade seis vezes inferiores à estritamente requerida e confiado a
professores em número 3, 4 e 5 vezes [...] além do que lhe competia.
(
MARANHÃO. Inspetoria Geral da Instrução Pública e Diretoria do Liceu
maranhense. of. nº. 5, São Luís, 14 de janeiro de 1911)

A crítica de Antônio Lobo recaía especialmente em dois aspectos: a adoção de


modelos estrangeiros, conceituado por ele como inovestas, quer dizer, puro modismo
que dando certo em outras realidades, não tiveram a mesma experiência em terra
maranhense. A baixa frequência dos alunos também era influenciada, principalmente,
pelos seguintes fatores:

1) Fechamento do Segundo Grupo Escolar;


2) Descrédito da sociedade ludovicense nesse modelo de ensino;
3) Transferência de professores e alunos para outros institutos;
4) Não cumprimento dos programas de ensino;
5) Falta de estrutura dos prédios;
6) Insuficientes recursos destinados à manutenção dos Grupos (Capital e
Interior).

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A institucionalização dos grupos escolares no Maranhão
Linhas
Segundo Lobo (1910), a diminuição na frequência ocorria também em “[...]
consequência da seleção que foi havendo de ano em ano nas turmas e classes e do
costume, entre nós reinante, de serem em parte retirados os alunos das escolas, logo que
eles adquirem uma certa instrução”. Segundo Lobo, “por vezes, para que a classe
superior não fique sem alunos, as professoras respectivas se têm interessado
pessoalmente com as famílias dos alunos, no sentido de os manterem no instituto, tem
sido, entretanto muito limitada essa frequência” (MARANHÃO. Secretaria da Escola
Normal, 1909).

2. Conclusão

Com a proclamação da República, aflorou-se a necessidade dos Estados se


adequarem aos ideais de civilidade e modernidade. No Maranhão do final do século XIX, a
incorporação desses intentos resultou na criação de cinco leis (Reforma José Tomaz de
Porciúncula, de 1890; Reforma Lourenço de Sá, de 1891. A Reforma Cunha Martins.
Reforma Benedito Leite, de 1895, Regulamento da Instrução Pública do Maranhão, 1896,
e Reforma da Instrução Pública, 1899), as quais estabeleciam reformas no campo
educacional. Tais leis priorizaram a abertura de cadeiras isoladas e a obrigatoriedade do
ensino, porém esses dispositivos não se ativeram aos repasses de recursos que seriam
aplicados na melhoria do ensino público primário. A maioria das escolas funcionava com
inúmeras dificuldades, dentre elas a ausência de professores formados pela Escola
Normal, a falta de recursos didáticos, a inexistência de prédios próprios para a instalação
das escolas e de mobiliário escolar necessário ao bom andamento do ensino.

Em relação ao ensino, constatamos que, em alguns momentos, tanto os Grupos


Escolares da capital, quanto os implantados no interior, não conseguiram desenvolver o
ensino graduado em virtude da falta de professores que, em muitos casos, eram
transferidos ou nomeados para assumirem outras cadeiras ou funções nas demais
instituições públicas.

A docência nos grupos do Maranhão foi consagrada pela presença do público


majoritariamente feminino, tanto no interior como na capital. Mesmo assim, o cenário

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Linhas
revelava que o poder masculino ainda imperava nas escolas maranhenses, pelo menos ao
que se refere à primeira fase de sua institucionalização. Esse fato é bem notório nos
grupos do Maranhão, onde todas as decisões estavam centralizadas em uma só pessoa,
Barbosa de Godóis, responsável legal por essas escolas durante toda a primeira fase
(1903-1912).

O respeito, a disciplina, a obediência, os valores patrióticos e cívicos eram práticas


cotidianamente reforçadas pelos professores nos grupos escolares. Consideramos,
porém, que muitas dessas práticas não foram aceitas com parcialidade pelos educandos,
pois as disposições declaradas no regimento interno dos grupos escolares de 1904
revelam que, ao defender o controle exacerbado, a vigilância, a fiscalização e as
penalidades entre os alunos, havia uma considerável desordem nesse ambiente escolar,
ou a possibilidade de tê-la. A declaração das atitudes, consideradas fora do padrão de
normalidade, deveria ser severamente punida. Tais aspectos nos fazem crer que as
crianças nem sempre obedeciam às imposições e às regras de convivência interna nessas
escolas. A obrigatoriedade do silêncio e do comportamento dos alunos na faixa etária de
6 a 12 anos, caracterizada pela inquietude e curiosidade, eram costumes difíceis de serem
controlados.

Em relação à infraestrutura, as dificuldades não demoraram a surgir. Logo no final


do primeiro semestre de iniciação dessas escolas, o segundo grupo escolar foi fechado
por falta de condições para o seu funcionamento. Goteiras, banheiros quebrados, portas
sem trancas e vidraças danificadas eram alguns dos fatores que demarcavam a
precariedade dessas escolas durante sua primeira fase de implantação. De 1905 a 1912,
eram frequentes as críticas de Barbosa de Godóis sobre as péssimas condições em que se
encontravam os grupos escolares do Maranhão, chegando, até mesmo, a afirmar que
nestas escolas faltava quase de tudo. Esses fatos levaram Antonio Lobo, Inspetor da
Instrução Pública, a considerá-los como pseudos grupos, como já dito anteriormente. É
importante sinalizar que, neste primeiro período de sua instituição, os recursos
destinados à manutenção não sofreram elevação no valor, dificultando assim possíveis
melhorias.

Mediante essas reflexões, podemos considerar que o processo de


institucionalização dos Grupos Escolares no Estado do Maranhão não resolveu o

Diana Rocha da Silva – Cesar Augusto Castro p.305


A institucionalização dos grupos escolares no Maranhão
Linhas
problema histórico da educação, que ainda hoje apresenta seus sinais negativos. O fato
de adotar esse modelo de ensino não solucionou o quadro deficitário de analfabetismo
que vinha se arrastando desde a colônia.

Dessa forma, constatamos que a história dos Grupos Escolares maranhenses é


marcada por duas iniciativas, ambas incentivadas pelos governantes do Estado e tendo
como característica básica o ideal de escola pública primária, a qual pudesse contribuir
para a concretização dos princípios republicanos. A primeira fase, que se estendeu de
1903 a 1912, foi definida como período conturbado, precário e com inúmeras dificuldades
que refutaram a imagem de escola moderna e eficaz, tão defendida e difundida pelos
políticos e intelectuais maranhenses. A segunda, inicia-se a partir de 1919 a 1970,
demarcando uma nova etapa para a modernização da educação pública no cenário
maranhense.

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Linhas
Referências

AZEVEDO, Crislane Barbosa de. Grupos escolares em Sergipe (1911-1930): cultura escolar,
civilização e escolarização da infância. Natal, RN: UFRN, 2009.

FERRO, Maria do Amparo B. Cazuza e o sonho da escola ideal. São Luís: EDUFMA, 2010.
308 p.

JORNAL O ESTADO DO MARANHÃO. São Luís, nº. 9292, ano, XXXV, 1 ago. 1904.

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Campinas, SP: Mercados das Letras, 2006.

Recebido em: 20/08/2014


Aprovado em: 14/10/2014

Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC


Programa de Pós-Graduação em Educação – PPGE
Revista Linhas
Volume 17 - Número 33 - Ano 2016
revistalinhas@gmail.com

Revista Linhas. Florianópolis, v. 17, n. 33, p. 284-308, jan./abr. 2016. p.308


TEXTO 13

CAPÍTULO 18

ESCOLA NORMAL
Uma instituição tardia. no Maranhão

Diomar das Graças Motta


Iran de Maria Leitão Nunes

Duas questões nos instigaram a tecer sobre a gênese da primeira instituição formadora
de professores(as) em solo maranhense: a primeira trata-se da reduzida produção histórica
sobre o nosso espaço educacional; e a segunda ocorreu em 1997, no município de Caxias--
MA, após nossa palestra sobre "A questão da mulher na .educacão brasileira", em que uma
jovem professora, recém-formada, perguntou-nos: -
-- Professora Diomar, o que é essa Escola Normal, que as mulheres tanto
freqüentavam?
Essa questão nos remete a Hobsbawm (1995, p. 13) quando registra: Quase todos os
jovens de hoje crescem numa espécie de presente continuo, sem qualquer relação orgânica com o
passado público da época em que vivem.
Portanto nosso propósito, nesta construção, é contribuir para que o passado educacional
maranhense não seja destruido, ampliando nossa memória e, principalmente, a de nossos jovens,
informando-lhes e explicando-lhes acerca da emergência da Escola Normal, entre nós, os
mecanismos socioculturais, que a precederam, cujas marcas impregnaram sua gênese e
delimitaram suas dimensões: material, organizacional e de pessoal. As fontes escritas
documentais e literárias nos ajudaram nesta caminhada. Sua eleição deveu-se, em parte, ao
esforço da Professora Lílian Maria Leda Saldanha, então mestranda do Programa de Educação
da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) que, ao elaborar sua dissertação, no início da
década de 1990, sobre A instrução pública maranhense na primeira década republicana (1889 a
1899) nos legou um vasto acervo, constituído por documentos oficiais desse período, bem como
seu texto dissertativo que permanece inédito, embora não sejam conhecidas suas abundantes
informações, repletas de detalhes historiográficos que, indiretamente, têm estimulado a tímida
produção nesse campo, especialmente, entre as egressas das licenciaturas, através de seus
trabalhos mono gráficos.

Marcas socioculturais e políticas


('

No Maranhão foram ínfimas e inexpressivas as atividades culturais até o início do, '
século XIX, de que se tem conhecimento. ,.
Só a partir dessa época que temos registrado as primeiras manifestações concretas de
atividades culturais, ou sejam, materializadas com a inauguração do Teatro União (1817),
300 hoje Artur Azevedo; a Tipografia Nacional, com a circulação do primeiro periódico-
DIOMAR DAS GRAÇAS o Conciliador do Maranhão (1821) e do primeiro periódico cientí fico - A Folha Medicinal
MOITA do Maranhão (1822), ao lado da primeira sociedade cultural, de que se tem notícia -
IRAN DE MARIA Sociedade Patriótica, Política e Literária (Meireles, 200 I, p. 20 I).
LEITÃO NUNES
Se por um lado desabrocharam ações culturais, de outro a cfcrvescência política se
alastrava e as manifestações de desagrado se acentuavam como a tardia adesão do Maranhào
à Independência do Brasil em 28.7.1823; a Balaiada (1839-1841) que para Carlota Carvalho
(2000, p. 139) foi uma luta de origens profundas na formação social do Maranhão e de acentuadas
características liberais, mesmo oferecendo capítulos brutais de violência e rapinagem. Ao que Sotcro
dos Reis ratificou:

A Balaiada foi um grande, um formidável desabafo, um protesto contra a espoliação,


o despotismo e o furto apoiado na "lei", a luta, contra os ricos e a autoridade corrupta,
contra a polícia a serviço do coronel, contra o feitor cruel e subserviente (apud Lima,
1981, p. 137).

Acrescente-se a essas observações que durante o Primeiro c o Segundo Reinados


(1823-1889), o Maranhão teve em exercício 92 govemantes, entre presidentes c vicc-presidentcs,
ocasionando uma grande instabilidade político-administrativa, descontinuidade nas questões
públicas, inclusive as educacionais.
Sobre essas últimas tem-se conhecimei to, no início do século XIX da abertura de uma aula
de comércio, a cargo de Francisco Justino da Cunha, que logo foi demitido, face aos desmandos, da
época e o descaso com a instrução pública (Meireles, 200 I, p. 200). Os filhos e fi lhas das famílias
abastadas atravessavam o Atlântico para se instruírem na Europa, contribuindo para a
formação dos responsáveis pelo núcleo intelectual da época; enquanto os filhos c filhas das
famílias despossuídas economicamente engrossavam o contingente de analfabetos, que era em
tomo de 90% de uma população total de 430.854 habitantes, dos quais 29.308 residiam na
capital- São Luis, o que configurava uma Província com expressivo índice de moradores na
zona rural, praticamente 93%, de acordo com o recenseamento de 1890. Releva dizer que 5m'fJ
da população maranhense era de origem africana, ainda que discutível esse percentual não só
pelas restrições impostas às pessoas negras, como pela precariedade dos registros estatísticos,
também decorrente da desorganização administrativa da Província (Marques, 1979).
A estrutura escolar após o Ato Adicional de 1834 até o término do Império era em parte
privatizada, contando com muitas mulheres proprietárias de instituições de ensino (Motta,
2003). O poder provincial participava dessa estrutura na capital, em São Luis com o Liceu
Maranhense, criado em 1838; a Casa dos Educandos Artífices, fundada em 1841 e extinta em
1889; Asilo de Santa Teresa (1855) para educação de crianças expostas e órfãs legítimas ou
legitimadas, porém extinto em 1870; Escola Agronômica do Cutirn, que funcionou de 1859 a
1865; e conforme a Fala do então Presidente da Província - Dr. José Bento de Araújo
(1886-1888) em I I de fevereiro de 1888, havia 149 cadeiras públicas do então ensino
primário, porém ocupadas por pessoas mal preparadas para o exercício do magistério. Essa
questão do despreparo de professores(as) dessas cadeiras era freqüentcmcnte assinalada nos
relatórios de inspeção e reiterada nas Mensagens governamentais enviadas ao legislativo local,
mas sem nenhuma providência imediata.
É neste panorama de omissão, instabilidade política, descaso pela instrução pública
por parte da administração provincial que assinalar essas marcas se fez necessário, para que
melhor pudéssemos compreender e explicar o tardio aparecimento de uma instituição
imprescindível como Escola Normal, para o nosso meio e, em especial, porque o século XIX,
na historiografia c@ educação é considerado o século da educação e da cscolarização e pouco •
-;epercutiu no Maranhãõ~- -- --
f
\
Esses fatos nos levaram a questionar: Por que os políticos provinciais em sua
"instantaneidade administrativa" (segundo Fran Paxeco, 1874-1952) não conseguiram ESCOLA NORMAL
vislumbrar a melhoria da instrução maranhense? Ou temiam que a oferta de instrução a uma
. população majoritária de descendentes africanos abalasse a economia maranhense
sustentada pelo braço escravo? Será que os intelectuais egressos da Europa não conseguiam
se sensibilizar com o precário quadro da instrução local?
A resposta a esses questionamentos perpassa a Escola Normal e reflete em sua
trajetória e estabi Iidade. Vejamos:

As primeiras tentativas
A deficiência manifestada pelos(as) ocupantes das cadeiras públicas nas aulas de
Primeiras Letras fez com que o nono presidente da Província, tenente coronel Manoel
Filizardo de Souza MeIo (1839 a 1840) determinasse a freqüência obrigatória de professoras
e professores primários na aula de Pedagogia sob a responsabilidade de Felipe 8enício d'
) Oliveira Condurú Almeida, considerado o primeiro professor maranhense a obter bolsa de
estudos na Europa, onde se especializou em Pedagogia (Pacheco, 1968).
Esta aula denominada de Escola Normal era ministrada nas dependências do Liceu
Maranhense, que funcionava desde a sua criação, em 1838, no pavimento térreo do Convento
de N. Sra. do Carmo, que fora alugado devido à brevidade ou "instantaneidade administrativa"
não contemplarem edificações públicas (Femandes, 1929). Ademais a falta de assiduidade dos
22 professores que integravam a primeira turma, pela objeção que faziam ao Método
Lancasteriano, que era a centralidade da referida aula, determinou sua oferta de 1840 a 1844 (Saldanha,
1992, p. 123). Cabendo portanto a sua extinção ao desembargador João José de Moura
Magalhães, 14°presidente da Província no período de 17 de maio a 4 de outubro de 1844. Para
alguns estudiosos, esta é considerada a primeira tentativa de implantação da Escola Normal,
em terras maranhenses.
Viveiros (1954, p. 32) em seus Apontamentos para a história da instrução pública e
particular do Maranhão registra que rara era a realização pedagógica ou obra de benemerência
levada a efeito no Maranhão; que não tivesse a frente à prestigiosa associação. Referia-se à
Sociedade Onze de Agosto ( 1870 a 1882) I que foi criada na capital da Província com o fim ele
oferecer cursos noturnos para a classe operária. A preocupação dos seus gestores com a
instrução, à época, fez com que fossem os autores da segunda tentativa ele criação da Escola
Normal. Para tanto procederam a elaboração dos programas e instruções administrativas
para seu funcionamento. A duração do curso seria de 2 anos e deveria ser subvencionado
pelo governo provincial com uma verba de 4:800$000 reis anuais. Os programas das
cadeiras foram aprovados em 1874, mas o curso foi extinto sem contudo diplomar um só
professor ou professora. Convém observar que esse esforço de criação da parte de
intelectuais maranhenses ocorre trinta anos após a iniciativa mal sucedida da aula de
pedagogia. Constatações que de certo modo respaldam um de nossos questionamentos
anteriores. Esta é a única iniciativa de pessoas que retomaram de seus estudos, de que temos
conhecimento, referente ao quadro desfavorável da instrução maranhense.
Tanto que, em sendo a Escola Normal uma instituição que emerge no Brasil, no período
regencial (1831 a 1840), no Maranhão, nessa ocasião só conseguimos tentativas.

I. Este nome foi uma homenagem à data da criação dos cursosjurídicos no Império, pois os fundadores da
Sociedadeeramtodos bacharéisem Direito.Forameles: Dr.João AntônioCoqueiro,DI'.Antoniode Almcida
e Oliveirac Dr. Martiniano MendesPereiraque, pela iniciativa,foramcondecoradoscomo grau de Oficial da
ImperialOrdem das Rosas por Sua Majestade o Imperador(Marques, 1970, p. 5Q2).
302 o surgimento
DIOMAR DAS GRAÇAS
MOITA É SÓ no período republicano, que surge nossa Instituição, mais precisamente, através
IRAN DE MARIA do Decreto n'' 21 de 15 de abril de 1890, que "Reorganizava o ensino público no Estado",
LEITÃO NUNES
estabelecia:
Art. 7° - Fica criada nesta capital uma Escola Normal onde funcionarão as seguintes cadeiras:
1° - Gramática e Portugueza e Literatura brasileira e portugueza.
• •
r -Arithmética. Álgebra. Geometria e T rigonometria
3° - Elementos de Physica. Chymica e Mineralogia
4° - Elementos de Botânica, Zoologia e Geologia
5° - Geographia Geral e do Brasil
6° - História Geral e do Brasil
]O - Pedagogia
8° - Desenho
9° - Música
I0° - Gymnastica
Finalmente, após 16 anos da fracassada tentativa da Sociedade Onze de Agosto, o
poder executivo no Maranhão tem a iniciativa de legitimar a criação da primeira instituição
formadora de professores e professoras. À época, o Estado tinha a frente o segundo
governador provisório, o dr. José Tomaz Porciúncula que assumiu o exercício em 2 J de
janeiro de 1890 e se dernissionou em 5 de julho do mesmo ano, permanecendo menos de seis
meses no cargo. Tem-se a impressão de que a "República repetia o Império", no concemcnte
à permanência dos titulares do executivo. Postura que contribuiu e muito para o atraso
econômico e social do Estado, repercutindo, sobremaneira, na instrução pública local.
Apesar de pouco tempo de exercício, face ao dualismo político-partidário, entre
conservadores e liberais, em parte responsáveis pela alternância do poder, dr. Porciúncula
não só criou a escola Normal, como contraiu o primeiro empréstimo do Estado, junto ao
Banco Nacional do Brasil no valor de Rs 300:000$000, a fim de minorar a situação do
Tesouro estadual e, conseqüentemente, honrar compromissos como pagamento do
funcionalismo, de há muito com seus vencimentos atrasados, inclusive o professorado de
Primeiras Letras e os Lentes do Liceu. Essa situação
providências que assegurassem o funcionamento da recém-criada
o estimulou
Escola Normal:
a tomar as seguintes
I
a. Para que o início das aulas ocorresse de pronto, o Governador dispensou o
\'
concurso para provimento das cadeiras, nomeando em caráter interino os
primeiros professores da Escola:
Desenho - Dr. Cândido Jorge Barbosa
Música -- Sr. Luis Medeiros
Pedagogia - DI'. Agripino Azevedo
As demais cadeiras foram comuns ao Liceu Maranhense, ficando a cargo dos
respectivos lentes, que tiveram um acréscimo salarial de 200 réis. Passariam estes a J I

contar 'com um salário anual de 2.000 reis. No entanto, Saldanha (1992) em seu
estudo registra que apesar dos esforços para criação da Escola Normal, 110 que
concerne à questão salarial, o Decreto n° 21/1890 discriminava os novos professores
(cadeiras de Desenho, Música, Pedagogia e Ginástica) ao arbitrar-Ihes 800 reis
anuais, o que representava 40% dos lentes do Liceu com ou sem o acréscimo.
r
I. b. Os exíguos recursos financeiros destinados à instrução pública não comportavam a
construção de prédios escolares, o que fez com que determinasse o seu ESCOLA NORMAL

funcionamento junto com o Liceu Maranhense, que à época se encontrava em um


prédio alugado à Rua Formosa, 28, no Centro de São Luís. Por falta de pagamento
os frades franciscanos solicitaram as dependências do Convento que o abrigava
por mais de sessenta anos (Cavalcante, 2003).
c. A fim de assegurar a competência dos futuros professores com a oferta de ensino

I
que não fosse abstrato, admitiu que o mesmo deveria ser desenvolvido, através de
1'

,
recursos modemos, o que lhe levou a autorizar a compra, na Europa, da Coleção de
1•
/., História Natural,
deveria também
Laboratórios
ser utilizado
de Física e Química.
pelos lentes no Liceu.
Segundo ele, esse material

d. Contribuiu para que em 22 de junho de 1890 fosse aprovado o Regulamento da


Escola Normal, que dispôs:
•I
• A duração do curso será em três anos;
1.
• O ingresso tem como exigência a comprovação de conclusão do ensino
primário, idade mínima de 17 anos para os rapazes e 15 anos para as moças;
• O programa de cada cadeira deverá ser organizado pelo Conselho Superior de
Instrução, em harmonia com os respectivos lentes;
• O curso da Escola Normal tem por fim não só instruir os alunos e professores,

r.
I mas também exercitá-los na maneira prática de ensinar, educando-os na
metodologia peculiar a cada uma das disciplinas;
• A direção das atividades de Prática de Ensino será do lente de Pedagogia;
~
• Na Prática de Ensino cabe aos alunos do 10 ano apenas observar as aulas e os da
I 2" e 3" séries auxiliarem o lente;
I • O horário de funcionamento era de 8 horas da manhã às 15 horas, em uma única
sessão;
• Os exames finais em cada cadeira constavam apenas de prova oral, com 20
minutos para cada aluno.

Com todas essas providências a escola iniciou seu funcionamento no mês de julho de
1890, pouco antes da demissão do seu criador.
Muitas dificuldades, normalistas e lentes enfrentaram para que o funcionamento fosse a
contento, dentre elas a falta de livros, especialmente os compêndios de Pedagogia, induzindo o
governador Alfredo Cunha Martins (1892-1893) a designar uma comissão para elaboração do
que seria a primeira obra maranhense de Pedagogia. Para direção da comissão foi designado o
lente de Biologia e Sociologia, Manoel Béthencourt. Decorrido um ano da designação, a obra
1• não foi concluída, e o seu diretor enviou oficio ao Governador comunicando sua viagem aos
estados do Pará e do Amazonas, a fim de buscar subsídios para o trabalho. Indignado, o
Governador extinguiu a Comissão e exigiu o retomo em trinta dias do lente para assumir as
suas cadeiras. Não houve retomo e nem a conclusão da obra.
Não obstante esses percalços, os resultados da Escola Normal não foram compatíveis
ao esperado, como demonstramos a seguir:
304 Ano
Alunos(as)

DIOMAR DAS GRAÇAS Matriculados(as) Diplomados(as)


MOITA
1890 16 -
IRAN DE MARIA
LEITÃO NUNES 1891 29 -

1892 31 -

1893 16 3
1894 14 -

1895 8 2
1896 16 -

1897 21 4
1898 30 1
1899 46 2
Total 222 11
Quadro 1. Fluxo de alunos c alunas na Escola Normal ( 1890-1899).
Fonte: Saldanha (1992, p. 213-4).

A inexpressividade do número de egressos da Escola Normal em uma década fez com quc
o grupo político oposionista solicitasse a sua extinção juntamente com a Escola Modelo, que fora
criada pela Lei n'' 155 de 6 de maio de 1896 para servir de campo de apl icação das normal istas.
O surgimento da Escola Modelo, cinco anos após a criação da Escola Normal, se
constituiu uma das iniciativas que garantisse a sua consolidação, pois o Regulamento de
1890 previa a Prática de Ensino, mas até então não dispunha de espaço adequado. Além do
que a sociedade reclamava a presença de normalistas para expansão do ensino primário.
Naquela ocasião, segundo Barbosa de Godois (1910, p. 4) a instrução do povo não era uma
questão de interesse privado ou que indiretamente afetasse o Estado; era uma questão de interesse
coletivo, presa diretamente ao bem estar público e à ordem política.
Isso posto verifica-se um novo horizonte no período republicano, uma nova
elaboração no sentir e pensar do período precedente e com isso a instrução ganha uma nova
face e com esta a presença da norrnalista se impõe.

A consolidação da Escola Normal


A criação da Escola Normal não foi suficiente para sensibilizar os governadores da
sua necessidade para a ação educacional no estado do Maranhão.
2
Cônscio da importância da instituição, o jurista Benedito Pereira Leitc (1857-1908)
chefe do Partido Republicano avocou para si a consolidação da tardia Escola Normal
maranhense. Para tanto procurou contribuir com iniciativas, que assegurassem o exercício das
normalistas no sistema escolar, tais como:
• Plano de carreira e aumento salarial dos(as) normal istas, através das Leis n'' I 19/ I R95
e 164/1896;
• Ocupação das cadeiras do ensino primário por norma listas, enquanto as titulares
sem habilitação tornavam-se adjuntas sem perda dos vencimentos;

2. Benedito Pereira Leite formou-se em Direito pela Faculdade de Recife, foi promotor. juiz municipal e dos
Órfãos, inspetor do Tesouro. deputado estadual, federal, senador da República. governador do Estado de
1906 a 1908 quando faleceu em Paris. para onde viajara doente. Teve domínio 11a administracào c na polítiea
do Estado por 15 anos de J 893 a 1908 (Lima. 2002, p. 59-60).

-
• Inclusão da cadeira de "Costura, Bordados e Princípios de Economia Doméstica"
em face de demanda de alunas do sexo feminino; ESCOLA NORMAL
• Desmernbramento da Escola Normal do Liceu Maranhense, através da Lei
J
n0207/1898, sendo nomeado seu primeiro diretor o médico Almir Parga Nina .

Essas medidas contribuíram para o aumento da matrícula a partir de 1896, mas a


diplomação só aumenta na década de 1900. Dentre as iniciativas de Dr. Benedito Leite, a cessão
\1,
de bolsas de estudo para alunos(as) carentes do interior não teve o efeito desejado, que era ter
professoras normalistas em todas as regiões do interior do Estado. Fato que foi <concretizado, em
parte, na década de 1940, mas com as normalistas egressas da Escola Normal Primária "Rosa
Castro", que foi a segunda no Estado e a primeira privada, fundada e instalada, em J 9 J 6.

Considerações finais
As condições para o surgimento da Escola Normal no Maranhão não Ihes eram
favoráveis, apesar da necessidade de normalistas contida em relatórios de inspetores e,
conseqüentemente, nas mensagens governamentais, coino alude Saldanha (1992).
Entretanto, o relaxamento, a incúria e a comodidade dos intelectuais e dos responsáveis pelo
poder público foram as principais causas da sua tardia irnplantaçãox Infelizmente a
indiferença à sua importância se estendeu por mais de uma década, após a seu surgimento,
tornando-se apenas instituição útil como "moeda de barganha política", pois a falta de
recursos estaduais, depois da sua implantação, era motivo, para que durante sua primeira
década, fosse solicitada a sua extinção. Ao que tornou célebre a frase de Dr. Benedito Leite:
"Prefiro cortar a mão a assinar a supressão da Escola Normal ou da Escola Modelo".
Essa frase que se encontra gravada no plinto de mármore branco, em um livro aberto
sobre ramos de louro, em sua estátua, inaugurada em 191 J, na Praça Benedito Leite, em São
Luis, constituindo a marca e o testemunho público da luta por uma Escola Normal em solo
maranhense, ainda que tardiamente.

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;
TEXTO 14
51 52

CAPÍTULO 2: MARIA FIRMINA DOS REIS: RECONSTRUINDO ousou escrever. É perceptível a intencionalidade do biografo em mistificar ou
FRAGMENTOS mitologizar a imagem de Maria Firmina dos Reis, a partir de uma valorização da
cultura regional e uma exaltação em prol de construir um símbolo de uma
maranhense intelectual, que como negra, ousou escrever em pleno século XIX.
Neste capitulo será apresentada a trajetória de vida da escritora e A partir daí, em 1975, Maria Firmina dos Reis, recebeu várias
educadora Maria Firmina dos Reis, com vistas a identificar e analisar sua inserção homenagens em comemoração ao sesquicentenário do seu nascimento. Dentre
como educadora no cenário educacional maranhense, procurando ainda por indícios elas, está a publicação da edição fac-similar do romance Úrsula, a proclamação do
de sua atuação. Propusemo-nos desvendar a trajetória percorrida pela maranhense Dia da Mulher Maranhense, como a data de seu nascimento em 11 de outubro e a
no aprendizado das primeiras letras até sua carreira docente. Para isso, teremos inauguração de um busto, criado pelo artista plástico Flory Gama, que foi colocado
como referência a sua única biografia Maria Firmina, fragmentos de uma vida, de na Praça do Pantheon Maranhense, na capital São Luís. Já na cidade de
José Nascimento Morais Filho36 e dois trabalhos sobre sua literatura, de autorias de Guimarães, na qual viveu e trabalhou como educadora, uma escola e uma rua levam
37
Mendes (2006) e Oliveira (2007) . o seu nome (MORAIS FILHO, 1975, p.208)39.
Morais Filho nesta biografia reúne poesias, hinos, contos, depoimentos de
ex-alunos e alunas da escola que fundou em Maçarico. A pesar do esforço em
apresentar, o livro aponta apenas fragmentos da vida e obra da escritora e
educadora. O enfoque dado no livro é a preocupação em mostrar o pioneirismo, da
autora como a primeira mulher a publicar romance no Brasil38.
Nortearemos uma problematização acerca da construção da imagem de
Maria Firmina dos Reis, no que se refere ao seu ressurgimento como um símbolo de
mulher letrada maranhense e, a relação dela com seu primo, o professor, poeta,
jornalista, político, filólogo e crítico literário, Francisco Sotero dos Reis, que
provavelmente teria influenciado sua carreira de educadora e escritora.
O biografo Morais Filho (1975, p.12) descreve a maranhense como a
primeira romancista brasileira, o símbolo de mulher, maranhense, letrada, negra que

36
José Nascimento Morais Filho nasceu no dia 15 de julho de 1922 em São Luís do Maranhão, foi
professor, poeta, jornalista e folclorista, sendo participante do Modernismo em seu estado. Algumas
das suas obras, Clamor da Hora Presente (1955), Pé de Conversa (1957), Um Punhado de
Rima (1959).
37
Em sua pesquisa Mendes (2006) tem como questão central “(...) rastrear o processo de inclusão e
de exclusão das escritoras Maria Firmina dos Reis e Amélia Beviláqua na historiografia literária
brasileira do século XIX e XX” e Oliveira, (2007, p.24), busca a “[...] denúncia da condição de
desigualdade a que as mulheres e que os africanos e seus descendentes estavam submetidos, no
Brasil, do século XIX, devido à atuação do regime patriarcal”.
38
Raimundo de Menezes a incluiu na segunda edição do Dicionário Literário Brasileiro, em 1978, e
sobre está discursão também diz que Maria Firmina: “[...] É considerada em seu Estado (Maranhão) a
primeira mulher a escrever romances no Brasil [...]”. Sendo que “[...] A paulista Teresa Margarida da
Silva Orta é considerada a primeira brasileira a escrever romances, mas, segundo os maranhenses,
sua obra Aventuras de Diófanes, escrita em 1752, foi publicada em Portugal e trata de mitologia
39
grega, um tema que nada tem a ver com o Brasil. Por isso, entendem, não pode ser considerada a Nos anexos desta pesquisa disponibilizamos a imagem da edição fac-similar do romance Úrsula,
primeira escritora brasileira.” (MENEZES, 1978, 570) do busto, da rua e da escola que levam o seu nome em Guimarães.
53 54

Letras na Vila de Guimarães; Fundou a primeira escola mista e gratuita no


Brasil. (Placa do Busto, grifos nosso)

O busto, antes colocado na Praça do Pantheon Maranhense (em frente à


Biblioteca Pública Benedito Leite), junto aos outros 17 bustos de intelectuais
maranhenses, entre eles Gonçalves Dias, Josué Montello, Graça Aranha e Aluízio
Azevedo, foi transferido ao Museu Histórico e Artístico do Maranhão41. Maria
Firmina dos Reis era a única mulher a figurar entre tantos homens considerados
importantes nas letras ou na política do Estado.
A visualização do busto nos permitiu retomar a problematização acerca
da construção da imagem da maranhense, uma vez que ele foi esculpido quando
existia um movimento em mistificar ou mitologizar “redescobrir” e recuperar a figura
da intelectual Maria Firmina dos Reis. Neste processo de consagração da imagem
da maranhense no cenário nacional, o artista plástico Flory Gama a apresenta como
uma mulher diferente da que nos foi apresentada por Morais Filho a partir de relatos
de ex-alunos e filhos adotivos de Maria Firmina.
O artista plástico apresenta uma maranhense com nariz proeminente e
mais afilado, os lábios finos, cabelos lisos, amarrados em forma de coque. Sua
vestimenta simples e bem cavada, com os seios quase à mostra e bem avantajados,
em nada se parece com a mulher pequena, parda, de rosto arredondado, olhos
Figura 1: O busto de Maria Firmina dos Reis
que se encontra no Museu Histórico e Artístico do Maranhão escuros, cabelos crespos (e grisalhos). (MORAIS FILHO, 1975) Além da descrição e
Fonte: Acervo pessoal - Carla Sampaio dos Santos, 2015.
da imagem não serem assemelhadas, a representação dela, com roupas tão
Na placa que se encontra no pedestal do busto acima encontram-se os singelas, colo desnudo e nenhum adereço mostram que o autor não procurou
dizeres: retratá-la em seu tempo, mas justamente retratá-la como uma mulher sem vaidades
acentuadas, uma representação social em que seu rosto e expressão devem
MARIA FIRMINA DOS REIS
chamar mais atenção do que seu lugar social ou os signos da época em que viveu.
Em nada se parecendo com uma mulher negra ou mulata.
Nasceu em 10 de novembro40 de 1825, em São Luís/MA; Faleceu em 11 de
novembro de 1917 em Guimarães/MA foi a primeira romancista brasileira; Foi
a única mulher aprovada em concurso público para a cadeira de Primeiras

40
Existe uma discordância em relação ao mês de nascimento da escritora. Na placa consta
41
novembro, sendo que o mês correto, segundo os biógrafos, é outubro. Todos os bustos, inclusive de Maria Firmina, foram retirados da praça por conta da ação de
vandalismo, já que estavam sendo pichados. O Museu Histórico e Artístico do Maranhão se localiza
na Rua do Sol, na capital, São Luís.
55 56

Então, a partir desse cenário de valorização da intelectual maranhense, “De uma compleição débil e acanhada, eu não podia deixar de ser
uma criatura frágil, tímida e, por conseqüência, melancólica: uma
criado por seu biografo, a maranhense passa a ser objeto de pesquisas acadêmicas, espécie de educação freirática veio dar remate a estas disposições
ganhando visibilidade no cenário nacional42. naturais. Encerrada na casa materna, que só conhecia o céu, as
estrelas e as flores que minha avó cultivava com esmero; talvez por
O levantamento bibliográfico realizado mostra que os trabalhos de isso eu tanto amei as flores; foram elas o meu primeiro amor. Minha
irmã... minha terna irmã e uma prima querida foram as minhas únicas
pesquisa feitos sobre Maria Firmina dos Reis estão no campo da Crítica Literária e amigas de infância; e, nos seus seios, eu derramava meus
da História. As pesquisas versam sobre o resgate da imagem de um cânone melancólicos e infantis queixumes; por ventura sem causa, mas já
bem profundos [...] Vida!... Vida, bem penosa me tens sido tu! Há um
maranhense e estudos de sua obra mais famosa, Úrsula, tendo como análise a desejo, há muito alimentado em minha alma, após o qual minha alma
tem voado infinitos espaços e este desejo insondável e jamais
narrativa, os personagens para sua crítica à escravidão. satisfeito, afagado, e jamais saciado, indefinível, quase que
Maria Firmina dos Reis nasceu em 11 de outubro de 1825, no bairro de misterioso, é, pois, sem dúvida, o objeto único de meus pesares
infantis e de minhas mágoas. Eu não aborreço os homens, nem o
São Pantaleão, na Ilha de São Luís, capital da província do Maranhão, registrada mundo, mas há horas e dias inteiros que aborreço a mim própria
(MORAIS FILHO, 1975).
por João Esteves e Leonor Felipa dos Reis43. Mudou-se aos cinco anos de idade,
com sua avó, mãe, a irmã Amália Augusta dos Reis e a prima Balduína, para a casa
de sua tia Henriqueta, na vila de Guimarães, próxima a São Luís. Era prima, por
parte de mãe, do escritor e professor maranhense Francisco Sotero dos Reis Esse é o único documento, escrito pela própria Maria Firmina dos Reis,

(MORAIS FILHO, 1975, p.205). que sinaliza o tipo de educação que lhe foi proporcionada. Não é possível,

Com relação à educação que teve na infância, a própria Maria Firmina determinar se frequentou algum estabelecimento de ensino para o aprendizado de
44
dos Reis em seu álbum , cujo título é Resumo de minha vida, nos conta que, primeiras letras e/ou se passou a frequentar alguma escola de formação para
exercer o cargo de professora de primeiras letras, mas nota-se pela sua própria

42
declaração, que sua educação teve um modelo freirático, coisa que se percebe,
Apresento algumas pesquisas do cenário nacional e maranhense sobre Maria Firmina dos Reis,
tais como NASCIMENTO, Juliano Carrupt do. O negro e a mulher em Úrsula de Maria Firmina dos aliás, por suas palavras, que indicavam a casa da mãe como um lugar de
Reis. 1. ed. Rio de Janeiro: Caetés, 2009. 130p; SANTOS, Carla Sampaio dos. Educação,
Negritude e Condição Feminina: uma análise sobre Úrsula, romance abolicionista de Maria recolhimento extremo, seu reconhecimento de ter sido uma criança tímida que, pela
Firmina dos Reis Viçosa, Universidade Federal de Viçosa, (monografia e graduação), 2013.; LOBO,
Luiza. Auto-retrato de uma pioneira abolicionista. In: Crítica sem juízo. Rio de Janeiro: Francisco educação, tornou-se também melancólica. Mais à frente, neste Álbum, ela mostra-se
Alves, 1993, P. 222-238. BATISTA.; SILVA, Régia Agostinho. A escravidão no Maranhão: Maria
a clamar pela piedade divina, para que sua morte chegasse, a fim de livrá-la do
Firmina dos Reis e as representações sobre escravidão e mulheres no Maranhão na segunda
metade do século XIX. 2013.177f. Tese (Doutorado em História Econômica) – Universidade de São sofrimento e das dores do existir.
Paulo, São Paulo – SP. 2013. CONCEIÇÃO, Maria Moreira de. A tríade escrava na obra. São Luís:
UFMA, 2002, monografia.; DUARTE, Eduardo de Assis. Maria Firmina e os primórdios da ficção É difícil, pela documentação encontrada determinarmos se, e de que
Afro-brasileira. In: Úrsula, A escrava. Atualização do texto e posfácio de Eduardo de Assis Duarte.
Florianópolis: Editora Mulheres; Belo Horizonte: PUC Minas, 2004.; MUZART, Zahidé Lupinacci. maneira Maria Firmina dos Reis iniciou sua formação para os saberes e as práticas
Maria Firmina dos Reis. In: MUZART, Z. L. (Org.). Escritoras Brasileiras do século XIX.
Florianópolis: Editora Mulheres, 2000, P. 264-284. escolares durante sua infância, até sua inserção no exercício docente. Os únicos
43
Seus filhos adotivos Leude Guimarães e Nhaninha Goulart, relatam a existência dois apelidos,
registros que obtivemos são relatos esparsos da própria Maria Firmina que fazem
Diliquinha “[...] assim chamavam Maria Firmina em casa, e os íntimos.” E o outro era Mamanquinha.
(apud MORAES FILHO, 1975, p.209 e 222) parte do seu álbum pessoal.
44
Segundo Mendes (2006, p.27), são pequenos textos, a maioria versando sobre a dor da partida. O
tom que domina é o elegíaco. É uma autobiografia intitulada “Resumo de Minha Vida”. Os textos são Em um desses relatos, Maria Firmina dos Reis deixa a entender a ideia
de 9 de janeiro de 1853 e 1° de abril de 1903. Como informa o senhor Leude Guimarães, filho adotivo
da escritora, os documentos da sua mãe, que estavam em seu poder, foram roubados de um baú, em de que seus ensinamentos teriam sidos concebidos no seio familiar, quando no
um hotel em São Luís, restando apenas parte do diário. O pesquisador Nascimento Morais Filho, de
posse das informações e do restante dos manuscritos, publicou-os junto à obra de resgate da escrito “A memória de minha venerada mãe”, de 7 de abril de 1871, agradece à sua
escritora Maria Firmina dos Reis (Nascimento Morais Filho. Maria Firmina dos Reis: fragmentos de
mãe pelo incentivo a prática da leitura, e, possivelmente a prática da escrita,
uma vida). No entanto, Luiza Lobo (Crítica sem juízo. Rio de Janeiro: Francisco Alves 1993. p. 222-
238) questiona que o Álbum esteja incompleto. Para ela, esse parece ter forma originalmente declarando que:
entrecortada e descontinua. Ao ser publicado, foram invertidas as páginas.
57 58

[...] É a ti que devo o cultivo de minha fraca [inteligência]; - a ti, que Com o processo pós-independência a influência portuguesa vai cedendo
despertaste em meu peito o amor a literatura; - e que um dia me
disseste: o lugar à literatura francesa e inglesa no Brasil, e isso, foi identificado nas
Canta! referências de leitura e nas obras de Maria Firmina, com as traduções e epígrafes
Eis pois, minha mãe, o fruto dos teus desvelos para comigo; - eis as
minhas poesias: - acolhe-as, abençoa-as do fundo do teu [sepulcro] em francês.
[...].
A partir da análise da escritora Harriet Beecher Stowe foi possível
reconhecer similaridade entre o livro, A Cabana do Pai Tomás (1851)47 e o romance
Úrsula (1859) de Maria Firmina. As obras tiveram como proposta abordar a questão
A escritora atribuiu à sua mãe, o amor e o interesse pela prática da
da luta dos escravos contra os senhores de engenho à procura de liberdade. Cada
leitura, sinalizado que o gosto pela leitura e pela escrita nasceu no espaço familiar.
autora fez isso a partir de sua realidade, uma nos Estados Unidos e a outra no
Portanto, podemos acreditar que Maria Firmina dos Reis teve sua iniciação no
Brasil. É provável que Maria Firmina se valeu da ideia da Elizabeth Beecher Stowe
campo das letras desde cedo, com o incentivo materno.
para falar de uma mesma escravidão só que seu olhar foi para o Brasil.
Nota-se ainda que a maranhense, nos dois relatos, demonstra uma
Outro escritor foi João Almeida Garret que com sua publicação periódica
consciência social sob a “educação freirática” que a mulher vivia relegada no século
as Memórias de uma África Sofrida (1830), apresentou aos leitores características
XIX. Lembrando que a educação primária oferecida às mulheres, em geral, consistia
sobre o continente africano, como plantação, população que, possivelmente, Maria
no ensino de conteúdo moral, social e religioso, além do trabalho manual, como
Firmina se valeu para realizar uma escrita tão minuciosa no livro Úrsula, sendo um
coser, lavar, a delicada arte de ‘ser mulher’, de ser mãe, dona de casa, e um pouco
lugar que nunca conheceu.
de bordados, música, orações, etc.
Com estas poucas indicações, o que quero destacar aqui é que Maria
Princípios considerados morais como a timidez eram ensinados às
Firmina provavelmente teve acesso e inspirou-se em obras, que lidas no original, ou
mulheres a fim de serem recatadas ou, mostrar-se dessa forma diante de estranhos,
em alguma tradução, inseriam-na em uma grande cultura letrada, o que a colocava
dirigido com o intuito de fortalecer o papel de mãe e esposa. (ABRANTES, 2004,
em lugar de destaque para formação intelectual de sua época.
pág. 157)
Mas, voltemos nossa análise para a educação formal de Maria Firmina.
Ainda, segundo Mendes (2006, p.26), Maria Firmina foi uma mulher
Para além do incentivo de sua mãe, para a leitura e escrita dos textos literários, a
autodidata, sua instrução se fez através de muitas leituras, pois lia e escrevia
francês fluentemente. Defende essa teoria, por que a maranhense fez traduções do francês nascido que usou o primitivismo cultural criando uma das ideias formadoras do movimento
romântico francês. Entre os seus trabalhos estão L’ Arcadie (1781), Études de la nature (1784) e La
francês para publicações e, em seus poemas, encontram-se epígrafes em francês45. Mort de Socrate (1808). Harriet Elizabeth Beecher Stowe (1811-1896), nascida em Litchfield,
Connecticut - EUA foi escritora abolicionista. Entre seus trabalhos, o mais famoso é o romance Uncle
Além disso, para Mendes em suas obras foi possível constatar marcas de Tom’s Cabin (“A Cabana do Pai Tomás). Alphonse Marie Louis de Prat de Lamartine (1790-1869)
nascido em Mâcon - França foi um escritor, poeta e político francês. Seus primeiros livros de poemas
escritores internacionalmente conhecidos, George Gordon Byron, de Bernardin de Primeiras Meditações Poéticas (1820) e Novas Meditações Poéticas (1823). Seus trabalhos
Saint-Pierre, de Harriet Beecher Stowe, de Louis de Larmatine, de Willian influenciaram o romantismo na França e em todo o mundo. William Shakespeare (1564-1616),
nascido em Stratford-upon- Reino Unido, foi um poeta, dramaturgo e ator inglês, tido como o maior
Shakespeare, de João Almeida Garret, entre outros46. (ibidem, p.26) escritor do idioma inglês e o mais influente dramaturgo do mundo. É chamado frequentemente de
poeta nacional da Inglaterra e de "Bardo do Avon”. Entre os seus trabalhos estão Hamlet, Macbeth,
Romeu e Julieta e Júlio César. João Baptista da Silva Leitão de Almeida Garrett (1799-1854),
45
Como pode ser identificado em “Je t’aime! O ma vie” (Byron). Apud MORAIS FILHO, José nascido em Lisboa - Portugal e mais tarde 1.º Visconde de Almeida Garrett, foi um escritor e
Nascimento. Maria Firmina dos Reis – fragmentos de uma vida. São Luís: Governo do Estado do dramaturgo romântico, orador, par do reino, ministro e secretário de estado honorário português.
Maranhão, 1975 (Mendes 2006, p.26). Entre seus trabalhos, Camões (1825), Dona Branca (1826) e uma publicação periódica de Memórias
46
George Gordon Byron (Lord Byron) 6º Barão Byron (1788-1824), nascido em Londres – de uma África Sofrida (1830).
47
Inglaterra, conhecido como Lord Byron, foi um poeta britânico e uma das figuras mais influentes do Apresenta, de forma romanceada, o conflito vivido entre os escravos norte-americanos e os ricos
Romantismo. Entre os seus trabalhos mais conhecidos estão os extensos poemas narrativos Don proprietários de terras no sul dos Estados Unidos, mostrando quão infame era escravidão. A Cabana
Juan, A peregrinação de Childe Harold e o curto poema lírico She Walks in Beauty. Jacques-Henri do Pai Tomás é uma história de fé, coragem, determinação, perseverança e luta pela liberdade.
Bernardin de Saint-Pierre (1737-1814), nascido em Le Havre – França foi um escritor e botânico
59 60

maranhense tinha na figura do primo Francisco Sotero dos Reis, professor, poeta, destaque no cenário da instrução pública maranhense, na atuação como
jornalista, político, filólogo e crítico literário, uma admiração e de reconhecimento por educadores, nas suas práticas de escrita com suas obras publicadas e na
seu papel social. colaboração de textos em jornais locais.
A própria Maria Firmina dos Reis atesta isso, em uma poesia oferecida a Sabemos também que antes de iniciar suas atividades como escritora
seu primo, num claro elogio à sua dedicação ao Maranhão. Destacamos abaixo Maria Firmina “[...] [disputou] com duas concorrentes a vaga da cadeira de primeiras
trechos do texto: letras a cidade de Guimarães, e [foi] a única aprovada [...]” (MORAIS FILHO, 1975),
tornando-se, então, professora de primeiras letras no ensino público oficial na Vila
de Guimarães.
Minha Terra Temos como hipótese que seu primo Sotero dos Reis, como Inspetor de
OFFERECIDA AO DISTINCTO LITTERATO O SR. FRANCISCO ensino daquela época, tenha participado como avaliador ou acompanhado o
SOTERO DOS REIS. processo de seu exame. Como consta no trecho abaixo, um ano após a posse da
Maranhão! assucena entre verdores,
professora, o primo Sotero dos Reis deixa o cargo, para ocupar a função de
Gentil filha do mar - meiga donzella,
deputado provincial:
Que a nobre fronte, desprendida a coma,
Dos seios do oceano levantaste!
Quando és nobre, e formosa - sustentando[...]
A’ Francisco Raimundo Quadros – Pelo seu officio de hontem sob n.
[...] Oh! como é bello contemplar-te posta
1 fico inteirado de achar-se Venc. exercendo interinamente o cargo
Mole sultana n’um divan de prata, de Inspector de Instrucção Publica em lugar do Lente Francisco
Sotero dos Reis que o exercia e que passou a tomar assento na
Cobrando amor, adoração, respeito,
Assembleia Legislativa Provincial. (JORNAL PUBLICADOR
Dando de par ao estrangeiro- o beijo, MARANHENSE, Agosto/1848, Trecho transcrito, Figura 249)
E a fronte ornando de laureis viçosos!
Patria minha natal, - ninho de amores...[...].

Outra questão, que reforça a hipótese de que ambos tinham uma relação,
ainda que voltadas às questões profissionais na instrução pública, está no fato de
Sua poesia traz um lirismo exacerbado sobre a ilha de São Luís, na
seu primo Sotero dos Reis ter exercido por muitos anos o cargo de inspetor de
contemplação das belezas e, ao deixar claro seu carinho pela cidade na qual nasceu
ensino50. Além de participar de comissões para “[...] organizar mais regularmente, as
e que, neste texto, idolatra. Ao mesmo tempo, reverencia e reconhece seu primo
funções do magistério Público da Província” no que fosse “[...] conveniente codificar
Francisco Sotero dos Reis, colocando-lhe no patamar de um “Distinto Literato”, isto
na legislação existente sobre a instrução primária e secundária [...]” e tendo total
é, como um dos grandes escritores da época.
Percebemos que a trajetória de vida de Maria Firmina dos Reis dialoga de letras e ao seu ensino, foi um intelectual que nunca saiu de sua província. Teve contato com os livros
apenas aos doze anos quando adoeceu e passou um tempo na fazenda dos pais (na cidade de
alguma forma com este professor, Francisco Sotero dos Reis, 25 anos mais velho
Guimarães). Depois de seu retornou à cidade de São Luís, deixou a carreira de comerciante da
que ela. Ele mesmo, filho de uma educadora, que segundo consta, foi a responsável família do pai Baltasar José dos Reis e começou a estudar latim, filosofia e retórica na escola pública
do Convento de Nossa Senhora do Carmo e, em aulas particulares, aprende a língua francesa e
por dar-lhe acesso às primeiras letras48. Ambos estabeleceram um papel social de aritmética.
49
Optamos por transcrever todos os comunicados oficiais provinciais maranhenses por estarem em
péssima conservação. Denominamos de figuras que vão do número 2 a 12 que compõem o corpo do
48
Era visto como modelo a seguir, uma vez que, desde muito jovem, tinha uma conduta exemplar texto. Contudo seus originais encontram-se na parte dos anexos.
50
como filho (assumiu a responsabilidades da casa aos 18 anos depois da morte de seu pai, deixando Conseguimos localizar as nomeações para o cargo nos anos de 1838, 1848, 1849, 1850, 1858
de realizar seu sonho de cursar faculdade de medicina na França) e dedicou-se integralmente às e1863 conforme Jornal Publicador Maranhense. Ver em http://bndigital.bn.br/hemeroteca-digital/.
61 62

autonomia para as devidas “[...] correções, e complementos que julgarem necessário relatório dirigido a Assembleia Provincial solicitou que a mocidade seja capacitada
[...]51”. para colaborar no desenvolvimento do trabalho no país. E para isso, o inspetor
Como podemos constatar, Sotero dos Reis influenciou diretamente na entendia que o Liceu Maranhense precisava oferecer disciplinas “[...] corpos
criação/organização da instrução pública maranhense, no seu envolvimento como physicos, sobre a acção dos agentes naturaes sobre as combinações, e aplicações
Inspetor de ensino e com seus trabalhos de cunho didático-pedagógico na formação mechanicas [...]54” (RELATÓRIO, 1847, p.41-42).
52
educacional do Maranhão . Nesse último, em 1863, foi estabelecido que suas No que tange à instrução primária, lugar de atuação da Maria Firmina, o
Apostilas de gramática geral aplicada à língua portuguesa seriam utilizadas no inspetor diz que:
ensino de gramática nas escolas de primeiras letras53. Entendemo-nos que Maria
Firmina dos Reis, na condição de professora de primeiras letras da Vila de
Guimarães estabeleceu uma rede de relações com seu primo, no que se refere ao [...] Muito maiores são as providencias que reclama a instrucção
primaria, que exige ampla correcção, assim no pessoal, e material,
seu papel de Inspetor de ensino e no uso de suas Apostilas. como na sua organização e regulamento. Os professores em geral
Dos poucos documentos que conseguimos localizar sobre a sua trajetória nem sabem, nem podem cumprir bem os seus deveres; d’elles há
cuja simples escriptura bastaria para constituir o corpo de delicto
como educadora, está a sua nomeação, de 15 de outubro de 1847: mais procedente de ignorancia, e imperícia; e quase todos se achão
desprovidos não só de casas apropriadas, senão dos objectos, e
utensis mais indispensáveis: o Governo lh’os não tem fornecido por
falta de fundos, sendo que tal auxilio importaria avultada despesa, e
porque em tanta desordem o remedio deve ser mais radical, e
Nomeação para Professora de primeiras lettras de sexo feminino da completo. Cumpre, Senhores, rehabilitar antes o Professorato
Vila de Guimaraes Maria Firmina do Reis. Elementar por novos exames, como acertadamente determina o art.
Doutor Joaquim Franco de Sá oficial da Imperial Ordem da Rosa 2, da Lei n.º 76 e com novos Regulamentos, para depois apercebel-o
Cavalleiro da de direito, juiz de Direito da Comarca de Alcântara, dos meios materiaes, cujo despendio seria mal aproveitado sem essa
Deputado á assembleia legislativa, e ao presidente da província do providencia preliminar [...]. (ibidem, p.43)
Maranhão [...]. Faço saber aos que este Alvará [olharem], que
atendendo a que Maria Firmina do Reis, depositara á cadeira de
primeiras lettras do sexo feminino da Vila de Guimarães, se acha
competentemente habilitada na fo9rma da lei de quinze de outubro
de mil oitocentos e quarenta e sete, [lhe foi] bem, em conformidade O descompasso entre a demanda social, a qualidade do ensino e a
das leis em vigor [...]. (LIVRO DA ASSEMBLEIA PROVINCIAL DO
MARANHÃO, Outubro/1847, Trecho transcrito, Figura 3) efetiva aplicabilidade da lei foi a tônica, como vimos no Capítulo anterior, da
instrução pública maranhense. Maria Firmina dos Reis ao assumir a cadeira de
primeiras letras na Vila de Guimarães deparou-se com a escassez de recursos
No dia 03 de maio deste mesmo ano, cinco meses antes de se tornar financeiros, uns dos entraves para o avanço da instrução. Além dos parcos recursos
professora de primeiras letras na Província do Maranhão, o inspetor público, em da província, número insuficiente de edifícios para as aulas, de objetos e livros,
baixa frequência dos alunos e mestres poucos ou nada habilitados, sem preparo
51
Comissão composta por Francisco Sotero dos Reis, João Francisco Lisboa e Francisco e Mello para o cumprimento de seus deveres. (RELATÓRIO, 1847, 43)
Coutinho de Vilhena. Ver em: http://memoria.bn.br
52
Conforme MELO (2009, p.177) Sotero dos Reis destacou-se como importante referência nos Ainda sobre este relatório (1847, p.43), o inspetor de ensino, ao falar dos
capítulos da história das ideias gramaticais do Brasil, com suas duas gramáticas pioneiras e
professores alude sobre as “abusivas condescendências”. Isto é, a prática de
inovadoras: Postilas de gramática geral aplicada à língua portuguesa pela análise dos clássicos e a
Gramática Portuguesa e, no âmbito da historiografia literária, porque produziu uma das principais favorecimento por parte dos examinadores na aprovação de professores sendo,
histórias literárias para a época, o seu Curso de Literatura Portuguesa e Brasileira.
53
Uma determinação do Secretário de Instrução Pública do Maranhão, que consta no Jornal
54
Publicador Maranhense em 6 de março de 1863. Ver em: No mesmo relatório é sugerido à criação de duas aulas sobre física elementar e mecânica aplicada
http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=720089&pasta=ano%20186&pesq=sotero%20d as artes e outra de agrimensura se juntando as de geometria, álgebra e trigonometria, já
os%20reis. estabelecidas, formaria um curso de ciências da física.
63 64

para ele, uns dos procedentes para falta de preparo dos mestres no exercício de A partir da análise dos documentos sobre o ensino no Maranhão no
seus deveres. período, foi possível também contextualizar as condições em que a professora Maria
Ademais, indica a necessidade do governo regulamentar critérios de Firmina dos Reis exerceu a docência, e perceber ainda como fez uso da
“formalidades” para a aplicação dos exames e a especificação de habilidades prerrogativas das Leis da época, para sua prática na sala de aula.
necessárias para exercer o cargo no magistério. Deixando claro, a sua insatisfação A contextualização da instrução pública realizada no capítulo anterior
ao modelo de admissão e a prática de favorecimento para beneficiar candidatos. possibilitou compreender em qual contexto educacional Maria Firmina dos Reis
Sobre a atuação de Maria Firmina dos Reis, localizamos no livro atuou em meados do século XIX. O diagnóstico, por parte dos governantes, a partir
Cronologia da História de Guimarães, de Paulo Oliveira o relato que no ano de 1863, dos relatórios era sempre pessimista indicando a necessidade de reforma no ensino,
“[...] na vila, dois professores públicos de primeiras letras: Daniel Vitor Coutinho pois, segundo eles, não era a falta de zelo dos legisladores que impedia o avanço da
lecionava meninos, e Maria Firmina dos Reis, com quatorze meninas [...]”. E no instrução pública, mas sim a escassez de recursos financeiros55, assim como a “[...]
jornal Publicador Maranhense, de 6 de maio de 1867 com o título Gazetilha que a falta de zelo e a negligencia de alguns professores, que não cumpriam como
cadeira de primeiras letras foi assumida pela maranhense em, “[...] Guimaraes, deveriam as suas obrigações [...]”. (RELATÓRIO, 1861, p.18)
professora D. Maria Firmina dos Reis, 8 [alunas] [...].” Quando se tratava dos professores, os inspetores de ensino eram
Estes foram os únicos documentos localizados sobre a vivência em sala categóricos sobre a necessidade de estabelecer termos leais para controlar e
de aula da Maria Firmina dos Reis. Contudo podemos levantar algumas hipóteses fiscalizar a dedicação e a assiduidade dos mesmos. Para isso, os inspetores
sobre sua prática em sala como professora de primeiras letras na Vila de adotaram a prática de visitas às escolas para averiguar o trabalho dos professores.
Guimarães. Como seu primo, Francisco Sotero dos Reis exerceu a função de inspetor de ensino
No capítulo anterior, foi mencionada a Lei, nº 267 de 17 de dezembro de nos anos de 1838; 1848; 1849; 1850; 1858; 1863, é provável que ele tenha realizado
1849, que no seu Art.1 determinava que os professores públicos de primeiras letras visitas às turmas sob responsabilidades da professora Maria Firmina.
da província optariam pelo método de ensino individual, simultâneo e lancastrino Maria Firmina dos Reis, na condição de professora de primeiras letras de
com base na quantidade de alunos em sala de aula. A aplicação dos métodos se sexo feminino na Vila de Guimarães, competentemente habilitada na forma lei,
baseava na quantidade de alunos que se matriculavam nas escolas, e que utilizou-se da prerrogativa de sua função para fundar uma escola mista e utilizou-se
igualmente determinava o salário dos (a) professores (a)s. amplamente de pedidos de afastamento de suas funções docentes por meio de
Sendo assim, levando em consideração o exposto e o regulamento do licenças. Esta última nos deteremos mais à frente.
Art.2º, que determina que os professores que tiverem “[...]de 10 a 39 alunos Em relação à abertura de escolas mistas, identificamos que o relatório
ensinarão pelo método individual e receberão o ordenado anual de trezentos mil réis (1877, p.38), estabeleceu que,
e a gratificação adicional de três mil réis por cada aluno, que acrescer desde o
undécimo até o trigésimo nono inclusive”, podemos supor que a educadora Maria
Firmina dos Reis em suas aulas teve como prática de ensino o método individual, ao
ter como frequência 14 meninas, em 1863 e de 8 meninas em 1867. Além disso,
teria como ordenado anual o valor de trezentos mil réis, já a gratificação adicional de
55
três mil réis por cada aluno, talvez lhe fosse facultada quando tivesse mais de 10 A escassez impossibilitava o desenvolvimento do ensino, pois ficavam impedidos [...] de dotar as
escolhas com edifícios próprios, e solicita provêl-as de moveis e utensilios que lhes faltão. Sem isso
alunas. jamais haverá eschola regular. (RELATÓRIO, 1857, p.11).
65 66

“[...] inspetor da instrução publica que permitisse as escolas do sexo D. Nhazinha Goulart, conta que nas aulas [...] era todo mundo junto:
feminino sejam frequentadas por meninos de seis a nove [anos], meninos e meninas. “Quem tinha posses pagava e quem não tinha
[ideia] hoje aceita em todos os [países] como de grande proveito para não pagava.” Sobre o transporte utilizado para chegar à escola diz
o ensino dos meninos de tal idade”. [...] a gente ia com Maria Firmina num carro de boi e Pranchada era o
pajem.”
D. Eurídice Barbosa Cardoso nos relata que a “[...] mestra Maria
Firmina era enérgica, falava baixo não aplicava castigos corporais,
não ralhava: aconselhava.” A sala era “[...] meninas e meninos,
Somente após três anos esta medida ser estabelecida, Maria Firmina dos estudando juntos. A aula funcionava pela manhã.” (MORAIS FILHO
1975, p.311)
Reis, conforme Mendes (2006, p. 19) fundou “[...] um ano antes de sua
aposentadoria, a primeira escola mista no Maranhão, tendo esta funcionado até
1882 [...].” De acordo com Morais Filho (1975), em 1880, Maria Firmina dos Reis
Em posse dos relatos nos foi possível conhecer, mesmo que
fundou uma aula mista em um barracão, no povoado de Maçaricó. A escola
minimamente, características sobre a escola mista e gratuita fundada por Maria
funcionava em espaço cedido pelo fazendeiro Domingo Mondego 56, visto que a
Firmina por meio da prerrogativa presente no relatório (1877, p.38).
maranhense era educadora de suas filhas, Anica e Amália, passou a ser também, a
Era uma sala de aula que funcionava na propriedade de um senhor de
partir daí, responsável pela instrução das filhas e filhos de outros fazendeiros57, na
engenho, na qual lecionava para as filhas do proprietário e para outras crianças.
qual meninas e meninos estudariam juntos, em conformidade com o exposto no
Quando Maria Firmina decidiu-se por organizar esta escola, ela estava com 54 anos
relatório de 1877, como alternativa registrada pelo próprio inspetor de instrução.
e já completara 34 anos de magistério público oficial, sendo, portanto, um
Já no que se refere ao seu salário e recursos para manutenção da escola,
considerável tempo no exercício docente.
ficou estabelecido que o pagamento só seria realizado por quem tivesse condições,
É evidente pelas falas dos depoentes e pelo consentimento dos pais para
para quem não o tivesse, o ensino seria gratuito.
a abertura da escola que Maria Firmina era estimada pela população da Vila, tendo
Ainda sobre esta iniciativa de Maria Firmina, Morais Filho (1975),
o respeito e a confiança, para a instrução dos seus filhos.
apresenta em seu livro relatos de três ex-alunos da escola, D. Nhazinha Goulart, Sr.
Tinham por prática buscar o aluno em um carro de boi para levá-lo à aula,
Leude Guimarães e D. Eurídice Barbosa Cardoso respectivamente, na época, com
significaria uma preocupação quanto à frequência dos alunos sendo que na própria
84, 92 e 91 anos. Os dois primeiros vieram a ser filhos adotivos da Maria Firmina.
fala de uma delas, a retrata como uma mestra enérgica que ao mesmo tempo
Em seus depoimentos, os ex-alunos, nos brindam, mesmo de maneira
aconselhava.
fragmentada, com alguns indícios sobre o funcionamento, a frequência, a
Sobre sua prática de ensino em sala de aula foi possível apenas
receptividade da escola naquele período e a postura da educadora Maria Firmina.
identificar que Maria Firmina não se valeu dos castigos corporais pra ensinar seus
alunos. Mas, sobre estes depoimentos, Moraes Filho promoveu um elogio, que se
Sr. Leude Guimarães relata que a escola funcionava no “barracão” voltou para a construção de sua visão sobre a mestra:
cedido pelo Domingo Mondego, na qual frequentavam “[...] as filhas
do fazendeiro João Damas de Azevedo, Loló, Santa e Dona [...]”,
ainda “[...] haviam outras meninas e meninos, mas não lembro dos
nomes [...].” “Era uma mestra enérgica cobrava e exigia de seus alunos falando
baixo e não ralhava um dedo neles por entender que o ensino não se
56
aplicada de maneira efetiva com o uso de castigos, mas sim no
Domingo Lourenço da Silva Mondego, major reformado e fazendeiro, um homem influente e diálogo quando o ex-aluno diz não ralhava: aconselhava.” (MORAIS
produtor de açúcar da época (Jornal Pacotilha,1886). FILHO 1975, p.311).
57
Morais Filho (1975) relata que Maria Firmina dos Reis instruía as filhas de outros fazendeiros,
porém só consta o nome do fazendeiro João Damas de Azevedo e os nomes filhas Loló, Santa e
Dona que frequentavam a escola.
67 68

2.1 Dos afastamentos à aposentadoria

Já sobre o salário, não temos todas as informações, tendo em vista que


não sabemos se ela continuava recebendo o mesmo que lhe era assegurado em
Não podemos esquecer que um dos desafios da pesquisa está no tornar
Guimaraes. Mas sabemos que o pagamento por parte dos alunos era facultativo aos
fragmentos em indícios. Basicamente, mergulhar nos fragmentos sobre a formação
alunos, mas não eram não excluídos os que eventualmente não tinham condições
de Maria Firmina como professora e no seu processo docente nos intrigou e nos fez
de custear pelos serviços.
buscar conhecer mais deste lugar ocupado por ela que foi silenciado pelo tempo.
Em visita ao Arquivo Público Maranhense, ao manusear os Livros
Provinciais, o Jornal da Tarde e Publicador Maranhense foi possível encontrar
pedidos e prorrogação de licença de Maria Firmina dos Reis, assim como um pedido
de afastamento do exercício docente na Vila de Guimaraes, alegando problemas de
saúde.
A contar seis anos de sua nomeação, a maranhense passou a fazer uso
dos pedidos de licenças da sua função como professora de primeiras letras.
Optamos por transcrevê-los todos aqui:

Licença concedida a professora de primeiras letras da Vila de


Guimarães D Maria Firmina dos Reis
O Presidente da Província resolve conceder dois meses de licença
com os respectivos vencimentos, a D Maria Firmina dos Reis,
professora publica de [primeiras] letras da Vila de Guimarães para
tratar de sua saúde como lhe convier, devendo {?} gozar dela dentro
do prazo de vinte dias. Palácio do Governo do Maranhão em 4
outubro de 1853. (LIVRO DA ASSEMBLEIA PROVINCIAL DO
MARANHÃO, Outubro/1853) (Trecho transcrito, figura 4)

Licença concedida a professora de primeiras letras da Vila de


Guimarães Maria Firmina dos Reis
O presidente da província resolve conceder dois meses de licença
com os respectivos vencimentos a Maria Firmina dos Reis,
professora publica de [primeiras] letras da Vila de Guimarães, para
tratar de sua saúde, como lhe convier, a qual deverá ter principio
dentro do prazo de vinte dias. Palácio do governo do Maranhão 4 de
outubro de 1854. (LIVRO DA ASSEMBLEIA PROVINCIAL DO
MARANHÃO, Outubro/1854) (Trecho transcrito, figura 5)

Licença da professora publica das primeiras letras da Vila de São


José de Guimarães, D. Maria Firmina dos Reis.
Palácio do G. O Presidente da Província do Maranhão 15 de março
de 1856. O Presidente da Província resolve conceder a D. Maria
Firmina dos Reis, da professora publica das primeiras letras da Vila
de São José de Guimarães um mês de licença. (LIVRO DA
69 70

ASSEMBLEIA PROVINCIAL DO MARANHÃO, Março/1856) (Trecho


transcrito, figura 6)
Prorrogação da licença de D. Maria Firmina dos Reis, professora
publica das primeiras letras da Vila de São José de Guimarães.
Palácio da Presidência da Província do Maranhão 16 de junho de
1856. O presidente da Província {?} prorroga mais trinta dias a SECRETARIA DO GOVERNO.
licença por portaria de 15 de março de 1856 que foi concedida a D. EXPEDIENTE DO DIA 14 DE MARÇO DE 1871.
Maria Firmina dos Reis, professora publica das primeiras letras da A Dr. inspector da instrucção publica – Sua Exc, o Sr.
Vila de São José de Guimarães [...]. (LIVRO DA ASSEMBLEIA Presidente da província manda comunicar a V. S. que, por portaria
PROVINCIAL DO MARANHÃO, Maio/1856) (Trecho transcrito, figura d’esta data, resolveu prorogar por mais tres mezes no termo da lei n.
7) 923 de julho de 1870 a licença que em 5 de agosto do mesmo anno
foi concedida à professora publica de primeiras letras do sexo
feminino da freguezia de S. José de Guimarães, D. Maria Firmina
dos Reis. (Jornal Publicador Maranhense, Março/1871) (Trecho
Como podemos ver, foram 4 processos oficiais, concedendo e/ou transcrito, Figura 9)
prorrogando licenças à professora, no anos de 1853, 1854, 1856. Sem dúvida, é
possível considerar que esse número expressivo de licenças mostram-na como uma
Presumimos que os pedidos de licença, no mesmo ano da publicação das
professora que conhece e faz uso das regras burocráticas e administrativas, na sua
obras, tenham uma relação direta com a necessidade da escritora em mergulhar na
condição funcionária pública da época. E o certo também é que as licenças foram
elaboração de seus escritos. Não acreditamos se tratar de coincidência e, sim, de
concedidas, com argumentos favoráveis a ela para atender questões de ordem
uma alternativa encontrada por Maria Firmina dos Reis, que estando afastada de
pessoal, associados à saúde.
sua função de professora poderia dedicar-se completamente a escrever seus textos
Por outro lado, há também um indício de certa incapacidade do poder
literários.
público na aplicabilidade das leis de controle. Há a possibilidade de, pela falta de
No capitulo anterior, relatamos se tratar de uma prática constante por
boa remuneração, as dificuldades de manutenção das classes, a ausência de
parte dos professores, a solicitação de licenças. Assim na década de 1870 se criou
materiais escolares, dentre outros, como ocorria com tantos outros professores e
um dispositivo de inspeção escolar, com Conselho da instrução pública maranhense
professoras à época, que a professora Maria Firmina tenha se desobrigado de uma
que, por meio de uma junta médica, inspecionava a situação de saúde dos mesmos
maior frequência às aulas.
em caso de pedido de licença. Houve, da parte dos parlamentares, um “cuidado” em
A seguir, as figuras 7 e 8 mostram mais dois pedidos de licença. Sendo
fiscalizar o trabalho docente e estabelecer limites o que fica indicado nos critérios
que, coincidem com o ano de publicação de duas de suas obras. A figura 7, em
para a concessão de licença de saúde.
1859 com a publicação do seu primeiro romance, Úrsula. E a figura 8, em 1871,
Em 19 de fevereiro de 1880, Assembleia Legislativa Provincial do
mesmo ano do seu livro de poesias, Cantos à Beira Mar
Maranhão, se reuniu para deliberar sobre o pedido afastamento de um ano,
encaminhado por Maria Firmina dos Reis, alegando problemas de saúde. Por
acreditarmos na importância, faremos alguns apontamentos sobre seu conteúdo.
GOVERNO DA PROVINCIA
Expediente do dia 2 de setembro (Trecho transcrito, Figura 10)
O vice – presidente da província resolve conceder á D. Maria
Firmina dos Reis, professora publica de primeiras letras da Villa de A partir do texto, sabemos que se tratava do segundo pedido de
Guimmarães, dois mezes de licença com os respectivos vencimentos afastamento encaminhado por Maria Firmina dos Reis para ser apreciado e, como o
para tratar de sua saúde onde lhe convier,devendo começar a gosar
dela dentro do praso de vinte dias. (JORNAL DA TARDE, primeiro, esse também foi negado. No entanto, o debate que segue ao caso, nos
Setembro/1859) (Trecho transcrito, Figura 8)
concede outros elementos para compreendermos a disputa politica no interior do
processo.
71 72

Em primeiro lugar, denuncia-se uma espécide de hábito de concessão do No relato é notório que Maria Firmina tinha prestigio e o respeito do seu
direito, o que é justamente questionado por aqueles que se opõem ao afastamento companheiro de profissão, principalmente, por se tratar da fala de um professor do
requerido. É provavel que a própria professora já tenha ficado afastada por um ano, Liceu Maranhense. Nas palavras de José Ribeiro do Amaral, a professora Maria
gozando de licença remunerada. Considerava- se que isso era suficiente para seu Firmina dos Reis precisa ser tratada com toda a “consideração” que um “bom”
tratamento de males do fígado. Em segundo lugar, os atestados apresentados não funcionário público merece. Indicando que a concessão para a licença não poderia
eram médicos, mas de agentes sociais de Guimarães, que denotavam mais sua ser negada.
rede de relações tais como o pároco e o delegado literário. Chama a atenção Apesar da defesa, houve a negativa de afastamento, Maria Firmina passa
também o argumento de pobreza associado pelo defensor da proposta (José a solicitar junto a Província sua aposentadoria e uma nova licença. Como consta nas
Ribeiro). Considerava que ela, sendo pobre e, estando doente, não teria facilidades figuras 11 e 12:
para ir à São Luis fazer todos os trâmites necessários para justificar o pedido.
Já no tocante da Instrução Pública, um dos legisladores informa que
tantos pedidos de afastamento com direito a todos os vencimentos, colaborava para A exm.ª sr.ª D. Maria Firmina dos Reis, professora publica de
Guimarães e uma das raras senhoras que entre nós tem tido a
as dificuldades de recursos enfrentadas pelo Governo. inapreciavel coragem de escrever para o publico, acha-se aqui na
capital, para o fim de tratar de sua aposentadoria, visto contar mais
José Ribeiro do Amaral, que faz a defesa de Maria Firmina no processo, de 25 annos de effectivo serviço. (JORNAL PACOTILHA, abril/1881)
foi um homem atuante no âmbito da instrução pública maranhense, tendo ele (Trecho transcrito, Figura 11)
A’ D. Maria Firmina dos Reis, PROFESSORA PUBLICA DA VILLA
mesmo sido vinculado ao Liceu Maranhese58. Neste caso específico, ele faz DE Guimarães, forão concebidos trinta dias de licença sem
vencimentos, para tractar de seus interesses. (JORNAL DA TARDE,
apontamentos importantes sobre o ser professor na metade do século XIX. Fala da Maio/1881) (Trecho transcrito, Figura 12)
falta de médicos em algumas vilas e cidades, impossibilitando os professores de
terem acesso aos mesmos; os baixos salários (ordenados); e das relações de troca
de favores em relação ao que o professor teria por direito, ao solicitar afastamento
Nota-se então, que a professora já não mais pode gozar dos
de suas funções.
afastamentos com vencimentos. Segundo Morais Filho (1975), foi por Maria Firmina
Quando se refere a educadora Maria Firmina dos Reis, faz uso de termos
dos Reis estar no impedimento da sua função de educadora que foi indicada Amália
o “Ilustre professor”, “[...] seus serviços tem titulo a toda consideração [...]” e “[...]
Augusta dos Reis, irmã mais nova de Maria Firmina, para assumir a cadeira de
negar um favor a um bom empregado público [...]”.
primeiras letras da vila de Guimarães.
Em conformidade com a lei, e “[...] com a proposta de Dr. Inspetor da
Instrução Pública, resolve nomear D. Amália Augusta dos Reis para reger a cadeira
58
Nasceu em 3 de maio de 1853, na cidade de São Luís, estudou no Colégio de Nossa Senhora da
Glória, também chamado Colégio das Abranches. Exerceu a carreira de professor, foi catedrático de de primeiras letras da vila de Guimarães [...]”. Nesse mesmo ano, de 1881, após
História e Geografia do Liceu Maranhense, instituição a que também serviu na condição de seu
diretor. Encarregado provisoriamente da reorganização da Biblioteca Pública, foi nomeado diretor
trinta e quatro anos de serviços prestados a Instrução Pública, Maria Firmina dos
dessa instituição em 13 de abril de 1896, ali permanecendo até 16 de agosto de 1896. Durante essa Reis conseguiu aposentar-se como professora.
primeira e breve gestão, promoveu a mudança da Biblioteca da Rua Formosa para a Rua da Paz.
Novamente posto à frente desse órgão, dirigiu-o de 19 de agosto de 1910 a 21 de julho de 1913. Tal passagem sobre seus afastamentos, mostra pelo menos duas
Diretor da Imprensa Oficial, e colaborador do Diário Oficial do Estado, onde, no período de 1911 a
1912 publicou diversos trabalhos sob o título geral de Maranhão Histórico, os quais, coligidos pelo questões importantes para entendermos o contexto de sua atuação. A primeira delas
escritor Luiz de Mello, resultaram no livro O Maranhão histórico, publicado postumamente. Vindo a
falecer em 30 de abril de 1927, na cidade de São Luís. Ver mais em: é justamente o paulatino rigor que, aos poucos, ganha o controle sobre o exercício
http://www.academiamaranhense.org.br/?p=486.
docente, em relação aos direitos trabalhistas e a lógica dos afastamentos dos
73 74

professores. A complexidade do processo é anunciada quando se percebe uma 2.2 Atividades simultâneas: escrever e ensinar
burocracia, que centrava na diretoria da Província, as decisões sobre o afastamento.
Um segundo aspecto revela-se nos elogios que são travados à
professora, por seus serviços e ação como servidora pública da província. Isto é o Após analisarmos as condições em que Maria Firmina atuou como
argumento que faz com que um novo requerimento seja impetrado, a fim de que a educadora, trataremos de sua trajetória como escritora maranhense do século XIX
requerente possa enfim, documentar corretamente o processo. Tais dificuldades no que se confunde com sua profissão docente.
processo são indicativas, portanto, do passo seguinte dado por Maria Firmina, Sua carreira literária iniciou-se formalmente com a publicação do romance
visando o desligamento de sua condição de docente da província, por Úrsula, em 1859 (Typographia do Progresso – MA). Ao que se sabe até o momento,
aposentadoria. esta foi a única edição da obra realizada quando a autora ainda estava viva. As
edições seguintes já ocorreram quando ela foi “redescoberta”: a 2ª edição é datada
de 1975, fac-similar (Gráfica Olímpia – RJ); a 3ª edição é de 1988 (Editora
Presença/INL-Brasília); e a 4ª edição datada de 2004 (Editora Mulheres – SC).
Além de publicar a novela, Maria Firmina colaborou com o jornal A
Imprensa, publicando, em 1860, poesias, assinando com as iniciais M.F.R. Em 1861,
começou a publicar Gupeva no jornal Jardim das Maranhenses. Em 1863 e 1865,
republicou Gupeva, respectivamente, nos jornais Porto Livre e Eco da Juventude.
Em 1871, o livro de poesia Cantos à Cantos à Beira-Mar pela Tipografia do Paiz; em
1976, em fac-símile, a 2ª edição. Além do conto A Escrava, em 1887, pela Revista
Maranhense. (MENDES, 2006, p.19)
Participou ainda da antologia poética Parnaso Maranhense (1861), e
colaborou com os seguintes jornais: Publicador Maranhense (1861), O Jardim das
Maranhenses, Porto Livre (1863), Eco da Juventude (1865), A Verdadeira
Marmota, Semanário Maranhense (1867), O Domingo (1872), O País (1885),
Revista Maranhense (1887), Diário do Maranhão (1889), Pacotilha (1900),
Federalista (1903). Escreveu no Almanaque de Lembranças Brasileiras (1863,1868)
um artigo de título “Minhas impressões de viagem” (1872), um diário intitulado Álbum
(1865), várias charadas e enigmas. Compôs em sua autoria músicas e letras, como
Autos de Bumba meu Boi, Versos da Garrafa, atribuído a Gonçalves Dias, Hino a
Mocidade, Hino à Liberdade dos Escravos, Rosinha, Estrela do Oriente, Canto da
Recordação. (Ibidem, p.20)
Sobre a música Autos de Bumba meu Boi, Morais Filho relata que foi
escrito a pedido de algumas escravas, entre elas Otávia “[...] quem lhe fez o pedido
em nome das companheiras [...]” e que Maria Firmina “[...] não se fez de rogada.
Escreveu a letra e música [...].” (1975, p.221) Em outro episódio, escreve a poesia
75 76

Um brinde a noiva, presente de Maria Firmina pelo casamento da filha do fazendeiro Além disso, nos revela uma rede de relações sociais, estabelecida em
Domingo Mondego. Uma festa com 400 convidados, na chácara do fazendeiro na uma ordem de equidade com seus pares escritores. Também é possível perceber
Vila de Guimarães onde o advogado Daniel Vitor Coutinho, seu amigo e também uma rede de sociabilidades nos espaços em que ela transitou, seja como
professor, recitou a poesia produzida pela “[...] distinta D. Maria Firmina dos Reis educadora, como escritora, suas relações de amizade e, até mesmo perceber como
que, por incômodos de saúde, não pode por si mesmo recitá-la.” (MORAIS FILHO o convívio com estas pessoas influenciou as práticas escriturárias de Maria Firmina
1975, p.224) dos Reis. Tendo como assertiva que num processo de sociabilidade o individuo
Sua filha adotiva Nhazinha Goulart conta que Maria Firmina formava entra em contato com um número de contextos e grupos sociais diversos que lhe
parceria com outros na criação de letras e música, exemplifica com Estrela do permitem um grande número de perspectivas significativas, procuramos
Oriente, na qual a parceria foi com o pastor e professor Osório Anchieta 59. E diz compreender a professora e a autora nestes contextos diversos.
mais, “[...] não só uma ou duas vezes, e nem só em pastoral. Ora a música de um, Consideramos, portanto, que Maria Firmina tenha feito uso desse
ora de outro; ora a letra de um, ora de outro [...].” Versos da Garrafa, outra parceria processo de sociabilidade, principalmente, em seus escritos, assumindo as
que lhe atribuída, com letra de Gonçalves Dias e música de Maria Firmina. (Ibidem, premissas de Cândido (1965, p.79), que nos ensina sobre o surgimento das obras
p.313) não como um fenômeno pontual, expressão individual, mas como um evento de
Ainda sobre Gonçalves Dias, em seu livro Cantos à beira mar, escreveu natureza sociológica, no qual a obra está relacionada ao contexto social.
as poesias A Dor, que não tem cura e Nenia Maria Firmina realizando uma Ainda, a respeito disso, suas três obras, Úrsula, A Escrava e Gupeva,
homenagem ao seu contemporâneo. No primeiro, ao falar da morte de pessoas trazem para o leitor, temáticas assentadas em questões sociais vigentes na sua
queridas e do sofrimento causado pela perda traz na epígrafe o poema do época. Maria Firmina dos Reis não se omite e nos fala de uma sociedade autoritária
Gonçalves Dias. Já no segundo, uma mensagem póstuma em “[...] memoria do e patriarcal, que escravizava homens e mulheres, apontando que a estes escravos,
mavioso e infeliz poeta [...]” que veio a falecer. (Ibidem, p.137) o tratamento era de violência, submissão e a transformação em párias, como é o
À luz desse livro Cantos à Beira-Mar nos foi possível aferir o convívio que caso de personagens das obras, Úrsula e A Escrava. Já em Gupeva, a autora
tinha com a literatura nacional e universal e, o mais importante, a sua prática da aborda a temática indígena para informar e criticar a postura do homem europeu
leitura quando ela se colocava na posição de admiradora, de respeito aos literatos. sobre a mulher indígena e pontuar que todas são pejorativas. Portanto, Maria
Utiliza-se da epígrafe para realizar homenagens àqueles que fazem parte de suas Firmina não apenas vivencia o momento histórico do qual está inserida, mas,
leituras, de seus estudos e de inspiração para sua própria prática de escrita também, nos dá a conhecer seu olhar sobre aquele momento, por meio de seus
60
literária . escritos e por seus atos, que ficaram registrados nos documentos (textos).
Outros documentos importantes, que nos permitiram identificar seu
59
Este dedicou grande parte de sua vida à arte de ensinar, por isso, foi concebido como um posicionamento crítico sobre o contexto social do Maranhão no século XIX são três
profissional “[...] respeitável, zeloso, preocupado com a causa, um exemplo de doação virtuosa”
(FURTADO FILHO, 2003, p. 32). Segundo relatos (CUBA, 2012), esse professor utilizava conteúdos poesias contidas no seu livro Cantos à Beira-Mar, de 1887, nas quais se manifesta
significativos e empregava uma metodologia de autoestima com seus alunos. (PESSOA; CASTRO,
2013, p.56) Já Morais Filho (1975, p.314) o descreve como um respeitado latinista, que marcou a sua
passagem pelo magistério maranhense, ora iluminando a mocidade com seu saber, ora compondo e professor Gentil Homem de Almeida Braga (“oferecido ao sonoro e mavioso poeta”), o médico,
banca examinadora de candidatos à cátedra de português do Liceu Maranhense (colégio oficial do jornalista e escritor Antônio Henriques Leal (“oferecida como prova de profunda e sincera gratidão”), o
Estado) o humanista vimaranense era também músico (organista) e compositor. advogado, promotor público, delegado de polícia, secretário do governo Ovídio Gama Lobo
60
Entendemos ser de relevância aludir cada um e a forma que lhes foram atribuídas às homenagens. (“dedicada ao distinto literato”), a seu amigo Raimundo Marcos Cordeiro (“o jovem poeta”) e ao poeta,
Para isso seguiremos a ordem estabelecida no próprio livro, com o parlamentar, filósofo, professor, advogado, jornalista, etnógrafo e teatrólogo brasileiro Goncalves Dias, (“memoria do mavioso e infeliz
lente de Latim do Liceu Maranhense seu primo Francisco Sotero dos Reis, (“oferecida ao distinto poeta”). (MORAIS FILHO, 1975, p. 5-127)
literato”), em seguida o jurista, poeta e ativista político português Thomaz Antônio Gonzaga (“a
memória do infeliz poeta”), o promotor público, juiz municipal, procurador fiscal do tesouro João
Climaco Lobato (“dedicado ao ilustre literato maranhense”), o poeta, novelista parlamentar, jornalista
77 78

sobre a Guerra do Paraguai61. Com o titulo Por ocasião da tomada de villeta e imprensa local, por ocasião de suas publicações (2007, p.13) optamos por
ocupação de Assumpção, fala de um Brasil vitorioso e que os inimigos “[...] já selecionar alguns trechos como demonstram as notas que seguem62:
[temiam] ao Brazil [...].” Por sua vez, as poesias, A recepção dos voluntários de
Guimarães e Poesia, fazem saudação ao feliz retorno de “[...] vossos filhos [...]”, pós-
guerra. (apud MORAES FILHO, 1975, p.61; 81; 85) Os textos mostram o Obra nova – com o título Úrsula publicou a Sra. Maria Firmina dos
Reis um romance nitidamente impresso que se acha à venda na
contentamento de Maria Firmina com as vitórias conquistadas e o retorno dos que tipografia Progresso. Convidamos aos nossos leitores a apreciarem
essa obra original maranhense que, conquanto não seja perfeita,
foram à Guerra. revela muito talento na autora e mostra que, se não lhe faltar
Nesta pesquisa consideramos que a existência das poesias com as animação, poderá produzir trabalhos de maior mérito. O estilo fácil e
agradável, a sustentação do enredo e o desfecho natural e
temáticas sociais como acima citadas, demonstra que Maria Firmina não se eximiu impressionador põem patentes, neste belo ensaio, dotes que devem
ser cuidadosamente cultivados. É pena que o acanhamento mui
em refletir sobre os acontecimentos daquela época. E por meio de seus escritos desculpável da novela escrita não desse todo o desenvolvimento a
estabeleceu o seu lugar social e, esse lugar, não foi de omissão ou indiferença à algumas cenas tocantes, como as da escravidão, que tanto pecam
pelo modo abreviado com que são escritas. [...] A não desanimar a
conjuntura social, política e cultural. autora na carreira que tão brilhantemente ensaiou, poderá para o
futuro, dar-nos belos volumes63.
Conforme nos diz Oliveira (2007, p.15), José Ribeiro do Amaral escreveu
no artigo “A Imprensa no Maranhão: jornais e jornalistas”, publicado na Revista Úrsula – Acha-se à venda na tipografia Progresso este romance
original brasileiro, produção da exma. Maria Firmina dos Reis,
Tipográfica, de 1913, referindo-se à Maria Firmina dos Reis como uma das professora pública em Guimarães64. Saudamos a nossa
colaboradoras da revista Semanário Maranhense. Ele diz “[...] o que o Maranhão comprovinciana pelo seu ensaio, que revela de sua parte bastante
ilustração: e, com mais vagar emitiremos a nossa opinião desde já
de então possuía de mais notável nas letras [...].” Seu nome figura entre os afiançamos não será desfavorável à nossa distinta comprovinciana.
colaboradores, Maria Firmina dos Reis, Sotero dos Reis, Gentil Braga, Henrique [...] Raro é ver o belo sexo entregar-se a trabalhos do espírito e
Leal, Cesar Marques, Sabbas da Costa, Sousa Andrade e Celso de Magalhães. deixando os prazeres fáceis do salão propor-se aos afãs das lides
literárias. Quando, porém, esse ente, que forma o encanto da nossa
(grifos nossos) peregrinação na vida, se dedica às contemplações do espírito [...]
porque reúnem à graça do estilo, vivas e animadas imagens, e esse
Esse artigo indica o que entendemos por relações de sociabilidade neste sentimento delicado que só o sexo amável sabe exprimir. Se é, pois,
contexto literário, nos espaços em que Maria Firmina transitou. Neste caso, na cousa peregrina ver na Europa, ou na América do Norte, uma
mulher, que, rompendo a círculo de ferro traçado pela educação
imprensa, colaborando em jornais e revistas, a autora se valeu destas relações para acanhada que lhe damos, nós os homens e, indo por diante de
preconceito, apresentar-se no mundo, servindo-se da pena e tomar
dialogar com intelectuais da época. Intelectuais que, em seus poemas, aparecem
assento nos lugares mais proeminentes do banquete da inteligência,
como dignos de uma profunda admiração e respeito, como os casos de Sotero dos mais grato e singular é ainda ter de apreciar um talento formoso e
dotado de muitas imaginações, despontando no nosso céu do Brasil,
Reis, Gentil Braga e Henrique Leal. onde a mulher não tem educação literária, onde sociedade dos
Tais relações propiciaram a divulgação do romance Úrsula, a sua primeira homens de letra é quase nula65.

obra publicada. Para Oliveira essa divulgação conota que Maria Firmina tenha
alcançando um relativo sucesso em seu tempo, sendo recebida com elogios da

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Optamos em colocar apenas trechos das noticias que foram emitidas pela imprensa local sobre
Maria Firmina dos Reis.
61 63
A Guerra do Paraguai foi a mais longa e devastadora da história da América do Sul, resultou no Jornal do Comércio, 4 de agosto 1860. Apud MORAIS FILHO, José Nascimento. Maria Firmina dos
aniquilamento do Paraguai, o mais desenvolvido país de toda a América Latina até o início do Reis – fragmentos de uma vida. São Luís: Governo do Estado do Maranhão, 1975.
64
confronto. Os combates se realizaram na segunda metade da década de 1860 e envolveram as A Moderação, 11 de agosto de 1860. Op. cit.
65
forças armadas do Brasil, da Argentina, do Uruguai e do Paraguai. (MILANESI, 2004, p. 1) A Verdadeira Marmota, 13 maio de 1861. Op. cit.
79 80

Em relação aos comentários acima, com as críticas feitas à escritora conhecida; e convém muito animá-la a não desistir [...]” (apud MORAES FILHO,
maranhense, não foram encontrados registros dos seus autores. A primeira notícia 1975, p.26).
já deixa claro para o leitor que o romance Úrsula não era primoroso, embora Maria Ainda sobre as formas de divulgação do seu romance, Úrsula, Maria
Firmina demonstrasse muito talento para a escrita, a mesma só precisava de tempo Firmina fez a doação de um exemplar do livro para o Ateneu Maranhense. (ibidem,
para o cultivo de belos volumes e de um maior mérito. Apesar das críticas, o convite p.320) Por sua colaboração em Jornais locais, conseguiu realizar anúncios sobre a
à leitura agrega uma solicitação à escritora, para que não desanime de seus escritos venda do romance Úrsula, “[...] escrito por uma maranhense, com um volume em
uma vez que, poderá para o futuro, ser uma boa escritora. Quer dizer, para o autor preço de 2$000 sendo distribuído pela Tipografia do Progresso e na livraria do Sr.
do texto Maria Firmina ainda não era uma completa literata, mas reunia condições Antônio Pereira Ramos d’Almeida [...].” (ibidem, p.216-217) Sobre a livraria de do Sr.
de produzir uma obra perfeita. Antônio Pereira vale ressaltar, que conforme Costa (2013, p.104) o mesmo também
Na segunda notícia, Maria Firmina foi parabenizada por se revelar na era proprietário da Tipografia Comercial que funcionou 1860 e 1882.
professora pública de Guimarães. Nesse momento as atividades se confundem a Em 1861, começa a publicar sua segunda obra Gupeva no jornal Jardim
educadora/escritora e a escritora/educadora. O autor do texto expôs que em seu das Maranhenses, após dois anos, em 1863 e 1865, republica Gupeva,
ensaio, Maria Firmina revelou de “(...) sua parte bastante ilustração”. Isto seria dizer respectivamente, nos jornais Porto Livre e Eco da Juventude. Para Morais Filho
à época, que Maria Firmina manifestou todo seu conhecimento, instrução, cultura, (1975, p.219) tres edições em folhetim num curto espaço de tempo atesta o êxito
sabedoria ou erudição no seu ensaio. O autor revela ainda conhecer a autora por popular que a obra pode haver conquistado na época. Seguiu suas publicações, em
suas condições culturais, embora avise não ter lido a obra para a escrita da resenha. 1871 com o livro de poesias intitulado Cantos à Beira-Mar e, em 1887, da publicação
Deixa claro que sua crítica não seria desfavorável após a leitura, por se tratar de do conto, A Escrava, pela Revista Maranhense66.
uma autora local (comprovinciana). Em nossa investigação sobre a Tipografia o Progresso, gráfica
Na terceira notícia, já existe um estranhamento por ser um escrito responsável pela impressa da obra Úrsula de Maria Firmina, acabamos por descobrir
feminino, evidenciando que naquela época a mulher estava voltada para os prazeres que também se chamava gráfica Belarmino de Mattos67, tendo funcionado de 1860 a
fáceis do salão. O autor quando fala de uma educação acanhada que lhe damos 1868 e, cujos redatores eram,
(nos homens), confirma o que Maria Firmina traz em seu Álbum sobre a educação
que tivera na infância uma compleição débil e acanhada, uma educação freirática.
Apesar dessa educação precária e diferenciada apontada pelo autor destaca o [...] Francisco Sotero dos Reis, Antônio Henriques Leal, Trajano
Galvão, Gentil Homem de Almeida Braga, Dias Carneiro, Marques
talento formoso e dotado de muitas mulheres brasileiras, entre essas, Maria Firmina Rodrigues, Joaquim Serra, Joaquim de Sousa Andrade, Sabas da
dos Reis que não tiveram uma educação literária. Costa, Raimundo Filgueiras e Caetano Cantanhede, sob os
respectivos pseudônimos de Flávio Reimar, Pietro de Castelamare,
Observamos que as críticas são pautadas nos avisos ao leitor por sua James Blumm, Rufus Salero, Nicodemus, Jadael de Babel-Mandeb,
Stephens Van-Ritter, Golondron de Bibac, Iwan Orloff e Conrado
escrita ainda não perfeita; pela falta de tempo para o cultivo de bons textos como Rotenski [...] (LOPES, 1959, p. 34).
prática cotidiana. Quando há o elogio da obra, sem haver realizado a leitura da
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No Capitulo 3 temos como proposta uma analise aprofundada sobre as contribuições de caráter
mesma, o autor se vale da relação comprovinciana para com Maria Firmina. Ou seja, didático pedagógico e moral que suas obras, Úrsula, A Escrava e Gupeva tenham propiciado para
utiliza-se da relação de sociabilidade por serem da mesma região, talvez mesmo por educação do século XIX.
67
O Jornal Maranhense era impresso na gráfica de Belarmino de Mattos, o mesmo que, segundo
serem colaboradores do Jornal A Moderação para enaltecer e demonstrar respeito determinamos, imprimiu em 1861 o Parnaso Maranhense, no qual figuram os nomes de Maria Firmina
dos Reis e de Francisco Sotero dos Reis e, em 1866, seu livro Curso de Literatura Portuguesa e
à publicação do romance. Visto que “[...] Maria Firmina dos Reis, já é entre nós Brasileira. Contudo acreditamos que existam mais impressos realizados pela gráfica nos oito anos de
sua existência.
81 82

Como vimos, dentre os redatores responsáveis estava seu primo Diferentemente dessas pesquisas não entendemos que sua ausência
Francisco Sotero dos Reis, além de colegas colaboradores do Jornal Semanário represente uma negativa de Francisco Sotero dos Reis ao seu talento, mas, muito
Maranhense, confirmando que as relações de sociabilidade estabelecidas por Maria provavelmente, ao lugar de silenciamento ocupado pela mulher daquela época.
Firmina nos espaços em que transitou, seja na colaboração na imprensa e na Mesmo porque, como ratificamos ao longo deste capítulo, Maria Firmina e Sotero
literatura lhe possibilitou que sua obra fosse para impressão e que tivesse uma dos Reis estabeleceram relações de sociabilidade, seja como professora e ele,
divulgação para o público leitor. Acreditamos, portanto que Sotero dos Reis como inspetor de ensino ou como colaboradores nos mesmos jornais ou redator da
redator da Tipografia tenha tido contato com a obra e, possivelmente, feito à leitura Tipografia Progresso, um dos responsáveis pela impressão a sua obra Úrsula.
da mesma. Entendemos que os esforços em apresentar ao leitor um olhar, sobre o
Além disso, o ano de existência da Tipografia o Progresso, foi de 1860 a conjunto das atividades da escritora famosa, em diálogo com sua trajetória como
1868, levantando uma questão em relação à data de publicação da obra. É provável professora de primeiras letras da Vila de Guimarães no século XIX se fez necessário
que tenha sido um dos primeiros produtos desta Tipografia, visto que no livro consta e importante compreendermos um pouco melhor esta história da educação do
1859 como a data de publicação. E somente a partir de 1860 a obra passa a ser Maranhão imperial.
noticiada para venda e divulgação, como já mencionadas aqui. De outro modo, consideramos ainda que seus escritos literários possuem
Até aqui, acreditamos ter apresentado alguns elementos sobre a trajetória um caráter educacional, ao qual abordaremos sob algumas características (e
percorrida por Maria Firmina dos Reis no aprendizado das primeiras letras até sua questionamentos) no capitulo seguinte.
carreira docente. Foi difícil, devido à ausência de uma documentação mais
substancial, conhecer uma possível educação formal de Maria Firmina dos Reis,
contudo seus próprios escritos nos mostraram que os primeiros aprendizados foram
concebidos no seio familiar, como a grande maioria das mulheres daquele período.
A literatura também chegou à sua vida a partir da mãe, que lhe instruiu no
gosto e no prazer pela leitura. Além de explicitarmos que seu primo Francisco Sotero
dos Reis, figura de renome como professor e escritor a tenha incentivado na escolha
dos mesmos caminhos, como atestamos na poesia Minha Terra que lhe foi dedicada
evidenciando o respeito e admiração que tinha pelo primo ilustre.
As pesquisas, até aqui, ao abordarem uma possível relação entre os dois,
têm como questionamento que,

Apesar da relação de parentesco entre Firmina e Sotero dos Reis, do


papel do crítico na educação da romancista e das semelhanças entre
a concepção literária de ambos, a autora não vai aparecer em seu
Curso de Literatura Portuguesa e Brasileira68. (OLIVEIRA, 2007,
p.29)
68
O Curso de Literatura Portuguesa e Brasileira foi estruturado em cinco volumes para serem
ministras nas aulas de latinidade e literatura no Instituto de Humanidades a convite do proprietário e
diretor Pedro Nunes Leal. O material didático era específico para o ensino das disciplinas de língua (Manuel Odorico Mendes, Antônio Gonçalves Dias e Antônio Henriques Leal). Além de três literatos
portuguesa e de literatura, e nele figura apenas o nome de três contemporâneos de Maria Firmina do Rio de Janeiro e os outros vinte três são literatos de Portugal.

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