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Cidade Universitária Dom Delgado – DAESP-PARFOR Avenida dos Portugueses, 1.966 - São Luís - MA - CEP: 65080-805 Fone: (98) 3272- 8044 / 3272- 8041/32728040/32728056
✓ A clientela alvo (filho dos principais) e brasileiro: algumas discussões -
a excluída (índios, negros e mulheres); Curitiba, 2008.
✓ Instituições escolares: Colégio,
Seminário, Recolhimento; SANGENIS, L.F.Conde. O Franciscano
✓ Reformas Pombalinas no Brasil. e o Jesuíta: tradições
da educação brasileira. Educação &
Realidade, Porto Alegre, v. 43, n. 2, p.
691-694 709, abr./jun. 2018.
Cidade Universitária Dom Delgado – DAESP-PARFOR Avenida dos Portugueses, 1.966 - São Luís - MA - CEP: 65080-805 Fone: (98) 3272- 8044 / 3272- 8041/32728040/32728056
✓ Colégios e Liceus OLIVEIRA, Marcos Marques. As
Origens da Educação no Brasil
Da hegemonia católica às primeiras
tentativas de organização do ensino.
Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de
Janeiro, v.12, n.45, p. 945-958,
out./dez. 2004
Cidade Universitária Dom Delgado – DAESP-PARFOR Avenida dos Portugueses, 1.966 - São Luís - MA - CEP: 65080-805 Fone: (98) 3272- 8044 / 3272- 8041/32728040/32728056
normais no Brasil: do império à
república / José Carlos Souza Araujo,
Anamaria Gonçalves Bueno de Freiras,
Antônio de Pádua Carvalho Lopes,
organizadores. Campinas:Editora
Alínea, 2008.
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06 2 A Dimensão Iluminista Da Reforma Pombalina Dos Estudos: Das Carlota Boto 99
Primeiras Letras À Universidade
07 2 A Educação Brasileira No Período Pombalino: Uma Alexandre Shigunov Neto & 119
Análise Histórica Das Reformas Pombalinas Do Ensino. Lizete Shizue Bomura Maciel
08 3 Educação Na Ordem Constitucional Brasileira: Sérgio Montalvão 132
Da Monarquia À República
09 3 As Origens da Educação no Brasil: Da hegemonia católica às primeiras Marcos Marques de Oliveira 146
tentativas de organização do ensino.
PROPOSTA AVALIATIVA
NOTA ATIVIDADES DESCRIÇÃO DATAS
1 • Resenha de filme - Elaborar uma resenha crítica do filme A missão roteiro de 22 a 24/01/2024
• Estudo dirigido análise
- Responder o estudo dirigido em grupo e participar da
discussão das questões propostas
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2 • Seminário: Educação - Organização e apresentação de seminário temático com 24 a 25/01/2024
Colonial e Império entrega de resumo
• Estudo Dirigido - Responder o estudo dirigido em grupo e participar da
discussão das questões propostas
3 • Estudo Dirigido - Responder estudo dirigido em grupo e participar da 26 a 27/01/2024
• Participação na roda discussão das questões propostas
de conversa temática - Participação na roda de conversa sobre o texto: Educação
• Resenha de texto Maranhense na Primeira República
- Resenha crítica do texto: Escola Normal: Uma instituição
tardia no Maranhão
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO
UFMA PARFOR
CURSO DE PEDAGOGIA
I IDENTIFICAÇÃO
Disciplina: História da Educação Brasileira
Carga Horária: 60h
Créditos: 04
II APRESENTAÇÃO
O conhecimento histórico na atualidade resulta de uma escrita simultaneamente de
muitas posições ou perspectivas diferentes. Logo, o significado das ações educacionais
de homens e mulheres no passado, para Collingwood (1938), resultam de um contexto,
tanto humano quanto natural, que afeta essas ações, na mesma medida em que as ações
afetam o contexto, temporalizadas, segundo Braudel (1978) “em mil diferentes ritmos”
do tempo social. Portanto, a história da educação brasileira, mas inscrita que escrita,
precisa ser produzida e ensinada numa unidade de base ampla: “conjuntura e
estrutura”, como expressa Braudel (1977).
III - EMENTA
A pesquisa histórica e historiografia em educação no Brasil. O Estudo da realidade
educacional brasileira, compreendida como objeto histórico constituído no âmbito da
formação capitalista do país. História das formas de organização e lutas sociais do povo
afro-brasileiro e indígena e participação na educação nacional.
IV – OBJETIVOS
OBJETIVO GERAL
Contextualizar historicamente as práticas educacionais produzidas no Brasil,
conferindo visibilidade aos mais variados modos em que se revestiu/reveste a educação
escolarizada e não escolarizada, enfatizando os movimentos sociais, a multiplicidade
cultural e étnica e as questões de gênero e grupo social, tendo como eixo articulador a
institucionalização da escola.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO
UFMA PARFOR
CURSO DE PEDAGOGIA
OBJETIVOS ESPECIFICOS
√ Problematizar o campo da História e da História da Educação.
√ Reconhecer e analisar dinâmicas sociais em sua relação com a História da Educação
√ Abordar o processo histórico da educação brasileira considerando os períodos
históricos e relacionados como marcos temporais que influenciaram em termos de
ações político-econômicas: Colônia, Período Pombalino, Império e República.
√ Estudar experiências e modelos educacionais, as visões pedagógicas e a sua
articulação com os mitos fundadores produzidos no Brasil desde a chegada dos
europeus, que perpassam os modos de educação dos povos indígenas, a colonização e
os principais aspectos e situações educacionais que constituíram historicamente o que
se configurou em educação brasileira, abordando experiências escolares e não–
escolares.
√ Refletir sobre os diferentes ideários educacionais e de como estes colaboraram para a
exclusão social de camadas dominadas, investigando neste âmbito, as ações
educacionais e suas matrizes históricas.
√ Estudar o processo histórico da educação brasileira e maranhense, considerando a
realidade social, política, cultural e econômica de cada época, bem como as Idéias e
práticas educativas dos seus sujeitos históricos.
V – CONTEÚDO PROGRAMÁTICO
UNIDADE I 1.Questões teórico-metodológicas da historiografia da
educação brasileira
História da Educação: porque e para que
Historiografia educacional no Brasil
Fontes de acervos
UNIDADE II 2. Colonização e Educação
Colonização e catequese: os jesuítas
Franciscanos na Educação Brasileira
A clientela alvo (filho dos principais) e a excluída (índios, negros
e mulheres)
UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO
UFMA PARFOR
CURSO DE PEDAGOGIA
V – METODOLOGIA
O procedimento da disciplina buscará oportunizar a expressão individual e coletiva nos
diversos momentos de desenvolvimento das temáticas abordada. Serão realizadas
atividades variadas, como: aula expositiva e dialogada, com efetiva participação da
turma; pesquisa bibliográfica e de campo, individual e/ou em grupo; exposição de
conteúdo ou resultado de pesquisa pelo discente e/ou grupo, com discussão ao final;
leituras precedentes às exposições do conteúdo a ser trabalhado, para fundamentação
nas intervenções; apresentação de documentário pertinente à matéria. . Propõe a análise
UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO
UFMA PARFOR
CURSO DE PEDAGOGIA
VI – AVALIAÇÃO
a) Será aprovado o aluno que tiver 75% de frequência mínima correspondente à carga
horária direta da disciplina e média final igual ou superior a 7,0 (sete), obtida após três
notas regimentais. O cálculo da média final será feito por média aritmética entre as três
notas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
CADIOU, François (et.al.). Como se faz a história: historiografia, método e pesquisa.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2007.
CHAMBOULEYRON, Rafael e NETO, Raimundo Moreira das Neves. Jesuítas,
Moradores e Colégios na Amazônia Colonial. Artigo. CNPQ/FAPESPA. s.a
GONDRA, José Gonçalves (org.). Pesquisa em história da educação no Brasil. Rio de
Janeiro: DP&A, 2005.
_____________________ e SCHUELER, Alessandra. Educação, poder e sociedade no
Império Brasileiro. São Paulo: Cortez, 2008.
RAMOS, Fábio Pestana e MORAIS, Marcus Vinicius de. Eles formaram o Brasil. São
Paulo: Contexto, 2010.
SALDANHA, Lilian Leda. A instrução Pública maranhense na primeira década
republicana (1889-1899). Imperatriz, MA: Ética, 2008.
SAVIANI, Dermeval. Histórias das idéias pedagógicas no Brasil. Campinas, SP:
autores Associados, 2008.
STEPHANOU, Maria, BASTOS, Maria Helena Camara (orgs.). História e Memória da
Educação no Brasil, vol. I. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011.
VEIGA, Cynthia Greive. História da Educação. São Paulo: Ática, 2007.
UNIDADE I
Questões teórico-metodológicas da
historiografia da educação brasileira
RESUMO:
História da Educação: por que e para quê;
Historiografia educacional no Brasil
Fontes de acervos.
TEXTO 01
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TEXTO 02
1
HISTÓRIA E HISTORIOGRAFIA DA EDUCAÇÃO NO BRASIL
Prof. Dr. José Claudinei Lombardi
Departamento de Filosofia e História da Educação, Faculdade de Educação/UNICAMP
Coordenador Executivo do HISTEDBR - “História, Sociedade e Educação no Brasil”.
Resumo: O tema proposto para esta conversa encontra-se dividido em três partes inter-
relacionadas: a primeira centrada sobre o significado da palavra história e história da
educação; a segunda parte, em linhas gerais, trata da historiografia e historiografia da
educação; na terceira parte, a discussão é sobre a questão das fontes da pesquisa histórica e
das fontes da pesquisa historiográfica.
1
Conferência apresentada no III Colóquio do Museu Pedagógico, 17/11/2003, na Universidade Estadual do
Sudoeste da Bahia, Vitória da Conquista – BA.
Em nossa língua buscou-se contornar a ambigüidade grafando a historia rerum
gestarum com H maiúsculo e a historia res gestae com o h minúsculo. Evidentemente que
tal procedimento não é suficiente para diferenciar o fato histórico da ciência que o estuda,
mas a discussão possibilita que se pense que o termo designa duas faces de uma mesma e
única moeda, mas permanecendo a ambigüidade etimológica da palavra.
Ao fazer esta observação, não se pode deixar de registrar um outro aspecto:
qualquer que seja a concepção de ciência (da história) que se tenha e, também, qualquer
que seja a opção do investigador quanto ao fazer cientifico (na História), não se pode
desvinculá-lo dos contraditórios interesses da sociedade e tempo histórico que vive. Em
outras palavras, nenhum pesquisador é neutro, nenhum procedimento científico é
asséptico e, muito menos, o conhecimento produzido por ele é dotado de neutralidade em
relação às questões de seu tempo.
Ao contrário, todo conhecimento produzido implica e pressupõe métodos e
teorias que embasam o processo e o resultado da construção do conhecimento cientifico,
sendo estes, igualmente, produtos sociais e históricos. Mesmo quando os trabalhos não
explicitam os métodos e as teorias utilizadas, é evidente que, apesar dessa dimensão ficar
subjacente ao texto, não se deixa de adotar pressuposições ontológicas e gnosiológicas,
posto que estas permeiam toda produção de conhecimentos, todo processo e resultado do
pensar do homem.
Não dá para tratar muito mais profundamente a questão. Vale a pena, entretanto,
abrir parênteses para registrar que é necessário que se façam algumas distinções
fundamentais. É necessário, antes de tudo, que se entenda que nem todas as chamadas
escolas filosóficas e históricas que animam a produção da pesquisa educacional no Brasil
possuem claras pressuposições paradigmáticas que possibilitem a sua clara identificação.
Também há elaborações que recusam qualquer embasamento teórico-metodológico, mas,
nesse caso, trata-se da penetração velha e surrada matriz agnóstica, irracionalista e cética,
em suas várias vertentes.
Para aprofundar essa discussão, tenho procurado diferenciar o que é uma
concepção, daquilo que tenho denominado como movimento. Uso o termo concepção
para designar a comunidade científica dos que partilham dos mesmos pressupostos
ontológicos, gnosiológicos e axiológicos. Geralmente, uma concepção se desdobra em
tendências e que entendo como aquelas correntes (filosóficas e científicas) mais
específicas que se configuram sistematizadamente, apresentando peculiaridades em
relação a uma determinada concepção e diferenças significativas em relação às outras
tendências da mesma.
No que diz respeito a essa classificação, considero muito instigante a análise feita
por Antonio Joaquim Severino que adotou uma posição semelhante para analisar a
produção filosófica brasileira, conforme se pode constatar na citação abaixo. A diferença
é que ele adota o termo “tradição”, enquanto prefiro o uso do conceito “concepção”.
Ao falar de tradição, tomo o conceito num sentido mais geral, denotando o
caráter de comunidade, de permanência e de continuidade, na duração histórica,
de traços constitutivos de conteúdos filosóficos que tiveram sua gênese e
desenvolvimento no contexto da cultura ocidental. Essa filiação das tendências
às diversas tradições foi feita levando-se em conta critérios que se relacionam
com suas temáticas, com suas metodologias, com suas perspectivas de
abordagem ou com seus pressupostos fundantes. Já as tendências foram
entendidas como aquelas correntes filosóficas mais específicas que se
configuram sistematizadamente e que integram uma determinada tradição,
mesmo apresentando peculiaridades em relação a essa tradição e diferenças
significativas em relação às outras tendências da mesma tradição. Falo de
“tendência” quando se trata de enfatizar mais a compreensão do conteúdo e de
“corrente” quando se enfatiza sua extensão. Chamo de vertentes aquelas
orientações que, por sua vez, se inserem numa tendência ou corrente,
representando uma especificação da mesma; já as subvertentes são aquelas
orientações nas quais uma vertente pode-se dividir em decorrência de
especificidades particulares. (SEVERINO, 1997, p. 32).
Ora, da mesma forma que é impossível pressupormos a Ciência da História sem que
ela tenha objeto de investigação, não é possível o entendimento dos objetos de investigação
sem as fontes e essas, por sua vez, como o material que fundamenta e embasa a própria
pesquisa histórica. As fontes resultam da ação histórica do homem e, apesar de nem sempre
terem sido produzidas com a intencionalidade de registrar a vida e o mundo dos homens,
acabam sendo testemunhos dessas dimensões. Apesar das fontes serem produtos históricos
do homem, nem sempre se encontram facilmente disponíveis para que o homem torne
inteligíveis suas ações no tempo e no espaço.
De certa forma, acontece com a fonte histórica algo semelhante ao uso da fonte de
água pelo homem. Na natureza, algumas vezes os veios de água afloram ... Na maioria das
vezes, porém, esse produto só se torna acessível depois de muito trabalho e ação do
homem, tornando possível ao precioso líquido jorrar pela bica, pela fonte. De uma forma ou
de outra, o homem não poderia satisfazer sua sede se a água não existisse e não acabasse
estando disponível.
Para além dos documentos escritos, tão caros aos positivistas, foram os fundadores da
revista Annales d’historie économique et sociale (1929), Lucien FEBVRE e Marc BLOCH,
que alertaram para a necessidade de ampliação da noção e utilização de documento. Desde
então se passou a adotar uma perspectiva mais ampla do que se deve considerar como
documento, não somente no que diz respeito ao seu uso pelo investigador, mas também
para efeitos de conservação.
“[...] o documento é qualquer elemento gráfico, iconográfico, plástico ou fônico
pelo qual o homem se expressa. É o livro, o artigo de revista ou jornal, o
relatório, o processo, o dossiê, a correspondência, a legislação, a estampa, a tela,
a escultura, a fotografia, o filme, o disco, a fita magnética, o objeto utilitário,
etc... enfim, tudo que seja produzido por razões funcionais, jurídicas, científicas,
culturais ou artísticas pela atividade humana”. (BELLOTTO, 1984:34).
A ampliação da noção de fonte foi também acompanhada por uma guinada na ótica
do pesquisador que passou a considerar como documentos históricos dignos de
conservação, transmissão e estudo, não somente aqueles referentes à vida dos grandes
homens, dos heróis, dos grandes acontecimentos, das instituições – como na perspectiva
positivista. Com Engels e Marx, depois com Febvre e Bloch, aprendemos que a vida de
todos os homens, todas as formas de relações, todos os agrupamentos e classes sociais
constituem objeto de estudo que interessam ao investigador.
Considerando-se que todos os tipos de fontes podem ser válidos para o
entendimento do mundo e da vida dos homens, tem-se que convir que o tipo de fonte a ser
utilizada decorre, em grande medida, do objeto de investigação.
Não há dúvida que o testemunho oral é uma fonte de informação, mas, nem
sempre é um recurso possível. Assim, por exemplo, se o objeto de investigação é a prática
educativa dos pedagogos da Grécia Antiga, mesmo que se considere muito elucidativo
entrevistar ou tomar a história de vida dos pedagogos, como ainda não é possível viajar
pelo “túnel do tempo”, a fonte oral acaba sendo inadequada para o estudo desse objeto.
2
Anais da II Jornada do HISTEDBR... realizada de 8 a 11 de outubro de 2002; organizadores: José Claudinei
Lombardi, Dermeval Saviani. Campinas – SP : FE/UNICAMP : HISTEDBR, 2002. CD-ROM.
Considerações finais: a História da Educação no Brasil: pós-graduação, coletivos de
pesquisa e o HISTEDBR
Feitas essas observações mais gerais, conceituais, que objetivaram provocar o
debate sobre questões teórico-metodológicas da história e da historiografia da educação,
bem como sobre as fontes da pesquisa histórica e historiográfica, cabe tecer algumas
considerações sobre os percursos seguidos pela pesquisa histórica em educação no Brasil.
Os estudos que objetivam discutir a constituição da História da Educação no Brasil,
como disciplina ou campo de investigação, têm colocado grande ênfase no surgimento da
disciplina, o que se deu certamente com a instalação dos cursos normais no Brasil.
Apesar de reconhecer a correção histórica de tal entendimento, minha hipótese de
trabalho é que a constituição da disciplina não se deu concomitantemente, nem conduziu
necessariamente, à pesquisa histórico-educacional.
Foram processos que ocorreram paralelamente, por um lado, pela centralidade
colocada na disciplina Filosofia e História da educação quando da conformação curricular
dos cursos de formação de educadores; por outro, pela configuração da educação como
campo de pesquisa histórica, o que ocorreu quando da formação do campo de pesquisa
histórica, no qual foi de fundamental importância a criação do Instituto Histórico e
Geográfico do Brasil - IHGB.
O campo de ensino e a pesquisa em história da educação passaram a se constituir
como um campo articulado de conhecimentos somente muito recentemente, com o
surgimento da pós-graduação stricto sensu no Brasil. A configuração do campo histórico-
educacional foi ocorrendo lentamente, acompanhando o próprio movimento de
consolidação dos programas de pós-graduados em educação e, no interior deles, da
pesquisa educacional. Resumida e esquematicamente penso que o processo de constituição
do campo da história da educação ocorreu com as seguintes características:
• quando da constituição dos diversos cursos voltados à formação de professores, foi
ocorrendo a constituição da disciplina que, articulada à filosofia, deveria possibilitar sólida
formação moral dos educadores;
• na formação do campo de pesquisa histórico no Brasil, com a produção dos pesquisadores
estando articuladas em torno do IHGB, a constituição da educação como objeto de pesquisa
histórica foi ocorrendo, ainda que a educação fosse um objeto secundário de investigação.
• a constituição do campo de ensino e pesquisa em história da educação, como um campo
articulado de conhecimentos, firmou-se recentemente acompanhando a construção da pós-
graduação stricto sensu no Brasil.
A produção no campo da História da Educação em nosso país acompanhou, em
linhas gerais, a pesquisa em educação. Recentemente foi desenvolvido um amplo
levantamento sobre a pesquisa educacional no Brasil, assumida institucionalmente pela
ANPEd (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação), financiada pelo
INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais) e CNPq (Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), e coordenada por Jacques
Velloso3. O levantamento quantificou e demonstrou o que era sobejamente conhecido e
discutido: 90% ou mais da pesquisa em educação no Brasil, assim como em outras áreas do
conhecimento, concentravam-se nos programas de pós-graduação stricto sensu
(VELLOSO, 1999, 10).
Apesar de os programas de pós-graduação terem iniciado no final da década de
1960, foi a partir dos anos da década de 1990 que a produção, materializada em
dissertações e teses efetivamente concluídas e defendidas, sofreu significativo incremento.
Alguns dados possibilitam entender, um pouco melhor, a construção dessa produção junto
aos programas de pós-graduação. Entre 1971 e 1996, a produção dos alunos dos programas
de pós-graduação em Educação constituiu um total de 8.416 trabalhos, sendo 7.609
(90,41%) dissertações de mestrado e 807 (9,59%) teses de doutoramento. Desse total, a
região Sudeste participava com 65,2% das dissertações defendidas no período, seguida das
regiões Sul (20,2%), Nordeste (9,1%), Centro-Oeste (5,2%) e Norte (0,3%). Os Estados de
São Paulo e Rio de Janeiro respondiam por quase 60% da produção nacional (31,3% e
28,2%, respectivamente), seguidos do Estado do Rio Grande do Sul, com 14,8%. Sete
instituições, também localizadas nesses três estados, foram responsáveis por mais da
metade da produção nacional: PUC/SP (12,3%), UFRJ (8,7%), UNICAMP (6,5%), PUC/RJ
(6,1%), UFRGS (6,0%), PUC/RS (5,9%) e UFF (5,4%). Ao lado das instituições públicas,
merece destaque a participação de três universidades católicas que, juntas responderam, no
período (1971-96), por 24% da produção nacional.
3
O trabalho publicado é um amplo diretório com a produção de pesquisa na área educacional, organizado em
três partes: 1) com os dados sobre os pesquisadores; 2) com os endereços eletrônicos dos docentes
pesquisadores; relação das instituições a que pertencem, com os endereços dos programas de pós-graduação.
Na parte com os dados dos pesquisadores constam os projetos de pesquisa e as publicações.
Até 1974, essa produção pouco tinha ultrapassado o limite de 200 trabalhos, todos
eles dissertações de mestrado defendidas nos 15 programas então existentes no Brasil.
Somente no qüinqüênio entre 1990-94, ocorreu um salto quantitativo de tal ordem que
2.498 (87,43%) dissertações e 359 (12,57%) teses foram defendidas, em 45 programas
existentes no país, 15 deles também oferecendo doutorado, totalizando 2.847 trabalhos
produzidos.
Produção Acadêmica Discente Nacional - Educação – 1971/1996
Produção Acadêmica Discente
BIBLIOGRAFIA
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Campinas – SP: FE/UNICAMP : HISTEDBR, 2002. CD-ROM.
SAVIANI, Dermeval. Editorial 15 anos de HISTEDBR: 1986-2001. In: Revista HISTEDBR on
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SEVERINO, Antônio Joaquim. A filosofia contemporânea no Brasil: conhecimento, política e
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VELLOSO, Jacques (org.). Quem pesquisa o quê em Educação 1998. Brasília; São Paulo:
ANPEd, 1999, 608 p.
TEXTO 3
ARTIGOS
Resumo
Apresentar a construção do conhecimento da disciplina de História da Educação para os futuros e atuais
professores é o objetivo deste artigo. Mais do que o ato de tomar contato com a educação em seu fazer
histórico, fazemos aqui o convite para que o profissional da educação se torne em pesquisador em
História da Educação. Para tanto, apresenta-se uma síntese das mudanças ocorridas no campo específico
do ofício do historiador das questões educacionais, mostrando qual é o atual estado da arte no que diz
respeito à forma mais específica do contato com o passado. Após um período inicial em que a História da
Educação esteve subsumida à Filosofia da Educação, nos últimos anos do século XX e nestes primeiros
da atual centúria há toda uma discussão teórica que quer legitimar este campo como específico e diferente
dos outros relacionados à educação. Neste sentido, os usos e instrumentos que o historiador deve ter a seu
dispor, como a definição da periodização a ser pesquisada, o tipo, a escolha e o trato das fontes
(documentos históricos) que revelam a vida dos atores sociais que se quer pesquisar, e como se estabelece
a relação entre o passado e o presente, são apresentados como requisitos teóricos e práticos para a
constituição de uma autêntica História da Educação.
Palavras-Chave: Campo teórico. História da Educação. Ofício do historiador. Pesquisa educacional.
Abstract
Present the need of knowledge of the History of Education for future and current teachers is the goal of
this article. More than the act of taking contact with education in your doing here, we call history so that
the professional education becomes in researcher in History of Education. To that end, it presents a
summary of the changes in the specific field of the craft of the historian of educational issues, showing
which is the current state of the art as regards more specifically the contact with the past. After an initial
period in the history of education subsumidy to philosophy of education was, in the final years of the 20th
century and these first of the current century there is a whole theoretical discussion that wants to
legitimize this field as specific and different from other education-related. In this sense, the usages and
instruments that the historian must have at their disposal, such as the definition of periodization to be
searched, the type, the choice and the treatment of sources (historical documents) that reveal the lives of
social actors that if you want to search, and how the relationship between past and present, are presented
as theoretical and practical requirements for the constitution of an authentic History of Education
Keywords: Theoretical field. History of Education. The craft of the historian. Educational research.
A1 discussão em torno construção da História objetivo deste artigo. Desta forma, pretende-se,
da Educação no Brasil, como um campo adicionalmente, apresentar a trajetória disciplinar
disciplinar voltado ao ensino e a produção de e acompanhar as idéias desenvolvidas pela
conhecimentos por meio de pesquisas, é o historiografia criadas no movimento social que os
pesquisadores2 e educadores realizaram e
1
Doutora em História pela Universidade Estadual Paulista
2
Júlio de Mesquita Filho (2003). Professora do Departamento Doutor em Educação pela Universidade Metodista de
de Fundamentos da Educação e do Programa de Pós- Piracicaba (2004). Professora do Departamento de
Graduação em Educação da Universidade Estadual de Fundamentos da Educação e do Programa de Pós-Graduação
Maringá. em Educação da Universidade Estadual de Maringá.
114 A importância da história da educação para a formação dos profissionais da educação
observando que a fusão entre a História e a um tipo de autor; quarto, porque realizou a
Filosofia da Educação obscureceu os contornos, delimitação de um objeto de estudo e da
os limites fronteiriços entre elas. Segundo, eles se construção de conhecimentos; finalmente, porque
afastaram dos procedimentos característicos da viabilizou a constituição de um público leitor
investigação filosófica e se aproximaram da específico.
investigação histórica. No entanto, quando e como Não obstante tais iniciativas, os estudos e as
este processo se realizou e vem se realizando? produções destes grupos nas pesquisas em
Para Vidal (2003, p. 3), a História da História da Educação ganharam, de fato, maior
Educação como um “[...] campo autônomo, visibilidade com a instalação dos Programas de
apartado da Filosofia da Educação, é fenômeno Pós-Graduação.
recente e não de todo consolidado no seio da Os primeiros programas a se constituírem no
Pedagogia”. Tal movimento, ainda que tenha se Brasil foram o da PUC no Rio de Janeiro, em
alargado a partir dos anos de 1980 e ganhado 1965, e o da PUC de São Paulo, em 1969. A partir
consistência em 1990, teve suas primeiras da década de 70, outros programas surgiram,
iniciativas em meados do século XX. ampliando e constituindo lugares de debates e de
Em São Paulo, desde os anos 50, um grupo pesquisas em que o pensamento marxista, os
de intelectuais, articulados especialmente em novos ideais da Igreja Católica e os ditames dos
torno da cátedra de História e Filosofia da Annales, na busca de espaços, confluíram e
Educação e sob a coordenação dos Profs. Laerte conviveram, quase sempre conflituosamente.
Ramos de Carvalho e de Roque Spencer Maciel A produção veiculada pelos programas de
de Barros, do Departamento de Pedagogia da pós-graduação em Educação, mais
USP, posteriormente, Faculdade de Educação, especificamente, em História da Educação, vem
compuseram um núcleo de estudos e de pesquisas sendo bastante estudada e analisada. Um dos
que se ampliou com o crescimento dos Institutos resultados obtidos por estes estudos refere-se à
isolados de Ensino Superior no Estado de São identidade do historiador da educação. Entende-se
Paulo. O grupo aglutinou nomes, como Heládio que esta identidade se constituiu, desde sua
César Gonçalves Antunha, José Mario Pires gênese, de forma multifacetada e plural. Talvez,
Azanha e Maria de Lourdes Mariotto Haidar, da em virtude dessa situação, um outro intelectual da
Pedagogia-USP, Casemiro Reis Filho da FFCL de área educacional, Jorge Nagle (1984), tenha
Rio Preto, Rivadávia Marquês Júnior, Jorge Nagle afirmado que não era muito fácil identificar, antes
e Tirsa Regazzini Péres da FFCL de Araraquara e, da década de 1980, a perspectiva histórica nos
posteriormente, Maria Aparecida Rocha Bauab trabalhos de História da Educação.
(Rio Preto), Maria da Glória de Rosa (Marília) e Lembre-se de que este marco – os anos 1980
Miriam Xavier Fragoso (Assis), dentre outros, de – é importante: a partir dele é que se acredita e se
acordo com o depoimento de Leonor Tanuri, demonstra que o movimento de aproximação dos
também integrante do grupo. (VIDAL, 2003, p educadores com a História, como campo teórico,
16). ganhou mais fôlego e mais fluência.
No mesmo período, no Rio de Janeiro, nomes Nesse período, diversas foram as iniciativas
como Pe. Serafim Leite, Zoraide Rocha de Freitas, que reforçaram o movimento de consolidação da
Luiz Alves de Mattos, Celso Suckow da Fonseca, História da Educação como campo disciplinar, de
Pe. Leonel Franca e Geraldo Bastos Silva estudos e de pesquisas com contornos próprios.
contribuíram com seus estudos e sua produção Uma das mais significativas foi o surgimento, em
para que a História da Educação brasileira 1984, do GT de História da Educação, na
adquirisse status e autonomia disciplinar. Associação Nacional de Pós-Graduação e
Em São Paulo, este movimento foi Pesquisa em Educação – ANPEd (criada em
denominado de “atos inaugurais” pelo historiador 1980). O GT, no entendimento de Vidal (2003,
da educação Carlos Monarcha (1996) porque, em p.19), “[...] rapidamente tornou-se o principal
primeiro lugar, propiciou a criação de uma espaço nacional de aglutinação de pesquisadores,
mentalidade, de uma consciência em história da de crítica historiográfica e de difusão de novos
educação; segundo, porque buscou sedimentar e horizontes de investigação na área”.
divulgar uma metodologia própria e privilegiada; Ao que parece tal iniciativa da ANPEd foi a
terceiro, porque criou condições para a mola propulsora para que dois novos grupos se
profissionalização do professor universitário como constituíssem. No Rio de Janeiro, sob a
Esperamos ter deixado claro a importância NEVES, F.M; MEN, L.; BENTO, F. Educação e Cultura
atual da História da Educação para a formação dos Escolar: minuciando conceitos. In: Anais do II Seminário de
Pesquisa em Educação, V Jornada de Prática de Ensino e
professores, pois para o bom desempenho de sua XIV Semana de Pedagogia da UEM. 5 a 9/11 de 2007.
função, nada mais eficaz do ler, pesquisar e Maringá. ISBN 978-85-98543-06-2.
compreender sua história, pois a História da NAGLE, Jorge. História da Educação brasileira: problemas
Educação é, em boa medida, a história daqueles atuais. In: Em Aberto, Brasília, ano 3, n. 23, set./out., 1984.
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NUNES, Clarice. Pesquisa histórica: um desafio. Cadernos
não, dos saberes sociais, o professor. ANPED, Rio de Janeiro, n. 2, p. 37-47, 1989.
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Brasília, v. 9, n. 47, jul./set., p. 36-38, 1990.
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UNICAMP, Campinas, 1995. Educação Brasileira. Brasília: INEP, 1992.
Recebido: 31/01/2012
Aceito: 19/03/2012
Endereço para Correspondência: Universidade Estadual de Maringá – Departamento de Fundamentos da Educação – Av.
Colombo, 5790 – Bloco I-12 – Sala 10 – CEP: 87020-900 – Maringá-PR
E-mail: fatimauem@hotmail.com
E-mail: celio_costa@terra.com.br
Colonização e Educação
RESUMO:
RESUMO
ABSTRACT
Considerações iniciais
A Ordem dos Jesuítas não foi, entretanto, criada só com fins educacionais;
ademais, parece que no começo não figuravam esses entre os propósitos,
que eram antes a confissão, a pregação e a catequização. Seu recurso
principal eram os chamados “exercícios espirituais”, que exerceram
enorme influência anímica e religiosa ente os adultos. Todavia pouco a
pouco a educação ocupou um dos lugares mais importantes, senão mais
importante, entre as atividades da Companhia.
1
D. João III (1502-1557) nasceu na cidade de Lisboa em 6 de junho. Primeiro filho de D.
Manuel I com a rainha D. Maria de Castela. Assumiu o trono de Portugal em 19 de dezembro de
1521, alguns dias após a morte de seu pai, e reinou durante 36 anos. Casou-se com D. Catarina,
irmã do imperador Carlos V, em 1525, e veio a falecer em junho de 1557. Em seu reinado, procurou
intensificar as atividades de política interna e ultramarina e, também, as relações diplomáticas com
os Estados europeus.
2
Inácio de Loyola (1491-1566) nasceu em Azpéitia, Espanha. De família fidalga, acabou
por seguir a carreira militar, convertendo-se à vida religiosa somente após ser ferido em 1521 no
cerco de Pamplona pelas tropas francesas. Estudou humanidades nas Universidades de Alcalá e
Salamanca, Espanha, e teologia na Universidade de Paris. Em Roma, fundou a Companhia de Jesus,
que o Papa Paulo III aprovou em 1540.
3
As Cartas Jesuíticas são documentos apresentados sob a forma de cartas escritas pelos
padres jesuítas e que tinham como objetivo fornecer um relato das atividades desenvolvidas pela
Companhia nas terras descobertas. As cartas foram escritas, principalmente, pelos padres Manoel
da Nóbrega, Azpicueta Navarro e José de Anchieta, entre 1549 e 1568.
Portugal, que até então vivera imerso na atmosfera medieval e ocupado com
as intermináveis guerras santas contra os invasores mouriscos e guerras
defensivas contra os espanhóis, começava apenas a despertar para a nova
cultura da Renascença. Sem tradições educativas, o seus sistema escolar
começava a esboçar-se mui vagamente apenas.
O analfabetismo dominava não somente as massas populares e a pequena
burguesia, mas se estendia até a alta nobreza e família real. Saber ler e
escrever era privilégio de poucos, na maioria confinados à classe sacerdotal
e à alta administração pública.
É bem verdade que os mosteiros e as catedrais eram quase que os únicos
asilos das letras, tanto sagradas como profanas; mas sua atuação era
modesta e restrita à satisfação de suas necessidades internas; não tinham
a consciência de estar cumprindo uma missão social. (MATTOS, 1958,
p. 37-38)
4
O Colégio de Jesus da Bahia foi fundado em fins do ano de 1549. Com instalações e
acomodações pequenas, que lhe impunham uma limitação no número de alunos, nunca contou com
mais de 25 alunos internos (entre órfãos, índios e mamelucos). Também freqüentavam as aulas de
ler e escrever alguns alunos externos (em sua maioria filhos de colonos portugueses). Entre sua
fundação e 1556, contou com quatro mestres: Vicente Rodrigues – ministrou aulas entre abril de
1549 e julho de 1550; Salvador Rodrigues – atuou entre julho de 1550 e julho de 1553; Antonio
Blasques – exerceu as atividades docentes entre julho e novembro de 1553; e João Gonçalves – que
exerceu a atividade docente entre novembro de 1553 e 1556.
5
A liberdade dos indígenas sempre foi defendida pelos padres da Companhia de Jesus,
apesar de não se oporem formalmente à escravatura, em virtude sua situação frente à Coroa portu-
guesa.
6
Antes de falecer em 1600, com 62 anos de idade, ainda desempenhou por mais de quinze
anos no Colégio do Rio de Janeiro as mesmas funções de Administrador da Igreja e Diretor Espiritual
da comunidade. Foram 41 anos de dedicação e trabalhos em prol da catequização e evangelização
dos indígenas brasileiros, que lhe valeram o título de Primeiro Mestre-Escola do Brasil.
7
O recolhimento de São Vicente foi fundado em 1550 pelo padre Leonardo Nunes e
destinava-se, inicialmente, à catequese.
8
Padre Mestre Simão Rodrigues foi o fundador e primeiro Provincial da Companhia de Jesus
em Portugal e confessor predileto de D. João III, motivo pelo qual tinha apoio do governante. Em
1553 voltou para Portugal, mas foi proibido de ficar por Inácio de Loyola, sendo exilado em Roma
durante vinte anos. Apenas conseguiu retornar para Portugal em 1579, quando veio a falecer.
Considerações finais
11
Neves (1993) acredita que os jesuítas, ao organizarem o ensino a ser aplicado na con-
versão dos índios, puderam moldar as leis e práticas impostas pela ordem, mesmo porque o Ratio
Studiorum estava em fase de elaboração, apenas tendo sido aprovado em 1759.
de fato, em grande parte pela influência dos padres que se preparou a base
da unidade nacional na tríplice unidade de língua, de religião e de cultura,
em todo o território. Nenhum elemento intelectual foi mais poderoso do que
o ensino jesuítico, na defesa e conservação da língua culta. (AZEVEDO,
1976, p. 43)
Vicente, Rio de Janeiro, Olinda, Espírito Santo, São Luís, Ilhéus, Recife, Santos,
Porto Seguro, Paranaguá, Alcântara, Vigia, Pará, Colônia do Sacramento, Floria-
nópolis e Paraíba.
A Companhia de Jesus teve suas atividades suspensas na Colônia brasileira a
partir de 1759, com o Decreto-lei de 3 de setembro de 1759 promulgado pelo Rei
D. José I12. Com a promulgação da lei, o Ministro de Estado, Marquês de Pombal,
exilava de Portugal e da Colônia brasileira a Companhia de Jesus, confiscando para
a Coroa portuguesa todos os seus bens materiais e financeiros. Quando da assinatura
do decreto pelo Marquês de Pombal, havia no Brasil 670 membros da Companhia
de Jesus, incluindo noviços e estudantes, sendo repatriados para Portugal 417. Per-
maneceram no Brasil 253 membros, entre aqueles que ainda não haviam recebido
ordens ou os noviços que foram induzidos a deixarem a ordem religiosa.
Para Teixeira Soares (1961), Carvalho (1978), Ribeiro (1998), Cardoso (1990),
Serrão (1980 e 1982), Avellar (1983), Holanda (1993) e Cruz (1984), as reformas
elaboradas e implementadas ou não pelo Marquês de Pombal, em seu mandato
como Ministro, visavam a transformação e adaptação da sociedade portuguesa aos
movimentos sociais, culturais, econômicos e políticas que estavam a ocorrer na
Europa do século XVIII.
Contudo, é preciso atentar-se para uma peculiaridade a ser destacada nesse
processo de expulsão dos jesuítas e de implantação das reformas de Pombal, que
tem início nesse momento histórico e que acompanhará a educação brasileira ao
longo dos anos: as reformas educacionais brasileiras apresentam como característica
marcante a total destruição e substituição das antigas propostas pelas novas. Assim,
a reforma educacional do Marquês de Pombal confirma nossa hipótese – as reformas
educacionais propostas na organização escolar brasileira utilizam-se da destruição e
negação do que estava posto e a introdução de novas propostas, não havendo assim
uma continuidade nas políticas educacionais.
Conforme afirmam Veríssimo (1980), Teixeira Soares (1961), Azevedo (1976),
Serrão (1982), Almeida (2000), Holanda (1989) e Ribeiro (1998), os jesuítas foram
os responsáveis pela formação da elite nacional. Pois, do período compreendido
entre sua chegada em 1549 até sua expulsão em 1759, foram os responsáveis pelo
ensino formal dos habitantes do Brasil, inclusive dos jovens que se preparavam para
ingressar em cursos superiores na Universidade de Coimbra13.
12
D. José I (1714-1777) nasceu em 6 de junho. Filho e sucessor de D. João V, casou-se em
1729 com D. Mariana Vitoria e teve quatro filhas (D. Maria I, D. Maria Ana, D. Maria Francisca
Dorotéia e D. Maria Francisca Benedita). Teve grande colaboração e influência em seu governo do
Marquês de Pombal.
13
A Universidade de Coimbra, localizada em Portugal, foi a responsável pelo ensino superior
de grande parte da elite política e intelectual brasileira nos séculos XVI, XVII e XVIII.
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damos com Ricard (1994, p. 65.), para quem “[…] la verdad histórica nos
da licencia para generalizar estas frases a todos los misioneiros, de cual-
quiera de las tres órdenes”.
Quanto à confirmação da tese recuperada por Freyre de que os
índios teriam sido bons discípulos de frades franciscanos, por promo-
verem uma educação prática, mais técnica e que envolvia o ensino de
ofícios, é paradigmática a carta de autoria de Frei Bernardo de Armenta,
datada de 1538, cuja cópia foi transcrita por Frei Gerônimo de Mendie-
ta (1870), um dos mais ilustres missionários franciscanos que atuaram
nos primórdios da evangelização do México, no Século XVI. A carta foi
enviada da costa de Santa Catarina, na localidade denominada Mbyaça,
atual cidade de Laguna, no Estado de Santa Catarina, mas que, no sécu-
lo XVI, tratava-se de área de passagem, de modo que os limites geográ-
ficos de território pertencentes à Espanha ou a Portugal ainda não es-
tavam claramente definidos (Arns, 1975). Nessa região, Armenta, com a
colaboração de seu confrade Frei Alonso Lebrón, e mais três frades que
desconhecemos os nomes, iniciaram uma missão improvisada entre os
índios Carijó (Costa, 2008). A preocupação de Armenta – solicitar ao Rei
e aos seus superiores hierárquicos uma dezena de bem escolhidos fra-
des de sua Ordem – é seguida da apreensão em lograr bons trabalhado-
res e profissionais, assim como instrumentos e materiais de trabalho,
todos necessários à obra que mal iniciara.
Vengan labradores y traigan mucho hierro, y algún lienzo y
ropa, y ganado de vacas y ovejas burdas, y cañas de azúcar,
y maestros para hacer ingenios de azúcar, y algodón y trigo
y cebada, y toda manera de pepitas, que se darán bien, y
sarmientos, que se harán muy grandes viñas, que no tiene
que ver Santo Domingo con la bondad de esta tierra (apud
Mendieta, 1870, p. 554-555).
Diversas cartas jesuíticas dão testemunho da ação franciscana
entre os índios Carijó. Datada de 1553, relata a Carta do Irmão Antônio
Rodrigues:
Há alguns anos foram que dois frades franciscanos [Ber-
nardo e Alonso] e entraram cerca de 50 léguas daqui des-
ta Capitania, pela terra dentro, caminho dos Carijós, e a
uma Aldeia deles chamaram Província de Jesus [foi toda a
zona que assim chamaram], onde fizeram admirável fru-
to (apud Leite, 1937, p. 135).
Duas Cartas do Padre Manoel da Nóbrega, ambas datadas de
1549, ano da chegada dos jesuítas ao Brasil, são igualmente preciosas.
Falando sobre os índios Carijó, assim se expressa: “[…] todos dizem que
é melhor gentio desta costa […]. Entre eles estavam convertidos e bati-
zados muitos [dois clérigos que lá foram]” (Nóbrega, 1955, p. 33).
E em outra missiva:
Os gentios são de diversas castas, uns se chamam Guaia-
nases, outros Carijós. Este é um gentio melhor que ne-
nhum desta costa. Os quais foram, não há muitos anos,
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O Franciscano e o Jesuíta
Considerações Finais
Concluindo, temos a ver com dois tipos de catolicismo: o catoli-
cismo franciscano, marcado profundamente pelo evangelismo de São
Francisco, pela itinerância popular, com especial predileção pelos po-
bres que vivem no interior, e o catolicismo jesuítico, impregnado já de
modernidade com sua confiança na razão, na organização, na criação de
instituições educativas que divulgavam a reta doutrina e introduziam
os educandos ao paradigma da cultura metropolitana, dando centrali-
dade à cidade. De um lado um sistema aberto, ligado ao convívio com
o povo, criativo face às novas situações: os franciscanos; de outro, um
sistema fechado, fundado na arquitetônica aristotélico-tomista e cioso
da transmissão das doutrinas: os jesuítas. Os franciscanos são ontoló-
gicos e medievais, quer dizer, auscultam a lógica da vida e se submetem
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Notas
1 A Avenida Central, atual Rio Branco, foi um marco da urbanização do centro
da cidade do Rio de Janeiro no início do século XX.
2 A frase completa utilizada por Euclides da Cunha em Os Sertões é: “Estamos
condenados à civilização: ou progredimos, ou desaparecemos”.
Referências
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TEXTO 06
Carlota Boto
Universidade de São Paulo, Faculdade de Educação
dizer que “se toda a laicidade é uma secularização, (p. 22). Trata-se de um movimento no qual, progressiva-
nem toda a secularização é (ou foi) uma laicidade” mente, por etapas, o Estado-Nação viria a “vassalizar”
(Catroga, 2006, p. 273). São conceitos com significa- a Igreja (Morin, 1988, p. 45). Por isso, vale para o caso
dos diversos. Como diz ainda Catroga, “o conceito de português, sob a égide de Pombal, a caracterização de
secularização passou a conotar a perda, nas sociedades Edgar Morin acerca da situação francesa do Antigo
modernas ocidentalizadas, da posição-chave que a Regime: “a monarquia absoluta foi relativa” (idem,
religião institucionalizada ocupava na produção e ibidem). Laerte Ramos de Carvalho destaca também o
na reprodução do elo social e na atribuição de senti- sentido de secularização impresso na reforma pomba-
do” (p. 62). A religião deixa de ser a viga mestra da lina dos estudos menores. Diz o historiador:
cultura, sua pedra de toque, e passa a ser um recurso
auxiliar. Já a laicidade supõe – de modo radical – “a [...] seu objetivo superior foi criar a escola útil aos fins do
institucionalização da diferença entre o espiritual e o Estado e, nesse sentido, ao invés de preconizarem uma
temporal, o Estado e a sociedade civil, o indivíduo e política de difusão intensa e extensão do trabalho escolar,
o cidadão” (p. 273). A clivagem entre a instrução pú- pretenderam os homem de Pombal organizar uma escola que,
blica portuguesa e o modelo pedagógico arquitetado antes de servir aos interesses da fé, servisse aos imperativos
pelos planos da França revolucionária acontece aí. A da Coroa. (1978, p. 139)
escola pombalina não era conduzida pela utopia da
emancipação. Marques destaca que despotismo esclarecido foi a
O fenômeno da secularização é – este sim, como “fase tardia do absolutismo régio, muito mais em cone
já se observou acima – um dos alicerces do Iluminismo xão com as grandes mudanças que a Europa sofreu no
e da modernidade. Junto da progressiva secularização século XVIII do que com a única influência de uma
das instituições, vinham os emblemas da racionaliza- atitude filosófica” (1984, p. 322). Maria Lúcia Garcia
ção, da “civilização de costumes” (Elias, 1993, 1994) Pallares-Burke (2001) acredita que as principais medi-
e do que Weber (2000) qualificou de desencantamento das voltadas para a criação e organização de escolas de
do mundo. Estado no século XVIII europeu seriam oriundas, não
Carlos Guilherme Mota (2006) define o homem tanto das ideias iluministas, mas, sobretudo, daqueles
da Ilustração como o “homem da Razão, da Lógica, da que a história chamou de “déspotas esclarecidos”. Por
Experimentação, da Ciência, do Direito Natural. Era o sua iniciativa, foram adotadas políticas públicas diri-
pesquisador, cosmopolita, reformista, antiabsolutista” gidas a “racionalizar e ilustrar seus Estados” (idem,
(p. 67). Fenômeno europeu no século XVIII, a secula- p. 59). Para tanto, a historiadora dá o exemplo da in
rização integra o movimento que separa a moralidade trodução do “ensino compulsório e universal nos rei
da religião, que marca os limites entre Estado e Igreja; nados de Frederico II da Prússia (1740-1786) e Maria
“que determinará o mundo e o modo-de-ser-no-mundo Tereza da Áustria (1740-1780)” (idem, ibidem). O
do homem moderno. Por isso, uma interpretação do modelo de ensino arquitetado para ambos os reinos
Iluminismo é, por essência, uma leitura da Seculari- tinha como ponto comum o atendimento das neces-
zação” (Pereira, 1990, p. 7). sidades do Estado quanto à formação de consensos.
Também Roberto Romano (2003) destaca o prin- Nesse sentido, os principais valores veiculados pela
cípio da secularização inscrito no projeto das Luzes escolarização – especialmente a primária – seriam
como elemento essencial para estruturar um imaginário diligência, obediência, sentimento de dever e preste-
que daria lugar a preceitos de universalidade, nos quais za na interiorização de regras. Tratava-se – pode-se
os signos da impessoalidade e da igualdade jurídica se dizer – de um modelo voltado para a formação de
tornassem as grandes ideias-força da cultura política súditos esclarecidos; mas não de cidadãos. Mesmo
moderna: “lei natural, razão, vontade geral, povo etc.” assim, Pallares-Burke se interroga: “como explicar que
dois governos absolutistas, e não os mais progressistas Todos eles compunham uma geração de es-
regimes inglês e holandês, procurassem pôr em prática trangeirados; tanto porque viviam fora de Portugal
a educação do povo e, com isso, fossem coerentes quanto porque observavam a situação portuguesa
com o princípio do ecumenismo racional que era com base em tal deslocamento do olhar (Andrade,
defendido em teoria?” (idem, ibidem). Seja como for, 1980; Moncada, 1941). A ambiguidade profícua dessa
esses monarcas orientavam-se inequivocamente por situação de estrangeirado adviria da observação da
uma compreensão diversa acerca da potencialidade realidade estrangeira por parte de alguém que tem
da educação na produção do controle social. Mas no seu país de origem a referência. A comparação
talvez os mesmos soberanos compreendessem que o com outros países parecerá, nesse caso, irresistível e
desenvolvimento da escolarização teria algo a ver com inevitável. Os estrangeirados portugueses do século
a prosperidade dos povos. XVIII preocupavam-se com o atraso cultural do
Luzes, esclarecimento, Iluminismo ou despotis- país. Consideravam que a situação do seu Portugal
mo esclarecido? Muitos já tentaram definir o Marquês contemporâneo era de decadência: perante os países
de Pombal. Para nós, educadores brasileiros do prin- mais avançados da Europa; à luz dos rumos tomados
cípio do século XXI, a certeza que temos é a de que, pela colonização; diante do poder que um dia o país
nos territórios que geriu, foi ele o criador da escola acreditou possuir.
pública de Estado – precisamente há 250 anos. Muitos fatores explicam o poder do Ministro; a
O modelo de escola pública que Pombal gestou ti- maior parte deles compreensível à luz de uma história
nha – vale dizer – características próprias: tratava-se de comparada. Porém há sempre algo que diz respeito à
um artefato organizador da força e da potência do Es- especificidade nacional; àquilo que, do exterior, não é
tado. Sem dúvida alguma, rascunhavam-se ali – como facilmente identificado. Aliás, além disso, na história,
sublinha António Nóvoa (2005) – “as condições para o há o fator acaso; e talvez Oliveira Martins (1991) não
processo histórico de uma sociedade de base escolar” estivesse errado quando disse que uma das causas do
(p. 23). O Estado tomava para si a tarefa de selecionar, poder do Marquês decorreu da atuação que este tivera
nomear e fiscalizar professores. O Estado controlaria as quando do terremoto que faria morrer em Lisboa de
matérias a ser ensinadas. Mas não havia intuito de, por 10.000 a 15.000 pessoas.
meio da educação, alterar a base político-social desse Consta que, ao ser indagado pelo Rei sobre o que
mesmo Estado. O projeto pombalino (e a Ilustração fazer diante da tragédia que fizera ruir mais da metade
portuguesa que o embasou) não se inscreveu – como dos prédios de Lisboa, o então Ministro dos Assuntos
observa Catroga (2006, p. 360) – em nenhuma luta de Exteriores e da Guerra (desde 1750), Sebastião José
libertação nacional. A veia regalista conduzia um pro- de Carvalho e Melo, teria respondido: “enterre os
cesso de secularização das instituições e dos costumes. mortos, feche os portos e cuide dos vivos”. A partir
Tal percurso traduziu-se como a Modernidade possível daí, o Ministro teria conquistado definitivamente a
para o mundo lusitano. confiança do Rei; que, no ano seguinte (1756), o no-
A escola estatal do mundo que Portugal perfilha- mearia Secretário de Estado dos Negócios do Reino
va teve lugar a partir de 28 de junho de 1759 com o de Portugal. O Rei, com esse ato, daria a Sebastião
Alvará Régio que implementava a Reforma dos Es José de Carvalho e Melo – futuro Conde de Oeiras,
tudos Menores. O protagonista da mesma reforma, em 1759, e Marquês de Pombal, em 1769 – estatura
personificando a lógica do despotismo esclarecido de primeiro ministro do reinado português. Como
à portuguesa, é o Marquês de Pombal – que tinha por bem observa Kenneth Maxwell (1996, p.24), “foi o
referenciais políticos alguns teóricos e pedagogos lu terremoto que deu a Pombal o impulso para o poder
sitanos: D. Luís da Cunha, António Nunes Ribeiro virtualmente absoluto que ele conservaria por mais de
Sanches e Luís António Verney. vinte e dois anos, até a morte do rei, em 1777”.
Dom Luís da Cunha e seu Testamento político: para remediar a sua queixa, mas para prevenir o de
decadência, sangrias e alternativas que pode estar ameaçado” (idem, p. 43).
A causa primordial da fragilidade portuguesa
Ao abordar a atuação de D. Luís da Cunha (1662- residiria na estreiteza dos limites de seu território. Tal
1749), a bibliografia costuma sublinhar sua atividade debilidade era, ainda, acentuada quando se comparam
diplomática em Londres, onde teria sido nomeado “nossas forças à proporção das dos seus vizinhos”
embaixador. Ao olhar do exterior para seu país – di- (idem, ibidem). Em virtude dessa irreparável fraqueza,
zem os historiadores –, Luís da Cunha acentuava a Portugal se teria lançado ao encalço de outras terras;
necessidade de se fortalecer o papel do rei. Além disso, favorecido por uma situação geográfica que – esta
preocupava-se com a dependência portuguesa perante sim – lhe era favorável: a vizinhança do mar. Porém,
a Grã-Bretanha, com as dificuldades comerciais en- a aventura das navegações não teria sido capaz de con
frentadas pelo país, e, especialmente, com uma certa ter o mau uso das terras do reino: terras incultas,
“fraqueza auto-imposta de Portugal no tocante à falta proprietários que não cultivavam seus terrenos e,
de população e de espírito de iniciativa” (Maxwell, até mesmo, “porções de terras usurpadas ao comum
1996, p. 16). Como indica, sobre o tema, Carlos das cidades, vilas e lugares” (idem, p. 61). As terras
Guilherme Mota (2006, p. 39), o Testamento político incultas por desinteresse dos donos ou dos rendeiros
de D. Luís da Cunha – escrito nos anos de 1740, um deveriam ser-lhes retiradas para ser entregues a pes-
pouco antes da subida do príncipe D. José ao poder – soas que pudessem e quisessem cultivá-las (Falcon,
orienta o monarca sobre quem deveria ser escolhido 1982, p. 254).
como principal ministro do reino. Ele sugere mais de D. Luís da Cunha desenvolve a tese de que as
um nome, dentre os quais sublinha o de Sebastião José razões que levaram Portugal a se apequenar perante os
de Carvalho e Melo, “cujo gênio paciente, especulativo demais países de Europa consistiram em um conjunto
e ainda que sem vício, um pouco difuso, se acorda de fatores que ele caracterizou como sangrias.
com o da nação” (Cunha, 1976, p. 27). Mota assinala A primeira sangria que destruía e despovoava o
que D. Luís da Cunha teria se destacado também por reino português residiria no conjunto de pessoas de
uma visão mercantilista inovadora para seu tempo, ambos os sexos que procuravam os conventos.
tendo sido, indubitavelmente, um dos idealizadores Tornando-se frades e freiras, renunciavam ao mundo,
da modernização econômica do Reino: “seu discípulo, não procriavam, não trabalhavam para o país e não
Pombal, tornar-se-ia a figura central dessa constelação povoavam o reino com sua prole.
da qual D. Luís era o mentor” (Mota, 2006, p. 47). A segunda sangria que “não deixa de enfraque-
Luís da Cunha discorreria sobre “a lastimável cer o corpo do Estado, e a que não acho remédio, é
situação de Portugal no concerto europeu” (idem, o socorro da gente que anualmente se manda para a
p. 35). Mota compreende que, “inspirador do mar- Índia” (idem, p. 74). Eram especialmente marinheiros
quês reformista” (idem, p. 38), D. Luís da Cunha foi que, ao fazer isso, deixavam mulheres e filhos – mu-
a “expressão máxima do pensamento cosmopolita e lheres que, não fosse isso, poderiam ter muitos outros
reformista luso da primeira metade do século XVIII, filhos. O Brasil estava também incluído nessa segunda
antecipando a Ilustração portuguesa” (idem, ibidem). sangria: para lá iam todos os que – sem passaporte –
Inaugurava-se ali uma “reflexão crítica sobre os males encantavam-se com a promessa das minas e o desejo
de Portugal e os seus remédios” (idem, ibidem). Por- de fazer nova vida.
tugal era compreendido como um organismo doente, A terceira sangria do Estado português viria dos
a quem se deveria observar os sintomas, os humores atos da Inquisição relativamente àqueles que eram –
e a debilidade; de modo a buscar identificar “o co- por causa dela – chamados cristãos-novos. Essa san
nhecimento da causa do mal que o aflige: isto não só gria D. Luís da Cunha caracteriza como “insensível
e cruelíssima” (idem, p. 75). Diariamente saem de publicado o Alvará de 28 de junho de 1759, expul-
Portugal essas pessoas, que, em solo português, não sando a Companhia de Jesus, Ribeiro Sanches teria
teriam qualquer oportunidade. O reino, assim, era, se entusiasmado a redigir um trabalho sobre o tema da
também por isso, despovoado. Uma forma de extinguir educação. Publicada em 1760, essa obra, sob o título
esse problema seria dar aos judeus a possibilidade Cartas sobre a educação da mocidade, constitui um
de viver sua religião – como, aliás, “se pratica entre importante opúsculo para se ter uma ideia do que foi,
todas as nações da Europa” (idem, p. 88). D. Luís da em matéria educativa, o Iluminismo no tempo e no
Cunha expressava sua convicção de que, quanto mais território do Marquês de Pombal.
gente fosse perseguida, acusada e punida, maior seria o Ribeiro Sanches destacava que os privilégios e
número de judeus travestidos de cristãos-novos. Além as imunidades das ordens privilegiadas teriam sido
disso, quando cessassem as perseguições, deixaria de a causa da deturpação de costumes e da má educa-
haver “tantos sacrílegos quantos, sendo no coração ção portuguesa. A mocidade não era preparada para
judeus, frequentam os santos sacramentos, para não ser boa nem para ser útil à Pátria. Pelo contrário: o
serem descobertos” (idem, p. 91). Finalmente – sem fidalgo era educado para tratar como escravos todos
as clivagens que retiram das pessoas oportunidades os subalternos – como se as pessoas do povo não
que seriam justas –, os judeus (convertidos então em fossem proprietárias de seus corpos e de sua honra.
cristãos-novos), caso pudessem assumir sua verda- A fidalguia é ainda criticada porque acostumava mal
deira identidade religiosa, permaneceriam no Reino, as pessoas. Aqueles que desfrutavam do epíteto de
fazendo com que seu capital girasse em torno dos fidalgos não poderiam, por exemplo, ser presos por
negócios portugueses; o que desenvolveria a econo- dívidas. O resultado do privilégio era frontalmente
mia nacional “e faria florescer o seu comércio” (idem, contrário aos interesses do reino: “o senhor é dissi-
ibidem). A liberdade de religião e a confiança de que pador, nem sabe o que tem, nem o que deve; perde
não teriam seus bens confiscados fariam com que os toda a ideia de justiça, da ordem, da economia; pede
judeus contribuíssem para desenvolver e equilibrar o emprestado com mando, maltrata e arruína a quem lhe
comércio português. recusa” (Sanches, s.d., p. 97). Além disso – prossegue
E o desequilíbrio comercial – preocupação o autor –, se pela religião cristã todos seriam iguais pe-
com que Luís da Cunha finaliza o texto – pode ser rante os mandamentos da Igreja, como justificar essas
compreendido como a quarta sangria que ceifava o desigualdades de tratamento entre as pessoas? Como
vigor e a potência do reino português. justificar as regalias? Contraditoriamente, o plano das
Cartas – traçando um retrato do que seria adequado
Ribeiro Sanches e suas Cartas sobre a educação ao ensino português nos estudos menores e nos maio-
da mocidade res – “dividia a mocidade em três grupos sociais cujo
destino escolar nada tem a ver com as capacidades
António Nunes Ribeiro Sanches (1699-1782) era dos componentes dos grupos, mas apenas com a sua
um médico que, cristão-novo, embora tenha iniciado situação social. Os grupos são o povo, a classe média
seus estudos em Coimbra, cedo se transferiu para Sa- e a nobreza” (Carvalho, 1986, p. 439-440). A educação
lamanca, onde formou-se em medicina. Diz Rómulo estaria, sob tal perspectiva, diretamente subordinada
de Carvalho (1986) que ele saiu do país aos 27 anos e aos interesses econômicos, políticos, comerciais e até
nunca mais regressou. Exerceu a Medicina na Rússia, militares do Estado português.
entre 1731 e 1747, tendo sido médico da Czarina. Na As escolas – para Ribeiro Sanches – precisavam
Rússia, ele dirigiu um hospital, desenvolveu investi ser distribuídas estrategicamente. Existiriam apenas
gações científicas e clinicou na Escola Militar de naqueles lugares onde fosse necessária a educação da
São Petersburgo. Quando soube que Pombal havia juventude. Nesse sentido, o autor propunha a instau-
ração de um tribunal voltado especificamente para as grande alegria se deve desvanecer nem ensoberbecer,
coisas do ensino; e, assim, “que em nenhuma aldeia, porque somos nascidos para viver uma vida cerceada
lugar ou vila onde não houvesse duzentos fogos não sempre pela alegria e pela tristeza; que nenhum bem é
fosse permitido, a secular ou eclesiástico, ensinar por sem mistura de mal, nem nenhum mal sem mistura de
dinheiro ou de graça a ler ou a escrever” (Sanches, s.d., bem” (idem, p. 135). Tudo isso – saberes e costumes –
p. 129). Por qual motivo? Diz o autor que a instrução poderia ser ensinado à meninice; o que, aliás, não
criaria no espírito uma certa altivez, inadequada para era difícil, como demonstra a facilidade natural que
a maior parte das pessoas, especialmente para aquelas qualquer criança apresenta em dominar rapidamente a
destinadas às lides do trabalho. O estudo, além do forma oral de sua língua materna.2 Mas é fundamental
mais, exigia um esforço diametralmente contrário ao que não nos esqueçamos que, para atingir a meninice,
esforço físico; fazendo com que a juventude perdesse será necessário “o mestre lhe falar na língua e na frase
o vigor e a força: “aquela desenvoltura natural; porque que é própria àquela idade” (idem, ibidem).
a agitação, o movimento e a inconstância é própria Relativamente ao ensino das Universidades,
da idade da meninice” (idem, ibidem). O excesso de Ribeiro Sanches centra-se no exemplo português
estudo enfraqueceria o corpo, já que, na escola, os me da Universidade de Coimbra. Ali havia, na época,
ninos ficam “assentados, sem bulir, tremendo e temen- quatro faculdades: Direito Canônico, Jurisprudência,
do” (idem, ibidem). Por causa de tudo isso, Ribeiro Teologia e Medicina. Porém, segundo o autor, todos
Sanches conclui que nem todos deveriam frequentar os cursos eram defasados e obsoletos. Note-se que não
a escola: “não convém uma educação tão mole a havia sequer um curso de Filosofia – compreendendo-
quem há-de servir à república, de pés e de mãos, por se esse estudo como uma pertença do território da
toda a vida” (idem, ibidem). Para o povo miúdo, não Teologia. Tomando o caso do Direito Canônico e
convinha a escola. Ribeiro Sanches era iluminista; e da Jurisprudência, Ribeiro Sanches assegura que
o Iluminismo era também isso. as referências daquele modelo de ensino eram
Para as escolas a serem abertas e controladas pelo absolutamente insuficientes para “formar conselheiros
Estado, Ribeiro Sanches sugere que – particularmente de Estado, embaixadores, generais, almirantes, etc.”
nas de primeiras letras –, em vez do aprendizado por (Sanches, s.d., p. 159). E a razão de tal insuficiência
catecismos religiosos, fosse elaborado catecismo de residia no fato de estar a universidade sob a exclusiva
novo tipo – aquele voltado para ensinar às crianças “as alçada do clero.
obrigações com que nasceu” (Sanches, s.d., p. 133). Havia uma arquitetura do Estado que pressu-
Para tanto, as escolas deveriam providenciar “livri- punha pessoas para gerirem a organização do reino.
nhos impressos em português por onde os meninos Isso requereria planejamento, execução de metas,
aprendessem a ler, onde se incluíssem os princípios da fiscalização e controle. Daí a necessidade, identificada
vida civil de um modo tão claro que fosse a doutrina por Ribeiro Sanches, de preparo desses profissionais
compreendida por aquela idade” (idem, ibidem). A especializados, que teriam cargos na administração
isso o autor denomina “catecismo da vida civil” (idem, do reino. A instrução das chamadas escolas maiores
ibidem). Conhecimentos, valores e condutas ali im-
pressos seriam ensinados às crianças “com castigos e
com prêmios, acostumando aquela idade mais a obrar 2
“É admirável o juízo humano: na idade de três anos apren-
conforme a razão do que a discorrer” (idem, ibidem). deu um menino a sua língua – falar sem saber o que faz, com o no
Por meio do livro escolar, seriam instruídas quanto minativo, com o verbo no singular ou no plural, no tempo, no modo,
a comportamentos e ações para com os mais velhos, etc. O que é tão difícil aos adultos que aprendem as línguas doutas
os colegas, a vida social. Pelo compêndio se haveria ou estrangeiras, pode o menino aprender, no dia, de três ou quatro
de compreender “que ninguém na prosperidade e na mestres sem confundir o que aprende” (Sanches, s.d., p. 135).
teria a tarefa de instruir o sujeito em suas “obrigações (idem, ibidem). Assim, as coisas da religião ficariam
de cristão e cidadão” (idem, p. 172). Para tanto, ha- separadas das “ciências humanas” (idem, p. 159).
veria o menino de aprender latim e grego, história e E como deveriam ser as aulas de tais escolas?
geografia, poesia Começar-se-ia pela observação, à semelhança da
percepção que temos na vida cotidiana, quando pres-
[...] e que saiba escrever, ou na língua latina ou na sua, com
tamos atenção às coisas, às pessoas e a nós mesmos.
elegância e propriedade: porque o Estado não somente tem
Daí partia-se para a lição, que era o modo de ilustrar
necessidade de letrados, jurisconsultos e médicos, mas
o entendimento à luz do legado dos que vieram an-
também de secretários, de notários públicos, de intenden-
tes – aquilo que as gerações anteriores “aprenderam e
tes, de conselheiros e assessores nos tribunais ou colégios
experimentaram, como se nos valêssemos das riquezas
que devem governar a economia política e civil do reino.
que ajuntaram nossos antepassados” (Sanches, s.d.,
p. 165). Em seguida, ocorreria o chamado ensino dos
Tanto mais instruídos saírem estes estudantes das escolas
mestres; sempre por “viva-voz e não por postilas3 nem
referidas, tanto melhor exercitarão os cargos em que serão
temas, explicando o que deve inculcar no ânimo dos
empregados. (idem, ibidem)
discípulos, perguntando, orando às vezes, e arguin-
do, não por silogismos, mas em forma de diálogo”
Ribeiro Sanches propõe, então, com base nos (idem, ibidem). A partir daí, o quarto movimento do
requisitos profissionais acima assinalados, três tipos de ensino seria a conversação, mediante a qual se pode
escolas maiores, que deveriam, por um lado, preparar apreender aquilo que os outros sabem. Ouvimos e
a mocidade nobre para o aprendizado das ciências e, aprendemos quando partilhamos; ou, nos termos do
por sua vez, os súditos para bem servirem a pátria. texto, quando “imitamos sem nos apercebermos o
Diz Joaquim Ferreira (s.d., p. 60) que “essas escolas judicioso que ouvimos e admiramos; e, com agrado e
maiores ou Faculdades seriam de fundação régia, in- amor da sociedade, transformamos o nosso entendi-
dependentemente da anuência da Santa-Sé”. Ribeiro mento naquele com quem tratamos” (idem, ibidem).
Sanches, ao tratar dos estudos maiores, sugere, sob os Finalmente, aconteceria o momento da meditação;
critérios acima indicados, a classificação das ciências uma reflexão ou atenção madura da alma voltada para
em três modalidades de escolas. todos os movimentos anteriormente feitos no percurso
Na primeira escola, seriam aprendidos os assun- desse aprendizado.
tos da natureza humana, dos corpos, de suas combi- Crítico do ensino doméstico, Ribeiro Sanches
nações, a história natural, a botânica, a anatomia, a recomenda o estabelecimento, em Portugal, de uma
química, a metalurgia e a medicina. A segunda escola Escola Militar, que seria, para a mocidade portuguesa,
seria voltada para os saberes necessários ao “Estado de muito maior proveito do que a profusão do que o
político e civil para governar-se e a conservar-se” autor nomeia “estabelecimentos literários” (Sanches,
(Sanches, s.d., p. 158), de modo a assegurar a felici-
dade dos súditos. Aqui as matérias de estudo seriam 3
O Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa:
“história universal, profana e sagrada; a filosofia mo- feito sobre o plano de F. J. Caldas Aulete, em sua terceira edição,
ral, o direito das gentes, o direito civil, as leis pátrias; no volume II, define a palavra postila: “livro, caderno ou folhas
a economia civil, que se reduz ao governo interior de em manuscrito, por onde os alunos de uma escola ou universi-
cada Estado” (idem, ibidem). Finalmente, haveria uma dade estudam as lições – explanação, explicação, comentário
terceira escola, que abarcaria os assuntos da religião – (ordinariamente manuscrito) a qualquer texto, doutrina, tratado,
mas essa teria sua estrutura organizada pelos próprios etc. – lição que nas aulas de instrução primária, o professor dita
eclesiásticos –, sobre a qual Sanches afirma: “não me e os discípulos escrevem para se aperfeiçoarem na ortografia”
pertence a mim indicar o que nelas se devia aprender” (Aulete, s.d., p. 760).
s.d., p. 183). Essa Escola Real Portuguesa seria vol- Ribeiro Sanches não hesita em indicar que “o
tada para a formação da nobreza e da fidalguia; com o primeiro e cotidiano ensino dessa escola deve ser a
fito de “educar súditos amantes da pátria, obedientes às religião, para cumprirmos a obrigação de cristão”
leis e ao seu rei, inteligentes para mandar e virtuosos (Sanches, s.d., p. 193). Diferentemente, no entanto,
para serem úteis a si e a todos com quem devem tratar” da cultura clerical que imperava no período, a escola
(idem, p. 184). Nesse estabelecimento, os meninos será administrada por mestres leigos – militares, “que
ingressariam entre doze ou quatorze anos. Segundo ensinarão os exercícios corporais para fortificar o cor-
comenta Rogério Fernandes, essa Escola Militar ou po, fazê-lo ágil e endurecido ao trabalho e à fadiga”
Colégio dos Nobres foi pensada para ser um “colégio (idem, ibidem).
destinado à educação militar da nobreza, com a con- Párocos e vigários restringir-se-iam a administrar
dição, no entanto, de se não esquecer que os filhos sacramentos e a “instruir nos Domingos e dias de festa
da nobreza receberiam nesse colégio uma educação na religião; mas sem novenas, irmandades, confrarias
polivalente, de tal sorte que poderiam desempenhar e outras instituições, que não são essenciais à religião
funções nos estratos superiores do aparelho do Es- católica” (idem, ibidem). Verifica-se aqui um modelo
tado” (1992, p. 80).4 Joaquim Ferreira (s.d., p. 65) de ensino que, embora não fosse laico, porque man-
destaca que “Ribeiro Sanches, propondo ao Marquês tinha em seu cenário o universo religioso, era, sem
de Pombal a criação do Colégio dos Nobres, nutria a dúvida, secularizado. Ou seja: quem mandava ali era
certeza de ofertar à sua pátria um núcleo de estadistas o Estado. Esse era o plano. No projeto de Ribeiro
capazes de engrandecê-la”. E o Marquês de Pombal – Sanches, o controle da ação educativa não mais per-
talvez ouvindo seu conselheiro – funda em 7 de março tenceria à Igreja. Seria, antes de tudo, responsabilidade
de 1761 o Colégio dos Nobres.5 do Estado; inclusive porque a educação da mocidade
era tida por estratégia para conservar e fortalecer a
monarquia.
4
Rogério Fernandes (1992) recorda que, voltando-se para Outra providência recomendada por Ribeiro
as questões de organização do sistema escolar, Ribeiro Sanches já Sanches era a instituição de outro tipo de colégio:
dialogava, de alguma maneira, com as primeiras medidas tomadas este voltado para formar meninas fidalgas. Sendo as
pelo Marquês de Pombal nos estudos menores. Há ressonância mães as primeiras educadoras, tais escolas preparariam
das ideias de Ribeiro Sanches também em várias iniciativas pom- aquelas que, em primeiro lugar, teriam por missão a
balinas, revelando o modo pelo qual ideias e ações circulavam e formação das novas gerações. Percebe-se, todavia,
se entremeavam à época: “fundação do Real Colégio dos Nobres que a preocupação com a instrução das mulheres tem
(1761), cuja abertura se efetua em 1766, e da Real Escola Náutica também o objetivo de ensinar a elas quais eram as
do Porto (1762); criação da Real Mesa Censória (1768), organismo coisas permitidas e as proibidas; o que deveria ser lido
que passa a superintender na atividade do Diretor dos Estudos; e o que estava proscrito. Nesse sentido,
criação da Junta de Providência Literária (1770)” (Fernandes,
1992, p. 85).
Todas as primeiras ideias que temos provêm da criação que
5
“Embora não se conheçam documentos que nos autorizem
temos das mães, amas e aias; e se estas forem bem educadas
a admitir qualquer afinidade entre o pensamento iluminista das
nos conhecimentos da verdadeira religião, da vida civil
cartas de Ribeiro Sanches e a orientação doutrinária do pombalis-
e das nossas obrigações, reduzindo todo o ensino destas
mo, ainda que seja nos anos mais dramáticos da disputa com os
meninas fidalgas à geografia, à história sagrada e profana,
jesuítas, o certo é que estas cartas não deixaram de ter repercussão,
e ao trabalho de mãos senhoril, que se emprega no risco,
pois a criação do Colégio dos Nobres, por elas preconizada, logo
bordar, pintar e estofar, não perderiam tanto tempo em ler
encontrou o firme apoio do gabinete de Dom José I” (Carvalho,
novelas amorosas, versos que nem todos são sagrados, e em
1978, p. 91).
outros passatempos onde o ânimo não só se dissipa, mas às coisas importantes e da incompetência para “facilitar
vezes se corrompe. Mas o pior desta vida assim empregada o caminho para entendê-las” (idem, ibidem). Reco-
é que se comunica aos filhos, aos irmãos e aos maridos. menda Verney que, em vez dos longos períodos em
(Sanches, s.d., p. 190-191) latim, “devia o mestre ensinar ao discípulo compor
bem uma oração portuguesa breve – uma carta, um
cumprimento, ou coisa semelhante” (idem, p. 78). O
O Verdadeiro método de estudar como projeto estudante faria isso com muito maior facilidade do que
pedagógico de Verney realizava suas composições em latim, já que agora “o
faz em uma língua que sabe, na qual o mestre pode cla-
Luís António Verney (1713-1792) era filho de ramente mostrar-lhe os erros” (idem, ibidem). Verney
pai francês e mãe portuguesa. Nasceu em Lisboa e advertia os contemporâneos para o que compreendia
foi aluno do Colégio Jesuítico de Santo Antão. Depois ser a realidade dos colégios; dos quais saíam homens
frequentou Artes e Teologia na Universidade de Évo- que, além de não saber latim, não eram sequer capazes
ra. De lá, seguiu para a Itália, onde defendeu tese em de redigir uma carta em português (idem, p. 79).
Teologia (Cidade, 1985, p. 143). Defensor da filosofia À luz dessa preocupação com os temas relativos
moderna, que se assentava na fundamentação científica ao ensino da língua, Verney critica a ignorância exis-
newtoniana, Verney postula a renovação dos estudos tente em matéria de ciência moderna, bem como o
do reino português sob nova base – moderna. Para uso de tratados obsoletos sobre questões da física, o
ele, isso supunha colocar de parte autores consagrados excessivo apego a um aristotelismo fora de época, e
como Aristóteles, Galeno ou Hipócrates. também o inaceitável recurso ao argumento de autori-
Luis António Verney, iluminista, foi – com dade. Tudo isso paralisaria a razão – o que era, ainda,
D. Luís da Cunha e António Nunes Ribeiro Sanches – agravado pela excessiva valorização do verbalismo
referência teórica do pombalismo. Seu principal no ensino das ciências. Para Verney, em matéria de
texto – Verdadeiro método de estudar – foi publicado ciências, não interessa quem disse o que. Não interessa
antes na Itália do que em Portugal, onde logo depois tanto como isso foi dito. O que parecia fundamental
também era impresso. Veio a público, pela primeira era verificar se a experiência comprova a veracidade
vez, em 1746, em Nápoles. Era um manual – escrito na da hipótese. Ao tratar agora do conhecimento das
forma de cartas – que contemplava variados aspectos ciências, o autor encaminha-se para abarcar sua
da cultura: lógica, gramática, ortografia, metafísica apreciação, não apenas dos estudos dessas matérias,
etc. (Maxwell, 1996, p. 12). Em suas cartas, Verney, mas dos modos de organização das chamadas escolas
de alguma maneira, articula – por meio da crítica sa- maiores – ou universidades.
tírica – formas alternativas de se ensinar. Ele reputa Verney enfatiza a necessidade de se observar para
como fundamental uma reforma que abrangesse, em saber. Compreender a natureza das coisas seria – para
Portugal, todo gênero de estudos: os menores (escolas ele – observar bem e, para tanto, havia de se possuir
de primeiras letras e colégios secundários) e os maio- um juízo claro: “observar muito, e bem, ou saber-se
res (universidades). servir dos que o fizeram; e fundar os seus raciocínios
Para o caso das escolas menores – especialmen- em princípios evidentes, quais são os matemáticos”
te no nível elementar – Verney declara que bastava (Verney, s.d., p. 176). Sublinha sempre que apenas a
examinar o interior das instituições de ensino para experiência poderá conduzir ao conhecimento. Somen-
verificar que os mestres sobrecarregavam a memória te, pois, à luz da observação é que se poderá discorrer
das crianças “com coisas desnecessaríssimas” (Verney, sobre qualquer coisa. “Nós não temos conhecimento
s.d., p. 76). O excessivo apelo aos castigos derivaria, imediato das naturezas; unicamente temos dois meios
na vida escolar, dessa incapacidade de ensinar as para o conseguir: observar as propriedades; e ver se,
mediante alguma resolução, podemos chegar a co- Verney (s.d., p. 207) reconhece que o bom prático é,
nhecer os princípios de que se compõe esta ou aquela de fato, aquele que domina a “causa particular dessa
entidade física” (idem, p. 177). Mais do que isso, “não determinada enfermidade” para podê-la curar. Porém
devemos querer que a natureza se componha segundo o próprio saber prático – por isso mesmo – só seria
as nossas ideias; mas devemos acomodar as nossas enriquecido pelo conhecimento da anatomia. O corpo
ideias aos efeitos que observamos na natureza” (idem, é uma máquina a ser esquadrinhada; e não se cura “às
ibidem). Finalmente, Verney argumenta que a ciência apalpadelas” (idem, p. 208).
aristotélica – enredada em suas noções de matéria, A destreza necessária ao cirurgião é vista por
forma e privação – não possui aparato conceitual para Verney como absolutamente tributária de seu co-
apreender, de fato, as realidades descortinadas pela nhecimento anatômico, e ele dá exemplos de como
ciência moderna. Tanto a lógica aristotélica quanto o desconhecimento poderia ser funesto na prática
a razão escolástica eram absolutamente insuficientes cirúrgica: “conheci uma senhora a quem um clérigo
para explicar os fenômenos da natureza. deslocou duas costelas, querendo consertar-lhe uma;
Assim como fizera o médico Ribeiro Sanches,6 e ficou toda a sua vida com uma deformidade nas cos-
Verney – que não era médico – critica severamente tas” (Verney, s.d., p. 215). Finalmente, para conclusão
os modos de se ensinar a medicina. Ambos – Ribeiro desse tópico, o texto assinala que, de todos os perigos,
Sanches e Verney – “aconselhavam o adiantamento da o pior seria o de recorrer àquelas pessoas que, dizendo
filosofia natural (física e ciências naturais) e da clínica. possuir poderes mágicos, arrogam-se para si a virtude
Propugnavam o abandono da filosofia peripatética e de curar. Era necessário tornar racional o aprendizado
da Medicina galeno-árabe” (Guerra, 1983, p. 283)”. da medicina – e especialmente era urgente introduzir a
Além disso, os iluministas portugueses destacam “o matéria da anatomia com base no estudo de cadáveres
primado das manifestações objetivas da doença, basea humanos. Só assim seria superada a ignorância relati-
do no conhecimento das ciências exatas e naturais; o vamente ao conhecimento do corpo humano, de suas
desenvolvimento do ensino e da prática da anatomia e enfermidades e de suas possibilidades de cura.
da cirurgia” (idem, ibidem). Enfim, parecia imperioso Luís António Verney parte de um pressuposto
substituir – como se dizia à época – a experiência da jusnaturalista para defender sua concepção de ética:
autoridade pela autoridade da experiência. “os homens nasceram todos livres, e todos são igual-
Verney identificava desdobramentos de uma mente nobres” (s.d., p. 194). Os primeiros grupos
ignorância a outra: o desconhecimento da física e da sociais já teriam reconhecido a necessidade de se
química era fundamento para a ausência de conhe- conferir racionalidade à vida em comum, além de
cimentos na medicina. A mesma estupidez conduzia ordem e obediência. Para isso, era indicado meditar
ao desprezo pela anatomia. Desconhecendo-se a sobre os costumes. As pessoas dependem umas das
anatomia, erravam-se os diagnósticos e abusava-se outras. Os mais virtuosos dentre os homens tendem
de remédios errados. A cirurgia era um saber apenas a se destacar tanto em tempos de guerra quanto em
prático, sem qualquer estatura teórica, já que esta re- tempos de paz. Sendo assim, costumam ser mais
quereria intrinsecamente conhecimento de anatomia. prestigiados do que os outros. Esse é o verdadeiro
princípio da nobreza. Por aí, talvez erroneamente,
6
D. João V teria consultado Ribeiro Sanches sobre uma pos- acreditou-se que as pessoas transmitiam a seus filhos
sível reforma dos estudos médicos (Guerra, 1983, p. 286). Ribeiro suas próprias virtudes.
Sanches escreveu então, em 1761, um texto intitulado Método Assim – conclui Verney – o que confere a nobreza
para aprender a estudar a Medicina – o qual procurei abordar em ao sujeito não é o príncipe, mas a educação recebida:
“O enciclopedismo de Ribeiro Sanches: pedagogia e medicina na “se conduzirem esta criança a um país incógnito, e for
confecção do Estado” (Boto, 1998). criado por vilões, há-de ser vilão e não príncipe, e em
tudo se parecerá com quem a criou” (s.d., p. 200). A os conhecimentos rudimentares da leitura, da escrita e
pedra de toque do caráter e da verdadeira estirpe da do cálculo. Desse modo, Verney propõe que o ensino
alma seria, nesse sentido, a educação recebida; já que feminino seja, tanto quanto possível, o mesmo que se
“os inteligentes sabem muito bem que o sangue do pai deveria aplicar aos rapazes:
poderá comunicar ao filho alguma enfermidade here-
ditária, como gota, escorbuto, gálico, epilepsia etc.; O primeiro estudo das mães deve ensinar-lhes – por si ou,
mas de nenhum modo lhe comunica nem vícios nem tendo possibilidade, por meio de outra pessoa capaz – os
virtudes” (idem, p. 202). Muitas vezes, pelo contrário, primeiros elementos da fé etc., explicando-lhes bem todas
aqueles que são socialmente reputados como nobres estas coisas, o que podem fazer desde a idade de cinco anos
frequentemente adquirem hábitos afetados, quando até os sete. Depois, ler e escrever português corretamente.
não pouco civis. Inclusive, “muitos, para fingirem Isto é o que rara mulher sabe fazer em Portugal. Não digo
uma nobreza mui elevada, até são descorteses: não eu escrever corretamente, pois ainda não achei alguma que
cumprimentam quem os saúda; não respondem a quem o fizesse; mas digo que pouquíssimas sabem ler e escrever; e
lhes escreve; ou, se o fazem, é de uma maneira mais muito menos fazer ambas as coisas corretamente. Ortografia
injuriosa que civil” (idem, p. 203). e pontuação, nenhuma as conhece. As cartas das mulheres
Verney – aqui também como Ribeiro Sanches – é são escritas pelo estilo das bulas, sem vírgulas nem pontos; e
um defensor da instrução das mulheres. Serão mães algumas que os põem, pela maior parte, é fora do seu lugar.
de família; e, portanto, primeiras mestras. Ensinam as Este é um grande defeito, porque daqui nasce o não saber
crianças a falar. Dirigem a economia das casas. Tudo ler e, por consequência, o não entender as coisas. (Verney,
isso, por si, já constituiria motivo para que elas fossem s.d., p. 218)
instruídas na cultura das letras. Além disso, o estudo
formará seus costumes. Exatamente por não terem
assunto com suas mulheres ignorantes (porque as Enfim, cobrindo praticamente todos os campos
julgam “tolas no trato”) é que homens casados “vão a da instrução, o trabalho de Verney possibilitava uma
outras partes procurar divertimentos pouco inocentes” avaliação panorâmica da situação do ensino português;
(Verney, s.d., p. 217). Nesse sentido, instruir as mulhe- por cuja leitura – em larga medida – Pombal se pau-
res seria uma forma de obtenção de paz e de harmonia taria para “levar a efeito as suas reformas educativas”
familiar. Além disso, cada donzela deveria “aprender (Marques, 1984, p. 325).
a ter o seu livro de contas, em que assente a receita
e despesa, porque sem isso não há casa regulada” A escola pública traçada pelo
(idem, p. 223). Muitas vezes as senhoras ficam viúvas Marquês de Pombal
e os bens são arruinados exatamente porque elas não
possuem qualquer noção do “modo de conservar e Quando sobe ao trono D. José I, em 1750, Se-
aumentar as rendas de suas fazendas” (idem, ibidem). bastião José de Carvalho e Melo toma posse como
Por tudo isso, os trabalhos manuais e especialmente ministro da Secretaria do Exterior e da Guerra. Ele
as prendas de salão7 seriam menos importantes do que trazia consigo a experiência diplomática e o que ob-
servara no exterior. Convivera durante anos com uma
7
Como diz Rómulo de Carvalho (1986, p. 417), aqui “o pro “comunidade de expatriados portugueses” (Maxwell,
gressivismo de Verney não foi suficiente para vencer os preconceitos 1996, p. 10); os quais, na grande maioria das vezes,
de classe”. Ao dizer – quando avalia a futilidade do aprendizado das
prendas de salão – que “nas senhoras grandes não é tão condenável
aplicar-se a estes divertimentos inocentes, se o fazem com o fim pessoas nobres das outras. Essa contradição é típica dos autores
de não ficarem ociosas (Verney, s.d., p. 227)”, Verney distingue as iluministas; e o Iluminismo português não fugiria à regra.
tinham deixado o país por se sentirem perseguidos monarca, reiterando uma tradição absolutista, que
ou tolhidos pela ação inquisitorial. Mas havia outro persiste período afora, representa também o avanço
aspecto também fundamental: “as preocupações que o termo traz, pela contraposição à tradição de
de Pombal também refletiam as de uma geração de ensino por parte da Igreja” (p. 182). Eram, em sua
funcionários públicos e diplomatas portugueses que grande maioria, classes de primeiras letras, incluindo
haviam meditado muito sobre a organização imperial o ensino da leitura, da escrita, da aritmética, do cate-
e as técnicas mercantilistas” (idem, ibidem). O padrão cismo e dos preceitos da civilidade; mas havia também
econômico mercantilista – e não ainda a economia de classes de latim, grego, hebreu e retórica (Marques,
mercado – era compreendido pelos contemporâneos 1984, p. 337). Em todas elas, era proibido aos mestres
como o grande responsável pelo vigor político e pela e professores valerem-se dos livros e materiais de
riqueza econômica dos países centrais da Europa. ensino utilizados pelos jesuítas.8
Laerte Ramos de Carvalho (1978) consagrou O Alvará de 28 de junho de 1759 parte da
no Brasil a ideia de que teria havido ao menos duas constatação de que existiria uma decadência em todos
reformas pombalinas da instrução pública, posto que os campos dos estudos do Reino. Tal decadência era
vincula o ano de 1759 à reforma dos estudos menores atribuída ao “escuro e fastidioso método” (in Almeida,
e o ano de 1772 à reforma dos estudos maiores (ou da 2000, p. 32) que os padres jesuítas introduziram
Universidade). Mas, à luz da interpretação de António nos colégios sob sua responsabilidade. O projeto
Nóvoa (1987), Ruth M. Chittó Gauer (2001, 2004) da Reforma era, então, o de reaver o que Pombal
e Tereza Fachada Levy Cardoso (2002), seria mais denomina método antigo: “reduzido aos termos
adequado compreendermos a existência de dois (ou símplices, claros e de maior facilidade que se pratica
mais) momentos de uma mesma reforma dos estudos; atualmente nas nações mais polidas da Europa”
até porque as medidas implementadas relativamente (idem, ibidem). Haveria, pelo plano pombalino, um
aos estudos menores continuaram a ser elaboradas até diretor dos estudos responsável por “fazer observar
a década de 1770 – e, do mesmo modo, algumas dire- tudo o que se contém neste alvará e sendo-lhe todos
trizes relativas aos estudos maiores são anteriores. os professores subordinados” (idem, ibidem). Esse
Pode-se dizer que a reforma dos estudos gestada
e executada por Pombal, em suas diferentes etapas, re- 8
Thaís Nívia de Lima e Fonseca (2006, p. 3709) sublinha
volucionou a estrutura do ensino português. Fechou os que, para o caso da Capitania de Minas Gerais, “até que fossem im
colégios da Companhia de Jesus. Expulsou os jesuítas plantadas as reformas na educação durante a administração do
do Reino e de seus domínios – sob pretexto de que eles Marquês de Pombal, no governo de Dom José I, foi pouco visível
teriam participado de alguma maneira de um suposto a institucionalização da instrução elementar, na Capitania, já que
atentado contra o rei. Confiscou seus bens. Muitos não houve aqui a presença dos estabelecimentos educacionais
jesuítas ou de qualquer ordem religiosa. Mesmo considerando as
membros da Companhia foram deportados.
determinações constantes nas Ordenações do Reino, as ações no
Por Alvará de 28 de junho de 1759, o futuro
sentido de promover o ensino das primeiras letras ou o ensino se-
Marquês de Pombal reestruturou os chamados estudos
cundário estavam, em geral, restritas aos particulares. A partir das
menores. Criou-se, a partir dali, a acepção de aulas
reformas pombalinas e principalmente depois da criação das aulas
régias, compreendendo tanto as classes de primeiras
régias, tornaram-se mais freqüentes as referências a esse tipo de
letras quanto as classes de humanidades – daquilo
educação na documentação administrativa. Foram recorrentes os
que, posteriormente, se caracterizará como ensino
ofícios enviados pelas Câmaras das vilas mineiras ao rei, solicitando
secundário. Assinala Tereza Fachada Levy Cardoso a instalação de aulas, associando a necessidade da educação como
(2004) que “a palavra régio tem um caráter ambíguo, instrumento de civilização, o que significa reforçar a formação
porque, ao mesmo tempo em que remete à figura do moral, cívica e religiosa da população”.
diretor dos estudos, auxiliado por comissários9 que A crítica severa do Compendio Historico do
inspecionariam as escolas, deveria verificar o que Estado da Universidade de Coimbra à Companhia de
faziam os professores, o que deixavam de fazer, além Jesus vem expressa na própria continuidade do texto
de “adverti-los e corrigi-los” (idem, ibidem), quando que dá título ao documento: “no tempo da invasão
isso se fizesse necessário. Eram subordinados do dos denominados jesuítas e dos estragos feitos nas
diretor dos estudos todos os professores das escolas sciencias e nos professores e directores que a regiam
menores (Gomes, 1984, p. 9). Por isso, caberia a ele pelas maquinações, e publicações dos novos estatutos
controlar os progressos dos alunos. por elles fabricados” (Compêndio, 1972). Suprimir os
O projeto previa também que o diretor deveria ter vestígios da Companhia de Jesus significava, à época,
“todo o cuidado em extirpar as controvérsias e de fazer substituí-la à altura. Em primeiro lugar, desconstruir o
com que haja entre eles (professores) uma perfeita paz suposto atraso; em seguida, formular uma alternativa.
e uma constante uniformidade de doutrina, de sorte Quando foi feita a reforma da universidade, “aos no-
que todos conspirem para o progresso de sua profissão vos professores catedráticos de Coimbra e Évora foi
e aproveitamento de seus discípulos” (Alvará, 2000, concedido o uso de residências dos jesuítas expulsos”
p. 32). Não deixa de ser revelador o fato de o Alvará (Maxwell, 1996, p. 205).
de 1759 se referir ao ofício do magistério como profis- Ainda a propósito da estrutura do currículo, uma
são (Mendonça, 2005). O Alvará de Pombal indicava das censuras explicitadas no Compêndio pombalino
também as matérias que deveriam constituir as aulas dizia respeito ao fato de as escolas maiores – bem
régias; e, além disso, prescrevia quando e onde elas como todos os colégios controlados pelos jesuítas –
deveriam ser abertas. Chegava a recomendar livros limitarem o estudo da moral ao conhecimento da moral
para uso das escolas, de modo que fossem escolhidos aristotélica. A Ética de Aristóteles era, segundo consta
compêndios alternativos àqueles utilizados pelos do Compêndio, adotada como obra “para se ler nas
colégios jesuíticos. As aulas régias seriam abertas a escolas da Universidade de Coimbra; para se difundir
todos, sem distinções de classe. nas Aulas de todos esses Reinos; e para constituírem
Quanto à reforma dos estudos maiores ou univer- nela o venenoso charco, donde saíram as mortíferas
sitários – já destacava Rogério Fernandes (1992) –, ela inundações” (Compêndio, 1972, p. 204). O argumento
teria sido deflagrada quando “a Junta da Providência aqui é cristão. A obra do filósofo grego do século IV
Literária, a que presidiam o Cardeal da Cunha e o a.C. é considerada ímpia, ateia, prejudicial e indigna,
próprio Marquês de Pombal, elaborou em 1771 o por não ser regida pelos preceitos do cristianismo.
Compêndio Histórico do Estado da Universidade Curiosamente, a denúncia do Compêndio repudia
de Coimbra” (Compêndio, 1972, p. 88). O referido os estatutos jesuíticos vigentes na Universidade de
documento oferece um preciso diagnóstico do que Coimbra em virtude de uma defesa religiosa: a moral
teriam sido os “estragos” realizados pela Companhia cristã. Aí está uma das tantas contradições do discurso
de Jesus nos estudos portugueses; especialmente nos iluminado do século XVIII.
estudos universitários. O Compêndio é também severo ao denunciar o
atraso dos métodos com que se ensinava em Coimbra.
No caso dos cursos jurídicos, por exemplo, as aulas
9
Como consta da obra de Laerte Ramos de Carvalho (1978, p. 116), eram sempre uniformemente organizadas à luz do que
os Comissários eram designados, nos diferentes lugares do Reino e de o documento chama de “método analítico” (Compên-
seus domínios, “para fazer o levantamento do número de professores dio, 1972, p. 262). O método analítico corresponderia a
existentes, tirando informação sobre sua vida e costumes, a fim de levar aulas centradas em comentários de textos considerados
ao conhecimento do diretor geral dos estudos ampla notícia do estado em clássicos. Muitas vezes os professores ficavam presos
que se achavam as escolas em cada localidade”. a questiúnculas, fazendo longas digressões sobre
uma só lei ou capítulo (idem, ibidem); mas que era assistido a cirurgias. Enfim, a formação dos médicos
tido como aquele que contemplaria a questão central era completamente alheia à prática do ofício médico.
e própria do texto. Essas lições analíticas” (idem, Não se ocupava de observar o que médicos faziam
ibidem) eram explicações dadas sempre do mesmo com pessoas que adoeciam. Com a reforma do curso
modo, todos os anos, invariavelmente pelo mesmo de medicina, Pombal dava concretude às sugestões
professor, fazendo com que, no transcurso de sua que lhe haviam sido feitas por parte da geração de
vida universitária, o estudante travasse contato com estrangeirados com quem conviveu. O ponto de par-
pouquíssimos “textos e doutrinas; e ainda elas sem a tida da reforma do curso de medicina era o seguinte:
conexão e dedução, que mais que tudo concorrem para “a autoridade, comparada com a experiência e com a
elas bem se perceberem, e se imprimirem melhor na demonstração racional, de nada vale” (Guerra, 1983,
memória” (idem, ibidem). p. 293). O substrato da reforma será, portanto, o de
Lia-se pouco; ouvia-se e copiava-se muito. Os considerar as grandes descobertas que modificavam
lentes da universidade expunham, amiúde, “somente o olhar da compreensão biológica – como, por exem-
algumas leis e capítulos avulsos, cujas conclusões plo, a descoberta de Harvey de que o sangue circula
principais e doutrinas a elas pertencentes, e que nos no corpo.
mesmos textos se tratam, não podem bastar para a Na descrição feita das aulas ministradas para o
necessária instrução dos ouvintes” (Compêndio, 1972, curso de medicina, o Compêndio reitera aquele bi-
p. 262-263). Por causa disso, os estudantes enfadavam- nômio típico, das lições e das disputas; estas últimas
se das aulas, muitas vezes deixavam a universidade transformando-se, muitas vezes, em brigas ruidosas –
“sem terem chegado a aprender, e nem ainda a ouvir especialmente em ocasião de exames. A descrição fala
as principais Regras e Primeiros Princípios de todas as por si mesma:
matérias do Direito” (idem, p. 263) – como usualmente
acontecia. Além disso, os comentários dos professores A Aula da Medicina oferecia, então, um espetáculo notável,
ao qual concorriam os Estudantes das mais Faculdades para
tornavam-se postilas, que “para as mesmas lições se
se divertirem. Enfurecia-se o Presidente; gritavam os Ar-
ditavam” (idem, ibidem). E os alunos não estudavam
guentes; acendia-se o Defendente; todos queriam ter razão;
pelos textos, mas pelas postilas. Tudo isso era feito sem
e, como estavam dela distantes, nenhum sossegava, todos
qualquer domínio do que o Compêndio qualifica por
clamavam; e só vencia quem era mais destro e sutil em lançar
“impreteríveis subsídios da interpretação genuína dos palavras picantes. O Defendente saía com tudo aprovado,
Textos” (idem, ibidem). Nada disso seria tão descabi- podia ser promovido à honra dos Graus Acadêmicos, e de-
do – complementa o documento – caso esse referido pois ir exercitar livremente a Medicina em prejuízo comum
“método analítico” fosse seguido do estudo sintético de todo este Reino. (Compêndio, 1972, p. 340)
dos princípios e da doutrina do direito. Os estudantes
precisariam aprender não apenas a interpretar corre- Uma das principais dificuldades assinaladas pelo
tamente as leis e os cânones, mas, se fossem “mais Compêndio referia-se à ausência de uma “ordem certa
textuais, seriam mais hábeis para entenderem bem no ensino das matérias” (Compêndio, 1972, p. 330).
os textos; saberiam deduzir deles as suas verdadeiras Assim, “alguns aprendiam os Aforismos de Hipócrates
conclusões” (idem, p. 264). no terceiro ano; e outros no quinto, conforme as ma-
No estudo da medicina, a situação não era melhor. térias que o Lente ensinava quando eles principiavam
A ineficácia dos estudos preparatórios do curso de seus estudos” (idem, ibidem).
medicina também era um tópico bastante destacado Depois que deixavam a faculdade, a prática dos
no Compêndio pombalino. Formava-se em medicina que se haviam formado em medicina pela Universi
sem ser preparado para a prática médica; sem sequer dade de Coimbra era simplesmente a de “purgar,
haver aprendido anatomia; sem que o sujeito houvesse sangrar, etc.; sem saber as ocasiões oportunas em que
deviam aplicar esses remédios” (idem, p. 342). Por não referirmos a esse Portugal do final do século XVIII.
se terem habituado à observação médica, não eram Diz Maxwell (1996, p. 104) que foram três os ob-
capazes de conhecer as enfermidades; e, pela mesma jetivos principais da ação pombalina em matéria de
razão, não sabiam prescrever remédios. Enfim, não ensino: “trazer a educação para o controle do Estado,
sabiam curar. Por isso, toda gente achava que poderia secularizar a educação e padronizar o currículo”. De
fazer as vezes de médico. fato, temos aqui uma síntese do que fizera o Marquês.
Mas havia nisso uma preocupação com a demarcação
Tal era o estudo público da Medicina e tais os médicos que das fronteiras. Nesse sentido, a expulsão dos jesuítas
dele saíam. E que diremos da inumerável cópia de Cirur também era uma necessidade imperiosa do Estado
giões, de Boticários, de Barbeiros, de Charlatões, de Se- português. Por causa da ação jesuítica, os indígenas
gredistas, de Mezinheiros, de Impostores e até de mulheres brasileiros resistiam a “submeter-se à autoridade por-
Curadeiras, que, pelas Cidades, pelas Vilas, pelos Lugares tuguesa, que eles viam como inimiga” (idem, p. 54).
e Campos se metiam a praticar a Medicina; e conseguiam Pombal desejava a miscigenação para estabelecer o
a fortuna de serem atendidos e chamados até que a triste povoamento brasileiro, sem que, para tanto, ocorresse
experiência de muitas mortes, de que eram réus, os fizesse uma grande emigração dos portugueses. Era preciso,
ser desprezados? Teríamos aqui um larguíssimo campo para por todas as razões, retirar os jesuítas do controle das
discorrer, e fazer ver quanto essa praga infeccionou o Estado. terras e das nações indígenas. Era necessário traçar
(Compêndio, 1972, p. 342-343) a fronteira brasileira. O Estado necessitava disso. A
coesão do Brasil significava naquele momento a força
O Compêndio assinala com veemência a ne- de Portugal.
cessidade de se introduzir a prática de dissecação de Os oráculos do Marquês de Pombal – como já
cadáveres humanos no curso de medicina da univer- foram chamados os autores aqui estudados (Guerra,
sidade. Só isso permitirá que os discípulos “aprendam 1983, p. 287) – haviam alertado os contemporâneos
a conhecer a estrutura, a configuração, a conexão de sobre a fragilidade histórica do Estado português; so-
qualquer parte do corpo humano com outras partes” bre a necessidade de se estabelecer um plano mediante
(Compêndio, 1972, p. 326). o qual o controle dos assuntos da instrução passasse
Enfim, recuperar o atraso português era interagir de mãos religiosas para a tutela do Estado; sobre a
com a transformação do estado das coisas em áreas con urgência de, nesse mesmo sentido, reformarem-se os
sideradas estratégicas. Assim eram a educação (tanto os cursos universitários, que preparariam os funcionários
estudos menores quanto os maiores), a justiça e a medi- do Reino. Tratava-se de pensar em um novo modo de
cina. Daí o privilégio dado pelo Compêndio tanto à for- gerir a justiça; tratava-se de fazer com que as pessoas
mação jurídica quanto ao ensino da medicina. Reformar vivessem mais – e, vivendo mais, pudessem se tornar
os estudos universitários – bem como reformar a instru- hábeis para aprender coisas úteis. Tratava-se, sobretu-
ção de primeiras letras e secundária – era o passaporte do, de formar no território e nas colônias um modo de
para a Reforma do Estado; um Estado que se pretendia ser Portugal que fosse mais avançado, mais racional,
incluído em seu tempo – competitivo e potente. mais moderno (Gauer, 1996, 2001).
Finalmente, é preciso compreender que Iluminis-
Considerações finais: 250 anos depois; mo não houve um só: foram vários. Há o Iluminismo
o legado dessa escola rastreada da racionalidade e do progresso; mas há aquele que
acentua a decadência nacional; aquele temeroso do
“Um país como os outros, a contas nunca certas atraso... O Iluminismo português – racionalizador,
com o tempo” (Lourenço, 1999, p. 109). Poderíamos centralizador, secularizador – não era laico; e não era
emprestar a bela frase de Eduardo Lourenço para nos demasiadamente adepto da “extensão das liberdades
individuais” (Maxwell, 1996, p. 170). Mesmo assim, A imagem que o ministro faz de si mesmo e do seu governo,
a ação do Estado pombalino, em consonância com o a consciência que revela do poder real e dos deveres e atri-
pensamento iluminista português, foi além e trouxe buições dos ministros e secretários de Estado, seu universo
medidas que não apenas favoreceram a laicidade – mental, em suma, não têm nada em comum com a filosofia
ao reforçar o poder do Estado na ação política e no do “despotismo ilustrado”.
controle público – como promoveram também uma
via emancipatória que ficaria clara no liberalismo Pombal foi moderno, até onde era possível a
português do século XIX e nas lutas por libertação Portugal daquele tempo ser. Foi a consciência-possível
nacional que aconteciam no Brasil daqueles tempos. O (Goldman, 1972) de uma geração de estrangeirados.
Iluminismo é constituído de luzes e sombras (Pallares- Foi iluminista; mas foi, acima de tudo, homem de ação.
Burke, 2001, p. 53-54). Mas em Portugal – como Pelo discurso, mas especialmente pelos atos, ele, de
também aconteceria depois na França – a ação política fato – pode-se dizer –, enterrou os mortos e cuidou
radicalizou o pensamento iluminista que a precedeu. dos vivos. Não se compreenderá a lógica do ensino
Como ressaltou José Vicente Serrão (1989, p. 12), público brasileiro sem que essa história seja muito bem
o pombalismo chega a ser maior do que o próprio rastreada – uma história de 250 anos atrás...
Pombal. Tratava-se, no limite, de um projeto de gestão;
empreendido, portanto, “por um conjunto de homens Referências bibliográficas
e de entidades institucionais, unidos numa espécie de
rede de solidariedades políticas e pessoais, que tinha ALVARÁ de 28 de junho de 1759. In: ALMEIDA, José Ricardo
por centro a figura do Marquês de Pombal”. Para Pires. Instrução pública no Brasil (1500-1889): história e legisla-
o autor, o pombalismo significou a construção do ção. 2. ed. rev. São Paulo: Educ, 2000. p. 31-34.
moderno Estado português – com uma clara vertente ALVARÁ de 11 de janeiro de 1760. In: ALMEIDA, José Ricardo
intervencionista; tida como imprescindível em decor- Pires. Instrução pública no Brasil (1500-1889): história e legisla-
rência da debilitação sofrida por Portugal nos anos ção. 2. ed. rev. São Paulo: Educ, 2000. p. 35-36.
que antecederam o reinado de D. José, e que haviam ALMEIDA, José Ricardo Pires. Instrução pública no Brasil (1500-
presenciado “a desorganização dos serviços adminis- 1889): história e legislação. 2. ed. rev. São Paulo: Educ, 2000.
trativos, o aumento da corrupção, a proliferação de
ANDRADE, António Alberto Banha de. Verney e a projecção de
facções intestinas, uma grande indefinição de com-
sua obra. Lisboa: Instituto de Cultura Portuguesa/Ministério da
petências” (idem, p. 13). O pombalismo – à luz das
Educação e da Ciência, 1980.
ideias iluministas que lhe precederam – dignificou, em
AULETE, Francisco J. Caldas. Dicionário contemporâneo da
contrapartida, o estatuto de “funcionários públicos” –
língua portuguesa: feito sobre o plano de F. J. Caldas Aulete –
como “parte integrante duma entidade institucional
v. II, 3. ed. Lisboa: Ed. Lisboa; Parceria António Maria Pereira,
ampla: o Estado” (idem, p. 16).
[s.d.]
Para concluir, creio que é preciso tomar cuidado
BOTO, Carlota. Iluminismo e educação em Portugal: o legado do
com um aspecto. Pombal criou para si uma posteridade
século XVIII ao XIX. Revista da Faculdade de Educação, Uni-
antecipada. Foi capaz de produzir representações, de
versidade de São Paulo, v.22, n. 1, p. 169-191, 1996.
fomentar uma autoimagem que indicasse ao futuro
________. O enciclopedismo de Ribeiro Sanches: pedagogia e
os significados desejados de sua biografia – e muito
medicina na confecção do Estado. História da Educação, Pelotas,
especialmente de sua dimensão política. Porém, como
Editora da UFPEL, v.2, n. 4, p. 107-117, set. 1998.
recorda Falcon (1982, p. 361), é preciso que se tenha
clareza de que nem sempre coincidem as práticas de CARDOSO, Tereza Fachada Levy. As luzes da educação: fun-
uma política ilustrada e as representações que tinham damentos, raízes históricas e práticas das aulas régias no Rio de
sobre elas os próprios protagonistas: Janeiro (1759-1834). Bragança Paulista: Edusf, 2002.
________. As aulas régias no Brasil. In: STEPHANOU, M.; ________. O pensamento iluminista português e a influência na
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dos egressos de Coimbra. Curitiba: Juruá, 2001. bra: Almedina, 1990.
idealizar o modelo das aulas-régias, Ribeiro Sanches y Luiz António Palavras-chave: educação popular;
mas, sobretudo, ao reformar os estudos Verney – y la reforma de los estudios movimentos sociais; Paulo Freire;
da Universidade de Coimbra, a prática emprendida por el Marqués de Pombal. América Latina
da ação pombalina indicava sua filiação La acción de Pombal como ministro del
teórica ao movimento iluminista reino de Portugal fue, en cierta medida, Between emancipation and
português. sustentada por reflexiones teóricas regulation: (mis)matches between
Palavras-chave: instrução pública; acerca de Portugal y de la crisis del popular education and social
Portugal; história da educação; imperio portugués. Tales reflexiones, movements
Marquês de Pombal; Iluminismo. entre otros aspectos, destacaban que The article analyzes the double face of
era una necesidad histórica para popular education in its relation with
The illuminist dimension of the social movements in Latin America,
el desarrollo del país, el Estado
Pombaline reform of studies: from functioning both as subsidiary and
portugués tomó para sí el control de
literacy to the university as their promoter. In this sense, one
las cuestiones de la enseñanza en todos
The objective of this article is to can say that popular education is
sus niveles. Al expulsar los jesuitas,
discuss the theme of education in the the pedagogical expression of social
al idealizar el modelo da las clases
light of the intersection between the movements and, as such, is an ally
regias, mas, sobretodo, al reformar
political and pedagogic ideals of three in the struggle for political and civil
los estudios de la Universidad de
Portuguese Enlightenment thinkers – rights. At the same time, popular
Coimbra, la práctica de la acción
Dom Luis da Cunha, Antonio Nunes education, as a pedagogical process,
pombalina indicaba su filiación teórica
Ribeiro Sanches and Luiz Antonio fulfils a formative and directive role
al movimiento iluminista portugués.
Verney – and the educational reform within society and for the very social
Palabras clave: instrucción pública;
carried out by the Marquis of Pombal. movements. In this article, emphasis
Portugal; historia de la educación;
The action of Pombal as minister is placed on analysis of the changes in
Marqués de Pombal; Iluminismo
of the Portuguese kingdom was to the relation between popular education
some degree based on theoretical and social movements, especially after
reflections on Portugal and the crisis Danilo R. Streck 1990, when new forms of regulation
of the Portuguese empire. Such and control are developed. Two related
reflections, among other aspects, Entre emancipação e regulação: (des)
themes are highlighted in this study:
emphasized that, for the country to encontros entre educação popular e
the territories of resistance and their
develop, the Portuguese government movimentos sociais
respective pedagogies, and the quest
was historically bound to take control O artigo analisa a dupla face da
for new forms of governance and their
of teaching issues at all levels. By educação popular na sua relação com
implications for popular education.
expelling the Jesuits, idealizing os movimentos sociais na América
Key words: popular education; social
the model of the regal-classes, but, Latina, como subsidiária e promotora
movements; Paulo Freire; Latin
above all, by reforming the studies destes. Por um lado, pode-se dizer
America
of the University of Coimbra, the que a educação popular é a expressão
practice of Pombal’s action indicated pedagógica dos movimentos e como Entre emancipación y regulación:
its theoretical affiliation with the tal é aliada na conquista de direitos (des)encuentros entre la educación
Portuguese Enlightenment movement. políticos e civis. Ao mesmo tempo, popular y movimientos sociales
Key words: public education; Portugal, enquanto processo pedagógico, ela é Este artículo analiza la faz dupla
history of education; Marquis of também uma instância formadora e de la educación popular en su rela
Pombal; Enlightenment orientadora da sociedade e dos próprios ción con los movimientos sociales en
movimentos sociais. Analisam-se as América Latina, como subsidiaria y
La dimensión iluminista de mudanças nas relações entre a educação promotora de estos. Por un lado, se
la reforma pombalina de los popular e os movimentos sociais puede decir que la educación popular
estudios: de las primeras letras a la especialmente a partir da década de es la expresión pedagógica de los
universidad 1990, quando entram em cena novas movimientos y como tal está aliada en
Este artículo tiene como propósito forma de regulação e controle. São la conquista de los derechos políticos
discutir el tema de la educación a destacados dois temas neste estudo: os y civiles. Al mismo tiempo, como
la luz de la intersección entre los territórios de resistência e as respectivas proceso pedagógico, ella es también
ideales políticos y pedagógicos de tres pedagogias, e a questão da nova una instancia formadora y orientadora
pensadores iluministas portugueses governabilidade e as implicações para a de la sociedad y de los propios
– Don Luis da Cunha, António Nunes educação popular. movimientos sociales. Se estudian las
Resumo
Palavras-chave
Educação e Pesquisa, São Paulo, v.32, n.3, p. 465-476, set./dez. 2006 465
Brazilian education in the Pombaline period: a
historical analysis of the Pombaline teaching reforms
Abstract
Keywords
Contact:
Lizete Shizue Bomura Maciel
Rua Santos Dumont, 2173 – apto.
1201
87013-050 – Maringá – PR
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466 Educação e Pesquisa, São Paulo, v.32, n.3, p. 465-476, set./dez. 2006
Considerações iniciais Marquês de Pombal, de acordo com
Rêgo (1984) e Serrão (1982), foi fortemente
Sebastião José de Carvalho e Melo, influenciado em sua formação política, quando
conde de Oeiras, mais conhecido como Marquês de sua passagem em Viena como diplomata
de Pombal, nasceu em 13 de maio de 1699. (1745-1749), uma vez que se pode
Pertencia a uma família da pequena nobreza,
desconhecida, e não relacionada à nobreza por- [...] afirmar que foi nessa capital do espírito
tuguesa. Durante um curto período de tempo, que o ministro português, em contato com o
fez parte do exército e foi membro da Acade- mundo da política e da diplomacia, bebeu os
mia Real de História. Iniciou-se na vida públi- grandes princípios do Despotismo Iluminado
ca somente a partir de 1738, quando foi nome- que haveria de aplicar no seu regresso ao país.
ado para desempenhar as funções de delegado E de lá trouxe igualmente, no entender de Ma-
de negócios em Londres. ria Alcina Ribeiro Correia, as idéias econômicas
Segundo Avellar (1983), sua permanên- e culturais que serviram de trave-mestra do seu
cia em Londres criou-lhe uma aversão pelos governo. (Serrão, 1982, p. 22)
ingleses e “[...] seus métodos de dominação
econômica” (p. 9). Tal antipatia pôde ser nota- A formação de Pombal também sofreu
da em suas medidas antibritânicas que visavam influência da política econômica inglesa, pois
obstinadamente libertar o comércio português da procurou as soluções da crise portuguesa no
subordinação ao poderio inglês. O enviado in- modelo inglês. Contudo, um dos motivos pelos
glês, em Lisboa, chegou a ponto de realizar o quais não obteve o êxito esperado foi pela exis-
seguinte comentário: “esse homem tem-nos feito tência de uma contradição fundamental: a dife-
muito mal” (p. 9). Durante sua duradoura esta- rença no sistema político dos dois países. Em
da na cidade londrina, Marquês de Pombal não Portugal, estava presente o absolutismo e, na
chegou a aprender o idioma inglês, pois desde Inglaterra, o sistema instituído era o parlamentar.
os tratados de Vestfália, em 1648, o idioma fran- Ao assumir o cargo de ministro da Fa-
cês era considerado a língua diplomática. zenda do rei D. José I, em 2 de agosto de 1750,
A vida de Marquês de Pombal pode ser no lugar de Azevedo Coutinho, Pombal empre-
dividida em quatro grandes fases. A primeira é endeu reformas em todas as áreas da sociedade
referente aos seus interesses particulares, isto é, portuguesa: políticas, administrativas, econômi-
a fase do cidadão Sebastião José de Carvalho cas, culturais e educacionais. Essas reformas
e que compreende o período de 1699 a 1738. exigiam um forte controle estatal e eficiente
Nesse momento temporal, o cidadão dedica-se funcionamento da máquina administrativa e fo-
exclusivamente aos interesses de pequeno fidal- ram empreendidas, principalmente, contra a
go. Encerra tal fase com a tentativa frustrada de nobreza e a Companhia de Jesus, que represen-
compor o Conselho de Fazenda do rei D. João tavam uma ameaça ao poder absoluto do rei.
V. A segunda é a fase diplomática, relativa ao A Companhia de Jesus, ordem religiosa
período de 1738 a 1749, em que exerce suas formada por padres (conhecidos como jesuítas), foi
funções diplomáticas em Londres e Viena. A fundada por Inácio de Loyola em 1534. Os jesu-
terceira corresponde à fase governativa e esta ítas tornaram-se uma poderosa e eficiente congre-
se torna a mais importante de sua vida, pois, no gação religiosa, principalmente, em função de seus
reinado de D. José I 1 , que durou de 1750 a princípios fundamentais: busca da perfeição huma-
1777, acabou por dirigir os negócios do país.
A última fase refere-se ao período do exílio, 1.D. José I (1714-1777), filho e sucessor de D. João V, casou-se com D.
Mariana Vitória e teve quatro filhas (D. Maria I, D. Maria Ana, D. Maria
compreendido entre a morte de D. José I, em Francisca Dorotéia e D. Maria Francisca Benedita). Recebeu grande cola-
1777, e sua própria morte, em 1782. boração e influência, em seu governo, do Marquês de Pombal.
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na por intermédio da palavra de Deus e a vonta- possuía um profundo conhecimento da realida-
de dos homens; obediência absoluta e sem limites de portuguesa, motivo pelo qual pretendia efe-
aos superiores; disciplina severa e rígida; hierarquia tivar uma reformulação cultural, política e eco-
baseada na estrutura militar; valorização da apti- nômica na sociedade portuguesa. Portanto,
dão pessoal de seus membros. Tiveram grande
expansão nas primeiras décadas de sua formação, [...] é o reconhecimento de que o insucesso de
constatada pelo crescimento de seus membros. Em aspectos de sua administração se deve a fator
1856, eles contavam com mil membros e, em sobre o qual não poderia o Ministro exercer
1606, esse número cresceu para treze mil. A Ordem controle seguro. Assim mesmo, não se poderá
dos Jesuítas não foi, entretanto, criada só com fins afirmar que descurasse da consciência nacional,
educacionais; ademais, é provável que no come- se laicizou a administração, e fez pontos de
ço não figuravam esses fins entre os seus propó- apoio de sua temática econômica a idéia de li-
sitos, uma vez que a confissão, a pregação e a bertar o comércio da regulação britânica, a da
catequização eram as prioridades. Os ‘exercícios necessidade de proteger e desenvolver a indús-
espirituais’ transformaram-se no principal recurso, tria nacional e, de sua programática educacio-
os quais exerceram enorme influência anímica e nal, a indispensabilidade de retornar os estudos
religiosa ente os adultos. Todavia, pouco a pouco, menores e superiores, impulsionar o ensino pro-
a educação ocupou um dos lugares mais impor- fissional (aulas de comércio e artilharia), bem
tantes, senão mais importante, entre as suas ativi- como, de seu breviário social, libertar o negro
dades. A Companhia de Jesus foi fundada em ple- no Reino e o índio no ultramar, salvando, com
no desenrolar do movimento de reação da Igreja a erradicação da administração comunal
Católica contra a Reforma Protestante, podendo ser jesuítica no Estado do Maranhão, a unidade
considerada um dos principais instrumentos da lingüística do Brasil, como vários autores já
Contra-Reforma nessa luta. Tinha como objetivo proclamaram. (1983, p. 12)
sustar o grande avanço protestante da época e,
para isso, utilizou-se de duas estratégias: a edu- Para atingir um de seus objetivos, a
cação dos homens e dos indígenas; e a ação transformação da nação portuguesa, Marquês
missionária, por meio das quais procuraram con- de Pombal precisaria inicialmente fortalecer o
verter à fé católica os povos das regiões que es- Estado e o poder do rei. Isso seria possível por
tavam sendo colonizadas. meio do enfraquecimento do prestígio e poder
Teixeira Soares (1961) apresenta como da nobreza e do clero que, tradicionalmente,
problemas fundamentais da administração do limitavam o poder real. Assim, como afirma
Governo de D. João I2 , antecedente do gover- Ribeiro (1998, p. 30), o então ministro “orien-
no de D. José I, e que vieram a ser combatidas tava-se no sentido de recuperar a economia por
pelo Marquês de Pombal: o apego à rotina, intermédio de uma concentração do poder real
evitando a realização de reformas necessárias e e de modernizar a cultura portuguesa”.
úteis ao funcionamento da estrutura adminis- Marquês de Pombal, ao assumir o car-
trativa do Estado, principalmente, em relação go de Ministro, formulou e implementou refor-
ao regime fazendário e à administração ultra- mas administrativas, visando tornar mais ágil e
marina; o desinteresse pela instrução pública, eficiente a máquina administrativa do Estado e
que na Coroa portuguesa era um privilégio dos
nobres e da burguesia; o obscurantismo exis-
2. D. João I (1357-1433) era filho bastardo do rei D. Pedro e de Teresa
tente em todos os níveis do governo e que Lourenço. Governou Portugal de 1385 até sua morte em 1433. Para Serrão
dificultaram as reformas necessárias. (1982), D. João I foi o maior rei português do século XV e um dos maiores
de toda história portuguesa. Ficou famoso por sua ‘firmeza governativa e
Avellar, ao analisar as reformas empreen- pela visão política’, as quais mostram a presença de sinais do Estado
didas por Marquês de Pombal, avalia que este moderno em formação.
468 Lizete MACIEL e Alexandre SHIGUNOV NETO. A educação brasileira no período pombalino:...
aumentar a arrecadação. Ainda no campo das Segundo Falcon (1993), a análise de
reformas administrativas e econômicas, preten- historiadores e pesquisadores acerca das obras
dia com essas medidas dinamizar a economia e da vida de Marquês de Pombal pode ser
nacional e incentivar o desenvolvimento das constituída de seis momentos bem próprios: no
indústrias e das companhias de comércio – primeiro, encontram-se os seus contemporâne-
surgiram indústrias têxteis de seda e de lã; os; no segundo, surgem os admiradores e os
chapéu; tapetes; fundições; cerâmicas; laticíni- críticos imediatos de suas obras; no terceiro,
os; vidros; sabão; entre outras. Contudo, suas estão os liberais e o mito do liberalismo
tentativas de consolidar um pólo industrial forte pombalino; no quarto, encontram-se os conser-
e em condições de competir, no mercado inter- vadores e o mito da tirania pombalina; no
no e externo, durou pouco. Isso ocorreu por- quinto, estão os estudos e as investigações
que muitas indústrias tiveram curto período de apresentadas por pesquisadores e historiadores
funcionamento em virtude da pequena deman- durante a primeira metade do século XX; no
da do mercado interno, que optaram por pro- sexto e último momento, iniciado em 1945,
dutos manufaturados ingleses, de melhor qua- encontram-se as análises mais recentes.
lidade que os produtos portugueses. Há ainda
que se destacar que Pombal descuidou-se da [...] ainda hoje, os alvarás e provisões pombalinos
política agrícola, dando pouca atenção aos seus são examinados como se não houvesse um outro
problemas. caminho entre a alternativa que então se propôs:
As reformas do Marquês de Pombal jesuitismo e antijesuitismo. Nesta alternativa, os
também atingiram a colônia brasileira, ao visar jesuítas representam para os historiadores tudo o
a reformulação dos serviços públicos por meio, que há de antimoderno e Pombal, com seus ho-
principalmente, do combate à sonegação de mens, a autêntica antecipação das aspirações
impostos. Sua preocupação orientava-se no modernas. Ora, forçoso é reconhecer que os ter-
sentido de proporcionar uma unidade, um con- mos desta alternativa constituem um dos mais
junto à colônia brasileira. Foi durante o seu graves impedimentos para a justa compreensão de
governo que a cidade do Rio de Janeiro teve um dos momentos mais lúcidos da história lusita-
um extraordinário desenvolvimento, com desta- na. (Carvalho, 1978, p. 29)
que para seu porto e o aumento da população.
Entretanto, o recorte deste estudo deter-se-á Na administração de Pombal, há uma
mais especificamente nos atos educacionais de tentativa de atribuir à Companhia de Jesus todos
sua administração. os males da Educação na metrópole e na colônia,
motivo pelo qual os jesuítas são responsabilizados
Marquês de Pombal e as pela decadência cultural e educacional imperante
reformas educacionais na sociedade portuguesa.
Carvalho (1978) chama a atenção para
A partir do século XVI, a direção do o fato de que esse processo, denominado de
ensino público português desloca-se da Univer- antijesuitismo, representava uma atitude pre-
sidade de Coimbra para a Companhia de Jesus, sente em muitos países europeus, não sendo
que se responsabiliza pelo controle do ensino exclusividade de Portugal. Nesse sentido, os
público em Portugal e, posteriormente, no Bra- jesuítas representavam um obstáculo e uma
sil. Praticamente, foram dois séculos de domínio fonte de resistência às tentativas de implanta-
do método educacional jesuítico, que termina ção da nova filosofia iluminista que se difun-
no século XVIII, com a Reforma de Pombal, dia rapidamente por toda a Europa.
quando o ensino passa a ser responsabilidade da Serrão (1982) e Almeida (2000) expli-
Coroa Portuguesa. cam que o ódio do Marquês de Pombal aos
Educação e Pesquisa, São Paulo, v.32, n.3, p. 465-476, set./dez. 2006 469
jesuítas ficou expresso em documentos oficiais ladores dos estatutos pombalinos de 1772, já
da época. Nesse sentido, Carvalho afirma que aparecem indícios claros da época que se deve
abrir no século XIX e em que se defrontam essas
[...] o tão celebrado ódio do Marquês de Pombal à duas tendências principais. Em lugar de um sis-
Companhia de Jesus não decorreu dos prejuízos tema único de ensino, a dualidade de escolas,
opiniáticos de uma posição sistemática previamente umas leigas, outras confessionais, regidas todas,
traçada. Fatores vários e complexos, de ordem so- porém, pelos mesmos princípios; em lugar de
cial, política e ideológica, influíram decisivamente um ensino puramente literário, clássico, o de-
na evolução de uma questão que ainda hoje apai- senvolvimento do ensino científico que começa a
xona e obnubila a visão dos espíritos mais esclare- fazer lentamente seus progressos ao lado da
cidos. Na brevidade desta forma de ideal político educação literária, preponderante em todas as
nacional – a conservação da união cristã e da so- escolas; em lugar da exclusividade de ensino de
ciedade civil – se condensa toda uma filosofia com latim e do português, a penetração progressiva
objetivos claramente definidos, responsável, aliás, das línguas vivas e literaturas modernas (fran-
de certa forma, tanto pelas virtudes quanto pelos cesa e inglesa); e, afinal, a ramificação de ten-
vícios do despotismo imperante. (1978, p. 32) dências que, se não chegam a determinar a
ruptura de unidade de pensamento, abrem o
Tal espírito antijesuítico está expresso, campo aos primeiros choques entre as idéias
em última análise, na atribuição à Companhia antigas, corporificadas no ensino jesuítico, e a
de Jesus de todos os males da Educação na nova corrente de pensamento pedagógico, influ-
metrópole e na colônia brasileira, bem como enciada pelas idéias dos enciclopedistas france-
pela decadência cultural e educacional domi- ses, vitoriosos, depois de 1789, na obra escolar
nante na sociedade portuguesa. da Revolução. (Azevedo, 1976, p. 56-57)
As principais medidas implantadas pelo
marquês, por intermédio do Alvará de 28 de junho A introdução dos ideais iluministas3 , nas
de 1759, foram: total destruição da organização ciências e em específico na Educação, se processa
da educação jesuítica e sua metodologia de ensi- de acordo com as condições sociais da época.
no, tanto no Brasil quanto em Portugal; instituição Boto analisa que a partir do século XVIII há
de aulas de gramática latina, de grego e de retó-
rica; criação do cargo de ‘diretor de estudos’ – [...] uma intensificação do pensamento pedagó-
pretendia-se que fosse um órgão administrativo de gico e da preocupação com a atitude educativa.
orientação e fiscalização do ensino; introdução das Para alguns filósofos e pensadores do movimento
aulas régias – aulas isoladas que substituíram o francês, o homem seria integralmente tributário
curso secundário de humanidades criado pelos je- do processo educativo a que se submetera. A
suítas; realização de concurso para escolha de educação adquire, sob tal enfoque, perspectiva
professores para ministrarem as aulas régias; apro- totalizadora e profética, na medida em que, por
vação e instituição das aulas de comércio. intermédio dela, poderiam ocorrer as necessárias
Inspirado nos ideais iluministas, reformas sociais perante o signo do homem pe-
Pombal empreende uma profunda reforma edu- dagogicamente reformado. (1996, p. 21)
cacional, ao menos formalmente. A metodologia
eclesiástica dos jesuítas é substituída pelo pen-
samento pedagógico da escola pública e laica. 3. Para Carvalho (1978), o iluminismo português pode ser caracterizado
diferentemente do modelo encontrado nas demais reações européias (Fran-
É o surgimento do espírito moderno que, ça, Inglaterra, Alemanha), pois apresenta algumas peculiaridades. Entre-
tanto, apesar de reconhecer as peculiaridades presentes em cada nação,
foi sempre um programa pedagógico, uma atitude crítica preocupada com
[...] marcando o divisor das águas entre a peda- os problemas sociais e com as intenções de reformulação das instituições
gogia jesuítica e a orientação nova dos mode- e da cultura social.
470 Lizete MACIEL e Alexandre SHIGUNOV NETO. A educação brasileira no período pombalino:...
Para o ideal iluminista, a nova sociedade sociedade pautada nos valores do sistema de
exige um novo homem que só poderá ser formado produção pré-capitalista.
por intermédio da Educação. Assim, apesar de o Marquês de Pombal, ao propor as re-
ensino jesuítico ter sido útil às necessidades do formas educacionais – por intermédio da apro-
período inicial do processo de colonização do vação de decretos que criariam várias escolas e
Brasil, já não consegue mais atender aos interes- da reforma das já existentes –, estava preocu-
ses dos Estados Modernos em formação. Surge, pado, principalmente, em utilizar-se da instru-
então, a idéia de Educação pública sob o controle ção pública como instrumento ideológico e,
dos Estados Modernos. Portanto, a partir desse portanto, com o intuito de dominar e dirimir a
momento histórico, o ensino jesuítico se torna ignorância que grassava na sociedade, condição
ineficaz para atender às exigências de uma soci- incompatível e inconciliável com as idéias
edade em transformação. iluministas (Santos, 1982).
Para o discurso do movimento iluminista Almeida (2000) e Ribeiro (1998) concor-
e, mais especificamente, do Marquês de Pombal, dam que o grande empecilho para a concretização
a educação e o direito são importantíssimos por- desses objetivos foi a falta de homens capacitados
que ambos são os centros de tais pensamentos. para o ensino elementar e primário, ou seja, havia,
Importa considerar que a renovação pe- tanto na metrópole quanto na colônia, uma grande
dagógica, pretendida pelo Marquês de Pombal, carência de professores aptos ao exercício da fun-
não é exclusividade de seu governo, pois desde ção de ensinar.
o reinado de D. João V até o governo de D. Maria Frente a esse contexto, pode-se afirmar
I, encontram-se os traços desse movimento que Pombal, ao expulsar os jesuítas e oficialmen-
Iluminista, como afirmam Serrão (1982), Carvalho te assumir a responsabilidade pela instrução
(1978), Holanda (1993) e Ribeiro (1998). pública, não pretendia apenas reformar o siste-
ma e os métodos educacionais, mas colocá-los
[...] as reformas pombalinas da instrução públi- a serviço dos interesses político do Estado. Se-
ca constituem expressão altamente significativa gundo Haidar, buscou-se:
do iluminismo português. Nelas se encontra
consubstanciado um programa pedagógico que, [...] criar a escola útil aos fins do estado, e nes-
se por um lado, representa o reflexo das idéias se sentido, ao invés de preconizarem uma polí-
que agitavam a mentalidade européia, por ou- tica de difusão intensa e extensa do trabalho
tro, traduz, nas condições da vida peninsular, escolar, pretenderam os homens de Pombal or-
motivos, preocupações e problemas tipicamente ganizar a escola que, antes de servir aos inte-
lusitanos. (Carvalho, 1978, p. 25) resses da fé, servisse aos imperativos da Coroa.
(1973, p. 38)
Para Ribeiro, fica evidenciado que
Pelo Alvará de 5 de abril de 1771,
[...] as ‘reformas pombalinas’ visavam transfor- Pombal transfere a administração e a direção
mar Portugal numa metrópole capitalista, a do ensino para a Real Mesa Censória, órgão
exemplo do que a Inglaterra já era há mais de criado em abril de 1768, com a qual pretendia
um século. Visavam, também, provocar algu- efetivar a emancipação do controle absoluto
mas mudanças no Brasil, com o objetivo de dos jesuítas no ensino, passando, então, ao
adaptá-lo, enquanto colônia, à nova ordem pre- controle do Estado. Após esse ato, foram cria-
tendida em Portugal. (1998, p. 35) das, no Brasil, 17 aulas de ler e escrever; e foi
instituído um fundo financeiro para a manuten-
Verifica-se, portanto, uma nova ordem ção dos estudos reformados, denominado de
social, um novo modelo de homem, uma nova subsídio literário. Uma das implicações do
Educação e Pesquisa, São Paulo, v.32, n.3, p. 465-476, set./dez. 2006 471
desmantelamento da organização educacional tos para financiamento da Educação não é nova
jesuítica e da falta de implantação de um pro- e não é exclusividade de governos contempo-
jeto educacional formal e eficaz foi a demora râneos. Também, pode-se notar a presença, já
em instituir-se, no Brasil colônia, as escolas nessa época, de dois tipos de escolas (uma
com cursos graduados e sistematizados (1776). para os filhos da nobreza e burguesia e outra
Almeida (2000) destaca uma questão para os grupos sociais menos abastados) e de
importante para a compreensão da instrução políticas educacionais que privilegiavam o en-
pública no Brasil colônia: a tentativa da Coroa sino particular, com apoio do Estado.
portuguesa e do governo colonial local em Para Teixeira Soares, mais importante do
abrandar o desenvolvimento da instrução públi-
ca da população brasileira. Tal atitude justifica- [...] que a reforma e modernização da Universi-
va-se, pois se pretendia reprimir a expansão do dade de Coimbra foi o Alvará de 06 de novem-
espírito nacionalista que começava a aflorar bro de 1772, que institui o ensino popular a ser
entre a população. dado nas escolas públicas. Pombal não ficou
Consegue-se, portanto, verificar a pre- apenas no texto da lei. Passou de imediato à
sença, desde muito cedo, de uma característica fundação de escolas, que deveriam completar
marcante da Educação brasileira – ‘a destruição um total de 479. A lei determinou que o ensino
e substituição das antigas propostas educacionais popular poderia também ficar a cargo de parti-
em favor de novas propostas’. Assim, constata-se culares, que para tanto contariam com apoio
que, de uma maneira geral, no Brasil, não há uma do Estado no prelecionamento das seguintes
continuidade nas propostas educacionais implan- matérias: ortografia, gramática, aritmética,
tadas. A expulsão dos jesuítas e a total destruição doutrina cristã e educação social e cívica (‘civi-
de seu projeto educacional podem ser considera- lidade’). O ensino secundário daria ênfase espe-
das como o marco inicial dessa peculiaridade tão cial ao latim, grego e francês. Ao mesmo tem-
arraigada na Educação brasileira. po em que cuidava do ensino popular, fundou o
Segundo Holanda, com a expulsão dos ‘Colégio dos Nobres’, seminário dedicado à edu-
jesuítas, cação de filhos da nobreza; e, para manter o
equilíbrio social e educacional, fundou também
[...] a instrução pública em Portugal e nas colônias, o Colégio de Mafra, destinado à educação dos
foi duramente atingida. Desapareceram os colégios plebeus, com programa idêntico ao reservado
mantidos pela Companhia de Jesus que constituíam aos filhos da nobreza. [...] O primeiro-ministro
então os principais centros de ensino. Urgia, por- criou um imposto especial destinado à manu-
tanto, a adoção de providências capazes de, pelo tenção e ampliação das escolas fundadas (lei de
menos, atenuar os inconvenientes da situação cria- 10 de novembro de 1772). (1961, p. 218)
da com as drásticas medidas administrativas de
Sebastião de Carvalho e Melo. O terreno para a O ministro Pombal pretendia promover
implantação de novas idéias pedagógicas, entretan- a substituição dos tradicionais métodos peda-
to, já havia sido preparado, com vária sorte, pelos gógicos instituídos pela Companhia de Jesus
esforços isolados de alguns homens de ciência e de por uma nova metodologia educacional, con-
pensamento, entre os quais figuravam o singular dizente com sua realidade e o momento his-
Luís Antônio Verney e os padres da Congregação tórico vivenciado. Pretendia, portanto, que as
do Oratório de São Felipe Néri. (1989, p. 80-81) escolas portuguesas tivessem condições de
acompanhar as transformações que estavam
Pode-se notar que a intenção e a ten- ocorrendo naquele momento.
tativa de isentar o Estado de sua responsabili- Marquês de Pombal pretendia, com a
dade por meio de artimanhas, projetos e impos- aprovação desse alvará, promover a substituição dos
472 Lizete MACIEL e Alexandre SHIGUNOV NETO. A educação brasileira no período pombalino:...
tradicionais métodos pedagógicos instituídos pela Cada carta trata de um determinado
Companhia de Jesus por uma nova metodologia tema e, no conjunto, compõem as disciplinas
educacional, considerada moderna e, portanto, da proposta pedagógica de Verney: primeira
condizente com os ideais iluministas. carta – a língua portuguesa; segunda carta – o
Almeida (2000), apesar de reconhecer a latim; terceira carta – o grego e o hebraico;
obra do Marquês de Pombal relativa à instru- quarta carta – as línguas modernas; quinta
ção pública, não deixa de mencionar que após carta – a retórica; sexta carta – continua a
a expulsão da Companhia de Jesus do Brasil e análise sobre o ensino da retórica; sétima car-
da destruição de sua obra educacional, outras ta – a poesia portuguesa; oitava carta – a filo-
ordens religiosas tentaram continuar a obra sofia; nona carta – a metafísica; décima carta
iniciada pelos padres jesuítas, contudo, sem – a lógica/física; décima primeira carta – a
grande êxito. Além disso, considera que o êxi- ética; décima segunda carta – a medicina;
to do projeto educacional jesuítico deve-se, em décima terceira carta – a jurisprudência como
parte, às habilidades dos padres ao desempe- prolongamento natural da moral; décima quar-
nharem a função de professores, pois ‘mantive- ta carta – a teologia; décima quinta carta – o di-
ram numerosas escolas dirigidas por professo- reito econômico; décima sexta carta – apresenta
res verdadeiramente hábeis’. uma seqüência de planos de estudos: os estudos
Tanto Carvalho (1978) como Avellar elementares, a gramática, o latim, a retórica, a fi-
(1983) e Ribeiro (1998) concordam que o con- losofia, a medicina, o direito, a teologia e termina
teúdo da reforma pombalina, sob a égide de seus com o apêndice sobre ‘o estudo das mulheres’.
principais inspiradores, Luís Antonio Verney4 , Ri- Seu projeto pedagógico está constituído
beiro Sanches5 e Antônio Genovessi, considera- de algumas dessas propostas, tais como: secula-
dos pensadores modernos, trazem traços do en- rização do ensino; valorização da língua portu-
sino tradicional, isto é, eclesiástico. Portanto, não guesa; papel e importância do estudo do latim,
houve uma ruptura total com o ensino jesuítico, realizado por intermédio da língua portuguesa
pois a mudança ocorrida foi mais de conteúdo do (uma das razões do estudo do latim era a possi-
que de método educacional. bilidade de simplificar e abreviar a duração dos
Falcon afirma que estudos); redução do número de anos destinados
aos estudos nos níveis de ensino inferiores, visan-
[...] a partir de Verney, o reformismo ilustrado, do fundamentalmente aumentar o número de
apoiado no otimismo jurídico que o caracteriza, ingressos nos cursos superiores; apresentação de
entra na ordem do dia. A secularização constitui um plano de estudos para todos os níveis de
seu traço dominante. A fé no progresso, a ênfase ensino, do fundamental (que se inicia a partir dos
dada à razão e a crença no poder quase mágico sete anos de idade) até os níveis superiores de
das ‘Luzes’ completa o ideário. (1993, p. 364) ensino; disciplinas que compõem sua proposta
pedagógica são, em sua maioria, literárias, tais
‘O verdadeiro método de estudar’, de como: português, latim, retórica, poética e filosofia
Luís Antonio Verney, pretendia opor-se ao (lógica, moral, ética, metafísica e teologia), direi-
método pedagógico dos jesuítas. A obra, que to (direito civil e direito canônico), medicina
na realidade eram dezesseis cartas escritas em
Roma e publicadas no período de 1746-1747, 4. Luís Antonio Verney (1713-1792) nasceu na cidade de Lisboa. Oriun-
apresenta uma análise sobre os problemas do do de uma família francesa de boas condições financeiras, não possuía
prestígio social por ser uma família estrangeira. É considerado o mais
ensino português ministrado, até então, pela importante difusor do espírito iluminista da cultura portuguesa.
metodologia dos jesuítas; além disso, fornece 5. António Nunes Ribeiro Sanches (1699-1782) nasceu na cidade de
Pernamacor e pertencia a uma família de cristãos-novos. Estudou na Guar-
orientações de como proceder para adequá-los e da, em Coimbra e em Salamanca; formou-se em medicina; e foi escritor.
torná-los condizentes com a nova realidade. Sua obra mais famosa foi ‘Cartas sobre a educação da mocidade’.
Educação e Pesquisa, São Paulo, v.32, n.3, p. 465-476, set./dez. 2006 473
(anatomia), grego, hebreu, francês, italiano, ana- conseguiram ser implantadas, o que provocou
tomia, física (aritmética e geometria); proposta de um longo período (1759 a 1808) de quase
escola pública e gratuita para toda a população desorganização e decadência da Educação na
portuguesa, como medida de reduzir o analfabe- colônia. Desse modo,
tismo da sociedade portuguesa.
Assim, reivindica a abertura de escolas [...] a expulsão dos jesuítas em 1759 e a trans-
públicas em todos os bairros para que ninguém plantação da corte portuguesa para o Brasil em
ficasse sem freqüentá-las; recomenda uma trans- 1808, abriu-se um parêntese de quase meio sé-
formação de comportamento dos professores em culo, um largo hiatus que se caracteriza pela
relação aos seus alunos, visando a melhoria da desorganização e decadência do ensino coloni-
relação professor/aluno; recomenda que a univer- al. Nenhuma organização institucional veio, de
sidade deva ser aberta à comunidade e aos mem- fato, substituir a poderosa homogeneidade do
bros da comunidade, mesmo sem serem do meio sistema jesuítico, edificado em todo o litoral
acadêmico, para assistirem às aulas ministradas; latifundiário, com ramificações pelas matas e
sugere a criação de colégios para pobres, a fim de pelo planalto, e cujos colégios e seminários for-
capacitá-los com hábitos do mundo burguês e da ma, na Colônia, os grandes focos de irradiação
nobreza; também apresenta algumas considera- da cultura. (Azevedo, 1976, p. 61)
ções sobre a educação das mulheres. Considera
importante que as mulheres freqüentem as esco- Carvalho, caracteriza, desta maneira,
las para adquirirem conhecimentos necessários à Luís Antonio Verney:
administração do lar.
A importância da obra de Verney, se- [...] nenhum, entretanto, tão ilustre como Verney,
gundo o pensamento da época, pode ser des- pela universalidade do plano concebido e pela
tacada na análise realizada por Falcon: ambição por que procurou, por intermédio de suas
obras, realizar o programa planejado quase no ver-
[...] reside não propriamente no seu ‘conteúdo’, dor dos anos. É neste sentido que Luís Antonio
mas no espírito que as acompanham e na ruptura Verney é um pedagogo e, enquanto pedagogo, ‘um
que representam. [...] O espírito a que nos referi- iluminista’ na medida em que o iluminismo é uma
mos é o da crítica irônica, muitas vezes satírica, forma de pensar comum de homens que, em atitu-
ao ensino existente em Portugal, em todos os ní- des diversas de pensamento, procuram fazer da
veis, tanto no seu conteúdo quanto nos seus méto- cultura um instrumento do progresso e da perfei-
dos, crítica que é também à cultura portuguesa ção das sociedades e dos homens. Em Verney, não
com um todo. Tratava-se, em suma, de demons- há apenas o programa de uma reforma sobre os
trar que, em qualquer direção que se olhasse, Por- estudos; há ainda a consciência da necessidade do
tugal estava atrasada, distanciando do que se desdobramento de uma tarefa pedagógica, reali-
passava nos centros civilizados. (1993, p. 331) zando na ordem prática as diretrizes que o conhe-
cimento das realidades portuguesas e das conquis-
Segundo Ribeiro (1998), essa nova orga- tas recentes da cultura impunham como propósito
nização do ensino português é considerada um preliminar de uma política destinada a ‘iluminar’
retrocesso se vista sob o prisma pedagógico e um verdadeiramente a nação lusitana. (1978, p. 61-62)
avanço na medida em que exigiu novos métodos
e a adoção de novos livros. Foi durante o reina- Considerações finais
do de D. José I que se evidenciou uma grande
difusão do livro como agente de cultura. Todos os males da educação, na me-
Importa lembrar que, apesar das pro- trópole e na colônia, foram atribuídos à Com-
postas formais, as reformas pombalinas nunca panhia de Jesus, durante a administração do
474 Lizete MACIEL e Alexandre SHIGUNOV NETO. A educação brasileira no período pombalino:...
Ministro Marquês de Pombal. Destaca-se aqui novas propostas educacionais dele refletiam e
a luta entre o velho e o novo modelo, dentro expressavam o ideário do movimento iluminista.
de uma análise histórica. No Brasil, entretanto, as conseqüências
O novo, presente na sociedade, está do desmantelamento da organização educaci-
inspirado nos ideais iluministas e é dentro desse onal jesuítica e a não-implantação de um novo
contexto que Pombal, na sua condição de mi- projeto educacional foram graves, pois, somen-
nistro, buscou empreender uma profunda refor- te em 1776, dezessete anos após a expulsão
ma educacional, ao menos formalmente. Nos dos jesuítas, é que se instituíram escolas com
propósitos transformadores, estavam previstas cursos graduados e sistematizados.
algumas mudanças. A metodologia eclesiástica A reforma de ensino pombalina pode ser
dos jesuítas foi substituída pelo pensamento avaliada como sendo bastante desastrosa para a
pedagógico da escola pública e laica; criação Educação brasileira e, também, em certa medida
de cargos como de diretor de estudos, visando para a Educação em Portugal, pois destruiu uma
a orientação e fiscalização do ensino; introdu- organização educacional já consolidada e com
ção de aulas régias, isto é, aulas isoladas, visan- resultados, ainda que discutíveis e contestáveis, e
do substituir o curso de humanidades criado não implementou uma reforma que garantisse um
pelos jesuítas. Todas essas propostas foram novo sistema educacional. Portanto, a crítica que
frutos das condições sociais da época, a partir se pode formular nesse sentido, e que vale para
das quais, Pombal pretendia oferecer às esco- nossos dias, refere-se à destruição de uma propos-
las portuguesas condições de acompanhar as ta educacional em favor de outra, sem que esta ti-
transformações de seu tempo. Nesse sentido, as vesse condições de realizar a sua consolidação.
Referências bibliográficas
ALMEIDA, J. R. P. de. Instrução pública no Brasil (1500-1889): história e legislação. 2.ed. São Paulo: EDUC/INEP/MEC, 2000.
HAIDAR, M. de L. M. A instrução popular no Brasil antes da República. In: BREJON, M. (Org.). Estrutura e funcionamento do
ensino de 1º e 2º graus
graus. São Paulo: Pioneira, 1973. p. 37-51.
Educação e Pesquisa, São Paulo, v.32, n.3, p. 465-476, set./dez. 2006 475
RIBEIRO, M. L. S. História da educação brasileira
brasileira: a organização escolar. 15.ed. Campinas: Autores Associados, 1998.
SANTOS, M. H. C. dos. Poder, intelectuais e contra-poder. In: SANTOS, M. H. C. dos (Org.). Pombal revisitado
revisitado. v. 1, Lisboa:
Editorial Estampa, 1982. p. 122-129.
SERRÃO, J. V. História de Portugal: o despotismo iluminado (1750-1807). v. 6, Lisboa: Editorial Verbo, 1982.
Recebido em 13.08.05
Modificado em 30.06.06
Aprovado em 16.10.06
Lizete Shizue Bomura Maciel é mestre e doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/
SP). Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação, Preconceito e Exclusão (UEM). Membro do Grupo de Estudos e
Pesquisas em Formação de Professores (UEM). Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade
Estadual de Maringá (UEM).
Alexandre Shigunov Neto é administrador formado pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Especialista em
Economia Empresarial pela Universidade Estadual de Londrina. Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em
Educação da UEM. Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Engenharia e Gestão do Conhecimento (EGC) da
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
476 Lizete MACIEL e Alexandre SHIGUNOV NETO. A educação brasileira no período pombalino:...
UNIDADE III
RESUMO:
Escola e Império;
A Ação dos Homens Ilustrados: sociedades, academias e
grêmios;
As Formas Educativas;
Escolas Elementares;
Internatos e Asilos;
Colégios e Liceus.
TEXTO 08
Sérgio Montalvão1
No campo educacional, as pesquisas de Carlos Roberto Jamil Cury têm se destacado pelo
investimento feito na história do direito à educação escolar no Brasil. Em um de seus textos, o
autor nos traz sugestivas ponderações ao referir-se ao sentido etimológico do termo ―
direito‖,
recordando sua origem no verbo latino digere, cujo significado é dirigir ou ordenar:
Essa expressão foi assumida pela área jurídica, passando a recobrir vários
sentidos. Um deles é o de norma, rota que dirige ou ordena uma ação
individual ou social. No âmbito das sociedades, o direito é um conjunto de
normas existentes dentro de uma dada ordem jurídica. Essas regras podem
significar a existência de um poder pelo qual as pessoas ou os grupos
fazem ou deixam de fazer algo em vista de um determinado fim (CURY,
2003, p.567).
Após essas observações preliminares, Jamil Cury coloca-nos diante de um itinerário histórico,
pelo qual as regras jurídicas codificadas se transformam em leis, sujeitando a penalidades
aqueles que as descumprirem, e, mais tarde, transformando-se em leis que visam a proteger
direitos quanto a ameaças e impossibilidades de acesso. É nesse último sentido que a
educação se torna um desafio na ordem jurídica. O direito à educação implica também
obrigações e penalidades contra os que se omitem a integralizá-lo, no caso dos menores de
idade, entrando muitas vezes em confronto com a ordem familiar. As tensões entre a
concepção de que a educação deve ser dada prioritariamente no seio das famílias e a sua
transformação em um bem público matizam a história da declaração desse direito na ordem
constitucional brasileira.
Doutor em História, Política e Bens Culturais pelo Centro de Pesquisa e Documentação de História
1
1
Nas demais garantias e direitos dos ― cidadãos brazileiros‖ estavam incluídas, entre as 33 citadas na
Constituição, aquelas que faziam parte do catálogo de reivindicações do jusnaturalismo liberal, com restrições no
tocante à relação entre indivíduo e religiosidade: 1) a prevalência do império das leis, conforme os incisos I -
― Nenhum Cidadão pode ser obrigado a fazer, ou deixar de fazer alguma cousa, senão em virtude da Lei‖ e II -
― Nenhuma lei será estabelecida sem utilidade pública‖; 2) a liberdade de expressão, sujeita à responsabilização
dos abusos cometidos em virtude dela; 3) o respeito à consciência religiosa, desde que reconhecida a oficialidade
do catolicismo enquanto religião de Estado; 4) a liberdade de entrar e sair dos limites territoriais do Império,
guardadas as restrições policiais; 5) a garantia da inviolabilidade dos limites do lar pelo poder público e 6) a
prisão somente em casos de culpa formada. Constituição Política do Império do Brazil, de 25 de março de 1824.
Consultado em maio de 2010, em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao24.htm.
2
Cabe frisar que não existiam universidades no Brasil do século XIX, as primeiras universidades brasileiras
datam da década de 1930.
218
Revista Contemporânea de Educação N º 11 - janeiro/julho de 2011
cinco décadas, caberia aos presidentes de províncias executarem as medidas aprovadas no
campo político-pedagógico pelos legislativos locais. No comentário de Fernando de Azevedo:
A escola era uma unidade de ensino com um professor. O termo escola era
utilizado com o mesmo sentido de cadeira, ou seja, uma aula régia de
gramática latina ou uma aula de primeiras letras correspondia, cada uma, a
uma cadeira específica, o que representava uma unidade escolar, uma
escola. Cada aluno frequentava as aulas que quisesse não havendo
articulação entre as mesmas. As aulas eram dadas na casa do próprio
professor e apenas eventualmente aproveitou-se um prédio anteriormente
1
Deve-se registrar que, no contexto dessas reformas, não havia a obrigatoriedade da matrícula escolar como
instrumento de eficácia e controle do direito à educação.
219
Revista Contemporânea de Educação N º 11 - janeiro/julho de 2011
ocupado pelos jesuítas ou outro tipo de convento para local de ensino.
Assim, não era preciso haver um edifício escolar para que a escola existisse
(Idem, p. 201).
Data de 1835 a encampação das primeiras cadeiras avulsas, oferecidas ao público por
professores comissionados com a verba do Tesouro Nacional em imóveis particulares, pelos
liceus. Daí para frente, as autoridades começaram a se importar com a construção de prédios
escolares. O avanço na construção de escolas foi tênue, preso às amarras que vimos
anteriormente quanto à falta de entrosamento entre os três níveis da administração pública.
A esses dados quantitativos deve-se acrescentar a percepção dos próprios dirigentes políticos
quanto aos avanços empreendidos na educação popular. Segundo as narrativas encontradas
por José Gondra e Alessandra Schueler, havia muita dificuldade por conta dos baixos salários
pagos aos professores, o que impedia a sua profissionalização. Além disso, concorriam para
agravar a situação a falta de inspeção adequada dos estabelecimentos de ensino e a
dificuldade no emprego do método oficialmente adotado nas escolas públicas: método
ensino mútuo‖.2 A consulta aos relatórios dos presidentes de província,
Lancaster ou ―
1
Ao lado desse sistema de escolas elementares sustentadas pelo Estado Imperial existiam as escolas particulares,
confessionais e laicas. Essas eram 288 de ensino primário e 18 de ensino secundário. No quadro elaborado pelos
autores, com base nas pesquisas de José Ricardo de Almeida, não foram encontrados os números referentes aos
estudantes em escolas públicas primárias da província do Rio de Janeiro (Apud. GONDRA e SCHUELER, 2008,
pp. 95-99).
2
Nascido na Inglaterra, pelas mãos do educador Joseph Lancaster (1778-1838), o método se inspirava nas ideias
utilitaristas de Jeremy Bentham e nos princípios religiosos do pastor anglicano Andrew Bell. A prática
pedagógica lancasteriana enfatizava o ensino oral e a memorização dos conteúdos. A grande novidade do
método estava na utilização de monitores, ou seja, alunos que deveriam auxiliar os mestres na coordenação do
processo de aprendizado. Os historiadores que estudaram o método Lancaster apontam a sua proposta disciplinar
de instrução, típica da pedagogia dos tempos da revolução industrial. Sobre o assunto, ver NEVES, 2003.
220
Revista Contemporânea de Educação N º 11 - janeiro/julho de 2011
sugerida pelos autores citados, nos traz, em certa medida, a visão que se tinha quanto à
instrução pública em várias partes do Império.
A instrução das classes populares rodeou os relatórios dos presidentes provinciais, que a
entendiam como uma das prioridades da ação governativa. O poder da educação em resolver
questões sociais mais amplas transparece, por exemplo, no relatório de Antônio dos Passos
Miranda à Assembleia Provincial de Sergipe:
1
Relatório apresentado à Assembleia Legislativa Provincial do Rio de Janeiro, na segunda sessão da vigésima
legislatura, no dia 8 de setembro de 1875, pelo vice-presidente, conselheiro Bernardo Augusto Nascentes de
Azambuja. Rio de Janeiro, Typ. do Apóstolo, 1875, p. 28. Disponível em http://www.crl.edu/pt-
br/brazil/provincial/rio_de_janeiro [acesso em 16/07/2010].
2
Idem, p. 29.
3
Fala com que o exmo. Sr. Dr. Esmerino Gomes Parente abriu a 2a. sessão da 22a. legislatura da Assembleia
Provincial do Ceará no dia 2 de julho de 1875. Fortaleza, Typ. Constitucional, 1875, p. 13. Disponível em
http://www.crl.edu/pt-br/brazil/provincial/rio_de_janeiro [acesso em 16/07/2010].
221
Revista Contemporânea de Educação N º 11 - janeiro/julho de 2011
perigo a tranqüilidade pública, a segurança individual, a propriedade
1
particular, a honra e a liberdade de todos.
Na última quadra do Império, a preparação dos espíritos para o tipo civilizado de vida era
entendida como o objetivo central da aplicação do artigo 179 da Constituição Imperial de
1824 e da Lei Geral do Ensino de 1827. A República daria continuidade a essa senda
civilizatória através da educação. Os republicanos estiveram premidos, no entanto, pelas
mudanças que sofrera o conceito de educação popular no contexto intelectual do final do
século XIX e, mais tarde, pela pressão que passou a ser feita pela democratização das
oportunidades escolares.
1
Relatório com que o Exmo. Sr. Dr. Antonio dos Passos Miranda abriu a Assembleia Legislativa Provincial de
Sergipe no dia 1.o de março de 1875. Aracajú, Typ. do Jornal do Aracajú, 1875, p. 29. Disponível em
http://www.crl.edu/pt-br/brazil/provincial/rio_de_janeiro [acesso em 19/07/2010].
2
Participaram da comissão de notáveis: Saldanha Marinho (presidente), Américo Brasiliense (vice-presidente),
Antônio Luiz dos Santos Werneck, Francisco Rangel Pestana e José Antônio Pereira de Magalhães Castro.
222
Revista Contemporânea de Educação N º 11 - janeiro/julho de 2011
Estado e a Igreja, assim como instituíram o casamento civil e a entrega da administração dos
cemitérios ao poder público.1 Federalismo e secularismo dariam os contornos das políticas de
educação na Primeira República.
A Constituição dos Estados Unidos do Brazil tratou pouco sobre educação. O assunto foi
tocado no capítulo das atribuições do Congresso Nacional, artigo 35, inciso 2º, que o
incumbia, mas não privativamente, de ―
animar no País o desenvolvimento das letras, artes e
ciências, bem como a imigração, a agricultura, a indústria e comércio, sem privilégios que
tolham a ação dos governos locais‖. O viés federalista lançou as bases para a descentralização
das ações. Com isso, a responsabilidade pelo ensino primário corresponderia aos estados,
enquanto à União caberia criar e administrar instituições de ensino secundário e superior,
como também prover a educação no Distrito Federal, em colaboração com o poder municipal.
1
Ainda no governo provisório da República, o decreto presidencial nº 346, de 19/03/1890, criou o Ministério da
Instrução Pública Correios e Telégrafos, cujo primeiro titular foi o republicano histórico e militar positivista
Benjamin Constant Botelho de Magalhães. De curta duração, este aparato burocrático iria desaparecer com a
reforma administrativa promovida no governo do Marechal Floriano Peixoto. Desde então, os assuntos da
instrução pública foram tratados no âmbito do Ministério da Justiça e Negócios Interiores, que passou a contar
com uma Diretoria Geral de Instrução Pública.
223
Revista Contemporânea de Educação N º 11 - janeiro/julho de 2011
muitos membros da elite política/intelectual no final do Segundo Reinado. Como observa
Fernando de Azevedo, em obra anteriormente citada:
Os quarenta anos da Primeira República foram vistos por seus contemporâneos como um
período em que pouco foi feito para avançar em educação, especialmente para democratizar o
acesso à educação pública escolar. A história da ideia de ampliação do direito à educação
escolar no Brasil é, portanto, anterior à década do otimismo pedagógico e ao início da
pregação cívica dos educadores escolanovistas. Antes deles, o imaginário de democratizar
pela escola havia conquistado intelectuais como José Veríssimo e Vicente Licínio Cardoso.
Publicado pela primeira vez em 1890, quando o autor ocupava o cargo de diretor da Instrução
Pública do Pará, A Educação Nacional, de José Veríssimo, ressaltou a acolhida da educação
no projeto democrático dos Estados Unidos. Um dos fatores mais importantes para explicar o
êxito norte-americano nesse setor deveu-se, segundo Veríssimo, à administração do ensino,
dividida entre as atribuições da União, com o National Bureau of Education — ―
em cima,
aconselhando, animando, esclarecendo‖— e dos estados e localidades, responsáveis pela
execução dos serviços educacionais (VERÍSSIMO, 1906, p. XXVI).
Citando números copilados do Annual Repport of Department of the Interior dos anos de
1901 a 1903, Veríssimo procurou figurar a potencialidade daquele país em distribuir os
conhecimentos básicos, mostrando que em um incomparável universo de 17.539.478
estudantes de nível primário, secundário e superior, 16.127.739 encontravam-se no ensino
público e apenas 1.411.739 no ensino particular. Era evidente a presença do Estado na
educação, ainda mais nos segmentos identificados com a ―
formação não só do caráter
nacional, mas do espírito e da opinião das massas‖, cabendo a seguinte divisão: 93,37% no
ensino primário, 78,34% no secundário e 40,50% no superior. A eficácia norte-americana
logo iria contrastar com o desalentado quadro brasileiro, em que a sucessão de reformas
educacionais, abarrotadas de leis e regulamentos, acabava por deixar tudo como estava antes.
Em tom pessimista, Veríssimo iniciou A Educação Nacional mostrando o vazio e a
incapacidade de nossa instrução pública para servir aos seus objetivos. Na primeira página do
livro, após a sua longa introdução, encontramos este desabafo:
225
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superior – apenas um acervo de materiais, sem nexo ou lógica, e estranho a
qualquer concepção elevada de pátria (Idem, p. 1).
No mesmo tom pessimista de José Veríssimo, anos depois, Vicente Licínio Cardoso tratou da
rotina em que havia caído a escola pública republicana, após o impulso inicial, percebido
sobretudo em São Paulo, cujos governos, no final do século XIX, elevaram a educação à
condição de experiência civilizacional, erguendo escolas consideradas verdadeiros templos da
cultura cívica e letrada (SOUZA, 1998 e GOMES, 2002, pp. 393-395). No capítulo ―
Instrução
e Educação‖, parte do livro À margem da História do Brasil, postumamente publicado por
Fernando de Azevedo na Biblioteca Pedagógica Brasileira da Companhia Editora Nacional
em 1933, Cardoso criticava o legado educacional do Império e revisava a imagem
conquistada por D. Pedro II do imperador preocupado com o desenvolvimento das ciências,
artes e letras. Apesar da atitude pessoal de simpatia e entrega aos estudos ―
D. Pedro II não foi
o educador que seria de desejar para o seu povo‖ (CARDOSO, 1933, pp. 188-189).
Depois de evitar a comparação com os Estados Unidos, por considerá-lo país de cultura muito
diferente da nossa, Cardoso tratou dos avanços educacionais conquistados pela República
Argentina na segunda metade século XIX, durante a presidência de Domingo Sarmiento
(1868-1874): ―
(...) rememoro o exemplo argentino, por isso que a evolução desse povo no
século XIX é extremamente interessante, transformado que foi um conglomerado de meio
milhão de gaúchos broncos (...) numa nacionalidade de energias sociais e políticas
extremamente cultivadas‖ (Idem, p. 189). O país vizinho havia passado pela Guerra Civil
envolvendo unitários e federalistas, estabilizando-se após a queda do caudilho Juan Manuel
de Rosas, a Constituição de 1853 e a instalação de um governo unificado, com Bartolomeu
Mitre, em 1862. O impacto da educação sobre a sociedade argentina fez parte do debate
nacional, incorporado pela elite política liberal. Com isso, o ensino fundamental ganhou
impulso considerável. Em 1860, entre públicas e privadas, registravam-se 593 escolas
primárias argentinas (FAUSTO & DEVOTO, 2004, p. 53). No pensamento político portenho,
a chegada da democracia contava com a simpatia de Sarmiento. Ele entendia que o papel das
elites na transição do regime oligárquico ao democrático era de ―
civilizar a massa, dotando-a
de base cultural‖ (RICUPERO, 2004, p. 157).
Na passagem do século XIX para o século XX, a escola republicana viu-se diante do impasse
da renovação dos saberes ligados à educação popular. Em diversos países se experimentava
uma intensa transformação curricular. A tradicional reunião de conhecimentos na tríade da
leitura, da escrita e do cálculo entrava em rápida defasagem face às exigências do novo
trabalho industrial. O currículo escolar do ensino primário deveria anexar princípios das
ciências naturais, físicas e sociais (SOUZA, 2008, p. 19).
Recorrendo, mais uma vez, ao estudo de Luciano Faria Filho (Op. Cit., p. 27), descobre-se
que a preocupação dos governantes mineiros por ele estudados não se relacionava com a
superação da ―
baixíssima cobertura do sistema escolar existente, cerca de 5% da população
em idade escolar‖, mas com ―
a baixa qualidade da escola existente‖. Comparado ao que havia
sido feito nos países europeus em termos de redução do analfabetismo, o Brasil estava
próximo da Itália e da Espanha, que ainda permaneciam com mais de 50% da população
despossuída das habilidades da leitura e da escrita.
A pequena inserção social da escola preocupou educadores como Anísio Teixeira, que tratou
da incapacidade da República para estender a educação a todos. Nos anos 1950, o então
diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais (INEP) entendia que a
universalização do ensino fundamental (primário e médio) deveria transformar a educação de
privilégio em direito. Em Educação não é privilégio (1953), o educador baiano defendeu a
educação para a ―
formação comum do homem‖, mostrando ao público presente à palestra
realizada na Escola Brasileira de Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas
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(EBAPE-FGV) que, até a Revolução Francesa, ―
toda educação escolar consistia na
especialização de alguém‖ (1994, p. 40), ou seja, que na sociedade pré-industrial, dividida em
estamentos, a escola era vista como espaço de formação daqueles que se preparavam para
ocupar uma posição socialmente pré-determinada no mundo do trabalho. Após a derrubada do
Antigo Regime, porém, afirmava Anísio, a sociedade competitiva, burguesa, capitalista, teria
como um de seus fundamentos a escolha pelo indivíduo da sua posição profissional, passando
a ter a escola um novo papel: o de equalizar as oportunidades e permitir maiores condições de
igualdade àqueles que a frequentassem. Era o nascimento de uma nova escola, que formava as
inteligências, mas não formava intelectuais:
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TEXTO 09
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As Origens da Educação no Brasil
Da hegemonia católica às primeiras tentativas de organização do ensino 947
1
Para mais detalhes sobre o processo de implantação do ensino superior brasileiro, conferir o capítulo três (Ciência e educação
superior no Brasil do século XIX), de Schwartzman (1979).
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as. “E o Brasil, saindo da fase joanina com palmente religiosa) e o ensino primário foi
algumas instituições de educação elitária relegado ao abandono, sobrevivendo pelo
(escolas técnicas superiores), chegou à In- sacrifício de alguns mestres-escolas, que des-
dependência destituído de qualquer forma tituídos de habilitação profissional, só encon-
organizada de educação escolar”. A partir travam emprego na educação.
do governo de D. Pedro I, inicia-se um pro-
cesso de transferência de poder para um Do legado do Império, além do con-
mesmo grupo de beneficiários, com acrés- junto de instituições públicas para a for-
cimo dos “letrados” aos cargos adminis- mação das elites, restou uma série de de-
trativos e políticos para o preenchimento bates sobre a estruturação de uma educa-
do quadro funcional do Estado. As Facul- ção nacional, com a tentativa da criação
dades de Direito, de São Paulo e Recife, de um sistema em que a educação popular
criadas em 1827, passam a formar os futu- era considerada um requisito fundamental
ros funcionários do governo. — sinônimo de liberdade e riqueza; antô-
nimo de pobreza e despotismo. Mas os
Em 1834, um Ato Adicional do Impera- acalorados debates sobre a educação po-
dor promove uma das primeiras políticas de pular na Assembléia Constituinte e Legisla-
descentralização administrativa, conferindo tiva tiveram como resultado apenas a “pro-
às Províncias o direito de legislar sobre a clamação” de sua importância. Já o proje-
instrução pública e de promover estabeleci- to de criação das universidades foi facil-
mentos próprios, excluindo os de níveis su- mente aprovado. Segundo Xavier (1980, p.
periores, o que vai possibilitar uma dualida- 61-63), “não se questionou seriamente da
de de sistemas, com a superposição de po- necessidade ou finalidade de Universida-
deres (provincial e central) relativamente ao des em um país destituído de educação ele-
ensino primário e secundário. Ao poder cen- mentar... [o que] veio apenas legalizar uma
tral ficou reservado o direito de promover e situação de fato — a omissão do poder
regulamentar a educação no Rio de Janeiro central em relação à educação popular”.
e a educação de nível superior, em todo o
Império. Às Províncias foi delegada a incum- A estrutura geral do ensino ficou da se-
bência de regulamentar e promover a edu- guinte forma: o poder central encarregou-
cação primária e média em suas próprias se do ensino superior em todo o País e os
jurisdições (ROMANELLI, 1999). demais níveis ficaram a cargo das provín-
cias — com exceção do Colégio Pedro II,
Com o ensino secundário destinado a nomeado em homenagem ao nosso segun-
preparar candidatos ao ensino superior, o seu do governante imperial, que deveria servir
conteúdo acabou por ganhar um caráter pro- de modelo às escolas provinciais. A carên-
pedêutico. Nas províncias, o sistema escolar cia de recursos e a falta de interesse das
não passou da tentativa de reunião das anti- elites regionais impediram a organização
gas aulas régias em liceus, de forma desor- de uma rede eficiente de escolas. No ba-
ganizada. Motivo: um falho sistema tributá- lanço final, o ensino secundário foi assu-
rio e a conseqüente falta de recursos. No vazio mido, em geral, pela iniciativa particular,
do Estado, boa parte do ensino secundário especialmente pela Igreja. O ensino primá-
ficou a cargo da iniciativa privada (princi- rio, novamente, ficou abandonado.
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Da hegemonia católica às primeiras tentativas de organização do ensino 949
2
Como curiosidade histórica, vale lembrar que a última fala oficial do Imperador Pedro II correspondeu ao pedido de criação de
um ministério dos negócios da instrução e duas universidades (ALBUQUERQUE, 1993, p. 21).
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cional, essa tendência irá se expressar na porém, que este acesso não deveria obe-
pedagogia pragmática da Escola Nova, decer a um arrolamento obrigatório (da
baseada no pensamento do norte-america- escola infantil à universidade), mas ape-
no John Dewey, que propunha um modelo nas à abertura da escola oficial para todas
escolar de cunho reformista, necessário a as crianças, de 7 a 15 anos, com a exce-
uma sociedade com tendências a produzir ção das já confiadas às escolas privadas.
privilégios e desigualdades, mas que sub-
siste pela expectativa de mudança e ascen- Esta “tangente burguesa” defensora da
são social. Pelo vislumbre da democracia e escola pública, como gostava de nomear
do progresso, atendendo às aspirações das o cientista social Florestan Fernandes3, ti-
classes médias e, em parte, ao conservado- nha como referência dois significados bá-
rismo da classe dominante, o pensamento sicos e contraditórios da democracia mo-
escola-novista foi assimilado por vários edu- derna: a definição de democracia em sen-
cadores brasileiros, com divergências ape- tido descritivo, como forma de governo e
nas no que diz respeito à orientação geral modo de vida de uma sociedade de mer-
(revolucionária-reformista ou conservadora- cado e capitalista; e a definição de demo-
mente democrática), mantendo um horizonte cracia em sentido normativo, como forma
comum na interpretação das funções da es- de governo e modo de vida de uma socie-
cola, consolidando-se em uma ideologia dade interessada em garantir, para todos
educacional que influenciará o desenvolvi- os seus membros, a liberdade necessária à
mento do ensino brasileiro. concretização e ao desenvolvimento de suas
capacidades (GARCIA, 2002). Esta corrente
O primeiro documento de expressão tinha como ideal um sistema de ensino em
desta ideologia é o Manifesto dos Pionei- que educação popular de massas e forma-
ros da Educação Nova, de 1932, que bus- ção especializada apareciam como com-
cava superar as tentativas parciais de re- plementares, sendo, portanto, um mecanis-
forma até então efetuadas e imprimir uma mo eficiente e não autocrático de recruta-
direção única, clara e definida do movi- mento dos mais capazes indivíduos de to-
mento de renovação da educação nacio- dos as camadas sociais.
nal. Para tanto, baseado no direito indivi-
dual à educação, determinava que o Esta- A perspectiva dos pioneiros, portanto,
do, representante da coletividade, assumisse corrobora uma noção democrática de eli-
a responsabilidade da organização do en- te, àquela baseada na educação. Nesta
sino, com a tarefa de tornar a escola aces- concepção, à medida que a educação for
sível, em todos os seus graus, aos cida- estendendo a sua influência, despertadora
dãos mantidos em condições de inferiori- de vocações, vai penetrando até as cama-
dade econômica. Os pioneiros advertem, das mais obscuras, para aí, entre os pró-
3
Segundo Florestan (FERNANDES, 1995, p. 194-195) apesar das contradições que atravessavam o movimento dos pioneiros, os
esforços dessa “tangente burguesa” na área educacional devem ser elogiados por buscar colocar o Brasil num novo patamar. Era
uma utopia “reformista” de superação de etapas, mas uma utopia que visava oferecer a todas as classes sociais um mínimo de
dignidade. No entanto, estas “inteligências radicais”, seguidores da obra abolicionista, não lograram atingir os objetivos visados.
“Por quê? Porque no Brasil, para as elites das classes dominantes, o que era importante, o que era funcional, era deseducar, não
educar; educar os filhos das elites e deseducar a massa; manter a massa fora da escola ou então colocar a massa dentro da escola
como futura mão-de-obra, qualificada ou semiqualificada, de vários graus de desenvolvimento econômico.”
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prios operários, descobrir “o grande ho- la sem Deus, da família sem Deus”
mem, o cidadão útil”, que o Estado tem o (SCHWARTZMAN; BOMENY; COSTA,
dever de atrair submetendo a uma prova 1984, p. 55).
constante as idéias e os homens, para os
elevar e selecionar, segundo o seu valor ou Mas logo se consolidava o novo regi-
a sua incapacidade (GARCIA, 2002). So- me e a Igreja não tardaria em encontrar o
brevivia, desta forma, uma concepção eli- seu espaço. A referência para a ação vi-
tista com a renovada defesa da necessária nha do movimento mineiro de renovação
formação de “líderes condutores”, a mes- católica, que já na década de 20 estabele-
ma prioridade dos jesuítas no início do pro- ceu fortes laços com os grupos sociais em
cesso de desenvolvimento da estrutura edu- ascensão, sem deixar de corroborar anti-
cacional brasileira. gas ligações com o poder político conser-
vador. O próprio Alceu Amoroso Lima, ex-
Assim, fora a Igreja Católica, que se poente deste movimento, reconhecendo
opunha ao ensino laico e ao monopólio uma “corrente racional, tradicional e cris-
estatal (em descarte no próprio Manifesto), tã” entre os revolucionários de 1930, cla-
nem mesmo a fase mais autoritária do pe- ma aos católicos à luta pela incorporação
ríodo varguista, durante o Estado Novo que de suas reivindicações no futuro estatuto
se inicia em 1937, deixou de incorporar o político do país.
ideário e a retórica escola-novista. As pri-
meiras impressões da Igreja sobre a Revo- O pacto toma forma numa carta do
lução de 1930 foram de precaução e as- ministro Francisco Campos a Getúlio Var-
sombro: significava a vitória do Movimen- gas. Na missiva de 18 de abril de 1931, o
to Tenentista, cerne de “perigosas” idéias, ministro defende as propostas de introdu-
baseadas na associação do liberalismo com ção do ensino religioso facultativo nas es-
o positivismo, propositora da substituição colas públicas e o reconhecimento consti-
da moral religiosa pela crença nos poderes tucional do catolicismo como a religião da
da técnica e da ciência como critérios para maioria dos brasileiros. No mesmo mês, de-
organização da vida e da ação social. É pois de 40 anos, o ensino religioso volta a
deste movimento que saíra, por exemplo, o ser permitido nas escolas públicas, dando
maior mito do socialismo brasileiro, o co- provas de que o processo o Estado laico
munista Luís Carlos Prestes. brasileiro era uma falácia. Mais do que um
sinal de confirmação do pacto, o decreto
Na esfera educacional, a subida de criou a expectativa no movimento católico
Getúlio Vargas ao poder, na visão da Igre- de que o Estado pudesse ouvir as reivindi-
ja, representava o fortalecimento dos ide- cações da Igreja contra o “processo de lai-
ais escola-novistas, que com a defesa do cização da vida social”. Entretanto, sinais
ensino laico e da escola pública coloca- posteriores vão demonstrar que a incorpo-
vam em risco o predomínio das escolas ração da Igreja ao projeto político de Fran-
confessionais. Nas palavras de Alceu Amo- cisco Campos tinha um caráter meramente
roso Lima, militante católico, o movimento instrumental, não correspondendo neces-
revolucionário poderia ser definido pela sariamente a uma convicção ética e religi-
“obra da Constituição sem Deus, da esco- osa mais profunda.
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No entanto, em todos estes momentos blica, que não consegue preparar seus alu-
históricos irá predominar a assistência ao nos para o ingresso universitário.
ensino das elites e o despropósito com a
universalização da educação popular, con- A esperança é que a partir de uma nova
dição necessária para a consolidação da conjuntura política essa importante dívida
democracia brasileira. Somente na década social seja resgatada para que o Brasil fi-
de 1990, durante os dois governos do ex- nalmente possa ingressar no rol das na-
presidente Fernando Henrique Cardoso, é ções que oferecem a sua população o maior
que o desenvolvimento do ensino fundamen- legado da civilização ocidental: o direito a
tal será estimulado a ampliar de forma efeti- uma educação que sirva não só para a
va as oportunidades de acesso, ainda que reprodução material e o desenvolvimento
em termos qualitativos4 continue a deman- econômico, como também para a eleva-
dar esforços significativos — sem contar os ção sociocultural que permita a constru-
desafios que significam o baixo atendimen- ção de uma identidade nacional soberana
to na educação infantil e a difícil questão do e solidária – a base de uma sociedade mais
ensino médio, principalmente o da rede pú- justa e democrática.
4
A baixa qualidade do ensino público brasileiro pode ser medida pelos altos índices de evasão e repetência, assim como pelas
avaliações internacionais que colocam os nossos alunos em patamares baixíssimos. Como causa principal, evidencia-se a
formação precária do corpo docente, que sofre com a desvalorização social da profissão e com a falta de estrutura e apoio na
maioria das instituições de ensino (INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS, 2003).
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Da hegemonia católica às primeiras tentativas de organização do ensino 955
ABSTRACT
The origins of Education in Brazil:
from the catholic hegemony until the
first attempts of teaching organization
This article analyzes the effects of the process of European modernization in Brazil, especially
in what refers to the delay of the introduction of a teaching structure organized based on
in a national system. In agreement with our hypothesis, in the same way as it lacked in
Brazil a social movement that it looked for the creation of a scientific ethos, of which the
European university system would be the great model, according to Simon Schwartzman’s
interpretation, the same happened for the constitution of a system of public education, of
character secular and universal.
Key-words: Education. History. Catholic Church. Higher education. Basic Education.
Republic.
RESUMEN
Los origenes de la educación en Brasil da
hegemonia católica a las primeiras tentativas
de organización de la enseñanza.
Este artículo analiza los efectos del proceso europeo de modernización en Brasil, sobre
todo en lo que se refiere al retraso de la introducción de una estructura de instrucción
organizada con base en un sistema nacional. De acuerdo con nuestra hipótesis, de la
misma manera como faltó en Brasil un movimiento social que buscara la creación de
genios científicos del cual el sistema universitario europeo sería el gran modelo, según la
interpretación de Simon Schwartzman, el mismo pasó para la constitución de un sistema
de educación pública, de carácter seglar y universal.
Palabras-clave: Educación. Historia. Iglesia Apostólica Romana. Educación Superior.
Educación Básica. República.
Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.12, n.45, p. 945-958, out./dez. 2004
956 Marcos Marques de Oliveira
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Correspondência
contatosineperj@urb.br
Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.12, n.45, p. 945-958, out./dez. 2004
colonial e desenvolver a metrópole assimilando as vantagens da exploração
TEXTO 10 da colônia, isto é, da comercialização de seus produtos” (NOVAIS, 1989, p.
295). Com efeito, “desenvolver a metrópole significava promover uma
sólida base de produção industrial para reduzir a defasagem que a apartava
dos centros mais desenvolvidos” (idem, ibidem). Esse objetivo de
promoção das manufaturas foi parcialmente atingido, tendo apresentado
uma curva crescente até 1801, quando passam a declinar. Entretanto, o
avanço obtido não foi suficiente para escapar à dependência inglesa. Nessas
condições Portugal adentrou o século XIX sob a forte pressão do Império
napoleônico francês que o obrigava a aderir ao bloqueio continental
decretado contra a Inglaterra, cujo desfecho implicou a transferência da
família real para o Brasil, sob proteção da frota britânica, ocorrendo o que
Novais chamou de “inversão do pacto”. Assim, se a Inglaterra, centro
e o século XVII assistia ao avanço da “máquina irradiador da revolução industrial, pôde romper unilateralmente o pacto
mercante” sobre os privilégios da nobreza e do clero, o colonial quando as colônias se tornaram onerosas, mantendo, porém, o seu
século XVIII encerra-se com o seu triunfo. A Inglaterra controle político, no caso de Portugal deu-se o contrário: a colônia
fizera sua revolução ainda no século XVII, em 1688, e um transformou-se na sede do governo (idem, p. 298).
século depois deslanchara o processo da Revolução Em suma, conforme Novais, a crise do sistema colonial colocou
Industrial no mesmo momento em que a Revolução Portugal diante de dilemas que se revelaram insolúveis. Em nível
Francesa marcava a vitória da sociedade burguesa sobre o internacional Portugal tinha na colônia sua moeda de troca para obter
Antigo Regime. O avanço da “máquina mercante” inglesa se impôs sobre proteção, mas isso transferia para a aliada protetora (Inglaterra) as
os portugueses desde a recuperação da autonomia, em 1640, depois de vantagens da relação colonial. Economicamente, para beneficiar-se da
oitenta anos de domínio espanhol. O pequeno reino fragilizado exploração da grande colônia, Portugal precisava desenvolver-se; mas a
compreendeu que, sem se ligar a uma grande potência, não poderia própria exploração da colônia era condição para seu desenvolvimento.
conservar seu império colonial. Celebrou, então, em meados do século Imaginou-se, então, como saída a integração traduzida na fórmula do Reino
XVII vários acordos com a Inglaterra (1642, 1654, 1661). O espírito desses Unido. Porém, para integrar-se, a metrópole precisava modernizar-se, o que,
tratados revestia-se sempre do mesmo teor: “Portugal fazia concessões no nível político, colocava um novo dilema: “mobilizar o pensamento
econômicas e a Inglaterra pagava com promessas ou garantias políticas” crítico para empreender as reformas, e contê-lo para que não revelasse a sua
(FURTADO, 1982, p. 33). face revolucionária. O ecletismo teórico e o reformismo prático não
Virtualmente a metrópole do grande império colonial luso se converteu conseguiam, pois, superar as agudas contradições por onde se manifestava a
em “colônia” da Inglaterra, que se tornou beneficiária principal de suas crise” (idem, p. 301).
riquezas. O Marquês de Pombal, advertindo-se dessa situação, intentou
desembaraçar-se da “máquina mercante” britânica buscando construir um
“mercantilismo ilustrado” sobre a base das riquezas geradas pela grande
colônia brasileira, projeto que assumiu contornos nítidos na formulação de
Azeredo Coutinho. Tratava-se de promover um surto manufatureiro na sede
do Império tendo como objetivo, “ao mesmo tempo, fomentar a produção
flexibilidade de pensamento como base para o exercício político da
conciliação nos vários domínios da vida nacional. Queria-se adotar o
liberalismo, mas desejava-se conciliá-lo com a tradição. Num primeiro
momento, a tarefa urgente era dar estrutura jurídico-administrativa ao novo
país. Nessa conjuntura o liberalismo pôde impor-se porque o jogo político
1. SILVESTRE PINHEIRO FERREIRA E O ficou restrito às elites. Assim, “o liberalismo existiu no berço do estado
ECLETISMO ESCLARECIDO brasileiro e permaneceu como ideologia dominante até mais ou menos a
maioridade de D. Pedro II” (DEBRUN, 1983, pp. 124-125). Mas, a partir dos
anos de 1830, manifestaram-se revoltas e agitações nas províncias em que
Junto com a família real chegou ao Brasil, em 1808, Silvestre Pinheiro “várias categorias de dominados (inclusive os mais humildes) chegaram a
Ferreira. Permaneceu no Brasil de 1809 a 1821, tendo, a partir de 1813, ser mobilizados por alguns dominantes, que, por uma ou outra razão,
ministrado um curso de filosofia no Real Colégio de São Joaquim, no Rio contestavam o poder central” (idem, p. 125). Iniciou-se, então, o “tempo
de Janeiro (PAIM, 1984, p. 255). A obra filosófica de Silvestre Pinheiro saquarema”, na expressão de Ilmar Mattos (1987), que se estendeu de 1837
Ferreira pode ser lida como um intento de conciliar Aristóteles, estudado a 1862. Aí a conciliação entrou em cena explicitamente como estratégia
por ele diretamente e sem a mediação da escolástica, com o pensamento política de disciplinamento e manutenção da ordem. Marco desse processo
moderno, sobretudo com a corrente empirista: “o empirismo de Pinheiro foi o fracasso da Revolução Praieira, em 1848. Depois disso os liberais
Ferreira representa uma curiosa conciliação entre Aristóteles e Locke” foram vencidos e aliciados pelos conservadores, impondo-se o mecanismo
(idem, p. 260). da conciliação que, assumida intencionalmente, se converte na orientação
Silvestre Pinheiro Ferreira, além de filósofo e filósofo político, foi política dominante no Segundo Império ao longo da década de 1850.
também político, tendo se tornado figura eminente na fase final da Ora, a base filosófica da política de conciliação pode ser identificada no
permanência de Dom João VI no Brasil, quando ocupou as pastas do ecletismo. Como vimos, as reflexões filosóficas associadas à prática
Exterior e da Guerra. Visando a contribuir para completar as reformas docente e política de Silvestre Pinheiro Ferreira prepararam o advento
iniciadas por Pombal, ele buscava encontrar um lugar para o liberalismo formal dessa corrente filosófica que se estrutura nas décadas de 1830 e
político num sistema filosófico coerente que se harmonizasse com o 1840 e se torna dominante na década de 1850, encontrando, no sistema
pensamento tradicional incorporado à cultura portuguesa. Manifestando proposto por Victor Cousin, sua formulação mais acabada.
clara preferência pela monarquia constitucional sobre o regime republicano Victor Cousin foi professor de filosofia na Escola Normal de Paris
e reconhecendo a necessidade da reforma das instituições, afastava a via desde 1814, tornando-se, no reinado de Luiz Filipe (1830-1848), uma
revolucionária, optando pela transição sem lutas nem rupturas. Político espécie de filósofo oficial quando chegou a ser reitor da universidade e
reformista guiado pela estratégia da conciliação, pode-se concluir que ministro da Instrução Pública. Conhecido como “ecletismo espiritualista”,
Silvestre Pinheiro Ferreira se definia, em filosofia política, por um seu sistema foi adotado como filosofia oficial no Colégio Pedro II. Em
liberalismo moderado e, em filosofia, encaminhava-se para o ecletismo. consequência, tornou-se obrigatório nas demais instituições de ensino
Conforme Paim, foi ele “a grande figura” que formou o espírito dos secundário, como o ilustra o caso do Liceu Mineiro (LEITE, 2005), e nos
conservadores brasileiros “entre outras coisas por haver aberto o caminho cursos anexos de faculdades, ganhando a adesão de professores e de
ao ecletismo, no plano estritamente filosófico” (idem, p. 279). importantes figuras do campo intelectual como Mont’Alverne e Gonçalves
Os dilemas vividos nas relações entre Portugal e sua maior e principal de Magalhães no Rio de Janeiro, Eduardo Ferreira França na Bahia e
colônia introduziram um razoável grau de complexidade ao processo de Antonio Pedro de Figueiredo em Pernambuco.
transição para o Brasil independente. Essa situação exigia certa
presente reiteradamente nos discursos das autoridades, de modo geral,
assim como dos parlamentares, refletindo-se na Comissão de Instrução
Pública que, entretanto, não conseguia objetivar num projeto a necessidade
proclamada de um plano geral para a organização da instrução pública.
No contexto dos debates, um dos membros da Comissão, Martim
2. AS IDEIAS PEDAGÓGICAS NOS DEBATES Francisco Ribeiro d’Andrada Machado3, reapresentou a memória que havia
DA ASSEMBLEIA CONSTITUINTE DE 1823 proposto para a reforma dos estudos na capitania de São Paulo, em 1816.
A Memória de Martim Francisco, como ficou conhecida, foi estruturada
em 12 capítulos. Consistia num plano amplo e detalhado que previa a
Após a Proclamação da Independência, em 1822, a tarefa de dar organização do conjunto da instrução pública dividida em três graus: o
estrutura jurídico-administrativa para o novo país impunha, como primeiro primeiro grau cuidaria da instrução comum tendo como objeto as verdades
passo, a elaboração e promulgação de uma Constituição. Por Decreto e os conhecimentos úteis e necessários a todos os homens, e teria a duração
baixado em 3 de junho de 1822, Dom Pedro I convocou a Assembleia Geral de três anos, abrangendo a faixa etária dos 9 aos 12 anos de idade. O
Constituinte e Legislativa. No discurso de inauguração e instalação dos segundo grau, com a duração de seis anos, versaria sobre os estudos básicos
trabalhos da Assembleia Constituinte, em 3 de maio de 1823, o imperador referentes às diversas profissões. E o terceiro grau se destinaria a prover
destacou a necessidade de uma legislação especial sobre instrução pública. educação científica para a elite dirigente do país.
A via encontrada pela Comissão de Instrução Pública da Assembleia Geral Conforme revelado por Paul Arbousse Bastide na banca examinadora
Constituinte e Legislativa para atender a essa necessidade foi a do trabalho de José Querino Ribeiro sobre a Memória de Martim Francisco,
apresentação de um projeto que procurava, mediante a instituição de um apresentado na USP em 1943, o texto de Martim Francisco é, em grande
prêmio à melhor proposta, estimular o surgimento de um “Tratado parte, cópia dos Écrits sur l’instruction publique de Condorcet.
Completo de Educação da Mocidade Brasileira”. Eis a versão preliminar do De fato, em Cinq mémoires sur l’instruction publique, podemos
projeto apresentada na sessão de 4 de junho de 1823: encontrar as ideias básicas contidas na Memória de Martim Francisco. Mas
o texto de Condorcet foi alterado, de modo que se ajustasse a um perfil
1º Será reputado benemérito da pátria e como tal condecorado com a Ordem Imperial do
Cruzeiro, ou nela adiantado se já a tiver, aquele cidadão que até o fim do corrente ano ideológico algo distinto, esposado pelo autor brasileiro, conforme esclarece
apresentar à Assembleia melhor tratado de educação física, moral e intelectual para a mocidade Querino Ribeiro: se Condorcet inicia seu ensaio se referindo a sociedade e
brasileira.
2º Uma comissão composta de sete cidadãos de conhecida literatura e patriotismo,
cidadãos, Martim Francisco fala em soberanos e vassalos e a palavra
nomeados pela Assembleia, decidirá qual dos tratados oferecidos merece a preferência. “igualdade”, que aparece frequentemente no texto de Condorcet, está
3º Não havendo concorrência e aparecendo um só tratado, ainda assim verificar-se-á o inteiramente ausente na Memória de Martim Francisco (RIBEIRO, 1945, p.
prêmio determinado pelo parágrafo primeiro se a comissão o julgar digno de ser impressa
[ANNAES, 1823a, p. 80].
89). Observe-se também que, enquanto no plano de Condorcet a instrução
de primeiro grau teria a duração de quatro anos, Martim Francisco justifica
As discussões que se travaram em torno desse projeto, embora tenham a fixação em três anos da seguinte forma:
derivado para aspectos secundários ligados à validade ou não do prêmio, à Talvez pareça curta, e inexata a duração deste curso, e antecipado o termo médio, sabendo-
sua natureza e valor, revelaram, pelo próprio enunciado da questão posta em se as matérias, que nele se devem ensinar; mas esta objeção esvaecerá e tornar-se-á de nenhum
debate, a importância do tema que requeria solução urgente e prioritária: a valor, quando se refletir, que nos países quentes sendo mais prematuro o desenvolvimento
físico, e este andando de par com o intelectual, o menino mais cedo se desenvolve, com mais
organização de um sistema de escolas públicas, segundo um plano comum, facilidade, em menor tempo aprende um maior número de verdades [MACHADO, 1945, p.
a ser implantado em todo o território do novo Estado. Essa aspiração esteve 469].
Como se vê, a concepção laica de escola, na forma como começava a sentido amplo e aberto do termo “educação”, que se reporta aos “valores e
ser formulada pela burguesia triunfante, tendeu a ser apropriada pela elite opiniões subjetivas e privadas”, dizendo respeito à “totalidade aberta e
que esteve à testa do processo de independência e da organização do Estado problemática de cada ser humano” (idem, ibidem). Em lugar de “educação
brasileiro, ajustando-a, porém, às peculiaridades dessa situação particular. E nacional”, prefere sempre a denominação “instrução pública” (COUTEL,
o recurso a Condorcet não deixa de ser significativo, pois é, com certeza, 1989, p. 245).
nele que encontramos a expressão mais elaborada da íntima relação entre Na primeira memória sobre a instrução pública, Condorcet apresenta
Estado e escola na perspectiva liberal, expressa nas Cinco memórias sobre a três razões em defesa da tese de que “a educação pública deve se limitar à
instrução pública, publicadas em 1791 (CONDORCET, 1989), conforme o instrução”. À parte a segunda razão atinente aos direitos dos pais e a
seguinte plano: primeira memória – natureza e objeto da instrução pública; terceira, referida à independência de opiniões, a primeira razão apontada diz
segunda memória – da instrução comum para as crianças; terceira memória respeito à diferença necessária dos trabalhos e das posses que impede que
– sobre a instrução comum para os homens; quarta memória – sobre a se dê à educação pública maior amplitude. Argumenta, então, que, embora
instrução relativa às profissões; quinta memória – sobre a instrução relativa sendo todos os homens livres e possuindo os mesmos direitos, uma grande
às ciências. parte dos filhos dos cidadãos é destinada a ocupações duras que tomarão
Conforme esclarece Condorcet, a instrução é necessária porque evitar o todo o seu tempo; uma outra parte, cujos recursos dos pais permitem
erro é condição essencial da liberdade. Só o caráter de verdadeira pode dar destinar mais tempo a uma educação mais extensa, tem acesso a profissões
legitimidade a uma decisão e justificar que um ser humano a ela se mais lucrativas; por fim os que, nascidos com uma fortuna independente,
submeta. E como não se tem garantias plenas de se atingir a verdade, cabe podem dedicar-se inteiramente a uma educação que lhes assegure os meios
proceder de modo que se possa provar que foram levadas em conta todas as de uma vida feliz (CONDORCET, 1989, pp. 57-58). Conclui, assim, que é
garantias acessíveis contra o erro. Eis por que as decisões tomadas em “impossível submeter a uma educação rigorosamente idêntica homens cuja
assembleia são preferíveis àquelas tomadas individualmente. Isso faz com destinação é tão diferente” (idem, p. 58). Portanto, a educação pública deve
que um indivíduo esclarecido tenha boas razões para delegar a decisão, à limitar-se à instrução, já que esta é passível de ser graduada, escalonada, ao
medida que considera que por essa forma haverá maior probabilidade de se passo que uma educação comum tem que ser completa; caso contrário, ela
evitar o erro. Segue-se, pois, a necessidade da instrução, que se impõe será nula e até mesmo prejudicial (idem, pp. 56-72).
duplamente: em primeiro lugar, politicamente, “porque se um povo é Coerentemente, a Memória de Martim Francisco também está referida à
soberano ele pode, por falta de conhecimentos, se tornar seu próprio instrução, tendo sido dirigida inicialmente à reforma dos estudos da
tirano”. Em segundo lugar, filosoficamente, “porque aquele que ignora está Capitania de São Paulo com o objetivo de promover uma instrução comum
sempre num estado de dependência; alienado que está à opinião difundida e a todos os povos da capitania. Reapresentada na Assembleia Constituinte e
à espontaneidade de suas próprias paixões, ele não é jamais o autor de suas Legislativa, recebeu parecer favorável da Comissão de Instrução Pública na
decisões. Não há liberdade sem autonomia da razão” (KINTZLER, 1989, p. sessão de 7 de julho de 1823. O parecer, reconhecendo nela qualidades no
13). método de ensinar e aprender, na classificação e graduação dos
Além de necessária, a instrução deve ser pública, pois ela diz respeito conhecimentos, na indicação das matérias, na escolha dos compêndios,
ao exercício da soberania, sendo, assim, uma questão de liberdade pública e lamenta os prejuízos à instrução pública acarretados pela sua não adoção. E
não de liberdade privada. Sem ela o novo soberano, o povo, não pode recomenda que seja publicada às expensas do tesouro público, devendo
exercer a soberania. Cabe, portanto, ao poder público garantir sua servir imediatamente como guia para os professores e para os autores de
homogeneidade, desenvolvê-la e protegê-la. compêndios.
Note-se que Condorcet se refere sempre à instrução. Para ele, o conceito No entanto, a Memória de Martim Francisco, assim como o próprio
hoje generalizado de “educação nacional” seria incoerente em razão do projeto de estímulo ao “Tratado Completo de Educação da Mocidade
Brasileira” foram deixados de lado. E a Comissão de Instrução Pública para “as outras religiões” corresponde ao espírito do pensamento moderno,
concentrou suas atenções num outro projeto, o de criação de universidades. de teor liberal, que remeteu a questão da fé religiosa para a esfera privada.
Depois de acalorados debates, o projeto foi aprovado na sessão de 4 de A religião católica, no entanto, recebeu tratamento diferenciado ao ser
novembro, nos seguintes termos: incorporada ao Estado na forma do padroado.
Entre nós se tem cometido em matéria de ensino primário um erro duplo. O Estado,
cuidando pouco de generalizar e derramar o ensino, cria ao mesmo tempo embaraços à
iniciativa individual e à liberdade. Ao lado do ensino primário gratuito e obrigatório deve
marchar e se desenvolver o ensino livre. O Estado deve exercer uma inspeção salutar sobre a
liberdade de ensino, mas não criar-lhe embaraços e dificuldades. O desenvolvimento do ensino 6. AS IDEIAS PEDAGÓGICAS NA REFORMA
livre limita a necessidade do ensino oficial e traz economia para o Estado, cuja inspeção salva
os interesses da moral e da ordem social [idem, pp. 61-62]. LEÔNCIO DE CARVALHO
O Plano da Seção de Instrução Secundária começava com a seguinte Nas circunstâncias do rompimento da sociedade com Epiphanio Reis e
observação: considerando o agravamento da epidemia de febre amarela no Rio de
Janeiro, decidiu Abílio César Borges transferir-se para Barbacena, em
Esta seção dura regularmente sete anos, podendo, entretanto, ser reduzida a 4 ou 5, ou Minas Gerais, onde abriu em 3 de fevereiro de 1881 um novo Colégio
estendida a mais, conforme a inteligência e a aplicação dos alunos; e compreende os Abílio. No Rio de Janeiro, em 15 de março de 1883, o Colégio Abílio foi
preparatórios exigidos para a matrícula nas diversas faculdades do Império, assim como a
prática de falar as línguas francesa e inglesa, e o ensino teórico e prático da língua alemã, para reaberto por seu filho Joaquim Abílio Borges que o dirigiu juntamente com
aqueles que quiserem aprender esta língua [idem, ibidem]. seu irmão, Abílio César Borges Filho, até sua extinção em 1911. O Colégio
de Barbacena funcionou até 1888, quando o já então Barão de Macahubas verdadeiros mestres, não os podem fazer os laboratórios sociais, ainda os
decidiu voltar ao Rio de Janeiro, onde faleceu no dia 17 de janeiro de 1891. mais aperfeiçoados; – existem feitos: só a natureza os cria” (idem, ibidem).
Abílio César Borges cultivara a amizade do imperador Dom Pedro II, A vocação educativa é, em suma, um dom. E onde encontrar essas
que visitara o seu colégio na Bahia em 1859. Alguns anos mais tarde, tendo vocações? Esses mestres que existem nas entranhas insondáveis da
vagado a Reitoria do Colégio Pedro II, o imperador o convidou para sociedade serão encontrados nas próprias escolas primárias: “os mestres
assumir esse cargo. Não o aceitando, Abílio foi pessoalmente agradecer a comuns, ainda os menos hábeis, […] descobrem instintivamente entre os
honrosa distinção. “Vendo o Imperador que Abílio não desejava um cargo discípulos quais os dotados de faculdades educativas e os sabem logo
público, sugeriu-lhe a ideia de se transferir para o Rio. Aquiesceu, sob a escolher para seus monitores e ajudantes” (idem, p. 126). E, uma vez
condição de merecer o apoio de Sua Majestade” (ALVES, 1942, p. 134). descobertos os futuros mestres, trata-se de prepará-los. E como fazê-lo? “Só
Tendo se mudado para o Rio de Janeiro em 1871, Dom Pedro II o indicou nas escolas normais: e em particular – escolas normais internatos” (idem, p.
para o Conselho de Instrução Pública da Corte, mandato que ele exerceu de 148).
1872 a 1877. No dia 30 de julho de 1881 recebeu, por decreto imperial, o Em seguida o Barão passa a justificar a conclusão antes apresentada.
título de Barão de Macahubas. No ano seguinte foi enviado, como delegado Para ele não convém criar Escolas Normais senão nos grandes centros, isto
do Brasil, ao Congresso Pedagógico Internacional de Buenos Aires. Essa é, nas capitais das províncias. Assim sendo, se forem constituídas na forma
amizade com o imperador levou José Gonçalves Gondra a considerar as de externatos, essas escolas serão frequentadas por “indivíduos
ideias pedagógicas do Barão de Macahubas como representando “uma desclassificados que não se reconhecendo com préstimos para ocupações
posição extraoficial do Império brasileiro” (GONDRA, 1998b, p. 1). sérias, muitas vezes ociosos, frequentadores das ruas e dos cafés” buscarão
No Congresso Pedagógico Internacional de Buenos Aires, destacou-se matricular-se apenas para se isentar do serviço militar ou obter com
sua participação na nona sessão realizada no dia 2 de maio de 1882, quando facilidade um diploma “com que possam continuar a viver sem fadiga e
proferiu um longo discurso abordando dois temas: o primeiro dizia respeito sem trabalho” (idem, pp. 149-150), não se dispondo, de forma alguma, a
à formação dos mestres das escolas primárias; e o segundo referiu-se aos ensinar nas aldeias. Inversamente, os internatos garantiriam a aquisição ou
“melhores meios de nas escolas sustentar a disciplina e de fomentar nos afirmação dos “hábitos de ordem, de trabalho, de obediência ao dever, de
meninos o gosto pela instrução” (MACAHUBAS, 1882, p. 184). Como concentração e desprendimento do viver agitado do mundo, hábitos estes
resposta à primeira questão, ele propôs aos Estados nacionais a fundação de sem os quais não concebo um bom mestre ou uma boa mestra de escola”
Internatos Normais. E para equacionar o segundo problema ele preconizou (idem, p. 150). Desse modo, com a criação de Internatos Normais, estes
a abolição nas escolas de todo e qualquer tipo de prêmio ou castigo. receberiam gratuitamente jovens pobres do interior, os quais, terminado o
A argumentação apresentada para a defesa dessas duas teses pode ser, curso, voltariam para as respectivas cidades, vilas ou aldeias para reger as
resumidamente, assim exposta: escolas tendo uma vida simples, mas feliz.
b) em relação à segunda tese, o Barão de Macahubas lembra que, desde
a) É “coisa universalmente incontroversa que sem bons mestres não o início de suas atividades no campo da educação, ele se posicionou
pode haver boas escolas, não pode haver bom ensino” (idem, p. 125). E a contrariamente aos castigos. E cita passagens do discurso que proferiu em
falta de bons mestres é sentida por todos os países, mesmo aqueles mais 1858, quando da inauguração de seu primeiro colégio, tendo retomado o
adiantados como os da Europa e os Estados Unidos. E onde será possível mesmo assunto num outro discurso proferido em 1861 em que, após trazer
encontrar os mestres tão requeridos por todas as nações? Por toda a parte se em apoio à sua tese o testemunho de grandes educadores antigos e
acreditou que garantindo boas condições de trabalho, de vida e de salários modernos, considerava que, se “o emprego dos castigos torna o mister dos
surgiriam homens de talento que se converteriam em mestres exemplares. mestres mais fácil, custando-lhes muitíssimo menos que o da doçura e da
Completo engano, afirma o Barão de Macahubas: “os legítimos, os insinuação” (idem, p. 154), em contrapartida, “se lhes custa menos, muito
menos conseguem, visto como por meio dos castigos não alcançam jamais 12. Quarto Livro de Leitura (com a colaboração de Joaquim Abílio
o verdadeiro fim da educação, que é persuadir os espíritos e inspirar-lhes o Borges), 1890;
amor sincero da virtude” (idem, ibidem). E isso é assim tanto na educação 13. Quinto Livro de Leitura (com Joaquim Abílio Borges), 1890 (?)
moral como na intelectual, em que o mestre deve utilizar “todos os meios [ALVES, 1942, pp. 146-161].
para tornar agradáveis aos meninos as coisas que deles se exigem” (idem, p.
155). Além dos textos didáticos, Isaías Alves menciona também os aparelhos
Quanto aos prêmios, o barão confessa que os distribuiu regularmente escolares inventados ou introduzidos nas escolas pelo Barão de Macahubas
durante 16 anos. A partir de 1875, entretanto, aboliu-os, pois se convenceu (idem, pp. 164-169). Em seguida o mesmo autor relaciona discursos,
de sua inteira inutilidade e, mais do que isso, da danosa influência que conferências e memórias escritos pelo Barão, num total de 18 títulos, além
exerciam sobre o espírito das crianças. Com efeito, observou ele que tanto de outros 11 títulos referidos à sua obra ou ao seu colégio, escritos por
os premiados como os que nenhum prêmio recebiam continuavam com o outros autores (idem, pp. 169-174).
mesmo comportamento e a mesma aplicação nos estudos, com uma Dentre as obras por ele escritas, no entanto, talvez a mais importante, ao
diferença, porém: “os primeiros se tornavam cada vez mais orgulhosos e menos do ponto de vista da exposição de suas ideias pedagógicas, seja A lei
vaidosos, e portanto menos tratáveis, e os outros, ou desanimavam, ou nova do ensino infantil, editada em 1884 em Bruxelas. Trata-se de uma obra
tornavam-se piores, enfezados pela humilhação sofrida diante de seus rara. José Gonçalves Gondra informa ter encontrado um exemplar no
colegas e de seus pais e parentes” (idem, pp. 155-156). acervo do IEB-USP, fazendo referência à existência de um outro na
Constata-se nas atas do Congresso que as teses defendidas pelo Barão Biblioteca da Faculdade de Direito da USP. O texto por mim analisado é
de Macahubas tiveram grande aceitação uma vez que a leitura de sua fotocópia de um exemplar encontrado num sebo pelo professor Gilberto
dissertação “foi interrompida por repetidas manifestações de aprovação” Luiz Alves, da UFMS.
(idem, p. 185). Os livros do Barão de Macahubas eram distribuídos gratuitamente pelas
Os escritos do Barão de Macahubas constituem-se predominantemente escolas de todo o país. O escritor Raul Pompeia, que frequentou como
de compêndios para uso nas escolas. Eis, a seguir, a relação de suas obras: interno o Colégio Abílio, compôs o romance O Ateneu com base em sua
experiência de aluno. A figura do Dr. Abílio é ridicularizada no personagem
1. Epítome da Gramática Portuguesa,1860; de Aristarco Argolo de Ramos: “O Ateneu era o grande colégio da época.
2. Epítome da Gramática Francesa, 1860; Afamado por um sistema de nutrido reclame, mantido por um diretor que de
3. Epítome da Geografia Física, 1863; tempos a tempos reformava o estabelecimento, pintando-o jeitosamente de
4. Primeiro Livro de Leitura,1886; novidade, como os negociantes que liquidam para recomeçar com artigos de
5. Segundo Livro de Leitura,1886; última remessa” (POMPEIA, 1997, p. 32). Assim, o Colégio granjeou a
6. Terceiro Livro de Leitura, Bruxelas, 1871; preferência das famílias abastadas:
7. Os Luzíadas [sic] (texto com a supressão das estâncias que não De fato, os educandos do Ateneu significavam a fina flor da mocidade brasileira. A
devem ser lidas por meninos), 1879; irradiação do reclame alongava de tal modo os tentáculos através do país, que não havia
família de dinheiro, enriquecida pela setentrional borracha ou pela charqueada do Sul, que não
8. Pequeno Tratado de Leitura em voz alta (tradução do texto de reputasse um compromisso de honra com a posteridade doméstica mandar dentre seus jovens,
Ernesto Legouvé), 1879; um, dois, três representantes abeberar-se à fonte espiritual do Ateneu [idem, p. 33].
9. Desenho linear ou Geometria Prática Popular, 1876;
10. Novo Primeiro Livro de Leitura – Leitura Universal, 1888; Raul Pompeia prossegue, em sua ironia:
11. Cantos – Ensino da Música nas Escolas, Colégios e Famílias, 1888;
O Dr. Aristarco Argolo de Ramos, da conhecida família do Visconde de Ramos, do Norte, deliberadamente com o propósito de explicitar sua concepção pedagógica,
enchia o império com o seu renome de pedagogo. Eram boletins de propaganda pelas
províncias, conferências em diversos pontos da cidade, a pedidos, à sustância, atochando a como esclarece o autor logo no primeiro parágrafo do referido texto:
imprensa dos lugarejos, caixões, sobretudo de livros elementares, fabricados às pressas com o
ofegante e esbaforido concurso de professores prudentemente anônimos, caixões e mais Havendo eu anunciado a instituição, no Colégio Abílio da Corte, de um curso especial de
caixões de volumes cartonados em Leipzig, inundando as escolas públicas de toda a parte com instrução primária, segundo a que eu chamo – Lei nova do ensino infantil, isto é, segundo os
a sua invasão de capas azuis, róseas, amarelas, em que o nome de Aristarco, inteiro e sonoro, princípios da pedagogia moderna e os meus próprios descobrimentos na matéria, julgo
oferecia-se ao pasmo venerador dos esfaimados de alfabeto dos confins da pátria. Os lugares conveniente expor em que consiste essa Lei nova, cujo conhecimento poderá aproveitar aos
que os não procuravam eram um belo dia surpreendidos pela enchente, gratuita, espontânea, pais de família para a educação de seus filhos, e aos mestres para a de seus discípulos, si
irresistível! E não havia senão aceitar a farinha daquela marca para o pão do espírito. E razoáveis e proveitosas julgarem as ideias que lhe servem de fundamento [MACAHUBAS,
engordavam as letras, à força, daquele pão. Um benemérito. Não admira que em dias de gala, 1884, p. 5].
íntima ou nacional, festas do colégio ou recepção da coroa, o largo peito do grande educador
desaparecesse sob constelações de pedraria, opulentando a nobreza de todos os honoríficos
berloques [idem, p. 32]. Vê-se por aí que, mesmo nesse trabalho com intenção teórica explícita,
o móvel principal continua sendo o proveito que poderá trazer aos
Como assinala Maria de Lourdes Mariotto Haidar, educadores, sejam eles pais de família ou mestres de escola. Em
contrapartida, apesar da intenção teórica, o texto não se caracteriza,
a ironia do autor do Ateneu deixa, contudo, incontestes os fatos. Na verdade, não eram apenas propriamente, por uma exposição sistemática das ideias pedagógicas do
as escolas públicas da Corte e das capitais das províncias que recebiam, aos milhares, os autor. O tom dominante é o das referências fatuais, dos exemplos extraídos
donativos do Barão de Macahubas. A prodigalidade de Abílio, exuberantemente divulgada
pelos jornais da Corte e periódicos provinciais, estendia-se às mais remotas e humildes de sua própria prática assim como de outros autores e de outros países.
localidades do Império [HAIDAR, 1972, p. 198]. Procurarei, pois, identificar na dispersão de suas obras suas principais ideias
pedagógicas. Para isso me servirei principalmente dos elementos reunidos
Conforme informação de Isaías Alves, “cerca de 400.000 volumes das por Isaías Alves no livro Vida e obra do Barão de Macahubas e, em
suas obras didáticas se distribuíram gratuitamente por todas as províncias” especial, na dissertação apresentada no Congresso Pedagógico Internacional
(ALVES, 1942, p. 145). de Buenos Aires e no texto A lei nova do ensino infantil, organizando-as de
Autodidata em matéria de educação, o Barão de Macahubas construiu acordo com o seguinte roteiro: a) concepção de homem e de infância e
sua concepção educativa e a difundiu em estreita relação com a sua própria aprendizagem; b) o papel da escola e sua organização; c) conteúdos do
experiência na área, primeiro ao exercer a função de diretor geral da ensino; d) os métodos de ensino; e) a proeminência da educação moral.
Instrução Pública da Bahia e depois à frente dos colégios que fundou e
dirigiu. Ora, se por ideias educacionais entendermos as ideias referidas à
educação consideradas de forma geral, independentemente de seu influxo
no fenômeno educativo, e por ideias pedagógicas entendermos as ideias a) Concepção de homem e de infância e
educacionais consideradas, porém, não em si mesmas, mas na forma como aprendizagem
se encarnam no movimento real da educação orientando e, mais do que
isso, constituindo a própria substância da prática educativa, então o
conceito de ideias pedagógicas se aplica com plena adequação à concepção Em termos gerais, a visão de homem e de mundo de Abílio César
educativa de Abílio César Borges. Em consequência de seu autodidatismo e Borges inseria-se no âmbito da mundividência católica. Dá testemunho
da íntima ligação de seu pensamento com suas ações no campo educativo, disso o lugar que ocupa a religião no currículo de suas escolas, o fato de
não se encontra uma exposição sistemática de suas ideias. Estas acham-se sempre contar com padres como capelães e professores em seus colégios e
espalhadas pelos seus compêndios, discursos, cartas e conferências, o apoio recebido dos arcebispos da Bahia. Julgava mesmo “de suma
excetuando-se apenas o texto A lei nova do ensino infantil, escrito importância obrigar os professores, quer públicos, quer particulares, a
conduzirem seus alunos à missa uma vez por semana, estabelecendo-se uma segundo a qual “grande alívio é para o espírito a variedade bem calculada
pena para os que não cumprirem esta obrigação” (ALVES, 1942, p. 38). Por das tarefas” (idem, ibidem). Assim será possível aliviar grandemente a
isso entendia que era preciso ser mais exigente com os estrangeiros, fadiga dos alunos no processo de aprendizagem.
principalmente no que respeita à religião, perguntando-se se seria
conveniente consentir que um protestante viesse estabelecer entre nós “uma
casa de educação para a mocidade” (idem, pp. 37-38). Entendia que o
homem é um “espírito, que é uma emanação de Deus, de Deus que é todo b) Papel da escola e sua organização
puro amor”, havendo “na alma humana uma tal nobreza inata” decorrente
da “onipotente bondade da Providência” (MACAHUBAS, 1882, p. 152). Mas,
nas condições da segunda metade do século XIX, essa visão já incorporava A partir dessa concepção de homem, infância e aprendizagem, o Barão
elementos do liberalismo: “o mestre não foi encarregado pela natureza de de Macahubas considera que “em regra não quer a Lei nova que comece o
guiar um escravo, de formar um soldado, de preparar um ministro dos ensino da escola senão aos 7 anos, e nunca antes dos 6. Antes de tais idades
altares etc., mas de educar um homem; isto é, um ente razoável e livre, aprendem as crianças mais e melhor no seio de suas famílias. A vida
tornando-o apto para as diversas carreiras sociais” (idem, ibidem). Dado pautada da escola, principiada antes do tempo próprio, acanha fatalmente o
que a liberdade existe sempre no homem, ainda que latente, “de todo o desenvolvimento do corpo, senão também o da inteligência” (idem, p. 17).
ensino recebido, a alma não toma senão aquilo que ela quer”. Portanto, “a Por isso ele era contrário aos jardins de infância, chegando mesmo a
autoridade, de um lado (quero dizer a autoridade esclarecida pela sabedoria considerar que a escolarização das crianças de 3 a 5 anos é “coisa que
e animada pelo amor), e a confiança, do outro, tal é a condição de uma repugna à natureza, e portanto absurda, tendo além disto seu lado ridículo”
educação liberal” (idem, pp. 152-153). Logo, todos os meios utilizados na (ALVES, 1942, p. 54).
educação do homem “devem ter um caráter liberal, nobre, generoso, próprio Em média, a educação básica, compreendendo a escola primária e a
a manter nele a altivez, a espontaneidade, a elevação dos sentimentos, em secundária, teria a duração de oito anos, abrangendo, já, os estudos
uma palavra, tudo que faz a dignidade do homem”, a qual, por sua vez, “é preparatórios para ingresso nos cursos de nível superior. A sequência dos
inseparável da liberdade” (idem, p. 153). Daí se segue a sua concepção de estudos era, pois, caracterizada por uma seriação metódica, diferentemente
infância e de pedagogia: “a criança é um ente pensante, ativo, moral, do que então ocorria nos cursos de preparatórios, nos quais predominava o
influído por afetos e paixões que convém regular, mas nunca violentar pela regime parcelado. Defendia a coeducação dos sexos e dava preferência para
coação ou destruir pela tirania”. E a pedagogia, por seu turno, “tem por fim o regime de internato, sendo que, para a formação dos professores que iriam
cultivar a razão sem martirizar a sensibilidade: a sua missão é alumiar o atuar nas escolas primárias, esse regime era entusiasticamente preconizado
espírito com o facho da ciência, e confortar o ânimo com os perfumes do por ele como a única forma de se instaurarem Escolas Normais aptas a
amor” (idem, ibidem). Com efeito, entendia ele que “o corpo é uma garantir a adequada preparação dos futuros mestres de escola. O Dr. Abílio
máquina complicadíssima, cujo destino é o serviço da mente: e, pois, tanto tinha uma visão aristocrática do ensino secundário, como se depreende
melhor serviço prestará, quanto mais perfeito, mais forte. Em suma, quanto desta manifestação registrada à página 28 do Relatório que elaborou em
mais são for” (MACAHUBAS, 1884, p. 21). Dado que, descontadas apenas as 1856 na condição de diretor-geral da Instrução Pública da província da
horas de sono, “a lei de cada momento na vida” é “a atividade incessante do Bahia:
espírito”, a capacidade de aprendizagem do ser humano é ilimitada e “o
Distribuída com muita profusão e pouco discernimento, a educação secundária inspira aos
repouso não é, pois, outra coisa na realidade senão uma troca, uma mudança mancebos das classes inferiores o desprezo de seus iguais e o desgosto de seu estado,
de caminho ou de horizonte no curso de nossa atividade espiritual” (idem, granjeando-lhes uma espécie de enganadora superioridade que mais não lhes permite
p. 23). Segue-se, assim, que a moderna pedagogia deve guiar-se pela regra contentarem-se com uma existência obscura, e que entretanto não lhes dá essa superioridade
real que poucos homens têm recebido da natureza, e que nenhuma educação poderia adquirir: e
dest’arte ela povoa a sociedade de membros sem préstimos, que lhe levam o espírito de Dr. Abílio manifestava a sua estranheza ao observar a ausência da língua
insubordinação, o desejo de mudanças e uma ambição inquieta e vaga a que não pode
satisfazer uma situação sempre incerta e que se move em todos os sentidos para adquirir portuguesa nos programas dos exames de preparatórios para ingresso nos
abastança ou autoridade [idem, p. 70]. cursos superiores. Referindo-se ao desconhecimento que grassava entre os
jovens no que se refere à ortografia e à gramática da língua portuguesa,
Não encontrei referências do Barão de Macahubas sobre a questão da apresenta vários argumentos que justificavam a inclusão dessa matéria no
universidade ou do ensino superior, de modo geral. rol dos exames exigidos para matrícula nas diferentes faculdades. Em
consequência, a 30 de outubro de 1869 o ministro do Império Paulino de
Souza decretava a inclusão do português como um dos preparatórios
exigidos para ingresso nos cursos superiores.
c) Os conteúdos do ensino Seguindo o princípio de que nada se devia obrigar a mocidade aprender
que lhe não fosse de utilidade, priorizava no ensino das línguas estrangeiras
o aprendizado prático, segundo o método direto baseado na conversação e
Para o autor da Lei nova o ensino compreendia um “programa largo e fazendo preceder o ensino de francês e inglês ao de latim. Advogava o
complexo”, abrangendo “as noções elementares de quase todos os estudo sério da história e que se desembaraçasse a filosofia das questões
conhecimentos humanos, quer científicos, quer literários” (MACAHUBAS, especulativas e transcendentes, não acessíveis aos jovens de 15 e 16 anos,
1884, p. 17). Mais especificamente, esclarece ele que o ensino, no curso reduzindo-a à lógica simplesmente. Em suma: “é em favor do estudo da
primário, compreendia história geral e da particular do Brasil; é em favor do estudo aprofundado da
os elementos de geometria linear, plana e no espaço, de cálculo concreto e abstrato, de
língua nacional e das matemáticas, que eu quisera ver reduzidos os exames
geografia e cosmografia, de mineralogia, geologia, botânica, zoologia, física, química mineral de línguas estranhas e o de geografia a proporções razoáveis” (idem, p. 94).
e orgânica, anatomia e fisiologia, história do Brasil, higiene, economia política, agricultura, Assim, com a ênfase na língua vernácula e nos estudos científicos, o Barão
direitos e deveres do homem, gramática da língua vernácula sem livro, leitura, desenho e
escrita, conversação nas línguas francesa, inglesa, canto de ouvida [sic] e solfejo metódico, de Macahubas não conferia aos estudos clássicos a importância central
ginástica, dança e evoluções militares [idem, p. 19]. atribuída por outros grandes colégios da época, a exemplo do Caraça, de
Minas Gerais, e do próprio Colégio Pedro II, sediado na capital do Império.
Vê-se, por esse elenco, a importância atribuída aos elementos científicos
no currículo escolar. Aliás, em carta escrita em 1866, por ocasião de sua
primeira viagem à Europa, o Dr. Abílio dizia que projetava fazer uma
revolução nova na educação brasileira na qual ocuparia um lugar de d) Os métodos de ensino
destaque o cultivo das ciências naturais. E fazia referência à distância em
que se achava a instrução no Brasil em comparação com a Europa: “os
meninos aqui sabem mais história e ciências do que os homens de letras em Diante do extenso elenco de conteúdos previsto para a escola primária,
nosso caro Brasil” (ALVES, 1942, p. 48). como foi indicado no item anterior, o próprio Barão de Macahubas observa
A hierarquização das disciplinas no currículo devia obedecer, grosso que lhe foi objetado que não é razoável sobrecarregar o espírito das
modo, à seguinte sequência: a língua nacional, as matemáticas, a história e a crianças, as quais poderão abater-se com tantas exigências. Em resposta, diz
geografia pátrias deviam ocupar a maior parte dos programas; em seguida ele: os que assim pensam não estão a par dos novos processos empregados
viriam as línguas estrangeiras, a geografia geral e a filosofia. no ensino da infância. Com efeito,
Importância especial era concedida ao estudo da língua vernácula. Em o método novo segue passo a passo o desenvolvimento físico e mental do aluno.
carta datada de 29 de dezembro de 1868 dirigida ao ministro do Império, o Conformando-se com o processo fixado pela natureza, ele não violenta nem comprime a
espontaneidade das boas aptidões herdadas, depura as más inclinações, e forma de um modo geral da Instrução Pública da Bahia e ao longo de toda a sua obra
atraente hábitos novos, despertando ao mesmo tempo inclinações. A educação se tem assim
convertido em uma tarefa delicada e interessante para o educador, e sumamente agradável e pedagógica, manifestando-se, obviamente, na dissertação apresentada no
fácil para os que aprendem [MACAHUBAS, 1884, pp. 23-24]. Congresso Pedagógico Internacional de Buenos Aires e, finalmente, no
opúsculo denominado A lei nova do ensino infantil.
O Dr. Abílio César Borges aderiu, pois, à pedagogia moderna No Congresso de Buenos Aires ele afirmou que a educação sábia é
procurando pôr em prática e difundir no Brasil os “métodos novos”. Dessa aquela “que busca encaminhar a vontade dos meninos para a prática do bem
forma, afirma que a Lei nova “quer que a escola seja um lugar de prazer e e para o cumprimento do dever, independentemente do estímulo dos
de felicidade para as crianças; quer que estas procurem-na em vez de fugir prêmios ou do temor das penas” (MACAHUBAS, 1882, p. 155). Na mesma
dela; quer enfim que amem-na em vez de odiá-la” (idem, p. 6). Criticando a ocasião ele exortava os mestres a ensinar aos meninos a virtude e a
passividade da escola tradicional, ele advoga uma escola ativa que “aguce a fecundar-lhes no coração os germens das grandes aspirações, despertando
curiosidade no espírito dos meninos” inspirando-lhes “o gosto da instrução, as energias da alma. Dedica a parte final da Lei nova à educação moral,
convencendo-os das grandes vantagens dela, e abrindo-lhes portanto a anunciando-a como o “ponto de transcendental importância, para o qual
vontade para o estudo” (idem, p. 11). Por isso “a Lei nova não impõe aos nunca se reclamará de mais a atenção dos pais de família e dos mestres de
meninos a obrigação de aprender: excita-lhes o amor à escola, tornando-a escola” (MACAHUBAS, 1884, p. 27). Na sequência, advoga o ensino da moral
convidativa pela variedade, amenidade e utilidade do ensino” (idem, pp. 11- com base nos exemplos vivos, criticando o ensino à base de exortações e da
12). memorização de regras de moral, dado nas escolas, considerando-o
Demonstrando clarividência e bom senso, o Barão, ao mesmo tempo em semelhante aos longos e mal ouvidos sermões dos padres. E conclui o texto
que adere aos métodos novos, não deixa de perceber algumas fragilidades. afirmando que é pela via da educação moral que a escola primária irá
Lembra que os vários países, como a Alemanha, a França, Portugal e realizar a reforma dos costumes e preparar os jovens de ambos os sexos
também o Brasil, tiveram os seus métodos que, uma vez formulados, fazem, para a vida pública assim como para desempenhar os deveres de pais e
de início, grande barulho sendo promovidos entusiasticamente pelos seus mães de família.
autores e respectivos seguidores mas, em seguida, desaparecem de cena não Vemos, pois, com razoável clareza, como a concepção pedagógica do
sobrevivendo aos seus próprios formuladores. E conclui: “Quanto a mim o Barão de Macahubas pretendia conciliar as ideias modernas com a tradição
método antigo, se razoavelmente modificado, isto é, descarregado daquela católica, em consonância com o ecletismo espiritualista. Embora em sua
infinidade indigesta de sílabas soltas e vãs, é ainda preferível, pela razão de biografia não tenha aparecido uma vinculação explícita com o ecletismo,
não exigir propagadores especiais para ser aplicado. Todos os mestres, sua formação deu-se quando se concluía o ciclo de constituição dessa
ainda os mais ignorantes, podem aplicá-lo, começando pelas mães, que corrente filosófica. Estudando na Faculdade de Medicina da Bahia entre
devem ser os primeiros mestres de leitura dos meninos” (idem, p. 13). 1841 e 1845, é provável que tenha sido aluno de Eduardo Ferreira França,
um dos maiores expoentes brasileiros da filosofia eclética. E, ao transferir-
se para a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro em 1846, terá
encontrado, também aí, o mesmo ambiente marcado pelas presenças da
e) Proeminência da educação moral Revista Minerva Brasiliense e de Gonçalves de Magalhães, cujas obras
Fatos do espírito humano e A alma e o cérebro marcam o apogeu da
filosofia eclética no Brasil.
A educação moral, entendida em íntima ligação com a religião, ocupava
No prólogo de seu livro sobre a vida e a obra do Barão de Macahubas,
posição central no conjunto das ideias pedagógicas do Barão de Macahubas.
Isaías Alves conta que, em um curso de aperfeiçoamento de professores, leu
Isso está evidenciado no Relatório elaborado em 1856, enquanto diretor-
algumas frases de Macahubas e pediu às educadoras que indicassem o autor
de cada pensamento, recebendo, em resposta, os nomes de Dewey, ao ensino secundário: “a ideia de confiar inteiramente à iniciativa particular
Thorndike, Ferrière, Kilpatrick e outros notáveis educadores modernos. o oneroso e improfícuo ensino secundário provincial, consagrada em 1868
Acrescenta que foi grande a surpresa daquelas professoras quando ele em São Paulo, seduzia a muitas províncias” (HAIDAR, 1972, p. 179). A
apresentou as obras originais de Macahubas datadas de 1882 e 1883, onde partir de 1870, liberais e conservadores irmanaram-se na defesa da tese da
se incluía a Lei nova, publicada em 1884. liberdade de ensino. E a pujança da iniciativa privada da qual são exemplos
Esse testemunho põe em evidência a importância não apenas dos os colégios fundados por Abílio César Borges, assim como a crença de que
estudos de história da educação, mas também de sua difusão através do com liberdade plena haveria ainda maior expansão, fortaleceram a referida
ensino como elemento de grande relevância na formação dos professores e tese.
educadores de modo geral. Igualmente o movimento de construção dos sistemas nacionais de
Certamente o estudo histórico do tipo do que procuramos fazer no ensino que se desenvolvia nos diferentes países também repercutiu no
presente texto nos permite evitar concluir, à luz dos nomes citados nas Brasil. Ora, Abílio, já no relatório de 1856, manifesta-se a favor de um
respostas dadas, que o Barão de Macahubas teria sido um representante do sistema nacional de instrução. E em 1875 conclama o ministro do Império,
Movimento da Escola Nova avant la lettre. Em verdade, as ideias João Alfredo, a criar o Ministério da Instrução, afirmando que “a instrução
pedagógicas do Barão de Macahubas inserem-se nos debates educacionais pública deste vasto Império reclama já, e merece assaz uma pasta especial”
que se travavam na segunda metade do século XIX no âmbito internacional (ALVES, 1942, p. 34).
e, especificamente, no contexto brasileiro. Se os biógrafos, seguindo a via
da apologética, tendem a exaltar a figura do “grande educador”, nós temos,
para contrastar, o testemunho de Raul Pompeia que torna controversa essa
figura, apresentando-a como expressão da concepção que considera o
ensino como um negócio, o que faz trazer para esse campo o slogan “a
propaganda é a alma do negócio”.
De fato, quando diretor-geral da Instrução Pública, Abílio César Borges
preconizou o exercício, por parte do poder público, de um controle e
fiscalização rigorosa das escolas privadas, posicionando-se, portanto, contra
a chamada “liberdade de ensino”. Depois, já na iniciativa privada, ele
propôs em 1873 ao Conselho Diretor da Instrução do Município da Corte
que fosse decretado o ensino inteiramente livre, à vista da ineficiência da
inspeção oficial e considerando que o Estado não se deve intrometer em
algo que é dever natural e impreterível das famílias. Isaías Alves, como
biógrafo, explica que a mudança de posição decorreria da experiência
adquirida e rechaça como ingênua ou malévola a ligação com o fato de, à
época (1873), Abílio ser diretor de colégio, alegando que ele não precisava
disso, porque, dado o prestígio que alcançara, não necessitava das
benevolências do poder e, ao contrário, a liberdade de ensino era incentivo
a novos concorrentes (ALVES, 1942, pp. 40-41). Em verdade, como nos
esclarece Maria de Lourdes Mariotto Haidar, naquela época a tese da
desoficialização do ensino ganhava terreno, especialmente no que se refere
Diferentemente, a economia cafeeira contou, desde o início, com uma
vanguarda constituída por homens com experiência comercial,
entrelaçando-se, assim, os interesses da produção e os do comércio. Dessa
maneira, a formação da classe dirigente envolveu um conjunto amplo de
aspectos articulados entre si: “aquisição de terras, recrutamento de mão de
9. NOVAS EXIGÊNCIAS PRODUTIVAS: obra, organização e direção da produção, transporte interno,
ABOLIÇÃO E INSTRUÇÃO comercialização nos portos, contatos oficiais, interferência na política
financeira e econômica” (idem, p. 116). Tendo consciência clara de seus
interesses, esses dirigentes compreenderam a importância do governo na
Essas manifestações do Barão de Macahubas inseriam-se no âmbito dos atividade econômica, o que os levou a colocar a política a serviço do grupo
debates que destacavam a importância estratégica da instrução pública econômico por eles representado. E, como no Império o governo central era
colocando, de uma ou de outra forma, a questão da organização de um forçado a atender a interesses muito heterogêneos, dificultando a resposta
sistema nacional de ensino. Esses debates ganharam força nas últimas aos interesses dos grupos econômicos locais, a descentralização do poder
décadas do período imperial e estenderam-se ao longo da Primeira propiciado pela República veio a permitir mais completamente a
República. Na fase propriamente imperial, que se iniciou no final da década identificação da máquina político-administrativa com a empresa cafeeira. A
de 1860, as discussões desenrolaram-se sobre um pano de fundo comum: o expressão mais clara dessa tendência traduziu-se na “política dos
problema da substituição da mão de obra escrava pelo trabalho livre, governadores” instituída no âmbito das reformas instauradas pelo
atribuindo-se à educação a tarefa de formar o novo tipo de trabalhador para presidente Campos Salles no início de sua gestão em 1898.
assegurar que a passagem se desse de forma gradual e segura, evitando-se Ainda conforme Celso Furtado, por volta da década de 1870, definia-se
eventuais prejuízos aos proprietários de terras e de escravos que o café como “o produto que permitiria ao país reintegrar-se nas correntes
dominavam a economia do país4. em expansão do comércio mundial” (idem, p. 116). As condições para isso
Nessa época o principal setor da economia brasileira era representado estavam dadas: “Concluída sua etapa de gestação, a economia cafeeira
pela cafeicultura. Como assinala Celso Furtado, o processo de formação das encontrava-se em condições de autofinanciar sua extraordinária expansão
classes dirigentes no caso da economia cafeeira era bem distinto daquele subsequente; estavam formados os quadros da nova classe dirigente que
que se desenvolveu na economia açucareira. No caso do açúcar, as fases lideraria a grande expansão cafeeira. Restava por resolver, entretanto, o
produtiva e comercial encontravam-se separadas. Uma vez que a fase problema da mão de obra” (idem, ibidem).
comercial era monopolizada por grupos externos localizados em Portugal A base da produção cafeeira era escravista. Fora gestada e
ou na Holanda, aos quais competia tomar as decisões fundamentais, os desenvolvera-se ao longo da primeira metade do século XIX ampliando
senhores de engenho que dirigiam a produção acabaram não desenvolvendo sensivelmente o contingente de escravos. Mesmo após a lei de 1831 que,
uma clara consciência dos próprios interesses e foram, progressivamente, sob pressão inglesa, tinha por escopo coibir a entrada de escravos negros
deixando as tarefas diretivas sob execução de feitores. vindos da África, eles continuaram a entrar em números crescentes: 30 mil
em 1840, 30.500 em 1843, 52.600 em 1846 e 57.800 em 1847. Entre 1840 e
Compreende-se, portanto, que os antigos empresários hajam involuído numa classe de 1847, portanto, num período de oito anos, ingressou um total de 239.800
rentistas ociosos, fechados num pequeno ambiente rural, cuja expressão final será o patriarca
bonachão que tanto espaço ocupa nos ensaios dos sociólogos nordestinos do século XX. A escravos (BASTOS, 1975, p. 97). Mas essa conivência que tornou a lei de 7
separação de Portugal não trouxe modificações fundamentais, permanecendo a etapa produtiva de novembro de 1831 letra morta já não poderia persistir em face das novas
isolada e dirigida por homens de espírito puramente ruralista [FURTADO, 1982, p. 115]. condições de desenvolvimento do capitalismo em nível mundial e diante
das pressões internacionais e sanções da Inglaterra. Com isso, “a Lei n. 581,
de 4 de setembro de 1850, quase reproduzindo a anterior, cuja penalidade (MARX, 1968, livro 1, vol. 2, p. 892). Foi exatamente com esse espírito que
conservava, preencheu a sua missão. A energia dos executores correspondia se aprovou no Brasil a Lei de Terras, em 1850, mesmo ano em que também
ao pensamento do legislador, e o tráfico extinguiu-se dois anos depois” foi aprovada a lei que extinguiu o tráfico de escravos. Assim, tornando
(idem, p. 85). proibitiva a aquisição de terras para quem não fosse já proprietário,
Segundo Alfredo Bosi, emergiu, nessa nova situação, um “novo preparava-se o ambiente para que, quando chegassem os imigrantes, eles
liberalismo”. O primeiro liberalismo, aquele esposado pela classe fossem forçados a substituir, como trabalhadores livres, a mão de obra
proprietária quando se formava o novo Estado do Brasil independente, escrava nas lavouras de café.
denotava a palavra liberal com quatro significados que se podiam combinar O “novo liberalismo” referido por Bosi tinha como bandeira a abolição
entre si de diferentes modos: da escravatura e a introdução do trabalho assalariado no Brasil. Esse
“segundo liberalismo” impõe-se sobre o anterior a partir de 1868, data que a
1) Liberal, para a nossa classe dominante até os meados do século XIX, pôde significar historiografia assinala “como o grande divisor de águas entre a fase mais
conservador das liberdades, conquistadas em 1808, de produzir, vender e comprar.
2) Liberal pôde, então, significar conservador da liberdade, alcançada em 1822, de
estável do Segundo Império e a sua longa crise que culminaria, vinte anos
representar-se politicamente: ou, em outros termos, ter o direito de eleger e de ser mais tarde, com a Abolição e a República” (BOSI, 1992, p. 222). Esse ano
eleito na categoria de cidadão qualificado. marca a revolta dos liberais com a demissão, por Dom Pedro II, do
3) Liberal pôde, então, significar conservador da liberdade (recebida como instituto Gabinete Zacarias. É, também, o ano da publicação do poema “Navio
colonial e relançada pela expansão agrícola) de submeter o trabalhador escravo
mediante coação jurídica.
negreiro”, de Castro Alves, marco do movimento abolicionista. E é,
4) Liberal pôde, enfim, significar capaz de adquirir novas terras em regime de livre igualmente, 1868 o ano que Silvio Romero toma como marco do início dos
concorrência, ajustando assim o estatuto fundiário da Colônia ao espírito capitalista novos tempos que colocavam em questão o catolicismo, o espiritualismo
da Lei de Terras de 1850 [BOSI, 1992, pp. 199-200]. eclético, as instituições monárquicas, o romantismo, “com seus doces,
enganosos e encantadores cismares”, a “chaga da escravidão”. Ainda
Em verdade, essa visão de liberalismo não era exclusiva do Brasil. Era segundo Silvio Romero, nesse ano “o partido liberal, expelido
encontrada em todas as situações de grande lavoura, as chamadas grosseiramente do poder, comove-se desusadamente e lança aos quatro
plantations, como ocorria nas Antilhas inglesas e francesas, em Cuba e no ventos um programa de extrema democracia, quase um verdadeiro
sul dos Estados Unidos. Como já observara Azeredo Coutinho, a socialismo”, sendo também organizado o partido republicano (apud BOSI,
abundância de terras nas colônias tornava impossível o trabalho livre sob o 2002, pp. 165-166).
capital. O trabalhador, obviamente, tenderia a preferir ocupar um pedaço de A Abolição, tida por quase todos como inevitável, foi programada pelas
terra e cultivá-la para si mesmo a sujeitar-se a trabalhar para outro, isto é, camadas dominantes brasileiras na forma de uma transição gradual e
para o empresário capitalista. Daí a necessidade do trabalho forçado, segura. Começou pela proibição do tráfico, em 1850, seguiu com a Lei do
possibilitado pelo estatuto da escravidão. Wakefield, colonizador inglês que Ventre Livre, em 1871, teve continuidade com a Lei dos Sexagenários, em
criou na Austrália, em 1834, e na Nova Zelândia, em 1837, associações 1885, e, finalmente, a Abolição geral, decretada pela Lei Áurea, em 1888.
para encorajar a imigração, idealizou um mecanismo para viabilizar o Nesse ínterim, buscava-se solucionar o problema da mão de obra
trabalho assalariado nas colônias. Sua proposta foi comentada por Marx na discutindo-se o aproveitamento dos nacionais, incluídos os ex-escravos
“Teoria moderna da colonização”, último capítulo do Livro I d’O Capital. libertos, o recurso à imigração dos asiáticos (imigração amarela) e
Segundo a proposta de Wakefield, “o governo fixaria para as terras virgens europeus, ao mesmo tempo em que os fazendeiros de café importavam
um preço artificial, independente da lei da oferta e da procura. O imigrante escravos do Nordeste para ocupar o lugar daqueles que já não mais podiam
teria de trabalhar longo tempo como assalariado até obter dinheiro ser importados da África.
suficiente para comprar terra e transformar-se num lavrador independente”
Nessa longa transição, nesse processo de preparação das vias de solução os imigrantes se integravam às fazendas de café garantindo a continuidade
do problema da mão de obra, isto é, da substituição do trabalho escravo da produção, os apelos à criação de colônias agrícolas, fazendas-escolas e
pelo trabalho assalariado, a educação foi chamada a participar do debate. colônias orfanológicas deixaram de ecoar.
A ideia central que perpassa as discussões que se travaram no período Do mesmo modo, também não produziram resultados práticos os
que vai de 1868 até a Abolição e a Proclamação da República se expressa debates sobre a importância da educação e a necessidade de sua
na ligação entre emancipação e instrução. O objetivo buscado era organização em âmbito nacional que se intensificaram nas duas últimas
transformar a infância abandonada, em especial os ingênuos, nome dado às décadas do Império. Pode-se dizer que a ideia de sistema nacional de ensino
crianças libertas em consequência da Lei do Ventre Livre, em trabalhadores se fez presente em todos os projetos de reforma apresentados desde o final
úteis, evitando que caíssem na “natural indolência” de que eram acusados da década de 1860 assim como nos textos preparados para o Congresso de
os adultos livres das classes subalternas. E o meio principal aventado para Instrução que deveria ser realizado em 1883, mas que por falta de verbas (o
atingir esse objetivo era a criação de escolas agrícolas, às vezes também Senado negou a concessão dos recursos) não se realizou.
chamadas de fazendas-escolas ou colônias agrícolas, aparecendo, ainda, a Na direção da ampla reorganização do ensino, surgiram as propostas de
expressão “colônias orfanológicas”. Tavares Bastos (1937, p. 239), Paulino de Souza em 1869, de João Alfredo em 1871 e, fechando a década
escrevendo em 1870, traduziu de forma clara essa concepção ao considerar de 1870, a Reforma Leôncio de Carvalho, decretada em 1879, a qual
que a emancipação do escravo exigia a difusão da instrução de modo que, ensejou o famoso parecer-projeto de Rui Barbosa, elaborado em 1882, uma
diminuindo o “abismo da ignorância”, fosse afastado o “instinto da obra monumental abrangendo todos os aspectos da educação, do jardim de
ociosidade”. infância ao ensino superior (MACHADO, 2002, pp. 103-155 e VALDEMARIN,
Como destacou Analete Schelbauer, difundiu-se a crença de que a 2000, pp. 85-174). Mas esse projeto nem chegou a ser discutido no
libertação gradativa dos escravos deveria ser acompanhada da presença da Parlamento. Nota-se que o próprio Rui Barbosa se dedicou à educação num
escola para transformar “os ingênuos e os homens livres, parasitas da período de tempo bastante curto, limitado aos anos de 1881 a 1883,
grande propriedade e da natureza pródiga, em trabalhadores submetidos às voltando-se, depois, para outras questões. Também de 1882 é o projeto de
regras do capital” (SCHELBAUER, 1998, p. 52). Mas acrescenta: “Apesar Almeida Oliveira, para quem a questão do ensino deveria ser considerada a
dessa crença, a escola voltada para o treinamento da mão de obra primeira entre as primeiras. Um outro projeto que, a exemplo dos de Rui
assalariada não se efetivou e, surpreendentemente, essas discussões Barbosa e Almeida Oliveira, não teve andamento foi o do Barão de
desaparecem, de maneira simultânea à abolição definitiva” (idem, ibidem). Mamoré, apresentado em 1886.
Efetivamente, quando ocorre a Abolição definitiva, em 1888, a Questão correlata à escolar foi a do voto do analfabeto, também
imigração europeia, principalmente italiana, já fluía regularmente para os amplamente discutida no final do Império e que se consubstanciou no
cafezais, em especial os paulistas. Desde 1870 o governo imperial assumiu projeto de reforma eleitoral apresentado pelo conselheiro José Antonio
os gastos com o transporte dos imigrantes destinados à lavoura cafeeira. O Saraiva em 1880. Além das eleições diretas, o projeto preconizava a
número de imigrantes que vieram para o estado de São Paulo se eleva de 13 exclusão do voto do analfabeto. Rui Barbosa pronunciou-se favoravelmente
mil na década de 1870 para 184 mil nos anos de 1880 e 609 mil na década ao projeto acreditando que esse dispositivo iria estimular o interesse público
de 1890. “O total para o último quartel do século foi 803 mil, sendo 577 mil pela difusão da instrução; e, em consequência, os governos iriam agir de
provenientes da Itália” (FURTADO, 1982, p. 128). Assim, a crise de forma mais decisiva investindo na abertura de escolas. Os que eram
superprodução na Europa, provocando um excedente de população agrícola, contrários ao projeto, cujo principal porta-voz foi José Bonifácio, “o moço”,
veio em socorro da crise de mão de obra no Brasil. E a nossa crise, entendiam que o projeto aristocratizava o voto e distorcia o processo
absorvendo aquele excedente, funcionou como uma verdadeira válvula de eleitoral, pois reduzia o eleitorado a uma pequena minoria da população do
escape, evitando a convulsão social que ameaçava a Europa. À medida que país. Mas a posição de Rui Barbosa saiu vitoriosa e o projeto converteu-se
na Lei Saraiva, aprovada em 9 de janeiro de 1881. Como resultado da as Inspetorias Distritais, ficando a direção e a inspeção do ensino sob a
aplicação do novo critério, que condicionava o exercício do voto ao responsabilidade de um inspetor geral, em todo o Estado, auxiliado por dez
domínio da leitura e da escrita, o corpo eleitoral foi reduzido de 13% da inspetores escolares. Assim, “volta-se à prática, anterior à reforma, de em
população livre, em 1872, para 0,8% em 1886 (ROCHA, 2004, p. 61). cada município a fiscalização das escolas estaduais ser exercida por
Com a Proclamação da República em 1889 e o consequente advento do delegados ou representantes das municipalidades” (idem, p. 128).
regime federativo, a instrução popular foi mantida sob a responsabilidade Essa involução na reforma do ensino paulista coincide com a
das antigas províncias, agora transformadas em estados. Entretanto, já em consolidação do domínio da oligarquia cafeeira que passa a gerir o regime
1890 foi instituída por Benjamin Constant, através do Decreto n. 981 de 8 republicano por meio da política dos governadores. Seria preciso esperar o
de novembro, a reforma dos ensinos primário e secundário que, embora período final da República Velha com a crise dos anos de 1920 para
limitada ao Distrito Federal, poderia constituir-se em referência para a retomarem-se as reformas estaduais da instrução pública e recolocar o
organização do ensino nos estados. Mas essa reforma, que pretendeu problema do sistema de ensino que passará a ter um tratamento em âmbito
conciliar os estudos literários com os científicos, foi amplamente criticada, nacional após a Revolução de 1930.
inclusive pelos adeptos da corrente positivista da qual Benjamin Constant
era um dos principais líderes (CARTOLANO, 1994, pp. 123-179). Assim, a
tentativa mais avançada em direção a um sistema orgânico de educação foi
aquela que se deu no estado de São Paulo. Ali se procurou preencher dois
requisitos básicos implicados na organização dos serviços educacionais na
forma de sistema: a) a organização administrativa e pedagógica do sistema
como um todo, o que implicava a criação de órgãos centrais e
intermediários de formulação das diretrizes e normas pedagógicas bem
como de inspeção, controle e coordenação das atividades educativas; b) a
organização das escolas na forma de grupos escolares, superando, por esse
meio, a fase das cadeiras e classes isoladas, o que implicava a dosagem e
graduação dos conteúdos distribuídos por séries anuais e trabalhados por
um corpo relativamente amplo de professores que se encarregavam do
ensino de grande número de alunos, emergindo, assim, a questão da
coordenação dessas atividades também no âmbito das unidades escolares.
Ora, a reforma da instrução pública paulista, implementada entre 1892 e
1896, pioneira na organização do ensino primário na forma de grupos
escolares, procurou preencher os dois requisitos apontados. Tratava-se de
uma reforma geral que instituiu o Conselho Superior da Instrução Pública, a
Diretoria-Geral e os inspetores de Distrito, abrangendo os ensinos primário,
normal, secundário e superior (REIS FILHO, 1995, pp. 90-202).
Mas a reforma paulista também não chegou a se consolidar. Em 1° de
agosto de 1896 o cargo de diretor-geral da Instrução Pública e a Secretaria
Geral foram suprimidos pela Lei n. 430. E um ano depois, em 26 de agosto
de 1897, a Lei n. 520 extinguiu o Conselho Superior de Instrução Pública e
consciência da importância da educação expressava-se na percepção de que
“na instrução pública está o segredo da multiplicação dos pães, e o ensino
restitui cento por cento o que com ele se gasta” (Almeida Oliveira, sessão
de 18 de setembro de 1882 do Parlamento, apud CHAIA, 1965, p. 125). E
propostas não faltaram. Tavares Bastos, considerando que “não há sistema
10. A IDEIA DE SISTEMA EDUCACIONAL: de instrução eficaz sem o dispêndio de muito dinheiro”, propôs em 1870:
QUESTÃO NÃO RESOLVIDA “Assim como cada habitante concorre para as despesas de iluminação,
águas, esgotos, calçadas, estradas e todos os melhoramentos locais, assim
contribua para o mais importante deles, a educação dos seus concidadãos, o
Cumpre, pois, examinar, ainda que sucintamente, as dificuldades para a primeiro dos interesses sociais em que todos somos solidários” (BASTOS,
realização da ideia de sistema educacional no Brasil do século XIX. Em 1937, p. 228). A partir daí apresenta um plano de criação de dois tipos de
suma, trata-se de saber por que a ideia de sistema nacional de ensino, que se impostos: o local e o provincial. Essa proposta foi retomada por Rodolfo
vinha realizando nos principais países no século XIX, permaneceu, no Dantas, em 21 de agosto de 1882, e pela Comissão de Instrução Primária,
Brasil, no rol das “ideias que não se realizam” (SCHELBAUER, 1998). tendo como relator Rui Barbosa (CHAIA, 1965, pp. 82-87). Mas, dada a
Entendendo-se o conceito de ideias pedagógicas como se referindo às “mania de se quererem os fins sem se empregarem os meios necessários e
ideias educacionais consideradas, porém, não em si mesmas, mas na forma próprios”, conforme declarou Moraes Sarmento em 1850 (idem, p. 55),
como se encarnam no movimento real da educação orientando e, mais do resultou que “nenhum país tem mais oradores nem melhores programas; a
que isso, constituindo a própria substância da prática educativa, verifica-se prática, entretanto, é o que falta completamente”, ironizou Agassiz em 1865
que o sistema de ensino, enquanto ideia pedagógica, implica a sua (idem, p. 45). E Rui Barbosa constatava em 1882: “O Estado, no Brasil,
realização prática, isto é, a sua materialização. Assim, a ideia de sistema consagra a esse serviço apenas 1,99% do orçamento geral, enquanto as
nacional de ensino foi pensada no século XIX enquanto forma de despesas militares nos devoram 20,86%” (idem, p. 103). Dessa forma, o
organização prática da educação, constituindo-se numa ampla rede de sistema nacional de ensino não se implantou e o país foi acumulando um
escolas abrangendo todo o território da nação e articuladas entre si segundo grande déficit histórico em matéria de educação.
normas comuns e com objetivos também comuns. A sua implantação Além das limitações materiais, cumpre considerar, também, o problema
requeria, pois, preliminarmente, determinadas condições materiais relativo à mentalidade pedagógica. Entendida como a unidade entre a forma
dependentes de significativo investimento financeiro. Emerge, assim, uma e o conteúdo das ideias educacionais, a mentalidade pedagógica articula a
primeira hipótese explicativa das dificuldades para a realização da ideia de concepção geral do homem, do mundo, da vida e da sociedade com a
sistema nacional de ensino no Brasil do século XIX: as condições materiais questão educacional. Assim, numa sociedade determinada, dependendo das
precárias decorrentes do insuficiente financiamento do ensino. Com efeito, posições ocupadas pelas diferentes forças sociais, estruturam-se diferentes
durante os 49 anos correspondentes ao Segundo Império, entre 1840 e 1888, concepções filosófico-educativas às quais correspondem específicas
a média anual dos recursos financeiros investidos em educação foi de 1,8% mentalidades pedagógicas. Na sociedade brasileira da segunda metade do
do orçamento do governo imperial, destinando-se, para a instrução primária século XIX, não obstante as diversas correntes filosóficas e, na expressão
e secundária, a média de 0,47%. O ano de menor investimento foi o de de Silvio Romero, o bando de ideias novas que agitou o país especialmente
1844, com 1,23% para o conjunto da educação e 0,11% para a instrução nas duas últimas décadas do Império (COSTA, 1967, pp. 97-122), três
primária; e o ano de maior investimento foi o de 1888, com 2,55% para a mentalidades pedagógicas delinearam-se com razoável nitidez: as
educação e 0,73 para a instrução primária e secundária (CHAIA, 1965, pp. mentalidades tradicionalista, liberal e cientificista. Destas, as duas últimas
129-131). Era, pois, um investimento irrisório. Não obstante isso, a correspondiam ao espírito moderno que se expressava no laicismo do
Estado, da cultura e da educação (BARROS, 1959, pp. 21-36). Nesse A referida tensão balizou o pensamento pedagógico e a política
contexto, era de esperar que os representantes dessas mentalidades de tipo educacional ao longo da Primeira República. Logo após a Proclamação,
moderno, empenhados na modernização da sociedade brasileira, viessem a José Veríssimo publica, em 1890, a obra A educação nacional, em que
formular as condições e prover os meios para a realização da ideia de pretende dar indicações para a reforma educativa. Em seu entendimento, a
sistema nacional de educação. No entanto, a mentalidade cientificista de reforma do regime político deveria ter sido consequência da reforma moral
orientação positivista, declarando-se adepta da completa “desoficialização” do povo brasileiro. Mas, uma vez que foi “invertida a ordem do processo e
do ensino, acabou por converter-se em mais um obstáculo à realização da instalada a República antes da formação moral republicana, urge corrigir
ideia de sistema nacional de ensino. Na mesma direção comportou-se a essa afoiteza, concentrando todos os esforços na reforma educacional”
mentalidade liberal que, em nome do princípio de que o Estado não tem (CAVAZOTTI, 1997, p. 95). Considera, então, como base da reforma a
doutrina, chegava a advogar o seu afastamento do âmbito educativo. reconstrução do caráter nacional e do sentimento nacional do povo
Conclui-se, pois, que as dificuldades para a realização da ideia de brasileiro, definindo como eixos da nova organização do ensino a educação
sistema nacional de ensino se manifestaram tanto no plano das condições do caráter, a educação cívica, a educação física e o papel da mulher como
materiais como no âmbito da mentalidade pedagógica. Assim, o caminho da educadora do caráter das novas gerações. Aqui também se manifesta a
implantação dos respectivos sistemas nacionais de ensino, por meio do qual tensão entre a reforma educativa como base da reforma política e a reforma
os principais países do Ocidente lograram universalizar o ensino política como indutora da reforma educativa.
fundamental e erradicar o analfabetismo, não foi trilhado pelo Brasil. E as No plano federal o regime republicano expressou essa tensão na política
consequências desse fato projetam-se ainda hoje, deixando-nos um legado educacional oscilando entre a centralização (oficialização) e
de agudas deficiências no que se refere ao atendimento das necessidades descentralização (desoficialização). Assim, após a reforma Benjamin
educacionais do conjunto da população. Constant, de 1890, cuja tensão passou antes pela organização curricular do
Delineia-se no pensamento liberal em suas várias vertentes presentes no que pelo aspecto administrativo, já que, em contraposição à predominância
contexto brasileiro (positivismo, evolucionismo social e as diferentes dos estudos literários procurou introduzir as matérias científicas, tivemos o
versões do liberalismo político: moderada, radical, republicana) uma tensão Código Epitácio Pessoa, em 1901. O então presidente da República,
de fundo: a percepção da centralidade do Estado e, ao mesmo tempo, a Campos Salles, desde quando ministro da Justiça no primeiro governo
recusa em aceitar seu protagonismo no desenvolvimento da sociedade. Em republicano presidido por Deodoro da Fonseca, achava necessário
termos gramscianos se diria que está em causa, aí, a contradição entre os consolidar a legislação que se caracterizava por enorme dispersão. Uma vez
dois aspectos característicos do conceito de “Estado ampliado”: a sociedade na presidência, tomou a iniciativa de solicitar ao ministro da Justiça e
política e a sociedade civil. Em Rui Barbosa essa contradição emergiu nos Negócios Interiores, Epitácio Pessoa, que providenciasse a elaboração de
seguintes termos: “ao priorizar o papel do Estado, aumenta seu poder de um Código Civil, para cuja tarefa o ministro convidou o jurista Clóvis
centralização, diminuindo em contrapartida a livre iniciativa da sociedade Bevilacqua. Tarefa semelhante foi imposta no campo da educação, o que
civil, o que inviabiliza a efetivação de todo o projeto pretendido” deu origem a uma Lei Orgânica do Ensino que ficou conhecida como
(VALDEMARIN, 2000, p. 174). Diante disso, o Estado, entendido nos Código Epitácio Pessoa. Esse Código, se bem ratificasse o princípio de
“Pareceres” de Rui Barbosa como “instância representativa da sociedade liberdade de ensino da Reforma Leôncio de Carvalho, equiparou as escolas
como um todo, se concretizaria somente se a reforma educacional privadas às oficiais, mediante rigorosa inspeção dos currículos, e pôs fim à
cumprisse todos os objetivos a ela propostos” (idem, ibidem). E a liberdade de frequência que havia sido instituída em 1879 por Leôncio de
expectativa era que, atingida essa meta, ocorreria uma diminuição do papel Carvalho. Mas a Reforma Rivadávia Correa, em 1911, volta a reforçar a
do Estado no que se refere à sua função centralizadora. liberdade de ensino e a desoficialização. Diante das consequências
desastrosas, uma nova reforma, a de Carlos Maximiliano, instituída em
1915, reoficializou o ensino e introduziu o exame vestibular a ser realizado de ensino. Assim, foram os estados que tiveram de enfrentar a questão da
nas próprias faculdades, podendo a ele submeter-se apenas os candidatos difusão da instrução mediante a disseminação das escolas primárias. E o
que dispusessem de diploma de conclusão do curso secundário. Com isso estado de São Paulo assumiu a dianteira desse processo dando início, já em
tornou bem mais difícil o ingresso no ensino superior. O ciclo das reformas 1890, a uma ampla reforma da instrução pública.
federais do ensino na Primeira República fecha-se em 1925, com a Reforma
João Luís Alves/Rocha Vaz. Considerando que ela se encontra em pleno
centro da última década da Primeira República, quando, sobre a base das
transformações econômicas e sociais em curso, a estrutura de poder vigente
passa a ser amplamente contestada, essa nova reforma irá reforçar e ampliar
os mecanismos de controle instituídos pela Reforma Carlos Maximiliano.
Entre as várias características que marcaram a Reforma João Luís
Alves/Rocha Vaz, a principal, conforme reconhecimento geral, foi a
introdução do regime seriado no ensino secundário, como assinala Jorge
Nagle: “A implantação generalizada de um ensino ginasial, seriado e com
frequência obrigatória, e o alargamento das funções normativas e
fiscalizadoras da União quanto à instrução secundária de todo o país
constituíram os aspectos fundamentais desta nova lei do ensino” (NAGLE,
1974, p. 149).
No entanto, como já foi indicado, embora a linha geral dos debates do
final do Império apontasse na direção da construção de um sistema nacional
de ensino colocando-se a instrução pública, com destaque para as escolas
primárias, sob a égide do governo central, o advento do regime republicano
não corroborou essa expectativa. Seja pelo argumento de que, se no
Império, que era um regime político centralizado, a instrução estava
descentralizada, a fortiori na República Federativa, um regime político
descentralizado, a instrução popular deveria permanecer descentralizada;
seja pela força da mentalidade positivista no movimento republicano; seja
pela influência do modelo norte-americano; seja principalmente pelo peso
econômico do setor cafeeiro que desejava a diminuição do poder central em
favor do mando local, o certo é que o novo regime não assumiu a instrução
pública como uma questão de responsabilidade do governo central, o que
foi legitimado na primeira Constituição republicana. Ao estipular, no artigo
35, que incumbe ao Congresso Nacional, ainda que não privativamente,
“criar instituições de ensino superior e secundário nos Estados” (inciso 3º) e
“prover a instrução secundária no Distrito Federal” (inciso 4º), a
Constituição, embora omissa quanto à responsabilidade sobre o ensino
primário, delegava aos estados competência para legislar e prover esse nível
isoladas, uma vez reunidas, deram origem, ou melhor, foram substituídas
pelos grupos escolares.
Cada grupo escolar tinha um diretor e tantos professores quantas escolas
tivessem sido reunidas para compô-lo. Na verdade essas escolas isoladas,
uma vez reunidas, deram origem, no interior dos grupos escolares, às
11. O ADVENTO DOS GRUPOS ESCOLARES classes que, por sua vez, correspondiam às séries anuais. Portanto, as
escolas isoladas eram não seriadas, ao passo que os grupos escolares eram
seriados. Por isso esses grupos eram também chamados de escolas
Consoante a concepção difundida na época segundo a qual toda a
graduadas, uma vez que o agrupamento dos alunos se dava de acordo com o
reforma escolar poderia ser resumida na questão do mestre e dos métodos
grau ou série em que se situavam, o que implicava uma progressividade da
(SOUZA, 1998, p. 39), a reforma começou, em 1890, pela Escola Normal.
aprendizagem, isto é, os alunos passavam, gradativamente, da primeira à
Caetano de Campos, então diretor da Escola Normal de São Paulo, toma a
segunda série e desta à terceira até concluir a última série (o quarto ano no
iniciativa e elabora, com Rangel Pestana, o decreto de 12 de março de 1890.
caso da instrução pública paulista) com o que concluíam o ensino primário.
Inspirando-se no exemplo de países como a Alemanha, Suíça e Estados
Os princípios pedagógicos a partir dos quais esses conteúdos deveriam ser
Unidos, Caetano de Campos considera que devemos “estudar nesses povos
trabalhados pelo professor junto aos alunos integram aquela concepção que
a maneira de ensinar”, considerando, porém, “a necessidade não de adotar,
a Escola Nova veio, mais tarde, considerar como pedagogia tradicional:
mas sim adaptar esses métodos à nossa necessidade” (REIS FILHO, 1995, p.
76). Sua convicção era a de que, “antes de reformar a Instrução Pública do a) Simplicidade, análise e progressividade – O ensino deve começar pelos elementos
Estado, imperiosa e inadiável necessidade”, se deviam instalar “as ‘escolas- mais simples. O esforço pedagógico exige a análise da matéria ensinada, de modo a
modelo’ de 2º e 3º graus, anexas à Escola Normal” (idem, p. 78). Em decompô-la num certo número de elementos que serão individualmente fáceis de
assimilar. O espírito do aluno, progressivamente, vai-se enriquecendo à medida que
consequência, é criada a Escola-Modelo, anexa à Escola Normal de São adquire os novos conhecimentos gradualmente dispostos.
Paulo, como um órgão de demonstração metodológica, composto por duas b) Formalismo – O ensino chega ao encadeamento de aspectos rigorosamente lógicos.
classes, uma feminina e outra masculina. Para reger a primeira foi O ensino esforça-se por ser dedutivo.
contratada Dona Guilhermina Loureiro de Andrade e, para a segunda, Miss c) Memorização – A decomposição do conteúdo do ensino em elementos facilita a
memorização. A medida do conhecimento do aluno é dada pela sua capacidade de
Márcia Browne. repetir o que foi ensinado pelo professor.
Em 1892 empreende-se, pela Lei n. 88 de 8 de setembro regulamentada d) Autoridade – A escola elabora um sistema de prêmios e castigos, de sanções
pelo Decreto n. 144B de 30 de dezembro, a reforma geral da instrução apropriadas visando a garantir que a organização pedagógica se funde sempre na
autoridade do professor.
pública paulista.
e) Emulação – A ideia de dever, a necessidade de aprovação e o sentimento do mérito
Embora a reforma promulgada em 1892 abrangesse a totalidade da são desenvolvidos para manter a atividade escolar, e completam, desse modo, o
instrução pública, seu centro localizava-se na escola primária. E a grande princípio de autoridade.
inovação consistiu na instituição dos grupos escolares, “criados para reunir f) Intuição – O ensino deve partir de uma percepção sensível. O princípio da intuição
exige o oferecimento de dados sensíveis à observação e à percepção do aluno.
em um só prédio de quatro a dez escolas, compreendidas no raio da Desenvolvem-se, então, todos os processos de ilustração com objetos, animais ou
obrigatoriedade escolar” (idem, p. 137). Na estrutura anterior, as escolas suas figuras [REIS FILHO, 1995, p. 68].
primárias, então chamadas também de primeiras letras, eram classes
isoladas ou avulsas e unidocentes. Ou seja, uma escola era uma classe O último princípio remete diretamente ao método intuitivo. Tal método,
regida por um professor, que ministrava o ensino elementar a um grupo de que surgira na Alemanha no final do século XVIII e que fora divulgado
alunos em níveis ou estágios diferentes de aprendizagem. E essas escolas pelos discípulos de Pestalozzi no decorrer do século XIX na Europa e nos
Estados Unidos, esteve na pauta das propostas de reforma da instrução emprestou seu nome ao primeiro grupo escolar, criado em 1911 (FIORI,
pública formuladas no final do Império. Rui Barbosa foi um grande 1991).
defensor desse método, cujos princípios e fundamentos foram por ele No Paraná a criação dos grupos escolares começa em 1903, em
sistematicamente apresentados em seus célebres “Pareceres”, culminando Curitiba, “tendo por modelo a estrutura de grupo escolar do Estado de São
com a tradução do livro de Calkins sobre a Lição de coisas, que é a essência Paulo” (OLIVEIRA, 2000, pp. 1-2).
do método intuitivo. Caetano de Campos foi um entusiasta desse método e Em São Luís do Maranhão, os grupos escolares foram implantados em
por ele guiou-se na organização das escolas-modelo e dos grupos escolares. 1903, estendendo-se aos demais municípios em 1905 (MOTTA, 2006, p.
Deflagrado o processo a partir de 1893, ano em que se iniciou a 144).
implantação das medidas instituídas pela reforma de 1892, os grupos A experiência paulista foi também transferida para Sergipe por
escolares foram disseminando-se pelo estado de São Paulo, chegando, em iniciativa do médico Helvécio de Andrade: “o Grupo Escolar Modelo,
1910, a 101, sendo 24 na capital e 77 no interior (SOUZA, 1998, p. 150). De criado em 1910 e inaugurado em 1911 na cidade de Aracaju, foi a primeira
São Paulo o modelo irradiou-se pelos demais estados. instituição dessa natureza a funcionar em Sergipe” (NASCIMENTO, 2006, p.
Conforme relata Luciano Mendes de Faria Filho, ao realizar viagem 159).
técnica em 1902, quase uma década após a implantação dos grupos Na Bahia, embora a legislação faça menção a grupos escolares desde
escolares em São Paulo, o inspetor do Ensino de Minas Gerais, Estevam de 1895, a primeira instituição desse tipo instalada em Salvador foi “o Grupo
Oliveira, “ficou deslumbrado com o espetáculo de ordem, civismo, Escolar da Penha inaugurado, provavelmente, em 1908” (ROCHA & BARROS,
disciplina, seriedade e competência que disse observar nas instituições de 2006, p. 180). Mas será somente na reforma de 1925, dirigida por Anísio
instrução primária da capital paulista” (FARIA FILHO, 2000, p. 27). Essa Teixeira, que serão introduzidas na organização do ensino primário as
viagem foi decisiva para transformar Estevam de Oliveira em defensor “escolas reunidas”. Os grupos escolares propriamente ditos se disseminarão
ardoroso da implantação desse modelo em Minas Gerais, no que ele foi na Bahia a partir da década de 1930 (idem, p. 191).
seguido pela “totalidade dos inspetores escolares” assim como por “boa O Decreto n. 258 de 20 de agosto de 1910 deu início à implantação dos
parte dos políticos e autoridades republicanas” (idem, ibidem). E de fato, grupos escolares em Mato Grosso, mediante a instalação de duas unidades
em 1906, logo após assumir a presidência do estado de Minas Gerais, João na capital, Cuiabá (SILVA, 2006, p. 218).
Pinheiro determinou, pela Lei n. 439 de 28 de setembro de 1906, que o Trata-se, pois, de um modelo que foi sendo disseminado por todo o país,
ensino primário, além das escolas isoladas, seria organizado também na tendo conformado a organização pedagógica da escola elementar que se
forma de “grupos escolares e escolas-modelo anexas às escolas normais” encontra em vigência, atualmente, nas quatro primeiras séries do que hoje
(ARAÚJO, 2006, p. 247). se denomina ensino fundamental.
No estado da Paraíba, conforme se pode ver na mensagem enviada à Quanto ao significado pedagógico da implantação do modelo dos
Assembleia Legislativa pelo presidente do estado (PINHEIRO, 2002, p. 127), grupos escolares, cumpre observar que, por um lado, a graduação do ensino
a proposta de criação de grupos escolares data de 1908, mas a implantação levava a uma mais eficiente divisão do trabalho escolar ao formar classes
efetiva veio dar-se apenas a partir de 1916 (idem, p. 139). com alunos de mesmo nível de aprendizagem. E essa homogeneização do
No Rio Grande do Norte, o primeiro grupo escolar foi instalado em ensino possibilitava um melhor rendimento escolar. Mas, por outro lado,
Natal em 1908 (MOREIRA & ARAÚJO, 1997, p. 116), ano em que também foi essa forma de organização conduzia, também, a mais refinados mecanismos
criado em Vitória, no Espírito Santo, o primeiro grupo escolar, pelo Decreto de seleção, com altos padrões de exigência escolar, “determinando inúmeras
n. 166, de 5 de setembro de 1908 (FERREIRA, 2000, p. 3). e desnecessárias barreiras à continuidade do processo educativo”, o que
Em Santa Catarina a primazia na instalação dos grupos escolares acarretava “o acentuado aumento da repetência nas primeiras séries do
pertenceu a Lages, cidade natal do então governador Vidal Ramos, que
curso” (REIS FILHO, 1995, p. 138). No fundo, era uma escola mais eficiente Mário Casasanta; a reforma do Distrito Federal, liderada por Fernando de
para o objetivo de seleção e formação das elites. A questão da educação das Azevedo em 1928; e a reforma pernambucana, em 1929, de iniciativa de
massas populares ainda não se colocava. Carneiro Leão.
Essa questão emergirá na reforma paulista de 1920, conduzida por
Sampaio Dória, única dentre as várias reformas estaduais da década de
1920 que procurou enfrentar esse problema proposto nos seguintes termos:
“encontrar uma fórmula para resolver o problema do analfabetismo” numa
situação em que mais da metade da população paulista entre 7 e 12 anos de
idade estava fora da escola e o orçamento do estado não permitia a elevação
substantiva dos gastos com educação (NAGLE, 1974, p. 207). Diante dos
princípios republicanos que colocavam a instrução popular como um “dever
primacial”, o então presidente do estado, Washington Luís, concluía que
“dar instrução a alguns e não dar a todos é profundamente injusto” (idem, p.
208). À luz desse entendimento, a Reforma Sampaio Dória instituiu uma
escola primária cuja primeira etapa, com a duração de dois anos, seria
gratuita e obrigatória para todos, tendo como objetivo garantir a
universalização das primeiras letras, isto é, a alfabetização de todas as
crianças em idade escolar. Essa reforma, admitida pelo próprio Sampaio
Dória como resultando em “um tipo de escola primária, aligeirada e
simples”, recebeu muitas críticas e acabou não sendo plenamente
implantada.
A Reforma Sampaio Dória abriu o ciclo de reformas estaduais que
marcou a década de 1920. Esse processo alterou a instrução pública em
variados aspectos como a ampliação da rede de escolas; o aparelhamento
técnico-administrativo; a melhoria das condições de funcionamento; a
reformulação curricular; o início da profissionalização do magistério; a Escola Modelo Maria José (década de 1900). Fonte: Escola Modelo Maria José. São Paulo, SP,
190_. Col. Secretaria da Agricultura, Comércio e Obras Públicas do Estado de São
reorientação das práticas de ensino; e, mais para o final da década, a Paulo/Centro de Memória-UNICAMP (CMU-UNICAMP).
penetração do ideário escolanovista.
Cabe registrar, além da reforma paulista de 1920: a reforma cearense,
em 1922, encabeçada por Lourenço Filho; no Paraná a reforma de
Lysimaco Ferreira da Costa e Prieto Martinez, em 1923; a reforma de José
Augusto iniciada em 1924 no Rio Grande do Norte; a reforma baiana,
dirigida por Anísio Teixeira em 1925, que, segundo Nagle (1974, pp. 194-
195), fecha o primeiro ciclo das reformas da década de 1920, representando
“a consolidação das normas já estabelecidas”. Após essa reforma, abre-se
um novo ciclo marcado pela introdução mais sistemática das ideias
renovadoras: a reforma mineira de 1927, realizada por Francisco Campos e
Padroado é a outorga, pela Igreja de Roma, de um certo grau de controles sobre a Igreja
local ou nacional, a um administrador civil, em apreço de seu zelo, dedicação e esforços para
difundir a religião e como estímulo para futuras “boas obras”. De certo modo o espírito do
Padroado pode ser assim resumido: aquilo que é construído pelo administrador pode ser
controlado por ele. O sistema de Padroado no Brasil foi constituído por uma série de Bulas
Papais por quatro Papas entre 1455 e 1515 [BRUNEAU, 1974, pp. 31-32].
12. AS IDEIAS PEDAGÓGICAS
Esse regime vigorou até o final do Império, já que foi renovado, em
REPUBLICANAS: POSITIVISMO E LAICISMO 1827, pela Bula Praeclara Portugalliae, de Leão XII, que concedeu a Dom
Pedro I “o reconhecimento formal dos tradicionais poderes do Padroado
para si, inaugurando o ‘padroado régio’ ou ‘regalismo’ no Brasil” (CASALI,
Em suma, as primeiras décadas do século XX caracterizaram-se pelo 1995, p. 61).
debate das ideias liberais sobre cuja base se advogou a extensão universal,
É verdade que, do ponto de vista da moral e dos costumes, assim como
por meio do Estado, do processo de escolarização considerado o grande
das práticas políticas e sociais, de modo especial da parte das elites, a
instrumento de participação política. É, pois, a ideia central da vertente
concepção de vida disseminada durante a vigência do padroado resultava
leiga da concepção tradicional, isto é, a transformação, pela escola, dos
bastante laicizada, secularizada, distanciando-se e, mesmo, entrando em
indivíduos ignorantes em cidadãos esclarecidos, que esteve na base do
conflito com os cânones oficiais esposados pela Igreja romana. Mas a
movimento denominado por Nagle (1974) de “entusiasmo pela educação”,
concepção que se procurava incutir na população, de modo geral, e, em
o qual atingiu seu ponto culminante na efervescente década de 1920. Mas é
consequência, as ideias pedagógicas que conformavam as escolas em que se
nessa mesma década que a versão tradicional da pedagogia liberal foi
concretizava a então denominada instrução pública continuavam
suplantada pela versão moderna. A concepção humanista moderna de
impregnadas da visão católica. Assim, podemos considerar que a
filosofia da educação ganhou impulso no Brasil especialmente a partir da
hegemonia católica no campo da educação não chegou a ser abalada nem
criação da Associação Brasileira de Educação (ABE) em 1924, por
mesmo quando se agudizavam os conflitos entre as elites, bafejadas pelo
iniciativa de Heitor Lyra, que, evidentemente, pensou em uma entidade
ideário iluminista, e o clero, assim como entre o clero secular, sujeito ao
ampla, capaz de congregar todas as pessoas, de várias tendências, em torno
imperador pelo regime do padroado, e os ditames da Cúria Romana, como
da bandeira da educação. A ABE, no entanto, constituiu-se num espaço
se deu desde a ascensão de Pombal até o final do Império brasileiro.
propício em torno do qual se reuniram os adeptos das novas ideias
O avanço das ideias laicas associado ao regime do padroado
pedagógicas. Sua força revelou-se diretamente proporcional à sua
desembocou, no final do Império, numa crise de hegemonia cuja expressão
capacidade de organização. Em 1927 a ABE organizou a I Conferência
mais ruidosa foi a “questão religiosa”. Essa denominação reporta-se ao
Nacional de Educação, evento este que passou a ser promovido
episódio em que os bispos de Olinda, Dom Vital, e do Pará, Dom Antonio
regularmente nos anos seguintes.
de Macedo Costa, determinaram, em 17 de janeiro de 1873, que em suas
As ideias pedagógicas que predominaram no final do Império e que
dioceses “os maçons fossem afastados dos quadros das Irmandades, Ordens
conduziram à Proclamação da República também tiveram consequência
Terceiras e quaisquer Associações Religiosas” (CASALI, 1995, pp. 64-65).
importante no que se refere ao ensino religioso.
Recusando-se a acatar essa determinação, várias associações recorreram ao
Como já foi mencionado, o regime monárquico instalado após a imperador, que acolheu o recurso e, diante do não acatamento de sua
independência política adotou o catolicismo como religião oficial, sob a decisão, determinou, em 1874, a prisão dos bispos que foram julgados e
forma do padroado, assim definido por Bruneau: condenados pelo Supremo Tribunal a quatro anos de reclusão, sendo
anistiados depois de um ano.
Esse episódio pôs em evidência, para o clero, o conflito entre a
obediência ao imperador e a fidelidade à doutrina emanada do papado. O
contexto do conflito é dado pelo “bando de ideias novas”, na expressão de
Silvio Romero retomada por Cruz Costa (1967, pp. 97-102), representado
principalmente pelas correntes do liberalismo e do positivismo abraçadas
por parte significativa de nossas elites letradas formadas na Europa. E a 13. A REAÇÃO CATÓLICA
solução do conflito encaminhou-se na direção da dissolução do regime do
padroado, consumada pela separação entre Igreja e Estado ao ser
implantado o regime republicano em 1889, cuja consequência foi a A mobilização da Igreja expressou-se na forma de resistência ativa
exclusão do ensino religioso das escolas públicas. articulando dois aspectos: a pressão para o restabelecimento do ensino
religioso nas escolas públicas e a difusão de seu ideário pedagógico
Se, por um lado, esse desfecho pode ser considerado uma derrota para a
mediante a publicação de livros e artigos em revistas e jornais e, em
Igreja Católica, já que a privou das benesses de que gozava por sua
especial, na forma de livros didáticos para uso nas próprias escolas públicas
vinculação com o Estado, por outro lado ela se fortaleceu pela unidade de
assim como na formação de professores, para o que ela dispunha de suas
doutrina e pela autonomia de que passou a gozar diante do poder político.
próprias Escolas Normais.
Mas a exclusão do ensino religioso das escolas foi algo que a Igreja jamais
aceitou, o que a levou a mobilizar todas as suas forças para reverter esse Chamo essa mobilização de “resistência ativa” porque não se limitou a
estado de coisas. manifestar suas discordâncias, críticas e objeções, alertando para as
consequências negativas da situação então instaurada, o que lhe conferiria
um caráter passivo não indo além do exercício do direito de discordar. Para
além desse limite, o processo de mobilização da Igreja Católica preencheu
as duas condições que defini para caracterizar a resistência ativa, a saber: a)
quanto à forma, a exigência de que a resistência se manifeste não apenas
individualmente, mas por meio de organizações coletivas; b) quanto ao
conteúdo, a formulação de alternativas às medidas em vigor (SAVIANI, 2003,
pp. 235-236).
Essa estratégia foi acionada pela Igreja desde a Proclamação da
República. Com efeito, “a Pastoral dos bispos de 1890 afirma que a
República brasileira não iria seguir ‘os horrores da revolução francesa’. Da
tendência ateia desta seguiu-se a extinção da ‘religião nas escolas’” (CURY,
2001, p. 94). Essa pastoral, além de criticar as medidas laicizantes como a
precedência do casamento civil sobre o religioso, a laicização dos
cemitérios, a inelegibilidade dos clérigos, a exclusão dos religiosos do
direito de voto nas eleições e a proibição do ensino religioso nas escolas
públicas, estimula os católicos a participar da política dando forma à ideia
do Partido Católico. Como mostra Lustosa (1983), a Igreja participou
ativamente do processo político em todo o período republicano.
Mas foi a partir da década de 1920 que a estratégia da resistência ativa
foi acionada de forma mais efetiva.
Em 1921 foi fundada a revista A Ordem, que se converteu no principal
veículo de difusão das posições católicas. Seguiu-se uma série de iniciativas
encetadas sob inspiração do cardeal Leme, o grande líder do processo de
“rearmamento institucional da Igreja Católica” (MICELI, 1979, pp. 51-56). 14. AS IDEIAS PEDAGÓGICAS NÃO
Em 1922 foi criado o Centro Dom Vital, que significativamente recebeu o HEGEMÔNICAS
nome do bispo de Olinda e Recife, protagonista, ao lado de Dom Macedo
Costa, bispo de Belém, da “questão religiosa”. Ainda em 1922 fundou-se a
Confederação Católica, mais tarde transformada na Ação Católica Mas, se até agora foram examinadas as ideias pedagógicas pelo prisma
Brasileira. dos protagonistas com chances de vencer a luta pela hegemonia do campo
Gramsci havia registrado em suas notas do cárcere, no início dos anos educativo, não se pode ignorar a presença de outras correntes de ideias
de 1930: pedagógicas oriundas dos grupos socialmente não dominantes, elaboradas a
partir da perspectiva dos trabalhadores. Lancemos, pois, um olhar, ainda
A Igreja, na sua fase atual, em virtude do impulso proporcionado pelo Papa à Ação que breve, sobre as pedagogias do movimento operário que marcaram
Católica, não pode contentar-se apenas em formar padres; ela almeja permear o Estado […] e
para isto são necessários os leigos, é necessária uma concentração de cultura católica
presença ao longo da Primeira República.
representada por leigos. Muitas personalidades podem se tornar auxiliares mais preciosos da Em termos gerais, cabe observar que o desenvolvimento do movimento
administração etc., do que como cardeais ou bispos [GRAMSCI, 1976, p. 308]. operário nesse período se deu sob a égide das ideias socialistas, na década
de 1890, anarquistas (libertárias) nas duas primeiras décadas do século XX,
Assim, o Centro Dom Vital, entendido pelo cardeal Leme como “a e comunistas, na década de 1920.
maior afirmação da inteligência cristã em terras do Brasil” (CASALI, 1995, As ideias socialistas já vinham circulando no país desde a segunda
p. 119), foi criado como um órgão destinado a aglutinar intelectuais leigos metade do século XIX, portanto, ainda sob o regime monárquico e
que desempenhariam o papel de elite intelectual da restauração católica. escravocrata. Nesse momento surgiram jornais como O socialista da
Sua liderança foi exercida por Jackson de Figueiredo, que foi sucedido, ao Província do Rio de Janeiro, lançado em 1845, e livros como O socialista,
sobrevir sua morte prematura, em 1928, por Alceu Amoroso Lima, que de autoria do general José Abreu e Lima, publicado em Recife em 1855
assumiu a direção do centro tendo como assistente eclesiástico o padre (GHIRALDELLI JR., 1987, pp. 53-54). Essas ideias eram provenientes do
Leonel Franca.
movimento operário europeu, tendo por matriz teórica autores como Saint
Considerando a educação uma área estratégica, os católicos esmeraram- Simon, Fouriet, Owen e Proudhon. Após a queda da Comuna de Paris, para
se em organizar esse campo criando, a partir de 1928, nas diversas unidades escapar da perseguição na Europa, muitos communards tiveram de emigrar
da federação, Associações de Professores Católicos (APCs) que vieram a e vários deles vieram para a América Latina. Com o regime republicano,
ser aglutinadas na Confederação Católica Brasileira de Educação. abolido o trabalho escravo, começa a configurar-se uma classe proletária,
Com essa força organizativa, os católicos constituíram-se no principal esboçando-se um clima mais favorável para o surgimento de organizações
núcleo de ideias pedagógicas a resistir ao avanço das ideias novas, operárias de diferentes tipos. E a abertura para a participação popular na
disputando, palmo a palmo com os renovadores, herdeiros das ideias Assembleia Constituinte de 1891 enseja a criação de “partidos operários”
liberais laicas, a hegemonia do campo educacional no Brasil a partir dos em 1890, desembocando na fundação do Partido Socialista Brasileiro em
anos de 1930. 1902. Os vários partidos operários, partidos socialistas, centros socialistas
assumiram a defesa do ensino popular gratuito, laico e técnico-profissional.
Reivindicando o ensino público, criticavam a inoperância governamental no A partir dos anos de 1920, com o desenvolvimento da experiência
que se refere à instrução popular e fomentaram o surgimento de escolas soviética, a hegemonia do movimento operário foi transferindo-se dos
operárias e de bibliotecas populares. Mas não chegaram a explicitar mais libertários para os comunistas, haja vista que em 1922 é fundado o Partido
claramente a concepção pedagógica que deveria orientar os procedimentos Comunista Brasileiro (PCB) com a participação de um grupo de
de ensino. anarcossindicalistas. Aliás, os próprios anarquistas já vinham divulgando,
As ideias anarquistas no Brasil também remontam ao século XIX, por meio de seus órgãos de imprensa, as realizações da sociedade soviética
havendo o registro de publicações como Anarquista Fluminense, de 1835, e no campo educativo. O PCB, embora posto na ilegalidade no mesmo ano de
Grito Anarquial, de 1849. Surgiram, também, no ocaso do Império e início sua fundação, deu sequência à divulgação da experiência soviética e
da República, colônias anarquistas, entre as quais a mais famosa foi a procurou criar mecanismos de atuação para contornar a situação de
Colônia Cecília, que funcionou entre 1889 e 1894 por iniciativa de clandestinidade. Constituiu o bloco operário, que logo se ampliou para
imigrantes italianos, experiência descrita de forma poética em 1942 por incorporar também o campesinato, do que resultou o Bloco Operário-
Afonso Schmidt (1980). Os ideais libertários difundiram-se no Brasil na Camponês (BOC), convertido numa espécie de braço legal do PCB. Foi,
forma das correntes anarquista e anarcossindicalista. Aquela mais afeita aos com efeito, pela via do BOC que o partido pôde lançar candidatos para
meios literários e esta diretamente ligada ao movimento operário. Seus disputar postos eletivos. No que se refere à educação, o PCB posicionou-se
quadros provinham basicamente do fluxo imigratório e expressavam-se por em relação à política educacional, defendendo quatro pontos básicos: ajuda
meio da criação de um número crescente de jornais, revistas, sindicatos econômica às crianças pobres, fornecendo-lhes os meios (material didático,
livres e ligas operárias. A educação ocupava posição central no ideário roupa, alimentação e transporte) para viabilizar a frequência às escolas;
libertário e expressava-se num duplo e concomitante movimento: a crítica à abertura de escolas profissionais em continuidade às escolas primárias;
educação burguesa e a formulação da própria concepção pedagógica que se melhoria da situação do magistério primário; subvenção às bibliotecas
materializava na criação de escolas autônomas e autogeridas. No aspecto populares. Também se dedicou à educação política e formação de quadros.
crítico denunciavam o uso da escola como instrumento de sujeição dos Mas não chegou, propriamente, a explicitar sua concepção pedagógica.
trabalhadores por parte do Estado, da Igreja e dos partidos. No aspecto Provavelmente isso se deva às novas condições políticas vividas na década
propositivo os anarquistas no Brasil estudavam os autores libertários de 1920. Com efeito, a Revolução Soviética havia sido feita sob o
extraindo deles os principais conceitos educacionais como o de “educação pressuposto de que se tratava de um primeiro elo de uma revolução
integral”, oriundo da concepção de Robin, e “ensino racionalista”, proletária de caráter mundial, conforme o entendimento de Lênin. Isso
proveniente de Ferrer (GALLO & MORAES, 2005, pp. 89-91), e os traduziam e significava que, na sequência da Revolução Russa, outros países do
divulgavam na imprensa operária. Mas não ficavam apenas no estudo das Ocidente também enveredariam pela revolução proletária. E os olhos
ideias. Buscavam praticá-las por meio da criação de universidade popular, voltavam-se especialmente para a Alemanha, onde o movimento operário
centros de estudos sociais e escolas, como a Escola Libertária Germinal, era bastante forte. No entanto, após o fracasso das tentativas de revolução
criada em 1904, a Escola Social da Liga Operária de Campinas, em 1907, a no Ocidente (em 1922, na Itália e em 1923, na Alemanha), veio abaixo
Escola Livre 1º de Maio, em 1911, e as Escolas Modernas. Estas aquela expectativa. Lênin percebeu que o capitalismo se revitalizava e as
proliferaram de modo especial após a morte de Francisco Ferrer, inspirador condições da revolução no Ocidente mudavam de rumo. Essa situação
do método racionalista, executado em 1909 pelo governo espanhol pelo provocou a mudança da estratégia do movimento revolucionário, surgindo a
crime de professar ideias libertárias. Também no Brasil as Escolas tese do “socialismo num só país”. A orientação da III Internacional afastou,
Modernas foram alvo de perseguição, sendo fechadas pela polícia. A última então, a possibilidade de uma revolução proletária internacionalmente
delas teve suas portas fechadas em 1919. conduzida. Cada país deveria conduzir o seu processo revolucionário
segundo as peculiaridades próprias. A revolução adquiria, assim, um caráter
nacional. Essa orientação foi assumida pelo PCB na forma da participação
na revolução democrático-burguesa como condição prévia para se colocar,
no momento seguinte, a questão da revolução socialista. É nesse contexto
que o PCB se integra, por meio do BOC, no processo que desembocou na
Revolução de 1930.
RESUMO:
RESUMO. Analisam-se neste artigo aspectos da história da Educação no Brasil relacionados à consolidação
da escola pública e às políticas educacionais. O período demarcado inicia-se com a década de 30 do século
XX, época em que a organização e implantação de um sistema escolar público no País tornou-se condição
sine qua non para o seu desenvolvimento socioeconômico, e se estende aos anos 2000 com a consolidação da
democracia e do Estado de Direito no Brasil. Foram utilizadas fontes documentais elaboradas por órgãos
governamentais e entidades científicas bem como a bibliografia produzida por pesquisadores da área. Os
dados mostram que ao longo do período houve expansão em todos os graus de ensino, contudo, continuam
persistindo traços de elitismo e exclusão. Além disso, verifica-se contraste entre a qualidade da Pós-
Graduação e a da escola pública, que não tem cumprido a sua função essencial. Tais conclusões evidenciam
a necessidade de resolução desses problemas a fim de que se avance na própria democracia no País.
Palavras-chave: história da educação brasileira, escola pública, democracia.
History of Education in Brazil: the public school in the process of democratization of society
ABSTRACT. This paper analyzes aspects of the history of education in Brazil related to the consolidation
of public schools and educational policies. The period marked begins with the 1930s, a time when the
organization and implementation of a public school system in the country has become a condition for the
socio-economic development, and extends to the 2000s with the consolidation of democracy and the rule
of law in Brazil. It is based on documentary sources developed by governmental and scientific
organizations and the literature produced by researchers. The data show that over the period there was an
increase in all levels of education, however, continues to persist traces of elitism and exclusion. Moreover,
there is contrast between the quality of graduate and public school, which has failed its essential function.
These findings highlight the need to solve these problems in order to advance democracy in the country.
Keywords: history of brazilian education, public school, democracy.
examina-se a expansão da escola pública no período Essa disputa ideológica atravessou décadas e
da Ditadura Militar (1964-1985); na terceira, os anos reformas educacionais sem que o poder público
da redemocratização e as políticas educacionais de brasileiro edificasse um sistema nacional de escolas
caráter neoliberal. públicas para todos.
De fato, durante o período de 1930 a 1964,
As reformas educacionais brasileiras no contexto ocorreram várias reformas educacionais no Brasil
das disputas ideológicas durante as décadas de 30 a sem que fosse resolvido o secular problema do
60 do século XX analfabetismo e da garantia de pelo menos quatro
Nas décadas compreendidas entre 1930 e 1960, o anos de escolaridade para todas as crianças, fato que
Brasil passou por mudanças estruturais que evidencia a forma como o Estado Nacional conduziu
incidiram diretamente sobre a construção de um a política educacional da época. Para se compreender
sistema nacional de educação pública. No plano esse aspecto das políticas públicas no Brasil, é
estrutural, o País passava por uma transição necessário evocar a Revolução de 19302, que passou
caracterizada pela aceleração do modo capitalista de a edificar o Estado burguês adotando medidas
produção, o que ocasionou transformações centralizadoras que garantissem a unidade nacional e
superestruturais, notadamente no aparelho escolar. a sua presença em setores estratégicos, como na
Em termos políticos, o período está compreendido supremacia sobre o próprio território. Foi nesse
entre dois processos vinculados à transição de um contexto que logo após a ascensão de Getúlio Vargas
modelo econômico agrário-exportador para ao poder, em 1930, criou-se o Ministério da
industrial-urbano: a Revolução de 1930 e o golpe de Educação e Saúde Pública, chefiado por Francisco
Estado de 1964. Campos, que implantou a Reforma de 1931,
No período de 1930 a 1964, rivalizaram-se dois precedida por um pedido de Vargas aos educadores
projetos de nação para o Brasil. O nacional- reunidos na IV Conferência da Associação Brasileira
populista, cuja gênese reportava-se a Getúlio Vargas de Educação (ABE) para que fornecessem ao
e que agregou setores progressistas da sociedade governo ‘o sentido pedagógico da revolução’.
brasileira, defendia a industrialização do País à base A Reforma Francisco Campos, como ficou conhecida,
do esforço nacional, sem comprometer a sua teve como diferencial a criação, pelo menos em lei, de
soberania. Por ter nascido reconhecendo que a um Sistema Nacional de Educação, além de ter criado
questão social não era caso de polícia, mas de o Conselho Nacional de Educação, órgão consultivo
política, o projeto getulista contou com apoio dos máximo para assessorar o Ministério da Educação. O
trabalhadores. Por sua vez, o projeto das oligarquias texto da Reforma determinou que o ensino
tradicionais, ligadas ao setor agrário exportador, secundário ficasse organizado em dois ciclos: o
previa o desenvolvimento econômico subordinado à fundamental, de cinco anos, e o complementar, de
liderança dos Estados Unidos da América e dois anos. Dessa forma, o ensino secundário
representava setores da elite política desalojada do compreendia a escolarização imediatamente
poder em 1930, especialmente os ligados à economia posterior aos quatro anos do ensino primário e tinha
cafeeira paulista. A polarização ganhou fortes cores caráter altamente seletivo.
ideológicas oriundas do ambiente político A seletividade do ensino secundário e a
internacional, dominado pela disputa entre dois dicotomia entre ensino profissional e secundário
blocos, o capitalista e o socialista, de tal forma que a ficaram mantidas, favorecendo os filhos da elite. O
política nacional da época esteve marcada pelos primeiro ciclo, de cinco anos, tornou-se obrigatório
binômios esquerda x direita, conservadores x para ingresso no ensino superior; o segundo, de dois
progressistas. anos, em determinadas escolas. O ingresso ao
A educação, por exemplo, foi palco de superior devia guardar correspondência obrigatória
manifestações ideológicas acirradas, pois, desde com o ensino médio, o que também dificultava o
1932, interesses opostos vinham disputando espaço acesso ao ensino superior. A Reforma deixou
no cenário nacional: de um lado, a Igreja Católica e
setores conservadores pretendendo manter a 2
Em 1930, Getúlio Vargas liderou a revolução que pôs fim ao domínio da
oligarquia agrária representada por Minas Gerais e São Paulo e que governou o
hegemonia que mantinham historicamente na Brasil na primeira fase republicana (1889-1930). Dissidente da oligarquia
tradicional, Vargas partiu do Estado do Rio Grande do Sul e se pôs à frente do
condução da política nacional de educação; de outro, movimento tenentista que convulsionou o Brasil na década de 20, tendo
setores liberais, progressistas e até mesmo de desfecho vitorioso em 1930. Iniciou-se desde então a ‘era’ de Getúlio Vargas no
Brasil: a) de 1930 a 1934, governo provisório; b) de 1934 a 1937, governo eleito
esquerda, aderindo ao ideário da Escola Nova, pela Constituinte; c) de 1937 a 1945, “ditadura do Estado Novo”; e) de 1951 a
1954, eleito pelo voto direto. Vargas instituiu o populismo e iniciou a etapa da
propunham uma escola pública para todas as industrialização no Brasil, a qual, por sua vez, impulsionou a urbanização, e esta,
a pressão por educação. Em agosto de 1954, mergulhado em grave crise política
crianças e adolescentes dos sete aos 15 anos de idade. que almejava sua deposição, Getúlio Vargas cometeu suicídio.
marginalizados o ensino primário, o Curso Normal uma conciliação de interesses no contexto dos
(formação de professores para atuar no primário) e conflitos político-ideológicos da época. No que diz
os vários ramos do ensino profissional, salvo o respeito ao debate educacional e à elaboração da
comercial. Constituição, esses conflitos ficaram explícitos entre
Aspecto inovador da Reforma Francisco Campos os renovadores (liberais partidários dos princípios da
foi ter empreendido a reforma do ensino superior, Escola Nova) e os defensores da educação privada,
prevista no Estatuto das Universidades Brasileiras no caso, representada pela Igreja Católica.
(BRASIL, 1931), que dispunha sobre a organização Com o golpe de Estado que instituiu a ditadura
do ensino superior e adotava o ‘regime de Vargas (1937-1945), uma nova Constituição, a de
universitário’, o qual previa a criação de 1937, foi adotada no Brasil, a qual, no aspecto da
universidades, organizadas de forma que pudessem educação, transformou em ação supletiva o que
criar ciência e transmiti-la, além de servir: antes era dever do Estado.
a) à pesquisa científica e à cultura desinteressada; b) à Durante a ditadura de oito anos, o governo
formação do professorado para as escolas primárias, editou uma das reformas mais duradouras do
secundárias, profissionais e superiores; c) à formação Sistema Educacional Brasileiro, as chamadas Leis
de profissionais em todas as profissões de base Orgânicas do Ensino, mais conhecidas como
científica; d) à vulgarização ou popularização Reforma Capanema (1942-1946). Esse conjunto das
científica literária e artística, por todos os meios de Leis Orgânicas do Ensino, editadas de 1942 a 1946,
extensão universitária (RIBEIRO, 1986, p. 102). estabeleceram o ensino técnico-profissional
A influência do movimento conhecido como (industrial, comercial, agrícola); mantiveram o
Escola Nova nessa Reforma é perceptível, pois caráter elitista do ensino secundário e incorporaram
incorporou uma reivindicação exposta no Manifesto um sistema paralelo oficial (Serviço Nacional de
dos Pioneiros da Educação Nova, de 19323, sobre a Aprendizagem Industrial (Senai) e o Serviço
criação de universidades, previstas como etapa da Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac)).
A Reforma Capanema incorporou também
escolaridade que acolhesse ‘os melhores’, isto é,
algumas reivindicações contidas no Manifesto de
aqueles dentre os que tivessem cursado a escola dos
1932, a saber: a) gratuidade e obrigatoriedade do
sete aos 15 anos e que demonstrassem talento para o
ensino primário; b) planejamento educacional
curso universitário. No âmbito da Reforma, mais
(Estados, territórios e Distrito Federal deveriam
especificamente no que preconizava o Estatuto das
organizar seus sistemas de ensino); c) recursos para
Universidades Brasileiras, foi organizada a o ensino primário (Fundo Nacional do Ensino
Universidade do Rio de Janeiro; em 1934, foi criada Primário) estipulando a contribuição dos Estados,
a Universidade de São Paulo (USP), com a Distrito Federal e dos municípios; d) referências à
participação de Fernando de Azevedo. carreira, remuneração, formação e normas para
Antes das mudanças que viriam a ocorrer em preenchimento de cargos do magistério e na
1937 foi promulgada a Constituição Brasileira de administração.
1934. Nela, o direito à educação, com o corolário da Durante os oito anos do ‘Estado Novo’, termo
gratuidade e da obrigatoriedade tomou forma legal, com o qual Vargas intitulou a sua ditadura, foram
além de ter declarado gratuito o ensino primário de criadas várias entidades e órgãos tanto na esfera da
quatro anos. A Carta de 1934 consagrou o princípio sociedade civil, quanto no âmbito da sociedade
do direito à educação, que deveria ser ministrada política em função de lutas específicas vinculadas às
‘pela família’ e ‘pelos poderes públicos’ e o princípio universidades, à área da educação, ou mesmo ao
da obrigatoriedade, incluindo entre as normas que movimento estudantil. Foi o caso da União Nacional
deviam ser obedecidas na elaboração do Plano de Estudantes (UNE), fundada em 1937, que
Nacional de Educação, o ensino primário gratuito e combateu a ditadura. Ao longo dos seus mais de
de frequência obrigatória, extensiva aos adultos, e a setenta anos de história, a UNE marcou presença na
tendência à gratuidade do ensino ulterior ao vida política, social e cultural do Brasil, como: a)
primário. Além disso, essa Constituição representou contra a Ditadura de Vargas (1937-1945) e a Ditadura
Militar (1964-1985); b) no movimento das ‘Diretas
3
Trata-se do texto conhecido como Manifesto de 1932, cujo título original é A Já’, no início dos anos 1980; c) na campanha do
reconstrução educacional no Brasil: ao povo e ao governo. Redigido por
Fernando de Azevedo, constituiu-se em um dos mais importantes documentos impeachment do presidente Fernando Collor de
da educação brasileira e representou a influência dos ideais da Escola Nova no
Brasil, polarizando com os ideais da escola tradicional e os interesses da Igreja
Mello, em 1992. Durante a década de 90, “[...] foi um
Católica. Foi assinado por 26 intelectuais liberais brasileiros, dentre os quais, o dos principais focos de resistência às privatizações e ao
mais importante para a área da educação foi Anísio Teixeira, e influenciou
largamente as ideias pedagógicas no Brasil. Em 2012, o Manifesto está neoliberalismo que marcou a Era FHC” (UNE,
completando 80 anos de existência e muitas das reivindicações ali contidas
permanecem atuais. 2012), ou seja, o período de 1995-2002.
Acta Scientiarum. Education Maringá, v. 34, n. 2, p. 157-168, July-Dec., 2012
160 Bittar e Bittar
Em janeiro de 1937, mesmo ano de criação da Progresso da Ciência (SBPC), entidade científica
UNE, fundou-se o Instituto Nacional de Pedagogia integrada por pesquisadores de todas as áreas de
(INEP)4, que, atualmente, figura como um dos mais conhecimento, sobretudo físicos e engenheiros.
importantes órgãos de disseminação de informações Iniciou-se, desde então, a organização das primeiras
educacionais e trabalha por meio da constituição de reuniões anuais e a publicação da Revista Ciência e
Comissões de Especialistas designados entre os Cultura, ‘porta-voz da SBPC’. A Sociedade teve
pesquisadores da comunidade acadêmica, para papel importante ao longo desses mais de sessenta
contribuírem com a formulação das políticas anos de existência, especialmente no período de luta
educacionais e de implementação dos processos de contra a ditadura militar, reunindo uma diversidade
avaliação em todos os níveis educacionais. Com a de pesquisadores e associações científicas,
criação do INEP, iniciaram-se no País as bases para a destacando-se nas discussões sobre as políticas
o desenvolvimento de atividades de pesquisa e de científicas do País.
investigação na área da educação, mais tarde Os anos 1950 marcaram a criação de várias
implementadas pelos Centros Regionais de agências de fomento à pesquisa e à ciência
Pesquisa. brasileiras; iniciava-se, em 1951, um novo governo
Terminada a ditadura Vargas, fato que coincidiu de Getúlio Vargas, dessa vez eleito pelo povo. De
com o final da Segunda Guerra Mundial, o Brasil acordo com a sua plataforma nacionalista, a
editou a sua quarta Constituição republicana (1946), construção de uma nação desenvolvida e
que consagrou os direitos e garantias individuais e independente exigia uma política científica e de
assegurou a liberdade de pensamento. Demons- pesquisa para o País. Assim, no primeiro ano do
trando tendência progressista e aproximando-se da novo mandato, criou-se o Conselho Nacional de
Constituição de 1934 e dos princípios ‘do Manifesto Desenvolvimento Científico e Tecnológico
de 1932’, essa Constituição reafirmou o direito de (CNPq), vinculado ao Ministério de Ciência e
todos à educação, obrigatoriedade e gratuidade do Tecnologia, com a função de fomentar o
ensino primário. Esses princípios progressistas, no desenvolvimento científico e tecnológico no País.
entanto, não garantiram a universalização sequer da No mesmo ano, teve origem a Coordenação de
escola primária para todas as crianças brasileiras, ou Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
seja, a sequência de reformas que vimos, (Capes)5, que atualmente desenvolve atividades
especialmente nos seus aspectos mais democráticos, relacionadas: à
pouco saía do papel. Aliás, um traço recorrente das [...] avaliação da pós-graduação stricto sensu; ao acesso
políticas educacionais brasileiras: incorporação de e divulgação da produção científica; ao investimento
princípios democráticos que não chegam a ser postos na formação de recursos humanos de alto nível no
em prática. A Constituição de 1946, por outro lado, País e no exterior; à promoção da cooperação
previu, pela primeira vez, a elaboração de uma lei internacional (CAPES, 2012).
específica para a educação brasileira: a Lei de
No governo de Juscelino Kubitschek (1956-
Diretrizes e Bases da Educação (LDB), que viria a
1960), o País entrou de forma mais intensa na fase
ser aprovada apenas em 1961.
do nacional-desenvolvimentismo. Sob a influência
Antes, porém, no ano de 1948, no transcorrer do
dessa ideologia, foi criado o Instituto Superior de
governo Eurico Gaspar Dutra (1946-1950) e no
Estudos Brasileiros (ISEB), vinculado ao Ministério
contexto de manifestações nacionalistas e
da Educação e Cultura (MEC), reunindo “[...]
democráticas, foi criada a Sociedade Brasileira para o
intelectuais de distintas orientações teóricas e
ideológicas” (TOLEDO, 2005, p. 11)6, com o
4
O INEP passou por várias transformações, desde a sua criação. No início,
constituiu-se como o primeiro órgão do governo federal a estabelecer-se como
“[...] fonte primária de documentação e investigação, com atividades de 5
intercâmbio e assistência técnica”. Em 1944, criou a Revista Brasileira de No início, a Capes tinha como objetivo “[...] atender às necessidades dos
Estudos Pedagógicos (RBEP). Em 1952, sob a presidência de Anísio Teixeira, empreendimentos públicos e privados que visam ao desenvolvimento do País”.
priorizou o trabalho de pesquisa, “[…] como um meio de fundar em bases Além disso, a “[...] industrialização pesada e a complexidade da administração
científicas a reconstrução educacional do Brasil”. Nessa época, foram criados o pública trouxeram à tona a necessidade urgente de formação de especialistas e
Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE) e os Centros Regionais de pesquisadores nos mais diversos ramos de atividade: de cientistas qualificados
Pesquisa, que funcionaram como importantes centros de estudos e pesquisas em Física, Matemática e Química a técnicos em finanças e pesquisadores
educacionais em algumas regiões brasileiras, adquirindo projeção nacional e sociais”. A Capes passou por diversas mudanças, chegando a ser extinta no
internacional. Em 1981, lançou a Revista Em Aberto, para assessorar governo Fernando Collor de Mello, em 1990. Em 1992, ela se tornou Fundação
internamente o MEC, mas posteriormente passou a atender às necessidades de Pública e, em 1995, primeiro ano do governo de Fernando Henrique Cardoso,
“[...] professores e especialistas fora da estrutura do MEC”. Em 1985, retirou-se fortaleceu-se como “[...] instituição responsável pelo acompanhamento e
da função de fomento para retomar seu papel básico de suporte às decisões do avaliação dos cursos de pós-graduação stricto sensu brasileiros. Naquele ano, o
MEC. No governo de Fernando Collor de Mello (1990-1992), o INEP quase foi sistema de pós-graduação ultrapassou a marca dos mil cursos de Mestrado e
extinto, mas após essa fase, ainda no início dos anos 1990, “[...] atuou como dos 600 de Doutorado, envolvendo mais de 60 mil alunos” (CAPES, 2012, p. 3).
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financiador de trabalhos acadêmicos voltados para a educação”. Após 1995, Para Caio Navarro de Toledo, o Instituto foi criado para servir de instrumento
tornou-se responsável pelos levantamentos estatísticos e pelas informações para uma ação eficaz no processo político do País. Reuniu intelectuais de
educacionais que efetivamente orientassem “[…] a formulação de políticas distintas convicções ideológicas, incluindo o marxismo, que acreditavam ser
educacionais do Ministério da Educação”. No governo de Luiz Inácio Lula da possível, por meio do debate e do confronto de ideias, formular um projeto
Silva, passou a denominar-se Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas ideológico comum para o Brasil. Em um contexto de polarização ideológica, o
Educacionais Anísio Teixeira (INEP, 2012, p. 5). nacional-desenvolvimentismo foi concebido como uma ideologia-síntese capaz
objetivo de formular um projeto nacional para o No que se refere à estrutura do ensino, a Lei
País. O Instituto ficou conhecido por: manteve a herança da Reforma Capanema: pré-
primário; primário; médio, subdividido em dois
[…] oferecer cursos a oficiais das Forças Armadas,
empresários, sindicalistas, parlamentares, ciclos (técnico e secundário); superior. Daí afirmar-
funcionários públicos, burocratas e técnicos se que a Reforma Capanema teve caráter duradouro
governamentais, docentes universitários e do ensino que as outras reformas não tiveram.
médio, profissionais liberais, religiosos, estudantes, Depois de uma profusão de debates e com
etc. Distinguindo-se de uma instituição acadêmica instituições ativas na área da educação como a UNE,
foi, precipuamente, um centro de formação política INEP e SBPC, o Brasil chegou à década de 60 do
e ideológica, de orientação democrática e reformista século XX com quase 40% de analfabetismo, o que
(TOLEDO, 2005, p. 11).
evidencia a ineficiência das reformas, o seu caráter
Na última fase do ISEB, seus integrantes retórico e a omissão do Estado no cumprimento
procederam a uma revisão crítica das teses nacionais- efetivo das leis que ele próprio editara. Os números
desenvolvimentistas. De acordo com Caio Navarro expressam que pouco havia mudado: em 1940, a taxa
de Toledo, nessa revisão constatou-se que o, de analfabetismo no Brasil era de 56,0%; em 1950,
era de 50,5% e, em 1960, 39,35% (RIBEIRO, 1986).
[...] país cresceu economicamente – com a consolidação
do capitalismo industrial – mas não resolveu em
Em uma sociedade com quase a metade de sua
profundidade suas graves e históricas desigualdades população analfabeta, quem eram os alunos e quem
sociais e regionais (TOLEDO, 2005, p. 11). eram os professores? Os primeiros eram os que
conseguiam superar todos os obstáculos para chegar
No contexto político entre esquerda e direita, até à escola, uma vez que o Brasil era
nacionalistas versus entreguistas, no início dos anos predominantemente rural e escolas nas fazendas
1960, após 13 anos de conflitos ideológicos e de lutas eram raras. Esse era o mais forte obstáculo à
pela educação pública brasileira, foi aprovada a escolarização8. Urbanização e escolarização,
primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei portanto, são dois fenômenos que precisam ser
n. 4.024, de 1961)7, que incorporou os princípios do considerados conjuntamente na história do Brasil.
direito à educação, da obrigatoriedade escolar e da Diante da alta taxa de analfabetismo (39,35%) no
extensão da escolaridade obrigatória nos seguintes Brasil na década de 60, teve início a experiência de
termos: “A educação é direito de todos e será dada educação popular, dentre as quais se destacou o
no lar e na escola” (Artigo 2º); “O direito à educação método de alfabetização de adultos de Paulo Freire.
é assegurado pela obrigação do poder público e pela Com o apoio da União Nacional dos Estudantes
liberdade de iniciativa particular de ministrarem o (UNE) e de uma parte da Igreja Católica que aderiu
ensino em todos os graus, na forma da lei” (Artigo à Teologia da Libertação, o educador pernambucano
3º) (ROMANELLI, 1986, p. 176). começou a alfabetizar segundo a sua máxima: “[...]
O retrocesso dessa Lei em relação à Constituição educação como prática da liberdade” (FREIRE,
de 1946 foi ter estabelecido casos de isenção pelos 1978, p. 1). Coerente com essa teoria e com a sua
quais o Estado não era obrigado a garantir matrícula: compreensão do Brasil, Paulo Freire preconizava
que, ao enorme contingente que nunca pisara o chão
a) comprovado estado de pobreza do pai ou
de uma escola, não bastaria apenas alfabetizar com
responsável; b) insuficiência de escolas; c) matrícula
encerrada; d) doença ou anomalia grave da criança
métodos convencionais. Ao contrário, no processo
(ROMANELLI, 1986, p. 174). da alfabetização, ao mesmo tempo em que se deveria
fornecer aos adultos desescolarizados o instrumental
de levar o país – através da ação estatal (planejamento e intervenção
da escrita, seria necessário fornecer-lhes também as
econômica) e de uma ampla frente classista – à superação do atraso econômico- ferramentas para interpretar o mundo, ou melhor,
social e da alienação cultural (TOLEDO, 2005).
7
A primeira LDB do País tramitou no Congresso Nacional de 1948 a 1961. Na para ler o mundo. Contudo, a sua inovadora atuação,
primeira fase, de 1948 a 1958, o projeto apresentado pelo Ministro da Educação,
Clemente Mariani, foi alvo da polêmica centrada no aspecto da centralização ou
que no futuro seria reconhecida mundialmente, foi
da descentralização da Política Nacional de Educação. Nessa época, o deputado
federal Gustavo Capanema, do Partido Social Democrático (PSD), ex-Ministro da
interrompida em abril de 1964.
Educação, acusava o projeto de ser centralizador. Com hegemonia Essas características da educação brasileira,
conservadora no Congresso Nacional, em 1958 o deputado Carlos Lacerda, da
União Democrática Nacional (UDN), apresentou um substitutivo ao anteprojeto, herdeira de três séculos de escravidão e com as suas
deslocando o foco da discussão para a ‘liberdade de ensino’, rejeitando a
centralização e propondo que o Estado outorgasse igualdade de condições às
escolas de elite, trazem à mente as palavras de
escolas oficiais e particulares (ROMANELLI, 1986). Segundo alegava, o Estado
pretendia o monopólio sobre o ensino. Esses debates no Congresso Nacional
8
suscitaram, em 1959, o início da Campanha em Defesa da Escola Pública, Foi depois de 1930 que a demanda por escolarização começou a crescer no
liderada por Florestan Fernandes e Fernando de Azevedo, com centro na Brasil, como consequência do projeto econômico implantado pelo governo de
Universidade de São Paulo (USP). A Campanha insurgiu-se contra o substitutivo Getúlio Vargas, pautado na industrialização. Antes disso, vivendo a maioria da
de Carlos Lacerda. Ainda em 1959, foi publicado um Manifesto em favor da população na área rural, em um país recém-liberto da escravidão sem qualquer
escola pública, redigido por Fernando de Azevedo, que tratava do aspecto social política indenizatória ou compensatória, além de manter a estrutura agrária de
da educação e dos deveres do Estado democrático. produção, a necessidade de escolas era pouco percebida.
Manacorda (1989, p. 41), para quem, desde que a universidade ao modelo econômico preconizado
sociedade se dividiu em dominantes e dominados, pelo regime, instituindo os departamentos, a
“[...] para as classes excluídas e oprimidas [...], matrícula por crédito e não mais em disciplinas, a
nenhuma escola”. extinção da cátedra, etc. Inspirada no princípio de
organização da universidade norte-americana, essa
A expansão da escola pública brasileira durante o Reforma, realizada em contexto de repressão
regime militar (1964-1985) política, de um lado, instituiu o modelo da eficiência
A política educacional da ditadura militar, e produtividade e, de outro, o controle sobre as
instituída em 1964, por meio de um golpe de atividades acadêmicas. A repressão se abateu
Estado9, provocou mudanças estruturais na história principalmente sobre o movimento estudantil
da escola pública brasileira. Para alguns, um fato organizado pela UNE, proibido de qualquer
paradoxal, pois, como se explica que exatamente manifestação de caráter político. Foram atingidos
durante um regime autoritário que prendeu, também os professores universitários e intelectuais
torturou e matou seus opositores, a escola pública que atuavam por uma reforma democrática da
tenha se expandido? A resposta deve ser buscada na universidade, que na época era acessível apenas a
própria base produtiva do modelo econômico uma pequena parcela da sociedade brasileira.
instaurado pelos governos militares. A consolidação A relação da Reforma Universitária com a escola
da sociedade urbano-industrial durante o regime pública encontra-se na conexão estabelecida entre os
militar transformou a escola pública brasileira cursos para formar professores e a facilitação da
porque na lógica que presidia o regime era expansão do ensino superior privado. Nesses cursos,
necessário um mínimo de escolaridade para que o muitos dos quais noturnos, começaram a ser
País ingressasse na fase do “Brasil potência”, titulados os novos professores para a escola pública
conforme veiculavam slogans da ditadura. Sem brasileira. Outra consequência da política
escolas isto não seria possível. Entretanto, a expansão educacional da ditadura militar consistiu na
quantitativa não veio aliada a uma escola cujo padrão formação de uma nova categoria docente que veio a
intelectual fosse aceitável. Pelo contrário: a expansão substituir aquela que até então era formada nas
se fez acompanhada pelo rebaixamento da qualidade poucas instituições universitárias ou nos Cursos
de ensino, segundo a maioria dos estudiosos. É Normais. Desse novo contexto, nasceu uma
imperioso constatar, porém, que a expansão, em si categoria massiva que, pela condição de vida e de
mesma, foi um dado de qualidade, pois se qualidade trabalho a que seria submetida, logo iria se organizar
e quantidade são duas categorias filosóficas que não em sindicatos, um fenômeno típico do novo
se separam, o fato de as camadas populares professorado e inteiramente distinto do perfil dos
adentrarem pela primeira vez em grande quantidade professores brasileiros até a década de 60.
na escola pública brasileira constituiu-se em um dos Tendo feito a Reforma ‘antes que outros a
elementos qualitativos dessa escola. Em outras fizessem’, expressão que indicava o temor dos
palavras: se no passado a escola pública brasileira era militares quanto à força do movimento estudantil da
tida como de excelente qualidade, não se pode época, a ditadura militar editou também a reforma
esquecer que essa qualidade implicava na exclusão da do ensino fundamental conhecida como Lei n.
maioria. 5.692, de 1971, transformando o antigo curso
A ditadura militar, ancorada no pensamento primário, de quatro anos, e o ginásio, também de
tecnocrático e autoritário que acentuou o papel da quatro anos, em oito anos de escolaridade
escola como aparelho ideológico de Estado, editou obrigatória mantida pelo Estado, isto é, o ensino de
um rol de medidas consubstanciadas, basicamente, primeiro grau que duplicou os anos de escolaridade
em duas reformas educacionais que mudaram a face obrigatória.
da educação brasileira. A primeira delas foi a Com essa reforma, o regime militar pretendeu
Reforma Universitária10, de 1968, que adequou a conferir um novo caráter ao segundo grau de ensino.
Com o propósito de lhe conferir caráter terminal e de
9
Esse golpe destituiu, em 31 de março de 1964, o governo do presidente eleito
diminuir a demanda sobre o ensino superior, a reforma
João Goulart, filiado politicamente ao nacional-populismo. Durante o período imprimiu-lhe o carimbo de ‘profissionalizante’, ou seja,
decorrido após 1930, as forças políticas predominantes no Brasil se dividiram
entre os que apoiavam o projeto político-econômico nacional-populista, como acabava-se com o ensino médio de caráter formativo,
trabalhadores e setores da classe média, e os conservadores, como
latifundiários e oligarquias tradicionais. Quando a conjuntura internacional se
polarizou em consequência da Guerra Fria, no período após 1945, essas forças porque o movimento estudantil estava mobilizado exigindo a democratização da
à direita, alegando que o Brasil caminhava para o comunismo, tramaram o golpe universidade brasileira desde o pré-64 e o governo militar pretendia calar a sua
de Estado que acabou sendo desfechado pelo Exército, colocando fim ao voz. No entanto, embora realizada pelo Estado autoritário, acabou incorporando
nacional-populismo e subordinando o País à política norte-americana. algumas reivindicações do período anterior à ditadura. Essa Reforma mudou a
10
A Reforma Universitária (Lei n. 5.540/1968) foi consequência do trabalho de face do ensino superior no Brasil, instituindo a indissociabilidade entre ensino,
um grupo de especialistas, atendendo a uma determinação do general Arthur da pesquisa e a pós-graduação no âmbito universitário, além de ter aberto caminho
Costa e Silva, então presidente do Brasil, e foi realizada em curto prazo. Isso para a expansão do ensino privado.
com base humanística, para fornecer ‘uma profissão’ alfabetização, dentre as quais a do Movimento
aos jovens que não pudessem ingressar na Brasileiro de Alfabetização (Mobral), um verdadeiro
universidade. fracasso. O pior, porém, foi o fato de que os
Quanto ao ensino de primeiro grau de oito anos, governos que sucederam a ditadura também não
a expansão física das escolas foi uma característica resolveram esse problema. Além disso, por não ter
dos 21 anos de ditadura. Mas que escola era essa? cumprido a universalização da escola básica, tarefa
Sem dúvida, a das crianças das camadas populares; a realizada pela maioria dos países ocidentais na
escola em que funcionava o turno intermediário, passagem do século XIX para o XX, o Brasil
com pouco mais de três horas de permanência na ingressou no século XXI com essa vergonhosa
sala de aula, mal aparelhada, mal mobiliada, sem herança11.
biblioteca, precariamente construída, aquela em que Em termos de políticas de desenvolvimento
os professores recebiam salários cada vez mais científico e tecnológico, é importante registrar a
incompatíveis com a sua jornada de trabalho e com a criação, no início da década de 60, da Fundação de
sua titulação. A escola na qual era obrigatória a Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
Educação Moral e Cívica, disciplina de caráter (Fapesp)12, a primeira de uma série de fundações
doutrinário, que além de justificar a existência dos estaduais de apoio à pesquisa que foram sendo
governos militares, veiculava ideias preconceituosas criadas nos Estados brasileiros, com o objetivo de
fomentar a pesquisa científica e tecnológica no País,
sobre a formação histórica brasileira, e na qual o
bem como a criação dos programas de pós-
ensino da Língua Portuguesa, da História, da
graduação stricto sensu. No final dos anos 1960,
Geografia e das Artes ficou desvalorizado.
observa-se também o crescimento das Reuniões
Quanto à expansão quantitativa de matrículas nas
Anuais da SBPC e os embates de cientistas e
escolas públicas, alguns dados mostram o que
intelectuais contrários à ditadura. Nos anos 1970, a
ocorreu após a Reforma de 1971. Em 1950, apenas
SBPC incorporou cientistas das áreas das Ciências
36,2% das crianças de 7 a 14 anos de idade tinham
Humanas e Sociais e na segunda metade da década
acesso à escola. Em 1989, os dados indicavam
de 1980, participou ativamente da transição
27.557.492 matrículas no ensino de primeiro grau
democrática, transformando-se em um “[...] fórum
público ante 3.442.934 no privado. Em 1990, eram
de discussão de políticas públicas para o país”
88% (GOLDEMBERG, 1993). O Censo Escolar de
(SBPC, 2012, p. 2).
1991-2002 registrou 35.150.362 de matrículas no
No campo da pesquisa em Ciências Humanas e
ensino de primeiro grau, e desse montante apenas
Sociais, foram criadas, em 1976 e 1977,
3.234.777 estavam na rede privada (CENSO
respectivamente, a Associação Nacional de Pós-
ESCOLAR, 2003). O ensino de segundo grau, por Graduação e Pesquisa em Educação (Anped)13 e a
sua vez, em 1960, registrava 1.177.427 alunos Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa
matriculados (ROMANELLI, 1986). Em 2002, o em Ciências Sociais (Anpocs), que desempenharam
Censo Escolar (2003) indicava 8.710.584 de alunos papel importante no enfrentamento à ditadura
matriculados nesse nível de ensino, dos quais 1.122. militar, bem como na organização dos Programas de
970 na rede privada. Apesar desses avanços Pós-Graduação em Educação e em Ciências Sociais,
quantitativos, a disparidade de matrículas entre um reunindo pesquisadores de todo o Brasil e sendo
grau e outro persistia e um grave problema não foi fundamentais no processo de redemocratização da
equacionado: o analfabetismo. Dados da Pesquisa sociedade brasileira e da consolidação da pesquisa no
Nacional por Amostragem de Domicílios (PNAD), País.
de 2003, evidenciaram que, No final da década de 80, no contexto da
[...] 10,6% dos brasileiros com dez anos ou mais de Assembleia Nacional Constituinte, após intenso
idade declararam-se incapazes de ler e escrever. Esse
número vem caindo ano a ano, independentemente 11
A situação do professorado brasileiro se deteriorou fortemente desde o arrocho
de qualquer campanha, pelo simples fato de que a salarial imposto pelo regime e depois foi seguido de empobrecimento crescente
após o fim da ditadura. Na década de 90, a crise se aprofundou, pois “[...] uma
maioria dos analfabetos no Brasil são idosos. Aos 14 parte dos professores públicos aderiu a planos neoliberais de demissão
voluntária, além de levas que abandonaram em massa a profissão pela
anos, o analfabetismo no Brasil se limita a 2% da impossibilidade de subsistirem do seu próprio trabalho” (FERREIRA JÚNIOR.;
faixa etária, e o total cai naturalmente à medida que BITTAR, 2006, p. 80).
12
vão minguando as gerações mais antigas Outras Fundações de Pesquisa de maior expressão nacional são a Fundação
de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (Fapergs), de 1964; a
(SCHWARTZMAN, 2005, p. 41). Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), criada
em 1980, e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais
Os dados indicam que o método de alfabetização (Fapemig), criada em 1985.
13
A Anped (2012) organiza-se por meio de 24 Grupos de Trabalho (GTs) fixos e
de adultos criado por Paulo Freire foi interrompido comporta em sua estrutura o Fórum Nacional de Coordenadores de Programas
de Pós-Graduação em Educação. Além disso, mantém um periódico
pela ditadura, que instituiu caríssimas campanhas de internacional, a Revista Brasileira de Educação (RBE).
processo de discussão e organização dos mais ensino médio, investimento muito abaixo do valor
variados segmentos da sociedade política e da investido por muitos países desenvolvidos e em
sociedade civil, o Brasil promulgou a sua nova desenvolvimento (WREFORD, 2003, p. 17)14.
Constituição (1988). Denominada de ‘Constituição c) a dedicação, o “[...] talento dos indivíduos que
Cidadã’, a nova Carta Magna brasileira define em conheci nas redes municipal e estadual, em todos os
seu artigo 208 que o dever do Estado com a níveis, e nos sindicatos. “Conheci pessoas que
educação será efetivado mediante a garantia de enfrentam grandes desafios no compromisso de
‘ensino fundamental obrigatório e gratuito’, melhorar o sistema”( WREFORD, 2003, p. 6). Ela
considerado ‘direito público subjetivo’. A efetivação concluiu o seu relatório anotando:
desse direito, um avanço em termos de políticas
As crianças e jovens que conheci nesta vasta, violenta
públicas educacionais, proporcionou mudanças
e caótica periferia são acolhedores, inteligentes e
importantes na educação pública brasileira, a seguir generosos. São um recurso de que o Brasil precisa
analisadas. cuidar. Eles merecem melhores oportunidades
(WREFORD, 2003, p. 17).
A redemocratização e as políticas educacionais de
caráter neoliberal Muito do que está registrado nesse Relatório é
herança da política educacional da ditadura militar.
Conforme análises anteriores, o período dos Mas não só, pois na década de 90, especialmente
governos militares empreendeu a expansão desde os dois governos de Fernando Henrique
quantitativa da escola que, por sua vez, não veio Cardoso (PSDB, 1995-1998 e 1999-2002), com a
acompanhada das condições indispensáveis para adoção de medidas neoliberais no âmbito do
propiciar a aprendizagem aos alunos e para cumprir, capitalismo globalizado, a escola pública brasileira
portanto, a sua função essencial. Terminada a continuou se expandindo quantitativamente, mas a
ditadura militar, os governos que se seguiram não ineficiência do ensino tem sido constatada pelas
cumpriram essa tarefa de interesse nacional. Uma
avaliações de desempenho adotadas pelo Estado
ideia da situação pode ser obtida observando-se
desde então.
trechos do Relatório intitulado Um ensino que tem
Quanto à transição política que marcou o fim da
muito a aprender, elaborado por Jane Wreford, da
ditadura militar no Brasil, ela manteve traços mais
Comissão de Auditoria da Inglaterra, que, a pedido
do Instituto Fernand Braudel, passou um mês conservadores do que de mudança. A eleição de um
visitando escolas públicas paulistas na Grande São presidente de direita, Fernando Collor de Mello
Paulo, em 2002. (PRN, 1990-1992), depois de vinte e um anos de
Além de registrar problemas sobre a didática dos ditadura e de lutas democráticas que forjaram
professores, a falta de foco individual no aluno lideranças progressistas e de esquerda no cenário
devido à alta carga horária de trabalho, bem como o nacional brasileiro, evidencia que a transição para a
grande número de faltas, a rotatividade e os baixos democracia transcorreu de forma conservadora,
salários, Jane Wreford acrescentou que nas duas mantendo traços estruturais da formação histórica
aulas de Geografia a que assistiu, não havia sequer brasileira. O fato é mais significativo ainda porque o
mapas à disposição. As bibliotecas, com uma única derrotado nessas primeiras eleições diretas para
exceção, estavam trancadas. Embora Física, Química presidente (1989) foi Luiz Inácio Lula da Silva, cujo
e Biologia fossem disciplinas do currículo, os partido (PT) estava em franca ascensão junto aos
laboratórios eram raros. Nas salas de aula do ensino movimentos populares. Por seu lado, envolvido em
fundamental, exceto uma, não havia livros de escândalo de corrupção, Fernando Collor de Mello
leituras para diferentes graus de habilidade, nem não terminou o mandato.
mesmo simples livros de histórias. Os dois governos de Fernando Henrique
Quanto aos pontos positivos, ela realçou: a) a Cardoso adotaram medidas que expandiram as
merenda, “[...] um grande sucesso, gratuita e matrículas na escola pública15, mas diminuíram o
apetitosa, preparada na hora, com ingredientes
frescos e de alta qualidade” (WREFORD, 2003, p. 14
Em abril de 2002, segundo dados da Secretaria de Estado da Educação de
5), tornando as refeições “[...] melhores do que na São Paulo, citados no Relatório de Jane Wreford, as despesas anuais por aluno,
em todo o sistema, eram de 500 dólares. Os Estados do Nordeste gastavam
maioria das escolas britânicas”( WREFORD, 2003, menos que 150 dólares por aluno.
p. 5); b) o apoio financeiro, que aumentou “[...] nos 15
A universalização da escola pública brasileira recebeu impulso no governo de
Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), especialmente no ensino fundamental
últimos 15 anos” (WREFORD, 2003, p. 4), embora que, em 2004, apresentava 94,4% de Taxa de Escolarização Líquida. Esse
registrando o pouco que se gasta por aluno: porcentual se deve em grande parte à Constituição Brasileira de 1988 e à atual
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), n. 9.394/1996, que
instituiu dois níveis de ensino: a) Educação Básica, formada pela Educação
O Brasil gasta apenas 14% do PIB per capita para cada Infantil (zero a seis anos), Ensino Fundamental (7 a 14 anos) e Ensino Médio (15
aluno da escola fundamental e 16% por aluno do a 17 anos); b) Educação Superior. Para Oliveira (2007, p. 674), a LDB contribuiu
para essa universalização, “[...] ao explicitar a possibilidade de adoção de
papel do Estado na educação superior ocasionando ensino que o País ostenta a menor taxa de
estagnação das universidades públicas além de Escolarização Líquida, isto é, apenas 13% dos jovens
aposentadorias precoces de professores que as de 18 a 24 anos frequentavam um curso superior em
deixaram para atuar nas universidades privadas, fato 2007 (IPEA, 2008). Esse sistema revela também que,
que prejudicou, principalmente, as universidades apesar de a Constituição Brasileira de 1988 exigir
públicas federais. Uma das principais medidas que as universidades sejam pautadas na
educacionais de seu governo foi desencadear o indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão,
processo de elaboração da nova Lei de Diretrizes e apenas 8% das IES que compõem o sistema são
Bases da Educação (LDB), prevista na Constituição caracterizadas como tal, ou seja, 92% do Sistema de
Brasileira de 1988. Para Bittar, Oliveira e Morosini Educação Superior no Brasil é constituída por
(2008), a aprovação dessa Lei, após oito anos de Faculdades, Centros Universitários, Escolas Isoladas,
intensos debates no Congresso Nacional: entre outros tipos de instituições, que não são
obrigadas a desenvolver políticas de pesquisa e de
[...] constituiu-se em um marco histórico pós-graduação stricto sensu. Resta, portanto, aos 8%
importante na educação brasileira, uma vez que esta caracterizados como ‘universidades’, o oferecimento
lei reestruturou a educação escolar, reformulando os
da pesquisa e da pós-graduação; isto significa que a
diferentes níveis e modalidades da educação. [...]
possibilidade do desenvolvimento da ciência, da
desencadeou um processo de implementação de
reformas, políticas e ações educacionais [...] em vez tecnologia e do avanço do conhecimento não se
de frear o processo expansionista privado e redefinir estende a todo o sistema.
os rumos da educação superior, contribuiu para que No que diz respeito ao período conhecido como
acontecesse exatamente o contrário: ampliou e ‘era FHC’, a SBPC (2012, p. 3) entendeu que houve
instituiu um sistema diversificado e diferenciado, “[...] uma tentativa de desmonte do sistema de ciência e
por meio, sobretudo, dos mecanismos de acesso, da tecnologia e da pós-graduação”, mediante as políticas
organização acadêmica e dos cursos ofertados. Nesse de privatização, flexibilização e desresponsabilização
contexto, criou os chamados cursos seqüenciais e os
implementadas pelo Estado, em consonância com as
centros universitários; instituiu a figura das
universidades especializadas por campo do saber; orientações emanadas dos organismos multilaterais.
implantou Centros de Educação Tecnológica; Esse processo de expansão e privatização
substituiu o vestibular por processos seletivos; orientado pela lógica de que ao Estado caberia
acabou com os currículos mínimos e flexibilizou os regular o sistema, instituiu-se um sistema complexo
currículos; criou os cursos de tecnologia e os de avaliação de todos os níveis de ensino
institutos superiores de educação, entre outras aumentando o seu controle com a intenção de
alterações (BITTAR; OLIVEIRA; MOROSINI, melhorar a qualidade da educação oferecida, o que,
2008, p. 10-11).
entretanto, não aconteceu. A política de avaliação
Um dos efeitos das reformas educacionais sistemática que passou a ser praticada pelo
instituídas no governo de Fernando Henrique Ministério da Educação, por meio do INEP,
Cardoso foi a intensificação do processo de possibilitou o conhecimento de dados dos Censos da
privatização da educação superior brasileira. Iniciada Educação Básica e da Educação Superior e a
nos anos da ditadura militar, especialmente após a constatação de que os níveis de aprendizagem no
Reforma Universitária de 1968, a expansão desse País, na Educação Básica, eram muito baixos,
nível de ensino colocou o Brasil como um dos países necessitando de políticas públicas mais eficazes para
com maior índice de privatização na educação enfrentá-los. Quanto à Educação Superior, a
superior, na América Latina e no mundo. O Censo constatação centrava-se na extrema desigualdade de
da Educação Superior relativo ao ano de 2008 acesso e permanência, na exclusão de milhões de
registra que do total de 2.252 Instituições de jovens desse nível de ensino, em especial negros e
Educação Superior (IES), somente 236 estão indígenas, na privatização, e no ensino de baixa
vinculadas ao setor público, enquanto 2.016 ao setor qualidade, entre outros.
privado, ou seja, 90% do total. Com relação às Depois da instituição das reformas neoliberais na
matrículas, do total de 5.080.056 alunos, 1.273.965 década de 90, o ex-ministro da Administração Federal e
estão frequentando as IES públicas, o que representa Reforma do Estado do primeiro governo de Fernando
25%; enquanto 75%, ou 3.806.091, estão
matriculados em IES privadas16. É nesse nível de Em termos de números significa que essas dez universidades detinham, em
2008, 686.638 matrículas de graduação. As duas públicas (Universidade de São
Paulo (USP) e Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquista Filho (Unesp)
mecanismos como os ciclos, a aceleração de estudos, a recuperação paralela e registravam apenas 82.482 matrículas, inferior à primeira (Universidade Paulista
a reclassificação, entre outras medidas [...]”. (UNIP) que, isoladamente, mantinha 166.601 matrículas de graduação. Das oito
16
Para se ter uma ideia da privatização da educação superior no Brasil, deve-se universidades privadas, apenas uma caracteriza-se como
verificar os dados divulgados pelo Censo da Educação Superior, relativo ao ano ‘comunitária/confessional/filantrópica’, a Pontifícia Universidade Católica de
de 2008, os quais mostram que das dez maiores universidades brasileiras, em Minas Gerais (PUC-MG), com 34.017 alunos. As outras são universidades de
relação ao número de matrículas, oito eram privadas e apenas duas públicas. caráter empresarial, com finalidade lucrativa (BRASIL, 2009).
Inácio Lula da Silva, o Brasil inicia o século XXI com BRASIL. INEP-Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
9,6% de analfabetismo adulto, o que abrange 14,533 Educacionais Anísio Teixeira. Resumo Técnico: Censo
da Educação Superior Brasileira 2008. Dados Preliminares.
milhões de brasileiros que não sabem ler nem
Brasília: MEC/INEP, 2009. Disponível em: <http://www.
escrever (ANALFABETISMO, 2010). Assim, apesar inep.gov.br>. Acesso em: 30 maio 2010.
de reformas e lutas em prol da educação, ainda BRESSER-PEREIRA, L. C. É a competição, estúpido.... O
temos tarefas que deveriam ter sido cumpridas no Estado de S. Paulo. São Paulo, 26 nov. 2006. Caderno
século XIX e, por isso, não haveria maior Aliás, p. J3. (Entrevista).
homenagem que o País pudesse prestar a Paulo CAPES-Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Freire do que ter construído um sistema escolar Nível Superior. Disponível em: <http://www.capes.gov.
br/sobre-a-capes/historia-e-missao>. Acesso em: 30 abr.
público, de qualidade e que proporcionasse as
2012.
mesmas oportunidades a todas as crianças e jovens
CENSO ESCOLAR. Revista Brasileira de Estudos
brasileiros. A democracia brasileira continuará Pedagógicos, v. 81, n. 199, p. 525-568, 2003.
carente de conteúdo social enquanto esse desafio não DOSSIÊ ESTADO: Qualidade da Educação. O Estado
for cumprido. Uma população letrada e uma escola de S. Paulo. São Paulo, 29 abr. 2007. Caderno H, p. 2-19.
básica que cumpra a sua função de proporcionar (Edição Especial).
aprendizagem e formação crítica são requisitos FERREIRA JÚNIOR, A.; BITTAR, M. Proletarização
indispensáveis para a participação na vida nacional, e sindicalismo de professores na ditadura militar
estabelecendo a relação entre educação e política na (1964-1985). São Paulo: Pulsar, 2006.
sua forma mais plena, tal como preconizado FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. 8.
ed. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1978.
historicamente pela filosofia grega: a educação para
GOLDEMBERG, J. O repensar da educação no Brasil.
atuação na polis, que deveria romper o sentido
Revista Estudos Avançados, v. 7, p. 65-137, 1993.
meramente individual, visando o bem comum, isto
IDEB-Índice de Desenvolvimento da Educação Básica.
é, da cidade, o que hoje pode ser entendido como Disponível em: <http://portalideb.inep.gov.br/>. Acesso
um projeto democrático de Nação. em: 19 fev. 2012.
INEP-Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Referências Educacionais Anísio Teixeira. Disponível em: <http://
www.inep.gov.br/institucional/historia.htm>. Acesso em:
ANALFABETISMO cai, mas ritmo ainda é lento. O
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(Especial). IPEA-Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada. 2008.
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License information: This is an open-access article distributed under the terms of the
UNE-União Nacional dos Estudantes. Disponível em: Creative Commons Attribution License, which permits unrestricted use, distribution,
<http://www.une.org.br>. Acesso em: 30 abr. 2012. and reproduction in any medium, provided the original work is properly cited.
DOI: 10.5965/1984723817332016284
http://dx.doi.org/10.5965/1984723817332016284
Para manutenção dessa estrutura – rígida e inflexível – foi designado como diretor
dos Grupos Escolares no Maranhão o Sr. Barbosa de Godóis, que neste período ocupava o
mesmo cargo na Escola Normal e na Escola Modelo. Dentre suas atribuições, destacava-
se a incumbência de organizar, fiscalizar, dirigir e coordenar o ensino e outras atividades
educativas (em sua maioria disciplinares) realizadas nesses recintos, como, por exemplo,
a disciplina, a ordem e o respeito, além dos serviços do porteiro, do servente, os horários
de aula e a assinatura do livro de ponto.
Um dos símbolos de eficiência dos Grupos Escolares foi marcado pela fixação do
período de matrícula. Se antes os responsáveis pelos educandos tinham o costume de
procurar, a qualquer tempo, as instituições Públicas Primárias para o registro dos seus
filhos, com a criação dos Grupos esse período ficou restrito de 2 a 25 de janeiro. Havendo
procura, este prazo poderia ser estendido por mais 20 dias consecutivos.
Para efetuar a inscrição, os pré-alunos teriam que atender aos seguintes critérios,
conforme Art. 7 do regimento interno:
Para a fiscalização nos Grupos Escolares foi designada uma comissão formada por
professores da Escola Normal e por pessoas escolhidas pelo Diretor desse Instituto de
Formação, os quais estavam incumbidos de visitar os Grupos em ocasiões não
informadas, com a finalidade de surpreenderem os professores na prática de alguma
irregularidade.
Alguns fatos marcaram o cotidiano dos Grupos Escolares, como as festas cívicas, a
abertura e o encerramento do ano letivo, as férias escolares, os exames e a promoção de
alunos. Por meio desses eventos foi possível estabelecer conexões e compreender os
aspectos culturais vivenciados no interior dessas escolas. Azevedo (2009, p. 32) esclarece
que “[...] a cultura escolar da modernidade traz em si um grande objetivo, o de servir
como fonte de um padrão cultural com vistas a uma reorganização de comportamento
que deve se orientar basicamente pelo disciplinamento dos corpos e pela consciência de
um povo”. Nesse contexto, era o professor o responsável por conquistar a confiança e o
respeito das crianças com atitudes amistosas, motivando-as a frequentarem as aulas.
Os horários de aula eram sinalizados por meio do toque da sineta. Cada disciplina
possuía um momento determinado para o ensino, e, caso fosse alterado, o professor da
A aplicação dos exames nos Grupos Escolares era efetuada a partir de uma rede de
ritualização, previamente planejada, em que as definições do dia, hora e comissão
avaliadora eram regularizadas em lei. Todos que participavam desse ato público
carregavam consigo a sensação de estar participando de uma das cerimônias mais
importantes da escola. O ritual de passagem contava com a presença de autoridades do
ensino, como o Secretário Geral da Instrução Pública, professores normalistas e o Diretor
do Grupo. Os exames escolares consistiam na qualificação de uns e exclusão de outros,
pois, por meio deles, classificavam-se os alunos habilitados, os inabilitados, os que eram
aprovados com distinção e os simplesmente aprovados (AZEVEDO, 2009).
De acordo com o Art. 41 do Regimento dos Grupos Escolares, teriam prova gráfica
e oral as seguintes disciplinas: língua materna, cálculo, lugar e instrução cívica; prova oral
e prática: ensino objetivo na parte relativa à física e química; prova ao mesmo tempo
Considerava-se aprovado com distinção aqueles alunos que atingissem nota igual a
10; aprovado plenamente os que alcançassem nota entre 7 e 9; simplesmente aprovados
os alunos que tivessem suas notas variando entre 4 e 6; e reprovados aqueles que não
atingissem nota superior a 3 e recebessem o julgamento de má ou sofrível. Além disso, o
aluno deveria comprovar a ausência de qualquer irregularidade cometida e não
apresentar mais de 90 faltas por ano (MARANHÃO. Regimento Interno dos Grupos
Escolares, 1904). Cumprindo esses critérios, os alunos receberiam a carta de promoção
que dava acesso às outras turmas, ou a carta de habilitação, que atestava a conclusão do
Curso.
Se no ano de sua implantação (1904) houve 217 alunos matriculados nos dois
Grupos Escolares, em 1909 esse número diminuiu para 141, representando uma queda
brusca de aproximadamente 35,02%. Essa diferença talvez possa ser compreendida a
partir da análise dos ofícios encaminhados por Barbosa de Godóis ao Governador do
Estado (Arthur Quadros Collares Moreira), nos quais ele enfatizava o estado decadente
dos Grupos Escolares, especialmente em relação à estrutura dos edifícios em que as
escolas funcionavam e à falta de manutenção dos mesmos. Tal realidade ocasionou o
fechamento do Segundo Grupo no período de 1905 a 1907, sendo restabelecido neste
último ano, porém sem o devido prestígio.
Essa ineficácia poderia ser melhor visualizada no Segundo Grupo Escolar, criado
em 1904 e que funcionou por apenas seis meses (a abertura das aulas aconteceu em
agosto de 1904 e o encerramento em dezembro do mesmo ano). Após esse período, o
Grupo se manteve fechado até 1907 e, durante esse tempo, os alunos passaram a assistir
as aulas no Primeiro Grupo Escolar. Ao criticar a criação dessas instituições,
denominando-os de “Pseudo Grupos Escolares”, Antônio Lobo comentou:
2. Conclusão
AZEVEDO, Crislane Barbosa de. Grupos escolares em Sergipe (1911-1930): cultura escolar,
civilização e escolarização da infância. Natal, RN: UFRN, 2009.
FERRO, Maria do Amparo B. Cazuza e o sonho da escola ideal. São Luís: EDUFMA, 2010.
308 p.
JORNAL O ESTADO DO MARANHÃO. São Luís, nº. 9292, ano, XXXV, 1 ago. 1904.
MARANHÃO. Regulamento geral da Instrução pública. São Luís: Tipografia a Vapor dos
Frias, 1896.
MARANHÃO. Secretaria da Escola Normal. of. 36. São Luís, 6 fev. 1907.
MARANHÃO. Secretaria da Escola Normal. Título documento. São Luís, 3 jan. 1909.
MOTTA, Diomar das Graças. A emergência dos Grupos escolares no Maranhão. In: VIDAL,
Diana Gonçalves (Org.). Grupos escolares: cultura escolar primária e escolarização da
infância no Brasil (1893-1971). Campinas, SP: Mercados das letras, 2006.
PACOTILHA, JORNAL DA TARDE. São Luís, 16 de julho de 1904, n. 168, ano XXIV.
PACOTILHA, JORNAL DA TARDE. São Luís. Decreto n. 36. Local, 1 jul. 1904.
SOUZA, Rosa de Fátima; FARIA FILHO, Luciano Mendes de. A Contribuição dos estudos
sobre grupos escolares para a renovação da história do ensino primário no Brasil. In:
VIDAL, Diana Gonçalves (Org.). Grupos escolares: cultura escolar primária e escolarização
da infância no Brasil (1893-1971). Campinas, SP: Mercados das letras, 2006.
SOUZA, Rosa de Fátima; FARIA FILHO, Luciano Mendes de. Alicerces da pátria: história da
escola primária no Estado de são Paulo (1890-1976). Campinas: Mercado das Letras, 2009.
CAPÍTULO 18
ESCOLA NORMAL
Uma instituição tardia. no Maranhão
Duas questões nos instigaram a tecer sobre a gênese da primeira instituição formadora
de professores(as) em solo maranhense: a primeira trata-se da reduzida produção histórica
sobre o nosso espaço educacional; e a segunda ocorreu em 1997, no município de Caxias--
MA, após nossa palestra sobre "A questão da mulher na .educacão brasileira", em que uma
jovem professora, recém-formada, perguntou-nos: -
-- Professora Diomar, o que é essa Escola Normal, que as mulheres tanto
freqüentavam?
Essa questão nos remete a Hobsbawm (1995, p. 13) quando registra: Quase todos os
jovens de hoje crescem numa espécie de presente continuo, sem qualquer relação orgânica com o
passado público da época em que vivem.
Portanto nosso propósito, nesta construção, é contribuir para que o passado educacional
maranhense não seja destruido, ampliando nossa memória e, principalmente, a de nossos jovens,
informando-lhes e explicando-lhes acerca da emergência da Escola Normal, entre nós, os
mecanismos socioculturais, que a precederam, cujas marcas impregnaram sua gênese e
delimitaram suas dimensões: material, organizacional e de pessoal. As fontes escritas
documentais e literárias nos ajudaram nesta caminhada. Sua eleição deveu-se, em parte, ao
esforço da Professora Lílian Maria Leda Saldanha, então mestranda do Programa de Educação
da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) que, ao elaborar sua dissertação, no início da
década de 1990, sobre A instrução pública maranhense na primeira década republicana (1889 a
1899) nos legou um vasto acervo, constituído por documentos oficiais desse período, bem como
seu texto dissertativo que permanece inédito, embora não sejam conhecidas suas abundantes
informações, repletas de detalhes historiográficos que, indiretamente, têm estimulado a tímida
produção nesse campo, especialmente, entre as egressas das licenciaturas, através de seus
trabalhos mono gráficos.
No Maranhão foram ínfimas e inexpressivas as atividades culturais até o início do, '
século XIX, de que se tem conhecimento. ,.
Só a partir dessa época que temos registrado as primeiras manifestações concretas de
atividades culturais, ou sejam, materializadas com a inauguração do Teatro União (1817),
300 hoje Artur Azevedo; a Tipografia Nacional, com a circulação do primeiro periódico-
DIOMAR DAS GRAÇAS o Conciliador do Maranhão (1821) e do primeiro periódico cientí fico - A Folha Medicinal
MOITA do Maranhão (1822), ao lado da primeira sociedade cultural, de que se tem notícia -
IRAN DE MARIA Sociedade Patriótica, Política e Literária (Meireles, 200 I, p. 20 I).
LEITÃO NUNES
Se por um lado desabrocharam ações culturais, de outro a cfcrvescência política se
alastrava e as manifestações de desagrado se acentuavam como a tardia adesão do Maranhào
à Independência do Brasil em 28.7.1823; a Balaiada (1839-1841) que para Carlota Carvalho
(2000, p. 139) foi uma luta de origens profundas na formação social do Maranhão e de acentuadas
características liberais, mesmo oferecendo capítulos brutais de violência e rapinagem. Ao que Sotcro
dos Reis ratificou:
As primeiras tentativas
A deficiência manifestada pelos(as) ocupantes das cadeiras públicas nas aulas de
Primeiras Letras fez com que o nono presidente da Província, tenente coronel Manoel
Filizardo de Souza MeIo (1839 a 1840) determinasse a freqüência obrigatória de professoras
e professores primários na aula de Pedagogia sob a responsabilidade de Felipe 8enício d'
) Oliveira Condurú Almeida, considerado o primeiro professor maranhense a obter bolsa de
estudos na Europa, onde se especializou em Pedagogia (Pacheco, 1968).
Esta aula denominada de Escola Normal era ministrada nas dependências do Liceu
Maranhense, que funcionava desde a sua criação, em 1838, no pavimento térreo do Convento
de N. Sra. do Carmo, que fora alugado devido à brevidade ou "instantaneidade administrativa"
não contemplarem edificações públicas (Femandes, 1929). Ademais a falta de assiduidade dos
22 professores que integravam a primeira turma, pela objeção que faziam ao Método
Lancasteriano, que era a centralidade da referida aula, determinou sua oferta de 1840 a 1844 (Saldanha,
1992, p. 123). Cabendo portanto a sua extinção ao desembargador João José de Moura
Magalhães, 14°presidente da Província no período de 17 de maio a 4 de outubro de 1844. Para
alguns estudiosos, esta é considerada a primeira tentativa de implantação da Escola Normal,
em terras maranhenses.
Viveiros (1954, p. 32) em seus Apontamentos para a história da instrução pública e
particular do Maranhão registra que rara era a realização pedagógica ou obra de benemerência
levada a efeito no Maranhão; que não tivesse a frente à prestigiosa associação. Referia-se à
Sociedade Onze de Agosto ( 1870 a 1882) I que foi criada na capital da Província com o fim ele
oferecer cursos noturnos para a classe operária. A preocupação dos seus gestores com a
instrução, à época, fez com que fossem os autores da segunda tentativa ele criação da Escola
Normal. Para tanto procederam a elaboração dos programas e instruções administrativas
para seu funcionamento. A duração do curso seria de 2 anos e deveria ser subvencionado
pelo governo provincial com uma verba de 4:800$000 reis anuais. Os programas das
cadeiras foram aprovados em 1874, mas o curso foi extinto sem contudo diplomar um só
professor ou professora. Convém observar que esse esforço de criação da parte de
intelectuais maranhenses ocorre trinta anos após a iniciativa mal sucedida da aula de
pedagogia. Constatações que de certo modo respaldam um de nossos questionamentos
anteriores. Esta é a única iniciativa de pessoas que retomaram de seus estudos, de que temos
conhecimento, referente ao quadro desfavorável da instrução maranhense.
Tanto que, em sendo a Escola Normal uma instituição que emerge no Brasil, no período
regencial (1831 a 1840), no Maranhão, nessa ocasião só conseguimos tentativas.
I. Este nome foi uma homenagem à data da criação dos cursosjurídicos no Império, pois os fundadores da
Sociedadeeramtodos bacharéisem Direito.Forameles: Dr.João AntônioCoqueiro,DI'.Antoniode Almcida
e Oliveirac Dr. Martiniano MendesPereiraque, pela iniciativa,foramcondecoradoscomo grau de Oficial da
ImperialOrdem das Rosas por Sua Majestade o Imperador(Marques, 1970, p. 5Q2).
302 o surgimento
DIOMAR DAS GRAÇAS
MOITA É SÓ no período republicano, que surge nossa Instituição, mais precisamente, através
IRAN DE MARIA do Decreto n'' 21 de 15 de abril de 1890, que "Reorganizava o ensino público no Estado",
LEITÃO NUNES
estabelecia:
Art. 7° - Fica criada nesta capital uma Escola Normal onde funcionarão as seguintes cadeiras:
1° - Gramática e Portugueza e Literatura brasileira e portugueza.
• •
r -Arithmética. Álgebra. Geometria e T rigonometria
3° - Elementos de Physica. Chymica e Mineralogia
4° - Elementos de Botânica, Zoologia e Geologia
5° - Geographia Geral e do Brasil
6° - História Geral e do Brasil
]O - Pedagogia
8° - Desenho
9° - Música
I0° - Gymnastica
Finalmente, após 16 anos da fracassada tentativa da Sociedade Onze de Agosto, o
poder executivo no Maranhão tem a iniciativa de legitimar a criação da primeira instituição
formadora de professores e professoras. À época, o Estado tinha a frente o segundo
governador provisório, o dr. José Tomaz Porciúncula que assumiu o exercício em 2 J de
janeiro de 1890 e se dernissionou em 5 de julho do mesmo ano, permanecendo menos de seis
meses no cargo. Tem-se a impressão de que a "República repetia o Império", no concemcnte
à permanência dos titulares do executivo. Postura que contribuiu e muito para o atraso
econômico e social do Estado, repercutindo, sobremaneira, na instrução pública local.
Apesar de pouco tempo de exercício, face ao dualismo político-partidário, entre
conservadores e liberais, em parte responsáveis pela alternância do poder, dr. Porciúncula
não só criou a escola Normal, como contraiu o primeiro empréstimo do Estado, junto ao
Banco Nacional do Brasil no valor de Rs 300:000$000, a fim de minorar a situação do
Tesouro estadual e, conseqüentemente, honrar compromissos como pagamento do
funcionalismo, de há muito com seus vencimentos atrasados, inclusive o professorado de
Primeiras Letras e os Lentes do Liceu. Essa situação
providências que assegurassem o funcionamento da recém-criada
o estimulou
Escola Normal:
a tomar as seguintes
I
a. Para que o início das aulas ocorresse de pronto, o Governador dispensou o
\'
concurso para provimento das cadeiras, nomeando em caráter interino os
primeiros professores da Escola:
Desenho - Dr. Cândido Jorge Barbosa
Música -- Sr. Luis Medeiros
Pedagogia - DI'. Agripino Azevedo
As demais cadeiras foram comuns ao Liceu Maranhense, ficando a cargo dos
respectivos lentes, que tiveram um acréscimo salarial de 200 réis. Passariam estes a J I
contar 'com um salário anual de 2.000 reis. No entanto, Saldanha (1992) em seu
estudo registra que apesar dos esforços para criação da Escola Normal, 110 que
concerne à questão salarial, o Decreto n° 21/1890 discriminava os novos professores
(cadeiras de Desenho, Música, Pedagogia e Ginástica) ao arbitrar-Ihes 800 reis
anuais, o que representava 40% dos lentes do Liceu com ou sem o acréscimo.
r
I. b. Os exíguos recursos financeiros destinados à instrução pública não comportavam a
construção de prédios escolares, o que fez com que determinasse o seu ESCOLA NORMAL
I
que não fosse abstrato, admitiu que o mesmo deveria ser desenvolvido, através de
1'
,
recursos modemos, o que lhe levou a autorizar a compra, na Europa, da Coleção de
1•
/., História Natural,
deveria também
Laboratórios
ser utilizado
de Física e Química.
pelos lentes no Liceu.
Segundo ele, esse material
r.
I mas também exercitá-los na maneira prática de ensinar, educando-os na
metodologia peculiar a cada uma das disciplinas;
• A direção das atividades de Prática de Ensino será do lente de Pedagogia;
~
• Na Prática de Ensino cabe aos alunos do 10 ano apenas observar as aulas e os da
I 2" e 3" séries auxiliarem o lente;
I • O horário de funcionamento era de 8 horas da manhã às 15 horas, em uma única
sessão;
• Os exames finais em cada cadeira constavam apenas de prova oral, com 20
minutos para cada aluno.
Com todas essas providências a escola iniciou seu funcionamento no mês de julho de
1890, pouco antes da demissão do seu criador.
Muitas dificuldades, normalistas e lentes enfrentaram para que o funcionamento fosse a
contento, dentre elas a falta de livros, especialmente os compêndios de Pedagogia, induzindo o
governador Alfredo Cunha Martins (1892-1893) a designar uma comissão para elaboração do
que seria a primeira obra maranhense de Pedagogia. Para direção da comissão foi designado o
lente de Biologia e Sociologia, Manoel Béthencourt. Decorrido um ano da designação, a obra
1• não foi concluída, e o seu diretor enviou oficio ao Governador comunicando sua viagem aos
estados do Pará e do Amazonas, a fim de buscar subsídios para o trabalho. Indignado, o
Governador extinguiu a Comissão e exigiu o retomo em trinta dias do lente para assumir as
suas cadeiras. Não houve retomo e nem a conclusão da obra.
Não obstante esses percalços, os resultados da Escola Normal não foram compatíveis
ao esperado, como demonstramos a seguir:
304 Ano
Alunos(as)
1892 31 -
1893 16 3
1894 14 -
1895 8 2
1896 16 -
1897 21 4
1898 30 1
1899 46 2
Total 222 11
Quadro 1. Fluxo de alunos c alunas na Escola Normal ( 1890-1899).
Fonte: Saldanha (1992, p. 213-4).
A inexpressividade do número de egressos da Escola Normal em uma década fez com quc
o grupo político oposionista solicitasse a sua extinção juntamente com a Escola Modelo, que fora
criada pela Lei n'' 155 de 6 de maio de 1896 para servir de campo de apl icação das normal istas.
O surgimento da Escola Modelo, cinco anos após a criação da Escola Normal, se
constituiu uma das iniciativas que garantisse a sua consolidação, pois o Regulamento de
1890 previa a Prática de Ensino, mas até então não dispunha de espaço adequado. Além do
que a sociedade reclamava a presença de normalistas para expansão do ensino primário.
Naquela ocasião, segundo Barbosa de Godois (1910, p. 4) a instrução do povo não era uma
questão de interesse privado ou que indiretamente afetasse o Estado; era uma questão de interesse
coletivo, presa diretamente ao bem estar público e à ordem política.
Isso posto verifica-se um novo horizonte no período republicano, uma nova
elaboração no sentir e pensar do período precedente e com isso a instrução ganha uma nova
face e com esta a presença da norrnalista se impõe.
2. Benedito Pereira Leite formou-se em Direito pela Faculdade de Recife, foi promotor. juiz municipal e dos
Órfãos, inspetor do Tesouro. deputado estadual, federal, senador da República. governador do Estado de
1906 a 1908 quando faleceu em Paris. para onde viajara doente. Teve domínio 11a administracào c na polítiea
do Estado por 15 anos de J 893 a 1908 (Lima. 2002, p. 59-60).
-
• Inclusão da cadeira de "Costura, Bordados e Princípios de Economia Doméstica"
em face de demanda de alunas do sexo feminino; ESCOLA NORMAL
• Desmernbramento da Escola Normal do Liceu Maranhense, através da Lei
J
n0207/1898, sendo nomeado seu primeiro diretor o médico Almir Parga Nina .
Considerações finais
As condições para o surgimento da Escola Normal no Maranhão não Ihes eram
favoráveis, apesar da necessidade de normalistas contida em relatórios de inspetores e,
conseqüentemente, nas mensagens governamentais, coino alude Saldanha (1992).
Entretanto, o relaxamento, a incúria e a comodidade dos intelectuais e dos responsáveis pelo
poder público foram as principais causas da sua tardia irnplantaçãox Infelizmente a
indiferença à sua importância se estendeu por mais de uma década, após a seu surgimento,
tornando-se apenas instituição útil como "moeda de barganha política", pois a falta de
recursos estaduais, depois da sua implantação, era motivo, para que durante sua primeira
década, fosse solicitada a sua extinção. Ao que tornou célebre a frase de Dr. Benedito Leite:
"Prefiro cortar a mão a assinar a supressão da Escola Normal ou da Escola Modelo".
Essa frase que se encontra gravada no plinto de mármore branco, em um livro aberto
sobre ramos de louro, em sua estátua, inaugurada em 191 J, na Praça Benedito Leite, em São
Luis, constituindo a marca e o testemunho público da luta por uma Escola Normal em solo
maranhense, ainda que tardiamente.
Referências
BARBO:iA DE GODOIS, A. B. o mestre e a escola. São Luis: Imprensa Oficial, 1910.
CARVALHO. C. O sertão: subsídios para a história e a geografia do Brasil. Imperatriz, MA: Ética, 2000.
HOBSBA WM, E. Era dos Extremos: o breve século XX: 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
. . Caminhos de São Luís: ruas, logradouros e prédios históricos. São Paulo: Siciliano, 2002.
MARANHÃO. Colleção das Leis do Estado do Maranhão (1892 a 1899). São Luís: Typ. do Frias.
___ o Governador José Thornaz da Porciúncula. Relatorio COI/I que o Exmo. Sr Governador passou a
adtuinistraçào do Estado ao Vice-Govcrnador, Dr. Olitnpio Gomes de Castro em 7/7/1890. São Luís: Typ. do
frias, 1890.
3. Dr. Almir Parga Nina formou-se em Medicina pela Faculdade do Rio de Janeiro e fundou o primeiro jardim
de infância no Estado - o Jardim de Infância Decroly.
MEl RELES, M. M. História do Moral/hão. São Paulo: Siciliauo, 2001.
VIVEI ROS,.1. Apontamentos para a história da instrução pública c particular do Maranhão, Revista de Geograliu
e História. SãoLUÍs, IBGE, n.4, p. 3-43, dez. 1954.
;
TEXTO 14
51 52
CAPÍTULO 2: MARIA FIRMINA DOS REIS: RECONSTRUINDO ousou escrever. É perceptível a intencionalidade do biografo em mistificar ou
FRAGMENTOS mitologizar a imagem de Maria Firmina dos Reis, a partir de uma valorização da
cultura regional e uma exaltação em prol de construir um símbolo de uma
maranhense intelectual, que como negra, ousou escrever em pleno século XIX.
Neste capitulo será apresentada a trajetória de vida da escritora e A partir daí, em 1975, Maria Firmina dos Reis, recebeu várias
educadora Maria Firmina dos Reis, com vistas a identificar e analisar sua inserção homenagens em comemoração ao sesquicentenário do seu nascimento. Dentre
como educadora no cenário educacional maranhense, procurando ainda por indícios elas, está a publicação da edição fac-similar do romance Úrsula, a proclamação do
de sua atuação. Propusemo-nos desvendar a trajetória percorrida pela maranhense Dia da Mulher Maranhense, como a data de seu nascimento em 11 de outubro e a
no aprendizado das primeiras letras até sua carreira docente. Para isso, teremos inauguração de um busto, criado pelo artista plástico Flory Gama, que foi colocado
como referência a sua única biografia Maria Firmina, fragmentos de uma vida, de na Praça do Pantheon Maranhense, na capital São Luís. Já na cidade de
José Nascimento Morais Filho36 e dois trabalhos sobre sua literatura, de autorias de Guimarães, na qual viveu e trabalhou como educadora, uma escola e uma rua levam
37
Mendes (2006) e Oliveira (2007) . o seu nome (MORAIS FILHO, 1975, p.208)39.
Morais Filho nesta biografia reúne poesias, hinos, contos, depoimentos de
ex-alunos e alunas da escola que fundou em Maçarico. A pesar do esforço em
apresentar, o livro aponta apenas fragmentos da vida e obra da escritora e
educadora. O enfoque dado no livro é a preocupação em mostrar o pioneirismo, da
autora como a primeira mulher a publicar romance no Brasil38.
Nortearemos uma problematização acerca da construção da imagem de
Maria Firmina dos Reis, no que se refere ao seu ressurgimento como um símbolo de
mulher letrada maranhense e, a relação dela com seu primo, o professor, poeta,
jornalista, político, filólogo e crítico literário, Francisco Sotero dos Reis, que
provavelmente teria influenciado sua carreira de educadora e escritora.
O biografo Morais Filho (1975, p.12) descreve a maranhense como a
primeira romancista brasileira, o símbolo de mulher, maranhense, letrada, negra que
36
José Nascimento Morais Filho nasceu no dia 15 de julho de 1922 em São Luís do Maranhão, foi
professor, poeta, jornalista e folclorista, sendo participante do Modernismo em seu estado. Algumas
das suas obras, Clamor da Hora Presente (1955), Pé de Conversa (1957), Um Punhado de
Rima (1959).
37
Em sua pesquisa Mendes (2006) tem como questão central “(...) rastrear o processo de inclusão e
de exclusão das escritoras Maria Firmina dos Reis e Amélia Beviláqua na historiografia literária
brasileira do século XIX e XX” e Oliveira, (2007, p.24), busca a “[...] denúncia da condição de
desigualdade a que as mulheres e que os africanos e seus descendentes estavam submetidos, no
Brasil, do século XIX, devido à atuação do regime patriarcal”.
38
Raimundo de Menezes a incluiu na segunda edição do Dicionário Literário Brasileiro, em 1978, e
sobre está discursão também diz que Maria Firmina: “[...] É considerada em seu Estado (Maranhão) a
primeira mulher a escrever romances no Brasil [...]”. Sendo que “[...] A paulista Teresa Margarida da
Silva Orta é considerada a primeira brasileira a escrever romances, mas, segundo os maranhenses,
sua obra Aventuras de Diófanes, escrita em 1752, foi publicada em Portugal e trata de mitologia
39
grega, um tema que nada tem a ver com o Brasil. Por isso, entendem, não pode ser considerada a Nos anexos desta pesquisa disponibilizamos a imagem da edição fac-similar do romance Úrsula,
primeira escritora brasileira.” (MENEZES, 1978, 570) do busto, da rua e da escola que levam o seu nome em Guimarães.
53 54
40
Existe uma discordância em relação ao mês de nascimento da escritora. Na placa consta
41
novembro, sendo que o mês correto, segundo os biógrafos, é outubro. Todos os bustos, inclusive de Maria Firmina, foram retirados da praça por conta da ação de
vandalismo, já que estavam sendo pichados. O Museu Histórico e Artístico do Maranhão se localiza
na Rua do Sol, na capital, São Luís.
55 56
Então, a partir desse cenário de valorização da intelectual maranhense, “De uma compleição débil e acanhada, eu não podia deixar de ser
uma criatura frágil, tímida e, por conseqüência, melancólica: uma
criado por seu biografo, a maranhense passa a ser objeto de pesquisas acadêmicas, espécie de educação freirática veio dar remate a estas disposições
ganhando visibilidade no cenário nacional42. naturais. Encerrada na casa materna, que só conhecia o céu, as
estrelas e as flores que minha avó cultivava com esmero; talvez por
O levantamento bibliográfico realizado mostra que os trabalhos de isso eu tanto amei as flores; foram elas o meu primeiro amor. Minha
irmã... minha terna irmã e uma prima querida foram as minhas únicas
pesquisa feitos sobre Maria Firmina dos Reis estão no campo da Crítica Literária e amigas de infância; e, nos seus seios, eu derramava meus
da História. As pesquisas versam sobre o resgate da imagem de um cânone melancólicos e infantis queixumes; por ventura sem causa, mas já
bem profundos [...] Vida!... Vida, bem penosa me tens sido tu! Há um
maranhense e estudos de sua obra mais famosa, Úrsula, tendo como análise a desejo, há muito alimentado em minha alma, após o qual minha alma
tem voado infinitos espaços e este desejo insondável e jamais
narrativa, os personagens para sua crítica à escravidão. satisfeito, afagado, e jamais saciado, indefinível, quase que
Maria Firmina dos Reis nasceu em 11 de outubro de 1825, no bairro de misterioso, é, pois, sem dúvida, o objeto único de meus pesares
infantis e de minhas mágoas. Eu não aborreço os homens, nem o
São Pantaleão, na Ilha de São Luís, capital da província do Maranhão, registrada mundo, mas há horas e dias inteiros que aborreço a mim própria
(MORAIS FILHO, 1975).
por João Esteves e Leonor Felipa dos Reis43. Mudou-se aos cinco anos de idade,
com sua avó, mãe, a irmã Amália Augusta dos Reis e a prima Balduína, para a casa
de sua tia Henriqueta, na vila de Guimarães, próxima a São Luís. Era prima, por
parte de mãe, do escritor e professor maranhense Francisco Sotero dos Reis Esse é o único documento, escrito pela própria Maria Firmina dos Reis,
(MORAIS FILHO, 1975, p.205). que sinaliza o tipo de educação que lhe foi proporcionada. Não é possível,
Com relação à educação que teve na infância, a própria Maria Firmina determinar se frequentou algum estabelecimento de ensino para o aprendizado de
44
dos Reis em seu álbum , cujo título é Resumo de minha vida, nos conta que, primeiras letras e/ou se passou a frequentar alguma escola de formação para
exercer o cargo de professora de primeiras letras, mas nota-se pela sua própria
42
declaração, que sua educação teve um modelo freirático, coisa que se percebe,
Apresento algumas pesquisas do cenário nacional e maranhense sobre Maria Firmina dos Reis,
tais como NASCIMENTO, Juliano Carrupt do. O negro e a mulher em Úrsula de Maria Firmina dos aliás, por suas palavras, que indicavam a casa da mãe como um lugar de
Reis. 1. ed. Rio de Janeiro: Caetés, 2009. 130p; SANTOS, Carla Sampaio dos. Educação,
Negritude e Condição Feminina: uma análise sobre Úrsula, romance abolicionista de Maria recolhimento extremo, seu reconhecimento de ter sido uma criança tímida que, pela
Firmina dos Reis Viçosa, Universidade Federal de Viçosa, (monografia e graduação), 2013.; LOBO,
Luiza. Auto-retrato de uma pioneira abolicionista. In: Crítica sem juízo. Rio de Janeiro: Francisco educação, tornou-se também melancólica. Mais à frente, neste Álbum, ela mostra-se
Alves, 1993, P. 222-238. BATISTA.; SILVA, Régia Agostinho. A escravidão no Maranhão: Maria
a clamar pela piedade divina, para que sua morte chegasse, a fim de livrá-la do
Firmina dos Reis e as representações sobre escravidão e mulheres no Maranhão na segunda
metade do século XIX. 2013.177f. Tese (Doutorado em História Econômica) – Universidade de São sofrimento e das dores do existir.
Paulo, São Paulo – SP. 2013. CONCEIÇÃO, Maria Moreira de. A tríade escrava na obra. São Luís:
UFMA, 2002, monografia.; DUARTE, Eduardo de Assis. Maria Firmina e os primórdios da ficção É difícil, pela documentação encontrada determinarmos se, e de que
Afro-brasileira. In: Úrsula, A escrava. Atualização do texto e posfácio de Eduardo de Assis Duarte.
Florianópolis: Editora Mulheres; Belo Horizonte: PUC Minas, 2004.; MUZART, Zahidé Lupinacci. maneira Maria Firmina dos Reis iniciou sua formação para os saberes e as práticas
Maria Firmina dos Reis. In: MUZART, Z. L. (Org.). Escritoras Brasileiras do século XIX.
Florianópolis: Editora Mulheres, 2000, P. 264-284. escolares durante sua infância, até sua inserção no exercício docente. Os únicos
43
Seus filhos adotivos Leude Guimarães e Nhaninha Goulart, relatam a existência dois apelidos,
registros que obtivemos são relatos esparsos da própria Maria Firmina que fazem
Diliquinha “[...] assim chamavam Maria Firmina em casa, e os íntimos.” E o outro era Mamanquinha.
(apud MORAES FILHO, 1975, p.209 e 222) parte do seu álbum pessoal.
44
Segundo Mendes (2006, p.27), são pequenos textos, a maioria versando sobre a dor da partida. O
tom que domina é o elegíaco. É uma autobiografia intitulada “Resumo de Minha Vida”. Os textos são Em um desses relatos, Maria Firmina dos Reis deixa a entender a ideia
de 9 de janeiro de 1853 e 1° de abril de 1903. Como informa o senhor Leude Guimarães, filho adotivo
da escritora, os documentos da sua mãe, que estavam em seu poder, foram roubados de um baú, em de que seus ensinamentos teriam sidos concebidos no seio familiar, quando no
um hotel em São Luís, restando apenas parte do diário. O pesquisador Nascimento Morais Filho, de
posse das informações e do restante dos manuscritos, publicou-os junto à obra de resgate da escrito “A memória de minha venerada mãe”, de 7 de abril de 1871, agradece à sua
escritora Maria Firmina dos Reis (Nascimento Morais Filho. Maria Firmina dos Reis: fragmentos de
mãe pelo incentivo a prática da leitura, e, possivelmente a prática da escrita,
uma vida). No entanto, Luiza Lobo (Crítica sem juízo. Rio de Janeiro: Francisco Alves 1993. p. 222-
238) questiona que o Álbum esteja incompleto. Para ela, esse parece ter forma originalmente declarando que:
entrecortada e descontinua. Ao ser publicado, foram invertidas as páginas.
57 58
[...] É a ti que devo o cultivo de minha fraca [inteligência]; - a ti, que Com o processo pós-independência a influência portuguesa vai cedendo
despertaste em meu peito o amor a literatura; - e que um dia me
disseste: o lugar à literatura francesa e inglesa no Brasil, e isso, foi identificado nas
Canta! referências de leitura e nas obras de Maria Firmina, com as traduções e epígrafes
Eis pois, minha mãe, o fruto dos teus desvelos para comigo; - eis as
minhas poesias: - acolhe-as, abençoa-as do fundo do teu [sepulcro] em francês.
[...].
A partir da análise da escritora Harriet Beecher Stowe foi possível
reconhecer similaridade entre o livro, A Cabana do Pai Tomás (1851)47 e o romance
Úrsula (1859) de Maria Firmina. As obras tiveram como proposta abordar a questão
A escritora atribuiu à sua mãe, o amor e o interesse pela prática da
da luta dos escravos contra os senhores de engenho à procura de liberdade. Cada
leitura, sinalizado que o gosto pela leitura e pela escrita nasceu no espaço familiar.
autora fez isso a partir de sua realidade, uma nos Estados Unidos e a outra no
Portanto, podemos acreditar que Maria Firmina dos Reis teve sua iniciação no
Brasil. É provável que Maria Firmina se valeu da ideia da Elizabeth Beecher Stowe
campo das letras desde cedo, com o incentivo materno.
para falar de uma mesma escravidão só que seu olhar foi para o Brasil.
Nota-se ainda que a maranhense, nos dois relatos, demonstra uma
Outro escritor foi João Almeida Garret que com sua publicação periódica
consciência social sob a “educação freirática” que a mulher vivia relegada no século
as Memórias de uma África Sofrida (1830), apresentou aos leitores características
XIX. Lembrando que a educação primária oferecida às mulheres, em geral, consistia
sobre o continente africano, como plantação, população que, possivelmente, Maria
no ensino de conteúdo moral, social e religioso, além do trabalho manual, como
Firmina se valeu para realizar uma escrita tão minuciosa no livro Úrsula, sendo um
coser, lavar, a delicada arte de ‘ser mulher’, de ser mãe, dona de casa, e um pouco
lugar que nunca conheceu.
de bordados, música, orações, etc.
Com estas poucas indicações, o que quero destacar aqui é que Maria
Princípios considerados morais como a timidez eram ensinados às
Firmina provavelmente teve acesso e inspirou-se em obras, que lidas no original, ou
mulheres a fim de serem recatadas ou, mostrar-se dessa forma diante de estranhos,
em alguma tradução, inseriam-na em uma grande cultura letrada, o que a colocava
dirigido com o intuito de fortalecer o papel de mãe e esposa. (ABRANTES, 2004,
em lugar de destaque para formação intelectual de sua época.
pág. 157)
Mas, voltemos nossa análise para a educação formal de Maria Firmina.
Ainda, segundo Mendes (2006, p.26), Maria Firmina foi uma mulher
Para além do incentivo de sua mãe, para a leitura e escrita dos textos literários, a
autodidata, sua instrução se fez através de muitas leituras, pois lia e escrevia
francês fluentemente. Defende essa teoria, por que a maranhense fez traduções do francês nascido que usou o primitivismo cultural criando uma das ideias formadoras do movimento
romântico francês. Entre os seus trabalhos estão L’ Arcadie (1781), Études de la nature (1784) e La
francês para publicações e, em seus poemas, encontram-se epígrafes em francês45. Mort de Socrate (1808). Harriet Elizabeth Beecher Stowe (1811-1896), nascida em Litchfield,
Connecticut - EUA foi escritora abolicionista. Entre seus trabalhos, o mais famoso é o romance Uncle
Além disso, para Mendes em suas obras foi possível constatar marcas de Tom’s Cabin (“A Cabana do Pai Tomás). Alphonse Marie Louis de Prat de Lamartine (1790-1869)
nascido em Mâcon - França foi um escritor, poeta e político francês. Seus primeiros livros de poemas
escritores internacionalmente conhecidos, George Gordon Byron, de Bernardin de Primeiras Meditações Poéticas (1820) e Novas Meditações Poéticas (1823). Seus trabalhos
Saint-Pierre, de Harriet Beecher Stowe, de Louis de Larmatine, de Willian influenciaram o romantismo na França e em todo o mundo. William Shakespeare (1564-1616),
nascido em Stratford-upon- Reino Unido, foi um poeta, dramaturgo e ator inglês, tido como o maior
Shakespeare, de João Almeida Garret, entre outros46. (ibidem, p.26) escritor do idioma inglês e o mais influente dramaturgo do mundo. É chamado frequentemente de
poeta nacional da Inglaterra e de "Bardo do Avon”. Entre os seus trabalhos estão Hamlet, Macbeth,
Romeu e Julieta e Júlio César. João Baptista da Silva Leitão de Almeida Garrett (1799-1854),
45
Como pode ser identificado em “Je t’aime! O ma vie” (Byron). Apud MORAIS FILHO, José nascido em Lisboa - Portugal e mais tarde 1.º Visconde de Almeida Garrett, foi um escritor e
Nascimento. Maria Firmina dos Reis – fragmentos de uma vida. São Luís: Governo do Estado do dramaturgo romântico, orador, par do reino, ministro e secretário de estado honorário português.
Maranhão, 1975 (Mendes 2006, p.26). Entre seus trabalhos, Camões (1825), Dona Branca (1826) e uma publicação periódica de Memórias
46
George Gordon Byron (Lord Byron) 6º Barão Byron (1788-1824), nascido em Londres – de uma África Sofrida (1830).
47
Inglaterra, conhecido como Lord Byron, foi um poeta britânico e uma das figuras mais influentes do Apresenta, de forma romanceada, o conflito vivido entre os escravos norte-americanos e os ricos
Romantismo. Entre os seus trabalhos mais conhecidos estão os extensos poemas narrativos Don proprietários de terras no sul dos Estados Unidos, mostrando quão infame era escravidão. A Cabana
Juan, A peregrinação de Childe Harold e o curto poema lírico She Walks in Beauty. Jacques-Henri do Pai Tomás é uma história de fé, coragem, determinação, perseverança e luta pela liberdade.
Bernardin de Saint-Pierre (1737-1814), nascido em Le Havre – França foi um escritor e botânico
59 60
maranhense tinha na figura do primo Francisco Sotero dos Reis, professor, poeta, destaque no cenário da instrução pública maranhense, na atuação como
jornalista, político, filólogo e crítico literário, uma admiração e de reconhecimento por educadores, nas suas práticas de escrita com suas obras publicadas e na
seu papel social. colaboração de textos em jornais locais.
A própria Maria Firmina dos Reis atesta isso, em uma poesia oferecida a Sabemos também que antes de iniciar suas atividades como escritora
seu primo, num claro elogio à sua dedicação ao Maranhão. Destacamos abaixo Maria Firmina “[...] [disputou] com duas concorrentes a vaga da cadeira de primeiras
trechos do texto: letras a cidade de Guimarães, e [foi] a única aprovada [...]” (MORAIS FILHO, 1975),
tornando-se, então, professora de primeiras letras no ensino público oficial na Vila
de Guimarães.
Minha Terra Temos como hipótese que seu primo Sotero dos Reis, como Inspetor de
OFFERECIDA AO DISTINCTO LITTERATO O SR. FRANCISCO ensino daquela época, tenha participado como avaliador ou acompanhado o
SOTERO DOS REIS. processo de seu exame. Como consta no trecho abaixo, um ano após a posse da
Maranhão! assucena entre verdores,
professora, o primo Sotero dos Reis deixa o cargo, para ocupar a função de
Gentil filha do mar - meiga donzella,
deputado provincial:
Que a nobre fronte, desprendida a coma,
Dos seios do oceano levantaste!
Quando és nobre, e formosa - sustentando[...]
A’ Francisco Raimundo Quadros – Pelo seu officio de hontem sob n.
[...] Oh! como é bello contemplar-te posta
1 fico inteirado de achar-se Venc. exercendo interinamente o cargo
Mole sultana n’um divan de prata, de Inspector de Instrucção Publica em lugar do Lente Francisco
Sotero dos Reis que o exercia e que passou a tomar assento na
Cobrando amor, adoração, respeito,
Assembleia Legislativa Provincial. (JORNAL PUBLICADOR
Dando de par ao estrangeiro- o beijo, MARANHENSE, Agosto/1848, Trecho transcrito, Figura 249)
E a fronte ornando de laureis viçosos!
Patria minha natal, - ninho de amores...[...].
Outra questão, que reforça a hipótese de que ambos tinham uma relação,
ainda que voltadas às questões profissionais na instrução pública, está no fato de
Sua poesia traz um lirismo exacerbado sobre a ilha de São Luís, na
seu primo Sotero dos Reis ter exercido por muitos anos o cargo de inspetor de
contemplação das belezas e, ao deixar claro seu carinho pela cidade na qual nasceu
ensino50. Além de participar de comissões para “[...] organizar mais regularmente, as
e que, neste texto, idolatra. Ao mesmo tempo, reverencia e reconhece seu primo
funções do magistério Público da Província” no que fosse “[...] conveniente codificar
Francisco Sotero dos Reis, colocando-lhe no patamar de um “Distinto Literato”, isto
na legislação existente sobre a instrução primária e secundária [...]” e tendo total
é, como um dos grandes escritores da época.
Percebemos que a trajetória de vida de Maria Firmina dos Reis dialoga de letras e ao seu ensino, foi um intelectual que nunca saiu de sua província. Teve contato com os livros
apenas aos doze anos quando adoeceu e passou um tempo na fazenda dos pais (na cidade de
alguma forma com este professor, Francisco Sotero dos Reis, 25 anos mais velho
Guimarães). Depois de seu retornou à cidade de São Luís, deixou a carreira de comerciante da
que ela. Ele mesmo, filho de uma educadora, que segundo consta, foi a responsável família do pai Baltasar José dos Reis e começou a estudar latim, filosofia e retórica na escola pública
do Convento de Nossa Senhora do Carmo e, em aulas particulares, aprende a língua francesa e
por dar-lhe acesso às primeiras letras48. Ambos estabeleceram um papel social de aritmética.
49
Optamos por transcrever todos os comunicados oficiais provinciais maranhenses por estarem em
péssima conservação. Denominamos de figuras que vão do número 2 a 12 que compõem o corpo do
48
Era visto como modelo a seguir, uma vez que, desde muito jovem, tinha uma conduta exemplar texto. Contudo seus originais encontram-se na parte dos anexos.
50
como filho (assumiu a responsabilidades da casa aos 18 anos depois da morte de seu pai, deixando Conseguimos localizar as nomeações para o cargo nos anos de 1838, 1848, 1849, 1850, 1858
de realizar seu sonho de cursar faculdade de medicina na França) e dedicou-se integralmente às e1863 conforme Jornal Publicador Maranhense. Ver em http://bndigital.bn.br/hemeroteca-digital/.
61 62
autonomia para as devidas “[...] correções, e complementos que julgarem necessário relatório dirigido a Assembleia Provincial solicitou que a mocidade seja capacitada
[...]51”. para colaborar no desenvolvimento do trabalho no país. E para isso, o inspetor
Como podemos constatar, Sotero dos Reis influenciou diretamente na entendia que o Liceu Maranhense precisava oferecer disciplinas “[...] corpos
criação/organização da instrução pública maranhense, no seu envolvimento como physicos, sobre a acção dos agentes naturaes sobre as combinações, e aplicações
Inspetor de ensino e com seus trabalhos de cunho didático-pedagógico na formação mechanicas [...]54” (RELATÓRIO, 1847, p.41-42).
52
educacional do Maranhão . Nesse último, em 1863, foi estabelecido que suas No que tange à instrução primária, lugar de atuação da Maria Firmina, o
Apostilas de gramática geral aplicada à língua portuguesa seriam utilizadas no inspetor diz que:
ensino de gramática nas escolas de primeiras letras53. Entendemo-nos que Maria
Firmina dos Reis, na condição de professora de primeiras letras da Vila de
Guimarães estabeleceu uma rede de relações com seu primo, no que se refere ao [...] Muito maiores são as providencias que reclama a instrucção
primaria, que exige ampla correcção, assim no pessoal, e material,
seu papel de Inspetor de ensino e no uso de suas Apostilas. como na sua organização e regulamento. Os professores em geral
Dos poucos documentos que conseguimos localizar sobre a sua trajetória nem sabem, nem podem cumprir bem os seus deveres; d’elles há
cuja simples escriptura bastaria para constituir o corpo de delicto
como educadora, está a sua nomeação, de 15 de outubro de 1847: mais procedente de ignorancia, e imperícia; e quase todos se achão
desprovidos não só de casas apropriadas, senão dos objectos, e
utensis mais indispensáveis: o Governo lh’os não tem fornecido por
falta de fundos, sendo que tal auxilio importaria avultada despesa, e
porque em tanta desordem o remedio deve ser mais radical, e
Nomeação para Professora de primeiras lettras de sexo feminino da completo. Cumpre, Senhores, rehabilitar antes o Professorato
Vila de Guimaraes Maria Firmina do Reis. Elementar por novos exames, como acertadamente determina o art.
Doutor Joaquim Franco de Sá oficial da Imperial Ordem da Rosa 2, da Lei n.º 76 e com novos Regulamentos, para depois apercebel-o
Cavalleiro da de direito, juiz de Direito da Comarca de Alcântara, dos meios materiaes, cujo despendio seria mal aproveitado sem essa
Deputado á assembleia legislativa, e ao presidente da província do providencia preliminar [...]. (ibidem, p.43)
Maranhão [...]. Faço saber aos que este Alvará [olharem], que
atendendo a que Maria Firmina do Reis, depositara á cadeira de
primeiras lettras do sexo feminino da Vila de Guimarães, se acha
competentemente habilitada na fo9rma da lei de quinze de outubro
de mil oitocentos e quarenta e sete, [lhe foi] bem, em conformidade O descompasso entre a demanda social, a qualidade do ensino e a
das leis em vigor [...]. (LIVRO DA ASSEMBLEIA PROVINCIAL DO
MARANHÃO, Outubro/1847, Trecho transcrito, Figura 3) efetiva aplicabilidade da lei foi a tônica, como vimos no Capítulo anterior, da
instrução pública maranhense. Maria Firmina dos Reis ao assumir a cadeira de
primeiras letras na Vila de Guimarães deparou-se com a escassez de recursos
No dia 03 de maio deste mesmo ano, cinco meses antes de se tornar financeiros, uns dos entraves para o avanço da instrução. Além dos parcos recursos
professora de primeiras letras na Província do Maranhão, o inspetor público, em da província, número insuficiente de edifícios para as aulas, de objetos e livros,
baixa frequência dos alunos e mestres poucos ou nada habilitados, sem preparo
51
Comissão composta por Francisco Sotero dos Reis, João Francisco Lisboa e Francisco e Mello para o cumprimento de seus deveres. (RELATÓRIO, 1847, 43)
Coutinho de Vilhena. Ver em: http://memoria.bn.br
52
Conforme MELO (2009, p.177) Sotero dos Reis destacou-se como importante referência nos Ainda sobre este relatório (1847, p.43), o inspetor de ensino, ao falar dos
capítulos da história das ideias gramaticais do Brasil, com suas duas gramáticas pioneiras e
professores alude sobre as “abusivas condescendências”. Isto é, a prática de
inovadoras: Postilas de gramática geral aplicada à língua portuguesa pela análise dos clássicos e a
Gramática Portuguesa e, no âmbito da historiografia literária, porque produziu uma das principais favorecimento por parte dos examinadores na aprovação de professores sendo,
histórias literárias para a época, o seu Curso de Literatura Portuguesa e Brasileira.
53
Uma determinação do Secretário de Instrução Pública do Maranhão, que consta no Jornal
54
Publicador Maranhense em 6 de março de 1863. Ver em: No mesmo relatório é sugerido à criação de duas aulas sobre física elementar e mecânica aplicada
http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=720089&pasta=ano%20186&pesq=sotero%20d as artes e outra de agrimensura se juntando as de geometria, álgebra e trigonometria, já
os%20reis. estabelecidas, formaria um curso de ciências da física.
63 64
para ele, uns dos procedentes para falta de preparo dos mestres no exercício de A partir da análise dos documentos sobre o ensino no Maranhão no
seus deveres. período, foi possível também contextualizar as condições em que a professora Maria
Ademais, indica a necessidade do governo regulamentar critérios de Firmina dos Reis exerceu a docência, e perceber ainda como fez uso da
“formalidades” para a aplicação dos exames e a especificação de habilidades prerrogativas das Leis da época, para sua prática na sala de aula.
necessárias para exercer o cargo no magistério. Deixando claro, a sua insatisfação A contextualização da instrução pública realizada no capítulo anterior
ao modelo de admissão e a prática de favorecimento para beneficiar candidatos. possibilitou compreender em qual contexto educacional Maria Firmina dos Reis
Sobre a atuação de Maria Firmina dos Reis, localizamos no livro atuou em meados do século XIX. O diagnóstico, por parte dos governantes, a partir
Cronologia da História de Guimarães, de Paulo Oliveira o relato que no ano de 1863, dos relatórios era sempre pessimista indicando a necessidade de reforma no ensino,
“[...] na vila, dois professores públicos de primeiras letras: Daniel Vitor Coutinho pois, segundo eles, não era a falta de zelo dos legisladores que impedia o avanço da
lecionava meninos, e Maria Firmina dos Reis, com quatorze meninas [...]”. E no instrução pública, mas sim a escassez de recursos financeiros55, assim como a “[...]
jornal Publicador Maranhense, de 6 de maio de 1867 com o título Gazetilha que a falta de zelo e a negligencia de alguns professores, que não cumpriam como
cadeira de primeiras letras foi assumida pela maranhense em, “[...] Guimaraes, deveriam as suas obrigações [...]”. (RELATÓRIO, 1861, p.18)
professora D. Maria Firmina dos Reis, 8 [alunas] [...].” Quando se tratava dos professores, os inspetores de ensino eram
Estes foram os únicos documentos localizados sobre a vivência em sala categóricos sobre a necessidade de estabelecer termos leais para controlar e
de aula da Maria Firmina dos Reis. Contudo podemos levantar algumas hipóteses fiscalizar a dedicação e a assiduidade dos mesmos. Para isso, os inspetores
sobre sua prática em sala como professora de primeiras letras na Vila de adotaram a prática de visitas às escolas para averiguar o trabalho dos professores.
Guimarães. Como seu primo, Francisco Sotero dos Reis exerceu a função de inspetor de ensino
No capítulo anterior, foi mencionada a Lei, nº 267 de 17 de dezembro de nos anos de 1838; 1848; 1849; 1850; 1858; 1863, é provável que ele tenha realizado
1849, que no seu Art.1 determinava que os professores públicos de primeiras letras visitas às turmas sob responsabilidades da professora Maria Firmina.
da província optariam pelo método de ensino individual, simultâneo e lancastrino Maria Firmina dos Reis, na condição de professora de primeiras letras de
com base na quantidade de alunos em sala de aula. A aplicação dos métodos se sexo feminino na Vila de Guimarães, competentemente habilitada na forma lei,
baseava na quantidade de alunos que se matriculavam nas escolas, e que utilizou-se da prerrogativa de sua função para fundar uma escola mista e utilizou-se
igualmente determinava o salário dos (a) professores (a)s. amplamente de pedidos de afastamento de suas funções docentes por meio de
Sendo assim, levando em consideração o exposto e o regulamento do licenças. Esta última nos deteremos mais à frente.
Art.2º, que determina que os professores que tiverem “[...]de 10 a 39 alunos Em relação à abertura de escolas mistas, identificamos que o relatório
ensinarão pelo método individual e receberão o ordenado anual de trezentos mil réis (1877, p.38), estabeleceu que,
e a gratificação adicional de três mil réis por cada aluno, que acrescer desde o
undécimo até o trigésimo nono inclusive”, podemos supor que a educadora Maria
Firmina dos Reis em suas aulas teve como prática de ensino o método individual, ao
ter como frequência 14 meninas, em 1863 e de 8 meninas em 1867. Além disso,
teria como ordenado anual o valor de trezentos mil réis, já a gratificação adicional de
55
três mil réis por cada aluno, talvez lhe fosse facultada quando tivesse mais de 10 A escassez impossibilitava o desenvolvimento do ensino, pois ficavam impedidos [...] de dotar as
escolhas com edifícios próprios, e solicita provêl-as de moveis e utensilios que lhes faltão. Sem isso
alunas. jamais haverá eschola regular. (RELATÓRIO, 1857, p.11).
65 66
“[...] inspetor da instrução publica que permitisse as escolas do sexo D. Nhazinha Goulart, conta que nas aulas [...] era todo mundo junto:
feminino sejam frequentadas por meninos de seis a nove [anos], meninos e meninas. “Quem tinha posses pagava e quem não tinha
[ideia] hoje aceita em todos os [países] como de grande proveito para não pagava.” Sobre o transporte utilizado para chegar à escola diz
o ensino dos meninos de tal idade”. [...] a gente ia com Maria Firmina num carro de boi e Pranchada era o
pajem.”
D. Eurídice Barbosa Cardoso nos relata que a “[...] mestra Maria
Firmina era enérgica, falava baixo não aplicava castigos corporais,
não ralhava: aconselhava.” A sala era “[...] meninas e meninos,
Somente após três anos esta medida ser estabelecida, Maria Firmina dos estudando juntos. A aula funcionava pela manhã.” (MORAIS FILHO
1975, p.311)
Reis, conforme Mendes (2006, p. 19) fundou “[...] um ano antes de sua
aposentadoria, a primeira escola mista no Maranhão, tendo esta funcionado até
1882 [...].” De acordo com Morais Filho (1975), em 1880, Maria Firmina dos Reis
Em posse dos relatos nos foi possível conhecer, mesmo que
fundou uma aula mista em um barracão, no povoado de Maçaricó. A escola
minimamente, características sobre a escola mista e gratuita fundada por Maria
funcionava em espaço cedido pelo fazendeiro Domingo Mondego 56, visto que a
Firmina por meio da prerrogativa presente no relatório (1877, p.38).
maranhense era educadora de suas filhas, Anica e Amália, passou a ser também, a
Era uma sala de aula que funcionava na propriedade de um senhor de
partir daí, responsável pela instrução das filhas e filhos de outros fazendeiros57, na
engenho, na qual lecionava para as filhas do proprietário e para outras crianças.
qual meninas e meninos estudariam juntos, em conformidade com o exposto no
Quando Maria Firmina decidiu-se por organizar esta escola, ela estava com 54 anos
relatório de 1877, como alternativa registrada pelo próprio inspetor de instrução.
e já completara 34 anos de magistério público oficial, sendo, portanto, um
Já no que se refere ao seu salário e recursos para manutenção da escola,
considerável tempo no exercício docente.
ficou estabelecido que o pagamento só seria realizado por quem tivesse condições,
É evidente pelas falas dos depoentes e pelo consentimento dos pais para
para quem não o tivesse, o ensino seria gratuito.
a abertura da escola que Maria Firmina era estimada pela população da Vila, tendo
Ainda sobre esta iniciativa de Maria Firmina, Morais Filho (1975),
o respeito e a confiança, para a instrução dos seus filhos.
apresenta em seu livro relatos de três ex-alunos da escola, D. Nhazinha Goulart, Sr.
Tinham por prática buscar o aluno em um carro de boi para levá-lo à aula,
Leude Guimarães e D. Eurídice Barbosa Cardoso respectivamente, na época, com
significaria uma preocupação quanto à frequência dos alunos sendo que na própria
84, 92 e 91 anos. Os dois primeiros vieram a ser filhos adotivos da Maria Firmina.
fala de uma delas, a retrata como uma mestra enérgica que ao mesmo tempo
Em seus depoimentos, os ex-alunos, nos brindam, mesmo de maneira
aconselhava.
fragmentada, com alguns indícios sobre o funcionamento, a frequência, a
Sobre sua prática de ensino em sala de aula foi possível apenas
receptividade da escola naquele período e a postura da educadora Maria Firmina.
identificar que Maria Firmina não se valeu dos castigos corporais pra ensinar seus
alunos. Mas, sobre estes depoimentos, Moraes Filho promoveu um elogio, que se
Sr. Leude Guimarães relata que a escola funcionava no “barracão” voltou para a construção de sua visão sobre a mestra:
cedido pelo Domingo Mondego, na qual frequentavam “[...] as filhas
do fazendeiro João Damas de Azevedo, Loló, Santa e Dona [...]”,
ainda “[...] haviam outras meninas e meninos, mas não lembro dos
nomes [...].” “Era uma mestra enérgica cobrava e exigia de seus alunos falando
baixo e não ralhava um dedo neles por entender que o ensino não se
56
aplicada de maneira efetiva com o uso de castigos, mas sim no
Domingo Lourenço da Silva Mondego, major reformado e fazendeiro, um homem influente e diálogo quando o ex-aluno diz não ralhava: aconselhava.” (MORAIS
produtor de açúcar da época (Jornal Pacotilha,1886). FILHO 1975, p.311).
57
Morais Filho (1975) relata que Maria Firmina dos Reis instruía as filhas de outros fazendeiros,
porém só consta o nome do fazendeiro João Damas de Azevedo e os nomes filhas Loló, Santa e
Dona que frequentavam a escola.
67 68
Em primeiro lugar, denuncia-se uma espécide de hábito de concessão do No relato é notório que Maria Firmina tinha prestigio e o respeito do seu
direito, o que é justamente questionado por aqueles que se opõem ao afastamento companheiro de profissão, principalmente, por se tratar da fala de um professor do
requerido. É provavel que a própria professora já tenha ficado afastada por um ano, Liceu Maranhense. Nas palavras de José Ribeiro do Amaral, a professora Maria
gozando de licença remunerada. Considerava- se que isso era suficiente para seu Firmina dos Reis precisa ser tratada com toda a “consideração” que um “bom”
tratamento de males do fígado. Em segundo lugar, os atestados apresentados não funcionário público merece. Indicando que a concessão para a licença não poderia
eram médicos, mas de agentes sociais de Guimarães, que denotavam mais sua ser negada.
rede de relações tais como o pároco e o delegado literário. Chama a atenção Apesar da defesa, houve a negativa de afastamento, Maria Firmina passa
também o argumento de pobreza associado pelo defensor da proposta (José a solicitar junto a Província sua aposentadoria e uma nova licença. Como consta nas
Ribeiro). Considerava que ela, sendo pobre e, estando doente, não teria facilidades figuras 11 e 12:
para ir à São Luis fazer todos os trâmites necessários para justificar o pedido.
Já no tocante da Instrução Pública, um dos legisladores informa que
tantos pedidos de afastamento com direito a todos os vencimentos, colaborava para A exm.ª sr.ª D. Maria Firmina dos Reis, professora publica de
Guimarães e uma das raras senhoras que entre nós tem tido a
as dificuldades de recursos enfrentadas pelo Governo. inapreciavel coragem de escrever para o publico, acha-se aqui na
capital, para o fim de tratar de sua aposentadoria, visto contar mais
José Ribeiro do Amaral, que faz a defesa de Maria Firmina no processo, de 25 annos de effectivo serviço. (JORNAL PACOTILHA, abril/1881)
foi um homem atuante no âmbito da instrução pública maranhense, tendo ele (Trecho transcrito, Figura 11)
A’ D. Maria Firmina dos Reis, PROFESSORA PUBLICA DA VILLA
mesmo sido vinculado ao Liceu Maranhese58. Neste caso específico, ele faz DE Guimarães, forão concebidos trinta dias de licença sem
vencimentos, para tractar de seus interesses. (JORNAL DA TARDE,
apontamentos importantes sobre o ser professor na metade do século XIX. Fala da Maio/1881) (Trecho transcrito, Figura 12)
falta de médicos em algumas vilas e cidades, impossibilitando os professores de
terem acesso aos mesmos; os baixos salários (ordenados); e das relações de troca
de favores em relação ao que o professor teria por direito, ao solicitar afastamento
Nota-se então, que a professora já não mais pode gozar dos
de suas funções.
afastamentos com vencimentos. Segundo Morais Filho (1975), foi por Maria Firmina
Quando se refere a educadora Maria Firmina dos Reis, faz uso de termos
dos Reis estar no impedimento da sua função de educadora que foi indicada Amália
o “Ilustre professor”, “[...] seus serviços tem titulo a toda consideração [...]” e “[...]
Augusta dos Reis, irmã mais nova de Maria Firmina, para assumir a cadeira de
negar um favor a um bom empregado público [...]”.
primeiras letras da vila de Guimarães.
Em conformidade com a lei, e “[...] com a proposta de Dr. Inspetor da
Instrução Pública, resolve nomear D. Amália Augusta dos Reis para reger a cadeira
58
Nasceu em 3 de maio de 1853, na cidade de São Luís, estudou no Colégio de Nossa Senhora da
Glória, também chamado Colégio das Abranches. Exerceu a carreira de professor, foi catedrático de de primeiras letras da vila de Guimarães [...]”. Nesse mesmo ano, de 1881, após
História e Geografia do Liceu Maranhense, instituição a que também serviu na condição de seu
diretor. Encarregado provisoriamente da reorganização da Biblioteca Pública, foi nomeado diretor
trinta e quatro anos de serviços prestados a Instrução Pública, Maria Firmina dos
dessa instituição em 13 de abril de 1896, ali permanecendo até 16 de agosto de 1896. Durante essa Reis conseguiu aposentar-se como professora.
primeira e breve gestão, promoveu a mudança da Biblioteca da Rua Formosa para a Rua da Paz.
Novamente posto à frente desse órgão, dirigiu-o de 19 de agosto de 1910 a 21 de julho de 1913. Tal passagem sobre seus afastamentos, mostra pelo menos duas
Diretor da Imprensa Oficial, e colaborador do Diário Oficial do Estado, onde, no período de 1911 a
1912 publicou diversos trabalhos sob o título geral de Maranhão Histórico, os quais, coligidos pelo questões importantes para entendermos o contexto de sua atuação. A primeira delas
escritor Luiz de Mello, resultaram no livro O Maranhão histórico, publicado postumamente. Vindo a
falecer em 30 de abril de 1927, na cidade de São Luís. Ver mais em: é justamente o paulatino rigor que, aos poucos, ganha o controle sobre o exercício
http://www.academiamaranhense.org.br/?p=486.
docente, em relação aos direitos trabalhistas e a lógica dos afastamentos dos
73 74
professores. A complexidade do processo é anunciada quando se percebe uma 2.2 Atividades simultâneas: escrever e ensinar
burocracia, que centrava na diretoria da Província, as decisões sobre o afastamento.
Um segundo aspecto revela-se nos elogios que são travados à
professora, por seus serviços e ação como servidora pública da província. Isto é o Após analisarmos as condições em que Maria Firmina atuou como
argumento que faz com que um novo requerimento seja impetrado, a fim de que a educadora, trataremos de sua trajetória como escritora maranhense do século XIX
requerente possa enfim, documentar corretamente o processo. Tais dificuldades no que se confunde com sua profissão docente.
processo são indicativas, portanto, do passo seguinte dado por Maria Firmina, Sua carreira literária iniciou-se formalmente com a publicação do romance
visando o desligamento de sua condição de docente da província, por Úrsula, em 1859 (Typographia do Progresso – MA). Ao que se sabe até o momento,
aposentadoria. esta foi a única edição da obra realizada quando a autora ainda estava viva. As
edições seguintes já ocorreram quando ela foi “redescoberta”: a 2ª edição é datada
de 1975, fac-similar (Gráfica Olímpia – RJ); a 3ª edição é de 1988 (Editora
Presença/INL-Brasília); e a 4ª edição datada de 2004 (Editora Mulheres – SC).
Além de publicar a novela, Maria Firmina colaborou com o jornal A
Imprensa, publicando, em 1860, poesias, assinando com as iniciais M.F.R. Em 1861,
começou a publicar Gupeva no jornal Jardim das Maranhenses. Em 1863 e 1865,
republicou Gupeva, respectivamente, nos jornais Porto Livre e Eco da Juventude.
Em 1871, o livro de poesia Cantos à Cantos à Beira-Mar pela Tipografia do Paiz; em
1976, em fac-símile, a 2ª edição. Além do conto A Escrava, em 1887, pela Revista
Maranhense. (MENDES, 2006, p.19)
Participou ainda da antologia poética Parnaso Maranhense (1861), e
colaborou com os seguintes jornais: Publicador Maranhense (1861), O Jardim das
Maranhenses, Porto Livre (1863), Eco da Juventude (1865), A Verdadeira
Marmota, Semanário Maranhense (1867), O Domingo (1872), O País (1885),
Revista Maranhense (1887), Diário do Maranhão (1889), Pacotilha (1900),
Federalista (1903). Escreveu no Almanaque de Lembranças Brasileiras (1863,1868)
um artigo de título “Minhas impressões de viagem” (1872), um diário intitulado Álbum
(1865), várias charadas e enigmas. Compôs em sua autoria músicas e letras, como
Autos de Bumba meu Boi, Versos da Garrafa, atribuído a Gonçalves Dias, Hino a
Mocidade, Hino à Liberdade dos Escravos, Rosinha, Estrela do Oriente, Canto da
Recordação. (Ibidem, p.20)
Sobre a música Autos de Bumba meu Boi, Morais Filho relata que foi
escrito a pedido de algumas escravas, entre elas Otávia “[...] quem lhe fez o pedido
em nome das companheiras [...]” e que Maria Firmina “[...] não se fez de rogada.
Escreveu a letra e música [...].” (1975, p.221) Em outro episódio, escreve a poesia
75 76
Um brinde a noiva, presente de Maria Firmina pelo casamento da filha do fazendeiro Além disso, nos revela uma rede de relações sociais, estabelecida em
Domingo Mondego. Uma festa com 400 convidados, na chácara do fazendeiro na uma ordem de equidade com seus pares escritores. Também é possível perceber
Vila de Guimarães onde o advogado Daniel Vitor Coutinho, seu amigo e também uma rede de sociabilidades nos espaços em que ela transitou, seja como
professor, recitou a poesia produzida pela “[...] distinta D. Maria Firmina dos Reis educadora, como escritora, suas relações de amizade e, até mesmo perceber como
que, por incômodos de saúde, não pode por si mesmo recitá-la.” (MORAIS FILHO o convívio com estas pessoas influenciou as práticas escriturárias de Maria Firmina
1975, p.224) dos Reis. Tendo como assertiva que num processo de sociabilidade o individuo
Sua filha adotiva Nhazinha Goulart conta que Maria Firmina formava entra em contato com um número de contextos e grupos sociais diversos que lhe
parceria com outros na criação de letras e música, exemplifica com Estrela do permitem um grande número de perspectivas significativas, procuramos
Oriente, na qual a parceria foi com o pastor e professor Osório Anchieta 59. E diz compreender a professora e a autora nestes contextos diversos.
mais, “[...] não só uma ou duas vezes, e nem só em pastoral. Ora a música de um, Consideramos, portanto, que Maria Firmina tenha feito uso desse
ora de outro; ora a letra de um, ora de outro [...].” Versos da Garrafa, outra parceria processo de sociabilidade, principalmente, em seus escritos, assumindo as
que lhe atribuída, com letra de Gonçalves Dias e música de Maria Firmina. (Ibidem, premissas de Cândido (1965, p.79), que nos ensina sobre o surgimento das obras
p.313) não como um fenômeno pontual, expressão individual, mas como um evento de
Ainda sobre Gonçalves Dias, em seu livro Cantos à beira mar, escreveu natureza sociológica, no qual a obra está relacionada ao contexto social.
as poesias A Dor, que não tem cura e Nenia Maria Firmina realizando uma Ainda, a respeito disso, suas três obras, Úrsula, A Escrava e Gupeva,
homenagem ao seu contemporâneo. No primeiro, ao falar da morte de pessoas trazem para o leitor, temáticas assentadas em questões sociais vigentes na sua
queridas e do sofrimento causado pela perda traz na epígrafe o poema do época. Maria Firmina dos Reis não se omite e nos fala de uma sociedade autoritária
Gonçalves Dias. Já no segundo, uma mensagem póstuma em “[...] memoria do e patriarcal, que escravizava homens e mulheres, apontando que a estes escravos,
mavioso e infeliz poeta [...]” que veio a falecer. (Ibidem, p.137) o tratamento era de violência, submissão e a transformação em párias, como é o
À luz desse livro Cantos à Beira-Mar nos foi possível aferir o convívio que caso de personagens das obras, Úrsula e A Escrava. Já em Gupeva, a autora
tinha com a literatura nacional e universal e, o mais importante, a sua prática da aborda a temática indígena para informar e criticar a postura do homem europeu
leitura quando ela se colocava na posição de admiradora, de respeito aos literatos. sobre a mulher indígena e pontuar que todas são pejorativas. Portanto, Maria
Utiliza-se da epígrafe para realizar homenagens àqueles que fazem parte de suas Firmina não apenas vivencia o momento histórico do qual está inserida, mas,
leituras, de seus estudos e de inspiração para sua própria prática de escrita também, nos dá a conhecer seu olhar sobre aquele momento, por meio de seus
60
literária . escritos e por seus atos, que ficaram registrados nos documentos (textos).
Outros documentos importantes, que nos permitiram identificar seu
59
Este dedicou grande parte de sua vida à arte de ensinar, por isso, foi concebido como um posicionamento crítico sobre o contexto social do Maranhão no século XIX são três
profissional “[...] respeitável, zeloso, preocupado com a causa, um exemplo de doação virtuosa”
(FURTADO FILHO, 2003, p. 32). Segundo relatos (CUBA, 2012), esse professor utilizava conteúdos poesias contidas no seu livro Cantos à Beira-Mar, de 1887, nas quais se manifesta
significativos e empregava uma metodologia de autoestima com seus alunos. (PESSOA; CASTRO,
2013, p.56) Já Morais Filho (1975, p.314) o descreve como um respeitado latinista, que marcou a sua
passagem pelo magistério maranhense, ora iluminando a mocidade com seu saber, ora compondo e professor Gentil Homem de Almeida Braga (“oferecido ao sonoro e mavioso poeta”), o médico,
banca examinadora de candidatos à cátedra de português do Liceu Maranhense (colégio oficial do jornalista e escritor Antônio Henriques Leal (“oferecida como prova de profunda e sincera gratidão”), o
Estado) o humanista vimaranense era também músico (organista) e compositor. advogado, promotor público, delegado de polícia, secretário do governo Ovídio Gama Lobo
60
Entendemos ser de relevância aludir cada um e a forma que lhes foram atribuídas às homenagens. (“dedicada ao distinto literato”), a seu amigo Raimundo Marcos Cordeiro (“o jovem poeta”) e ao poeta,
Para isso seguiremos a ordem estabelecida no próprio livro, com o parlamentar, filósofo, professor, advogado, jornalista, etnógrafo e teatrólogo brasileiro Goncalves Dias, (“memoria do mavioso e infeliz
lente de Latim do Liceu Maranhense seu primo Francisco Sotero dos Reis, (“oferecida ao distinto poeta”). (MORAIS FILHO, 1975, p. 5-127)
literato”), em seguida o jurista, poeta e ativista político português Thomaz Antônio Gonzaga (“a
memória do infeliz poeta”), o promotor público, juiz municipal, procurador fiscal do tesouro João
Climaco Lobato (“dedicado ao ilustre literato maranhense”), o poeta, novelista parlamentar, jornalista
77 78
sobre a Guerra do Paraguai61. Com o titulo Por ocasião da tomada de villeta e imprensa local, por ocasião de suas publicações (2007, p.13) optamos por
ocupação de Assumpção, fala de um Brasil vitorioso e que os inimigos “[...] já selecionar alguns trechos como demonstram as notas que seguem62:
[temiam] ao Brazil [...].” Por sua vez, as poesias, A recepção dos voluntários de
Guimarães e Poesia, fazem saudação ao feliz retorno de “[...] vossos filhos [...]”, pós-
guerra. (apud MORAES FILHO, 1975, p.61; 81; 85) Os textos mostram o Obra nova – com o título Úrsula publicou a Sra. Maria Firmina dos
Reis um romance nitidamente impresso que se acha à venda na
contentamento de Maria Firmina com as vitórias conquistadas e o retorno dos que tipografia Progresso. Convidamos aos nossos leitores a apreciarem
essa obra original maranhense que, conquanto não seja perfeita,
foram à Guerra. revela muito talento na autora e mostra que, se não lhe faltar
Nesta pesquisa consideramos que a existência das poesias com as animação, poderá produzir trabalhos de maior mérito. O estilo fácil e
agradável, a sustentação do enredo e o desfecho natural e
temáticas sociais como acima citadas, demonstra que Maria Firmina não se eximiu impressionador põem patentes, neste belo ensaio, dotes que devem
ser cuidadosamente cultivados. É pena que o acanhamento mui
em refletir sobre os acontecimentos daquela época. E por meio de seus escritos desculpável da novela escrita não desse todo o desenvolvimento a
estabeleceu o seu lugar social e, esse lugar, não foi de omissão ou indiferença à algumas cenas tocantes, como as da escravidão, que tanto pecam
pelo modo abreviado com que são escritas. [...] A não desanimar a
conjuntura social, política e cultural. autora na carreira que tão brilhantemente ensaiou, poderá para o
futuro, dar-nos belos volumes63.
Conforme nos diz Oliveira (2007, p.15), José Ribeiro do Amaral escreveu
no artigo “A Imprensa no Maranhão: jornais e jornalistas”, publicado na Revista Úrsula – Acha-se à venda na tipografia Progresso este romance
original brasileiro, produção da exma. Maria Firmina dos Reis,
Tipográfica, de 1913, referindo-se à Maria Firmina dos Reis como uma das professora pública em Guimarães64. Saudamos a nossa
colaboradoras da revista Semanário Maranhense. Ele diz “[...] o que o Maranhão comprovinciana pelo seu ensaio, que revela de sua parte bastante
ilustração: e, com mais vagar emitiremos a nossa opinião desde já
de então possuía de mais notável nas letras [...].” Seu nome figura entre os afiançamos não será desfavorável à nossa distinta comprovinciana.
colaboradores, Maria Firmina dos Reis, Sotero dos Reis, Gentil Braga, Henrique [...] Raro é ver o belo sexo entregar-se a trabalhos do espírito e
Leal, Cesar Marques, Sabbas da Costa, Sousa Andrade e Celso de Magalhães. deixando os prazeres fáceis do salão propor-se aos afãs das lides
literárias. Quando, porém, esse ente, que forma o encanto da nossa
(grifos nossos) peregrinação na vida, se dedica às contemplações do espírito [...]
porque reúnem à graça do estilo, vivas e animadas imagens, e esse
Esse artigo indica o que entendemos por relações de sociabilidade neste sentimento delicado que só o sexo amável sabe exprimir. Se é, pois,
contexto literário, nos espaços em que Maria Firmina transitou. Neste caso, na cousa peregrina ver na Europa, ou na América do Norte, uma
mulher, que, rompendo a círculo de ferro traçado pela educação
imprensa, colaborando em jornais e revistas, a autora se valeu destas relações para acanhada que lhe damos, nós os homens e, indo por diante de
preconceito, apresentar-se no mundo, servindo-se da pena e tomar
dialogar com intelectuais da época. Intelectuais que, em seus poemas, aparecem
assento nos lugares mais proeminentes do banquete da inteligência,
como dignos de uma profunda admiração e respeito, como os casos de Sotero dos mais grato e singular é ainda ter de apreciar um talento formoso e
dotado de muitas imaginações, despontando no nosso céu do Brasil,
Reis, Gentil Braga e Henrique Leal. onde a mulher não tem educação literária, onde sociedade dos
Tais relações propiciaram a divulgação do romance Úrsula, a sua primeira homens de letra é quase nula65.
obra publicada. Para Oliveira essa divulgação conota que Maria Firmina tenha
alcançando um relativo sucesso em seu tempo, sendo recebida com elogios da
62
Optamos em colocar apenas trechos das noticias que foram emitidas pela imprensa local sobre
Maria Firmina dos Reis.
61 63
A Guerra do Paraguai foi a mais longa e devastadora da história da América do Sul, resultou no Jornal do Comércio, 4 de agosto 1860. Apud MORAIS FILHO, José Nascimento. Maria Firmina dos
aniquilamento do Paraguai, o mais desenvolvido país de toda a América Latina até o início do Reis – fragmentos de uma vida. São Luís: Governo do Estado do Maranhão, 1975.
64
confronto. Os combates se realizaram na segunda metade da década de 1860 e envolveram as A Moderação, 11 de agosto de 1860. Op. cit.
65
forças armadas do Brasil, da Argentina, do Uruguai e do Paraguai. (MILANESI, 2004, p. 1) A Verdadeira Marmota, 13 maio de 1861. Op. cit.
79 80
Em relação aos comentários acima, com as críticas feitas à escritora conhecida; e convém muito animá-la a não desistir [...]” (apud MORAES FILHO,
maranhense, não foram encontrados registros dos seus autores. A primeira notícia 1975, p.26).
já deixa claro para o leitor que o romance Úrsula não era primoroso, embora Maria Ainda sobre as formas de divulgação do seu romance, Úrsula, Maria
Firmina demonstrasse muito talento para a escrita, a mesma só precisava de tempo Firmina fez a doação de um exemplar do livro para o Ateneu Maranhense. (ibidem,
para o cultivo de belos volumes e de um maior mérito. Apesar das críticas, o convite p.320) Por sua colaboração em Jornais locais, conseguiu realizar anúncios sobre a
à leitura agrega uma solicitação à escritora, para que não desanime de seus escritos venda do romance Úrsula, “[...] escrito por uma maranhense, com um volume em
uma vez que, poderá para o futuro, ser uma boa escritora. Quer dizer, para o autor preço de 2$000 sendo distribuído pela Tipografia do Progresso e na livraria do Sr.
do texto Maria Firmina ainda não era uma completa literata, mas reunia condições Antônio Pereira Ramos d’Almeida [...].” (ibidem, p.216-217) Sobre a livraria de do Sr.
de produzir uma obra perfeita. Antônio Pereira vale ressaltar, que conforme Costa (2013, p.104) o mesmo também
Na segunda notícia, Maria Firmina foi parabenizada por se revelar na era proprietário da Tipografia Comercial que funcionou 1860 e 1882.
professora pública de Guimarães. Nesse momento as atividades se confundem a Em 1861, começa a publicar sua segunda obra Gupeva no jornal Jardim
educadora/escritora e a escritora/educadora. O autor do texto expôs que em seu das Maranhenses, após dois anos, em 1863 e 1865, republica Gupeva,
ensaio, Maria Firmina revelou de “(...) sua parte bastante ilustração”. Isto seria dizer respectivamente, nos jornais Porto Livre e Eco da Juventude. Para Morais Filho
à época, que Maria Firmina manifestou todo seu conhecimento, instrução, cultura, (1975, p.219) tres edições em folhetim num curto espaço de tempo atesta o êxito
sabedoria ou erudição no seu ensaio. O autor revela ainda conhecer a autora por popular que a obra pode haver conquistado na época. Seguiu suas publicações, em
suas condições culturais, embora avise não ter lido a obra para a escrita da resenha. 1871 com o livro de poesias intitulado Cantos à Beira-Mar e, em 1887, da publicação
Deixa claro que sua crítica não seria desfavorável após a leitura, por se tratar de do conto, A Escrava, pela Revista Maranhense66.
uma autora local (comprovinciana). Em nossa investigação sobre a Tipografia o Progresso, gráfica
Na terceira notícia, já existe um estranhamento por ser um escrito responsável pela impressa da obra Úrsula de Maria Firmina, acabamos por descobrir
feminino, evidenciando que naquela época a mulher estava voltada para os prazeres que também se chamava gráfica Belarmino de Mattos67, tendo funcionado de 1860 a
fáceis do salão. O autor quando fala de uma educação acanhada que lhe damos 1868 e, cujos redatores eram,
(nos homens), confirma o que Maria Firmina traz em seu Álbum sobre a educação
que tivera na infância uma compleição débil e acanhada, uma educação freirática.
Apesar dessa educação precária e diferenciada apontada pelo autor destaca o [...] Francisco Sotero dos Reis, Antônio Henriques Leal, Trajano
Galvão, Gentil Homem de Almeida Braga, Dias Carneiro, Marques
talento formoso e dotado de muitas mulheres brasileiras, entre essas, Maria Firmina Rodrigues, Joaquim Serra, Joaquim de Sousa Andrade, Sabas da
dos Reis que não tiveram uma educação literária. Costa, Raimundo Filgueiras e Caetano Cantanhede, sob os
respectivos pseudônimos de Flávio Reimar, Pietro de Castelamare,
Observamos que as críticas são pautadas nos avisos ao leitor por sua James Blumm, Rufus Salero, Nicodemus, Jadael de Babel-Mandeb,
Stephens Van-Ritter, Golondron de Bibac, Iwan Orloff e Conrado
escrita ainda não perfeita; pela falta de tempo para o cultivo de bons textos como Rotenski [...] (LOPES, 1959, p. 34).
prática cotidiana. Quando há o elogio da obra, sem haver realizado a leitura da
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No Capitulo 3 temos como proposta uma analise aprofundada sobre as contribuições de caráter
mesma, o autor se vale da relação comprovinciana para com Maria Firmina. Ou seja, didático pedagógico e moral que suas obras, Úrsula, A Escrava e Gupeva tenham propiciado para
utiliza-se da relação de sociabilidade por serem da mesma região, talvez mesmo por educação do século XIX.
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O Jornal Maranhense era impresso na gráfica de Belarmino de Mattos, o mesmo que, segundo
serem colaboradores do Jornal A Moderação para enaltecer e demonstrar respeito determinamos, imprimiu em 1861 o Parnaso Maranhense, no qual figuram os nomes de Maria Firmina
dos Reis e de Francisco Sotero dos Reis e, em 1866, seu livro Curso de Literatura Portuguesa e
à publicação do romance. Visto que “[...] Maria Firmina dos Reis, já é entre nós Brasileira. Contudo acreditamos que existam mais impressos realizados pela gráfica nos oito anos de
sua existência.
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Como vimos, dentre os redatores responsáveis estava seu primo Diferentemente dessas pesquisas não entendemos que sua ausência
Francisco Sotero dos Reis, além de colegas colaboradores do Jornal Semanário represente uma negativa de Francisco Sotero dos Reis ao seu talento, mas, muito
Maranhense, confirmando que as relações de sociabilidade estabelecidas por Maria provavelmente, ao lugar de silenciamento ocupado pela mulher daquela época.
Firmina nos espaços em que transitou, seja na colaboração na imprensa e na Mesmo porque, como ratificamos ao longo deste capítulo, Maria Firmina e Sotero
literatura lhe possibilitou que sua obra fosse para impressão e que tivesse uma dos Reis estabeleceram relações de sociabilidade, seja como professora e ele,
divulgação para o público leitor. Acreditamos, portanto que Sotero dos Reis como inspetor de ensino ou como colaboradores nos mesmos jornais ou redator da
redator da Tipografia tenha tido contato com a obra e, possivelmente, feito à leitura Tipografia Progresso, um dos responsáveis pela impressão a sua obra Úrsula.
da mesma. Entendemos que os esforços em apresentar ao leitor um olhar, sobre o
Além disso, o ano de existência da Tipografia o Progresso, foi de 1860 a conjunto das atividades da escritora famosa, em diálogo com sua trajetória como
1868, levantando uma questão em relação à data de publicação da obra. É provável professora de primeiras letras da Vila de Guimarães no século XIX se fez necessário
que tenha sido um dos primeiros produtos desta Tipografia, visto que no livro consta e importante compreendermos um pouco melhor esta história da educação do
1859 como a data de publicação. E somente a partir de 1860 a obra passa a ser Maranhão imperial.
noticiada para venda e divulgação, como já mencionadas aqui. De outro modo, consideramos ainda que seus escritos literários possuem
Até aqui, acreditamos ter apresentado alguns elementos sobre a trajetória um caráter educacional, ao qual abordaremos sob algumas características (e
percorrida por Maria Firmina dos Reis no aprendizado das primeiras letras até sua questionamentos) no capitulo seguinte.
carreira docente. Foi difícil, devido à ausência de uma documentação mais
substancial, conhecer uma possível educação formal de Maria Firmina dos Reis,
contudo seus próprios escritos nos mostraram que os primeiros aprendizados foram
concebidos no seio familiar, como a grande maioria das mulheres daquele período.
A literatura também chegou à sua vida a partir da mãe, que lhe instruiu no
gosto e no prazer pela leitura. Além de explicitarmos que seu primo Francisco Sotero
dos Reis, figura de renome como professor e escritor a tenha incentivado na escolha
dos mesmos caminhos, como atestamos na poesia Minha Terra que lhe foi dedicada
evidenciando o respeito e admiração que tinha pelo primo ilustre.
As pesquisas, até aqui, ao abordarem uma possível relação entre os dois,
têm como questionamento que,