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A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA

Relatório oferecido pelo Instituto Mão Na Jaca à Prefeitura


Municipal de Niterói como contribuição da sociedade civil à
administração municipal
APRESENTAÇÃO

O presente documento apresenta uma série de informações técnicas sobre os valores paisagísticos
(históricos, sociais e ambientais) do Morro São Lourenço e da Chácara do Vintém, lugar do Parque
Natural Municipal da Água Escondida (PNMAE) compilados por profissionais e agentes públicos
interessados no melhor desenvolvimento do parque hoje em formação. Nosso objetivo é abrir frentes
de pesquisa, projetos e trabalhos técnicos a serem incorporados ao projeto de construção do parque,
em desenvolvimento pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Recursos Hídricos e
Sustentabilidade (SMARHS). Ou seja, apoiar a Prefeitura Municipal de Niterói na construção de
conceitos, sugestões e ações que melhorem o resultado final dos investimentos públicos programados
para o novo parque.

O impulso inicial aconteceu por convite do Secretário a Marisa Furtado e Pedro Lobão (gestores do
Projeto Mão Na Jaca) para conhecer o novo parque e propor ações que o conecte às demandas sociais
da população. A partir desse momento Projeto Mão Na Jaca iniciou uma série de contatos com atores
da comunidade que há décadas trabalham na proteção do parque, com destaque para o Padre João
Claudio Nascimento, da Paróquia Nossa Senhora de Fátima, extremamente ativo e promotor de ações
relevantes na região. A partir das primeiras visitas foram agregados ao grupo especialistas de diversas
áreas de conhecimento: história, arqueologia, direito, ecologia, paisagismo, arquitetura, agroecologia.
Este grupo participou, a partir de abril de 2022, de inúmeras visitas técnicas ao parque, inclusive à
primeira consulta pública sobre o Plano de Manejo do PNMAE promovida pela SMARHS.

Como resultado deste trabalho, que se estendeu por todo o ano de 2022, apresentamos aqui nossa
visão sobre o incrível valor que o PNMAE pode oferecer à população de Niterói, tanto como registro
importantíssimo da história da cidade quanto como espaço de fruição e valorização da população como
agente indispensável para o bom funcionamento dos parques urbanos.

Em resumo, entendemos que o Parque da Água Escondida pode funcionar como monumento histórico,
como promotor de educação e qualidade de vida para as comunidades da região e como refúgio
florestal de fauna e flora urbanos. Um Parque Escola, que conecta a população de Niterói com seu
passado mais precioso e seu futuro mais desejável.

Marisa Furtado, Pedro Lobão e Padre João Claudio Nascimento.

Este documento não seria possível sem o apoio institucional de:

 - Laboratório de Biogeografia e Ecologia histórica (LaBeH) - Departamento de geografia e


meio ambiente - PUC-RIO;
 - Laboratório Cidade e Poder do PPGH, Universidade Federal Fluminense;
 - Laboratório de Sistemática e Biogeografia Vegetal LaSBiV; Universidade Federal Fluminense,
Instituto de Biologia;
 - PROURB-FAU; Universidade Federal do Rio de Janeiro
 - Fercant & Yahto Consultoria Científica Ltda.
A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA

SUMÁRIO

1. VALORES DA PAISAGEM DO SISTEMA ECOLÓGICO-CULTURAL DO PARQUE NATURAL


MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA .................................................................................................... 2

1.1. VALORES DA PAISAGEM CULTURAL DA CHÁCARA DO VINTÉM. ................................... 2

1.2. VALORES BIO-CULTURAIS DO MORRO SÃO LOURENÇO ............................................. 21

2. VALORES HISTÓRICO-PATRIMONIAIS DA CHÁCARA DO VINTÉM....................................... 28

2.1. DIAGNÓSTICO SOBRE OS SÍTIOS ARQUEOLÓGICOS DO TIPO “SAMBAQUI”,


LOCALIZADOS NAS ÁREAS DE INFLUÊNCIA DIRETA E INDIRETA DO PARQUE NATURAL DAS
ÁGUAS ESCONDIDAS. ..................................................................................................................... 28

2.2. ESTUDO HISTÓRICO DA CHÁCARA DO VINTÉM PARA O NECESSÁRIO TOMBAMENTO


DE PATRIMÔNIO MATERIAL ........................................................................................................... 37

3. PROPOSTA DE CRITÉRIOS DE ATUAÇÃO PARA O PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA


ÁGUA ESCONDIDA. ............................................................................................................................ 69

4. ANEXOS ........................................................................................................................................ 71

4.1. ANEXO 1: CRONOGRAMA DE VISITAS E REUNIÕES 2022 ............................................. 71

4.2. ANEXO 2: LEVANTAMENTO ARQUITETÔNICO ................................................................ 74

4.3. ANEXO 3: PESQUISA NECESSÁRIAS ................................................................................ 70

4.4. RESENHA DOS COAUTORES E PARTICIPANTES DAS VISITAS TÉCNICAS ................. 79

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A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA

1. VALORES DA PAISAGEM DO SISTEMA ECOLÓGICO-CULTURAL DO PARQUE NATURAL


MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA

1.1. VALORES DA PAISAGEM CULTURAL DA CHÁCARA DO VINTÉM.

Carla Urbina1

RELATÓRIO DE EXPERIÊNCIAS NA PAISAGEM DO PARQUE DAS ÁGUAS ESCONDIDAS,

MORRO DE SÃO LOURENÇO, NITERÓI

A história de Niterói como cidade é contada desde o Morro São Lourenço (Morro Boa Vista), mas a
história desse território é contada pelas águas da Bahia de Guanabara, do mar e das águas escondidas
nas fontes da exuberante topografia. O Morro de São Lourenço foi o primeiro assentamento indígena
da tribo Temiminós liderado pelo Cacique Araribóia (1555)2, pela sua vantagem de proteção por causa
das visadas amplas, a abundância de águas para abastecimento desses povoados e terras para
plantações. Também foi uma das principais fontes de água junto a da Armação e Ingá para o necessário
abastecimento de água nos primórdios da cidade de Niterói. Segundo Chicharo (2004) existem
referencias da necessidade de abastecimento de água, planos e construção do sistema hidráulico entre
1819 e 1847 (Chicharo de Campos, 2004) e parte desse sistema está localizado dentro do atual Parque
Natural Municipal da Água Escondida, na Chácara do vintém.

O presente relatório está focado na importância que tem o Morro São Lourenço e o sistema de
preservação e distribuição de águas para a evolução da cidade de Niterói, assim como para a
preservação de identidade e diversidade bio-cultural. O relatório apresenta a visão do Parque da Água
Escondida localizado na Chácara do Vintém (Chácara Andrade Pinto) no Morro São Lourenço através
das experiências vividas nas visitas técnicas realizadas entre agosto e novembro de 2022,
complementada por uma pesquisa bibliográfica preliminar sobre o lugar criado pela natureza,
indígenas, imigrantes (colonizadores, escravizados, viajantes), enfim, uma terra mestiça que ao longo
do tempo escreve a história na sua própria paisagem.

Cada momento deixa pegadas no território. No Parque da Água Escondida percebemos, na paisagem
visível, escondida (como restos de sambaquis -cemitérios indígenas3) ou relatada nos livros, vestígios
das camadas de história dos seres que transformaram e ainda transformam a paisagem. Estas

1 Arquiteta, desenhadora urbana, master em paisagismo e especialista em recuperação de paisagens culturais e


jardins históricos, doutora em urbanismo. Professora Faculdade de Arquitetura da Universidad del Zulia-
Venezuela. Pesquisadora Pós Doc na Universidade Federal do Rio de Janeiro. UFRJ. PROURB-FAU. (Neste
trabalho a autora contou com o apoio de Marisa Furtado, Pedro Lobão, Padre João Cláudio Nascimento e Henrique
Barahona.
2 Após sua expulsão pelo Govenador Mem de Sá das suas terras originais, localizadas na atual Ilhado Governador
3 Ver estudo arqueológico preliminar realizado por Michele Mayumi Tizuka e Fernando José Cantele.

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camadas bio-culturais para ser cuidadas precisam ser conhecidas e reconhecidas, por tanto buscamos
compreender seus valores e modos de ser preservados no Parque da Água Escondida.

O presente texto apresenta valores bio-culturais num estudo preliminar da paisagem. Se apresenta
como parte do trabalho interdisciplinar que busca servir como impulso à abertura de frentes de
pesquisa, projetos e trabalhos que apoiem a Prefeitura Municipal de Niterói na construção de conceitos,
sugestões e ações que possam incorporar-se ao projeto de construção do parque, em desenvolvimento
pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Recursos Hídricos e Sustentabilidade (SMARHS).

A continuação se apresenta uma descrição das áreas exploradas na Chácara do Vintém e das
estruturas do complexo do aqueduto baseadas no sistema romano (s. XIX), assim como um avanço de
critérios de atuação no Parque.

EXPERIÊNCIAS PAISAGÍSTICAS NA CHÁCARA DO VINTÉM

Nas visitas técnicas tivemos oportunidade de fazer uma viagem por paisagens centenárias.

O Barrio de Fátima é um conjunto residencial do século XX de casas isoladas com jardins. Ao final da
rua Andrade Pinto um portão no muro branco é o acesso ao parque. Existe uma bica, usada atualmente
usada como lava a jato pelos cuidadores do parque. Dentro do parque a floresta muda a paisagem. A
sombra densa das árvores protege 3 conjuntos arquitetônicos:

CASAS DO SÉCULO XX. LARGO DA ENTRADA.


Na entrada a esquerda (norte) encontramos vestígios das fundações de edificação de tijolos,
parcialmente demolida, provavelmente era uma edificação de serviço do conjunto do Clube da Cedae-
Companhia Estadual de Águas e Esgotos, do s. XX.

Na frente da entrada encontramos a “casa” P1 (Figura 1), com 2 portas de acesso, estrutura anexa de
construção posterior à original (uso desconhecido). Teto coberto de vegetação, com raízes de fícus
ingressando entre os tijolos e o reboco, trazendo a vegetação ao interior da casa, mas aparentemente
sem danos na estrutura. Precisa de estudos estruturais e de impermeabilização. A casa é de telhado
inclinado, portas e janelas de madeira, piso de tacos de madeira. Conta com vários cómodos incluindo
uma área de serviço. É provavelmente do início do século XX e é recomendável o restauro e reciclagem.

Do lado direito da “casa” inicia o percurso para o antigo clube da Cedae (Companhia Estadual de Águas
e Esgotos) por um caminho de lajes de concreto cobertas por gramíneas, herbáceas e arbustivas
acompanhando as sombras da frondosa vegetação arbórea.

Do lado esquerdo da entrada um espaço sombreado por uma jaqueira com frutos (Artocarpus
heterophyllus) (Figura 1) é usado pela comunidade como lugar de estar e jogos (é a base de um balanço
feito de material reciclável). A jaqueira convida ao início do percurso por uma trilha até o sistema de
infraestrutura hidráulica que faz parte do complexo de estruturas do aqueduto da Chácara do Vintém.

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Figura 1. Vista da casa P1. À direita (coberto pela vegetação) percurso até antigo clube da Cedae. À esquerda
uma jaqueira marca o início do percurso até as estruturas de abastecimento de água do complexo do aqueduto
da Chácara do Vintém. Fotografia: Urbina, 2022.

ANTIGO CLUBE DA CEDAE


O segundo grupo de edificações são as instalações do clube da Cedae, subindo por um caminho de
concreto, bordeado por vegetação gramínea, trepadeiras, epífitas, arbustivas e árvores que valorizam
a Mata Atlântica e modificam o microclima. Na parte alta chegamos ao antigo clube da Cedae
conformado por: o caminho, piscina infantil, piscina olímpica e bar. A piscina infantil está cheia de água
com várias espécies aquáticas como Lemna sp. A piscina olímpica de azulejos não tem água retida, o
que evidencia rachaduras na sua base, mas estima-se que a estrutura pode ser recuperada ou
reciclada. Várias espécies arbustivas e lianas se pousam dentro e fora da piscina. Abandonadas desde
o final do século passado, as instalações do clube encontram-se invadidas por vegetação herbácea e
árvores pioneiras. São necessários estudos de avaliação estrutural. A estrutura do prédio do bar
também é possível ser recuperada.

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Figura 2. Áreas do antigo clube da CEDAE. Superior esquerda: piscina infantil. Superior direita: piscina olímpica.
Inferior: Bar. Fotografias: Urbina, 2022.

ESTRUTURAS DO COMPLEXO DO AQUEDUTO DA CHÁCARA DO VINTÉM.


Guiados pela jaqueira da entrada iniciamos o percurso até o sistema de infraestrutura hidráulica do
complexo de estruturas do aqueduto da Chácara do Vintém. Apesar de ter feito o percurso a partir da
parte mais baixa do terreno, faremos a descrição inversa a modo de entender o funcionamento do
sistema de captação, decantação e distribuição de águas.

O sistema consta da fonte primaria de água a qual não foi visitada nesta oportunidade (são necessários
estudos para definir localização da fonte natural).

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Figura 3. Esquema de conjunto hidráulico da Chácara do Vintém.

Dentro do terreno existem quatro edificações, muros de contenção, canais subterrâneos que formam
parte do complexo hidráulico baseada em sistemas romanos, eficiente para captação de recursos
hídricos, datado do século XIX (Figura 3). O sistema hidráulico aproveita a diferença de níveis do
terreno (como é tipicamente usado em sistema de aquedutos romanos) e utiliza túneis escalonados
que favorecem a decantação na procura da pureza da água, até levar as águas aos filtros, cisternas de
decantação e distribuição.

As primeiras duas edificações A1 (Figura 3, 4, 5 e 6) e A2 (Figura 3, 8 e 9)4, são de base quadrada e


estão localizadas no nível 63,5m e nível 57,5m respetivamente, com um muro de contenção entre elas
de 3m de altura. A primeira edificação (A1) está em melhor estado de conservação, preservando a
estrutura original. A1 tem teto com cúpula e A2 teto plano. Estas estruturas estão construídas com
pedras revestidas de reboco. Três das fachadas constam de janela, uma fachada tem uma porta
retangular sem ornamentação (nem as janelas nem a portas tem atualmente fechamento).
Internamente as paredes onde se encontram as aberturas da janela tem um vão que amplia a entrada
de luz. O poço A1 tem no interior um poço octogonal profundo (8 m aprox.). Podem se perceber
entradas e saídas de água para comunicação com o resto do sistema. O segundo poço A2 internamente

4 Ver planos digitalizados elaborados por Pedro Lobão

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é menos profundo (3,28 m). Se entende que estas duas edificações podem ter a função de “poços de
inspeção”, mas os dados conclusivos precisam de pesquisa do projeto e planos originais junto a
especialistas em hidráulica.

Na fachada do A1 se aprecia uma cornija que arremata a parte superior da fachada. Ressalta a forma
do teto em cúpula ou abobadado o qual internamente é uma abobada de aresta, estrutura que ajuda a
expandir a iluminação no local5. O A2 apresenta mudanças de materiais e formas de acabamento de
cornija e teto que sugerem intervenção posterior à obra original, apresentando atualmente coberta
plana.

Registros históricos fazem referência a um poço construído posteriormente6. É preciso fazer estudo
para definir a data de construção dos dois poços existentes.

Figura 4. Poço de Inspeção A1 - Esquerda: Poço octogonal de pedra com revestimento. Direita: Vista interna
da abóbada de aresta. Fotografias: Urbina, 2022.

5 Essas edificações lembram as estruturas do Aqueduto do Convento de Cristo em Tomar- Portugal (Aqueduto dos Pegões) do
século XVII, obra do Filippo Terzi e Pedro Fernández de Torres, catalogado como patrimônio da humanidade pela UNESCO
(Convento de Cristo, s.d.) (Figura 7 e 11).
6
Ver estudo histórico realizado por Henrique Barahona.

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Figura 5. Poço de Inspeção A1 - Detalhes de cornija de fachada da cobertura em cúpula.


Fotografia: Urbina, 2022.

Figura 6. Poço A1 Vista externa. Fotografia: Urbina, 2022.

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Figura 7. Imagem referencial de estrutura no Aqueduto do Convento de Cristo - Nascente do Cú Alagado,


em Portugal. Vista da entrada. Século XVII. Fotografia: Civitasellium, 2021. CC BY-SA 4.0. Obtido de
https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=113

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Figura 8. Esquerda: espaço praça. Direita: Raízes esculturais e estruturais da Ficus sp. Fotografia: Urbina,
2022.

Entre o A2 e o seguinte nível existe um espaço aberto, uma espécie de praça plana protegida pela
sombra de três pés de Artocarpus heterophyllus Lam. (jaqueira) e 1 Ficus sp. com exuberantes raízes
que se entretecem na superfície do terreno criando uma escultura natural (Figura 8). Nesse espaço se
mostra a mistura da natureza e ser humano tanto com as construções como pela presença de plantação
de espécies frutíferas de grande importância etnobotânica.

Este lugar, que chamaremos de “praça de fresco” (fazendo referência às casas de água com bancos
do aqueduto dos Pegões), acontece por cima da cobertura dos túneis da edificação B (Figura 3). A
coberta desta edificação deixa dois degraus de construção por cima do terreno, parecendo um espaço
de bancos (Figura 9). A presença de árvores frutíferas, como as jaqueiras organizadas no espaço, faz
pensar na possibilidade de uso coletivo deste espaço, como por exemplo: espaço de coleta comunitária
de água, espaço de espera de coleta de água para distribuição em carreta na cidade. Em qualquer
caso, é necessário coletar mais informações para compreender esta configuração da paisagem e
valorizar nas novas possíveis intervenções no parque.

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Figura 9. Vista no nível superior da “praça.de fresco”. A construção da direita é o poço A2. Ao fundo se
percebem os degraus do teto da estrutura B.

Pelas dimensões e diferença de estrutura, o uso da edificação B pode ser uma cisterna de decantação
que antecede a cisterna de distribuição. Dados conclusivos requerem estudo de especialistas em
hidráulica e pesquisa nos planos originais ou referenciais. Essa edificação B externamente tem teto
plano e internamente a parte que conseguimos visitar é uma galeria subterrânea coberta por uma

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abóbada de berço. Um pórtico estreito conduz ao túnel de arco de meio ponto que dá continuidade até
o poço A2 (Figura 10). Percebemos saída de água translúcida sem cheiro, aparentemente potável,
proveniente da fonte de água e canalizada pelos poços A1 e A2.

Internamente a estrutura lembra às galerias subterrâneas do aqueduto dos Pegões (patrimônio da


humanidade em processo de degradação) (Figura 7 e 11). Destas estruturas ancestrais podemos
aprender tanto das lógicas dos sistemas hidráulicos, estruturais e arquitetônicos, como da importância
da preservação do patrimônio cultural nas intervenções contemporâneas ou inclusive nos perigos do
abandono ou destruição.

No exterior da edificação B pode se apreciar um pórtico no centro da fachada original, que atualmente
está parcialmente interrompida por uma construção posterior à esquerda do pórtico (Figura 12). A
estrutura original está em bom estado de conservação e requer igual as outras trabalho de pesquisa
para processo de restauração física e funcional.

Por uma possível obturação nos encanamentos, atualmente existe um vazamento de água criando uma
espécie de laguna entre esta edificação e a seguinte cisterna. Nesta laguna é possível apreciar
espécies silvestres próprias de áreas de pântano, samambaias, entre outras.

A estrutura C (Figura 3 e 13), é de base retangular localizada transversalmente em referência a B. A


estrutura é de pedra. Não tem teto, mas é possível ver vestígios da estrutura de suporte para teto,
possivelmente de madeira. Tem remanescentes de intervenções de outras épocas, como acabamentos
de piso e paredes anexas. Nas duas fachadas mais compridas tem 2 janelas e nas fachadas menores
tem 1 janela (todas tapadas com tijolos de argila) e o vão da porta no lado oposto (sem fechamentos).
As características das janelas são similares as vistas em A1 e A2, mas pelas dimensões poderíamos
pensar na possibilidade de ser uma cisterna de decantação e distribuição. O solo tem acabamento de
baldosas de recente data, coberto por terra e plantas. Contemplamos a hipótese de que este
acabamento esteja cobrindo um antigo poço ou cisternas.

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Figura 10. Interior de início de galeria subterrânea da edificação B. Fotografia: Urbina, 2022.

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Figura 11. Vista da galeria subterrânea do Aqueduto dos Pegões, Portugal. Fotografía:
Civitasellium, 2021. CC BY-SA 4.0, Obtido em:
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Aqueduto_do_Convento_de_Cristo_Entrada_subterr%
C3%A2nea_sob_a_Cerca_do_

Figura 12. Fachada da edificação B, com acumulação de água na frente. Fotografia: Urbina,
2022.

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Figura 13. Estrutura C. Fotografia: Urbina, 2022.

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Figura 14. Esquerda: vista do canal do aqueduto (E). Direita: detalhe de fragmento do canal esculpido em pedra.
Fotografias: Urbina. 2022

Figura 15. Arcos de meio ponto e apontados em dois trechos do aqueduto. Fotografias: Urbina, 2022.

Saindo do parque pela Rua Ponte Ribeiro, no percurso da entrada da trilha do Morro da Boa Vista ainda
há traços do aqueduto que recebia e distribuía as águas do sistema.

AQUEDUTO, CISTERNA E BICAS


Num percurso de pouco mais de 500 metros de extensão entre a entrada do parque e o reservatório
de decantação, começam a aparecer rastros do canal do aqueduto (E) esculpido em pedra e ocupado

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por plantas (as peças de pedra que originalmente tampavam o canal para manter as águas sem
resíduos já não existem mais) (Figura 14).

O canal tem partes sobre o terreno e nos fragmentos onde o nível do terreno varia o canal é apoiado
em arcadas de pedra formadas por arcos de meio ponto combinados com arcos apontados (ou ogival)
construídos com tijolos de argila (Figura 15). Estas estruturas podem ser apreciadas por trilhas
improvisadas em alguns pontos do percurso. É possível ver cortes nas pedras do morro que
provavelmente foram explorados para extrair o material de construção de tão magnífica obra da
engenharia.

O aqueduto conduz a água até uma estrutura retangular de pedra, desprovido de teto (como a estrutura
C). Esta construção é a estrutura de maior dimensão do sistema: o Reservatório de Decantação e
Distribuição (E) (Figura 17). Esta cisterna conta com vãos de janelas pelas quais podemos apreciar
maravilhosas vistas da paisagem.

O canal do aqueduto entra na edificação subdividindo-se em dois levando as águas aos tanques de
decantação que estão divididos por um muro. Ao final do muro estão lavrados canais de conexão entre
os tanques e novos canais de saída de água ao exterior. Esses tanques de decantação têm estrutura
para escadas (parcialmente demolidas). A estrutura deixa ver claramente a lógica das cisternas
romanas: a água entrava pelo nível superior pelo canal localizado na entrada, baixava a velocidade, as
partículas sólidas decantavam e desciam para o solo e a água que continuava o percurso saía pela
parte superior um pouco por baixo do nível de entrada (Figura 16). Nesses espaços originalmente para
decantação e distribuição de água hoje é um jardim espontâneo de espécies silvestres. O sistema ainda
permite perceber o sistema construtivo que permitia o vazamento de água para o resto do sistema que
distribuía a água para a cidade.

No Morro São Lourenço além deste sistema também existe a bica dos caboclos. Esta fonte de água
junto com as fontes da Armação e Ingá, reservatório da Correção, faziam parte do complexo de águas
da cidade, que também alimentavam os chafarizes do Jardim São João e do Largo do Pelourinho (ou
largo da Memória, hoje conhecido como Praça do Rink). Parte do sistema ainda canaliza águas
provenientes das fontes naturais, sistema que poderia ser restaurado e reabilitado para o próprio
abastecimento do parque e o entorno imediato.

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A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA

Figura 16. Reservatório de decantação e distribuição E. Interior. fotografia: Urbina, 2022.

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Figura 17. Entrada na cisterna de decantação e distribuição. Fotografia: Urbina, 2022.

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REFLEXÕES PRELIMINARES

A cidade de Niterói contava com diversas fontes de água natural. As fontes da Armação e da Ingá
dificilmente podem ser reativadas, por causa do desmatamento e densificação urbana, mas o Morro de
São Lourenço (Morro da Boa Vista) ainda tem a possibilidade de continuar sendo lugar de nascentes
de água.

A restauração da paisagem cultural do Morro São Lourenço merece contemplar planos e ações de:
reflorestação, proteção e restauração de ecossistemas - considerando tanto as plantas nativas como
as naturalizadas, que são parte da cultura e identidade dos povos que transformaram a paisagem ao
longo do tempo, assim como a valorização do património cultural e avanços tecnológicos alcançados
com a participação de todos esses povos: indígenas, imigrantes, imigrantes escravizados, mestiços.

Reflorestação e proteção dos ecossistemas protegem os solos da sedimentação, deslizamentos,


nascentes, captação de águas no subsolo. A proteção do patrimônio cultural como as obras do
complexo do aqueduto da Chácara do Vintém junto com os outros sistemas (desde as fontes naturais
até os chafarizes de distribuição na cidade) seriam uma oportunidade de mostrar que é possível fazer
uma proteção patrimonial do conjunto do complexo hidráulico e restauro estrutural e funcional. O
restauro das funções como aqueduto provavelmente não seria para abastecer a cidade (por causa da
densidade urbana), mas sim para suprir as necessidades de irrigação do Parque da Água Escondida,
ativar as piscinas como piscinas públicas, assim como para a manutenção de espaços públicos dos
bairros vizinhos, possíveis hortas comunitárias e até como fonte de abastecimento de água para os
necessários trabalhos de reflorestação e até para combater os constantes incêndios florestais na
temporada seca.

A preservação patrimonial na contemporaneidade não deve implicar o congelamento nem do espaço


construído nem do natural. A preservação ativa deve ser um trabalho produto da consciência cidadã,
trabalho colaborativo técnico, social e político que preserve identidades e cultura no tempo que cumpre
funções de proteção, produção, recreio e educação.

Os indígenas foram expulsos, o território explorado, os mananciais secos pelo desmatamento e


densificação urbana. Niterói tem uma grande oportunidade de reivindicação com a história e com a
reabilitação da paisagem cultural do Morro de São Lourenço, proteção da biodiversidade
remanescente, reflorestamento, restauro e uso de património de obras cíveis e arquitetônicas e mostrar
as infinitas potencialidades da cidade protetora das águas escondidas.

Referencias

Chicharo de Campos, M. (2004). O governo da cidade. Élites locais e urbanizações em Niterói (1835-1890). Tese de
doutoramento. NIterói: Universidade Federal Fluminense.

Convento de Cristo. (s.f.). Patrimonio Mundial. Obtido em


http://www.conventocristo.gov.pt/pt/index.php?s=white&pid=182&identificador=ct111_pt

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A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA

1.2. VALORES BIO-CULTURAIS DO MORRO SÃO LOURENÇO

Adriana Lobão, André Hoffmann, Alexandre Solórzano, Marisa Furtado, Pedro Lobão, Valéria Sousa

O Parque Natural Municipal da Água Escondida está conformado pelos limites do Morro da Boa Vista
(antigamente denominado Morro de São Lourenço) e se encontra na divisa entre as Regiões de
Planejamento Norte e Praias da Baia. A vertente norte do Morro da Boa Vista está majoritariamente
situada no Bairro de São Lourenço, somente uma pequena porção encontra-se no bairro do Fonseca.
Já as porções mais meridionais estão divididas entre os bairros de Fátima, Cubango e Pé Pequeno.

As encostas voltadas para o norte são notavelmente menos florestadas que as voltadas para o sul.
Cortando o parque por detrás da cumeeira da encosta de São Lourenço, existe um longo talvegue que
praticamente conecta os bairros de Fátima e Cubango. Neste talvegue encontra-se o sistema de
captação de água que historicamente foi utilizado para abastecimento da população local, inclusive
incitando o topônimo “Água Escondida”, que não por acaso é o significado da palavra Niterói em Tupi.7
Também nessa região encontra-se o maior remanescente florestal do Morro, que de forma geral teve
sua floresta original erradicada e ainda é objeto de processos de reflorestamento em estágio inicial.

I. VALORIZAÇÃO DA FISIONOMIA FLORESTAL (NATIVA OU EXÓTICA) COMO ELEMENTO HISTÓRICO


E SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS.
A presença do remanescente de Mata Atlântica na região do grande talvegue do Parque Natural
Municipal das Águas Escondidas é bastante importante no contexto urbano da região central de Niterói.
Esse remanescente é formalmente classificado como pertencente a fitofisionomia denominada Floresta
Ombrófila Densa (FOD), uma das fisionomias que compõem a Mata Atlântica e a mais impactada pelo
desmatamento desse bioma. O FOD se caracteriza pela floresta sempre verde, isto é, florestas que
possuem espécies que não perdem folhas na estação mais seca do ano, configurando o aspecto
sempre úmido e sombreado do local. Devido a essa característica, esse ambiente é um dos principais
fornecedores de serviços ecossistêmicos (SE) da Mata Atlântica. Serviços ecossistêmicos traduzem a
interdependência entre a integridade e saúde dos ecossistemas com o bem-estar humano (Shimamoto,
2016). Podemos citar como exemplos de SE, a regulação do microclima (ambiente não fica tão quente),
a fixação de carbono (diminuição da poluição), balanço hídrico (nascentes não secam), proteção contra
eventos de chuva extrema (retenção de vazões de pico), oferta de alimentos (principalmente de frutos)
além, é claro, de proporcionar belo cenário a quem o visita, sendo um grande atrativo para o turismo.

Como o Parque Natural Municipal das Águas Escondidas está totalmente inserido nessa fitofisionomia,
é fundamental que suas áreas florestadas sejam conservadas, sem supressão de elementos da flora,
principalmente elementos arbóreos. Isto se dá, porque foram verificados diversos indivíduos maduros
(antigos), de várias espécies com grandes diâmetros, cujas relações já estão plenamente estabelecidas
entre si e com a fauna local, podendo causar desequilíbrio se manejados de forma incorreta. Deste
modo, frisamos que é extremamente importante que as espécies que ali se encontram sejam
conservadas, mesmo que não sejam nativas, sobre o preço de perdas identitárias. Por exemplo, as

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Ver https://pt.wikibooks.org/wiki/Hist%C3%B3ria_de_Niter%C3%B3i/Capital

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A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA

Jaqueiras que, por não serem nativas, costumam ser suprimidas sem que suas relações com as outras
espécies sejam levadas em consideração. Além disso, as Jaqueiras oferecem sombra e umidade
aliviando as altas temperaturas do território fluminense e, principalmente, são fontes de alimento não
somente para a fauna, mas também para uma cidade caracterizada pela grande diferença social de
seus habitantes.

Para além do talvegue central é possível subir a encosta que o conecta até a pedreira que existe na
ponta mais ocidental do parque. Neste trajeto de subida é visível o resultado do grande trabalho de
reflorestamento já realizado pela equipe da CLIN. Este trabalho de plantio utiliza mudas geradas no
horto localizado na mesma pedreira que tanto impactou as ruínas. Muitas árvores nativas, em estágio
final de crescimento, marcam a paisagem de quem faz esse trajeto. Parece ser o caso de que algumas
espécies tiveram maior sucesso, no processo de reflorestamento, em especial goiabeiras, aroeiras e
algumas outras espécies identificadas com mais frequência pela nossa equipe de visita, dominando de
certa forma a paisagem. Na beira da encosta, onde se encontra a borda da pedreira, a vista que se
descortina de toda a Baía de Guanabara é ampla e privilegiada, como em um mirante. Este ponto pode
de fato ser aproveitado com esta vocação pelo projeto do Parque, o que criará um grande atrativo para
visitação.

Vista ampla da Baía de Guanabara a partir do topo da Pedreira do Morro da Boa Vista. Fotografia:

Do alto da pedreira é possível seguir até o cume do Morro da Boa Vista, onde existe uma construção
do exército, atualmente utilizada como suporte de antenas de telecomunicações. O caminho acontece
pela cumeeira desta vertente do morro, junto a sua face noroeste. Ao longo do caminho é visível o
trabalho de reflorestamento mais recente. Em toda a face voltada para norte o replantio encontra-se
em estágio menos avançado que na encosta oposta, voltada para sul, onde está o aqueduto.
Certamente, a maior incidência solar prejudica o desenvolvimento das mudas e a ocorrência de
incêndios sazonais (cujos rastros são visíveis ao longo do trajeto) minam os esforços do trabalho de
reflorestamento.

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A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA

Reflorestamento dificultado por incêndios e forte exposição ao sol (face


noroeste). A diferença entre a face Noroeste (a esquerda) e a face
Sudeste (a direita) é claramente visível na tonalidade da vegetação
herbácea, marrom e verde, respectivamente

II. FLORESTA PRESENTE NO TALVEGUE PRINCIPAL

No geral, o fundo e as bordas do talvegue, onde se encontra o sistema de captação de água, é o único
local com floresta em estágio intermediário de regeneração no contexto do PNMAE. Como já
mencionado, trata-se de uma área formalmente classificada como Floresta Ombrófila Densa
Submontana (FOD) do Bioma Mata Atlântica. No local, essa floresta encontra-se com dossel fechado
com cerca de 20 m de altura, sub-bosque aberto e estrato herbáceo e serapilheira abundante. É
possível encontrar espécies características da FOD em estágio intermediário como a carrapeta (Guarea
guidonia (L.) Sleumer.) e outras como a Jaqueira, totalmente integradas ao ambiente.

Vale especial menção a três indivíduos de Pacovás-de-Macaco (Swartzia langsdorffii), de dimensões


extraordinárias (PAP 4,00 m (95102), 3,35 m (95103) e 3,20 m (314493). Trata-se de uma espécie de
estágio sucessional Secundário Tardio/Clímax. A presença destes indivíduos com mais de 1 m de
diâmetro dentro de uma floresta conservada nos faz refletir sobre duas hipóteses: (1) são três indivíduos

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A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA

remanescentes, que foram poupadas do corte, pelo seu tamanho e beleza, na ocasião da construção
da Chácara ou de qualquer uso posterior; (2) os exemplares foram plantados há mais de 300 anos em
uma mesma ocasião?

Esquerda: Frutos da Pacová de Macaco - Swartzia langsdorffii Raddi - Leguminosae, localizada no PNMAE.
Direita: Frutos de uma das 27 jaqueiras (Artocarpus Heterophyllus) localizadas no PNMAE, produção abundante

Na região de todo o talvegue foram encontrados 27 indivíduos adultos de jaqueira saudáveis e


produtivos.

Outras áreas do Parque se encontram em processo de reflorestamento recente. Há aproximadamente


10 anos vem sendo realizado um trabalho de plantio por equipes da Companhia de Limpeza de Niterói
- CLIN, lideradas pelo Engenheiro Florestal Luiz Vicente Peres. É possível identificar uma grande
quantidade de mudas e alta diversidade de espécies tais como Ingás, Aroeiras, Ipês, Acácias,
Goiabeiras e outras. A grande maioria dos indivíduos observados estão saudáveis, indicando que o
plantio foi um sucesso e que com tempo essa região certamente se transformará em floresta,
fornecendo serviços ecossistêmicos importantes para a região. Entre estes serviços certamente
podemos incluir o aumento da vazão de captação de água no sistema remanescente da antiga Chácara
do Vintém.

Para além destas áreas de talvegue e de replantio, o restante do parque, principalmente nas encostas
voltadas para o norte, permanece ocupado majoritariamente por uma cobertura herbácea composta

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por espécies de gramíneas exóticas como o capim colonião (Megathyrsus maximus (Jacq.) BKSimon
& SWLJacobs), e com a presença do cambará (Moquiniastrum polymorphum (Less.) G. Sancho) uma
espécie arbórea pioneira típica de pastos abandonados no estado do Rio de Janeiro.

Segundo descrição do Eng. Luis Vicente, as áreas onde hoje podemos observar um certo domínio de
cambarás (Moquiniastrum polymorphum (Less.) G. Sancho) é resultado da maior resistência desta
espécie a repetidos incêndios ocorridos nas áreas replantadas. Outras espécies pereceram, mas os
cambarás permaneceram e reproduziram, gerando uma presença dominante em algumas áreas do
parque.

Limites do Parque e área com domínio de Cambarás – PNMAE.

Ao longo do percurso foram identificadas árvores de valor significativo, seja pelos serviços
ecossistêmicos prestados, seja pela oferta de produtos florestais não-madeireiros. Alguns indivíduos
estão nomeados e identificados através de etiquetas de campo, conforme a numeração do
Levantamento Florístico e Arbóreo encomendado pela PMN.

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A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA

Exemplo de etiqueta de Levantamento Florístico e Arbóreo encontrada nas árvores do PNMAE.

III. POSSIBILIDADES DE CONEXÃO COM COMUNIDADES DO ENTORNO DO MORRO DE


SÃO LOURENÇO ATRAVÉS DE ZONAS DE CONSERVAÇÃO MODERADA

As unidades de conservação (UC) podem ter áreas tangíveis e intangíveis, bem como o grupo ao qual
pertencem já impõem limitações de uso. No caso do PNMAE, trata-se de uma UC de proteção integral,
que foi criada a partir da recategorização de uma unidade (APA) já existente, passando a ser a maior
área protegida da área central de Niterói, com 62 hectares de extensão. Como Parque, há a
possibilidade de estabelecer o zoneamento da área considerando os usos atuais e as prioridades,
dentro dos objetivos de criação da UC, destacando-se os seguintes:

 Proteger ecossistemas com grande potencial para oferecer oportunidades de visitação,


aprendizagem, interpretação, educação, pesquisa, recreação, inspiração, relaxamento e
demais atividades ambientalmente compatíveis;
 Manter populações de animais e plantas nativas, contribuindo para a preservação da
biodiversidade de Niterói e do Estado do Rio de Janeiro;
 Incentivar o desenvolvimento do turismo ecológico de Niterói, valorizando o município e
gerando empregos e renda;
 Proteger a paisagem e seus mirantes, promovendo bem-estar natural;
 Assegurar a integridade das florestas e demais formas de vegetação de preservação
permanente, cuja remoção é vedada, e dos remanescentes de Mata Atlântica;
 Propiciar um espaço de lazer para a comunidade, bem como promover atividades
recreativas, turísticas, culturais e científicas, de forma conciliada com a preservação dos
ecossistemas naturais existentes, possibilitando o convívio da população humana com outras
formas de vida vegetal e animal;
 Proteger um dos primeiros mananciais de abastecimento de água potável da cidade;
 Preservar bens históricos relevantes para o município que estão inseridos nos limites do
Parque.
Áreas antropizadas no passado onde a vegetação arbórea já está estabelecida são identificada como
registro histórico e encontram-se em área com vegetação secundária em estágio médio a avançado,
cumprindo o papel de prestar serviços ecossistêmico e alterando o microclima, podem ter seu manejo
sem o abate de árvores, mesmo em caso de espécies exóticas, quando houver alternativa para o
controle da propagação, como no caso das jaqueiras, que pode ter a colheita dos frutos realizada para

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A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA

que não haja aumento da população, com possível aproveitamento dos frutos no preparo de pratos
salgados e doces, o que pode ser realizado localmente a partir do processamento da jaca pela
comunidade local.

O Parque da Água Escondida é uma unidade de preservação cujos limites foram definidos pela mancha
urbana da cidade existente. Isto significa que é uma floresta rodeada por cidade em todas as direções.

Caso o zoneamento do Plano de Manejo do Parque siga conforme foi apresentado pela equipe da
SMARHS na primeira oficina pública para definição do Plano de Manejo do PNMAE as Áreas de
Conservação Moderada estarão restritas ao acesso principal atual, onde estão as ruinas da Chácara
do Vintém. Permanecendo com uma única área de conservação moderada o parque negará acesso
público em várias situações onde há contato direto com o tecido urbano dos bairros do entorno. É
notório que hoje existem problemas de segurança pública em vários desses pontos de contato.
Contudo, caso o Plano de Manejo não reconheça possibilidades de acesso organizado ao parque
nestas áreas, é muito possível que no futuro seja mais difícil integrá-lo à cidade que o circunda. E essa
condição tende a consolidar um indesejável círculo vicioso de desigualdades e falta de conexões
urbanas que já sabemos ser uma das fontes originais das questões de insegurança urbana.

Possibilidades de Áreas de Conservação Moderada.

No gráfico acima indicamos, de forma muito preliminar, algumas das posições onde podem ser
imaginados acessos ao interior do parque, que exatamente por isso devem ser consideradas Áreas de
Conservação Moderada. É importante ressaltar, no entanto, que este é um desenho que simplesmente

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ilustra esta ideia, e que certamente precisa ser desenvolvido com atenção e cuidado antes de se tornar
uma proposta mais consistente e precisa de zoneamento do Plano de Manejo.

2. VALORES HISTÓRICO-PATRIMONIAIS DA CHÁCARA DO VINTÉM

2.1. DIAGNÓSTICO SOBRE OS SÍTIOS ARQUEOLÓGICOS DO TIPO “SAMBAQUI”,


LOCALIZADOS NAS ÁREAS DE INFLUÊNCIA DIRETA E INDIRETA DO PARQUE NATURAL
DAS ÁGUAS ESCONDIDAS.

I. INTRODUÇÃO

É de conhecimento público a intensa mobilização por parte do Iphan para aprimorar a gestão do
patrimônio arqueológico brasileiro. Nesse sentido, a Instituição está criando projetos de
recadastramento de sítios arqueológicos em diversos estados, linha de atuação que surgiu da
necessidade de atualizar o banco de dados da Instituição, especialmente em relação aos sítios
registrados na década de 1960 até início deste século. Desde 2019, centenas de sítios já foram
recadastrados e outros novos identificados e registrados. Trata-se de uma linha de atuação conforme
Planejamento Estratégico 2021 - 2024 (Portaria IPHAN nº 23, de 17 de maio de 2021), que pretende
contemplar o recadastramento de 100% dos sítios arqueológicos até 2024 e que consiste na
atualização dos dados referentes à localização, delimitação, georreferenciamento e no aprimoramento
da caracterização dos sítios, atualizando as informações no Sistema Integrado de Conhecimento e
Gestão (SICG) do Iphan.

Em Niterói, Município do Estado do Rio de Janeiro, essa ação de recadastramento de sítios


arqueológicos foi iniciada recentemente através do Projeto de Pesquisa “Recadastramento dos Sítios
Arqueológicos de Duna Pequena e Camboinhas por meio de pesquisa in loco" (Portaria IPHAN nº44,
de 05 de agosto de 2022), que envolve a pesquisa no sítio arqueológico de Camboinhas (RJ-00133) e
Duna Pequena (RJ-00134). Assim como estes, outros sítios arqueológicos localizados no Município de
Niterói, podem conter problemas de georreferenciamento.

Cabe destacar que as publicações das pesquisas arqueológicas e documentos técnicos são registros
formais de documentação, ocasionando em evidências históricas de ações, atividades e pesquisas
realizadas em décadas anteriores quando a tecnologia disponível para se mapear não eram
necessariamente digitais ou coletadas por satélites. No entanto, cabe lembrar os excelentes registros

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A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA

na forma de croquis de boa qualidade executados muitas vezes com auxílio de topógrafos ou
especialistas das áreas de cartografia e afins. Mesmo sem malhas de coordenadas detalhadas, é
possível posicionar e referenciar espacialmente, croquis destas fontes documentais com imagens
atuais disponíveis na internet ou ainda através de aplicativos livres, como o Google Earth.

II. OS SÍTIOS “SAMBAQUI” NOS BAIRROS DE SÃO LOURENÇO, BOA VISTA E FÁTIMA

Ao analisarmos os dados disponíveis no Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos do IPHAN


atualmente (até junho de 2022), identificamos o registro de 07 (sete) sítios arqueológicos (pré-coloniais,
históricos ou de contato8) relacionados aos bairros Boa Vista, São Lourenço e Fátima, região central
de Niterói (Tabela 1). Uma referência espacial também pode ser consultada no formato de uma
visualização no próprio website (Figuras 1 e 2)9. Para este diagnóstico, focamos apenas nos três sítios
pré-coloniais, do tipo “sambaqui”: “Sambaqui da Chácara do Vintém” (RJ00141), “Sambaqui da Boa Vista”
(RJ00130) e “Sambaqui de São Lourenço” (RJ00137).

Tabela 1. Sítios arqueológicos cadastrados no CNSA – Iphan.

Nome ID

Sambaqui da Chácara do Vintém RJ00141

Sambaqui da Boa Vista RJ00130

Sambaqui de São Lourenço RJ00137

Sítio Boa Vista RJ00439

Sítio Capela São Lourenço dos Índios RJ00440

Sítio Igreja São Lourenço dos Índios RJ00441

Sítio São Lourenço RJ00131

8 Conforme termos aplicados nas Fichas para Registro de Sítios Arqueológicos, editada nos termos da Portaria
IPHAN nº 241, de 19/11/1998 e que são disponíveis para consulta pública no site do IPHAN. Disponível em:
http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/1699.

9 Disponível em:
http://portal.iphan.gov.br/geoserver/SICG/wms?service=WMS&version=1.1.0&request=GetMap&layers=SICG:siti
os&styles=&bbox=-71.7805786132812,-33.9472007751465,-
28.6272640228271,5.46696138381958&width=768&height=701&srs=EPSG:4674&format=application/o
penlayers#toggle. Acesso em setembro de 2022.

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Figura 1. Captura de tela da visualização espacial de posicionamento dos sítios “Sambaqui da Chácara do
Vintém” (RJ00141), “Sambaqui da Boa Vista” (RJ00130) e “Sambaqui de São Lourenço” (RJ00137).

Figura 2. Posicionamento dos três sambaquis no Google Earth. Inclui-se aqui as Igrejas de São Lourenço, a
Igreja de São Lourenço dos Índios e a Igreja Nossa Senhora de Fátima, a mais próxima da entrada do Parque
Natural das Águas Escondidas.

III. RELEVÂNCIA SOBRE OS SÍTIOS “SAMBAQUIS”

Os sítios “Sambaqui” são reconhecidos como sítios de alta complexidade, por apresentarem vestígios
diversificados, associados a camadas sedimentares compostas por areia, terra e conchas, de forma

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estruturada. São depósitos de origem antrópica e seu processo de formação era contínuo, sendo que
alguns ficaram ativos por milhares de anos. É notável a sua importância e valor para entendermos
quem eram estes grupos socialmente complexos e heterogêneos, com uma cultura material bastante
diversa e que tinham os rituais funerários como um dos pontos centrais de suas sociedades e na
construção dos sambaquis. Além disso, estudos e pesquisas acadêmicas demonstram serem estes
grupos intimamente relacionados com o ambiente marinho, o que é demonstrado pela localização dos
sítios (próximos ao mar, lagoas e mangues), e ainda com evidências que indicam habilidades com
atividades como a canoagem e remo. Mesmo como fonte principal de alimentação sendo os peixes,
incluindo-se aqui que provavelmente possuíam diversas técnicas de pesca devido às diversidades de
objetos identificados como redes, anzóis, armadilhas e espinhéis, estas pessoas também se
alimentavam de moluscos, aves, mamíferos terrestres e aquáticos, e de vegetais, com evidências de
cultivo também.

Localmente, em Niterói, os trabalhos da arqueóloga Lina Kneip (1938 – 2002) e colaboradores na


década de 70 e 80 e de arqueólogos do Museu Nacional em 2010, ambos na região oceânica de Niterói
são os únicos que apresentam datações associadas à sítios arqueológicos pré-coloniais até o
momento. Mesmo com outras pesquisas associadas à esta mesma região, ainda não se tem uma
cronologia bem definida para essas ocupações humanas pretéritas.

É importante destacar a relevância desses sítios arqueológicos para a arqueologia brasileira, e que as
investigações lideradas por Lina Kneip liberaram informações sobre o modo de vida dos pescadores-
coletores e ampliaram a dimensão cronológica da colonização do litoral. Assim, a presença de
sambaquis na região central e provavelmente na futura área destinada a ser a entrada do Parque
Natural das Águas Escondidas tem o potencial de abrigar sítios tão antigos quanto o Sambaqui de
Camboinhas, na região oceânica de Niterói.

Apesar de tanto conhecimento gerado acerca dos sambaquieiros e dos sambaquis ao longo de décadas
de pesquisa arqueológica, estes três sítios arqueológicos localizados na região central do Município,
especificamente na área onde se instala o Parque Natural das Águas Escondidas, nunca foram
investigados com detalhes em termos de uma pesquisa arqueológica sistemática com intervenções em
subsuperfície, apenas foram compiladas notas resultantes de “duas excursões feitas, na região, pelo
professor Antônio Teixeira Guerra, da Faculdade Fluminense de Filosofia, e seus alunos” e que resultou na
publicação do artigo intitulado “Notas a Propósito dos Depósitos Conchíferos de São Lourenço, Boa Vista
e Chácara do Vintém – Niterói, Estado do Rio de Janeiro” (GUERRA, 1954).

Na publicação de Guerra (1954) há referência ao livro de Maximiliano, Príncipe de Wied Neuwied,


publicado em 1820 sobre aspectos da aldeia dos índios de São Lourenço e de objetos de cerâmica dos
indígenas e ossos humanos, misturados às vezes com cacos de telha, pedaços de tijolos, etc. O autor
foca suas observações nos locais de São Lourenço e Boa Vista, mencionando por fim, sobre a Chácara
do Vintém (Figura 3), onde haveria, assim como as outras duas localidades,

“Um depósito conchifero, cuja extensão não nos foi possível determinar por causa da
cobertura florestal existente. A parte do sambaqui por nós examinada, encontra-se

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A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA

no leito de uma torrente e é bem provável que a erosão já tenha removido boa
quantidade de material deste jazigo.

De grande interesse seria um trabalho de detalhe com a determinação da área


atualmente ocupada pelo jazigo conchífero, e também escavações a fim de que
pudéssemos ter uma ideia melhor de sua estratigrafia.

Os que conhecem sambaquis como o do Carniça e Cabeçuda (Laguna – Santa


Catarina), sentirão grande diferença no da Chácara do Vintém, onde apenas se
encontra uma delgada camada superficial de conchas, por entre os pés das árvores
e folhas secas existentes na superfície do solo.

Ao finalizarmos este trabalho, desejamos salientar que, nas proximidades da cidade


de Niterói, possivelmente existirão vários outros sambaquis ainda não localizados.”
(GUERRA, 1954. p.122-123)

Figura 3. Localização dos três sítios sambaquis estudados por Antônio Guerra e publicados em 1954 (Guerra,
1954 – figura 2, página 121).

Ou seja, com a comparação aos atuais dados dos sítios cadastrados no IPHAN, nota-se que as
coordenadas atuais do Sambaqui da Boa Vista e do Sambaqui da Chácara do Vintém estariam erradas
em relação as descrições efetuadas pelo Prof. Antônio Guerra conforme croquis elaborados durante as
suas excursões, assim como mencionado no item 1 deste diagnóstico, é um problema assumido pelo
próprio IPHAN, de saber existir nos cadastros dos sítios arqueológicos de todo o país, erros com
relação ao posicionamento georreferenciado e o banco de dados.

IV. OS SAMBAQUIS E A RELAÇÃO COM O PARQUE NATURAL DAS ÁGUAS ESCONDIDAS

Com base em todas essas informações coletadas, procedeu-se na análise sobre a coerência dos dados
identificados durante a pesquisa no portal do IPHAN e de acordo com o artigo de Guerra (1954).

A localização dos pontos dos sítios arqueológicos do tipo “sambaqui” na paisagem atual foi possível por
meio da comparação a paisagem atual, com a ferramenta de visualização geográfica 2D e 3D do
aplicativo Google Earth Pro. Nota-se que o croqui de Guerra (1954) engloba os três sambaquis

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A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA

mencionados (Figuras 4 e 5), sendo o Sambaqui da Chácara do Vintém identificado dentro do atual
limite do Parque Natural das Águas Escondidas (Figura 6).

Figura 4. Montagem do Mapa de 1954 (Antônio Guerra) sobre o mosaico do Google Earth. Elaborado por Pedro
Lobão em 21 de agosto de 2022.

Figura 5. Sobreposição de unidades de conservação existentes e área da proposta do Parque Natural Municipal
da Água Escondida. Fonte: Estudo técnico para criação do Parque Natural Municipal da Água Escondida
(Recategorização da Área de Proteção Ambiental da Água Escondida). Prefeitura Municipal de Niterói. 2019
(Figura 1 do Estudo).

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A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA

Figura 6. Montagem do Mapa de 1954 (Antônio Guerra) sobre o mosaico do Google Earth com os limites do
Parque Natural das Águas Escondidas (linha vermelha). Elaborado por Pedro Lobão em 21 de agosto de 2022.

V. CONSIDERAÇÕES GERAIS E ENCAMINHAMENTOS

Frente aos atuais resultados de análise, conforme mencionado anteriormente, é possível inferir com
precisão que pelo menos dois sambaquis se encontram dentro dos atuais limites do Parque Natural
das Águas Escondidas (Sambaqui da Boa Vista e Sambaqui da Chácara do Vintém). Durante a 1ª
Oficina Participativa para Elaboração do Plano de Manejo, realizada em 26 de maio de 2022, não ficou
clara a apresentação se haveria construções ou reformas ou ainda impermeabilização de superfície
(calçamentos, asfaltos ou demais mobilizações de solos e sedimentos) na entrada do Parque. Foram
mencionadas propostas de construção e reformas para instalações de centro de visitantes e/ou
estacionamentos próximo ao local onde se encontra o Sambaqui Chácara do Vintém.

Através dos resultados preliminares já analisados, a equipe conclui que a área do Parque Natural das
Águas Escondidas apresenta alto potencial de impacto ao patrimônio arqueológico, sendo então
necessária a execução de um Projeto de Avaliação de Impacto ao Patrimônio Arqueológico (PAIPA),
seguindo a Instrução Normativa IN nº01 de 2015, uma vez que o estudo técnico para a criação do
Parque não contemplou tais estudos e foi elaborado em 2019, ou seja, sob a atual legislação vigente e
apresentam potencial impacto à preservação destes sítios arqueológicos.

Seria necessário com urgência, a execução de um Projeto de Recadastramento dos Sítios


Arqueológicos, com a proposição também de intervenções em subsuperfície, de modo a confirmar a
exata localização destes dois sítios.

Assim, buscamos através do presente diagnóstico nos colocarmos a disposição dos órgãos
competentes e demais interessados, apresentar as evidências documentais e de informações de
conhecimento público disponíveis no IPHAN, para que seja estudada a viabilidade da condução por
parte da administração do atual Parque Natural, da realização de um Projeto de Avaliação de Impacto
ao Patrimônio Arqueológico (PAIPA), seguindo a Instrução Normativa IPHAN IN nº01 de 2015 e

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A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA

posterior atualização dos dados dos sítios arqueológicos no SICG, novo sistema de informações
geográficas do IPHAN.

Dito isso, permanecemos a disposição para colaborar com demais esclarecimentos que se façam
necessários em prol da preservação do patrimônio arqueológico da cidade de Niterói.

.VI. EQUIPE RESPONSÁVEL PELO PRESENTE DIAGNÓSTICO

Michelle Mayumi Tizuka: Residente em Niterói. Doutoranda em Ciência da Computação (UFF),


geóloga (bacharelado) pelo Instituto de Geociências (USP), licenciada em Geologia pela Faculdade de
Educação (USP) e mestre em Geociências e Meio Ambiente pela UNESP. Atuou como coordenadora
de campo em diversos projetos de Arqueologia Preventiva pela Scientia Consultoria Científica (de 2008
a 2013) e pela Arcadis Logos (de 2013 a 2014). Foi sócia e responsável técnica da empresa Fercant
Arkhaios – onde atuou em serviços nas áreas de Arqueologia, Geologia e Educação Patrimonial de
2012 a 2017 e mantém-se como consultora pela Fercant & Yahto desde 2018 até o momento.
Fundadora e membro do Grupo de Estudios Geoarqueologicos de America Latina (GEGAL)
(desde 2012), é colaboradora voluntária do Departamento de Arqueologia da Universidade Federal de
Rondônia (DARQ-UNIR), do Núcleo de Pesquisas Arqueológicas Indígenas (NUPAI-UERJ) e do Museu
de Arqueologia de Itaipu (MAI). É sócia efetiva da Sociedade de Arqueologia Brasileira (SAB) desde
2013 (membro do GT Sab Acervos desde 2017) e voluntária da RESEX-Mar Itaipu, unidade de
conservação marinha estadual administrada pelo INEA/RJ. É fundadora da Majime Labs e atua como
audiodescritora, ledora, designer e analista de experiências imersivas (jogos e simulações) em
realidade virtual e sistemas gamificados.

Fernando Jose Cantele: Sócio-diretor da Fercant & Yahto Consultoria Científica, empresa
especializada em patrimônio cultural e natural, há mais de 10 anos no mercado, é graduado em História
(Bacharelado e Licenciatura) pela Universidade do Contestado (UnC) - Campus Mafra/SC (2007), pós-
graduado “Lato Sensu” em nível de especialização em Cultura Material e Arqueologia (2018) pela
Universidade de Passo Fundo (UPF) e Antropologia Brasileira (2021) pela Universidade Cândido
Mendes (UCAM), além de formação complementar em Estudos Líticos (MAE-USP, UFRGS e UPF) e
Arqueologia Paranaense (UFPR). Atualmente cursa pósgraduação "Lato Sensu" em nível de
especialização em Gestão Sustentável e Meio Ambiente na Pontifícia Universidade Católica do Paraná
(PUC-PR).

VII. REFERÊNCIAS CONSULTADAS

GASPAR, M. Sambaqui: arqueologia do litoral brasileiro. 2 ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2000.

GASPAR, M.D.; DEBLASIS, P.; FISH, S.K.; FISH, P.R. Sambaqui (shell mound) societies of coastal
Brazil. In: SILVERMAN, H; ISBELL, W.H (Ed.). The handbook of South American archaeology. Nova
York: Springer, 2008.

GASPAR, M.D.; KLÖKLER, D.; DEBLASIS, P. Were sambaqui people buried in the trash?: archaeology,
physical anthropology, and the evolution of the interpretation of Brazilian shell mounds. In:
ROKSANDIC, M; MENDONÇA DE SOUZA, S. (Ed.). The cultural dynamics of shell-matrix sites.
Albuquerque: University of New Mexico Press, 2014.

Pag. 35
A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA

GUERRA, A. Notas a propósito dos depósitos conchíferos de São Lourenço, Boa Vista e Chácara do
Vintém (Niterói–Estado do Rio de Janeiro). Anuário da Faculdade Fluminense de Filosofia, Niterói,
1957.

MENDONÇA DE SOUZA, S. Dentes, ossos e suas formas: lições aprendidas sobre os construtores de
sambaquis. Revista Memorare, v.5, n.1, p. 218-247, 2018.

SILVA, L.A.; GASPAR, M.D. Anzóis, redes e pescadores: reflexões sobre a arqueologia da pesca.
Revista de Arqueologia, v.32, n.2, p. 04-15, 2019. WAGNER, G.P.; SILVA, L.A., HILBERT, L.M. O
Sambaqui do Recreio: geoarqueologia, ictioarqueologia e etnoarqueologia. Boletim do Museu Paraense
Emílio Goeldi: Ciências Humanas, v.15, n.2, e20190084, 2020.

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A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA

2.2. ESTUDO HISTÓRICO DA CHÁCARA DO VINTÉM PARA O NECESSÁRIO TOMBAMENTO


DE PATRIMÔNIO MATERIAL

RELATÓRIO PRELIMINAR SOBRE O SISTEMA DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA


DA CHÁCARA DO VINTÉM.

Responsável Técnico: Henrique Barahona, Historiador, Registro Profissional nº 530/RJ


Lugar: Chácara do Vintém, Niterói
Data: 1º/8/2022
Objetivo: Tombamento de Patrimônio Material

I. CONSIDERAÇÕES INICIAIS.

Em visita realizada in loco no dia 1º de agosto de 2022 juntamente com uma equipe multidisciplinar de
pesquisadores, composta por professores e alunos de graduação, pude verificar que a Chácara do
Vintém, localizada no Bairro de Fátima, em Niterói, apresenta um riquíssimo conjunto histórico e cultural
datado, em sua maior parte, da primeira metade do século XIX. Trata-se de um complexo relacionado
ao antigo sistema de abastecimento de água da cidade, um dos únicos exemplares que chegaram aos
nossos dias ainda razoavelmente preservados em todos os seus principais elementos constitutivos,
tais como: a captação, a decantação, e a distribuição de água em reservatórios, chafarizes e bicas em
diversos pontos da região central da cidade de Niterói.

Uma pequena porção deste complexo já se encontra tombada pelo Instituto Estadual do Patrimônio
Cultural – INEPAC –, a saber, o “Reservatório da Correção”, como é chamado o reservatório de água
da antiga Casa de Correção de Niterói, pertencente a um dos vinte e cinco equipamentos urbanos,
entre caixas-d’água, reservatórios e represas existentes no Rio de Janeiro e Niterói, que atestam os
processos de fixação e expansão demográfica das respectivas cidades, bem como o avançar
tecnológico da engenharia e arquitetura voltadas para o abastecimento d’água para as suas
populações. Este reservatório já tombado foi construído em 1880, num terreno localizado na rua
Coronel Gomes Machado, nº 385, no Centro, pertencente a dona Maria Joaquina de Paiva Andrade,
viúva do comendador José Caetano de Andrade Pinto, então proprietário do terreno da Chácara do
Vintém, onde se encontra a nascente na qual tem início todo o sistema. Destaco do processo de
tombamento do “Reservatório da Correção” os seguintes dados técnicos:

O reservatório é composto de duas câmaras quadradas semi-enterradas e


contíguas, que medem aproximadamente 30m de largura por 25m de comprimento
cada uma, totalizando 1500m². O fundo do reservatório fica a 6m de profundidade
e o trecho que emerge do chão tem cerca de 1,5m. Neste trecho, uma carreira de
óculos retangulares guarnecidos com gradil de ferro, fazem a ventilação.

Foi construído em alvenaria hidráulica e sua cobertura é feita por uma série de
abóbadas de berço de arco pleno, apoiadas em pilares de base quadrangular,
terminados em arcadas. Acima da cobertura foi colocada uma camada de terra para
cultivo de jardim.

Pelo exterior, sua altura é de cerca de 1,50m, enquanto o seu fundo está a cerca
de 6m de profundidade. O acesso ao seu interior se faz através de corredor central

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A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA

com abertura para os dois lados. A entrada principal se destaca pela altura e é
guarrnecida por portão de ferro emoldurado por marco de pedra com terminação
em arco ogival e por dois óculos retangulares, semelhantes aos que estão dispostos
nas laterais do reservatório. Em frente ao corredor, em ambos os lados, dois
prismas octogonais abrigam os antigos registros de alimentação e distribuição de
água.

O reservatório está inserido no Parque das Águas. Este parque tem cerca de
32.000m² e recebeu tratamento paisagístico com a construção de escadarias de
acesso, pavimentação, bancos e áreas de convívio, juntamente com o trabalho de
reflorestamento com espécies da Mata Atlântica. Além destes itens foram instalados
os seguintes equipamentos: sala administrativa, espaço para café e lanches, e
auditório destinado a palestras sobre o meio ambiente, especialmente sobre a
importância da conservação das águas10.
Se uma pequena parte da antiga rede de abastecimento de água da cidade já é protegida pelo seu
evidente interesse enquanto patrimônio arquitetônico, histórico e mesmo ambiental, vê-se que não há
razões para que todo o conjunto da Chácara do Vintém não se torne igualmente objeto da efetiva
proteção municipal através do instituto do tombamento.

E quando falamos de um antigo sistema público de abastecimento de água potável para servir à
população, isso pode parecer algo sem importância num primeiro momento. Sobretudo nos dias atuais,
quando a cidade dispõe de rede de água encanada na totalidade das suas residências11. Todavia, é
preciso recordar que a maior obra do Rio de Janeiro colonial, os mundialmente conhecidos “Arcos da
Lapa”, um verdadeiro cartão-postal daquela cidade, são nada mais nada menos do que uma rede de
abastecimento de água projetada ainda no século XVIII, que levava as águas do Rio Carioca, nas
vertentes do morro do Corcovado, até um chafariz localizado no largo existente abaixo do Convento de
Santo Antônio12. Entretanto, em 1896, o também chamado “Aqueduto da Carioca” perdeu a sua
destinação original, passando a funcionar como um viaduto para os bondes da Companhia de Carris
Urbanos, os também famosos “bondinhos” de Santa Tereza. E o chafariz público, que na sua última
versão fora projetado por Grandjean de Montigny e inaugurado em 1848, acabou sendo completamente
destruído em 1925 para o alargamento do Largo da Carioca.

Ao contrário do Rio de Janeiro, aqui em Niterói as águas ainda jorram pelas nascentes da Chácara do
Vintém, como pude verificar pessoalmente durante a visita no local. Eu e a equipe tivemos algumas
vezes que evitar molhar os pés saltando os bolsões d’água cristalina acumuladas em alguns trechos,
dificultando o acesso algumas estruturas do complexo situadas na parte mais baixa do terreno, logo no
início do trajeto. E por mais incrível que pareça, verificamos que ainda há o fornecimento de água ao
público que dela porventura necessite no Bairro de Fátima numa antiga bica próxima à chácara,
descendo a rua Andrade Pinto, atendendo ainda presentemente a sua função social tal como quando
fora projetado todo o sistema no início do século XIX (fig. 1). E também conserva, além das estruturas

10 Processo de tombamento nº E18/001.542/98.


11Segundo os dados do Instituo Água e Saneamento, 100% da população total de Niterói têm acesso aos serviços
de abastecimento de água. A média do estado do Rio de Janeiro é de 90,54%, e do país, 83,96%.
12 Tombamento pelo IPHAN através do processo nº 0100-T-38, inscrito no Livro de Belas Artes nº inscr.: 017; Vol.
1 ;F. 004, e no Livro Histórico nº inscrição : 005 ;Vol. 1 ;F. 002.

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de captação, decantação e reservatórios, o seu aqueduto em arcos como o são os mais conhecidos
existentes na Lapa.

Fig. 1: Chafariz na rua Andrade Pinto.

A bem da verdade, os arcos do Lapa no Rio de Janeiro e os de Niterói em si mesmos não são em nada
parecidos. Em comum, e isso é o que pretendo destacar aqui, remontam a um período em que ambas
as cidades enfrentavam o grave problema da falta d’água, em parte pelo adensamento populacional e
as péssimas condições sanitárias em que se encontravam as casas e as ruas, outra parte pela
derrubada das matas próximas aos centros urbanos que formavam os antigos cinturões verdes dos
mananciais de abastecimento d’água. Em suma, o aumento da demanda pela água foi proporcional à
diminuição da oferta, isso num tempo em que a água era obtida em poços, cacimbas ou em precárias
canalizações de rios e córregos para a utilização pública em bicas e chafarizes. Ou então era vendida
em bancas ou carregada em tonéis por carroças pelas ruas da cidade, levadas de casa em casa para
quem pudesse pagar por ela. Era este o negócio de José Caetano de Andrade Pinto, o proprietário da
Chácara do Vintém.

II. LEVANTAMENTO HISTÓRICO PROVISÓRIO.

Eu falava há pouco do aumento demográfico do Rio de Janeiro como uma das causas para o
desabastecimento de água. E, de fato, quando em 8 de março de 1808, d. João VI desembarcou no
Rio de Janeiro com outras milhares de pessoas fugindo da invasão das tropas napoleônicas em
Portugal, ficou claro que não havia nem casa nem comida para todo mundo. Nem água. A vizinha Praia
Grande – como então se chamava Niterói –, assim como todo o recôncavo da Guanabara, que era a
sua natural fronteira agrícola, sofreu em cascata os efeitos desse súbito incremento populacional. Além
de ter de uma hora para outra que fornecer cada vez mais gêneros alimentícios para a improvisada
Corte do Rio de Janeiro, tinha que prover também a sua própria crescente população. Neste mesmo

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ano, o inglês John Luccock visitou a Praia Grande e registrou que “São Domingos e Praia Grande, no
lado oposto [à cidade do Rio de Janeiro] eram lindas aldeias pequeninas, constituída de um punhado
de casitas dispersas e mergulhadas no seu da floresta”13. Contudo, ao aqui retornar em 1813, o mesmo
viajante não pode deixar de anotar que apenas cinco anos depois havia encontrado a mesma “região
populosa”14. Quando foi criada a Vila Real da Praia Grande, através do alvará de 10 de maio de 1819,
levou-se em conta textualmente esse súbito crescimento do número de habitantes, que chegava a treze
mil pessoas:

Eu El rei faço saber aos que este Alvará com força de Lei virem: Que sendo me
presente em Consulta da Mesa do Meu Desembargo do Paço a necessidade que
há de se criar huma Villa no Sitio e Povoação de São Domingos da Praia Grande,
do termo desta Cidade, para melhor e mais prompta administração da Justiça,
assim aos moradores de São João de Icarahi, de São Sebastião de Itaipu, de São
Lourenço dos Índios, e de São Gonçalo, à vista dos grandes embaraços, que todos
elles experimentão no largo trajecto do mar entre aquella Praia e esta Cidade, que
são obrigados a passar frequentemente para promoverem nella os seus recursos,
litigios, e pendencias; tendo aliás crescido muito a sua população que excede já há
mais de treze mil habitantes na sua total extensão, e que diariamente, vai crescendo
cada vez mais pelas vantagens, que offerece a sua situação próxima a esta Capital
e ao seu Porto...”15
A família de José Caetano Andrade Pinto, como já vimos, o proprietário da Chácara do Vintém, foi parte
dessa história. Ele era português, nascido em Lisboa, em 24 de abril de 1794, filho de Caetano José
de Campos Andrade e de dona Isabel Germana Soares de Paiva. O pai era fidalgo cavaleiro da Casa
Real, guarda-roupas de sua Majestade Fidelíssima, como haviam sido o pai, o avô e o bisavô. Muito
provavelmente Caetano José de Campos Andrade fez a travessia do Atlântico juntamente com a
Família Real em 29 de novembro de 1807, trazendo para cá a mulher e os filhos. E possivelmente o
patriarca dos Andrade Pinto retornou com D. João VI para Lisboa em 25 de abril de 1821, como se
deveria esperar de um fiel criado do rei, pois encontram-no em Portugal na década de 1830. Deixou
aqui os filhos, dentre os quais, José Caetano Andrade Pinto, que logo assumiria funções como todos
os seus antepassados. Em 1822, José Caetano foi ajudante do mestre de cerimônias de D. Pedro I.
No mesmo ano, escreveu a Carta Imperial de 14 de novembro, que erigiu a Vila de Porto Alegre ao
grau de Cidade. No ano seguinte, escreveu a Carta de 17 de março, fazendo o mesmo com a vila de
Fortaleza. Em 1823, ele registrou o alvará que lhe fazia a mercê da serventia vitalícia do ofício de
escrivão da mesa do desembargo do Paço, junto ao Conselho da Fazenda, do qual ficaria sendo
chamado de “comendador” e “conselheiro” até o fim da vida. Faleceu em 15 de março de 1853, sendo
sepultado com a sua “farda de camarista” numa das covas da irmandade de Nossa Senhora da
Conceição16.

13Apud CAMPOS, Maristela Chicharo de. Riscando o solo: o primeiro plano de edificação para a Vila Real da Praia
Grande. Niterói/RJ: Niterói Livros, 1998, p. 31.
14 Idem, p. 32.
15Apud CARVALHO, José Vilhena de. José Clemente Pereira: baluarte da Independência e do Progresso do Brasil:
vida e obra. Rio de Janeiro: J. V. de Carvalho, 2002, p. 318.
16 JOSÉ CAETANO ANDRADE PINTO, 15/3/1853, Livro de Óbitos de São João Batista de Icaraí, 1795-1854.

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Apesar de proprietário da Chácara do Vintém, José Caetano Andrade Pinto morava no número 63 da
movimentada Rua da Praia onde não havia água encanada. Certamente, esse não era um problema
para o comendador, que retirava e vendia água da sua chácara e obtinha grande lucro com essa
atividade. Porém, não se pode dizer o mesmo da maioria dos habitantes da cidade. O centro da Vila
Real da Praia Grande contava basicamente com uma única fonte pública localizada quase em frente à
igreja de Nossa Senhora da Conceição. Ela fornecia cerca de 800 barris (cerca de 12.770 litros) de
água por dia, escoando na direção de um largo que já não mais existe chamado “Campo Sujo”, que
ficava próximo onde hoje está a Praça da República, até o Rio dos Passarinhos. Mesmo havendo outras
três fontes d’água, uma na Boa Viagem, outra no Ingá e outra na Armação, ali naquela região mais
central, populosa e com o comércio mais desenvolvido, esse sistema de abastecimento estava longe
de ser suficiente.

Para corrigir esse problema, logo no ano seguinte à elevação da Vila Real, foi apresentado o primeiro
“Plano de Edificação da Vila Real da Praia Grande”, de 5 de fevereiro de 1820. Ele previa para “a
comodidade pública, que entre a rua nº 11, e a rua nº 16, com base sobre o nº 10 se coloque o chafariz
que deve apresentar ao povo a água do morro do Calimbá, que se está conduzindo”17. Nada saiu do
papel. A desculpa para tanta demora, que se repetiria como um mantra dali em diante, era a falta de
recursos nos cofres públicos. Em 1822, o juiz de fora da Praia Grande, Antonio José de Siqueira e
Silva, remeteu ao Imperador uma carta contendo diversas reivindicações para a cidade, dentre as quais
a seguinte:

A Vila necessita de ter um chafariz em seu centro, para utilidade comum de seus
habitantes, e sendo elevada a despesa para a condução dessas águas, através de
um aqueduto com perto de duas milhas de extensão, lhe fosse concedida uma finta
de dez réis por pessoa e quarenta réis por animal que embarcassem dos portos
locais para qualquer destino18.
Apenas em 29 de agosto de 1828, foi promulgada por D. Pedro I a lei que “Estabelece regras para a
construcção das obras públicas, que tiverem por objecto a navegação de rios, abertura de canaes,
edificação de estradas, pontes, calcadas ou aqueductos”. A falta de dinheiro, contudo, impediu mais
uma vez as obras de abastecimento d’água na cidade que crescia ano após ano. Em 13 de fevereiro
de 1830, foi feita uma nova manifestação dos vereadores ao Imperador:

Tendo sido, Exmº Sr., e continuando a ser mui progressivo o aumento da população
desta vila, não só pela existência de indivíduos que nela têm vindo se domiciliar e
estabelecer, como pelo crescido número de famílias da Corte e outros lugares que
nela vem residir temporariamente por motivo de saúde e mesmo de gozarem da
amenidade do local e pureza da sua atmosfera, todavia está a mesma Vila falta das
duas mais essenciais providências para a segurança, abastecimento e bem-estar
de seus habitantes e hóspedes. A primeira das providências é a que deve superar
a suma mesquinhez de água potável, sobre o que a Câmara não tem podido prover
como pede a necessidade pública, pela bem conhecida causa de falta de meios
(...). E como é tanta a referida mesquinhez que a pobreza, quem a não pode mandar

17Apud CARVALHO, José Vilhena de. José Clemente Pereira: baluarte da Independência e do Progresso do Brasil:
vida e obra. Op. Cit., p. 324.
18Apud CAMPOS, Maristela Chicharo de. Riscando o solo: o primeiro plano de edificação para a Vila Real da Praia
Grande. Niterói, RJ: Niterói Livros, 1998, p. 127.

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ou ir buscar a lugares remotos e a alguns dos quais a custo duns tantos réis por
barril, se vê obrigada a beber e servir-se d’água encharcada e de poços pela maior
parte envenenados, o que só pode cooperar para o detrimento de sua saúde.19
Depois de várias reclamações, finalmente, em 1831, foram iniciadas as obras de instalação de canos
de ferro que levaram as águas da nascente no morro de São Lourenço para o chafariz. Na sessão de
31 de maio de 1835, a Câmara de Vereadores de Niterói estava interessada em saber informações
sobre “o aqueduto do Calimbá”, isto é, se a quantia destinada ao encanamento das águas havia sido
gasta; se ainda restava algum material; se havia orçamento, plano para a obra e em poder de quem;
qual o seu estado atual e o que falta para ser concluída20. O Morro do Calimbá é aquela parte elevada
mais próxima do bairro de Santa Rosa. Não por acaso a atual rua Doutor Paulo César era antigamente
chamada de rua do Calimbá. A ideia era reunir o maior número possível de nascentes e drená-las até
o centro da cidade. É deste período que nos chegam valiosas informações sobre as partes do sistema
de abastecimento de água da Chácara do Vintém ainda ali presentes e que devem ser objeto da lei de
tombamento, como, por exemplo, o açude, as duas caixas de decantação, os “telhões” e os dez
primeiros arcos de alvenaria do aqueduto, como se extrai do discurso do vice-presidente da província
do Rio de Janeiro, José Ignacio Vaz Vieira, na abertura da última sessão ordinária da Assembléia
Legislativa provincial de 7 de outubro de 1837, ao explanar sobre as obras públicas:

As obras do aqueduto de S. Lourenço tem merecido ao governo tão particular


attenção, quanta he a falta que a cidade sente de agua. Está quasi concluído o
açude, e construiu-se junto a elle a primeira caixa para depurar as aguas que delle
devem sahir impregnadas de dissolução terrosa. Aproveitou-se mais um lagrimal:
achão-se assentados os telhões; construirão-se dez arcos; acha-se em construção
a segunda caixa; está prompto e envernizado o bicame; concluiu-se o chafariz
provisório, e cuido que por todo este mez correrá a metade da agua cedida.21

Tais detalhes sobre as etapas da construção do complexo são importantíssimos para a


compreensão do valor histórico daquelas estruturas. A começar pelo açude, já pronto em 1837.

III. A DESAPROPRIAÇÃO DA NASCENTE DA CHÁCARA DO VINTÉM

Outro dado importante que extraímos deste discurso parlamentar é que o vice-presidente da província
deixou claro que as obras de abastecimento até então planejadas seriam insuficientes, caso feitas com
apenas uma parte das águas disponíveis do morro de São Lourenço, frente à enorme necessidade de
toda a numerosa população da Vila Real da Praia Grande. E foi neste momento que se cogitou pela
primeira vez a possibilidade do governo contar também com as águas que tinham origem nas nascentes
situadas nas terras então pertencentes ao comendador José Caetano de Andrade Pinto, mais
precisamente, na sua “Chácara do Vintém”:

Não tendo porém esta capacidade de abastecer toda a cidade, pedi ao brigadeiro
Elisiario que examinasse se seria possivel, aproveitando-se as aguas do Calimbá,
traze-las, e ajunta-las com as que se estão encanando. Pensa este official que

19 Idem, p. 128.
20 Arquivo da Câmara Municipal de Niterói. Atas e Documentos da Câmara Municipal de Niterói ,Vol. III, p.85.
21 Jornal do Commercio (RJ) 19/10/1837, nº 232, p. 2.

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semelhante projecto seria desproporcionadamente despendioso, por serem muito


baixas as vertentes destas aguas, e muito alto o encanamento construído,
parecendo-lhe preferivel o expediente de comprar-se a outra metade da agua.
Julgando que o meio proposto poderia ser adoptado, me dirigi ao Conselheiro José
Caetano Andrade Pinto que, não duvidando transferir o dominio que tem sobre essa
agua, pede por ella a quantia de 6.000$. Esta Assembléia resolverá sobre o caso
como entender conveniente. Reunida toda a agua do sitio de S. Lourenço,
encanada até a estrada do Calimbá, beneficiada huma fonte no morro de S.
Lourenço e as da Armação, Boa Viagem e Ingá, he de crer que a cidade seja
abastecida de agua, ainda mesmo no tempo da sêca.22
Segundo Mattoso Maia Forte, quem tinha dinheiro não mandava buscar água nas bicas públicas e
chafarizes. Esperava que as carroças-pipas “da chácara do Vintém depois adquirida pelo Governo (era
a chácara Andrade Pinto)”23, a levassem até as suas portas (fig. 2). É bem possível que o caminho que
hoje existe dentro da chácara coberta pela vegetação e que sobe até bem próximo ao poço mais alto
era o antigo caminho utilizado pelas carroças-pipas do comendador. Elas eram abastecidas e dali
seguiam pelos logradouros ofertada de casa em casa pelo preço de 40 a 100 réis o barril. Quarenta
réis era o mesmo que dois vinténs, e cem réis o equivalente a um tostão.

Fig. 2: Carroça-pipa puxada por escravizados, 1814. Gravura de Joaquim Candido Guillobel (1787-1859).

Descartada a hipótese de serem aproveitadas as águas do morro do Calimbá, as atenções se voltaram


para as nascentes do comendador José Caetano de Andrade Pinto. Em 28 de abril de 1838 foi
desapropriada via decreto do governo provincial a metade da água que alimentava o chafariz de São
Lourenço, em contrato celebrado com ele, reservando para si a outra metade. Faltaria apenas que o
poder público arranjasse os fundos para o pagamento da quantia ajustada ao proprietário das terras.
O parecer da comissão de fazenda autorizando o presidente da província a satisfazer ao conselheiro a
quantia de 6 contos de réis como indenização pela água da “chácara do Vintém”, foi impresso no sob
o nº 1, e o voto em separado do conselheiro José Clemente Pereira com o nº 2, sendo adiado na

22 Jornal do Commercio (RJ) 19/10/1837, nº 232, p. 2.


23FORTE, José Mattoso Maia. Notas para a História de Niterói. Niterói/RJ: Instituto Niteroiense de
Desenvolvimento Cultural-Prefeitura Municipal, 1973, p. 144.

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primeira sessão do dia 21 de março de 183924. Mas nem tudo saiu como planejado. Na segunda parte
da ordem do dia da sessão de 3 de abril de 1839, sob a presidência do “Sr. Magalhães”. Enquanto era
discutido o projeto 18-B, outro deputado sustentou que “a nascente da agua em questão está fora do
arrendamento do conselheiro Andrade”, requerendo que “pelo juiz de órfão se mande proceder a esse
exame à vista da carta de arrendamento”25. Outro parlamentar, Gomes dos Santos, requereu a juntada
da carta de sesmaria, enquanto Cezar de Menezes pedia a suspensão do negócio até que aparecesse
o original da carta.

Para piorar, levantou-se o entrave jurídico de que José Caetano de Andrade Pinto não tinha a
propriedade plena da área onde estava situada a Chácara do Vintém. Ele detinha apenas o seu domínio
útil como arrendatário daquelas terras, já que toda a região pertencia à sesmaria de São Lourenço dos
Índios doada à Araribóia ainda no século XVI (fig. 3). Por esse motivo, para a tristeza do conselheiro,
ele teria direito somente à indenização das benfeitorias ali existentes. Após alguns adiamentos, em 11
de abril do mesmo ano foi aprovado o requerimento de Santos Barreto para que o projeto voltasse para
a comissão com os documentos existentes na casa, e que foram de novo apresentados.

Fig. 3: Chácara do Vintém. São Lourenço, c1930.

Mesmo assim, o projeto foi aprovado e passou à segunda discussão legislativa, que aconteceu em 10
de março de 1840, quando foi aprovada a seguinte emenda de Souza França, visando resolver o
impasse sobre a propriedade das terras da chácara do Vintém: “O presidente da provincia he
auctorizado a despender até a quantia de 6:000$000 rs. com a desapropriação das aguas potaveis que

24 O Despertador: Diario Commercial, Politico, Scientifico e Litterario (RJ), 12/3/1840, nº 591, p. 2.


25 O Despertador Commercial e Politico (RJ), 8/4/1839, nº 302, p. 1.

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forem necessarias para augmentar a correnta do aqueduto publico da fonte principal da cidade de
Nictheroy”26. Na segunda parte da ordem do dia da sessão de 16 de março de 1840, sob a presidência
de Freitas Magalhães, retomando a terceira discussão adiada do dia 14 do mesmo mês, foi votada a
emenda substitutiva de Souza França, ocasião em que José Clemente Pereira propôs três artigos que
já haviam sido rejeitados anteriormente, e que eram os seguintes:

Artigo 1º, O presidente da provincia he autorizado a mandar satisfazer, pelo cofre


da thesouraria da mesma provincia, ao conselheiro José Caetano de Andrade Pinto,
a quantia de 6:000$000, como indemnização da agua e terreno que se lhe
desappropriou, por decreto do governo executivo, de 28 de abril do anno p.p., em
beneficio do chafariz ou fonte pública desta cidade, dividindo esse pagamento de
hum conto de réis a cada huma, tendo lugar o pagamento da primeira prestação no
primeiro de julho do corrente anno, e as outras sucessivamente, com intervallo de
dous mezes huma a outra, na forma do mesmo decreto de 28 de abril do anno p.p.,
e contracto feito com o sobredito proprietário na mesma data, que abaixo vão
transcriptos, como parte integrante desta resolução.

Artigo 2º. O mesmo presidente fará medir, demarcar e contar o terreno adjacente
às vertentes da sobredita agua, seu aqueduto e açude, de que trata o sobredicto
decreto; e remeterá o processo dessa diligência, depois de concluído, à câmara
municipal desta cidade, para ser archivada e encorporada a propriedade entre os
bens pertencentes a este municipio.

Artigo 3º. O ex-proprietário indemnizado por esta resolução fica obrigado, por si e
seus herdeiros, a indemnizar ao cofre da província todo o prejuízo que lhe possa
resultar da diminuição de seu direito dominial na propriedade que assim se lhe
indemniza.27

Foram à mesa ainda outras emendas ao projeto, todas preocupadas com o fato de não ter o
comendador a propriedade sobre as terras a serem desapropriadas, como a do deputado Cezar de
Menezes, para que “a quantia que se deve indemnizar a quem direito tiver ficará em depósito no cofre
provincial, para ser levantada pelo indemnizado, depois que este provar judicialmente aquelle direito”;
Duque Estrada propôs que, se acaso fosse aprovada a emenda de José Clemente Pereira, que no
lugar do nome de José Caetano de Andrade Pinto, constasse “a quem direito tiver”; ou ainda o deputado
Manoel Antônio da Silva, para que “Em todos os lugares em que se diz – proprietário – arrendatário,
ou sómente o conselheiro José Caetano”. Depois de longo debate e colocada em votação, a emenda
de José Clemente Pereira foi aprovada e rejeitada as dos demais, encaminhando-se o projeto para a
comissão de redação, resultando no decreto nº 172, de 1840. No final, José Caetano Andrade Pinto
soube usar o seu prestígio político e, apesar de todos os obstáculos opostos pelos seus adversários
durante a tramitação do projeto de desapropriação das águas, acabou recebendo os 6 contos de réis
de indenização que tanto desejava.

26 O Despertador: Diario Commercial, Politico, Scientifico e Literario (RJ), 17/3/1840, nº 596, p. 2.


27 O Despertador: Diario Commercial, Politico, Scientifico e Literario (RJ), 17/3/1840, nº 596, p.2.

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Fig. 4: Detalhe do reservatório da Chácara do Vintém, c.1930.

Em 1840, depois de anos de iniciadas, as obras já necessitavam de melhorias. Segundo Carlos Wehrs,
“as madeiras do aqueduto logo se estragaram e teriam de ser substituídas por outras, alcatroadas; o
açude não tinha ainda o fundo ladrilhado”. Outrossim, fazia-se necessária “uma cobertura para
depósitos, a fim de protegê-los das folhas, animais mortos e outras impurezas que poluíam as águas”28
(fig. 4). Em 9 de dezembro de 1841, Honorio Hermeto Carneiro Leão, futuro visconde e depois marquês
do Paraná, então presidente da província do Rio de Janeiro, deu ordens ao Chefe da 3ª Seção de
Obras Públicas para que procedesse ao “orçamento da despeza que se terá de fazer com com (sic) a
introducção, no chafariz de São Lourenço da agua que foi desapropriado o conselheiro José Caetano
de Andrade Pinto”29. As reformas reclamadas ficaram a cargo do engenheiro francês Carlos Rivièrre, e
rapidamente surtiram o efeito desejado. Em 1842, foram trocadas as madeiras apodrecidas por tubos
metálicos, com a intenção de levar água até a Rua da Praia, esquina da Rua da Conceição. Em 1845,
aproveitaram o dinheiro arrecadado numa subscrição pública e redirecionaram-no para a construção
de um imponente chafariz para a Praça de Martim Afonso, em homenagem à Araribóia, tudo com a
autorização do presidente da província, o conselheiro Aureliano de Sousa e Oliveira Coutinho, o
visconde de Sepetiba. Sobre os chafarizes da então capital da província do Rio de Janeiro, assim era
relatado pelo seu presidente na abertura da sessão ordinária da Assembleia Legislativa em 1º de março
de 1846:

Ha annos que se trabalha, e se tem despendido grossas sommas para forecer de


agua potavel a capital da Provincia, sem que se tivesse ainda assentado onde
convinha ser collocado o chafariz, que seria alimentado com as aguas provenientes
da Chacara do Conselheiro José Caetano Andrade Pinto. Meu antecessor creio que
teve idéa de assental-o na praça do largo do palácio, e para isso havia contractado

28 WEHRS, Carlos. Niterói, Cidade Sorriso (a história de um lugar). Rio de Janeiro, 1984, p. 258.
29 Correio Official (RJ), 21/1/1842, nº 10, p. 2.

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A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA

com o bombeiro Fleury a construcção de 877 braças de canos de chumbo, na


importancia de 15:435$240 rs, que a requerimento do emprezario tive que pagar,
depois de verificar a existencia daquelle contracto, e que os referidos canos havião
sido entregues ao Engenheiro respectivo. A Vice-Presidencia a 23 de abril do anno
passado, estando prompta parte da cantaria, mandou collocal-o no largo de S.
Lourenço, onde existia o chafariz provisorio de madeira, mas do lado opposto, e
junto à casa de detenção. Como porém alli ficasse muito longe do centro da cidade,
e alli existião os referidos canos de chumbo, que podem conduzir a agua não só até
a praça da Memória, como ainda até a praia, ordenei a construcção de um ligeiro
chafariz em forma de colunna na dita praça, da qual irá também a agua para hum
outro, que alguns cidadãos com o producto de huma subscrição a principio
destinada a outro fim, e com permissão do Governo, se propôem fazer para uso
publico na praça de Martim Affonso junto à praia30
E continua:

Não sendo abundante aquella agua para alimentar perenemente estes tres
chafarizes, adoptei para elles o systema de bicas com torneiras, e mandei construir
um lugar em lugar proprio um grande reservatório para receber, e guardar o
excedente das aguas fornecidas pelo respectivo aqueducto: por este systema não
se perdendo porção alguma de agua não só a cidade será abastecida da que he
mister ao seu consumo, como poderão algumas embarcações vir apanhal-a no
chafariz da praça de Martim Affonso, o qual tem de ficar proximo ao caes, que se
está construindo para dar a esta praça a largura, e regularidade convenientes.

No dia 19 de Novembro proximo passado assentei a primeira pedra do dito chafariz


da praça da Memória, que se acha já em termos de receber a cantaria, a qual se
está apromptando com brevidade: o outro será em pouco tempo começado, logo
que o caes esteja prompto, e a praça aterrada: o reservatório está em andamento.
O chafariz, em estilo neoclássico, foi construído em granito, a partir do desenho do engenheiro
provincial Reis Alpoim: “Sua base era uma bacia octogonal da qual emergia um soco comum a quatro
colunas estriadas, unidas entre si, no alto, por arcos. Ao centro, de uma pequena urna, saía a água em
quatro jatos”31 (fig. 5). Foi inaugurado em 30 de abril de 1847 juntamente com o Largo da Memória,
numa pomposa cerimônia que contou com a presença de D. Pedro II e de várias autoridades.
Infelizmente, esse chafariz já não existe mais.

30 Gazeta Official do Imperio do Brasil (RJ), 12/1/1847, nº 109, p. 2.


31 Idem, p. 255.

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A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA

Fig. 5: Chafariz do Largo da Memória.

Em 25 de maio de 1850, o deputado Montezuma requereu na Assembléia Provincial a inclusão no


orçamento de um aditivo a fim de não só remover os obstáculos que ocasionaram a diminuição da água
desapropriada ao conselheiro José Caetano Andrade Pinto pela deliberação de 28 de abril de 1838,
mas também para “habilitar a presidencia a fazer a despeza necessaria a bem de ser a capital da
provincia abastecida d’agua potavel em quantidade suficiente que possa ella ser levada à casas
particulares mediante um modico imposto anual”32. Isso revela a tentativa de abastecimento também
das residências, não apenas em bicas e chafarizes públicos. Em 1853, ano da morte de José Caetano
Andrade Pinto, depois de finalmente canalizadas as águas da Chácara do Vintém, o novo sistema
fornecia 4.000 barris por dia, abastecendo nove bicas: a do largo da detenção, da rua das Chagas
(Marquês de Caxias), dos Largos de São João e de Santo Alexandre, a do Largo da Memória, e outras
quatro no Largo de Martim Afonso. As águas do morro de São Lourenço abasteciam a “bica dos
Caboclos” e mais três pilastras na rua de São Lourenço, com outros 1.000 barris diariamente. Ainda
assim, era insuficiente. Ainda em 1846 foi cogitado o uso do manancial do Rio da Vicência, mas isso
só se tornou realidade na década de 1860, merecendo uma nova visita do Imperador em 29 de junho
de 1862.

No final do século XIX, após a pouco efetiva contratação da Companhia Melhoramentos Urbanos de
Nictheroy em 1885 (depois Empreza de Obras Publicas no Brazil); a alternativa encontrada para a
persistente falta d’água foi a canalização das águas que desciam da Serra dos Órgãos para Niterói.

32 Diario do Rio de Janeiro (RJ), 27/5/1850, nº 8408, p. 2.

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A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA

Isso foi feito em 1889 pela Companhia Cantareira e Viação Fluminense. Foi o início da decadência do
antigo sistema da Chácara do Vintém.

IV. A PAISAGEM CULTURAL DA CHÁCARA DO VINTÉM: O ENCONTRO DE DIÁSPORAS.

Lançamos acima um breve olhar sobre a grande demanda por água existente na cidade de Niterói no
início do século XIX, considerando o aumento da sua população. Falta agora examinar a questão da
retirada da cobertura vegetal, digamos, “original” dos mananciais que serviam até então para o
abastecimento público de água potável. E será exatamente sob o ponto de vista das transformações
da paisagem cultural de Niterói ocorridas ao longo do tempo, que introduziremos a questão das
jaqueiras (Artocarpus heterophyllus) existentes na Chácara do Vintém, que também retratam uma dada
temporalidade da nossa cidade. Apesar de fazer parte do cadastro de espécies arbóreas exóticas
invasoras do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBIO, elas também
contam uma história e não podem ser estudadas destacadas do seu ambiente cultural. Afinal de contas,
as jaqueiras são documentadas em Niterói desde a década de 1820. Em 1824, por exemplo,
encontramos o anúncio da venda de um sítio em “Carahy” com plantação de “bananeiras, laranjeiras,
tamarindeiras, jaqueiras, figueiras, macieiras, parreiras e hortas”33.

O dado mais importante é que em 1848, foi anunciada a venda de uma chácara em “Nictheroy, sopé
da ponte de pedra”. Tinha “laranjeiras da China”, “mil pés de enxertos de seletas, limas, limões doces,
azedos, natal, etc.”, além de “frutas do conde, figueiras, pessegueiros, mangueiras, cajueiros, maçãs,
jacas, castanhas do Pará, çapoti, araçás da Índia”34. O detalhe é que a “ponte de pedra” ali mencionada
é a ponte de alvenaria mais antiga de Niterói de que documentalmente se tem notícia. Fica no largo de
São Lourenço e ainda hoje está de pé, tendo sido construída em 1820 sobre o Rio dos Passarinhos,
no cruzamento das ruas São Lourenço, Benjamin Constant e da Soledade (fig. 5). Logo, como tal
chácara contendo as tais jaqueiras é a primeira à esquerda no “sopé da ponte de pedra”, podemos
afirmar com segurança que as jaqueiras estão ali no morro de São Lourenço, onde está situada a
Chácara do Vintém, pelo menos desde 1848.

33 Diario do Rio de Janeiro (RJ), 3/1/1824, nº 2, p. 2.


34 Diario do Rio de Janeiro (RJ), 15/1/1848, nº 7698, p. 4.

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A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA

Fig.6: Guarda corpo da “ponte de pedra” com o morro de São Lourenço ao fundo.

Os anúncios em jornais revelam que as jaqueiras valorizavam as propriedades senhoriais do Rio de


Janeiro, indicando um determinado gosto da elite que nos tempos coloniais significava prosperidade e
abastança. Aliás, as saborosíssimas frutas exóticas como a jaca vinham de todas as conquistas
ultramarinas, dos lugares mais distantes, e influenciaram a alimentação e a culinária portuguesa na
época moderna, diversificando a mesa e os banquetes daqueles grupos específicos mais favorecidos
da sociedade colonial35. Os jesuítas criaram ainda no século XVI no Brasil o primeiro viveiro dessas
frutas tropicais na Quinta do Tanque, na Bahia, além de especiarias, plantas comerciais e vegetais
medicinais36. Com o tempo, as frutas tropicais passaram a fazer parte não somente do embelezamento
das mesas e dos quintais, revelando um esprit de finesse dos seus proprietários. Numa carta datada
de 14 de julho de 1774, o arcebispo da Bahia pedia ao Secretário de Estado e Ultramar Martinho de
Mello e Castro que remetesse “arvores de café, canela e jaca, para serem plantadas no seu jardim”37.

No final do século XIX, na mesma página do jornal “O Fluminense” que anunciava o aluguel de uma
“negrinha própria para andar com crianças”, ou de “uma preta que cosinha e engoma”, H. Rossigneux
participava do leilão de “uma linda colecção de plantas frutíferas, ornamentos, etc”. Entre as ameixas
do Japão, abacates roxos, abricot, ameixas do Pará, jambo rosa e camboim de São Paulo, estava a
“jaca molle”38. Em 1888, foi anunciada a venda de uma propriedade no morro do Cavalão com

35Cf. CASTELO-BRANCO, Fernando. A Expansão Portuguesa e a Culinária. Lisboa: Petrogal, 1989; ROCHA, Rui.
A Viagem dos Sabores. Ensaio sobre a História da Alimentação (séculos IX-XIX) Seguido de 100 Receitas em que
Vários Mundos se Encontram. Lisboa: Inapa, 1998.
36 ANTONY, Philomena Sequeira. Relações internacionais: Goa-Bahia: 1675-1825. Brasília: FUNAG, 2013, p. 120.
37 Arquivo Histórico Ultramarino, PT/AHU/CU/005-001/0046/08656.
38 O Fluminense (RJ), 5/11/1882, nº 698, p. 4.

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A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA

“laranjeiras, limeiras, jaboticabeiras, jaqueiras, caffeiros e outras diversas arvores fructiferas”39. O


interesse das elites senhoriais pelas jaqueiras e de outras árvores exóticas possuem interesse para o
patrimônio histórico nacional pelo contexto em que foram incorporadas nas construções residenciais
do século XIX. Em trabalho publicado em 1968 sobre as residências oitocentistas de Vassouras, no Rio
de Janeiro, Augusto C. da Silva Telles diz o seguinte:

Todas essas residencias, tanto térreas quanto assobradadas, salvo raras exceções
(...), dispõem-se à beira dos logradouros, na frente ou ao lado de grandes e imensos
quintais e pomares, muitos deles com belo tratamento paisagístico, caminhos
empedrados com bancos marginais aléas de bambus, escadarias de pedra e
‘plateaux’, vencendo os desníveis do terreno, todo êle coberto de árvores frutíferas,
mangueiras, jabuticabas, jaqueiras, etc., como por exemplo, a chácara que existiu
junto à casa do Barão de Vassouras, a da casa à Rua Visconde de Araxá 36, e a
chácara da Hera.40
Há uma grande semelhança com a descrição do Lyceo Tintori, um estabelecimento de ensino criado
na Chácara do Vintém após o falecimento de José Caetano de Andrade Pinto em 1853:

(...) um novo estabellecimento litterario para a educação da juventude, sob a


denominação Lyceo Tintori, na cidade de Nictheroy, chácara do fallecido Exm.
Conselheiro José Caetano Andrade Pinto, entrada pela praça do Chafariz n. 3,
canto da rua Diamantina.

Este local é um dos melhormente escolhidos para um estabellecimento desse


gênero: ampla chácara em uma eminência, grande casa, livre dos rumores
estranhos, longas alamedas de arvores frondosas e fructiferas, lindos passeios pelo
interior da chácara, vistas aprazíveis, água a mais pura por ser próxima à sua
vertente, e mais que tudo isso a salubridade do ar. (...).41
As jaqueiras e seu fruto representavam historicamente, portanto, sinal de riqueza, bom gosto e fartura.
Por isso se faz necessário empregar aqui o conceito técnico de paisagem cultural, ou seja, aquele
utilizado pela UNESCO para designar a interação de elementos naturais com a ação humana que deles
fazem parte integrante e indissociável42. Nesta perspectiva, as pesquisas preliminares indicam que a
histórica interação do homem com a natureza criou uma paisagem cultural que deve ser compreendida
e preservada ali na Chácara do Vintém. E isso inclui, por certo, as jaqueiras ali existentes, e que não
constituem a única intervenção humana feita naquele bioma. Repito que tudo ali – incluindo a flora,
exótica ou não – conta uma história.

A primeira interação do homem com o seu redor naquele lugar ocorreu com os povos sambaquieiros
há milhares de anos. Eram povos coletores (de moluscos, frutos, sementes e raízes), pescadores e
eventualmente caçadores, que percorriam a costa brasileira e deixaram os seus vestígios em colinas

39 O Fluminense (RJ), 19/12/1888, nº 1646, p. 2.


40TELLES, Augusto C. da Silva. Vassouras (Estudo da Construção Residencial Urbana). In: Revista do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura, 1968. Vol. 16, pp. 71-71.
41 Jornal do Commercio (RJ), 28/12/1853, nº 358, p. 4.
42 Portaria do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, número 127, de 30 de abril de 2009,
artigo 1º: Paisagem Cultural Brasileira é uma porção peculiar do território nacional, representativa do processo de
interação do homem com o meio natural, à qual a vida e a ciência humana imprimiram marcas ou atribuíram
valores.

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A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA

formadas pela acumulação de restos de alimentos como peixes e moluscos, além de artefatos de pedra,
restos de fogueira, matéria corante, resíduos de carvão etc.43. Trata-se, a toda evidência, de uma
interferência humana no Meio Ambiente que ocorreu também ali na Chácara do Vintém. O estudo
técnico realizado pela arqueóloga que acompanhou o trabalho de campo abordará esse tema
especificamente. Mas eu gostaria de destacar desde logo o trabalho feito em 1955 por Antônio Teixeira
Guerra, indicando que “Na Chácara do Vintém, atrás do atual Hospital Antônio Pedro, localizou também
um depósito conchífero cuja extensão não pôde determinar devido à existência de uma cobertura
vegetal”44. Isso não deixa dúvidas de que as assim chamadas “águas da Chácara do Vintém” e que
foram canalizadas no Oitocentos para atender à população niteroiense, já atraíam o homem para o seu
entorno há milênios atrás para aquela localidade.

Dito isso, não podemos pensar a preservação do bioma local sem a necessária discussão sobre a
interação dela com o homem desde o período pré-colombiano, incluindo na análise os seus
indissociáveis elementos sociais e culturais. Isso porque o embelezamento das chácaras não era o
único uso da jaqueira feito naquela temporalidade, quero dizer, o seu aproveitamento não era voltado
unicamente para as elites. E com isso introduzimos a questão da comunidade tradicional do entorno
da Chácara do Vintém, entendida como a “população local vivendo em estreita relação com o ambiente
natural, dependendo de seus recursos naturais para a sua reprodução sociocultural, por meio de
atividades de baixo impacto ambiental”45. Mas quem seria a comunidade da Chácara do Vintém? Assim
como o comendador José Caetano de Andrade Pinto fora lembrado por ocasião da desapropriação das
suas terras que ali na verdade era uma “sesmaria dos índios”, nós também não podemos nos esquecer
dessa circunstância fundante da sociabilidade local. Há suspeitas de que foram os povos originários
que deram o nome àquela localidade. A “chácara” fazia parte de uma porção muito maior chamada
antigamente de morro do Vintém, nome dado a um prolongamento numa das vertentes do morro de
São Lourenço, na fronteira com o antigo morro da Pedreira. E apesar daquela localidade estar
comumente relacionada ao preço então cobrado pelo balde ou pote d’água – o “vintém” – , há também
a curiosa hipótese da origem tupi-guarani deste toponímico, o que teoricamente explicaria a existência
de tantos “morros do vintém” espalhados pelo país afora. É o que diz um artigo no jornal “O
Fluminense”, de 26 de abril de 1907:

Os tupys e guaranys chamavam a toda elevação de terreno – monte, oiteiro, morro,


etc., de Ybitin, palavra composta de Ybi – terra; tin – nariz, isto é, proeminência,
morro. A voz Ybi perde na transposição para o portuguez a primeira sillaba – Y.
Exemplo: de ibibóca fez bibóca que significa terra esburacada: de ibi-bog. Assim
pois, Ybitin, por aphareses tornou-se Bitin.

É muito conhecido o costume portuguez de mudar o b em v ou vice-versa, de modo


a pronunciarem elles bassoura ou vassoura indistintamente.

43KNEIP, Lina Maria. Histórico das Pesquisas. In: Pesquisas Arqueológicas no Litoral de Itaipú, Niterói- Rio de
Janeiro. Rio de Janeiro: Editora Gráfica Luna Ltda, 1978, pp. 52-53.
44Apud BELTRÃO, Maria da Conceição. Pré-história do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Forense
Universitária/Instituto Estadual do Livro, 1978, p. 173.
45 BRASIL. Lei 11.428/2006, Art. 3º, Inciso II.

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A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA

Deste modo Bitin passou a ser pronunciado Vitin. O som de ambos os ii deste
vocabulario é, em guarany anasalado e assim passaria para o portuguez Vintin,
donde Vintém sem maior esforço.

Parece, pois, que a generalidade dos morros com este nome, tem esta origem tupy-
guarany”46.
Quando o chefe Temiminó Araribóia atravessou com a sua gente para o lado de cá da baía de
Guanabara e se fixou nas cercanias do morro de São Lourenço, em 22 de novembro de 1573, o
aldeamento jesuítico de São Lourenço passou a abrigar também os vencidos nas batalhas sangrentas
travadas, como espólio das guerras de conquista que se seguiram pelo litoral até a tomada de Cabo
Frio, em 1575, pelas tropas Antônio Salema. O governador cumpriu fielmente o “Regimento de Tomé
de Sousa”, dado pelo rei D. João III em 17 de dezembro de 1548, recomendando que fizessem guerra
contra os povos originários, “destruindo-lhes suas aldeias e povoações e matando e cativando parte
deles que vos parecer que basta para seu castigo e exemplo”47. Um relato dramático do genocídio
daquelas expedições foi publicado em 1576 pelo padre Inácio de Tolosa:

“(...) Causou grande pena ao Padre ver matar tanta gente com tanta crueldade, sem
poder dar remédio a suas almas, porque ainda que procurava instruir alguns para
logo os batizar, a pressa e a fúria com que os matavam era tanta que não lhe deram
lugar para o que desejava. É verdade que muitos escravos dos brancos, que
andavam entre os Tamoios, se confessaram com o Padre e ao perecer morreram
conformes com a vontade de Deus (...). Outra coisa, que deu muita tristeza do
Padre, foi ver as mulheres e filhos dos mortos, juntos, e repartirem-nos pelos
Portugueses, apartando a mãe do filho e o filho da mãe: uns iam para S. Vicente e
outros pra o Rio de Janeiro. E era tão grande o pranto que quebrava os corações
de quem no ouvia. Depois de alcançar a vitória desta Aldeia, todas as mais do Cabo
Frio se despovoaram e acolheram aos matos, mas o Governador foi em sua busca,
prosseguindo a sua vitória, matando uns, capturando outros. E assim os cativos
seriam por todos obra de quatro mil”48.
Os sobreviventes, idosos, mulheres e crianças de diversas aldeias que haviam sido destruídas pelo
caminho, foram levados para o aldeamento de São Lourenço. O padre José Anchieta chegou a contar
“160 aldeias incendiadas, mil casas arruinadas pelas chamas devoradoras” em seu De Gestis Mendi
de Saa (“Os Feitos de Mem de Sá), publicado em 1563. Como essa obra foi escrita antes da tomada
da baía de Guanabara pelos portugueses em 1567, podemos concluir que a matança foi ainda muito
maior. Pesquisas recentes sugerem que Niterói ou “Nheteroia” era o nome tupi de uma dessas aldeias
tupinambás destruídas pelos portugueses em seu trajeto até Cabo Frio, pois está mencionada por
Anchieta no “Auto de São Lourenço” junto com outras que foram atacadas49. Portanto, Niterói ou a
“água escondida” que dá nome à Unidade de Conservação Integral – UCI –, Parque Natural Municipal
da Água Escondida, onde está inserido o sistema de abastecimento de água da Chácara do Vintém,

46 O Fluminense (RJ), 26/4/1907, nº 6617, p. 2.


47Apud FREIRE, José Ribamar Bessa, MALHEIROS, Márcia Fernanda. Aldeamentos indígenas do Rio de Janeiro.
Rio de Janeiro: EdUERJ, 2009, p. 53.
48Apud BELCHIOR, Elysio de Oliveira. Conquistadores e Povoadores do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Livraria
Brasiliana Editôra, 1965, pp. 457-458.
49 SILVA, Rafael Freitas da. O Rio antes do Rio. Rio de Janeiro: Babilonia,Cultural Editorial, 2015, p. 242.

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A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA

possui o registro de uma história de violência que não pode mais, num trocadilho inevitável, permanecer
“escondida”.

Mesmo com sucessivas leis portuguesas e breves papais proibitivos da escravização dos povos
originários, em Niterói eles foram largamente empregados como mão de obra cativa. Sobretudo depois
da invasão holandesa em Angola, que cortou o suprimento de africanos escravizados para cá. Foram
chamados de “gentio da terra” para diferenciá-los dos africanos ou “gentio de Guiné”, cuja escravização
havia sido iniciada no século XV. Assim, em 7 de julho de 1669, encontramos o batizado de Luziana
na igreja de São João Batista de Icaraí, filha de Francisca, do “gentio da terra”, pertencente a Francisco
Furtado50. Na mesma igreja foi batizada Lionor em 3 de outubro de 1671, filha de Victoria, do “gentio
da terra”, propriedade do alferes André Gomes Lobo51, com pai português.

A empresa colonial portuguesa no Rio de Janeiro foi em seu início direcionada tanto para a expulsão
dos hereges franceses e do seu corso, quanto à repressão dos povos originários seus aliados. Para
marcar essa violência primeira em nossa formação social é que retomo aqui a antiga distinção entre
aldeia e aldeamento52, ou seja, entre o que havia antes e depois da chegada dos europeus e o seu
projeto colonial. Não obstante essa violência na qual está fundada a sociedade fluminense, o
aldeamento de São Lourenço se tornou um espaço de intensa troca cultural dos povos originários em
busca de fortalecimento mútuo e resistência frente ao colonizador, desde quando foram para ali
conduzidos os membros de várias etnias distintas. Se o Meio Ambiente não é algo fixo e imutável, a
cultura e a etnicidade também não são53.

Com os colonizadores vieram os engenhos de cana e mais tarde os cafezais em toda a região de São
Lourenço. A julgar pela vizinhança do comendador José Caetano Andrade Pinto, havia cafezais no
morro do Vintém, seguindo o fenômeno idêntico verificado noutros morros de Niterói desde a introdução
do “ouro negro” no Rio de Janeiro ainda em finais do século XVIII. Prova disso é que, em março de
1839, José da Silva Leal colocou à venda a sua “chácara” na cidade de Niterói, situada “em terras dos
Índios”, quer dizer, na sesmaria de São Lourenço dos índios, com casas novas e grandes e com “terras
de plantar café”. O local exato era “junto à chácara do Sr. José Caetano Andrade Pinto”54. Isso indica
que o bioma original da Mata Atlântica na Chácara do Vintém, como tantos outros pelo Brasil afora, foi
alterado drasticamente há bastante tempo pela introdução humana de outras plantas exóticas como a
cana-de-açúcar e, em seguida, o café. Pelo viés da história ambiental, portanto, o café e as jaqueiras
estavam lado a lado em Niterói.

50 LUZIANA, 7/7/1669, Livro de Batismos de São João Batista de Icaraí, 1680-1682.


51 LIONOR, 3/10/1671, Livro de Batismos de São João Batista de Icaraí, 1680-1682.
52AZEVEDO, Aroldo de. Aldeias e aldeamentos de Índios. In: Boletim Paulista de Geografia, out. 1959, nº 33, pp.
24-40.
53 Portaria nº 127, 2009, do IPHAN, artigo 3º: “A chancela da Paisagem Cultural Brasileira considera o caráter
dinâmico da cultura e da ação humana sobre as porções do território a que se aplica, convive com as
transformações inerentes ao desenvolvimento econômico e social sustentáveis e valoriza a motivação responsável
pela preservação do patrimônio”.
54 Jornal do Commercio (RJ), 14/3/1839, nº 61, p. 4.

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A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA

E como “o café era o negro”, como então se dizia, é preciso falar da importante presença negra
especificamente na Chácara do Vintém. Em 1846, foi feito um anúncio por José Joaquim de Azevedo
Coutinho, “morador na chácara do conselheiro José Caetano Andrade Pinto”:

A JOSE Joaquim de Azevedo Coutinho, morador na chácara do conselheiro José


Caetano Andrade Pinto, em Nictherohy, ao pé do chafariz, fugirão, em 16 do
corrente mez de agosto, dous pretos de nação Congo: um de nome Jacintho, alto,
retinto, reforçado de corpo, bonito e bem feito de pés, outro de nome Julio, de altura
ordinária, fino de corpo, meio fula, com alguns signaes miúdos de bexigas: foram
vestidos de calça de riscadinho azul de enfiar, e camisa de algodão americano: que
os entregar na mesma chácara ao dito Coutinho será bem recompensado55.
José Joaquim de Azevedo Coutinho era o administrador da chácara de José Caetano Andrade Pinto,
era o seu capataz. Além de disciplinar as senzalas e trazer os escravizados fugitivos de volta, como
eram Jacintho e Julio, era sua função vender os produtos da Chácara do Vintém, tais como: “adobo,
barro de optima qualidade, pedra, cascalho e terra vegetal propria para jardins e hortas, e manda
conduzir ao lugar indicado pelo comprador, querendo, tudo por preços razoáveis”56. Reparem que ele
oferecia os serviços de entrega desses produtos de porta em porta do mesmo modo como fazia com
as águas antes de serem desapropriadas. Apenas para se ter uma noção dos valores praticados, o
procurador da câmara chegou a pagar ao comendador 140$000 réis por 100 carros de pedra em
185257.

Noutro anúncio, José Joaquim de Azevedo Coutinho vendia “cantaria muito bem acabada, pedra de
alvenaria, barro de optima qualidade para construcção, terra vegetal propria para canteiros, e muito
bom adobo; o que se conduz a quem assim ajustar”58. Encontramos neste último anúncio mais uma
menção à entrega em domicílio. É possível que o comendador tenha recorrido ou incrementado a venda
desses produtos da sua chácara após ter a sua principal fonte de renda desapropriada pelo governo
provincial, fazendo com que ele alterasse consequentemente a mão de obra empregada em tais
serviços. Deixaria aqueles mais pesados aos escravizados por ele comprados, como Jacintho e Julio,
e o de transporte de mercadorias pela cidade para os “africanos livres” adquiridos de graça e cujos
ganhos nas ruas pagariam as suas despesas que deveriam ser pagas pelo concessionário, no caso,
por Andrade Pinto.

Os “africanos livres” eram um bom negócio para a elite política que dominava aquele sistema de
concessões, da qual fazia parte o camarista de D. Pedro I e “gentilhomem” José Caetano Andrade
Pinto. Eram uma boa alternativa para o aumento cada vez maior do preço dos escravizados após a
proibição do tráfico negreiro, sobretudo após 1831. E mesmo o trabalho mais bruto exigia dos
escravizados um grau de especialização que os tornavam valiosos, como eram os “cavoqueiros”,
aqueles escravizados responsáveis por fazerem os “cavóucos” na rocha com ponteiras de ferro com a
finalidade de parti-la em frações cada vez menores. É possível ver alguns sulcos na parede rochosa

55 Jornal do Commercio (RJ), 21/8/1846, nº 231, p. 6 (suplemento).


56 Jornal do Commercio (RJ), 13/5/1846, nº 132, p. 4.
57 Diario do Rio de Janeiro (RJ), 25/9/1852, nº 9105, p. 2.
58 Jornal do Commercio (RJ), 15/4/1849, nº 104, p. 4.

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próxima ao aqueduto que leva ao último reservatório da Chácara do Vintém que são vestígios do
trabalho destes escravos “cavoqueiros” (fig. 7).

Fig. 7: Sulco ou “cavuco” na rocha ao lado do reservatório da Chácara do Vintém. Acervo do autor.

Para as obras públicas, a Câmara Municipal fazia compras de salitre e enxofre necessários para a
fabricação de pólvora utilizada nas explosões. Depois de explodida a rocha, entravam em cena os
“oficiais de pedreiro” e “serventes” para a fragmentação das pedras em dimensões ainda menores
mediante o uso de martelos e novas ferramentas de ferro, a depender da encomenda. Essa era uma
tecnologia ancestral dos povos bantos, que produziam o ferro há 2.500 anos em fornalhas aquecidas
a aproximadamente 1.200ºC, construindo para isso fornalhas com a queima de carvão. Na região ali
mais próxima à Chácara do Vintém, havia em 1841, um “preto” cavoqueiro chamado Guilherme, que
vivia vendendo os seus serviços entre São Domingos, Icaraí e Santa Rosa59.

As atividades anunciadas pelo administrador da Chácara do Vintém após a desapropriação da nascente


ocasionaram grande impacto ambiental e deixaram possíveis vestígios no local, tais como a retirada
de “terra vegetal” e de “barro”, além da exploração da pedreira da qual retirava “cascalho”, “cantaria
muito bem-acabada” e “pedra de alvenaria”. Sem falar que desde o início da colonização o local foi
alterado para a retirada de árvores para a exportação e a construção das casas e das embarcações,
além dos “matos” com os quais era feito o carvão para abastecer as casas, as forjas, os engenhos, as
olarias, as caldeiras dos barcos à vapor etc. Antonil referia-se em 1711 às fornalhas dos engenhos de
açúcar como “bocas verdadeiramente tragadoras de matos, cárcere de fogo e fumo perpétuo e viva
imagem de vulcões, Vesúvios e Etnas e quase disse, do Purgatório ou do Inferno”60. Neste ponto,
Niterói não difere de outros locais estudados61. Entretanto, havia ali uma peculiaridade: a existência de
olarias para a fabricação de panelas de barro pelas mulheres aldeadas que também consumiam as
lenhas extraídas da floresta nativa do morro de São Lourenço. Diz Maia Forte: “Havia fábricas de louça

59 Diario do Rio de Janeiro (RJ), 20/10/1841, n. 236, p. 4.


60 ANTONIL, André João. Cultura e opulência do Brasil. São Paulo: Melhoramentos, Brasília, INL, 1976, p. 115.
61Cf. OLIVEIRA, R. R. & ENGEMANN, C. História da paisagem e paisagens sem história: a presença humana na
Floresta Atlântica do sudeste brasileiro. In: Revista Esboços, Florianópolis, v. 18, n. 25, p. 9-31, 2011.

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grossa, de barro, em que eram empregadas as índias que trabalhavam com ‘assás destreza e sem
aparelhos demasiados’”.62

Tanto impacto teve a exploração das pedreiras daquela região que elas modificaram a geografia natural
e urbana local. Além da “ferida” aberta no morro que pode ser vista atualmente sem dificuldades, as
pedras e o barro retirados foram utilizadas no aterro do “porto de São Lourenço” e adjacências durante
a urbanização daquela área antes considerada insalubre, abrindo a possibilidade para o arruamento
projetado para a cidade que então se aburguesava (fig. 8). Até a chácara teve os seus limites e
confrontações alterados. Os anúncios acima referidos indicam que a chácara ficava no “largo da casa
de detenção, em frente à rua de S. João”, bem distante do atual portão de entrada, atravessada por
diversas ruas que se abriram depois do aterramento. Sem falar que a “cantaria muito bem acabada”
anunciada pelo administrador da Chácara do Vintém, além de representar um óbvio dano no gnaisse
do qual era retirada, ela requeria a forja constante de ponteiras com as quais a pedra era lavrada pelos
“canteiros” em carvoarias locais, seguindo o modelo encontrado noutras partes da Mata Atlântica
fluminense63.

Fig. 8: Pedreira. São Lourenço. Holland, S. H., c1930.

Teve impacto social também. Os “preços razoáveis” a que se refere o administrador ao vender as
pedras da Chácara do Vintém deveriam embutir o jornal a ser pago aos “africanos livres” a serviço do

62 FORTE, José Mattoso Maia. Notas para a História de Niterói, P. Cit., p. 41.
63Cf. SALES, Gabriel Paes da Silva. No caminho dos carvoeiros: estrutura da floresta em um paleoterritório de
exploração de carvão no Maciço da Pedra Branca, RJ. Dissertação (mestrado)–Pontifícia Universidade Católica
do Rio de Janeiro, Departamento de Geografia e Meio Ambiente, 2016, 153f.

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comendador Andrade Pinto. Sabemos que ele tinha pelo menos 4 deles na Chácara do Vintém:
Hermenegildo, Acacio, Joanna e Aleixo. Os assim chamados “africanos livres” eram todos aqueles
africanos escravizados e trazidos para o Brasil após a lei de 7 de novembro de 1831, cujo artigo primeiro
estabelecia: “Todos os escravos, que entrarem no territorio ou portos do Brazil, vindos de fóra, ficam
livres”. Daí a expressão. Pelas instruções de dezembro de 1834, depois de apreendidos no tráfico ilegal
ainda no mar ou logo após o desembarque, eram levados para a Casa de Correção e os seus serviços
arrematados por concessionários, “pessoas de reconhecida probidade e inteireza”, escolhidos
diretamente pelo juiz de órfãos. Podiam ser empregados por particulares ou utilizados em obras
públicas, mediante uma remuneração previamente estipulada pelo governo por um determinado tempo.
Recebiam em troca dos seus serviços roupas, comida e cuidados médicos básicos, e a sua
remuneração ficava retida num fundo pelo concessionário para custear o retorno para a África.

Isso pelo menos em tese. Na prática eram reescravizados. Beatriz Mamigoniam esclarece que entre
1834 e 1838, 82% dos africanos livres foram destinados a particulares, e os outros 18% para os serviços
públicos. O cálculo foi feito a partir das matrículas de 955 “africanos livres” oriundos de “carregamentos”
apreendidos naquele período. Três em cada quatro homens foram concedidos a particulares64.
Podemos supor, com base nesses dados, que em 1836, quando Hermenegildo e Acacio foram
transferidos juntos para o comendador que os pretendia para trabalharem em sua “Chácara” em
Niterói65, foi muito possivelmente para serem empregados nos serviços particulares de fornecimento
de água potável em carroças pelas ruas da cidade, já que a desapropriação das águas pelo governo
provincial só se efetivaria anos depois, em 1840. Não nos foi possível, neste momento, encontrar
africanos livres trabalhando nas obras públicas de construção dos equipamentos do sistema de
abastecimento de água da Chácara do Vintém, o que requer mais tempo para a pesquisa. Sabemos,
entretanto, que foram utilizados na construção da “estrada nova de Itaipú” em 185766. Por isso, a título
de hipótese provisória, talvez fossem os “africanos livres” Hermenegildo e Acácio que abasteciam as
carroças-pipas de água e as levavam de casa em casa pelas ruas da cidade por ganho, a um custo
que compensava muito mais ao comendador do que a compra de africanos escravizados como os
congoleses Jacintho e Julio. A venda de água pelas ruas foi substituída pela venda de pedras e terra
após a desapropriação das águas da Chácara do Vintém. Mesmo com a indenização, a perda de receita
modificou diretamente a força de trabalho empregada visando à redução dos custos.

Encontramos o total de 24 pessoas nas senzalas de José Caetano Andrade Pinto entre 1826 e 1856:
os 4 “africanos livres” de que já falamos, além de outros 18 africanos escravizados e 2 crioulos. Deste
grupo, eu chamaria a atenção para as famílias escravas da Chácara do Vintém. Num único dia, em 29
de julho de 1832, foi realizada a cerimônia coletiva de casamento de Miguel Cabinda com Escolástica
Conga, Faustino Cabinda com Euzébia Benguela e Antônio Cabinda com Angela Ganguela, todos
adquiridos por José Caetano Andrade Pinto possivelmente um pouco antes da proibição do tráfico de

64MAMIGONIAN, Beatriz G. Africanos Livres: a abolição do tráfico de escravos no Brasil. São Paulo: Companhia
das Letras, 2017, p. 302.
65 Correio Official (RJ), 9/1/1837, nº 6, p. 1.
66 Jornal do Commercio (RJ), 27/1/1859, nº 27, p. 6.

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africanos ocorrida no ano anterior67. Em 18 agosto de 1833, celebrou-se o casamento entre Manoel
Benguela e Maria Thereza Cassange, também pertencentes ao comendador. Eram famílias africanas
do grande grupo banto do Congo-Angola, que deixaram as senzalas coletivas do comendador para
formarem unidades domésticas relativamente autônomas na Chácara do Vintém. E as jaqueiras, assim
como as bananeiras, a pequena roça de mandioca, as galinhas no terreiro, eram parte dessa economia
doméstica autônoma. E não só isso. Esses 4 casais de africanos deixaram ali aspectos importantes
dos seus hábitos, sua cultura material e suas cosmologias. Esses dados historiográficos devem ser
tratados à luz de uma historiografia cada vez mais voltada para os estudos específicos sobre a família
escrava68. Para efeito deste estudo preliminar, releva compreender o papel dessas famílias e de seus
descendentes na formação social das comunidades locais, e na relação histórica delas com aquele
ambiente.

Os africanos, livres ou não, vieram se juntar ali aos povos originários que habitavam toda a região. E
neste movimento de transformação cultural ou “abertura” pelo qual passaram os povos originários
fluminenses, a mistura não se deu somente entre as culturas nativas de diferentes lugares e etnias. O
aldeamento e a senzala também foram lugares do encontro das vítimas de dois genocídios que
aconteciam nos dois lados do Atlântico: o dos povos originários brasileiros e dos povos africanos. O
encontro de duas diásporas, dois exílios, dois deslocamentos forçados pela violência colonizadora. Foi
o caso de Phelipe, filho de Maria e de Antônio, ambos escravos do “gentio de Guiné”, batizado na igreja
de São João de Icaraí em 13 de maio de 1670, e que teve como madrinha “Joanna da Terra”, escrava
do capitão Teotônio da Silva69. E também de Matheus, filho natural de Maria, do “gentio de Guiné”, que
foi batizado na mesma igreja em 24 de setembro de 1672, tendo como padrinhos Bernardo e Anna,
ambos designados como de “gentio da terra”70. Os descendentes dos povos originários conviveriam ali
com os escravizados africanos e seus descendentes também no século XVIII. Eu chamaria atenção
para o batizado de Reginalda, em primeiro de maio de 1786, realizado na igreja de São Lourenço,
existente na “sesmaria dos índios”. Ela era filha natural de Rosa, “preta de nação Banguella”, escrava
de Maria Francisca Coelha71. Rosa teve ainda pelo menos outras duas filhas ali: Bernarda, batizada
em 26 de junho de 178872, e Felicidade, em 6 de setembro de 179073. Apesar de serem filhas “naturais”,
ou seja, nascidas de uma união não reconhecida pela Igreja Católica, é evidente que Rosa e suas filhas
formavam uma família ali em São Lourenço a partir de novas estratégias de configuração que não
levavam em conta apenas a linhagem ou a etnicidade como na África. Os padrinhos de Reginalda eram

67 MIGUEL, 29/7/1832, Livro de batismos de São João Batista de Icaraí, 1789-1855.


68Cf. SLENES, Robert W. Na senzala uma flor: esperanças e recordações na formação da família escrava: Brasil
Sudeste, século XIX. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2011; FLORENTINO, Manolo, GÓES, José Roberto. A
paz nas senzalas: famílias escravas e tráfico Atlântico, Rio de Janeiro, c. 1790-c. 1850. São Paulo: Editora Unesp,
2017.
69 PHELIPE, 13/5/1670, Livro de Batismos de São João Batista de Icaraí, 1660-1682.
70 MATHEUS, 24/9/1672, Livro de Batismos de São João Batista de Icaraí, 1660-1682.
71 REGINALDA, 1º/5/1786, Livro de Batismos-matrimônios de São Lourenço dos Índios, 1774-1863.
72 BERNARDA, 26/6/1788, Livro de Batismos-matrimônios de São Lourenço dos Índios, 1774-1863.
73 FELICIDADE, 6/9/1790, Livro de Batismos-matrimônios de São Lourenço dos Índios, 1774-1863.

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também “pretos”; os de Bernarda eram Felipe, “pardo”, e Anna “preta forra”, mãe de Felipe; e os
padrinhos de Felicidade eram Garcia Roiz, “preto forro”, e Antonia “crioula”.

Com efeito, o intercâmbio cultural entre africanos e os povos originários aconteceu em todas as
freguesias da cidade e excedeu as relações de compadrio, favorecendo a formação de casamentos
exogâmicos que geraram descendência miscigenada. A título de ilustração, foi o que aconteceu na
vizinha freguesia de Nossa Senhora do Bonsucesso de Piratininga, com o batizado de João, ocorrido
em 9 de setembro de 1682, filho de Francisco do “gentio de Guiné” e de sua mulher Domingas, do
“gentio da Terra”, todos eles escravos de Leonor da Silva74.

No século XVIII, o aldeamento jesuítico de São Lourenço abrigava culturas de vários povos originários
do Recôncavo da Guanabara. Os registros paroquiais de óbitos da igreja de São Lourenço informam o
falecimento de Francisca “índia”, natural “da aldeia de Cabo Frio”, em 16 de dezembro de 178475; de
Antônio, filho de “uma viúva índia da aldeia de Taguahi” (aldeamento de São Francisco Xavier de
Itaguaí), em 4 de outubro de 179376; ou o óbito de Miguel, em 16 de outubro de 1798, filho de Lourenço
da Costa e Joanna Maria, “índios da aldeia de São Barnabé”77, criada em 26 de agosto de 1579 em
Itaboraí, passando em 1584 para as margens do rio Macacu. Passou a se chamar aldeamento de Vila
Nova de São José Del Rei após as reformas pombalinas, que com o seu “Diretório” proibiu o uso de
línguas originárias inclusive nos aldeamentos, a nudez e as habitações coletivas, e tornou obrigatória
adoção de sobrenomes portugueses, dentre outras medidas. Por isso encontramos no livro de óbitos
da mesma igreja de São Lourenço referências à “Vila Nova”, como no falecimento de Patronilha em 18
de novembro de 1802, filha legítima de Ignacio Pereira e Anna Maria, “indios da Aldeia da Vila Nova
[de São José Del Rei]”78, e no de Matilde, em 29 de junho de 1803, “filha de índios da Aldeia de Villa
Nova [de São José Del Rei]”79.

Não deve causar surpresa, portanto, que a “Aldeia de São Lourenço” viesse declinando ao longo do
tempo, embora tenhamos que examinar direito os motivos deste declínio. A começar pelo roubo das
suas terras, como foi no caso de José Caetano de Andrade Pinto. Por outro lado, a diminuição
demográfica, sempre apontada pelos historiadores, deve merecer um olhar cuidadoso. No final do
século XVIII ela contava com 170 adultos. Em 1820 tinha ao todo 200 habitantes, e não alcançava 150
em 1835, ano em que os políticos discutiam a necessidade premente do abastecimento de água da
cidade de Niterói. Foi neste momento que ali chegaram os “africanos livres” que se juntaram a outros
escravizados e aos remanescentes dos povos originários que habitavam a Chácara do Vintém e as
suas cercanias. Quando o aldeamento de São Lourenço foi extinto em 1866, a sua população não

74JOÃO, 9/9/1682, Livro de batismos e óbitos de escravos de Nossa Senhora do Bonsucesso de Piratininga, 1680-
1726.
75 FRANCISCA, 16/12/1784, Livro de óbitos da freguesia de São Lourenço, 1776-1864.
76 ANTÔNIO, 4/10/1793, Livro de óbitos da freguesia de São Lourenço, 1776-1864.
77 MIGUEL, 16/10/1798, Livro de óbitos da freguesia de São Lourenço, 1776-1864.
78 PATRONILHA, 18/11/1802, Livro de óbitos da freguesia de São Lourenço, 1776-1864.
79 MATILDE, 29/6/1803, Livro de óbitos da freguesia de São Lourenço, 1776-1864.

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A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA

desapareceu como num passe de mágica. O fim “formal” de um aldeamento não pode induzir ao
apagamento de toda uma população que sempre existiu e que continuou a existir ali, descendente de
africanos e dos povos originários cujas terras foram privatizadas, passando para as mãos da elite
senhorial da cidade. Esse é outro erro que não podemos repetir. Se o Recenseamento Geral do Império
indicou a existência na província do Rio de Janeiro de 7.852 “caboclos” em 1872, é preciso pesquisar
quais foram as novas identidades paulatinamente assumidas por aquela população ali historicamente
fixada, sobretudo a dos seus descendentes que foram empurrados em comunidades para as encostas
do morro de São Lourenço, da Pedreira e da Boa Vista.

V. ANCESTRALIDADE E CULTURA IMATERIAL.

Já vimos que as jaqueiras estão presentes no Morro de São Lourenço desde pelo menos 1848.
Pesquisas posteriores deverão solucionar a razão delas terem sido plantadas naquela localidade,
quando esse plantio ocorreu etc. Tudo ali necessita de pesquisas mais aprofundadas, e até que elas
aconteçam, recomenda-se que nada seja alterado. Sem falar na hipótese dela ser um bem cultural
imaterial, pois junta-se a tudo isso a informação de que as jacas foram utilizadas na alimentação dos
escravizados, um uso delas inteiramente diferente dos que vimos até aqui, geralmente relacionado ao
embelezamento das propriedades. Ocorre que elas são originárias do subcontinente indiano e há
informações de que as suas sementes teriam chegado ao Brasil no final do século XVII. Todavia, é
preciso considerar a possibilidade delas terem se espalhado pelo oceano Índico anteriormente aos
Descobrimentos, ou mesmo durante o período da expansão ultramarina portuguesa até a Ásia no final
do século XV. No “Roteiro” da viagem para as Índias feita por Vasco da Gama, quando passavam pela
primeira vez pelo litoral de Moçambique, há a descrição de “huum frutu tam grande como mellõees e o
miollo de dentro he o que comem e sabe como junça avellonada e também ha hii pipinos e mellõees
muitos, os quaes nos traziam a resgatar”80. Já no relato da recepção que tiveram os lusitanos em
Calicute em 28 de maio de 1498, consta que o samorim “mandou trazer hua fruy[ta] que he feita como
meloees salvo que de fora sam crespos mas de dentro som doces”81. O bosquejo da casca “crespa” da
fruta de grandes dimensões e de gosto adocicado em seu interior que foi oferecida na ocasião aos
portugueses não passou despercebido pelo escritor, historiador, jornalista e poeta português Alexandre
Herculano. Ele escreveu um conto intitulado “Três meses em Calicute – Primeira crônica dos Estados
da Índia (1498)”, que saiu em Portugal no jornal “O Panorama”, em 1839, e depois publicado no livro
“Lendas e Narrativas” em 1851. Foi replicado no Rio de Janeiro naquele mesmo ano dividido em três
edições do jornal “O Despertador: Diario Commercial, Politico, Scientifico e Litterario”. Diz Herculano
sobre o mesmo episódio:

Chegamos, enfim, à presença do rei de Calicute, ou samorim, como os seus lhes


chamam: estava recostado numa espécie de estrado de panos riquíssimos: da
direita tinha um grande vaso de ouro, donde um oficial da sua casa lhe dava umas
folhas de certa erva a que os mouros chamam atambor, e os naturais bétel, segundo

80VELHO, Álvaro. Roteiro da Primeira Viagem de Vasco da Gama à Índia. Porto: Faculdade de Letras do Porto,
1999, p. 53.
81 Ibidem, p. 77.

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A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA

depois soubemos, as quais o rei mascava continuamente, cuspindo-as depois em


outro vaso de ouro, que lhe ficava à esquerda. O capitão-mor logo que entrou fez
reverência ao samorim, que lhe acenou com a mão que se chegasse para ele, e a
nós mandou-nos sentar nuns degraus que havia ao redor da casa. Aí nos mandou
dar figos e uma casta de melões, a que chamão jacas, que nós, encalmados do
caminho, comemos sem cerimônia, rindo muito o samorim dos nossos gestos e
meneios (grifamos).82
Alexandre Herculano foi um dos autores da edição comentada do “Roteiro” lançado em Portugal em
1861, ou seja, é uma fonte que deve ser olhada com bastante atenção. Pois aquelas frutas grandes
como melões que eram desconhecidas pelos portugueses no século XV, já tinham um nome bastante
conhecido no século XIX: eram jacas. Com isso, elas podem muito bem ter se juntado a outras frutas
centro-orientais africanas, levadas da Índia para lá em séculos de comércio marítimo pelo Oceano
Índico. Algo parecido ocorreu com a banana-da-terra, incorporada à dieta dos povos bantos da África
Oriental ao entrarem em contato com o povo Malagasy, que veio das Ilhas Bornéu, na Indonésia. E
também com o inhame, o frango e até a cana-de-açúcar . De modo que até hoje as jacas lá
permanecem, pois numa rápida entrevista com um professor e pesquisador moçambicano atualmente
residente no Brasil, foi-me confirmado que ainda é uma fruta muito consumida em Sena, na província
de Sofala, e que até mesmo as suas sementes são aproveitadas e transformadas em farinha. Pois
bem. Seguindo esta linha de raciocínio, pode ser que os povos bantos, principalmente os de
Moçambique, tenham incorporado as jacas na sua base alimentar antes de virem escravizados para as
Américas.

Portanto, se é verdade que as jacas também foram difundidas como alimento potencialmente farto e
barato a ser dado aos escravizados pelos seus senhores aqui no Brasil, do mesmo modo como a fruta-
pão (Artocarpus altilis) nas colônias britânicas no século XVIII, reduzindo os custos da lavoura cafeeira
em franca expansão desde a virada para o século XIX, isso deve ser investigado mais a fundo. Enfim,
tudo são hipóteses que carecem de estudos de maior envergadura. Porém, de fato a necessidade
crescente por mão de obra escravizada para acompanhar a demanda de café no mercado internacional
coincidiu com a chegada aqui no Rio de Janeiro dos primeiros africanos da costa oriental numa rota
regular do tráfico em 1797. As exportações de café passaram de 160 arrobas em 1792 para 318 mil
em 1817, 539 mil em 1820, quase 2 milhões em 1830 e 3.237.190 em 1835. Neste mesmo período, a
exportação de africanos escravizados de Moçambique passou de 15 expedições negreiras entre 1795
e 1811, para 235 depois desse ano, representando um aumento de 1.567%, contra o incremento de
271% da África Ocidental. O Rio de Janeiro, aliás, foi o principal porto de destino americano dos navios
negreiros que partiram de Moçambique no século XIX. Segundo Herbert Klein, 85 das 430
embarcações que chegaram ao porto do Rio entre 1825 e 1829 vieram de Moçambique . Muitos deles
eram “africanos livres”, como no caso da carga humana do brigue Ganges, apreendido pelo navio inglês
Gracian perto de Cabo Frio com 419 africanos a bordo, tendo embarcado 463 no porto de Quelimane
em 1839. Desse total, 386 acabaram emancipados, o que significa que pelo menos 77 pessoas

82 O Despertador: Diario Commercial, Politico, Scientifico e Litterario (RJ), 21/3/1839, nº 290, p. 2.

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A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA

perderam a vida antes de obterem a liberdade, sem contar os que morreram antes do embarque na
África.

É claro que todo esse gigantesco deslocamento de pessoas teve reflexos na demografia e na
sociabilidade da freguesia de São Lourenço dos Índios, onde ficava a Chácara do Vintém. Encontramos
nos registros paroquiais da freguesia de São Lourenço a presença de africanos orientais de propriedade
de alguns dos arrendatários da “sesmaria dos índios” como, por exemplo, de Honorata, “nação
Moçambique”, pertencente a Joaquim Pedro, em 15 de julho de 1854; de Antônio Moçambique, que
faleceu com mais de 60 anos, pertencente a João Pinto Drumond, em 14 de maio de 1854; de José
“nação Moçambique”, escravizado de Maria Roza da Conceição, falecido em 10 de agosto de 1858; e
outro Antônio Moçambique, que morreu em 7 de maio de 1859, este com 40 anos, de propriedade de
Chrispim José de Souza. Por fim, na chácara de São Lourenço à esquerda da “ponte de pedra” que
mencionamos mais acima, contendo jaqueiras entre tantas outras árvores frutíferas em 1848, havia
“cômodo para pretos” (senzalas). Além da economia doméstica, havia todo um cotidiano citadino negro
em torno da jaca, com saberes e fazeres a ela relacionados, como nos revela a notícia da fuga no
Andaraí de Marianna Angola em 1851, muito possivelmente uma “escrava de ganho” que vivia da
atividade de “vender jacas” pelas ruas.

Fiz essa breve digressão para dizer, finalmente, que as jaqueiras da Chácara do Vintém não podem
ser analisadas isoladamente em seu aspecto florístico, neste caso, pertencentes a uma espécie exótica
e invasora da Mata Atlântica. A despeito da composição paisagística das chácaras do século XIX pelas
jaqueiras, do que resultaria um interesse histórico, se há os indícios de que as jacas foram empregadas
na alimentação de africanos, seja na África ou mesmo no Brasil, isso poderá caracterizar uma cultura
imaterial relacionada à ancestralidade africana e à identidade negra, ensejando a sua proteção como
uma propriedade imaterial, segundo o artigo 216 da Constituição Federal. O movimento negro, aliás,
deverá ser consultado a esse respeito. No caso específico das jaqueiras da Chácara do Vintém, elas
estão intimamente relacionadas com o cotidiano de uma comunidade escrava desde pelo menos a
primeira metade do século XIX, formada pelas famílias de Miguel Cabinda e Escolástica Conga, de
Faustino Cabinda e Euzébia Benguela, de Antônio Cabinda e Angela Ganguela, e de Manoel Benguela
e Maria Thereza Cassange, para citar apenas alguns nomes. E caso seja confirmada essa hipótese,
as jacas não poderão ser privadas da comunidade com a qual está historicamente implicada, cuja
comensalidade remete às tradições culturais e religiosas ligadas aos seus ancestrais. Segundo Antônio
Carlos Diegues,

é imperioso que estes planos de manejo percam o seu caráter autoritário e


tecnocrático, passando a ser um processo de integração gradativa do
conhecimento, dos fazeres e das técnicas patrimoniais nas tomadas de decisões
sobre o uso do espaço por longo tempo habitado e usado pelo morador tradicional83
As jacas podem fazer parte da cultura de uma parcela significativa dos africanos que as consumiram
antes e depois de atravessar o Atlântico até chegar ali na Chácara do Vintém. E elas podem ter sido

83 DIEGUES, Antônio Carlos Santana. O mito moderno da natureza intocada. Op. Cit., p. 72.

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A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA

parte do cotidiano de uma comunidade tipicamente banto que foi “recriada” ali naquele lugar, para
utilizarmos a expressão do historiador James Sweet, para quem “a crioulização que de facto ocorreu
nas comunidades escravas brasileiras registrou-se principalmente entre vários grupos étnicos centro-
africanos que tinham muitas concepções culturais e linguísticas em comum”84. A Chácara do Vintém
foi o lugar da escravização de muitas pessoas ao longo dos séculos, mas também de estratégias de
resistência e do aquilombamento, como no caso da fuga de Jacintho e de Júlio dos grilhões de José
Caetano de Andrade Pinto. Fugiram-lhe também José Umbie, em 26 de julho de 1838, e os “africanos
livres” Hermenegildo Benguela, em 6 de março de 1842, e Joanna Rebola, em 14 de fevereiro de 1842.
A luta pela liberdade de cada um deles teve aquelas jaqueiras como testemunhas. Portanto, além
daquelas árvores contarem a história da integração do homem de um modo geral com o meio ambiente
ali naquela localidade, devemos olhar para elas também em seu aspecto espiritual do qual não pode
ser dissociado.

VI. CONCLUSÃO: PRESERVAÇÃO DA PAISAGEM CULTURAL E HISTÓRIA AMBIENTAL DA


CHÁCARA DO VINTÉM.

Após a breve pesquisa acima, limitada pelo pouco tempo disponível para a elaboração de um estudo
técnico de maior vulto, podemos concluir que:

1º. O sistema de abastecimento de água da Chácara do Vintém deve ser urgentemente protegido
através do tombamento municipal, interrompendo o processo de arruinamento das suas estruturas
antes que eles se percam definitivamente, com grande prejuízo para o patrimônio arquitetônico,
histórico e cultural material da cidade de Niterói. Refiro-me inclusive à estrutura edificada logo na
entrada, que apesar de ser mais recente do que as demais, não deixa de ser parte da história da
Chácara do Vintém. Ela poderá muito bem, após ouvidos os representantes do Movimento Negro, ser
aproveitada para ajudar a contar toda a riquíssima história social daquela localidade, transformada num
equipamento cultural permanente da cidade, abrigando salas de aula e pesquisa, espaços de memória
dos descendentes dos povos originários e africanos de Niterói, atraindo alunos, professores,
pesquisadores, visitantes e recursos públicos e privados para a sua manutenção.

2º. Em se tratando de um complexo situado dentro de uma UCI – o Parque Natural Municipal da
Água Escondida –, acreditamos que o manejo dela visando à preservação daquela floresta deve ser
correlata à conservação da paisagem cultural local da qual nenhum dos seus elementos constitutivos
devem ser alterados, de forma a serem mantidas todas as construções e também a flora que se formou
historicamente a partir da relação do homem com aquele lugar ao longo de séculos ou milênios. Com
destaque para os povos originários e africanos, cujos descendentes compõem as comunidades do
entorno da UC, os quais mantêm uma relação histórica com aquela natureza e com o aproveitamento
dos seus recursos. A título de exemplo, o INEPAC já tombou a jaqueira da rua do Guedes de Carvalho,
na ilha de Paquetá, exatamente pela sua importância na paisagem cultural local85. Defendo, partindo

84SWEET, James. Recriar África: cultura, parentesco e religião no mundo afro-português (1441-1770). Lisboa:
Edições 70, 2007, pp. 268-269.
85 INEPAC, processo nº 03/300.203/67.

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A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA

dos dados levantados na pesquisa realizada, que as jaqueiras da Chácara do Vintém também têm as
suas raízes fincadas na paisagem cultural local comprovadamente desde pelo menos 1848,
perfeitamente integradas numa comunidade escrava cujos descendentes ainda estão lá presentes. Se
a Lei da Mata Atlântica tem como objetivos “o desenvolvimento sustentável” e a “estabilidade social”
(artigo 6º), estes são direitos que devem ser compatibilizados com outras normas ambientais mais
restritivas das UCIs que não levam em conta os direitos das comunidades tradicionais locais. Direitos
que devem ser efetivados dentro de uma interpretação ditada pelo artigo 216 da Constituição Federal,
sob pena de se tornar um novo “Diretório”.

Portanto, o mesmo mecanismo do tombamento sugerido para as estruturas construtivas do Parque


pode ser adotado com as jaqueiras, de modo a repercutir no plano de manejo visando (a) à preservação
a história e a cultura da Chácara do Vintém; (b) à coleta das jacas exclusivamente voltada para a
segurança alimentar e a pequena economia sustentável da comunidade local; (c) à contenção das
sementes, bloqueando a sua a dispersão e a consequente proliferação de novos indivíduos que
venham a ameaçar aquela porção específica da Mata Atlântica. Em suma: preservação do patrimônio
ambiental e histórico, com retorno de alimento e geração de renda para as comunidades tradicionais
carentes de políticas públicas reparadoras da violência histórica da qual foram vítimas os seus
antepassados, na urdidura de dois genocídios que ali se enlaçaram.

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A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA

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A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA

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https://leismunicipais.com.br/lei-organica-niteroi-rj, acessado em 24/09/2022.

TABELA DE FIGURAS:

Figura 1: Fotografia. Chafariz na rua Andrade Pinto. Acervo do autor.

Figura 2: Gravura de Joaquim Candido Guillobel (1787-1859). “Cenas de rua”, 1814. Fonte: SANTOS,
Francisco Marques dos. O ambiente artístico fluminense à chegada da Missão Francesa de 1816. Op.
Cit., p. 223.

Figura 3: Fotografia. Obras do Porto de São Lourenço, Nictheroy. Holland, S. H., c1930.
http://objdigital.bn.br/objdigital2/acervo_digital/div_iconografia/icon1388799/icon1388799.jpg.

Figura 4: Fotografia. Vista geral de Nictheroy, vendo-se o ponto de atracação das barcas da Cantareira.
Photographia tirada do hydroplano "C.3". Kfuri, Jorge (1893-1965).
http://objdigital.bn.br/objdigital2/acervo_digital/div_iconografia/icon628251/icon628260.jpg.

Figura 5: “O desaparecido Chafariz de Granito, obra de Reis Alpoim”. Fonte: WHERS, Carlos, Op. Cit.,
p. 256.

Figura 6: Fotografia. Guarda corpo da “ponte de pedra” com o morro de São Lourenço ao fundo. Acervo
do autor.

Figura 7: Fotografia. Sulco na Rocha. Acervo do autor. P. 22

Figura 8: Fotografia. Obras do Porto de São Lourenço, Nictheroy. Holland, S. H., c1930.
http://objdigital.bn.br/objdigital2/acervo_digital/div_iconografia/icon1388799/icon1388799.jpg.

Autor: Henrique Barahona, jurista e historiador, Mestre e Doutor em Sociologia e Direito pela
Universidade Federal Fluminense, Doutor em História Social pela Universidade Federal Fluminense.
Professor da graduação e da pós-graduação, pesquisador do Laboratório Cidade e Poder do
PPGH/UFF. Auxiliou a elaboração do Projeto de Lei (PL) que resultou na Lei Municipal nº 3.613, de 19
de Julho de 2021, que “Dispõe sobre o tombamento como Patrimônio Histórico, Cultural e Arquitetônico,
de natureza material da Cidade de Niterói a Ponte de Pedra, recuperada em dezembro de 2020, por
uma equipe de voluntários do Parque Natural Municipal de Niterói – PARNIT”.

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A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA

3. PROPOSTA DE CRITÉRIOS DE ATUAÇÃO PARA O PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA


ESCONDIDA.

A construção das recomendações que elencamos a seguir partiram de três estratégias de base que
estruturam nossa visão sobre o Parque da Água Escondida. Através delas entendemos que será
possível construir um PARQUE ESCOLA: inclusivo, potente e democrático.

- Conexão física e de memória entre o Parque e a cidade. A través do conhecimento, convivência e


transformação transversal parque-floresta-paisagem urbana, com o principal objetivo de proteger as
fontes naturais de águas e as estruturas históricas de canalização e armazenamento que devem fazer
parte da vida do parque e das comunidades vizinhas.

- Valorização do patrimônio ecológico, histórico e arqueológico. Abertura de acessos e


programação do Parque-escola que reconheçam os valores culturais e ecológicos, assim como a
riqueza histórica escrita no território pelas diversas comunidades indígenas, migrantes, nativos e novos
habitantes.

- Proteção patrimonial ativa, educativa e produtiva. Para um parque que extrapole a percepção
como área de ócio e contemplação. Um parque como uma paisagem diversa, educativa, produtiva,
recreativa onde a população pode desenvolver atividades que mudem seu cotidiano, através ações
comunitárias e de capacitação.

Devido à vista privilegiada no Morro da Boa Vista e a presença do patrimônio histórico do aqueduto,
ruínas da bica e da Chácara do Vintém, aliado ao uso comunitário da área já existente, é possível
incorporar novas atividades necessárias para a evolução do lugar, seus habitantes e para a própria
transformação do Parque Escola, como a formação de pessoal que apoie a gestão do Parque. Algumas
das áreas de formação podem ser:

 a) escola de condutores ambientais (guias comunitários para visitação, com finalidade


recreativa, esportiva, turística, ecoturística, histórico-cultural, ecopedagógica, interpretativa,
sensibilizadora, científica, cênica contemplativa e artístico-cultural);
 b) escola de gastronomia e cozinha comunitária que aproveite os frutos produzidos na horta
do Parque e os coletados no Morro (assim o Parque é cuidado como floresta produtiva que
fornece matéria prima para projetos de processamento e beneficiamento de diversidade de
frutos, entre eles as jacas, pitangueiras, goiabeiras, jambeiros e jamelões certamente podem
participar desta estratégia de conexão cidade-floresta através do trabalho, e do turismo
gastronômico);
 c) horto escola com produção de espécies da Mata Atlântica para o reflorestamento do
próprio Parque, propagação para paisagismo urbano e horta para cultivo de plantas
comestíveis para uso da população e para a escola de gastronomia e cozinha comunitária do
Parque;
 d) escola de arvorismo como atividade esportiva, recreativa, de manutenção e coleta de
frutos).];
 e) escola de arqueologia comunitária (para o estudo e prática de arqueologia num território
que ainda guarda tesouros por descobrir e preservar);
 f) espaço cultural para encontro e apresentações de manifestações artísticas. entre outras.

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A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA

4. PESQUISAS RECOMENDADAS

MAPEAMENTO DE ESPÉCIES SIGNIFICATIVAS (PESQUISAS EM ETNOBOTÂNICA, HISTÓRIA E ARQUEOLOGIA)


Dentre as espécies presentes na lista florística local (levantamento que já foi realizado por empresa
privada), espécies prioritárias para conservação podem ser identificadas. Essa é uma frente de trabalho
possível no Parque a curto prazo. São espécies endêmicas (que só podem ser encontradas nesse
local) ou espécies ameaçadas de extinção (presentes na lista oficial de espécies da flora ameaçadas
de extinção).

Além disso, é possível identificar espécies madeireiras, medicinais, alimentícias entre outras.
Levantamentos etnobotânicos podem ser realizados no local com entrevistas aos moradores mais
idosos e levantamento de dados na literatura e nas coleções botânicas sobre a flora local.

PESQUISA DOS LEGADOS SOCIOECOLÓGICOS DA PAISAGEM DO PARQUE DA ÁGUA ESCONDIDA


Foi constatado um enorme potencial para se realizar um estudo sobre os legados socioecológicos que
atualmente estão impressos na paisagem do PNMAE. Este estudo inclui levantamento sistemático de
todas as ruínas do sistema de captação hídrica do Século XIX e das ruínas do Clube do século XX,
com coleta de informações geoespaciais precisas (com uso de GPS GARMIM MAPS64X) e descrições
detalhadas dos elementos históricos e culturais encontrados no local.

Também poderá ser realizado um estudo das características fitossociológicas da estrutura e


composição da vegetação, em torno dos pontos de ruínas, bem como a caracterização e levantamentos
de dados referente aos potenciais novos ecossistemas que compões as feições ecológicas do lugar.

Por fim, o LaBEH também está interessado em realizar investidas exploratórias na paisagem do
PNMAE para mapear outros legados socioecológicos tais como carvoarias, outras ruínas, caminhos
antigos, e outras estruturas humanas que podem estar escondidas nas matas do PNMAE.

PESQUISA DA HISTÓRIA DE OCUPAÇÃO DO MORRO DA BOA VISTA


Esta pesquisa deve abarcar as várias fases de ocupação do Morro. Deve também levantar dados sobre
a evolução da cidade que o circunda (inclusive os impactos da construção da Ponte Rio-Niterói no
bairro) e das comunidades atuais que vivem no entorno do parque.

Esta pesquisa deve ter como eixo uma Análise Histórica da Paisagem, de forma a instrumentar futuras
intervenções no sentido de uma continuidade dos saberes e vivências ali já registrados.

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A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA

5. ANEXOS

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A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA

5.1. ANEXO 1: CRONOGRAMA DE VISITAS E REUNIÕES 2022

Data Atividade Participantes Percurso Resultados


22/03/2022 Reunião Virtual SMARHS: Rafael Figueiredo (Secretário); Apresentação do Projeto Mão Na Jaca à SMARHS
Isabela Fattori (Especialista. em
Segurança alimentar e Direito Ambiental).
MNJ: Marisa Furtado e Pedro Lobão
29/03/2022 Reunião Virtual SMARHS: Fabiana Barros, Sergio Apresentação do Projeto Mão Na Jaca à SMARHS (Diretoria de
Marcolini, Maria Carolina, Bruno Torres Áreas Verdes) no âmbito da criação do PNMAE.
(SMARHS) MNJ: Marisa Furtado e Pedro
Lobão
06/04/2022 Visita técnica SMARHS: Bruno Torres da Silva (Eng. Da entrada do Parque (Lava jato) Primeiro contato com o Parque. Percepção da condição
Florestal). MNJ: Marisa Furtado e Pedro até o Clube abandonado e seu extraordinária da vegetação da Chácara do Vintém em contraste
Lobão antigo estacionamento. com o restante do PNMAE. Primeiro encontro com o Padre João.
22/04/2022 Visita Técnica Padre João MNJ: Marisa Furtado e Pedro Da entrada do Parque (Lava jato) Contagem e mapeamento preliminar das jaqueiras existentes na
Lobão até o Clube abandonado e seu Chácara do Vintém
antigo estacionamento. Da entrada
do Parque seguindo a trilha do
aqueduto até o reservatório de
decantação situado a jusante.
28/04/2022 Oficina Pública do Carla Urbina, Michelle Tizuca, Valéria Participação na 1ª Oficina de Elaboração do Plano de Manejo do
Plano de Manejo Marx, Pe. João Claudio Nascimento, PNMAE com manifestação de todos os mencionados na defesa
Marisa Furtado e Pedro Lobão das jaqueiras da Chácara do Vintém como patrimônio vegetal
associado ao aqueduto.
14/05/2022 Visita Técnica Especialistas: Julia Nicolao (Eng. Da entrada do Parque (Lava jato) Visita com objetivo de imaginar soluções ambientalmente
Ambiental- recursos hídricos e até o Clube abandonado e seu corretas para a instalação de composteira, biodigestor, centro de
biodigestores), André São Thiago antigo estacionamento. Da entrada treinamento de arborismo e cozinha comunitária dentro do
(Resíduos Sólidos, compostagem, do Parque seguindo a trilha do Parque. Avaliação com os técnicos do Anteprojeto do Escritório B
arborismo e manejo arbóreo). MNJ: aqueduto até o reservatório de Marx.
Marisa Furtado e Pedro Lobão decantação situado a jusante.
18/05/2022 Visita Técnica SMARHS: Rafael Figueiredo (Secretário) e Da entrada do Parque (Lava jato) Participação da SMARHS (Secret. Rafael e Isabella F.) na discussão
Isabella Fattori (Especialista Segurança até o Platô acima da Biquinha. de inconsistências do anteprojeto do Escritório B. Marx para a
Alimentar e Direito Amb.) Especialistas: Chácara do Vintém.
Julia Nicolao (Eng. Ambiental), André São
Thiago (Resíduos Sólidos). MNJ: Marisa
Furtado e Pedro Lobão
18/05/2022 Visita Técnica CLIN: Luís Vicente (Eng. Florestal) MNJ: Entrada do Parque, Floresta do Discussão sobre processo de replantio do Morro da Boa Vista:
Marisa Furtado e Pedro Lobão Talvegue. Horto da CLIN na pedreira problemas ambientais e comunitários. Visita ao Horto da CLIN e a
da Rua Indígena algumas trilhas do trabalho de replantio.

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A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA

22/06/2022 Visita Técnica PUC-Rio: Alexandro Solórzano (Dir. Dep. Da entrada do Parque (Lava jato) Levantamento das jaqueiras (CAP e GPS). Avaliação das
Geografia), Lucas Brasil e Vicente Leal até o Clube abandonado e seu características de fitofisionomia da floresta ombrófila do
(Labeh) antigo estacionamento. Da entrada talvegue. Pesquisa por indícios de atividades carvoeiras.
UFF: Adriana Lobão (Coord. LaSBiV e do Parque seguindo a trilha do Avaliação das condições físicas do patrimônio construído.
Curadora do herbário de Niterói), André aqueduto até o reservatório de
Hoffmann (Biólogo Herb. de Niterói) decantação situado a jusante.
Padre João Claudio Nascimento MNJ:
Marisa Furtado, Dominick Cristiano e
Pedro Lobão, Valeria Marx (bióloga,
analista e educadora ambiental)
Graduandos: Bernardo Mendes, Lucas
Azevedo, Victor Hugo (Biologia-UFF)
01/08/22 Visita técnica Participantes: Pedro Lobão, Carla Urbina, Da Igreja de Fátima, Parque das Relatório valores da paisagem e aspetos jurídicos. Avaliações
Pe. João Claudio Nascimento, Henrique águas escondidas, aqueduto até a históricas o conjunto construído e do conjunto paisagístico.
Barahona (História-UFF), Lúcia Bravo cisterna. Discussão de premissas importantes do futuro parque junto a
(história UFF), Graduandos: Bernardo lideranças políticas e comunitárias. Pesquisa de vestígios
Mendes, Lucas Azevedo, Victor Hugo arqueológicos ao res do chão (cacos de cerâmica e fragmentos de
(Biologia-UFF), Paulo Eduardo Gómez, objetos)
David Andrade e Fernando Tinoco (PSOL).
13/07/2022 Reunião prefeitura SMARHS: Fabiana Barros, Sergio Apresentação e Entrega do relatório da Visita Técnica do dia
Marcollini, Rafael Figueiredo (parcial) - 22/06-2022. Discussão sobre a necessidade de preservação das
Apresentação e Entrega do relatório da jaqueiras existentes como elemento de conexão das
Visita Técnica comunidades do entorno através de oficinas de capacitação
gastronômica e em arborismo, geração de renda e segurança
alimentar.
09/08/2022 Oficina Mão na Jaca Pe. João Claudio Nascimento, equipe da Cozinha da Paróquia de N. Sra de Produção de empadinhas de jaca aproveitando a receita que a
igreja N. Srá de Fátima, MNJ: Marisa Fátima paroquia já utiliza para elaborar empadões a serem distribuídos à
Furtado população. Foram montadas, pré-assadas e congeladas 100
empadinhas.
12/08/2022 Reunião Presencial PMN: Axel Grael (Prefeito), Rafael Gabinete do Prefeito Leitura de carta do Padre João ao Prefeito, justificando a
Robertson (SMARHS), Anderson permanência das jaqueiras e pedindo o tombamento de todo o
Rodrigues -Pipico (SMPS). Pe. João patrimônio histórico arquitetônico e vegetal. Apresentação pelo
Claudio Nascimento. Marisa Furtado e Mão na Jaca de proposta de ocupação do PNMAE- Pedro Lobão e
Pedro Lobão. Duas assistentes do Marisa Furtado, sugerindo a eliminação de estacionamento,
Gabinete do Prefeito (?) abertura de novas entradas, frentes de contato com a população
do entorno do Parque, reestruturação e aproveitamento das
águas existentes em bicas, lava jato, aproveitamento e uso das
frutíferas e plantas existentes, horta comunitária, gestão de
resíduos e construção de cozinha social comunitária. Oferecidas
17 empadinhas feitas na Oficina MNJ realizada na Paróquia N Sra.
de Fátima aos presentes e funcionários do gabinete.

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A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA

17/08/22 Visita da comunidade Bairro de Fátima: Pe. João Claudio Da Igreja de Fátima, Parque das Apresentação do Parque a vários moradores e membros da
Nascimento, Márcia de Oxum (Líder de águas escondidas, aqueduto até a comunidade local. Demarcação das jaqueiras com fitas votivas e
religião de matriz africana - candomblé) e cisterna, cume do morro. apresentação da mitologia ligada aos orixás. Discussão da
vários moradores e membros da importância do envolvimento da sociedade na criação do parque
comunidade local. Especialistas Michelle (atividades, objetivos etc.) Degustação de empadinhas de jaca
Tizuka (arqueologia), Carla Urbina (arq. por todos os Participantes Formação do grupo de WhatsApp e
Paisagística), Cristina Teper (Bióloga), página do Instagram dedicada a formação de coletivo de proteção
Sonia (violinista da orquestra sinfônica ao PNMAE e sua comunidade.
Niterói e ativista ambiental). Marcio
Highliner (biólogo e esportista) MNJ:
Marisa Furtado e Pedro Lobão
Graduandos: Bernardo Mendes, Lucas
Azevedo, Victor Hugo -Biologia-UFF.

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A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA

5.2. ANEXO 2: LEVANTAMENTO ARQUITETÔNICO

A seguir apresentamos desenhos técnicos das estruturas do sistema de captação de águas do


Aqueduto da Chácara do Vintém.

Observação: Ainda não foi possível executar o levantamento da Cisterna de Decantação que fica
situada mais a jusante do sistema, atrás do imóvel de número 81 da Rua Andrade Pinto. Priorizamos o
levantamento das estruturas menores, localizadas no início do sistema de captação por entender que
elas são mais frágeis e passíveis de intervenções as descaracterize, induzindo à perda do seu valor
histórico.

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A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA

(OBS: Imagem do desenho – escala alterada)

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A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA

(OBS: Imagem do desenho – escala alterada)

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A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA

(OBS: Imagem do desenho – escala alterada)

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A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA

OBS: Imagem do desenho – escala alterada)

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A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA

5.3. RESENHA DOS COAUTORES E PARTICIPANTES DAS VISITAS TÉCNICAS

PROJETO MÃO NA JACA E PARÓQUIA NOSSA SENHORA DE FÁTIMA - NITERÓI

Marisa Furtado de Oliveira – Documentarista,


Produtora Cultural e Idealizadora do Projeto Mão
na Jaca

Pedro Lobão – Arquiteto, professor de


Arquitetura na PUC-Rio, pesquisador do LaBEH
e Mestre em Arquitetura Paisagística pela UFRJ,
Coordenador operacional do Projeto Mão Na
Jaca

Dominick Miranda – Colaborador do Projeto


Mão Na Jaca, arborista e técnico agroflorestal

Valéria Lima Marques de Sousa – Bióloga


Botânica, Mestre em Educação, Gestão e
Difusão em Biociências; Analista e Educadora
Ambiental na Secretaria Municipal de Ambiente
e Saneamento do Arraial do Cabo (SEMAS);
docente da Secretaria de Estado de Educação
do Rio de Janeiro (SEEDUC).

Padre João Claudio Nascimento - Mestre em


Teologia pela PUC-RJ e em Direito Canônico
pela Pontifícia Universidade Gregoriana de
Roma, Historiador pela UniLassalle Niterói-RJ

LABORATÓRIO DE BIOGEOGRAFIA E ECOLOGIA HISTÓRICA (LABEH) - DEPARTAMENTO DE


GEOGRAFIA E MEIO AMBIENTE - PUC-RIO

Alexandro Solórzano – Geógrafo, Doutor em Ecologia, professor do Departamento de Geografia e


Meio Ambiente da PUC-Rio, coordenador do Laboratório de Biogeografia e Ecologia Histórica

Lucas Brasil – Geógrafo e Historiador, Doutorando em Geografia e Professor do Departamento de


Geografia e Meio Ambiente da PUC-RIO, Pesquisador Sênior do Laboratório de Biogeografia e
Ecologia Histórica

Vicente Leal – Geógrafo e Fotógrafo, Mestre em Geografia (PUC-Rio) e Pesquisador Sênior do


Laboratório de Biogeografia e Ecologia Histórica

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A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA

Antônia Meireles – Estudante de Geografia na PUC-Rio, integrante e pesquisadora do Laboratório de


Biogeografia e Ecologia Histórica.

LABORATÓRIO DE SISTEMÁTICA E BIOGEOGRAFIA VEGETAL (LASBIV) UNIVERSIDADE


FEDERAL FLUMINENSE – INSTITUTO DE BIOLOGIA

Adriana Lobão. Bióloga, botânica, docente e pesquisadora da UFF, coordenadora do LaSBiV e


curadora do Herbário de Niterói (NIT)

André Hoffmann. Biólogo do Herbário de Niterói (NIT) da UFF

Bernardo Mendes. Estudante de Ciências Biológicas da UFF; Lucas Azevedo. Estudante de Ciências
Biológicas da UFF; Victor Hugo Cordeiro. Estudante de Ciências Biológicas da UFF; Vinicius Ramon.
Estudante de Ciências Biológicas da UFF

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO. PROURB.

Carla Urbina. Arquiteta, desenhadora urbana, master em paisagismo e especialista em recuperação


de paisagens culturais e jardins históricos, doutora em urbanismo. Pesquisadora Pós Doc na
Universidade Federal do Rio de Janeiro. UFRJ. PROURB-FAU.

FERCANT & YAHTO CONSULTORIA CIENTÍFICA LTDA.

Michelle Mayumi Tizuka. Doutoranda em Ciência da Computação (UFF), geóloga (bacharelado) pelo
Instituto de Geociências (USP), licenciada em Geologia pela Faculdade de Educação (USP) e mestre
em Geociências e Meio Ambiente pela UNESP. Experiencia em diversos projetos de Arqueologia
Preventiva, serviços nas áreas de Arqueologia, Geologia e Educação Patrimonial.

Fernando Jose Cantele: Graduado em História pela Univ. do Contestado (UnC) - Campus Mafra/SC,
pós-graduado “Lato Sensu” em nível de especialização em Cultura Material e Arqueologia (2018) pela
Univ. de Passo Fundo (UPF) e Antropologia Brasileira pela Univ. Cândido Mendes (UCAM), além de
formação complementar em Estudos Líticos (MAE-USP, UFRGS e UPF) e Arqueologia Paranaense
(UFPR). Atualmente cursa pós-graduação "Lato Sensu" em nível de especialização em Gestão
Sustentável e Meio Ambiente na Pontifícia Univ. Católica do Paraná (PUC-PR).

LABORATÓRIO CIDADE E PODER DO PPGH/ UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

Henrique Barahona. Jurista e historiador, Mestre e Doutor em Sociologia e Direito pela Universidade
Federal Fluminense, Doutor em História Social pela Universidade Federal Fluminense. Professor da
graduação e da pós-graduação, pesquisador do Laboratório Cidade e Poder do PPGH/UFF. Auxiliou a
elaboração do Projeto de Lei (PL) que resultou na Lei Municipal nº 3.613, de 19 de julho de 2021, que
“Dispõe sobre o tombamento como Patrimônio Histórico, Cultural e Arquitetônico, de natureza material
da Cidade de Niterói a Ponte de Pedra, recuperada em dezembro de 2020, por uma equipe de
voluntários do Parque Natural Municipal de Niterói – PARNIT”.

Niterói, dezembro de 2022

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