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O presente documento apresenta uma série de informações técnicas sobre os valores paisagísticos
(históricos, sociais e ambientais) do Morro São Lourenço e da Chácara do Vintém, lugar do Parque
Natural Municipal da Água Escondida (PNMAE) compilados por profissionais e agentes públicos
interessados no melhor desenvolvimento do parque hoje em formação. Nosso objetivo é abrir frentes
de pesquisa, projetos e trabalhos técnicos a serem incorporados ao projeto de construção do parque,
em desenvolvimento pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Recursos Hídricos e
Sustentabilidade (SMARHS). Ou seja, apoiar a Prefeitura Municipal de Niterói na construção de
conceitos, sugestões e ações que melhorem o resultado final dos investimentos públicos programados
para o novo parque.
O impulso inicial aconteceu por convite do Secretário a Marisa Furtado e Pedro Lobão (gestores do
Projeto Mão Na Jaca) para conhecer o novo parque e propor ações que o conecte às demandas sociais
da população. A partir desse momento Projeto Mão Na Jaca iniciou uma série de contatos com atores
da comunidade que há décadas trabalham na proteção do parque, com destaque para o Padre João
Claudio Nascimento, da Paróquia Nossa Senhora de Fátima, extremamente ativo e promotor de ações
relevantes na região. A partir das primeiras visitas foram agregados ao grupo especialistas de diversas
áreas de conhecimento: história, arqueologia, direito, ecologia, paisagismo, arquitetura, agroecologia.
Este grupo participou, a partir de abril de 2022, de inúmeras visitas técnicas ao parque, inclusive à
primeira consulta pública sobre o Plano de Manejo do PNMAE promovida pela SMARHS.
Como resultado deste trabalho, que se estendeu por todo o ano de 2022, apresentamos aqui nossa
visão sobre o incrível valor que o PNMAE pode oferecer à população de Niterói, tanto como registro
importantíssimo da história da cidade quanto como espaço de fruição e valorização da população como
agente indispensável para o bom funcionamento dos parques urbanos.
Em resumo, entendemos que o Parque da Água Escondida pode funcionar como monumento histórico,
como promotor de educação e qualidade de vida para as comunidades da região e como refúgio
florestal de fauna e flora urbanos. Um Parque Escola, que conecta a população de Niterói com seu
passado mais precioso e seu futuro mais desejável.
SUMÁRIO
4. ANEXOS ........................................................................................................................................ 71
Pag. 1
A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA
Carla Urbina1
A história de Niterói como cidade é contada desde o Morro São Lourenço (Morro Boa Vista), mas a
história desse território é contada pelas águas da Bahia de Guanabara, do mar e das águas escondidas
nas fontes da exuberante topografia. O Morro de São Lourenço foi o primeiro assentamento indígena
da tribo Temiminós liderado pelo Cacique Araribóia (1555)2, pela sua vantagem de proteção por causa
das visadas amplas, a abundância de águas para abastecimento desses povoados e terras para
plantações. Também foi uma das principais fontes de água junto a da Armação e Ingá para o necessário
abastecimento de água nos primórdios da cidade de Niterói. Segundo Chicharo (2004) existem
referencias da necessidade de abastecimento de água, planos e construção do sistema hidráulico entre
1819 e 1847 (Chicharo de Campos, 2004) e parte desse sistema está localizado dentro do atual Parque
Natural Municipal da Água Escondida, na Chácara do vintém.
O presente relatório está focado na importância que tem o Morro São Lourenço e o sistema de
preservação e distribuição de águas para a evolução da cidade de Niterói, assim como para a
preservação de identidade e diversidade bio-cultural. O relatório apresenta a visão do Parque da Água
Escondida localizado na Chácara do Vintém (Chácara Andrade Pinto) no Morro São Lourenço através
das experiências vividas nas visitas técnicas realizadas entre agosto e novembro de 2022,
complementada por uma pesquisa bibliográfica preliminar sobre o lugar criado pela natureza,
indígenas, imigrantes (colonizadores, escravizados, viajantes), enfim, uma terra mestiça que ao longo
do tempo escreve a história na sua própria paisagem.
Cada momento deixa pegadas no território. No Parque da Água Escondida percebemos, na paisagem
visível, escondida (como restos de sambaquis -cemitérios indígenas3) ou relatada nos livros, vestígios
das camadas de história dos seres que transformaram e ainda transformam a paisagem. Estas
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camadas bio-culturais para ser cuidadas precisam ser conhecidas e reconhecidas, por tanto buscamos
compreender seus valores e modos de ser preservados no Parque da Água Escondida.
O presente texto apresenta valores bio-culturais num estudo preliminar da paisagem. Se apresenta
como parte do trabalho interdisciplinar que busca servir como impulso à abertura de frentes de
pesquisa, projetos e trabalhos que apoiem a Prefeitura Municipal de Niterói na construção de conceitos,
sugestões e ações que possam incorporar-se ao projeto de construção do parque, em desenvolvimento
pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Recursos Hídricos e Sustentabilidade (SMARHS).
A continuação se apresenta uma descrição das áreas exploradas na Chácara do Vintém e das
estruturas do complexo do aqueduto baseadas no sistema romano (s. XIX), assim como um avanço de
critérios de atuação no Parque.
Nas visitas técnicas tivemos oportunidade de fazer uma viagem por paisagens centenárias.
O Barrio de Fátima é um conjunto residencial do século XX de casas isoladas com jardins. Ao final da
rua Andrade Pinto um portão no muro branco é o acesso ao parque. Existe uma bica, usada atualmente
usada como lava a jato pelos cuidadores do parque. Dentro do parque a floresta muda a paisagem. A
sombra densa das árvores protege 3 conjuntos arquitetônicos:
Na frente da entrada encontramos a “casa” P1 (Figura 1), com 2 portas de acesso, estrutura anexa de
construção posterior à original (uso desconhecido). Teto coberto de vegetação, com raízes de fícus
ingressando entre os tijolos e o reboco, trazendo a vegetação ao interior da casa, mas aparentemente
sem danos na estrutura. Precisa de estudos estruturais e de impermeabilização. A casa é de telhado
inclinado, portas e janelas de madeira, piso de tacos de madeira. Conta com vários cómodos incluindo
uma área de serviço. É provavelmente do início do século XX e é recomendável o restauro e reciclagem.
Do lado direito da “casa” inicia o percurso para o antigo clube da Cedae (Companhia Estadual de Águas
e Esgotos) por um caminho de lajes de concreto cobertas por gramíneas, herbáceas e arbustivas
acompanhando as sombras da frondosa vegetação arbórea.
Do lado esquerdo da entrada um espaço sombreado por uma jaqueira com frutos (Artocarpus
heterophyllus) (Figura 1) é usado pela comunidade como lugar de estar e jogos (é a base de um balanço
feito de material reciclável). A jaqueira convida ao início do percurso por uma trilha até o sistema de
infraestrutura hidráulica que faz parte do complexo de estruturas do aqueduto da Chácara do Vintém.
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Figura 1. Vista da casa P1. À direita (coberto pela vegetação) percurso até antigo clube da Cedae. À esquerda
uma jaqueira marca o início do percurso até as estruturas de abastecimento de água do complexo do aqueduto
da Chácara do Vintém. Fotografia: Urbina, 2022.
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Figura 2. Áreas do antigo clube da CEDAE. Superior esquerda: piscina infantil. Superior direita: piscina olímpica.
Inferior: Bar. Fotografias: Urbina, 2022.
O sistema consta da fonte primaria de água a qual não foi visitada nesta oportunidade (são necessários
estudos para definir localização da fonte natural).
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Dentro do terreno existem quatro edificações, muros de contenção, canais subterrâneos que formam
parte do complexo hidráulico baseada em sistemas romanos, eficiente para captação de recursos
hídricos, datado do século XIX (Figura 3). O sistema hidráulico aproveita a diferença de níveis do
terreno (como é tipicamente usado em sistema de aquedutos romanos) e utiliza túneis escalonados
que favorecem a decantação na procura da pureza da água, até levar as águas aos filtros, cisternas de
decantação e distribuição.
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é menos profundo (3,28 m). Se entende que estas duas edificações podem ter a função de “poços de
inspeção”, mas os dados conclusivos precisam de pesquisa do projeto e planos originais junto a
especialistas em hidráulica.
Na fachada do A1 se aprecia uma cornija que arremata a parte superior da fachada. Ressalta a forma
do teto em cúpula ou abobadado o qual internamente é uma abobada de aresta, estrutura que ajuda a
expandir a iluminação no local5. O A2 apresenta mudanças de materiais e formas de acabamento de
cornija e teto que sugerem intervenção posterior à obra original, apresentando atualmente coberta
plana.
Registros históricos fazem referência a um poço construído posteriormente6. É preciso fazer estudo
para definir a data de construção dos dois poços existentes.
Figura 4. Poço de Inspeção A1 - Esquerda: Poço octogonal de pedra com revestimento. Direita: Vista interna
da abóbada de aresta. Fotografias: Urbina, 2022.
5 Essas edificações lembram as estruturas do Aqueduto do Convento de Cristo em Tomar- Portugal (Aqueduto dos Pegões) do
século XVII, obra do Filippo Terzi e Pedro Fernández de Torres, catalogado como patrimônio da humanidade pela UNESCO
(Convento de Cristo, s.d.) (Figura 7 e 11).
6
Ver estudo histórico realizado por Henrique Barahona.
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Figura 8. Esquerda: espaço praça. Direita: Raízes esculturais e estruturais da Ficus sp. Fotografia: Urbina,
2022.
Entre o A2 e o seguinte nível existe um espaço aberto, uma espécie de praça plana protegida pela
sombra de três pés de Artocarpus heterophyllus Lam. (jaqueira) e 1 Ficus sp. com exuberantes raízes
que se entretecem na superfície do terreno criando uma escultura natural (Figura 8). Nesse espaço se
mostra a mistura da natureza e ser humano tanto com as construções como pela presença de plantação
de espécies frutíferas de grande importância etnobotânica.
Este lugar, que chamaremos de “praça de fresco” (fazendo referência às casas de água com bancos
do aqueduto dos Pegões), acontece por cima da cobertura dos túneis da edificação B (Figura 3). A
coberta desta edificação deixa dois degraus de construção por cima do terreno, parecendo um espaço
de bancos (Figura 9). A presença de árvores frutíferas, como as jaqueiras organizadas no espaço, faz
pensar na possibilidade de uso coletivo deste espaço, como por exemplo: espaço de coleta comunitária
de água, espaço de espera de coleta de água para distribuição em carreta na cidade. Em qualquer
caso, é necessário coletar mais informações para compreender esta configuração da paisagem e
valorizar nas novas possíveis intervenções no parque.
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Figura 9. Vista no nível superior da “praça.de fresco”. A construção da direita é o poço A2. Ao fundo se
percebem os degraus do teto da estrutura B.
Pelas dimensões e diferença de estrutura, o uso da edificação B pode ser uma cisterna de decantação
que antecede a cisterna de distribuição. Dados conclusivos requerem estudo de especialistas em
hidráulica e pesquisa nos planos originais ou referenciais. Essa edificação B externamente tem teto
plano e internamente a parte que conseguimos visitar é uma galeria subterrânea coberta por uma
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abóbada de berço. Um pórtico estreito conduz ao túnel de arco de meio ponto que dá continuidade até
o poço A2 (Figura 10). Percebemos saída de água translúcida sem cheiro, aparentemente potável,
proveniente da fonte de água e canalizada pelos poços A1 e A2.
No exterior da edificação B pode se apreciar um pórtico no centro da fachada original, que atualmente
está parcialmente interrompida por uma construção posterior à esquerda do pórtico (Figura 12). A
estrutura original está em bom estado de conservação e requer igual as outras trabalho de pesquisa
para processo de restauração física e funcional.
Por uma possível obturação nos encanamentos, atualmente existe um vazamento de água criando uma
espécie de laguna entre esta edificação e a seguinte cisterna. Nesta laguna é possível apreciar
espécies silvestres próprias de áreas de pântano, samambaias, entre outras.
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Figura 10. Interior de início de galeria subterrânea da edificação B. Fotografia: Urbina, 2022.
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Figura 11. Vista da galeria subterrânea do Aqueduto dos Pegões, Portugal. Fotografía:
Civitasellium, 2021. CC BY-SA 4.0, Obtido em:
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Aqueduto_do_Convento_de_Cristo_Entrada_subterr%
C3%A2nea_sob_a_Cerca_do_
Figura 12. Fachada da edificação B, com acumulação de água na frente. Fotografia: Urbina,
2022.
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Figura 14. Esquerda: vista do canal do aqueduto (E). Direita: detalhe de fragmento do canal esculpido em pedra.
Fotografias: Urbina. 2022
Figura 15. Arcos de meio ponto e apontados em dois trechos do aqueduto. Fotografias: Urbina, 2022.
Saindo do parque pela Rua Ponte Ribeiro, no percurso da entrada da trilha do Morro da Boa Vista ainda
há traços do aqueduto que recebia e distribuía as águas do sistema.
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por plantas (as peças de pedra que originalmente tampavam o canal para manter as águas sem
resíduos já não existem mais) (Figura 14).
O canal tem partes sobre o terreno e nos fragmentos onde o nível do terreno varia o canal é apoiado
em arcadas de pedra formadas por arcos de meio ponto combinados com arcos apontados (ou ogival)
construídos com tijolos de argila (Figura 15). Estas estruturas podem ser apreciadas por trilhas
improvisadas em alguns pontos do percurso. É possível ver cortes nas pedras do morro que
provavelmente foram explorados para extrair o material de construção de tão magnífica obra da
engenharia.
O aqueduto conduz a água até uma estrutura retangular de pedra, desprovido de teto (como a estrutura
C). Esta construção é a estrutura de maior dimensão do sistema: o Reservatório de Decantação e
Distribuição (E) (Figura 17). Esta cisterna conta com vãos de janelas pelas quais podemos apreciar
maravilhosas vistas da paisagem.
O canal do aqueduto entra na edificação subdividindo-se em dois levando as águas aos tanques de
decantação que estão divididos por um muro. Ao final do muro estão lavrados canais de conexão entre
os tanques e novos canais de saída de água ao exterior. Esses tanques de decantação têm estrutura
para escadas (parcialmente demolidas). A estrutura deixa ver claramente a lógica das cisternas
romanas: a água entrava pelo nível superior pelo canal localizado na entrada, baixava a velocidade, as
partículas sólidas decantavam e desciam para o solo e a água que continuava o percurso saía pela
parte superior um pouco por baixo do nível de entrada (Figura 16). Nesses espaços originalmente para
decantação e distribuição de água hoje é um jardim espontâneo de espécies silvestres. O sistema ainda
permite perceber o sistema construtivo que permitia o vazamento de água para o resto do sistema que
distribuía a água para a cidade.
No Morro São Lourenço além deste sistema também existe a bica dos caboclos. Esta fonte de água
junto com as fontes da Armação e Ingá, reservatório da Correção, faziam parte do complexo de águas
da cidade, que também alimentavam os chafarizes do Jardim São João e do Largo do Pelourinho (ou
largo da Memória, hoje conhecido como Praça do Rink). Parte do sistema ainda canaliza águas
provenientes das fontes naturais, sistema que poderia ser restaurado e reabilitado para o próprio
abastecimento do parque e o entorno imediato.
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REFLEXÕES PRELIMINARES
A cidade de Niterói contava com diversas fontes de água natural. As fontes da Armação e da Ingá
dificilmente podem ser reativadas, por causa do desmatamento e densificação urbana, mas o Morro de
São Lourenço (Morro da Boa Vista) ainda tem a possibilidade de continuar sendo lugar de nascentes
de água.
A restauração da paisagem cultural do Morro São Lourenço merece contemplar planos e ações de:
reflorestação, proteção e restauração de ecossistemas - considerando tanto as plantas nativas como
as naturalizadas, que são parte da cultura e identidade dos povos que transformaram a paisagem ao
longo do tempo, assim como a valorização do património cultural e avanços tecnológicos alcançados
com a participação de todos esses povos: indígenas, imigrantes, imigrantes escravizados, mestiços.
Referencias
Chicharo de Campos, M. (2004). O governo da cidade. Élites locais e urbanizações em Niterói (1835-1890). Tese de
doutoramento. NIterói: Universidade Federal Fluminense.
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Adriana Lobão, André Hoffmann, Alexandre Solórzano, Marisa Furtado, Pedro Lobão, Valéria Sousa
O Parque Natural Municipal da Água Escondida está conformado pelos limites do Morro da Boa Vista
(antigamente denominado Morro de São Lourenço) e se encontra na divisa entre as Regiões de
Planejamento Norte e Praias da Baia. A vertente norte do Morro da Boa Vista está majoritariamente
situada no Bairro de São Lourenço, somente uma pequena porção encontra-se no bairro do Fonseca.
Já as porções mais meridionais estão divididas entre os bairros de Fátima, Cubango e Pé Pequeno.
As encostas voltadas para o norte são notavelmente menos florestadas que as voltadas para o sul.
Cortando o parque por detrás da cumeeira da encosta de São Lourenço, existe um longo talvegue que
praticamente conecta os bairros de Fátima e Cubango. Neste talvegue encontra-se o sistema de
captação de água que historicamente foi utilizado para abastecimento da população local, inclusive
incitando o topônimo “Água Escondida”, que não por acaso é o significado da palavra Niterói em Tupi.7
Também nessa região encontra-se o maior remanescente florestal do Morro, que de forma geral teve
sua floresta original erradicada e ainda é objeto de processos de reflorestamento em estágio inicial.
Como o Parque Natural Municipal das Águas Escondidas está totalmente inserido nessa fitofisionomia,
é fundamental que suas áreas florestadas sejam conservadas, sem supressão de elementos da flora,
principalmente elementos arbóreos. Isto se dá, porque foram verificados diversos indivíduos maduros
(antigos), de várias espécies com grandes diâmetros, cujas relações já estão plenamente estabelecidas
entre si e com a fauna local, podendo causar desequilíbrio se manejados de forma incorreta. Deste
modo, frisamos que é extremamente importante que as espécies que ali se encontram sejam
conservadas, mesmo que não sejam nativas, sobre o preço de perdas identitárias. Por exemplo, as
7
Ver https://pt.wikibooks.org/wiki/Hist%C3%B3ria_de_Niter%C3%B3i/Capital
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Jaqueiras que, por não serem nativas, costumam ser suprimidas sem que suas relações com as outras
espécies sejam levadas em consideração. Além disso, as Jaqueiras oferecem sombra e umidade
aliviando as altas temperaturas do território fluminense e, principalmente, são fontes de alimento não
somente para a fauna, mas também para uma cidade caracterizada pela grande diferença social de
seus habitantes.
Para além do talvegue central é possível subir a encosta que o conecta até a pedreira que existe na
ponta mais ocidental do parque. Neste trajeto de subida é visível o resultado do grande trabalho de
reflorestamento já realizado pela equipe da CLIN. Este trabalho de plantio utiliza mudas geradas no
horto localizado na mesma pedreira que tanto impactou as ruínas. Muitas árvores nativas, em estágio
final de crescimento, marcam a paisagem de quem faz esse trajeto. Parece ser o caso de que algumas
espécies tiveram maior sucesso, no processo de reflorestamento, em especial goiabeiras, aroeiras e
algumas outras espécies identificadas com mais frequência pela nossa equipe de visita, dominando de
certa forma a paisagem. Na beira da encosta, onde se encontra a borda da pedreira, a vista que se
descortina de toda a Baía de Guanabara é ampla e privilegiada, como em um mirante. Este ponto pode
de fato ser aproveitado com esta vocação pelo projeto do Parque, o que criará um grande atrativo para
visitação.
Vista ampla da Baía de Guanabara a partir do topo da Pedreira do Morro da Boa Vista. Fotografia:
Do alto da pedreira é possível seguir até o cume do Morro da Boa Vista, onde existe uma construção
do exército, atualmente utilizada como suporte de antenas de telecomunicações. O caminho acontece
pela cumeeira desta vertente do morro, junto a sua face noroeste. Ao longo do caminho é visível o
trabalho de reflorestamento mais recente. Em toda a face voltada para norte o replantio encontra-se
em estágio menos avançado que na encosta oposta, voltada para sul, onde está o aqueduto.
Certamente, a maior incidência solar prejudica o desenvolvimento das mudas e a ocorrência de
incêndios sazonais (cujos rastros são visíveis ao longo do trajeto) minam os esforços do trabalho de
reflorestamento.
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No geral, o fundo e as bordas do talvegue, onde se encontra o sistema de captação de água, é o único
local com floresta em estágio intermediário de regeneração no contexto do PNMAE. Como já
mencionado, trata-se de uma área formalmente classificada como Floresta Ombrófila Densa
Submontana (FOD) do Bioma Mata Atlântica. No local, essa floresta encontra-se com dossel fechado
com cerca de 20 m de altura, sub-bosque aberto e estrato herbáceo e serapilheira abundante. É
possível encontrar espécies características da FOD em estágio intermediário como a carrapeta (Guarea
guidonia (L.) Sleumer.) e outras como a Jaqueira, totalmente integradas ao ambiente.
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remanescentes, que foram poupadas do corte, pelo seu tamanho e beleza, na ocasião da construção
da Chácara ou de qualquer uso posterior; (2) os exemplares foram plantados há mais de 300 anos em
uma mesma ocasião?
Esquerda: Frutos da Pacová de Macaco - Swartzia langsdorffii Raddi - Leguminosae, localizada no PNMAE.
Direita: Frutos de uma das 27 jaqueiras (Artocarpus Heterophyllus) localizadas no PNMAE, produção abundante
Para além destas áreas de talvegue e de replantio, o restante do parque, principalmente nas encostas
voltadas para o norte, permanece ocupado majoritariamente por uma cobertura herbácea composta
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por espécies de gramíneas exóticas como o capim colonião (Megathyrsus maximus (Jacq.) BKSimon
& SWLJacobs), e com a presença do cambará (Moquiniastrum polymorphum (Less.) G. Sancho) uma
espécie arbórea pioneira típica de pastos abandonados no estado do Rio de Janeiro.
Segundo descrição do Eng. Luis Vicente, as áreas onde hoje podemos observar um certo domínio de
cambarás (Moquiniastrum polymorphum (Less.) G. Sancho) é resultado da maior resistência desta
espécie a repetidos incêndios ocorridos nas áreas replantadas. Outras espécies pereceram, mas os
cambarás permaneceram e reproduziram, gerando uma presença dominante em algumas áreas do
parque.
Ao longo do percurso foram identificadas árvores de valor significativo, seja pelos serviços
ecossistêmicos prestados, seja pela oferta de produtos florestais não-madeireiros. Alguns indivíduos
estão nomeados e identificados através de etiquetas de campo, conforme a numeração do
Levantamento Florístico e Arbóreo encomendado pela PMN.
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As unidades de conservação (UC) podem ter áreas tangíveis e intangíveis, bem como o grupo ao qual
pertencem já impõem limitações de uso. No caso do PNMAE, trata-se de uma UC de proteção integral,
que foi criada a partir da recategorização de uma unidade (APA) já existente, passando a ser a maior
área protegida da área central de Niterói, com 62 hectares de extensão. Como Parque, há a
possibilidade de estabelecer o zoneamento da área considerando os usos atuais e as prioridades,
dentro dos objetivos de criação da UC, destacando-se os seguintes:
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A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA
que não haja aumento da população, com possível aproveitamento dos frutos no preparo de pratos
salgados e doces, o que pode ser realizado localmente a partir do processamento da jaca pela
comunidade local.
O Parque da Água Escondida é uma unidade de preservação cujos limites foram definidos pela mancha
urbana da cidade existente. Isto significa que é uma floresta rodeada por cidade em todas as direções.
Caso o zoneamento do Plano de Manejo do Parque siga conforme foi apresentado pela equipe da
SMARHS na primeira oficina pública para definição do Plano de Manejo do PNMAE as Áreas de
Conservação Moderada estarão restritas ao acesso principal atual, onde estão as ruinas da Chácara
do Vintém. Permanecendo com uma única área de conservação moderada o parque negará acesso
público em várias situações onde há contato direto com o tecido urbano dos bairros do entorno. É
notório que hoje existem problemas de segurança pública em vários desses pontos de contato.
Contudo, caso o Plano de Manejo não reconheça possibilidades de acesso organizado ao parque
nestas áreas, é muito possível que no futuro seja mais difícil integrá-lo à cidade que o circunda. E essa
condição tende a consolidar um indesejável círculo vicioso de desigualdades e falta de conexões
urbanas que já sabemos ser uma das fontes originais das questões de insegurança urbana.
No gráfico acima indicamos, de forma muito preliminar, algumas das posições onde podem ser
imaginados acessos ao interior do parque, que exatamente por isso devem ser consideradas Áreas de
Conservação Moderada. É importante ressaltar, no entanto, que este é um desenho que simplesmente
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ilustra esta ideia, e que certamente precisa ser desenvolvido com atenção e cuidado antes de se tornar
uma proposta mais consistente e precisa de zoneamento do Plano de Manejo.
I. INTRODUÇÃO
É de conhecimento público a intensa mobilização por parte do Iphan para aprimorar a gestão do
patrimônio arqueológico brasileiro. Nesse sentido, a Instituição está criando projetos de
recadastramento de sítios arqueológicos em diversos estados, linha de atuação que surgiu da
necessidade de atualizar o banco de dados da Instituição, especialmente em relação aos sítios
registrados na década de 1960 até início deste século. Desde 2019, centenas de sítios já foram
recadastrados e outros novos identificados e registrados. Trata-se de uma linha de atuação conforme
Planejamento Estratégico 2021 - 2024 (Portaria IPHAN nº 23, de 17 de maio de 2021), que pretende
contemplar o recadastramento de 100% dos sítios arqueológicos até 2024 e que consiste na
atualização dos dados referentes à localização, delimitação, georreferenciamento e no aprimoramento
da caracterização dos sítios, atualizando as informações no Sistema Integrado de Conhecimento e
Gestão (SICG) do Iphan.
Cabe destacar que as publicações das pesquisas arqueológicas e documentos técnicos são registros
formais de documentação, ocasionando em evidências históricas de ações, atividades e pesquisas
realizadas em décadas anteriores quando a tecnologia disponível para se mapear não eram
necessariamente digitais ou coletadas por satélites. No entanto, cabe lembrar os excelentes registros
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A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA
na forma de croquis de boa qualidade executados muitas vezes com auxílio de topógrafos ou
especialistas das áreas de cartografia e afins. Mesmo sem malhas de coordenadas detalhadas, é
possível posicionar e referenciar espacialmente, croquis destas fontes documentais com imagens
atuais disponíveis na internet ou ainda através de aplicativos livres, como o Google Earth.
II. OS SÍTIOS “SAMBAQUI” NOS BAIRROS DE SÃO LOURENÇO, BOA VISTA E FÁTIMA
Nome ID
8 Conforme termos aplicados nas Fichas para Registro de Sítios Arqueológicos, editada nos termos da Portaria
IPHAN nº 241, de 19/11/1998 e que são disponíveis para consulta pública no site do IPHAN. Disponível em:
http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/1699.
9 Disponível em:
http://portal.iphan.gov.br/geoserver/SICG/wms?service=WMS&version=1.1.0&request=GetMap&layers=SICG:siti
os&styles=&bbox=-71.7805786132812,-33.9472007751465,-
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penlayers#toggle. Acesso em setembro de 2022.
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A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA
Figura 1. Captura de tela da visualização espacial de posicionamento dos sítios “Sambaqui da Chácara do
Vintém” (RJ00141), “Sambaqui da Boa Vista” (RJ00130) e “Sambaqui de São Lourenço” (RJ00137).
Figura 2. Posicionamento dos três sambaquis no Google Earth. Inclui-se aqui as Igrejas de São Lourenço, a
Igreja de São Lourenço dos Índios e a Igreja Nossa Senhora de Fátima, a mais próxima da entrada do Parque
Natural das Águas Escondidas.
Os sítios “Sambaqui” são reconhecidos como sítios de alta complexidade, por apresentarem vestígios
diversificados, associados a camadas sedimentares compostas por areia, terra e conchas, de forma
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A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA
estruturada. São depósitos de origem antrópica e seu processo de formação era contínuo, sendo que
alguns ficaram ativos por milhares de anos. É notável a sua importância e valor para entendermos
quem eram estes grupos socialmente complexos e heterogêneos, com uma cultura material bastante
diversa e que tinham os rituais funerários como um dos pontos centrais de suas sociedades e na
construção dos sambaquis. Além disso, estudos e pesquisas acadêmicas demonstram serem estes
grupos intimamente relacionados com o ambiente marinho, o que é demonstrado pela localização dos
sítios (próximos ao mar, lagoas e mangues), e ainda com evidências que indicam habilidades com
atividades como a canoagem e remo. Mesmo como fonte principal de alimentação sendo os peixes,
incluindo-se aqui que provavelmente possuíam diversas técnicas de pesca devido às diversidades de
objetos identificados como redes, anzóis, armadilhas e espinhéis, estas pessoas também se
alimentavam de moluscos, aves, mamíferos terrestres e aquáticos, e de vegetais, com evidências de
cultivo também.
É importante destacar a relevância desses sítios arqueológicos para a arqueologia brasileira, e que as
investigações lideradas por Lina Kneip liberaram informações sobre o modo de vida dos pescadores-
coletores e ampliaram a dimensão cronológica da colonização do litoral. Assim, a presença de
sambaquis na região central e provavelmente na futura área destinada a ser a entrada do Parque
Natural das Águas Escondidas tem o potencial de abrigar sítios tão antigos quanto o Sambaqui de
Camboinhas, na região oceânica de Niterói.
Apesar de tanto conhecimento gerado acerca dos sambaquieiros e dos sambaquis ao longo de décadas
de pesquisa arqueológica, estes três sítios arqueológicos localizados na região central do Município,
especificamente na área onde se instala o Parque Natural das Águas Escondidas, nunca foram
investigados com detalhes em termos de uma pesquisa arqueológica sistemática com intervenções em
subsuperfície, apenas foram compiladas notas resultantes de “duas excursões feitas, na região, pelo
professor Antônio Teixeira Guerra, da Faculdade Fluminense de Filosofia, e seus alunos” e que resultou na
publicação do artigo intitulado “Notas a Propósito dos Depósitos Conchíferos de São Lourenço, Boa Vista
e Chácara do Vintém – Niterói, Estado do Rio de Janeiro” (GUERRA, 1954).
“Um depósito conchifero, cuja extensão não nos foi possível determinar por causa da
cobertura florestal existente. A parte do sambaqui por nós examinada, encontra-se
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A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA
no leito de uma torrente e é bem provável que a erosão já tenha removido boa
quantidade de material deste jazigo.
Figura 3. Localização dos três sítios sambaquis estudados por Antônio Guerra e publicados em 1954 (Guerra,
1954 – figura 2, página 121).
Ou seja, com a comparação aos atuais dados dos sítios cadastrados no IPHAN, nota-se que as
coordenadas atuais do Sambaqui da Boa Vista e do Sambaqui da Chácara do Vintém estariam erradas
em relação as descrições efetuadas pelo Prof. Antônio Guerra conforme croquis elaborados durante as
suas excursões, assim como mencionado no item 1 deste diagnóstico, é um problema assumido pelo
próprio IPHAN, de saber existir nos cadastros dos sítios arqueológicos de todo o país, erros com
relação ao posicionamento georreferenciado e o banco de dados.
Com base em todas essas informações coletadas, procedeu-se na análise sobre a coerência dos dados
identificados durante a pesquisa no portal do IPHAN e de acordo com o artigo de Guerra (1954).
A localização dos pontos dos sítios arqueológicos do tipo “sambaqui” na paisagem atual foi possível por
meio da comparação a paisagem atual, com a ferramenta de visualização geográfica 2D e 3D do
aplicativo Google Earth Pro. Nota-se que o croqui de Guerra (1954) engloba os três sambaquis
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A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA
mencionados (Figuras 4 e 5), sendo o Sambaqui da Chácara do Vintém identificado dentro do atual
limite do Parque Natural das Águas Escondidas (Figura 6).
Figura 4. Montagem do Mapa de 1954 (Antônio Guerra) sobre o mosaico do Google Earth. Elaborado por Pedro
Lobão em 21 de agosto de 2022.
Figura 5. Sobreposição de unidades de conservação existentes e área da proposta do Parque Natural Municipal
da Água Escondida. Fonte: Estudo técnico para criação do Parque Natural Municipal da Água Escondida
(Recategorização da Área de Proteção Ambiental da Água Escondida). Prefeitura Municipal de Niterói. 2019
(Figura 1 do Estudo).
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A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA
Figura 6. Montagem do Mapa de 1954 (Antônio Guerra) sobre o mosaico do Google Earth com os limites do
Parque Natural das Águas Escondidas (linha vermelha). Elaborado por Pedro Lobão em 21 de agosto de 2022.
Frente aos atuais resultados de análise, conforme mencionado anteriormente, é possível inferir com
precisão que pelo menos dois sambaquis se encontram dentro dos atuais limites do Parque Natural
das Águas Escondidas (Sambaqui da Boa Vista e Sambaqui da Chácara do Vintém). Durante a 1ª
Oficina Participativa para Elaboração do Plano de Manejo, realizada em 26 de maio de 2022, não ficou
clara a apresentação se haveria construções ou reformas ou ainda impermeabilização de superfície
(calçamentos, asfaltos ou demais mobilizações de solos e sedimentos) na entrada do Parque. Foram
mencionadas propostas de construção e reformas para instalações de centro de visitantes e/ou
estacionamentos próximo ao local onde se encontra o Sambaqui Chácara do Vintém.
Através dos resultados preliminares já analisados, a equipe conclui que a área do Parque Natural das
Águas Escondidas apresenta alto potencial de impacto ao patrimônio arqueológico, sendo então
necessária a execução de um Projeto de Avaliação de Impacto ao Patrimônio Arqueológico (PAIPA),
seguindo a Instrução Normativa IN nº01 de 2015, uma vez que o estudo técnico para a criação do
Parque não contemplou tais estudos e foi elaborado em 2019, ou seja, sob a atual legislação vigente e
apresentam potencial impacto à preservação destes sítios arqueológicos.
Assim, buscamos através do presente diagnóstico nos colocarmos a disposição dos órgãos
competentes e demais interessados, apresentar as evidências documentais e de informações de
conhecimento público disponíveis no IPHAN, para que seja estudada a viabilidade da condução por
parte da administração do atual Parque Natural, da realização de um Projeto de Avaliação de Impacto
ao Patrimônio Arqueológico (PAIPA), seguindo a Instrução Normativa IPHAN IN nº01 de 2015 e
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A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA
posterior atualização dos dados dos sítios arqueológicos no SICG, novo sistema de informações
geográficas do IPHAN.
Dito isso, permanecemos a disposição para colaborar com demais esclarecimentos que se façam
necessários em prol da preservação do patrimônio arqueológico da cidade de Niterói.
Fernando Jose Cantele: Sócio-diretor da Fercant & Yahto Consultoria Científica, empresa
especializada em patrimônio cultural e natural, há mais de 10 anos no mercado, é graduado em História
(Bacharelado e Licenciatura) pela Universidade do Contestado (UnC) - Campus Mafra/SC (2007), pós-
graduado “Lato Sensu” em nível de especialização em Cultura Material e Arqueologia (2018) pela
Universidade de Passo Fundo (UPF) e Antropologia Brasileira (2021) pela Universidade Cândido
Mendes (UCAM), além de formação complementar em Estudos Líticos (MAE-USP, UFRGS e UPF) e
Arqueologia Paranaense (UFPR). Atualmente cursa pósgraduação "Lato Sensu" em nível de
especialização em Gestão Sustentável e Meio Ambiente na Pontifícia Universidade Católica do Paraná
(PUC-PR).
GASPAR, M. Sambaqui: arqueologia do litoral brasileiro. 2 ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2000.
GASPAR, M.D.; DEBLASIS, P.; FISH, S.K.; FISH, P.R. Sambaqui (shell mound) societies of coastal
Brazil. In: SILVERMAN, H; ISBELL, W.H (Ed.). The handbook of South American archaeology. Nova
York: Springer, 2008.
GASPAR, M.D.; KLÖKLER, D.; DEBLASIS, P. Were sambaqui people buried in the trash?: archaeology,
physical anthropology, and the evolution of the interpretation of Brazilian shell mounds. In:
ROKSANDIC, M; MENDONÇA DE SOUZA, S. (Ed.). The cultural dynamics of shell-matrix sites.
Albuquerque: University of New Mexico Press, 2014.
Pag. 35
A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA
GUERRA, A. Notas a propósito dos depósitos conchíferos de São Lourenço, Boa Vista e Chácara do
Vintém (Niterói–Estado do Rio de Janeiro). Anuário da Faculdade Fluminense de Filosofia, Niterói,
1957.
MENDONÇA DE SOUZA, S. Dentes, ossos e suas formas: lições aprendidas sobre os construtores de
sambaquis. Revista Memorare, v.5, n.1, p. 218-247, 2018.
SILVA, L.A.; GASPAR, M.D. Anzóis, redes e pescadores: reflexões sobre a arqueologia da pesca.
Revista de Arqueologia, v.32, n.2, p. 04-15, 2019. WAGNER, G.P.; SILVA, L.A., HILBERT, L.M. O
Sambaqui do Recreio: geoarqueologia, ictioarqueologia e etnoarqueologia. Boletim do Museu Paraense
Emílio Goeldi: Ciências Humanas, v.15, n.2, e20190084, 2020.
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A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA
I. CONSIDERAÇÕES INICIAIS.
Em visita realizada in loco no dia 1º de agosto de 2022 juntamente com uma equipe multidisciplinar de
pesquisadores, composta por professores e alunos de graduação, pude verificar que a Chácara do
Vintém, localizada no Bairro de Fátima, em Niterói, apresenta um riquíssimo conjunto histórico e cultural
datado, em sua maior parte, da primeira metade do século XIX. Trata-se de um complexo relacionado
ao antigo sistema de abastecimento de água da cidade, um dos únicos exemplares que chegaram aos
nossos dias ainda razoavelmente preservados em todos os seus principais elementos constitutivos,
tais como: a captação, a decantação, e a distribuição de água em reservatórios, chafarizes e bicas em
diversos pontos da região central da cidade de Niterói.
Uma pequena porção deste complexo já se encontra tombada pelo Instituto Estadual do Patrimônio
Cultural – INEPAC –, a saber, o “Reservatório da Correção”, como é chamado o reservatório de água
da antiga Casa de Correção de Niterói, pertencente a um dos vinte e cinco equipamentos urbanos,
entre caixas-d’água, reservatórios e represas existentes no Rio de Janeiro e Niterói, que atestam os
processos de fixação e expansão demográfica das respectivas cidades, bem como o avançar
tecnológico da engenharia e arquitetura voltadas para o abastecimento d’água para as suas
populações. Este reservatório já tombado foi construído em 1880, num terreno localizado na rua
Coronel Gomes Machado, nº 385, no Centro, pertencente a dona Maria Joaquina de Paiva Andrade,
viúva do comendador José Caetano de Andrade Pinto, então proprietário do terreno da Chácara do
Vintém, onde se encontra a nascente na qual tem início todo o sistema. Destaco do processo de
tombamento do “Reservatório da Correção” os seguintes dados técnicos:
Foi construído em alvenaria hidráulica e sua cobertura é feita por uma série de
abóbadas de berço de arco pleno, apoiadas em pilares de base quadrangular,
terminados em arcadas. Acima da cobertura foi colocada uma camada de terra para
cultivo de jardim.
Pelo exterior, sua altura é de cerca de 1,50m, enquanto o seu fundo está a cerca
de 6m de profundidade. O acesso ao seu interior se faz através de corredor central
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A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA
com abertura para os dois lados. A entrada principal se destaca pela altura e é
guarrnecida por portão de ferro emoldurado por marco de pedra com terminação
em arco ogival e por dois óculos retangulares, semelhantes aos que estão dispostos
nas laterais do reservatório. Em frente ao corredor, em ambos os lados, dois
prismas octogonais abrigam os antigos registros de alimentação e distribuição de
água.
O reservatório está inserido no Parque das Águas. Este parque tem cerca de
32.000m² e recebeu tratamento paisagístico com a construção de escadarias de
acesso, pavimentação, bancos e áreas de convívio, juntamente com o trabalho de
reflorestamento com espécies da Mata Atlântica. Além destes itens foram instalados
os seguintes equipamentos: sala administrativa, espaço para café e lanches, e
auditório destinado a palestras sobre o meio ambiente, especialmente sobre a
importância da conservação das águas10.
Se uma pequena parte da antiga rede de abastecimento de água da cidade já é protegida pelo seu
evidente interesse enquanto patrimônio arquitetônico, histórico e mesmo ambiental, vê-se que não há
razões para que todo o conjunto da Chácara do Vintém não se torne igualmente objeto da efetiva
proteção municipal através do instituto do tombamento.
E quando falamos de um antigo sistema público de abastecimento de água potável para servir à
população, isso pode parecer algo sem importância num primeiro momento. Sobretudo nos dias atuais,
quando a cidade dispõe de rede de água encanada na totalidade das suas residências11. Todavia, é
preciso recordar que a maior obra do Rio de Janeiro colonial, os mundialmente conhecidos “Arcos da
Lapa”, um verdadeiro cartão-postal daquela cidade, são nada mais nada menos do que uma rede de
abastecimento de água projetada ainda no século XVIII, que levava as águas do Rio Carioca, nas
vertentes do morro do Corcovado, até um chafariz localizado no largo existente abaixo do Convento de
Santo Antônio12. Entretanto, em 1896, o também chamado “Aqueduto da Carioca” perdeu a sua
destinação original, passando a funcionar como um viaduto para os bondes da Companhia de Carris
Urbanos, os também famosos “bondinhos” de Santa Tereza. E o chafariz público, que na sua última
versão fora projetado por Grandjean de Montigny e inaugurado em 1848, acabou sendo completamente
destruído em 1925 para o alargamento do Largo da Carioca.
Ao contrário do Rio de Janeiro, aqui em Niterói as águas ainda jorram pelas nascentes da Chácara do
Vintém, como pude verificar pessoalmente durante a visita no local. Eu e a equipe tivemos algumas
vezes que evitar molhar os pés saltando os bolsões d’água cristalina acumuladas em alguns trechos,
dificultando o acesso algumas estruturas do complexo situadas na parte mais baixa do terreno, logo no
início do trajeto. E por mais incrível que pareça, verificamos que ainda há o fornecimento de água ao
público que dela porventura necessite no Bairro de Fátima numa antiga bica próxima à chácara,
descendo a rua Andrade Pinto, atendendo ainda presentemente a sua função social tal como quando
fora projetado todo o sistema no início do século XIX (fig. 1). E também conserva, além das estruturas
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A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA
de captação, decantação e reservatórios, o seu aqueduto em arcos como o são os mais conhecidos
existentes na Lapa.
A bem da verdade, os arcos do Lapa no Rio de Janeiro e os de Niterói em si mesmos não são em nada
parecidos. Em comum, e isso é o que pretendo destacar aqui, remontam a um período em que ambas
as cidades enfrentavam o grave problema da falta d’água, em parte pelo adensamento populacional e
as péssimas condições sanitárias em que se encontravam as casas e as ruas, outra parte pela
derrubada das matas próximas aos centros urbanos que formavam os antigos cinturões verdes dos
mananciais de abastecimento d’água. Em suma, o aumento da demanda pela água foi proporcional à
diminuição da oferta, isso num tempo em que a água era obtida em poços, cacimbas ou em precárias
canalizações de rios e córregos para a utilização pública em bicas e chafarizes. Ou então era vendida
em bancas ou carregada em tonéis por carroças pelas ruas da cidade, levadas de casa em casa para
quem pudesse pagar por ela. Era este o negócio de José Caetano de Andrade Pinto, o proprietário da
Chácara do Vintém.
Eu falava há pouco do aumento demográfico do Rio de Janeiro como uma das causas para o
desabastecimento de água. E, de fato, quando em 8 de março de 1808, d. João VI desembarcou no
Rio de Janeiro com outras milhares de pessoas fugindo da invasão das tropas napoleônicas em
Portugal, ficou claro que não havia nem casa nem comida para todo mundo. Nem água. A vizinha Praia
Grande – como então se chamava Niterói –, assim como todo o recôncavo da Guanabara, que era a
sua natural fronteira agrícola, sofreu em cascata os efeitos desse súbito incremento populacional. Além
de ter de uma hora para outra que fornecer cada vez mais gêneros alimentícios para a improvisada
Corte do Rio de Janeiro, tinha que prover também a sua própria crescente população. Neste mesmo
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A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA
ano, o inglês John Luccock visitou a Praia Grande e registrou que “São Domingos e Praia Grande, no
lado oposto [à cidade do Rio de Janeiro] eram lindas aldeias pequeninas, constituída de um punhado
de casitas dispersas e mergulhadas no seu da floresta”13. Contudo, ao aqui retornar em 1813, o mesmo
viajante não pode deixar de anotar que apenas cinco anos depois havia encontrado a mesma “região
populosa”14. Quando foi criada a Vila Real da Praia Grande, através do alvará de 10 de maio de 1819,
levou-se em conta textualmente esse súbito crescimento do número de habitantes, que chegava a treze
mil pessoas:
Eu El rei faço saber aos que este Alvará com força de Lei virem: Que sendo me
presente em Consulta da Mesa do Meu Desembargo do Paço a necessidade que
há de se criar huma Villa no Sitio e Povoação de São Domingos da Praia Grande,
do termo desta Cidade, para melhor e mais prompta administração da Justiça,
assim aos moradores de São João de Icarahi, de São Sebastião de Itaipu, de São
Lourenço dos Índios, e de São Gonçalo, à vista dos grandes embaraços, que todos
elles experimentão no largo trajecto do mar entre aquella Praia e esta Cidade, que
são obrigados a passar frequentemente para promoverem nella os seus recursos,
litigios, e pendencias; tendo aliás crescido muito a sua população que excede já há
mais de treze mil habitantes na sua total extensão, e que diariamente, vai crescendo
cada vez mais pelas vantagens, que offerece a sua situação próxima a esta Capital
e ao seu Porto...”15
A família de José Caetano Andrade Pinto, como já vimos, o proprietário da Chácara do Vintém, foi parte
dessa história. Ele era português, nascido em Lisboa, em 24 de abril de 1794, filho de Caetano José
de Campos Andrade e de dona Isabel Germana Soares de Paiva. O pai era fidalgo cavaleiro da Casa
Real, guarda-roupas de sua Majestade Fidelíssima, como haviam sido o pai, o avô e o bisavô. Muito
provavelmente Caetano José de Campos Andrade fez a travessia do Atlântico juntamente com a
Família Real em 29 de novembro de 1807, trazendo para cá a mulher e os filhos. E possivelmente o
patriarca dos Andrade Pinto retornou com D. João VI para Lisboa em 25 de abril de 1821, como se
deveria esperar de um fiel criado do rei, pois encontram-no em Portugal na década de 1830. Deixou
aqui os filhos, dentre os quais, José Caetano Andrade Pinto, que logo assumiria funções como todos
os seus antepassados. Em 1822, José Caetano foi ajudante do mestre de cerimônias de D. Pedro I.
No mesmo ano, escreveu a Carta Imperial de 14 de novembro, que erigiu a Vila de Porto Alegre ao
grau de Cidade. No ano seguinte, escreveu a Carta de 17 de março, fazendo o mesmo com a vila de
Fortaleza. Em 1823, ele registrou o alvará que lhe fazia a mercê da serventia vitalícia do ofício de
escrivão da mesa do desembargo do Paço, junto ao Conselho da Fazenda, do qual ficaria sendo
chamado de “comendador” e “conselheiro” até o fim da vida. Faleceu em 15 de março de 1853, sendo
sepultado com a sua “farda de camarista” numa das covas da irmandade de Nossa Senhora da
Conceição16.
13Apud CAMPOS, Maristela Chicharo de. Riscando o solo: o primeiro plano de edificação para a Vila Real da Praia
Grande. Niterói/RJ: Niterói Livros, 1998, p. 31.
14 Idem, p. 32.
15Apud CARVALHO, José Vilhena de. José Clemente Pereira: baluarte da Independência e do Progresso do Brasil:
vida e obra. Rio de Janeiro: J. V. de Carvalho, 2002, p. 318.
16 JOSÉ CAETANO ANDRADE PINTO, 15/3/1853, Livro de Óbitos de São João Batista de Icaraí, 1795-1854.
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A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA
Apesar de proprietário da Chácara do Vintém, José Caetano Andrade Pinto morava no número 63 da
movimentada Rua da Praia onde não havia água encanada. Certamente, esse não era um problema
para o comendador, que retirava e vendia água da sua chácara e obtinha grande lucro com essa
atividade. Porém, não se pode dizer o mesmo da maioria dos habitantes da cidade. O centro da Vila
Real da Praia Grande contava basicamente com uma única fonte pública localizada quase em frente à
igreja de Nossa Senhora da Conceição. Ela fornecia cerca de 800 barris (cerca de 12.770 litros) de
água por dia, escoando na direção de um largo que já não mais existe chamado “Campo Sujo”, que
ficava próximo onde hoje está a Praça da República, até o Rio dos Passarinhos. Mesmo havendo outras
três fontes d’água, uma na Boa Viagem, outra no Ingá e outra na Armação, ali naquela região mais
central, populosa e com o comércio mais desenvolvido, esse sistema de abastecimento estava longe
de ser suficiente.
Para corrigir esse problema, logo no ano seguinte à elevação da Vila Real, foi apresentado o primeiro
“Plano de Edificação da Vila Real da Praia Grande”, de 5 de fevereiro de 1820. Ele previa para “a
comodidade pública, que entre a rua nº 11, e a rua nº 16, com base sobre o nº 10 se coloque o chafariz
que deve apresentar ao povo a água do morro do Calimbá, que se está conduzindo”17. Nada saiu do
papel. A desculpa para tanta demora, que se repetiria como um mantra dali em diante, era a falta de
recursos nos cofres públicos. Em 1822, o juiz de fora da Praia Grande, Antonio José de Siqueira e
Silva, remeteu ao Imperador uma carta contendo diversas reivindicações para a cidade, dentre as quais
a seguinte:
A Vila necessita de ter um chafariz em seu centro, para utilidade comum de seus
habitantes, e sendo elevada a despesa para a condução dessas águas, através de
um aqueduto com perto de duas milhas de extensão, lhe fosse concedida uma finta
de dez réis por pessoa e quarenta réis por animal que embarcassem dos portos
locais para qualquer destino18.
Apenas em 29 de agosto de 1828, foi promulgada por D. Pedro I a lei que “Estabelece regras para a
construcção das obras públicas, que tiverem por objecto a navegação de rios, abertura de canaes,
edificação de estradas, pontes, calcadas ou aqueductos”. A falta de dinheiro, contudo, impediu mais
uma vez as obras de abastecimento d’água na cidade que crescia ano após ano. Em 13 de fevereiro
de 1830, foi feita uma nova manifestação dos vereadores ao Imperador:
Tendo sido, Exmº Sr., e continuando a ser mui progressivo o aumento da população
desta vila, não só pela existência de indivíduos que nela têm vindo se domiciliar e
estabelecer, como pelo crescido número de famílias da Corte e outros lugares que
nela vem residir temporariamente por motivo de saúde e mesmo de gozarem da
amenidade do local e pureza da sua atmosfera, todavia está a mesma Vila falta das
duas mais essenciais providências para a segurança, abastecimento e bem-estar
de seus habitantes e hóspedes. A primeira das providências é a que deve superar
a suma mesquinhez de água potável, sobre o que a Câmara não tem podido prover
como pede a necessidade pública, pela bem conhecida causa de falta de meios
(...). E como é tanta a referida mesquinhez que a pobreza, quem a não pode mandar
17Apud CARVALHO, José Vilhena de. José Clemente Pereira: baluarte da Independência e do Progresso do Brasil:
vida e obra. Op. Cit., p. 324.
18Apud CAMPOS, Maristela Chicharo de. Riscando o solo: o primeiro plano de edificação para a Vila Real da Praia
Grande. Niterói, RJ: Niterói Livros, 1998, p. 127.
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A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA
ou ir buscar a lugares remotos e a alguns dos quais a custo duns tantos réis por
barril, se vê obrigada a beber e servir-se d’água encharcada e de poços pela maior
parte envenenados, o que só pode cooperar para o detrimento de sua saúde.19
Depois de várias reclamações, finalmente, em 1831, foram iniciadas as obras de instalação de canos
de ferro que levaram as águas da nascente no morro de São Lourenço para o chafariz. Na sessão de
31 de maio de 1835, a Câmara de Vereadores de Niterói estava interessada em saber informações
sobre “o aqueduto do Calimbá”, isto é, se a quantia destinada ao encanamento das águas havia sido
gasta; se ainda restava algum material; se havia orçamento, plano para a obra e em poder de quem;
qual o seu estado atual e o que falta para ser concluída20. O Morro do Calimbá é aquela parte elevada
mais próxima do bairro de Santa Rosa. Não por acaso a atual rua Doutor Paulo César era antigamente
chamada de rua do Calimbá. A ideia era reunir o maior número possível de nascentes e drená-las até
o centro da cidade. É deste período que nos chegam valiosas informações sobre as partes do sistema
de abastecimento de água da Chácara do Vintém ainda ali presentes e que devem ser objeto da lei de
tombamento, como, por exemplo, o açude, as duas caixas de decantação, os “telhões” e os dez
primeiros arcos de alvenaria do aqueduto, como se extrai do discurso do vice-presidente da província
do Rio de Janeiro, José Ignacio Vaz Vieira, na abertura da última sessão ordinária da Assembléia
Legislativa provincial de 7 de outubro de 1837, ao explanar sobre as obras públicas:
Outro dado importante que extraímos deste discurso parlamentar é que o vice-presidente da província
deixou claro que as obras de abastecimento até então planejadas seriam insuficientes, caso feitas com
apenas uma parte das águas disponíveis do morro de São Lourenço, frente à enorme necessidade de
toda a numerosa população da Vila Real da Praia Grande. E foi neste momento que se cogitou pela
primeira vez a possibilidade do governo contar também com as águas que tinham origem nas nascentes
situadas nas terras então pertencentes ao comendador José Caetano de Andrade Pinto, mais
precisamente, na sua “Chácara do Vintém”:
Não tendo porém esta capacidade de abastecer toda a cidade, pedi ao brigadeiro
Elisiario que examinasse se seria possivel, aproveitando-se as aguas do Calimbá,
traze-las, e ajunta-las com as que se estão encanando. Pensa este official que
19 Idem, p. 128.
20 Arquivo da Câmara Municipal de Niterói. Atas e Documentos da Câmara Municipal de Niterói ,Vol. III, p.85.
21 Jornal do Commercio (RJ) 19/10/1837, nº 232, p. 2.
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A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA
Fig. 2: Carroça-pipa puxada por escravizados, 1814. Gravura de Joaquim Candido Guillobel (1787-1859).
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A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA
primeira sessão do dia 21 de março de 183924. Mas nem tudo saiu como planejado. Na segunda parte
da ordem do dia da sessão de 3 de abril de 1839, sob a presidência do “Sr. Magalhães”. Enquanto era
discutido o projeto 18-B, outro deputado sustentou que “a nascente da agua em questão está fora do
arrendamento do conselheiro Andrade”, requerendo que “pelo juiz de órfão se mande proceder a esse
exame à vista da carta de arrendamento”25. Outro parlamentar, Gomes dos Santos, requereu a juntada
da carta de sesmaria, enquanto Cezar de Menezes pedia a suspensão do negócio até que aparecesse
o original da carta.
Para piorar, levantou-se o entrave jurídico de que José Caetano de Andrade Pinto não tinha a
propriedade plena da área onde estava situada a Chácara do Vintém. Ele detinha apenas o seu domínio
útil como arrendatário daquelas terras, já que toda a região pertencia à sesmaria de São Lourenço dos
Índios doada à Araribóia ainda no século XVI (fig. 3). Por esse motivo, para a tristeza do conselheiro,
ele teria direito somente à indenização das benfeitorias ali existentes. Após alguns adiamentos, em 11
de abril do mesmo ano foi aprovado o requerimento de Santos Barreto para que o projeto voltasse para
a comissão com os documentos existentes na casa, e que foram de novo apresentados.
Mesmo assim, o projeto foi aprovado e passou à segunda discussão legislativa, que aconteceu em 10
de março de 1840, quando foi aprovada a seguinte emenda de Souza França, visando resolver o
impasse sobre a propriedade das terras da chácara do Vintém: “O presidente da provincia he
auctorizado a despender até a quantia de 6:000$000 rs. com a desapropriação das aguas potaveis que
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A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA
forem necessarias para augmentar a correnta do aqueduto publico da fonte principal da cidade de
Nictheroy”26. Na segunda parte da ordem do dia da sessão de 16 de março de 1840, sob a presidência
de Freitas Magalhães, retomando a terceira discussão adiada do dia 14 do mesmo mês, foi votada a
emenda substitutiva de Souza França, ocasião em que José Clemente Pereira propôs três artigos que
já haviam sido rejeitados anteriormente, e que eram os seguintes:
Artigo 2º. O mesmo presidente fará medir, demarcar e contar o terreno adjacente
às vertentes da sobredita agua, seu aqueduto e açude, de que trata o sobredicto
decreto; e remeterá o processo dessa diligência, depois de concluído, à câmara
municipal desta cidade, para ser archivada e encorporada a propriedade entre os
bens pertencentes a este municipio.
Artigo 3º. O ex-proprietário indemnizado por esta resolução fica obrigado, por si e
seus herdeiros, a indemnizar ao cofre da província todo o prejuízo que lhe possa
resultar da diminuição de seu direito dominial na propriedade que assim se lhe
indemniza.27
Foram à mesa ainda outras emendas ao projeto, todas preocupadas com o fato de não ter o
comendador a propriedade sobre as terras a serem desapropriadas, como a do deputado Cezar de
Menezes, para que “a quantia que se deve indemnizar a quem direito tiver ficará em depósito no cofre
provincial, para ser levantada pelo indemnizado, depois que este provar judicialmente aquelle direito”;
Duque Estrada propôs que, se acaso fosse aprovada a emenda de José Clemente Pereira, que no
lugar do nome de José Caetano de Andrade Pinto, constasse “a quem direito tiver”; ou ainda o deputado
Manoel Antônio da Silva, para que “Em todos os lugares em que se diz – proprietário – arrendatário,
ou sómente o conselheiro José Caetano”. Depois de longo debate e colocada em votação, a emenda
de José Clemente Pereira foi aprovada e rejeitada as dos demais, encaminhando-se o projeto para a
comissão de redação, resultando no decreto nº 172, de 1840. No final, José Caetano Andrade Pinto
soube usar o seu prestígio político e, apesar de todos os obstáculos opostos pelos seus adversários
durante a tramitação do projeto de desapropriação das águas, acabou recebendo os 6 contos de réis
de indenização que tanto desejava.
Pag. 45
A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA
Em 1840, depois de anos de iniciadas, as obras já necessitavam de melhorias. Segundo Carlos Wehrs,
“as madeiras do aqueduto logo se estragaram e teriam de ser substituídas por outras, alcatroadas; o
açude não tinha ainda o fundo ladrilhado”. Outrossim, fazia-se necessária “uma cobertura para
depósitos, a fim de protegê-los das folhas, animais mortos e outras impurezas que poluíam as águas”28
(fig. 4). Em 9 de dezembro de 1841, Honorio Hermeto Carneiro Leão, futuro visconde e depois marquês
do Paraná, então presidente da província do Rio de Janeiro, deu ordens ao Chefe da 3ª Seção de
Obras Públicas para que procedesse ao “orçamento da despeza que se terá de fazer com com (sic) a
introducção, no chafariz de São Lourenço da agua que foi desapropriado o conselheiro José Caetano
de Andrade Pinto”29. As reformas reclamadas ficaram a cargo do engenheiro francês Carlos Rivièrre, e
rapidamente surtiram o efeito desejado. Em 1842, foram trocadas as madeiras apodrecidas por tubos
metálicos, com a intenção de levar água até a Rua da Praia, esquina da Rua da Conceição. Em 1845,
aproveitaram o dinheiro arrecadado numa subscrição pública e redirecionaram-no para a construção
de um imponente chafariz para a Praça de Martim Afonso, em homenagem à Araribóia, tudo com a
autorização do presidente da província, o conselheiro Aureliano de Sousa e Oliveira Coutinho, o
visconde de Sepetiba. Sobre os chafarizes da então capital da província do Rio de Janeiro, assim era
relatado pelo seu presidente na abertura da sessão ordinária da Assembleia Legislativa em 1º de março
de 1846:
28 WEHRS, Carlos. Niterói, Cidade Sorriso (a história de um lugar). Rio de Janeiro, 1984, p. 258.
29 Correio Official (RJ), 21/1/1842, nº 10, p. 2.
Pag. 46
A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA
Não sendo abundante aquella agua para alimentar perenemente estes tres
chafarizes, adoptei para elles o systema de bicas com torneiras, e mandei construir
um lugar em lugar proprio um grande reservatório para receber, e guardar o
excedente das aguas fornecidas pelo respectivo aqueducto: por este systema não
se perdendo porção alguma de agua não só a cidade será abastecida da que he
mister ao seu consumo, como poderão algumas embarcações vir apanhal-a no
chafariz da praça de Martim Affonso, o qual tem de ficar proximo ao caes, que se
está construindo para dar a esta praça a largura, e regularidade convenientes.
Pag. 47
A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA
No final do século XIX, após a pouco efetiva contratação da Companhia Melhoramentos Urbanos de
Nictheroy em 1885 (depois Empreza de Obras Publicas no Brazil); a alternativa encontrada para a
persistente falta d’água foi a canalização das águas que desciam da Serra dos Órgãos para Niterói.
Pag. 48
A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA
Isso foi feito em 1889 pela Companhia Cantareira e Viação Fluminense. Foi o início da decadência do
antigo sistema da Chácara do Vintém.
Lançamos acima um breve olhar sobre a grande demanda por água existente na cidade de Niterói no
início do século XIX, considerando o aumento da sua população. Falta agora examinar a questão da
retirada da cobertura vegetal, digamos, “original” dos mananciais que serviam até então para o
abastecimento público de água potável. E será exatamente sob o ponto de vista das transformações
da paisagem cultural de Niterói ocorridas ao longo do tempo, que introduziremos a questão das
jaqueiras (Artocarpus heterophyllus) existentes na Chácara do Vintém, que também retratam uma dada
temporalidade da nossa cidade. Apesar de fazer parte do cadastro de espécies arbóreas exóticas
invasoras do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBIO, elas também
contam uma história e não podem ser estudadas destacadas do seu ambiente cultural. Afinal de contas,
as jaqueiras são documentadas em Niterói desde a década de 1820. Em 1824, por exemplo,
encontramos o anúncio da venda de um sítio em “Carahy” com plantação de “bananeiras, laranjeiras,
tamarindeiras, jaqueiras, figueiras, macieiras, parreiras e hortas”33.
O dado mais importante é que em 1848, foi anunciada a venda de uma chácara em “Nictheroy, sopé
da ponte de pedra”. Tinha “laranjeiras da China”, “mil pés de enxertos de seletas, limas, limões doces,
azedos, natal, etc.”, além de “frutas do conde, figueiras, pessegueiros, mangueiras, cajueiros, maçãs,
jacas, castanhas do Pará, çapoti, araçás da Índia”34. O detalhe é que a “ponte de pedra” ali mencionada
é a ponte de alvenaria mais antiga de Niterói de que documentalmente se tem notícia. Fica no largo de
São Lourenço e ainda hoje está de pé, tendo sido construída em 1820 sobre o Rio dos Passarinhos,
no cruzamento das ruas São Lourenço, Benjamin Constant e da Soledade (fig. 5). Logo, como tal
chácara contendo as tais jaqueiras é a primeira à esquerda no “sopé da ponte de pedra”, podemos
afirmar com segurança que as jaqueiras estão ali no morro de São Lourenço, onde está situada a
Chácara do Vintém, pelo menos desde 1848.
Pag. 49
A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA
Fig.6: Guarda corpo da “ponte de pedra” com o morro de São Lourenço ao fundo.
No final do século XIX, na mesma página do jornal “O Fluminense” que anunciava o aluguel de uma
“negrinha própria para andar com crianças”, ou de “uma preta que cosinha e engoma”, H. Rossigneux
participava do leilão de “uma linda colecção de plantas frutíferas, ornamentos, etc”. Entre as ameixas
do Japão, abacates roxos, abricot, ameixas do Pará, jambo rosa e camboim de São Paulo, estava a
“jaca molle”38. Em 1888, foi anunciada a venda de uma propriedade no morro do Cavalão com
35Cf. CASTELO-BRANCO, Fernando. A Expansão Portuguesa e a Culinária. Lisboa: Petrogal, 1989; ROCHA, Rui.
A Viagem dos Sabores. Ensaio sobre a História da Alimentação (séculos IX-XIX) Seguido de 100 Receitas em que
Vários Mundos se Encontram. Lisboa: Inapa, 1998.
36 ANTONY, Philomena Sequeira. Relações internacionais: Goa-Bahia: 1675-1825. Brasília: FUNAG, 2013, p. 120.
37 Arquivo Histórico Ultramarino, PT/AHU/CU/005-001/0046/08656.
38 O Fluminense (RJ), 5/11/1882, nº 698, p. 4.
Pag. 50
A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA
Todas essas residencias, tanto térreas quanto assobradadas, salvo raras exceções
(...), dispõem-se à beira dos logradouros, na frente ou ao lado de grandes e imensos
quintais e pomares, muitos deles com belo tratamento paisagístico, caminhos
empedrados com bancos marginais aléas de bambus, escadarias de pedra e
‘plateaux’, vencendo os desníveis do terreno, todo êle coberto de árvores frutíferas,
mangueiras, jabuticabas, jaqueiras, etc., como por exemplo, a chácara que existiu
junto à casa do Barão de Vassouras, a da casa à Rua Visconde de Araxá 36, e a
chácara da Hera.40
Há uma grande semelhança com a descrição do Lyceo Tintori, um estabelecimento de ensino criado
na Chácara do Vintém após o falecimento de José Caetano de Andrade Pinto em 1853:
A primeira interação do homem com o seu redor naquele lugar ocorreu com os povos sambaquieiros
há milhares de anos. Eram povos coletores (de moluscos, frutos, sementes e raízes), pescadores e
eventualmente caçadores, que percorriam a costa brasileira e deixaram os seus vestígios em colinas
Pag. 51
A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA
formadas pela acumulação de restos de alimentos como peixes e moluscos, além de artefatos de pedra,
restos de fogueira, matéria corante, resíduos de carvão etc.43. Trata-se, a toda evidência, de uma
interferência humana no Meio Ambiente que ocorreu também ali na Chácara do Vintém. O estudo
técnico realizado pela arqueóloga que acompanhou o trabalho de campo abordará esse tema
especificamente. Mas eu gostaria de destacar desde logo o trabalho feito em 1955 por Antônio Teixeira
Guerra, indicando que “Na Chácara do Vintém, atrás do atual Hospital Antônio Pedro, localizou também
um depósito conchífero cuja extensão não pôde determinar devido à existência de uma cobertura
vegetal”44. Isso não deixa dúvidas de que as assim chamadas “águas da Chácara do Vintém” e que
foram canalizadas no Oitocentos para atender à população niteroiense, já atraíam o homem para o seu
entorno há milênios atrás para aquela localidade.
Dito isso, não podemos pensar a preservação do bioma local sem a necessária discussão sobre a
interação dela com o homem desde o período pré-colombiano, incluindo na análise os seus
indissociáveis elementos sociais e culturais. Isso porque o embelezamento das chácaras não era o
único uso da jaqueira feito naquela temporalidade, quero dizer, o seu aproveitamento não era voltado
unicamente para as elites. E com isso introduzimos a questão da comunidade tradicional do entorno
da Chácara do Vintém, entendida como a “população local vivendo em estreita relação com o ambiente
natural, dependendo de seus recursos naturais para a sua reprodução sociocultural, por meio de
atividades de baixo impacto ambiental”45. Mas quem seria a comunidade da Chácara do Vintém? Assim
como o comendador José Caetano de Andrade Pinto fora lembrado por ocasião da desapropriação das
suas terras que ali na verdade era uma “sesmaria dos índios”, nós também não podemos nos esquecer
dessa circunstância fundante da sociabilidade local. Há suspeitas de que foram os povos originários
que deram o nome àquela localidade. A “chácara” fazia parte de uma porção muito maior chamada
antigamente de morro do Vintém, nome dado a um prolongamento numa das vertentes do morro de
São Lourenço, na fronteira com o antigo morro da Pedreira. E apesar daquela localidade estar
comumente relacionada ao preço então cobrado pelo balde ou pote d’água – o “vintém” – , há também
a curiosa hipótese da origem tupi-guarani deste toponímico, o que teoricamente explicaria a existência
de tantos “morros do vintém” espalhados pelo país afora. É o que diz um artigo no jornal “O
Fluminense”, de 26 de abril de 1907:
43KNEIP, Lina Maria. Histórico das Pesquisas. In: Pesquisas Arqueológicas no Litoral de Itaipú, Niterói- Rio de
Janeiro. Rio de Janeiro: Editora Gráfica Luna Ltda, 1978, pp. 52-53.
44Apud BELTRÃO, Maria da Conceição. Pré-história do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Forense
Universitária/Instituto Estadual do Livro, 1978, p. 173.
45 BRASIL. Lei 11.428/2006, Art. 3º, Inciso II.
Pag. 52
A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA
Deste modo Bitin passou a ser pronunciado Vitin. O som de ambos os ii deste
vocabulario é, em guarany anasalado e assim passaria para o portuguez Vintin,
donde Vintém sem maior esforço.
Parece, pois, que a generalidade dos morros com este nome, tem esta origem tupy-
guarany”46.
Quando o chefe Temiminó Araribóia atravessou com a sua gente para o lado de cá da baía de
Guanabara e se fixou nas cercanias do morro de São Lourenço, em 22 de novembro de 1573, o
aldeamento jesuítico de São Lourenço passou a abrigar também os vencidos nas batalhas sangrentas
travadas, como espólio das guerras de conquista que se seguiram pelo litoral até a tomada de Cabo
Frio, em 1575, pelas tropas Antônio Salema. O governador cumpriu fielmente o “Regimento de Tomé
de Sousa”, dado pelo rei D. João III em 17 de dezembro de 1548, recomendando que fizessem guerra
contra os povos originários, “destruindo-lhes suas aldeias e povoações e matando e cativando parte
deles que vos parecer que basta para seu castigo e exemplo”47. Um relato dramático do genocídio
daquelas expedições foi publicado em 1576 pelo padre Inácio de Tolosa:
“(...) Causou grande pena ao Padre ver matar tanta gente com tanta crueldade, sem
poder dar remédio a suas almas, porque ainda que procurava instruir alguns para
logo os batizar, a pressa e a fúria com que os matavam era tanta que não lhe deram
lugar para o que desejava. É verdade que muitos escravos dos brancos, que
andavam entre os Tamoios, se confessaram com o Padre e ao perecer morreram
conformes com a vontade de Deus (...). Outra coisa, que deu muita tristeza do
Padre, foi ver as mulheres e filhos dos mortos, juntos, e repartirem-nos pelos
Portugueses, apartando a mãe do filho e o filho da mãe: uns iam para S. Vicente e
outros pra o Rio de Janeiro. E era tão grande o pranto que quebrava os corações
de quem no ouvia. Depois de alcançar a vitória desta Aldeia, todas as mais do Cabo
Frio se despovoaram e acolheram aos matos, mas o Governador foi em sua busca,
prosseguindo a sua vitória, matando uns, capturando outros. E assim os cativos
seriam por todos obra de quatro mil”48.
Os sobreviventes, idosos, mulheres e crianças de diversas aldeias que haviam sido destruídas pelo
caminho, foram levados para o aldeamento de São Lourenço. O padre José Anchieta chegou a contar
“160 aldeias incendiadas, mil casas arruinadas pelas chamas devoradoras” em seu De Gestis Mendi
de Saa (“Os Feitos de Mem de Sá), publicado em 1563. Como essa obra foi escrita antes da tomada
da baía de Guanabara pelos portugueses em 1567, podemos concluir que a matança foi ainda muito
maior. Pesquisas recentes sugerem que Niterói ou “Nheteroia” era o nome tupi de uma dessas aldeias
tupinambás destruídas pelos portugueses em seu trajeto até Cabo Frio, pois está mencionada por
Anchieta no “Auto de São Lourenço” junto com outras que foram atacadas49. Portanto, Niterói ou a
“água escondida” que dá nome à Unidade de Conservação Integral – UCI –, Parque Natural Municipal
da Água Escondida, onde está inserido o sistema de abastecimento de água da Chácara do Vintém,
Pag. 53
A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA
possui o registro de uma história de violência que não pode mais, num trocadilho inevitável, permanecer
“escondida”.
Mesmo com sucessivas leis portuguesas e breves papais proibitivos da escravização dos povos
originários, em Niterói eles foram largamente empregados como mão de obra cativa. Sobretudo depois
da invasão holandesa em Angola, que cortou o suprimento de africanos escravizados para cá. Foram
chamados de “gentio da terra” para diferenciá-los dos africanos ou “gentio de Guiné”, cuja escravização
havia sido iniciada no século XV. Assim, em 7 de julho de 1669, encontramos o batizado de Luziana
na igreja de São João Batista de Icaraí, filha de Francisca, do “gentio da terra”, pertencente a Francisco
Furtado50. Na mesma igreja foi batizada Lionor em 3 de outubro de 1671, filha de Victoria, do “gentio
da terra”, propriedade do alferes André Gomes Lobo51, com pai português.
A empresa colonial portuguesa no Rio de Janeiro foi em seu início direcionada tanto para a expulsão
dos hereges franceses e do seu corso, quanto à repressão dos povos originários seus aliados. Para
marcar essa violência primeira em nossa formação social é que retomo aqui a antiga distinção entre
aldeia e aldeamento52, ou seja, entre o que havia antes e depois da chegada dos europeus e o seu
projeto colonial. Não obstante essa violência na qual está fundada a sociedade fluminense, o
aldeamento de São Lourenço se tornou um espaço de intensa troca cultural dos povos originários em
busca de fortalecimento mútuo e resistência frente ao colonizador, desde quando foram para ali
conduzidos os membros de várias etnias distintas. Se o Meio Ambiente não é algo fixo e imutável, a
cultura e a etnicidade também não são53.
Com os colonizadores vieram os engenhos de cana e mais tarde os cafezais em toda a região de São
Lourenço. A julgar pela vizinhança do comendador José Caetano Andrade Pinto, havia cafezais no
morro do Vintém, seguindo o fenômeno idêntico verificado noutros morros de Niterói desde a introdução
do “ouro negro” no Rio de Janeiro ainda em finais do século XVIII. Prova disso é que, em março de
1839, José da Silva Leal colocou à venda a sua “chácara” na cidade de Niterói, situada “em terras dos
Índios”, quer dizer, na sesmaria de São Lourenço dos índios, com casas novas e grandes e com “terras
de plantar café”. O local exato era “junto à chácara do Sr. José Caetano Andrade Pinto”54. Isso indica
que o bioma original da Mata Atlântica na Chácara do Vintém, como tantos outros pelo Brasil afora, foi
alterado drasticamente há bastante tempo pela introdução humana de outras plantas exóticas como a
cana-de-açúcar e, em seguida, o café. Pelo viés da história ambiental, portanto, o café e as jaqueiras
estavam lado a lado em Niterói.
Pag. 54
A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA
E como “o café era o negro”, como então se dizia, é preciso falar da importante presença negra
especificamente na Chácara do Vintém. Em 1846, foi feito um anúncio por José Joaquim de Azevedo
Coutinho, “morador na chácara do conselheiro José Caetano Andrade Pinto”:
Noutro anúncio, José Joaquim de Azevedo Coutinho vendia “cantaria muito bem acabada, pedra de
alvenaria, barro de optima qualidade para construcção, terra vegetal propria para canteiros, e muito
bom adobo; o que se conduz a quem assim ajustar”58. Encontramos neste último anúncio mais uma
menção à entrega em domicílio. É possível que o comendador tenha recorrido ou incrementado a venda
desses produtos da sua chácara após ter a sua principal fonte de renda desapropriada pelo governo
provincial, fazendo com que ele alterasse consequentemente a mão de obra empregada em tais
serviços. Deixaria aqueles mais pesados aos escravizados por ele comprados, como Jacintho e Julio,
e o de transporte de mercadorias pela cidade para os “africanos livres” adquiridos de graça e cujos
ganhos nas ruas pagariam as suas despesas que deveriam ser pagas pelo concessionário, no caso,
por Andrade Pinto.
Os “africanos livres” eram um bom negócio para a elite política que dominava aquele sistema de
concessões, da qual fazia parte o camarista de D. Pedro I e “gentilhomem” José Caetano Andrade
Pinto. Eram uma boa alternativa para o aumento cada vez maior do preço dos escravizados após a
proibição do tráfico negreiro, sobretudo após 1831. E mesmo o trabalho mais bruto exigia dos
escravizados um grau de especialização que os tornavam valiosos, como eram os “cavoqueiros”,
aqueles escravizados responsáveis por fazerem os “cavóucos” na rocha com ponteiras de ferro com a
finalidade de parti-la em frações cada vez menores. É possível ver alguns sulcos na parede rochosa
Pag. 55
A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA
próxima ao aqueduto que leva ao último reservatório da Chácara do Vintém que são vestígios do
trabalho destes escravos “cavoqueiros” (fig. 7).
Fig. 7: Sulco ou “cavuco” na rocha ao lado do reservatório da Chácara do Vintém. Acervo do autor.
Para as obras públicas, a Câmara Municipal fazia compras de salitre e enxofre necessários para a
fabricação de pólvora utilizada nas explosões. Depois de explodida a rocha, entravam em cena os
“oficiais de pedreiro” e “serventes” para a fragmentação das pedras em dimensões ainda menores
mediante o uso de martelos e novas ferramentas de ferro, a depender da encomenda. Essa era uma
tecnologia ancestral dos povos bantos, que produziam o ferro há 2.500 anos em fornalhas aquecidas
a aproximadamente 1.200ºC, construindo para isso fornalhas com a queima de carvão. Na região ali
mais próxima à Chácara do Vintém, havia em 1841, um “preto” cavoqueiro chamado Guilherme, que
vivia vendendo os seus serviços entre São Domingos, Icaraí e Santa Rosa59.
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A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA
grossa, de barro, em que eram empregadas as índias que trabalhavam com ‘assás destreza e sem
aparelhos demasiados’”.62
Tanto impacto teve a exploração das pedreiras daquela região que elas modificaram a geografia natural
e urbana local. Além da “ferida” aberta no morro que pode ser vista atualmente sem dificuldades, as
pedras e o barro retirados foram utilizadas no aterro do “porto de São Lourenço” e adjacências durante
a urbanização daquela área antes considerada insalubre, abrindo a possibilidade para o arruamento
projetado para a cidade que então se aburguesava (fig. 8). Até a chácara teve os seus limites e
confrontações alterados. Os anúncios acima referidos indicam que a chácara ficava no “largo da casa
de detenção, em frente à rua de S. João”, bem distante do atual portão de entrada, atravessada por
diversas ruas que se abriram depois do aterramento. Sem falar que a “cantaria muito bem acabada”
anunciada pelo administrador da Chácara do Vintém, além de representar um óbvio dano no gnaisse
do qual era retirada, ela requeria a forja constante de ponteiras com as quais a pedra era lavrada pelos
“canteiros” em carvoarias locais, seguindo o modelo encontrado noutras partes da Mata Atlântica
fluminense63.
Teve impacto social também. Os “preços razoáveis” a que se refere o administrador ao vender as
pedras da Chácara do Vintém deveriam embutir o jornal a ser pago aos “africanos livres” a serviço do
62 FORTE, José Mattoso Maia. Notas para a História de Niterói, P. Cit., p. 41.
63Cf. SALES, Gabriel Paes da Silva. No caminho dos carvoeiros: estrutura da floresta em um paleoterritório de
exploração de carvão no Maciço da Pedra Branca, RJ. Dissertação (mestrado)–Pontifícia Universidade Católica
do Rio de Janeiro, Departamento de Geografia e Meio Ambiente, 2016, 153f.
Pag. 57
A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA
comendador Andrade Pinto. Sabemos que ele tinha pelo menos 4 deles na Chácara do Vintém:
Hermenegildo, Acacio, Joanna e Aleixo. Os assim chamados “africanos livres” eram todos aqueles
africanos escravizados e trazidos para o Brasil após a lei de 7 de novembro de 1831, cujo artigo primeiro
estabelecia: “Todos os escravos, que entrarem no territorio ou portos do Brazil, vindos de fóra, ficam
livres”. Daí a expressão. Pelas instruções de dezembro de 1834, depois de apreendidos no tráfico ilegal
ainda no mar ou logo após o desembarque, eram levados para a Casa de Correção e os seus serviços
arrematados por concessionários, “pessoas de reconhecida probidade e inteireza”, escolhidos
diretamente pelo juiz de órfãos. Podiam ser empregados por particulares ou utilizados em obras
públicas, mediante uma remuneração previamente estipulada pelo governo por um determinado tempo.
Recebiam em troca dos seus serviços roupas, comida e cuidados médicos básicos, e a sua
remuneração ficava retida num fundo pelo concessionário para custear o retorno para a África.
Isso pelo menos em tese. Na prática eram reescravizados. Beatriz Mamigoniam esclarece que entre
1834 e 1838, 82% dos africanos livres foram destinados a particulares, e os outros 18% para os serviços
públicos. O cálculo foi feito a partir das matrículas de 955 “africanos livres” oriundos de “carregamentos”
apreendidos naquele período. Três em cada quatro homens foram concedidos a particulares64.
Podemos supor, com base nesses dados, que em 1836, quando Hermenegildo e Acacio foram
transferidos juntos para o comendador que os pretendia para trabalharem em sua “Chácara” em
Niterói65, foi muito possivelmente para serem empregados nos serviços particulares de fornecimento
de água potável em carroças pelas ruas da cidade, já que a desapropriação das águas pelo governo
provincial só se efetivaria anos depois, em 1840. Não nos foi possível, neste momento, encontrar
africanos livres trabalhando nas obras públicas de construção dos equipamentos do sistema de
abastecimento de água da Chácara do Vintém, o que requer mais tempo para a pesquisa. Sabemos,
entretanto, que foram utilizados na construção da “estrada nova de Itaipú” em 185766. Por isso, a título
de hipótese provisória, talvez fossem os “africanos livres” Hermenegildo e Acácio que abasteciam as
carroças-pipas de água e as levavam de casa em casa pelas ruas da cidade por ganho, a um custo
que compensava muito mais ao comendador do que a compra de africanos escravizados como os
congoleses Jacintho e Julio. A venda de água pelas ruas foi substituída pela venda de pedras e terra
após a desapropriação das águas da Chácara do Vintém. Mesmo com a indenização, a perda de receita
modificou diretamente a força de trabalho empregada visando à redução dos custos.
Encontramos o total de 24 pessoas nas senzalas de José Caetano Andrade Pinto entre 1826 e 1856:
os 4 “africanos livres” de que já falamos, além de outros 18 africanos escravizados e 2 crioulos. Deste
grupo, eu chamaria a atenção para as famílias escravas da Chácara do Vintém. Num único dia, em 29
de julho de 1832, foi realizada a cerimônia coletiva de casamento de Miguel Cabinda com Escolástica
Conga, Faustino Cabinda com Euzébia Benguela e Antônio Cabinda com Angela Ganguela, todos
adquiridos por José Caetano Andrade Pinto possivelmente um pouco antes da proibição do tráfico de
64MAMIGONIAN, Beatriz G. Africanos Livres: a abolição do tráfico de escravos no Brasil. São Paulo: Companhia
das Letras, 2017, p. 302.
65 Correio Official (RJ), 9/1/1837, nº 6, p. 1.
66 Jornal do Commercio (RJ), 27/1/1859, nº 27, p. 6.
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A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA
africanos ocorrida no ano anterior67. Em 18 agosto de 1833, celebrou-se o casamento entre Manoel
Benguela e Maria Thereza Cassange, também pertencentes ao comendador. Eram famílias africanas
do grande grupo banto do Congo-Angola, que deixaram as senzalas coletivas do comendador para
formarem unidades domésticas relativamente autônomas na Chácara do Vintém. E as jaqueiras, assim
como as bananeiras, a pequena roça de mandioca, as galinhas no terreiro, eram parte dessa economia
doméstica autônoma. E não só isso. Esses 4 casais de africanos deixaram ali aspectos importantes
dos seus hábitos, sua cultura material e suas cosmologias. Esses dados historiográficos devem ser
tratados à luz de uma historiografia cada vez mais voltada para os estudos específicos sobre a família
escrava68. Para efeito deste estudo preliminar, releva compreender o papel dessas famílias e de seus
descendentes na formação social das comunidades locais, e na relação histórica delas com aquele
ambiente.
Os africanos, livres ou não, vieram se juntar ali aos povos originários que habitavam toda a região. E
neste movimento de transformação cultural ou “abertura” pelo qual passaram os povos originários
fluminenses, a mistura não se deu somente entre as culturas nativas de diferentes lugares e etnias. O
aldeamento e a senzala também foram lugares do encontro das vítimas de dois genocídios que
aconteciam nos dois lados do Atlântico: o dos povos originários brasileiros e dos povos africanos. O
encontro de duas diásporas, dois exílios, dois deslocamentos forçados pela violência colonizadora. Foi
o caso de Phelipe, filho de Maria e de Antônio, ambos escravos do “gentio de Guiné”, batizado na igreja
de São João de Icaraí em 13 de maio de 1670, e que teve como madrinha “Joanna da Terra”, escrava
do capitão Teotônio da Silva69. E também de Matheus, filho natural de Maria, do “gentio de Guiné”, que
foi batizado na mesma igreja em 24 de setembro de 1672, tendo como padrinhos Bernardo e Anna,
ambos designados como de “gentio da terra”70. Os descendentes dos povos originários conviveriam ali
com os escravizados africanos e seus descendentes também no século XVIII. Eu chamaria atenção
para o batizado de Reginalda, em primeiro de maio de 1786, realizado na igreja de São Lourenço,
existente na “sesmaria dos índios”. Ela era filha natural de Rosa, “preta de nação Banguella”, escrava
de Maria Francisca Coelha71. Rosa teve ainda pelo menos outras duas filhas ali: Bernarda, batizada
em 26 de junho de 178872, e Felicidade, em 6 de setembro de 179073. Apesar de serem filhas “naturais”,
ou seja, nascidas de uma união não reconhecida pela Igreja Católica, é evidente que Rosa e suas filhas
formavam uma família ali em São Lourenço a partir de novas estratégias de configuração que não
levavam em conta apenas a linhagem ou a etnicidade como na África. Os padrinhos de Reginalda eram
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A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA
também “pretos”; os de Bernarda eram Felipe, “pardo”, e Anna “preta forra”, mãe de Felipe; e os
padrinhos de Felicidade eram Garcia Roiz, “preto forro”, e Antonia “crioula”.
Com efeito, o intercâmbio cultural entre africanos e os povos originários aconteceu em todas as
freguesias da cidade e excedeu as relações de compadrio, favorecendo a formação de casamentos
exogâmicos que geraram descendência miscigenada. A título de ilustração, foi o que aconteceu na
vizinha freguesia de Nossa Senhora do Bonsucesso de Piratininga, com o batizado de João, ocorrido
em 9 de setembro de 1682, filho de Francisco do “gentio de Guiné” e de sua mulher Domingas, do
“gentio da Terra”, todos eles escravos de Leonor da Silva74.
No século XVIII, o aldeamento jesuítico de São Lourenço abrigava culturas de vários povos originários
do Recôncavo da Guanabara. Os registros paroquiais de óbitos da igreja de São Lourenço informam o
falecimento de Francisca “índia”, natural “da aldeia de Cabo Frio”, em 16 de dezembro de 178475; de
Antônio, filho de “uma viúva índia da aldeia de Taguahi” (aldeamento de São Francisco Xavier de
Itaguaí), em 4 de outubro de 179376; ou o óbito de Miguel, em 16 de outubro de 1798, filho de Lourenço
da Costa e Joanna Maria, “índios da aldeia de São Barnabé”77, criada em 26 de agosto de 1579 em
Itaboraí, passando em 1584 para as margens do rio Macacu. Passou a se chamar aldeamento de Vila
Nova de São José Del Rei após as reformas pombalinas, que com o seu “Diretório” proibiu o uso de
línguas originárias inclusive nos aldeamentos, a nudez e as habitações coletivas, e tornou obrigatória
adoção de sobrenomes portugueses, dentre outras medidas. Por isso encontramos no livro de óbitos
da mesma igreja de São Lourenço referências à “Vila Nova”, como no falecimento de Patronilha em 18
de novembro de 1802, filha legítima de Ignacio Pereira e Anna Maria, “indios da Aldeia da Vila Nova
[de São José Del Rei]”78, e no de Matilde, em 29 de junho de 1803, “filha de índios da Aldeia de Villa
Nova [de São José Del Rei]”79.
Não deve causar surpresa, portanto, que a “Aldeia de São Lourenço” viesse declinando ao longo do
tempo, embora tenhamos que examinar direito os motivos deste declínio. A começar pelo roubo das
suas terras, como foi no caso de José Caetano de Andrade Pinto. Por outro lado, a diminuição
demográfica, sempre apontada pelos historiadores, deve merecer um olhar cuidadoso. No final do
século XVIII ela contava com 170 adultos. Em 1820 tinha ao todo 200 habitantes, e não alcançava 150
em 1835, ano em que os políticos discutiam a necessidade premente do abastecimento de água da
cidade de Niterói. Foi neste momento que ali chegaram os “africanos livres” que se juntaram a outros
escravizados e aos remanescentes dos povos originários que habitavam a Chácara do Vintém e as
suas cercanias. Quando o aldeamento de São Lourenço foi extinto em 1866, a sua população não
74JOÃO, 9/9/1682, Livro de batismos e óbitos de escravos de Nossa Senhora do Bonsucesso de Piratininga, 1680-
1726.
75 FRANCISCA, 16/12/1784, Livro de óbitos da freguesia de São Lourenço, 1776-1864.
76 ANTÔNIO, 4/10/1793, Livro de óbitos da freguesia de São Lourenço, 1776-1864.
77 MIGUEL, 16/10/1798, Livro de óbitos da freguesia de São Lourenço, 1776-1864.
78 PATRONILHA, 18/11/1802, Livro de óbitos da freguesia de São Lourenço, 1776-1864.
79 MATILDE, 29/6/1803, Livro de óbitos da freguesia de São Lourenço, 1776-1864.
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A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA
desapareceu como num passe de mágica. O fim “formal” de um aldeamento não pode induzir ao
apagamento de toda uma população que sempre existiu e que continuou a existir ali, descendente de
africanos e dos povos originários cujas terras foram privatizadas, passando para as mãos da elite
senhorial da cidade. Esse é outro erro que não podemos repetir. Se o Recenseamento Geral do Império
indicou a existência na província do Rio de Janeiro de 7.852 “caboclos” em 1872, é preciso pesquisar
quais foram as novas identidades paulatinamente assumidas por aquela população ali historicamente
fixada, sobretudo a dos seus descendentes que foram empurrados em comunidades para as encostas
do morro de São Lourenço, da Pedreira e da Boa Vista.
Já vimos que as jaqueiras estão presentes no Morro de São Lourenço desde pelo menos 1848.
Pesquisas posteriores deverão solucionar a razão delas terem sido plantadas naquela localidade,
quando esse plantio ocorreu etc. Tudo ali necessita de pesquisas mais aprofundadas, e até que elas
aconteçam, recomenda-se que nada seja alterado. Sem falar na hipótese dela ser um bem cultural
imaterial, pois junta-se a tudo isso a informação de que as jacas foram utilizadas na alimentação dos
escravizados, um uso delas inteiramente diferente dos que vimos até aqui, geralmente relacionado ao
embelezamento das propriedades. Ocorre que elas são originárias do subcontinente indiano e há
informações de que as suas sementes teriam chegado ao Brasil no final do século XVII. Todavia, é
preciso considerar a possibilidade delas terem se espalhado pelo oceano Índico anteriormente aos
Descobrimentos, ou mesmo durante o período da expansão ultramarina portuguesa até a Ásia no final
do século XV. No “Roteiro” da viagem para as Índias feita por Vasco da Gama, quando passavam pela
primeira vez pelo litoral de Moçambique, há a descrição de “huum frutu tam grande como mellõees e o
miollo de dentro he o que comem e sabe como junça avellonada e também ha hii pipinos e mellõees
muitos, os quaes nos traziam a resgatar”80. Já no relato da recepção que tiveram os lusitanos em
Calicute em 28 de maio de 1498, consta que o samorim “mandou trazer hua fruy[ta] que he feita como
meloees salvo que de fora sam crespos mas de dentro som doces”81. O bosquejo da casca “crespa” da
fruta de grandes dimensões e de gosto adocicado em seu interior que foi oferecida na ocasião aos
portugueses não passou despercebido pelo escritor, historiador, jornalista e poeta português Alexandre
Herculano. Ele escreveu um conto intitulado “Três meses em Calicute – Primeira crônica dos Estados
da Índia (1498)”, que saiu em Portugal no jornal “O Panorama”, em 1839, e depois publicado no livro
“Lendas e Narrativas” em 1851. Foi replicado no Rio de Janeiro naquele mesmo ano dividido em três
edições do jornal “O Despertador: Diario Commercial, Politico, Scientifico e Litterario”. Diz Herculano
sobre o mesmo episódio:
80VELHO, Álvaro. Roteiro da Primeira Viagem de Vasco da Gama à Índia. Porto: Faculdade de Letras do Porto,
1999, p. 53.
81 Ibidem, p. 77.
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A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA
Portanto, se é verdade que as jacas também foram difundidas como alimento potencialmente farto e
barato a ser dado aos escravizados pelos seus senhores aqui no Brasil, do mesmo modo como a fruta-
pão (Artocarpus altilis) nas colônias britânicas no século XVIII, reduzindo os custos da lavoura cafeeira
em franca expansão desde a virada para o século XIX, isso deve ser investigado mais a fundo. Enfim,
tudo são hipóteses que carecem de estudos de maior envergadura. Porém, de fato a necessidade
crescente por mão de obra escravizada para acompanhar a demanda de café no mercado internacional
coincidiu com a chegada aqui no Rio de Janeiro dos primeiros africanos da costa oriental numa rota
regular do tráfico em 1797. As exportações de café passaram de 160 arrobas em 1792 para 318 mil
em 1817, 539 mil em 1820, quase 2 milhões em 1830 e 3.237.190 em 1835. Neste mesmo período, a
exportação de africanos escravizados de Moçambique passou de 15 expedições negreiras entre 1795
e 1811, para 235 depois desse ano, representando um aumento de 1.567%, contra o incremento de
271% da África Ocidental. O Rio de Janeiro, aliás, foi o principal porto de destino americano dos navios
negreiros que partiram de Moçambique no século XIX. Segundo Herbert Klein, 85 das 430
embarcações que chegaram ao porto do Rio entre 1825 e 1829 vieram de Moçambique . Muitos deles
eram “africanos livres”, como no caso da carga humana do brigue Ganges, apreendido pelo navio inglês
Gracian perto de Cabo Frio com 419 africanos a bordo, tendo embarcado 463 no porto de Quelimane
em 1839. Desse total, 386 acabaram emancipados, o que significa que pelo menos 77 pessoas
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A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA
perderam a vida antes de obterem a liberdade, sem contar os que morreram antes do embarque na
África.
É claro que todo esse gigantesco deslocamento de pessoas teve reflexos na demografia e na
sociabilidade da freguesia de São Lourenço dos Índios, onde ficava a Chácara do Vintém. Encontramos
nos registros paroquiais da freguesia de São Lourenço a presença de africanos orientais de propriedade
de alguns dos arrendatários da “sesmaria dos índios” como, por exemplo, de Honorata, “nação
Moçambique”, pertencente a Joaquim Pedro, em 15 de julho de 1854; de Antônio Moçambique, que
faleceu com mais de 60 anos, pertencente a João Pinto Drumond, em 14 de maio de 1854; de José
“nação Moçambique”, escravizado de Maria Roza da Conceição, falecido em 10 de agosto de 1858; e
outro Antônio Moçambique, que morreu em 7 de maio de 1859, este com 40 anos, de propriedade de
Chrispim José de Souza. Por fim, na chácara de São Lourenço à esquerda da “ponte de pedra” que
mencionamos mais acima, contendo jaqueiras entre tantas outras árvores frutíferas em 1848, havia
“cômodo para pretos” (senzalas). Além da economia doméstica, havia todo um cotidiano citadino negro
em torno da jaca, com saberes e fazeres a ela relacionados, como nos revela a notícia da fuga no
Andaraí de Marianna Angola em 1851, muito possivelmente uma “escrava de ganho” que vivia da
atividade de “vender jacas” pelas ruas.
Fiz essa breve digressão para dizer, finalmente, que as jaqueiras da Chácara do Vintém não podem
ser analisadas isoladamente em seu aspecto florístico, neste caso, pertencentes a uma espécie exótica
e invasora da Mata Atlântica. A despeito da composição paisagística das chácaras do século XIX pelas
jaqueiras, do que resultaria um interesse histórico, se há os indícios de que as jacas foram empregadas
na alimentação de africanos, seja na África ou mesmo no Brasil, isso poderá caracterizar uma cultura
imaterial relacionada à ancestralidade africana e à identidade negra, ensejando a sua proteção como
uma propriedade imaterial, segundo o artigo 216 da Constituição Federal. O movimento negro, aliás,
deverá ser consultado a esse respeito. No caso específico das jaqueiras da Chácara do Vintém, elas
estão intimamente relacionadas com o cotidiano de uma comunidade escrava desde pelo menos a
primeira metade do século XIX, formada pelas famílias de Miguel Cabinda e Escolástica Conga, de
Faustino Cabinda e Euzébia Benguela, de Antônio Cabinda e Angela Ganguela, e de Manoel Benguela
e Maria Thereza Cassange, para citar apenas alguns nomes. E caso seja confirmada essa hipótese,
as jacas não poderão ser privadas da comunidade com a qual está historicamente implicada, cuja
comensalidade remete às tradições culturais e religiosas ligadas aos seus ancestrais. Segundo Antônio
Carlos Diegues,
83 DIEGUES, Antônio Carlos Santana. O mito moderno da natureza intocada. Op. Cit., p. 72.
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A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA
parte do cotidiano de uma comunidade tipicamente banto que foi “recriada” ali naquele lugar, para
utilizarmos a expressão do historiador James Sweet, para quem “a crioulização que de facto ocorreu
nas comunidades escravas brasileiras registrou-se principalmente entre vários grupos étnicos centro-
africanos que tinham muitas concepções culturais e linguísticas em comum”84. A Chácara do Vintém
foi o lugar da escravização de muitas pessoas ao longo dos séculos, mas também de estratégias de
resistência e do aquilombamento, como no caso da fuga de Jacintho e de Júlio dos grilhões de José
Caetano de Andrade Pinto. Fugiram-lhe também José Umbie, em 26 de julho de 1838, e os “africanos
livres” Hermenegildo Benguela, em 6 de março de 1842, e Joanna Rebola, em 14 de fevereiro de 1842.
A luta pela liberdade de cada um deles teve aquelas jaqueiras como testemunhas. Portanto, além
daquelas árvores contarem a história da integração do homem de um modo geral com o meio ambiente
ali naquela localidade, devemos olhar para elas também em seu aspecto espiritual do qual não pode
ser dissociado.
Após a breve pesquisa acima, limitada pelo pouco tempo disponível para a elaboração de um estudo
técnico de maior vulto, podemos concluir que:
1º. O sistema de abastecimento de água da Chácara do Vintém deve ser urgentemente protegido
através do tombamento municipal, interrompendo o processo de arruinamento das suas estruturas
antes que eles se percam definitivamente, com grande prejuízo para o patrimônio arquitetônico,
histórico e cultural material da cidade de Niterói. Refiro-me inclusive à estrutura edificada logo na
entrada, que apesar de ser mais recente do que as demais, não deixa de ser parte da história da
Chácara do Vintém. Ela poderá muito bem, após ouvidos os representantes do Movimento Negro, ser
aproveitada para ajudar a contar toda a riquíssima história social daquela localidade, transformada num
equipamento cultural permanente da cidade, abrigando salas de aula e pesquisa, espaços de memória
dos descendentes dos povos originários e africanos de Niterói, atraindo alunos, professores,
pesquisadores, visitantes e recursos públicos e privados para a sua manutenção.
2º. Em se tratando de um complexo situado dentro de uma UCI – o Parque Natural Municipal da
Água Escondida –, acreditamos que o manejo dela visando à preservação daquela floresta deve ser
correlata à conservação da paisagem cultural local da qual nenhum dos seus elementos constitutivos
devem ser alterados, de forma a serem mantidas todas as construções e também a flora que se formou
historicamente a partir da relação do homem com aquele lugar ao longo de séculos ou milênios. Com
destaque para os povos originários e africanos, cujos descendentes compõem as comunidades do
entorno da UC, os quais mantêm uma relação histórica com aquela natureza e com o aproveitamento
dos seus recursos. A título de exemplo, o INEPAC já tombou a jaqueira da rua do Guedes de Carvalho,
na ilha de Paquetá, exatamente pela sua importância na paisagem cultural local85. Defendo, partindo
84SWEET, James. Recriar África: cultura, parentesco e religião no mundo afro-português (1441-1770). Lisboa:
Edições 70, 2007, pp. 268-269.
85 INEPAC, processo nº 03/300.203/67.
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A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA
dos dados levantados na pesquisa realizada, que as jaqueiras da Chácara do Vintém também têm as
suas raízes fincadas na paisagem cultural local comprovadamente desde pelo menos 1848,
perfeitamente integradas numa comunidade escrava cujos descendentes ainda estão lá presentes. Se
a Lei da Mata Atlântica tem como objetivos “o desenvolvimento sustentável” e a “estabilidade social”
(artigo 6º), estes são direitos que devem ser compatibilizados com outras normas ambientais mais
restritivas das UCIs que não levam em conta os direitos das comunidades tradicionais locais. Direitos
que devem ser efetivados dentro de uma interpretação ditada pelo artigo 216 da Constituição Federal,
sob pena de se tornar um novo “Diretório”.
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A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA
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A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA
https://www.icmbio.gov.br/cbc/images/stories/Publicações/EEI/Guia_de_Manejo_de_EEI_em_UC_v3.
pdf, acessado em 24/09/2022.
TABELA DE FIGURAS:
Figura 2: Gravura de Joaquim Candido Guillobel (1787-1859). “Cenas de rua”, 1814. Fonte: SANTOS,
Francisco Marques dos. O ambiente artístico fluminense à chegada da Missão Francesa de 1816. Op.
Cit., p. 223.
Figura 3: Fotografia. Obras do Porto de São Lourenço, Nictheroy. Holland, S. H., c1930.
http://objdigital.bn.br/objdigital2/acervo_digital/div_iconografia/icon1388799/icon1388799.jpg.
Figura 4: Fotografia. Vista geral de Nictheroy, vendo-se o ponto de atracação das barcas da Cantareira.
Photographia tirada do hydroplano "C.3". Kfuri, Jorge (1893-1965).
http://objdigital.bn.br/objdigital2/acervo_digital/div_iconografia/icon628251/icon628260.jpg.
Figura 5: “O desaparecido Chafariz de Granito, obra de Reis Alpoim”. Fonte: WHERS, Carlos, Op. Cit.,
p. 256.
Figura 6: Fotografia. Guarda corpo da “ponte de pedra” com o morro de São Lourenço ao fundo. Acervo
do autor.
Figura 8: Fotografia. Obras do Porto de São Lourenço, Nictheroy. Holland, S. H., c1930.
http://objdigital.bn.br/objdigital2/acervo_digital/div_iconografia/icon1388799/icon1388799.jpg.
Autor: Henrique Barahona, jurista e historiador, Mestre e Doutor em Sociologia e Direito pela
Universidade Federal Fluminense, Doutor em História Social pela Universidade Federal Fluminense.
Professor da graduação e da pós-graduação, pesquisador do Laboratório Cidade e Poder do
PPGH/UFF. Auxiliou a elaboração do Projeto de Lei (PL) que resultou na Lei Municipal nº 3.613, de 19
de Julho de 2021, que “Dispõe sobre o tombamento como Patrimônio Histórico, Cultural e Arquitetônico,
de natureza material da Cidade de Niterói a Ponte de Pedra, recuperada em dezembro de 2020, por
uma equipe de voluntários do Parque Natural Municipal de Niterói – PARNIT”.
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A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA
A construção das recomendações que elencamos a seguir partiram de três estratégias de base que
estruturam nossa visão sobre o Parque da Água Escondida. Através delas entendemos que será
possível construir um PARQUE ESCOLA: inclusivo, potente e democrático.
- Proteção patrimonial ativa, educativa e produtiva. Para um parque que extrapole a percepção
como área de ócio e contemplação. Um parque como uma paisagem diversa, educativa, produtiva,
recreativa onde a população pode desenvolver atividades que mudem seu cotidiano, através ações
comunitárias e de capacitação.
Devido à vista privilegiada no Morro da Boa Vista e a presença do patrimônio histórico do aqueduto,
ruínas da bica e da Chácara do Vintém, aliado ao uso comunitário da área já existente, é possível
incorporar novas atividades necessárias para a evolução do lugar, seus habitantes e para a própria
transformação do Parque Escola, como a formação de pessoal que apoie a gestão do Parque. Algumas
das áreas de formação podem ser:
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A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA
4. PESQUISAS RECOMENDADAS
Além disso, é possível identificar espécies madeireiras, medicinais, alimentícias entre outras.
Levantamentos etnobotânicos podem ser realizados no local com entrevistas aos moradores mais
idosos e levantamento de dados na literatura e nas coleções botânicas sobre a flora local.
Por fim, o LaBEH também está interessado em realizar investidas exploratórias na paisagem do
PNMAE para mapear outros legados socioecológicos tais como carvoarias, outras ruínas, caminhos
antigos, e outras estruturas humanas que podem estar escondidas nas matas do PNMAE.
Esta pesquisa deve ter como eixo uma Análise Histórica da Paisagem, de forma a instrumentar futuras
intervenções no sentido de uma continuidade dos saberes e vivências ali já registrados.
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A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA
5. ANEXOS
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A PAISAGEM DO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA ÁGUA ESCONDIDA
22/06/2022 Visita Técnica PUC-Rio: Alexandro Solórzano (Dir. Dep. Da entrada do Parque (Lava jato) Levantamento das jaqueiras (CAP e GPS). Avaliação das
Geografia), Lucas Brasil e Vicente Leal até o Clube abandonado e seu características de fitofisionomia da floresta ombrófila do
(Labeh) antigo estacionamento. Da entrada talvegue. Pesquisa por indícios de atividades carvoeiras.
UFF: Adriana Lobão (Coord. LaSBiV e do Parque seguindo a trilha do Avaliação das condições físicas do patrimônio construído.
Curadora do herbário de Niterói), André aqueduto até o reservatório de
Hoffmann (Biólogo Herb. de Niterói) decantação situado a jusante.
Padre João Claudio Nascimento MNJ:
Marisa Furtado, Dominick Cristiano e
Pedro Lobão, Valeria Marx (bióloga,
analista e educadora ambiental)
Graduandos: Bernardo Mendes, Lucas
Azevedo, Victor Hugo (Biologia-UFF)
01/08/22 Visita técnica Participantes: Pedro Lobão, Carla Urbina, Da Igreja de Fátima, Parque das Relatório valores da paisagem e aspetos jurídicos. Avaliações
Pe. João Claudio Nascimento, Henrique águas escondidas, aqueduto até a históricas o conjunto construído e do conjunto paisagístico.
Barahona (História-UFF), Lúcia Bravo cisterna. Discussão de premissas importantes do futuro parque junto a
(história UFF), Graduandos: Bernardo lideranças políticas e comunitárias. Pesquisa de vestígios
Mendes, Lucas Azevedo, Victor Hugo arqueológicos ao res do chão (cacos de cerâmica e fragmentos de
(Biologia-UFF), Paulo Eduardo Gómez, objetos)
David Andrade e Fernando Tinoco (PSOL).
13/07/2022 Reunião prefeitura SMARHS: Fabiana Barros, Sergio Apresentação e Entrega do relatório da Visita Técnica do dia
Marcollini, Rafael Figueiredo (parcial) - 22/06-2022. Discussão sobre a necessidade de preservação das
Apresentação e Entrega do relatório da jaqueiras existentes como elemento de conexão das
Visita Técnica comunidades do entorno através de oficinas de capacitação
gastronômica e em arborismo, geração de renda e segurança
alimentar.
09/08/2022 Oficina Mão na Jaca Pe. João Claudio Nascimento, equipe da Cozinha da Paróquia de N. Sra de Produção de empadinhas de jaca aproveitando a receita que a
igreja N. Srá de Fátima, MNJ: Marisa Fátima paroquia já utiliza para elaborar empadões a serem distribuídos à
Furtado população. Foram montadas, pré-assadas e congeladas 100
empadinhas.
12/08/2022 Reunião Presencial PMN: Axel Grael (Prefeito), Rafael Gabinete do Prefeito Leitura de carta do Padre João ao Prefeito, justificando a
Robertson (SMARHS), Anderson permanência das jaqueiras e pedindo o tombamento de todo o
Rodrigues -Pipico (SMPS). Pe. João patrimônio histórico arquitetônico e vegetal. Apresentação pelo
Claudio Nascimento. Marisa Furtado e Mão na Jaca de proposta de ocupação do PNMAE- Pedro Lobão e
Pedro Lobão. Duas assistentes do Marisa Furtado, sugerindo a eliminação de estacionamento,
Gabinete do Prefeito (?) abertura de novas entradas, frentes de contato com a população
do entorno do Parque, reestruturação e aproveitamento das
águas existentes em bicas, lava jato, aproveitamento e uso das
frutíferas e plantas existentes, horta comunitária, gestão de
resíduos e construção de cozinha social comunitária. Oferecidas
17 empadinhas feitas na Oficina MNJ realizada na Paróquia N Sra.
de Fátima aos presentes e funcionários do gabinete.
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17/08/22 Visita da comunidade Bairro de Fátima: Pe. João Claudio Da Igreja de Fátima, Parque das Apresentação do Parque a vários moradores e membros da
Nascimento, Márcia de Oxum (Líder de águas escondidas, aqueduto até a comunidade local. Demarcação das jaqueiras com fitas votivas e
religião de matriz africana - candomblé) e cisterna, cume do morro. apresentação da mitologia ligada aos orixás. Discussão da
vários moradores e membros da importância do envolvimento da sociedade na criação do parque
comunidade local. Especialistas Michelle (atividades, objetivos etc.) Degustação de empadinhas de jaca
Tizuka (arqueologia), Carla Urbina (arq. por todos os Participantes Formação do grupo de WhatsApp e
Paisagística), Cristina Teper (Bióloga), página do Instagram dedicada a formação de coletivo de proteção
Sonia (violinista da orquestra sinfônica ao PNMAE e sua comunidade.
Niterói e ativista ambiental). Marcio
Highliner (biólogo e esportista) MNJ:
Marisa Furtado e Pedro Lobão
Graduandos: Bernardo Mendes, Lucas
Azevedo, Victor Hugo -Biologia-UFF.
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Observação: Ainda não foi possível executar o levantamento da Cisterna de Decantação que fica
situada mais a jusante do sistema, atrás do imóvel de número 81 da Rua Andrade Pinto. Priorizamos o
levantamento das estruturas menores, localizadas no início do sistema de captação por entender que
elas são mais frágeis e passíveis de intervenções as descaracterize, induzindo à perda do seu valor
histórico.
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Bernardo Mendes. Estudante de Ciências Biológicas da UFF; Lucas Azevedo. Estudante de Ciências
Biológicas da UFF; Victor Hugo Cordeiro. Estudante de Ciências Biológicas da UFF; Vinicius Ramon.
Estudante de Ciências Biológicas da UFF
Michelle Mayumi Tizuka. Doutoranda em Ciência da Computação (UFF), geóloga (bacharelado) pelo
Instituto de Geociências (USP), licenciada em Geologia pela Faculdade de Educação (USP) e mestre
em Geociências e Meio Ambiente pela UNESP. Experiencia em diversos projetos de Arqueologia
Preventiva, serviços nas áreas de Arqueologia, Geologia e Educação Patrimonial.
Fernando Jose Cantele: Graduado em História pela Univ. do Contestado (UnC) - Campus Mafra/SC,
pós-graduado “Lato Sensu” em nível de especialização em Cultura Material e Arqueologia (2018) pela
Univ. de Passo Fundo (UPF) e Antropologia Brasileira pela Univ. Cândido Mendes (UCAM), além de
formação complementar em Estudos Líticos (MAE-USP, UFRGS e UPF) e Arqueologia Paranaense
(UFPR). Atualmente cursa pós-graduação "Lato Sensu" em nível de especialização em Gestão
Sustentável e Meio Ambiente na Pontifícia Univ. Católica do Paraná (PUC-PR).
Henrique Barahona. Jurista e historiador, Mestre e Doutor em Sociologia e Direito pela Universidade
Federal Fluminense, Doutor em História Social pela Universidade Federal Fluminense. Professor da
graduação e da pós-graduação, pesquisador do Laboratório Cidade e Poder do PPGH/UFF. Auxiliou a
elaboração do Projeto de Lei (PL) que resultou na Lei Municipal nº 3.613, de 19 de julho de 2021, que
“Dispõe sobre o tombamento como Patrimônio Histórico, Cultural e Arquitetônico, de natureza material
da Cidade de Niterói a Ponte de Pedra, recuperada em dezembro de 2020, por uma equipe de
voluntários do Parque Natural Municipal de Niterói – PARNIT”.
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