Você está na página 1de 2

Brasilândia Ripária: Proposição de um Sistema de Espaços Livres

É inerente ao processo de urbanização, seja no meio urbano ou rural, a produção de


impactos e alterações na paisagem (tanto biofísicas quanto socioeconômicas) que podem ser
compatibilizadas a um planejamento da paisagem que entenda os espaços livres a partir de sua
multifuncionalidade – abarcando as questões de infraestrutura urbana, sociais, econômicas e
ambientais. Diante deste contexto, a infraestrutura verde responde à demanda ao propor e pensar o
sistema de espaços livres (SEL) em sua multifuncionalidade, ao associar questões ambientais às
questões sociais (com criação de espaços de permanência e, portanto, de convívio),1 por meio do
uso de geotecnologias para aplicação de uma metodologia de planejamento ambiental urbano.

Figura 1. Contextualização do recorte, Distrito de Brasilândia, SP. Local exemplo de como a expansão urbana não
controlada contribui ao aumento da vulnerabilidade social e a ratificação do abismo entre os moradores da periferia e do
centro paulista. Expansão que ao ultrapassar os limites administrativos paulistanos pressiona o Parque Estadual da
Cantareira, por vezes invadindo, por vezes contornando. A essa população, ainda que desfrute de vistas privilegiadas do
Parque da Cantareira, tem notável dificuldade de encontrar espaços livres públicos qualificados e acessíveis. A
topografia, marcada por declividades acentuadas, definem áreas de risco geológico que comprometem a segurança dos
moradores destes locais e dificulta a sua plena acessibilidade. O local é distante de linhas férreas, metrôs ou outros
modais, a única possibilidade de acesso à região é feita através de carro ou ônibus. A existência de um centro comercial
local, definindo uma centralidade de bairro, é também uma importante questão a ser trabalhada, tanto como fator de
geração de empregos quanto de estruturação de um sistema de espaços livres que conectaria os dois tecidos
habitacionais a norte e a sul do eixo da avenida, bem como melhor costuraria o tecido do bairro como um todo. 2

Para abarcar estas questões e aplicá-las a um plano de infraestrutura verde, em um território


não idealizado, selecionou-se dentro do Distrito de Brasilândia, SP, região periférica da cidade, um
trecho do Bairro do Carombé, especificamente entre a Av. Dep. Cantidio Sampaio e Av. Manoel
Bolívar que encobre o Córrego Carombé II. Trata-se de um projeto de desenho urbano que se
debruça em uma avenida comum, localizada sobre um curso d’água em um bairro periférico,
aparentemente sem grande importância para o contexto macro-urbano, mas como uma grande
oportunidade para um estudo aprofundado que se apoia em três frentes: a primeira reforça que o
espaço singelo não é menos importante hierarquicamente que o desenho urbano em grande escala,
ao compreender a importância dos fluxos e redes da cidade e da sua integração nas diferentes
escalas da metrópole. A segunda reforça que a periferia deve, também, ser um espaço de qualidade
urbana, alvo de projetos de requalificação. E a terceira discute, através do desenho, as
potencialidades da relação entre água e cidade enquanto evoca a importância afetiva dos espaços
corriqueiros: o teto que acolhe, a escola que ensina, as escadarias de encontro e as ruas que
permeiam o convívio urbano desde a infância. Para tanto, propõe-se uma reestruturação do sistema
de espaços livres do recorte, tendo enquanto centralidade de bairro a Av. Manoel Bolívar associado
1
Para Pellegrino et al. (2006) os espaços podem exercer várias funções: conectar fragmentos de vegetação, conduzir as
águas, oferecer melhorias microclimáticas, atender usos relacionados à moradia, trabalho, educação e lazer, garantindo
uma maior segurança social, acomodar as funções das demais infraestruturas urbanas como transporte e abastecimento,
além de atender objetivos de recreação, encontro e melhorias ambientais e estéticas.
2
A conexão é marcada pela ruptura do tecido urbano, as avenidas eixo que dão acesso ao bairro correm praticamente
paralelas sem haver entre ambos qualquer outro tipo de conexão com outros modais de transporte, se não a pé.
a “renaturalização” do Carombé. Atualmente correndo canalizado sob a Av. Manoel Bolívar e
depois fluindo aberto sobre trecho íngreme, onde observa-se a presença de habitações irregulares,
juntando-se à outro córrego para desaguar no Bananal. O problema da drenagem, portanto, é outra
frente de priorização, especialmente quando há recorrência de pontos de inundação. A concepção
do projeto não considera ser somente um gesto de embelezamento do sistema viário, mas sim um
entendimento multifuncional do SEL, associando a aplicação de dispositivos de infraestrutura verde
(canteiros pluviais, jardins de chuva e biovaletas) às vias, consideradas também a partir de seu
caráter afetivo e cotidiano. Com o tratamento do curso d’água e das conexões fundamentais que
costuram esse tecido urbano, tanto na escala de bairro quanto de metrópole, o pedestre é capaz de
percorrer, ocupar e se apropriar deste espaço público multifuncional. À montante do córrego foi
proposto um parque, fundamental como espaço de convivência e lazer, apostando na co-existência
de comércio, moradia, lazer, transição e permanência para conferir u caráter de pólo agregador
dentro do contexto do bairro.

Figura 2. Diagnóstico e Proposta. A conexão norte-sul


entre as Avs. Manoel Bolívar e a Dep. Cantídio
Sampaio transpõe a barreira imposta pela Favela do
Alto do Carombé, ao interligar dois importantes eixos
viários de transporte público por meio de percursos
seguros. A continuação de eixos viários já existentes,
mas interrompidos, foi redesenhada, buscando respeitar
seus limites físico-geográficos. A abertura do córrego
cumpre três funções, ambiental, organizacional e social.
Com dispositivos de IEV que proporcionam a
biorremediação com filtragem da poluição difusa das
águas, diminuição da velocidade do escoamento das
águas pluviais. Córrego como eixo central de fluxo e
convivência, promovendo um contato afetivo e didático
com a água. É para ele que se viram as habitações, o
comércio, a passagem. É nele onde ocorrem os pontos
de encontro. É para ele que se viram os olhos da cidade.
O córrego passa a ser parte da memória afetiva
comunidade.

Bibliografia PELLEGRINO, P.R.M; GUEDES, P.P.; PIRILLO, F.C.; FERNANDES, S.A. Paisagem da borda: uma
estratégia para a condução das águas, da biodiversidade e das pessoas. In: COSTA, L.M.S.A. (Org.). Rios e paisagem
urbana em cidades brasileiras. Rio de Janeiro: Viana & Mosley, PROURB, 2006, p. 57-76.

Você também pode gostar