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Érika Shigaki Lisbôa Aidar

A PRESENÇA DE QUADRINHOS NORTE-AMERICANOS


NA REVISTA INFANTIL BRASILEIRA O TICO-TICO

São José do Rio Preto


2022
Érika Shigaki Lisbôa Aidar

A PRESENÇA DE QUADRINHOS NORTE-AMERICANOS


NA REVISTA INFANTIL BRASILEIRA O TICO-TICO

Dissertação apresentada como parte dos


requisitos para obtenção do título de Mestre
em Letras, junto ao Programa de Pós-
Graduação em Letras, do Instituto de
Biociências, Letras e Ciências Exatas da
Universidade Estadual Paulista “Júlio de
Mesquita Filho”, Câmpus de São José do Rio
Preto.

Orientadora: Profa. Dra. Nilce M. Pereira

São José do Rio Preto


2022
Aidar, Érika Shigaki Lisbôa
A288p A Presença de Quadrinhos Norte-Americanos na Revista Infantil
Brasileira O Tico-Tico / Érika Shigaki Lisbôa Aidar. -- São José do
Rio Preto, 2022
127 p. : il.

Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual Paulista (Unesp),


Instituto de Biociências Letras e Ciências Exatas, São José do Rio
Preto
Orientadora: Profa. Dra. Nilce M. Pereira

1. O Tico-Tico. 2. histórias em quadrinhos norte-americanas. 3.


tradução. I. Título.

Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca do Instituto de


Biociências Letras e Ciências Exatas, São José do Rio Preto. Dados fornecidos pelo autor(a).

Essa ficha não pode ser modificada.


Érika Shigaki Lisbôa Aidar

A PRESENÇA DE QUADRINHOS NORTE-AMERICANOS


NA REVISTA INFANTIL BRASILEIRA O TICO-TICO

Dissertação apresentada como parte dos


requisitos para obtenção do título de Mestre
em Letras, junto ao Programa de Pós-
Graduação em Letras, do Instituto de
Biociências, Letras e Ciências Exatas da
Universidade Estadual Paulista “Júlio de
Mesquita Filho”, Câmpus de São José do Rio
Preto.

Comissão Examinadora

Profa. Dra. Nilce M. Pereira


UNESP – Câmpus de São José do Rio Preto/SP
Orientadora

Prof. Dr. Alvaro Luiz Hattnher


UNESP – Câmpus de São José do Rio Preto/SP

Profa. Dra. Paula G. Arbex


UFU – Uberlândia/MG

São José do Rio Preto


26 de agosto de 2022
AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus por me dar tranquilidade.

Agradeço a Lucas, meu companheiro, por estar sempre ao meu lado e me incentivar a seguir
em frente.

Agradeço à Denise, minha mãe, e a Eugênio, meu pai, pelo amor e carinho e por darem
suporte nos meus estudos; aos meus irmãos Marcel e Renan, e à minha avó Yukiko, por
compartilharem todos os momentos juntos.

À Profa. Dra. Nilce M. Pereira, pela orientação sempre atenciosa.

Ao Prof. Dr. Alvaro Luiz Hattnher, pelas considerações e indicações bibliográficas na Banca
de Qualificação e na Banca de Defesa; à Profa. Dra. Paula G. Arbex, pelas observações na
Banca de Defesa; e à Profa. Dra. Norma Wimmer, pelas considerações na Banca de
Qualificação.

Ao Conselho do Programa de Pós-Graduação em Letras do IBILCE/UNESP, câmpus de São


José do Rio Preto, pela aprovação da prorrogação de prazo de defesa desta dissertação.

Aos professores do PPG em Letras, pela oportunidade de desenvolver o meu conhecimento.

Aos colegas do PPG em Letras e, em especial, à Natalie de Olim Valença, pela amizade.

Aos funcionários da Seção de Pós-Graduação e da Biblioteca, pelo auxílio prestado.


RESUMO

Esta dissertação consiste em um estudo sobre a presença de histórias em quadrinhos de


origem norte-americana na revista infantil brasileira O Tico-Tico, bem como na análise
descritiva de processos de tradução de tais produções quadrinísticas em comparação com seus
originais. Publicada entre 1905 e 1962, O Tico-Tico foi um dos principais periódicos
destinados às crianças na primeira metade do século XX e contribuiu de modo significativo
para o desenvolvimento do imaginário de seus leitores. Seu conteúdo abrangia histórias
ilustradas e histórias em quadrinhos, além de recortes para montagem, concursos,
correspondências com os leitores, publicidade infantil, entre outros. Desde seu início, a revista
foi um importante espaço para a produção quadrinística nacional e estrangeira. Compõem os
objetos de estudo os personagens e os quadrinhos de Mickey Mouse, Felix the Cat e Popeye,
publicados em português na revista entre os anos de 1929 e 1942, período de significativa
presença de tiras estrangeiras nesse periódico. Além da investigação sobre as modificações
resultantes dos processos de tradução, procurou-se compreender, com base em estudos
sociológicos acerca do fenômeno da tradução, a presença dessas tiras em O Tico-Tico, no
contexto de forte difusão de produtos culturais provenientes dos Estados Unidos naquela
época. Dada a importância da revista, a compreensão desses personagens e dessas histórias
em quadrinhos pode lançar luz sobre as transformações pelas quais as tiras passaram no
contexto brasileiro e sobre a história dos quadrinhos no Brasil em geral.

Palavras-chave: O Tico-Tico. histórias em quadrinhos norte-americanas. tradução.


ABSTRACT

This dissertation consists of a study of the presence of North American comics in the
Brazilian children’s magazine O Tico-Tico, as well as a descriptive analysis of translation
processes involved in their appearance in the periodical production in comparison with their
sources. Published between 1905 and 1962, O Tico-Tico was one of the main publications
aimed at children in the first half of the 20th century and contributed significantly to the
development of the imagination of its readers. Its contents included illustrated and comic
stories, as well as cut and paste worksheets, contests, letter columns, advertisements, among
others. Since its beginnings, the magazine has been an important space for national and
foreign comics. The objects viewed in the study are the characters and comic stories of
Mickey Mouse, Felix the Cat and Popeye, published in Portuguese in the magazine between
1929 and 1942, a period of a significant presence of foreign comics in this periodical. In
addition to investigating the changes resulting from the translation processes, we sought to
understand, based on sociological studies on the phenomenon of translation, the presence of
these comics in O Tico-Tico, in the context of strong diffusion of North American cultural
products in Brazil during the period. Given the importance of the magazine, an understanding
of these characters and comic stories can shed light into the transformations comics went
through in the Brazilian context and the history of comics in Brazil in general.

Keywords: O Tico-Tico. North American comics. translation.


LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Capa da primeira edição da revista O Tico-Tico, 11 out. 1905................................ 14


Figura 2: Luís Bartolomeu de Souza e Silva (1864-1932) ...................................................... 18
Figura 3: Cabeçalho da revista O Tico-Tico, 17 jan. 1906 ...................................................... 21
Figura 4: Cabeçalho da revista O Tico-Tico, 10 out. 1923 ...................................................... 22
Figura 5: Cabeçalho da revista O Tico-Tico, 31 ago. 1927 ..................................................... 23
Figura 6: Cabeçalho da revista O Tico-Tico, 19 out. 1932 ...................................................... 23
Figura 7: Capa da revista O Tico-Tico, 3 jan. 1940 ................................................................ 24
Figura 8: Anúncio da nova fase de O Tico-Tico, 16 jul. 1941 ................................................ 25
Figura 9: Anúncio da nova fase de O Tico-Tico, 23 jul. 1941 ................................................ 25
Figura 10: Seção “Correspondência do Dr. Sabe Tudo”. O Tico-Tico, 19 jul. 1916 .............. 27
Figura 11: Material para montagem “O Moinho de Vento”. O Tico-Tico, 17 mar. 1937 ....... 28
Figura 12: Material para montagem “Três Casas para Armar”. O Tico-Tico, 24 mar. 1937 .. 28
Figura 13: Concurso Nestlé. O Tico-Tico, 4 abr, 1906 ........................................................... 29
Figura 14: Anúncio de lançamento do achocolatado Toddy. O Tico-Tico, 4 out. 1933 ......... 30
Figura 15: Anúncio de A Ilha do Tesouro, de Stevenson. O Tico-Tico, 26 set. 1906 ............. 32
Figura 16: As Viagens de Gulliver, de Jonathan Swift. O Tico-Tico, 22 set. 1909 ................. 34
Figura 17: “A Maldade da Fada Carantonha”. O Tico-Tico, 24 jan. 1906 .............................. 35
Figura 18: “As Cinco Graças”, de Mark Twain. O Tico-Tico, 28 abr. 1920 ........................... 36
Figura 19: Tom Playfair, de Francis J. Finn. O Tico-Tico, 19 ago. 1914 ................................ 37
Figura 20: Vinte Mil Léguas Submarinas, de Jules Verne. O Tico-Tico, 20 jun. 1934 ........... 38
Figura 21: “Lamparina, Jujuba, Carrapicho e Goiabada”. O Tico-Tico, 23 maio 1928 .......... 40
Figura 22: “Zé Macaco”. O Tico-Tico, 22 mar. 1911 ............................................................. 41
Figura 23: “Zé Macaco”. O Tico-Tico, 29 mar. 1911 ............................................................. 41
Figura 24: “Aventuras de Chiquinho”. O Tico-Tico, 15 mar. 1922 ........................................ 42
Figura 25: “Réco-Réco, Bolão e Azeitona”. O Tico-Tico, 26 out. 1932 ................................. 43
Figura 26: Fotograma da animação Steamboat Willie (1928) ................................................. 52
Figura 27: “As aventuras do Ratinho Curioso”. O Tico-Tico, 26 mar. 1930 .......................... 54
Figura 28: “Great Mystery of Island Solved” – “Lost on a Desert Island” (1931) ................. 56
Figura 29: Quadrinhos de “As aventuras do Ratinho Curioso”. O Tico-Tico, 26 mar. 1930 .. 57
Figura 30: “As aventuras do Ratinho Curioso”. O Tico-Tico, 2 abr. 1930 ............................. 58
Figura 31: “As aventuras do Ratinho Curioso”. O Tico-Tico, 21 maio 1930 ......................... 59
Figura 32: Diálogo de Mickey, Minnie e Horse Collar na tira em inglês ............................... 60
Figura 33: “As aventuras do Camondongo Mickey”. O Tico-Tico, 13 ago. 1937 .................. 61
Figura 34: “Open Fireplace” ................................................................................................... 61
Figura 35: Capa da edição extraordinária de O Tico-Tico, dez. 1934 ..................................... 64
Figura 36: Walt Disney desenhando Mickey Mouse. O Tico-Tico, dez. 1934 ....................... 64
Figura 37: Anúncio da edição do “Camondongo Mickey”. O Tico-Tico, 19 dez. 1934 ......... 65
Figura 38: Anúncio da edição do “Camondongo Mickey”. O Tico-Tico, 16 jan. 1935 .......... 65
Figura 39: “Aventuras de Mikey Mouse, o Ratinho Curioso”. O Tico-Tico, 7 nov. 1934 ...... 66
Figura 40: Folheto de programação do Cinema Glória, de 18 a 24 de maio de 1933 ............. 69
Figura 41: Anúncio do Cinema Glória. Diário Carioca, 11 ago. 1933 .................................. 69
Figura 42: “As proezas do Camondongo Mickey”. O Tico-Tico, set. 1941 ............................ 70
Figura 43: “Gatão é pescador”. O Tico-Tico, 11 dez. 1929 .................................................... 73
Figura 44: Fotograma da animação Felix the Cat in Uncle Tom’s Crabbin’ (1927) .............. 74
Figura 45: “As Aventuras do Gato Felix”. O Tico-Tico, 30 jul. 1930 .................................... 76
Figura 46: “Felix the Cat – A Lively Feline”, 2 maio 1930 .................................................... 78
Figura 47: “As Aventuras do Gato Felix”. O Tico-Tico, 13 ago. 1930 ................................... 78
Figura 48: Fotograma da animação Felix the Cat in Japanicky (1928) .................................. 80
Figura 49: Fotograma da animação Felix the Cat in Japanicky (1928) .................................. 81
Figura 50: Fotograma da animação Felix the Cat in Japanicky (1928) .................................. 81
Figura 51: “As Aventuras do Gato Felix”. O Tico-Tico, 6 maio 1931.................................... 83
Figura 52: “As Aventuras do Gato Felix”. O Tico-Tico, 27 maio 1931.................................. 84
Figura 53: “As Aventuras do Gato Felix”. O Tico-Tico, nov. 1941........................................ 85
Figura 54: “As Aventuras do Gato Felix”. O Tico-Tico, jan. 1942 ......................................... 86
Figura 55: “Felix the Cat”. Popular Comics, dez. 1946.......................................................... 87
Figura 56: “Felix the Cat”. Popular Comics, dez. 1946.......................................................... 87
Figura 57: “As aventuras do Gato Felix”. O Tico-Tico, mar. 1942......................................... 88
Figura 58: “Aventuras de Brocoió”. O Tico-Tico, 1 jul. 1934 ................................................ 91
Figura 59: “Aventuras de Brocoió”. O Tico-Tico, 15 ago. 1934 ............................................. 93
Figura 60: “Long live the King” (1932) .................................................................................. 94
Figura 61: “King of Popilania” (1932) .................................................................................... 96
Figura 62: “Aventuras de Brocoió, o Marinheiro Popeye”. O Tico-Tico, 17 jul. 1935 .......... 97
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 9
2 A REVISTA O TICO-TICO E AS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS ....................... 13
2.1 O Tico-Tico: uma revista infantil brasileira .................................................................... 14
2.2 Periodicidade e cabeçalho ............................................................................................... 21
2.3 Seções da revista ............................................................................................................. 26
2.4 Histórias ilustradas e histórias em quadrinhos ................................................................ 31
3 QUADRINHOS NORTE-AMERICANOS EM O TICO-TICO .................................. 45
3.1 Mickey Mouse: aventuras do Ratinho curioso ................................................................ 51
3.2 Felix the Cat: aventuras e proezas do Gato Félix ............................................................ 71
3.3 Popeye: aventuras do marinheiro Brocoió ...................................................................... 89
4 QUESTÕES SOCIOLÓGICAS NA TRADUÇÃO DE QUADRINHOS ................... 99
4.1 Tradução e questões sociológicas ................................................................................... 99
4.2 Os quadrinhos na expansão da cultura norte-americana ............................................... 105
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................ 113
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 117
9

1 INTRODUÇÃO

A revista infantil O Tico-Tico foi o principal periódico dedicado ao público infantil na


primeira metade do século XX no Brasil, alcançando leitores do Rio de Janeiro, onde era
impressa, e de outras localidades do país, por onde circulava. Suas edições regulares foram
publicadas de 1905 a 1962, em tiragem semanal, que foi alterada, nas suas duas últimas
décadas, para mensal ou bimestral. Além disso, seus almanaques, publicados no fim de cada
ano, traziam conteúdo extra para seus leitores. O periódico tinha uma ampla gama de
materiais, tais como anúncios, cartas ao leitor, jogos, passatempos, histórias ilustradas de
contos e romances, e, sobretudo, histórias em quadrinhos, do Brasil ou do exterior.
As produções quadrinísticas, advindas de países estrangeiros, dentre eles os Estados
Unidos, foram marcantes na revista e essenciais em sua trajetória, pela atratividade que
exerciam sobre os leitores. Entre os quadrinhos norte-americanos presentes em O Tico-Tico,
podemos citar, como exemplos, as histórias de Buster Brown, Little Nemo, Mickey Mouse,
Felix the Cat, Popeye, Krazy Kat e Babe Bunting, cada qual traduzida e publicada à sua
maneira nesse periódico infantil. Investigar sua presença e os processos de tradução pelos
quais passaram podem ajudar a compreender a difusão da cultura norte-americana no Brasil,
na época de sua publicação.
Assim sendo, esta dissertação teve como objetivo principal o desenvolvimento de um
estudo tendo como objeto as histórias em quadrinhos de origem norte-americana presentes na
revista infantil O Tico-Tico, a fim de compreender de que maneira essa publicação difundiu,
para o seu público-leitor, a produção cultural dos Estados Unidos, representada por essas
produções quadrinísticas publicadas entre 1929 e 1942, no contexto de sua crescente
propagação pelo mundo na primeira metade do século XX. Os objetivos específicos
consistiram: (a) na análise das histórias em quadrinhos, comparativamente aos seus
respectivos originais encontrados, de modo a identificar e descrever marcas de possíveis
manipulações decorrentes do processo tradutório, na constituição ou não de padrões, que
caracterizaram a sua publicação em O Tico-Tico; e (b) na investigação, sob o viés sociológico,
no que concerne ao contexto de circulação de bens culturais entre Estados Unidos e Brasil, no
referido período, em relação às histórias em quadrinhos norte-americanas em O Tico-Tico.
A fim de delimitar o corpus de quadrinhos analisados neste trabalho, optou-se por
considerar os critérios de relevância das histórias selecionadas e da disponibilidade, mesmo
que parcial, de materiais “originais” correspondentes. Dessa maneira, foram selecionados os
10

quadrinhos de Mickey Mouse, Felix the Cat e Popeye, presentes em O Tico-Tico durante a
década de 1930, majoritariamente. No caso das duas primeiras produções, a escolha também
se deu em razão da longa permanência de sua publicação na revista.
A delineação temporal coincide com o período de publicação de Mickey Mouse e
Felix the Cat, que se iniciou no começo daquela década e se estendeu até o início dos anos
1940, momento a partir do qual a revista deixou de ser publicada semanalmente, passando a
números mensais. Além disso, houve um declínio do consumo das produções quadrinísticas
estrangeiras no país nesse período, em decorrência da ideia de um suposto malefício causado
pelas histórias em quadrinhos na educação das crianças, conforme aponta Gonçalo Silva
Junior (2004, p. 77-80).
A fim de explicitar brevemente as tiras brasileiras e estrangeiras em O Tico-Tico,
foram abordadas as obras de Álvaro de Moya (1996), Waldomiro Vergueiro (2017) e Gonçalo
Silva Junior (2004), que trazem importantes informações a respeito da história dos quadrinhos
no Brasil, bem como trabalhos específicos sobre os quadrinhos norte-americanos analisados.
Foram também empregadas as obras organizadas ou escritas por Zita de Paula Rosa (2002),
Ezequiel de Azevedo (2005), Waldomiro Vergueiro e Roberto Elísio dos Santos (2005; 2008)
e Athos Eichler Cardoso (2008; 2013a), que trazem significativas informações a respeito da
revista O Tico-Tico, no que diz respeito às obras publicadas, às estratégias e procedimentos
editoriais e aos profissionais envolvidos (editores, autores, ilustradores e demais).
Para discorrer sobre a tradução de quadrinhos no Brasil, recorremos, entre outros
trabalhos, aos estudos de Nilce M. Pereira e Paula G. Arbex (2020), que elencam as pesquisas
nessa área e apontam as possibilidades de investigação. Para tratar especificamente sobre as
questões relacionadas à tradução das tiras, utilizamos como base o estudo de Valerio Rota
(2008), que discute a domesticação em sua tradução, recorrendo ao conceito elaborado por
Lawrence Venuti (1995). Para descrever procedimentos e estratégias tradutórias, recorremos à
noção de normas de Gideon Toury (1995).
Para refletirmos sobre aspectos sociológicos da circulação de ideais e obras
estrangeiras no Brasil, utilizamos como apoio os estudos de Johan Heilbron e Gisèle Sapiro
(2009) e de Gisèle Sapiro (2016), os quais discorrem sobre os aspectos econômicos, culturais,
sociais e políticos vinculados à tradução. O estudo de Michel Espagne (2013) acerca das
trocas culturais mostra a necessidade maior de observação dos processos de reinterpretação de
obras do que sua mera dependência do original. Além disso, recorremos aos estudos
sociológicos de Pierre Bourdieu (2002; 2007a; 2007b), que aborda conceitos como “capital” e
11

“campo”, e ao estudo de Lana Araujo e Marcia Martins (2018), que traçam uma visão
sociológica sobre a tradução.
A ampla maioria das edições da revista O Tico-Tico estão atualmente disponíveis na
Hemeroteca Digital Brasileira1, portal da Fundação Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro,
que reúne periódicos brasileiros em versão digitalizada. Por meio desse recurso digital –
disponível em qualquer horário e em qualquer lugar do mundo –, é possível acessar
facilmente as edições dos periódicos, organizadas sequencialmente por ano, seja para folhear
as páginas, tal como se podia fazer nos exemplares impressos ou nos leitores de microfilme,
seja para realizar buscas por termos específicos, tais como: “quadrinhos” e “histórias
ilustradas”, as quais se tornaram possíveis a partir de um processo denominado
Reconhecimento Ótico de Caracteres – em inglês: Optical Character Recognition (OCR) –,
ferramenta computacional que escaneia as imagens, processa e armazena seu conteúdo
textual, permitindo, assim, que sejam realizadas buscas com uma grande facilidade nas
páginas dos jornais. As poucas falhas relacionados ao reconhecimento de caracteres – por
exemplo, quando a impressão de uma letra não está nítida, ou quando uma grafia não é
reconhecida – podem ser superadas a partir da leitura das páginas inteiras dos periódicos. No
caso de O Tico-Tico, a Biblioteca Nacional também oferece as edições em formato Portable
Document Format (PDF) na Biblioteca Nacional Digital (BNDigital)2, uma facilidade que
torna a varredura às páginas dos periódicos um trabalho menos oneroso.
A fim de recuperar as histórias em quadrinhos norte-americanas, assim como foram
publicadas nos Estados Unidos, realizou-se buscas em portais de internet que reúnem tais
tiras. Entre eles, os principais foram Newspaper Comic Strips3 e Digital Comic Museum4. São
repositórios virtuais muito úteis, pois aglomeram tiras em domínio público, vantajosas para a
realização de pesquisas acadêmicas ou para saciar a curiosidade dos interessados no assunto.
Além disso, contamos com as antologias de quadrinhos produzidas por editoras
especializadas, que reúnem tiras – primeiramente publicadas nos jornais diários – em formato
de livro, facilitando a consulta, apesar do valor dispendioso – em razão da atual cotação da
moeda norte-americana –, o que dificulta o acesso a tais materiais. Podemos citar, como
exemplo, as coletâneas Walt Disney’s Mickey Mouse: Race to Death Valley (2011a) e Walt
Disney’s Mickey Mouse: Trapped on Treasure Island (2011b), organizadas por David Gerstein

1
Disponível em: http://memoria.bn.br/hdb/periodico.aspx. Acesso em: jan.-dez. 2021.
2
Disponível em: https://bndigital.bn.gov.br/. Acesso em: jan.-dez. 2021.
3
Disponível em: https://newspapercomicstripsblog.wordpress.com/. Acesso em: jan.-abr. 2022.
4
Disponível em: https://digitalcomicmuseum.com/. Acesso em: jan.-abr. 2022.
12

e Gary Growth e publicadas pela Fantagraphics Books, editora especializada em antologias de


quadrinhos clássicos, entre outras publicações.
Posto isso, esta dissertação foi dividida em três capítulos. O capítulo inicial, intitulado
“A revista O Tico-Tico e as histórias em quadrinhos” realiza uma breve apresentação sobre
o periódico em questão, seu criador e os artistas que para ele trabalharam, além de mostrar
suas características editoriais, suas seções e algumas histórias ilustradas e histórias em
quadrinhos nacionais ou estrangeiras nela publicadas. O capítulo intermediário, nomeado
“Quadrinhos norte-americanos em O Tico-Tico”, apresenta as series de quadrinhos das três
histórias selecionadas – Mickey Mouse, Felix the Cat e Popeye –, demonstrando como as tiras
estão dispostas nas páginas da revista, seu período de publicação e as modificações
decorrentes da tradução para o português. O último capítulo, intitulado “Questões
sociológicas na tradução de quadrinhos”, faz uma análise sobre a presença e as condições
das traduções desses quadrinhos na revista, por meio de uma abordagem sociológica sobre o
fenômeno tradutório, que considera os agentes e as circunstâncias políticas, culturais e
econômicas, no contexto da disseminação de produções culturais norte-americanas no Brasil
na década de 1930.
13

2 A REVISTA O TICO-TICO E AS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS

Neste capítulo, serão abordadas questões relacionadas ao surgimento de O Tico-Tico,


objeto do estudo desta pesquisa. Essa revista é considerada um marco no cenário editorial
brasileiro, por apresentar uma diversidade de materiais ao público infantil durante um longo
intervalo de publicação. A sua trajetória é compreendida entre 1905 e 1962, período no qual
acumulou um riquíssimo acervo de materiais, sobretudo de histórias em quadrinhos, que serão
o enfoque deste trabalho.
Antes de nos atermos às histórias em quadrinhos norte-americanas que perpassaram o
caminho dessa revista brasileira – em especial, as produções quadrinísticas de Mickey Mouse,
Félix the Cat e Popeye, entre outros quadrinhos que conquistaram as crianças, e
possivelmente os adultos que lessem o periódico –, faremos um panorama para entender por
quais razões O Tico-Tico foi uma revista tão importante para o cenário editorial brasileiro.
Inicialmente, será realizada uma breve exposição sobre a estreia de O Tico-Tico no
Brasil. Serão especificados os idealizadores, o fundador e os artistas (ilustradores, chargistas,
decalcadores, escritores etc.), bem como algumas de suas criações. Tais artistas renomados se
engajaram na criação dessa que foi a primeira e uma das mais importantes revistas infantis
brasileiras do século XX, tendo em vista a riqueza de seu material, que contemplava desde
jogos, brincadeiras, concursos, sorteios, ensinamentos, correspondências com os leitores,
publicidade de produtos diversos, até histórias ilustradas e histórias em quadrinhos, nacionais
e estrangeiras. Além disso, serão delineadas as características concernentes à edição da
revista, tais como algumas modificações pelas quais passaram seu cabeçalho e alguns
conteúdos de suas seções.
Compreender as características gerais da revista – os detalhes que envolvem a edição,
os artistas colaboradores e algumas obras nela estampadas –, por meio de um rápido
panorama, permitirá a contextualização da presença de histórias ilustradas e histórias em
quadrinhos, as quais fizeram parte de um projeto editorial maior, que não se encerrava no
objetivo de educar o público-leitor infantil. O intuito, sobretudo, era a criação de um
direcionamento de leitura, para que houvesse, por meio da revista O Tico-Tico, uma
popularização de produções culturais às crianças brasileiras, cujo acesso aos livros importados
ou publicados no Brasil talvez fosse mais restrito.
14

2.1 O Tico-Tico: uma revista infantil brasileira

O periódico O Tico-Tico foi, no Brasil, a primeira revista direcionada ao público


infantil no início do século XX. Ela circulou entre os anos de 1905 e 1962, o que revela sua
expressividade de duração, em razão da longevidade – a maior entre todas as demais –, e
demonstra a importância que ocupou no cenário editorial brasileiro, segundo explicam
Waldomiro Vergueiro e Roberto Elísio dos Santos (2008, p. 24).
Em seu primeiro número, publicado em 11 de outubro de 1905, destaca-se que a
redação e administração do periódico se localizava à Rua do Ouvidor, no Rio de Janeiro, e
que era uma publicação de O Malho. Com essa edição de estreia, a revista atingiu um grande
êxito, com tiragem de 10 mil exemplares, que rapidamente se esgotou, como explica Zita de
Paula Rosa (2002, p. 35), sendo necessário providenciar uma reedição de 20 mil exemplares,
enquanto os números seguintes eram publicados (ROSA, 2002, p. 14). Com o passar do
tempo, e com o sucesso da revista, ela passou a ser difundida para outras localidades do país,
e também para Portugal (SOBRAL, 2005, p. 69-71).

Figura 1: Capa da primeira edição da revista O Tico-Tico, 11 out. 1905

Fonte: Vergueiro e Santos (2005, anexo)


15

Nessa primeira edição, a revista continha 22 páginas. No cabeçalho, o logotipo


destacava, em letras maiúsculas, o nome do periódico, junto da designação “Jornal das
crianças” e da informação “Publica-se às quartas-feiras”. Em meio ao título, havia crianças
com feição angelical, num campo verde e sob um céu azul, tendo um pássaro, que dá nome ao
periódico, no centro da imagem. A capa trazia, também, uma história ilustrada a cores,
conteúdo que seria muito presente na revista, que forneceu espaço para a publicação de
romances, novelas, contos e histórias em quadrinhos estrangeiras e nacionais, dedicadas ao
público infantil.
Naquela época, as cores demonstravam não só um requinte, facilitado pelas inovações
tecnológicas, no que diz respeito ao maquinário e aos materiais para impressão, mas também
proporcionava, aos leitores, o estímulo à percepção visual. As imagens coloridas certamente
atraíam a atenção das crianças, demonstrando um viés lúdico, de modo que o texto e imagem,
juntos, conferissem um maior sentido ao conteúdo apresentado, despertando, nos leitores
infantis, o gosto pelo que viam e liam.
A revista teve por volta de 2.097 números publicados (ROSA, 2002, p. 7). Sua tiragem
passou de 25 para 30 mil a partir do seu 11º número, tendo alcançado a marca de 50 mil
exemplares em 1910. Houve oscilação entre 20 e 100 mil exemplares, com tiragem maior
quando realizava promoções e concursos, bem como quando realizava edições especiais, ou
com tiragem menor nos momentos de conflitos mundiais e a partir dos anos 1950 (ROSA,
2022, p. 34-35).
O primeiro número de O Tico-Tico foi vendido a 200 réis cada, preço da edição avulsa
mantido até meados de 1919, quando foi atualizado para 300 réis. Desde o início da revista, os
números atrasados poderiam ser adquiridos por 500 réis. Em outubro de 1927, o número
avulso passou a custar 500 réis, e as edições já publicadas aumentaram para 700 réis. A partir
de novembro do mesmo ano, o valor dos exemplares antecedentes não foi mais divulgado,
contudo o preço para os outros estados passou a ser diferenciado: 600 réis. Havia também a
possibilidade de fazer assinatura mensal ou anual, para o Brasil ou exterior. Por exemplo, em
1934, a assinatura anual nacional custava 25 mil réis, sendo 13 mil a semestral, enquanto a
assinatura internacional anual 75 mil, sendo 38 mil a semestral.
Com o preço avulso de 500 réis vigente nesse mesmo ano para o Rio de Janeiro, pode-
se considerar que adquirir a revista por meio de assinatura anual dentro do país não era muito
mais vantajoso do que comprá-la de forma avulsa, já que a diferença era de apenas 1$000 réis
em relação à soma de todos os exemplares separados daquele ano. O preço da assinatura anual
16

ou mensal não diferenciava o Rio de Janeiro dos outros estados, razão pela qual se pode
acreditar que, para os leitores do restante do Brasil, tenha sido vantajoso esse modelo de
aquisição da revista por assinatura, considerando a diferença de 6$200 réis a mais na soma
das edições avulsas para os outros estados.
O preço baixo do exemplar avulso, que começou com 200 réis em 1905, parece ter
sido uma marca da revista. Segundo Ezequiel de Azevedo (2005), com 200 réis era possível
comprar alguns pães. Em 1930, com no mínimo 500 réis – preço de um número de O Tico-
Tico –, era possível adquirir um quilo de batatas ou de farinha de mandioca, considerando o
preço mais baixo que pudesse ser praticado para esses dois alimentos nas feiras livres do Rio
de Janeiro, segundo determinação da Inspetoria Agrícola e Florestal, publicada em 4 de
janeiro de 1930, que tinha validade de 5 a 11 daquele mês (Jornal do Brasil, Rio de Janeiro,
n. 5, 5 jan. 1930, p. 145). Além disso, em 1934, 400 réis – somente 100 réis a menos – era o
preço de uma edição de domingo do Jornal do Commercio, um importante jornal carioca
(Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, n. 91, 17 jan. 1934, p. 16). Apesar de ser um valor
baixo, poderia fazer falta a uma família desfavorecida naquela época.
A definição do preço avulso para outros estados é uma evidência do alcance da revista
em todo o Brasil. Além disso, a existência de um preço de assinatura definido para o exterior
mostra que a revista estava preparada para ser vendida e enviada aos leitores de outras nações.
Segundo José Sobral (2005, p. 69-71), os números de O Tico-Tico eram remetidos a Portugal,
assim como grande parte dos jornais e revistas brasileiros, tendo grande destaque até a década
de 1930, quando a imprensa infanto-juvenil portuguesa, e mesmo a brasileira, passou a ter um
número maior de publicações concorrentes.
Em agosto de 1941, quando a revista iniciou sua periodicidade mensal, teve o preço
corrigido para 1$500 réis, com uma nova subida em 1942, passando a 2$000 réis. A partir da
alteração da moeda brasileira para o cruzeiro, passou a custar Cr$ 2,00 em dezembro de 1942.
No número 1886, de janeiro de 1943, foi publicado em O Tico-Tico o texto “O Novo
Dinheiro do Brasil”, no qual se explica às crianças a adoção da nova moeda e a forma de
conversão de réis para cruzeiros, com ilustrações das peças metálicas do novo padrão
monetário, em comparação a algumas das antigas, apresentadas apenas para mostrar a
equivalência entre elas. Assim, as crianças (e os adultos) poderiam entender as mudanças de
valor do “novo dinheiro”, talvez para que não se confundissem ao adquirir a revista,

5
Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/030015_05/130. Acesso em: 10 jul. 2022.
6
Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/364568_12/27280. Acesso em: 10 jul. 2022.
17

acreditando que estaria mais cara, visto que o texto claramente explica que 2$000 réis
equivalia a Cr$ 2,00, exatamente o preço praticado pela revista na nova moeda.
No início da década de 1950, o preço subiu para Cr$ 3,00, atingindo, em 1958, Cr$
10,00. As edições especiais de 1959 custavam Cr$ 25,00 cada exemplar. Assim sendo, o
preço da revista, que durante alguns períodos, especialmente nas primeiras décadas, não se
alterou muito, foi acompanhando, de certa forma, a inflação da moeda brasileira vigente.
Além das edições regulares, a Sociedade O Malho também publicou anualmente, entre
1906 e 1958, o Almanach d’O Tico-Tico, da mesma forma como também publicava o
Almanach d’O Malho (ROSA; VERGUEIRO, 2005, p. 186). Os almanaques ultrapassavam as
100 páginas, número bem maior do que das edições regulares, que se iniciaram em pouco
mais de duas dezenas e, com o tempo, foram expandidas para acima de 30 ou 40 páginas, a
depender também das mudanças de periodicidade. Os volumes dessas publicações anuais
traziam contos, poemas, histórias ilustradas, histórias em quadrinhos, reportagens, anúncios
publicitários, fotografias dos leitores, figuras para recortar e armar, partituras musicais, entre
outros conteúdos. Lançados no fim do ano, perto do Natal, os almanaques serviam como
presente para as crianças leitoras da revista (MERLO, 2005, p. 85-86).
Com relação ao seu título, especula-se que Luís Bartolomeu de Souza e Silva,
fundador de O Tico-Tico, teria escolhido esse nome para o periódico depois de um pássaro
tico-tico ter pousado no jardim de sua residência – explicação dada por sua filha. Outra versão
da história consiste numa decisão dele, junto de outros colaboradores, tais como Renato de
Castro e Manoel Bonfim, que teriam optado por esse nome em referência às escolas pré-
primárias daquela época – instituições chamadas de “escolas de tico-tico”, que foram
posteriormente denominadas de “Jardim da Infância” –, pois a revista tinha, como um de seus
objetivos, a publicação de matérias de cunho educativo, destinado ao público infantil (SILVA,
2005, p. 37).
Luís Bartolomeu de Souza e Silva, criador da revista, nasceu na cidade de Rio Preto,
no estado de Minas Gerais, em 3 de outubro de 1864, e faleceu em 25 de julho de 1932. Sua
atuação de destaque foi na atividade de administração e redação de imprensa, em jornais do
Rio de Janeiro, quais foram: O País, O Malho, Ilustração Brasileira e O Tempo. Também
atuou como político e membro das forças armadas (ROSA, 2002, p. 18-19).
18

Figura 2: Luís Bartolomeu de Souza e Silva (1864-1932)

Fonte: O Tico-Tico, Rio de Janeiro, ano L, n. 2038, set. 1955, p. 197

Luís Bartolomeu de Souza e Silva aproveitou o contexto favorável à adoção de


conteúdos relacionados à educação, artes e literatura para incorporá-los aos jornais dirigidos
por ele, tais como O Malho e O Tico-Tico. Tal fato é abordado no estudo de Zita de Paula
Rosa (2002), a qual comenta a respeito da revitalização da imprensa desde o final do século
XIX, razão que permitiu a publicação de temas especializados, direcionados a públicos
específicos, como o infantil e feminino. Dessa forma, O Tico-Tico assumiu um lugar de
destaque na imprensa brasileira, ao propor a veiculação de múltiplos conteúdos ao público
infantil, sob a forte inspiração de semanários estrangeiros, tais como La Semaine de Suzette
(AZEVEDO, 2005) e Le Petit Journal Illustré de la Jeunesse (CARDOSO, 2008).
Influenciaram Luís Bartolomeu de Souza e Silva, na criação da revista O Tico-Tico, o
poeta Cardoso Junior, o professor e jornalista Manuel Bonfim e o jornalista e cartunista
Renato de Castro. Manuel Bonfim foi também médico, deputado federal e escritor de livros
pedagógicos, além de ter dirigido a Escola Normal da Corte, no Rio de Janeiro (OLIVEIRA,
2015, p. 771). Renato de Castro trabalhou no jornal carioca Gazeta de Notícias, ilustrando as
reportagens policiais, nas quais empregava sua habilidade como cartunista e desenhista; além
disso, contribuiu, por meio de suas charges e seus textos, com o jornal Don Quixote, de
Angelo Agostini, famoso desenhista ítalo-brasileiro (CAGNIN, 2005, p. 99), e também com
O Tico-Tico.

7
Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/153079/50649. Acesso em: 10 jun. 2021.
19

Além de Renato de Castro, também tiveram seus desenhos inseridos na revista infantil
os ilustradores Augusto Rocha, Vasco Lima, João Ramos Lobão e Leônidas Freire, que se
destacaram em suas produções artísticas. Augusto Rocha, que colaborou no início da revista,
era habilidoso nos desenhos de animais e nas paisagens brasileiras (CAGNIN, 2005, p. 99).
Vasco Lima, português da cidade do Porto, chegou ao Brasil com apenas dezesseis anos e
começou na caricatura; ajudou a fundar a revista O Fafazinho, que concorria com O Tico-
Tico, para a qual trabalhou posteriormente (CAGNIN, 2005, p. 99-100). O também português
João Ramos Lobão ilustrava as capas de O Malho e sempre colaborava na ilustração de contos
para O Tico-Tico (CAGNIN, 2005, p. 100). Leônidas Freire esteve desde o início da revista,
na qual ilustrou as “Figuras Magníficas”, que relembravam os fatos da História do Brasil;
Leo, como era conhecido, costumava encerrar as histórias com uma moralidade, ou seja,
preocupava-se com o caráter instrutivo de suas produções (CAGNIN, 2005, p. 100).
Outros importantes artistas que colaboraram com O Tico-Tico foram Alfredo Storni, J.
Carlos, Luiz Sá, Max Yantok, Carlos Thiré, Luiz Gomes Loureiro e Cicero Valladares.
Alfredo Storni fez muitas contribuições para a revista, dentre as quais os quadrinhos dos
personagens Zé Macaco e Faustina (SANTOS, 2005a, p. 94). O ilustrador e chargista J.
Carlos, cujo nome completo era José Carlos de Brito e Cunha, trabalhou por 48 anos em
diversas publicações seriadas do Rio de Janeiro, até o fim de sua vida (SODRÉ, 1999, p. 348-
349); foi responsável pela produção de muitas ilustrações para O Tico-Tico, desenvolvendo
personagens como o Juquinha, e desenhando seu primo Chiquinho, criação do norte-
americano Richard Felton Outcault (SANTOS, 2005a, p. 90); trabalhou também em diversos
jornais, entre eles O Malho, periódico do qual foi diretor artístico entre 1921 e 1930
(LUCHETTI, 2005, p. 60). Luiz Sá foi um desenhista conhecido por seus personagens
redondos, sua marca registrada; criou os quadrinhos de Réco-Réco, Bolão e Azeitona, que
apareceram pela primeira vez na revista em abril de 1931 (LUCHETTI, 2005, p. 60-62). Max
Yantok exerceu diversas profissões – entre elas, contador e engenheiro –, mas encontrou seu
lugar de destaque como desenhista, tendo trabalhado para diversos jornais, entre eles a Gazeta
de Notícias e O Malho; por meio de seus desenhos, fazia críticas à sociedade, retratando os
menos afortunados (LUCHETTI, 2005, p. 64). Carlos Thiré era jornalista, cenógrafo e
desenhista; produziu muitas histórias em quadrinhos para a Editora Brasil-América, de Adolfo
Aizen (LUCHETTI, 2005, p. 66). Luiz Gomes Loureiro foi caricaturista e ilustrador,
encarregado do decalque dos quadrinhos de Chiquinho, os quais posteriormente desenhou em
novas histórias, com cenários brasileiros (SANTOS, 2005b, p. 144). O baiano Cicero
20

Valladares, por fim, foi desenhista da revista de 1906 a 1937, tendo sido um dos mais
importante colaboradores; desenhou em quadrinhos, por exemplo, O Guarany, de José de
Alencar, e Caramurú e Paraguassú, de Frei Santa Rita Durão, além de várias séries de
histórias ilustradas e de capas da revista (DOURADO, 2018, p. 8-16).
No decorrer dos anos, também passaram pela revista outros colaboradores
importantes, tais como Adolfo Aizen (1904-1991), jornalista russo naturalizado brasileiro. Foi
criador do Grande Consórcio de Suplementos Nacionais, por meio do qual importava
quadrinhos dos Estados Unidos. Lançou, em 1934, o Suplemento Juvenil, periódico em que
inseria as histórias em quadrinhos norte-americanas. Tal revista é considerada um marco para
a divulgação da produção quadrinística desse país da América do Norte, abrindo portas para
outras publicações na mesma época (VERGUEIRO; SOUZA, 2005, p. 206). Além disso, ele
trabalhou no jornal O Globo, de Roberto Marinho, e colaborou com O Malho e com O Tico-
Tico (SILVA JUNIOR, 2004, p. 17).
Adolfo Aizen fundou, em 1945, a Editora Brasil-América Limitada (EBAL), que se
destacou na publicação e na difusão de histórias em quadrinhos no Brasil. Aizen estabeleceu
uma parceria com Cesar Civita (1905-2005), dono da Editora Abril de Buenos Aires.
Aproveitando que Civita representava a Disney na América Latina, foram publicadas revistas
com histórias de seus personagens, entre elas a Seleções Coloridas (SILVA JUNIOR, 2004, p.
118). A editora cresceu, adquiriu maquinário próprio para impressão e construiu uma sede
própria no Rio de Janeiro, na qual Aizen instalou o Museu Permanente de Histórias em
Quadrinhos, que dispunha de exemplares de publicações nacionais e estrangeiras (SILVA
JUNIOR, 2004, p. 120). Aizen foi um defensor das histórias em quadrinhos, que recebiam
muitas críticas, tendo sido consideradas prejudiciais às crianças e aos jovens (SILVA
JUNIOR, 2004, p. 121-122). Além das produções da Disney, sua editora lançou sucessos
como Batman, Flash Gordon, Mandrake, entre outros (SILVA JUNIOR, 2004, p. 120). As
séries de Superman, publicadas de 1947 a 1981, são as mais longevas da editora
(RODRIGUES, 2005, s/d). A EBAL também publicou, na coleção “Edição Maravilhosa”,
traduções para o português de adaptações norte-americanas de obras literárias para os
quadrinhos publicadas nas revistas Classics Illustrated e Classic Comics. Essa coleção
também acolheu adaptações ilustradas de obras de autores nacionais, entre eles José de
Alencar, com seu O Guarani, e Jorge Amado, com Terras do sem fim (SILVA JUNIOR,
2004, p. 122-123). A editora encerrou suas atividades em 1995, depois de ter lançado apenas
uma publicação por ano, após a morte de seu fundador (RODRIGUES, 2005, s/d).
21

2.2 Periodicidade e cabeçalho

Nesta seção, abordaremos, inicialmente, as questões relacionadas à periodicidade da


revista, visto que, no decorrer de sua circulação, O Tico-Tico sofreu alterações de
regularidade. Entre o lançamento da revista, em outubro de 1905, e agosto de 1941, as
publicações eram semanais, realizadas todas as quartas-feiras. A partir de setembro de 1941,
passou a ter periodicidade mensal e, em seguida, bimestral, de janeiro/fevereiro de 1959 até
março/abril de 1962.
No cabeçalho, as letras de forma maiúsculas e de cor vermelha davam um destaque ao
nome da revista. Em meio a elas, crianças loiras, de aspecto angelical, passavam uma imagem
de “pureza e inocência”, segundo Gonçalves e Gomes (2016, p. 232-233). Enquanto algumas
delas faziam a leitura da própria publicação, outras se divertiam em meio às letras do título da
revista, e duas fixavam um fio para sustentar o hífen que servia de base para um pássaro, em
alusão ao nome da revista O Tico-Tico, ave que, como forma de destaque, ocupava o centro
da imagem (GONÇALVES; GOMES, 2016, p. 232-233). Na base do cabeçalho havia uma
grama verde e, ao fundo, um céu azul. De um lado, o epíteto “Jornal das crianças” demonstra
objetivamente o público leitor ao qual a revista se destinava; de outro lado, a frase “Publica-se
às quartas-feiras” explicitava sua periodicidade inicial. Tais informações eram importantes
para, nos primeiros anos, fixar a imagem de uma publicação infantil com conteúdo leve, puro
e amigável, próprio para as crianças, que poderiam receber as novidades da revista uma vez
por semana.

Figura 3: Cabeçalho da revista O Tico-Tico, 17 jan. 1906

Fonte: O Tico-Tico, Rio de Janeiro, ano II, n. 15, 17 jan. 1906, p. 18

8
Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/153079/53. Acesso em: 12 jun. 2021.
22

Tal cabeçalho, ilustrado por Angelo Agostini, figurou na revista entre 1905 e 1917,
quando foi rapidamente substituído por outro, desenhado por Max Yantok. Em 1918, o
cabeçalho de Agostini retornou, com poucas modificações no traçado e na coloração,
continuando até 3 de outubro de 1923.
Angelo Agostini, importante desenhista brasileiro, nasceu na Itália, em 1843, e se
mudou para o Brasil em 1859. Permaneceu primeiramente em São Paulo, onde fundou o
Diabo Coxo, o primeiro periódico da cidade a estampar caricaturas e ilustrações em suas
páginas, com números publicados entre 1864 e 1865. Foi para o Rio de Janeiro em 1868 e
colaborou com revistas da cidade, tendo depois fundado a Revista Illustrada, importante folha
carioca que circulou entre 1876 e 1898, a qual dirigiu até a Proclamação da República, sempre
combatendo a escravidão. Foi naturalizado brasileiro em 1888, e faleceu em 1910, na capital
(SODRÉ, 1999, p. 220).
Na edição de número 940, publicada no dia 10 de outubro de 1923, o cabeçalho, de
concepção de Agostini, foi substituído por outro que apresentava os principais personagens
das histórias da revista, tais como: Chiquinho, Jujuba, Carrapicho, Zé Pateta, Lamparina,
Cartola, Jagunço, entre outros, sendo que todos se dirigiam ao pássaro localizado à
extremidade esquerda da ilustração. Nesse ano, O Tico-Tico passou por uma reformulação
gráfica feita pelo ilustrador J. Carlos, que elaborou sua nova identidade visual
(GONÇALVES; GOMES, 2016, p. 232).

Figura 4: Cabeçalho da revista O Tico-Tico, 10 out. 1923

Fonte: O Tico-Tico, Rio de Janeiro, ano XVIII, n. 940, 10 out. 1923, p. 19

Em 31 de agosto de 1927, sob a edição de número 1143, o cabeçalho, com


personagens da revista, começou a ser publicado com coloração.

9
Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/153079/20356. Acesso em: 20 jun. 2021.
23

Figura 5: Cabeçalho da revista O Tico-Tico, 31 ago. 1927

Fonte: O Tico-Tico, Rio de Janeiro, ano XXII, n. 1143, 31 ago. 1927, p. 110

Depois de cinco anos, em 19 de outubro de 1932, na edição de número 1411, a revista


passou a dar enfoque a outros personagens em seu cabeçalho. Entre eles, apareciam Mickey,
Gato Félix, Faustina, Réco-Réco, Bolão e Azeitona, em meio a outros personagens que já
apareciam no cabeçalho, tais como Chiquinho, Carrapicho, Lamparina e Jujuba, todos se
dirigindo ao pássaro, que ocupava o centro da ilustração.

Figura 6: Cabeçalho da revista O Tico-Tico, 19 out. 1932

Fonte: O Tico-Tico, Rio de Janeiro, ano XXIX, n. 1411, 19 out. 1932, p. 111

Com essas mudanças de cabeçalho, entende-se que a revista primeiramente buscou, no


topo de sua página inicial, veicular ideias de inocência e de pureza das crianças, que
configuravam o público leitor da publicação. Posteriormente, as ilustrações dos personagens
foram incorporadas à identidade visual do cabeçalho da revista, ação essa que concedeu a elas
um importante destaque, ao mesmo tempo que propagou ideias de integração ao projeto de
publicação para o divertimento das crianças e de diversidade das produções (brasileiras e
estrangeiras) inseridas em O Tico-Tico.

10
Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/153079/24944. Acesso em: 20 jun. 2021.
11
Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/153079/33216. Acesso em: 22 jun. 2021.
24

Tal formato de cabeçalho, contendo personagens principais das histórias de O Tico-


Tico, permaneceu até o dia 20 de dezembro de 1939, na edição de número 1785. Em 1940,
após quase 34 anos de início da revista, o formato de publicação da revista foi alterado.

Figura 7: Capa da revista O Tico-Tico, 3 jan. 1940

Fonte: O Tico-Tico, Rio de Janeiro, ano XXXV, n. 1787, 3 jan. 1940, p. 112

Esse formato de capa, que passou a trazer diferentes ilustrações, abandonando os


cabeçalhos habituais, com os personagens das histórias em quadrinhos, foi mantido na revista
até a data de publicação da última edição, de número 2067, em 1962. A periodicidade da
revista também se modificou nas duas últimas décadas de publicação. Os números semanais,
lançados às quartas-feiras, encerraram-se em 23 de julho de 1941, na edição de número 1868.
Em sua quinta página, foi anunciada uma nova fase da revista, com promessas de novidades,
atrações, surpresas etc.

12
Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/153079/44326. Acesso em: 27 jun. 2021.
25

Figura 8: Anúncio da nova fase de O Tico-Tico, Figura 9: Anúncio da nova fase de O Tico-Tico, 23
16 jul. 1941 jul. 1941

Fonte: O Tico-Tico, Rio de Janeiro, ano Fonte: O Tico-Tico, Rio de Janeiro, ano XXXVI, n.
XXXVI, n. 1867, 16 jul. 1941, p. 513 1868, 23 jul. 1941, p. 514

Além desses anúncios mencionados, houve também, em edições anteriores, menções


ao novo formato da revista, mas sempre se enfatizava a manutenção das histórias de
personagens marcantes, tais como Pandareco, Parachoque e Viralata, de Max Yantok, e Réco-
Réco, Bolão e Azeitona, de Luíz Sá. Portanto, os anúncios, embora revelassem a intenção de
mudança do estilo da revista, deixavam clara a continuação de determinados personagens.
Dessa forma, há uma coexistência do velho e do novo, entre o que seria atualizado e o que
seria mantido, certamente não com o objetivo de impactar os leitores com uma ruptura
drástica, mas no sentido de mostrar uma continuação daquilo que ainda fosse atrativo. Com
tais mudanças, que se iniciaram em 1941, a revista perdurou por mais 21 anos, até 1962,
quando deixou de ser publicada.

13
Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/153079/46137. Acesso em: 5 jul. 2021.
14
Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/153079/46168. Acesso em: 5 jul. 2021.
26

2.3 Seções da revista

Há trabalhos, entre eles alguns estudos presentes na obra comemorativa aos 100 anos
de O Tico-Tico, organizada por Waldomiro Vergueiro e Roberto Elísio dos Santos (2005),
que apresentam, de forma mais geral, as histórias em quadrinhos inseridas na revista infantil
estudada, demonstrando sua importância como um suporte para as tiras estrangeiras no Brasil.
Apesar do peso dos quadrinhos na revista, o periódico continha também uma grande
variedade de seções com diversos gêneros, tais como romances, contos, novelas, entre outros,
que conviviam com uma variedade de outras seções com curiosidades, jogos e passatempos,
páginas com sugestões de leitura, correspondência do leitor, personalidades da História, da
Literatura, das Artes, das Ciências, entre outras, com as costumeiras ilustrações.
A revista teve duas seções destinadas ao contato com os leitores, por meio de
correspondências, sobre assuntos variados, tais como sugestões de leitura, dúvidas e pedidos
de republicação de histórias anunciadas, regras de etiqueta, horóscopo, entre outros. A
primeira das seções que serviram a esse propósito foi “A Gaiola d’O Tico-Tico”. Publicada
entre 1906 e 1932, nela eram impressas respostas às cartas dos leitores, poesias e histórias
enviadas, respostas às dúvidas sobre publicações, histórias e concursos (ROSA, 2002, p. 83).
Entre os anos de 1906 e o final da década de 1940, a revista publicou seções de cunho
comunicativo, que estabeleciam um canal de interação com os leitores. A princípio, somente a
“Gaiola d’O Tico-Tico” tinha esse papel de mediador entre revista e leitor. A partir de 1910,
ela passou a dividir esse diálogo com a seção “Correspondência do Dr. Sabe Tudo”, sendo a
“Gaiola” a responsável por tirar as dúvidas mais pontuais, tais como assinaturas, entregas de
cartas, publicações de histórias, enquanto a “Correspondência” estampava regras de etiqueta,
horóscopos, comentários sobre histórias, sugestão de leitura de romances, orientações sobre
escrita e retratos enviados pelos leitores (ROSA, 2002, p. 82-85).

Contos, versos, anedotas, poesias, desenhos e sugestões de perguntas e de


problemas para os concursos constituíam a essência da natureza das
colaborações enviadas. Os eixos dos contos e narrativas, por exemplo,
tenderam a seguir o modelo assumido pela revista: histórias com pessoas ou
com animais como personagens título, com suas qualidades e defeitos, suas
vantagens e seus castigos. A esperteza de fulano, a honestidade de beltrano,
a bondade de sicrano, a caridade deste, a obediência daquele foram alguns
dos títulos que sintetizavam o mérito das virtudes e contribuíam para
reforçar os padrões de comportamento valorizados pela revista e pelos seus
admiradores (ROSA, 2002, p. 83)
27

Os pequenos leitores enviavam suas produções próprias para O Tico-Tico, materiais


que condiziam com a proposta instrutiva dessa publicação seriada. Além disso, até o início
dos anos 1930, a revista recebeu traduções, em geral feitas por crianças e jovens orientadas
por professores particulares de línguas estrangeiras (ROSA, 2002, p. 84).
Em 1932, a seção “Correspondência do Dr. Sabe Tudo” tornou-se a responsável
exclusiva pelo diálogo com os leitores. Ao trazer conselhos às crianças, oferecia uma proposta
educativa, em alguns momentos, com comentários carregados de moral, além do teor rude e
indelicado que por vezes mostrava.

Figura 10: Seção “Correspondência do Dr. Sabe Tudo”. O Tico-Tico, 19 jul. 1916

Fonte: O Tico-Tico, Rio de Janeiro, ano XI, n. 563, 19 jul. 1916, p. 1615

A seção “Lições de Vovô” também propiciava um diálogo com o leitor. No entanto,


nessa seção não eram publicadas respostas às mensagens, mas eram apresentados, em forma
epistolar, assuntos específicos aos leitores, de modo afetuoso, tal como o diálogo de um avô
com um(a) neto/neta. Os conteúdos sempre traziam uma abordagem emotiva, com lições

15
Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/153079/11117. Acesso em: 7 jul. 2021.
28

morais, cívicas e educativas para as crianças, apresentadas em um tom amigável. Recorria-se


à imagem de um avô, uma pessoa de idade avançada, com barba e óculos, que passava seus
conhecimentos aos netos. Ao mesmo tempo, eles estavam sempre atentos aos ensinamentos
do avô. Ao final das cartas, a despedida se dava em tom afetuoso, com a assinatura do “vovô”.
A revista O Tico-Tico dispôs de variados conteúdos de jogos e passatempos a seus
leitores infantis. Havia, por exemplo, palavras cruzadas, nas quais as crianças tinham que
completar os quadrados das linhas horizontais e verticais com as palavras referentes às
informações mencionadas. Como passatempo, a revista também oferecia aos leitores as
páginas de montar, com moldes de brinquedos bastante coloridos e instrutivos para as
crianças destacarem, armarem e brincarem, tais como os materiais para montagem “O moinho
de vento”, publicado na edição de 17 de março de 1937, e “Três casas para armar”, publicado
em 24 de março de 1937.

Figura 11: Material para montagem “O Moinho Figura 12: Material para montagem “Três Casas
de Vento”. O Tico-Tico, 17 mar. 1937 para Armar”. O Tico-Tico, 24 mar. 1937

Fonte: O Tico-Tico, Rio de Janeiro, ano XXXIII, Fonte: O Tico-Tico, Rio de Janeiro, ano XXXIII,
n. 1641, 17 mar. 1937, p. 1616 n. 1642, 24 mar. 1937, p. 16-1717

16
Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/153079/39768. Acesso em: 10 jul. 2021.
17
Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/153079/39800. Acesso em: 10 jul. 2021.
29

Em algumas edições, O Tico-Tico também trazia tangrans, jogo antigo chinês que
consiste na montagem de diferentes imagens com peças previamente recortadas. Além disso,
havia jogos de identificação de palavras a partir de códigos, adivinhas, entre outras
brincadeiras variadas.
Com suas regras e resultados publicados em O Tico-Tico, os concursos e sorteios,
eram, na maioria das vezes, patrocinados por grandes empresas alimentícias, tais como
Nestlé, Aymoré e Toddy. Um concurso da Nestlé, por exemplo, publicado em 4 de abril de
1906, oferecia prêmios para aqueles que descobrissem, exatamente ou aproximadamente, o
horário no qual teria parado um relógio escondido dentro de uma lata de farinha láctea,
localizada no escritório do periódico, na Rua do Ouvidor, número 132. Para participar da
disputa, os pequenos teriam que anotar suas apostas nos rótulos dos mesmos produtos e
encaminhá-los à revista.

Figura 13: Concurso Nestlé. O Tico-Tico, 4 abr, 1906

Fonte: O Tico-Tico, Rio de Janeiro, ano II, n. 26, 4 abr. 1906, p. 1418

18
Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/153079/268. Acesso em: 5 ago. 2021.
30

A revista também distribuía prêmios aos participantes de concursos. Houve, por


exemplo, um “Concurso da Independência”, cuja entrega de prêmios ocorreu na sucursal da
revista em São Paulo em janeiro de 1934, na presença de colaboradores e do Dr. Plínio
Cavalcante, diretor do escritório. Além de concursos que contavam com a sorte, a revista
também preparava aqueles de âmbito cultural, como, por exemplo, concursos de melhores
contos, poesias e desenhos, em que era permitido que crianças usassem sua criatividade. Os
melhores trabalhos eram julgados por uma comissão e premiados.
O Tico-Tico estampava também muitos tipos de anúncios publicitários. Muitas vezes,
os mesmos anunciantes de produtos eram também patrocinadores dos concursos organizados
pela revista. Havia, entre os anúncios, uma ampla gama de produtos, tais como os alimentos
das marcas Cremor e Ovomaltine, entre outras.

Figura 14: Anúncio de lançamento do achocolatado Toddy. O Tico-Tico, 4 out. 1933

Fonte: O Tico-Tico, Rio de Janeiro, ano XXX, n. 1461, 4 out. 1933, p. 319

Também eram anunciados itens de higiene, tais como leite de rosas, sabonetes,
shampoos, talcos e cremes dentais. Além disso, havia publicidade de produtos para a saúde, a

19
Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/153079/34760. Acesso em: 5 ago. 2021.
31

exemplo de loções de plantas medicinais, óleo de fígado de bacalhau, pílulas, xaropes e


remédios variados.

2.4 Histórias ilustradas e histórias em quadrinhos

Por ocasião do lançamento de O Tico-Tico, a revista irmã O Malho publicou, em 16 de


setembro de 1905, um texto no qual, para atrair os leitores infantis, talvez por meio de seus
familiares adultos, foram descritas as características da revista. Esse texto convidava as
crianças a participarem do “1º Concurso d’O Tico-Tico”, que consistia em um prêmio de 100
mil réis e na publicação da foto do menino que melhor respondesse à pergunta “Que é que o
menino quer ser?”.
Uma das primeiras características destacadas no anúncio de publicação de O Tico-Tico em O
Malho é a presença de imagens e textos, compostos por artistas especializados em produções
infantis.

O TICO-TICO será do mesmo formato d’O Malho, terá desenhos coloridos,


e os seus desenhos e o seu texto estão confiados pela nossa empresa a
artistas que adoram a especialidade: escrever e desenhar para crianças, fazer
rir esses pequenos entes, buliçosos e irrequietos, que são o encanto da vida
(O Malho, Rio de Janeiro, ano IV, n. 157, 16 set. 1905, p. 4120).

Naturalmente, a presença de imagens, um atrativo para as crianças, teria papel


relevante na criação de uma revista destinada a esse público. Tal característica de O Tico-Tico
– a constante presença de imagens, produzidas por artistas especialistas – foi mantida do
começo ao fim de sua publicação por seus colaboradores, cujo trabalho diversificou os estilos
e as tendências de ilustração. Com o passar do tempo, foram sendo incorporados novos
gêneros à publicação, por exemplo, as histórias em quadrinhos estrangeiras ou desenhadas por
artistas brasileiros.
Mesmo antes de seu início, as histórias ilustradas foram importantes para O Tico-Tico,
visto que, um ano antes de publicado o seu primeiro número, a narrativa ilustrada “Por causa
de um cachorro”, de Angelo Agostini, inserida em O Malho na edição de 15 de outubro de
1904, repercutiu positivamente entre os leitores infantis, cujos pais escreviam à revista com
pedidos de mais histórias ilustradas. O Malho passou a ser publicado com uma tiragem maior,
despertando o incentivo de amigos do proprietário da revista, para a criação de uma

20
Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/116300/5552. Acesso em: 10 ago. 2021.
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publicação especialmente destinada às crianças, o que resultou no nascimento de O Tico-Tico


(ROSA, 2002, p. 23; 25).
Os romances começaram a ser publicados na revista a partir de seu primeiro
aniversário, em 1906. Um anúncio, inserido na edição de 26 de setembro daquele ano,
menciona “uma novidade” aos leitores: estava sendo preparado um número especial
comemorativo, no qual seria publicado o romance A Ilha do Tesouro. Trata-se de uma
adaptação ilustrada de Treasure Island, obra do escritor Robert Louis Stevenson (1850-1894),
publicada pela primeira vez em 1883. Deixando claro que continuaria a estampar, nas páginas
da revista, os habituais contos ilustrados, tais como os “Contos da Carochinha”, o anúncio
descreve a história de Stevenson como interessante e curiosa.

Figura 15: Anúncio de A Ilha do Tesouro, de Stevenson. O Tico-Tico, 26 set. 1906

Fonte: O Tico-Tico, Rio de Janeiro, ano II, n. 51, 26 set.1906, p. 521

Segundo informa o anúncio, o personagem principal da história, um menino de doze


anos – o que possivelmente despertaria uma identificação dos leitores da revista –, agia com
calma, dedicação e coragem para resolver as dificuldades e se libertar dos perigos que

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Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/153079/656. Acesso em: 20 ago. 2021.
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enfrentava. O “mistério empolgante”, as viagens e os conflitos – próprios de um romance de


aventuras – poderiam chamar a atenção do público. Sendo assim, ao ressaltar todas essas
características da história, o objetivo era, certamente, atrair os leitores a essa inovação
editorial. Tal história teve seu primeiro capítulo publicado duas edições depois, em 10 de
outubro de 1906.
Embora esse primeiro romance tenha sido escrito pelo escocês Robert Louis
Stevenson, ele foi extraído do periódico francês Le Petit Journal Illustré de la Jeunesse, que o
publicou sob a forma de uma adaptação ilustrada entre as edições de 2 de julho e 10 de
setembro 1905 (CARDOSO, 2008, p. 10). Para O Tico-Tico, o romance adaptado para a
língua francesa foi traduzido para o português, e depois teve suas partes impressas nas edições
durante um ano, entre outubro de 1906 e outubro de 1907. Em cada número da revista, o texto
foi dividido em duas colunas, com uma ou duas ilustrações em cada página, num total de duas
a cada edição.
Cardoso (2008, p. 10) explica que o periódico Le Petit Journal Illustré de la Jeunesse,
publicação francesa destinada às crianças, circulou entre os anos de 1904 e 1914. Foram
retiradas dessa revista e publicadas nas páginas de O Tico-Tico, além de A Ilha do Tesouro, as
obras A Princeza Meduza, um romance fantástico, e a A Rocha dos Guinchos, sobre as quais
não há informações a respeito de serem traduções, adaptações ou produções originais dos
colaboradores da revista, segundo constata Gonçalves (2019, p. 254-255).
As Viagens de Gulliver, do escritor anglo-irlandês Jonathan Swift (1667-1745), é outro
exemplo dos primeiros romances inseridos na revista. Trata-se de uma adaptação ilustrada da
obra Gulliver's Travels, publicada em 1726, na Inglaterra. Em O Tico-Tico, certamente para
chamar a atenção dos leitores infantis, o romance foi identificado como uma “história
maravilhosa”, indicativo do que viria a aparecer: humanos em miniatura, gigantes, animais de
tamanho exagerado, cavalos falantes, uma ilha voadora etc. Além disso, a revista dava grande
destaque às ilustrações da história, que ocupavam, por vezes, a maior parte da página.
34

Figura 16: As Viagens de Gulliver, de Jonathan Swift. O Tico-Tico, 22 set. 1909

Fonte: O Tico-Tico, Rio de Janeiro, ano V, n. 207, 22 set. 1909, p. 922

A edição de 22 de setembro de 1909 iniciou a publicação do romance ilustrado com


parte do primeiro capítulo, intitulado “A primeira viagem”, na qual o narrador relata
brevemente o naufrágio do barco no qual estava Gulliver, personagem principal da narrativa.
Não por acaso, a ilustração que acompanha esse primeiro trecho da história o destaca: ele
apareceu na metade inferior da página e foi retratado nadando, para fugir do acidente, do qual
foi o único sobrevivente.
Em meio aos romances, que nos primeiros anos eram impressos um a cada vez, a
revista inseria, em suas outras páginas, algumas histórias ilustradas, dentre as quais estão os
“Contos da Carochinha”. Tais narrativas com ilustrações começaram a sair justamente na
primeira edição, de 11 de outubro de 1905, que recebeu a história “A Princeza Roseta”, em
duas páginas e um quarto, com cinco ilustrações em preto e branco. Geralmente ocupavam até

22
Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/153079/2370. Acesso em: 20 ago. 2021.
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três páginas de O Tico-Tico, e eram acompanhadas de desenhos de algumas cenas, nos quais
se retratavam os momentos marcantes. Entre essas histórias da Carochinha, foram publicadas,
por exemplo, “Castello Encantado”, “A Princeza de Mármore”, “O Diamante da Fada
Pirueta”, “O Relógio Maravilhoso” e “A Maldade da Fada Carantonha”.

Figura 17: “A Maldade da Fada Carantonha”. O Tico-Tico, 24 jan. 1906

Fonte: O Tico-Tico, Rio de Janeiro, ano II, n. 16, 24 jan. 1906, p. 323

Além dos contos da Carochinha, narrativas do século XIX também eram rememoradas
nas páginas de O Tico-Tico, a exemplo de “As Cinco Graças”, do escritor norte-americano
Mark Twain (1835-1910), tradução de “The Five Boons of Life”, e de “O Assobio
Encantado”, do francês Alexandre Dumas (1802-1870), tradução de “Le Sifflet Enchanté”,
publicada pela primeira vez em 1860. Algumas delas, contudo, não eram ilustradas.

23
Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/153079/78. Acesso em: 20 ago. 2021.
36

Figura 18: “As Cinco Graças”, de Mark Twain. O Tico-Tico, 28 abr. 1920

Fonte: O Tico-Tico, Rio de Janeiro, ano XV, n. 760, 28 abr. 1920, p. 924

Foram publicados também romances de outros escritores de literaturas de língua


inglesa, tais como narrativas do autor inglês Daniel Defoe (1660-1731), a exemplo de seu
famoso Robinson Crusoé, com início de publicação em 23 de novembro de 1910, na edição
de número 268, contendo ilustrações coloridas. Tais obras geralmente ocupavam uma ou mais
páginas inteiras, e eram ricamente ilustradas, a cores ou em preto e branco. Havia algumas
exceções, como o romance Tom Playfair, do autor norte-americano e padre jesuíta Francis J.
Finn (1859-1928), cuja obra teve a primeira parte impressa, sem ilustrações, na edição de 19
de agosto de 1914.
A tradução dessa narrativa foi inserida na rubrica “folhetim” e, ao que parece, seria
depois transformada em livro, formato para o qual já estava delimitada, para fazer parte da
“Bibliotheca d’O Tico-Tico”. Essa coleção reuniu histórias como As Aventuras de Lavarède
ou A Volta do Mundo com Cinco Vinténs, do escritor francês Paul D’Ivoi (1856-1915), obra
que principiou na revista em 24 de março de 1915, e Viagens e Aventuras, de autoria não
explicitada, cuja publicação se iniciou em 24 de julho de 1928.

24
Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/153079/16508. Acesso em: 20 ago. 2021.
37

Figura 19: Tom Playfair, de Francis J. Finn. O Tico-Tico, 19 ago. 1914

Fonte: O Tico-Tico, Rio de Janeiro, ano IX, n. 463, 19 ago. 1914, p. 925

Trata-se da tradução de Tom Playfair, publicado pela primeira vez em 1890 nos
Estados Unidos – ou seja, uma obra contemporânea àquela época. Traduzida para várias
línguas, a narrativa é centrada na vida de um garoto de dez anos, que foi enviado para um
internato jesuíta. Tal história certamente poderia, portanto, despertar o interesse dos leitores
brasileiros da revista, crianças como o personagem principal, e de suas famílias, que
professavam, em sua maioria, a religião católica no Brasil do início do século XX.
Vários foram também os títulos de romances franceses publicados. Por exemplo,
saíram à luz Vinte Mil Léguas Submarinas, de Jules Verne (1828-1905), e A Abelha, de
Anatole France (1844-1924). A seção na qual tais obras eram anunciadas tinha como nome
“Folhetins d’O Tico-Tico”. Contudo, ela não se destinava ao romance em folhetim, pois a
configuração de suas páginas não seguia o formato de publicação das partes das histórias no
rodapé das páginas dos grandes jornais franceses e brasileiros, por exemplo, conforme se
realizava desde a década de 1830. Os romances eram publicados em páginas inteiras, sendo

25
Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/153079/8358. Acesso em: 20 ago. 2021.
38

possível que o leitor as guardasse para depois confeccionar a brochura, assim como poderia
fazer com os outros romances já mencionados, previamente moldados para o formato de livro.

Figura 20: Vinte Mil Léguas Submarinas, de Jules Verne. O Tico-Tico, 20 jun. 1934

Fonte: O Tico-Tico, Rio de Janeiro, ano XXXI, n. 1468, 20 jun. 1934, p. 926

Vinte Mil Léguas Submarinas teve sua primeira parte publicada em 20 de junho de
1934, na edição de número 1468. Cicero Valladares, colaborador de O Tico-Tico, realizou
uma adaptação da história e fez as ilustrações, com exclusividade para a revista. O escritor
francês Jules Verne, autor dessa obra, foi um dos precursores do gênero romanesco de ficção
científica, e é considerado um visionário, por apresentar em seus livros vários avanços da
ciência, como máquinas submarinas e aeroplanos. Além disso, Verne foi um dos escritores

26
Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/153079/35921. Acesso em: 20 ago. 2021.
39

mais traduzidos da literatura universal e obteve sucesso ainda em vida. Entre suas obras mais
conhecidas estão, além das Vinte Mil Léguas Submarinas, Cinco Semanas em um Balão
(1863), Viagem ao Centro da Terra (1864) e A Volta ao Mundo em 80 dias (1872).
O Tico-Tico não acolhia somente as histórias ilustradas estrangeiras. Contos de
escritores brasileiros também eram inseridos na revista, tais como Caramuru, adaptação
ilustrada do poema épico do frei Santa Rita Durão (1722-1784), o romance ilustrado O
Guarani, de José de Alencar (1829-1877), e o conto “Agulha e a Linha”, de Machado de
Assis (1839-1908), cuja narrativa não recebeu ilustração. Desse modo, nota-se que a revista
dedicava espaço considerável às obras literárias e incluía, na maioria das vezes, ilustrações
que possibilitaram ao público infantil a criação de uma relação entre a imagem e o texto,
contribuindo para o desenvolvimento do imaginário e do gosto pela literatura por parte desse
público.
A revista O Tico-Tico é apontada por muitos pesquisadores como um periódico
expressivo em histórias em quadrinhos. Ela foi, no Brasil, a primeira publicação seriada que
acolheu as produções quadrinísticas, de acordo com Vergueiro (2017). Ângelo Agostini
(1843-1910), um de seus colaboradores, que desenhou seu cabeçalho, bem como várias
histórias ilustradas (VERGUEIRO; SANTOS, 2008, p. 24), tinha destaque no cenário dos
quadrinhos do país, pois foi o criador daquela que é considerada a primeira história em
quadrinhos brasileira, intitulada “As Aventuras de Nhô-Quim”, que saiu à luz em 1869, na
revista Fluminense, do Rio de Janeiro (CARDOSO, 2013b, p. 21-22).
Em O Tico-Tico, as publicações em quadrinhos eram as mais variadas possíveis e
contemplavam histórias brasileiras e estrangeiras. Por exemplo, na década de 1930, as
histórias em quadrinhos ocupavam, em média, 35% das páginas da revista, entre as produções
nacionais e estrangeiras. Durante o início desse período até 1935, os quadrinhos norte-
americanos apareciam, em média, em 2 páginas da revista por edição, enquanto os demais
quadrinhos brasileiros ocupavam, em média, de 6 a 7 páginas. De 1936 até o fim da década, o
número de produções quadrinísticas norte-americanas aumentou, passando a ocupar cerca de
23% das páginas, em média, enquanto a produção nacional cresceu para quase 30%. Nos
últimos anos, entre 1939 e 1940, a quantidade de quadrinhos norte-americanos publicados
aumentou, inclusive, ultrapassado o número dos nacionais. Sendo assim, há uma maior
expressividade de publicações quadrinísticas norte-americanas no final do período em
questão.
40

Durante toda a trajetória de O Tico-Tico, muitos foram os quadrinhos de artistas


brasileiros que tiveram destaque em suas páginas, tais como as histórias de J. Carlos,
“Lamparina, Jujuba, Carrapicho e Goiabada”, que permaneceram entre 1924 e 1941 na
revista. Nessas histórias criadas por J. Carlos, a personagem Lamparina, uma menina negra
que vivia no morro do Rio de Janeiro, sempre colocava os seus amigos em aventuras. Em
outra história posterior, intitulada “Um cacho de bananas”, os amigos de Lamparina estavam
desesperados, pois ela havia sumido. Todos largaram o que estavam fazendo para procurá-la
em vários lugares; somente no final da tarde, ao se aproximarem de um local repleto de
bananas, ouviram gritos; olharam para cima e encontraram a menina pendurada em um cacho
de bananas, aos prantos, com medo de descer.

Figura 21: “Lamparina, Jujuba, Carrapicho e Goiabada”. O Tico-Tico, 23 maio 1928

Fonte: O Tico-Tico, Rio de Janeiro, ano XXIII, n. 1181, 23 maio. 1928, p. 127

Entre as inúmeras histórias quadrinísticas brasileiras que marcaram a revista, também


podemos citar “Zé Macaco e Faustina”, de Alfredo Storni. Essas histórias traziam
personagens caricatos, marcados pelas imperfeições e dificuldades que enfrentavam no

27
Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/153079/26083. Acesso em: 23 ago. 2021.
41

cotidiano. Eles, apesar de mostrarem um lado ridículo ao lidarem com situações inesperadas
de modo exacerbado, tentavam ter uma boa educação e tirar uma lição de cada momento.
Em uma de suas histórias, Zé Macaco, após ir ao cinema em companhia de sua esposa,
dona Faustina, resolve ir a uma sorveteria. Faustina, que não estava acostumada a tomar
sorvete, exagerou no consumo e ficou congelada. Zé Macaco se desesperou; a única
alternativa era levá-la para casa, mesmo estando congelada. O marido, com vários planos na
cabeça, decidiu cantar uma música que, em outras circunstâncias, geralmente a fazia ficar
“derretida” por ele. Mas isso não resolveu, visto que ela continuou congelada. Também tentou
dar a ela uma bebida, ação que, igualmente, não teve êxito. Em sua última tentativa, fez uma
fogueira, que em instantes derreteu o gelo de sua esposa, e tudo voltou ao normal.

Figura 22: “Zé Macaco”. O Tico-Tico, 22 mar. Figura 23: “Zé Macaco”. O Tico-Tico, 29 mar.
1911 1911

Fonte: O Tico-Tico, Rio de Janeiro, ano VI, n. Fonte: O Tico-Tico, Rio de Janeiro, ano VI, n. 286,
285, 22 mar. 1911, p. 1428 29 mar. 1911, p. 1129

28
Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/153079/3863. Acesso em: 23 ago. 2021.
29
Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/153079/3884. Acesso em: 23 ago. 2021.
42

Zé Macaco e Faustina apareceram na revista de 1911 a 1958, ou seja, estiveram


presentes por um longo período da existência de O Tico-Tico. Esses personagens, no decorrer
de sua trajetória, mostram um amadurecimento e um envelhecimento, que os leitores mais
antigos poderiam acompanhar.
Chiquinho é também um personagem de destaque por suas fases de transição. Ele era
figura central da revista, ocupando suas páginas do início ao fim de sua publicação.
Inicialmente seus quadrinhos eram decalcados a partir das histórias de Buster Brown,
desenhado por Richard Felton Outcault, artista norte-americano, para a revista The New York
Herald (CHINEN, 2005, p. 104-105). Procedimento de reprodução utilizado naquela época, o
decalque consistia na cópia de um desenho já impresso, sobre o qual se colocava um papel
fino e translúcido, através do qual se podia delinear o traçado que estava por baixo (CAGNIN,
2005, p. 30-32). Chiquinho, desenhado por artistas nacionais, foi evoluindo com o tempo,
adaptando-se a uma identidade mais brasileira, contracenando com outros personagens,
vivenciando outras histórias (CAGNIN, 2005, p. 32).

Figura 24: “Aventuras de Chiquinho”. O Tico-Tico, 15 mar. 1922

Fonte: O Tico-Tico, Rio de Janeiro, ano XVII, n. 858, 15 mar. 1922, p. 130

30
Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/153079/18742. Acesso em: 24 ago. 2021.
43

Em O Tico-Tico, apesar do decalque do personagem, as histórias eram modificadas.


Chiquinho, com o tempo, tornou-se um símbolo da revista para as crianças brasileiras. As
histórias de Chiquinho sempre apareciam na contracapa do periódico e rendiam alegria aos
leitores infantis, por mostrar muitos acontecimentos com o seu cachorro jagunço e seu amigo
Benjamin.
Os quadrinhos de Réco-Réco, Bolão e Azeitona, desenhados por Luíz Sá, nos anos de
1930, também atingiram grande sucesso. O artista criou outras histórias na revista, mas elas
não se destacaram tanto quanto as histórias dos três amigos. O triunfo de seus quadrinhos foi
tamanho que eles permaneceram até o final da trajetória de O Tico-Tico. Em todas as
histórias, havia uma traquinagem preparada por um amigo ou por todos. Ao final de cada, eles
davam boas risadas ou tentavam salvar o grupo de amigos de uma situação difícil
(LUCHETTI, 2005, p. 62).

Figura 25: “Réco-Réco, Bolão e Azeitona”. O Tico-Tico, 26 out. 1932

Fonte: O Tico-Tico, Rio de Janeiro, ano XXIX, n. 1412, 26 out. 1932, p. 2531

31
Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/153079/33270. Acesso em: 24 ago. 2021.
44

As histórias de Luíz Sá eram originais. Seus traços eram curvos e tinham uma
característica única, que conferia aos bonecos uma forma arredondada (BRETHÉ, 2019, p.
82). Luíz Sá não foi somente ilustrador e criador de histórias em quadrinhos, mas também
inovou com “As Aventuras de Virgulino”, um dos primeiros curtas de animação do Brasil. A
produção mostra um mocinho que tenta salvar uma moça raptada das garras de um bandido.
São muitos os exemplos de histórias ilustradas e histórias em quadrinhos publicadas ao
longo de quase sessenta anos de O Tico-Tico. Com o tempo, os artistas foram aperfeiçoando o
decalque, a ilustração e a escrita de histórias que acompanharam os leitores, produzindo novas
tiras, adaptando e traduzindo outras, utilizando personagens estrangeiros, tais como o
Chiquinho, na criação de produções originais. Em meio aos quadrinhos criados por artistas
brasileiros, não se pode esquecer das histórias estrangeiras cuja presença, especialmente na
década de 1930, foi importante. Esse é o caso, por exemplo, dos quadrinhos de Mickey
Mouse, Félix the Cat e Popeye, histórias de origem norte-americana, que são objetos de
estudo deste trabalho. No capítulo seguinte, que traz alguns exemplares dessas tiras, é
realizada uma análise de sua circulação, bem como são discutidos os processos de tradução do
texto e da imagem dessas produções quadrinísticas.
45

3 QUADRINHOS NORTE-AMERICANOS EM O TICO-TICO

Neste capítulo, abordaremos os quadrinhos norte-americanos que estiveram presentes


em O Tico-Tico entre os anos de 1929 e 1942, em especial as tiras de Mickey Mouse, Felix
the Cat e Popeye. Explicaremos brevemente as origens de tais personagens e o início de sua
produção, seja em desenho animado, seja em tiras a serem publicadas nos jornais diários, até
mesmo em ambas as formas, para depois mostrar como seus quadrinhos eram dispostos nessa
revista infantil brasileira. Na comparação com as histórias “originais” em inglês, buscaremos
mostrar as modificações pelas quais as tiras passaram no processo de tradução para o
português, que resultaram, por exemplo, na supressão dos balões das falas dos personagens.
Antes disso, contudo, convém fazer um breve panorama sobre os quadrinhos estrangeiros
presentes nesse periódico estudado.
O Tico-Tico foi um importante difusor de literatura e de cultura para os leitores
infantis da primeira metade do século XX, além de um pioneiro das histórias em quadrinhos
no país. No entanto, a expressividade dos quadrinhos é, sem dúvida, maior, incluindo uma
variedade de produções brasileiras e estrangeiras. As produções de fora do país, acolhidas na
revista via tradução, precisam ser melhor compreendidas em sua presença no Brasil por meio
dessa revista infantil, com um aprofundamento sobre as modificações realizadas no processo
de tradução.
Segundo Nobuioshi Chinen (2005, p. 104), as histórias em quadrinhos encontraram
espaço, desde seu início, nessa revista infantil, a qual teve, como fonte de inspiração para sua
criação, o periódico francês La Semaine de Suzette (1905-1960), destinado ao público infantil
feminino, apesar de que, para Athos Eichler Cardoso (2008), a verdadeira origem francesa
tenha sido a revista Le Petit Journal Illustré de la Jeunesse (1904-1910), na qual O Tico-Tico
ter-se-ia inspirado e da qual teria retirado algumas histórias em quadrinhos.
As primeiras histórias estrangeiras eram decalcadas – “‘tropicalizadas’, ou seja,
copiadas do original por desenhistas brasileiros” (CHINEN, 2005, p. 104) –, a exemplo de
Bécassine, uma série francesa publicada em O Tico-Tico como “As Aventuras de uma
Criada”, que saiu nas páginas da revista do início ao fim de sua existência.
Também presente desde o começo do periódico infantil, Chiquinho é um de seus
personagens mais famosos – talvez, o mais conhecido deles. Para Chinen (2005), trata-se de
um exemplo de histórias em quadrinhos “nacionalizada” (p. 104), que durou até 1957 na
revista, a despeito de sua produção originária Buster Brown, do norte-americano Richard
46

Felton Outcault (1863-1928), ter se encerrado em 1920. Conforme explica Azevedo (2008), o
sucesso das histórias de Chiquinho fez com que fossem criadas adaptações desse personagem,
em histórias com cenários e situações brasileiras, criadas e desenhadas pelas mãos de diversos
ilustradores, com seus estilos próprios.
Outros quadrinhos de origem norte-americana encontrariam espaço em O Tico-Tico.
Em 1910, estrearam na revista as tiras intituladas “O Sonho de Tonico no Fundo do Mar”,
tradução de uma série de quadrinhos de Little Nemo, criado por Winsor McCay (CHINEN,
2005, p. 105). Passaram também pela revista as histórias de “Sobrinhos do Capitão”, tradução
da série The Katzenjammer Kids, criada por Rudolph Dirks (CHINEN, 2005, p. 106); e os
quadrinhos “As Aventuras de Tupiniquim”, tradução da série Little Jimmy, de James
Swinnerton (CHINEN, 2005, p. 106-108).
Chinen (2005, p. 108-110) explica que, nos anos 1930, as histórias em quadrinhos de
Mickey Mouse e de Felix the Cat tiveram início em O Tico-Tico. Somam-se a elas a série de
tiras de Popeye e de Krazy Kat, todas distribuídas pelo King Features Syndicate, publicadas
em meados da década. Em seus últimos anos, iniciou-se uma nova fase, com a publicação de
“Aventuras de João Malempeor”, tradução de Pete, the Trump, criado por Clarence Russell
(CHINEN, 2005, p. 110). Outras histórias em quadrinhos publicadas foram a série Babe
Bunting, criada por Fanny Cory, e “Guerra ao Crime”, tradução de War of Crime, roteirizada
por Rex Collier e desenhada por Kemp Starret (CHINEN, 2005, p. 111).
Sabemos que as histórias em quadrinhos assumiram um lugar de destaque no gosto do
público leitor brasileiro, sobretudo das crianças e dos jovens. Conhecidas como “tiras”, no
Brasil, e “comic strips”, nos Estados Unidos, é certo que os também ditos “quadrinhos” são
muito lidos ainda hoje, fazendo parte do repertório de jovens consumidores de HQs e de
outras produções artísticas derivadas, tais como filmes, séries e obras similares do universo
audiovisual, além de inúmeros produtos licenciados – que não cessam de surgir para agradar
os fãs dessas criações.
O acesso e o consumo desses bens culturais aumentaram nos últimos anos, de modo
que o preconceito vem se rarefazendo. Atualmente, os quadrinhos são estudados como objeto
de pesquisas na área acadêmica; participam de premiações do universo artístico e literário, e
ganham espaço não somente nas prateleiras das livrarias, mas também nos cinemas, que
adaptaram muitas histórias em filmes de sucesso (EISNER, 2010, p. 149).
De acordo com Will Eisner (2010, p. 1), o sucesso dos quadrinhos frente ao público
deriva de um forte apelo visual que se estabelece entre o quadrinista e o leitor. As histórias em
47

quadrinhos exigem que se tenha certa percepção estética e visual, para a depreensão do
sentido.

As histórias em quadrinhos apresentam uma sobreposição de palavra e


imagem, e, assim, é preciso que o leitor exerça as suas habilidades
interpretativas visuais e verbais. As regências da arte (por exemplo,
perspectiva, simetria, pincelada) e as regências da literatura (por exemplo,
gramática, enredo, sintaxe) superpõem-se mutuamente. A leitura da história
em quadrinhos é um ato de percepção estética e de esforço intelectual
(EISNER, 2010, p. 2).

Assim sendo, nos quadrinhos, a relação entre texto e imagem confere um sentido às
obras. Com relação à linguagem, a coloquialidade provoca uma proximidade do leitor a esse
gênero. Tais características são elucidadas também por Federico Zanettin (2005), que discorre
a respeito das histórias em quadrinhos se enquadrarem, em sua classificação, como textos
visuais, cujos significados são derivados da articulação entre a imagem e a linguagem escrita.
Segundo Will Eisner (2010, p. 39-53), os quadrinhos têm, em sua estrutura, o requadro
como um elemento essencial. O requadro consiste na moldura utilizada para estabelecer uma
delimitação das cenas, com os elementos das histórias em seu interior, em ordem sequencial, e
que também demarcam a passagem do tempo, com a sucessão dos fatos das histórias. O balão,
outro recurso imprescindível nos quadrinhos, é utilizado para apresentar as falas dos
personagens, ajudando a demarcar os acontecimentos (EISNER, 2010, p. 24-30).
Nas tiras da revista O Tico-Tico, são utilizados os quadros sob o estilo de contêiner.
Conforme as considerações de Eisner (2010, p. 44), esses tipos de molduras são rígidas, e
suas configurações são típicas de publicações de jornais, como as chamadas tiras ou comic
strips. Ainda com relação à estrutura, na revista, os balões de pensamento foram recortados na
maior parte do tempo em que os quadrinhos norte-americanos saíram à luz; aparecendo
apenas no início dos anos 1940, época em que o gênero em questão teria sido reconhecido e
incorporado em sua integralidade.
A tradução de histórias em quadrinhos no Brasil tem sido recentemente estudada por
pesquisadores interessados em compreender mais a fundo os procedimentos tradutórios pelos
quais as tiras passaram, desde aquelas publicadas no início do século XX até as produções
contemporâneas. Entre os estudos por eles produzidos, destaca-se a obra A tradução de
quadrinhos no Brasil (2020), organizada por Kátia Hanna e Dennys Silva-Reis, a qual reúne
capítulos divididos em eixos temáticos que abarcam a história, os procedimentos tradutórios,
as questões de acessibilidade, o ensino e as reflexões sobre o papel do tradutor. Na introdução
48

do livro, Kátia Hanna e Dennys Silva-Reis (2020), discorrem sobre o objetivo do livro, que
consiste na importância de reconhecer e trazer à luz pesquisas acadêmicas dos Estudos da
Tradução, que têm como objeto de análise os quadrinhos. Conforme os pesquisadores,

Se por um lado os quadrinhos chegaram à academia com estudos mais


sistematizados no que tange à linguagem, à cultura, à comunicação e ao
mercado livreiro; por outro o processo de tradução é uma incógnita a ser
estudada e equacionada. Parece que tal estudo está favorável, especialmente,
por três motivos: 1) o ápice dos quadrinhos alcançado pelo status da
literatura e especialmente pela nomenclatura de romance gráfico – inclusive
como parte dos estudos literários contemporâneos; 2) o fantasma da
invisibilidade da tradução de HQs que ainda permeia os quadrinhos
publicados no Brasil – em especial, quando se vê que estudos no âmbito
desse produto cultural são totalmente feitos no Brasil sem levar em
consideração o quesito “HQ traduzido”; e 3) o fato de os profissionais da
tradução desse texto multimodal serem desconhecidos – notadamente, na
supervalorização dos tradutores literários e juramentados em detrimento e
marginalização dos que exercem esse tipo de tradução, dentre outras
consideradas “menores” (HANNA; SILVA-REIS, 2020, p. 7).

Embora os quadrinhos tenham ganhado um status no universo cultural, as pesquisas


sobre tradução de HQs ainda são escassas e precisam ser realizadas. Publicado nessa obra
mencionada, o artigo de Kátia Hanna e Waldomiro Vergueiro, intitulado “Histórias
entrelaçadas: a indústria norte-americana e a tradução de quadrinhos no Brasil” (2020), traz
considerações em relação às traduções dos quadrinhos norte-americanos para os leitores
brasileiros.
Segundo os pesquisadores, antes do lançamento dos quadrinhos pelo mundo, na
metade do século XIX, as ilustrações ocupavam os periódicos de cunho humorístico.
Percebendo sua atratividade perante o público, a imprensa decidiu lançar histórias sequenciais
coloridas ou não, que estabeleceram um novo formato de publicação e ganharam popularidade
nos periódicos. Joseph Pulitzer e William Randolph Hearst, que comandavam os jornais New
York World e New York Journal, respectivamente, passaram a divulgar as tiras, em 1895, com
o lançamento pela Pulitzer, de Hogan’s Alley, de Richard Felton Outcault, com histórias
centradas no personagem conhecido como Yellow Kid, criança que sempre aparecia de
camisola amarela. Anos mais tarde, em 1905, Outcault publicaria Buster Brown, personagem
que viria a ser decalcado, posteriormente, pela revista O Tico-Tico (HANNA; VERGUEIRO,
2020, p. 20-21).
O traçado histórico das ilustrações e quadrinhos no Brasil foi semelhante ao que
ocorreu nos Estados Unidos. Publicadas em periódicos satíricos, as ilustrações conquistariam
49

os leitores. O jornal O Malho, de propriedade do mesmo fundador de O Tico-Tico, contava


com uma equipe de chargistas, sendo Angelo Agostini um artista de destaque, cujas tiras “As
Aventuras de Nhô-Quim” foram consideradas uma das precursoras a circular no Brasil. Luís
Bartolomeu de Souza e Silva, percebendo o sucesso das histórias em quadrinhos em sua
revista para adultos O Malho, bem como em outros jornais estrangeiros, decidiu lançar
periódicos contendo tais publicações voltadas para o público infantil, e inseriu diariamente o
personagem Chiquinho, decalcado de Buster Brown, e, posteriormente, outros quadrinhos
norte-americanos, sob o intermédio da agência King Features Syndicate, que viriam a fazer
sucesso.
Para a análise neste trabalho, foram selecionados os quadrinhos de Mickey Mouse,
Felix the Cat e Popeye, que circularam na década de 1930 em O Tico-Tico. A escolha dessas
produções se justifica pela longa permanência de sua publicação na revista, especificamente
no caso dos dois primeiros, e pelo símbolo cultural que tais quadrinhos carregam até os dias
atuais, que as três produções trazem consigo. Também foi fator determinante a
disponibilidade de alguns materiais originais em inglês, encontrados em portais digitais de
quadrinhos – a exemplo do Digital Comic Museum e da Newspaper Comic Strips –, e
também em algumas antologias de quadrinhos publicadas por editoras especializadas, que
permitissem a realização de uma análise descritiva das traduções.
Sabemos que, a partir de 1942, O Tico-Tico deixou de publicar tais produções norte-
americanas. Esse fato nos permite refletir sobre as questões elencadas por Silva Junior (2004)
com relação ao declínio do consumo de quadrinhos estrangeiros. Segundo o pesquisador, no
final da década de 1930, alguns padres, no Brasil, entre eles o carioca Arlindo Vieira, sob
forte influência de ideias fascistas do Ministério Popular da Cultura, do ditador italiano
Benedito Mussollini, espalharam que os quadrinhos norte-americanos, por serem
antinacionalistas, promoviam uma má-influência aos pequenos. Acreditava-se também que os
quadrinhos tinham mensagens subliminares, e que eram uma forma de imposição da cultura
norte-americana no mundo (SILVA JUNIOR, 2004, p. 77-80). Assim sendo, a derrocada das
tiras norte-americanas em O Tico-Tico justifica a delimitação do período considerado nesta
pesquisa acerca da presença dos quadrinhos norte-americanos na revista estudada.
O ataque aos quadrinhos também ocorreu em outros países. Na França, por exemplo, o
crítico francês de cinema Georges Sadoul condenava a presença numerosa de produções
quadrinísticas americanas; segundo ele, a leitura dessas histórias pervertia as crianças e os
jovens (SILVA JUNIOR, 2004, p. 78). Nos Estados Unidos, a obra Seduction of the Innocent,
50

publicada em 1954, de autoria do psiquiatra alemão Fredric Wertham, alertava que os


quadrinhos, que traziam conteúdos sexuais e violentos, contribuíam para a delinquência
juvenil, além de outras questões (WERTHAM, 1954); essa visão influenciou um processo de
auto regulação das editoras norte-americanas, na criação da Comics Code Authority
(NYBERG, 1998). As editoras brasileiras – Empresa Gráfica O Cruzeiro, Editora Brasil-
América, Rio Gráfica e Editora, e Editora Abril –, seguindo as norte-americanas, também
elaboraram um “Código de Ética”, que consistiu em 18 normas a serem seguidas. Segundo
essas determinações, os quadrinhos, por exemplo, deveriam estar alinhados aos valores
morais, ao bom uso da língua, e às condutas sociais boas, que deveriam prevalecer às
malfeitorias (SILVA, 2008, p. 15).
A partir de 1941, com a reformulação de O Tico-Tico, que passou a ser publicada
semanalmente, seu conteúdo foi mais dedicado ao patriotismo. Os números da revista
recebiam textos que retratavam a História do Brasil, as personalidades nacionais mais
importantes, a religião cristã, a natureza brasileira, a geografia do país, a produção agrícola
etc., quase sempre com grandes e coloridas ilustrações. Publicou-se também as “Mensagens à
juventude”, entre agosto de 1941 e maio de 1943, seção na qual personalidades públicas – tais
como membros da Academia Brasileira de Letras – respondiam à pergunta “Por que me
orgulho de ser brasileiro?” com ufanismo. Havia concursos, a exemplo de “O Dia da Pátria”,
promovido em setembro de 1942. Em 1941 e 1942, por exemplo, a revista inseriu em suas
páginas a série “As Aventuras de um Jovem Brasileiro, escrita e desenhada por Oswaldo
Storni, na qual o personagem Chico Feliz viaja pelo país em busca de aventuras (SAGEBIN,
2015, s/d). Além disso, quadrinhos da série “Histórias Vocacionais”, publicados entre 1941 e
1942, reafirmavam os valores meritocráticos, mostrando como os trabalhadores iniciaram
suas vidas profissionais por baixo, e com luta e perseverança haviam conseguido se destacar
como empresários bem-sucedidos (ROSA, 2002, p. 146).
Todas essas produções que traziam conteúdo patriótico se intensificaram nesse período
de centralização do poder no Estado Novo (1937-1945) que, por meio de seu Departamento
de Imprensa e Propaganda, difundia ideais nacionalistas, censurava a imprensa e controlava a
produção de livros didáticos. Com a obrigatoriedade do ensino da língua portuguesa nas
escolas, as comunidades de imigrantes foram proibidas de se comunicar em público, e aqueles
que mesmo assim o faziam eram segregados (OLIVEIRA, 2009, p. 22). Para tornar o Brasil
“mais brasileiro”, foram instituídas restrições à publicação de jornais estrangeiros a partir de
51

agosto de 1841 (ARAÚJO, 2001, p. 1830-1833). Assim sendo, O Tico-Tico teve que
reformular sua estratégia de publicação, cessando as produções estrangeiras em suas páginas.

3.1 Mickey Mouse: aventuras do Ratinho curioso

Mickey é um rato que veste short vermelho, calça sapatos amarelos, usa luvas brancas,
é namorado de Minnie Mouse e dono do cachorro Pluto. O nome do ratinho, criado por
Walter Elias Disney (1901-1966) em 1928, teria sido escolhido por sua esposa, Lilian
Bounds, que teve “Mickey Mouse” e “Mortimer Mouse” como opções. Apesar de “Mickey”
ter sido o escolhido, “Mortimer” não foi descartado por Walter Disney, que o utilizou para
nomear o tio de Minnie Mouse, segundo explica Michael Barrier (2007, p. 57).
Poderia o criador do ratinho Mickey vislumbrar o sucesso que sua criação alcançaria
mais tarde? Fato é que, desde aquela época, o personagem tem obtido êxito, que não diminuiu
com o tempo. Houve sucessivas produções de quadrinhos, desenhos animados, filmes e
muitos produtos licenciados (brinquedos, roupas, acessórios e itens diversos). Alcançando
muitas gerações, Mickey virou símbolo do famoso parque temático Walt Disney World, em
Orlando, nos Estados Unidos, e repercute nas produções baseadas nas novas tecnologias, a
exemplo de jogos para videogame e computador.
As histórias do ratinho não foram as primeiras animações lançadas por Walter Disney.
Ele havia criado outro desenho animado, em 1928, intitulado Oswald the Lucky Rabbit. Em
suas histórias, o coelho Oswald foi desenhado por ele e por seu colega Charles Mintz. Devido
ao sucesso dessas animações, transmitidas pela Universal Studios, e eventuais mudanças
solicitadas por Disney, a Universal tomou para si os direitos autorais e incumbiu somente a
Mintz o papel de ilustrador do coelho (BARRIER, 2007, p. 51-52).
Diante desse revés, ele decidiu lançar outro personagem, para que fizesse um sucesso
maior. De acordo com Thomas Andrae (2011, p. 222-223), Disney relatou que, sozinho, numa
viagem de trem voltando para sua casa, na busca por uma inspiração, pensou em um gato, mas
logo veio a ele a imagem de um pequeno rato, no qual decidiu colocar suas apostas. Assim
sendo, começou a trabalhar na elaboração de uma animação, com a ajuda do desenhista Ub
Iwerks (1901-1971), que se tornou um dos principais animadores de seu estúdio, durante a
maior parte de sua carreira.
Mickey foi criado, primeiramente, no formato de animação, no curta metragem Plane
Crazy (1928) (BARRIER, 2007, p. 57). Nessa produção, Mickey constrói um avião junto de
52

amigos, porém, ao dar partida, bate numa árvore. Depois, consegue construir outro e convida
Minnie para voar com ele. O avião sai desgovernado e atinge Clarabella. Com o desenrolar
dos acontecimentos, o avião consegue subir e Mickey tenta beijar Minnie, que o rejeita. O
ratinho faz várias manobras no céu, e Minnie deixa o avião de paraquedas. O avião cai em
uma árvore e Mickey junto, que se machuca.
Apesar de ter sido o primeiro desenho animado produzido, estreou apenas em 1930,
após o lançamento da segunda animação, Steamboat Willie (1928), a partir da qual Mickey se
destacou. Nesse desenho animado, paródia do filme norte-americano Steamboat Bill, Jr.
(1928), uma comédia de ação, o ratinho trabalha como ajudante em um navio a vapor
(BARRIER, 2007, p. 58-59). Segundo explica Chinen (2005, p. 108), essa foi a primeira
animação sonora da história.

Figura 26: Fotograma da animação Steamboat Willie (1928)

Fonte: Youtube32

No início da animação, enquanto recolhia animais para o navio, Mickey se depara com
Minnie, que estava tentando entrar na embarcação, sem sucesso, mas o ratinho consegue
puxá-la para dentro com o auxílio de um gancho. Ela carrega consigo partituras musicais e um
violão, que caem no chão e são comidos por uma vaca, que começa a soltar notas musicais.
Mickey se anima com o som e se torna o músico do navio, tocando vários instrumentos

32
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=BBgghnQF6E4. Acesso em: 31 jan. 2022.
53

improvisados e fazendo um show junto a outros animais. O comandante do navio, rude, não
gosta do que vê e tranca Mickey em uma cabine do navio, ordenando-lhe descascar batatas.
Mickey, zombado por um papagaio, ataca o pássaro com uma batata. O bicho acaba caindo no
mar.
As criações de Walter Disney, elaboradas em parceria com o colega Ub Iwerks,
obtiveram um grande sucesso, tornando-se um símbolo mundial. Com a intenção de alcançar
um público maior, em janeiro de 1930, foi dado início à circulação das histórias de Mickey
em tiras, com a mediação da agência King Features Syndicate, responsável pela distribuição
dos quadrinhos para variados jornais do mundo (BARRIER, 2007, p. 83). Conforme explica
Chinen (2005, p. 108), a primeira história em quadrinhos foi inspirada em Plane Crazy,
publicada em 13 de janeiro de 1930, com desenho de Ub Iwerks e arte-finalização de Win
Smith. Contudo, rapidamente Iwerks deixou os desenhos da série e, a partir de maio do
mesmo ano, o ilustrador Floyd Gottfredson (1905-1986) assumiu a responsabilidade pelo
roteiro e pela ilustração dos quadrinhos e das animações que incluíam o ratinho. Depois de
alguns anos, outros ilustradores passaram a desenhar a criação de Walt Disney.
Na revista infantil O Tico-Tico, a primeira história em quadrinhos de Mickey Mouse
foi publicada na edição 1277, de 26 de março de 1930. Na página 29 desse número da revista,
em sentido horizontal, foram publicadas 8 tiras, que correspondem a 2 tiras diárias com 4
quadros cada, como se fazia naquele período (CHINEN, 2005, p. 109). Assim como a maioria
das histórias em quadrinhos de Mickey na revista até 1934, a produção foi nomeada como
“As aventuras do Ratinho Curioso”, trazendo consigo os nomes dos responsáveis pela criação
das tiras – “Desenho de Walt Disney e U. B. Iwerks” – e deixando evidente que O Tico-Tico
recebia com exclusividade os quadrinhos de Mickey no Brasil.
As histórias de Mickey Mouse aparecem em praticamente todas as edições da revista
dos anos de 1930 a 1941. Entre as produções analisadas neste trabalho, foi a que teve a maior
variação de títulos, tendo iniciado com “As aventuras do Ratinho Curioso”, “A Vida Agitada
do Ratinho Curioso” ou “A História do Ratinho Curioso” até 1934, segundo constatam Nilce
Pereira e Paula Arbex (2020, p. 62).
A primeira história se inicia com Ratinho – assim denominado nas tiras – surpreso ao
ver grandes pegadas na areia, que imaginou ser de um mastodonte, uma espécie de animal de
grande porte, semelhante aos mamutes, extinta há pelo menos 10 mil anos. Sua curiosidade o
levou a buscar para onde se direcionavam. Ele descobriu, surpreso, que uma cegonha, a qual
calçava grandes sapatos, estava deixando essas marcas no solo. Depois disso, Ratinho viu um
54

coqueiro e decidiu quebrar o coco localizado em cima da grama. Ele teve outra surpresa: na
verdade, ele havia acertado a cabeça de um chimpanzé, que estava com o corpo escondido no
pequeno arbusto.

Figura 27: “As aventuras do Ratinho Curioso”. O Tico-Tico, 26 mar. 1930

Fonte: O Tico-Tico, Rio de Janeiro, ano XXVI, n. 1277, 26 mar. 1930, p. 2933

Na edição seguinte, de número 1278, publicada em 2 de abril de 1930, Ratinho estava


correndo atrás de um coelho quando o animal se escondeu em um tronco oco no chão. Um
leão surgiu furioso de dentro desse tronco. Para se defender, Ratinho sacou uma arma e atirou,
mas estava carregada apenas com uma rolha amarrada, de forma que não feriu o animal feroz.
O leão, então, perseguiu o rato. Revelando sua esperteza, Ratinho atraiu o felino a um lago. O
animal pulou, mas acabou caindo na boca de um jacaré, que o engoliu. O rato amarrou a boca
do réptil com uma corda, para que o leão não escapasse.
Nas seis edições seguintes da revista, publicadas entre 9 de abril e 14 de maio, foram
inseridas as sequências de quadrinhos que retratam as aventuras do Ratinho com um grupo de
“selvagens”, que o perseguiam com suas lanças; com o leão, que voltou para enfrentá-lo; com

33
Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/153079/29470. Acesso em: 12 fev. 2022.
55

macacos que também o seguiram; com uma ave, que o tratou como um de seus filhotes
recém-nascidos; e com um urso, que se enfureceu com Ratinho.
O personagem de Walt Disney foi referido, nessas tiras descritas, apenas como
“Ratinho”, o que aconteceu em quase todas as suas histórias em quadrinhos publicadas até
outubro de 1934 em O Tico-Tico. Talvez por ainda não ser uma produção quadrinística
conhecida dos leitores brasileiros, os diretores da revista optaram por traduzir o nome do
personagem, que soaria estranho para os pequenos, para algo que pudesse ser evidente – trata-
se de um rato –, além do fato de conter um diminutivo, que poderia torná-lo mais íntimo das
crianças. Essa prática também pode ser justificada em razão do costume de se traduzir nomes,
o que era um procedimento comum naquela época.
Conforme já havia notado Chinen (2005, p. 109), nas primeiras tiras de 1930 em O
Tico-Tico, a face e as luvas de Mickey foram exibidas na coloração azul, o que o pesquisador
considera ser um “erro de interpretação”. A mesma situação se repetiu nas tiras de 2 de abril,
de número 1278; de 16 de abril, edição 1280; e de 23 de abril, edição 1281. Na edição 1279,
de 9 de abril, o rosto de Mickey não foi colorido, bem como na edição 1282, de 30 de abril, a
partir da qual se manteve sem coloração, quando se publicava a página das tiras a cores. Tal
coloração equivocada, que depois foi corrigida, pode ser explicada pelo fato de os quadrinhos,
nos Estados Unidos, não terem sido impressos a cores nos jornais em que foram publicados.
Tais quadrinhos foram retirados da história intitulada “Lost on a Desert Island”,
publicada entre 13 de janeiro e 30 de março de 1930, em jornais dos Estados Unidos,
totalizando 67 tiras diárias (GERSTEIN; GROTH, 2011a, 231-252). Isso mostra a pequena
diferença temporal entre a publicação nos jornais americanos e em O Tico-Tico. Muitos
quadrinhos que faziam parte da história completa não foram publicados nessa revista
brasileira – o que deve ter dificultado a compreensão dos leitores –, considerando-se os
apenas seis números semanais em que foram inseridas as traduções desses quadrinhos, além
da edição de 1931 do Almanach d’O Tico-Tico, na qual foram impressas três tiras omitidas
das edições regulares do ano anterior, mas coloridas da mesma forma, visto que a face de
Mickey também foi pintada de azul. Assim sendo, houve o reaproveitamento de um material
já pronto nessa publicação anual posterior, possivelmente para que não houvesse desperdício.
O aparecimento desses quadrinhos, separados das edições regulares, nas quais a história
completa foi fragmentada em 1930, prejudicou ainda mais a leitura dessa produção
quadrinística, tal como foi concebida pelos artistas norte-americanos.
56

Em 1930, o início dessa história, no qual aparece a namorada do ratinho, Minnie


Mouse, não foi publicada em O Tico-Tico, em que Ratinho foi, sem que houvesse uma
explicação, colocado na história, com diversos animais perigosos e estereotipados habitantes
nativos, que o perseguiam para devorá-lo. Os leitores brasileiros não sabiam como a história
havia começado: Mickey construiu um avião com materiais improvisados, e com ele passeou
pelos ares com sua namorada; a aeronave perdeu o controle, Minnie se desprendeu dela e caiu
das alturas, mas se salvou após transformar suas calças em um paraquedas; o ratinho, após
viajar a noite toda de avião, enfrentou uma tempestade e acabou caindo numa ilha deserta, na
qual passa por muitas adversidades, das quais saiu ileso de forma criativa.
Ao se comparar as tiras em inglês e sua tradução para o português, percebe-se que os
balões foram removidos, e a fala dos personagens direcionada à legenda de cada quadro, junto
à descrição narrativa. Tal prática de remoção dos balões já era realizada pelos tradutores e
colaboradores da revista, a exemplo do que acontecia, há anos, com alguns quadrinhos
publicados sob o título “Aventuras de Chiquinho”, nos quais ocorriam, também, severos
cortes e condensações de texto, deslocados para as legendas, segundo explica Franco de Rosa
(2005, p. 74). As onomatopeias, que aparecem, por exemplo, quando Mickey acerta a cabeça
do chimpanzé, imaginando ser um coco, e quando ele atira contra o leão, foram removidas da
tradução para O Tico-Tico.

Figura 28: “Great Mystery of Island Solved” – “Lost on a Desert Island” (1931)

Fonte: Newspaper Comic Strips (2016)34

34
Disponível em: https://newspapercomicstripsblog.wordpress.com/2016/02/27/mickey-mouse/. Acesso em: 12
fev. 2022.
57

Figura 29: Quadrinhos de “As aventuras do Ratinho Curioso”. O Tico-Tico, 26 mar. 1930

Fonte: O Tico-Tico, Rio de Janeiro, ano XXVI, n. 1277, 26 mar. 1930, p. 2935

Nota-se que, na tradução para o português, não se menciona a desconfiança de Ratinho


a respeito das pegadas que vê no chão, se for comparada com os quadrinhos em inglês, os
quais mostraram anteriormente um baú de pirata com um esqueleto, que o havia assustado.
Tampouco ele cogita a possibilidade de haver canibais na ilha – na tradução, ele imagina que
as pegadas poderiam ser de um mastodonte, animal de grande porte.
A supressão de quadrinhos voltou a acontecer depois que Ratinho acertou a cabeça do
chimpanzé – ou seja, no segundo número de O Tico-Tico, publicado em 2 de abril de 1930, no
qual também as tiras foram dispostas de 3 em 3, na página em orientação vertical. Tal
procedimento de reconfiguração da disposição dos quadrinhos nas páginas dessa revista
brasileira passaram a ser frequentes, possivelmente para que os leitores não precisassem
rotacionar a revista para ler devidamente a história, embora se tenha mantido a mesma
disposição das tiras em inglês, na página em orientação horizontal, em outras edições.

35
Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/153079/29470. Acesso em: 12 fev. 2022.
58

Figura 30: “As aventuras do Ratinho Curioso”. O Tico-Tico, 2 abr. 1930

Fonte: O Tico-Tico, Rio de Janeiro, ano XXVI, n. 1278, 2 abr. 1930, p. 836

O rearranjo das tiras em três colunas ocorreu na história seguinte, que se iniciou em 21
de maio de 1930, na edição de número 1285. Nesses quadrinhos, nos quais Minnie aparecia
pela primeira vez em O Tico-Tico, ela estava sendo procurada por Sylvestre, que tinha a
aparência de um cachorro. O velho Sylvestre encontrou com Minnie e Mickey e informou que
a ratinha teria se tornado herdeira de uma fortuna de um parente chamado Fagundes – que, em
inglês, seria Mortimer Mouse, tio dela. Mickey e Minnie gostaram da ideia de ficarem ricos e
resolveram dançar. No caminho, apareceu a vaquinha Florisbella – cujo nome em inglês é
Clarabelle –, e um cavalo cujo nome não foi mencionado – trata-se de Horse Collar, amigo do
falecido tio de Minnie. Nas edições posteriores da revista, tais personagens apareceram no
desenrolar das histórias. A eles foram atribuídos os nomes de Clarabella e Cavalinho
(Horácio), respectivamente.

36
Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/153079/29485. Acesso em: 12 fev. 2022.
59

Figura 31: “As aventuras do Ratinho Curioso”. O Tico-Tico, 21 maio 1930

Fonte: O Tico-Tico, Rio de Janeiro, ano XXVII, n. 1285, 21 maio 1930, p. 2937

Nota-se que o tradutor, cujo nome é desconhecido, manteve, por alguma razão, na
legenda dos últimos quadrinhos, o nome da personagem Florisbela, em vez de atribuir as falas
ao personagem que estava palitando os dentes, o cavalo Horácio. Isso não aconteceu na tira
em inglês, na qual Horse Collar abordou Mickey e Minnie para falar sobre o tio falecido de

37
Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/153079/29755. Acesso em: 12 fev. 2022.
60

Minnie, que ele diz ser seu parente. No final da tira, Minnie ficou chateada com a situação, e
saiu aos prantos, sendo consolada por Mickey: “Never mind him, Minnie […] Every time he
takes off his hat, the woodpeckers chase him!”38.

Figura 32: Diálogo de Mickey, Minnie e Horse Collar na tira em inglês

Fonte: Newspaper Comic Strips (2016)39

É provável que a revista não tenha atribuído o diálogo entre o cavalinho e Mickey e
Minnie, pelo fato de o conteúdo textual exigir um maior espaço destinado ao texto, ou pelo
fato de julgá-lo inapropriado ou irrelevante para aquela tira. Independentemente do objetivo, é
certo que os quadrinhos tiveram uma manipulação no conteúdo textual. Nas tiras que saíram à
luz em O Tico-Tico, a conversa entre os personagens teve outro caminho: o cavalo, referido
equivocadamente no texto como Florisbella, respondeu a uma pergunta sobre os palitos que
estava usando para limpar os dentes. Ele provocou Mickey e Minnie, dizendo que poderia
transformar o palito em agulha para vaciná-los. No quadrinho em sequência, o ratinho
apareceu consolando sua namorada, que estava chorando com as mãos na face, imagem que
faria muito mais sentido se o diálogo não tivesse sido modificado.
Sendo assim, a remoção dos balões é um procedimento que causa importantes
modificações de conteúdo ou omissões nas histórias em quadrinhos. Esse procedimento, que
desloca a fala dos personagens para a legenda de cada quadro, pode, até mesmo, levar a erros
de tradução, pois o deslocamento deixa de tornar próximos o que está acontecendo no
quadrinho e o que está sendo falado pelos personagens. Esse foi o caso, por exemplo, da tira
publicada na edição de número 1663, de 13 de agosto de 1937. Na tira em questão, Mickey e
Minnie estão viajando de avião, pilotado pelo ratinho. Ambos, que estão passando por uma

38
“Não se importe com ele, Minnie […] Toda vez que ele tira o chapéu, os pica-paus o perseguem!” (tradução
nossa). Tais traduções, inseridas nas notas de rodapé deste capítulo, servem para fins demonstrativos.
39
Disponível em: https://newspapercomicstripsblog.wordpress.com/2016/02/27/mickey-mouse/. Acesso em: 12
fev. 2022.
61

perigosa tempestade, quase são atingidos por um raio, que acerta a cauda da aeronave,
assustando-os.

Figura 33: “As aventuras do Camondongo Mickey”. O Tico-Tico, 13 ago. 1937

Fonte: O Tico-Tico, Rio de Janeiro, ano XXXIII, n. 1663, 13 ago. 1937, p. 1340

Na contraparte dessa tira em inglês, intitulada “Open Fireplace”, as onomatopeias –


“CRAACKLE!”, “CRASH!”, “BOOM!” –, que reproduzem o barulho desencadeado pelo raio
que atinge a cauda do avião, estão presentes, bem como os balões. Apesar de o conteúdo não
ter sido omitido nos quadrinhos em português, a coloquialidade nas falas de Mickey e de
Minnie, que consiste em contrações e expressões idiomáticas, não foi reproduzida em O Tico-
Tico.

Figura 34: “Open Fireplace”

Fonte: Newspaper Comic Strips (2016)41

40
Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/153079/40450. Acesso em: 24 fev. 2022.
41
Disponível em: https://newspapercomicstripsblog.wordpress.com/2016/02/27/mickey-mouse/. Acesso em: 12
fev. 2022.
62

No quadrinho em inglês, após o raio ter atingido o avião, Mickey fala aliviado: “Good
Gosh! That was close! Are ya all right, Minnie?”42 (grifo nosso), que foi traduzido para o
português como “— Deus do céu estamos fechados, você está bem Minnie?” (grifo nosso). O
erro consiste na tradução de “close”, que se refere ao fato de o raio ter acertado a aeronave,
mas não ter causado nenhum estrago e nem ter machucado ambos, como “fechados”, que não
faz sentido em relação ao que acabou de acontecer.
Uma possível solução para a tradução de “That was close!” para o português seria “Foi
por pouco!”, embora nos interesse menos uma postura normativa e mais uma postura
descritiva, em razão do que essa imprecisão consiga revelar: suspeitamos que essa tradução
tenha sido realizada de forma célere, sem que houvesse uma revisão visando conferir o que
havia sido traduzido, e que certamente não deixaria essa imprecisão ser cometida. Com
relação a isso, podemos mencionar o que afirmam Kátia Hanna e Waldomiro Vergueiro
(2020, p. 28), segundo os quais a maioria dos tradutores para os quadrinhos desempenhava
mais de uma função naquela época. Não sabemos se esse foi o caso dos tradutores que
trabalharam para O Tico-Tico, mas os erros e as omissões evidenciam uma falta de cuidado,
que pode ser explicada por um acúmulo de funções dos colaboradores dos jornais – que
porventura também atuassem como tradutores –, o que tornaria o trabalho extenuante e
impossibilitaria retomar algo que já havia sido realizado, muitas vezes com rapidez, para não
deixar de atender outras demandas de uma publicação semanal. É possível, aliás, que os
responsáveis pela tradução não tivessem suficiente fluência na língua inglesa para distinguir
os diferentes sentidos das palavras, dependendo do contexto de uso.
Independentemente dos motivos, a remoção dos balões nos quadrinhos é uma
modificação importante para a compreensão das histórias. Segundo Valerio Rota (2008, p.
82), em seu capítulo intitulado “Aspects of Adaptation. The Translation of Comics Formats”,
publicado no livro Comics in Translation (2008), organizado por Federico Zanettin,
mudanças dessa natureza podem ser entendidas como formas de “domesticação” pelas quais
passam os quadrinhos no processo de tradução de uma cultura a outra. A domesticação,
conceito estudado por Lawrence Venuti (1995), consiste na forma de apagamento ou
atenuação de elementos culturais e linguísticos do texto fonte, com o objetivo de criar uma
maior naturalidade na língua de chegada. A domesticação é também uma forma de fazer com
que o texto traduzido seja cômodo para o leitor em sua zona de conforto, para que ele não seja

42
“Meu Deus! Foi por pouco! Você está bem, Minnie?” (tradução nossa).
63

exposto ao estranhamento da língua e da cultura de partida. Ao realizarem tais procedimentos,


os tradutores e/ou editores da revista O Tico-Tico talvez tivessem em mente a ideia de
aproximar esses quadrinhos de Mickey às demais produções em quadrinhos nacionais até
então publicadas na revista, nas quais os balões também não apareciam, e nas quais as
legendas cumpriam a função de exibir as falas dos personagens e a descrição narrativa, salvo
raras exceções. Com isso, evitava-se o estranhamento do uso de um recurso pouco conhecido
pelos leitores infantis do periódico. Como veremos no caso das histórias do ratinho criado por
Walt Disney, os balões só apareceram no início da década de 1940.
As aventuras de Mickey certamente apresentavam um papel de destaque em O Tico-
Tico, visto que recebeu, em dezembro de 1934, uma edição extraordinária da revista. Com
quarenta e oito páginas, essa edição, vendida no valor de 1$500 reis, tinha o “Camondongo
Mickey” na capa, desenhado como uma atração num palco de teatro. Em um pequeno cartaz,
ao lado do ratinho curioso, foi escrito que a publicação especial de Mickey trazia “a história
de seu nascimento”, o que de fato ocorreu, junto dos – não mencionados na capa – muitos
quadrinhos que também foram publicados nesse mesmo número. Entre eles, estão trechos
traduzidos das histórias “Mickey Mouse and the Gypsies” (1931), “Fireman Mickey” (1931),
“Clarabelle’s Boarding” (1931) e “The Great Orphanage Robbery” (1932), de acordo com
Ramiro Vieira (2019).
64

Figura 35: Capa da edição extraordinária de O Figura 36: Walt Disney desenhando Mickey
Tico-Tico, dez. 1934 Mouse. O Tico-Tico, dez. 1934

Fonte: O Tico-Tico, Rio de Janeiro, ed. Fonte: O Tico-Tico, Rio de Janeiro, ed.
extraordinária, dez. 1934, p. 143 extraordinária, dez. 1934, p. 644

Foram publicados repetidos anúncios entre as edições do fim de 1934 e o início de


1935 em O Tico-Tico, nos quais se declara que a edição extraordinária trazia histórias de
Mickey em “magníficas aventuras, ilustradas a cores”. Para atrair os leitores, afirma-se que o
número especial era “um excelente e primoroso motivo de leitura recreativa para o mundo”. A
revista O Malho também recebeu anúncios sobre essa edição, mas em menor quantidade.

43
Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/153079/36541. Acesso em: 20 abr. 2022.
44
Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/153079/36546. Acesso em: 20 abr. 2022.
65

Figura 37: Anúncio da edição do “Camondongo Figura 38: Anúncio da edição do “Camondongo
Mickey”. O Tico-Tico, 19 dez. 1934 Mickey”. O Tico-Tico, 16 jan. 1935

Fonte: O Tico-Tico, Rio de Janeiro, ano XXXI, n.


1524, 19 dez. 1934, p. 645

Fonte: O Tico-Tico, Rio de Janeiro, ano XXXII,


n. 1528, 16 jan. 1935, p. 446

As cinco primeiras páginas foram dedicadas à história da criação de Mickey Mouse. A


segunda página traz uma foto dos estúdios de Walt Disney, em Hollywood, onde eram
produzidas as animações do ratinho, e um retrato de seu criador. A terceira página mostra o
fotograma da cena de uma animação de Mickey, na qual ele aparece junto de Donald Duck, o
Pato Donald. Acompanha a imagem um texto, que se estende por quatro páginas, no qual se
explica que as tiras do “ratinho curioso” publicadas em O Tico-Tico eram do mesmo
personagem que aparecia nas animações, Mickey Mouse. De fato, até a edição número 1517,
de 31 de outubro de 1934, a qual intitula os quadrinhos como “História do ratinho curioso”, o
nome do personagem em inglês foi raramente mencionado na revista, muito menos nos
títulos; utilizava-se, como substituto, o termo genérico “ratinho”, acompanhado do
qualificativo “curioso”, que se tornou sua marca na revista. Na edição 1518, de 7 de
novembro do mesmo ano, as tiras passaram a trazer o nome do personagem em inglês –

45
Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/153079/36656. Acesso em: 20 abr. 2022.
46
Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/153079/36779. Acesso em: 20 abr. 2022.
66

“Aventuras de Mikey Mouse, o Ratinho Curioso” (sic) –, que também já aparecia nas
legendas dos próprios quadrinhos.

Figura 39: “Aventuras de Mikey Mouse, o Ratinho Curioso”. O Tico-Tico, 7 nov. 1934

Fonte: O Tico-Tico, Rio de Janeiro, ano XXXI, n. 1518, 7 nov. 1934, p. 2347

A terceira página da edição extraordinária afirma que seriam oferecidos aos leitores
informações sobre a história de criação de Mickey, bem como informações de seu idealizador,
Walt Disney, em uma minibiografia da qual um trecho já havia aparecido na edição de
número 1491, em 2 de maio daquele ano. O próprio ratinho apresenta seu criador,
possivelmente para estabelecer certa proximidade com os leitores de O Tico-Tico:

[…] É muito jovem, simpático, sorridente… Walt Disney nasceu em


Chicago, no dia 5 de Dezembro de 1901 e nessa mesma cidade fez seus
primeiros estudos.
Estava em Kansas City, no ano de 1918, em pleno período da guerra
mundial, a procurar emprego quando resolveu alistar-se como chauffeur
[motorista] na Cruz Vermelha Norte Americana. Foi para a França, onde
esteve um ano sob a chuva dos obuses. Seu carro andava coberto de
desenhos, pinturas originais, verdadeiras obras de arte. Com dezoito anos,
obteve baixa e voltou para a América. Em Kansas City resolveu tentar a vida
como operador de cinema. Foi trabalhar, no entanto, em jornais publicando
desenhos em rodapé. Eram histórias cômicas diversas, mas eu, o
Camondongo Mickey [sic], o Mickey Mouse como me chamam os
americanos, já lhe andava correndo na imaginação. Eu não estrearia em
jornais – disse-me Walt Disney – Eu apareceria em desenhos animados – já
em moda na América do Norte. O meu criador sofreu dias difíceis antes de
se impor e de me impor. Trabalhou em fotografia, em casas de publicidade e,
após algum tempo, fez seu primeiro filme de desenho animado. Era um
personagem humano, a “Alice no país das maravilhas”, que vocês aqui d’O

47
Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/153079/36438. Acesso em: 20 abr. 2022.
67

TICO-TICO conhecem melhor do que eu (O Tico-Tico, Rio de Janeiro, ed.


extraordinária, dez. 1934, p. 3-4)48.

Ao enfatizar a vida pregressa de Walt Disney, antes da consolidação de seu estúdio de


animação, evidenciam-se os obstáculos pelos quais ele passou antes de alcançar seus
objetivos. Tenta-se, assim, mostrar que Disney foi alguém que, a partir de suas próprias
habilidades artísticas e seu esforço laboral, construiu tudo aquilo que conquistou. Não há
menção a seus muitos colaboradores – ressalta-se, nas páginas seguintes, apenas que as
produções de Mickey Mouse eram construídas “pelos lápis de dezenas de desenhistas” –, que
o ajudaram a produzir as animações e os quadrinhos, entre eles, por exemplo, Ub Iwerks, que
sabemos ter sido, junto de Walter Disney, o desenhista de Mickey, em sua concepção e
primeiras produções, e Floyd Gottfredson (1905-1986), que desenhou as histórias impressas
na própria edição extraordinária, além de muitas outras, desde a década de 1930 até sua
aposentadoria, em 1975.
O relato de Mickey, que continua evidenciando seu criador, explica que ele, criado
para ser um personagem para agradar as crianças, que gostavam de “animais pequenos e
graciosos”, foi conquistando espaço por seus desenhos animados, que logo começaram a ser
dublados:

[…] Que sucesso! A Europa, a Ásia, a África, o mundo inteiro reclamou-me!


Fique na moda. Fui emblema de clubs, fui cartões postais, alfinetes de
chapéu, mascote mundial. Meu criador deu-me uma companheira – a
Minnie, a Macaquita.
Vivo feliz. Sou popular em todo o mundo. No Brasil, não só nos cinemas
figuro. Sou um dos personagens d’O TICO-TICO, vivo na intimidade de
vocês, sou da família deste jornal das crianças!
Não sou vaidoso. Não sei o que significa a glória ou a modéstia. Hoje,
maltrapilho, apareço num bosque, amanhã numa gôndola, em Veneza;
depois, no alto do Corcovado; ainda depois no fundo do mar. A minha vida
está na imaginação brilhante do meu criador. Quando surjo do tinteiro com
minhas calças e meus sapatos amarelos, estou sempre pronto para rir, para
chorar, para correr, cantar ou dormir. Às vezes penso que vou morrer no fim
de uma aventura.
A minha vida, como vocês sabem, é tão real como a do Papai Noel, a dos
Reis Magos, a do Chapeuzinho Vermelho, a da Gata Borralheira, a do
Chiquinho, a do Jujuba, a de todos os heróis da infância. Antes de figurar
nos filmes que correm o mundo inteiro, ando pelos lápis de dezenas de
desenhistas, que corporificam as muitas cenas imaginadas por Walt Disney,

48 Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/153079/36543. Acesso em: 20 abr. 2022; Disponível em:


http://memoria.bn.br/docreader/153079/36544. Acesso em: 20 abr. 2022.
68

meu amado criador! (O Tico-Tico, Rio de Janeiro, ed. extraordinária, dez.


1934, p. 5-6)49.

Assim sendo, pela voz de Mickey, ressalta-se seu sucesso e sua popularidade pelo
mundo, ao mesmo tempo em que ele estabelece uma aproximação com os leitores infantis da
revista O Tico-Tico, a qual o ratinho afirma ser sua família, visto que estava sempre presente
em suas páginas, construindo uma relação de intimidade com as crianças. Destaca-se também
a versatilidade de suas histórias de aventura, que podem acontecer em qualquer lugar, em
qualquer circunstância. A liberdade de criação se reflete na liberdade de imaginação dos
leitores, que podem embarcar nas diversas histórias do ratinho sem sair de casa, por mais
alguns anos.
Mickey Mouse, na época da publicação da edição extraordinária, já era um
personagem conhecido das crianças que frequentavam os cinemas. Os jornais cariocas
publicavam anúncios das animações e textos sobre a produção de Walt Disney. Em O Malho,
na edição de 21 de janeiro de 1933, foi publicada uma reportagem de duas páginas abordando
a história do ratinho, de seu criador e da produção de suas animações:

[…] Os estúdios de Walter Disney em Hollywood ficam situados na Avenida


Hyperion, aristocrática região que liga essa cidade com a de Glendale. O
edifício exteriormente é de estilo hispano-mexicano e no alto de seu telhado
ergue-se um grande cartaz luminoso representando o “homem” em pose
característica: mão espalmada, risadinha pirata.
No interior, para a confecção dos desenhos e som, trabalham mais de 120
pessoas, inclusive os chefes, dirigidos todos por Walter Disney. Cada filme
leva mais de uma semana de trabalhos. E outra semana é levada só para se
descobrirem as gracinhas, os humorismos, as originalidades para a filmagem
geral (O Malho, Rio de Janeiro, ano XXXII, n. 1570, 21 jan. 1933, p. 9)50.

Em 1933, os anúncios do Cinema Glória – também chamado de Cine Teatro Glória,


localizado na Cinelândia, no centro do Rio de Janeiro – traziam, nos jornais, a designação “A
Casa do Camondongo Mickey”, visto que nele eram exibidas as produções animadas dos
Estudos Disney. A capa de um raro folheto desse cinema, no qual se publicou a programação
da semana de 18 a 24 de maio de 1933, foi adornada por desenhos de alguns personagens dos
quadrinhos do ratinho (MASSOLINI, 2017, s/d).

49 Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/153079/36545 e http://memoria.bn.br/docreader/153079/36546.


Acesso em: 20 abr. 2022.
50
Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/116300/77716. Acesso em: 20 abr. 2022.
69

Figura 40: Folheto de programação do Cinema Figura 41: Anúncio do Cinema Glória.
Glória, de 18 a 24 de maio de 1933 Diário Carioca, 11 ago. 1933

Fonte: Massolini (2017, s/d) Fonte: Diário Carioca, Rio de Janeiro, n.


1539, 11 ago. 1933, p. 551

Nessa publicação, dentro do folheto, anunciou-se a exibição do desenho animado


Médico Maníaco, entre outras produções. Trata-se de The Mad Doctor, lançado em 21 de
janeiro de 1933, distribuído pela United Artists (LENBURG, 1999, p. 109). O Cinema Glória,
que também exibia produções da Universal Pictures e da Columbia Pictures, oferecia a
“Sessão Camondongo Mickey”, aos domingos, às 10 horas, para o público infantil (Diário
Carioca, Rio de Janeiro, n. 1539, 11 ago. 1933, p. 552).
As histórias em quadrinhos do ratinho também foram publicadas em algumas edições
do Almanach d’O Tico-Tico nos anos 1930. Além da já mencionada edição de 1931, na qual
foram publicadas três tiras ainda inéditas, que faziam parte de “Lost on a Desert Island”,

51
Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/093092_02/11664. Acesso em: 10 jun. 2022.
52
Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/093092_02/11664. Acesso em: 10 jun. 2022.
70

primeira história do Mickey na revista, os quadrinhos desse personagem de Walt Disney


foram inseridos nas edições de 1933, 1936 e 1939, ainda sem os balões.
A última edição em que as tiras de Mickey aparecem, a de número 1870, foi publicada
no mês de setembro de 1941, trazendo a história com o título genérico “As proezas do
Camondongo Mickey”, o qual já vinha sendo utilizado em muitos números anteriores. Desde
o início desse ano, as histórias em quadrinhos do ratinho estavam sendo publicadas com os
balões dentro dos quadros, diferentemente daquelas impressas de 1930 a 1940, nas quais os
balões eram removidos e o conteúdo transportado para as legendas.

Figura 42: “As proezas do Camondongo Mickey”. O Tico-Tico, set. 1941

Fonte: O Tico-Tico, Rio de Janeiro, ano XXXVI, n. 1870, set. 1941, p. 4853

53
Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/153079/46292. Acesso em: 26 abr. 2022.
71

Esses casos de preservação do uso dos balões, assim como apresentado nos quadrinhos
em inglês, possivelmente revelam que, por parte dos diretores e/ou colaboradores da revista,
reconheciam esse uso como uma das propriedades do gênero quadrinístico. Ou seja, apenas
em seu último ano de publicação, passados exatos dez anos de presença constante das tiras de
Mickey Mouse em O Tico-Tico, optaram por conservar uma característica importante desse
gênero.
Não somente os balões, mas também os recordatórios – a exemplo de “O paraquedas
caia vertiginosamente e Mickey procurava guiá-lo para um bom lugar de pouso” e de
“Adivinhando que ali era o quarto de Clarabela, Mickey bateu” – também mostram o
entendimento do uso desse recurso para a história, cujo intuito consiste no acréscimo de
informações e na contextualização da ação que está ocorrendo naquele quadro, que não pode
ser (ou não se quer que seja) inserida na fala dos personagens. Os espaços dos recordatórios
foram melhor aproveitados na tradução para o português do que os espaços dos balões: em
muitos deles há vazios que não foram preenchidos pelas falas. Nesses casos, o tamanho dos
balões poderia ter sido diminuído, a fim de melhorar o aspecto visual de cada quadro como
um todo, ou até mesmo o tamanho das letras poderia ter sido aumentado, para que houvesse
uma experiência de leitura mais fácil e agradável, visto que até mesmo as legendas,
empregadas até há pouco tempo nas traduções dos quadrinhos, recorriam a um tamanho de
letra maior do que aquele utilizado nos balões.

3.2 Felix the Cat: aventuras e proezas do Gato Félix

Felix the Cat surgiu em 1919, em um curta metragem sem sonoridade, denominado
Feline Follies, animação distribuída pela Paramount Pictures e produzida pela Pat Sullivan
Studio, de New York, de propriedade do desenhista australiano Pat Sullivan (1885-1933), que
criou e nomeou o gato como “Master Tom”, de acordo com Patricia Vettel Tom (1996, p. 65),
e o registrou como “Thomas”, segundo explica Rafael Venancio (2015). Para alguns
especialistas, contudo, Otto Messmer (1892-1983), desenhista das animações e das tiras
cômicas do gatinho para os jornais, seria o verdadeiro criador de Félix, controvérsia abordada
por Dan Torre e Lienors Torre (2018, p. 31-32; 35-37).
Apesar dessa questão, o importante é que o gato preto, com olhos brancos grandes e
marcantes, e que vivia passando por aventuras surreais, foi um grande sucesso em animações,
séries de TV, histórias em quadrinhos e outras produções. Conforme compreende Moya
72

(1996, p. 53) a respeito de Félix, “[s]ua solidão, senso de alienação, a obstinada luta contra o
destino, os elementos, a fome e o frio, e uma calorosa humanidade o marcam como um dos
principais heróis do absurdo no mundo animal” (p. 53), o que talvez indique a razão de êxito
até a atualidade.
Félix se distinguia na forma em que era transmitido, pois eram lançadas primeiramente
as animações para que depois os quadrinhos fossem publicados, numa prática conhecida como
adaptação. O alcance dos quadrinhos poderia ser maior do que o da animação, em razão da
facilidade de circulação das revistas e dos jornais que os publicavam. De acordo com
Venancio (2015), “tanto as animações como as histórias em quadrinhos do Gato Félix
dividem e compõem um universo diegético em comum” (p. 69). No caso do Félix, os
quadrinhos eram produzidos a partir dos desenhos das animações, num processo de tradução
intersemiótica, conforme explica Venancio (2015, p. 68).
Em O Tico-Tico, a primeira história em quadrinhos do Gato Félix foi publicada em 11
de dezembro de 1929, contudo, sem o nome do personagem, que foi aparecer a partir da
segunda história, publicada em 30 de julho de 1930. Essa e outras tiras seguintes foram
nomeadas como “As Aventuras do Gato Felix” até meados de 1932. A partir da edição de 20
de abril do mesmo ano o título foi alterado para “As Proezas de Gato Felix”, que permaneceu
até setembro de 1941. As últimas tiras, publicadas entre o fim desse ano e o início de 1942,
retornaram sob o título “As Aventuras do Gato Felix”.
Em quase todas as histórias de Félix, era inserido, logo após o título, o nome de seu
criador, Pat Sullivan, e informava-se que tais quadrinhos eram “Exclusividade d’O Tico-Tico
para o Brasil”. No entanto, sabe-se que as tiras de Félix também saíam na Gazetinha, encarte
infantil do jornal A Gazeta, de São Paulo, sob o título “Aventuras do Gato Estopim”, que se
iniciou na edição de número 1, em 5 de setembro de 1929. Posteriormente, o título foi
alterado para “Proezas do Gato Félix”, a exemplo da edição de número 497, de 20 de abril de
1939, segundo explicam Nilce Pereira e Paula Arbex (2020, p. 63).
A primeira história de Félix em O Tico-Tico intitula-se “Gatão é pescador”. Não
trazia, no título e nem nas legendas dos quadros, o nome do gato, que era referido como
“Gatão”. Na história, Chico Preguiça, após Gatão arrancar uma cortina para se proteger dos
insetos que atrapalhavam seu sono, persegue o felino para reaver o que ele havia roubado. Ao
fugir desesperado, Gatão cai dentro do riacho. Chico Preguiça resgata-o com uma vara
bifurcada. O gato reaparece, trazendo consigo muitos peixes do riacho que ficaram presos na
cortina. Chico Preguiça não entende o que aconteceu, mas depois exibe orgulhosamente os
73

peixes aos outros pescadores. Eles ficam surpresos ao vê-lo com o resultado da pescaria que,
na verdade, foi feita por Gatão. Essa foi a única publicação de uma história em quadrinhos de
Félix realizada em 1929.

Figura 43: “Gatão é pescador”. O Tico-Tico, 11 dez. 1929

Fonte: O Tico-Tico, Rio de Janeiro, ano XXV, n. 1262, 11 dez. 1929, p. 854

A partir de 1930, as histórias em quadrinhos de Félix apareceram com seu nome. A


primeira delas, publicada nesse ano em O Tico-Tico, é a tradução das tiras lançadas nos
Estados Unidos entre 24 de abril e 26 de maio de 1930 – assim sendo, poucos meses antes de
serem impressas na revista. Os quadrinhos em inglês são uma adaptação da animação Felix
the Cat in Uncle Tom’s Crabbin’, lançada em 13 de novembro de 1927, pela produção de The
Bijou Films Inc., empresa fundada por Pat Sullivan. O título mostra uma clara referência a
Uncle Tom’s Cabin, obra da escritora norte-americana Harriet Beecher Stowe (1811-1896).
Em razão da proximidade fonética das palavras, nota-se um trocadilho, que consiste na

54
Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/153079/28923. Acesso em: 20 dez. 2021.
74

substituição de “cabin” por “crabbin’”, atribuindo um sentido pejorativo ao personagem


principal da história, Uncle Tom, um negro escravizado.
Publicado em 1852, esse romance, que aborda a escravidão nos Estados Unidos
(STOWE, 1852), fez sucesso no século XIX, alcançando o posto de um dos livros mais
vendidos na época, tendo sido traduzido para diversas línguas, inclusive para o português. A
título de exemplificação, em 1853, apenas um ano após essa obra ter sido lançada em inglês,
foram publicadas ao menos 5 traduções para a língua portuguesa, sob diferentes títulos, 4
delas em Portugal e 1 na França; tais edições circularam no Brasil desde essa época
(FERRETTI, 2017, p. 196-202). Uma tradução integral brasileira só seria lançada em 1893,
mas as adaptações de A Cabana do Pai Tomás para o teatro foram encenadas nos palcos da
Corte e das províncias nos anos 1870 e 1880, tendo um importante papel no combate à
escravidão (FARIA, 2020, p. 378-379).

Figura 44: Fotograma da animação Felix the Cat in Uncle Tom’s Crabbin’ (1927)

Fonte: Youtube55

No desenho animado, Félix, depois de passar frio no norte dos Estados Unidos, decide
ir para o sul, onde estava quente. Ao chegar, escuta o som do banjo de Uncle Tom, que tocava
o instrumento para alegrar a menina negra Topsy. Félix gosta da música e dança junto com a
criança. Simon Legree, o vilão da história, incomoda-se com o som do banjo, e com um
chicote açoita Tom – o que fica sugerido, ou seja, não é explícito na animação – e quebra o
instrumento musical. Ao ver o negro triste, Félix pega uma frigideira e, com dois fios de seu

55
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ZpjeGHUimIU. Acesso em: 20 dez. 2021.
75

bigode de gato, constrói um banjo e toca-o para Tom se alegrar. Simon Legree, mais uma vez,
incomoda-se com o som do instrumento e persegue Félix. O vilão transforma seu chicote em
cachorro para alcançar o gato. Félix luta com o animal e desfaz a transformação. No final da
história o gato leva o chicote para o norte, onde está nevando.
Os primeiros quadrinhos, publicados em 30 de julho, na edição de número 1295, não
deixam clara a referência ao romance em questão. Omite-se o fato de Félix estar no norte do
país e desejar fugir do frio. Ele simplesmente acorda num dia ensolarado e decide passear
pelo que chama de “aldeia”. Félix alegra-se ao passear pelo lugar: “A vida é maravilhosa!
Como é bom andar”. O gato escuta uma música vinda de um banjo, e decide procurar de onde
vinha o som. Encontra Tio João (Uncle Tom) tocando para Ritinha (Topsy), que dançava ao
som do instrumento. Félix resolve também dançar e cantar.
A história continua na edição seguinte, número 1296, de 6 de agosto. Simão
Sacatrapos (Simon Legree), identificado nos quadrinhos como “dono do terreiro”, aparece
com seu chicote para destruir o banjo de João, que fica triste. Na edição seguinte, de 13 de
agosto, número 1297, a história tem sua continuação em uma última parte. Félix pega a
frigideira da Tia Maria para ser o corpo do instrumento, e retira dois fios de seu bigode para
transformá-los nas cordas do banjo. Félix toca para João e Ritinha se alegrarem, mas Simão
Sacatrapos fica novamente furioso. O desfecho da história, com os quadrinhos que retratam a
perseguição do vilão a Félix, não foi publicado em O Tico-Tico.
76

Figura 45: “As Aventuras do Gato Felix”. O Tico-Tico, 30 jul. 1930

Fonte: O Tico-Tico, Rio de Janeiro, ano XXVII, n. 1295, 30 jul. 1930, p. 2656

Essa primeira história em quadrinhos do Gato Félix em português sofreu


modificações. Infelizmente não tivemos acesso total aos quadrinhos em inglês, mas alguns
espaços vazios na parte superior de cada quadro e alguns traços dos balões, não totalmente
removidos, permitem-nos concluir que eles existiram na história em língua inglesa. Para ser
publicado em O Tico-Tico, o conteúdo dos balões, ou seja, a fala dos personagens, foi

56
Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/153079/30114. Acesso em: 20 dez. 2021.
77

transferida para a legenda que acompanha cada quadro, onde, por vezes, a voz do narrador
também aparece.
Ao comparar os quadrinhos com a animação, é possível notar que o conteúdo violento
é, de certa forma, atenuado nas tiras. Na animação, Simon Legree parece castigar Uncle Tom
com o chicote, cena mostrada antes da destruição do banjo. Contudo, apenas o açoitador e o
instrumento de castigo são exibidos – a violência fica, assim, sugerida. É importante lembrar
que Simon Legree, personagem do romance, é extremamente perverso e cruel: além de
praticar violência física contra Tom, penalizando-o por desobedecer a sua ordem de chicotear
outro escravo, tenta afastá-lo de sua fé cristã.
Nota-se, também, que na tradução para o português, o tradutor inseriu referências à
cultura afro-brasileira ao mencionar as estrofes de um samba – “Sacuda os pés, ó Ritinha /
Que este samba é da pontinha” –, estabelecendo uma relação entre as duas culturas, pelo viés
das expressões musicais que os negros escravizados trouxeram da África para as Américas.
Procedimento comum na época, os nomes dos personagens são abrasileirados: Uncle Tom
tornou-se Tio João, nomes recorrentes em inglês e português; Topsy virou Ritinha, um nome
no diminutivo comum em português; a negra na cozinha é chamada de Tia Maria, nome
feminino comum no Brasil, enquanto em inglês é referida como “mammy”, um termo
utilizado para se referir à mulher negra cujo trabalho é cuidar de crianças brancas; de acordo
com o Cambridge Advanced Learner's Dictionary & Thesaurus (2022); Simon Legree tornou-
se Simão Sacatrapos, cujo sobrenome faz referência ao saca-trapo, instrumento usado para
tirar a bucha de armas de fogo, ou, no sentido figurado, pode significar uma pessoa que age
com astúcia, com jeito ardiloso, segundo o Michaelis Dicionário Brasileiro da Língua
Portuguesa (2015).
Na tira publicada nos Estados Unidos em 2 de maio de 1930, à qual tivemos acesso, os
balões com as falas dos personagens estavam presentes nos quatro quadrinhos, que mostram
Félix “roubando” a frigideira, com o objetivo de fazer um banjo para Uncle Tom.
78

Figura 46: “Felix the Cat – A Lively Feline”, 2 maio 1930

Fonte: Sullivan (1930, p. 21)57

No quadrinho em inglês, em que Felix aparece em frente a uma janela, há um balão de


sua fala: “Uncle Tom is broken-hearted without his banjo and it’s up to me to replace it and
make him happy again!”58, enquanto que, em O Tico-Tico, o quadrinho aparece sem o balão,
apenas com uma legenda na qual não há menção ao “coração partido” do Tio João: “Gato
Felix prometeu ao Tio João arranjar-lhe um banjo. E foi à casa da Tia Maria”, no qual adianta
o nome da personagem Tia Maria, do quadro em sequência.

Figura 47: “As Aventuras do Gato Felix”. O Tico-Tico, 13 ago. 1930

Fonte: O Tico-Tico, Rio de Janeiro, ano XXVII, n. 1297, 13 ago. 1930, p. 1159

Felix teve a ideia de transformar a frigideira no corpo do instrumento musical: “That


frying pan is just what I need! – As soon as mammy isn’t looking, I’ll grab it and run!”60, ou

57
Disponível em: https://thumbs.worthpoint.com/zoom/images3/1/0318/28/comic-strip-scrapbook-winsor-
mccay_1_09d7e09a4a8dadb1dd43438839d4be56.jpg. Acesso em: 20 dez. 2021.
58
“O Tio Tom está de coração partido sem seu banjo e cabe a mim substituí-lo e fazê-lo feliz novamente!”
(tradução nossa).
59
Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/153079/30171. Acesso em: 20 dez. 2021.
79

seja, pretendia pegar e fugir com o utensílio assim que a cozinheira se distraísse. Na legenda
em português do quadrinho, Felix diz que levaria a frigideira depois que Tia Maria terminasse
o almoço. Sendo assim, há uma diferença: enquanto o quadrinho em inglês mostra a
sagacidade e a esperteza de Felix, o quadrinho em português tende a atenuar essa
característica do personagem, visto que, em sua fala, o gato afirma que aguardaria Tia Maria
terminar de fazer o almoço. No terceiro quadrinho, a fala de Felix, que aparecia no balão em
inglês, não é mencionada na legenda em português. No quarto quadrinho, a fala de Uncle
Tom, que afirma não ter cordas para colocar no instrumento, não é apresentada na legenda, ou
seja, sua fala é silenciada. Podem ser notadas, assim, as modificações pelas quais passaram as
falas dos personagens, em decorrência de seu deslocamento do balão do interior do quadro
para a legenda, na parte inferior.
Segundo David J. Leonard e Stephanie T. Robbins (2021, p. 92), essa história em
quadrinhos de Felix é um exemplo da perpetuação de estereótipos raciais nos desenhos
animados produzidos nos Estados Unidos, com o emprego da blackface na representação de
Uncle Tom e de Topsy – algo comum em outras animações da época –, e de demais
concepções que também estariam presentes no romance, entre elas a referência ao sul do país
como um lugar de clima agradável e a romantização da vida nas plantações.
O blackface surgiu nos Estados Unidos, no século XIX, em espetáculos conhecidos
como minstrel shows, peças de teatro burlescas de cunho racista. Nessas peças, os atores
brancos tinham o rosto enegrecido para interpretar pessoas negras, que eram ridicularizadas
em sua aparência – tom de pele, lábios ressaltados, olhos arregalados, vestes exageradas etc. –
e comportamento – rusticidade, ignorância, ingenuidade, por exemplo (SAMMOND, 2015, p.
14; 19). Mesmo após alguns anos, já no século XX, ainda se perpetuavam as blackfaces,
estendendo essa prática à indústria cultural, nas animações, nos filmes e nos quadrinhos. Os
personagens de desenhos como Mickey, Félix e Krazy Kat têm marcadores visuais de
menestréis – a boca, os olhos e as luvas –, o que tornam esses personagens caricatos por tais
traços exacerbados aliados às características de selvageria, alegria, esperteza e sagacidade
(SANDMOND, 2015, p. 71).
A história em quadrinhos não faz uma condenação da escravidão, apesar de Félix se
mostrar solidário frente à violência de Simon Legree, de acordo com Leonard e Robbins
(2021). O pesquisador João Marcos Resende (2018, p. 39), ao analisar algumas animações

60
“Essa frigideira é o que eu preciso! – Assim que a mamãe não estiver olhando, eu a agarro e fujo!” (tradução
nossa).
80

norte-americanas do início do século XX, também considera que a animação Felix the Cat in
Uncle Tom’s Crabbin’ reproduz personagens estereotipados e silencia a violência sofrida por
Uncle Tom.
De acordo com Gordon B. Arnold (2016), as animações de Félix, nos primeiros anos,
eram destinadas a adultos e crianças, e reproduziam questões problemáticas como o sexismo,
o racismo e demais preconceitos, atitudes contestáveis, mas próprias daquela época. A
audiência do período, que não se importava com essas questões, interessava-se no quanto as
animações poderiam ser divertidas.
Outro exemplo de estereótipo pode ser percebido na animação Felix the Cat in
Japanicky, lançada em 4 de março de 1928, também pela produção de The Bijou Films Inc. O
desenho animado foi depois adaptado para os quadrinhos lançados em tiras entre 25 de agosto
e 27 de setembro de 1930. Trata-se de um desenho animado que aborda alguns clichês da
cultura e dos hábitos japoneses, sob uma visão ocidental distorcida, intolerante e xenofóbica,
que ridiculariza culturas estrangeiras e/ou marginalizadas, naquela época, para gerar
comicidade.

Figura 48: Fotograma da animação Felix the Cat in Japanicky (1928)

Fonte: Youtube61

A animação se inicia com Félix tentando entrar no cinema para assistir a um filme
sobre jiu-jitsu. Contudo, o gato não consegue entrar na sessão, visto que a moeda que

61
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=2TgK0xxq2oE. Acesso em: 21 dez. 2021.
81

carregava consigo não era suficiente para pagar seu ingresso. Então, do lado de fora, por meio
de um buraco na parede do cinema, ele resolve assistir às cenas de luta, nas quais dois
lutadores praticam movimentos estranhos a essa arte marcial de origem japonesa.
Deslumbrado com os golpes, Félix enfrenta um poste de iluminação e um bode, que o
cabeceia até o Japão. O gato vê duas japonesas, sentadas ao chão, com trajes típicos, tomando
chá, enquanto uma delas segura uma wagasa – espécie de sombrinha para proteção do sol – e
a outra lê um livro. Numa atitude que demonstra estranhamento, Félix faz um sinal giratório
com seus dedos em torno da orelha, considerando ser uma tolice elas se estarem portando da
forma como mostra a animação. O mesmo sinal é empregado depois que Félix vê outras duas
mulheres sentadas próximas a uma ponte.

Figura 49: Fotograma da animação Felix the Cat Figura 50: Fotograma da animação Felix the Cat
in Japanicky (1928) in Japanicky (1928)

Fonte: Youtube62

O gato vê um calendário, transforma o número “4” numa cadeira e a oferece para uma
mulher se acomodar, mostrando que seria absurdo sentar-se no chão. Ela sorri e entrega
moedas a Félix, como forma de agradecimento. O gato zomba da mulher com uma risada
exagerada, expressa em formato da onomatopeia “HAHAHAHAHAHA”. Ao ver as muitas
letras “H”, resolve transformá-las em cadeiras, que distribui a todos.
Um súdito do Imperador do Japão se espanta ao ver que todos estão sentados em
cadeiras e persegue Félix. Com um leque, o gato provoca uma ventania, para atrasar o súdito.
Para se disfarçar, Félix se transforma num ideograma. A perseguição só termina quando o
gato coloca um laço nas costas do súdito, que sai voando. Para mostrar que se sentar no chão
seria inapropriado, Félix coloca, no solo, um objeto pontiagudo, que espeta o Imperador. Félix

62
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=2TgK0xxq2oE. Acesso em: 22 dez. 2021.
82

transforma sua interrogação numa cadeira, e a oferece ao Imperador, que se agrada com o
presente. Por fim, o gato transforma um pedaço de toco de madeira em mesa e nela serve o
chá (tea) preparado com letras “T” retiradas de uma árvore.
Nos quadrinhos em questão, emprega-se o recurso da metalinguagem para suscitar um
efeito cômico, por exemplo, quando se utilizam as letras “H”, que formam a onomatopeia
“HAHAHAHAHAHA”, ou mesmo o número “4” para materializar as cadeiras – tendo em
vista a semelhança da forma dessa letra e desse número com o objeto –, quando Félix recolhe
as letras “T’ para produzir um chá – em razão da mesma sonoridade da letra e da palavra tea –
e até mesmo quando Félix se transforma na imitação de um ideograma. Essa forma de
metalinguagem utilizada na tira analisada consiste no uso dos próprios recursos dos
quadrinhos – elementos de linguagem, no caso de onomatopeias – como fonte de humor,
conforme explica M. Thomas Inge (1995, p. 11-12). Por meio desse recurso, muito usado na
arte sequencial, exploram-se as possibilidades expressivas da relação entre texto e imagem.
Em O Tico-Tico, a tradução para o português da adaptação para os quadrinhos de Felix
the Cat in Japanicky foi publicada por completo, também sob o título “As Aventuras do Gato
Felix”, entre 15 de abril e 10 de junho de 1931, em nove edições da revista. A distribuição
dessa história foi creditada à empresa Newspaper Feature Service, que fazia parte do King
Features Syndicate. Assim como na história em quadrinhos que apresentamos anteriormente,
as falas dos personagens, expressas nos balões, foram transportadas para a legenda dos
quadros. A descrição narrativa, contudo, ocupou mais espaço na legenda dessa história.
Os primeiros quadrinhos apresentam Félix espiando a luta, como mostra a legenda:
“Era um match de Jiu-jitsu entre um japonês pequenino e um inglês alto e musculoso, de
atitudes ameaçadoras e terríveis.” Félix resolve lutar com o poste, o que desperta a atenção do
guarda, que se aproxima para punir o gato, mas recebe um golpe. Félix tromba em um bode e
o desafia para a luta: “– Com que roupa, seu bode, você quer ir dar um passeio pelos ares?”;
ele desfere um golpe no animal, mas recebe do bicho uma chifrada tão potente, que voa pelos
ares até o Japão.
Ao deparar-se com as japonesas sentadas, a legenda mostra que Félix não zomba do
fato de estarem sentadas: “Gato Felix achou extraordinária a maneira das jovens japonesas
tomarem chá.”. Ele decide mostrar que elas se podem sentar em cadeiras: “Hei de achar um
modo de fazer essa gente sentar-se! – Hei de fazer fortuna vendendo cadeiras a essa gente!”,
e, assim como na animação, transforma o número 4 do calendário em uma cadeira.
83

Figura 51: “As Aventuras do Gato Felix”. O Tico-Tico, 6 maio 1931

Fonte: O Tico-Tico, Rio de Janeiro, ano XXVIII, n. 1335, 6 maio 1931, p. 2563

Sem as zombarias que aparecem na animação, os quadrinhos de Félix mostram sua


esperteza e sua astúcia, pois pretendia enriquecer vendendo cadeiras aos japoneses, o que
revela o contraste cultural do personagem e a visão estereotipada de que se sentar ao chão era
pouco confortável aos japoneses. Outro exemplo de choque cultural pode ser notado quando
Félix decide-se disfarçar de ideograma para despistar o porteiro do palácio real. Na legenda
do quadrinho em português, o narrador refere-se ao “modo confuso” usado pelo gato para
dispor os dizeres no cartaz, mostrando uma visão estereotipada a respeito da representação
escrita da língua japonesa, que seria feita por símbolos confusos, sem sentido para quem o
perseguia, que não percebeu onde o gato se escondia.

63
Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/153079/30882. Acesso em: 22 dez. 2021.
84

Figura 52: “As Aventuras do Gato Felix”. O Tico-Tico, 27 maio 1931

Fonte: O Tico-Tico, Rio de Janeiro, ano XXVIII, n. 1338, 27 maio 1931, p. 1764

Com relação à imagem, é possível afirmar que o esboço do desenho das duas
produções – animação e história em quadrinhos – é bastante similar. Há, contudo, algumas
diferenças entre elas, especialmente no formato dos quadrinhos, visto que aqueles publicados
em O Tico-Tico, em português, foram coloridos, assim como aqueles da história analisada
anteriormente. Houve, também, a transposição da fala dos personagens dos balões – que
existiam nos quadrinhos em inglês, mas que foram removidas – para a legenda dos quadros,
que incorpora também a descrição narrativa, a fim de fornecer mais detalhes à história.
No decorrer das edições da revista O Tico-Tico, algumas histórias de Félix passaram a
não ser completamente coloridas, o que se intensificou a partir do meio da década de 1930,
até os últimos quadrinhos, do início da década seguinte. Apesar dessa modificação, os balões,
espaço no qual eram inseridas as falas dos personagens, continuaram a ser removidos em

64
Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/153079/30968. Acesso em: 10 jan. 2022.
85

quase todos os quadrinhos publicados na década de 1930, com exceção de um ou outro balão
com símbolos ou onomatopeias, além de resquícios de eliminações inacabadas. Os balões
apareceram por completo somente nos quadrinhos publicados em 1941 e 1942, nesses dois
últimos anos de publicação das histórias do gato na revista. Nesse período, os conflitos da
Segunda Guerra Mundial tomaram uma escala global, possível motivo para o encerramento da
publicação dos quadrinhos de Félix na revista. A partir dessa época, a frequência de O Tico-
Tico passou a ser semanal, o que perdurou até seu fim, cerca de duas décadas depois.
O resgate dos balões certamente possibilitou que os leitores tivessem uma experiência
de leitura das falas dos personagens diferente daquela experimentada nas produções
traduzidas para o português, publicadas anteriormente, e mais próxima àquela propiciada
pelos quadrinhos em inglês, da forma como eram produzidos nos Estados Unidos. Vejamos,
por exemplo, a última história de Félix, publicada na revista infantil entre o fim de 1941 e o
início de 1942.
Na edição de O Tico-Tico de número 1872, de novembro de 1941, “As Aventuras do
Gato Felix” mostram que ele e a boneca Dolly estão sendo perseguidos por Wooden Soldier.
Enquanto fogem pela água, Félix fura a meia esfera que servia de barco para o soldado. O
barco afunda, mas o soldado não, porque é feito de madeira. Wooden Soldier atira na outra
meia esfera em que estão Félix e Dolly, que naufragam e pedem socorro.

Figura 53: “As Aventuras do Gato Felix”. O Tico-Tico, nov. 1941

Fonte: O Tico-Tico, Rio de Janeiro, ano XXXVII, n. 1872, nov. 1941, p. 4365

65
Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/153079/46382. Acesso em: 11 jan. 2022.
86

O soldado resgata a boneca da água e Félix recebe ajuda de pequenos homenzinhos,


que tem a ideia de colocar o gato dentro de uma bolha de sabão para salvar Dolly, que estava
presa. Com um estilingue, o soldado acerta a bolha e Félix cai no chão, mas o gato não desiste
de salvar a boneca, que estava amarrada. Para soltá-la, o gato utiliza uma lente para cortar a
corda. Na última sequência de tiras, publicadas na edição de março de 1942, Félix resgata a
boneca, e ambos fogem de avião.
Ao confrontar os quadrinhos em inglês, que foram republicados em dezembro de 1946
no número 130 da Popular Comics, da editora Dell Publishing, com os quadrinhos em
português, percebe-se que a história publicada em O Tico-Tico sofreu um corte, que não foi
explicado aos leitores. Após a bolha de Félix ter sido estourada pelo soldado e do gato cair no
chão, o quadrinho seguinte mostra o soldado com uma corda, para amarrar a boneca – “Venha
cá! Não fugirá!” –, sem explicações sobre o que levou Wooden Soldier a amarrá-la.

Figura 54: “As Aventuras do Gato Felix”. O Tico-Tico, jan. 1942

Fonte: O Tico-Tico, Rio de Janeiro, ano XXXVII, n. 1874, jan. 1942, p. 266

Na história em inglês, há alguns quadrinhos que antecedem o momento em que Dolly


será amarrada, para não escapar. Ao ver que a bolha de Felix foi estourada, o soldado fica

66
Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/153079/46444. Acesso em: 17 jan. 2022.
87

tranquilo e resolve tirar uma soneca – “Now I can relax and take a snooze!!”67. A boneca
aproveita a ocasião para fugir – “He’s asleep!! Now’s my chance to escape!!”68 – sem
dificuldades, visto que a porta estava aberta. Contudo, ela é capturada novamente por Wooden
Soldier, que resolve amarrá-la com uma corda, por precaução – “I’ll fix you so you can’t
escape!”69.

Figura 55: “Felix the Cat”. Popular Comics, dez. Figura 56: “Felix the Cat”. Popular Comics, dez.
1946 1946

Fonte: Popular Comics, New York, n. 130, dez. Fonte: Popular Comics, New York, n. 130, dez.
1946, p. 970 1946, p. 971

Na comparação de ambas as histórias, percebe-se, também, diferenças entre os


quadrinhos em inglês e sua tradução para o português. Por exemplo, ao avistar a janela do

67
“Agora eu posso relaxar e tirar um cochilo!!” (tradução nossa).
68
“Ele está dormindo!! Agora é minha chance de fugir!!” (tradução nossa).
69
“Eu vou prender você para você não poder escapar!” (tradução nossa).
70
Disponível em: https://dyn1.heritagestatic.com/lf?set=path%5B2%2F1%2F1%2F0%2F2110345%5D%2Csize
data%5B850x600%5D&call=url%5Bfile%3Aproduct.chain%5D. Acesso em: 18 jan. 2022.
71
Disponível em: https://dyn1.heritagestatic.com/lf?set=path%5B2%2F0%2F6%2F0%2F2060433%5D%2Csize
data%5B850x600%5D&call=url%5Bfile%3Aproduct.chain%5D. Acesso em: 18 jan. 2022.
88

lugar onde Dolly estava amarrada, Felix afirma: “I’ll save her or bust!”72. No balão do mesmo
quadrinho em português, Félix supõe: “Deve ser por aqui”. Quando vê a boneca pela janela, o
gato a consola: “Courage, Dolly – I’m still on the job!”73, e a boneca afirma: “Felix! I knew
you’d come!”74, enquanto Félix, na história em quadrinhos de O Tico-Tico, simplesmente diz:
“Psst! Não desanime!”, e a boneca: “Quero sair daqui”. Nesses dois quadrinhos, é possível
perceber que houve uma mudança de sentido na fala traduzida, pois o gato se coloca, em
inglês, como o responsável por salvá-la, inclusive incentivando-a a ter coragem, e ela
confirma sua confiança no gato; em português, esses papéis de salvador e de donzela em
apuros são atenuados, tendo em conta essas falas analisadas; embora, na última parte da
história, publicada em março de 1942 – as últimas tiras que saíram em O Tico-Tico –, Dolly
afirme que Félix seria seu “herói”.

Figura 57: “As aventuras do Gato Felix”. O Tico-Tico, mar. 1942.

Fonte: O Tico-Tico, Rio de Janeiro, ano XXXVII, n. 1876, mar. 1942, p. 275

A supressão de quadros revela um processo de domesticação pelo qual passou essa


história de Félix analisada. Não se considerou necessário mostrar que a boneca havia tomado
a iniciativa de fugir enquanto o soldado cochilava, talvez em razão de Félix não estar presente

72
“Eu vou fazer de tudo para salvá-la” (tradução nossa).
73
“Coragem, Dolly – Eu estou aqui me esforçando! (tradução nossa).
74
“Felix! Eu sabia que você viria!” (tradução nossa).
75
Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/153079/46542. Acesso em: 17 jan. 2022.
89

nesses quadrinhos, e pelo fato de ambos, Dolly e Wooden Soldier, serem personagens
secundários, existindo apenas nessa história em questão, ao que parece, em contraste com o
gato, personagem principal, cujo nome intitula a série. Assim sendo, Félix, com sua
perspicácia, seria o único capaz de salvar a boneca das garras do soldado vilão.

3.3 Popeye: aventuras do marinheiro Brocoió

O marinheiro Popeye, que se tornaria famoso por sua força física, utilizada para ajudar
as pessoas a resolver problemas, foi criado pelo cartunista e escritor norte-americano Elzie
Crisler Segan (1894-1938), que começou a trabalhar para o New York Journal em 1919,
publicação de propriedade de William Randolph Hearst, também dono do King Features
Syndicate, empresa responsável pela distribuição das tiras de Popeye para os jornais dos
Estados Unidos e de outros países, assim como das histórias do rato de Walt Disney e do gato
de Pat Sullivan. Contudo, diferentemente de Mickey Mouse e de Félix, Popeye estreou
primeiramente nas histórias em quadrinhos e depois nos desenhos animados, segundo explica
Fred M. Grandinetti (2012).
O marinheiro Popeye apareceu pela primeira vez nos quadrinhos em 17 de janeiro de
1929, estreando na tira cômica “Thimble Theatre”, publicada no jornal Evening Standard, de
Nova York, de acordo com Álvaro Moya (1996, p. 70). Apenas um tempo depois, após fazer
sucesso junto aos leitores, conquistou suas próprias tiras de quadrinhos, as quais apareceram
em diversos jornais. Olive Oyl – ou Olívia Palito –, sua namorada, o acompanhou nas novas
histórias. O espinafre, alimento que daria força para Popeye, como revelou seu criador, foi
aparecer meses depois da primeira história, e não era tão importante nos quadrinhos como era
nas animações, conforme ressalta Grandinetti (2012).
Em 1937, Segan recebeu o diagnóstico de leucemia, doença que causou o seu
falecimento, no final de 1938. Apesar disso, as tiras de Popeye continuaram a ser produzidas
por outros artistas, que deixaram suas marcas na evolução das histórias com o passar dos
anos. Segundo Moya (1996, p. 72), em 1938, os quadrinhos eram publicados em mais de
seiscentos jornais diários, distribuídos por vinte e cinco países. Nos desenhos animados para o
cinema, o marinheiro estreou em 1933, em produções feitas pela Fleischer Studios. Para a
televisão, as animações de Popeye eram distribuídas pelo King Features Syndicate TV. Nos
Comic Books, suas histórias se iniciaram em 1948, pela editora Dell Comics, em reimpressões
das tiras dos jornais, segundo informações de Grandinetti (2012).
90

Em O Tico-Tico, os quadrinhos do marinheiro Popeye e sua companheira, Olívia,


circularam entre julho de 1934 e julho de 1935 – ou seja, por apenas um ano. Foram
nomeados como “Aventuras de Brocoió”, entre a edição de número 1500, de 4 de julho de
1934, e a edição número 1528, de 16 de janeiro de 1935. Posteriormente, foram nomeados
como “Aventuras de Brocoió, o marinheiro Popeye”, publicados entre a edição de número
1529, de 23 de janeiro de 1935, e a edição de número 1556, de 31 de julho de 1935.
As histórias em quadrinhos de Popeye, além de terem ocupado algumas edições de O
Tico-Tico, foram também publicadas por outros periódicos brasileiros na década de 1930.
Segundo Silva Junior (2004, p. 131), em 1932, os quadrinhos criados por Segan estrearam no
Brasil no jornal Diário de Notícias, do Rio de Janeiro, para o qual os nomes foram traduzidos:
Popeye passou a ser “Brocoió”, e Olívia se tornou “Serafina”. O nome “Brocoió” foi
reutilizado na tradução publicada em O Tico-Tico, como mostramos acima. Contudo, a revista
infantil não traduziu o nome da namorada do marinheiro, que aparece como “Olive Oyl”,
assim como consta nas histórias em inglês. As tiras do marinheiro também fizeram parte do
Suplemento Juvenil, de Adolfo Aizen, em 1935, e em 1939 foram publicadas em O Gibi,
revista em quadrinhos da Rio Gráfica Editora.
Publicadas em preto e branco e ocupando quase sempre menos de uma página em cada
edição de O Tico-Tico, as tiras traziam legendas abaixo de cada quadro, nas quais eram
inseridas as falas dos personagens e a descrição narrativa da história. Assim como na maioria
dos quadrinhos de Mickey Mouse e Félix inseridos na revista, os balões foram completamente
removidos. No último quadrinho de cada edição, era reproduzida a assinatura de Elzie Segar,
criador da história.
Para serem publicadas na revista, foram selecionadas as tiras da história “Long live the
King”, que parece ter sido estampada em sua totalidade, e alguns quadrinhos iniciais de “King
of Popilania”, sua continuação; ambas saíram à luz nos jornais dos Estados Unidos em 1932.
Nos quadrinhos dessas duas produções de Popeye traduzidas para O Tico-Tico,
diferentemente do que ocorria nos textos de partida em inglês, não havia menção aos títulos e
capítulos que correspondiam às histórias. Para marcar a sequencialidade, era inserida, na
legenda do último quadrinho, entre parênteses, a frase “Continua no próximo número”,
recurso próprio do romance em folhetim do século XIX, publicado no rodapé dos jornais
franceses e brasileiros, segundo nos explica Marlyse Meyer (1996, p. 59), solução empregada
com o objetivo de informar aos leitores que a história tinha sequência na edição seguinte do
jornal.
91

Figura 58: “Aventuras de Brocoió”. O Tico-Tico, 1 jul. 1934

Fonte: O Tico-Tico, Rio de Janeiro, ano XXXI, n. 1500, 1 jul. 1934, p. 776

A tradução para o português de “Long Live the King” tem início com Popeye dando
conselhos ao rei Blozo. Ele consegue convencê-lo a dar ouro ao povo de seu reino, Nazilia. O
rei se sente atraído pela ideia e deseja colocá-la em prática para que o povo o estimasse como
monarca, mas pede a Popeye para não espalhar que a ideia não tinha partido dele. Momentos
depois, o rei é informado sobre o fechamento das fábricas, visto que as pessoas não queriam
mais trabalhar, pois estavam ricas. O rei, em conversa com o general, percebe a desaprovação
dos demais militares e o erro cometido. Resolve, então, convocar o povo para uma conversa,

76
Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/153079/35981. Acesso em: 26 abr. 2022.
92

mas não consegue convencê-los. Para obter todo o ouro de volta, Popeye inventa o jogo de
migalhas de ouro, e ao longo do tempo, acumulou a maior parte do ouro distribuído.
Apesar de Popeye ter recolhido o ouro e o povo ter voltado a trabalhar, o general
Bunzo queria destronar o rei. Popeye sugeriu ao rei Blozo que fossem marcadas as eleições e
disse que conseguiria convencer a população a votar no rei. O marinheiro teve a ideia de
ajudar o rei a vencer as eleições e manipular os votos. O general, por sua vez, colocou vários
votos para si mesmo dentro da urna. Depois da apuração dos votos, o general Bunzo tornou-se
o rei de Nazilia, o que deixou Blozo desolado. O general, ambicioso, queria pegar todo o ouro
do reino. Popeye se pôs a agir diante dos acontecimentos, contratando um detetive para apurar
as urnas; enquanto isso, o rei trabalhava como lavrador. Olive Oyl participava das tiras como
uma espiã disfarçada, fingindo ser massagista do palácio real. Ela queria ajudar o rei a
assumir o trono novamente, e tornou-se amiga do general Bunzo para obter informações.
O antigo rei Blozo, já idoso, não estava aguentando trabalhar no serviço de lavrador e
decidiu pedir um emprego ao atual rei Bunzo, que lhe concedeu a função de ajudante de
contínuo do palácio, de modo que seria o empregado de seu ex-servo, o bajulador Oscar. Para
se vingar, Popeye avisou a rainha que o atual rei estava contratando dançarinas; ela, então,
resolveu contratar vários dançarinos. Ambos discutiram e jogaram os bailarinos e as bailarinas
pela janela. A rainha pediu, então, a Popeye, que fosse o seu bailarino e, na hora de expulsar
Popeye, o general deu um soco no rosto dele. O rei Blozo assumiu novamente o trono com a
ajuda de Popeye e Olive Oyl, mas o marinheiro não havia percebido que era a sua namorada
disfarçada. Ele, depois de ajudar o rei, pediu para si uma ilha deserta, a fim de formar um país
perfeito. O rei, então, ofereceu-lhe a ilha e algum dinheiro para construir um palácio e
governar o reino de Popilania. Tem fim, dessa forma, a história “Long Live the King”. A
subsequente, intitulada “King of Popilania”, teve apenas os primeiros sete quadrinhos
publicados em O Tico-Tico, nas edições de número 1554, de 17 de julho de 1935, e 1555, de
31 de julho do mesmo ano. Assim sendo, apesar da indicação “(Continua no próximo
número)”, na legenda do último quadro, os quadrinhos de Popeye foram interrompidos na
revista.
Embora os quadrinhos de Popeye dessa época estejam atualmente em domínio público
no Brasil e na Europa, entre outras localidades, de acordo com a legislação de cada
país/região – nos Estados Unidos, estarão a partir de 2025 –, infelizmente não tivemos acesso
completo ao material dessa história. Contudo, alguns quadrinhos podem ser encontrados em
sites específicos, que trazem materiais em quadrinhos, entre os quais estão o Newspaper
93

Comic Strips, no qual foi possível encontrar as tiras em inglês de “King of Popilania”
completas, cujos primeiros quadrinhos foram impressos em O Tico-Tico, como já afirmamos.
É possível, a partir do cotejo entre essas tiras, compreender algumas questões sobre a tradução
dessas produções quadrinísticas. Vejamos, por exemplo, uma sequência de quadros publicada
na revista infantil, na edição de número 1506, de 15 de agosto de 1934.

Figura 59: “Aventuras de Brocoió”. O Tico-Tico, 15 ago. 1934

Fonte: O Tico-Tico, Rio de Janeiro, ano XXXI, n. 1506, 15 ago. 1934, p. 1377

Esses quadrinhos mostram Popeye dando ao rei Blozo a ideia de fazer uma eleição
para ampliar sua popularidade. Para convencer as pessoas a votar no rei, o marinheiro
espalhou críticas sobre o general Bunzo. No primeiro quadrinho, Popeye conversa com o rei
Blozo, dizendo que ele vencerá e que fará um discurso em seu nome. No segundo e terceiro
quadrinho, Oscar, um bajulador do rei, conversa com o general e confirma que Popeye estava
espalhando mentiras sobre ele. No penúltimo quadrinho Blozo e Bunzo trocam provocações e
dizem que aquele que tiver mais votos será o rei. No último quadrinho Popeye é recebido pelo
povo e faz campanha em nome do antigo rei.
Os quadrinhos em inglês, assim como aqueles que foram impressos em O Tico-Tico,
estão em preto e branco. Optou-se, portanto, em não realizar a coloração da história para ser
impressa na revista; prática que já vinha acontecendo em outros quadrinhos, tais como
aqueles de Mickey Mouse e de Félix. Assim como já mencionamos, os balões foram
removidos nas tiras em O Tico-Tico, e o conteúdo foi deslocado e transformado nas legendas
de cada quadro.

77
Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/153079/36181. Acesso em: 26 abr. 2022.
94

Figura 60: “Long live the King” (1932)

Fonte: Segar (2008, p. 70)

Para marcar o sotaque de Popeye, marinheiro que falava apenas por um canto da boca,
já que no outro lado sempre utilizava um cachimbo, a representação de sua fala nos balões em
inglês utiliza palavras que sinalizam um inglês mais coloquial, tais como “yam”, para
expressar “am”, conjugação do verbo to be na primeira pessoa do singular, e “ya”, para se
referir a “you”, terceira pessoa do singular ou plural. O uso dessas palavras é recorrente em
diversos quadrinhos de Popeye. A palavra “yam”, por exemplo, integra o título do segundo
desenho animado, intitulado I Yam What I Yam, produzido pela Fleischer Studios e lançado
em 29 de setembro de 1933, nos Estados Unidos. É também empregada em sua famosa frase
“I yam what I yam ’cause I yam what I yam”78 (grifos nossos), presente na animação Popeye
Starring in Choose your Weppings (1935-1936), produzida pela Paramount: “I yam Popeye, /
The Sailor Man. / I yam what I yam / ’Cause tha’s what I yam. / I yam Popeye, / The Sailor
Man.”79 (KELSEY, 2019, p. 359, grifos nossos). Antes disso, pela primeira vez, apareceu
numa tira de 1º de agosto de 1931, na qual Popeye, em resposta à Olive Oyl, que o questionou
por ter perdido cinco mil dólares nos dados, dinheiro que seria usado para comprar uma casa
nova para sua noiva, diz: “I yam what I yam an’ that’s all!”80 (MOYA, 1996, p. 72, grifos
nossos).
Na tradução das falas de Popeye para o português da história em quadrinhos publicada
em O Tico-Tico, essas marcas de oralidade não foram reproduzidas. Por exemplo, a sentença
“Don’t worry – You’ll win on account of I yam goner make speeches for ya”81 foi traduzida

78
“Eu sou o que sou porque eu sou o que sou” (tradução nossa).
79
“Eu sou Popeye, / O marinheiro. / Eu sou o que sou / Porque é isso que sou. / Eu sou Popeye, / O marinheiro.”
(tradução nossa).
80
“Eu sou o que sou, e isso é tudo!” (tradução nossa).
81
“Não se preocupe – Você vai ganhar porque eu vou discursar para você” (tradução nossa).
95

como “– Não se incomode, o sr. vencerá pois eu vou fazer discursos em seu nome”. Evitou-
se, nessa tradução, o emprego do pronome pessoal “você”, ou mesmo de alguma variação de
registro desse pronome em português, seja de um uso real da língua – a exemplo de “ocê” ou
“cê” –, seja numa elaboração criativa para representar a forma de falar do personagem, tão
característica na língua de partida, que sinalizasse a marca da variação linguística empregada
pelo personagem. A opção por traduzir dessa forma evidencia uma tendência de tradução, no
emprego da língua portuguesa considerada padrão, e pode ser explicada pelo fato de a revista
O Tico-Tico ter assumidamente um caráter educativo, pela via da diversão, não sendo,
portanto, recomendável reproduzir usos distintos desse.
Nesse sentido, convém mencionar o conceito de normas de Gideon Toury (1995),
segundo o qual existem conhecimentos, hábitos e valores compartilhados entre os indivíduos,
de forma mais ou menos explícita. O teórico explica que as normas teriam impacto nas
traduções, nas quais se aplicam preceitos subjacentes ao texto, na língua e na cultura, tanto de
partida quanto de chegada. No caso do Brasil de meados do século XX, as normas de
tradução, entre outras diretrizes muitas vezes implícitas, indicavam que a língua padrão
deveria ser a forma mais empregada – a única, em muitos casos –, até mesmo na tradução de
diálogos que, nas línguas de partida, trouxessem marcas linguísticas próprias de outros
registros, mais próximos da oralidade. A tradução de nomes, a exemplo do que aconteceu com
Popeye, que em português se transformou em Brocoió, é também uma norma de tradução
muito recorrente na prática tradutória daquela época.
A tradução de nomes pode indicar uma interpretação dos tradutores e/ou editores a
respeito das características dos personagens, e até mesmo direcionar o entendimento dos
leitores para aquilo que se pretende ressaltar na história. No caso de Popeye, seu nome foi
traduzido para “Brocoió”, que significa “[p]essoa rústica, de pouca instrução e pouco
convívio social; caipira, capiau, jeca”, segundo o Michaelis Dicionário Brasileiro da Língua
Portuguesa (2015, n.p.). É possível perceber, nesse exemplo, uma referência às características
rústicas e brutas do marinheiro Popeye.
Os exemplos dessas marcas de oralidade não se resumem a essas amostras
selecionadas. Na última tira que encerra Long live the King, Popeye diz ao rei Blozo que quer
comprar uma ilha para construir um país. O marinheiro emprega a conjugação da segunda
pessoa do verbo “want” (querer) – “King, I wants to buy that lonely-lookin’ island wich ya
owns – they’s nobody livin’ on it an’ it ain’t down’ this country no good” e “I wants to start a
new country – A country without no difficulties. A perfect nation – I was born’d to rule an’ I
96

claims that abiliky is more importink than royal blood” (grifos nossos) –, mas a norma padrão
do inglês define o uso de “want” sem o “s”, nesse caso.

Figura 61: “King of Popilania” (1932)

Fonte: Newspaper Comic Strips (2016)82

Existem outras marcas também, tais como as diversas contrações empregadas, além da
utilização de palavras como “abiliky” (ability), “difficultnies” (difficulties), “perfeck”
(perfect) e “importink” (important)83 na linguagem de Popeye. Na fala do rei, por exemplo,
não são aplicados os mesmos recursos.
Na tradução dessa última tira para o português, publicada em O Tico-Tico na edição de
número 1554, em 17 de julho de 1935, essas marcações do registro de fala de Popeye não
foram mantidas. Ao contrário disso, o marinheiro utiliza o pronome da segunda pessoa do
plural para se referir diretamente ao rei: “– Magestade, desejo comprar aquela ilha deserta que
vos pertence. Ninguém ali mora e não traz benefício algum ao país! – falou Brocoió.” (grifos
nossos).

82
Disponível em: https://newspapercomicstripsblog.wordpress.com/2016/03/26/popeye/. Acesso em: 26 abr.
2022.
83
“habilidade”, “dificuldade”, “perfeito” e “importante” (tradução nossa).
97

Figura 62: “Aventuras de Brocoió, o Marinheiro Popeye”. O Tico-Tico, 17 jul. 1935

Fonte: O Tico-Tico, Rio de Janeiro, ano XXXII, n. 1554, 17 jul. 1935, p. 1484

Apesar da indicação da continuidade no número seguinte da revista, visto que se


informou a publicação de uma nova história na edição em sequência, a qual os “leitores
amigos” deveriam esperar, os quadrinhos de Popeye só foram aparecer no número 1556,
publicado em 31 de julho daquele ano, trazendo as primeiras tiras de “Aventuras de Brocoió.
O marinheiro Poppeye”, dessa vez apresentando a história “Poppeye. Rei da Papilandia!”.
Contudo, esses foram os únicos quadrinhos dessa produção impressos em O Tico-Tico, apesar
de haver, como de praxe, a indicação do andamento da história – “(Continua no próximo
número)”. Não sabemos o motivo dessa interrupção, mas especulamos que talvez os leitores
preferissem as histórias de Mickey e de Félix, possivelmente em razão do hábito de leitura,

84
Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/153079/37598. Acesso em: 26 abr. 2022.
98

visto que seus quadrinhos já eram publicados havia alguns anos na revista. No caso do ratinho
curioso, por exemplo, houve o lançamento, em dezembro de 1934, de um número especial da
revista, dedicado exclusivamente a ele, com curiosidades sobre a história de sua criação e
muitos quadrinhos, que certamente não seriam publicados sem que houvesse uma demanda
para compensar o investimento em produzir e imprimir uma edição extraordinária de O Tico-
Tico.
99

4 QUESTÕES SOCIOLÓGICAS NA TRADUÇÃO DE QUADRINHOS

Neste capítulo, pretende-se examinar, sob um viés sociológico, a publicação de


histórias em quadrinhos norte-americanas em O Tico-Tico, por meio de fatores que impactam
as escolhas e os processos de tradução pelos quais passaram tais produções norte-americanas.
Em primeiro lugar, serão primeiramente abordados esses fatores, quais sejam: políticos,
econômicos, sociais e culturais, com base em estudos sociológicos a respeito do processo
tradutório. Em segundo lugar, os agentes e as instituições de mediação cultural, e outras
questões influentes na publicação dessas histórias, serão também explanados, a fim de
delinear as características gerais de circulação dos quadrinhos entre Estados Unidos e Brasil,
no contexto de expansão da cultura norte-americana, especialmente entre 1929 e 1942,
delimitação temporal desta pesquisa.

4.1 Tradução e questões sociológicas

Sabe-se que a circulação de mercadorias, entre as quais os livros e impressos, não é


uma coisa nova. Segundo Márcia Abreu e Jean-Yves Mollier (2016, p. 9-13), as conexões
entre países remontam a centenas de anos, a antes mesmo de existir a noção de globalização.
No século XIX, entretanto, elas se intensificaram, graças a transformações de ordem técnica,
social, econômica e política, que também legaram ao século XX seu impacto nas relações
culturais e comerciais. Desse modo, considerando-se que a revista O Tico-Tico constitui a
expressão não apenas de uma publicação bem-sucedida, com tiragens de até 100.000
exemplares semanais (BIBLIOTECA NACIONAL, 2015), mas da confluência dos principais
fatores de ordem social, comercial e mercadológica das publicações impressas, é fundamental
a consideração desses fatores no fluxo dessas publicações de um país a outro para a análise de
quaisquer aspectos de inclusão das histórias norte-americanas no território nacional.
Tais fatores são relevantes, pois são influentes até mesmo na publicação de certas
histórias em detrimento de outras. Quando Zita de Paula Rosa (2002, p. 48) afirma que os
diretores da Sociedade Anônima O Malho, dona de O Tico-Tico, preferiram publicar as
histórias de Mickey Mouse, Felix the Cat e Popeye, analisadas no capítulo precedente, em vez
de quadrinhos de super-heróis como Flash Gordon ou Batman, entre outros, também
americanos, isso certamente envolve razões econômicas; do mesmo modo que motivadores
econômicos estão presentes na prática de preços irrisórios na venda de direitos de publicação
100

e distribuição de quadrinhos norte-americanos pelas distribuidoras internacionais conhecidas


como syndicates (cf. ROSA, 2002, p. 44).
De fato, como apontado por Gisèle Sapiro (2016, p. 82; 92) em “How Do Literary
Works Cross Borders (or Not)?”, ao especificar os quatro principais fatores que podem
impulsionar ou restringir o mercado de bens culturais – saber, os fatores políticos,
econômicos, sociais e culturais –, “a lógica de mercado” não opera de uma maneira
homogênea e envolve a confluência desses quatro motivadores em conjunto, mas também
levando em conta relações hierárquicas, de trocas entre centro e periferia e que obedecem ou
não a padrões de regularidade. Para a autora, além disso, o mercado de impressos não se
limita a fronteiras linguísticas, mas é estruturado também no âmbito político, de modo que,
para cruzar essas fronteiras é preciso levar em conta, especialmente, as relações de poder
entre os países envolvidos nas trocas culturais (SAPIRO, 2016, p. 85). Daí a importância,
segundo a autora, da observação atenta aos agentes e mediadores desses intercâmbios, tais
como autores, editores, tradutores, agentes e críticos literários, entre outros (SAPIRO, 2016,
p. 82), bem como a produtos adjacentes que, de algum modo, atuam na promoção dos itens
“comercializados” propriamente ditos (como os paratextos editoriais, promocionais aos
quadrinhos, no caso de O Tico-Tico).
Nesse sentido, pode-se citar Michel Espagne (2013), que discorre sobre a noção de
“vetores” ou “veículos” históricos operantes nas transferências culturais, que podem ser
considerados, mais especificamente, em nosso estudo sobre as histórias em quadrinhos
traduzidas, nos quais estão intimamente relacionados os tradutores, os artistas, os editores e os
distribuidores desse gênero de publicação, bem como da própria ascensão e apogeu da revista
O Tico-Tico. A noção de “transferência cultural”, elaborada por Espagne (2013), ajuda a
compreender que o transporte de itens de um sistema cultural a outro, bem como a sua
reinterpretação ou metamorfose (ESPAGNE, 2013, p. 1), implica na observação desses itens
mais com relação às interações entre esses vetores do que propriamente com relação aos seus
“originais”. Isso significa que os quadrinhos traduzidos têm sua parcela de contribuição para
as “historiografias culturais transnacionais”, como classificado pelo autor (ESPAGNE, 2013,
p. 6).
Em “Por uma sociologia da tradução: balanços e perspectivas”, Johan Heilbron e
Gisèle Sapiro (2009) abordam a tradução como vetor de trocas internacionais, evidenciando a
importância que a perspectiva sociológica tem para a compreensão dos fenômenos
tradutórios. De acordo com os estudiosos, tanto a abordagem interpretativa do texto traduzido
101

– a qual se divide em tendência objetiva e tendência subjetivista – quanto a abordagem


econômica – a qual reduz a compreensão do livro traduzido apenas como mercadoria – não
dão conta de explicar todos os processos e agentes envolvidos no fenômeno da tradução. A
fim de envolver esses aspectos essenciais para a prática tradutória, a abordagem sociológica
ocupa-se das relações sociais no meio de produção e circulação das traduções, segundo
Heilbron e Sapiro (2009). De acordo com os autores, esse tipo de abordagem engloba os
diversos aspectos de circulação das traduções entre diferentes culturas, levando em
consideração: (1) a estrutura dos espaços das trocas culturais internacionais; (2) os tipos de
exigências de trocas (políticas e econômicas); (3) agentes de intermediação cultural; e (4) a
importação e a recepção de traduções na cultura de destino.
No espaço internacional das transferências transnacionais, as trocas ocorrem
considerando as relações culturais e linguísticas estabelecidas entre as nações, em um
ambiente de constante concorrência. Heilbron e Sapiro (2009) explicam que, para
compreender o ato tradutório, é preciso levar em conta as relações de forças entre os estados
nações e suas línguas, que podem ser de três tipos: política, econômica e cultural. Essas forças
estariam distribuídas de maneira desigual entre os países, gerando uma forte hierarquização.
Por exemplo, em relação à força cultural, é preciso considerar o capital simbólico que
determinadas línguas possuem em relação a outras de menor grau (dicotomia de força entre as
línguas centrais e periféricas).
Assim sendo, o sistema mundial das traduções é estruturado por uma desigualdade
criadora de posições hierárquicas que impactam a maneira pela qual os textos traduzidos
transitam de uma língua para outra. Seguindo esse princípio, o fluxo das traduções oriundo do
centro para a periferia é maior do que o fluxo que parte da periferia para o centro, além da
comunicação entre línguas periféricas ser intermediada por uma língua central, na maioria dos
casos. Heilbron e Sapiro (2009, p. 17) definem o impacto da centralidade linguística: “Quanto
mais uma língua é central no sistema mundial de tradução, mais numerosos são os gêneros de
livros traduzidos desta língua”. Os pesquisadores explicam que, nos anos 1990, a proporção
de livros traduzidos representava somente 4% da produção nacional na Inglaterra e nos
Estados Unidos, frente a outros países como França e Alemanha, por exemplo, em que a
proporção variava entre 14% e 18% (HEILBRON; SAPIRO, 2009, p. 17-18). Isso significa
que, nesses dois países de língua inglesa, 96% da produção editorial eram de obras nacionais,
justamente pelo fato de ambos serem nações de língua inglesa, a qual detém um elevado grau
de centralidade no espaço internacional das traduções.
102

Também importante para a abordagem sociológica da tradução são as questões


políticas e econômicas que incidem sobre a produção e a circulação dos bens no mercado
internacional. Um exemplo da relevância da questão econômica é a liberalização do mercado
editorial dos Estados Unidos. Segundo Heilbron e Sapiro (2009), esse mercado é regido pela
lei da rentabilidade. Nesse cenário, os best-sellers norte-americanos são difundidos
mundialmente por grandes grupos empresariais que têm o poder de dominação das lógicas
econômicas e comerciais, em prejuízo das lógicas culturais e literárias. Por outro lado, quando
há centralidade do campo político em relação ao campo econômico em nações de extremo
controle na produção cultural, como os países comunistas, a produção e a circulação cultural
ficam fortemente vinculadas aos interesses governamentais. Contudo, de determinada forma,
os campos de produção literária nacionais podem apresentar algum grau de autonomização
com relação às forças econômicas e políticas.
De acordo com Heilbron e Sapiro (2009), os agentes de intermediação das trocas
internacionais são outra questão muito relevante para a abordagem sociológica da tradução,
pois as trocas literárias no mercado internacional dependem muito de suas ações. Eles podem
se vincular às lógicas políticas, como os institutos culturais, às lógicas econômicas, como os
editores e agentes literários, e às lógicas culturais, como os autores e os tradutores, embora
esses agentes possam ser influenciados por mais de um tipo de lógica. Dentro desse espaço
das trocas internacionais, os tradutores literários se diferenciam dos tradutores técnicos, pelo
fato de os primeiros terem um grau de desenvolvimento profissional maior.
Por fim, outro aspecto imprescindível são as lógicas de recepção das traduções.
Segundo os autores, a representação da língua e da cultura de origem na cultura de chegada
condicionam, em parte, a recepção das obras traduzidas. Heilbron e Sapiro (2009) pontuam
que, para entender a tradução como prática social por meio da qual se estabelecem trocas no
mercado internacional dos bens culturais, todos os atores mencionados devem ser integrados à
análise, sejam indivíduos ou instituições que tenham participação na atividade tradutória.
Todo esse conjunto de aspectos que compõem a abordagem sociológica em torno da
tradução está pautado na compreensão sobre as condições sociais da circulação internacional
dos bens simbólicos, segundo as ideias propostas por Pierre Bourdieu (2002) em “As
condições sociais da circulação das ideais”, para quem

[…] o sentido e a função de uma obra estrangeira é determinado tanto ou


mais pelo campo de chegada quanto pelo campo de origem. Em primeiro
lugar porque o sentido e a função no campo de origem são muitas vezes
completamente ignorados.
103

E também porque a transferência de um campo nacional para um outro se faz


por meio de uma série de operações sociais: uma operação de seleção (o que
se traduz? O que se publica? Quem traduz? Quem publica?); uma operação
de marcação (de um produto anteriormente “sem etiqueta”) pela editora
([…] e anexando-a a seu próprio ponto de vista e, em todo caso, a uma
problemática inscrita no campo de chegada e que só raramente realiza o
trabalho de reconstrução do campo de origem, em primeiro lugar porque é
muito difícil); uma operação de leitura, enfim, com os leitores aplicando à
obra categorias de percepção e problemáticas que são produto de um campo
de produção diferente (p. VII).

Bourdieu (2002) tenta compreender como as ideias ultrapassam seus lugares de


origem e chegam a outros espaços, considerando a complexidade em torno desse fenômeno
das trocas internacionais, que são condicionadas socialmente. Segundo o pensador francês, o
campo de chegada tem tanta ou mais importância quanto o campo de partida ao se pensar no
sentido e na função de uma obra estrangeira. A seleção, a marcação e a leitura são operações
sociais que ocorrem no campo de chegada e que impactam diretamente o resultado da
transferência das obras traduzidas de um contexto em que foi produzida para outro.
Além da contribuição para a abordagem sociológica da tradução no que concerne à
circulação de bens culturais, Pierre Bourdieu forneceu conceitos fundamentais, dentre os
quais, campo, capital e habitus, que podem ser mobilizados para alcançar um maior
entendimento sobre os fenômenos e agentes envolvidos na produção e circulação das
traduções. Conforme explicam Araujo e Martins (2018) em “Um olhar sociológico sobre a
tradução”, esses e outros conceitos estabelecidos por Bourdieu podem ser empregados em
várias áreas do conhecimento, com o intuito de compreender as forças e os agentes que atuam
no mundo.
Para o sociólogo francês, o conceito de “campo” se refere à ideia de um espaço no
qual os indivíduos circulam e compartilham atividades afins na disputa por poder, de acordo
com Araujo e Martins (2018). Exemplos de campo analisados por Bourdieu são campo
literário, campo político, campo social etc. A tradução também pode ser considerada um
campo, dentro do qual os seus vários participantes envolvidos (tradutor, editor, revisor, autor
do texto de partida etc.) atuam e disputam poder.
O poder disputado nos campos é definido por Bourdieu (2007a, 2007b) no conceito de
“capital”. Araujo e Martins (2018) elucidam que esse termo designa o valor atribuído a um
agente participante de um campo. Esse valor, pelo qual competem os agentes, é utilizado para
que se busque uma posição de status em uma hierarquia. Dentre os tipos de capital estudados
por Bourdieu, destacam-se principalmente os seguintes: capital econômico (relacionado aos
104

valores materiais), capital social (referente a uma rede de contatos), capital cultural
(relacionado a um conhecimento adquirido com o tempo de atuação em uma área e/ou com
instrução formal) e capital simbólico (reconhecimento a partir da combinação dos outros tipos
de capital, tendo como consequência a conquista de um status). No campo da tradução, por
exemplo, os tradutores se podem utilizar de alguns recursos para atingir posições de destaque,
como quando investem em capital cultural, especializando-se em determinadas áreas por meio
de estudos formais (estudos de pós-graduação, por exemplo) e, consequentemente podem
disputar um maior capital econômico (receber mais pelo trabalho realizado em comparação
aos tradutores com menos reconhecimento) e um maior capital simbólico (obtenção de um
maior prestígio em sua área).
Vinculado aos conceitos de campo e capital, o conceito de habitus consiste em um
conjunto de escolhas e práticas sociais adquiridas pelas pessoas em suas trajetórias de vida,
conforme explicam Araújo e Martins (2018). No campo da tradução, por exemplo, um agente
tradutor que queira atingir um prestígio maior precisa ter uma experiência e um vasto
conhecimento naquele campo em que esteja inserido, o que confere a ele um currículo
exemplar, e por sua vez, um status, capital simbólico.
O entendimento desses três conceitos propostos por Bourdieu, base de seus estudos
sociológicos, permite que se faça uma reflexão sobre a relação desses elementos com o objeto
de estudo deste trabalho – os quadrinhos norte-americanos em tradução na revista brasileira O
Tico-Tico –, sobretudo o conceito de capital simbólico, fundamental para compreender a força
dos Estados Unidos como uma nação pioneira na propagação de tendências ideológicas e
culturais desde meados do século XX. Ademais, a abordagem sociológica em questão deve
levar em consideração diversos aspectos das condições de circulações de bens culturais, tais
como explicam Heilbron e Sapiro (2009): a estrutura dos espaços de troca, os agentes de
intermediação cultural e a recepção das traduções na cultura de destino. Sendo assim,
veremos, no próximo tópico, como foram as implicações desses aspectos e as funções das
traduções na produção quadrinística norte-americana em O Tico-Tico, considerando as
histórias em quadrinhos de Mickey Mouse, Felix the Cat e Popeye, analisadas no capítulo
predecessor.
105

4.2 Os quadrinhos na expansão da cultura norte-americana

A publicação de quadrinhos advindos dos Estados Unidos no mercado editorial e na


imprensa brasileira, que se intensificou a partir da década de 1930 no Brasil, tem sua razão de
ser. Segundo Gonçalo Silva Junior (2004, p. 21), o governo norte-americano criou um
programa de recuperação econômica do país e a estimulação do consumo por meio do
“american way of life”, o que se estendeu para outros países. Nesses termos, as traduções dos
quadrinhos de Mickey e Felix the Cat são exemplos dos primórdios de um movimento de
forte expansão da cultura norte-americana. No decorrer do tempo, houve um processo de
ganho de capital simbólico relacionado ao reconhecimento que as produções norte-americanas
obtiveram (dentre elas, os quadrinhos), diferenciando-se das produções de outras culturas e
ocupando uma posição mais central no cenário internacional de circulação de bens culturais.
Heilbron e Sapiro (2009) explicam que, atualmente, metade dos livros traduzidos, em nível
global, são da língua inglesa, o que significa que essa língua ocupa uma posição mais ao
centro, podendo ser chamada também de hipercentral.

Essa estrutura hierarquizada induz imediatamente certas regularidades nas


modalidades de circulação dos textos por via da tradução. Primeira
constatação: os fluxos da tradução ocorrem mais do centro para a periferia
do que o inverso. Segunda constatação: a comunicação entre línguas
periféricas passa com bastante frequência pelo intermédio de um centro.
Quanto mais central é uma língua, maior é a sua capacidade de funcionar
como língua intermediária ou veicular (HEILBRON; SAPIRO, 2009, p. 17).

Como destacam Heilbron e Sapiro (2009, p. 17), enquanto os países mais centrais, a
exemplo dos Estados Unidos, possuem um grande fluxo de exportação de seus bens culturais
e traduzem pouco para sua língua, os países mais periféricos, tal como podemos considerar o
Brasil, “exportam” pouco e “importam” muitos livros estrangeiros, notadamente pela
tradução. Devemos levar em consideração esse fato nas publicações da revista O Tico-Tico,
pois grande parte de seus quadrinhos eram importados dos Estados Unidos, num movimento
de circulação que privilegiou a aquisição das produções desse país para o Brasil no século
XX.
Há de se considerar, assim, que as produções culturais norte-americanas se inscrevem
no contexto de grande importância de sua cultura e de sua língua, detentoras de um grande
capital simbólico no cenário contemporâneo, no qual afirmam sua hegemonia. Sua difusão
pelo mundo, iniciada no começo do século passado e consolidada no decorrer do tempo, é
106

atualmente uma forma de expansão e influência dos modos de pensamento e do que se


consome mundo afora.
A revista O Tico-Tico, no início desse processo de construção da hegemonia da cultura
norte-americana, valeu-se de seu capital simbólico para se tornar um veículo de imprensa
imprescindível para que os quadrinhos produzidos nos Estados Unidos alcançassem, via
tradução, os leitores brasileiros na primeira metade do século XX. Isso porque traduzir
produções de origem dos Estados Unidos, tais como filmes, séries, histórias em quadrinhos,
obras literárias, bem como outros produtos a eles relacionados, para ficarmos somente na
esfera das formas de entretenimento, é uma maneira de se servir do capital simbólico da
cultura norte-americana para o enriquecimento das próprias culturas não hegemônicas, tais
como a brasileira. Essa disseminação de produções culturais dos Estados Unidos pelo mundo
existe dentro de um sistema global, que tem facilitado enormemente as trocas, embora
desiguais, entre os países.
Toda a circulação das mercadorias, publicações, entre as quais livros e impressos, não
são uma coisa nova. Como já mencionamos, Márcia Abreu e Jean-Yves Mollier (2016, p. 9-
13), explicam que a globalização é um fenômeno que está presente no mundo desde antes do
século XX. Em resumo, ela se intensificou no século XIX, em razão da aceleração do
desenvolvimento de ordem técnica, econômica, política e social, que impactaram as relações
comerciais e culturais. A imprensa e o mercado editorial brasileiros, nascidos no início do
século XIX, estabeleceram, durante muito tempo, uma forte relação cultural com a França, na
importação de gêneros literários e jornalísticos. O século seguinte acompanhou esse processo
de desenvolvimento midiático, na expansão de novos conteúdos e formas de expressão, que
encontram um contexto favorável após as mudanças geopolíticas.
A revista O Tico-Tico, nesse contexto de solidificação do mercado editorial e da
imprensa brasileira, pode ser considerada uma publicação de sucesso, conforme já
apresentamos, em razão da convergência dos fatores sociais, comerciais e políticos,
principalmente no contexto da expansão cultural norte-americana, num processo de
diminuição da importância da matriz cultural francesa para a cultura brasileira, no início do
século XX. Os quadrinhos de origem norte-americana encontraram, nesse período, um terreno
firme para sua circulação pelo mundo. É preciso, portanto, discorrer sobre essa transposição
de referências culturais ocorrida no começo daquele século.
Alguns trabalhos (cf. VERGUEIRO; SANTOS, 2008) descreveram, de forma mais
geral, a presença de histórias em quadrinhos em O Tico-Tico. Sabe-se que a revista foi um
107

importante difusor da literatura e cultura nacional e estrangeira, além de uma pioneira das
histórias em quadrinhos no país.
Segundo Nobuioshi Chinen (2005), em muitos quadrinhos de origem estrangeira do
início da revista infantil, as imagens eram copiadas e os nomes dos personagens modificados.
O pesquisador cita o exemplo de “As Aventuras de uma Criada”, do roteirista Caumery
(Maurice Languereau) e do desenhista Pinchon (Émile-Joseph Porphyre), ambos franceses. A
jovem moça do interior da França, chamada Bécassine, era nomeada Narcisa ou Felismina
quando aparecia em O Tico-Tico.
Enquanto nos primeiros anos a revista apresentava um maior número de quadrinhos
franceses – tendo em conta a inspiração nos semanários mencionados La Semaine de Suzette
(AZEVEDO, 2005) e Le Petit Journal Illustré de la Jeunesse (CARDOSO, 2008) –, a
presença de quadrinhos norte-americanos foi aumentando conforme o tempo, também com
ocorrências marcadas pelo fenômeno da “tropicalização”. Chinen (2005) cita, dentre muitos
outros, o exemplo das histórias em quadrinhos do menino Chiquinho, decalcado do original
Buster Brown, de Richard Felton Outcault, nome importante das histórias em quadrinhos
norte-americanas. De acordo com Ezequiel de Azevedo (2005), as histórias de Chiquinho,
inicialmente, foram reproduzidas na revista, e, ao constatar o sucesso frente ao público leitor,
O Tico-Tico passou a adaptar o personagem ao contexto brasileiro e a produzir histórias
nacionais, que, segundo Chinen (2005), foram publicadas até 1954, passando pelas mãos de
diversos ilustradores, que deixavam, como marca, os diferentes estilos de desenho. Portanto,
se considerarmos o exemplo de Chiquinho, que perdurou por grande período de existência da
revista, a presença norte-americana se mostrou constante do início ao final de sua publicação
entre 1905 e 1962, sobretudo no gênero dos quadrinhos.
Esses exemplos mencionados ilustram a presença de quadrinhos franceses, que com o
tempo foi cedendo lugar para a produção quadrinística norte-americana em O Tico-Tico, uma
manifestação da transferência de um referencial cultural para outro. Conforme os estudos de
Perrone-Moisés (2007), a referência cultural norte-americana, apesar de não ter sido tão
potente quanto foi a referência francesa no Brasil, foi para nós o segundo maior modelo de
fonte cultural e literária, tendo suplantado o modelo francês após 1920, momento em que os
Estados Unidos se consolidavam como grande potência política e econômica. A partir desse
momento, a produção cultural norte-americana passou a ser difundida com maior vigor,
especialmente em gêneros como os quadrinhos (cf. KRENSKY, 2008, p. 6-24). Ademais,
novamente de acordo com Perrone-Moisés (2007, p. 78), a partir da década de 1920, o Brasil
108

passou a desenvolver um ideal nacionalista, de modo que o modelo francês entrou em


declínio. Esse sentimento possibilitou ao Brasil valorizar a cultura e literatura nacionais.
Além disso, essa transição possibilitou que o Brasil firmasse uma aliança com outros
países, tais como os Estados Unidos. Portanto, na cultura brasileira, a centralidade da língua e
da cultura francesa foi sendo, aos poucos, substituída pela centralidade da língua e da cultura
norte-americana, algo que podemos notar até hoje, a julgar pelo grande número de produções
norte-americanas, como livros, HQs, filmes, seriados de TV, jogos etc., largamente
importados, traduzidos e consumidos pelos brasileiros.
Segundo Irene Hirsch (2006), houve uma mudança do modelo cultural no Brasil, que
passou a adotar valores norte-americanos, difundidos pelos meios de comunicação, tais como
o rádio, e nas produções culturais, tal como o cinema. “Modificou-se assim o padrão de
relacionamento da sociedade brasileira com a cultura, que passou a ser concebida também
como um investimento comercial” (HIRSCH, 2006, p. 48). A autora se concentra na pesquisa
sobre as traduções ou adaptações de obras de autores norte-americanos publicadas nesse
contexto de mudanças culturais no século XX brasileiro. Entre eles, estão os livros de Mark
Twain, Edgar Allan Poe, Herman Melville, Henry James, Henri D. Thoureau, por exemplo.
Nesse período, obras desses escritores foram lançadas e relançadas, em especial por estarem
em domínio público, o que permitia uma exploração comercial e liberdade de tradução e
adaptação ainda maiores. O contexto era também favorável em decorrência da ideologia de
expansão da cultura norte-americana pelo mundo, à qual se relacionavam os interesses
comerciais da indústria da cultura (HIRSCH, 2006, p. 53-57).
A importância da cultura norte-americana, reflexo também das relações estabelecidas
entre Estados Unidos e Brasil, não começou de forma repentina nos primeiros anos do século
XX. As relações entre os dois países, segundo explica Luiz Alberto Bandeira (1978), tiveram
início no século XVIII, durante o Brasil Colônia, no estabelecimento de trocas comerciais. No
século XIX, o país norte-americano era visto por alguns intelectuais como um exemplo de
nação irmã na América, na qual os brasileiros deveriam se inspirar. Em 1824, os Estados
Unidos foram os primeiros a reconhecerem a independência do Brasil; nesse mesmo ano,
tiveram início as relações diplomáticas entre os dois países. D. Pedro II viajou para os Estados
Unidos em 1876, onde foi bem acolhido pelas autoridades; circulou por muitos estados,
conheceu políticos, autoridades, instituições culturais, frequentou teatros e visitou a
Exposição Universal de 1876, ocorrida na Filadélfia, no estado da Pennsylvania. Era a
primeira versão de tal evento no país norte-americano.
109

De forma mais ampla, o interesse dos Estados Unidos nas Américas foi manifestado
em diferentes oportunidades. Por exemplo, em 1823, o então presidente James Monroe, em
seu discurso ao Congresso dos Estados Unidos, afirmou que era preciso proteger os países das
Américas do colonialismo europeu. Conhecido como “Doutrina Monroe”, esse ideal adquiriu
contornos decisivos no fim do século XIX, em fortes investidas para consolidar a influência
norte-americana no continente. Outro exemplo foi a realização da Primeira Conferência Pan-
americana (1889-1890), na qual os delegados dos Estados Unidos defendiam a ideia o
discurso “pan-americano”, orientando fortemente as discussões entre os países. O Brasil
apoiava os ideais norte-americanos de proteção aos países das Américas, com o intuito de
estabelecer uma relação cordial entre as nações, segundo explica Bandeira (1978).
No início do século XX, estabeleceu-se a “Aliança não escrita”, um acordo de
cordialidade entre ambos os países. O Brasil tinha os Estados Unidos como seu principal
importador de produtos brasileiros, no âmbito econômico, e as relações entre os dois países
era vista como uma forma de fortalecimento do país frente à Europa.
No âmbito da cultura, sabe-se que alguns escritores norte-americanos, como Edgar
Allan Poe, Henry Wadsworth Longfellow, Harriet Beecher Stowe, James Fenimore Cooper e
Herman Melville tiveram suas obras lidas por muitos intelectuais e fizeram algum sucesso
entre os leitores brasileiros no século XIX, ainda um período de forte influência europeia,
principalmente francesa, de acordo com Bandeira (1978). O pesquisador explica que no início
do século XX a cultura norte-americana passou a ter uma maior importância para os
brasileiros.

A influência cultural dos Estados Unidos, que, no Brasil, acompanhou a


ascensão da burguesia, só se acentuou após a guerra imperialista de 1914-
1918. O cinema, a descoberta dos irmãos Lumière que Hollywood
aperfeiçoou e lhe deu bases industriais, permitiria aos Estados Unidos a
propaganda de massa, a imposição do seu way of life, de sua culture, de seus
objetivos políticos e militares. Em 1919, enquanto os operários baianos
protestavam contra o racismo nos Estados Unidos, um filme norte-
americano, Luz Nova, talvez o primeiro do genero anti-soviético, provocava
agitações e correrias nos cinemas do Rio de Janeiro e Niterói. Os americanos
expulsavam, então, os europeus do mercado cinematográfico brasileiro e
consolidariam a sua supremacia, quando, em 1928, lançaram os primeiros
filmes sonoros. Dos 941 filmes exibidos no Brasil, àquele ano, 402 eram de
procedência norte-americana (BANDEIRA, 1978, p. 207-208).

Eram importados, dos Estados Unidos para o Brasil, gramofones, automóveis,


petróleo, máquinas elétricas, entre diversos outros produtos. O jazz e o cinema, por exemplo,
110

alcançavam o público brasileiro. No âmbito da defesa, mais tarde, na Segunda Guerra


Mundial, os dois países estabeleceram alianças militares. Nesse momento, a influência
econômica, política e cultural se acentuou.

O Brasil, como um país capitalista em desenvolvimento, sentiu todo o


impacto da influência americana. A penetração econômica e militar atingiu a
superestrutura da sociedade, modificou hábitos e costumes, padrões de
comportamento, consciência e linguagem. O cinema introduziu a
mentalidade da guerra, a ideia do heroísmo individual, sempre encarnado
pelo americano, soldado, detetive ou cow-boy. Apareceram os comics, as
histórias em quadrinhos, o Super-Homem e o Capitão América, símbolos do
bem, do way of life, consagrado, com a sua aparente pureza lúdica,
fantástica, a ideologia da violência e da brutalidade, a mitologia do
Imperialismo. Os soldadinhos de plásticos, assim como índios e cow-boys,
substituíram os soldadinhos de chumbo, nos brinquedos infantis. As
crianças, ao fim da guerra, viviam como nos filmes, nos comics, mascavam
chicletes e bebiam Coca-Cola. As filhas da burguesia e das classes médias
conquistavam maior liberdade, fumavam e trocavam as saias pelos shorts e
pelas calças. Homens e mulheres ouviam jazz, dançavam swing e blues. O
rádio impôs a música americana. Hollywood, os ideais de beleza. Vários
galãs, como Douglas Fairbanks Jr. e Orson Welles, passaram pelo Brasil. Os
astros e as estrelas do cinema venderam a guerra e promoveram a imagem
dos Estados Unidos. A mercadoria americana adquiriu prestígio
(BANDEIRA, 1978, p. 309-310).

Segundo explica Gerson Moura (1991), a difusão cultural dos Estados Unidos no
Brasil não aconteceu por mero acaso, sobretudo em razão do contexto histórico, no qual as
relações demarcadas por esses dois países ascenderam em um período de grandes conflitos,
entre a Primeira e a Segunda Guerra Mundial, e na Grande Depressão. Diante disso, frente à
polarização político-ideológica internacional, o presidente dos Estados Unidos, Franklin D.
Roosevelt, adotou a estratégia da “política da boa vizinhança” com o intento de firmar aliança
entre os países latino-americanos, sobretudo o Brasil, estabelecendo uma relação mútua de
solidariedade e de defesa dos territórios, e concomitantemente, relações comerciais mais
próximas, em decorrência das matérias primas brasileiras terem um importante peso para o
abastecimento interno dos Estados Unidos, naquele período pré-guerra, de tensões políticas
internacionais. Aliado a isso, o Brasil era um território com uma posição geográfica atrativa, e
seria um forte aliado, não só no quesito comercial, mas também espacial, antes de eclodir a
Segunda Guerra Mundial. Por trás de todas as estratégias de Roosevelt, o plano maior, de
fortalecer como uma potência econômica, foi alcançado a partir de uma difusão cultural e
ideológica; utilizando o “american way of life” como lema, conseguiu disseminar o fazer
111

artístico, cultural e comportamental norte-americano para o mundo, incorporado pela


sociedade até os dias atuais (MOURA, 1991, p. 7-12).
Retornando à reflexão sobre a revista O Tico-Tico, sabe-se que a conjuntura de
transição de um “modelo” francês para um “modelo” norte-americano em meados do século
XX, pela qual passaram as páginas da revista infantil, é um exemplo de um “fator cultural” –
retomando o conceito explicado por Sapiro (2016) – que impactou diretamente nas escolhas
do que se deveria traduzir para ser publicado na revista. Mas, conjuntamente a esse “fator
cultural”, coexiste um “fator político” – recuperando outro conceito da pesquisadora – que
teve papel decisivo para que a produção cultural norte-americana se espalhasse pelo mundo
naquele período. Segundo Gerson Moura (1991, p. 7-12) e Silva Junior (2004, p. 21), havia
um interesse crescente pelo “american way of life” no Brasil. Os Estados Unidos se
aproximaram das nações vizinhas também culturalmente, difundindo seus ideais
emancipatórios de liberdade, de oportunidades individuais e de desenvolvimento econômico,
sob um forte viés ideológico.
Conforme já mencionamos, nos anos 1930, apareceriam em O Tico-Tico histórias em
quadrinhos daquele que mais tarde seria um dos personagens mais difundidos no mundo, uma
produção que representa a triunfo da disseminação de um produto da cultura norte-americana:
Mickey Mouse. Segundo Nobu Chinen (2005, p. 108), Mickey Mouse, criação mais
importante de Walt Disney, surgiu em 1928 como o primeiro desenho animado sonoro da
história. Em 1930, iniciaram-se as publicações impressas de suas histórias, em tiras diárias,
que eram inseridas nos jornais e também vendidas para a imprensa de outros países, como no
caso de O Tico-Tico do Brasil.
Como analisamos no capítulo predecessor, houve modificações na estrutura e no texto
dos quadrinhos de Mickey Mouse, Felix the Cat e Popeye, em tradução para o português, tais
como a supressão dos balões e das onomatopeias, cujos conteúdos eram transferidos para a
legenda dos quadros. Houve também modificação da linguagem, que passou a ser mais formal
em relação ao maior nível de coloquialidade empregada, por exemplo, nas falas dos
personagens dos quadrinhos norte-americanos. Tais modificações, como já explicamos, são
formas de “domesticação”, a exemplo do que considera Valerio Rota (2008, p. 82).
No contexto da expansão das produções culturais norte-americanas, os fatores
econômicos, cujo impacto na tradução foi estudado por Sapiro (2016), também tem seu efeito
nas escolhas a respeito do que se deveria importar e traduzir para o Brasil. No caso de O Tico-
Tico, segundo Zita Rosa (2002, p. 48), sabe-se que os diretores da Sociedade Anônima O
112

Malho, dona de O Tico-Tico, tinham preferência por publicar as histórias mencionadas –


Mickey Mouse e Felix the Cat, por exemplo – em vez de quadrinhos de super-heróis como
Flash Gordon ou Batman, entre outros, também americanos. Essa escolha certamente envolve
razões econômicas; do mesmo modo que motivadores econômicos estão presentes na prática
de preços irrisórios na venda de direitos de publicação e distribuição de quadrinhos norte-
americanos pelas distribuidoras internacionais conhecidas como syndicates (cf. ROSA, 2002,
p. 44).
Os syndicates, segundo Marny (1970), eram agências que comercializavam as
histórias em quadrinhos, artigos, editoriais, etc., para os mais diversos jornais, dentro dos
Estados Unidos e mundo afora. Uma das três grandes agências norte-americanas, o King
Features Syndicate foi responsável por agenciar, desde o início, a venda das histórias de
Mickey Mouse e Felix the Cat. A respeito da criação de Walt Disney, Kaufman e Gerstein
(2018) apontam que o próprio presidente desse syndicate, acompanhando as animações que
surgiram no fim da década de 1920, sugeriu ao desenhista Ub Iwerks a criação de tiras do
Mickey, o que rapidamente foi realizado, contando com a parceria do King Features
Syndicate na distribuição. Sendo assim, podemos considerar que essa proximidade entre a
agência de comercialização e a produtora dos quadrinhos é exemplo de “fator econômico”,
conforme explica Sapiro (2016), que impacta diretamente a produção cultural, nesse caso uma
“recriação” da animação para os quadrinhos; sendo que ambas as criações foram seguindo
seus próprios caminhos posteriormente.
Os quadrinhos de Mickey Mouse, Felix the Cat e Popeye são exemplos de difusão
cultural norte-americana para o mundo, de produções com outros personagens reconhecidos,
que tiveram, desde sua origem, um grande sucesso, impulsionado por fatores econômicos,
políticos e culturais. As empresas produtoras de quadrinhos e o King Features Syndicate, ao
comercializar suas criações para O Tico-Tico no início do século XX, talvez recorrendo à
estratégia do preço baixo, instauraram o gosto pelas histórias do curioso ratinho e do divertido
gatinho junto ao público brasileiro, fenômeno cultural que se foi consolidando durante os anos
e cuja força percebe-se até hoje, em razão do consumo de animações e quadrinhos, além de
outros produtos com a veiculação da imagem de Mickey e Gato Félix: cadernos, roupas,
acessórios infantis etc. Esses são grandes exemplos de práticas de consumo incorporadas pela
sociedade, mas se refletirmos sobre o que há por trás da circulação desses tipos de produções
culturais, veremos a grande influência da lógica mercantilista.
113

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A revista infantil brasileira O Tico-Tico foi um marco para a História da Imprensa


brasileira, no que se refere à produção e à disseminação de produções nacionais ou
estrangeiras, de diversos tipos, para os públicos infantil e juvenil em todo o Brasil,
principalmente na primeira metade do século XX, por meio de um suporte impresso e
periódico. Ela é objeto de pesquisas que analisam suas várias dimensões – histórica,
educativa, literária, comunicativa, cultural, sociológica etc. –, que aprofundam o
conhecimento sobre o que era produzido e oferecido a seus leitores. Em razão de sua
abrangência temporal e de sua variedade de conteúdo, essa revista é, sem dúvidas, um vasto
material para futuras investigações, sob diferentes vertentes teóricas que, de forma
interdisciplinar ou não, possam explorar sua potencialidade em novas pesquisas.
Na esfera das produções literárias, O Tico-Tico disponibilizava a seus leitores contos,
romances, poemas, histórias ilustradas, histórias em quadrinhos etc., concebidos por artistas
nacionais e estrangeiros. Assim sendo, esta pesquisa procurou compreender como seu deu a
presença das histórias em quadrinhos norte-americanas de Mickey Mouse, Felix the Cat e
Popeye – personagens que atualmente ainda são retratados em quadrinhos, animações,
produtos licenciados etc. – nas páginas dessa revista, entre os anos 1930 e 1942, nos quais
essas e outras produções quadrinísticas dos Estados Unidos encontraram um espaço para se
disseminarem pelo país.
Mickey Mouse, o personagem mais importante de Walt Disney, fez sua estreia em
desenhos animados produzidos no final na década de 1920, e pouco depois suas histórias em
quadrinhos começaram a ser criadas e publicadas nos jornais norte-americanos. A distribuição
era feita pelo King Features Syndicate, também encarregado da difusão dos quadrinhos de
Felix the Cat e Popeye para os Estados Unidos e outros países.
Os quadrinhos de Mickey, traduzidos para o português, estiveram presentes nas
edições regulares da revista de 1930 a 1941, bem como nas edições de 1931, 1933, 1936 e
1939 do Almanach d’O Tico-Tico, uma publicação com um número de páginas maior, lançada
no fim de cada ano, para que os pais presenteassem seus filhos no Natal. Houve uma edição
extraordinária, lançada em dezembro de 1934, somente com conteúdo sobre o rato da Disney,
trazendo sua história, fotos dos estúdios e de seu criador, bem como muitos quadrinhos. Tal
publicação, singular para a revista naquela época, pode ser entendida como uma forma de
aproximar, ainda mais, o leitor dos quadrinhos de Mickey, numa produção exclusiva.
114

Felix the Cat surgiu em 1919, em desenhos animados produzidos por Pat Sullivan,
criador desse personagem, para alguns especialistas; para outros, o desenhista Otto Messmer
seria seu verdadeiro criador. O Tico-Tico publicou suas tiras entre 1929, ano em que esteve
presente em somente uma edição, e 1942, em que apareceu nos três primeiros números. Os
quadrinhos do gato preto de olhos grandes e brancos eram traduzidos para o português a partir
da adaptação das animações para os quadrinhos norte-americanos.
Foram analisadas as tiras adaptadas dos desenhos animados Felix the Cat in Uncle
Tom’s Crabbin’, de 1927, e Felix the Cat in Japanicky, de 1928, publicados em O Tico-Tico
em 1930 e 1931, respectivamente. Nota-se, na primeira produção, o uso da blackface na
representação estereotipada dos personagens negros do romance Uncle Tom’s Cabin, de
Harrier Beecher Stowe. Na segunda produção, foram explorados os clichês da cultura
japonesa a partir de uma visão marcada pelo choque cultural.
Popeye, o marinheiro criado por Elzie Crisler Segan, estreou primeiramente nas
histórias em quadrinhos, e depois em animações. Seu lançamento nas tiras aconteceu em
1929, nos Estados Unidos. No Brasil, suas produções quadrinísticas traduzidas para o
português apareceram no Diário de Notícias, do Rio de Janeiro, em 1932. Em O Tico-Tico,
foram publicados, entre julho de 1934 e julho de 1935, os quadrinhos da história “Long live
the King”, e alguns quadros iniciais de “King of Popilania”, sua continuação, ambas de 1932.
Os balões das três histórias em quadrinhos analisadas eram removidos, e a fala dos
personagens eram deslocadas para as legendas inseridas abaixo de cada quadro. Tal
procedimento pode ser entendido como uma forma de domesticação – como explica Valerio
Rota (2008), com base em Lawrence Venuti (1995) –, para que os quadrinhos se
aproximassem dos leitores brasileiros, e sua leitura fosse cômoda, visto que o público
consumidor de O Tico-Tico já estava acostumado a ler histórias que, antes do aparecimento
dessas produções quadrinísticas norte-americanas, recorriam à legenda para mostrar a fala dos
personagens e inserir a descrição dos acontecimentos. Tal situação se alterou em Mickey
Mouse e Felix the Cat somente em 1941, pouco antes de suas produções serem encerradas na
revista.
Em O Tico-Tico, as tiras de Mickey foram, de início, nomeadas como “As aventuras
do Ratinho Curioso”, o que se alterou no final de 1934, quando o nome em inglês passou a ser
atribuído ao personagem e a fazer parte do título dos quadrinhos, num momento em que seus
desenhos animados estavam sendo exibidos no Rio de Janeiro, como acontecia no Cinema
Glória, que se denominava “A Casa do Camondongo Mickey”. Os quadrinhos de Popeye, por
115

sua vez, traziam em seu título o nome “Brocoió”, que havia sido traduzido anteriormente em
suas tiras publicadas no jornal carioca Diário de Notícias. Assim sendo, esses casos
exemplificam as normas de tradução – conforme define Gideon Toury (1995) – vigentes no
Brasil do século XX, que consistiam, por exemplo, em traduzir os nomes dos personagens e
não reproduzir, no texto de chegada, as marcas de oralidade nos balões. Desse modo, no caso
de Popeye, cujas falas nos quadrinhos em inglês são caracterizadas por sua coloquialidade
própria, não houve uma tradução que retratasse a variação linguística nas tiras em português.
Com relação a isso, entende-se que o cunho educativo da revista permitia que apenas uma
linguagem mais formal se manifestasse na tradução dessas tiras.
Algumas histórias de Mickey Mouse e Felix the Cat sofreram cortes, que interferiram
na sequência dos quadros e na compreensão da história. Por exemplo, os primeiros
quadrinhos do personagem de Walt Disney publicados na revista, em 1930, traduzidos da
produção intitulada “Lost on a Desert Island”, teve trechos da história não publicados nas
edições regulares de O Tico-Tico, mas depois reaproveitados na edição do almanaque anual
de 1931, sem explicações aos leitores. No caso de Félix, por exemplo, a última história,
publicada entre o final de 1941 e o início de 1942, alguns quadrinhos em que esse personagem
principal não aparecia foram removidos, o que possivelmente dificultou a compreensão dos
leitores.
Com relação à coloração, os quadrinhos de Mickey Mouse e de Felix the Cat, de
início, eram coloridos pela própria revista brasileira. Rapidamente, nos anos seguintes, esse
procedimento foi abandonado. Por exemplo, os quadrinhos de Popeye, publicados entre 1934
e 1935, não foram coloridos, bem como grande parte dos quadrinhos do rato de Walt Disney,
que aparecem em preto e branco na edição extraordinária de dezembro de 1935. Nos últimos
dois anos, a ampla maioria dos quadrinhos de Mickey e Félix foi impressa em preto e branco,
assim como se costumava fazer nos jornais dos Estados Unidos.
Com base em estudos de sociologia da tradução, foi possível delinear um contexto da
presença dessas produções quadrinísticas norte-americanas no Brasil, considerando, conforme
compreende Giséle Sapiro (2016), os fatores sociais, culturais, políticos e econômicos em
torno da tradução, para entender o mercado de bens culturais e as trocas internacionais. Assim
sendo, no início do século XX, a cultura norte-americana adquiria gradativamente uma
centralidade, e foi consolidando sua hegemonia a partir da Segunda Guerra Mundial. Suas
produções – literatura, quadrinhos, cinema etc. – foram disseminadas pelo mundo e
absorvidas pela cultura brasileira, assim como aconteceu em O Tico-Tico, que recebeu em
116

suas páginas as histórias em quadrinhos de Mickey Mouse, Felix the Cat e Popeye, e várias
outras. Tais personagens são, até atualmente, utilizados em produções da indústria editorial e
audiovisual, além de retratados em produtos licenciados, que aproximam ainda mais as
criações norte-americanas de seus consumidores pelo mundo. Analisar como esse processo
aconteceu na década de 1930, em O Tico-Tico, por meio dos quadrinhos referidos, pode
ajudar a compreender melhor a propagação da cultura norte-americana no Brasil naquela
época, tendo em vista o início de um processo que se iria desenvolver posteriormente.
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