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Comissão Examinadora
Agradeço a Lucas, meu companheiro, por estar sempre ao meu lado e me incentivar a seguir
em frente.
Agradeço à Denise, minha mãe, e a Eugênio, meu pai, pelo amor e carinho e por darem
suporte nos meus estudos; aos meus irmãos Marcel e Renan, e à minha avó Yukiko, por
compartilharem todos os momentos juntos.
Ao Prof. Dr. Alvaro Luiz Hattnher, pelas considerações e indicações bibliográficas na Banca
de Qualificação e na Banca de Defesa; à Profa. Dra. Paula G. Arbex, pelas observações na
Banca de Defesa; e à Profa. Dra. Norma Wimmer, pelas considerações na Banca de
Qualificação.
Aos colegas do PPG em Letras e, em especial, à Natalie de Olim Valença, pela amizade.
This dissertation consists of a study of the presence of North American comics in the
Brazilian children’s magazine O Tico-Tico, as well as a descriptive analysis of translation
processes involved in their appearance in the periodical production in comparison with their
sources. Published between 1905 and 1962, O Tico-Tico was one of the main publications
aimed at children in the first half of the 20th century and contributed significantly to the
development of the imagination of its readers. Its contents included illustrated and comic
stories, as well as cut and paste worksheets, contests, letter columns, advertisements, among
others. Since its beginnings, the magazine has been an important space for national and
foreign comics. The objects viewed in the study are the characters and comic stories of
Mickey Mouse, Felix the Cat and Popeye, published in Portuguese in the magazine between
1929 and 1942, a period of a significant presence of foreign comics in this periodical. In
addition to investigating the changes resulting from the translation processes, we sought to
understand, based on sociological studies on the phenomenon of translation, the presence of
these comics in O Tico-Tico, in the context of strong diffusion of North American cultural
products in Brazil during the period. Given the importance of the magazine, an understanding
of these characters and comic stories can shed light into the transformations comics went
through in the Brazilian context and the history of comics in Brazil in general.
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 9
2 A REVISTA O TICO-TICO E AS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS ....................... 13
2.1 O Tico-Tico: uma revista infantil brasileira .................................................................... 14
2.2 Periodicidade e cabeçalho ............................................................................................... 21
2.3 Seções da revista ............................................................................................................. 26
2.4 Histórias ilustradas e histórias em quadrinhos ................................................................ 31
3 QUADRINHOS NORTE-AMERICANOS EM O TICO-TICO .................................. 45
3.1 Mickey Mouse: aventuras do Ratinho curioso ................................................................ 51
3.2 Felix the Cat: aventuras e proezas do Gato Félix ............................................................ 71
3.3 Popeye: aventuras do marinheiro Brocoió ...................................................................... 89
4 QUESTÕES SOCIOLÓGICAS NA TRADUÇÃO DE QUADRINHOS ................... 99
4.1 Tradução e questões sociológicas ................................................................................... 99
4.2 Os quadrinhos na expansão da cultura norte-americana ............................................... 105
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................ 113
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 117
9
1 INTRODUÇÃO
quadrinhos de Mickey Mouse, Felix the Cat e Popeye, presentes em O Tico-Tico durante a
década de 1930, majoritariamente. No caso das duas primeiras produções, a escolha também
se deu em razão da longa permanência de sua publicação na revista.
A delineação temporal coincide com o período de publicação de Mickey Mouse e
Felix the Cat, que se iniciou no começo daquela década e se estendeu até o início dos anos
1940, momento a partir do qual a revista deixou de ser publicada semanalmente, passando a
números mensais. Além disso, houve um declínio do consumo das produções quadrinísticas
estrangeiras no país nesse período, em decorrência da ideia de um suposto malefício causado
pelas histórias em quadrinhos na educação das crianças, conforme aponta Gonçalo Silva
Junior (2004, p. 77-80).
A fim de explicitar brevemente as tiras brasileiras e estrangeiras em O Tico-Tico,
foram abordadas as obras de Álvaro de Moya (1996), Waldomiro Vergueiro (2017) e Gonçalo
Silva Junior (2004), que trazem importantes informações a respeito da história dos quadrinhos
no Brasil, bem como trabalhos específicos sobre os quadrinhos norte-americanos analisados.
Foram também empregadas as obras organizadas ou escritas por Zita de Paula Rosa (2002),
Ezequiel de Azevedo (2005), Waldomiro Vergueiro e Roberto Elísio dos Santos (2005; 2008)
e Athos Eichler Cardoso (2008; 2013a), que trazem significativas informações a respeito da
revista O Tico-Tico, no que diz respeito às obras publicadas, às estratégias e procedimentos
editoriais e aos profissionais envolvidos (editores, autores, ilustradores e demais).
Para discorrer sobre a tradução de quadrinhos no Brasil, recorremos, entre outros
trabalhos, aos estudos de Nilce M. Pereira e Paula G. Arbex (2020), que elencam as pesquisas
nessa área e apontam as possibilidades de investigação. Para tratar especificamente sobre as
questões relacionadas à tradução das tiras, utilizamos como base o estudo de Valerio Rota
(2008), que discute a domesticação em sua tradução, recorrendo ao conceito elaborado por
Lawrence Venuti (1995). Para descrever procedimentos e estratégias tradutórias, recorremos à
noção de normas de Gideon Toury (1995).
Para refletirmos sobre aspectos sociológicos da circulação de ideais e obras
estrangeiras no Brasil, utilizamos como apoio os estudos de Johan Heilbron e Gisèle Sapiro
(2009) e de Gisèle Sapiro (2016), os quais discorrem sobre os aspectos econômicos, culturais,
sociais e políticos vinculados à tradução. O estudo de Michel Espagne (2013) acerca das
trocas culturais mostra a necessidade maior de observação dos processos de reinterpretação de
obras do que sua mera dependência do original. Além disso, recorremos aos estudos
sociológicos de Pierre Bourdieu (2002; 2007a; 2007b), que aborda conceitos como “capital” e
11
“campo”, e ao estudo de Lana Araujo e Marcia Martins (2018), que traçam uma visão
sociológica sobre a tradução.
A ampla maioria das edições da revista O Tico-Tico estão atualmente disponíveis na
Hemeroteca Digital Brasileira1, portal da Fundação Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro,
que reúne periódicos brasileiros em versão digitalizada. Por meio desse recurso digital –
disponível em qualquer horário e em qualquer lugar do mundo –, é possível acessar
facilmente as edições dos periódicos, organizadas sequencialmente por ano, seja para folhear
as páginas, tal como se podia fazer nos exemplares impressos ou nos leitores de microfilme,
seja para realizar buscas por termos específicos, tais como: “quadrinhos” e “histórias
ilustradas”, as quais se tornaram possíveis a partir de um processo denominado
Reconhecimento Ótico de Caracteres – em inglês: Optical Character Recognition (OCR) –,
ferramenta computacional que escaneia as imagens, processa e armazena seu conteúdo
textual, permitindo, assim, que sejam realizadas buscas com uma grande facilidade nas
páginas dos jornais. As poucas falhas relacionados ao reconhecimento de caracteres – por
exemplo, quando a impressão de uma letra não está nítida, ou quando uma grafia não é
reconhecida – podem ser superadas a partir da leitura das páginas inteiras dos periódicos. No
caso de O Tico-Tico, a Biblioteca Nacional também oferece as edições em formato Portable
Document Format (PDF) na Biblioteca Nacional Digital (BNDigital)2, uma facilidade que
torna a varredura às páginas dos periódicos um trabalho menos oneroso.
A fim de recuperar as histórias em quadrinhos norte-americanas, assim como foram
publicadas nos Estados Unidos, realizou-se buscas em portais de internet que reúnem tais
tiras. Entre eles, os principais foram Newspaper Comic Strips3 e Digital Comic Museum4. São
repositórios virtuais muito úteis, pois aglomeram tiras em domínio público, vantajosas para a
realização de pesquisas acadêmicas ou para saciar a curiosidade dos interessados no assunto.
Além disso, contamos com as antologias de quadrinhos produzidas por editoras
especializadas, que reúnem tiras – primeiramente publicadas nos jornais diários – em formato
de livro, facilitando a consulta, apesar do valor dispendioso – em razão da atual cotação da
moeda norte-americana –, o que dificulta o acesso a tais materiais. Podemos citar, como
exemplo, as coletâneas Walt Disney’s Mickey Mouse: Race to Death Valley (2011a) e Walt
Disney’s Mickey Mouse: Trapped on Treasure Island (2011b), organizadas por David Gerstein
1
Disponível em: http://memoria.bn.br/hdb/periodico.aspx. Acesso em: jan.-dez. 2021.
2
Disponível em: https://bndigital.bn.gov.br/. Acesso em: jan.-dez. 2021.
3
Disponível em: https://newspapercomicstripsblog.wordpress.com/. Acesso em: jan.-abr. 2022.
4
Disponível em: https://digitalcomicmuseum.com/. Acesso em: jan.-abr. 2022.
12
ou mensal não diferenciava o Rio de Janeiro dos outros estados, razão pela qual se pode
acreditar que, para os leitores do restante do Brasil, tenha sido vantajoso esse modelo de
aquisição da revista por assinatura, considerando a diferença de 6$200 réis a mais na soma
das edições avulsas para os outros estados.
O preço baixo do exemplar avulso, que começou com 200 réis em 1905, parece ter
sido uma marca da revista. Segundo Ezequiel de Azevedo (2005), com 200 réis era possível
comprar alguns pães. Em 1930, com no mínimo 500 réis – preço de um número de O Tico-
Tico –, era possível adquirir um quilo de batatas ou de farinha de mandioca, considerando o
preço mais baixo que pudesse ser praticado para esses dois alimentos nas feiras livres do Rio
de Janeiro, segundo determinação da Inspetoria Agrícola e Florestal, publicada em 4 de
janeiro de 1930, que tinha validade de 5 a 11 daquele mês (Jornal do Brasil, Rio de Janeiro,
n. 5, 5 jan. 1930, p. 145). Além disso, em 1934, 400 réis – somente 100 réis a menos – era o
preço de uma edição de domingo do Jornal do Commercio, um importante jornal carioca
(Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, n. 91, 17 jan. 1934, p. 16). Apesar de ser um valor
baixo, poderia fazer falta a uma família desfavorecida naquela época.
A definição do preço avulso para outros estados é uma evidência do alcance da revista
em todo o Brasil. Além disso, a existência de um preço de assinatura definido para o exterior
mostra que a revista estava preparada para ser vendida e enviada aos leitores de outras nações.
Segundo José Sobral (2005, p. 69-71), os números de O Tico-Tico eram remetidos a Portugal,
assim como grande parte dos jornais e revistas brasileiros, tendo grande destaque até a década
de 1930, quando a imprensa infanto-juvenil portuguesa, e mesmo a brasileira, passou a ter um
número maior de publicações concorrentes.
Em agosto de 1941, quando a revista iniciou sua periodicidade mensal, teve o preço
corrigido para 1$500 réis, com uma nova subida em 1942, passando a 2$000 réis. A partir da
alteração da moeda brasileira para o cruzeiro, passou a custar Cr$ 2,00 em dezembro de 1942.
No número 1886, de janeiro de 1943, foi publicado em O Tico-Tico o texto “O Novo
Dinheiro do Brasil”, no qual se explica às crianças a adoção da nova moeda e a forma de
conversão de réis para cruzeiros, com ilustrações das peças metálicas do novo padrão
monetário, em comparação a algumas das antigas, apresentadas apenas para mostrar a
equivalência entre elas. Assim, as crianças (e os adultos) poderiam entender as mudanças de
valor do “novo dinheiro”, talvez para que não se confundissem ao adquirir a revista,
5
Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/030015_05/130. Acesso em: 10 jul. 2022.
6
Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/364568_12/27280. Acesso em: 10 jul. 2022.
17
acreditando que estaria mais cara, visto que o texto claramente explica que 2$000 réis
equivalia a Cr$ 2,00, exatamente o preço praticado pela revista na nova moeda.
No início da década de 1950, o preço subiu para Cr$ 3,00, atingindo, em 1958, Cr$
10,00. As edições especiais de 1959 custavam Cr$ 25,00 cada exemplar. Assim sendo, o
preço da revista, que durante alguns períodos, especialmente nas primeiras décadas, não se
alterou muito, foi acompanhando, de certa forma, a inflação da moeda brasileira vigente.
Além das edições regulares, a Sociedade O Malho também publicou anualmente, entre
1906 e 1958, o Almanach d’O Tico-Tico, da mesma forma como também publicava o
Almanach d’O Malho (ROSA; VERGUEIRO, 2005, p. 186). Os almanaques ultrapassavam as
100 páginas, número bem maior do que das edições regulares, que se iniciaram em pouco
mais de duas dezenas e, com o tempo, foram expandidas para acima de 30 ou 40 páginas, a
depender também das mudanças de periodicidade. Os volumes dessas publicações anuais
traziam contos, poemas, histórias ilustradas, histórias em quadrinhos, reportagens, anúncios
publicitários, fotografias dos leitores, figuras para recortar e armar, partituras musicais, entre
outros conteúdos. Lançados no fim do ano, perto do Natal, os almanaques serviam como
presente para as crianças leitoras da revista (MERLO, 2005, p. 85-86).
Com relação ao seu título, especula-se que Luís Bartolomeu de Souza e Silva,
fundador de O Tico-Tico, teria escolhido esse nome para o periódico depois de um pássaro
tico-tico ter pousado no jardim de sua residência – explicação dada por sua filha. Outra versão
da história consiste numa decisão dele, junto de outros colaboradores, tais como Renato de
Castro e Manoel Bonfim, que teriam optado por esse nome em referência às escolas pré-
primárias daquela época – instituições chamadas de “escolas de tico-tico”, que foram
posteriormente denominadas de “Jardim da Infância” –, pois a revista tinha, como um de seus
objetivos, a publicação de matérias de cunho educativo, destinado ao público infantil (SILVA,
2005, p. 37).
Luís Bartolomeu de Souza e Silva, criador da revista, nasceu na cidade de Rio Preto,
no estado de Minas Gerais, em 3 de outubro de 1864, e faleceu em 25 de julho de 1932. Sua
atuação de destaque foi na atividade de administração e redação de imprensa, em jornais do
Rio de Janeiro, quais foram: O País, O Malho, Ilustração Brasileira e O Tempo. Também
atuou como político e membro das forças armadas (ROSA, 2002, p. 18-19).
18
7
Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/153079/50649. Acesso em: 10 jun. 2021.
19
Além de Renato de Castro, também tiveram seus desenhos inseridos na revista infantil
os ilustradores Augusto Rocha, Vasco Lima, João Ramos Lobão e Leônidas Freire, que se
destacaram em suas produções artísticas. Augusto Rocha, que colaborou no início da revista,
era habilidoso nos desenhos de animais e nas paisagens brasileiras (CAGNIN, 2005, p. 99).
Vasco Lima, português da cidade do Porto, chegou ao Brasil com apenas dezesseis anos e
começou na caricatura; ajudou a fundar a revista O Fafazinho, que concorria com O Tico-
Tico, para a qual trabalhou posteriormente (CAGNIN, 2005, p. 99-100). O também português
João Ramos Lobão ilustrava as capas de O Malho e sempre colaborava na ilustração de contos
para O Tico-Tico (CAGNIN, 2005, p. 100). Leônidas Freire esteve desde o início da revista,
na qual ilustrou as “Figuras Magníficas”, que relembravam os fatos da História do Brasil;
Leo, como era conhecido, costumava encerrar as histórias com uma moralidade, ou seja,
preocupava-se com o caráter instrutivo de suas produções (CAGNIN, 2005, p. 100).
Outros importantes artistas que colaboraram com O Tico-Tico foram Alfredo Storni, J.
Carlos, Luiz Sá, Max Yantok, Carlos Thiré, Luiz Gomes Loureiro e Cicero Valladares.
Alfredo Storni fez muitas contribuições para a revista, dentre as quais os quadrinhos dos
personagens Zé Macaco e Faustina (SANTOS, 2005a, p. 94). O ilustrador e chargista J.
Carlos, cujo nome completo era José Carlos de Brito e Cunha, trabalhou por 48 anos em
diversas publicações seriadas do Rio de Janeiro, até o fim de sua vida (SODRÉ, 1999, p. 348-
349); foi responsável pela produção de muitas ilustrações para O Tico-Tico, desenvolvendo
personagens como o Juquinha, e desenhando seu primo Chiquinho, criação do norte-
americano Richard Felton Outcault (SANTOS, 2005a, p. 90); trabalhou também em diversos
jornais, entre eles O Malho, periódico do qual foi diretor artístico entre 1921 e 1930
(LUCHETTI, 2005, p. 60). Luiz Sá foi um desenhista conhecido por seus personagens
redondos, sua marca registrada; criou os quadrinhos de Réco-Réco, Bolão e Azeitona, que
apareceram pela primeira vez na revista em abril de 1931 (LUCHETTI, 2005, p. 60-62). Max
Yantok exerceu diversas profissões – entre elas, contador e engenheiro –, mas encontrou seu
lugar de destaque como desenhista, tendo trabalhado para diversos jornais, entre eles a Gazeta
de Notícias e O Malho; por meio de seus desenhos, fazia críticas à sociedade, retratando os
menos afortunados (LUCHETTI, 2005, p. 64). Carlos Thiré era jornalista, cenógrafo e
desenhista; produziu muitas histórias em quadrinhos para a Editora Brasil-América, de Adolfo
Aizen (LUCHETTI, 2005, p. 66). Luiz Gomes Loureiro foi caricaturista e ilustrador,
encarregado do decalque dos quadrinhos de Chiquinho, os quais posteriormente desenhou em
novas histórias, com cenários brasileiros (SANTOS, 2005b, p. 144). O baiano Cicero
20
Valladares, por fim, foi desenhista da revista de 1906 a 1937, tendo sido um dos mais
importante colaboradores; desenhou em quadrinhos, por exemplo, O Guarany, de José de
Alencar, e Caramurú e Paraguassú, de Frei Santa Rita Durão, além de várias séries de
histórias ilustradas e de capas da revista (DOURADO, 2018, p. 8-16).
No decorrer dos anos, também passaram pela revista outros colaboradores
importantes, tais como Adolfo Aizen (1904-1991), jornalista russo naturalizado brasileiro. Foi
criador do Grande Consórcio de Suplementos Nacionais, por meio do qual importava
quadrinhos dos Estados Unidos. Lançou, em 1934, o Suplemento Juvenil, periódico em que
inseria as histórias em quadrinhos norte-americanas. Tal revista é considerada um marco para
a divulgação da produção quadrinística desse país da América do Norte, abrindo portas para
outras publicações na mesma época (VERGUEIRO; SOUZA, 2005, p. 206). Além disso, ele
trabalhou no jornal O Globo, de Roberto Marinho, e colaborou com O Malho e com O Tico-
Tico (SILVA JUNIOR, 2004, p. 17).
Adolfo Aizen fundou, em 1945, a Editora Brasil-América Limitada (EBAL), que se
destacou na publicação e na difusão de histórias em quadrinhos no Brasil. Aizen estabeleceu
uma parceria com Cesar Civita (1905-2005), dono da Editora Abril de Buenos Aires.
Aproveitando que Civita representava a Disney na América Latina, foram publicadas revistas
com histórias de seus personagens, entre elas a Seleções Coloridas (SILVA JUNIOR, 2004, p.
118). A editora cresceu, adquiriu maquinário próprio para impressão e construiu uma sede
própria no Rio de Janeiro, na qual Aizen instalou o Museu Permanente de Histórias em
Quadrinhos, que dispunha de exemplares de publicações nacionais e estrangeiras (SILVA
JUNIOR, 2004, p. 120). Aizen foi um defensor das histórias em quadrinhos, que recebiam
muitas críticas, tendo sido consideradas prejudiciais às crianças e aos jovens (SILVA
JUNIOR, 2004, p. 121-122). Além das produções da Disney, sua editora lançou sucessos
como Batman, Flash Gordon, Mandrake, entre outros (SILVA JUNIOR, 2004, p. 120). As
séries de Superman, publicadas de 1947 a 1981, são as mais longevas da editora
(RODRIGUES, 2005, s/d). A EBAL também publicou, na coleção “Edição Maravilhosa”,
traduções para o português de adaptações norte-americanas de obras literárias para os
quadrinhos publicadas nas revistas Classics Illustrated e Classic Comics. Essa coleção
também acolheu adaptações ilustradas de obras de autores nacionais, entre eles José de
Alencar, com seu O Guarani, e Jorge Amado, com Terras do sem fim (SILVA JUNIOR,
2004, p. 122-123). A editora encerrou suas atividades em 1995, depois de ter lançado apenas
uma publicação por ano, após a morte de seu fundador (RODRIGUES, 2005, s/d).
21
8
Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/153079/53. Acesso em: 12 jun. 2021.
22
Tal cabeçalho, ilustrado por Angelo Agostini, figurou na revista entre 1905 e 1917,
quando foi rapidamente substituído por outro, desenhado por Max Yantok. Em 1918, o
cabeçalho de Agostini retornou, com poucas modificações no traçado e na coloração,
continuando até 3 de outubro de 1923.
Angelo Agostini, importante desenhista brasileiro, nasceu na Itália, em 1843, e se
mudou para o Brasil em 1859. Permaneceu primeiramente em São Paulo, onde fundou o
Diabo Coxo, o primeiro periódico da cidade a estampar caricaturas e ilustrações em suas
páginas, com números publicados entre 1864 e 1865. Foi para o Rio de Janeiro em 1868 e
colaborou com revistas da cidade, tendo depois fundado a Revista Illustrada, importante folha
carioca que circulou entre 1876 e 1898, a qual dirigiu até a Proclamação da República, sempre
combatendo a escravidão. Foi naturalizado brasileiro em 1888, e faleceu em 1910, na capital
(SODRÉ, 1999, p. 220).
Na edição de número 940, publicada no dia 10 de outubro de 1923, o cabeçalho, de
concepção de Agostini, foi substituído por outro que apresentava os principais personagens
das histórias da revista, tais como: Chiquinho, Jujuba, Carrapicho, Zé Pateta, Lamparina,
Cartola, Jagunço, entre outros, sendo que todos se dirigiam ao pássaro localizado à
extremidade esquerda da ilustração. Nesse ano, O Tico-Tico passou por uma reformulação
gráfica feita pelo ilustrador J. Carlos, que elaborou sua nova identidade visual
(GONÇALVES; GOMES, 2016, p. 232).
9
Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/153079/20356. Acesso em: 20 jun. 2021.
23
Fonte: O Tico-Tico, Rio de Janeiro, ano XXII, n. 1143, 31 ago. 1927, p. 110
Fonte: O Tico-Tico, Rio de Janeiro, ano XXIX, n. 1411, 19 out. 1932, p. 111
10
Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/153079/24944. Acesso em: 20 jun. 2021.
11
Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/153079/33216. Acesso em: 22 jun. 2021.
24
Fonte: O Tico-Tico, Rio de Janeiro, ano XXXV, n. 1787, 3 jan. 1940, p. 112
12
Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/153079/44326. Acesso em: 27 jun. 2021.
25
Figura 8: Anúncio da nova fase de O Tico-Tico, Figura 9: Anúncio da nova fase de O Tico-Tico, 23
16 jul. 1941 jul. 1941
Fonte: O Tico-Tico, Rio de Janeiro, ano Fonte: O Tico-Tico, Rio de Janeiro, ano XXXVI, n.
XXXVI, n. 1867, 16 jul. 1941, p. 513 1868, 23 jul. 1941, p. 514
13
Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/153079/46137. Acesso em: 5 jul. 2021.
14
Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/153079/46168. Acesso em: 5 jul. 2021.
26
Há trabalhos, entre eles alguns estudos presentes na obra comemorativa aos 100 anos
de O Tico-Tico, organizada por Waldomiro Vergueiro e Roberto Elísio dos Santos (2005),
que apresentam, de forma mais geral, as histórias em quadrinhos inseridas na revista infantil
estudada, demonstrando sua importância como um suporte para as tiras estrangeiras no Brasil.
Apesar do peso dos quadrinhos na revista, o periódico continha também uma grande
variedade de seções com diversos gêneros, tais como romances, contos, novelas, entre outros,
que conviviam com uma variedade de outras seções com curiosidades, jogos e passatempos,
páginas com sugestões de leitura, correspondência do leitor, personalidades da História, da
Literatura, das Artes, das Ciências, entre outras, com as costumeiras ilustrações.
A revista teve duas seções destinadas ao contato com os leitores, por meio de
correspondências, sobre assuntos variados, tais como sugestões de leitura, dúvidas e pedidos
de republicação de histórias anunciadas, regras de etiqueta, horóscopo, entre outros. A
primeira das seções que serviram a esse propósito foi “A Gaiola d’O Tico-Tico”. Publicada
entre 1906 e 1932, nela eram impressas respostas às cartas dos leitores, poesias e histórias
enviadas, respostas às dúvidas sobre publicações, histórias e concursos (ROSA, 2002, p. 83).
Entre os anos de 1906 e o final da década de 1940, a revista publicou seções de cunho
comunicativo, que estabeleciam um canal de interação com os leitores. A princípio, somente a
“Gaiola d’O Tico-Tico” tinha esse papel de mediador entre revista e leitor. A partir de 1910,
ela passou a dividir esse diálogo com a seção “Correspondência do Dr. Sabe Tudo”, sendo a
“Gaiola” a responsável por tirar as dúvidas mais pontuais, tais como assinaturas, entregas de
cartas, publicações de histórias, enquanto a “Correspondência” estampava regras de etiqueta,
horóscopos, comentários sobre histórias, sugestão de leitura de romances, orientações sobre
escrita e retratos enviados pelos leitores (ROSA, 2002, p. 82-85).
Figura 10: Seção “Correspondência do Dr. Sabe Tudo”. O Tico-Tico, 19 jul. 1916
Fonte: O Tico-Tico, Rio de Janeiro, ano XI, n. 563, 19 jul. 1916, p. 1615
15
Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/153079/11117. Acesso em: 7 jul. 2021.
28
Figura 11: Material para montagem “O Moinho Figura 12: Material para montagem “Três Casas
de Vento”. O Tico-Tico, 17 mar. 1937 para Armar”. O Tico-Tico, 24 mar. 1937
Fonte: O Tico-Tico, Rio de Janeiro, ano XXXIII, Fonte: O Tico-Tico, Rio de Janeiro, ano XXXIII,
n. 1641, 17 mar. 1937, p. 1616 n. 1642, 24 mar. 1937, p. 16-1717
16
Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/153079/39768. Acesso em: 10 jul. 2021.
17
Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/153079/39800. Acesso em: 10 jul. 2021.
29
Em algumas edições, O Tico-Tico também trazia tangrans, jogo antigo chinês que
consiste na montagem de diferentes imagens com peças previamente recortadas. Além disso,
havia jogos de identificação de palavras a partir de códigos, adivinhas, entre outras
brincadeiras variadas.
Com suas regras e resultados publicados em O Tico-Tico, os concursos e sorteios,
eram, na maioria das vezes, patrocinados por grandes empresas alimentícias, tais como
Nestlé, Aymoré e Toddy. Um concurso da Nestlé, por exemplo, publicado em 4 de abril de
1906, oferecia prêmios para aqueles que descobrissem, exatamente ou aproximadamente, o
horário no qual teria parado um relógio escondido dentro de uma lata de farinha láctea,
localizada no escritório do periódico, na Rua do Ouvidor, número 132. Para participar da
disputa, os pequenos teriam que anotar suas apostas nos rótulos dos mesmos produtos e
encaminhá-los à revista.
Fonte: O Tico-Tico, Rio de Janeiro, ano II, n. 26, 4 abr. 1906, p. 1418
18
Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/153079/268. Acesso em: 5 ago. 2021.
30
Fonte: O Tico-Tico, Rio de Janeiro, ano XXX, n. 1461, 4 out. 1933, p. 319
Também eram anunciados itens de higiene, tais como leite de rosas, sabonetes,
shampoos, talcos e cremes dentais. Além disso, havia publicidade de produtos para a saúde, a
19
Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/153079/34760. Acesso em: 5 ago. 2021.
31
20
Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/116300/5552. Acesso em: 10 ago. 2021.
32
21
Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/153079/656. Acesso em: 20 ago. 2021.
33
22
Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/153079/2370. Acesso em: 20 ago. 2021.
35
três páginas de O Tico-Tico, e eram acompanhadas de desenhos de algumas cenas, nos quais
se retratavam os momentos marcantes. Entre essas histórias da Carochinha, foram publicadas,
por exemplo, “Castello Encantado”, “A Princeza de Mármore”, “O Diamante da Fada
Pirueta”, “O Relógio Maravilhoso” e “A Maldade da Fada Carantonha”.
Fonte: O Tico-Tico, Rio de Janeiro, ano II, n. 16, 24 jan. 1906, p. 323
Além dos contos da Carochinha, narrativas do século XIX também eram rememoradas
nas páginas de O Tico-Tico, a exemplo de “As Cinco Graças”, do escritor norte-americano
Mark Twain (1835-1910), tradução de “The Five Boons of Life”, e de “O Assobio
Encantado”, do francês Alexandre Dumas (1802-1870), tradução de “Le Sifflet Enchanté”,
publicada pela primeira vez em 1860. Algumas delas, contudo, não eram ilustradas.
23
Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/153079/78. Acesso em: 20 ago. 2021.
36
Figura 18: “As Cinco Graças”, de Mark Twain. O Tico-Tico, 28 abr. 1920
Fonte: O Tico-Tico, Rio de Janeiro, ano XV, n. 760, 28 abr. 1920, p. 924
24
Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/153079/16508. Acesso em: 20 ago. 2021.
37
Fonte: O Tico-Tico, Rio de Janeiro, ano IX, n. 463, 19 ago. 1914, p. 925
Trata-se da tradução de Tom Playfair, publicado pela primeira vez em 1890 nos
Estados Unidos – ou seja, uma obra contemporânea àquela época. Traduzida para várias
línguas, a narrativa é centrada na vida de um garoto de dez anos, que foi enviado para um
internato jesuíta. Tal história certamente poderia, portanto, despertar o interesse dos leitores
brasileiros da revista, crianças como o personagem principal, e de suas famílias, que
professavam, em sua maioria, a religião católica no Brasil do início do século XX.
Vários foram também os títulos de romances franceses publicados. Por exemplo,
saíram à luz Vinte Mil Léguas Submarinas, de Jules Verne (1828-1905), e A Abelha, de
Anatole France (1844-1924). A seção na qual tais obras eram anunciadas tinha como nome
“Folhetins d’O Tico-Tico”. Contudo, ela não se destinava ao romance em folhetim, pois a
configuração de suas páginas não seguia o formato de publicação das partes das histórias no
rodapé das páginas dos grandes jornais franceses e brasileiros, por exemplo, conforme se
realizava desde a década de 1830. Os romances eram publicados em páginas inteiras, sendo
25
Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/153079/8358. Acesso em: 20 ago. 2021.
38
possível que o leitor as guardasse para depois confeccionar a brochura, assim como poderia
fazer com os outros romances já mencionados, previamente moldados para o formato de livro.
Figura 20: Vinte Mil Léguas Submarinas, de Jules Verne. O Tico-Tico, 20 jun. 1934
Fonte: O Tico-Tico, Rio de Janeiro, ano XXXI, n. 1468, 20 jun. 1934, p. 926
Vinte Mil Léguas Submarinas teve sua primeira parte publicada em 20 de junho de
1934, na edição de número 1468. Cicero Valladares, colaborador de O Tico-Tico, realizou
uma adaptação da história e fez as ilustrações, com exclusividade para a revista. O escritor
francês Jules Verne, autor dessa obra, foi um dos precursores do gênero romanesco de ficção
científica, e é considerado um visionário, por apresentar em seus livros vários avanços da
ciência, como máquinas submarinas e aeroplanos. Além disso, Verne foi um dos escritores
26
Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/153079/35921. Acesso em: 20 ago. 2021.
39
mais traduzidos da literatura universal e obteve sucesso ainda em vida. Entre suas obras mais
conhecidas estão, além das Vinte Mil Léguas Submarinas, Cinco Semanas em um Balão
(1863), Viagem ao Centro da Terra (1864) e A Volta ao Mundo em 80 dias (1872).
O Tico-Tico não acolhia somente as histórias ilustradas estrangeiras. Contos de
escritores brasileiros também eram inseridos na revista, tais como Caramuru, adaptação
ilustrada do poema épico do frei Santa Rita Durão (1722-1784), o romance ilustrado O
Guarani, de José de Alencar (1829-1877), e o conto “Agulha e a Linha”, de Machado de
Assis (1839-1908), cuja narrativa não recebeu ilustração. Desse modo, nota-se que a revista
dedicava espaço considerável às obras literárias e incluía, na maioria das vezes, ilustrações
que possibilitaram ao público infantil a criação de uma relação entre a imagem e o texto,
contribuindo para o desenvolvimento do imaginário e do gosto pela literatura por parte desse
público.
A revista O Tico-Tico é apontada por muitos pesquisadores como um periódico
expressivo em histórias em quadrinhos. Ela foi, no Brasil, a primeira publicação seriada que
acolheu as produções quadrinísticas, de acordo com Vergueiro (2017). Ângelo Agostini
(1843-1910), um de seus colaboradores, que desenhou seu cabeçalho, bem como várias
histórias ilustradas (VERGUEIRO; SANTOS, 2008, p. 24), tinha destaque no cenário dos
quadrinhos do país, pois foi o criador daquela que é considerada a primeira história em
quadrinhos brasileira, intitulada “As Aventuras de Nhô-Quim”, que saiu à luz em 1869, na
revista Fluminense, do Rio de Janeiro (CARDOSO, 2013b, p. 21-22).
Em O Tico-Tico, as publicações em quadrinhos eram as mais variadas possíveis e
contemplavam histórias brasileiras e estrangeiras. Por exemplo, na década de 1930, as
histórias em quadrinhos ocupavam, em média, 35% das páginas da revista, entre as produções
nacionais e estrangeiras. Durante o início desse período até 1935, os quadrinhos norte-
americanos apareciam, em média, em 2 páginas da revista por edição, enquanto os demais
quadrinhos brasileiros ocupavam, em média, de 6 a 7 páginas. De 1936 até o fim da década, o
número de produções quadrinísticas norte-americanas aumentou, passando a ocupar cerca de
23% das páginas, em média, enquanto a produção nacional cresceu para quase 30%. Nos
últimos anos, entre 1939 e 1940, a quantidade de quadrinhos norte-americanos publicados
aumentou, inclusive, ultrapassado o número dos nacionais. Sendo assim, há uma maior
expressividade de publicações quadrinísticas norte-americanas no final do período em
questão.
40
Fonte: O Tico-Tico, Rio de Janeiro, ano XXIII, n. 1181, 23 maio. 1928, p. 127
27
Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/153079/26083. Acesso em: 23 ago. 2021.
41
cotidiano. Eles, apesar de mostrarem um lado ridículo ao lidarem com situações inesperadas
de modo exacerbado, tentavam ter uma boa educação e tirar uma lição de cada momento.
Em uma de suas histórias, Zé Macaco, após ir ao cinema em companhia de sua esposa,
dona Faustina, resolve ir a uma sorveteria. Faustina, que não estava acostumada a tomar
sorvete, exagerou no consumo e ficou congelada. Zé Macaco se desesperou; a única
alternativa era levá-la para casa, mesmo estando congelada. O marido, com vários planos na
cabeça, decidiu cantar uma música que, em outras circunstâncias, geralmente a fazia ficar
“derretida” por ele. Mas isso não resolveu, visto que ela continuou congelada. Também tentou
dar a ela uma bebida, ação que, igualmente, não teve êxito. Em sua última tentativa, fez uma
fogueira, que em instantes derreteu o gelo de sua esposa, e tudo voltou ao normal.
Figura 22: “Zé Macaco”. O Tico-Tico, 22 mar. Figura 23: “Zé Macaco”. O Tico-Tico, 29 mar.
1911 1911
Fonte: O Tico-Tico, Rio de Janeiro, ano VI, n. Fonte: O Tico-Tico, Rio de Janeiro, ano VI, n. 286,
285, 22 mar. 1911, p. 1428 29 mar. 1911, p. 1129
28
Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/153079/3863. Acesso em: 23 ago. 2021.
29
Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/153079/3884. Acesso em: 23 ago. 2021.
42
Fonte: O Tico-Tico, Rio de Janeiro, ano XVII, n. 858, 15 mar. 1922, p. 130
30
Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/153079/18742. Acesso em: 24 ago. 2021.
43
Fonte: O Tico-Tico, Rio de Janeiro, ano XXIX, n. 1412, 26 out. 1932, p. 2531
31
Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/153079/33270. Acesso em: 24 ago. 2021.
44
As histórias de Luíz Sá eram originais. Seus traços eram curvos e tinham uma
característica única, que conferia aos bonecos uma forma arredondada (BRETHÉ, 2019, p.
82). Luíz Sá não foi somente ilustrador e criador de histórias em quadrinhos, mas também
inovou com “As Aventuras de Virgulino”, um dos primeiros curtas de animação do Brasil. A
produção mostra um mocinho que tenta salvar uma moça raptada das garras de um bandido.
São muitos os exemplos de histórias ilustradas e histórias em quadrinhos publicadas ao
longo de quase sessenta anos de O Tico-Tico. Com o tempo, os artistas foram aperfeiçoando o
decalque, a ilustração e a escrita de histórias que acompanharam os leitores, produzindo novas
tiras, adaptando e traduzindo outras, utilizando personagens estrangeiros, tais como o
Chiquinho, na criação de produções originais. Em meio aos quadrinhos criados por artistas
brasileiros, não se pode esquecer das histórias estrangeiras cuja presença, especialmente na
década de 1930, foi importante. Esse é o caso, por exemplo, dos quadrinhos de Mickey
Mouse, Félix the Cat e Popeye, histórias de origem norte-americana, que são objetos de
estudo deste trabalho. No capítulo seguinte, que traz alguns exemplares dessas tiras, é
realizada uma análise de sua circulação, bem como são discutidos os processos de tradução do
texto e da imagem dessas produções quadrinísticas.
45
Felton Outcault (1863-1928), ter se encerrado em 1920. Conforme explica Azevedo (2008), o
sucesso das histórias de Chiquinho fez com que fossem criadas adaptações desse personagem,
em histórias com cenários e situações brasileiras, criadas e desenhadas pelas mãos de diversos
ilustradores, com seus estilos próprios.
Outros quadrinhos de origem norte-americana encontrariam espaço em O Tico-Tico.
Em 1910, estrearam na revista as tiras intituladas “O Sonho de Tonico no Fundo do Mar”,
tradução de uma série de quadrinhos de Little Nemo, criado por Winsor McCay (CHINEN,
2005, p. 105). Passaram também pela revista as histórias de “Sobrinhos do Capitão”, tradução
da série The Katzenjammer Kids, criada por Rudolph Dirks (CHINEN, 2005, p. 106); e os
quadrinhos “As Aventuras de Tupiniquim”, tradução da série Little Jimmy, de James
Swinnerton (CHINEN, 2005, p. 106-108).
Chinen (2005, p. 108-110) explica que, nos anos 1930, as histórias em quadrinhos de
Mickey Mouse e de Felix the Cat tiveram início em O Tico-Tico. Somam-se a elas a série de
tiras de Popeye e de Krazy Kat, todas distribuídas pelo King Features Syndicate, publicadas
em meados da década. Em seus últimos anos, iniciou-se uma nova fase, com a publicação de
“Aventuras de João Malempeor”, tradução de Pete, the Trump, criado por Clarence Russell
(CHINEN, 2005, p. 110). Outras histórias em quadrinhos publicadas foram a série Babe
Bunting, criada por Fanny Cory, e “Guerra ao Crime”, tradução de War of Crime, roteirizada
por Rex Collier e desenhada por Kemp Starret (CHINEN, 2005, p. 111).
Sabemos que as histórias em quadrinhos assumiram um lugar de destaque no gosto do
público leitor brasileiro, sobretudo das crianças e dos jovens. Conhecidas como “tiras”, no
Brasil, e “comic strips”, nos Estados Unidos, é certo que os também ditos “quadrinhos” são
muito lidos ainda hoje, fazendo parte do repertório de jovens consumidores de HQs e de
outras produções artísticas derivadas, tais como filmes, séries e obras similares do universo
audiovisual, além de inúmeros produtos licenciados – que não cessam de surgir para agradar
os fãs dessas criações.
O acesso e o consumo desses bens culturais aumentaram nos últimos anos, de modo
que o preconceito vem se rarefazendo. Atualmente, os quadrinhos são estudados como objeto
de pesquisas na área acadêmica; participam de premiações do universo artístico e literário, e
ganham espaço não somente nas prateleiras das livrarias, mas também nos cinemas, que
adaptaram muitas histórias em filmes de sucesso (EISNER, 2010, p. 149).
De acordo com Will Eisner (2010, p. 1), o sucesso dos quadrinhos frente ao público
deriva de um forte apelo visual que se estabelece entre o quadrinista e o leitor. As histórias em
47
quadrinhos exigem que se tenha certa percepção estética e visual, para a depreensão do
sentido.
Assim sendo, nos quadrinhos, a relação entre texto e imagem confere um sentido às
obras. Com relação à linguagem, a coloquialidade provoca uma proximidade do leitor a esse
gênero. Tais características são elucidadas também por Federico Zanettin (2005), que discorre
a respeito das histórias em quadrinhos se enquadrarem, em sua classificação, como textos
visuais, cujos significados são derivados da articulação entre a imagem e a linguagem escrita.
Segundo Will Eisner (2010, p. 39-53), os quadrinhos têm, em sua estrutura, o requadro
como um elemento essencial. O requadro consiste na moldura utilizada para estabelecer uma
delimitação das cenas, com os elementos das histórias em seu interior, em ordem sequencial, e
que também demarcam a passagem do tempo, com a sucessão dos fatos das histórias. O balão,
outro recurso imprescindível nos quadrinhos, é utilizado para apresentar as falas dos
personagens, ajudando a demarcar os acontecimentos (EISNER, 2010, p. 24-30).
Nas tiras da revista O Tico-Tico, são utilizados os quadros sob o estilo de contêiner.
Conforme as considerações de Eisner (2010, p. 44), esses tipos de molduras são rígidas, e
suas configurações são típicas de publicações de jornais, como as chamadas tiras ou comic
strips. Ainda com relação à estrutura, na revista, os balões de pensamento foram recortados na
maior parte do tempo em que os quadrinhos norte-americanos saíram à luz; aparecendo
apenas no início dos anos 1940, época em que o gênero em questão teria sido reconhecido e
incorporado em sua integralidade.
A tradução de histórias em quadrinhos no Brasil tem sido recentemente estudada por
pesquisadores interessados em compreender mais a fundo os procedimentos tradutórios pelos
quais as tiras passaram, desde aquelas publicadas no início do século XX até as produções
contemporâneas. Entre os estudos por eles produzidos, destaca-se a obra A tradução de
quadrinhos no Brasil (2020), organizada por Kátia Hanna e Dennys Silva-Reis, a qual reúne
capítulos divididos em eixos temáticos que abarcam a história, os procedimentos tradutórios,
as questões de acessibilidade, o ensino e as reflexões sobre o papel do tradutor. Na introdução
48
do livro, Kátia Hanna e Dennys Silva-Reis (2020), discorrem sobre o objetivo do livro, que
consiste na importância de reconhecer e trazer à luz pesquisas acadêmicas dos Estudos da
Tradução, que têm como objeto de análise os quadrinhos. Conforme os pesquisadores,
agosto de 1841 (ARAÚJO, 2001, p. 1830-1833). Assim sendo, O Tico-Tico teve que
reformular sua estratégia de publicação, cessando as produções estrangeiras em suas páginas.
Mickey é um rato que veste short vermelho, calça sapatos amarelos, usa luvas brancas,
é namorado de Minnie Mouse e dono do cachorro Pluto. O nome do ratinho, criado por
Walter Elias Disney (1901-1966) em 1928, teria sido escolhido por sua esposa, Lilian
Bounds, que teve “Mickey Mouse” e “Mortimer Mouse” como opções. Apesar de “Mickey”
ter sido o escolhido, “Mortimer” não foi descartado por Walter Disney, que o utilizou para
nomear o tio de Minnie Mouse, segundo explica Michael Barrier (2007, p. 57).
Poderia o criador do ratinho Mickey vislumbrar o sucesso que sua criação alcançaria
mais tarde? Fato é que, desde aquela época, o personagem tem obtido êxito, que não diminuiu
com o tempo. Houve sucessivas produções de quadrinhos, desenhos animados, filmes e
muitos produtos licenciados (brinquedos, roupas, acessórios e itens diversos). Alcançando
muitas gerações, Mickey virou símbolo do famoso parque temático Walt Disney World, em
Orlando, nos Estados Unidos, e repercute nas produções baseadas nas novas tecnologias, a
exemplo de jogos para videogame e computador.
As histórias do ratinho não foram as primeiras animações lançadas por Walter Disney.
Ele havia criado outro desenho animado, em 1928, intitulado Oswald the Lucky Rabbit. Em
suas histórias, o coelho Oswald foi desenhado por ele e por seu colega Charles Mintz. Devido
ao sucesso dessas animações, transmitidas pela Universal Studios, e eventuais mudanças
solicitadas por Disney, a Universal tomou para si os direitos autorais e incumbiu somente a
Mintz o papel de ilustrador do coelho (BARRIER, 2007, p. 51-52).
Diante desse revés, ele decidiu lançar outro personagem, para que fizesse um sucesso
maior. De acordo com Thomas Andrae (2011, p. 222-223), Disney relatou que, sozinho, numa
viagem de trem voltando para sua casa, na busca por uma inspiração, pensou em um gato, mas
logo veio a ele a imagem de um pequeno rato, no qual decidiu colocar suas apostas. Assim
sendo, começou a trabalhar na elaboração de uma animação, com a ajuda do desenhista Ub
Iwerks (1901-1971), que se tornou um dos principais animadores de seu estúdio, durante a
maior parte de sua carreira.
Mickey foi criado, primeiramente, no formato de animação, no curta metragem Plane
Crazy (1928) (BARRIER, 2007, p. 57). Nessa produção, Mickey constrói um avião junto de
52
amigos, porém, ao dar partida, bate numa árvore. Depois, consegue construir outro e convida
Minnie para voar com ele. O avião sai desgovernado e atinge Clarabella. Com o desenrolar
dos acontecimentos, o avião consegue subir e Mickey tenta beijar Minnie, que o rejeita. O
ratinho faz várias manobras no céu, e Minnie deixa o avião de paraquedas. O avião cai em
uma árvore e Mickey junto, que se machuca.
Apesar de ter sido o primeiro desenho animado produzido, estreou apenas em 1930,
após o lançamento da segunda animação, Steamboat Willie (1928), a partir da qual Mickey se
destacou. Nesse desenho animado, paródia do filme norte-americano Steamboat Bill, Jr.
(1928), uma comédia de ação, o ratinho trabalha como ajudante em um navio a vapor
(BARRIER, 2007, p. 58-59). Segundo explica Chinen (2005, p. 108), essa foi a primeira
animação sonora da história.
Fonte: Youtube32
No início da animação, enquanto recolhia animais para o navio, Mickey se depara com
Minnie, que estava tentando entrar na embarcação, sem sucesso, mas o ratinho consegue
puxá-la para dentro com o auxílio de um gancho. Ela carrega consigo partituras musicais e um
violão, que caem no chão e são comidos por uma vaca, que começa a soltar notas musicais.
Mickey se anima com o som e se torna o músico do navio, tocando vários instrumentos
32
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=BBgghnQF6E4. Acesso em: 31 jan. 2022.
53
improvisados e fazendo um show junto a outros animais. O comandante do navio, rude, não
gosta do que vê e tranca Mickey em uma cabine do navio, ordenando-lhe descascar batatas.
Mickey, zombado por um papagaio, ataca o pássaro com uma batata. O bicho acaba caindo no
mar.
As criações de Walter Disney, elaboradas em parceria com o colega Ub Iwerks,
obtiveram um grande sucesso, tornando-se um símbolo mundial. Com a intenção de alcançar
um público maior, em janeiro de 1930, foi dado início à circulação das histórias de Mickey
em tiras, com a mediação da agência King Features Syndicate, responsável pela distribuição
dos quadrinhos para variados jornais do mundo (BARRIER, 2007, p. 83). Conforme explica
Chinen (2005, p. 108), a primeira história em quadrinhos foi inspirada em Plane Crazy,
publicada em 13 de janeiro de 1930, com desenho de Ub Iwerks e arte-finalização de Win
Smith. Contudo, rapidamente Iwerks deixou os desenhos da série e, a partir de maio do
mesmo ano, o ilustrador Floyd Gottfredson (1905-1986) assumiu a responsabilidade pelo
roteiro e pela ilustração dos quadrinhos e das animações que incluíam o ratinho. Depois de
alguns anos, outros ilustradores passaram a desenhar a criação de Walt Disney.
Na revista infantil O Tico-Tico, a primeira história em quadrinhos de Mickey Mouse
foi publicada na edição 1277, de 26 de março de 1930. Na página 29 desse número da revista,
em sentido horizontal, foram publicadas 8 tiras, que correspondem a 2 tiras diárias com 4
quadros cada, como se fazia naquele período (CHINEN, 2005, p. 109). Assim como a maioria
das histórias em quadrinhos de Mickey na revista até 1934, a produção foi nomeada como
“As aventuras do Ratinho Curioso”, trazendo consigo os nomes dos responsáveis pela criação
das tiras – “Desenho de Walt Disney e U. B. Iwerks” – e deixando evidente que O Tico-Tico
recebia com exclusividade os quadrinhos de Mickey no Brasil.
As histórias de Mickey Mouse aparecem em praticamente todas as edições da revista
dos anos de 1930 a 1941. Entre as produções analisadas neste trabalho, foi a que teve a maior
variação de títulos, tendo iniciado com “As aventuras do Ratinho Curioso”, “A Vida Agitada
do Ratinho Curioso” ou “A História do Ratinho Curioso” até 1934, segundo constatam Nilce
Pereira e Paula Arbex (2020, p. 62).
A primeira história se inicia com Ratinho – assim denominado nas tiras – surpreso ao
ver grandes pegadas na areia, que imaginou ser de um mastodonte, uma espécie de animal de
grande porte, semelhante aos mamutes, extinta há pelo menos 10 mil anos. Sua curiosidade o
levou a buscar para onde se direcionavam. Ele descobriu, surpreso, que uma cegonha, a qual
calçava grandes sapatos, estava deixando essas marcas no solo. Depois disso, Ratinho viu um
54
coqueiro e decidiu quebrar o coco localizado em cima da grama. Ele teve outra surpresa: na
verdade, ele havia acertado a cabeça de um chimpanzé, que estava com o corpo escondido no
pequeno arbusto.
Fonte: O Tico-Tico, Rio de Janeiro, ano XXVI, n. 1277, 26 mar. 1930, p. 2933
33
Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/153079/29470. Acesso em: 12 fev. 2022.
55
macacos que também o seguiram; com uma ave, que o tratou como um de seus filhotes
recém-nascidos; e com um urso, que se enfureceu com Ratinho.
O personagem de Walt Disney foi referido, nessas tiras descritas, apenas como
“Ratinho”, o que aconteceu em quase todas as suas histórias em quadrinhos publicadas até
outubro de 1934 em O Tico-Tico. Talvez por ainda não ser uma produção quadrinística
conhecida dos leitores brasileiros, os diretores da revista optaram por traduzir o nome do
personagem, que soaria estranho para os pequenos, para algo que pudesse ser evidente – trata-
se de um rato –, além do fato de conter um diminutivo, que poderia torná-lo mais íntimo das
crianças. Essa prática também pode ser justificada em razão do costume de se traduzir nomes,
o que era um procedimento comum naquela época.
Conforme já havia notado Chinen (2005, p. 109), nas primeiras tiras de 1930 em O
Tico-Tico, a face e as luvas de Mickey foram exibidas na coloração azul, o que o pesquisador
considera ser um “erro de interpretação”. A mesma situação se repetiu nas tiras de 2 de abril,
de número 1278; de 16 de abril, edição 1280; e de 23 de abril, edição 1281. Na edição 1279,
de 9 de abril, o rosto de Mickey não foi colorido, bem como na edição 1282, de 30 de abril, a
partir da qual se manteve sem coloração, quando se publicava a página das tiras a cores. Tal
coloração equivocada, que depois foi corrigida, pode ser explicada pelo fato de os quadrinhos,
nos Estados Unidos, não terem sido impressos a cores nos jornais em que foram publicados.
Tais quadrinhos foram retirados da história intitulada “Lost on a Desert Island”,
publicada entre 13 de janeiro e 30 de março de 1930, em jornais dos Estados Unidos,
totalizando 67 tiras diárias (GERSTEIN; GROTH, 2011a, 231-252). Isso mostra a pequena
diferença temporal entre a publicação nos jornais americanos e em O Tico-Tico. Muitos
quadrinhos que faziam parte da história completa não foram publicados nessa revista
brasileira – o que deve ter dificultado a compreensão dos leitores –, considerando-se os
apenas seis números semanais em que foram inseridas as traduções desses quadrinhos, além
da edição de 1931 do Almanach d’O Tico-Tico, na qual foram impressas três tiras omitidas
das edições regulares do ano anterior, mas coloridas da mesma forma, visto que a face de
Mickey também foi pintada de azul. Assim sendo, houve o reaproveitamento de um material
já pronto nessa publicação anual posterior, possivelmente para que não houvesse desperdício.
O aparecimento desses quadrinhos, separados das edições regulares, nas quais a história
completa foi fragmentada em 1930, prejudicou ainda mais a leitura dessa produção
quadrinística, tal como foi concebida pelos artistas norte-americanos.
56
Figura 28: “Great Mystery of Island Solved” – “Lost on a Desert Island” (1931)
34
Disponível em: https://newspapercomicstripsblog.wordpress.com/2016/02/27/mickey-mouse/. Acesso em: 12
fev. 2022.
57
Figura 29: Quadrinhos de “As aventuras do Ratinho Curioso”. O Tico-Tico, 26 mar. 1930
Fonte: O Tico-Tico, Rio de Janeiro, ano XXVI, n. 1277, 26 mar. 1930, p. 2935
35
Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/153079/29470. Acesso em: 12 fev. 2022.
58
Fonte: O Tico-Tico, Rio de Janeiro, ano XXVI, n. 1278, 2 abr. 1930, p. 836
O rearranjo das tiras em três colunas ocorreu na história seguinte, que se iniciou em 21
de maio de 1930, na edição de número 1285. Nesses quadrinhos, nos quais Minnie aparecia
pela primeira vez em O Tico-Tico, ela estava sendo procurada por Sylvestre, que tinha a
aparência de um cachorro. O velho Sylvestre encontrou com Minnie e Mickey e informou que
a ratinha teria se tornado herdeira de uma fortuna de um parente chamado Fagundes – que, em
inglês, seria Mortimer Mouse, tio dela. Mickey e Minnie gostaram da ideia de ficarem ricos e
resolveram dançar. No caminho, apareceu a vaquinha Florisbella – cujo nome em inglês é
Clarabelle –, e um cavalo cujo nome não foi mencionado – trata-se de Horse Collar, amigo do
falecido tio de Minnie. Nas edições posteriores da revista, tais personagens apareceram no
desenrolar das histórias. A eles foram atribuídos os nomes de Clarabella e Cavalinho
(Horácio), respectivamente.
36
Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/153079/29485. Acesso em: 12 fev. 2022.
59
Fonte: O Tico-Tico, Rio de Janeiro, ano XXVII, n. 1285, 21 maio 1930, p. 2937
Nota-se que o tradutor, cujo nome é desconhecido, manteve, por alguma razão, na
legenda dos últimos quadrinhos, o nome da personagem Florisbela, em vez de atribuir as falas
ao personagem que estava palitando os dentes, o cavalo Horácio. Isso não aconteceu na tira
em inglês, na qual Horse Collar abordou Mickey e Minnie para falar sobre o tio falecido de
37
Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/153079/29755. Acesso em: 12 fev. 2022.
60
Minnie, que ele diz ser seu parente. No final da tira, Minnie ficou chateada com a situação, e
saiu aos prantos, sendo consolada por Mickey: “Never mind him, Minnie […] Every time he
takes off his hat, the woodpeckers chase him!”38.
É provável que a revista não tenha atribuído o diálogo entre o cavalinho e Mickey e
Minnie, pelo fato de o conteúdo textual exigir um maior espaço destinado ao texto, ou pelo
fato de julgá-lo inapropriado ou irrelevante para aquela tira. Independentemente do objetivo, é
certo que os quadrinhos tiveram uma manipulação no conteúdo textual. Nas tiras que saíram à
luz em O Tico-Tico, a conversa entre os personagens teve outro caminho: o cavalo, referido
equivocadamente no texto como Florisbella, respondeu a uma pergunta sobre os palitos que
estava usando para limpar os dentes. Ele provocou Mickey e Minnie, dizendo que poderia
transformar o palito em agulha para vaciná-los. No quadrinho em sequência, o ratinho
apareceu consolando sua namorada, que estava chorando com as mãos na face, imagem que
faria muito mais sentido se o diálogo não tivesse sido modificado.
Sendo assim, a remoção dos balões é um procedimento que causa importantes
modificações de conteúdo ou omissões nas histórias em quadrinhos. Esse procedimento, que
desloca a fala dos personagens para a legenda de cada quadro, pode, até mesmo, levar a erros
de tradução, pois o deslocamento deixa de tornar próximos o que está acontecendo no
quadrinho e o que está sendo falado pelos personagens. Esse foi o caso, por exemplo, da tira
publicada na edição de número 1663, de 13 de agosto de 1937. Na tira em questão, Mickey e
Minnie estão viajando de avião, pilotado pelo ratinho. Ambos, que estão passando por uma
38
“Não se importe com ele, Minnie […] Toda vez que ele tira o chapéu, os pica-paus o perseguem!” (tradução
nossa). Tais traduções, inseridas nas notas de rodapé deste capítulo, servem para fins demonstrativos.
39
Disponível em: https://newspapercomicstripsblog.wordpress.com/2016/02/27/mickey-mouse/. Acesso em: 12
fev. 2022.
61
perigosa tempestade, quase são atingidos por um raio, que acerta a cauda da aeronave,
assustando-os.
Fonte: O Tico-Tico, Rio de Janeiro, ano XXXIII, n. 1663, 13 ago. 1937, p. 1340
40
Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/153079/40450. Acesso em: 24 fev. 2022.
41
Disponível em: https://newspapercomicstripsblog.wordpress.com/2016/02/27/mickey-mouse/. Acesso em: 12
fev. 2022.
62
No quadrinho em inglês, após o raio ter atingido o avião, Mickey fala aliviado: “Good
Gosh! That was close! Are ya all right, Minnie?”42 (grifo nosso), que foi traduzido para o
português como “— Deus do céu estamos fechados, você está bem Minnie?” (grifo nosso). O
erro consiste na tradução de “close”, que se refere ao fato de o raio ter acertado a aeronave,
mas não ter causado nenhum estrago e nem ter machucado ambos, como “fechados”, que não
faz sentido em relação ao que acabou de acontecer.
Uma possível solução para a tradução de “That was close!” para o português seria “Foi
por pouco!”, embora nos interesse menos uma postura normativa e mais uma postura
descritiva, em razão do que essa imprecisão consiga revelar: suspeitamos que essa tradução
tenha sido realizada de forma célere, sem que houvesse uma revisão visando conferir o que
havia sido traduzido, e que certamente não deixaria essa imprecisão ser cometida. Com
relação a isso, podemos mencionar o que afirmam Kátia Hanna e Waldomiro Vergueiro
(2020, p. 28), segundo os quais a maioria dos tradutores para os quadrinhos desempenhava
mais de uma função naquela época. Não sabemos se esse foi o caso dos tradutores que
trabalharam para O Tico-Tico, mas os erros e as omissões evidenciam uma falta de cuidado,
que pode ser explicada por um acúmulo de funções dos colaboradores dos jornais – que
porventura também atuassem como tradutores –, o que tornaria o trabalho extenuante e
impossibilitaria retomar algo que já havia sido realizado, muitas vezes com rapidez, para não
deixar de atender outras demandas de uma publicação semanal. É possível, aliás, que os
responsáveis pela tradução não tivessem suficiente fluência na língua inglesa para distinguir
os diferentes sentidos das palavras, dependendo do contexto de uso.
Independentemente dos motivos, a remoção dos balões nos quadrinhos é uma
modificação importante para a compreensão das histórias. Segundo Valerio Rota (2008, p.
82), em seu capítulo intitulado “Aspects of Adaptation. The Translation of Comics Formats”,
publicado no livro Comics in Translation (2008), organizado por Federico Zanettin,
mudanças dessa natureza podem ser entendidas como formas de “domesticação” pelas quais
passam os quadrinhos no processo de tradução de uma cultura a outra. A domesticação,
conceito estudado por Lawrence Venuti (1995), consiste na forma de apagamento ou
atenuação de elementos culturais e linguísticos do texto fonte, com o objetivo de criar uma
maior naturalidade na língua de chegada. A domesticação é também uma forma de fazer com
que o texto traduzido seja cômodo para o leitor em sua zona de conforto, para que ele não seja
42
“Meu Deus! Foi por pouco! Você está bem, Minnie?” (tradução nossa).
63
Figura 35: Capa da edição extraordinária de O Figura 36: Walt Disney desenhando Mickey
Tico-Tico, dez. 1934 Mouse. O Tico-Tico, dez. 1934
Fonte: O Tico-Tico, Rio de Janeiro, ed. Fonte: O Tico-Tico, Rio de Janeiro, ed.
extraordinária, dez. 1934, p. 143 extraordinária, dez. 1934, p. 644
43
Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/153079/36541. Acesso em: 20 abr. 2022.
44
Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/153079/36546. Acesso em: 20 abr. 2022.
65
Figura 37: Anúncio da edição do “Camondongo Figura 38: Anúncio da edição do “Camondongo
Mickey”. O Tico-Tico, 19 dez. 1934 Mickey”. O Tico-Tico, 16 jan. 1935
45
Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/153079/36656. Acesso em: 20 abr. 2022.
46
Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/153079/36779. Acesso em: 20 abr. 2022.
66
“Aventuras de Mikey Mouse, o Ratinho Curioso” (sic) –, que também já aparecia nas
legendas dos próprios quadrinhos.
Figura 39: “Aventuras de Mikey Mouse, o Ratinho Curioso”. O Tico-Tico, 7 nov. 1934
Fonte: O Tico-Tico, Rio de Janeiro, ano XXXI, n. 1518, 7 nov. 1934, p. 2347
A terceira página da edição extraordinária afirma que seriam oferecidos aos leitores
informações sobre a história de criação de Mickey, bem como informações de seu idealizador,
Walt Disney, em uma minibiografia da qual um trecho já havia aparecido na edição de
número 1491, em 2 de maio daquele ano. O próprio ratinho apresenta seu criador,
possivelmente para estabelecer certa proximidade com os leitores de O Tico-Tico:
47
Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/153079/36438. Acesso em: 20 abr. 2022.
67
Assim sendo, pela voz de Mickey, ressalta-se seu sucesso e sua popularidade pelo
mundo, ao mesmo tempo em que ele estabelece uma aproximação com os leitores infantis da
revista O Tico-Tico, a qual o ratinho afirma ser sua família, visto que estava sempre presente
em suas páginas, construindo uma relação de intimidade com as crianças. Destaca-se também
a versatilidade de suas histórias de aventura, que podem acontecer em qualquer lugar, em
qualquer circunstância. A liberdade de criação se reflete na liberdade de imaginação dos
leitores, que podem embarcar nas diversas histórias do ratinho sem sair de casa, por mais
alguns anos.
Mickey Mouse, na época da publicação da edição extraordinária, já era um
personagem conhecido das crianças que frequentavam os cinemas. Os jornais cariocas
publicavam anúncios das animações e textos sobre a produção de Walt Disney. Em O Malho,
na edição de 21 de janeiro de 1933, foi publicada uma reportagem de duas páginas abordando
a história do ratinho, de seu criador e da produção de suas animações:
Figura 40: Folheto de programação do Cinema Figura 41: Anúncio do Cinema Glória.
Glória, de 18 a 24 de maio de 1933 Diário Carioca, 11 ago. 1933
51
Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/093092_02/11664. Acesso em: 10 jun. 2022.
52
Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/093092_02/11664. Acesso em: 10 jun. 2022.
70
Fonte: O Tico-Tico, Rio de Janeiro, ano XXXVI, n. 1870, set. 1941, p. 4853
53
Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/153079/46292. Acesso em: 26 abr. 2022.
71
Esses casos de preservação do uso dos balões, assim como apresentado nos quadrinhos
em inglês, possivelmente revelam que, por parte dos diretores e/ou colaboradores da revista,
reconheciam esse uso como uma das propriedades do gênero quadrinístico. Ou seja, apenas
em seu último ano de publicação, passados exatos dez anos de presença constante das tiras de
Mickey Mouse em O Tico-Tico, optaram por conservar uma característica importante desse
gênero.
Não somente os balões, mas também os recordatórios – a exemplo de “O paraquedas
caia vertiginosamente e Mickey procurava guiá-lo para um bom lugar de pouso” e de
“Adivinhando que ali era o quarto de Clarabela, Mickey bateu” – também mostram o
entendimento do uso desse recurso para a história, cujo intuito consiste no acréscimo de
informações e na contextualização da ação que está ocorrendo naquele quadro, que não pode
ser (ou não se quer que seja) inserida na fala dos personagens. Os espaços dos recordatórios
foram melhor aproveitados na tradução para o português do que os espaços dos balões: em
muitos deles há vazios que não foram preenchidos pelas falas. Nesses casos, o tamanho dos
balões poderia ter sido diminuído, a fim de melhorar o aspecto visual de cada quadro como
um todo, ou até mesmo o tamanho das letras poderia ter sido aumentado, para que houvesse
uma experiência de leitura mais fácil e agradável, visto que até mesmo as legendas,
empregadas até há pouco tempo nas traduções dos quadrinhos, recorriam a um tamanho de
letra maior do que aquele utilizado nos balões.
Felix the Cat surgiu em 1919, em um curta metragem sem sonoridade, denominado
Feline Follies, animação distribuída pela Paramount Pictures e produzida pela Pat Sullivan
Studio, de New York, de propriedade do desenhista australiano Pat Sullivan (1885-1933), que
criou e nomeou o gato como “Master Tom”, de acordo com Patricia Vettel Tom (1996, p. 65),
e o registrou como “Thomas”, segundo explica Rafael Venancio (2015). Para alguns
especialistas, contudo, Otto Messmer (1892-1983), desenhista das animações e das tiras
cômicas do gatinho para os jornais, seria o verdadeiro criador de Félix, controvérsia abordada
por Dan Torre e Lienors Torre (2018, p. 31-32; 35-37).
Apesar dessa questão, o importante é que o gato preto, com olhos brancos grandes e
marcantes, e que vivia passando por aventuras surreais, foi um grande sucesso em animações,
séries de TV, histórias em quadrinhos e outras produções. Conforme compreende Moya
72
(1996, p. 53) a respeito de Félix, “[s]ua solidão, senso de alienação, a obstinada luta contra o
destino, os elementos, a fome e o frio, e uma calorosa humanidade o marcam como um dos
principais heróis do absurdo no mundo animal” (p. 53), o que talvez indique a razão de êxito
até a atualidade.
Félix se distinguia na forma em que era transmitido, pois eram lançadas primeiramente
as animações para que depois os quadrinhos fossem publicados, numa prática conhecida como
adaptação. O alcance dos quadrinhos poderia ser maior do que o da animação, em razão da
facilidade de circulação das revistas e dos jornais que os publicavam. De acordo com
Venancio (2015), “tanto as animações como as histórias em quadrinhos do Gato Félix
dividem e compõem um universo diegético em comum” (p. 69). No caso do Félix, os
quadrinhos eram produzidos a partir dos desenhos das animações, num processo de tradução
intersemiótica, conforme explica Venancio (2015, p. 68).
Em O Tico-Tico, a primeira história em quadrinhos do Gato Félix foi publicada em 11
de dezembro de 1929, contudo, sem o nome do personagem, que foi aparecer a partir da
segunda história, publicada em 30 de julho de 1930. Essa e outras tiras seguintes foram
nomeadas como “As Aventuras do Gato Felix” até meados de 1932. A partir da edição de 20
de abril do mesmo ano o título foi alterado para “As Proezas de Gato Felix”, que permaneceu
até setembro de 1941. As últimas tiras, publicadas entre o fim desse ano e o início de 1942,
retornaram sob o título “As Aventuras do Gato Felix”.
Em quase todas as histórias de Félix, era inserido, logo após o título, o nome de seu
criador, Pat Sullivan, e informava-se que tais quadrinhos eram “Exclusividade d’O Tico-Tico
para o Brasil”. No entanto, sabe-se que as tiras de Félix também saíam na Gazetinha, encarte
infantil do jornal A Gazeta, de São Paulo, sob o título “Aventuras do Gato Estopim”, que se
iniciou na edição de número 1, em 5 de setembro de 1929. Posteriormente, o título foi
alterado para “Proezas do Gato Félix”, a exemplo da edição de número 497, de 20 de abril de
1939, segundo explicam Nilce Pereira e Paula Arbex (2020, p. 63).
A primeira história de Félix em O Tico-Tico intitula-se “Gatão é pescador”. Não
trazia, no título e nem nas legendas dos quadros, o nome do gato, que era referido como
“Gatão”. Na história, Chico Preguiça, após Gatão arrancar uma cortina para se proteger dos
insetos que atrapalhavam seu sono, persegue o felino para reaver o que ele havia roubado. Ao
fugir desesperado, Gatão cai dentro do riacho. Chico Preguiça resgata-o com uma vara
bifurcada. O gato reaparece, trazendo consigo muitos peixes do riacho que ficaram presos na
cortina. Chico Preguiça não entende o que aconteceu, mas depois exibe orgulhosamente os
73
peixes aos outros pescadores. Eles ficam surpresos ao vê-lo com o resultado da pescaria que,
na verdade, foi feita por Gatão. Essa foi a única publicação de uma história em quadrinhos de
Félix realizada em 1929.
Fonte: O Tico-Tico, Rio de Janeiro, ano XXV, n. 1262, 11 dez. 1929, p. 854
54
Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/153079/28923. Acesso em: 20 dez. 2021.
74
Figura 44: Fotograma da animação Felix the Cat in Uncle Tom’s Crabbin’ (1927)
Fonte: Youtube55
No desenho animado, Félix, depois de passar frio no norte dos Estados Unidos, decide
ir para o sul, onde estava quente. Ao chegar, escuta o som do banjo de Uncle Tom, que tocava
o instrumento para alegrar a menina negra Topsy. Félix gosta da música e dança junto com a
criança. Simon Legree, o vilão da história, incomoda-se com o som do banjo, e com um
chicote açoita Tom – o que fica sugerido, ou seja, não é explícito na animação – e quebra o
instrumento musical. Ao ver o negro triste, Félix pega uma frigideira e, com dois fios de seu
55
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ZpjeGHUimIU. Acesso em: 20 dez. 2021.
75
bigode de gato, constrói um banjo e toca-o para Tom se alegrar. Simon Legree, mais uma vez,
incomoda-se com o som do instrumento e persegue Félix. O vilão transforma seu chicote em
cachorro para alcançar o gato. Félix luta com o animal e desfaz a transformação. No final da
história o gato leva o chicote para o norte, onde está nevando.
Os primeiros quadrinhos, publicados em 30 de julho, na edição de número 1295, não
deixam clara a referência ao romance em questão. Omite-se o fato de Félix estar no norte do
país e desejar fugir do frio. Ele simplesmente acorda num dia ensolarado e decide passear
pelo que chama de “aldeia”. Félix alegra-se ao passear pelo lugar: “A vida é maravilhosa!
Como é bom andar”. O gato escuta uma música vinda de um banjo, e decide procurar de onde
vinha o som. Encontra Tio João (Uncle Tom) tocando para Ritinha (Topsy), que dançava ao
som do instrumento. Félix resolve também dançar e cantar.
A história continua na edição seguinte, número 1296, de 6 de agosto. Simão
Sacatrapos (Simon Legree), identificado nos quadrinhos como “dono do terreiro”, aparece
com seu chicote para destruir o banjo de João, que fica triste. Na edição seguinte, de 13 de
agosto, número 1297, a história tem sua continuação em uma última parte. Félix pega a
frigideira da Tia Maria para ser o corpo do instrumento, e retira dois fios de seu bigode para
transformá-los nas cordas do banjo. Félix toca para João e Ritinha se alegrarem, mas Simão
Sacatrapos fica novamente furioso. O desfecho da história, com os quadrinhos que retratam a
perseguição do vilão a Félix, não foi publicado em O Tico-Tico.
76
Fonte: O Tico-Tico, Rio de Janeiro, ano XXVII, n. 1295, 30 jul. 1930, p. 2656
56
Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/153079/30114. Acesso em: 20 dez. 2021.
77
transferida para a legenda que acompanha cada quadro, onde, por vezes, a voz do narrador
também aparece.
Ao comparar os quadrinhos com a animação, é possível notar que o conteúdo violento
é, de certa forma, atenuado nas tiras. Na animação, Simon Legree parece castigar Uncle Tom
com o chicote, cena mostrada antes da destruição do banjo. Contudo, apenas o açoitador e o
instrumento de castigo são exibidos – a violência fica, assim, sugerida. É importante lembrar
que Simon Legree, personagem do romance, é extremamente perverso e cruel: além de
praticar violência física contra Tom, penalizando-o por desobedecer a sua ordem de chicotear
outro escravo, tenta afastá-lo de sua fé cristã.
Nota-se, também, que na tradução para o português, o tradutor inseriu referências à
cultura afro-brasileira ao mencionar as estrofes de um samba – “Sacuda os pés, ó Ritinha /
Que este samba é da pontinha” –, estabelecendo uma relação entre as duas culturas, pelo viés
das expressões musicais que os negros escravizados trouxeram da África para as Américas.
Procedimento comum na época, os nomes dos personagens são abrasileirados: Uncle Tom
tornou-se Tio João, nomes recorrentes em inglês e português; Topsy virou Ritinha, um nome
no diminutivo comum em português; a negra na cozinha é chamada de Tia Maria, nome
feminino comum no Brasil, enquanto em inglês é referida como “mammy”, um termo
utilizado para se referir à mulher negra cujo trabalho é cuidar de crianças brancas; de acordo
com o Cambridge Advanced Learner's Dictionary & Thesaurus (2022); Simon Legree tornou-
se Simão Sacatrapos, cujo sobrenome faz referência ao saca-trapo, instrumento usado para
tirar a bucha de armas de fogo, ou, no sentido figurado, pode significar uma pessoa que age
com astúcia, com jeito ardiloso, segundo o Michaelis Dicionário Brasileiro da Língua
Portuguesa (2015).
Na tira publicada nos Estados Unidos em 2 de maio de 1930, à qual tivemos acesso, os
balões com as falas dos personagens estavam presentes nos quatro quadrinhos, que mostram
Félix “roubando” a frigideira, com o objetivo de fazer um banjo para Uncle Tom.
78
Fonte: O Tico-Tico, Rio de Janeiro, ano XXVII, n. 1297, 13 ago. 1930, p. 1159
57
Disponível em: https://thumbs.worthpoint.com/zoom/images3/1/0318/28/comic-strip-scrapbook-winsor-
mccay_1_09d7e09a4a8dadb1dd43438839d4be56.jpg. Acesso em: 20 dez. 2021.
58
“O Tio Tom está de coração partido sem seu banjo e cabe a mim substituí-lo e fazê-lo feliz novamente!”
(tradução nossa).
59
Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/153079/30171. Acesso em: 20 dez. 2021.
79
seja, pretendia pegar e fugir com o utensílio assim que a cozinheira se distraísse. Na legenda
em português do quadrinho, Felix diz que levaria a frigideira depois que Tia Maria terminasse
o almoço. Sendo assim, há uma diferença: enquanto o quadrinho em inglês mostra a
sagacidade e a esperteza de Felix, o quadrinho em português tende a atenuar essa
característica do personagem, visto que, em sua fala, o gato afirma que aguardaria Tia Maria
terminar de fazer o almoço. No terceiro quadrinho, a fala de Felix, que aparecia no balão em
inglês, não é mencionada na legenda em português. No quarto quadrinho, a fala de Uncle
Tom, que afirma não ter cordas para colocar no instrumento, não é apresentada na legenda, ou
seja, sua fala é silenciada. Podem ser notadas, assim, as modificações pelas quais passaram as
falas dos personagens, em decorrência de seu deslocamento do balão do interior do quadro
para a legenda, na parte inferior.
Segundo David J. Leonard e Stephanie T. Robbins (2021, p. 92), essa história em
quadrinhos de Felix é um exemplo da perpetuação de estereótipos raciais nos desenhos
animados produzidos nos Estados Unidos, com o emprego da blackface na representação de
Uncle Tom e de Topsy – algo comum em outras animações da época –, e de demais
concepções que também estariam presentes no romance, entre elas a referência ao sul do país
como um lugar de clima agradável e a romantização da vida nas plantações.
O blackface surgiu nos Estados Unidos, no século XIX, em espetáculos conhecidos
como minstrel shows, peças de teatro burlescas de cunho racista. Nessas peças, os atores
brancos tinham o rosto enegrecido para interpretar pessoas negras, que eram ridicularizadas
em sua aparência – tom de pele, lábios ressaltados, olhos arregalados, vestes exageradas etc. –
e comportamento – rusticidade, ignorância, ingenuidade, por exemplo (SAMMOND, 2015, p.
14; 19). Mesmo após alguns anos, já no século XX, ainda se perpetuavam as blackfaces,
estendendo essa prática à indústria cultural, nas animações, nos filmes e nos quadrinhos. Os
personagens de desenhos como Mickey, Félix e Krazy Kat têm marcadores visuais de
menestréis – a boca, os olhos e as luvas –, o que tornam esses personagens caricatos por tais
traços exacerbados aliados às características de selvageria, alegria, esperteza e sagacidade
(SANDMOND, 2015, p. 71).
A história em quadrinhos não faz uma condenação da escravidão, apesar de Félix se
mostrar solidário frente à violência de Simon Legree, de acordo com Leonard e Robbins
(2021). O pesquisador João Marcos Resende (2018, p. 39), ao analisar algumas animações
60
“Essa frigideira é o que eu preciso! – Assim que a mamãe não estiver olhando, eu a agarro e fujo!” (tradução
nossa).
80
norte-americanas do início do século XX, também considera que a animação Felix the Cat in
Uncle Tom’s Crabbin’ reproduz personagens estereotipados e silencia a violência sofrida por
Uncle Tom.
De acordo com Gordon B. Arnold (2016), as animações de Félix, nos primeiros anos,
eram destinadas a adultos e crianças, e reproduziam questões problemáticas como o sexismo,
o racismo e demais preconceitos, atitudes contestáveis, mas próprias daquela época. A
audiência do período, que não se importava com essas questões, interessava-se no quanto as
animações poderiam ser divertidas.
Outro exemplo de estereótipo pode ser percebido na animação Felix the Cat in
Japanicky, lançada em 4 de março de 1928, também pela produção de The Bijou Films Inc. O
desenho animado foi depois adaptado para os quadrinhos lançados em tiras entre 25 de agosto
e 27 de setembro de 1930. Trata-se de um desenho animado que aborda alguns clichês da
cultura e dos hábitos japoneses, sob uma visão ocidental distorcida, intolerante e xenofóbica,
que ridiculariza culturas estrangeiras e/ou marginalizadas, naquela época, para gerar
comicidade.
Fonte: Youtube61
A animação se inicia com Félix tentando entrar no cinema para assistir a um filme
sobre jiu-jitsu. Contudo, o gato não consegue entrar na sessão, visto que a moeda que
61
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=2TgK0xxq2oE. Acesso em: 21 dez. 2021.
81
carregava consigo não era suficiente para pagar seu ingresso. Então, do lado de fora, por meio
de um buraco na parede do cinema, ele resolve assistir às cenas de luta, nas quais dois
lutadores praticam movimentos estranhos a essa arte marcial de origem japonesa.
Deslumbrado com os golpes, Félix enfrenta um poste de iluminação e um bode, que o
cabeceia até o Japão. O gato vê duas japonesas, sentadas ao chão, com trajes típicos, tomando
chá, enquanto uma delas segura uma wagasa – espécie de sombrinha para proteção do sol – e
a outra lê um livro. Numa atitude que demonstra estranhamento, Félix faz um sinal giratório
com seus dedos em torno da orelha, considerando ser uma tolice elas se estarem portando da
forma como mostra a animação. O mesmo sinal é empregado depois que Félix vê outras duas
mulheres sentadas próximas a uma ponte.
Figura 49: Fotograma da animação Felix the Cat Figura 50: Fotograma da animação Felix the Cat
in Japanicky (1928) in Japanicky (1928)
Fonte: Youtube62
O gato vê um calendário, transforma o número “4” numa cadeira e a oferece para uma
mulher se acomodar, mostrando que seria absurdo sentar-se no chão. Ela sorri e entrega
moedas a Félix, como forma de agradecimento. O gato zomba da mulher com uma risada
exagerada, expressa em formato da onomatopeia “HAHAHAHAHAHA”. Ao ver as muitas
letras “H”, resolve transformá-las em cadeiras, que distribui a todos.
Um súdito do Imperador do Japão se espanta ao ver que todos estão sentados em
cadeiras e persegue Félix. Com um leque, o gato provoca uma ventania, para atrasar o súdito.
Para se disfarçar, Félix se transforma num ideograma. A perseguição só termina quando o
gato coloca um laço nas costas do súdito, que sai voando. Para mostrar que se sentar no chão
seria inapropriado, Félix coloca, no solo, um objeto pontiagudo, que espeta o Imperador. Félix
62
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=2TgK0xxq2oE. Acesso em: 22 dez. 2021.
82
transforma sua interrogação numa cadeira, e a oferece ao Imperador, que se agrada com o
presente. Por fim, o gato transforma um pedaço de toco de madeira em mesa e nela serve o
chá (tea) preparado com letras “T” retiradas de uma árvore.
Nos quadrinhos em questão, emprega-se o recurso da metalinguagem para suscitar um
efeito cômico, por exemplo, quando se utilizam as letras “H”, que formam a onomatopeia
“HAHAHAHAHAHA”, ou mesmo o número “4” para materializar as cadeiras – tendo em
vista a semelhança da forma dessa letra e desse número com o objeto –, quando Félix recolhe
as letras “T’ para produzir um chá – em razão da mesma sonoridade da letra e da palavra tea –
e até mesmo quando Félix se transforma na imitação de um ideograma. Essa forma de
metalinguagem utilizada na tira analisada consiste no uso dos próprios recursos dos
quadrinhos – elementos de linguagem, no caso de onomatopeias – como fonte de humor,
conforme explica M. Thomas Inge (1995, p. 11-12). Por meio desse recurso, muito usado na
arte sequencial, exploram-se as possibilidades expressivas da relação entre texto e imagem.
Em O Tico-Tico, a tradução para o português da adaptação para os quadrinhos de Felix
the Cat in Japanicky foi publicada por completo, também sob o título “As Aventuras do Gato
Felix”, entre 15 de abril e 10 de junho de 1931, em nove edições da revista. A distribuição
dessa história foi creditada à empresa Newspaper Feature Service, que fazia parte do King
Features Syndicate. Assim como na história em quadrinhos que apresentamos anteriormente,
as falas dos personagens, expressas nos balões, foram transportadas para a legenda dos
quadros. A descrição narrativa, contudo, ocupou mais espaço na legenda dessa história.
Os primeiros quadrinhos apresentam Félix espiando a luta, como mostra a legenda:
“Era um match de Jiu-jitsu entre um japonês pequenino e um inglês alto e musculoso, de
atitudes ameaçadoras e terríveis.” Félix resolve lutar com o poste, o que desperta a atenção do
guarda, que se aproxima para punir o gato, mas recebe um golpe. Félix tromba em um bode e
o desafia para a luta: “– Com que roupa, seu bode, você quer ir dar um passeio pelos ares?”;
ele desfere um golpe no animal, mas recebe do bicho uma chifrada tão potente, que voa pelos
ares até o Japão.
Ao deparar-se com as japonesas sentadas, a legenda mostra que Félix não zomba do
fato de estarem sentadas: “Gato Felix achou extraordinária a maneira das jovens japonesas
tomarem chá.”. Ele decide mostrar que elas se podem sentar em cadeiras: “Hei de achar um
modo de fazer essa gente sentar-se! – Hei de fazer fortuna vendendo cadeiras a essa gente!”,
e, assim como na animação, transforma o número 4 do calendário em uma cadeira.
83
Fonte: O Tico-Tico, Rio de Janeiro, ano XXVIII, n. 1335, 6 maio 1931, p. 2563
63
Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/153079/30882. Acesso em: 22 dez. 2021.
84
Fonte: O Tico-Tico, Rio de Janeiro, ano XXVIII, n. 1338, 27 maio 1931, p. 1764
Com relação à imagem, é possível afirmar que o esboço do desenho das duas
produções – animação e história em quadrinhos – é bastante similar. Há, contudo, algumas
diferenças entre elas, especialmente no formato dos quadrinhos, visto que aqueles publicados
em O Tico-Tico, em português, foram coloridos, assim como aqueles da história analisada
anteriormente. Houve, também, a transposição da fala dos personagens dos balões – que
existiam nos quadrinhos em inglês, mas que foram removidas – para a legenda dos quadros,
que incorpora também a descrição narrativa, a fim de fornecer mais detalhes à história.
No decorrer das edições da revista O Tico-Tico, algumas histórias de Félix passaram a
não ser completamente coloridas, o que se intensificou a partir do meio da década de 1930,
até os últimos quadrinhos, do início da década seguinte. Apesar dessa modificação, os balões,
espaço no qual eram inseridas as falas dos personagens, continuaram a ser removidos em
64
Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/153079/30968. Acesso em: 10 jan. 2022.
85
quase todos os quadrinhos publicados na década de 1930, com exceção de um ou outro balão
com símbolos ou onomatopeias, além de resquícios de eliminações inacabadas. Os balões
apareceram por completo somente nos quadrinhos publicados em 1941 e 1942, nesses dois
últimos anos de publicação das histórias do gato na revista. Nesse período, os conflitos da
Segunda Guerra Mundial tomaram uma escala global, possível motivo para o encerramento da
publicação dos quadrinhos de Félix na revista. A partir dessa época, a frequência de O Tico-
Tico passou a ser semanal, o que perdurou até seu fim, cerca de duas décadas depois.
O resgate dos balões certamente possibilitou que os leitores tivessem uma experiência
de leitura das falas dos personagens diferente daquela experimentada nas produções
traduzidas para o português, publicadas anteriormente, e mais próxima àquela propiciada
pelos quadrinhos em inglês, da forma como eram produzidos nos Estados Unidos. Vejamos,
por exemplo, a última história de Félix, publicada na revista infantil entre o fim de 1941 e o
início de 1942.
Na edição de O Tico-Tico de número 1872, de novembro de 1941, “As Aventuras do
Gato Felix” mostram que ele e a boneca Dolly estão sendo perseguidos por Wooden Soldier.
Enquanto fogem pela água, Félix fura a meia esfera que servia de barco para o soldado. O
barco afunda, mas o soldado não, porque é feito de madeira. Wooden Soldier atira na outra
meia esfera em que estão Félix e Dolly, que naufragam e pedem socorro.
Fonte: O Tico-Tico, Rio de Janeiro, ano XXXVII, n. 1872, nov. 1941, p. 4365
65
Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/153079/46382. Acesso em: 11 jan. 2022.
86
Fonte: O Tico-Tico, Rio de Janeiro, ano XXXVII, n. 1874, jan. 1942, p. 266
66
Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/153079/46444. Acesso em: 17 jan. 2022.
87
tranquilo e resolve tirar uma soneca – “Now I can relax and take a snooze!!”67. A boneca
aproveita a ocasião para fugir – “He’s asleep!! Now’s my chance to escape!!”68 – sem
dificuldades, visto que a porta estava aberta. Contudo, ela é capturada novamente por Wooden
Soldier, que resolve amarrá-la com uma corda, por precaução – “I’ll fix you so you can’t
escape!”69.
Figura 55: “Felix the Cat”. Popular Comics, dez. Figura 56: “Felix the Cat”. Popular Comics, dez.
1946 1946
Fonte: Popular Comics, New York, n. 130, dez. Fonte: Popular Comics, New York, n. 130, dez.
1946, p. 970 1946, p. 971
67
“Agora eu posso relaxar e tirar um cochilo!!” (tradução nossa).
68
“Ele está dormindo!! Agora é minha chance de fugir!!” (tradução nossa).
69
“Eu vou prender você para você não poder escapar!” (tradução nossa).
70
Disponível em: https://dyn1.heritagestatic.com/lf?set=path%5B2%2F1%2F1%2F0%2F2110345%5D%2Csize
data%5B850x600%5D&call=url%5Bfile%3Aproduct.chain%5D. Acesso em: 18 jan. 2022.
71
Disponível em: https://dyn1.heritagestatic.com/lf?set=path%5B2%2F0%2F6%2F0%2F2060433%5D%2Csize
data%5B850x600%5D&call=url%5Bfile%3Aproduct.chain%5D. Acesso em: 18 jan. 2022.
88
lugar onde Dolly estava amarrada, Felix afirma: “I’ll save her or bust!”72. No balão do mesmo
quadrinho em português, Félix supõe: “Deve ser por aqui”. Quando vê a boneca pela janela, o
gato a consola: “Courage, Dolly – I’m still on the job!”73, e a boneca afirma: “Felix! I knew
you’d come!”74, enquanto Félix, na história em quadrinhos de O Tico-Tico, simplesmente diz:
“Psst! Não desanime!”, e a boneca: “Quero sair daqui”. Nesses dois quadrinhos, é possível
perceber que houve uma mudança de sentido na fala traduzida, pois o gato se coloca, em
inglês, como o responsável por salvá-la, inclusive incentivando-a a ter coragem, e ela
confirma sua confiança no gato; em português, esses papéis de salvador e de donzela em
apuros são atenuados, tendo em conta essas falas analisadas; embora, na última parte da
história, publicada em março de 1942 – as últimas tiras que saíram em O Tico-Tico –, Dolly
afirme que Félix seria seu “herói”.
Fonte: O Tico-Tico, Rio de Janeiro, ano XXXVII, n. 1876, mar. 1942, p. 275
72
“Eu vou fazer de tudo para salvá-la” (tradução nossa).
73
“Coragem, Dolly – Eu estou aqui me esforçando! (tradução nossa).
74
“Felix! Eu sabia que você viria!” (tradução nossa).
75
Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/153079/46542. Acesso em: 17 jan. 2022.
89
nesses quadrinhos, e pelo fato de ambos, Dolly e Wooden Soldier, serem personagens
secundários, existindo apenas nessa história em questão, ao que parece, em contraste com o
gato, personagem principal, cujo nome intitula a série. Assim sendo, Félix, com sua
perspicácia, seria o único capaz de salvar a boneca das garras do soldado vilão.
O marinheiro Popeye, que se tornaria famoso por sua força física, utilizada para ajudar
as pessoas a resolver problemas, foi criado pelo cartunista e escritor norte-americano Elzie
Crisler Segan (1894-1938), que começou a trabalhar para o New York Journal em 1919,
publicação de propriedade de William Randolph Hearst, também dono do King Features
Syndicate, empresa responsável pela distribuição das tiras de Popeye para os jornais dos
Estados Unidos e de outros países, assim como das histórias do rato de Walt Disney e do gato
de Pat Sullivan. Contudo, diferentemente de Mickey Mouse e de Félix, Popeye estreou
primeiramente nas histórias em quadrinhos e depois nos desenhos animados, segundo explica
Fred M. Grandinetti (2012).
O marinheiro Popeye apareceu pela primeira vez nos quadrinhos em 17 de janeiro de
1929, estreando na tira cômica “Thimble Theatre”, publicada no jornal Evening Standard, de
Nova York, de acordo com Álvaro Moya (1996, p. 70). Apenas um tempo depois, após fazer
sucesso junto aos leitores, conquistou suas próprias tiras de quadrinhos, as quais apareceram
em diversos jornais. Olive Oyl – ou Olívia Palito –, sua namorada, o acompanhou nas novas
histórias. O espinafre, alimento que daria força para Popeye, como revelou seu criador, foi
aparecer meses depois da primeira história, e não era tão importante nos quadrinhos como era
nas animações, conforme ressalta Grandinetti (2012).
Em 1937, Segan recebeu o diagnóstico de leucemia, doença que causou o seu
falecimento, no final de 1938. Apesar disso, as tiras de Popeye continuaram a ser produzidas
por outros artistas, que deixaram suas marcas na evolução das histórias com o passar dos
anos. Segundo Moya (1996, p. 72), em 1938, os quadrinhos eram publicados em mais de
seiscentos jornais diários, distribuídos por vinte e cinco países. Nos desenhos animados para o
cinema, o marinheiro estreou em 1933, em produções feitas pela Fleischer Studios. Para a
televisão, as animações de Popeye eram distribuídas pelo King Features Syndicate TV. Nos
Comic Books, suas histórias se iniciaram em 1948, pela editora Dell Comics, em reimpressões
das tiras dos jornais, segundo informações de Grandinetti (2012).
90
Fonte: O Tico-Tico, Rio de Janeiro, ano XXXI, n. 1500, 1 jul. 1934, p. 776
A tradução para o português de “Long Live the King” tem início com Popeye dando
conselhos ao rei Blozo. Ele consegue convencê-lo a dar ouro ao povo de seu reino, Nazilia. O
rei se sente atraído pela ideia e deseja colocá-la em prática para que o povo o estimasse como
monarca, mas pede a Popeye para não espalhar que a ideia não tinha partido dele. Momentos
depois, o rei é informado sobre o fechamento das fábricas, visto que as pessoas não queriam
mais trabalhar, pois estavam ricas. O rei, em conversa com o general, percebe a desaprovação
dos demais militares e o erro cometido. Resolve, então, convocar o povo para uma conversa,
76
Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/153079/35981. Acesso em: 26 abr. 2022.
92
mas não consegue convencê-los. Para obter todo o ouro de volta, Popeye inventa o jogo de
migalhas de ouro, e ao longo do tempo, acumulou a maior parte do ouro distribuído.
Apesar de Popeye ter recolhido o ouro e o povo ter voltado a trabalhar, o general
Bunzo queria destronar o rei. Popeye sugeriu ao rei Blozo que fossem marcadas as eleições e
disse que conseguiria convencer a população a votar no rei. O marinheiro teve a ideia de
ajudar o rei a vencer as eleições e manipular os votos. O general, por sua vez, colocou vários
votos para si mesmo dentro da urna. Depois da apuração dos votos, o general Bunzo tornou-se
o rei de Nazilia, o que deixou Blozo desolado. O general, ambicioso, queria pegar todo o ouro
do reino. Popeye se pôs a agir diante dos acontecimentos, contratando um detetive para apurar
as urnas; enquanto isso, o rei trabalhava como lavrador. Olive Oyl participava das tiras como
uma espiã disfarçada, fingindo ser massagista do palácio real. Ela queria ajudar o rei a
assumir o trono novamente, e tornou-se amiga do general Bunzo para obter informações.
O antigo rei Blozo, já idoso, não estava aguentando trabalhar no serviço de lavrador e
decidiu pedir um emprego ao atual rei Bunzo, que lhe concedeu a função de ajudante de
contínuo do palácio, de modo que seria o empregado de seu ex-servo, o bajulador Oscar. Para
se vingar, Popeye avisou a rainha que o atual rei estava contratando dançarinas; ela, então,
resolveu contratar vários dançarinos. Ambos discutiram e jogaram os bailarinos e as bailarinas
pela janela. A rainha pediu, então, a Popeye, que fosse o seu bailarino e, na hora de expulsar
Popeye, o general deu um soco no rosto dele. O rei Blozo assumiu novamente o trono com a
ajuda de Popeye e Olive Oyl, mas o marinheiro não havia percebido que era a sua namorada
disfarçada. Ele, depois de ajudar o rei, pediu para si uma ilha deserta, a fim de formar um país
perfeito. O rei, então, ofereceu-lhe a ilha e algum dinheiro para construir um palácio e
governar o reino de Popilania. Tem fim, dessa forma, a história “Long Live the King”. A
subsequente, intitulada “King of Popilania”, teve apenas os primeiros sete quadrinhos
publicados em O Tico-Tico, nas edições de número 1554, de 17 de julho de 1935, e 1555, de
31 de julho do mesmo ano. Assim sendo, apesar da indicação “(Continua no próximo
número)”, na legenda do último quadro, os quadrinhos de Popeye foram interrompidos na
revista.
Embora os quadrinhos de Popeye dessa época estejam atualmente em domínio público
no Brasil e na Europa, entre outras localidades, de acordo com a legislação de cada
país/região – nos Estados Unidos, estarão a partir de 2025 –, infelizmente não tivemos acesso
completo ao material dessa história. Contudo, alguns quadrinhos podem ser encontrados em
sites específicos, que trazem materiais em quadrinhos, entre os quais estão o Newspaper
93
Comic Strips, no qual foi possível encontrar as tiras em inglês de “King of Popilania”
completas, cujos primeiros quadrinhos foram impressos em O Tico-Tico, como já afirmamos.
É possível, a partir do cotejo entre essas tiras, compreender algumas questões sobre a tradução
dessas produções quadrinísticas. Vejamos, por exemplo, uma sequência de quadros publicada
na revista infantil, na edição de número 1506, de 15 de agosto de 1934.
Fonte: O Tico-Tico, Rio de Janeiro, ano XXXI, n. 1506, 15 ago. 1934, p. 1377
Esses quadrinhos mostram Popeye dando ao rei Blozo a ideia de fazer uma eleição
para ampliar sua popularidade. Para convencer as pessoas a votar no rei, o marinheiro
espalhou críticas sobre o general Bunzo. No primeiro quadrinho, Popeye conversa com o rei
Blozo, dizendo que ele vencerá e que fará um discurso em seu nome. No segundo e terceiro
quadrinho, Oscar, um bajulador do rei, conversa com o general e confirma que Popeye estava
espalhando mentiras sobre ele. No penúltimo quadrinho Blozo e Bunzo trocam provocações e
dizem que aquele que tiver mais votos será o rei. No último quadrinho Popeye é recebido pelo
povo e faz campanha em nome do antigo rei.
Os quadrinhos em inglês, assim como aqueles que foram impressos em O Tico-Tico,
estão em preto e branco. Optou-se, portanto, em não realizar a coloração da história para ser
impressa na revista; prática que já vinha acontecendo em outros quadrinhos, tais como
aqueles de Mickey Mouse e de Félix. Assim como já mencionamos, os balões foram
removidos nas tiras em O Tico-Tico, e o conteúdo foi deslocado e transformado nas legendas
de cada quadro.
77
Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/153079/36181. Acesso em: 26 abr. 2022.
94
Para marcar o sotaque de Popeye, marinheiro que falava apenas por um canto da boca,
já que no outro lado sempre utilizava um cachimbo, a representação de sua fala nos balões em
inglês utiliza palavras que sinalizam um inglês mais coloquial, tais como “yam”, para
expressar “am”, conjugação do verbo to be na primeira pessoa do singular, e “ya”, para se
referir a “you”, terceira pessoa do singular ou plural. O uso dessas palavras é recorrente em
diversos quadrinhos de Popeye. A palavra “yam”, por exemplo, integra o título do segundo
desenho animado, intitulado I Yam What I Yam, produzido pela Fleischer Studios e lançado
em 29 de setembro de 1933, nos Estados Unidos. É também empregada em sua famosa frase
“I yam what I yam ’cause I yam what I yam”78 (grifos nossos), presente na animação Popeye
Starring in Choose your Weppings (1935-1936), produzida pela Paramount: “I yam Popeye, /
The Sailor Man. / I yam what I yam / ’Cause tha’s what I yam. / I yam Popeye, / The Sailor
Man.”79 (KELSEY, 2019, p. 359, grifos nossos). Antes disso, pela primeira vez, apareceu
numa tira de 1º de agosto de 1931, na qual Popeye, em resposta à Olive Oyl, que o questionou
por ter perdido cinco mil dólares nos dados, dinheiro que seria usado para comprar uma casa
nova para sua noiva, diz: “I yam what I yam an’ that’s all!”80 (MOYA, 1996, p. 72, grifos
nossos).
Na tradução das falas de Popeye para o português da história em quadrinhos publicada
em O Tico-Tico, essas marcas de oralidade não foram reproduzidas. Por exemplo, a sentença
“Don’t worry – You’ll win on account of I yam goner make speeches for ya”81 foi traduzida
78
“Eu sou o que sou porque eu sou o que sou” (tradução nossa).
79
“Eu sou Popeye, / O marinheiro. / Eu sou o que sou / Porque é isso que sou. / Eu sou Popeye, / O marinheiro.”
(tradução nossa).
80
“Eu sou o que sou, e isso é tudo!” (tradução nossa).
81
“Não se preocupe – Você vai ganhar porque eu vou discursar para você” (tradução nossa).
95
como “– Não se incomode, o sr. vencerá pois eu vou fazer discursos em seu nome”. Evitou-
se, nessa tradução, o emprego do pronome pessoal “você”, ou mesmo de alguma variação de
registro desse pronome em português, seja de um uso real da língua – a exemplo de “ocê” ou
“cê” –, seja numa elaboração criativa para representar a forma de falar do personagem, tão
característica na língua de partida, que sinalizasse a marca da variação linguística empregada
pelo personagem. A opção por traduzir dessa forma evidencia uma tendência de tradução, no
emprego da língua portuguesa considerada padrão, e pode ser explicada pelo fato de a revista
O Tico-Tico ter assumidamente um caráter educativo, pela via da diversão, não sendo,
portanto, recomendável reproduzir usos distintos desse.
Nesse sentido, convém mencionar o conceito de normas de Gideon Toury (1995),
segundo o qual existem conhecimentos, hábitos e valores compartilhados entre os indivíduos,
de forma mais ou menos explícita. O teórico explica que as normas teriam impacto nas
traduções, nas quais se aplicam preceitos subjacentes ao texto, na língua e na cultura, tanto de
partida quanto de chegada. No caso do Brasil de meados do século XX, as normas de
tradução, entre outras diretrizes muitas vezes implícitas, indicavam que a língua padrão
deveria ser a forma mais empregada – a única, em muitos casos –, até mesmo na tradução de
diálogos que, nas línguas de partida, trouxessem marcas linguísticas próprias de outros
registros, mais próximos da oralidade. A tradução de nomes, a exemplo do que aconteceu com
Popeye, que em português se transformou em Brocoió, é também uma norma de tradução
muito recorrente na prática tradutória daquela época.
A tradução de nomes pode indicar uma interpretação dos tradutores e/ou editores a
respeito das características dos personagens, e até mesmo direcionar o entendimento dos
leitores para aquilo que se pretende ressaltar na história. No caso de Popeye, seu nome foi
traduzido para “Brocoió”, que significa “[p]essoa rústica, de pouca instrução e pouco
convívio social; caipira, capiau, jeca”, segundo o Michaelis Dicionário Brasileiro da Língua
Portuguesa (2015, n.p.). É possível perceber, nesse exemplo, uma referência às características
rústicas e brutas do marinheiro Popeye.
Os exemplos dessas marcas de oralidade não se resumem a essas amostras
selecionadas. Na última tira que encerra Long live the King, Popeye diz ao rei Blozo que quer
comprar uma ilha para construir um país. O marinheiro emprega a conjugação da segunda
pessoa do verbo “want” (querer) – “King, I wants to buy that lonely-lookin’ island wich ya
owns – they’s nobody livin’ on it an’ it ain’t down’ this country no good” e “I wants to start a
new country – A country without no difficulties. A perfect nation – I was born’d to rule an’ I
96
claims that abiliky is more importink than royal blood” (grifos nossos) –, mas a norma padrão
do inglês define o uso de “want” sem o “s”, nesse caso.
Existem outras marcas também, tais como as diversas contrações empregadas, além da
utilização de palavras como “abiliky” (ability), “difficultnies” (difficulties), “perfeck”
(perfect) e “importink” (important)83 na linguagem de Popeye. Na fala do rei, por exemplo,
não são aplicados os mesmos recursos.
Na tradução dessa última tira para o português, publicada em O Tico-Tico na edição de
número 1554, em 17 de julho de 1935, essas marcações do registro de fala de Popeye não
foram mantidas. Ao contrário disso, o marinheiro utiliza o pronome da segunda pessoa do
plural para se referir diretamente ao rei: “– Magestade, desejo comprar aquela ilha deserta que
vos pertence. Ninguém ali mora e não traz benefício algum ao país! – falou Brocoió.” (grifos
nossos).
82
Disponível em: https://newspapercomicstripsblog.wordpress.com/2016/03/26/popeye/. Acesso em: 26 abr.
2022.
83
“habilidade”, “dificuldade”, “perfeito” e “importante” (tradução nossa).
97
Fonte: O Tico-Tico, Rio de Janeiro, ano XXXII, n. 1554, 17 jul. 1935, p. 1484
84
Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/153079/37598. Acesso em: 26 abr. 2022.
98
visto que seus quadrinhos já eram publicados havia alguns anos na revista. No caso do ratinho
curioso, por exemplo, houve o lançamento, em dezembro de 1934, de um número especial da
revista, dedicado exclusivamente a ele, com curiosidades sobre a história de sua criação e
muitos quadrinhos, que certamente não seriam publicados sem que houvesse uma demanda
para compensar o investimento em produzir e imprimir uma edição extraordinária de O Tico-
Tico.
99
valores materiais), capital social (referente a uma rede de contatos), capital cultural
(relacionado a um conhecimento adquirido com o tempo de atuação em uma área e/ou com
instrução formal) e capital simbólico (reconhecimento a partir da combinação dos outros tipos
de capital, tendo como consequência a conquista de um status). No campo da tradução, por
exemplo, os tradutores se podem utilizar de alguns recursos para atingir posições de destaque,
como quando investem em capital cultural, especializando-se em determinadas áreas por meio
de estudos formais (estudos de pós-graduação, por exemplo) e, consequentemente podem
disputar um maior capital econômico (receber mais pelo trabalho realizado em comparação
aos tradutores com menos reconhecimento) e um maior capital simbólico (obtenção de um
maior prestígio em sua área).
Vinculado aos conceitos de campo e capital, o conceito de habitus consiste em um
conjunto de escolhas e práticas sociais adquiridas pelas pessoas em suas trajetórias de vida,
conforme explicam Araújo e Martins (2018). No campo da tradução, por exemplo, um agente
tradutor que queira atingir um prestígio maior precisa ter uma experiência e um vasto
conhecimento naquele campo em que esteja inserido, o que confere a ele um currículo
exemplar, e por sua vez, um status, capital simbólico.
O entendimento desses três conceitos propostos por Bourdieu, base de seus estudos
sociológicos, permite que se faça uma reflexão sobre a relação desses elementos com o objeto
de estudo deste trabalho – os quadrinhos norte-americanos em tradução na revista brasileira O
Tico-Tico –, sobretudo o conceito de capital simbólico, fundamental para compreender a força
dos Estados Unidos como uma nação pioneira na propagação de tendências ideológicas e
culturais desde meados do século XX. Ademais, a abordagem sociológica em questão deve
levar em consideração diversos aspectos das condições de circulações de bens culturais, tais
como explicam Heilbron e Sapiro (2009): a estrutura dos espaços de troca, os agentes de
intermediação cultural e a recepção das traduções na cultura de destino. Sendo assim,
veremos, no próximo tópico, como foram as implicações desses aspectos e as funções das
traduções na produção quadrinística norte-americana em O Tico-Tico, considerando as
histórias em quadrinhos de Mickey Mouse, Felix the Cat e Popeye, analisadas no capítulo
predecessor.
105
Como destacam Heilbron e Sapiro (2009, p. 17), enquanto os países mais centrais, a
exemplo dos Estados Unidos, possuem um grande fluxo de exportação de seus bens culturais
e traduzem pouco para sua língua, os países mais periféricos, tal como podemos considerar o
Brasil, “exportam” pouco e “importam” muitos livros estrangeiros, notadamente pela
tradução. Devemos levar em consideração esse fato nas publicações da revista O Tico-Tico,
pois grande parte de seus quadrinhos eram importados dos Estados Unidos, num movimento
de circulação que privilegiou a aquisição das produções desse país para o Brasil no século
XX.
Há de se considerar, assim, que as produções culturais norte-americanas se inscrevem
no contexto de grande importância de sua cultura e de sua língua, detentoras de um grande
capital simbólico no cenário contemporâneo, no qual afirmam sua hegemonia. Sua difusão
pelo mundo, iniciada no começo do século passado e consolidada no decorrer do tempo, é
106
importante difusor da literatura e cultura nacional e estrangeira, além de uma pioneira das
histórias em quadrinhos no país.
Segundo Nobuioshi Chinen (2005), em muitos quadrinhos de origem estrangeira do
início da revista infantil, as imagens eram copiadas e os nomes dos personagens modificados.
O pesquisador cita o exemplo de “As Aventuras de uma Criada”, do roteirista Caumery
(Maurice Languereau) e do desenhista Pinchon (Émile-Joseph Porphyre), ambos franceses. A
jovem moça do interior da França, chamada Bécassine, era nomeada Narcisa ou Felismina
quando aparecia em O Tico-Tico.
Enquanto nos primeiros anos a revista apresentava um maior número de quadrinhos
franceses – tendo em conta a inspiração nos semanários mencionados La Semaine de Suzette
(AZEVEDO, 2005) e Le Petit Journal Illustré de la Jeunesse (CARDOSO, 2008) –, a
presença de quadrinhos norte-americanos foi aumentando conforme o tempo, também com
ocorrências marcadas pelo fenômeno da “tropicalização”. Chinen (2005) cita, dentre muitos
outros, o exemplo das histórias em quadrinhos do menino Chiquinho, decalcado do original
Buster Brown, de Richard Felton Outcault, nome importante das histórias em quadrinhos
norte-americanas. De acordo com Ezequiel de Azevedo (2005), as histórias de Chiquinho,
inicialmente, foram reproduzidas na revista, e, ao constatar o sucesso frente ao público leitor,
O Tico-Tico passou a adaptar o personagem ao contexto brasileiro e a produzir histórias
nacionais, que, segundo Chinen (2005), foram publicadas até 1954, passando pelas mãos de
diversos ilustradores, que deixavam, como marca, os diferentes estilos de desenho. Portanto,
se considerarmos o exemplo de Chiquinho, que perdurou por grande período de existência da
revista, a presença norte-americana se mostrou constante do início ao final de sua publicação
entre 1905 e 1962, sobretudo no gênero dos quadrinhos.
Esses exemplos mencionados ilustram a presença de quadrinhos franceses, que com o
tempo foi cedendo lugar para a produção quadrinística norte-americana em O Tico-Tico, uma
manifestação da transferência de um referencial cultural para outro. Conforme os estudos de
Perrone-Moisés (2007), a referência cultural norte-americana, apesar de não ter sido tão
potente quanto foi a referência francesa no Brasil, foi para nós o segundo maior modelo de
fonte cultural e literária, tendo suplantado o modelo francês após 1920, momento em que os
Estados Unidos se consolidavam como grande potência política e econômica. A partir desse
momento, a produção cultural norte-americana passou a ser difundida com maior vigor,
especialmente em gêneros como os quadrinhos (cf. KRENSKY, 2008, p. 6-24). Ademais,
novamente de acordo com Perrone-Moisés (2007, p. 78), a partir da década de 1920, o Brasil
108
De forma mais ampla, o interesse dos Estados Unidos nas Américas foi manifestado
em diferentes oportunidades. Por exemplo, em 1823, o então presidente James Monroe, em
seu discurso ao Congresso dos Estados Unidos, afirmou que era preciso proteger os países das
Américas do colonialismo europeu. Conhecido como “Doutrina Monroe”, esse ideal adquiriu
contornos decisivos no fim do século XIX, em fortes investidas para consolidar a influência
norte-americana no continente. Outro exemplo foi a realização da Primeira Conferência Pan-
americana (1889-1890), na qual os delegados dos Estados Unidos defendiam a ideia o
discurso “pan-americano”, orientando fortemente as discussões entre os países. O Brasil
apoiava os ideais norte-americanos de proteção aos países das Américas, com o intuito de
estabelecer uma relação cordial entre as nações, segundo explica Bandeira (1978).
No início do século XX, estabeleceu-se a “Aliança não escrita”, um acordo de
cordialidade entre ambos os países. O Brasil tinha os Estados Unidos como seu principal
importador de produtos brasileiros, no âmbito econômico, e as relações entre os dois países
era vista como uma forma de fortalecimento do país frente à Europa.
No âmbito da cultura, sabe-se que alguns escritores norte-americanos, como Edgar
Allan Poe, Henry Wadsworth Longfellow, Harriet Beecher Stowe, James Fenimore Cooper e
Herman Melville tiveram suas obras lidas por muitos intelectuais e fizeram algum sucesso
entre os leitores brasileiros no século XIX, ainda um período de forte influência europeia,
principalmente francesa, de acordo com Bandeira (1978). O pesquisador explica que no início
do século XX a cultura norte-americana passou a ter uma maior importância para os
brasileiros.
Segundo explica Gerson Moura (1991), a difusão cultural dos Estados Unidos no
Brasil não aconteceu por mero acaso, sobretudo em razão do contexto histórico, no qual as
relações demarcadas por esses dois países ascenderam em um período de grandes conflitos,
entre a Primeira e a Segunda Guerra Mundial, e na Grande Depressão. Diante disso, frente à
polarização político-ideológica internacional, o presidente dos Estados Unidos, Franklin D.
Roosevelt, adotou a estratégia da “política da boa vizinhança” com o intento de firmar aliança
entre os países latino-americanos, sobretudo o Brasil, estabelecendo uma relação mútua de
solidariedade e de defesa dos territórios, e concomitantemente, relações comerciais mais
próximas, em decorrência das matérias primas brasileiras terem um importante peso para o
abastecimento interno dos Estados Unidos, naquele período pré-guerra, de tensões políticas
internacionais. Aliado a isso, o Brasil era um território com uma posição geográfica atrativa, e
seria um forte aliado, não só no quesito comercial, mas também espacial, antes de eclodir a
Segunda Guerra Mundial. Por trás de todas as estratégias de Roosevelt, o plano maior, de
fortalecer como uma potência econômica, foi alcançado a partir de uma difusão cultural e
ideológica; utilizando o “american way of life” como lema, conseguiu disseminar o fazer
111
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Felix the Cat surgiu em 1919, em desenhos animados produzidos por Pat Sullivan,
criador desse personagem, para alguns especialistas; para outros, o desenhista Otto Messmer
seria seu verdadeiro criador. O Tico-Tico publicou suas tiras entre 1929, ano em que esteve
presente em somente uma edição, e 1942, em que apareceu nos três primeiros números. Os
quadrinhos do gato preto de olhos grandes e brancos eram traduzidos para o português a partir
da adaptação das animações para os quadrinhos norte-americanos.
Foram analisadas as tiras adaptadas dos desenhos animados Felix the Cat in Uncle
Tom’s Crabbin’, de 1927, e Felix the Cat in Japanicky, de 1928, publicados em O Tico-Tico
em 1930 e 1931, respectivamente. Nota-se, na primeira produção, o uso da blackface na
representação estereotipada dos personagens negros do romance Uncle Tom’s Cabin, de
Harrier Beecher Stowe. Na segunda produção, foram explorados os clichês da cultura
japonesa a partir de uma visão marcada pelo choque cultural.
Popeye, o marinheiro criado por Elzie Crisler Segan, estreou primeiramente nas
histórias em quadrinhos, e depois em animações. Seu lançamento nas tiras aconteceu em
1929, nos Estados Unidos. No Brasil, suas produções quadrinísticas traduzidas para o
português apareceram no Diário de Notícias, do Rio de Janeiro, em 1932. Em O Tico-Tico,
foram publicados, entre julho de 1934 e julho de 1935, os quadrinhos da história “Long live
the King”, e alguns quadros iniciais de “King of Popilania”, sua continuação, ambas de 1932.
Os balões das três histórias em quadrinhos analisadas eram removidos, e a fala dos
personagens eram deslocadas para as legendas inseridas abaixo de cada quadro. Tal
procedimento pode ser entendido como uma forma de domesticação – como explica Valerio
Rota (2008), com base em Lawrence Venuti (1995) –, para que os quadrinhos se
aproximassem dos leitores brasileiros, e sua leitura fosse cômoda, visto que o público
consumidor de O Tico-Tico já estava acostumado a ler histórias que, antes do aparecimento
dessas produções quadrinísticas norte-americanas, recorriam à legenda para mostrar a fala dos
personagens e inserir a descrição dos acontecimentos. Tal situação se alterou em Mickey
Mouse e Felix the Cat somente em 1941, pouco antes de suas produções serem encerradas na
revista.
Em O Tico-Tico, as tiras de Mickey foram, de início, nomeadas como “As aventuras
do Ratinho Curioso”, o que se alterou no final de 1934, quando o nome em inglês passou a ser
atribuído ao personagem e a fazer parte do título dos quadrinhos, num momento em que seus
desenhos animados estavam sendo exibidos no Rio de Janeiro, como acontecia no Cinema
Glória, que se denominava “A Casa do Camondongo Mickey”. Os quadrinhos de Popeye, por
115
sua vez, traziam em seu título o nome “Brocoió”, que havia sido traduzido anteriormente em
suas tiras publicadas no jornal carioca Diário de Notícias. Assim sendo, esses casos
exemplificam as normas de tradução – conforme define Gideon Toury (1995) – vigentes no
Brasil do século XX, que consistiam, por exemplo, em traduzir os nomes dos personagens e
não reproduzir, no texto de chegada, as marcas de oralidade nos balões. Desse modo, no caso
de Popeye, cujas falas nos quadrinhos em inglês são caracterizadas por sua coloquialidade
própria, não houve uma tradução que retratasse a variação linguística nas tiras em português.
Com relação a isso, entende-se que o cunho educativo da revista permitia que apenas uma
linguagem mais formal se manifestasse na tradução dessas tiras.
Algumas histórias de Mickey Mouse e Felix the Cat sofreram cortes, que interferiram
na sequência dos quadros e na compreensão da história. Por exemplo, os primeiros
quadrinhos do personagem de Walt Disney publicados na revista, em 1930, traduzidos da
produção intitulada “Lost on a Desert Island”, teve trechos da história não publicados nas
edições regulares de O Tico-Tico, mas depois reaproveitados na edição do almanaque anual
de 1931, sem explicações aos leitores. No caso de Félix, por exemplo, a última história,
publicada entre o final de 1941 e o início de 1942, alguns quadrinhos em que esse personagem
principal não aparecia foram removidos, o que possivelmente dificultou a compreensão dos
leitores.
Com relação à coloração, os quadrinhos de Mickey Mouse e de Felix the Cat, de
início, eram coloridos pela própria revista brasileira. Rapidamente, nos anos seguintes, esse
procedimento foi abandonado. Por exemplo, os quadrinhos de Popeye, publicados entre 1934
e 1935, não foram coloridos, bem como grande parte dos quadrinhos do rato de Walt Disney,
que aparecem em preto e branco na edição extraordinária de dezembro de 1935. Nos últimos
dois anos, a ampla maioria dos quadrinhos de Mickey e Félix foi impressa em preto e branco,
assim como se costumava fazer nos jornais dos Estados Unidos.
Com base em estudos de sociologia da tradução, foi possível delinear um contexto da
presença dessas produções quadrinísticas norte-americanas no Brasil, considerando, conforme
compreende Giséle Sapiro (2016), os fatores sociais, culturais, políticos e econômicos em
torno da tradução, para entender o mercado de bens culturais e as trocas internacionais. Assim
sendo, no início do século XX, a cultura norte-americana adquiria gradativamente uma
centralidade, e foi consolidando sua hegemonia a partir da Segunda Guerra Mundial. Suas
produções – literatura, quadrinhos, cinema etc. – foram disseminadas pelo mundo e
absorvidas pela cultura brasileira, assim como aconteceu em O Tico-Tico, que recebeu em
116
suas páginas as histórias em quadrinhos de Mickey Mouse, Felix the Cat e Popeye, e várias
outras. Tais personagens são, até atualmente, utilizados em produções da indústria editorial e
audiovisual, além de retratados em produtos licenciados, que aproximam ainda mais as
criações norte-americanas de seus consumidores pelo mundo. Analisar como esse processo
aconteceu na década de 1930, em O Tico-Tico, por meio dos quadrinhos referidos, pode
ajudar a compreender melhor a propagação da cultura norte-americana no Brasil naquela
época, tendo em vista o início de um processo que se iria desenvolver posteriormente.
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