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61 f.
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Diagramação: Caio Brasil Rocha
Assessoria de comunicação: Caio Brasil Rocha e Kathlen Barbosa
Contato: comunicacao@ippesbrasil.com.br
equipe técnica
Fernanda Cruz
Socióloga, doutora em Sociologia pelo IESP-UERJ,
pesquisadora de pós-doutorado no Núcleo de
Estudos da Violência (NEV-USP), pesquisadora e
Coordenadora Adjunta de Ensino e Pesquisa do
IPPES.
Dayse Miranda
Doutora em Ciência Política pela USP, pesquisadora
na área de violência e políticas públicas. Atualmente
é presidente e diretora de ensino e pesquisa do
Instituto de Pesquisa, Prevenção e Estudos em
Suicídio (IPPES).
Mariana da Fonte
Antropóloga, historiadora e doutoranda pelo
Programa de pós-graduação em Sociologia e
Antropologia da UFRJ. Professora de Sociologia no
Ensino Médio e pesquisadora do IPPES.
Textos reflexivos
Nathalia Fallavena Ceratti
Fernanda Novaes Cruz
Mariana da Fonte
Alexandra Valéria Vicente
Caio Brasil Rocha
SUMÁRIO
1. Apresentação 6
2. Categorias analisadas neste trabalho 8
3. Metodologia 9
3.1 As fontes e as limitações 11
4. Fatores profissionais 13
4.1 Instituição de origem 14
4.2 Situação funcional 17
4.3 Cargo 18
5. Fatores sociodemográficos 19
5.1 Sexo 20
5.2 Taxa por sexo 22
5.3 Idade 24
5.4 Estado civil 26
5.5 Instrumento utilizado 27
5.6 Instrumentos e vítimas para Homicídio seguido de suicídio 29
6. O que nos ensinam as narrativas dos casos analisados em 2020? 30
6.1 O que nos ensinam as narrativas dos casos analisados em 2020? 31
6.2 Os fatores associados e demais temas relevantes 32
7. Reflexões necessárias 37
7.1 A invisibilidade da inatividade 38
7.2 Homicídio seguido de suicídio ou Feminicídio seguido de suicídio? 40
7.3 A depressão como fator de risco para o comportamento suicida 44
7.4 Suicídio na segurança pública: qual é o papel da mídia? 47
8. Considerações finais 52
9. Bibliografia 53
10. Anexos 54
1. APRESENTAÇÃO
6
Suicídio (GEPeSP) 1 e, recentemente, Finalmente, esta versão dis-
pelo Instituto de Pesquisa, Preven- ponibiliza, na parte dos Anexos,
ção e Estudos em Suicídio (IPPES) 2. os casos de tentativas, suicídios e
homicídios seguidos por suicídio
Nesta edição, faremos um mapeados entre 2018 e 2020 por
resgate das estatísticas apresen- unidade federativa e por instituição
ta das nas três versões anteriores de segurança pública. O boletim foi
deste boletim, destacando a evo- organizado pelo Laboratório de Es-
lução dos casos de tentativas de tudos de Violência e Saúde Mental
suicídio, suicídio consumado e ho- do IPPES e faz parte de um conjun-
micídio seguido suicídio. Além dis- to de estratégias de prevenção e
so, exploramos qualitativamente intervenção no campo da Seguran-
as narrativas dos casos. Nosso ob- ça Pública. Buscamos fazer deste
jetivo é aprofundar a compreensão documento uma referência para a
dos fatores associados às mortes elaboração de um fluxo de notifica-
violentas intencionais. De maneira ção de informações de qualidade,
inédita, apresentamos textos refle- permitindo que os gestores públi-
xivos assinados por pesquisadores cos formulem e implementem po-
do IPPES sobre as inquietações que líticas de prevenção de mortes vio-
esses dados nos geram desde a pri- lentas intencionais de acordo com
meira publicação deste trabalho. as especificidades das instituições.
Boa leitura!
1 O Grupo de Estudo e Pesquisa em Suicídio e Preven-
ção (GEPeSP), nascido 2013, no Laboratório de Análise
da Violência (LAV), da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro. Seu objetivo era produzir conhecimentos acadê-
mico e aplicado, visando fomentar ações institucionais e
políticas públicas de prevenção do suicídio no campo da
Segurança Pública no Brasil.
7
2. categorias analisadas neste trabalho
SUICÍDIO CONSUMADO
TENTATIVA DE SUICÍDIO
Atos cometidos por indivíduos que pretendem tirar a própria vida, mas cujo
desfecho não resulta em óbito. Estima-se que as tentativas de suicídio são até
quarenta vezes mais frequentes do que os suicídios consumados e que um
caso de suicídio foi precedido por, pelo menos, 10 tentativas de gravidade su-
ficiente para demandar cuidados médicos5.
3 OMS, 2008.
4 IPPES, 2021.
8
3. metodologia
9
Desse total, 90 ocorreram em relação aos anos anteriores. Espera-
unidades da Polícia Militar, 12 na Po- mos que essa diminuição seja reflexo
lícia Civil, 8 no Corpo de Bombeiros das políticas institucionais adotadas
Militar, 4 na Polícia Penal, 3 nas For- pelas organizações de segurança pú-
ças Armadas, 3 na Polícia Rodoviária blica no país. Contudo, sabemos que
Federal, 1 na Polícia Federal e 1 em um aumento ou diminuição do nú-
uma Guarda Municipal. mero de casos precisa ser interpreta-
do com cautela, dado o curto tempo
Os dados coletados nos últi- da coleta dos dados e as limitações
mos quatro anos indicam uma ligeira das fontes analisadas.
queda nos casos no ano de 2020 em
10
3.1 As fontes e as limitações
11
Gráfico 2: Fonte de informação dos casos analisados em 2020
12
4. FATORES PROFISSIONAIS
14
Gráfico 3: Casos analisados por Corporação em 2018
15
Taxa de mortes violentas intencionais
para policiais militares da ativa
(2018-2020)
16
4.2 Situação funcional
17
4.3 Cargo
18
5. FATORES SOCIODEMOGRÁFICOS
20
Gráfico 12: Suicídio consumado
21
5.2 Taxa por sexo
22
Tabela 2: Taxa de mortes violentas intencionais por sexo (2018-2020)
2018 2019 2020
Taxa de Taxa de Taxa de
mortes mortes mortes
violentas violentas violentas
Sexo Taxa de Taxa de Taxa de
intencionais intencionais intencionais
mortes por mortes por mortes por
(Suicídio e (Suicídio e (Suicídio e
suicídio suicídio suicídio
Homicídio Homicídio Homicídio
seguido por seguido por seguido por
suicídio) suicídio) suicídio)
Masculino 1 0,72 1 0,86 0,97 0,83
Feminino 1,1 1,1 1,29 1,29 1,08 0,86
23
5.3 Idade
24
Tabela 3: Média de idade para profissionais de segurança
pública ativos (2018-2020)
2018 2019 2020
% perda de % perda de % perda de
Média Média Média
informação informação informação
Suicídio Consumado 35,2 67% 36,4 41% 40,0 40%
Tentativa de Suicídio 36,5 86% 36,7 80% 44,0 92%
Homicídio seguido de suicídio 39,0 23% 36,0 50% 42,8 20%
25
5.4 Estado civil
26
5.5 Instrumento utilizado
27
Gráfico 18: Instrumento utilizado para suicídio consumado (2018-2020)
28
5.6 Instrumentos e vítimas para Homicídio seguido de suicídio
29
6. O que nos ensinam as narrativas
dos casos analisados em 2020?
6.1 O que nos ensinam as narrativas dos casos
analisados em 2020?
Desde a versão do Boletim Existe um grande debate inter-
IPPES publicada em 2020, passamos a nacional acerca dos fatores associa-
analisar o conteúdo das notificações, dos ao comportamento suicida entre
tanto oriundas da mídia quanto das os profissionais de segurança pública.
ocorrências que envolviam profissio- Pesquisas realizadas em diversos paí-
nais de segurança pública. Essa análi- ses do mundo – majoritariamente em
se nos permite identificar fatores que países desenvolvidos –, nem sempre
podem ser relevantes para compre- apresentam resultados semelhantes.
ender as mortes e as tentativas de sui- Ou seja, fatores que aparecem como
cídio. Em 2020, foram analisados 122 relevantes em um contexto, por vezes
casos pelo IPPES. Entre esses estão não se repetem em outro.
71 suicídios, 14 homicídios seguidos
de suicídio e 26 tentativas de suicídio. Chae e Boyle (2013) publicaram
Nesta análise, foi considerado todo o uma revisão bibliográfica dos estudos
material disponível referente a cada sobre fatores de risco e fatores de pro-
um dos casos, entre eles, a notifica- teção relacionados ao suicídio policial.
ção da ocorrência, nota de pesar da Os autores apontaram os cinco fato-
corporação que o profissional estava res relacionados ao trabalho mais pre-
vinculado e a(s) matéria(s) jornalísti- sentes nos estudos, são eles: estresse
cas sobre o caso. organizacional, trauma oriundo de
incidente crítico, trabalho por escalas
É evidente que essas fontes de e jornada atípica de trabalho, proble-
informação possuem uma série de mas de relacionamento e uso e abuso
limitações, sendo a principal delas o de álcool. Os autores afirmam ainda
fato de as narrativas serem construí- que, embora o grau em que esses es-
das majoritariamente por outros ato- tressores influenciam uns aos outros
res que não as vítimas. Ao mesmo não seja claro, os estudos sugerem
tempo, os relatos nos permitem aces- que não é um único fator isoladamen-
sar temas e informações que desapa- te, mas a interação de múltiplos riscos
recem quando trabalhamos apenas pode ser responsável por elevar o ris-
em uma perspectiva de quantificação co de suicídio entre policiais9.
dos casos e das características socio-
demográficas das vítimas. 9 CHAE; BOYLE, 2013.
31
6.1 Os fatores associados e demais temas relevantes
32
Entre esses, estão experiências de
vitimização provocadas ou no de- Fatores organizacionais tam-
sempenho das funções policiais ou bém apareceram - ainda que em
por colegas. A narrativa a seguir de- menor frequência - em narrativas
monstra como a articulação desses de tentativas (1 caso) e suicídios (5
fatores pode ajudar a compreender casos). Entre esses, as narrativas ci-
o desenvolvimento do comporta- tam transferências como forma de
mento suicida em um profissional: punição, perseguições e condições
precárias de trabalho com desta-
“(o policial) possuía Transtorno do que para a baixa remuneração. Fi-
Espectro Autista (TEA) e relatava nalmente, os fatores sociais abor-
que, desde o início da carreira dam os relacionamentos sociais
militar, sofria bullying e persegui- desses agentes. Nesta perspectiva e
ções dentro da corporação, prin- confirmando o que já foi apontado
cipalmente após seu diagnóstico, em outros trabalhos, esses fatores
o que fez com que sua possível estão presentes em 20 casos, sendo
promoção fosse prejudicada. Ao 10 deles de homicídio seguido por
que tudo indica no vídeo e a fotos suicídio. Na figura a seguir, é possí-
enviadas da ocorrência, ele have- vel ver uma série de combinações
ria se suicidado em seu aparta- de palavras que sugerem a existên-
mento por conta de perseguições cia de conflitos domésticos.
institucionais.” (Matéria de Jornal,
29/08/2020)
33
Figura 1: Nuvem de palavras dos fatores
34
Gráfico 23: Aspectos relevantes colhidos das narrativas dos casos de 2020
35
do comportamento suicida. Jornal, 17/05/2020).
36
REFLEXÕES NECESSÁRIAS
38
cém-publicado nos Estados Unidos10 monstrado importante melhora na
demonstrou que, apesar de todas saúde física e mental desses profis-
as adversidades enfrentadas pelos sionais. Também é necessário pro-
policiais inativos, existe um grau mover um maior suporte durante
muito elevado de resiliência desen- este período de transição, tendo em
volvido por parte desta categoria. vista que, não raras vezes, duran-
Esse mecanismo de defesa serve te o período da atividade, policiais
como fator de proteção para o so- acabam se distanciando de seus cír-
frimento psíquico e contribui para culos de convívio e a aposentadoria
aprimorar a saúde mental destes demanda uma reaproximação dos
profissionais. vínculos com a família e amigos.
39
7.2 Homicídio seguido de suicídio
ou Feminicídio seguido de suicídio?
Por Mariana da Fonte
40
Gráfico 24: Presença de fatores nas narrativas dos casos ocorridos em 2020
41
to do casal. Ademais, a mãe de Jo ridade nos casos de H/S, é funda-
ana relatou que, antes do ocorrido, mental que perguntemos: por que
-
Pedro já havia ameaçado se matar, mulheres são vitimizadas por seus
apontando a arma três vezes em parceiros antes destes cometerem
direção à cabeça. o suicídio? O que este fato nos re-
vela sobre estruturas de poder que
Caso 2: permeiam nossas instituições e so-
ciabilidades? E, por fim, por que
Em um município do interior não falar de feminicídio - assassina-
do estado da Bahia, um policial de to de uma mulher pelo simples fato
33 anos matou sua esposa Carla de ser mulher - seguido de suicídio?
(também policial) e, em seguida, se
matou. As filhas, que presenciaram De acordo com a literatu-
o acontecido, não sofreram feri- ra, os motivos mais comuns para
mentos. A polícia responsável pela a ocorrência do feminicídio são o
investigação do caso disse que, 4 ódio, o desprezo e o sentimento de
meses antes do ocorrido, o policial perda do controle e da propriedade
foi preso em flagrante por violência sobre as mulheres. Não à toa, briga
doméstica. Após este acontecido, entre casais motivadas pela recusa
foi expedida medida protetiva em do homem em aceitar a separação
favor de Carla. Entretanto, não se ou o divórcio é um dos fatores que
sabe se a medida ainda estava em se destaca nos casos de H/S notifi-
vigor no momento do H/S. cados. Ademais, como evidenciado
no caso 2 descrito acima, a ocor-
Os dois casos descritos acima evi- rência de violência doméstica é
denciam uma questão hegemônica uma realidade alarmante que pode
presente nos casos de homicídio configurar um fator de risco para a
seguido de suicídio (14) coletados perpetuação do H/S. Segundo Ri-
para a confecção deste boletim: no chards, Gillespie e Smith (2014),
contexto do homicídio, as mulhe- o feminicídio seguido de suicídio
res são as principais vítimas de seus pode ser visto como um extremo
parceiros íntimos. Neste sentido, da violência doméstica. Para as
é de suma importância se atentar autoras, enquanto o homicídio se-
para a relação entre o perpetrador guido de suicídio é uma ocorrência
e a vítima quando se analisa este rara no contexto do crime em geral,
fenômeno. Se esta é uma regula- no âmbito do homicídio por parcei-
42
ro íntimo, o feminicídio seguido de Além disso, é fundamental
suicídio é muito comum. que os/as produtores/as de conhe-
cimento e formuladores de opinião
A reflexão em torno da categoria reconheçam que, apesar de casos
de feminicídio (em detrimento do como os notificados neste boletim
homicídio) seguido de suicídio, tem acontecerem, em sua maioria em
o intuito de evidenciar como nos espaços domésticos, não devem ser
casos notificados, a morte de mu- tratados como problemas individu-
lheres por seus parceiros (que co- alizados. A morte de mulheres por
metem o suicídio posteriormente) seus parceiros é uma questão social
não é um acontecimento isolado. generalizada e que somente sendo
Pelo contrário, sua recorrência re- tratada como tal poderá mobilizar
flete estruturas de dominação e de o apoio da comunidade acadêmica,
poder que organizam as relações de política e civil.
gênero em nossa sociedade.
43
7.3 A depressão como fator de risco
para o comportamento suicida
Por Alexandra Valéria Vicente
44
ciais que as expõem naturalmente a quico mais presentes no suicídio.
situações de perigo e significativo ris- Contudo, outros conceitos e descri-
co de vida, o transtorno depressivo ções utilizados, tais como: “surto”,
pode ganhar cores mais fortes. Isso “resistência ao tratamento”, “histó-
ocorre pois, por um lado, as caracte- rico de tentativa”, “uso de álcool ou
rísticas do trabalho contribuem para drogas”, “já apresentava problemas
o agravamento do quadro por aspec- psicológicos há algum tempo”, “mãe
tos tais como: vivência recorrente de faleceu há mais ou menos 01 ano”,
situações com alto potencial trau- “perseguido no ambiente de traba-
mático, pouco (ou nenhum) suporte lho”, “afastado do tratamento”, per-
ao fortalecimento da saúde mental mitem inferir acerca da presença do
do profissional e cultura organiza- quadro depressivo em outros even-
cional significativamente sustentada tos, mas que não foi assim identifi-
pela punição (o que é diferente da cado, bem como para a possiblidade
“responsabilização”, que poderia, in- de outros transtornos mentais.
clusive, contribuir para o restabeleci-
mento da saúde de alguns profissio- O estudo da mensagem dei-
nais que, ao invés de serem tratados xada por um policial morto por sui-
em suas patologias, são alijados das cídio demonstra a presença de uma
engrenagens institucionais e jogados depressão fortemente associada ao
em uma invisibilidade que não cuida sentimento de desesperança, o que
e não acolhe). Por outro lado, o tra- indica a gravidade do sofrimento ex-
balho desse profissional o lança em perimentado. Importante ressaltar
inúmeras “oportunidades” para a que o sentimento de desesperança
morte por suicídio, cujas caracterís- se encontra fortemente associado
ticas podem, inclusive, se apresentar ao comportamento suicida, sendo a
como “morte indeterminada”, ou sua presença mais indicativa ao sui-
como “ato de serviço”. cídio do que a própria depressão. No
bilhete, o profissional relata o ideal
Na análise do contexto apre- que o conduziu a trabalhar na segu-
sentado pela mídia para as descri- rança pública, lamenta ter “falhado”
ções das mortes por suicídio entre os e agradece o acolhimento recebido
profissionais de segurança pública foi para, em seguida, afirmar que “can-
possível observar a significativa pre- sou do mundo”. Ele não tinha mais
sença do termo “depressão” como esperanças.
um dos fatores de adoecimento psí-
45
Examinando outro evento, de seleção, capacitação continuada,
no qual o policial comete suicídio condições de trabalho compatíveis
após o término do plantão no alo- aos riscos experimentados, suporte
jamento de seu local de trabalho, psicossocial para o manejo de situa-
é possível refletir acerca das possí- ções com alto potencial traumático
veis dificuldades e contradições por e, por fim, em um modelo de gestão
ele vivenciadas no contexto institu- humanizada, isto é, que não retire
cional. Visto como um profissional as responsabilidades, mas que seja
comprometido, qualificado e que capaz de enxergar a individualidade
gostava muito da profissão exercida, daqueles que executam os protoco-
apesar do diagnóstico de depressão, los e procedimentos operacionais
continuava exercendo suas funções padrão.
normalmente, inclusive com autori-
zação para acréscimo de carga horá- Concluindo, é preciso sinalizar
ria (serviço extra). Valorizado em sua para a forte associação entre depres-
“operacionalidade”, parece não ter são, suicídio e passagem para a inati-
tido o sofrimento reconhecido e vali- vidade. A aposentadoria para o pro-
dado. Certamente, em muitas vezes, fissional de segurança pública pode
o próprio sujeito recusa o tratamen- ser impactante: acostumado a uma
to oferecido e não aceita se afastar rotina que demandava rapidez nas
das funções profissionais. Contudo, ações, muitas vezes realizando ser-
tal fato não exime a instituição da viços “extras”, passou considerável
sua responsabilidade, que é ofere- parte da vida na instituição de traba-
cer o tratamento necessário, afastar lho convivendo não muito com a fa-
o policial pelo tempo indicado pelo mília. O novo período da vida, para o
serviço de saúde e certificar-se de qual muitas vezes não foi preparado,
que este está sendo realizado. Ne- pode acarretar quadros depressivos,
cessário ainda acautelar todo o ar- uso abusivo de álcool e/ou outras
mamento em posse do profissional. drogas e conflitos familiares. Consi-
derando os dados epidemiológicos
Como parte das estratégias acerca do comportamento suicida,
que buscam contribuir para a pre- é possível perceber a importância da
venção ao adoecimento mental do proposição de ações por parte das
profissional de segurança pública, instituições de segurança pública
é importante frisar que as institui- também para esse grupo.
ções devem investir nos processos
46
7.4 Suicídio na segurança pública:
qual é o papel da mídia?
Por Caio Brasil Rocha
47
formações sobre casos de suicídios, profissional de segurança pública, 8
homicídios seguidos por suicídio e fazem o uso do termo “feminicídio”.
tentativas de suicídio entre profis-
sionais de segurança pública, que Uma das orientações mais
são checadas pela equipe de pes- importantes da OMS para os pro-
quisadores. Em 2020, foram anali- fissionais de mídia se refere ao não
sados 71 casos de suicídio, 26 ten- detalhamento do método utiliza-
tativas de suicídio e 14 homicídios do pela vítima de suicídio ou de
seguidos por suicídio. A equipe de tentativa de suicídio. Ressalta-se
pesquisadores encontrou 53 notí- que, por mais que o método mais
cias e 11 notas de falecimento refe- usual entre profissionais de segu-
rentes a esses casos. Para a análise rança pública seja recorrendo ao
da cobertura jornalística que em- seu próprio instrumento de tra-
preendemos aqui, desconsidera- balho, a não omissão dessa infor-
mos as notas publicadas pelas ins- mação pode vulnerabilizar ainda
tituições de segurança pública em mais indivíduos que se encontram
seus sites por comporem um gê- em sofrimento e ser determinante
nero textual diferente das notícias. para uma possível nova tentativa.
48
pelas vítimas de suicídio. Entretan- da matéria especialistas em suicídio.
to, das 7 matérias que mencionam Afinal, um fenômeno complexo e
a existência de uma carta, áudio multicausal não pode ser reduzido a
ou mensagem da vítima, 3 exibem relatos simples e objetivos. Porém,
o seu conteúdo. Outra recomen- nenhuma das notícias observadas
dação não seguida por veículos de apresenta a fala de um profissional
imprensa é a de não expor a ima- ou instituição especialista em suicí-
gem da vítima de suicídio. Não fo- dio e prevenção. Apenas 2 notícias
ram registradas imagens das víti- trazem no texto estatísticas sobre o
mas mortas ou feridas em nossa suicídio e têm como fonte de dados
análise, mas 28 notícias apresen- a Organização Mundial da Saúde e
tam retratos das vítimas. Entre as a Ouvidoria de Polícia de São Paulo.
matérias sobre homicídio seguido
de suicídio e homicídio seguido de As fontes são matéria prima
tentativa de homicídio, 8 mostram essencial para o fazer jornalístico.
a imagem das vítimas de homicídio. Citar as fontes das informações qua-
lifica o texto, conferindo-lhe cre-
Não apresentar explicações dibilidade. Entretanto, 13 notícias
simplistas para o comportamento não mencionam a fonte da informa-
suicida ou conjecturar motivos tam- ção. Em 23, apenas 1 fonte é men-
bém é uma instrução da OMS. Po- cionada, 2 fontes são citadas em
rém, nas 53 notícias analisadas, 21 9 matérias, 3 fontes são indicadas
descrevem motivos ou apresentam em 7 notícias, não foram identifi-
indícios de uma possível causa para cadas matérias com 4 fontes, e em
o comportamento suicida. Entre as 1 notícia são encontradas 5 fontes.
15 matérias que abordam casos de
homicídio seguido de suicídio ou de Identificamos 67 citações
homicídio seguido de tentativa de a fontes nas matérias. Entre elas,
suicídio, 8 relatam uma causa ou dão a Polícia Militar surge 20 vezes, a
indícios de motivos para o homicídio. Polícia Civil 13 e “Polícia” sem es-
pecificação da instituição soma 2
Para aventar sobre as possíveis ocorrências. Assim, as instituições
razões que levam um indivíduo ao policiais ou seus atores represen-
comportamento suicida, sem incor- tam 35 das vozes presentes nas 53
rer a simplificações, salientamos que notícias analisadas. Confira a ta-
se faz necessário trazer como fonte bela com as fontes consultadas.
49
Tabela 5: Fontes consultadas pelas Observamos nas notícias
matérias publicadas no ano de 2020
sobre violências autoprovocadas
Fonte Citações entre profissionais de segurança
Polícia Militar 20 pública muitos aspectos dissonan-
Polícia Civil 13 tes com a proposta de abordagem
Testemunhas 8 apresentada pela OMS. A difu-
Familiares 5 são dos manuais já existentes e a
Fonte não revelada 5 construção de novos, que contem-
Amigos e conhecidos 2 plem uma abordagem mais atuali-
Departamento Penitenciário 2 zada das questões que surgem no
Polícia (não especificada) 2
espaço midiático, é um caminho
Secretarias de governo 2
importante para a boa prática do
Advogado 1
jornalismo e a valorização da vida.
Associação de Praças 1
Instituto Médico Legal 1
A notícia sobre suicídio per-
Ordem dos Advogados do Brasil 1 corre um caminho semelhante ao
Organização Mundial da Saúde 1
da cobertura de violência urbana.
Outro veículo de imprensa 1
Entretanto, por mais que o sui-
Ouvidoria de Polícia de São Paulo 1
cídio se enquadre no campo de
Vítima (tentativa de suicídio) 1
pesquisa da violência e, nos ca-
Total de fontes 67
sos investigados, a vítima seja um
Fonte: elaboração do IPPES
profissional de segurança pública,
propomos um novo olhar para o
A divulgação de serviços fenômeno. Uma narrativa diferen-
de acolhimento ou de conteúdos te para a cobertura do fenômeno
de profissionais envolvidos com do suicídio e tentativas de suicí-
a prevenção do suicídio ocorreu dio é possível e se faz necessária.
em apenas 4 matérias. Entre elas,
o Centro de Valorização da Vida Advoga-se pela emergência
(CVV) é mencionado 4 vezes, o de um compromisso do campo pro-
Grupo Amor Vida, 1 vez, e um vídeo fissional em abordar a temática de
no qual uma psicóloga e um mili- forma cuidadosa, alinhado com as
tar especialista em negociação em recomendações das instituições
crise suicida conversam a respei- que trabalham pela prevenção do
to da prevenção é sugerido 1 vez. suicídio. Uma cobertura que hiper
50
detalha os fatos expõe as vítimas pela Constituição o direito de ocul-
e seus familiares, além de vulne- tar a fonte. Essa decisão é tomada
rabilizar ainda mais aqueles que para proteger, sobretudo, a vida da
estão em sofrimento emocional. pessoa que apresenta uma infor-
mação valiosa para a construção
Para alterar esse quadro, do conteúdo noticioso de interes-
propomos uma cobertura do fe- se público, além de ser um fator
nômeno e não do fato em si. O determinante para a democracia.
fato pode propiciar uma entrada
ao tema, mas sem pormenorizar A ocultação de determina-
as situações que podem gerar ga- das informações sobre casos de
tilhos e favorecer a repetição. As- suicídio – não só os que envol-
sim, trazer autoridades da área vem profissionais de segurança
de saúde como fontes das maté- pública – se inscreve na mesma
rias, apresentar o suicídio em um lógica e pode salvar vidas. Um cui-
debate mais amplo e menos des- dado não com a fonte, mas com
critivo do fato, além de ressaltar o público leitor. Com a crescen-
alternativas ao suicídio e divulgar te centralidade dos meios de co-
serviços e instituições que fazem municação na vida cotidiana das
o acolhimento de pessoas em pessoas, o jornalismo ocupa um
sofrimento e trabalham a pre- espaço estratégicos na circula-
venção do suicídio é essencial. ção de informações confiáveis e
seguras, sobretudo na internet.
Os profissionais de jornalis- A postura cidadã de um jornalis-
mo têm como uma das prerroga- mo empático e parceiro da vida
tivas mais importantes garantidas se faz cada vez mais necessária.
pelo Código de Ética e respaldado
51
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS
52
9. bIBLIOGRAFIA
ADLER, J. S. ‘If we can’t live in peace, we might MIRANDA, D. (Org.). Por que policiais se matam?
as well die’: homicide-suicide in Chicago, 1875- Rio de Janeiro: Mórula, 2016.
1910. Journal of Urban History, v. 26, n. 1, p.
3-21, 1999. MIRANDA, D.; BORGES, D.; CANO, I.; GUIMARÃES,
T.; NOVAES, F.; RIBEIRO, M. S.; FURTADO, C.
AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION - APA. C.; MENEZES, L. P. R.; SILVA, A. V. V.; OLIVEIRA,
Manual diagnóstico e estatístico de transtornos P. M. N.; REIS, M. S.; SÁ, B. G. S.; RIBAS, R. F.
mentais: DSM-5. Porto Alegre: Artmed, 2014. O comportamento suicida entre profissionais
de segurança pública e prevenção no brasil.
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10. Anexos
10. Anexos
Anexo 1: Suicídio de agentes de segurança pública da ativa 2018-2020