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fersio cortigida de texto originalmente intitulado “Notas Sobre iso ¢ Ruptura no Renascimento ¢ na Primeira Modernidade” “entado para concurso de efetivagéo na carreira, na FFLCH-USP, em ‘publicado na Revista de Histéria, dessa mesma instituigao, em 1996, spp. 19.429. il DIGAO E RUPTURA NO RENASCIMENTO E NA PRIMEIRA MODERNIDADE - Aparentemente ndo h4 nenhum motivo para aproximar 0 historiador Jacob Burckhardt (1818-1897) do pensador e politico francés Alexis de “queville (1805-1859). Contudo, néo se pode prescindir dos seus nomes Jo se aborda a questio da tradigao e da ruptura na época moderna, que \¢ se pretende fazer aqui. Embora nao tenham sido eles os criadores, ou primeiros a fazerem uso, dos termos “Renascimento” e “Antigo Regime’, ‘les 0s primeiros que elevaram estes termos & categoria de con izam e definem a primeira modernidade europeia. E 0 fizeram com a, para nao dizer genialidade, que nao se pode, desde entio, tratar ricamente do Renascimento e do Antigo Regime, val 1, do inicio 1 da primeira modernidade, sem passar necessariamente por Burckhardt € ieville. sm outras palavras, com suas respectivas obras-primas A Cultura do scimento na Itélia e O Antigo Regime e a Revolugdo, publicadas quase smo tempo (a primeira em 1860 e a segunda em 1856), Burckhardt ¢ jeville deram aos termos “Renascimenta” e ‘Antigo Regime” a condigéo de conceitos, de categorias histéricas, possuidoras a um s6 tempo dade e abrangéncia, de contetido e forma, de espago ¢ tempo. O que Gay disse de Burckhardt também vale para Tocqueville, porque ambos, suas obras, mencionadas, estavam “criando de uma sé feita 0 Poucos -pouguissimos-historiadores ¢ dado ctiar: um novo campo de cz O Eatlo na Histria, Sto Paslo, Companhia de Letras, 190, p. 137. No deb afinam quase que @ colsanasintrodagbes i suas obras a playa qu eta obra coreg Coube ao historiador holandés Johan Huizinga (1872-1945) o mérit nna década de 1820. “Balzac - afirma Huizinga ~ tinha ja usado a pala Renaissance como conceito auténomo da histéria da civilizagao, na novela Le bal de Sceaux, de dezembro de 1829, onde de uma das personagens € dito que: ‘Elle raisonnait facilement sur la peinture itali ‘Moyen-Age ou la Renaissance”. E a seguis francés Jules Mich publicava a sétima parte de sua Hi lo Renaissance. E sobre a inter ‘Tocqueville. Assim, se o primeiro adverte o letor para a “subje © fato de que “os mesm facilmente experimentar nto apenas utlizagioe tratamento totalmente dist ‘ambos &semelhante; assim, 0 que Peter Gay afirma no final de sua apreciacio sobre Burckhardt, vale igualmente para Tocqueville; uma visio “essenclalmente ambivalente” da cair ne barbérie quanto clevar-sena ci de Burckhardt e Tocqueville, como 1 desbravaram, quanto na maneirs, no procedimento, absolutamente orginal, anifest, por exemplo, no fato de ambos ndo terem feito o que praticamenté Paulo, Companbia das Letras, 1990; TOCQUEVILLE, Aleis de. O Antigo Regime ea Revol Brasil, UnB, 1979. AUIZINGA, Johan. “Il Problema del Rinascimento™, ivoradas do ideal do Iluminismo. E entre os representantes do grande ‘a prescindir de Colombo e Galileu, ndo nomeia nenhum italiano!”* , sem drivida, 0 nacionalismo que impediu Jules Michelet, no século ‘yer que forazn 0s italianos os criadores do Renascimento, assim como ‘¢ mesmo nacionalismo que levaré Lucien Febvre a se perguntar, um lepois, em 1943: ‘Qual foio verdadeiro papel, na evolugdo da cultura europeia,desse hurnanismo italiano. Foi “promotor” no terreno intelectual, como a artetaliana pasava por haver sido no terreno Nio seria conveniente recolocar os termos do problema e se perguntar se a Franca ~ a Franga que conheceu tio cedo, ro século XII, uma vida buligosa e desenfreada; a Franga que souibe expressar com tanto brio seu individitlismo religioso no pensamento dos misticos ou no nacionalismo disciplinado mas irrequieto de Abelardo;a Pranga quelia os textos antigos nas escola catedrelicias de uma forma que oslatinistas do Quattrocento nfo teriam desaprovado...perguntar se néo foi a Franga, na verdade, adiretora de orquestra? E se € certo que os escultores de Reims, de Chartres inclusive, spereram os de Pisa para ver « natureza com os olhos dos antigos, se néo se ppoderia ver, ao fim ¢ a0 éabo, ne Divina Comédia uma poderose sintese do saber parisiense, em Petrarca o itimo dos grandes trovadores ¢ em Bocceccio ‘o autfntico herdeiro da Idade Média francese e de sua veia realist?" Renascimento ¢ a Idade Média ni ‘© Renascimento, tal como nos fo m, mas a [dade Média menos Deus, e a tragédia é que ao perder Deus scimento iria perder o préprio homer’ ‘mia vita alla Storia e alii sagg, Bark, 67, pp. 229 «232. RE, Lucien, Ease, la Contrareforma yelExpirtu Moderno, Barcelona, Orbis, 1985, PANOFSKY, Erwin. Renascimento ¢ Renascimentos na Arte Ocidental. Lisboa, Editorial 1960, 24 fev a relagio retrospectiva do Renascimento com a Antiguidade, e pela qual Burckhardt, 20 contrério de Michelet e de Febvre, soube ver e interpreta 1 época tomou consciéncia de si mesma’ © Renascimento como uma ruptura e como uma criagao italiana, conhecida passagem de A Cultura do Renascimento na Itdlia, no da segunda parte, intitulada “O Desenvolvimento do Individuo’, Burckhardt |_| ‘Citamos, Jongamente, de um lado, porque € precisamente sobre este assim caracteriza o fendmeno: do Renascimento que aqui se trataré, ou seja, da sua relagao com a “iguidade, com o passado, portanto, como tradic&o, a autoconsciéncia que \Na Idade Média, ambasas faces da consciéncia ~ aquela voltada para omundg decorre, portanto, como ruptura com a Idade Médias e de outro lado, interior do préprio homem ~javiam, sonhando oy | de Panofsky nos serviri de modelo e guia nesta empreitada. ‘como que envoltas por um véu comum. De fé, de ‘Mas voltemos uma vez mais a Huizinga. Huizinga partiu da refutagio uma prevencio infantile de ilusdo tecera-se esse véu, através do qual se viamo de Burckhardt, do Renascimento como rompimento, para produzir jpria obra-prima: O Declinio da Idade Média (1919), Assim, onde ret, olhando essencialmente para a Itélia entre os séculos XIV ju o nascimento do novo, do Renascimento, Huizinga, olhando mente para a Franga e 0s Paises Baixos, no mesmo periodo, viu, 20 io,a continuidade do velho, da Idade Média. #-se tentado, néo obstante ‘engas, a aproximar mais ainda Huizinga, de Burckhardt, a vé. ppresentantes de uma mesma tradigéo europeia: humanista-cristé, Conservadora, cosmopolita-erudita, 4 maneira de Frasmo de Roterdé, “enguanto 0 suigo, vivendo no verdo ~ triunfante - da civilizagéo mundo e a hist6ria com uma coloracio extraordinétia; o homem reconhecia. se a si pr6prio apenas enquanto raga, povo, partido, corporaco, familia ox sob qualquer outra das demais formas do coletivo. Na tli, pela primeira ver, ‘véu dispersa-se ao vento; desperta ali uma contemplagio e um tra objetivo do Estado ¢ de todas as coisas deste mundo. Paralelament no entanto, ergue-se também, na plenitude de seus poderes, 0 subjet hhomem torna-se um individuo espiritual ese reconhece enquanto tal Pode-se, evidentemente, criticar Burckhardt ¢ recusar sua interpretacio, como o fizeram, entre tantos outros, 0 préprio Huizinge, que, no entant foi procurar sua primavera, o Renascimento, o holandés, vivendo Jo: A estrutura deste incomparavel modelo de sintese hist6r mo ~ catastrofico - da primeira guerra mundial, foi procurar 0 outono cultural é sélida e harménica tal como a de uma obra-prima renascentist z .g40 medieval. No prefécio A primeira edigao inglesa de seu livro, Jo que Huizinga estabelece entre o sujeito, a obra de Burckhardt, julzinga: € 0 objeto, o Renascimento, é tanto mais interessante porquanto, como bem notou Perry Anderson: “No geral a literatura moderna sobre o Renascimento Mas na Histéria como na Naturera, nascimento e morte estio equilibrados italiano é curiosamente limitada e érida: como se a propria escala das criagdes entre si, A decadéncia de formas de civilizagio em adiantado estado de do Renascimento de alguma maneira tivesse paralisado os historiadores comooespeticulo do crescimento de novas formes, que o abordaram’: Para P. Anderson o livro de Panofsky, Renascimento © | — i fe que um perfodo em que se tenha especialmente Renascimentos na Arte Ocidental, cde coisas novas se revels de sibito como uma época €atinica grande obra historica sobre a renovagao da Antiguidade digna deste objeto... livro de Panofsky tem uma orientagdo puramente estética: todas historia econémica, social e politica fica de fora de seu propésito. Mas poF ‘sua qualidade e método, determina a pauta de trabalho que resta por faze i \¢io do poder quea Revolugio neste dom{nio. Acima de tudo, Panofsky leva mais a sério do que jamais 5° Itimas consequéncias. Afirma BSON, Perry Linhagens co Estado Absolutista, Porto, Afrontamento, 1984, pp. 0p. cit, IGA, Johan. O Declinto da Idade Média. Sto Paulo, Bdusp, 1978, 1* edigdo 4, 5. HUIZINGA, op. eit, 233 Tocqueville: ‘fa realeza que nada mais tem em comum com a realeza medieval: possui ‘outras prerrogativas, ocupa tim outro lugar, tem um outro espirit, outros sentimentos. £ a administragdo do Estado estendendo-se la parte sobre os escombros dos poderes locas. hierarquia dos funcionéios substituindo de maneira crescente 0 governo dos nobres. Todos esses novos poderes obedecem a procedimentos, seguem méximas que os homens da dade Média ignoravam ou reprovavam e que se relacionam com um estado de sociedade do qual realmente nao tinham a menor ideia* E sabido que uma vez iniciada a Revolugao francesa, isto é, pelo menos desde o més de julho de 1789, os revolucionérios logo batizaram de “Antigo” o “Regime” que eles estavam pondoabaixo, Em suma, desde Revolugao francesa, todos falam em Antigo Regime para designar o perfodo imediatamente a ela anterior. Mas ninguém antes de Tocqueville havia dado ao termo o estatuto de é foi notado que o Antigo mas nfo tem um momento Regime fecha-se um periodo historico, a Historia Moderna, e comeca outro, a Historia Contemporanea. Mas quando comega exatamente o Antigo Regime? No século XV? No XVI? Ou ser, talvez, no XVII? Ninguém sabe. Sabe-se que com ele, sto é, como Antigo Regime, também comegaaldade Moderna, em algum momento, entre os séculos XV e XVI. Ora, nao h4 como no constatar a ironia de que o que era moderno no século XV-XVI, tornou-se antigo no século XVIII. Como se a inefavel aurora do Renascimento, ao invés de dar lugar a um novo dia, diferente dos anteriores, tivesse dado lugar a um dia igual aos outros, e, portanto, ao invés da entrada em cena do capitalismo € da sociedade burguesa se assistisse ao retorno do feudalismo e da sociedade aristocrética. Daf 2 razo de alguns historiadores falarem em refeudalizagao € outros em “traicio da burgue: se referirem a esse perfodo e fenémeno histérico, Mas essa nao é a tinica ironia. Porque com o Renascimento, como se ver, 0 moderno torna-se velh gético, medieval, ¢ 0 antigo, isto & greco-romano, torna-se novo e cl Seja como for, a grande facanha de Tocqueville, para géudio de todos 0s conservadores, de todos quantos néo gostam da Revolugio francesa, foi ter invertido os termos conceituais, os lugares da continuidade ¢ da ruptura 8, TOCQUEVILLE, op. cit, p. 62 = se levarmos 0 paralelo até o fim, no inicio da Idade Moderna, com a storia Moderna. Na tese de Tocqueville, a Revolucéo, ao lever a termo ‘e centralizacao do Antigo Regime, representa uma continuidade, € Regime, 20 crier um novo tipo de poder, representa uma ruptura. ‘para Tocqueville, como bem notou o historiador Frangois Furet (1978), jucdo foi uma ruptura nas consciéncias, mas néo na realidade, a0 passo ia renascentista, houve uma ruptura na realidade sem que os sujeitos ssem tido consciéncia. Afirma Tocqueville: uso afirmar que desde o dia em que a nage cansada pelas longes desordens que ecompanharam a catividade do rei Jodo ea loucura de Carlos V1, permitiu aos ris estabelecer um imposto geral sem sua participagio eem que a nobreza teve a covardia de permitir que taxassem o tercero estado contanto que a {sentassem ela propria, a partir deste dia foi semeado o germe de quase todos ‘0s vicios e quase todos os abusos que deformaram o antigo regime durante 0 resto de sua vida e acabaram causando violentamente sua morte? icia inglesas lo XVII e se completa com a Revolugo francesa) como é 0 caso para franceses da Restauracio, Guizot, Thierry, Mignet, ¢ também, 9 menos, para Marx e Engels - para o aristocrata Tocqueville, cla, a ‘suas raizes no feudalismo, na Idade Média, porque ela é quase ‘um atributo, um apandgio da nobreza, da aristocracia. Ponto de vista alids s¢ encontra em Montesquieu a quem Tocqueville tanto admirava. Com em Do Espirito das Leis ),1e-se: Destruindo o império grego,os tértaros implantaram nos pases conquistados a servidio e 0 despotismo; os godos, conquistando 0 império romano, ‘mplantaram em toda parte, a monarquia e a liberdade... elas (as nagbes do norte da Europa) foram a fonte da liberdade da Europa, ou seja, de quase toda a iberdade que existe atualmente entre 0s homens. Porém, de Petrarca a Maquiavel, passando por Lorenzo Valla, Pico Mirandola e tantos outros humanistas, uma interpretagio como esta mnascentistas estavam niio apenas restabelecendo no poderia parecer menos do que ofensi cante, absurda. Com efeite, Tho passado, 08 re Rousseau, fazendo eco do repu ico, defendido por muitos ii de, uma tradi¢ao, mas estavam, na realidade, ret ido um humanistas, em Do Contrato Social (1762) afirma: “A ideia de representantes ¢ aio, uma rupture com a tradiglo, com a autoridade viva, até aquele ‘moderna: vem-nos do governo feudal, desse governo infquo e absurdo no qual a espécie humana sé se degrada ¢ o nome de homem cai em desonra’, ‘omesanaprimeirametade do século XIV, no Trecento,com Petrarca, Voltemos a Tocqueville, uma iiltima vez, Ao sustentar que a Revolugig area porque, como foi reconhecido pelos préprios contemporaneos, francesa teria sido uma ruptura nas consciéncias e, néo na realidade, ‘uma ‘revivescéncia sob a influéncia dos modelos classicos' foi, pela portanto, uma iluséo, um autoengano, uma ideologia, ele esté, neste sentido, "yer, por ele concebida e formulada, Depois de visitar Roma, € ficar curiosamente, com a mesma posi¢ao apresentada por Marx e Engels em 4 yi com stas ruins, Petrarca deu-se conta do contraste entre um Hdeologia Alemé (1845): s de grandeza e um presente deplorivel e de acordo com Panofskys uma nova versio da hi Em outras palavras, Petrarca foi 0 ‘ olhar para a antiga Roma pag, como uma era de luz. e esplendor, Roma recente, crist&, como uma era de trevas e de decadéncia. O to, a se dar conta do intervalo que existia entre a Antiguidade mtiquitas), vista como passado e tomada como modelo, ¢a realidade (media-etas), repudiada. Para Panofsky, io partimos do que os homens dizem, imaginam, concebem, nem | tampouco daquilo que eles sio nas palavras, no pensamento, na imaginacio ‘ena concepgio de outros, para em seguida chegar aos homens de carne ¢ ‘0s60; nao, partimos dos homens em sua atividade real &a partir também de seu processo de vida real que concebemas o desenvolvimento dos reflexos¢ cos ideolégicos deste processo vital. 20 afirmar que os Romanos pagios é que tinham caminhado na luz ¢ 08 CCistios nas trevas, Petrarca revolucionon a interpretacio da histéria nfo ‘menos radicalmente do que Copérnico que, duzentos anos mais tarde, haveria de revolucionar a interpretagio do universo fisico." Ora bem, se no ha como discordar do procedimento proposto por ‘Marx e Engels, & preciso, contudo, saber, como bem notou Panofsky, nq seu luminoso Renascimento e Renascimentos na Arte Ocidental, que: “Em historia... nfo é s6 0 que os homens fazem que conta, mas também o que eles ppensam, sentem e creem: as emogGes e as conviogdes subjetivas ndo sio mais seguir, em meados do mesmo Trecento, Boccaccio estende ao domb facilmente separdveis das agées ou realizagoes objetivas que a “qualidade” da 3.0 que Petrarca havia iniciado, mas limitado ao dominio da poesi “quantidade” Seguindo Panofsky, veremos entio que © que os humanistas iagem. No Decameron de Boccaccio Ié-se: do Renascimento “pensavam, sentiam e acreditavam’, constituiu um extraordindrio, maravilhoso, mo(vi)mento de realizagao. “Realizagio, salienta Panofsky, no duplo sentido inglés de ‘tornar-se consciente’ e ‘tornar-se real” Realiza¢ao vivida simultaneamente como um retorno a uma tradigéo passada, a Antiguidade cléssica, e como um rompimento com uma tradigao presente, @ Tdade Média gotica, Note-se a ironia, para nao dizer paradoxo, decorrente do fato de que ao escolherem ¢ adotarem conscientemente uma tradigio, uma autoridade, oginio de Giotto era duma tal exceléncia que nada existia na natureza...que ‘le no fosse capaz de representar por meio do estilete, da pena ou do pincel com uma tal verdade que o resultado mais parecia uma obra da natureza “que uma sua imitagéo, Pelo que 0 sentido humano da vista facilmente se "> eixava enganar pelas suas obras, tomando por realidade o que era apenas Dinfura, E assim fez ele regressar & luz esta arte que durante tantos séculos ‘estivera sepultada sob os erros de alguns que pintaram para agradarem 20s clhos do ignorante eno para satisfazerem a inteligincia dos sébios, devendo ser justamente considerado como uma das luzes da gloria florentina..? To. PANOFSI, op. cit, pp. 62-3 ¢ 27, respectivamente. Concepgio praticamente idéntca éencontra-se em HUIZINGA }. quando, rferindo-se aos cronstas do séulo XV aia: "Portat® 0 erro, pode replicase, é dels, e a nossa concepeio da dade Miia exté correla. se para compreender o espirito de uma época bastasse conhecer as forgas raise ocultas€ 980 também os seus ceprichos,iluseseerzos. Mas para ahistéra da cvilizaio as tsdes ou opine! {OPSICY op cits p30. de uma épocs tem o valor deftos el PANORSKY, op. 32. Como se vé, enquanto Petrarca langava o programa de um “regresso 4 _ é écie, pela cor € por todos 0s outros aspecios, she eae se dava conta de que Giotto inaugurava, com saree eet teasers oe dade e essa . Na feliz formulacio, poster “A Antiguidade faz parte da natureza e mesmo, sempre que emociona, da natureza natural”. No século XV, no Quattrocento, Lorenzo Valla, escrevia: gregos,tentando superar em génio e qualidade as ricas construgdes asidticos e dos egipcios, distinguiam entre 0 bom ¢ o menos bom € vcorreram & natureza, seguindo as intengGes desta em vez de misturarem isas incongfuentes, cbservaram como os principios masculino e feminino [io sei porque ¢ que as artes mais proximas das artes liberals ~ a pinty ” Lies: aan ae produzem uma terceira coisa melhor e estudaram o desenho eaperspectiva 2 escultura.,.¢ a arquitetura ~ tiveram um declinio to profundo e prolongado, que foi quase uma morte, juntamente com a propria literatura; znem porque € que nestes tempos se levantaram e ressuscitaram, a ponto de ‘existir agora uma tio rica seara simultaneamente de excelentes artistas e de -excelentes escritores.* , te, com Vasari, no sculo XVI, no Cinguecento, precisamente P cinge-v ‘um “novo nivel de consciéncia hist6rica e sistematica, Panofiky. “Vasari foi o primeiroaapresentar as destruigdes dos bérbaros. 'arrebatado elo da nova rligo crst como ascausas conjuntas de uma nica e mesma rimeiro a ver 0 ‘renascimento da arte’ como wm fenémeno ‘Mas, se Lorenzo Vala declara nao saber por que asertes haviam conhecido um declinio tdo profundo e prolongado, Lorenzo Ghiberti, na mesma época, formula a seguinte interpretacao: Nos tempos do Imperador Constantino e do Papa Silvestre genhow ascendéncia a fé crista. Com a violenta perseguicao feta & idolatra, foram ‘mutiladas e destruidas todas as estétuas e pinturas embelezadas com tanta nobreza e dignidade antiga e perfeita, perecendo ao mesmo tempo os livros € 0s tratados bem como as regras que tinham servido de guias a essa gentile fasari foi também responsivel por superar a confuséo existente. Assim, por exemplo, enquanto Cennino Cennini ape eferia-se notabilssima arte” E pouco antes de Ghiberti lamentar a perda dos tratados antigos, que, ele aa me solevano piacere questi imaginava, conteriam as regras que deveriam governar as artes, Leone Battista Antichi, mi sono venuti 10 se vé os humani e artistas itali stas ou filélogos, mas também criticos, teéricos e intérpretes do mntoe do seu tempo. A exprésséo de Manetti sobre Brunelleschi, a qual este estava dotado de um “buono acchio mentale’, expressa avelmente 0 nivel de consciéncia alcancado no Renascimento. Como Alberti apresentava, em 1435, seu Tratado sobre a Pintura uma espécie de manifesto, de programa, de arte renascentista. O pintor, afirma Alberti, deverd, antes de mais, esforear-se para que todas as partes se harmonize entre si, 0 que acontecerd se todas elas, pela quantidade, pela funséo, pela 13. Idem idem, p. 55 14. Idem idem, p. 37 15. Idem idem, p49 ‘No Renascimento italiano, o passado clissico comegou a ser olhado a party joderno por ter sido ele “distancia entre o olho e 0 objeto’ no gue iro a pensar a politica ‘um campo separado & cons das invengdes mais caracteristicas desse mesmo Renascimento, ndente da moral e da religiéo. Com efeito em O Principe ls a saber, a perspectiva; como nesta, essa distancia impedia um contato ditety ~ devido&interposicfo de um plano de presto ideal ~ mas permitia ung visio total e racionalizada.” [Nas acBes de todos os homens, méxime dos principes, onde no hé tribunal ‘a0 qual se possa recorzer, © que importa é 0 éxito bom ou mau. Procure, q ‘ois, um principe vencer e conservar o Estado. Os meios que empregar sero Essa consciéncia do humanista renascentista, dotado de visio perspectiva, sempre julgados honrosos ¢ louvados por todos, porque o vulgo é levado aparece brilhantemente expressa por Maquiavel na dedicatdria de seu 0 “pelas apartncias € pelos resultados dos fatos consumados, ¢ 0 mundo é Principe ao magnifico Lorenzo de Médici quando afirma: “os que desenham constituido pelo vulgo. 05 contornos dos pafses se colocam na planicie para considerar a natureza dos montes, ¢ para considerar a das planicies ascendem aos montes, assim “Compare-se agora esta visio maquiavélica, laica, e portanto, moderna, também para conhecer bem a natureza dos povos é necessério ser principe, visto erasmiana, crist’, ¢ portanto, ainda medieval, da politica. Em € para conhecer a dos principes & necessério ser do pove"” Pouco antes, na ida Loucura, escrito em 1511, apenas dois anos antes de O Principe, mesma dedicat6ria, Maquiavel também declara que nada Ihe é mais caro do | mento das ages dos grandes homens apreendido por uma _ das coisas modernas ¢ uma continua li¢io das antigas”, Em outras palavras, o Renascimento sabia que era renascentista ao passo ‘que a Idade Média, como jé foi dito, nunca soube que era medieval, Panofsky conclui sua interpretagao sobre o Renascimento, com esta belissima imagem: sn deverd ele (0 principe) mais cedo on mais tarde, apresentar-se perante 0 tribu- hal do Ret dos ris, no qual Ihe serio pedidas contas exatas de todos os seus me- | ores atos,sendo ele jlgad com rigor proporcional extensio do seu dominio, 10 se vé, Erasmo, o mais completo humanista, a maior gloria do A Idade Média deixara a Antiguidade por enterras, ora galvanizando nento, ainda é, em termos de politica (ede religiéo, ao ndo ter aderido fora exorcizando 0 seu cadaver. © Renascimento ficou a chorar junto a0 orma protestante), um homem medieval ou pré-moderno. Contudo, ¢ seu timo tentando resuscitathe a aia, As alas ressusctadas $0 flmente, o olhar moderno de Maquiavel sobre a politica decorre mais intangiveis, mas tem o privilgio da imotalidade e da omnipresenga, Po ‘mot pelo passado cléssico do que da sua observagéo e experiéncia isso, 0 papel da aniguidade clissia depois do Renascimento é um tanto mt, Come todos os humanistas, Maquiavel estava imbuido de uma evasivo, mas também, omnipresente - e apenas mudaré quando mudar a” | paixio pela Antiguidade classica nossa prépria civilizagao2 Ivez em nenhum outro renascentista se encontre uma declaragio de or pelos eldssicos, como a que Maquiavel fez na carta a seu amigo Vettori, de 1513, onde descreve seu cotidiano no exilio eonde se Para melhor iluminar estas reflexdes sobre o Renascimento enquant ¢ ruptura, também, e ndo menos, enquanto modernidade parci da, tracemos um rapido paralelo entre dois gigantes, dois clissicos da politica, Maquiavel e Hobbes. Um, por ser o primeiro moderno, embora no totalmente moderno, outro, por ser o primeiro completamente moderno. > Chigarido'a noite; de volta a casa, entro no met eséritério: ena porta dispo as ‘minhas roupas cotidianas,sujas de barro e de lama, e visto as roupas de corte cou de cerimonia, e, vestido deceniemente, penetro na antiga convivencia dos grandes homens do passado; por eles acolhido com bondade, nutro-me aquele alimento que é 0 tinico que me é apropriado e para o qual nasci. ‘Nao me envergonho de falar com eles, €Ihes pergunto da razio das suas ages, ¢ eles humanamente me respondem; e néo sinto durante quatro horas aborrecimento algum, esquego todos os desgostos, nto temo a pobreza, no 20, Idem tidem, p. 153-4 =P ‘me perturba a morte, transfundo-me neles por completo. 21, Idem iidem, p. 160. Digiamos hé pouco que todos sabem que Maquiavel 6 0 prim pps acta cos cisco én nta sempre bras : Pensador modemo da politics, mas, deve-se acrescentar, nem todos sab exemplo, essa passagem irdnica: “Se Tito Livio afirma que um: que Maquiavel nao foi, como em geral se pensa, um homem destitu( . fizeram uma vaca falar, e nao 0 acreditamos, no estamos com moral e ética. Maquiavel criticou a moral e a ética da rel i 3 eg confangaa Deus masa TitoLivig! Srey bem notou Norberto Bobbio, Hobbes ¢ 0 iniciador do 1 politico e do tratamento racional do problema do Estado. Foi o método “geométrico’, 4 moral cristi, ele opunha a moral republicana classica, da Antigui : um homem como Maquiavel, dotado de uma ardente, intensa paixdo éticg jal prescindindo de tudo o que podem ter dito os autores precedentes © poderia ser o autor da seguinte frase em Histérias Florentinas: levando em consideracio o ensinamento da histéria, busca 0 caminho preferiram a gi i 5 ‘uma reconstrugéo meramente racional da origem ¢ do fundamento do ic tado. ‘Mas exatamente porque Maquiavel tinha a sua consci vis 7 seu buono occhio ment a )formady | 8, sempre segundo Bobbio, pelo republicanism clissico, sto é antigo, que ele pode ser, a um s6 temp : aa moderno e nfo moderno. Moderno porque, gracas aos antigos, pi fobbes faz tdbula rasa de todas as opiniGes anteriores e constréi sua como a moral religiosa te [ue estar subordinada a politica ¢ nao a pol soria sobre bases sdlidas, indestrutiveis, do estudo da natureza humana a ia a Igreja catélic ssidades que ela expressa, bem como do modo de satisfazer tais no pOde se dar conta de que enquant chegava, em termos politicos, uma espécie de beco histérico sem saida, fora dela, em Portugal, na Espanhs, Franga ¢ Inglaterra, estava surgindo um novo tipo de monarquia, de Esta erno do que Rousseau, que € do XVIII. Porque Rousseau, 20 fruto de uma nova articulagio com a nobreza, por um lado, e com a lereja, também ducxporsra outro, destinado a se transformar no instriimento da passagem do feudalism epcio da politica eda democracia o republicanismo clissico. Pode- ymo, na concepséo marxista, € no instrumento da passagem di “que Rousseau foi o primeiro critico do liberalismo e da burguesia, aristocracia para a democracia, na concepgao tocquevilleana, mas, seja com). pperceber que o homem moderno é um ser : for, para realizar, e completar, a primeira modernidade europeia. 2 ainbém quis ressuscitar a unidade perdida do homem; unidade Modernidade da qual Hobbes foi o maior expoente e teérico. Como ® | dilesoimenite a Antiguidade classica havia conhecido. 5 sabe 0 absolutismo politico de Hobbes € ico quanto € laico 0 absolutiss9 Itemos, uma tiltima vez, aos séculos de Hobbes e de Maquiavel, : ‘que enquanto o tiltimo século do Renascimento, o XVI, foi, com 0 direito divino dos reis. Mas enquanto um tinha o seu buono octhit, vista econdmico-social, um periodo, de grandes avangos € ‘mentale governado pelo pasado, o outro o tinha governado pelo presen" e 86 pelo pre Em Hobbes, ao contrério de Maquiavel, nao existt nenhuma referé ai icos (embora ¢! ‘ ‘mais ainda do que o préprio Maquiavel 03 conhecia; bastané? 1, foi no século XV, que comecou o Renascimento, e com ele a lembrar aqui que Hobbes traduziu A Hist6ria da Guerra do Peloponeso. & ‘Modernidade que, contudo, permaneceu a meio caminho. ides, do grego para o inglés que a sabedor pela leitura dos livros, mas do homem” (grifos do autor). Pode-se dizer 4 jnalmente intitulado “Pensar o Renascimento” 0 texto foi © Renascimento, como Janus, 0 deus romano, tinha duas cabecas ¢ o i itado para aula inaugural do curso de pés-graduacio em Histéria paradoxalmente, nenhuma das duas, ou melhor, por causa das duas, ni fa fe capaz de fazer nascer o chamado pensamento racional, cientifico e com ele FFLCH-USP), no ano de 2010, Agora, com tamanho quase dobrado, ideia de progresso e uma nova atitude e visio diante do homem, da naturera ¢ se publica. Reitero o agradecimento a Tika Stern Cohen pelas duas dahistéria, e, em consequéncia, pelo menosno plano intelectual, de cristalizarg fas que fez do texto com valiosas sugestoes. modernidade, Foi s6 no século XVI, no século de Hobbes, que isto acontecey, curiosamente, e da mesma forma que o XV, um século parcialmente de cris ‘ IV geral, de regressio e encolhimento econdmico, mas, no plano sécio-politco, de consolidagdo da aristocracia e do absolutismo (este ultimo exceto ny\ | Inglaterra). Daf a razo de no poucos historiadores considerarem, como foi dito, o século XVII, como um século marcado por um verdadeiro process | de refeudalizagao. ‘Como se viu, abordar o problema da tra faut le dire e mudanga, na primeira modernidade europei ‘ iets : “Renascimento, assim como a Reforma protestante, a monarquia : ante 4 € 0 capitalismo, so, ou costumavam ser, os quatro fenémenos porque se trata de uma aventura intelectual que, para o bem ou para o mal, a able sempre oe Ei ores recorre(rahud para taglicar. © E responsivel por tudo que somos. B complexa porque, como vimos, as | ‘da modernidade no Ocidente. Desses quatro grandes conceitos rupturas as continuidades nfo acontecem de maneira regular ¢ uniforme,e ‘o Renascimento, além de ser o mais antigo, ambiguo e problemético tem ritmos préprios conforme se trata das consciéncias e das instituigdes, da aquele que nos titimos cinquenta anos, como veremos, sofreu mental ¢ do material, “Na histéria como na fisica’, para citar Panofsky uma ffuria reviravolta e desqualificagdo por parte da historiografia, itis ver, “tambin. tampo‘é-Fanglic do eepard © 2 4 fo de conceito fundamental a conceito descartavel. fume end Somme use sbatvada Doe waa jaan geice io ar essa reviravolta na historiografia do Renascimento é 0 tema desta altiultencaniente, cantinaldadee ruptane = que tem a pretensio de ser a0 mesmo tempo menos € mais do que 0 balango historiogrifico. Menos porque nao iremos tratar dessa rafia como um todo, nem mesmo superficialmente; mais porque as ue agui se oferecem sobre determinados aspectos quer da histéria, istoriografia do Renascimento, esto todas a 4 nosso ver sempre central e decisivo, qual sé de nossa modernidade. nceito de modernidade do qual se trataré aqui diz respeito sobretudo 4 modernidade, ou perfodo formative que vai do século XV a0 a outra modernidade, a contempordnea dos séculos XIX ¢ XX, stard presente ao falarmos dos historiadotes do Renascimento, cujas O (coNCcEITO De) RENASCIMENTO: DO ZENITE AO NADIR ‘Ses tornam-se mais compreensiveis quando inseridas no quadro de ivas modernidades, constituidas a nosso ver por trés fases distintas: ‘0scem anos aproximadamente que se iniciam com o século XIX e se com a Primeita Guerra Mundial, a fase da crise, que se estende até a 1970 e a da pés-modernidade a partir dessa década, 23. PANOPSKY, op. tp. 20.

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